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ISSN 01003364 R$ 15,00

9 770100 336002 00287

25/01/2016 08:53:32
CONCURSO PÚBLICO
EMATER–MG
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de 1º de março a 6 de abril de 2016
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Informe Agropecuário
Uma publicação da EPAMIG
v. 36 n. 287 2015
Belo Horizonte-MG

Sumário
EDITORIAL ...................................................................................................................... 3

ENTREVISTA .................................................................................................................... 4
01003364 R$ 15,00

00287
9 770100 336002
ISSN

Preparo do solo e adubação


Paulo César de Lima, Waldênia de Melo Moura, Carlos Henrique da Silva Almeida,
Apresentação Maria Aparecida Nogueira Sediyama e Izabel Cristina dos Santos..................................... 7

Em um extenso relatório publicado pela Or- Manejo agroecológico de pragas


ganização das Nações Unidas para Alimentação Madelaine Venzon, Pedro Henrique Brum Togni, Dany Silvio Souza Leite Amaral,
e Agricultura (FAO), de 2010, a agroecologia
Maíra Queiroz Rezende, Maira Christina Marques Fonseca e Elem Fialho Martins............... 19
foi identificada como um modo de desenvol-
vimento agrícola, que não só mostra fortes co-
Controle alternativo de doenças de plantas
nexões conceituais com direito à alimentação,
Wânia dos Santos Neves, Everaldo Antônio Lopes, Rosangela Dallemole Giaretta,
mas também resultados comprovados para o
progresso rápido na concretização desse direito, Douglas Ferreira Parreira e Polyanna Mara de Oliveira......................................................... 31
para muitos grupos vulneráveis em vários países
e ambientes. No Brasil, esse debate iniciou-se Produção de café Arábica e Conilon em cultivo orgânico de base agroecológica
ainda na década de 1980, por intermédio de or- Waldênia de Melo Moura, Paulo César de Lima, Carlos Henrique da Silva Almeida,
ganizações e movimentos sociais. Rebeca Lourenço de Oliveira, Débora Ribeiro Gonçalves e Rodrigo de Paula Ferreira................ 40
A internalização dessa abordagem, na
EPAMIG, ocorreu em meados dos anos de Produção de hortaliças e plantas medicinais em sistema orgânico
1990. A agroecologia tornou-se mais do que uma Izabel Cristina dos Santos, Maria Aparecida Nogueira Sediyama, Marinalva Woods Pedrosa,
ciência, pois agrega o conhecimento científico Maira Christina Marques Fonseca e Adalgisa Leles do Prado................................................. 53
de diferentes áreas ao conhecimento tradicional
dos agricultores, buscando, por meio de saberes, Produção agroecológica e orgânica de flores
construir uma proposta de desenvolvimento ru- Simone Novaes Reis, Elka Fabiana Aparecida Almeida, Lívia Mendes de Carvalho,
ral sustentável. A pesquisa e a extensão vivem, Marília Andrade Lessa e Izabel Cristina dos Santos............................................................... 65
então, o desafio de adequar seus trabalhos às de-
mandas e à diversidade dos agricultores familia- Bananicultura orgânica
res. Verifica-se, ainda, certa desarticulação entre Ana Lúcia Borges, Zilton José Maciel Cordeiro, Marilene Fancelli e
os sistemas de pesquisa e de assistência técnica Maria Geralda Vilela Rodrigues........................................................................................ 74
e extensão rural, tanto em âmbito público como
privado. É importante atentar para o processo a Morango orgânico
ser construído, o qual envolve diferentes mãos
Mário Sérgio Carvalho Dias, Joaquim Gonçalves de Pádua, João Batista Ribeiro
e realidades. É preciso olhar para frente e cami-
da Silva Reis e Alniusa Maria de Jesus............................................................................. 84
nhar juntos e articulados.
Neste número da Revista Informe Agrope-
Contextos da transição agroecológica na Embrapa
cuário são abordados temas de relevância para
a agricultura orgânica, a partir de demandas dos Walter José Rodrigues Matrangolo.................................................................................... 93
agricultores familiares e organismos voltados
à produção de alimentos dentro dos princípios Intercâmbios agroecológicos: aprendizado coletivo
agroecológicos. Além disso, são apresentadas Fabrício Vassalli Zanelli, Angélica da Silva Lopes, Irene Maria Cardoso,
as experiências da Embrapa com relação à tran- Raphael Bragança Alves Fernandes e Breno de Mello Silva.......................................................... 104
sição agroecológica; do Centro de Tecnologias
Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) sobre Interface pesquisa, extensão e agricultura familiar
intercâmbios agroecológicos, e uma apropriada Djalma Ferreira Pelegrini, Juliana Carvalho Simões, José Antonio Ribeiro e
abordagem da EPAMIG sobre a interface pes- Eugênio Martins de Sá Resende........................................................................................ 114
quisa, extensão e agricultura familiar.

Paulo César de Lima


Juliana Carvalho Simões

ISSN 0100-3364

Informe Agropecuário Belo Horizonte v. 36 n. 287 p. 1-124 2015

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Informe Agropecuário é uma publicação bimestral
© 1977 Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas
ISSN 0100-3364
Gerais EPAMIG
INPI: 006505007
É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem
autorização escrita do editor. Todos os direitos são reservados à
CONSELHO DE PUBLICAÇÕES EPAMIG.
Rui da Silva Verneque Os artigos assinados por pesquisadores não pertencentes ao qua-
Trazilbo José de Paula Júnior dro da EPAMIG são de inteira responsabilidade de seus autores.
Marcelo Abreu Lanza
Os nomes comerciais apresentados nesta revista são citados apenas
Juliana Carvalho Simões
Vânia Lúcia Alves Lacerda para conveniência do leitor, não havendo preferências, por parte da
EPAMIG, por este ou aquele produto comercial. A citação de termos
COMISSÃO EDITORIAL DA REVISTA INFORME AGROPECUÁRIO técnicos seguiu a nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Trazilbo José de Paula Júnior O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
Marcelo Abreu Lanza publicação da edição.
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Assinatura anual: 6 exemplares
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PRODUÇÃO E ARTE Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - . - Belo


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Chaves Amaral, Maria Alice Vieira e Bárbara Niriz O. Maciel v.: il.
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Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatísti-
Ângela Batista P. Carvalho ca. - v.1, n.1 - (abr.1975).
Capa: Ângela Batista P. Carvalho ISSN 0100-3364

Fotos da capa: Erasmo dos Reis 1. Agropecuária - Periódico. 2. Agropecuária - Aspecto


Fazenda Vista Alegre - Capim Branco, MG Econômico. I. EPAMIG.
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Impressão: Consórcio Pesquisa Café/Embrapa


Governo do Estado de Minas Gerais
Circulação: Fevereiro/2016 Secretaria de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento

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Governo do Estado de Minas Gerais
Fernando Damata Pimentel
Governador
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
João Cruz Reis Filho
Agricultura orgânica e Agroecologia:
Secretário
parceria sustentável
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
A necessidade de produzir alimentos para uma população
Conselho de Administração
mundial estimada em 7 bilhões de pessoas tem sido uma preocu-
João Cruz Reis Filho Evandro do Carmo Guimarães
Rui da Silva Verneque Maria Lélia Rodriguez Simão pação constante, o que motiva a criação de ferramentas para o
Maurício Antonio Lopes
Marco Antonio Viana Leite
Osmar Aleixo Rodrigues Filho
Reginério Soares Faria
atendimento dessa demanda. A Revolução Verde, iniciada no final
Glênio Martins de Lima Mariano
do século 19 e ampliada após a Segunda Guerra Mundial, surgiu
Conselho Fiscal
como uma solução para esta demanda. Programas governamentais
Márcio Maia de Castro Júlio César Aguiar Lopes de valorização do aumento da produtividade agrícola, por meio
Márcio da Silva Botelho
Kleber Villela Araújo
Larissa Gonçalves da Matta
Manoela Muniz Pedrosa
de tecnologias de controle da natureza de base científico-industrial,
foram fundamentais para o sucesso desta ferramenta.
Presidência Contudo, a sustentabilidade da produção agrícola nesse
Rui da Silva Verneque
Diretoria de Operações Técnicas
modelo tem-se mostrado inviável, e os principais reflexos podem
Trazilbo José de Paula Júnior ser percebidos na perda da biodiversidade planetária, na contami-
Diretoria de Administração e Finanças
Enilson Abrahão nação da natureza e nos amplos processos de desterritorialização
Gabinete da Presidência das populações camponesas em todo o mundo. Com a expansão
Maria Lélia Rodriguez Simão
da Revolução Verde em escala global, a agricultura familiar foi
Assessoria de Assuntos Estratégicos
Beatriz Cordenonsi Lopes fortemente impactada. As reações a este modelo, por parte da
Assessoria de Comunicação
Fernanda Nívea Marques Fabrino
ciência e da sociedade, foram responsáveis pelo surgimento da
Assessoria de Contratos e Convênios Agroecologia.
Eliana Helena Maria Pires
Assessoria de Informática
O Brasil é um dos países com maior potencial para o cres-
Silmar Vasconcelos cimento da produção orgânica por possuir diferentes tipos de
Assessoria Jurídica
Valdir Mendes Rodrigues Filho solo e clima, uma enorme biodiversidade, aliada a uma grande
Assessoria de Processos Institucionais diversidade cultural. O processo produtivo de um produto orgânico
Janaína Gomes da Silva
utiliza como base os princípios agroecológicos que contemplam
Auditoria Interna
Maria Sylvia de Souza Mayrink o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos
Departamento de Gestão de Pessoas
Regina Martins Ribeiro naturais, respeitando as relações sociais e culturais.
Departamento de Informação Tecnológica Diante das atuais preocupações com as mudanças climáti-
Vânia Lúcia Alves Lacerda
Departamento de Infraestrutura e Logística cas, com as diversas questões relacionadas com o meio ambiente,
José Antônio de Oliveira a preservação hídrica e a conservação de solos e, ainda, com a
Departamento de Orçamento e Finanças
Pio Fonseca Miranda exigência cada vez mais forte por parte dos consumidores por
Departamento de Pesquisa alimentos de qualidade, livres de contaminantes e produzidos de
Marcelo Abreu Lanza
Departamento de Suprimentos
forma sustentável, a produção orgânica nos preceitos agroecoló-
Mauro Lúcio de Rezende gicos sinaliza um novo caminho.
Departamento de Transferência de Tecnologias
Juliana Carvalho Simões Esta edição do Informe Agropecuário traz uma reflexão so-
Instituto de Laticínios Cândido Tostes
Claudio Furtado Soares e Vanessa Aglaê M. Teodoro
bre a produção de alimentos e sua forma de obtenção na natureza,
Instituto Técnico de Agropecuária e Cooperativismo bem como informações sobre tecnologias voltadas aos principais
Luci Maria Lopes Lobato e Francisco Olavo Coutinho da Costa
desafios enfrentados pela agricultura orgânica de base agroecoló-
EPAMIG Sul
Rogério Antônio Silva gica com o objetivo de apoiar os produtores familiares.
EPAMIG Norte
Polyanna Mara de Oliveira e Josimar dos Santos Araújo
EPAMIG Sudeste
Sanzio Mollica Vidigal e Adriano de Castro Antônio Rui da Silva Verneque
EPAMIG Centro-Oeste
Marinalva Woods Pedrosa e Waldênia Almeida Lapa Diniz Presidente da EPAMIG
EPAMIG Oeste
Carlos Juliano Brant Albuquerque e Irenilda de Almeida

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A agroecologia é o nosso futuro
O sociólogo Edmar Guariento Gadelha é formado pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e possui vasta expe-
riência e atuação nas lutas sociais, especialmente as relacionadas
com os trabalhadores rurais. Possui diversas publicações sobre o
tema e participou de vários eventos e missões internacionais pela
Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e pela Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Coor-
denou o Projeto Tecnologias Alternativas na Agricultura (PTA) e
participou da articulação para implementação da Rede de Inter-
câmbio de Tecnologias Alternativas, que tem entre seus resulta-
dos, a criação dos centros de agricultura alternativa, a exemplo
do CAA-NM (Norte de Minas), do Centro de Tecnologias Alter-
nativas (CTA-ZM), em Viçosa, Centro Agroecológico Tamanduá
(CAT), em Governador Valadares e o Centro de Agricultura Alter-
nativa Vicente Nica (CAV) em Turmalina. Foi secretário-executivo
do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável
de Minas Gerais (Consea-MG), e ativista no Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), pes-
quisador no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(Ibase) e membro da Assessoria e Serviços à Projetos de Agri-
cultura Alternativa (AS-PTA). Como subsecretário de Agricultura
Familiar e Regularização Fundiária, da Secretaria de Estado de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa-MG), foi respon-
sável pela elaboração de um arcabouço de marcos legais para
o fortalecimento da agricultura familiar, para a agroecologia e
para a visibilidade e o reconhecimento dos povos e comunidades
Alexandre Souza Soares

tradicionais em Minas Gerais. Atualmente, como assessor da Di-


retoria da Emater-MG, mantém sua dedicação à luta pelo direito
humano à alimentação adequada e saudável e em defesa de
uma agricultura social e ambientalmente sustentável.

IA - Por que é importante que a socie- camponeses, até então, sustentáveis. O alimentos saudáveis, é um pressuposto
dade apoie a agroecologia? aumento de doenças, como o câncer, está para a realização da soberania e da segu-
sendo relacionado com a contaminação rança alimentar e nutricional da nação,
Edmar Gadelha - Por muitos motivos
ambiental pelo uso dos agrotóxicos nas trazendo mais saúde e vida para toda a
e urgências. Estudos têm demonstrado
lavouras. A indústria alimentar, como população. Os sistemas agroecológicos
que o sistema agroalimentar, com base
parte do agronegócio, disponibiliza ali- são, comprovadamente, mais resilientes
na agroquímica, é insustentável do ponto
mentos “de mentira” que vêm causan- e sustentáveis que os com base na agro-
de vista social, econômico e ambiental
do doenças crônicas não transmissíveis química.
para a maioria da população do Planeta.
O modelo de desenvolvimento do agro- às pessoas. Um modelo de desenvolvi-
IA - Quais os principais desafios para
negócio vem concentrando a riqueza e mento com base na agricultura familiar
a transição agroecológica?
gerando desigualdades e pobreza, inclu- e camponesa com foco na agroecologia,
sive aumentando a pobreza rural, com onde seja garantido o acesso à terra, à Edmar Gadelha - A transição agroeco-
a desestruturação de agroecossistemas água e às condições para a produção de lógica está em curso no Brasil. Esta tran-
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sição é silenciosa. A carta do III Encon- objetivo de efetivar ações que incenti- Unidos. Não há mais dúvidas sobre os
tro Nacional de Agroecologia, realizado vem o desenvolvimento rural susten- malefícios do uso dos agrotóxicos para
em Juazeiro, na Bahia, no ano passado, tável, com foco na agroecologia e na a saúde e o meio ambiente. Por oca-
afirma textualmente: as claras evidên- produção orgânica. A Pnapo represen- sião da elaboração do Planapo surgiu a
cias da abrangência nacional que as- ta uma conquista e é resultado de um proposta para elaboração e implemen-
sume hoje a agroecologia em todos os longo processo de luta dos movimen- tação do Pronara. Para a elaboração da
biomas brasileiros como referência para tos sociais, de pesquisadores, de orga- proposta foi considerada a contribuição
a construção de caminhos alternativos nizações não governamentais (ONGs), de diversas organizações, movimentos
aos padrões atualmente dominantes de da academia e, principalmente, das or- sociais, como a Campanha Permanen-
desenvolvimento rural impostos pelo ganizações de agricultores familiares e te Contra o Uso de Agrotóxicos e Pela
agronegócio. Ao mesmo tempo, dezenas camponesas. Como meio de implemen- Vida, e de proposições apresentadas em
de milhares de trabalhadores e trabalha- tação dessa política, foi construído o conferências nacionais. Assim, o Prona-
doras do campo incorporam a proposta Plano Nacional de Agroecologia e Pro- ra foi elaborado para orientar e organizar
agroecológica como caminho para a re- dução Orgânica (Planapo), que articula diferentes iniciativas do governo, apoiar
valorização do diversificado patrimônio ações de dez ministérios e contempla a construção de mecanismos e instru-
de saberes e práticas de gestão social dos mais de 125 iniciativas. A Pnapo tem mentos que possam incidir na restrição
bens comuns e de reafirmação do papel como diretriz a promoção de sistemas ao uso dos agrotóxicos, na sua produção
da produção de base familiar como pro- sustentáveis de produção, distribuição e
e comercialização no País, com especial
vedora de alimentos para a sociedade. consumo de alimentos, em busca de um
atenção para aqueles com alto grau de to-
Entretanto, alguns desafios apresentam- aperfeiçoamento econômico, social e
xicidade e ecotoxicidade, de incentivo à
se no processo de transição, dentre es- ambiental da agricultura; a valorização
redução do uso pela conversão para sis-
tes a necessidade urgente da realização da agrobiodiversidade e a sociobiodi-
temas de produção como os orgânicos e
da reforma agrária, do reconhecimento versidade, em estímulo às experiências
de base agroecológica. Também propõe
dos territórios dos povos e comunidades locais de uso e conservação de recursos
ações de educação em torno da temáti-
tradicionais, da afirmação da nossa so- genéticos vegetais e animais, envolven-
ca, de forma que conscientize a popula-
ciobiodiversidade, da superação do uso do, inclusive, o manejo de raças e varie-
ção dos problemas advindos do seu uso,
dos agrotóxicos, da garantia de acesso à dades regionais, tradicionais ou criou-
bem como as alternativas existentes para
água, da articulação do ensino, pesquisa las. Também prima por maior inclusão
o seu enfrentamento. Dessa forma, é ur-
e extensão rural e do fortalecimento da da juventude na produção orgânica e
gente o lançamento e a efetivação do
educação contextualizada no campo. É pela redução das desigualdades de gê-
Programa, que, sem dúvidas, contribuirá
urgente que os governos federal, estadu- nero nos terrenos da produção rural.
ais e municipais reconheçam, valorizem, Nesse contexto, a Pnapo é de extrema para o avanço da agroecologia.
disseminem e fortaleçam as dinâmicas importância. No entanto, não restrin-
IA - A prática agroecológica pode
comunitárias e regionais de conserva- ge e nem regulamenta o uso de cultivo
contribuir na mitigação dos pro-
ção da agrobiodiversidade, incluindo as transgênico que representa uma ameaça
blemas causados pelas mudanças
ações de resgate, guarda, avaliação, mul- ao patrimônio da sociobiodiversidade.
climáticas?
tiplicação, intercâmbio, comercialização Precisamos avançar neste quesito, as-
e uso de sementes crioulas, bem como a sim como na questão dos agrotóxicos. Edmar Gadelha - Não tenho dúvidas.
construção e o fortalecimento dos circui- Em um estudo global, denominado Ava-
tos curtos de comercialização e a garan- IA - Como a implementação do Pro-
liação Internacional do Conhecimento,
tia do financiamento da agroecologia. grama Nacional de Redução do
Ciência e Tecnologia em Desenvolvi-
Uso de Agrotóxicos (Pronara)
mento Agrícola, produzido pela FAO,
IA - Qual a importância da Política Na- pode contribuir para o avanço da
nas cinco regiões da ONU, que envolveu
cional de Agroecologia e Produção agroecologia?
o trabalho de mais de 400 cientistas, con-
Orgânica (PNAPO)?
Edmar Gadelha - O Brasil, hoje, é o cluiu-se que o sistema de conhecimento,
Edmar Gadelha - A Pnapo foi insti- maior mercado mundial de agrotóxi- da ciência e da tecnologia, desenvolvido
tuída pelo Decreto no 7.794/12, com o cos. Ultrapassou, inclusive, os Estados pelo sistema de produção atual, não con-
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tribui com o meio ambiente, a inclusão respondiam com mobilizações e com a logia ainda é pequeno. Com a criação
social, a redução da fome e da pobreza, construção de alternativas. O surgimen- da Coordenação Técnica Estadual de
a equidade e diversidade cultural. O do- to de ONGs, no período, com caráter de Agroecologia na Emater-MG, podemos
cumento indica que os sistemas agroeco- assessoramento técnico e político, for- apresentar várias iniciativas consoli-
lógicos praticados pelos camponeses são taleceu a crítica ao modelo e possibili- dadas e bem-sucedidas. Na EPAMIG,
mais ambiental e socialmente sustentá- tou a construção de conhecimentos para são destaques os trabalhos com café or-
veis e mais eficientes em termos de ener- a emergência da agroecologia como gânico, hortaliças não convencionais,
gia. Temos constatada a capacidade de movimento, ciência e prática. Em Mi- plantas medicinais, dentre outros. Com
regeneração e a resiliência de agroecos- nas Gerais, a constituição de uma rede base na publicação do documento Mar-
sistemas da agricultura familiar e cam- de organizações sociais, envolvendo co Referencial em Agroecologia pela
ponesa, onde as práticas agroecológicas uma diversidade de atores, sob o pro- Embrapa, em 2006, a EPAMIG criou
vêm sendo utilizadas. No Semiárido, a tagonismo das organizações da agricul- o Programa de Pesquisa em Agroeco-
permanente construção de estratégias e tura familiar e camponesa, criou con- logia e Produção Orgânica. No Institu-
práticas inovadoras, como as tecnolo- dições para o surgimento dos mais va- to Mineiro de Agropecuária (IMA), as
gias sociais implementadas pela Articu- riados projetos, a exemplo do trabalho iniciativas de certificação orgânica e da
lação do Semiárido Brasileiro (ASA), a de resgate de variedades de sementes educação sanitária são bons exemplos.
exemplo do trabalho com os bancos de crioulas, manejo da caatinga, Sistemas Podemos citar, ainda, o crescimento dos
sementes crioulas, o manejo da caatin- Agroflorestais (SAFs), produção orgâ- cursos de formação nos níveis técnico,
ga e a reservação das águas de chuva, nica, comercialização da produção em de graduação e de pós-graduação em
vêm contribuindo muito para a garantia circuitos curtos, etc. O acúmulo de ex- Agroecologia em várias escolas. Com a
da segurança alimentar e nutricional da periências em organização da produção, criação da Subsecretaria de Agricultura
população, num contexto de estiagens agroindustrialização e comercialização Familiar, na gestão 2011/2014 e, a par-
recorrentes. solidária implementada pelas organiza- tir da atual gestão, com a criação da Se-
ções da sociedade civil vem contribuin- cretaria de Estado do Desenvolvimento
IA - Como as organizações da socie- do de forma consistente para o processo Agrário (Seda), a perspectiva de avan-
dade civil vêm contribuindo para de transição agroecológica em Minas ço nas políticas públicas de agroecolo-
a construção da agroecologia em Gerais. Tais experiências têm que ser gia tornou-se mais promissora. Por fim,
Minas Gerais? levadas em conta na formulação e na temos na aprovação da Lei Estadual no
implementação das políticas públicas. 21.146/14 que instituiu a Política Esta-
Edmar Gadelha - A contribuição da
dual de Agroecologia e Produção Orgâ-
sociedade civil organizada para a cons-
IA - Qual a situação da institucionaliza- nica, e da Lei Estadual no 21.156/14 que
trução da agroecologia é histórica.
ção da agroecologia nas políticas instituiu a Política Estadual de Desen-
Inicia-se com a crítica aos problemas
públicas em Minas Gerais? volvimento Rural Sustentável da Agri-
causados pelos pacotes tecnológicos da
cultura Familiar a garantia de base le-
Revolução Verde, já no final dos anos Edmar Gadelha - O processo de ins-
gal para a implementação das políticas
70. No início dos anos 80, o movimento titucionalização da agroecologia nas
públicas no Estado. No entanto, a ins-
sindical de trabalhadores rurais e a Co- políticas públicas em Minas Gerais é
titucionalização efetiva da agroecologia
missão Pastoral da Terra (CPT) já de- recente. Embora sejam reconhecidos o
configurar-se-á a partir do momento em
nunciavam a forma de expansão do mo- trabalho e a contribuição de diversos
que as diretrizes do Plano Mineiro de
delo agrícola com base no agronegócio pesquisadores e extensionistas para a
Desenvolvimento Integrado (PMDI) e
e seus impactos sociais, econômicos e agricultura familiar agroecológica e
os programas e ações do Plano Pluria-
ambientais para a população do campo. para a produção orgânica, com inúme- nual de Ação Governamental (PPAG)
Os instrumentos da política agrícola em ras pesquisas e estudos realizados e forem efetivamente implementadas.
vigor, quase sempre traziam mais pro- uma grande diversidade de iniciativas
blemas que soluções para os agricul- locais, constatamos que, do ponto de
tores. Por outro lado, as organizações vista institucional, o foco na agroeco- Por Vânia Lacerda

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Agricultura orgânica e agroecologia 7

Preparo do solo e adubação


Paulo César de Lima 1 , Waldênia de Melo Moura 2 , Carlos Henrique da Silva Almeida 3 ,
Maria Aparecida Nogueira Sediyama 4 , Izabel Cristina dos Santos 5

Resumo - Um dos principais desafios enfrentados pela agricultura de base agroecológica


é desenvolver sistemas de manejo do solo e da adubação sem a forte dependência
pela aquisição de insumos externos, o que torna os custos de produção mais elevados
e a produção, muitas vezes, economicamente comprometida. O conhecimento mais
aprofundado sobre as diferentes frações da matéria orgânica (MO) e suas interações com
as frações minerais e os microrganismos serve de orientação para determinar as práticas
de preparo de solos e de nutrição de plantas com enfoque agroecológico, visando
promover a conservação dos fatores naturais que atuam no agroecossistema, e fornece
os subsídios necessários para estabelecer estratégias de manejo do solo e de ciclagem de
nutrientes.
Palavras-chave: Agroecologia. Agricultura sustentável. Agricultura familiar. Manejo
do solo. Matéria orgânica. Ciclagem de nutrientes.

INTRODUÇÃO Hoje, mais do que nunca, são ne- de ciclagem de nutrientes que, por sua vez,
cessárias as práticas de conservação do tem resultado em baixos níveis de nutrien-
Desde o início do salto tecnológico,
solo, sendo essenciais a recuperação e a tes às lavouras. Esses fatores evidenciam
com a chamada Revolução Verde, iniciada
preservação da biodiversidade e da água, a necessidade de traçar estratégias susten-
no Brasil na década de 1970, as formas de
pois, ao longo dos anos, observa-se, cada táveis de adição de nutrientes, para que os
cultivo anteriormente praticadas deram agroecossistemas sejam melhorados.
vez mais, a escassez desses recursos. As
lugar a um sistema de produção dependente O objetivo com este estudo é oferecer
práticas de recuperação e de preservação
de insumos externos e energias não reno- subsídios para estabelecer estratégias sus-
ambiental são importantes para todas as
váveis. Com isso, a sustentabilidade dos regiões agrícolas. tentáveis de adição de nutrientes, de modo
sistemas de base familiar foi colocada em Um dos principais desafios enfrentados que os agroecossistemas sejam melhora-
xeque, pois o novo sistema técnico gerou pela agricultura de base agroecológica é dos. Um conhecimento mais aprofundado
significativa dependência do agricultor desenvolver sistemas de manejo do solo sobre a matéria orgânica (MO) e suas
com a indústria produtora dos insumos. e da adubação sem a forte dependência de interações com organismos do solo serve
Tais tecnologias eram, e ainda são, ina- aquisição externa de enormes quantidades de orientação para determinar as práticas
cessíveis para uma grande parcela de de insumos, que tornam os custos de pro- de preparo de solos e nutrição de plantas
agricultores, gerando debates e a procura dução muito elevados e a produção econo- com enfoque agroecológico, visando pro-
por alternativas que garantam a sustenta- micamente inviável. Dentre as razões para mover a conservação dos fatores naturais
bilidade das formas de cultivo e que sejam isso, está a baixa fertilidade dos solos em que atuam no agroecossistema.
menos agressivas ao meio ambiente, com geral, causada não só pelas características
o intuito de proteger os recursos naturais, PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL
naturais dos solos brasileiros e pelo grau de
e assegurar sua disponibilidade para as degradação de muitas áreas, mas também O desenvolvimento sustentável é,
próximas gerações. pelo limitado domínio sobre os processos atualmente, o paradigma dominante que

1
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, plima@epamig.ufv.br
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, waldenia@epamig.ufv.br
3
Engo Agro, Bolsista Consórcio Pesquisa Café/EMBRAPA Café/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, carlosh_almeida@yahoo.com.br
4
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, marians@epamig.ufv.br
5
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul-CERN, São João del-Rei, MG, icsantos@epamig.br

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8 Agricultura orgânica e agroecologia

guia seu próprio planejamento. A discus-


são sobre o conceito de desenvolvimento Produção sustentável
tem-se convertido num tema de interesse
atual, quer do ponto de vista teórico, quer
do ponto de vista técnico, nos âmbitos
Nutrição e sanidade das plantas
ambiental, econômico, social e político
(COSTA, 2010). Tolerância a estresses
Neste estudo, pretende-se apresentar Eficiência nutricional

as bases para uma produção sustentável. A


Figura 1 é uma representação esquemática Organismos
Matéria orgânica
Interações
do que se propõe e apresenta, também, Ciclagem de nutrientes
Processos
uma adaptação do modelo discutido por
Siqueira, Moreira e Lopes (1999). A Re- Biodiversidade

volução Verde foi, de fato, revolucionária, Fertilidade do solo Biologia do solo


porém imediatista, por não considerar os
componentes bióticos do ecossistema.
Figura 1 - Representação esquemática de produção sustentável
Dessa forma, esse pacote considera o solo
FONTE: Dados básicos: Siqueira, Moreira e Lopes (1999).
simplesmente como meio de produção,
ajustando-o às exigências das plantas e
ignorando suas funções como mediador de ambiente, e que contribuam com sistemas bilidade estrutural em relação aos AFs, sob
processos globais, essenciais à vida. Além produtivos mais eficientes e menos depen- os tratamentos com estilosantes, mucuna e
disso, o solo pode ser considerado como dentes de insumos externos. plantas espontâneas. Nos ácidos húmicos
um grande reator biológico que presta (AHs), o uso das leguminosas apresentou
grandes serviços à natureza (SIQUEIRA; MATÉRIA ORGÂNICA resultados semelhantes.
MOREIRA; LOPES,1999). Estudos da MO do solo, por meio da Os métodos de fracionamento químico
A produção sustentável pode-se basear extração e do fracionamento de substân- não têm sido eficientes para a identifica-
não só na seleção de plantas com maior efi- cias húmicas, têm sido conduzidos para o ção de compartimentos da MO do solo
ciência nutricional e tolerantes a estresses entendimento da pedogênese, da melhoria que diminua sob manejo intensivo e de
ambientais, mas também na associação da de propriedades físicas do solo, das modo distinto ao longo do tempo. Existe
fertilidade com a biologia do solo por meio interações organominerais, da diminuição forte tendência em adotar métodos físicos
da biodiversidade, manutenção da MO e da fixação de fósforo (P) e do impacto da para o fracionamento de solo em estudos
microrganismos, promovendo ciclagem de agricultura na qualidade do solo (ROS- da MO do solo. Os métodos físicos são
nutrientes e interações simbióticas (Fig. 1). COE; MACHADO, 2002). considerados menos destrutivos e mais
Neste artigo, será dada ênfase ao manejo Ao avaliar a qualidade da MO de relacionados com a função e a estrutura
do solo, visando contribuir para a nutrição solos sob cultivo de café consorciado da MO do solo in situ, do que os métodos
e para a sanidade das plantas. com adubos verdes, Coelho et al. (2013) químicos (ROSCOE; MACHADO, 2002).
constataram que não apenas as práticas de Dependendo do grau de associação com
MANEJO DE SOLO a matriz do solo, a MO pode estar livre
manejo, mas a espécie vegetal e a incidên-
A partir da década de 1990 principal- cia de radiação afetam a qualidade da MO ou fracamente associada às partículas do
mente, o conceito de manejo biológico do do solo. Uma encosta voltada para a face solo, sendo chamada matéria orgânica não
solo ganhou forças, com o reconhecimento sul, com menor incidência de luz, menor complexada (MONC); ou estar fortemente
do papel regulatório das populações de temperatura e maior umidade, apresenta ligada às partículas minerais, formando
organismos e de suas atividades sobre a substâncias húmicas estruturalmente complexos organominerais (COM). Os
fertilidade do solo. Nesse contexto, deve mais estáveis e resistentes à degradação COM são ditos primários, quando resultam
ser dada ênfase para as práticas de manejo do que as extraídas de solo voltado para da interação direta entre partículas minerais
que incrementam ou potencializam as ati- o noroeste. O cultivo com a leguminosa primárias e compostos orgânicos. Juntamen-
vidades biológicas do solo. Nos sistemas calopogônio apresentou baixo teor de car- te com a MONC, os COM-primários cons-
agroecológicos, devem-se buscar práticas bono (C) e elevado teor de oxigênio (O), tituem as unidades básicas de organização
de manejo que garantam ampla e diver- na composição dos ácidos fúlvicos (AFs), das partículas minerais e orgânicas do solo
sificada atividade biológica no solo e no caracterizando compostos de menor esta- (ROSCOE; MACHADO, 2002).
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Agricultura orgânica e agroecologia 9

Em um segundo nível hierárquico de or- Waals) tornam os resíduos orgânicos mais sacarídeos de alta densidade e substâncias
ganização, os COM-primários agrupam-se, resistentes ao ataque microbiano, sendo húmicas que se acumulam como resultado
formando agregados ou COM-secundários. apontados como uma das razões para o da ação dos organismos heterotróficos sobre
Neste processo, pode ocorrer o aprisiona- relativo acúmulo de MO de solo em solos a MO do solo. Vários tipos de polissacarí-
mento de parte da MONC no interior dos argilosos (HASSINK; WHITMORE, 1997; deos são excretados por microrganismos
COM-secundários, dando origem a uma SCHULTEN; LEINWEBER, 2000 apud (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
divisão da MONC em: livre, na superfície ROSCOE; MACHADO, 2002). Neste caso, Em solos com cobertura vegetal, os
ou entre agregados (MONC-livre); e oclu- para todos os COM-primários, estariam macroagregados são estabilizados pelas hi-
sa, dentro dos agregados em locais pouco atuando dois dos mecanismos mencionados: fas, a estes geralmente associados. As hifas
acessíveis à microbiota (MONC-oclusa) a recalcitrância e a ligação/complexação. encontram-se em quantidades que variam
(ROSCOE; MACHADO, 2002). Entretanto, alguns destes COM-primários de 1,0 a 50 m/g de solo, sendo cobertas por
Segundo a hipótese hierárquica de poderiam, ainda, ser aprisionados dentro polissacarídeos extracelulares. Ocupam os
formação e estabilização de agregados, dos COM-secundários em locais de difícil poros formados entre os microagregados,
um terceiro nível hierárquico de agregação acesso à microbiota, o que adicionaria um estabilizando, assim, os macroagregados.
ocorreria em solo onde a MO é o principal terceiro mecanismo de proteção, a oclusão. A ação mecânica do cultivo do solo causa
agente agregante. COM-secundários Em termos de dinâmica e grau de de- a ruptura desses filamentos e reduz em até
menores que 250 µm (microagregados) composição dos diferentes reservatórios, 76% os macroagregados após um único
juntariam-se, formando os macroagre- geralmente observam-se maiores taxas cultivo. Apesar de facilmente desestabili-
gados (COM-secundários > 250 µm). de decomposição e menor grau de humi- zado pelo cultivo, os macroagregados são
Assim, admitem-se duas classes de COM- ficação para a MONC-livre. A MONC- formados rapidamente pelas raízes e hifas
secundários: os micro e macroagregados oclusa ocupa uma posição intermediária, (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
(GOLCHIN et al., 1997 apud ROSCOE; e os COM-primários apresentam-se mais O efeito das hifas fúngicas na agre-
MACHADO, 2002). humificados e com baixas taxas de decom- gação do solo, em especial daquelas de
O aprisionamento da MONC-oclusa no posição (ROSCOE; MACHADO, 2002). fungos associados às raízes (micorrizas),
interior de COM-secundários pode limitar As práticas de manejo do solo podem também tem sido destacado e recebido
a sua disponibilidade para os organismos contribuir para a manutenção ou decompo- maior atenção. As micorrizas contribuem
decompositores. Acredita-se que a oclusão sição da MO do solo. Práticas que destroem para aumentar a maior produtividade
física ou proteção de MO dentro dos COM- os agregados estáveis (MONC-oclusa e os agrícola e a maior conservação ambiental
secundários reduza a difusão de água, ar e/ COM-primários), como aração, gradagem (SIQUEIRA et al., 1994), pelos inúmeros
ou nutrientes, restringindo o ataque de mi- e aplicação excessiva de calcários, favo- efeitos, os quais incluem melhoria na
crorganismos, assim como o acesso de en- recem a decomposição da MO. E práticas agregação, podendo ainda atenuar o efeito
zimas. Portanto, para a MONC-oclusa, dois como plantio direto, cultivo mínimo, adu- dispersivo da adsorção de fosfato que afeta
dos mecanismos mencionados estariam bação verde e pousio favorecem o aumento negativamente a agregação do solo. A
atuando, a recalcitrância das moléculas dos complexos mais estáveis. importância das micorrizas na agregação
em si e a sua oclusão dentro de agregados Os sistemas de produção também afe- relaciona-se também ao fato de que 83%
(BURNS, 1982; NANNIPIERI et al., 1990; tam a MO do solo. Por exemplo, os Sistemas de todas as hifas fúngicas encontradas em
COLLINS et al., 1997; HASSINK; WHIT- Agroflorestais (SAFs), a arborização e os solos com plantas pertencem aos fungos
MORE, 1997; CHRISTENSEN, 2000 apud plantios adensados e roçados de plantas micorrízicos (KABIR et al., 1997 apud
ROSCOE; MACHADO, 2002). espontâneas, em culturas como do café, MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
A formação de COM-primários pela são práticas que conservam e aumentam os Os efeitos das bactérias são também
associação entre moléculas orgânicas e COM primários e secundários, enquanto facilmente demonstrados. A inoculação
argilas silicatadas e/ou óxidos e hidróxidos que pastagens em degradação, capinas ex- do solo com Bacillus polymyxa, também
de ferro e alumínio promove uma eficiente cessivas e cultivos morro acima contribuem fixadora de N2, aumenta a produção de
proteção contra a decomposição (CHRIS- para a erosão e a perda de MO do solo. agregados de tamanho entre 0,5 e 4,0 mm. As
TENSEN, 2000; SCHULTEN; LEINWE- bactérias produzem polissacarídeos (gomas)
MICRORGANISMOS
BER, 2000 apud ROSCOE; MACHADO, bastante eficientes em promover a agregação
2002). Mecanismos de adsorção e ligações Os microrganismos exercem ação física do solo (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
químicas diversas na superfície das argilas de adesão entre as partículas, atuando como O rápido declínio verificado na agrega-
(ex.: pontes catiônicas e de hidrogênio, ligantes físicos e produzindo agentes colan- ção dos solos virgens, quando cultivados,
interações eletrostáticas, forças de Van der tes, agregantes ou cimentantes, como polis- deve-se à redução da MO e à ruptura das
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10 Agricultura orgânica e agroecologia

raízes e hifas que atuam ativamente na A escolha correta de práticas que serão N/ha/ano são observadas no Brasil, suprin-
estabilidade dos agregados. Isso resulta no usadas no preparo do solo é fundamental do totalmente as necessidades da planta
impacto dessas práticas sobre os organismos para manter esses fatores em condições (HUNGRIA; CAMPO; MENDES, 2007).
filamentosos e também apresenta forte rela- adequadas para o desenvolvimento dos Assim como na atividade micorrízica,
ção com a produção e a decomposição dos FMAs. Dentre essas práticas, a rotação e fatores, como a acidez do solo, a toxicidade
restos culturais. É amplamente conhecido o consórcio de culturas podem promover o de alumínio, a deficiência de nutrientes e
que o cultivo intensivo tradicional tem efeito aumento da população de fungos no solo, a aeração, podem limitar a FBN. Práticas
negativo sobre o estado de agregação do tanto em quantidade quanto em qualidade como a calagem corrigem a acidez do
solo. Isso está relacionado, pelo menos em (SIQUEIRA et al., 1994). solo, controlam a toxidez do alumínio e
parte, com a redução de carbono no solo, fornecem nutrientes como o cálcio (Ca)
sendo mais pronunciado quando os restos Fixação biológica de
e o magnésio (Mg). A presença de P e de
culturais são queimados ou removidos, seja nitrogênio
micronutrientes, como molibdênio (Mo)
mecanicamente, seja pela erosão do solo. A fixação biológica do nitrogênio e cobalto (Co), disponíveis nos solos,
A manutenção dos restos culturais no solo, (FBN) é a principal forma natural de in- também é essencial para o fornecimento
com ou sem incorporação, e suas práticas de corporação do nitrogênio (N) molecular, de energia e a ativação enzimática durante
conservação favorecem a atividade micro- presente na atmosfera, ao ecossistema, o processo de FBN.
biana, reduzindo os impactos negativos que capaz de ser utilizada pelas plantas e Bactérias do gênero Azospirillum ga-
possam surgir pelo cultivo intensivo sobre pelos animais, a qual é realizada por nharam grande destaque mundialmente a
a qualidade dos solos agrícolas. bactérias e cianobactérias (SILVA et al., partir da década de 1970 (DÖBEREINER;
2007). Por meio, principalmente, da ação
Micorrizas DAY, 1976; DÖBEREINER et al., 1976
de organismos decompositores, esse N é
apud HUNGRIA, 2011), com a descoberta
Os fungos micorrízicos arbusculares constantemente devolvido para a atmos-
da capacidade de FBN dessas bactérias,
(FMAs) são biotróficos obrigatórios, fun- fera, garantindo assim a permanência de
quando em associação com gramíneas
damentais nos sistemas de produção. De um ciclo contínuo (MARIN et al., 1999).
(HUNGRIA, 2011). A propriedade de
ocorrência natural nos solos, associam-se Vários grupos de microrganismos têm
fixar N em vida livre foi responsável pela
às plantas, aumentando assim a área de ex- a capacidade de se associar a plantas para
mudança no nome do gênero Spirillum,
ploração de suas raízes, contribuindo para fixar N, levando, em alguns casos, à for-
sendo adicionado o prefixo “azo”, alusi-
o aumento na capacidade de absorção de mação de estruturas. No caso da associação
vo ao nome utilizado por Lavoisier para
água, de nutrientes de pouca mobilidade, de microrganismos do gênero rizóbio com
denominar o elemento N (HUNGRIA,
principalmente o P, além de micronutrien- leguminosas, há a formação de estruturas
2011).
tes como zinco (Zn) e cobre (Cu), também (nódulos).
No caso das bactérias endofíticas (ex.:
aumenta a resistência da planta em relação Em termos agrícolas, a maior contri-
Herbaspirillum seropedicae, Gluconacetobacter
a diversos tipos de estresses. Em cultu- buição do processo de FBN ocorre pela
associação simbiótica de plantas da família diazotrophicus, Klebsiella spp., Azoarcus
ras, como café e citros, essa interação é
essencial, podendo ocorrer a paralisação Leguminosae (=Fabaceae) com bactérias spp.) ou associativas (ex.: Azospirillum
do crescimento das mudas na ausência do pertencentes a diversos gêneros e que são spp., Azotobacter spp.), o mesmo comple-
fungo (LIMA, 1991). denominadas, de modo popular e coletivo, xo da dinitrogenase realiza a conversão do
Embora existam relatos da presença como rizóbios (HUNGRIA; CAMPO; N2 da atmosfera em amônia. Contudo, ao
dos FMAs em condições extremas de am- MENDES, 2007). contrário das bactérias simbióticas, as asso-
bientes, em sistemas agrícolas seus efeitos A simbiose com essas bactérias pode ciativas excretam somente uma parte do N
benéficos podem ser afetados por diversos ser facilmente identificada, pois estrutu- fixado diretamente para a planta associada.
fatores, dentre estes, a aeração, a umidade, ras altamente especializadas, chamadas Posteriormente, a mineralização das bacté-
a temperatura, o pH, a disponibilidade de nódulos, são formadas nas raízes das rias pode contribuir com aportes adicionais
substrato orgânico e a salinidade. Solos leguminosas, especificamente para o pro- de N para as plantas. Desse modo, deve-se
compactados, erodidos, encharcados, cesso de fixação biológica. A evolução da lembrar que, ao contrário das leguminosas,
muito expostos ao calor, muito ácidos ou simbiose entre rizóbios e leguminosas data a inoculação de não leguminosas com
alcalinos e com baixos teores de MO são de milhões de anos, por isso, as taxas mais bactérias endofíticas ou associativas, ainda
ambientes pouco propícios à sobrevivên- elevadas de FBN são verificadas nessa que essas consigam fixar N, não consegue
cia, ao crescimento e à colonização de categoria de simbiose. Como exemplo, no suprir totalmente as necessidades das plan-
FMAs nas raízes. caso da soja, taxas superiores a 300 kg de tas em N (HUNGRIA, 2011).
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Agricultura orgânica e agroecologia 11

PRÁTICAS DE MANEJO DE Cultivo mínimo MO para propiciar uma CTC mais adequa-
SOLOS da. Também, quando argilosos, possibilitam
A operação chamada cultivo mínimo é
a formação de complexos organominerais,
Plantio direto o preparo do solo restrito às linhas/covas de
formando agregados mais estáveis.
plantio. É um sistema entre o convencional
O Sistema Plantio Direto (SPD) é uma A produção agrícola resulta da ação e
e o plantio direto, sendo o preparo do solo
forma de manejo que visa diminuir as da interação de diversos fatores, dos quais
minimizado por diminuir o uso de máqui-
alterações que as práticas culturais acar- o fornecimento de nutrientes, pelo solo ou
nas, que realizam apenas escarificação e
retam no solo. Tem a sua fundamentação gradagem leve, onde são feitos sulcos para pela adubação, ainda que muito importante,
na conservação da palha. Os demais restos a semeadura da cultura principal. Assim, é apenas um deles. A capacidade de o solo
culturais, na superfície e no não revolvi- mantêm-se o solo protegido nas entrelinhas fornecer nutrientes também depende de sua
mento do solo entre a colheita e o plantio e os resíduos culturais sobre o solo.   reserva nesses elementos. Esta reserva, por
seguinte, são manipulados só no momento Essa prática, bem como o plantio di- sua vez, é função de um balanço existente
do plantio, com a abertura de sulcos onde reto, exerce grande efeito positivo sobre entre perdas e ganhos no sistema-solo (RE-
são depositadas as sementes e o adubo. a fertilidade do solo a curto e a longo SENDE; CURI; SANTANA, 1988).
Na utilização agrícola dos solos, o prazos, sendo esse efeito beneficiado pela As principais entradas de nutrientes no
SPD apresenta-se como uma das melho- redução de perdas por erosão, lixiviação e ecossistema ocorrem via intemperismo do
res alternativas sustentáveis dos recursos volatilização. solo, precipitação, fixação assimbiótica e
naturais. Dentre os diversos benefícios, Em culturas perenes, por causa do simbiótica de N e adubação. As saídas de
a melhor retenção e infiltração de água tempo de permanência da planta no local, nutrientes ocorrem via lixiviação, erosão,
no solo auxilia na redução da erosão e na as alterações no perfil do solo podem ser volatilização e remoção do material orgâ-
perda de nutrientes para as partes mais minimizadas e, pelo fato de a liberação de nico, isto é, exploração de diferentes partes
baixas do terreno. Com isso, evitam-se as- nutrientes pela MO ser fracionada ao longo da planta e retirada da manta florestal
soreamento de rios e a perda de nutrientes do tempo, o aproveitamento da adubação (REIS; BARROS, 1990).
(LANDERS, 2005). orgânica é maior para o mesmo cultivo. Levando em consideração que os solos
Culturas anuais são aquelas que con- brasileiros são altamente intemperizados,
cluem seu ciclo produtivo em até um ano. CICLAGEM DE NUTRIENTES E com virtual ausência de minerais ricos em
Sendo assim, a prática de implantação da ADUBAÇÃO nutrientes, a contribuição do intemperismo
cultura se repete com mais frequência e Embora muitas plantas possam con- deve ser muito pequena. Ao considerar tam-
os adubos orgânicos não são totalmente tribuir para indicar a fertilidade do solo, a bém, o desenvolvimento de sistemas de pro-
aproveitados pela cultura. Portanto, para análise química deve ser realizada periodi- dução que permitam elevada conservação
evitar perdas e desperdícios, é necessário camente. Além disso, a quantidade neces- do solo e minimizem as perdas de nutrientes,
levar em consideração o efeito residual de sária de materiais orgânicos ou minerais ainda restará um balanço entre as entradas
adubações anteriores. para se produzir não deve ser embasada de nutrientes, a demanda da planta −
No cultivo orgânico de hortaliças, o apenas nos resultados de fertilidade do solo que varia ao longo do seu ciclo, e a saída
preparo do solo visa à movimentação míni- e nas exigências das culturas, mas também de nutrientes − que varia com aquilo que é
ma do terreno. Não há a exclusão total das nos efeitos gerados a médio e a longo pra- exportado do sistema. Para que esse balanço
operações de aração e gradagem. Entretan- zos pelo manejo da MO. Por favorecer um se equilibre, os componentes ciclagem e
to, ficam restritas apenas no primeiro ano, aumento nos teores de nutrientes no solo adubação devem ser considerados como os
sendo que, nos demais, a mecanização é no decorrer do tempo, os efeitos residuais mais importantes (LIMA et al., 2002).
reduzida, adotando-se o SPD, que mantém da adubação orgânica e o histórico de A ciclagem poderá ser intensificada se
a cobertura do solo. Para isso, é importante manejo da área devem ser considerados, houver boas condições para as atividades
que a área a ser cultivada apresente baixa evitando, assim, o desequilíbrio nutricional biológicas naturais dos solos, ou se ocorrer
incidência de plantas daninhas, problemá- (SOUZA; ALCÂNTARA, 2008). FBN, ou adição de biomassa vegetal, seja
ticas para o cultivo de hortaliças, como Em grande parte do território brasileiro pela adubação verde com leguminosas ou
tiririca, grama-seda, losna ou trapoeraba. predominam solos altamente intemperiza- outras espécies, seja pela adição de com-
Pensando a longo prazo, é interessante dos, de baixa fertilidade, baixa capacidade postos orgânicos ou de resíduos orgânicos
realizar uma adequada rotação de culturas, de troca catiônica (CTC), ácidos, elevados de diferentes origens. Isso propiciará novo
com o intuito de construir, progressiva- teores de Al trocável e alta capacidade de acúmulo de MO e, portanto, de nutrientes.
mente, um solo fértil (ALCÂNTARA; reter P, em detrimento da disponibilidade A proposta primária é aplicar técnicas de
MADEIRA, 2008). para as plantas. Esses solos dependem da manejo do solo que favoreçam as ativida-
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12 Agricultura orgânica e agroecologia

des biológicas e a ciclagem de nutrientes leguminosas apresentam alto teor de N do adubo verde e cobertura do solo, em
com o menor custo possível, considerando- em sua biomassa, resultado da fixação condições favoráveis, o feijão-de-porco e
se a capacidade de investimento e de do N atmosférico por meio da simbiose a mucuna-cinza formam boa cobertura a
trabalho do agricultor. A partir disso, a ne- com bactérias do gênero Rhyzobium partir dos 40 dias após a semeadura (CAR-
cessidade de importação de nutrientes para e Bradyrhysobium em suas raízes. VALHO; AMABILE, 2006; TEODORO;
o sistema será menor. Se uma propriedade Outras espécies vegetais podem tra- OLIVEIRA; SILVA, 2011).
ou uma comunidade de agricultores desen- zer mais vantagens, como, por exemplo, Para a fertilização do solo, usualmente
volver sistemas de produção de compostos quando suas raízes extraem nutrientes de o adubo verde é cortado e incorporado ao
orgânicos, de sementes de adubos verdes camadas mais profundas do solo, trazendo- solo uma a duas semanas antes do plantio
e de aproveitamento de resíduos, a depen- os para a superfície do terreno. Tais plantas da cultura comercial. Mas se além da
dência por insumos de fora será reduzida formam ainda uma cobertura do solo, fertilização pretende-se também proteger
ainda mais.  auxiliando os teores de MO e aumentando a superfície do solo, pode-se optar por
a sua qualidade para a agricultura. Além deixar a biomassa sobre o solo para for-
Adubação verde disso, contribuem para a conservação do mar uma camada de cobertura morta. Para
Dentre as práticas que visam ao in- solo, não só evitando a erosão, mas também maior durabilidade da cobertura morta, é
cremento da MO do solo, destaca-se a melhorando a agregação e a retenção de conveniente consorciar uma leguminosa a
adubação verde, pelo fato de cumprir água por elevar os teores de MO. É muito uma gramínea, cuja biomassa apresente de-
dupla função – proteção da superfície do importante que o agricultor e o técnico composição mais lenta. Uma boa opção é
solo e melhoria de suas características sejam capazes de escolher espécies de consorciar o guandu-anão (Cajanus cajan)
físicas, químicas e biológicas. Durante o adubos verdes adequadas para cada tipo com o milheto (Pennisetum glaucum) ou
crescimento do adubo verde, e, quando de clima, solo e sistema de manejo das com o sorgo (Sorghum bicolor).
este é deixado sobre o solo após seu corte, plantas cultivadas A adubação verde é também empregada
fica protegido da incidência direta do sol, A quantidade de biomassa atribuída em culturas perenes, mas sob sistema de
diminuindo a sua temperatura e o resse- à determinada espécie de adubo verde é manejo diferente das anuais. Na cultura
camento nas camadas superficiais. Além obtida em condições normais de desen- do café, por exemplo, o cultivo de legumi-
disso, a presença de cobertura − viva ou volvimento da planta. Assim, quantidades nosas pode ser intercalado nas entrelinhas
morta – diminui a velocidade da água maiores ou menores poderão ser obtidas da cultura, ou no entorno em faixas nos
da chuva, favorecendo sua infiltração. À dependendo das condições do local e da cordões de contorno. Em sistemas interca-
medida que a biomassa do adubo verde é época de cultivo. Por isso, é muito im- lados, poderá contribuir com 30% a 50% da
decomposta, ocorre aumento da biomassa portante conhecer o comportamento da demanda de N da lavoura (Fig. 2).
microbiana e de sua diversidade, do teor de espécie escolhida para que a resposta seja A fase ideal para a implantação dos
MO, da CTC e da capacidade de recicla- positiva. A Crotalária juncea, por exem- adubos verdes ocorre antes do plantio do
gem de nutrientes, com reflexos positivos plo, produz de 50 a 60 t/ha de fitomassa cafeeiro. Nas primeiras chuvas, após a
na fertilidade do solo. O aumento do teor fresca, com fixação biológica de N de 146- incorporação do calcário, planta-se uma
de MO promove a recuperação da estrutura 221 kg/ha/ano (SANTOS; FONTANÉTTI, leguminosa produtora de maior massa
do solo, melhorando a aeração, a infiltração 2007). Mas como responde ao fotoperíodo, verde. Em áreas anteriormente cultivadas
e a capacidade de armazenamento de água. o atraso no plantio pode resultar em menor com lavouras antigas de café, planta-se uma
Geralmente, a adubação verde é feita produção de fitomassa. leguminosa que evite a multiplicação ou re-
antes do cultivo principal, visando à pro- Na Região Sudeste, a mucuna-preta duza a população de nematoides, como, por
dução da maior quantidade possível de bio- (Mucuna aterrima); a mucuna-cinza exemplo, Crotalaria spectabilis, que é roçada
massa. Para tanto, devem ser escolhidas es- (Mucuna nivea); o feijão-de-porco (Canavalia no florescimento. Nas fases de formação e
pécies adaptadas ao clima, ao solo do local ensiformis L. DC) e a Crotalaria juncea produção do cafeeiro também poderão ser
e à estação do ano. Pode ser cultivada uma são as mais indicadas para cultivo no ve- cultivadas as leguminosas nas entrelinhas.
espécie por vez ou um coquetel de adubos rão, pois produzem grande quantidade de Em função das condições climáticas e
verdes. As leguminosas são preferidas biomassa e boa adaptação a condições de de solos distintos, as leguminosas respon-
para a adubação verde, por apresentarem baixa fertilidade e elevadas temperaturas. dem diferentemente quanto à adaptação,
sistema radicular profundo e ramificado, o No caso de rotação e sucessão de culturas, produção de biomassa, capacidade de
que favorece a recuperação de nutrientes de as espécies de ciclo mais curto são mais in- fixação de N, imobilização de nutrientes, e
camadas do perfil do solo, onde a maioria dicadas (C. juncea, C. spectabilis e feijão- velocidade de decomposição e de liberação
das culturas não chega. Além disso, as de-porco). Em termos de estabelecimento de nutrientes após o seu corte. Em trabalho
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Agricultura orgânica e agroecologia 13

Fotos: Paulo César de Lima


Figura 2 - Experimento conduzido pela EPAMIG Sudeste no município de Araponga, MG, no período de 2003 - 2007
NOTA: Avaliação de várias espécies de leguminosas e plantas espontâneas para adubação verde de cafeeiros em sistemas orgânicos.

realizado por Lima et al. (2009), foram composição da MO, a mineralização do N, para níveis médios de produtividade tam-
testadas, por quatro anos consecutivos, o estabelecimento de fungos micorrízicos bém seria fornecido (LIMA et al., 2009).
sete leguminosas: amendoim forrageiro, e a própria FBN. Além do calcário, foram A liberação de nutrientes das biomassas
calopogônio, crotalária, guandu-anão, adicionados sobre a superfície do solo foi estimada com base nos teores de MS
lablabe, estilosantes e mucuna-anã, além 80 g/m2 de termofosfato e 40 g/m2 de sul- e conteúdos de N, P e K analisados ao
de um tratamento adicional com plantas fato de potássio. O P exerce vários papéis longo do tempo para cada leguminosa e
espontâneas. Todas foram cultivadas entre essenciais às plantas, como, por exemplo, espontânea (Gráfico 1). Verificou-se que
as linhas de plantio de cafeeiros em produ- contribuir, por meio da produção de trifos- o K seria praticamente todo liberado ao
ção, em quatro sítios (municípios) da Zona fato de adenosina (ATP), como fonte da longo do período analisado e que, próxi-
da Mata de Minas Gerais. energia necessária à fixação simbiótica de mo de 60%, ficaria disponível ainda no
Para o preparo do solo e o plantio das N nas raízes das leguminosas. O K, por sua mesmo período chuvoso, que poderia ser
leguminosas entre as linhas de plantio de vez, é bastante requerido pelas legumino- considerado como o período de absorção
cafeeiros, também denominadas ruas, fo- sas e cafeeiros, sendo que a aplicação nas pelos cafeeiros. Entretanto, nesse período,
ram considerados dois fatores importantes. ruas proporcionaria um melhor arranque apenas 40% do N e 20% do P estariam
O primeiro refere-se à competição por inicial no crescimento das leguminosas. mineralizados no solo. Nesses casos, as
nutrientes que ocorreria entre os cafeeiros Com relação à produção de biomassa, diferenças em relação às demandas das
e as leguminosas. É comum observar as as leguminosas de ciclo perene (amendoim plantas de café deveriam ser atendidas por
raízes das leguminosas circundarem a zona forrageiro, estilosantes e calopogônio) outras fontes de nutrientes.
de adubação dos cafeeiros quando não há apresentaram crescimento mais lento, com
nutrientes suficientes para estas. O segundo produções de biomassas inferiores às das Compostagem
fator, muito importante, é preparar o solo para leguminosas de ciclo anual, que obtiveram A princípio, qualquer resíduo orgânico,
maximizar as atividades microbianas e, por- crescimento mais rápido e produção de seja sólido, líquido ou pastoso, pode ser
tanto, o papel que se espera das leguminosas. biomassa superior. As leguminosas crota- usado na compostagem, mas o primeiro é
Para atender a esses dois fatores, foram lária, guandu e mucuna foram as que mais mais comumente empregado e mais fácil
aplicados 100 g de calcário/m2 de rua, produziram fitomassa fresca. de ser compostado, armazenado, transpor-
sendo este espalhado sobre a superfície A crotalária (382 kg de N/ha) e o tado e aplicado no terreno. As principais
e levemente incorporado por meio de guandu-anão (294 kg de N/ha) acumularam matérias-primas empregadas na compos-
uma capina preparadora para o semeio as maiores quantidades de N na matéria tagem são as de origem vegetal (folhas,
das leguminosas (realizado nas primeiras seca (MS). Quanto ao K, a crotalária e o ramos, palhas e resíduos de beneficiamento
chuvas). A elevação do pH para 5,0 a 5,5 guandu-anão seriam capazes de fornecer de produtos agrícolas, como cascas, sabu-
propiciaria ambiente mais favorável às respectivamente 54% e 48% da demanda gos, caroços, polpas, bagaços, tortas de
várias atividades microbianas, como a de- anual dos cafeeiros. Todo o P necessário filtro, tortas vegetais, borra de café, serra-

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Mineralização de nitrogênio (%)

Mineralização de fósforo (%)


70 60
60 50
50
40
40
30
30
20 20
10 10
0 0
0 15 30 60 120 240 0 15 30 60 120 240
Período de decomposição (dias) Período de decomposição (dias)

A B

Liberação de nutrientes (%)


Liberação de potássio (%)

100 100
90 90
80 80
70 70
60 60
50 50
40 40
30 30
20 20
10 10
0 0
0 15 30 60 120 240 0 15 30 60 120 240
Período de decomposição (dias) Período de decomposição (dias)
C D

Amendoim Calopogônio Crotalária Guandu Nitrogênio Fósforo


Lablabe Estilosantes Mucuna Espontânea Potássio

Gráfico 1 - Estimativa da liberação de nutrientes de sete leguminosas, considerando-se o conteúdo inicial em 100 g de biomassa seca
NOTA: A - Nitrogênio; B - Fósforo; C - Potássio; D - Médias das leguminosas.

gem de madeira, etc.); as de origem animal disposição de uma camada de 5 cm de do processo de compostagem deve ser
(estercos, farinha de cascos, de chifres, resíduos orgânicos ricos em N (estercos drenado para tanques e reinserido na pilha.
resíduos intestinais, resíduos do benefi- e dejetos de animais). Novas camadas de- O revolvimento periódico das pilhas
ciamento da lã e do couro, penas de aves, vem ser dispostas nesta sequência (sempre de compostagem pode ser feito manual ou
crisálidas e dejeções do bicho-da-seda) ou intercalando o resíduo pobre em N com o mecanicamente. Manualmente, o primeiro
mista (lixo urbano, lodo de esgoto, cama rico em N), até atingir a altura desejada, revolvimento é feito sete a dez dias após a
animal, resíduos de biodigestores). sendo que cada camada deve ser levemente montagem, e os demais, a cada 20 a 25 dias,
A melhor época para preparar o compos- comprimida e molhada, tomando-se o cui- de acordo com a necessidade, até o compos-
to é no período seco, para usar nos plantios dado de não encharcá-las nem comprimi- to ficar pronto. Nos sistemas mecanizados,
seguintes. Todavia, se houver necessidade las em demasia, pois os microrganismos os intervalos são menores (sete em sete
de prepará-lo no período chuvoso, deve-se necessitam de oxigênio para realizar a dias, no geral), podendo reduzir o tempo
construir uma valeta, para escoamento das transformação dos resíduos orgânicos em de compostagem para 60 dias, dependendo
águas de chuvas, em volta das pilhas. composto. A última camada deve conter dos resíduos orgânicos. O corte para o revol-
A formação das pilhas de composta- resíduos orgânicos pobres em N (Fig. 3). vimento deve ser feito de cima para baixo,
gem deve-se iniciar pela distribuição de Para pequenas produções, o tamanho com o auxílio de um enxadão e no sentido
uma camada de resíduos orgânicos po- médio da pilha utilizada é de 2 m de lar- do comprimento da pilha. O revolvimento
bres em N (materiais de origem vegetal), gura, por 10 m de comprimento e 1,5 m evita a compactação, intensifica o forneci-
com espessura de 15 cm, seguida pela de altura. O líquido biológico resultante mento de oxigênio para os microrganismos

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Agricultura orgânica e agroecologia 15

A faixa ideal de temperatura para com-


postagem está entre 50 °C e 70 °C. Neste
processo têm-se duas fases: a primeira,
de degradação ativa, e, a segunda, de
maturação ou cura, com vários estádios
relacionados com a temperatura da pilha.
Em condições equilibradas de relação
C:N, umidade e aeração, a temperatura da
pilha aumenta nos primeiros três dias para
40 °C a 45 °C, podendo atingir valores
entre 60 °C e 70 °C, antes de quinze dias,

Maria Aparecida Nogueira Sediyama


em consequência do metabolismo e mul-
tiplicação dos microrganismos. Quanto
mais alta a temperatura, mais rápidas
serão a decomposição e a destruição dos
organismos patogênicos de plantas, ma-
teriais vegetativos e sementes de plantas
daninhas. A constatação prática da tem-
peratura é feita mediante apalpamento,
Figura 3 - Pilha de compostagem com as costas das mãos, em uma vara
NOTA: Pilha formada pela distribuição alternada de camadas contendo resíduos orgâni- de ferro, que se deixa fincada na pilha,
cos pobres em nitrogênio (materiais de origem vegetal), com espessura de 15 cm, a uma profundidade de 50 cm. Deve-se
seguida pela disposição de outra camada de 5 cm de resíduos orgânicos ricos
senti-la apenas quente, sem a necessidade
em nitrogênio (estercos e dejetos de animais). Assim, sucessivamente, até atingir
a altura desejada. de retirar a mão, se queimar, é necessário
fazer o revolvimento da pilha.
A umidade ótima da massa de com-
aeróbicos e distribui de maneira uniforme Para preparar um composto correta- postagem está em torno de 40% e 60% e
a água, usada para baixar a temperatura. mente, é preciso fornecer condições que deve ser mantida nesta faixa até o final do
Durante esse processo, é importante mistu- atendam às necessidades de crescimento processo. Um teste fácil, para avaliar o teor
rar bem o material da parte externa com o e reprodução dos microrganismos respon- de umidade, consiste em pegar um punha-
material da camada mais interna da pilha, sáveis pela decomposição dos resíduos do de massa da compostagem e apertá-lo
que já está em fase termofílica. orgânicos. na mão. Caso a mão fique ligeiramente
A compostagem leva, em média, de três De maneira geral, uma relação C:N molhada, sem escorrer, é sinal de que a
a quatro meses, dependendo dos resíduos inicial entre 25:1 e 35:1 proporciona rápida umidade está ideal. Em caso de excesso
orgânicos utilizados, das condições ambien- e eficiente compostagem. Caso a relação de chuvas, deve-se proteger a pilha com
tais e do cuidado no revolvimento constante seja muito maior, os resíduos irão demorar cobertura simples.
e uniforme das pilhas. Contudo, existem, no mais tempo para se decompor. Caso seja Para garantir o oxigênio necessário à
mercado, produtos biológicos que podem ser menor, o N será perdido em sua maior parte atividade dos organismos decompositores,
adicionados aos resíduos com o objetivo de na forma de gás, pois o excesso de N não diferentes métodos de aeração da pilha po-
reduzir esse tempo, especialmente para re- será todo absorvido pelos microrganismos, dem ser empregados. Na aeração natural,
síduos mais resistentes à decomposição. Os em decorrência da limitação de C. Assim, por exemplo, os resíduos são dispostos em
microrganismos presentes em sua fórmula quando não se tem o resultado da análise leiras, com reviramento periódico, para
agem proporcionando a adequação da flora química dos resíduos orgânicos a ser utili- que haja a convecção do ar na massa do
microbiana do processo de compostagem, ao zados, principalmente quanto aos teores de composto, acrescida de umidificação até
concorrerem com microrganismos indesejá- C e N, na formação das pilhas utilizam-se o término do processo, método também
veis. Com isso, promovem a diminuição de de três a quatro partes de material palhoso conhecido como “leiras revolvidas”. Na
maus odores e do número de revolvimentos (rico em C) para uma parte de esterco fres- aeração forçada, o material orgânico é
para a sua aeração, permitindo que o com- co (resíduo mais rico em N), em volume, disposto sobre tubos perfurados, por onde
posto seja estabilizado em menor tempo e para obter uma relação C:N inicial entre circula ar forçadamente por meio de bom-
com melhor qualidade. 25:1 e 35:1. beamento mecânico. Nesse método, não há
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revolvimento das leiras. Por isso, sua outra


denominação é “leiras estáticas aeradas”.
Ao final do processo de compostagem,
tem-se um adubo orgânico homogêneo,
que se apresenta da seguinte forma (Fig. 4):
a) volume da massa de compostagem
reduzido a 1/3 do volume inicial;
b) degradação física dos resíduos orgâ-
nicos utilizados, não sendo possível
identificá-los;

Maria Aparecida Nogueira Sediyama


c) o composto orgânico é facilmente
moldado nas mãos;
d) cheiro característico de terra mofa-
da, tolerável e agradável;
e) coloração escura.
Dependendo do uso que será dado ao
composto e do teor de nutrientes dos resí-
duos orgânicos, pode-se fazer o enriqueci-
Figura 4 - Composto orgânico rico em macro e micronutrientes
mento com fosfato de rocha, cinza de fogão
NOTA: Apresenta cheiro característico de terra mofada, tolerável e agradável, coloração
etc., na proporção de 1% de peso seco de escura, pronto para ser aplicado no solo.
resíduos orgânicos. O uso de fosfato de
rocha, para enriquecimento do composto,
conduz à obtenção de MO com maiores rar com gradagem. Para culturas perenes e cana-de-açúcar como único resíduo vege-
teores de P, Ca e Zn (OLIVEIRA; LIMA; anuais de ciclo longo, como o pimentão, a tal possibilitou a produção de compostos
CAJAZEIRA, 2004). aplicação do composto orgânico em cober- orgânicos com menor valor de K, Mg, B e
De modo geral, os compostos orgânicos tura também é interessante, para auxiliar no pH. A adição de gesso e superfosfato triplo
são aplicados durante o outono e a prima- desenvolvimento das plantas. não proporcionou melhorias significativas
vera. Nas culturas de alta rentabilidade Algumas pesquisas foram realizadas na qualidade do composto produzido com
por área, como hortaliças, pode-se investir com o objetivo de avaliar diferentes resí- bagaço de cana-de-açúcar e dejeto de suí-
em adubação mais pesada que naquelas duos orgânicos para a compostagem, na nos. Os compostos produzidos com palha
de baixo retorno. Normalmente, adota-se região do Vale do Piranga, Zona da Mata de café apresentaram valores mais altos
a aplicação de 20 a 30 toneladas de com- mineira. Tais pesquisas evidenciaram a para K e pH. A combinação de bagaço de
posto orgânico por hectare, para a maioria possibilidade de uso dos dejetos de suínos cana-de-açúcar com palha de café melho-
das culturas, embora a dose maior seja e outros resíduos da agropecuária para a rou a qualidade dos compostos orgânicos.
frequentemente recomendada. Os princi- produção de compostos orgânicos, desde Trabalhando com compostagem de resí-
pais fatores determinantes da quantidade que contenham características químicas e duos orgânicos na região de Oratórios, MG,
de composto orgânico a ser aplicada são: físicas adequadas ao processo de produção. Sediyama et al. (2011) avaliaram seis trata-
disponibilidade de material, facilidade de A concentração de nutrientes de sete mentos a partir de bagaço de cana-de-açúcar,
aplicação e necessidade da cultura. diferentes compostos orgânicos produ- casca de café, esterco bovino, dejeto sólido
Na prática, o composto orgânico deve zidos com bagaço de cana-de-açúcar, de suíno e pseudocaule de bananeira (Fig. 5).
ser aplicado de maneira que sua localiza- capim-napier, palha de café e dejeto de O tratamento obtido a partir de bagaço de
ção seja a mesma recomendada para os suínos na forma líquida foi avaliada aos cana-de-açúcar + pseudocaule de bananeira +
fertilizantes minerais. Assim, para culturas 120 dias após o início da compostagem dejeto de suíno apresentou composição
mais exigentes em fertilidade e/ou com es- (SEDIYAMA et al., 2000). Cada composto adequada para a compostagem, permitindo
paçamentos largos (> 0,50 m entre fileiras), foi produzido com um ou mais resíduos bom aquecimento no início do processo e
adubar de forma localizada, em sulcos ou vegetais, associados ao dejeto de suínos, após os revolvimentos, além de maior teor
covas; e, para culturas com espaçamentos sendo o bagaço de cana-de-açúcar também de P, Ca, Mg, S, Zn, Cu e Na, enquanto
estreitos (< 0,50 m entre fileiras), aplicar o associado ao gesso e ao superfosfato triplo. que o maior teor de N foi verificado no
composto a lanço, em área total e incorpo- Verificou-se que a presença do bagaço de tratamento com bagaço de cana-de-açúcar +
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A massa de material umedecida com


EM é coberta com sacos de aniagem,
para permitir aeração e evitar o resse-
camento da superfície. Após algumas
horas, haverá elevação da temperatura
pela fermentação aeróbica e, quando
atingir 60 ºC, deve ser revirada. O teste da
temperatura é semelhante ao do composto
orgânico. Quando a fermentação terminar,
a temperatura se estabiliza, o que ocorre
normalmente dentro de cinco a sete dias.

Maria Aparecida Nogueira Sediyama


A dosagem de bokashi a ser aplicada
varia conforme a cultura. Porém, pode ser
tomada na base de 500 a 1.000 g/m2 de solo,
dependendo, também, do tipo de solo e da
cultura. A aplicação é feita após a estabili-
zação da temperatura, ou seja, terminado o
processo de fermentação e estando com umi-
dade de 12%, o produto pode ser ensacado
Figura 5 - Experimento conduzido pela EPAMIG Sudeste - Campo Experimental do Vale e armazenado durante seis meses, no máxi-
do Piranga, Oratórios, MG mo, para ser utilizado na ocasião propícia.
NOTA: Foram avaliados seis tratamentos a partir de bagaço de cana-de-açúcar, casca
de café, esterco bovino, dejeto sólido de suíno e pseudocaule de bananeira. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um conhecimento mais aprofundado
casca de café + dejeto suíno. O tempo de sem formar torrões, em local coberto. A sobre a MO e suas interações com organis-
compostagem de 93 dias foi suficiente para: pilha deve ter 1,0 m de largura 0,2 m de mos do solo serve como orientação para as
maturação dos compostos, com redução do altura, e o comprimento vai depender da práticas de preparo de solos e de nutrição
teor de carbono orgânico e da C:N; ausência quantidade de composto que será prepa- de plantas com enfoque agroecológico, vi-
de aquecimento no interior das pilhas, C:N rada. Em seguida, faz-se a aplicação do sando promover a conservação dos fatores
abaixo de 10:1, aumento no pH e no teor de inoculante, o fermento, que, no caso, é o naturais que atuam no agroecossistema.
nutrientes. Contudo, poucas informações effective microorganisms (EM) ou micror- As práticas de manejo do solo podem
podem ser encontradas na literatura sobre ganismos eficientes, diluído em água de contribuir para a manutenção ou decom-
dados econômicos de compostagem, que boa qualidade, de preferência sem cloro, posição da sua MO. As que destroem os
permitam nortear uma discussão sobre a até atingir 50% de umidade. agregados estáveis, como aração, grada-
viabilidade econômica desta prática. O bokashi é feito a partir do processo de gem e aplicação excessiva de calcários,
Outro tipo de composto orgânico é o fermentação aeróbica, com presença de ar. favorecem a decomposição da MO. Plantio
bokashi, técnica japonesa, muito utilizada Diversos tipos de microrganismos fazem a direto, cultivo mínimo, adubação verde e a
no mundo inteiro, especialmente na agri- fermentação adequada para a produção do cobertura de solo, por sua vez, favorecem
cultura orgânica. O bokashi é produzido a bokashi, alguns conhecidos como EM. Os o aumento dos complexos mais estáveis.
partir de diversos materiais, como farelos quatro principais grupos de microrganis- Na utilização agrícola dos solos, o SPD
de trigo e de arroz, tortas vegetais (ma- mos que compõem o EM são: leveduras, e o cultivo mínimo apresentam-se dentre
mona, algodão, soja) e estercos, podendo actinomicetos, bactérias produtoras de as melhores alternativas para a sustentabi-
ser enriquecido com farinhas de osso e de ácido lático e bactérias fotossintetizadoras. lidade dos recursos naturais. Isto, porque
peixe e alguns minerais naturais (fosfatos O inoculante EM-4 é um preparado de exercem grandes efeitos positivos sobre a
de rocha, cinzas e outros resíduos). Assim, microrganismos, um produto importado manutenção da MO, da atividade biológica
existem vários tipos de bokashi, pois, a do Japão pela Fundação Mokiti Okada, e da fertilidade do solo a curto e a longo
exemplo do composto orgânico, deve ser atual Embiotic®, da Korin Meio Ambiente. prazos, pela redução de perdas por erosão,
adaptado aos resíduos da região. Ressalta-se, todavia, que outros inoculan- lixiviação e volatilização.
Nesse composto orgânico, os ingre- tes podem ser preparados na propriedade, O solo pode ser encarado como a base
dientes são misturados uniformemente, com menor custo (OLIVEIRA et al., 2014). para a ciclagem de nutrientes. Entretanto, a
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18 Agricultura orgânica e agroecologia

capacidade de fornecê-los depende de suas Embrapa Soja, 2007. 80p. (Embrapa Soja. RESENDE, M.; CURI, N.; SANTANA, D.P.
reservas, que, por sua vez, são função de Documentos, 283). Pedologia e fertilidade do solo: interações
um balanço existente entre perdas e ganhos LANDERS, J.N. Histórico, característica e be- e aplicações. Brasília: MEC; Lavras: ESAL;
no sistema-solo. nefícios do plantio direto. Brasília: ABEAS: Piracicaba: POTAFOS, 1988. 81p.

A proposta primária, então, seria a de UnB, 2005. 113p. (ABEAS. Curso Plantio ROSCOE, R.; MACHADO, P.L.O. de A.
Direto. Módulo, 1). Fracionamento físico do solo em estudo
explorar as técnicas de manejo do solo que
LIMA, P.C. de. Dependência da seringuei- da matéria orgânica. Dourados: Embrapa
potencializem as atividades biológicas e a
ra às micorrizas vesículo- arbuscular, em Agropecuária Oeste: Rio de Janeiro: Embra-
ciclagem de nutrientes com o menor custo
função de doses de fósforo, zinco e cobre pa Solos, 2002. 86p.
possível, considerando-se a capacidade de adicionadas em um Latossolo Vermelho- SANTOS, I.C. dos; FONTANÉTTI, A. Crota-
trabalho do agricultor. A partir disso, a ne- Amarelo. 1991. 107f. Tese (Mestrado em So-
lária (Crotalaria spp.). In: PAULA JÚNIOR,
cessidade de importação de nutrientes para los e Nutrição de Plantas) − Universidade
T. de J.; VENZON, M. (Coord.). 101 cultu-
o sistema será menor. Se uma propriedade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
ras: manual de tecnologias agrícolas. Belo
ou uma comunidade de agricultores desen- LIMA, P.C. de et al. Estabelecimento de ca- Horizonte: EPAMIG, 2007. p.315-316.
volver sistema de produção de compostos fezal orgânico. Informe Agropecuário. Café
SEDIYAMA, M.A.N. et al. Compostos orgâ-
orgânicos, de sementes de adubos verdes orgânico, Belo Horizonte, v.23, n.214/215,
nicos produzidos com resíduos vegetais e
e de aproveitamento de resíduos, a depen- p.33-52, jan./abr. 2002.
dejetos de origem bovina e suína. Cadernos
dência por insumos externos será reduzida.  LIMA, P.C. de. et al. Produção de biomas-
de Agroecologia, Cruz Alta, v.6, n.2, p.1-5,
sa, conteúdo e mineralização de nutrien-
dez. 2011. Resumos do VII Congresso Brasi-
AGRADECIMENTO tes de leguminosas e plantas espontâneas
leiro de Agroecologia, Fortaleza, 2011.
para adubação verde de cafezais sob culti-
À Fundação de Amparo à Pesquisa do vo orgânico. In: SIMPÓSIO DE PESQUISA SEDIYAMA, M.A.N. et al. Nutrientes em
Estado de Minas Gerais (Fapemig), ao DOS CAFÉS DO BRASIL, 6., 2009, Vitória. compostos orgânicos de resíduos vegetais
Consórcio Pesquisa Café e ao Conselho Anais... Brasília: Embrapa Café, 2009. Dis- e dejeto de suínos. Scientia Agricola, Pira-
Nacional de Desenvolvimento Científico ponível em: <http://www.sapc.embrapa.br/ cicaba, v.57, n.1, p.185-189, jan./mar. 2000.
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Manejo agroecológico de pragas


Madelaine Venzon 1 , Pedro Henrique Brum Togni 2 , Dany Silvio Souza Leite Amaral 3 ,
Maíra Queiroz Rezende 4 , Maira Christina Marques Fonseca 5 , Elem Fialho Martins 6

Resumo - O manejo de pragas em sistemas orgânicos e agroecológicos depende da


compreensão e da manipulação de interações ecológicas que garantam a manutenção
dos insetos e ácaros pragas em baixos níveis populacionais. Esse manejo deve incorporar
práticas ecológicas que aliem a experiência e os conhecimentos tradicionais dos agricultores
e das agricultoras, com normas nacionais e internacionais que regulamentam as produções
orgânicas. Para que sejam efetivas, as ações de manejo devem contemplar estratégias
preventivas, como o controle cultural e o manejo da agrobiodiversidade, voltadas para
a manutenção de inimigos naturais, seguidas por estratégias curativas, quando não se
consegue evitar surtos populacionais de pragas, tais como o controle biológico aumentativo,
por meio da liberação de organismos benéficos e o uso de caldas fitoprotetoras e extratos
de plantas, para a redução drástica de populações de pragas.
Palavras-chave: Prática ecológica. Manejo de pragas. Manejo da agrobiodiversidade.
Controle biológico. Calda fitoprotetora.

INTRODUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO, 2010). De agroecossistemas, principalmente nas


acordo com a legislação brasileira, os áreas em processo de transição e rede-
A Agroecologia, seja como ciência
sistemas orgânicos são caracterizados senho agroecológico. Para o sucesso
seja como expressão dos saberes de po-
pelo uso de técnicas específicas que no manejo de pragas nesses sistemas,
pulações tradicionais, tem avançado em
otimizem o uso de recursos naturais e é necessário compreender e manipular
diversas regiões do mundo, sobretudo no
socioeconômicos disponíveis, visando à interações ecológicas que garantam a
Brasil (VILLAR; CARDOSO; FERRARI,
sustentabilidade econômica, ecológica e manutenção dos insetos e ácaros em
2013). Nos últimos 20 anos, a Agroecolo- social (INSTITUTO DE PROMOÇÃO baixos níveis populacionais. Em geral,
gia deixou de ser uma forma de agricul- DO DESENVOLVIMENTO, 2010). Por- isso pode ser obtido pela manipulação
tura alternativa para se tornar movimento tanto, os conceitos agroecológicos podem da biodiversidade em diferentes esca-
social, ciência engajada e prática agrícola ser incorporados à produção de alimentos las, utilizando-se estratégias variadas e
que criou um paradigma de agricultura, orgânicos, com o objetivo de construir integradas para prevenir a ocorrência de
tornando-se a ecologia da produção de uma agricultura sustentável a longo prazo, pragas (ZEHNDER et al., 2007). Contu-
alimentos (VILLAR; CARDOSO; FER- respeitando o meio ambiente e os saberes do, em algumas situações, as estratégias
RARI, 2013). Ao mesmo tempo, o Brasil tradicionais. preventivas podem não ser suficientes.
tem crescido substancialmente na produ- A produção agroecológica e orgânica Nesse caso, técnicas curativas, como a
ção de alimentos orgânicos, com cerca de de alimentos apresenta alguns desafios a liberação de inimigos naturais, uso de
4,9 milhões de hectares plantados e uma ser enfrentados. Um desses desafios está caldas fitoprotetoras e extratos de plantas
estimativa de produção anual de R$ 1,2 relacionado com o manejo de insetos e para conter possíveis surtos populacio-
bilhão (INSTITUTO DE PROMOÇÃO ácaros que podem-se tornar pragas nos nais podem ser empregadas.

1
Enga Agra, Ph.D., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista CNPq, Viçosa, MG, venzon@epamig.ufv.br
2
Biólogo, D.Sc., Prof. Adj. UNIP Campus Brasília, Prof. UnB - Depto. Zoologia, Brasília, DF, phbtogni@gmail.com
3
Engo Agro, D.Sc., PBH - Secretaria Municipal Meio Ambiente, Belo Horizonte, MG, danysilvio@gmail.com
4
Bióloga, D.Sc., Prof. IFTriângulo Mineiro, Campus Patos de Minas, Patos de Minas, MG, mairarezende@iftm.edu.br
5
Enga Agra, D.Sc., EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, maira@epamig.br
Graduanda Agronomia UFV, Bolsista BIC FAPEMIG/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, elem.fialho@gmail.com
6

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BASES ECOLÓGICAS DO tais como o cultivo principal, as plantas c) hipótese de inimigos naturais: a
CONTROLE DE PRAGAS espontâneas, a vegetação natural associada, biodiversidade pode promover au-
os microrganismos, os insetos herbívoros mento na comunidade de inimigos
Em sistemas naturais, o fator que
e os inimigos naturais (ALTIERI, 2012). naturais (predadores, parasitoides
determina o tamanho de uma população
Embora a promoção da biodiversidade seja e microrganismos entomopatogê-
de insetos e ácaros é a sua relação com o
um princípio da Agroecologia, o aumento nicos), porque fornece recursos e
ambiente e as interações com outros or-
da quantidade de plantas por si só pode não condições adequadas aos agentes
ganismos. No processo de transformação
de paisagens naturais em paisagens agrí-
ter efeitos positivos no controle biológico benéficos, tais como fontes alterna-
(LETOURNEAU et al., 2011). tivas ou suplementares de alimentos
colas, todas essas relações são drastica-
Para realizar o manejo agroecológico (pólen, néctar), presas e hospedeiros
mente alteradas. Isso, porque os sistemas
de pragas, os agricultores e agricultoras alternativos, microclima apropria-
agrícolas visam uma alta produtividade
devem planejar uma diversidade funcional do, áreas de refúgio e redução de
primária com baixa variabilidade gené-
de plantas a partir da compreensão e apli- interações negativas entre inimigos
tica, tornando as interações ecológicas
cação dos seguintes mecanismos teóricos naturais (LANDIS; WRATTEN;
mais simples e instáveis no tempo e no
e de ação no manejo de insetos e ácaros GURR, 2000; GURR; WRATTEN;
espaço (SUJII et al., 2010). Apesar dis-
indesejáveis: LUNA, 2003).
so, os processos ecológicos que regulam
as populações de insetos e ácaros em a) resistência associativa: prevê que Apesar de apresentados separada-
ambientes agrícolas são os mesmos que plantas associadas apresentem mente, todas essas proposições teóricas
atuam em áreas naturais. Informações de- maior resistência ao ataque de in- podem ser utilizadas de forma integrada,
talhadas sobre as implicações ecológicas setos do que plantas cultivadas em ao se planejarem estratégias práticas para
da transformação de sistemas naturais em monocultura (ROOT, 1975 apud o manejo de pragas. Dessa forma, nos
sistemas agrícolas podem ser encontradas ALTIERI; SILVA; NICHOLLS, sistemas de cultivos, o manejo ecológico
em Sujii et al. (2010). 2003). Nesse contexto, como os her- de pragas promoverá a associação entre
Para o manejo ecológico de pragas é bívoros geralmente utilizam pistas a biodiversidade planejada (policultivos,
então necessário compreender essas rela- olfativas e visuais para a localização agroflorestas, faixa de vegetação, etc.)
ções ecológicas e aplicá-las no manejo dos de plantas, o manejo com plantas com a biodiversidade associada (fauna,
insetos e ácaros indesejáveis. Tais insetos e aromáticas e de diferentes arquite- vegetação adjacente, etc.), visando ao
ácaros presentes em sistemas de produção, turas pode dificultar o encontro das favorecimento de uma ou mais funções
na maioria das vezes, encontram condições plantas de cultivo. Outra função desejadas (dificuldade de encontrar o
ecológicas ideais para o seu crescimento po- estaria relacionada com as plantas hospedeiro, controle biológico), tornando
pulacional. Dentre os processos ecológicos armadilhas que atraem insetos e áca- então a biodiversidade funcional (NI-
que possibilitam o aumento populacional de ros indesejáveis, evitando o ataque CHOLLS; ALTIERI, 2005).
insetos e ácaros indesejáveis, destacam-se a culturas-alvo; No entanto, quando as atividades de pla-
a abundância de recursos e a facilidade de b) concentração de recursos: nesse nejamento e prevenção não são suficientes,
encontrá-los, isto é, extensa massa vegetal caso, a diversidade tem a função o controle de pragas também deve conside-
da cultura- alvo, condições ambientais favo- de promover a redução de oferta rar a introdução de inimigos naturais para
ráveis para sobrevivência e reprodução e a de plantas hospedeiras. Muitos o controle de insetos e ácaros indesejáveis.
falta de controle realizado por seus inimigos herbívoros têm maior probabilidade Assim, é simulada uma migração
naturais. Portanto, em qualquer estratégia de de encontrar plantas hospedeiras, de inimigos naturais, com o objetivo de
manejo de insetos e ácaros deve-se atentar quando estas desenvolvem-se em reduzir o ataque de pragas. Práticas cul-
para ações que aumentem a resistência da grande massa de vegetação. Quando turais, como, por exemplo, irrigação e
planta cultivada, reduzam a capacidade de o um inseto pousa em uma planta não uso de caldas fitoprotetoras ou extratos de
inseto encontrar a planta-alvo e promovam hospedeira, esse tende a apresentar plantas, também podem simular limitações
a atração de inimigos naturais. voos mais longos e a deixar a área ecológicas, que aumentam a mortalidade
O incremento e a manutenção da de cultivo (ROOT, 1973). Assim, o de insetos e ácaros indesejáveis. A escolha
biodiversidade têm o papel-chave para a redesenho da propriedade agrícola, da melhor estratégia ou de qual grupo de
proteção dos cultivos (LETOURNEAU com policultivos, consórcio de cul- plantas utilizar deve ter o equilíbrio entre
et al., 2011). Em agroecossistemas, a turas ou agroflorestas, pode reduzir o tipo de inseto que se quer controlar e a
biodiversidade vai compreender todos os o risco de surtos populacionais dos realidade e práticas desenvolvidas pelos
organismos presentes no sistema agrícola, insetos e ácaros; agricultores em cada região.
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Agricultura orgânica e agroecologia 21

ESTRATÉGIAS DE MANEJO não ocorra sincronização do ciclo da Para isso, é necessário que o produtor
AGROECOLÓGICO DE cultura com o das pragas, de modo que o busque variedades adaptadas às condições
PRAGAS potencial de colonização da cultura pela locais onde seu agroecossistema está in-
O manejo agroecológico de pragas praga seja menor e o seu aumento popu- serido. A utilização dessa estratégia ainda
deve incorporar práticas ecológicas que lacional dificultado. Além disso, plantios é limitada no Brasil. As variedades atual-
aliem a experiência e os conhecimentos em épocas menos favoráveis ao desen- mente disponíveis no mercado ainda são
tradicionais dos agricultores e das agri- volvimento da cultura podem aumentar direcionadas para culturas convencionais
cultoras, com normas nacionais e interna- sua suscetibilidade às pragas e, portanto, e o desenvolvimento de variedades para
cionais que regulamentam as produções medidas de controle serão utilizadas com os sistemas orgânicos ainda é incipiente.
agroecológicas. Dentre as possíveis formas maior frequência (SUJII et al., 2010). O tipo de irrigação também é outro
de controle de insetos e ácaros indesejá- Outro fator que pode ser manipulado fator que pode prevenir a colonização da
veis, um modelo proposto por Zehnder para prevenir a ocorrência de pragas é o cultura por insetos fitófagos. Para cul-
et al. (2007) divide as ações de manejo tipo de adubação utilizado. A hipótese de turas que exigem um grande volume de
em fases que contemplem estratégias planta estressada prevê que aquelas com água, como as hortaliças, essa estratégia
preventivas, seguidas por estratégias mais nutrição deficiente estão mais sujeitas ao pode ser especialmente importante. Em
diretas, quando não se consegue evitar ataque de insetos fitófagos, porque ocorre repolho, por exemplo, já foi observado
surtos populacionais de pragas. redução na síntese de proteínas, aumento que a irrigação por aspersão pode afetar
A seguir, são propostas quatro fases de da disponibilidade de aminoácidos livres negativamente a dinâmica populacional da
manejo agroecológico: (= alimento mais nutritivo para os herbí- traça-das-crucíferas Plutella xylostela L.
a) controle cultural, com alterações no voros) e redução de energia disponível (Lepidoptera: Plutellidae) sem compro-
ambiente, visando reduzir o ataque para ser investida em defesas químicas. meter a produtividade da cultura (OLI-
de pragas; Mais detalhes podem ser encontrados VEIRA; JUNQUEIRA; FRANÇA, 2000).
em Sujii et al. (2010). Adubos orgânicos Já em tomate, a irrigação por aspersão
b) manejo da agrobiodiversidade, vol-
geralmente possuem baixa solubilidade pode dificultar o estabelecimento de duas
tado para a manutenção de inimigos
e lenta liberação de nutrientes, se com- pragas-chave em momentos distintos da
naturais;
parados aos fertilizantes químicos, o que cultura. No estágio vegetativo do tomateiro
c) liberação de inimigos naturais, a pode contribuir para uma nutrição mais a irrigação por aspersão dificulta o esta-
fim de realizar o controle biológico equilibrada e constante da planta. Conse- belecimento de adultos de mosca-branca
aumentativo; quentemente, espera-se que essas plantas Bemisia tabaci (Gennadius) biótipo B
d) uso de caldas fitoprotetoras e ex- sejam melhor nutridas e menos suscetíveis (Hemiptera: Aleyrodidae) em lavouras
tratos de plantas, para a redução aos insetos fitófagos. Um exemplo desse orgânicas com consequente redução nas
drástica de populações de pragas. tipo de efeito sobre as pragas é descrito taxas de oviposição (TOGNI, 2014). Já
Vale ressaltar que todas essas estraté- por Medeiros et al. (2009). Esses autores durante a fase de florescimento da cultura,
gias podem ser aplicadas em escalas que observaram, em campo e laboratório, a irrigação por aspersão causa o desalo-
variam desde a área do talhão de cultivo até que a traça-do-tomateiro, Tuta absoluta jamento dos ovos da traça-do-tomateiro
o redesenho da propriedade na paisagem (Meyrick) (Lepidoptera: Gelechiidae), (MEDEIROS et al., 2009). As estratégias
agrícola (GURR; WRATTEN; LUNA, tende a evitar colocar ovos em plantas de descritas a seguir podem ser utilizadas de
2003). tomate cultivadas em sistema orgânico, em forma complementar e integrada ao manejo
comparação aos tomateiros cultivados em da agrobiodiversidade.
Controle cultural sistemas convencionais. Essas diferenças
O planejamento da época de plantio foram atribuídas aos tipos de adubo utiliza- Manejo da
agrobiodiversidade
pode ser considerado uma das primeiras dos no sistema convencional (fertilizantes
etapas para o manejo agroecológico de químicos de alta solubilidade) e orgânico A diversificação de plantas, que visa
pragas. Inicialmente, é necessário conhecer (adubação orgânica). à redução populacional de pragas, pode
em qual época do ano determinada cultura Essas duas estratégias, associadas ao compreender o arranjo de espécies no es-
é mais suscetível ao ataque de pragas. É uso de diferentes tipos de variedades de paço e no tempo, a composição e a abun-
recomendado, então, que a cultura seja uma mesma cultura, podem diminuir ainda dância de vegetação dentro e no entorno
plantada na época em que os insetos mais a suscetibilidade ao ataque de insetos de áreas de cultivo, o tipo e a intensidade
considerados pragas-chave sejam menos fitófagos, pois há um aumento da variabi- de manejo da área (GURR; WRATTEN;
abundantes em campo. Isso faz com que lidade genética local (SUJII et al., 2010). LUNA, 2003).
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Na escolha das plantas a ser associadas buscando-se uma diversidade funcional nas Essas árvores possuem nectários ex-
ao cultivo principal, devem-se considerar áreas (Quadro 2). traflorais que podem oferecer alimento
as seguintes características: Um exemplo de destaque é o con- alternativo para os inimigos naturais das
a) facilidade de manejo e manutenção; sórcio entre tomate e coentro, que, além pragas do café (Fig. 2).
de reduzir diretamente a infestação por Estudos realizados em cafeeiros con-
b) habilidade competitiva com plantas
mosca-branca B. tabaci, e da traça-do- sorciados com árvores de ingá mostraram
espontâneas;
tomateiro T. absoluta, também aumenta que a disponibilidade de néctar nessas
c) não fornecimento de recursos para
significativamente a população de inimi- árvores aumenta o parasitismo do bicho-
organismos indesejáveis;
gos naturais dessas duas pragas (TOGNI mineiro Leucoptera coffeella (Guérin-
d) não hospedagem para os mesmos et al., 2009, 2010b; MEDEIROS et al., Méneville) (Lepidoptera: Lyonetiidae), e
herbívoros da cultura principal. 2009). Esse consórcio consiste em plantar diminui os danos causados por este para-
A manipulação da vegetação e do o coentro na linha de plantio 15 dias antes sita e pela broca-de-café Hypothenemus
ambiente agrícola deve ser organizada em do transplante das mudas de tomateiro hampei (Ferrari) (Coleoptera: Curculionidae:
diversas escalas de intervenção, podendo para o campo. Durante o ciclo vegetativo Scolytinae) em plantas de café (RE-
ocorrer dentro da área de plantio, em toda da cultura, o coentro mascara os odores ZENDE et al., 2014). Além de fornecer
a extensão da propriedade ou, também, na do tomateiro e dificulta o reconheci- recurso para os inimigos naturais, tais
paisagem agrícola. mento pela mosca-branca, que prefere árvores também podem hospedar po-
colonizar os plantios em monocultura tenciais predadores das pragas do café.
Policultivos (TOGNI et al., 2010a). Após 50 dias, o Nos SAFs estudados, foram observados
Existem diversos exemplos na litera- coentro deve ser colhido, deixando-se tripes do gênero Trybomia em árvores
tura internacional de efeito de culturas aproximadamente seis plantas entre cada de ingá e essa mesma espécie foi encon-
intercalares/consorciadas nas populações tomateiro. As plantas colhidas podem ser trada dentro de frutos brocados de café.
de insetos-pragas. Na maioria desses, hou- comercializadas e as não colhidas são Experimentos conduzidos em laboratório
ve a diminuição das populações de pragas deixadas para florescimento e uma nova na EPAMIG Sudeste revelaram que este
nas culturas consorciadas, quando compa- semeadura de coentro deve ser realizada tripes pode-se alimentar de ovos, larvas e
radas aos monocultivos (LETOURNEAU (MEDEIROS et al., 2009). Ao florescer, pupas da broca-do-café (Fig. 3) (REZEN-
et al., 2011). No Brasil, além do conheci- o coentro atrai diversos inimigos naturais DE, 2014). Dessa forma, a diversificação
mento tradicional dos agricultores e das da traça-do-tomateiro e de outras pragas, planejada de SAFs, utilizando árvores que
agricultoras, alguns experimentos têm aumentando seu efeito benéfico para o possuem nectários extraflorais, pode ser
quantificado e registrado esses efeitos, e manejo de pragas em tomate. uma importante estratégia para o manejo
esses trabalhos também têm apresentado agroecológico de pragas.
Sistemas Agroflorestais
resultados variados, predominando a
redução ou nenhum efeito na população Os policultivos que consorciam cul- Manejo de plantas
espontâneas
das pragas, quando as culturas são con- tivos agrícolas e espécies arbóreas são
sorciadas (Quadro 1). Quando ocorre o denominados Sistemas Agroflorestais A vegetação espontânea pode oferecer
efeito contrário ao controle de pragas, (SAFs). As árvores que compõem um recursos e condições fundamentais para
o aumento da população dos artrópodes SAF podem ser selecionadas por diversos o incremento de populações de agentes
indesejáveis acontece geralmente pela critérios, sendo os principais com base de controle biológico, tais como alimen-
associação de plantas que são hospedeiras na compatibilidade entre os cultivos, na to alternativo e complementar (presas,
das mesmas espécies de insetos. Deve-se, produção de biomassa, na facilidade de pólen, néctar), micro-habitat, refúgio e
portanto, evitar esse tipo de consórcio e manejo e na diversificação da produção local de oviposição (ANDOW, 1988). As
seguir os critérios já relacionados, para (SOUZA et al., 2010). Nesses sistemas, contribuições promovidas pelas plantas
obter resultados satisfatórios no controle as árvores podem representar importante espontâneas podem variar de acordo com o
de pragas. fonte de abrigo e de recurso para inimigos grupo ou as espécies de inimigos naturais.
Portanto, para maximizar os benefícios naturais, favorecendo, assim, o contro- Por exemplo, em estudos realizados em
do manejo ambiental, a diversidade de le natural de pragas. Por exemplo, em sistema de cultivo de pimenta, observou-
vegetação nos sistemas de produção deve cafeeiros sob SAFs, árvores do gênero se que o principal recurso fornecido por
ser organizada selecionando-se espécies de Inga Miller (Fabaceae) são comumente plantas espontâneas para joaninhas foi de
plantas que possam aumentar a presença encontradas, como Inga subnuda ssp. presas alternativas, seguido de pólen/néctar
de determinados inimigos naturais locais, iuschnathiana (Benth.) T. D. Penn. (Fig. 1). (AMARAL et al., 2013) (Fig. 4).
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Agricultura orgânica e agroecologia 23

QUADRO 1 - Exemplos sobre o efeito do consórcio de culturas em insetos-praga no Brasil

(1)
Consórcio Espécie de praga avaliada Efeito
(2)
Fonte

Erva-mate, feijão e nabo Gyropsylla spegazziniana (ampola da erva-mate) - Gonçalves et al. (2008)

Feijão e Caupi Cerotoma arcuata (vaquinha) 0 Teixeira e Franco (2007)

Feijão e milho C. arcuata -/0 Bastos et al. (2003) e Teixeira e Franco (2007)
Empoasca kraemeri (cigarrinha-verde) - Bastos et al. (2003)
Thrips tabaci (trips) + Bastos et al. (2003)
Diabrotica speciosa (brasileirinho) - Bastos et al. (2003)
Pseudoplusia includens (lagarta-falsa-medideira) + Bastos et al. (2003)

Milho e feijão Dalbus maidis (cigarrinha-do-milho) 0/- Galvão et al. (2001) e Bastos et al. (2003)
Spodoptera frugiperda (lagarta-do-cartucho) 0/- Galvão et al. (2001) e Bastos et al. (2003)
Colaspis joliveti (vaquinha) + Bastos et al. (2003)
D. speciosa 0 Galvão et al. (2001)

Mogno e eucalipto Hypsiphyla grandella (broca-do-mogno) - Guimarães-Neto et al. (2004)

Soja e milho D. speciosa 0 Cividanes e Barbosa (2001)


Helicoverpa zea (lagarta-da-espiga) 0 Cividanes e Barbosa (2001)
Maecolaspis assimilis - Cividanes e Barbosa (2001)
S. frugiperda 0 Cividanes e Barbosa (2001)
Anticarsia gemmatalis (lagarta-da-soja) 0 Cividanes e Barbosa (2001)
D. speciosa 0 Cividanes e Barbosa (2001)
Piezodorus guildinii (percevejo-verde-da-soja) 0 Cividanes e Barbosa (2001)

Tomate e arruda (3)


Lagartas broqueadoras do fruto - Carvalho et al. (2009)

Tomate e coentro Bemisia tabaci biótipo B (mosca-branca) - Togni et al. (2009)


Tuta absoluta (traça-do-tomateiro) - Medeiros et al. (2009)

Tomate e funcho (3)


Lagartas broqueadoras do fruto - Carvalho et al. (2009)

Tomate e hortelã (3)


Lagartas broqueadoras do fruto 0 Carvalho et al. (2009)

Tomate e manjericão (3)


Lagartas broqueadoras do fruto - Carvalho et al. (2009)

Tomate e milho T. absoluta - Picanço et al. (1996)


H. zea + Picanço et al. (1996)

Videira e mucuna Eurhizococcus brasiliensis (pérola-da-terra) - Botton et al. (2010)

FONTE: Venzon et al. (2011).


NOTA: − - Efeito negativo sobre a praga; 0 - Sem efeito; + - Favorecimento da praga.
(1) Considerando a primeira cultura listada como cultura principal. (2) Efeito do consórcio de culturas na abundância ou danos por insetos-
praga. (3) Apenas danos avaliados impossibilitando a identificação das espécies, porém Carvalho et al. (2009) relatam a ocorrência de
Neoleocinoides elegantalis (broca pequena), S. frugiperda e Trichoplusia sp. ao longo do ciclo da cultura.

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24 Agricultura orgânica e agroecologia

QUADRO 2 - Exemplos da utilização de plantas associadas à cultura principal que promovem o aumento populacional de predadores
Cultura Planta Recurso fornecido ou interação
Predador Praga controlada
principal associada com a planta associada
Melanostoma fasciatum Pulgões Trigo Facélia (Phacelia tanacetifolia) Pólen como alimento para
adultos de sirfídeos (HICKMAN;
WRATTEN,1996)

Eupeodes corollae Pulgões Pimentão Coentro (Coriandrum sativum)/ Pólen como alimento para adultos
Álisso (Lobularia maritima) de sirfídeos/aumento populacional
dos sirfídeos (PINEDA; MARCOS-
GARCÍA, 2008)

Mallada signata Pulgões Pepino, Lablab (Lablab purpureus) Presa alternativa para larvas/
abóbora aumento populacional de adultos
de crisopídeo (QURESHI et al.,
2010)

Chrysoperla carnea Pulgões, tripes, ácaros Batata Borragem (Borago officinalis)/ Atratividade ao crisopídeo/local
Escovinha (Centaurea cyranus) preferencial para oviposição de
adultos do crisopídeo (NENTWIG,
1998)

Micromus tasmaniae Pulgões Alfafa Trigo mourisco (Fagopyrum Néctar como alimento/aumento
esculetum) populacional de adultos/
aumento no controle de pulgões
(JACOMETTI; JØRGENSEN;
WRATTEN, 2010)

Cycloneda sanguinea Pulgões, tripes, ácaros Couve Coentro (C. sativum) Aumento populacional de
Eriopis connexa joaninhas durante a floração do
coentro (REZENDE et al., 2014)

Coleomegilla maculata Pulgões, mosca-branca Alfafa Dente de leão (Taraxacum sp.) Pólen/aumento populacional/
controle de pulgões (HARMON et
al., 2000)

C. maculata Pulgões, tripes, ácaros Milho Algodãozinho (Acalypha Local alternativo de oviposição
ostryaefolia) para a joaninha (COTTRELL;
YEARGAN, 1999)

Hippodamia convergens Mosca-branca, pulgões Tomate Coentro (C. sativum) Aumento populacional de
E. connexa joaninhas predadoras em campo
(TOGNI et al., 2010a)

Orius spp. Tripes, ácaros Maçã Escovinha (C. cyanus) Aumento populacional
do predador em campo
(FITZGERALD; SOLOMON, 2004)
FONTE: Dados básicos: Venzon et al. (2011).

Para sirfídeos (Diptera: Syrphidae) da joaninha Cycloneda sanguinea (L.) sobrevivência de ambas as espécies de
(predadores comumente conhecidos como (Coleoptera: Coccinellidae) sobreviveram coccinelídeos (AMARAL et al., 2013).
fevereiro e mindinho), que necessitam de mais quando tiveram acesso às inflo- O manejo de plantas espontâneas pode
pólen para a produção de ovos, foi co- rescências de picão (Bidens pilosa L.) ser facilmente implantado em sistemas
mum encontrar indivíduos sobrevoando e e de mentrasto (Ageratum conyzoides L.), agroecológicos, por não ser necessária a
alimentando-se em inflorescências (Fig. 5). enquanto outra espécie de joaninha, aquisição de sementes e a introdução de
Por outro lado, espécies de um gru- Harmonia axyridis (Pallas) (Coleoptera: plantas diferentes da realidade dos agri-
po de insetos podem-se beneficiar de Coccinellidae) não obteve o mesmo cultores e agricultoras. Dentre as diversas
forma diferenciada na mesma espécie sucesso. Já a inflorescência de serralha formas de manejar as plantas espontâneas,
de planta espontânea. Adultos e larvas (Sonchus  oleraceus L.) não afetou a a estratégia mais comum é a manutenção de
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Maíra Queiroz Rezende


Figura 1 - Café sob Sistema Agroflorestal (SAF) com árvores de ingá

Fotos: Maíra Queiroz Rezende


Figura 2 - Formigas alimentando-se em nectário extrafloral de ingá

Dany Silvio Souza Leite Amaral


Maíra Queiroz Rezende

Figura 3 - Tripes alimentando-se de ovos da broca-do-café Figura 4 - Joaninha em inflorescência de mentrasto

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26 Agricultura orgânica e agroecologia

faixas de vegetação circundando a área de


cultivo. Em alguns sistemas de produção, as
plantas espontâneas podem ser mantidas até
possuírem alta concentração de inimigos na-
turais, e, em seguida, ser cortadas, para for-
çar a movimentação dos insetos benéficos
para a área de cultivo (ALTIERI; SILVA;
NICHOLLS, 2003). Tais plantas também
podem ser manipuladas dentro das áreas de
cultivo, promovendo menor concentração

Dany Silvio Souza Leite Amaral


na planta cultivada, diluindo as popula-
ções de herbívoros (Fig. 6). Por exemplo,
a densidade da cigarrinha Empoasca
kraemeri Ross & Moore (Hemiptera:
Cicadellidae) foi reduzida na presença de
plantas espontâneas nas entrelinhas dos
feijoeiros (ALTIERI; SILVA; NICHOLLS, Figura 5 - Sirfídeo adulto alimentando-se em inflorescência de picão-branco
2003). Nesse caso, a fim de evitar a
competição entre o cultivo e as plantas
espontâneas, recomenda-se impedir a as-
sociação das plantas no período crítico da
cultura (geralmente no primeiro terço de
desenvolvimento), permitir o crescimento
em faixas alternadas com plantas espontâ-
neas e promover o espaçamento maior nas
entrelinhas da cultura principal.
Quando se conhecem as plantas
espontâneas que são mais atrativas aos

Dany Silvio Souza Leite Amaral


inimigos naturais-chave, é fundamental
realizar a capina seletiva, para aumentar a
efetividade do controle biológico. Como
existe grande potencial de as plantas es-
pontâneas também abrigarem artrópodes
indesejáveis (ANDOW, 1988), recomenda-
se monitorar, principalmente no período
da entressafra, e realizar o controle das Figura 6 - Manejo de plantas espontâneas na entrelinha de plantas de pimenta-malagueta
possíveis plantas hospedeiras de artrópodes
fitófagos.
generalista Chrysoperla externa (Hagen), espontâneas, indicando a importância na
Manejo de plantas de (Neuroptera: Chrysopidae), o qual ocorre diversidade de plantas, para a garantia
cobertura em diversos agroecossistemas (VENZON de recursos alimentares diferentes, que
Os adubos verdes, muito utilizados na et al., 2006). possam atrair inimigos naturais.
agroecologia para a melhoria das carac- Adicionalmente, em sistemas orgâni-
cos de produção de café, o uso de adubos Influência da vegetação do
terísticas químicas, físicas e biológicas entorno
do solo, podem também contribuir para verdes nas entrelinhas aumentou a taxa de
a redução da incidência de pragas. O ataque de vespas predadoras em minas do Além da manipulação da agrobiodi-
guandu (Cajanus cajan L.) e a crotalária bicho-mineiro do cafeeiro (AMARAL et versidade em uma escala local, também é
(Crotalaria spp.), leguminosas utilizadas al., 2010). Nesse estudo, a taxa de predação possível manejá-la em uma escala espacial
como adubos verdes, produzem pólen aumentou com o acréscimo no número mais ampla, junto ao manejo de diferentes
nutricionalmente adequado ao predador de espécies de adubos verdes e plantas ambientes agrícolas. O objetivo desta
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Agricultura orgânica e agroecologia 27

estratégia de manejo é manter as espécies cola pode contribuir para a conservação de Federal. Essas propriedades variavam de
benéficas dentro da propriedade, em áreas espécies benéficas na propriedade, reduzin- propriedades convencionais, com apli-
de refúgio na entressafra e como fonte de do as taxas de migração para outras áreas. cação frequente de agrotóxicos, plantios
indivíduos para colonização de novas áreas Assim, as espécies de predadores podem em monoculturas e baixa diversidade de
plantadas (SUJII et al., 2010). Portanto, encontrar recursos e condições adequadas hábitats na paisagem, a áreas de produção
busca-se estabelecer uma comunidade em diferentes hábitats, favorecendo a dis- orgânica, sem aplicação de qualquer pro-
que esteja continuamente se dispersando persão contínua na propriedade (TOGNI, duto fitossanitário, policultivos e grande
entre as diferentes áreas que compõem a 2014). De modo similar ao descrito para as diversidade de hábitats na paisagem
propriedade agrícola. agroflorestas, essas áreas podem contribuir (agroflorestas, barreiras, ilhas de vege-
Em culturas anuais de ciclo curto, para manter as populações de insetos fitó- tação, áreas de pousio, etc.) (Fig. 7). Foi
como as hortaliças, o manejo de diferentes fagos reduzidas. observado que, quanto menor o distúrbio
ambientes agrobiodiversos pode ser espe- Contudo, conservação da biodiversi- pela aplicação de produtos fitossanitários
cialmente importante, porque a retirada da dade de insetos benéficos nem sempre está e maior a diversidade de cultivos e de
cultura implica na migração das espécies diretamente relacionada com o controle propriedade, maior era a mortalidade de
benéficas para outras áreas. Contudo, cul- de pragas. Outro fator que pode estar ninfas de mosca-branca. O principal fator
turas perenes, como o café, também podem relacionado com o manejo de pragas em que contribuiu para a mortalidade das nin-
ser diretamente beneficiadas a longo prazo escalas maiores do que o manejo do talhão fas de mosca-branca em todas as fazendas
por essa prática de manejo. As estratégias de cultivo é a intensidade de distúrbio foi a predação. Contudo, nas propriedades
de manejo nesse sentido incluem o estabe- que cada uma dessas áreas está sujeita. mais diversificadas, outros fatores, como
lecimento de faixas de vegetação marginal, morte por patógenos e parasitoides, foram
Em um experimento recente, foi avaliado
bordas de cultivo, corredores de vegetação,
como a diversidade de ambientes na pro- mais proeminentes, contribuindo para o
uso de SAFs e a manutenção de áreas de
priedade, associada à redução do regime aumento da mortalidade total (TOGNI,
vegetação nativa.
de distúrbio dessas áreas pela aplicação 2014).
As áreas de plantio podem ser dividi-
de produtos fitossanitários, pode con- Além disso, maior biodiversidade e
das em áreas menores ou talhões de cul-
tribuir para o controle da mosca-branca abundância de predadores resultaram em
tivo circundados por barreiras de espécies
(TOGNI, 2014). Foram amostradas 20 maior controle da mosca-branca e este con-
vegetais maiores do que a cultura. Essas
fazendas produtoras de tomate no Distrito trole era mais previsível e constante entre
áreas são preferencialmente utilizadas por
espécies de inimigos naturais (HARTER-
REITEN-SOUZA et al., 2014) e podem
ser estabelecidas com espécies nativas ou
implantadas. Uma das estratégias que se
têm mostrado promissoras para essa fina-
lidade é o uso de SAFs intercalados com
talhões de plantio de hortaliças. Em épo-
cas de entressafra, os inimigos naturais
tendem a migrar das áreas de plantio para
as de agroflorestas, onde mantêm suas
populações reduzidas. Na ocasião de um
novo plantio, os inimigos naturais tendem
a recolonizar as novas áreas cultivadas e
aumentam suas populações em resposta à
Pedro Henrique Brum Togni

colonização por insetos herbívoros, evi-


tando que estes alcancem o status de praga
(HARTERREITEN-SOUZA et al., 2014).
Associado a essa estratégia, o agricultor
ou agricultora pode manter áreas cultivadas
e não cultivadas, como áreas de pousio e
de vegetação natural. A presença de uma Figura 7 - Produção de hortaliças em policultivos rodeados (ao fundo) por Sistema Agro-
diversidade de hábitats na paisagem agrí- florestal (SAF) em sistema orgânico, no Distrito Federal

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28 Agricultura orgânica e agroecologia

as propriedades. Portanto, isso demonstra genos, como vírus, bactérias, fungos e ne- Caldas fitoprotetoras e
que fatores de manejo em escalas, além da matoides (PARRA, 2014). Todavia, apesar inseticidas botânicos
paisagem agrícola, interagem com fatores dos altos índices de sucesso e relativo baixo O uso de insumos alternativos, a exem-
locais no manejo agroecológico de pragas. custo econômico, o acesso aos inimigos plo das caldas fitoprotetoras e dos extratos
naturais comercializados ainda não é uma botânicos, representa uma importante
Liberação de inimigos realidade para todos os agricultores e agri-
naturais estratégia curativa na redução de pragas
cultoras. Além disso, ainda existem poucas em diversas culturas, além de trazer be-
O controle biológico aumentativo pode espécies de inimigos naturais disponíveis nefícios econômicos, sociais e ambientais
ser uma importante ferramenta, quando no mercado brasileiro (PARRA, 2014). (VENZON et al., 2010). Dentre as caldas
o manejo da agrobiodiversidade for in- Em cafeeiros, o fungo Beauveria fitoprotetoras utilizadas nos sistemas agro-
suficiente para manter as populações de bassiana pode ser utilizado para controlar ecológicos destacam-se a calda sulfocálci-
inimigos naturais em níveis capazes de a broca-do-café H. hampei. Apesar de esse ca e a calda viçosa, que foi desenvolvida a
exercer o controle das populações de pra- fungo estar disponível no mercado, os partir da calda bordalesa pela Universidade
gas. Nesse tipo de controle biológico, os agricultores e agricultoras podem adotar Federal de Viçosa (UFV).
inimigos naturais são criados massalmente práticas para disseminar as epizootias que Pesquisas realizadas na EPAMIG
e liberados em grande quantidade em cam- ocorrem naturalmente nos agroecossiste- Sudeste ressaltam a necessidade de con-
po. As liberações podem ser denominadas mas. Vazquéz et al. (2008) sugerem que centrações específicas para cada praga,
inoculativas sazonais ou inundativas, tais agricultores coletem frutos que apre- levando-se em consideração seu impacto
dependendo da sua finalidade. sentem adultos infectados e os transfiram sobre os inimigos naturais. Tem-se al-
Quando os inimigos naturais são li- para as áreas onde não há brocas infecta- cançado redução populacional do ácaro-
berados, na espera de que sua população das. Os adultos infectados são facilmente vermelho e do bicho-mineiro do café e do
se multiplique em campo e seja capaz de identificados pela presença de conídios, ácaro-branco em pimenta, dentre outros,
controlar a praga por algumas gerações, é que formam uma massa branca recom- utilizando-se concentrações reduzidas da
denominada inoculativa sazonal. Já quan- brindo os insetos e a entrada das galerias calda sulfocálcica (0,5%), o que minimiza
do a liberação desses inimigos naturais nos frutos do café. Os frutos infectados o impacto sobre organismos benéficos e
é realizada periodicamente, visando à devem ser acondicionados em bolsas de evita o risco de fitotoxicidade. A calda
redução imediata da população da praga, tela fina amarradas aos ramos do café, viçosa, utilizada principalmente no manejo
é chamada inundativa. Nesse caso, os sempre em local sombreado e ventilado. de doenças, em concentrações seleciona-
inimigos naturais funcionam como inseti- Também pode-se preparar uma solução, das, não apresentou efeito deletério sobre
cidas biológicos, e não é esperado efeito a batida em liquidificador por um minuto, algumas espécies de ácaros predadores
médio ou a longo prazos, sendo sua libe- de insetos infectados e água. Essa solução encontrados em hortaliças. Portanto, seu
ração necessária toda vez que houver um aquosa pode ser aplicada diretamente nos uso pode ser integrado no manejo de pragas
aumento populacional da praga (PARRA ramos de café. e doenças sem afetar negativamente esses
et al., 2002). Como exemplos dessa forma O sucesso das estratégias que envol- agentes naturais de controle biológico de
de controle biológico no Brasil, podem-se vem o controle biológico aumentativo ácaros fitófagos em hortaliças (VENZON
citar o uso do parasitoide Trichogramma dependerá das diversas formas de manejo et al., 2010).
pretiosum Riley (Hymenoptera: Tricho- abordadas anteriormente. Deve ser aliado Várias espécies vegetais apresentam ação
grammatidae), no controle da traça-do- às outras estratégias de manejo, pois a inseticida e têm sido utilizadas no manejo de
tomateiro em cultivos de tomate, e o uso eficiência dos inimigos naturais em campo pragas. Produtos à base de nim (Azadirachta
do parasitoide Cotesia flavipes Cameron é influenciada pelas condições ambientais indica A. Juss.) também são eficientes no
(Hymenoptera: Braconidae), no controle e pela disponibilidade de recursos nos controle de pragas, porém a seletividade
da broca-da-cana Diatraea saccharalis agroecossistemas. Portanto, o controle bio- aos inimigos naturais depende da dose e
(Fabricius) (Lepidoptera: Crambidae), lógico aumentativo pode ser considerado da formulação empregada. Neste sentido,
em cultivos de cana-de-açúcar (PARRA uma importante estratégia para o controle são realizadas pesquisas na EPAMIG
et al., 2002). de pragas, especialmente em sistemas de Sudeste, a exemplo da avaliação da toxi-
No Brasil, existem aproximadamente transição agroecológica, em que o controle cidade de extratos de pimenta-malagueta,
20 empresas que comercializam agentes biológico natural exercido pela comuni- coentro e calêndula sobre o ácaro-branco,
de controle biológico, como ácaros, insetos dade de inimigos naturais locais ainda ácaro-rajado, pulgão-verde e o predador
predadores, parasitoides, e em torno de 30 não mantém as populações de herbívoros generalista C. externa (representando
empresas que comercializam entomopató- abaixo dos níveis de dano econômico. o inimigo natural). Os extratos foram
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Agricultura orgânica e agroecologia 29

seletivos ao predador e promissores no manejo ecológico de pragas. Outra carência Científico e Tecnológico (CNPq) pelo
controle dos artrópodos avaliados na dose é a escassez de empresas fornecedoras de financiamento das pesquisas e concessão
de 10 mg/mL. Outros extratos botânicos inimigos naturais para liberações massais, de bolsas. À Universidade Paulista (Unip),
têm sido utilizados em preparações ca- provavelmente por causa do custo e do tem- pelo apoio financeiro a Pedro H. B. Togni,
seiras, com o intuito de controlar pragas po demandado para registro dos produtos. por meio do Programa Individual de Pes-
(VENZON et al., 2010). É importante Contudo, espera-se que esse cenário mude quisa para Docentes. Aos agricultores e às
ressaltar a necessidade de pesquisas que a médio e a longo prazos, pois, atualmente, agricultoras que participaram das pesquisas
comprovem a eficiência e o uso seguro existe uma via diferenciada para registro mencionadas neste artigo, pelo apoio e
desses produtos. de produtos com uso aprovado para agri- contribuição.
cultura orgânica, que incluem os Agentes
CONSIDERAÇÕES FINAIS Biológicos de Controle (ABC). Com isso a REFERÊNCIAS
publicação de especificações de referência
O manejo agroecológico de pragas deve ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas
para diferentes produtos e o custo de registro
ser realizado prioritariamente a partir de es- para a agricultura sustentável. 3.ed.rev.e
devem ser reduzidos, favorecendo o registro
tratégias preventivas integradas, que visem ampl. São Paulo: Expressão Popular; Rio de
de produtos à base de insetos entomófagos e Janeiro: AS-PTA, 2012.
o aproveitamento dos serviços ecológicos microrganismos entomopatogênicos.
prestados pela biodiversidade. Para tanto, ALTIERI, M.A.; SILVA, E. do N.; NICHOLLS,
No entanto, para que qualquer uma
é necessário identificar quais as principais C.I. O papel da biodiversidade no mane-
dessas demandas seja suprida e técnicas jo de pragas. Ribeirão Preto: Holos, 2003.
pragas e interações presentes no agroecos- de manejo sejam implementadas com 226p.
sistema que podem ser favorecidas pelo uso resultados satisfatórios, são necessárias
de estratégias de manejo ambiental. Essas AMARAL, D.S. et al. Diversificação da ve-
estratégias de ação fundamentadas no
getação reduz o ataque do bicho-mineiro-
estratégias podem ser adotadas localmente, diálogo entre pesquisadores, extensio- do-cafeeiro Leucoptera coffeella (Guérin-
apenas na área de cultivo ou em diferentes nistas, legisladores e produtores. Isso Mèneville) (Lepidoptera: Lyonetiidae)?
escalas que podem-se estender além dos pode ser alcançado pela promoção de Neotropical Entomology, Londrina, v. 39,
limites da propriedade. Além disso, tais espaços que promovam a troca de sabe- n.4, p.543-548, July/Aug.2010.
estratégias devem incluir o redesenho da res e experiências entre todos os agentes AMARAL, D.S.S.L. et al. Non-crop vege-
propriedade visando à criação de ambientes envolvidos na cadeia produtiva. Estes tation associated with chili pepper agro-
favoráveis à retenção e à manutenção dos espaços podem ser promovidos por meio ecosystems promote the abundance and
inimigos naturais no seu interior. de Dias de Campo e cursos para exten- survival of aphid predators. Biological Con-
Caso ocorram surtos populacionais de sionistas e produtores, o que favorece trol, v.64, n.3, p.338-346, Mar. 2013.
pragas, as estratégias complementares de essa aproximação. ANDOW, D.A. Management of weeds for
manejo podem ser utilizadas. Entretanto, Além disso, o aprofundamento do insect manipulation in agroecosystems. In:
é importante ressaltar que essas práticas diálogo pode ser promovido a partir da ALTIERI, M.A.; LIEBMAN, M. (Ed.). Weed
podem afetar de forma indesejada os inimi- realização de espaços formais e informais management in agroecosystems: ecological
gos naturais e, por isso, devem ser usadas de troca de saberes, em que todos os approaches. Boca Raton: CRC, 1988. p.265-
301.
apenas em casos específicos e de acordo participantes podem compartilhar suas
com as recomendações da legislação vi- experiências e identificar as demandas COTTRELL, T.E.; YEARGAN, K.V. Factors
gente. Apesar dos recentes avanços e do comuns. Projetos interinstitucionais de influencing dispersal of larval Coleomegilla
ensino, extensão e pesquisa, conduzidos maculata from the weed Acalypha ostryaefolia
rápido crescimento da agricultura orgânica
de forma participativa com os agricultores to sweet corn. Entomologia Experimenta-
no Brasil, as pesquisas precisam evoluir
lis et Applicata, v.90, n.3, p.313-322, Mar.
para compreender melhor os mecanismos também contribuem para o processo de
1999.
pelos quais a biodiversidade e as práticas construção do conhecimento agroecoló-
gico e do direcionamento de estratégias FITZGERALD, J.D.; SOLOMON, M.G. Can
culturais afetam as populações de pragas
flowering plants enhance numbers of be-
e os inimigos naturais. de manejo agroecológico de pragas e sua
neficial arthropods in UK apple and pear
Há necessidade que novas pesquisas aplicação, conforme a realidade local de
orchards. Biocontrol Science and Techno-
sejam conduzidas, visando suprir a deman- cada agricultor.
logy, v.14, n.3, p.291-300, 2004.
da por variedades adaptadas aos sistemas GURR, G.M.; WRATTEN, S.D.; LUNA, J.M.
AGRADECIMENTO
orgânicos e agroecológicos. Isso permitirá Multi-function agricultural biodiversity:
maior autonomia dos agricultores em re- À Fundação de Amparo à Pesquisa do pest management and other benefits. Basic
lação ao uso de materiais adequados para Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao and Applied Ecology, v.4, n.2, p.107-116,
suas lavouras, com consequente impacto no Conselho Nacional de Desenvolvimento 2003.

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30 Agricultura orgânica e agroecologia

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(Coleoptera: Coccinellidae) predation on and implementing a habitat management 168.
pea aphids promoted by proximity to dan- strategy to enhance biological control in
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Controle alternativo de doenças de plantas


Wânia dos Santos Neves 1 , Everaldo Antônio Lopes 2 , Rosangela Dallemole Giaretta 3 ,
Douglas Ferreira Parreira 4 , Polyanna Mara de Oliveira 5

Resumo - Patógenos de plantas causam perdas na produção agrícola e podem fazer


com que haja inviabilidade da produção de determinadas culturas em decorrência
dos danos econômicos, caso medidas de controle não sejam adotadas. A busca por
alimentos ambientalmente seguros e saudáveis cresce a cada dia. Esse fato faz com que
os agricultores se vejam cada vez mais obrigados a aceitar a introdução de medidas
alternativas de controle que visem à substituição de agrotóxicos na agricultura. Dentre
essas medidas, as que mais têm-se destacado no controle de doenças de plantas são: a)
uso de organismos de controle biológico; b) controle cultural, em que a principal medida
é a rotação de cultura; c) controle físico com uso de frio e calor; d) uso de produtos
alternativos como, por exemplo, extratos vegetais. O ideal é que haja a associação dos
métodos de controle num sistema de manejo integrado na condução das culturas.
Palavras-chave: Controle biológico. Controle cultural. Controle físico. Biofertilizante.
Fitopatógenos. Manejo integrado. Agricultura sustentável.

INTRODUÇÃO trole tem sido cada vez mais valorizada Mesmo porque um produto oferecido sem
e frequente. o uso de agrotóxico tem valor diferenciado
Para satisfazer a uma necessidade hu-
Dentre os microrganismos que causam no mercado, o que poderia compensar uma
mana primordial, que é alimentar-se, faz-se possível queda na produtividade que possa
doenças em plantas, os mais importantes
necessário obter produtos agrícolas com ser causada pela doença.
são os fungos, as bactérias, os vírus e os
qualidade e em quantidade suficiente para nematoides. Diferentes métodos alternati-
a população mundial. Esse fato levou ao vos já foram cientificamente comprovados CONTROLE BIOLÓGICO
uso indiscriminado e abusivo de produtos como eficientes no controle de tais pató- Segundo Kerry (1989), para que um
químicos, com o propósito de aumentar a genos, reduzindo os danos econômicos organismo seja considerado um bom
produção agrícola. causados pela ocorrência de doenças nas agente de controle biológico, é necessário
As doenças de plantas causam gran- plantas. Dentre os principais métodos que apresente as seguintes características:
des prejuízos ao produtor, por reduzir alternativos de controle, podem-se citar a) parasitismo sempre letal;
drasticamente a produtividade da cultura métodos biológicos, físico e cultural, além b) manipulação fácil em laboratório;
e, algumas vezes, causar a perda de toda do uso de produtos alternativos. É impor-
c) facilidade de produção em massa;
a área de plantio. Para diminuir os danos tante lembrar que tais métodos visam a uma
econômicos causados pelas doenças, o redução do patógeno, a fim de proporcionar d) facilidade de aplicação com equipa-
controle químico tornou-se prática comum menor dano econômico ao produtor. Ou mentos convencionais;
na agricultura. Entretanto, a exigência da seja, tais métodos não erradicam total- e) alto potencial de estabelecimento
sociedade por produtos mais saudáveis faz mente o patógeno e sim fazem com que no solo;
com que haja mudança nesse cenário, e a sua ocorrência na área diminua, a ponto de f) persistência no solo por longos perío-
busca por métodos alternativos de con- não causar danos econômicos ao produtor. dos, mesmo em condições adversas;

1
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Centro-Oeste/Bolsista FAPEMIG, Prudente de Morais, MG, wanianeves@epamig.br
2
Engo Agro, D.Sc., Prof. UFV, Campus Rio Paranaíba, Rio Paranaíba, MG, everaldolopes@ufv.br
3
Enga Agra, D.Sc., Profa UNICENTRO - Depto. Agronomia, Campus CEDETEG, Guarapuava, PR, rodalemolle@yahoo.com.br
4
Engo Agro, Research Scholar, Bolsista CNPq/University of Kentucky, Lexington, KY 40546-0312, EUA, douglas2002ufv@yahoo.com.br
5
Enga Agrícola, Pesq. EPAMIG Norte/Bolsista FAPEMIG, Nova Porteirinha, MG, polyanna.mara@epamig.br

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g) inócuo ao homem e ao meio am- Diversos organismos são considerados no controle de nematoides, bactérias e
biente; inimigos naturais de nematoides, sendo os fungos do solo. Portanto, a produção de
h) dispensa aplicações constantes; fungos e as bactérias os mais estudados inoculantes de baixo custo com rizobac-
para uso no controle biológico. A bactéria térias é uma alternativa para diminuir os
i) fácil identificação e modo de ação
conhecido. endoparasita Pasteuria penetrans que for- riscos ambientais causados pela utilização
ma esporos de resistência (endósporos), é inadequada de insumos e agrotóxicos,
Os principais mecanismos de ação, tam-
considerada a de maior potencial de contro- aumentar a produção agrícola, tornar o
bém chamados mecanismos de antagonismo
le biológico. Sua sobrevivência prolongada produto mais competitivo e diferenciado e,
no controle biológico de doenças de plantas,
no solo, resistência ao calor e à dessecação, ainda, diminuir os custos para o produtor.
são: antibiose, competição, parasitismo,
inocuidade ao homem e a outros animais, Produtos à base de isolados do fungo
hipovirulência, predação e indução de
e o possível uso em conjunto com práticas do gênero Trichoderma estão disponíveis
resistência (COOK; BAKER, 1983). O
culturais, são as principais vantagens desse no mercado para uso na esterilização do
antagonista pode atuar por meio de um ou
microrganismo (STIRLING, 1991). solo e vêm sendo usados em substituição
mais mecanismo de ação. Na antibiose, o
Os fungos também apresentam po- ao brometo de metila. Os propágulos do
antagonista produz um ou mais metabólitos
tencial de uso em programas de controle fungo são altamente competitivos no solo
que têm efeito negativo sobre o fitopató-
biológico de nematoides. Diversos gê- e, segundo os fabricantes, resultam no con-
geno, podendo inibir o seu crescimento
neros de fungos podem-se alimentar de trole satisfatório de patógenos do solo, tais
ou a sua germinação. Já na competição, o
nematoides, adotando diferentes estraté- como fungos dos gêneros Phytophthora,
antagonista pode competir com o patógeno
gias de ação. Tais estratégias incluem o Pythium, Rhizoctonia, Sclerotinia e Fusarium.
por alimentos, espaço e oxigênio. Nesse
parasitismo de fêmeas, ovos ou juvenis
mecanismo, muitas vezes, o antagonista Controle biológico de
leva vantagem em relação ao organismo de nematoides, a predação e a produção
patógenos em sementes
causador de doenças, que tem, assim, seu de metabólitos tóxicos. A aplicação de
desenvolvimento prejudicado. No parasitis- fungos nematófagos pode representar É de grande importância que os órgãos
mo, o agente de controle biológico se nutre importante estratégia no manejo de nema- de propagação das plantas se apresentem
das estruturas vegetativas e/ou reprodutivas toides, principalmente quando associada a em boa qualidade e estejam livres de pa-
do patógeno. Na predação, o antagonista outros métodos de controle, como a adição tógenos, para que o risco da ocorrência de
alimenta-se diretamente do fitopatógeno, de matéria orgânica (MO), a rotação de doenças no campo seja reduzido. Existem
sendo mais comum no controle biológico de culturas, o uso de variedades resistentes, tratamentos de sementes, mudas ou outros
insetos. No mecanismo de hipovirulência, dentre outros. órgãos de propagação com organismos
são usados isolados não patogênicos ou com As rizobactérias destacam-se como antagonistas que são eficientes em pro-
baixa agressividade, os quais transmitem tais microrganismos utilizados no controle mover a proteção durante a germinação, a
características aos fitopatógenos. Os agentes biológico de fitopatógenos, incluindo emergência e a emissão de raízes e brotos.
de controle biológico de doenças podem aí os patógenos habitantes do solo. Tais O processo de tratamento de sementes
atuar também na indução de resistência da bactérias têm a rizosfera e o rizoplano das com antagonista é chamado microbioliza-
planta, ativando seus mecanismos de defesa plantas como locais preferenciais para ção. Esse tratamento pode ser eficiente em
ao ser atacada pelo patógeno. sua multiplicação e sobrevivência. As controlar patógenos presentes nas sementes
rizobactérias que desempenham efeitos e patógenos do solo. Na microbiolização
Controle biológico de benéficos nas plantas, por promover o seu de sementes de tomateiro, por exemplo,
patógenos do solo crescimento e/ou protegê-las contra fito- já foi observado que algumas bactérias
Os patógenos habitantes do solo patógenos, são nomeadas de plant growth- endofíticas, eficazes no controle de bac-
podem ser controlados por meio da mo- promoting rhizobacteria (PGPR), termo térias e fungos fitopatogênicos, também
dificação do ambiente, o que faz com que inglês que significa rizobactérias promo- foram eficientes no controle de nematoides
ocorra a prevenção do estabelecimento do toras de crescimento de plantas. A maioria do gênero Meloidogyne. O caso de maior
patógeno no solo ou a inibição das suas dessas rizobactérias pertence aos gêneros sucesso de controle biológico de sementes
atividades patogênicas. Outra forma de Pseudomonas e Bacillus, os quais apre- é o da galha bacteriana (Agrobacterium
controle desses patógenos é a introdução sentam a capacidade de colonizar raízes tumefaciens) das rosáceas com a estirpe
do antagonista no solo, onde pode atuar de plantas e estimular seu crescimento K84 de Agrobacterium radiobacter. Al-
diretamente sobre o patógeno, após seu (KLOEPPER; ZABLOTOWICZ; LI- gumas espécies de fungos dos gêneros
estabelecimento, por seus diferentes me- FSHITZ, 1990). Existem inúmeros estudos Aspergillus, Chaetomium spp., Gliocladium
canismos de ação. comprovando a eficiência das rizobactérias e Trichoderma também têm sido utilizadas
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no tratamento de sementes e já existem no Outros antagonistas comuns em formu- pouco ou nenhum hospedeiro alternativo
mercado, com a indicação dos patógenos lações comerciais de produtos biológicos e que apresentem esporos que não sejam
aos quais atuam. são as bactérias pertencentes aos gêneros transportados pelo vento ou por respingos
Bacillus, Pseudomonas e Streptomyces. de água a longas distâncias.
Controle biológico de Um exemplo de produto comercial que
patógenos da parte aérea utiliza Bacillus como agente de controle é o Uso de material
Ballad®, indicado para doenças, tais como propagativo sadio
Fungos e bactérias também têm resul-
tado em controle satisfatório de algumas ferrugem em cereais, oídio em beterraba, A utilização de material propagativo
doenças da parte aérea. Um exemplo de mofo-branco e mancha-de-cercóspora em sadio é essencial para reduzir a chance de
sucesso é o uso de Gliocladium roseum, oleaginosas. ocorrência de doenças em campo e para
bioagente de controle do fungo Botrytis obter boa produtividade das culturas. Além
cinerea, causador da podridão-de-frutos CONTROLE CULTURAL disso, o emprego de material propagativo
em plantas de morango. A hipovirulência Dentre os métodos de controle cultural doente pode ser responsável pela disse-
ou premunização é um caso de sucesso no de doenças de plantas, podem-se destacar minação e introdução de patógenos em
controle de doenças causadas por vírus. a rotação de cultura, o uso de material pro- áreas onde ainda não estejam presentes. A
A técnica consiste no uso de uma estirpe pagativo sadio, a eliminação de restos de forma mais segura de adquirir mudas de
fraca do vírus nas plantas, com o objetivo cultura da área de plantio, a incorporação qualidade é por meio da compra de mudas
de proteger a estirpe forte causadora da do- de MO no solo, a fertilização, a irrigação, certificadas. Quando a muda é feita na pro-
ença. O controle da tristeza-dos-citros foi a densidade de plantio, épocas de plantio priedade rural, o substrato utilizado deve
possível com o plantio de plantas premu- e colheita, enxertia e poda e o uso de bar- estar livre de patógenos, para assegurar
nizadas com a estirpe fraca do vírus. Essa reiras físicas (quebra-ventos). que não haja disseminação deste para a
técnica de controle foi desenvolvida pelo área de plantio via material propagativo.
Instituto Agronômico de Campinas (IAC) Rotação de cultura Uma maneira de fazer a esterilização
e amplamente utilizada pelos citricultores A rotação de cultura é o principal e do substrato de plantio é pela técnica de
brasileiros com resultados satisfatórios no mais utilizado método cultural de controle solarização, podendo ser usados, para isso,
controle do vírus. O mosaico comum da de doenças de plantas e atua na fase de so- um coletor solar.
abobrinha também foi controlado com o brevivência do patógeno. A prática consiste
uso da premunização. Eliminação de restos
em alternar o cultivo de diferentes espécies
de cultura e de plantas
vegetais em uma mesma área de plantio. É hospedeiras
Produtos comerciais à base
importante ressaltar que a espécie vegetal
de agentes biológicos de A eliminação de restos de cultura da
escolhida para a rotação não seja hospedei-
controle
ra dos patógenos presentes na área. Dessa área de plantio é uma maneira de inter-
Mundialmente já existem produtos forma, a ausência do hospedeiro faz com romper o ciclo de vida dos patógenos
comerciais à base de diversas espécies de que o patógeno geralmente morra por des- capazes de viver saprofiticamente, ou
antagonistas utilizados para o controle de nutrição, o que ocasiona a eliminação ou seja, patógenos que sobrevivem mesmo
doenças de plantas. No entanto, a maioria redução do inóculo inicial da doença para na ausência do hospedeiro vivo. Dessa
desses produtos ainda não é comercializada as próximas safras. Durante a rotação de forma, o ciclo de vida do patógeno é que-
no Brasil. culturas, os fitopatógenos são eliminados brado e há, consequentemente, redução do
O fungo do gênero Trichoderma  é o parcial ou completamente, enquanto que, inóculo inicial para ocorrência da doença
mais utilizado nas formulações comerciais sob monocultura, são estimulados e man- na próxima safra da cultura. Algumas
e tem sido indicado para o controle de tidos num potencial de inóculo suficiente culturas que continuam vegetando após
diversas doenças de plantas. Alguns exem- para a continuidade de seu ciclo biológico, a colheita também devem ter seus restos
plos de produtos comercializados no Brasil podendo causar severas epidemias. eliminados, com o propósito de não servi-
à base de Trichoderma sp. são: Biotrich®, A utilização da rotação de culturas é rem de hospedeiras de fitopatógenos. Tal
Ecotrich ES®, ICB Nutrisolo SC e WP, efetiva no controle de patógenos que de- prática é tão importante que, para a cultura
Quality WG e Trichodermax®EC. Espécies pendam nutricionalmente do hospedeiro do algodão, por exemplo, é uma prática
de fungos do gênero Paecilomyces são para sobreviver, isto é, que sobrevivam obrigatória, controlada por lei federal e
também bastante utilizadas em produtos pela colonização saprofítica de restos regulamentada por portarias estaduais. As
biológicos comerciais, com indicação para culturais do hospedeiro, que não apresen- viroses e doenças causadas por fungos,
uso no controle de nematoides. tem estruturas de resistência, que tenham como a mancha-angular, a ramulose, a
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murcha de Fusarium e de Verticillium emulsão de peixe são outros exemplos de tóxicas. No contexto de uma agricultura
têm a quantidade de inóculos reduzida ao resíduos que podem controlar efetivamente orgânica, podem-se utilizar adubos de di-
eliminar as soqueiras de algodão da área as doenças causadas por patógenos habi- ferentes origens, como rochas de fosfato,
de cultivo logo após a colheita. tantes de solo (BETIOL; GHINI, 2004). compostos orgânicos, esterco de animais e
Outra prática para prevenir a epidemia tortas de materiais diversos os quais devem
de doenças é a eliminação de toda planta Fertilização ser mais bem avaliados quanto ao potencial
infectada ou suspeita de ser portadora ou Em geral, não se pode esperar que no controle de doenças.
residente do patógeno, como é o caso de os nutrientes exerçam efeito negativo
plantas daninhas presentes nas áreas ou Irrigação
na atividade dos patógenos em curto
próximo às áreas de cultivo. Essas plantas prazo. No entanto, quando um elemento É de grande importância que a água
podem servir como hospedeiras alternati- é essencial a uma espécie de planta, este de irrigação seja de boa qualidade, para
vas de patógenos que, com a volta da cul- deve ser fornecido em quantidade e em evitar o aparecimento de doenças de
tura agrícola para o campo na outra safra, equilíbrio com outros elementos também plantas. Na maioria das vezes, a água
podem causar doenças e grandes prejuízos essenciais. A deficiência ou o excesso de destinada à irrigação não passa por qual-
ao produtor. nutrientes pode alterar reações de defesa quer tratamento prévio, o que pode vir
da planta e, consequentemente, acarretar a ser uma fonte potencial de patógenos
Incorporação de matéria
maior severidade de doenças. para a cultura agrícola a ser irrigada
orgânica no solo
A deficiência ou o excesso de um ele- (SOUTO, 2005). Muitas vezes, a falta
A incorporação de resíduos orgânicos mento essencial à planta pode influenciar de conhecimento por parte do agricultor
no solo pode liberar metabólitos secun- diretamente na atividade de outros elemen- sobre a importância na escolha da origem,
dários, com efeito tóxico a alguns fito- tos, com consequências que repercutem da qualidade da água e do sistema de irri-
patógenos. Além disso, essa prática pode no metabolismo da planta. Alguns dos gação pode refletir em prejuízos causados
melhorar as características físico-químicas nutrientes fortemente relacionados com pela ocorrência de doenças.
do solo e aumentar a diversidade da micro- a ocorrência de doenças são: K, Ca, B, A irrigação, quando realizada de manei-
biota, o que também favorece o controle Cu e Mn. As deficiências de K e Ca pro- ra correta e combinada com tratos culturais,
de algumas doenças. A incorporação de vocam as maiores mudanças estruturais possibilita conseguir mudas de qualidade,
alguns resíduos de animais, como cama-de- e bioquímicas, tornando as plantas mais tanto em relação ao tamanho como em re-
ave e chorume suíno, pode ser realizada suscetíveis ao ataque de patógenos. Em- lação ao vigor. A falta e o excesso de água
para controlar alguns patógenos do solo bora não seja considerado um elemento podem ser prejudiciais para a obtenção de
causadores de murcha. essencial para o crescimento das plantas, mudas de boa qualidade. Entretanto, o ex-
As espécies de plantas pertencentes a ação do silício no manejo de algumas cesso de rega geralmente é mais prejudicial
à família das Brassicaceae são as mais doenças em plantas, por agir como indutor do que a falta, pois dificulta a circulação
estudadas, pois produzem glucosinolatos de resistência, fortalecendo estruturas das de ar no solo, impedindo o crescimento
que, quando em contato com a enzima paredes celulares e ativando mecanismos das raízes, lixivia os nutrientes e propicia
mirosinase, formam e liberam os gases específicos de defesa. o aparecimento de doenças. É interessante
isotiocianatos, nitrilas, tiocianatos, entre A fertilização adequada do solo é um ressaltar que a rega eficiente é obtida quando
outros, com ação antimicrobiana (SMO- componente essencial no manejo de pató- o terreno fica suficientemente umidificado,
LINSKA; HORBOWICZ, 1999). Semen- genos radiculares, pois o estado nutricio- sem apresentar sinais de encharcamento.
tes de mamão e resíduos de alho, além nal da planta pode favorecer ou limitar o Por isso, as sementeiras devem apresentar
de subprodutos da indústria alimentícia, processo de infecção e de colonização por solo com boa drenagem natural e a irrigação
também possuem glucosinolatos em sua patógenos radiculares, determinando a deve ser realizada adequadamente, com
composição, que controlam satisfatoria- resistência ou a suscetibilidade à doença, água de boa qualidade. O tombamento de
mente fitonematoides como Meloidogyne bem como a virulência e a habilidade de mudas, causado por fungos do solo, tais
javanica e M. incognita. patógeno sobreviver. como os dos gêneros Pythium, Rhizoctonia
Resíduos agroindustriais, como bagaço Rodríguez-Kábana (1986) afirmou que e Phytophthora, ocorre normalmente
de uva e de cana-de-açúcar, vinhaça, dentre adubações nitrogenadas, utilizando-se fon- associado ao excesso de umidade do solo
outros, quando incorporados ao solo, apre- tes minerais ou orgânicas, promovem efei- (LEWIS; PAPAVIZAS, 1977).
sentam potencial no controle de patógenos to supressivo na população de nematoides, Existe forte relação entre a ocorrência
habitantes de solo (FERRAZ et al., 2010). por favorecer a proliferação de microrga- de certos tipos de doenças e o sistema de
Além desses, a casca de camarão moída e a nismos antagonistas ou liberar substâncias irrigação utilizado nas lavouras. Segundo
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Lopes, Marouelli e Café Filho (2006), de que as plantas fiquem mais predispostas a que eliminam determinados comprimentos
maneira geral, as doenças da parte aérea determinadas doenças. de onda (ZAMBOLIM; JESUS JÚNIOR,
são favorecidas pelos sistemas de irrigação A modificação das épocas de plantio 2014).
por aspersão, enquanto as doenças de solo ou de colheita, quando possível, evita a
são favorecidas pelos sistemas superficiais permanência da cultura em campo na época Uso do calor no controle
e por gotejamento. Com o aumento do de condições ambientais mais favoráveis de fitopatógenos
cultivo protegido do tomate e o uso da ao desenvolvimento da doença. Na cul- Termoterapia
irrigação por gotejamento, doenças como tura do alho, a época normal de plantio é
as causadas por oídios passaram a ser março/abril. No entanto, a antecipação de A imersão de materiais propagativos
importantes para a cultura. A presença de dois meses no plantio da cultura não per- ou frutos em água quente, técnica conhe-
água nas folhas, ocasionada pelo sistema mitirá ataque severo do fungo Sclerotium cida como termoterapia, pode inativar
de aspersão, é uma condição desfavorável cepivorum, causador da podridão-branca ou enfraquecer propágulos de patógenos
para a ocorrência do oídio nas plantas. do alho, que se inicia em junho/julho localizados na superfície ou no interior dos
Por outro lado, esse tipo de irrigação, (PINTO et al., 1998). tecidos vegetais. Essa técnica é recomenda-
especialmente quando em regime de alta da para o controle de vários fitopatógenos
frequência, por favorecer condições de ele- CONTROLE FÍSICO (Quadro 1). É necessário que o binômio
vada umidade na folhagem, pode aumentar Os principais métodos físicos de con- tempo de tratamento-temperatura da água
a incidência de doenças da parte aérea, trole de doenças de plantas envolvem o uso seja ajustado para atuar diretamente sobre
como, por exemplo, a mancha-púrpura, de calor, de frio e de radiação. As técnicas o patógeno, sem causar danos à planta
causada por Alternaria porri, e o mofo- mais comumente usadas são a termote- (ZAMBOLIM; JESUS JÚNIOR, 2014).
cinzento, causado por Botrytis sp., ambas rapia, o tratamento de solo com vapor, a No entanto, é importante enfatizar que é
em cebola. solarização, a refrigeração, o tratamento de preferível adquirir materiais propagativos
Em relação ao café irrigado, alguns frutos com radiação ionizante ou com luz isentos de patógenos do que tratar mate-
trabalhos demonstram que o sistema de ultravioleta germicida, além da cobertura riais infestados (FERRAZ et al., 2010).
irrigação utilizado pode interferir no pro- de casas de vegetação com filmes plásticos, A eficiência da termoterapia dependerá
gresso de certas doenças, como é o caso
da ferrugem (Hemileia vastatrix). Já foi
QUADRO 1 - Exemplos de termoterapia de frutos e materiais propagativos para o controle
observado que em lavouras irrigadas por
de fitopatógenos
pivô central, a intensidade da ferrugem é Temperatura Tempo de
maior do que em lavouras irrigadas por Parte da
Patógeno Cultura da água imersão
planta
gotejamento (PEIXOTO JUNIOR, 2002), (°C) (min)
podendo a doença apresentar compor- Colletotrichum gloeosporioides Mamão Fruto 47-49 20
tamento cíclico. Portanto, é importante Colletotrichum gloeosporioides Manga Fruto 50 10
avaliar quais as doenças presentes na área
Colletotrichum gloeosporioides Maracujá Fruto 47-50 5-10
de cultivo e qual o tipo de cultura, para que
Penicillium expansum Maçã Fruto 45 10
seja recomendado o sistema de irrigação
Clavibacter michiganensis ssp. Tomate Semente 53-55 40-30
mais apropriado.
michiganensis

Densidade e épocas de Leifsonia xyli ssp. xyli Cana-de-açúcar Tolete 52 30


plantio e colheita Xanthomonas campestris pv. Crucíferas Semente 50 20-30
campestris
É de grande importância que a
Xanthomonas campestris pv. Algodão Semente 56 10
densidade de plantio seja adequada, para
malvacearum
que não proporcione ao patógeno ambiente
Aphelenchoides besseyi Arroz Semente 55-61 10-15
favorável para a ocorrência de doenças.
Como regra geral, cultivos adensados Ditylenchus dipsaci Alho Bulbilho 49-50 60

propiciam condições ambientais mais Ditylenchus dipsaci Cebola Bulbo 44-45 180
favoráveis a patógenos, por resultarem Xiphinema index Videira Estacas 52 5-10
num aumento de umidade e temperatura. Scutellonema bradys Inhame Túbera 50-55 30-40
Além disso, um plantio adensado pode FONTE: Dados básicos: Grondeau, Samson e Sands (1994), Ferraz et al. (2010), Bedendo,
propiciar um déficit de luz, o que faz com Massola Júnior e Amorim (2011) e Zambolim e Jesus Júnior (2014).

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do patógeno envolvido, da densidade de infestantes, tornando-os mais suscetíveis dos patógenos e facilitar a ação de micror-
inóculo no material a ser tratado e da aos efeitos da solarização, a água no solo ganismos benéficos (KATAN, 1981), por
tolerância da cultivar do hospedeiro ao aumentará a condutividade do calor. Por não causar o vácuo biológico resultante da
calor (BEDENDO; MASSOLA JÚNIOR; fim, o solo deve ser coberto com filme fumigação química ou do tratamento com
AMORIM, 2011). plástico transparente, com espessura de 25 vapor. Apesar das inúmeras vantagens da
a 150 µm, operação que pode ser feita ma- solarização, deve-se considerar que a efi-
Tratamento de solo com vapor
nualmente ou com o auxílio de máquinas ciência de controle depende da ocorrência
O tratamento de solo com vapor con- (Fig. 1). As bordas do plástico devem ser de temperaturas elevadas e alta intensidade
siste no aquecimento de solo com vapor de enterradas em sulcos, com terra. luminosa. Além disso, a área ficará indis-
água a temperaturas iguais ou superiores a O período em que o solo deve ser man- ponível para cultivo durante o período de
82 °C por, pelo menos, 30 minutos. Nessa tido coberto é variável. Em geral, esta etapa tratamento, e o custo do plástico limita o
técnica, o vapor é produzido em caldeiras e varia entre quatro e oito semanas, prefe- uso da técnica em áreas maiores.
injetado no solo previamente coberto com rencialmente nos meses do ano com maior A incorporação de materiais orgânicos
lona. Alternativamente, pequenos volumes incidência solar. Filmes finos (25-30 µm) ao solo, principalmente estercos e resíduos
de solo também podem ser tratados em tendem a furar ou rasgar mais facilmente. de brássicas, antes da cobertura da área
autoclaves. Os mais espessos são mais caros; porém, com plástico, pode aumentar a eficiência da
O tratamento com vapor pode ser viável podem ser reaproveitados, como, por exem- solarização e diminuir o tempo necessário
para culturas instaladas em pequenas áreas, plo, aqueles usados na cobertura de estufas em que o solo deve permanecer coberto
em casa de vegetação, reboleiras e substra- (FERRAZ et al., 2010). (FERRAZ et al., 2010). As altas tempe-
tos para produção de plântulas (BEDEN- A passagem dos raios solares pelo raturas resultantes da solarização, por sua
DO; MASSOLA JÚNIOR; AMORIM, plástico aumenta a temperatura do solo a vez, aceleram a degradação dos resíduos,
2011). No entanto, as altas temperaturas níveis letais para muitos microrganismos, e a cobertura do solo evita a perda dos
podem modificar as propriedades físicas, localizados principalmente em camadas compostos biocidas liberados durante a de-
químicas e biológicas do solo, como, por de até 20 cm de profundidade no perfil composição (KIRKEGAARD; SARWAR;
exemplo, alteração na estrutura do solo; do solo (KATAN, 1981). Quanto maior a MATTHIESSEN, 1998). Após a retirada
acúmulo de manganês (Mn) e amônia em profundidade, menores temperaturas são do plástico, a comunidade microbiana do
níveis tóxicos às plantas e eliminação de alcançadas, o que limita a eficiência de solo é alterada, podendo favorecer o incre-
parte da microbiota benéfica. Assim, é mento da população de antagonistas dos
controle. Ainda que temperaturas letais não
importante evitar a recontaminação do solo
sejam alcançadas, o aquecimento do solo fitopatógenos. As temperaturas alcançadas
com fitopatógenos, estimular a recoloniza-
pode diminuir a viabilidade dos propágulos na associação solarização-biofumigação
ção com microrganismos benéficos e não
realizar o cultivo do solo logo após o trata-
mento com vapor, para evitar fitotoxicidade
(ZAMBOLIM; JESUS JÚNIOR, 2014).

Solarização
A solarização é uma técnica de desin-
festação de solo por meio da energia solar.
Foi desenvolvida em Israel e é utilizada em
vários países para o controle de fitopató-
genos, plantas daninhas e insetos-praga
(FERRAZ et al., 2010). Nessa técnica,
inicialmente o solo deve ser preparado, por
Everaldo Antônio Lopes

meio de aração e/ou gradagem, tomando-se


o cuidado de eliminar objetos pontiagudos,
que podem danificar o plástico. O solo
também deve estar úmido, na capacidade
de campo, antes da colocação do plás-
tico. Além de estimular a germinação e Figura 1 - Área infestada com Sclerotium cepivorum e submetida à solarização no muni-
a atividade metabólica dos organismos cípio de São Gotardo, MG

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são 2 °C - 3 °C mais elevadas do que (ZAMBOLIM; JESUS JÚNIOR, 2014). Sclerotinia, e Pyricularia podem ser con-
aquelas obtidas apenas com solarização, Todavia, deve-se considerar que algumas troladas usando-se essa técnica, por exem-
e essa diferença pode ser importante para plantas sofrem danos quando armazena- plo (BEDENDO; MASSOLA JÚNIOR;
controlar patógenos termotolerantes (GA- das em temperaturas inferiores a 15 °C, AMORIM, 2011; ZAMBOLIM; JESUS
MLIEL; STAPLETON, 1993). O uso dessa como, por exemplo, abacate, berinjela, JÚNIOR, 2014). Apesar de eficiente, limi-
técnica reduz a população de fitonematoi- mamão e tomate (BEDENDO; MASSOLA tações relacionadas com esse método são
des, bactérias e até mesmo fungos que pro- JÚNIOR; AMORIM, 2011; ZAMBOLIM; a disponibilidade dos filmes plásticos e o
duzem estruturas de resistência e que são JESUS JÚNIOR, 2014). custo mais elevado, em comparação com o
dificilmente controlados com fungicidas, plástico transparente convencional.
como, por exemplo, Fusarium oxysporum; Uso da radiação no
controle de fitopatógenos PRODUTOS ALTERNATIVOS
Verticillium spp.; Macrophomina phaseolina;
Sclerotium rolfsii; Sclerotium cepivorum Tratamento de frutos com
e Sclerotinia sclerotiorum (GAMLIEL; radiação ionizante ou com luz Extratos vegetais
STAPLETON, 1993; KIRKEGAARD et ultravioleta germicida
Alguns extratos vegetais podem ser
al., 1998; FERRAZ et al., 2010). A exposição de frutos à radiação usados para o controle de doenças de
A desinfestação de solo ou substrato ionizante, especialmente raios gama, plantas via pulverização foliar ou via solo.
para a produção de plântulas também pode causa a morte de propágulos situados na Os compostos químicos com propriedade
ser feita por meio de um equipamento superfície e no interior dos frutos, em de controlar doenças nas plantas são en-
denominado coletor solar ou solarizador decorrência dos danos induzidos no DNA contrados nos metabólitos secundários,
(GHINI; BETTIOL, 1991). Esse equipa- dos fitopatógenos. No entanto, o uso dessa que são produtos finais do metabolismo
mento consiste de uma caixa de madeira técnica é limitado, pelos altos custos e primário das plantas ou dos resíduos sem
(1,0 x 1,5 m) coberta por um filme plástico pela resistência de parte dos consumi- função aparente (TAIZ; ZEIGH, 2004). Es-
transparente contendo, em seu interior, seis dores em relação a alimentos irradiados ses compostos pertencem a várias classes
tubos metálicos (15 cm de diâmetro). O (BEDENDO; MASSOLA JÚNIOR; distintas de substâncias químicas e podem
substrato a ser tratado é colocado nos tubos AMORIM, 2011). ser extraídos com o uso de solventes quí-
pela abertura superior e, após o tratamento, Entretanto, uma forma mais barata de micos ou água.
retirado pela inferior, por meio da força da uso de radiação é a exposição de frutos à O extrato de alho, por exemplo, tem
gravidade. Em dias de plena insolação, a luz ultravioleta C (UV-C), com compri- grande potencial no controle de muitos
maioria dos fitopatógenos habitantes do mento de ondas entre 200 e 280 nm. A fitopatógenos, por apresentar mais de 100
solo pode ser inativada no coletor após capacidade de penetração dessa radiação é compostos bioativos em sua composição,
algumas horas de tratamento, por causa praticamente nula, sendo inativados apenas dentre os quais se destacam a alicina, os
das altas temperaturas atingidas (70 ºC a os propágulos localizados na superfície tiossulfinatos e os compostos organos-
80 ºC, no período da tarde). dos frutos, tais como os fungos do gênero sulfurados (ARZANLOU; BOHLOOLI,
Penicillium, causadores de podridões em 2010).
Uso do frio no controle
pós-colheita. Almeida, Camargo e Panizzi (2009)
de fitopatógenos -
avaliaram o efeito do extrato hidroalcoó-
refrigeração Cobertura de casas de lico de alho sobre o fungo Colletotrichum
O uso do frio no controle de fito- vegetação com filmes acutatum, quando frutos de morango foram
patógenos por meio da refrigeração é plásticos
tratados com 20% do extrato e, logo após,
o principal método usado no controle A cobertura de casas de vegetação com inoculados com o patógeno. Constataram
de doenças em pós-colheita em todo o filmes plásticos especiais absorve compri- que o extrato de alho promoveu redução
mundo. O armazenamento de frutos e mentos de onda menores que 390 nm. Em no crescimento micelial, na esporulação e
materiais propagativos sob condições consequencia, a luz na faixa de compri- na germinação de esporos do fungo, além
refrigeradas limita a ocorrência de novas mento de onda do UV próximo de 280 a de ter inibido o tamanho da lesão. Existem
infecções e o desenvolvimento de infec- 380 nm não incide no interior do ambiente diversos outros trabalhos em que os autores
ções latentes, além de retardar a senes- protegido. Muitos fungos dependem desse comprovaram a eficiência do extrato de
cência da planta, prolongando assim sua tipo de luz para esporulação, resultando em alho no controle dos fungos Botrytis sp.;
resistência. Recomenda-se, por exemplo, redução na produção de inóculo e menor Penicillium sp.; Rhizopus sp.; Alternaria
o armazenamento de uva a 0 °C; abacaxi intensidade de doença. Doenças causadas brassisicola; Botrytis cinerea; Magnaporthe
a 10 °C; manga a 12 °C e banana a 14 °C por Altenaria; Botrytis; Stemphylium; grisea; Phytophthora infestans; Fusarium
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oxysporum; Colletotrichum sp.; Rhizoctnia Biofertilizantes CONSIDERAÇÕES FINAIS


solani, e de nematoides (CURTIS et al.,
O uso de biofertilizantes produzidos Os diferentes métodos alternativos de
2004; ALMEIDA; CAMARGO; PANIZZI,
pela digestão anaeróbica ou aeróbica, a controle de doenças de plantas são mais
2009).
partir de inúmeros materiais orgânicos, eficientes quando combinados entre si
As plantas pertencentes à família
é uma técnica alternativa de controle de tal forma que a planta se torne menos
Brassicaceae, como mostarda, brócolis e
para algumas doenças causadas por vulnerável ou mais resistente ao ataque dos
repolho, contêm compostos que, quando
fungos (EL-MOHAMEDY; AHMED, patógenos. Esses métodos são recomen-
hidrolisados, produzem os isotiocianatos
2009), bactérias (DELEITO et al., 2005) dados por não causar impacto ambiental
(ITCs), que possuem ação biocida. O uso
e nematoides (DIAS et al., 2000). O e por oferecer maior segurança para apli-
do extrato de brássicas pode promover o
mecanismo de ação dos biofertilizantes cadores e consumidores. Tais benefícios
controle de patógenos habitantes do solo
contra doenças de plantas ocorre em são, atualmente, uma demanda mundial da
(SMOLINSKA; HORBOWICZ, 1999) e
razão da presença de metabólitos secun- sociedade, cada dia mais exigente com a
de alguns patógenos causadores de doenças
dários produzidos por microrganismos qualidade dos produtos a ser consumidos,
na parte aérea das plantas.
presentes no biofertilizante, com ação tanto no que diz respeito à saúde do homem
O extrato de canola obtido por ma-
direta sobre os patógenos, ou ação di- e de animais, como na preservação do meio
ceração, aplicado semanalmente durante
reta ou indireta dos nutrientes sobre os ambiente.
cinco semanas, foi eficiente no controle
fitopatógenos (BETIOL, 2006). Kupper
de oídio em plantas de pepino, apresen- AGRADECIMENTO
et al. (2006) obtiveram eficiência de
tando de 68% a 93% da doença, entre as
concentrações de 3% e 12% (PAZOLINI
controle ao testar diferentes doses de um À Fundação de Amparo à Pesquisa do
biofertilizante gerado a partir da fermen- Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao
et al.; 2013). Em outros estudos, o extrato
tação anaeróbia de esterco bovino no Conselho Nacional de Desenvolvimento
de canola também controlou efetivamente
o mofo-cinzento em frutos de morango em
controle da mancha-preta dos citros, cau- Científico e Tecnológico (CNPq).
pós-colheita (CUZZI et al., 2012). sada pelo fungo Guignardia citricarpa,
em condições de campo, nas safras de REFERÊNCIAS
O uso do extrato de inúmeras outras
espécies vegetais, a exemplo da arruda 2001/2002 e 2002/2003. As doses foram ALMEIDA, T.F.; CAMARGO, M.; PANIZZI, R.
(Ruta graveolens), do gengibre (Zingiber aplicadas seis vezes, em intervalos de 28 de C. Efeito de extratos de plantas medici-
officinale), do capim-limão (Cymbopogon dias, quando 75% das pétalas das flores nais no controle de Colletotrichum acutatum,
dos citros ‘Natal’ haviam sido derrubadas. agente causal da flor preta do morangueiro.
citratus), da vinca (Catharanthus roseus),
Summa Phytopathologica, v.35, n.3, p.196-
da losna (Artemísia absinthium), do fumo
Outros produtos 201, jul./set. 2009.
(Nicotiana tabacum), do açafrão (Curcuma
longa), da arnica (Solidago chilensis), de Outros produtos alternativos com ARZANLOU, M.; BOHLOOLI, S. Introduc-
potencial de uso para controle de doenças ing of green garlic plant as a new source of
capim-santo (Cymbopogon citratus Stapf.),
allicin. Food Chemistry, v.120, n.1, p.179-
do nim (Azadirachta indica) e da cebola de plantas já foram estudados e descritos
183, May 2010.
(Allium cepa) já demonstraram potencial na literatura. O uso de leite de vaca cru
de uso no controle de doenças causadas por a 10%, por exemplo, foi eficiente no BEDENDO, I.P.; MASSOLA JÚNIOR, N.S.;
controle de oídio em abobrinha e pepino, AMORIM, L. Controles cultural, físico e
fungos e nematoides (FERRAZ et al., 2010).
biológico de doenças de plantas. In: AMO-
O extrato de algumas algas também dentre outras (BETTIOL; GHINI, 2004).
RIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN
apresenta atividade contra alguns pató- A urina de vaca (10% a 30%) também
FILHO, A. Manual de fitopatologia: princí-
genos, controlando as doenças de plantas pode ser utilizada no controle de oídio pios e conceitos. 4.ed. Piracicaba: Agronô-
de forma direta ou indireta. Por exemplo, em tomateiro (MORAES et al., 2011). mica Ceres, 2011. v.1, p.367-388.
compostos bioativos encontrados na alga Os sais, a exemplo do bicarbonato de
BENNAMARA, A. et al. Methoxybifur-
marrom (Cystoseriatam ariscifolia) apre- sódio e do nitrato de potássio, também carenone: an antifungal and antibacte-
sentaram atividade antimicrobiana em podem ser usados para o controle de rial meroditerpenoid from the brown alga
fungos de solo e na bactéria Agrobacterium oídio de diferentes culturas (BETTIOL; Cystoseira tamariscifolia. Phytochemistry,
tumefaciens (BENNAMARA et al., 1999). GHINI, 2004). Os óleos essenciais v.52, n.1, p.37-40, Sept. 1999.
O extrato de Ascophyllum nodusum, ou- extraídos de espécies vegetais também BETTIOL, W. Productos alternativos para el
tra espécie de alga, também apresentou têm sido descritos como potencial contra manejo de enfermedades en cultivos comer-
potencial contra o nematoide-das-galhas inúmeras doenças de plantas (FERRAZ ciales. Fitosanidad, Havana, v.10, n.2, p.85-
(WHAPHAM et al., 1994). et al., 2010). 96, jun. 2006.

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40 Agricultura orgânica e agroecologia

Produção de café Arábica e Conilon em cultivo orgânico


de base agroecológica
Waldênia de Melo Moura 1 , Paulo César de Lima 2 , Carlos Henrique da Silva Almeida 3 ,
Rebeca Lourenço de Oliveira 4 , Débora Ribeiro Gonçalves 5 , Rodrigo de Paula Ferreira 6

Resumo - A demanda por alimentos saudáveis e a busca por uma agricultura mais
sustentável têm criado oportunidades de novos mercados para a cafeicultura, como a
produção de café orgânico centrada em princípios agroecológicos. Este mercado, que se
encontra em plena ascensão no mundo, é atendido em grande parte por agricultores de
base familiar. Todavia, apesar dessa expectativa de crescimento, ainda são necessários
investimentos em tecnologias, para atender a várias demandas de agricultores e técnicos.
Nesse sentido, a EPAMIG e outras instituições de pesquisa, em parceria com instituições
não governamentais, têm adaptado e desenvolvido tecnologias, como a formação de
mudas, indicação de cultivares de café para diferentes regiões, implantação de lavouras,
práticas de manejo da matéria orgânica (MO) e a ciclagem de nutrientes, diversificação
de sistemas e utilização de técnicas e produtos orgânicos que proporcionem a sanidade
das plantas.
Palavras-chave: Cafeicultura orgânica. Cultivar. Muda. Ciclagem de nutriente. Manejo
ecológico. Qualidade da bebida. Certificação.

INTRODUÇÃO para 20,6 mil sacas, respectivamente No Brasil, para que o café seja conside-
(VEGRO; CAMPOS, 2013). rado legitimamente orgânico, a origem e a
A demanda por alimentos mais sau-
Em 2011, os principais países expor- qualidade desse produto devem ser plena-
dáveis e produzidos em sistemas ambien-
tadores de café orgânico foram Honduras, mente garantidas por meio da certificação
talmente sustentáveis tem aumentado
Etiópia, México, Nicarágua e Colômbia, da unidade produtora, dos insumos agrícolas
substancialmente no mundo, refletindo
responsáveis por 80% do café comercia- utilizados e das indústrias de torrefação,
em crescimento de sistemas de produção lizado no mundo, tendo como principais por organizações cadastradas no Ministério
mais ecológicos, como os orgânicos, os destinos os EUA, Alemanha, Bélgica, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
quais geram oportunidades de mercado em Suécia, Japão e Canadá (CONSELHO (MAPA). A partir de 2003, toda a produção,
diversas regiões. DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO processamento, rotulagem e comercialização
A produção e a comercialização de BRASIL, 2012). Com isso, o mercado de produtos orgânicos no Brasil passaram a
café orgânico têm crescido mundialmente. faturou mais de US$ 230 milhões, en- ser regidos pela Lei Federal no 10.831, de
A exportação desse produto, em 2012, tretanto as exportações brasileiras não 23 de dezembro de 2003 (BRASIL, 2003),
triplicou em relação a 2005, aproximando- se expandiram nessa mesma proporção, e por Decretos e Instruções Normativas do
se de um milhão de sacas, enquanto que a pois o resultado cambial transitou entre MAPA. Dessa forma, podem-se evitar frau-
participação brasileira nesse período do- US$ 7 milhões e US$ 8 milhões nos últi- des e agregar valor ao produto, tornando-o
brou, saltando de um pouco mais de 10 mil mos dois anos (VEGRO; CAMPOS, 2013). diferenciado no mercado.

1
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, waldenia@epamig.ufv.br
2
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, plima@epamig.ufv.br
3
Engo Agro, Bolsista Consórcio Pesquisa Café/EMBRAPA Café/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, carlosh_almeida@yahoo.com.br
4
Enga Agra, Bolsista Consórcio Café/EMBRAPA Café/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, rebecalourencoo@gmail.com
5
Agroecóloga, Bolsista Consórcio Pesquisa Café/EMBRAPA Café/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, deboraribeiro.goncalves@gmail.com
6
Agroecólogo, Bolsista Consórcio Pesquisa Café/EMBRAPA Café/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, lenny_agroecologia@hotmail.com

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Agricultura orgânica e agroecologia 41

A ausência de estatísticas oficiais sobre em campo, pela simplicidade de uso, pelo pesquisa participativa e foram avaliadas
a área e a produção de café orgânico no custo reduzido e por serem aceitas pela 30 cultivares de café, incluindo as antigas,
País tem gerado discrepâncias entre as dife- maioria das certificadoras de café orgânico. resgatadas nas comunidades, e as melho-
rentes fontes de informações. Diante desse A partir de resultados de vários tra- radas, com diferentes características agro-
cenário, para que o Brasil possa alcançar balhos de pesquisa já realizados e em nômicas e reações às principais doenças e
altas produtividades e com qualidade, são andamento, serão apresentadas algumas pragas. Constatou-se ampla variabilidade
necessários investimentos no desenvolvi- tecnologias para a produção de café genética entre as cultivares testadas, com
mento de tecnologias para a produção de Arábica e Conilon em sistema orgânico e relação às características agronômicas e to-
café orgânico de base agroecológica e de agroecológico. lerância a doenças e pragas. Observou-se,
várias demandas que têm sido levantadas ainda, interação cultivar x local de cultivo,
por agricultores e técnicos, destacando- ESCOLHA DE ESPÉCIES E DE confirmando a existência de cultivares
se: formação de mudas com certificação CULTIVARES DE CAFÉ
de café específicas para cada município.
orgânica, cultivares adequadas, adubação O primeiro passo para a implantação de Considerando-se a produtividade média
e manejo das lavouras. Visando suprir tais uma lavoura de café orgânico é determinar por local, foi possível identificar as cultiva-
demandas, a EPAMIG e outras instituições qual espécie de café é a mais adequada res mais promissoras para cada município
de pesquisa vêm desenvolvendo e gerando para a região. (MOURA, et al., 2013).
tecnologias. O cafeeiro pertence ao gênero Coffea, Como resultado desse trabalho, no
Com relação às mudas, foi desenvolvi- município de Araponga, região mais ele-
que apresenta apenas duas espécies com
da uma metodologia de produção a partir
valor comercial, Coffea arabica e Coffea vada, sobressaíram as cultivares Sabiá 708;
das técnicas convencionais já conheci-
canephora, ambas de origem africana. A IBC Palma 1; Tupi IAC 1669-33; Catucaí
das. Isto permitiu a produção de mudas
primeira, também conhecida como café Amarelo 24/137; Siriema 842; Oeiras MG
saudáveis sem a utilização de adubos de
Arábica, é recomendada para regiões acima 6851; Catucaí Vermelho 36/6; Catucaí
alta solubilidade e de agrotóxicos. Para
de 450 m de altitude, com deficiência hídrica 785-15; Paraíso MG H 419-1; IBC Palma
a recomendação de cultivares a curto e a
anual máxima de 150 mm e temperaturas 2; Catuaí Vermelho IAC 15; Catucaí-Açu
médio prazos, pesquisas que comparam
médias anuais que variam de 18 oC a 22 oC. e as linhagens H 514 e H 518, com médias
cultivares de café (antigas e melhoradas),
Já a segunda espécie, também conhecida acima de 24,61 sacas de café beneficiado/
no sistema de cultivo orgânico com princí-
como café Robusta, é recomendada para hectare/ano (Quadro 1).
pios agroecológicos, foram realizadas em
regiões abaixo de 450 m de altitude, com Para regiões com altitudes interme-
três municípios com diferentes condições
temperaturas médias anuais que variam de diárias, como Espera Feliz, as cultivares
edafoclimáticas.
22 oC a 26 oC e deficiência hídrica anual de Catucaí Vermelho 36/6; Catucaí Amarelo
Quanto ao manejo da adubação de
até 200 mm (CARVALHO, 2008). 24/137; Paraíso MG H 419-1; Sabiá 708;
lavouras orgânicas, foram avaliadas a
produção de biomassa, a composição quí- Uma vez determinada a espécie de café, IBC Palma 1; Catuaí Vermelho IAC 15;
mica e a velocidade de decomposição e de o próximo passo é a escolha da cultivar. Oeiras MG 6851; Obatã IAC 1669-20;
liberação de nutrientes de diversas espécies Diante da necessidade de informações so- Topázio MG 1190; Rubi MG 1192; Icatu
de leguminosas e de materiais orgânicos bre cultivares de café Arábica promissoras Precoce IAC 3282, e as linhagens H 514
de fácil aquisição pelos agricultores, para para o cultivo orgânico e agroecológico, a e H 518 foram as mais produtivas, com
serem utilizadas como fontes de adubação EPAMIG Sudeste iniciou, em 2001, pes- médias acima de 38,8 sacas de café bene-
orgânica, para a cafeicultura familiar da quisas que visavam alcançar esse objetivo, ficiado/hectare/ano.
Zona da Mata mineira. juntamente com o Centro de Tecnologias Já em Tombos, região mais baixa, as
O desenvolvimento de tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) cultivares Sabiá 708; Catucaí Amarelo
alternativas para o manejo de pragas do e dos Sindicatos e Associações de agricul- 24/137; IBC Palma 1; Paraíso MG H 419-1;
cafeeiro também tem sido estudado, ten- tores dos municípios de Araponga, Espera Canário; Ouro Verde IAC H 5010-5;
do como princípios a diversificação da Feliz e Tombos. Esses municípios foram Catucaí Vermelho 36/6; Siriema 842; Catuaí
vegetação, como estratégia de controle selecionados por apresentar comunidades Vermelho IAC 15; IBC Palma 2; Catuaí
biológico conservativo, e o uso de produtos de agricultores familiares com tradição Amarelo IAC 62; Oeiras MG 6851; Icatu
alternativos, como a calda sulfocálcica e os em agricultura orgânica e por possuir di- Amarelo IAC 2944, e as linhagens H 514 e
extratos de plantas. Essas estratégias têm- ferentes condições edafoclimáticas, com H 518 foram as mais indicadas, com média
se destacado pela eficiência apresentada altitudes de 1.004, 950 e 600 m, respec- de produtividade acima de 20,59 sacas de
em trabalhos realizados em laboratório e tivamente. Adotou-se a metodologia de café beneficiado/hectare/ano (Quadro 1).
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42 Agricultura orgânica e agroecologia

QUADRO 1 - Médias da produtividade (sacas de café beneficiado/hectare) para 30 genótipos As cultivares Sabiá 708; Catucaí Ama-
de café nos municípios de Araponga, Espera Feliz e Tombos, MG relo 24/137; IBC Palma 1; Paraíso MG
Genótipo Produtividade H 419-1; Catucaí Vermelho 36/6; Catuaí
(cultivar e linhagem) Vermelho IAC 15; Oeiras MG 6851 e a
Araponga Espera Feliz Tombos
linhagem H 518 apresentaram produtivida-
Sabiá - 708 40,90 Ab 52,83 Aa 34,21 Ab
des acima da média de cada local avaliado
H 518 37,84 Ab 52,82 Aa 34,69 Ab e foram comuns entre os três municípios
IBC Palma 1 37,75 Ab 52,00 Aa 32,49 Ab (Quadro 1). Essas cultivares mostraram-
se vigorosas e com baixa severidade de
Tupi IAC 1669-33 33,95 Aa 33,51 Ca 18,65 Cb
ferrugem, de cercosporiose, e para a inten-
Catucaí Amarelo (24/137) 33,77 Ab 54,81 Aa 34,08 Ab sidade de ataque de bicho-mineiro, sendo
H 514 33,09 Aa 42,86 Ba 21,23 Bb portanto, indicadas para o cultivo orgânico
Siriema 842-2-4 32,18 Aa 36,01 Ca 25,84 Ba na Zona da Mata mineira (Fig. 1 e 2).
Outras cultivares obtidas por Progra-
Oeiras MG 6851 31,91 Ab 44,08 Ba 23,96 Bb
mas de Melhoramento Genético tradicional
Catucaí Vermelho (36/6) 31,70 Ab 57,84 Aa 25,87 Bb também podem ser consideradas no cultivo
Catucaí Vermelho 785-15 28,42 Aa 34,00 Ca 18,82 Cb orgânico e agroecológico, por apresentar
Paraíso MG H 419-1 27,81 Ab 54,55 Aa 29,66 Ab
resistência ou tolerância às principais do-
enças e pragas (CARVALHO; CUNHA;
IBC Palma 2 27,75 Ab 37,69 Ca 25,29 Bb
CHALFOUN, 2008).
Catuaí Vermelho IAC 15 26,92 Ab 50,78 Aa 25,52 Bb As cultivares Catiguá MG 1; Catiguá
Catucaí-Açu 26,77 Aa 36,12 Ca 11,78 Db MG 2 e Catiguá MG 3; Araponga MG 1;
Sacramento MG 1; Obatã Amarelo IAC
Catuaí Amarelo IAC 62 24,37 Ba 29,30 Da 24,44 Ba
4739; Tupi RN IAC 1669-13 e IPR 98 são
Obatã IAC 1669-20 24,23 Bb 41,20 Ca 18,31 Cb altamente resistentes à ferrugem. Já as cul-
Ouro Verde IAC H 5010-5 24,16 Bb 38,79 Ca 26,65 Bb tivares Tupi Amarelo IAC 5162; PR 103;
Icatu Precoce IAC 3282 23,41 Bb 38,85 Ca 12,94 Dc Katipó e Saíra apresentam moderada resis-
tência a esse fungo. Quanto à resistência aos
Icatu Amarelo IAC 2944 23,24 Bb 33,74 Ca 21,39 Bb
nematoides, as cultivares Catiguá MG 3;
IAPAR 59 22,51 Bb 33,24 Ca 13,05 Db Catucaí 785-15; IAPAR 59 e Tupi RN IAC
Rubi MG 1192 22,09 Bb 40,19 Ca 18,83 Cb 1669-13 apresentam resistência ao nema-
Mundo Novo IAC 37-19 20,84 Ba 27,37 Da 09,99 Db toide-das-galhas da espécie Meloidogyne
exigua, e a cultivar Acauã apresenta mo-
Acauã 20,35 Ba 28,35 Da 19,89 Ca
derada resistência.
Canário 19,90 Ba 31,39 Da 27,27 Ba Mais recentemente, nessa mesma linha
Acaiá Cerrado MG 1474 18,96 Ba 26,48 Da 4,54 Db de pesquisa, uma parceria com o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia -
Caturra Amarelo IAC 476 18,64 Bb 36,26 Ca 13,98 Db
Sudeste de Minas Gerais, Campus Rio
Icatu Vermelho IAC 4045 16,68 Bb 31,39 Da 12,33 Db
Pomba (IF Rio Pomba), tem possibilitado a
Caturra Vermelho IAC 477 13,96 Bb 29,20 Da 07,23 Db execução de trabalho com a participação de
Topázio MG 1190 13,71 Bb 40,81 Ca 20,02 Cb estudantes de Agroecologia, sendo a maio-
ria filhos de agricultores, além de profes-
Maragogipe 10,57 Bb 18,21 Da 03,59 Db
sores e técnicos. Esse trabalho, que ainda
Média local 24,61 38,82 20,59 está sendo conduzido, tem como objetivo
Média geral 28,01 promover a diversificação da produção,
CV (%) 21,66 utilizar somente adubos orgânicos produ-
zidos na escola e avaliar o desempenho de
FONTE: MOURA et al. (2013).
NOTA: Médias das características seguidas pelas mesmas letras maiúsculas na coluna e
21 cultivares de café Arábica em sistema
minúsculas nas linhas, não diferem entre si pelo teste de agrupamento de médias orgânico e agroecológico.
Scott-Knott, a 5% de probabilidade. No citado estudo, são cultivadas
CV - Coeficiente de variação. fruteiras para a diversificação do sistema
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Agricultura orgânica e agroecologia 43

e para o fornecimento de dois estratos


de sombreamento. Os abacateiros foram
utilizados para fornecer estrato superior
de sombreamento, em espaçamentos
que variam de 36 a 51 m entre plantas,
conforme a declividade do terreno. Já as
fruteiras de banana, pitanga, conde, laranja,
uvaia, acerola e carambola, com espaça-
mentos de 18 m entre plantas, promoveram

Waldênia de Melo Moura


um estrato intermediário, porém acima
do porte dos cafeeiros. Todas as fruteiras
foram plantadas nas linhas do café, para
facilitar o manejo da lavoura.
Entretanto, é necessário também conhe-
cer os efeitos desses sistemas de cultivo sobre
Figura 1 - Vista parcial do experimento de café Arábica orgânico com leguminosa
o desempenho das cultivares de café, visando Crotalaria juncea cultivada nas entrelinhas dos cafeeiros
à seleção das mais adaptadas. Para isso, estão
sendo conduzidos quatro sistemas de cultivo
(orgânico a pleno sol, orgânico arborizado,
convencional a pleno sol e convencional
arborizado), com o objetivo de avaliar os
efeitos desses sistemas sobre as caracte-
rísticas morfoagronômicas, fisiológicas e
genéticas de 22 cultivares de café Arábica
e a identificação de cultivares promissoras
para cada sistema de produção no Campo
Experimental do Vale do Piranga (CEVP),

Waldênia de Melo Moura


da EPAMIG Sudeste, em Oratórios, MG.
Com relação à espécie Coffea canephora,
embora ainda não haja resultados de pes-
quisas, visando à recomendação de culti-
vares promissoras para o cultivo orgânico,
a EPAMIG Sudeste iniciou pesquisas com Figura 2 - Produção de café Arábica em sistema orgânico
a finalidade de atender a esse objetivo.
Para isso, a unidade experimental de café
Conilon, contendo 36 clones, passou por
um processo de conversão a orgânico
que se iniciou juntamente com a poda de
renovação dos cafeeiros, no ano de 2010.
Com base nas avaliações iniciais,
observaram-se ampla variabilidade quanto
às características morfoagronômicas e
médias elevadas de produtividades com
134,33; 72,46 e 103,4 sacas de café be-
Waldênia de Melo Moura

neficiado/hectare, nos anos de 2012, 2013


e na média do biênio, respectivamente.
Esses resultados demonstram o grande
potencial para o cultivo orgânico do café
Conilon (Fig. 3). Com relação ao biênio
2013/2014, os clones foram classificados Figura 3 - Produção de café Conilon em sistema orgânico

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em três grupos, sendo que os mais pro- QUADRO 2 - Médias de produtividade em sacas de café beneficiado/hectare nos anos
dutivos foram os clones/códigos 28, 23, de 2013, 2014 e no biênio 2013/2014 para 36 clones de café Conilon em
24 e 04, com média de 155 sacas de café sistema de cultivo orgânico - Viçosa, MG, 2015
beneficiado/hectare. Já o segundo grupo, Clone/Código
Produtividade Produtividade
Biênio 2013/2014
formado por 14 clones/códigos, apresentou 2013 2014
produtividade média de 120,57 sacas de 28 229,06 A 92,78 A 160,92 A
café beneficiado/hectare. A maioria dos 23 155,56 B 156,69 A 156,12 A
clones fez parte do grupo menos produtivo, 24 193,16 A 116,99 A 155,08 A
com média de 78,5 sacas de café beneficia- 4 197,01 A 99,57 A 148,29 A
do/hectare (Quadro 2). 1 159,16 B 111,30 A 135,23 B
13 184,61 A 78,11 B 131,36 B
FORMAÇÃO DE MUDAS DE
26 189,49 A 66,50 B 127,99 B
CAFÉ
30 191,17 A 64,10 B 127,63 B
A formação de mudas para o café orgâ-
11 150,43 B 101,28 A 125,85 B
nico não é muito diferente da que já existe
9 128,77 C 113,72 A 121,25 B
para os sistemas convencionais, sendo
31 150,09 B 89,84 A 119,97 B
necessárias algumas modificações em
6 162,56 B 73,87 B 118,22 B
função das normas para a produção orgânica.
A terra destinada à preparação do substrato, 2 157,16 B 75,65 B 116,40 B

onde serão formadas as mudas, deve ser de 10 148,48 B 84,19 A 116,33 B


boa textura e estrutura (evitando-se solos de 3 154,14 B 77,50 B 115,82 B
textura muito arenosa ou muito argilosa), 18 170,51 B 58,55 B 114,53 B
coletada nas camadas subsuperficiais do 17 126,26 C 97,57 A 111,91 B
solo, evitando-se problemas com infesta- 29 125,07 C 85,98 A 105,53 B
ção de sementes invasoras e patógenos. O 32 125,64 C 76,07 B 100,85 C
esterco a ser utilizado deve ser bem curtido
8 124,72 C 63,19 B 93,96 C
e de procedência conhecida, evitando-se
16 161,72 B 22,16 B 91,94 C
a contaminação com plantas invasoras de
22 107,12 C 75,90 B 91,51 C
difícil controle, como a tiririca e a grama-
12 134,25 C 48,47 B 91,36 C
seda. Também não deve conter resíduos de
herbicidas. Não sendo possível obter o ester- 5 109,54 C 69,00 B 89,27 C
co de curral, pode-se empregar o composto 33 106,04 C 70,49 B 88,26 C
orgânico e o húmus de minhoca na mesma 19 133,09 C 40,98 B 87,04 C
dosagem (GUIMARÃES et al., 2002). 25 140,55 B 20,13 B 80,34 C
Como alternativa para a desinfestação 14 80,83 D 78,63 B 79,73 C
do substrato, tem-se utilizado a solariza- 21 103,85 C 51,82 B 77,83 C
ção, que consiste na cobertura do substrato 7 115,72 C 33,50 B 74,61 C
com filme plástico transparente, elevando-
15 83,20 D 53,56 B 68,38 C
se a temperatura a níveis letais aos pató-
20 83,30 D 52,69 B 67,99 C
genos (MIZUBUTI; MAFIA, 2001). Isso
35 57,45 D 68,94 B 63,20 C
pode ser feito esparramando-se o substrato
em camada fina sobre um terreiro cimen- 36 69,04 D 56,22 B 62,63 C

tado ou sobre lona plástica preta. Sobre 34 66,73 D 51,33 B 59,03 C


o substrato, é aberta uma lona plástica 27 60,45 D 31,43 B 45,94 C
transparente, bem esticada e fixada, que é Médias 134,33 72,46 103,4
mantida sob o sol por, no mínimo, trinta CV (%) 20,69 35,21 20,82
dias (MOURA et al., 2005). NOTA: Médias das características seguidas pelas mesmas letras maiúsculas na coluna e
O viveiro deverá ser instalado em minúsculas nas linhas, não diferem entre si pelo teste de agrupamento de médias
terreno seco, com topografia ligeiramente Scott-Knott, a 5% de probabilidade.
inclinada, ensolarado, protegido de ventos, CV - Coeficiente de variação.

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Agricultura orgânica e agroecologia 45

servido de água em quantidade suficiente ra do solo. O plantio de leguminosas nessa a tomada de decisão em relação ao controle
para as regas e de boa qualidade, de fácil ocasião é importante para a adubação ver- da cercosporiose, mas sabe-se que as con-
acesso, distante das lavouras de café, não de, pois complementa a adubação orgânica dições climáticas − umidade relativa (UR)
sujeito a geadas. Deverá também possuir de plantio do café. Posteriormente, inicia- alta, baixas temperaturas, déficit hídrico e
um sistema de proteção contra enxurra- se o sulcamento, calagem e adubação de insolação − e a deficiência nutricional favo-
das, com valas ou cordões elevados ao sulco. Espaçamentos adensados na linha recem a manifestação dessa doença. Assim,
seu redor. de plantio são benéficos para a conserva- uma adubação equilibrada, principalmente
Para a preparação de mil litros do ção do solo e a longevidade das plantas, na fase de muda e um acompanhamento nu-
substrato, recomendam-se: 700 L de terra enquanto que maiores espaçamentos nas tricional por meio de análises foliares são
peneirada; 300 L de esterco de curral cur- ruas permitem a manutenção de adubos medidas preventivas para evitar a doença
tido e peneirado; 1,0 kg de P2O5 (6,0 kg de verdes, mesmo na fase adulta do cafezal. (SOUZA, 2015).
termofosfato); e 0,6 kg de K2O (1,25 kg de O manejo de plantas invasoras pode Com relação ao monitoramento das
sulfato de potássio) (MOURA et al., 2005). ser realizado mantendo-se limpa a faixa principais pragas do cafeeiro, a maior
Os saquinhos de substrato devem estar de plantio do café (em torno de 0,5 m de incidência de bicho-mineiro ocorre no pe-
bem cheios e compactados, para que, largura para cada lado da linha de plantio) ríodo mais seco do ano (junho a outubro).
no plantio, não se desmanchem quando e roçado o meio da rua. As roçadas das Portanto, a amostragem deve ser feita a
abertos. O semeio deve ser feito a 1 cm plantas nas ruas são feitas de modo que partir de maio, com periodicidade de 15 a
de profundidade e com duas sementes não permita a produção de sementeiras, 20 dias, sendo o controle realizado quando
por saquinho, para não haver falha. Após evitando-se, também, o crescimento ex- a porcentagem de folhas atacadas for acima
germinadas as sementes, deve ser elimi- cessivo do mato. É ainda necessário testar de 20% (terço superior) ou acima de 30%
nada a muda menos vigorosa, deixando- diferentes espécies de leguminosas, prefe- (terço médio). Já a amostragem da broca
se apenas uma planta por saquinho. rencialmente as perenes, para ser mantidas deve ser realizada na fase de chumbinho
Para evitar a ocorrência de doenças nas ruas do cafezal, com o propósito de (outubro – dezembro), quando as condições
e pragas no viveiro, devem-se adotar controlar o mato e servir de adubo verde. de alta temperatura e umidade favorecem a
medidas preventivas, como: instalação O manejo do primeiro ano e nos anos proliferação dessa praga. Os frutos devem
dos viveiros em locais secos e arejados; seguintes se faz com: ser coletados nos terços médio e inferior da
utilização de substratos ricos em nutrientes a) roçadas e cobertura morta, sempre planta, locais de maior infestação. Como o
e provenientes de solo bem estruturado e que necessário; ataque não se distribui uniformemente na
controle de irrigação, evitando-se o enchar- lavoura, o controle deve ser feito apenas
b) manutenção de uma faixa de até 0,5 m
camento. Caso haja necessidade de realizar nos talhões onde a porcentagem de frutos
do cafeeiro limpa, sob cobertura
algum controle, utilizar somente produtos broqueados em função dos sadios atingir
morta;
permitidos para o sistema orgânico. de 3% a 5% (PICANÇO, 2010).
c) pulverizações com supermagro
Pesquisas relacionadas com o manejo
IMPLANTAÇÃO E MANEJO (10 %), desde que haja umidade no
do café Conilon, cultivado em sistemas
DE LAVOURA DE CAFÉ EM solo e turgidez nas plantas;
orgânicos, ainda é insuficiente no Brasil,
SISTEMA ORGÂNICO DE BASE d) realização de amostragens de solo embora já se tenha feito um levantamento
AGROECOLÓGICA no final do inverno, para análise e das práticas adotadas nessas lavouras
A implantação do cafezal é iniciada recomendação de adubação para o no estado do Espírito Santo (Quadro 4),
após determinação de recursos financei- próximo período chuvoso. visando identificar os possíveis gargalos
ros, das áreas disponíveis e da escolha Seguem-se, a partir daí, as atividades (PARTELLI; VIEIRA; COSTA, 2005).
das áreas com maior potencial de pro- descritas no calendário de atividades Observa-se que a maioria dos sistemas
dução de café. Pode ser programada (Quadro 3). é irrigada, utiliza-se o café Conilon con-
a partir de um calendário da lavoura, Quanto ao controle das principais sorciado com mamona, macadâmia e
considerando-se as condições climáticas doenças do cafeeiro, a ferrugem deve leguminosas. Na adubação, faz-se uso de
locais, conforme o Quadro 3 atualizado ser monitorada com atenção especial. As composto orgânico e de adubos químicos
de Lima et al. (2002). amostragens devem ser feitas a partir de permitidos para a produção orgânica,
O preparo do terreno é feito em sistema novembro, de preferência quinzenalmente, além de pulverizações com supermagro
de cultivo mínimo, evitando-se arações e, caso ocorra a incidência de 5% de folhas e urina de vaca. Também, usa-se produto
profundas e uso de grades pesadas, que contaminadas, deve-se fazer o controle. comercial, com a finalidade de melhorar a
contribuem para a desagregação da estrutu- Por outro lado, não existe um índice para decomposição do esterco.
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QUADRO 3 - Calendário para sistemas orgânicos e agroecológicos de produção de café, recomendado para as principais regiões produtoras
de Minas Gerais(1)

Atividade
Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
(mês)

Formação de mudas

Amostragem e análise de solo

Limpeza da área (roçada)

Marcação das curvas de nível


Sulcamento ou coveamento
Calagem do sulco ou da cova de café
Calagem para leguminosas
Adubação para leguminosas
Plantio de leguminosas
Adubação do sulco ou da cova de café
Transplantio de mudas de café
Controle de invasoras
(2)
Monitoramento de incidência de ferrugem
(2)
Monitoramento de incidência de cercóspora
(2)
Monitoramento de bicho-mineiro
(2)
Monitoramento de broca-do-cafeeiro
Adubação pós-plantio (cama de frango)
Adubação de formação e de produção
Aplicação de biofertilizantes
Corte e aplicação de adubos verdes
Produção de esterco
(2)
Colheita
Beneficiamento e preparo do café
Podas e recepas de renovação
Comercialização
FONTE: Dados básicos: Lima et al. (2002).
(1) Considera o período chuvoso entre os meses de novembro até março ou abril. (2) Para lavouras em produção.

Correção do solo e Com base nessas informações, é pos- As principais fontes de nitrogênio (N)
adubação sível calcular as doses para plantio, pós- utilizadas na cafeicultura orgânica são os
A correção do solo e as adubações de plantio e produção, levando-se em conta adubos verdes, estercos de frango e gado,
lavouras orgânicas de café são feitas com a composição química e a umidade dos tortas e compostos orgânicos. Como fonte
base nos resultados da análise de solo, adubos orgânicos, o tempo de mineraliza- de fósforo (P), têm-se utilizado o fosfato
considerando as necessidades da cultura ção de nutrientes e a demanda da lavoura. natural e o termofosfato, e como fonte de
do café. Algumas tabelas de recomendação Caso haja necessidade, determina-se a potássio (K), a casca de café, o sulfato
para a cultura poderão ser consultadas em complementação com outras fontes de duplo de potássio e magnésio e o sulfato
Ribeiro, Guimarães e Alvarez V. (1999). origem orgânica ou mineral permitidas de potássio. Todo esse conjunto de insumos
Caso haja necessidade de correção do solo, ou toleradas pelas normas de produção precisa ser dimensionado e programado
é permitido o uso de calcário. orgânica. antes de implantar um sistema orgânico de
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Agricultura orgânica e agroecologia 47

QUADRO 4 - Identificação de algumas características e manejo adotados no último ano, nas oito lavouras de café Conilon na região Norte
do Espírito Santo, cultivadas sob sistema orgânico desde o plantio
Idade Espaçamento Sacas
Lavoura Manejo adotado no último ano
(anos) (m) (hectare/município)
1 3 2,0 x 1,0 22/Boa Esperança Irrigada por gotejamento, 1 mg/ha de calcário, 100 g/planta de fosfato
natural, 5 L/planta de composto orgânico, pulverização de Supermagro(1)
(6 vezes ao ano), urina de vaca(2), capina com enxada e consórcio tendo
o Ricinus comunis e Canavalia ensiformes.
2 6,5 2,5 x 2,0 32/São Mateus Irrigada por gotejamento, 1 mg/ha de calcário, 1 mg/ha de MB4(3),
9 kg/ano/planta de húmus de minhoca, capina com enxada e foice e con-
sórcio utilizando Cajanus cajan e Macadamia integrifolia.

3 6 2,5 x 1,0 20/Jaguaré Irrigada por gotejamento, 1 mg/ha de calcário, 50 g/planta de fosfato na-
tural, 0,8 mg/ha de MB4(3), Microgel(4), 5 L/planta de composto orgânico,
urina de vaca(2), capina utilizando enxada e foice e consórcio com C. cajan.
4 6 2,5 x 1,0 20/Jaguaré Irrigada por gotejamento, 1 mg/ha de calcário, 0,8 mg/ha de MB4(3), Mi-
crogel(4), 10 L/ planta de composto, urina de vaca(2), capina com enxada
foice e consórcio com C. cajan.
5 3,5 2,3 x 1,1 26/Jaguaré Irrigada por gotejamento, 1,3 mg/ha de calcário, 1,5 mg/ha de MB4(3),
Microgel(4), 3 L/planta de composto orgânico, capina, utilizando enxada
foice e consórcio com C. cajan.
6 7 1,7 x 1,5 24/Jaguaré Não foi irrigada, 0,6 mg/ha de calcário, 0,6 mg/ ha de MB4(3), Microgel(4),
8 L/planta de composto orgânico, capina seletiva e foice,consórcio com
Pueraria phaseoloides.
7 6 2,5 x 1,7 24/ Rio Bananal Irrigada por aspersão convencional, capina utilizando enxada e foice e
consórcio com Musa spp.

8 5 2,5 x 1,0 85/São Domingos do Irrigada por aspersão convencional, 2,5 mg/ha de calcário, 0,8 mg/ha
Norte de MB4(3), 10 L/ planta de composto orgânico, 10 L/planta de palha de
café, urina de vaca(2), capina utilizando enxada e foice e consórcio com
C. ensiformis.
(1) Biofertilizante produzido com sulfato de Zn, Cu, Mn, Mg, Fe, CaCl2, ácido bórico, molibdato de amônio, Fosfato de Araxá, calcário, soro
de leite e melaço de cana. (2) 1 a 2 L de urina de vaca para 20 L de água. (3) 479,6 SiO2, 22,3 CaO, 191,4 MgO (g/kg). (4) Produto comercial
com finalidade de melhorar a decomposição do esterco.

produção de café, visando reduzir ao má- gado, da produção de leguminosas e da Ainda, entre os agricultores familiares
ximo a dependência de insumos externos. cafeicultura que se tornam insumos para da Zona da Mata de Minas Gerais, tem
Nesse sentido, a integração de sistemas de a produção de café orgânico. É necessário sido pesquisado o uso de outros materiais
produção da propriedade deverá ser uma considerar os produtos que serão essenciais e resíduos orgânicos considerados de fácil
das principais estratégias de obtenção de para atender à lavoura de café, o que será obtenção nas propriedades ou de fácil
nutrientes para as plantas. possível produzir, os locais e em quais aquisição no mercado. São estes, esterco de
Em sistemas integrados, produtos ou quantidades, e o que deverá ser adquirido curral, cama de frango, composto orgânico
subprodutos obtidos de um sistema contri- para atender às demandas internas. comercial, composto orgânico caseiro, torta
buem para a obtenção de outro produto de Vários projetos, que visam avaliar de mamona, mamoneira picada, bananeira
outro sistema e permitem, ainda, a distri- a produção de biomassa, a composição picada, casca de café, plantas espontâneas,
buição de trabalho ao longo do tempo em química e a velocidade de decomposição leguminosas e folhas de árvores encontradas
determinado espaço geográfico – proprie- e de liberação de nutrientes de diversas em Sistemas Agroflorestais (SAFs), que são
dade, comunidade, município, etc. (LIMA espécies de leguminosas e de materiais alternativas viáveis na adubação orgânica.
et al., 2002). Isso implica em redução de alternativos para ser utilizadas como fontes Na cultura do café, a aplicação desses
custos, quando um produto serve de insu- de adubação orgânica para a cafeicultura insumos é realizada no início do período
mo para a produção de outro. Por exemplo, familiar da Zona da Mata mineira, fo- chuvoso (LIMA et al., 2009b).
o esterco de curral, os adubos verdes e a ram coordenados pela EPAMIG Sudeste Dentre os materiais analisados, as prin-
casca de café são produtos da criação de (LIMA et al., 2009ab). cipais fontes N foram a torta de mamona,
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seguida pela cama de frango, a mamoneira crito nos trabalhos de LIMA et al. (2013ab). agroecológica, LIMA et al. (2013c) têm
picada, as folhas do SAF e do lablabe. A Utilizaram-se cama de frango, palha de café desenvolvido trabalhos com o objetivo
torta de mamona, seguida pela cama de e bananeira picada que foram avaliadas de avaliar combinações de misturas de
frango, também apresentou os maiores individualmente, agrupadas e misturadas, materiais orgânicos com o adubo mineral
teores de P (P ou P2O5). Quanto ao K (K ou a fim de formar materiais orgânicos fres- 20-05-20 (N-P2O2-K2O). Apesar de, nessa
K2O), a cama de frango destacou-se mais cos (misturas orgânicas), com composição situação, não se eliminar a demanda por
uma vez, juntamente com a mamoneira e química final mais adequada às demandas insumos externos, espera-se contribuir
bananeira picadas, casca de café, plantas dos cafeeiros. A importância desse sistema para que haja uma redução significativa.
espontâneas e lablabe. Vale ressaltar que a é eliminar o processo de compostagem e Em um dos experimentos, por exemplo,
cama de frango foi feita com a casca de café, reduzir o tempo e o trabalho gastos durante foi utilizada mistura de materiais orgâ-
e, por isso, revelou-se com bons teores de a sua tradicional realização. As misturas nicos ainda frescos, ou seja, sem passar
N e K, principalmente. A cama de frango, orgânicas foram colocadas sob as saias dos pelo processo de compostagem (mistura
em especial, mais o lablab e a mamoneira cafeeiros de acordo com doses preestabe- orgânica), formada por cama de frango e
picada também seriam boas fontes de cálcio lecidas (Fig. 4). palha de café na proporção 1,2:1, com base
(Ca) e de magnésio (Mg) para os sistemas. As produtividades responderam com na massa da matéria seca (MS). A mistura
Materiais ricos em Ca e Mg são importantes ajuste quadrático aos aumentos de doses da orgânica foi aplicada sobre o adubo mine-
para o manejo de sistemas orgânicos, onde mistura aplicada, sendo a máxima estimada ral, sob as saias dos cafeeiros, em dose total
o pH do solo já esteja elevado, e, mesmo de 74,42 sacas/hectare de café beneficiado, de 400 kg/ha de N (orgânico+mineral).
assim, são necessárias aplicações desses com adição de 600 kg de N/ha. Não foi As seguintes combinações de mistura de
elementos, para atender as exigências das constatado amarelecimento temporário materiais orgânicos (% da dose total de
plantas (LIMA et al., 2009b). por deficiência de N nos cafeeiros (LIMA
N): 20-05-20 (% da dose total de N) foram
Em plantas perenes, como o cafeeiro, et al., 2013ab).
testadas: 100:0; 75:25; 50:50; 25:75; e
a volatilização de N na forma de amônia
Combinação de materiais 0:100. As produtividades dos cafeeiros nos
poderá ser amenizada, se a aplicação de adu-
bos orgânicos for realizada com a adição de orgânicos e de fertilizantes diferentes tratamentos não diferiram, com
industrializados para média de 64,2 sacas/hectare de café bene-
roçadas de plantas espontâneas e de serrapi-
propriedades em diferentes ficiado. Os resultados obtidos confirmaram
lheiras sobre os materiais de menor relação níveis de transição a hipótese de que, em culturas perenes, a
C:N, sob a copa da planta. Primeiramente, agroecológica combinação de materiais orgânicos mais
o material com maior teor de N e, por cima
Tendo em vista a racionalização do uso o adubo mineral não promove alteração
deste, o material mais fibroso, diminuindo
a exposição do material rico em N. de insumos em sistemas de base familiar na produtividade, desde que a mistura dos
Não é recomendado incorporar o para a produção de café de montanha em materiais orgânicos esteja em relação C:N
adubo, uma vez que o maior volume das sistemas não orgânicos, mas em transição próxima de 30:1. A aplicação dos materiais
raízes encontra-se em uma faixa superficial
no solo e a incorporação irá danificá-las.
Esse procedimento de adubação também
contribui com a reabsorção de NH3 pelo
dossel foliar do cafeeiro, reduzindo perdas
por volatilização.

Determinação de doses
para combinação de
materiais em misturas
orgânicas
Na etapa seguinte, gerou-se uma nova
Paulo César de Lima

sequência de Projetos que ainda estão em


execução. A estratégia foi agrupar materiais
já analisados em combinações, que propor-
cionassem o fornecimento mais adequado
de nutrientes, de acordo com as exigências
dos cafeeiros ao longo do tempo, como des- Figura 4 - Mistura de materiais orgânicos para a adubação de cafeeiros

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Agricultura orgânica e agroecologia 49

sem realizar o processo de compostagem QUADRO 5 - Estratégias do manejo ecológico de algumas doenças na produção de café
foi uma demanda dos agricultores. Assim, orgânico
racionalizam-se insumos e trabalho. Doença
Tipo de controle
Ferrugem Cercosporiose Ascochita Phoma
MANEJO ECOLÓGICO DE Cultural Quebra-vento X X
DOENÇAS E PRAGAS Sombreamento X
As substâncias e práticas permitidas Nutrição adequada X X X X
para manejo e controle de pragas e doen- Adensamento X

ças nos vegetais em sistema orgânico de Genético Cultivares resistentes X


produção estão descritas no Anexo VIII
da Instrução Normativa no 64, de 18 de Biofertilizantes Supermagro X X X X
e caldas Calda viçosa X X X X
dezembro de 2008 (BRASIL, 2009).
No manejo do cafeeiro, a ocorrência e a Produtos à base Hidróxido de cobre X X
intensidade de doenças são influenciadas por de cobre Óxido cuproso X X
fatores, como a virulência do patógeno; a re- Sulfato tribásico de cobre X X
sistência das plantas; a densidade de plantio;
(A)
Produtos à base Silicato de cálcio X X X
o grau de enfolhamento; a carga pendente; o
de silício
estado nutricional das plantas. Há, ainda, os
Microrganismos Fungos (Bacillus sp.) X
fatores ligados ao ambiente, como tempera- antagonistas Fungo (Crinipellis
(B)
tura, chuva, intensidade de ventos, umidade X X X
perniciosa)
relativa, molhamento foliar, luz e disponibi- (C)
Bactérias (Pseudomonas
X
lidade de nutrientes no solo (CARVALHO; sp.)
CUNHA; CHALFOUN, 2002). FONTE: Dados básicos: Carvalho, Cunha e Chalfoun (2002), (A) Androcioli (2008), (B) Santos
et al. (2007) e (C) Haddad, et al. (2007).
Várias estratégias de manejo ecológico
encontram-se descritas no Quadro 5.
O objetivo com o manejo ecológico de QUADRO 6 - Estratégias para controle ecológico de pragas na produção de café orgânico
pragas é conduzir os agroecossistemas de for- Praga
ma compatível com a natureza, preocupando- Tipo de controle Bicho-
se com os processos e interações ecológicas Broca Cigarra Lagarta Ácaro
Mineiro
que promovam fatores naturais de regulação Cultural Quebra-vento X (1)
X
das populações. O manejo ecológico tem por Arborização X (1)
X
estratégia principal a diversidade funcional Corredores biológicos X
Colheita seletiva e repasse X
como forma de manejo ambiental, no intuito X
(A)
Irrigação
de alcançar a estabilidade do agroecossistema
de herbívoros. Dessa forma, buscam-se es- Biológico Predadores X X X
Parasitoides X X
tratégias de controle biológico conservativo,
Microrganismos X X X
que empregam a modificação ambiental para entomopatogênicos
proteger e aumentar a população de inimigos
Físico Armadilhas de etanol Macho Fêmea
naturais. Como estratégias complementares,
Armadilhas de feromônio X
utilizam-se o controle biológico aplicado, e cola
feromônios, extratos e hormônios naturais,
Extratos vegetais Extrato de nim X X X
biofertilizantes e caldas fitoprotetoras (Qua- Extrato hexânico de chagas X X
dro 6). Extrato de mentrasto X X

Bioinseticidas Boveril X
QUALIDADE DE BEBIDA
Bacillus thuringiensis X X
No processo de maturação dos frutos
Caldas e Calda viçosa, calda X X
do café ocorrem mudanças metabólicas biofertilizantes sulfocálcica e supermagro
importantes que conduzem ao ponto ideal de FONTE: Dados básicos: Reis et al.(2002) e (A) Fernandes et al. (2009), Venzon et al.(2013)
colheita, sendo que a máxima qualidade de e Tuelher et al.(2014).
bebida é obtida quando se processa o café ce- (1) Evitar espécies vegetais hospedeiras das cigarras, como grevílea.

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50 Agricultura orgânica e agroecologia

reja. A qualidade de bebida do café produzido café e a adubação verde proporcionou cafés fermentado, a amostra do ORG-4 apresen-
no sistema orgânico pode ser influenciada de melhor qualidade sensorial do que no tou-se em maior intensidade. Esses autores
pelo tipo de fertilização utilizada (MACÍAS- cultivo convencional. concluíram que o fato de ser um produto
MARTÍNEZ; RIAÑO-LUNA, 2002). Nesse Quanto aos cafés orgânicos disponíveis orgânico não alterou marcantemente as
sentido, Malta et al. (2008) avaliaram dezes- no mercado, Silva et al. (2003) compa- características sensoriais da bebida.
seis tratamentos orgânicos aplicados em uma raram quatro marcas de café orgânico e
lavoura de café em conversão em relação à uma de café convencional, em relação aos CERTIFICAÇÃO DE CAFÉ EM
testemunha no cultivo convencional. Esses atributos sensoriais (turbidez, aroma quei- SISTEMA ORGÂNICO
autores verificaram que, no primeiro ano de mado, aroma fermentado, sabor queimado,
No Brasil, para que o café seja consi-
conversão, não foram observadas diferenças sabor adstringente, gosto amargo, gosto
derado legitimamente orgânico, a origem
significativas entre os atributos sensoriais do amargo residual e gosto ácido). As amos-
e a qualidade desse produto devem ser
café orgânico e os do café convencional. Es- tras foram provenientes do mesmo lote e
ses resultados foram influenciados pelo fato plenamente garantidas por meio da certi-
tipo de torra. Esses autores constataram
de a lavoura em conversão ter sido submetida que, em relação aos atributos turbidez, ficação da unidade produtora, dos insumos
ao manejo convencional por seis anos, pos- gosto amargo e gosto amargo residual, a agrícolas utilizados e das indústrias de
suindo, assim, reservas de nutrientes no solo. amostra de café orgânico ORG-3 apre- torrefação, por Organismo de Avaliação
Já no segundo ano de conversão, a qualidade sentou diferença significativa em relação da Conformidade Orgânica (OAC) previa-
de bebida de alguns tratamentos orgânicos às outras, mostrando esses atributos em mente credenciado pelo MAPA.
foram superiores em relação ao da lavoura maior intensidade. As amostras ORG-4 As principais certificadoras que traba-
desenvolvida em sistema convencional (orgânica) e CON (convencional), que lham com cafeicultura orgânica são: As-
(Quadro 7). A utilização de esterco bovino são da mesma marca comercial, não foram sociação de Agricultura Orgânica (AAO);
isoladamente ou associado com a casca de iguais em todos os atributos. Para o aroma Associação de Agricultores Biológicos do

QUADRO 7 - Análise sensorial de cafés, em função da aplicação de diferentes tratamentos orgânicos, comparados com a testemunha (con-
vencional) - segundo ano
Análise sensorial
Tratamento Bebida Gosto
Doçura Acidez Corpo Sabor Balanço Geral Total
limpa remanescente
EB + CC 5,0 b 4,8 b 5,4 b 5,7 b 5,6 b 5,4 b 4,3 b 4,8 b 77,6 b
CF + CC 5,2 b 4,8 b 4,9 b 5,7 b 5,3 b 5,7 b 5,5 b 5,1 b 78,1 b
FM + CC 6,2 a 5,6 a 5,8 a 6,1 b 6,0 a 6,1 a 6,1 b 5,9 b 83,6 a
EB 5,8 b 5,7 a 5,6 b 6,0 b 5,9 b 6,3 a 6,1 b 5,7 b 82,9 a
CF 5,0 b 4,8 b 5,3 b 5,6 b 5,2 b 5,6 b 4,9 b 5,1 b 77,5 b
FM 5,8 b 4,9 b 5,3 b 5,7 b 5,5 b 5,6 b 5,5 b 5,5 b 79,9 b
EB + CC + AV 6,2 a 5,7 a 5,7 a 6,3 b 5,9 b 6,2 a 5,9 b 6,0 a 84,0 a
CF + CC + AV 5,1 b 4,4 b 5,1 b 5,7 b 5,5 b 5,6 b 5,1 b 4,9 b 77,4 b
FM + CC + AV 5,1 b 4,5 b 5,0 b 5,8 b 5,6 b 5,6 b 5,2 b 5,2 b 77,7 b
EB + AV 6,3 a 5,6 a 5,8 a 6,1 b 6,1 a 6,4 a 5,9 b 5,8 b 84,1 a
CF + AV 5,3 b 5,0 b 5,3 b 5,7 b 5,3 b 5,8 b 5,3 b 5,0 b 79,0 b
FM + AV 5,8 b 5,2 a 5,7 a 5,8 b 5,6 b 5,7 b 5,3 b 5,4 b 80,7 b
EB + CC + MC + SK e Mg 5,3 b 5,4 a 5,5 b 5,9 b 5,5 b 6,0 b 5,6 b 5,5 b 80,7 b

FM + CC + FR 5,2 b 4,8 b 5,2 b 5,7 b 5,5 b 5,4 b 4,8 b 4,8 b 77,4 b


CC 5,9 b 5,6 a 6,0 a 5,9 b 6,0 a 5,9 b 5,9 b 5,7 b 82,8 a

AV 6,4 a 6,4 a 6,2 a 6,6 a 6,5 a 6,4 a 6,2 a 6,5 a 87,2 a


Testemunha 5,1 b 4,7 b 5,0 b 5,8 b 5,3 b 5,7 b 5,1 b 5,2 b 77,9 b
(convencional)
FONTE: Malta et al. (2008).
NOTA: Médias seguidas pela mesma letra nas colunas não diferem da testemunha, pelo teste t, com proteção de Bonferroni.
EB - Esterco bovino; CF - Cama de frango; FM - Farelo de mamona; CC - Casca de café; AV - Adubação verde; MC - Moinha de carvão;
SK e Mg - Sulfato duplo de potássio e magnésio; FR - Farinha de rocha.

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Agricultura orgânica e agroecologia 51

Estado do Rio de Janeiro (Abio); Associa- quisa, as quais necessitam, ainda, de gran- café: origem, características e recomenda-
ção de Agricultura Natural de Campinas e des investimentos em recursos humanos e ções. Brasília: Embrapa Café, 2008. 334p.
Região (ANC); Associação de Produtores financeiros, principalmente por parte das CARVALHO, V.L.; CUNHA, R.L. da; CHAL-
de Agricultura Natural (Apan); BCS Öko − agências de fomento públicas à pesquisa. FOUN, S.M. Identificação das principais
doenças do cafeeiro e uso correto de produ-
Garantie GmbH; Certificadora Sapucaí; Esse panorama reflete a pouca atenção
tos fitossanitários. Informe Agropecuário.
Chão Vivo − Associação de Certificação e a baixa credibilidade com que este as-
Planejamento e gerenciamento da cafeicul-
de Produtos Orgânicos do Espírito Santo; sunto tem sido tratado nas diversas esferas tura, Belo Horizonte, v.29, n.247, p.51-62,
Certificadora Mokiti Okada (CMO); Col- governamentais que, na maioria das vezes, nov./dez. 2008.
meia Cooperativa Ecológica; Ecocert Brasil; é visto simplesmente como um modismo. CARVALHO, V.L.; CUNHA, R.L. da; CHAL-
FVO Brasil − Farm Verified Organic (FVO); É necessária a formação e a capacitação FOUN, S.M. Manejo ecológico das princi-
Instituto Biodinâmico (IBD); IMO Control; de profissionais com conhecimentos pais doenças do cafeeiro. Informe Agrope-
Minas Orgânica − Associação Mineira para voltados para a agricultura sustentável, cuário. Café orgânico, Belo Horizonte, v.23,
n.214/215, p.101-114, jan./abr. 2002.
Certificação de Produtos Orgânicos; OIA principalmente em cursos universitários
Brasil − Organização Internacional Agrope- que formarão os futuros educadores. Dessa CONSELHO DOS EXPORTADORES DE
CAFÉ DO BRASIL. Tudo sobre a safra 2011-
cuária (OIA); Control Union Certification forma, deve-se procurar aliar qualidade
2012. São Paulo, 2012. 60p.
Brasil e a Fairtrade. e sustentabilidade socioambiental, a fim
FERNANDES, F.L. et al. Efeito de variáveis
Os prêmios pagos para os cafés orgâni- de desenvolver sistemas de produção
ambientais, irrigação e vespas predadoras so-
co e fair trade são, em média, de 110 e 120 eficientes e garantir benefícios quanto à
bre Leucoptera coffeella (Guérin-Méneville)
cents de dólar/libra peso acima da cotação produtividade, à estabilidade da produção (Lepidoptera: Lyonetiidae) no cafeeiro.
de Nova York, respectivamente, que cor- e ao custo/benefício que seja favorável Neotropical Entomology, Londrina, v.38,
respondem a R$ 982,00 e 690,00 − valor ao produtor, fato esse que contribuiria de n.3, p.410-417, maio/jun. 2009.
cotado em 6/2/2015, pela Cooperativa dos forma significativa para o desenvolvimento FERREIRA JUNIOR, P.A. Informações sobre
Agricultores Familiares de Poço Fundo e da cafeicultura orgânica no País. vendas de café orgânico e fairtrade. [men-
sagem pessoal]. Mensagem recebida por
Região (Coopfam) (FERREIRA JUNIOR,
AGRADECIMENTO <walmelomoura@gmail.com> em 9 fev. 2015.
2015). Para a Associação o custo de certifi-
GUIMARÃES, P.T.G. et al. Adubação e nu-
cação e exportação é de € 2.000,00 por ano, À Fundação de Amparo à Pesquisa do
trição do cafeeiro em sistema orgânico de
e a fiscalização é realizada por amostragem Estado de Minas Gerais (Fapemig), ao
produção. Informe Agropecuário. Café
de 100% das propriedades que fazem Conselho Nacional de Desenvolvimento orgânico, Belo Horizonte, v.23, n.214/215,
parte da Associação. Os principais países Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Con- p.63-81, jan./abr. 2002.
importadores de café orgânico brasileiro sórcio Pesquisa Café, pelo financiamento HADDAD, F. et al. Controle biológico da
são Japão e Estados Unidos. das pesquisas e pelas bolsas concedidas ferrugem em cafeeiros sob cultivo orgânico.
aos autores. In: SIMPÓSIO DE PESQUISA DOS CAFÉS
CONSIDERAÇÕES FINAIS DO BRASIL, 5., 2007, Águas de Lindóia.
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Embora a demanda por alimentos saudá- ponível em: <http://www.sapc.embrapa.br/
veis seja cada vez mais crescente, a produção ANDROCIOLI, H.G. Avaliação de produtos arquivos/consorcio/spcb_anais/simposio5/
alternativos na sanidade do cafeeiro p384.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2015.
ainda é muito pequena e, consequentemente,
(Coffea arábica L.). 2008. 70f. Dissertação
os produtos apresentam preços extrema- LIMA, P.C. de et al. Avaliação de doses de
(Mestrado em Agronomia) − Centro de
mente elevados, fazendo com que o acesso composto orgânico não estabilizado na pro-
Ciências Agrárias, Universidade Estadual
dutividade de cafeeiros na Zona da Mata
se restrinja a alguns consumidores. Para de Londrina, Londrina, 2008.
de Minas Gerais. In: SIMPÓSIO BRASI-
reverter tal situação, é necessário o aumento BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecu- LEIRO DE AGROPECUÁRIA SUSTENTÁ-
da oferta desses alimentos, fato diretamente ária e Abastecimento. Lei no 10.831, de 23 VEL, 5.; CONGRESSO INTERNACIONAL
relacionado com o desenvolvimento de tec- de dezembro de 2003. Dispõe sobre a agri- DE AGROPECUÁRIA SUSTENTÁVEL, 2.,
cultura orgânica e dá outras providências. 2013, Viçosa, MG. Resumos expandidos...
nologias apropriadas.
Diário Oficial [da] República Federativa Multifuncionalidades sustentáveis no cam-
Em se tratando da cafeicultura orgânica
do Brasil, Brasília, 24 dez. 2003. po: agricultura, pecuária e florestas. Viçosa,
de base agroecológica, tanto a produção
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuá- MG: UFV, 2013a. p.28-31.
quanto as tecnologias geradas ainda são ria e Abastecimento. Secretaria de Desen- LIMA, P.C. de et al. Avaliação de materiais
incipientes, quando comparadas com a volvimento Agropecuário e Cooperativis- orgânicos e plantas espontâneas na aduba-
produção de café em sistema convencional. mo. Legislação para os sistemas orgânicos ção e na sustentabilidade de agroecossiste-
Algumas iniciativas já existem no Brasil por de produção. Brasília, 2009. 195p. mas cafeeiros orgânicos e agroecológicos em
parte de poucas instituições de ensino e pes- CARVALHO, C.H.S. de (Ed.). Cultivares de comunidades de agricultores familiares. In:

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52 Agricultura orgânica e agroecologia

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301.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2015. Edição especial.
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orgânico, Belo Horizonte, v.23, n.214/215, lon orgânico e convencional no Espírito San-
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conteúdo e mineralização de nutrientes de
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seu trabalho
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ção científica, competitividade e mudanças uso de corretivos e fertilizantes em Minas
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simposio8/39.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2015.
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nico não estabilizado na Zona da Mata de mento, Viçosa, MG, n.7, p.86-93, 2003. Es-
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Agricultura orgânica e agroecologia 53

Produção de hortaliças e plantas medicinais


em sistema orgânico
Izabel Cristina dos Santos 1 , Maria Aparecida Nogueira Sediyama 2 , Marinalva Woods Pedrosa 3 ,
Maira Christina Marques Fonseca 4 , Adalgisa Leles do Prado 5

Resumo - É crescente a busca por sistemas agrícolas mais sustentáveis, associados ao


uso de práticas e de estratégias que promove a produção de alimentos de qualidade,
respeitando o meio ambiente e a saúde humana. Em Minas Gerais, grande parte da
produção de hortaliças é proveniente de propriedades de base familiar, e a adoção
do sistema de cultivo orgânico é uma oportunidade para agregar valor ao produto
e para melhorar a renda do agricultor. Nos últimos anos, instituições de pesquisa,
de ensino e de extensão têm aumentado o interesse pelo resgate, multiplicação e
cultivo das hortaliças não convencionais e das espécies medicinais. A EPAMIG
tem contribuído para o desenvolvimento de agrotecnologias voltadas aos sistemas
orgânicos e agroecológicos de produção. Com isso, colabora para o aprimoramento
do manejo, do desempenho técnico e econômico do sistema e para a produção de
alimentos seguros e de plantas medicinais de qualidade para a população e para o
setor farmacêutico.
Palavras-chave: Hortaliça não convencional. Planta medicinal. Cultivo orgânico.
Agroecologia. Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO também, o mercado das chamadas horta- Algumas orientações a respeito da


liças não convencionais. Nos últimos anos, produção de hortaliças não convencionais
A oferta crescente de produtos orgâni-
instituições de pesquisa, de ensino e de foram publicadas, com base principal-
cos nas grandes redes de supermercados
extensão têm aumentado o interesse pelo mente no conhecimento popular a res-
e nas lojas especializadas comprova a
viabilidade de produção de hortaliças em resgate e cultivo dessas hortaliças, que, ao peito dessas espécies (PEDROSA, 2011;
sistemas orgânicos, e a pesquisa agro- mesmo tempo, passaram a ser utilizadas PEDROSA et al., 2012; BRASIL, 2013).
pecuária continua gerando tecnologias e por grandes chefes de cozinha de todo o Mais informações são necessárias, para a
apontando alternativas para esse sistema Brasil em pratos requintados, chamando a produção em sistema orgânico, de forma
de produção. Enquanto nos grandes cen- atenção da mídia para essas plantas. Com que atenda à demanda de agricultores fami-
tros consumidores a certificação é o que isso, aumenta a cada dia a procura por liares e de consumidores mais conscientes
garante a origem e a segurança dos produ- informações a respeito da propagação, e exigentes, e também à legislação vigente
tos orgânicos, no interior, a confiança do cultivo e usos dessas hortaliças. para produção e certificação de alimentos
comprador na idoneidade do produtor é o Alguns trabalhos vêm sendo realizados orgânicos.
que tem estimulado o crescimento desse de norte a sul do País, principalmente junto Dentre os bancos de hortaliças não
sistema de cultivo. a agricultores familiares, até então, os man- convencionais espalhados pelo Brasil, dois
Junto com o mercado de hortaliças tenedores de grande parte dessas espécies encontram-se na EPAMIG: um no Campo
orgânicas convencionais tem crescido, e propagadores do seu uso. Experimental de Santa Rita (CESR), em

1
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul - CERN, São João del-Rei, MG, icsantos@epamig.br
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista CNPq, Viçosa, MG, mariasediyama@gmail.com
3
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Centro-Oeste/Bolsista FAPEMIG, Prudente de Morais, MG, marinalva@epamig.br
4
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sudeste/Bolsista FAPEMIG, Viçosa, MG, maira@epamig.br
5
Enga Agra, Doutoranda, Bolsista FAPEMIG/EPAMIG Sudeste, Viçosa, MG, adalgisa_lp@yahoo.com.br

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54 Agricultura orgânica e agroecologia

Prudente de Morais, MG, instalado em Se a interpretação da análise de solo feijão-de-porco e repolho em consórcio
2006, e outro no Campo Experimental indicar necessidade de calagem e fosfa- com cebolinha (Fig. 1). Todas as hortaliças
Risoleta Neves (CERN), em São João tagem, estas devem ser feitas, visando atingiram produção dentro ou acima da mé-
del-Rei, MG, instalado em 2010. As hor- proporcionar condições adequadas para o dia para a cultura e não houve necessidade
taliças não convencionais são cultivadas desenvolvimento das hortaliças. de controle de pragas ou doenças. Depois
no sistema orgânico e o principal adubo Se houver necessidade de subsolagem, foi cultivado o nabo forrageiro para a in-
orgânico utilizado foi o esterco fermentado esta também deve ser feita com antece- corporação da biomassa e, na sequência,
de bovinos, por sua disponibilidade nos dência e, sempre que possível, devem-se foi feito o cultivo consorciado de peixinho
referidos locais. O composto é utilizado evitar o revolvimento e a pulverização com azedinha para multiplicação.
em menor escala. excessiva do solo, pelo uso da enxada
Outro mercado em franco crescimento é rotativa, abrindo apenas sulcos ou covas ADUBAÇÃO ORGÂNICA
o das plantas medicinais, pela implantação de de plantio. A adubação das hortaliças com esterco
programas oficiais de saúde (RODRIGUES; O Sistema Plantio Direto (SPD) tem fermentado de animais ainda é a mais usual
DE SIMONE, 2010) e pelo interesse cres- sido utilizado no cultivo de hortaliças, e vantajosa em propriedades que integram
cente da população por terapias naturais. As especialmente para aquelas que se adap- a produção vegetal com a criação animal.
plantas medicinais também devem ser culti- tam melhor a esse Sistema, como cebola, Mas pode aumentar muito o custo de pro-
vadas em sistema agroecológico ou orgânico berinjela, jiló, brócolis, couve-flor, re- dução, se houver necessidade de comprar
(CORRÊA JÚNIOR; SCHEFFER; MING, polho, quiabo e milho-verde. Ainda que e transportar o esterco, além do risco de
2006), pois é de extrema importância que o SPD seja usado em alternância com o contaminações e da introdução de plantas
essas plantas utilizadas com fins terapêuticos preparo convencional, já representa ganho espontâneas (SANTOS et al., 2011). Na
estejam livres de resíduos de agrotóxicos e significativo em termos de recuperação e produção orgânica certificada, o esterco
de outros contaminantes. Neste contexto, a conservação do solo em áreas de produção utilizado deve ter origem em criações
EPAMIG tem contribuído para o desenvolvi- de hortaliças. também certificadas.
mento e o aprimoramento de tecnologias para A nutrição das hortaliças pode ser
o cultivo orgânico das espécies medicinais ROTAÇÃO DE CULTURAS
complementada por meio de compostos
selecionadas pela Secretaria de Estado da A rotação de culturas consiste em orgânicos e biofertilizantes. O composto
Saúde de Minas Gerais (SES-MG), visando alternar o plantio das espécies vegetais mais comum é feito com restos culturais
à expansão da cadeia produtiva no Estado na área cultivada. Dentre as vantagens ou palha de gramíneas, em mistura com
e à produção de matéria-prima vegetal de dessa prática, destacam-se: melhoria das esterco de animais. Há também os adubos
qualidade para a população. características físicas, químicas e biológi- orgânicos preparados com farelos e tortas
cas do solo; auxílio no controle de plantas vegetais, à semelhança do produto co-
PLANEJAMENTO DA HORTA E espontâneas; quebra do ciclo de reprodu- mercial Bokashi®, para o qual a Embrapa
PREPARO DO SOLO
ção de patógenos e insetos-praga, além de Agrobiologia fez um estudo recente,
Antes de implantar o sistema orgânico auxílio na reposição de matéria orgânica visando diminuir os custos de produção
de produção de hortaliças, é importante (MO) e conservação do solo (SANTOS (OLIVEIRA et al., 2014). Muitos outros
fazer o levantamento topográfico da área, et al., 2011). compostos e biofertilizantes podem ser
para planejar a ocupação de acordo com No planejamento da sequência de preparados com uma grande diversidade
a declividade do terreno. Se houver ne- plantio é importante alternar as famílias de materiais orgânicos, e já existem,
cessidade de terraceamento em nível ou botânicas, para desfavorecer o ciclo de para diversas hortaliças, resultados de
implantação de quebra-ventos e barreiras doenças e pragas. Deve-se atentar também pesquisa sobre sua qualidade fertilizante
sanitárias, estes devem ser feitos antes da para que a cultura sucessora seja menos e sanitária (TINOCO, 2011; SANTOS
implantação da horta. Para desfavorecer o exigente que a anterior em preparo do et al., 2014; SEDIYAMA; SANTOS;
processo de erosão, as áreas com alguma solo, reduzindo o uso de enxadas rota- LIMA, 2014).
declividade devem receber culturas de tivas. Assim, uma boa sequência seria o O agricultor deve utilizar os materiais
ciclo maior, visando maior intervalo entre cultivo de cenoura, chicória, couve-flor disponíveis na propriedade ou na região,
épocas de preparo do solo, e as áreas mais e jiló, ou seja, hortaliças de raiz, folha, visando diminuir o custo de produção. Se
planas devem ser ocupadas com culturas flor e fruto. tiver que adquirir alguma matéria-prima
mais exigentes em preparo do solo, como Na EPAMIG Sul - CERN, realizou-se fora da propriedade, é preciso fazê-lo de
as produtoras de raízes e as de ciclo curto, a seguinte sequência de cultivos: cenoura empresas idôneas, para evitar a contami-
como as folhosas. e beterraba; milho em consórcio com nação química e/ou biológica.
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Agricultura orgânica e agroecologia 55

A recomendação da adubação orgânica


é feita com base na análise periódica de
amostras do solo da área de cultivo, na
análise do adubo orgânico a ser usado e na
necessidade nutricional das olerícolas. Ge-
ralmente, varia de 20 a 40 t/ha de composto
orgânico ou esterco de bovinos curtido e
10 a 20 t/ha de cama de aviário curtida.
Para o cultivo da azedinha (Rumex
acetosa L.), uma das hortaliças não con-
vencionais, verificou-se, em experimento
realizado na EPAMIG Centro-Oeste -
CESR, que o espaçamento de 25 x 25 cm
e a aplicação de 100 t/ha de esterco curtido
A de bovino (base úmida) proporcionaram
a maior produção de folhas (TORRES,
2014).

ADUBAÇÃO VERDE
A adubação verde pode ser utilizada
na fertilização e no incremento da MO do
solo, pois torna a propriedade independente
de insumos externos, além de promover a
ciclagem de nutrientes e a diversificação
da vegetação.
Castro et al. (2004) cultivaram Crotalaria
juncea ou Pennisetum glaucum, os quais
foram roçados para o plantio direto da
berinjela. Esses autores verificaram, que a
cultura beneficiou-se do nitrogênio (N) da
B
adubação verde em pré-cultivo e em con-
sórcio (C. juncea ou Vigna unguiculata), e
que a fixação biológica de N foi suficiente
para repor todo o N retirado do sistema
pelos frutos.
Para a cultura da pimenta-malagueta
Santos et al. (2004b) verificaram que o
consórcio com os adubos verdes perenes
puerária (Pueraria phaseoloides) e ca-
Fotos: Izabel Cristina dos Santos

lopogônio (Calopogonium muconoides),


semeados na entrelinha no mesmo dia
do transplante da pimenteira (Fig. 2A),
proporcionou bom desenvolvimento das
plantas e produtividade semelhante à das
plantas que receberam adubação química
C
em cobertura.
Figura 1- Rotação de culturas, adubação verde consorciada e plantio direto de hortaliças -
No cultivo de milho-verde pode-se im-
EPAMIG Sul-Campo Experimental Risoleta Neves (CERN), São João del-Rei, MG
plantar o consórcio com o feijão-de- porco,
NOTA: A - Cenoura e beterraba, jul. 2010; B - Milho consorciado com feijão-de-porco,
out. 2010; C - Consórcio de repolho e cebolinha, em plantio direto sobre palha- semeado na mesma linha do milho ou nas
da de milho e feijão-de-porco, fev. 2011. entrelinhas, com densidade de até seis
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56 Agricultura orgânica e agroecologia

plantas/metro (Fig. 2B). Após a colheita da hortelã para o controle de nematoides de óleo de nim. Também são realizadas
do milho-verde, toda a biomassa pode ser (CARVALHO, 2002). pulverizações com biofertilizante Tinocão
manejada, podendo ser deixada sobre o A crotalária (Crotalaria juncea) e o e urina curtida de vaca, contribuindo para
solo como cobertura morta ou ser incorpo- tremoço (Lupinus albus) são cultivados nutrição das plantas e prevenção de pragas
rada a este, para acelerar a decomposição. na EPAMIG Centro-Oeste - CESR como e doenças.
No Campo Experimental do Vale do adubos verdes para o manejo do banco de Quando houver necessidade, podem ser
Piranga (CEVP) da EPAMIG Sudeste, hortaliças não convencionais, enquanto utilizados produtos alternativos aprovados
foi avaliado o consórcio do milho com na EPAMIG Sul - CERN o feijão-guandu pela legislação vigente para a produção
as leguminosas feijão-de-porco, guandu- (Cajanus cajan) é cultivado em faixas para orgânica.
anão (Cajanus cajan), crotalária, puerária cortes periódicos dos ramos e deposição da
e calopogônio (semeadura simultânea e biomassa nas linhas de cultivo das horta- MANEJO DE PLANTAS
corte aos 60 dias após semeadura); a maior liças não convencionais, como na taioba, ESPONTÂNEAS
produção de espigas verdes com palha foi por exemplo (Fig. 2C). Uma das formas de controlar as plantas
obtida no consórcio com feijão-de-porco espontâneas nos cultivos orgânicos é usar
(SANTOS et al., 2004a). CONTROLE ALTERNATIVO DE cobertura morta, dificultando a germinação
Também na EPAMIG Sul - CERN, a PRAGAS E DOENÇAS
pela falta de luz, ou a emergência das plân-
influência do período de convivência do O equilíbrio ecológico alcançado nos tulas pelo impedimento mecânico. A cober-
feijão-de-porco com o milho foi avaliada sistemas orgânicos de cultivo que usam a tura morta contribui, também, para evitar a
(FERREIRA et al., 2011). A produtividade diversificação da vegetação e a rotação de formação de crostas duras na superfície dos
não foi afetada pela convivência por 44, culturas, geralmente é suficiente para quebrar solos argilosos, para aumentar a retenção
62 ou 83 dias (todo o ciclo), e as espigas o ciclo de propagação das pragas e doenças e de água nos arenosos e para aumentar a
verdes apresentaram boa qualidade, com manter suas populações em níveis aceitáveis MO do solo a longo prazo.
diâmetro e comprimento no padrão co- (SANTOS et al., 2011). Desde a implantação Dentre os materiais utilizados como
mercial. do banco de hortaliças não convencionais da cobertura morta, destacam-se: capim seco,
A adubação verde tem sido utilizada EPAMIG Sul-CERN, apenas o óleo de nim casca de arroz, casca de café, bagaço de
nos cultivos de espécies medicinais não foi aplicado quatro vezes. cana, palha de carnaúba, restos culturais
só para a fertilização, mas também como De forma semelhante, na EPAMIG de milho, sorgo, feijão, soja, fitomassa
auxílio no controle de pragas e doenças, a Centro-Oeste - CESR o controle de pragas de adubos verdes, serragem e maravalha
exemplo do uso de mucuna após a cultura é feito, quando necessário, com a aplicação (raspa de madeira).

Fotos: Izabel Cristina dos Santos

A B C
Figura 2 - Adubação verde em cultivo de pimenta-malagueta, milho e taioba
NOTA: Figura 2A - Pimenta-malagueta e calopogônio - EPAMIG Sudeste-Campo Experimental do Vale do Piranga (CEVP), Oratórios,
MG. Figura 2B - Milho e feijão-de-porco - EPAMIG Sudeste-CEVP, Oratórios, MG. Figura 2C - Taioba adubada com ramos de
guandu cultivado em faixas - EPAMIG Sul-Campo Experimental Risoleta Neves (CERN), São João del-Rei, MG.

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Na EPAMIG Sudeste, resultados de que ao entregar hortaliças orgânicas nas de, seguida pela couve, rúcula, chicória,
pesquisa evidenciaram alta produção de escolas, sente-se muito seguro e gratificado brócolis e repolho que são as espécies
raízes de beterraba com qualidade comer- ao pensar que aqueles alimentos não vão mantidas durante todo o ano, e pequenas
cial, utilizando-se cobertura do solo com fazer mal às crianças. áreas são destinadas ao cultivo de couve-
palha de café e adubação com lodo de de- Como pensava em ampliar a pro- -flor, berinjela, beterraba, cenoura, jiló,
cantação de água residuária de suinocultura dução, o produtor procurou a EPAMIG quiabo e rabanete.
(SEDIYAMA et al., 2011). Sul - CERN, em São João del-Rei, onde De acordo com Afonso, a maior dificul-
recebeu orientações da equipe de pesqui- dade inicial foi a questão técnica, principal-
ESTUDO DE CASO: sadores. Mas, ao sentir necessidade de mente com relação à irrigação e ao manejo
PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS acompanhamento direto para o preparo e de pragas e doenças. O ajuste da irrigação
ORGÂNICAS NO SÍTIO SÃO aplicação de biofertilizantes e identificação ainda é um desafio e talvez o sistema tenha
JOSÉ
e manejo de pragas e doenças, contratou que ser mudado de aspersão para microas-
Em Resende Costa, MG, na mesor- uma engenheira-agrônoma. persão por causa das secas prolongadas. O
região Campo das Vertentes, o produtor A área cultivada foi aumentada aos reservatório de água, abastecido por uma
Afonso Guimarães cultiva hortaliças sem poucos, e os produtos do Sítio São José nascente no próprio sítio, baixou muito em
o uso de agrotóxicos e de fertilizantes foram conquistando o mercado local. O 2014 e início de 2015.
químicos. Afonso nasceu e cresceu em produtor cadastrou-se no Programa Na- O produtor considera a mão de obra
Resende Costa, mas seguiu carreira como cional de Alimentação Escolar (PNAE) um desafio constante, porque apenas dois
metalúrgico em São Paulo, porque, quando e passou a entregar hortaliças para a me- funcionários são fixos, já bem treinados,
jovem, não via oportunidade de trabalho no renda escolar de escolas estaduais todos enquanto os outros são contratados even-
campo. Mas sempre pensou em produzir os dias, e, para as municipais, uma vez tualmente para serviços maiores, como
hortaliças e, antes mesmo de aposentar-se, por semana. Atualmente, atende também roçada, capina, adubação de plantio.
fez cursos sobre o tema, em São Paulo. No supermercados, restaurantes e lanchonetes Atualmente, seu maior desafio é melhorar
ano 2000, quando regressou a Resende do município (Quadro 1). o planejamento da produção e adequar o
Costa, acabou optando pela produção de Segundo a agrônoma contratada, a manejo correto e contínuo, que, nos últi-
leite, mas, em 2009, passou a dedicar-se à produção de alface (lisa, crespa, roxa e mos meses, foi prejudicado pelas adversi-
produção de hortaliças. americana) é o carro-chefe da proprieda- dades climáticas do final de 2014 e início
Na década de 2000 o produtor obser-
vou que:
QUADRO 1 - Médias de produção mensal de hortaliças em área de 3 ha do Sítio São José,
A produção local era insignificante Resende Costa, MG - 2014
e faltavam hortaliças no mercado de Hortaliça Produção mensal Unidade
Resende Costa e, quando chegavam, Abobrinha 60 Caixa (18 kg)
muitos produtos já estavam estragados, Agrião 200 Molho
com uma perda próxima de 50%. Então Alface 600 Caixa (com 12 unidades)
vi que era viável produzir para o mer-
Berinjela 30 Caixa
cado local e em 2009 deixei a produção
Brócolis ramoso 1.300 Molho
de leite e comecei a produzir hortaliças
Brócolis cabeça única 400 Unidade
numa área de aproximadamente 700 m2,
Cebolinha (molho) 1.400 Molho
com entrega de quatro caixas de alface
por semana e venda na própria horta Chicória 277 Caixa
e na rua, com um carrinho adaptado Couve de folha 1.500 Molho
para isso. Couve-flor 400 Unidade
Espinafre 300 Molho
Para esse produtor a perda atual de
Jiló 200 kg
hortaliças é insignificante, pois são entre-
gues frescas de domingo a domingo e não Quiabo 600 kg

sobram, e a qualidade é muito melhor. Rabanete 170 Molho

Afonso afirma que optou pelo sistema Repolho 67 Caixa (com 12 unidades)
de produção orgânico pensando na saúde Rúcula 600 Molho
da população, dos funcionários, da própria Salsinha 1.500 Molho
família e no meio ambiente. Acrescenta, FONTE: Dados fornecidos pelo produtor Afonso Guimarães.

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de 2015, ou seja, seca prolongada e chuva A capina é feita manualmente, mas o ciências, mas, de acordo com a agrônoma,
de granizo que destruíram os plantios de produtor já utilizou e aprovou a cobertura não tem havido necessidade de calagem.
folhosas. Por isso, Afonso planeja investir morta com capim cortado no controle das Conforme esta agrônoma, com o objeti-
numa estufa, para garantir a regularidade plantas espontâneas e pretende aumentar vo de melhorar a conservação do solo e da
de pelo menos parte da produção no caso o uso dessa técnica. água, aumentar a diversidade de espécies
de adversidades climáticas. O manejo de pragas e doenças é feito de plantas e insetos benéficos (inimigos
No Sítio São José, o preparo do solo é quando se observa o aumento da população naturais), algumas práticas de manejo já
realizado de forma convencional, utilizando de insetos e a ocorrência de sintomas de estão sendo realizadas e incorporadas, aos
duas passadas do microtrator, que faz aração doenças. São utilizados produtos naturais poucos, na rotina da propriedade.
do solo, incorporação do adubo orgânico e como óleo de nim, caldas, extratos de plan- Tais práticas são rotação de culturas,
marcação dos canteiros. Mas os canteiros tas medicinais e aromáticas (cavalinha, co- consorciação entre olerícolas (Fig. 3A e
ainda são levantados manualmente. entro, eucalipto), e preparados homeopáti- 3B) e entre olerícolas e adubos verdes,
Como as mudas são adquiridas de um cos, indicados pela agrônoma, com base em
manutenção da cobertura morta, cultivo
viveiro convencional, assim que chegam resultados de pesquisas e recomendações de
de adubos verdes em faixas (crotalária,
ao Sítio São José são pulverizadas com uso para a agricultura, observando sempre a
guandu, sorgo, aveia-preta, ervilha for-
preparados homeopáticos, para prevenir necessidade e o estádio de desenvolvimento
rageira, trigo mourisco), e plantio de
a entrada de patógenos na propriedade, da cultura, bem como as condições locais.
plantas atrativas, repelentes e/ou com-
explica a agrônoma. De acordo com a agrônoma, existe
panheiras.
Na adubação de plantio, é aplicada dose também o cuidado de manter as plantas
Afonso já pensou na certificação da
equivalente a 20 t/ha de cama-de-frango bem nutridas para não ficarem suscetíveis
ou 25 a 30 t/ha de esterco bovino curtido. propriedade, mas verificou que o custo é
ao ataque de pragas e doenças.
Para as hortaliças de ciclo mais curto, Com relação ao custo de produção, muito alto, o que aumentaria o preço dos
como alface, chicória e rabanete, essa Afonso diz que a mão de obra é o que produtos, que, atualmente, são comercia-
aplicação é feita a cada dois cultivos ou, pesa mais: a capina manual e a colheita lizados pelo mesmo preço das hortaliças
após a folhosa, é plantada uma hortaliça- diária tomam a maior parte do tempo, bem convencionais. Além disso, os consumido-
raiz, para aproveitar a adubação residual. como o levantamento dos canteiros. Para res não cobram a certificação, pois todos
Para a complementação da adubação, é diminuir o uso de mão de obra na capina, o conhecem o “Cantinho das Verduras”,
preparado um biofertilizante líquido, que produtor planeja usar mais cobertura morta como é conhecida a horta do produtor.
é aplicado semanalmente nas folhosas e nos canteiros e adquirir um encanteirador. Ao ser indagado, se recomendaria para
quinzenalmente nas brássicas, solanáceas Amostras do solo são analisadas se- outros agricultores a produção de hortali-
e no quiabo. mestralmente para corrigir possíveis defi- ças orgânicas, Afonso afirmou:

Fotos: Bruno Vitor da Silva

A B
Figura 3 - Produção de hortaliças em sistema orgânico - Sítio São José, Resende Costa, MG
NOTA: Figura 3A - Cultivo consorciado de repolho e chicória. Figura 3B - Cultivo alternado de alface e chicória.

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Com certeza! Vale a pena! O consumo O almeirão-de-árvore (Lactuca (Dioscorea bulbifera); chuchu-de-vento
de produtos orgânicos é uma tendência. canadensis) (Fig. 5A), a capiçoba (Erechtites ou maxixe-do-reino (Cyclantera pedata)
E ver a qualidade do produto, sua dura- valerianifolius), o caruru (Amaranthus spp.) (Fig. 5C), inhame (Dioscorea spp.), ja-
bilidade na prateleira e na geladeira me e a serralha (Sonchus oleraceus) são catupé ou feijão-macuco (Pachiarhyzus
mostra que estou no caminho certo. E é herbáceas de porte baixo, que florescem tuberosus), feijão-mangalô ou orelha-de-
muito gratificante saber que as pessoas nas condições climáticas de Minas Ge- padre (Lablab purpureus) e ora-pro-nóbis
gostam das hortaliças que produzimos. rais e alcançam altura superior a 1 m. (Pereskia aculeata). O plantio do inhame
Recomenda-se a colheita das folhas antes e do jacatupé é feito em leiras, o que fa-
HORTALIÇAS NÃO do florescimento, por apresentar sabor vorece o desenvolvimento dos tubérculos
CONVENCIONAIS
e textura mais agradáveis. No plantio, ou raízes tuberosas, que são as partes
Por serem rústicas, geralmente as utiliza-se espaçamento em torno de 40 x consumidas.
hortaliças não convencionais podem ser 40 cm para almeirões, de 30 x 30 cm para A vinagreira (Hibiscus sabdariffa)
cultivadas sem necessidade de fertilizantes capiçoba e serralha, e 10 x 10 cm para tem hábito de crescimento semelhante ao
químicos e agrotóxicos. Dessa forma, tem caruru. As sementes podem ser colhidas e do quiabeiro, utilizando-se no plantio o
prevalecido o cultivo em sistema orgânico, armazenadas para o próximo plantio. espaçamento de 1,0 x 1,0 m. Suas folhas
adotando-se práticas agroecológicas. Algumas hortaliças não convencionais são consumidas como verdura, as flores
Algumas hortaliças não convencionais herbáceas são rasteiras, como a beldroe- e os cálices são utilizados no preparo de
são herbáceas de porte baixo, como a azedi- ga (Portulaca oleracea) e a capuchinha chás, sucos, geleias e polpas.
nha (Rumex acetosa) e o peixinho (Stachys (Tropaeolum majus) (Fig. 5B). No plantio A taioba (Xanthosoma sagittifolium) é
lanata), que formam touceiras (Fig. 4). No da beldroega, recomenda-se o espaçamento uma espécie de meia sombra e geralmente
plantio dessas espécies, o espaçamento de 30 x 30 cm, e no da capuchinha, espa- mantida próximo a cursos d’água. O plantio
utilizado é de 20 x 30 cm. Para consumo çamentos maiores (50 x 60 cm), para não é feito no espaçamento de 0,80 x 0,50 m.
doméstico, colhem-se folhas da azedinha e prejudicar o crescimento das plantas. As folhas comercializadas são as mais
do peixinho de tamanho variado. Mas para Outras hortaliças não convencionais novas e com cerca de 30 cm de compri-
a comercialização, padronizam-se as folhas são trepadeiras e precisam de tutoramento: mento, pois as mais velhas, de modo geral,
com comprimento em torno de 10 cm, bertalha verdadeira (Basella alba L. Syn apresentam maior acúmulo de cristais de
o que geralmente ocorre entre 50 e 70 dias ou B. rubra), bertalha coração ou caruru- oxalato de cálcio que provocam irritação
após o plantio das mudas. do-reino (Anredera cordifolia), cará-do-ar na mucosa.

Fotos: Marinalva Woods Pedrosa

A B
Figura 4 - Cultivo orgânico na EPAMIG Centro-Oeste-Campo Experimental de Santa Rita (CESR), Prudente de Morais, MG
NOTA: A - Azedinha (Rumex acetosa); B - Peixinho (Stachys lanata).

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Fotos: Izabel Cristina dos Santos


A B C
Figura 5 - Hortaliças não convencionais em cultivo orgânico na EPAMIG Sul-Campo Experimental Risoleta Neves (CERN), São João
del-Rei, MG
NOTA: Figura 5A - Almeirão-de-árvore em fase de florescimento, fev. 2014. Figura 5B - Capuchinha com flores de várias cores, ago.
2014. Figura 5C - Chuchu-de-vento com frutos no ponto de colheita, jun. 2013.

A araruta (Maranta arundinacea L.), o 2004). Neste contexto, a implantação de a partir do momento que as pesquisas defi-
mangarito (Xanthosoma mafaffa) e o taro programas estaduais/municipais de plantas nem as melhores condições de produção de
(Colocasia esculenta) são plantados em medicinais tem sido orientada pelas dire- cada espécie. Todavia, ainda são poucos os
leiras ou camalhões. No plantio dessas es- trizes das políticas nacionais. A SES-MG trabalhos que evidenciam a melhor forma
pécies recomendam-se os espaçamentos de lançou o Programa Componente Verde da de cultivo de algumas plantas medicinais
0,80 x 0,40 m; 0,30 x 0,30 e 1,0 x 0,30 m, Rede Farmácia de Minas. Esse Programa (DAVID; BOARO, 2009; CASALI, 2014).
respectivamente. A parte comercial é o constitui estratégia da Política Estadual de Neste contexto, a EPAMIG Sudeste, em
rizoma ou raiz subterrânea, que, no caso da Assistência Farmacêutica, que possibilitará parceria com outras instituições de pesqui-
araruta, é usada para produção de farinha o acesso dos usuários do Sistema Único sa, tem trabalhado em pesquisas que visam
e extração de fécula (polvilho). de Saúde (SUS) a produtos como planta ao desenvolvimento ou ao aprimoramento
As pesquisas com as hortaliças não medicinal in natura; planta seca (droga de tecnologias desde o cultivo até a pós-
convencionais são ainda recentes, em vegetal); fitoterápico manipulado; fitote-
colheita das espécies medicinais selecio-
pequeno número e grande parte das infor- rápico industrializado. Além disso, visa
nadas pelo Componente Verde (Quadro 2).
à promoção do uso racional e sustentável
mações disponíveis é com base no conhe- Dentre as pesquisas realizadas desta-
da biodiversidade mineira e o desenvol-
cimento popular. Assim, são necessários cam-se:
vimento da cadeia produtiva de plantas
mais estudos para o desenvolvimento a) seleção de genótipos: como o teor
medicinais com geração de emprego e
de tecnologias adequadas e expansão da dos princípios ativos depende da
renda aos agricultores familiares.
cadeia produtiva. interação genótipo e ambiente,
O sistema de cultivo recomendado
para essas espécies segue os princípios da destacando a riqueza da variabi-
PLANTAS MEDICINAIS
agroecologia e da produção orgânica, como lidade genética como ferramenta
O cultivo de espécies medicinais repre- tem sido feito na EPAMIG Sudeste-CEVP para trabalhos com espécies medi-
senta uma alternativa inovadora e rentável (Fig. 6). A cadeia produtiva de espécies cinais, selecionaram-se genótipos
para o agronegócio brasileiro (LOUREN- medicinais, principalmente em sistema de de guaco (Mikania laevigata) para
ZANI; LOURENZANI; BATALHA, cultivo orgânico, ganha espaço no mercado cultivo na região da Zona da Mata
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A B

Fotos: Maira Christina Marques Fonseca


C D
Figura 6 - Cultivo orgânico de plantas medicinais - EPAMIG Sudeste-Campo Experimental do Vale do Piranga (CEVP), Oratórios, MG
NOTA: A - Calêndula (Calendula officinalis); B - Erva-baleeira (Cordia verbenacea); C - Hortelã (Mentha x villosa); D - Melissa (Melissa
officinalis).

mineira, onde o genótipo UNAERP Gerais, recomendada pelo Sistema também é viável, pois a produção
destacou-se, no ano agrícola de de Cultivo Agroecológico. Como o da alface é semelhante entre siste-
2013/2014, como o mais produtivo consórcio entre espécies medicinais ma consorciado e monocultivo, e a
e também quanto ao maior teor de e hortaliças é ainda pouco estudado produtividade da calêndula é maior,
cumarina, sendo o mais recomenda- no Estado, a EPAMIG tem realiza- quando consorciada com a alface,
do para o cultivo na região; do pesquisas para a validação da não havendo alteração no teor de
b) consórcio: o consórcio entre culturas eficiência desses consórcios entre flavonoides (princípio ativo de in-
é tecnologia aplicável e acessível, essas culturas. Destaca-se a via- teresse) (SANTOS et al., 2014);
além de possibilitar ganhos pelo bilidade do consórcio entre alface c) adubação orgânica: as orientações
efeito sinergístico ou compensa- (Lactuca sativa) e melissa (Melissa de cultivo orgânico das espécies
tório de uma cultura sobre a outra officinalis), uma vez que a produti- medicinais seguem a Normatização
(REZENDE et al., 2005; MAIA, vidade de ambas as espécies não é Brasileira vigente, a fim de garantir
2009) e de reduzir a incidência e prejudicada e há incremento no teor produtos de qualidade. São preco-
proliferação de pragas e doenças. de princípios ativos de interesse em nizados o uso de esterco animal,
É uma prática tradicional entre os melissa. O consórcio entre alface e composto orgânico, vermicom-
agricultores familiares de Minas calêndula (Calendula officinalis) posto, adubo verde, biofertilizante,
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QUADRO 2 - Espécies medicinais selecionadas pelo Programa Estadual Componente Verde da Rede Farmácia de Minas - uso terapêutico, propagação, cultivo, colheita e temperatura

62
de secagem recomendadas pela EPAMIG Sudeste
Parte Espaçamento
Nome científico Nome popular Uso terapêutico Propagação Transplantio Colheita Secagem
utilizada (m)

Mentha x villosa Hortelã-rasteira Antiparasitário Folhas Sementes ou Mudas com 4 a 6 0,5 x 0,3 3 a 4 meses após o 50 °C
estolões folhas definitivas plantio

Melissa officinalis L. Melissa Ansiolítico Folhas Sementes ou 60 dias após a 0,3 x 0,5 60 dias após 40 °C-45 °C
divisão de semeadura transplantio
touceira

Passiflora edulis Maracujá Ansiolítico Folhas Sementes 45-60 dias após a 2,5 x 3,0 8o mês após o plantio ­-
semeadura das mudas

Ocimum gratissimum L. Alfavaca Antimicrobiano Folhas Sementes ou 40 dias após a 0,8 x 0,4 120 dias após o plantio 40 °C
estaquia semeadura e posteriormente a cada
60 dias

Lippia sidoides L. Alecrim-pimenta Antimicrobiano Folhas Estaquia 30 a 60 dias 1,0 x 0,5 6 a 8 meses após 40 °C-70 °C
transplantio

Allium sativum L. Alho Anti-hipertensivo e Bulbos Bulbilhos - 0,40 x 0,1 120 a 190 dias após o À sombra
antilipêmico plantio

Plantago major L. Tanchagem Anti-inflamatório Folhas Sementes 50 dias após a 0,5x 0,25 2 a 5 meses após a -
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orofaríngeo semeadura semeadura

Cordia verbenacea Erva-baleeira Anti-inflamatório Folhas Sementes ou 60 dias após a 0,8 x 1,0 à 1,0 Plantas com cerca de 40 °C
(tópico) estaquia semeadura x 1,6 1,3 m (3 colheitas/ano)

Calendula officinalis L. Calêndula Anti-inflamatório Flores Sementes 30 dias após a 0,40 x 0,20 90 dias da semeadura 40 °C-45 °C
(tópico) semeadura

Cynara scolymus L. Alcachofra Antilipêmico Folhas Sementes ou 35-40 dias após a 1,0 x 1,0 40 dias após o plantio 40 °C

Agricultura orgânica e agroecologia


rebentos semeadura das mudas e mensais
posteriormente

Maytenus ilicifolia Mart. Espinheira-santa Antiulceroso Folhas Sementes ou Primavera-verão 3,0 x 1,0 2o ou 3o ano após o 40 °C
ex Reiss estaquia plantio

Mikania laevigata Guaco Broncodilatador e Folhas Estaquia Setembro a 1,0 x 2,0 12 a 18 meses após o 55 °C
expectorante novembro plantio

Stryphnodendron Barbatimão Cicatrizante Casca Sementes ou 12 meses 6,0 x 6,0 3 a 4 anos após o 60 °C-70 °C
adstringens estaquia plantio
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Mentha piperita L. Hortelã-pimenta Expectorante Folhas Estolões 50 a 60 dias 0,40 x 0,3 Início da floração 45 °C
Agricultura orgânica e agroecologia 63

etc. O uso de esterco bovino curtido mineira a produtividade e o rendi- p.779-785, ago. 2004.
(60 t/ha) em cultivo orgânico de mento de óleo essencial são maiores CORRÊA JUNIOR, C.; SCHEFFER, M.C.;
calêndula incrementou a produção no inverno e nos espaçamentos MING, L.C. Cultivo agroecológico de plan-
de inflorescências e o teor de flavo- menos adensados, os quais devem tas medicinais, aromáticas e condimenta-
noides em 14%. Embora a recomen- ser escolhidos com base no tipo de res. Brasília: MDA, 2006. 75p.
dação geral de adubação para plantas colheita (manual ou mecanizada). DAVID, E.F.S.; BOARO, C.S.F. Translocação
medicinais com esterco bovino seja orgânica, produtividade e rendimento de
em torno de 40 t/ha, na produção CONSIDERAÇÕES FINAIS óleo essencial de Mentha piperita L. culti-
de calêndula para fins medicinais é vada em solução nutritiva com variação dos
Com o crescimento constante do mer- níveis de N, P, K e Mg. Revista Brasileira
interessante utilizar a dose 60 t/ha,
cado de hortaliças orgânicas e, mais recen- de Plantas Medicinais, Botucatu, v.11, n.3,
pois esta promoveu acréscimo sig-
temente, de hortaliças não convencionais p.236-246, 2009.
nificativo do teor de flavonoides nas
e de plantas medicinais, surge também a FERREIRA, E.D. et al. Influência do con-
inflorescências. Caso haja facilidade
necessidade de mais pesquisas sobre a pro- sórcio com feijão-de-porco na produção de
de acesso a esse tipo de adubo or-
dução dessas espécies em sistemas agro- espigas de milho-verde orgânico. Horticul-
gânico, o agricultor poderá agregar
ecológicos e/ou orgânicos. Para tanto, o tura Brasileira, Brasília, v.29, n.2, p.S4591-
valor e melhorar a qualidade da S4596, jul. 2011. Suplemento. Anais do 51o
conhecimento popular e, principalmente, o
matéria-prima fornecida para produ- Congresso Brasileiro de Olericultura, Viço-
do agricultor deve ser considerado, a fim de
ção de drogas vegetais e fitoterápicos sa, MG, 2011. 1 CD-ROM.
construir, conjuntamente, uma nova reali-
(SANTOS et al., 2014); LOURENZANI, A.E.B.S.; LOURENZANI,
dade para a agricultura familiar. Resultados
d) densidade de plantio: a interação de pesquisas e entrevista com um produtor W.L.; BATALHA, M.O. Barreiras e oportuni-
entre população de plantas e fatores de Resende Costa (MG) comprovam a dades na comercialização de plantas medi-
ambientais determina a produção de cinais provenientes da agricultura familiar.
possibilidade da produção de hortaliças
Informações Econômicas, São Paulo, v. 34,
fitomassa e de metabólitos secun- em sistema orgânico, incorporando a adu-
n. 3, p. 15-25, mar. 2004.
dários. O efeito da população ideal bação verde, adubação orgânica, rotação e
de plantas (densidade de plantio) é MAIA, J.T.L.S. et al. Influência do cultivo
consorciação de culturas, plantio direto e
em consórcio na produção de fitomassa
um dos componentes básicos dos controle alternativo de pragas e doenças.
e óleo essencial de manjericão (Ocimum
aspectos econômicos e fitotécnicos, Práticas essas aprovadas para produção basilicum L.) e hortelã (Mentha x villosa
para subsidiar tomadas de decisão orgânica e que também estão de acordo Huds.). Revista Brasileira de Plantas Me-
e análise do potencial produtivo e com os princípios da agroecologia. dicinais, Botucatu, v.11, n.2, p.137-140,
qualitativo das espécies de interesse. 2009.
Foram estudados diferentes espaça- AGRADECIMENTO
OLIVEIRA, E.A.G. de et al. Compostos or-
mentos e épocas de colheita (esta- À Fundação de Amparo à Pesquisa do gânicos fermentados tipo “bokashi” obti-
ções do ano) em cultivo orgânico da Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao dos com diferentes materiais de origem
erva-baleeira (Cordia verbenacea). Conselho Nacional de Desenvolvimento vegetal e diferentes formas de inocula-
Os espaçamentos menos adensados ção visando sua utilização no cultivo de
Científico e Tecnológico (CNPq), pelo
hortaliças. Seropédica: Embrapa Agrobio-
(0,8 x 1,0 m; 1,0 x 1,0 m e 1,0 x financiamento de projetos e bolsas.
logia, 2014. 28p. (Embrapa Agrobiologia.
1,6 m) promoveram maior produ-
Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento,
tividade, na colheita realizada no REFERÊNCIAS 98).
inverno, apresentando, para matéria
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuá- PEDROSA, M.W. (Coord.). Hortaliças não
fresca de folhas os seguintes valo- ria e Abastecimento. Manual de hortaliças convencionais. Belo Horizonte: EPAMIG,
res: 879,3 g/planta; 825,9 g/planta não-convencionais. Brasília: 2010. 92p. 2011. 22p.
e 861,0 g/planta, e, para matéria CARVALHO, A.F. Ervas e temperos: culti- PEDROSA, M.W. et al. Hortaliças não con-
seca (MS) de folhas: 253,2 g/planta; vo, processamento e receitas. Viçosa, MG: vencionais: saberes e sabores. Belo Hori-
260,0 g/planta e 253,8 g/planta, res- Aprenda Fácil, 2002. 269p. zonte: EPAMIG, 2012. 26p.
pectivamente. O teor de óleo essen- CASALI, V.W.D. et al. Plantas medicinais e REZENDE B.L.A. et al. Viabilidade econômi-
cial foi significativamente maior no aromáticas. Viçosa, MG: UFV, 2014. 252p. ca das culturas de pimentão, repolho, alface,
inverno para todos os espaçamentos rabanete e rúcula em cultivo consorciado,
CASTRO, C.M. de et al. Adubação verde
testados, obtendo-se o maior teor como fonte de nitrogênio para a cultura da na primavera-verão em Jaboticabal, estado
(1%) no espaçamento 0,8 x 1,0 m. berinjela em sistema orgânico. Pesquisa de São Paulo. Informações Econômicas, São
Para as condições da Zona da Mata Agropecuária Brasileira, Brasília, v.39, n.8, Paulo, v.35, n.3, p.22-37, mar. 2005.

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64 Agricultura orgânica e agroecologia

RODRIGUES, A.G.; DE SIMONI, C. Plantas


medicinais no contexto de políticas públi-
cas. Informe Agropecuário. Plantas medi-
cinais e aromáticas, Belo Horizonte, v.31,
n.255, p.7-12, mar./abr. 2010.
Veja no próximo
SANTOS, I.C. dos et al. Alternativas agro-
ecológicas para o cultivo de hortaliças.
Informe Agropecuário. Inovações, tecno-
logias e sociedade: 40 anos EPAMIG, Belo
Horizonte, v.35, p.13-24, 2014. Edição es-
pecial.
SANTOS, I.C. dos et al. Características agro-
nômicas e produção de milho-verde consor-
ciado com leguminosas em sistema orgâni-
co. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 22,
n. 2, jul. 2004a. Suplemento 1. Resumos do
44o Congresso Brasileiro de Olericultura,
Campo Grande, 2004a.

Cultivo da bananeira
SANTOS, I.C. dos et al. Desenvolvimento
de plantas de pimenta malagueta e produ-
ção de frutos em cultivo intercalar com adu-
bos verdes anuais e perenes. Horticultura
Brasileira, Brasília, v. 22, n. 2, jul. 2004b.
Suplemento 1. Resumos do 44o Congresso Produção e mercado
Brasileiro de Olericultura, Campo Grande,
2004b. Estratégias de manejo da bananeira
SANTOS, I.C. dos et al. Produção orgânica
de olerícolas. In: LIMA, P.C. de et el. (Ed.). Condução do bananal
Tecnologias para produção orgânica. Viço-
sa, MG: EPAMIG Zona da Mata, 2011. cap.
8, p.203-227. Eficiência no uso da água
SEDIYAMA, M.A.N.; SANTOS, I.C. dos;
LIMA, P.C. de. Cultivo de hortaliças no sis-
Sistemas de irrigação
tema orgânico. Revista Ceres, Viçosa, MG,
v.61, p.829-837, nov./dez. 2014. Suplemen- Solo, adubação e nutrição
to.
SEDIYAMA, M.A.N. et al. Produtividade Manejo de pragas e doenças
e exportação de nutrientes em beterraba
cultivada com cobertura morta e adubação Pós-colheita
orgânica. Revista Brasileira de Engenharia
Agrícola e Ambiental, Campina Grande,
v.15, n.9, p.883-889, set. 2011.
TINOCO, F. Da transição agroecológica à
utilização de técnicas alternativas para a
produção ecológica de alimentos. Sete La-
goas: EMATER-MG, 2011. 25p. (EMATER-
MG. Cartilha de Agroecologia).
Leia e Assine o INFORME AGROPECUÁRIO
TORRES, M.P. Espaçamento e adubação
orgânica na produção e no teor de com- (31) 3489-5002 - publicacao@epamig.br
postos bioativos de azedinha (Rumex
acetosa L.). 2014. 43p. Dissertação (Mes- www.informeagropecuario.com.br
trado em Ciências Agrárias) − Universi-
dade Federal de São João del-Rei, São João
del-Rei, 2014.

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Agricultura orgânica e agroecologia 65

Produção agroecológica e orgânica de flores


Simone Novaes Reis 1 , Elka Fabiana Aparecida Almeida 2 , Lívia Mendes de Carvalho 3 ,
Marília Andrade Lessa 4 , Izabel Cristina dos Santos 5

Resumo - A produção agroecológica e orgânica destaca-se cada vez mais no Brasil e


no mundo com a crescente preocupação dos consumidores em adquirir produtos
de qualidade, cultivados com respeito ao meio ambiente e ao trabalhador rural. Na
floricultura, apesar de a maior parte da produção nacional ser composta de produtos não
alimentares, já são encontradas iniciativas para a produção agroecológica e orgânica de
flores de corte, plantas ornamentais e flores comestíveis. Esse movimento começou fora
do Brasil, mas já existem produtores certificados em várias regiões do País, inclusive em
Minas Gerais. São poucas as pesquisas, no Brasil, voltadas para a produção agroecológica
ou orgânica de flores, sendo de grande importância o aumento e o investimento para
gerar informações confiáveis, que possibilitem a adesão de mais produtores a esses
sistemas de cultivo. No Núcleo Tecnológico EPAMIG Floricultura (Nutef), em São João
del-Rei, MG, já foram desenvolvidas pesquisas relativas à produção agroecológica de
rosas e de copo-de-leite, com resultados promissores para a floricultura. A experiência
da Fazenda Flor de Corte para a obtenção da certificação de produção orgânica de flores
e folhagens de corte é um bom exemplo de sucesso na floricultura.
Palavras-chave: Floricultura. Rosa sp. Zantedeschia aethiopica. Flor tropical. Flor comestí-
vel. Flor orgânica. Planta ornamental. Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO Uma alta produção é obtida em pequenas A produção agroecológica ou orgâ-


áreas, às custas da utilização de uma grande nica no setor de floricultura é bastante
O perfil da produção de flores e plantas
quantidade de insumos, água, energia e mão questionada, em decorrência de as flo-
ornamentais no Brasil vem consistentemente
de obra por unidade de produção. Por isso, o res e as plantas ornamentais não serem
consolidando posições relevantes no cenário
cultivo de flores e de plantas ornamentais é produtos alimentícios. Entretanto, assim
nacional, destacando-se como atividade eco-
considerado uma atividade intensiva. As flo- como ocorre na produção de alimentos,
nomicamente crescente. Além de apresentar res e as plantas ornamentais são valorizadas
alto potencial de expansão futura, representa os agrotóxicos prejudicam não apenas os
pelo aspecto visual, e todo empenho é direcio-
também uma das principais atividades gera- consumidores, mas também podem afetar
nado tanto para obter produtos de qualidade,
doras de ocupação, emprego e renda para diretamente os trabalhadores que os ma-
quanto para evitar danos que podem ocorrer
micro e pequenos produtores em todo o País, nuseiam. Quando utilizados em excesso,
ao longo da cadeia produtiva, desde a produ-
incorporando importantes parcelas do traba- podem contaminar fontes de abastecimento
ção até a comercialização. Em consequência
lho feminino rural. Minas Gerais destaca-se disso, quando a produção é realizada com o de água e ser encontrados em água potável
como uma das maiores regiões produtoras uso de práticas convencionais, caracteriza- de muitas comunidades rurais. Sintomas
com o cultivo de um grande número de se como nociva ao meio ambiente, aos de intoxicação são frequentes entre os
espécies dentro das diversas categorias de trabalhadores de campo, aos floristas e ao trabalhadores de campo do setor de flori-
flores e de folhagens de corte, flores de vaso consumidor final, principalmente pela utili- cultura, como dores de cabeça, dermatites
e plantas ornamentais envasadas e para zação, muitas vezes excessiva, de adubos e e irritação nos olhos. Pesquisas realizadas
jardins (JUNQUEIRA; PEETZ, 2014). agrotóxicos. no México com trabalhadores de campo

1
Enga Agr a , D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul-CERN, São João del-Rei, MG, simonereis@epamig.br
2
Enga Agr a , D.Sc., Pesq. EPAMIG Norte/Bolsista FAPEMIG, Nova Porteirinha, MG,elkaflori@hotmail.com
3
Enga Agr a , D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul-CERN/Bolsista FAPEMIG, São João del-Rei, MG, livia@epamig.br
4
Bióloga, D.Sc., Prof a Visitante UNB - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Brasília, DF, marilialessa@terra.com.br.
5
Enga Agr a , D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul-CERN, São João del-Rei, MG, icsantos@epamig.br

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66 Agricultura orgânica e agroecologia

que aplicam agrotóxicos no cultivo de disso, no setor de floricultura há uma va- PRODUÇÃO DE ROSAS
flores , detectaram que essa atividade pode riedade de espécies e de cultivares muito
A rosa é considerada a espécie orna-
alterar os níveis de hormônios liberados mais ampla que em outros setores agrícolas mental comercialmente mais importante
pela tireoide, o que, por sua vez, pode oca- com plantas herbáceas ou lenhosas, anuais em todo o mundo. Por ser exótica, apresen-
sionar hipertireoidismo ou hipotireoidismo ou perenes, com necessidades de irrigação, ta grande suscetibilidade a pragas e doenças
(LACASAÑA et al., 2010). adubação e ambiente de cultivo bastante nas condições climáticas brasileiras, de-
Esses fatores levaram muitos pro- diversificado. Dessa forma, as práticas mandando maior utilização de agrotóxicos
dutores de flores à adoção do sistema agroecológicas e orgânicas, que garantem e fertilizantes para produção intensiva.
orgânico de produção em diversos países, a produção de qualidade, são distintas para No Nutef foi desenvolvida uma pes-
principalmente Estados Unidos, Colômbia cada espécie e, para aplicá-las, é preciso quisa visando à indicação de cultivares de
e Equador. Atualmente, nesses países, as rosas para cultivo em Sistema de Produção
muito estudo e perseverança.
flores certificadas estão disponíveis aos Agroecológica. Foram avaliadas seis cul-
Pesquisas relacionadas com a produ-
consumidores de forma mais acessível em tivares de roseiras, citadas a seguir, com
ção agroecológica e orgânica de flores
floriculturas e sites específicos. Além disso, sua respectiva cor: ‘Capri’ (alaranjada);
e plantas ornamentais são incipientes, e
muitas flores orgânicas comestíveis são ‘Carola’ (vermelha); ‘Grand Gala’ (verme-
os produtores têm utilizado as mesmas
cultivadas e comercializadas diretamente lha); ‘Greta’ (rosa); ‘Hollywood’ (branca)
técnicas aplicadas à produção orgânica
para restaurantes e outros estabelecimen- e ‘Vegas’ (vermelha). As roseiras foram
tos, para produção de biscoitos, bolos, de hortaliças e frutas com adaptações de
cultivadas a céu aberto em Sistema de
sorvetes, doces e geleias. acordo com dados empíricos gerados por
Produção Agroecológica, no qual a diversi-
No Brasil, o número de produtores de meio de tentativas com erros e acertos.
dade vegetal foi constituída pelas próprias
flores orgânicas ainda é pequeno, quando O Núcleo Tecnológico EPAMIG Flori- roseiras, por espécies apropriadas para a
comparado ao de hortaliças e frutos or- cultura (Nutef) é pioneiro no desenvolvi- adubação verde e por espécies atrativas de
gânicos. Isso ocorre porque o cultivo de mento de pesquisas sobre este tema, com inimigos naturais (Fig. 1). Foram utilizados
flores orgânicas é mais desafiador, pois projetos que ainda estão em andamento, somente produtos autorizados e registrados
um pequeno dano nas pétalas, na haste ou mas que mostram que é possível a produ- para a agricultura orgânica, além das técni-
na folhagem compromete a qualidade e a ção de flores de qualidade com utilização cas de produção inerentes a esse sistema,
aceitação do produto no mercado. Além de práticas sustentáveis. conforme descrição no Quadro 1.

Elka Fabiana Aparecida Almeida

Figura 1 - Diversidade de espécies cultivadas em consórcio com as roseiras em Sistema de Produção Agroecológica - São João del-Rei, MG

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Agricultura orgânica e agroecologia 67

QUADRO 1 - Sistema de Produção Agroecológica de rosas no Nutef - Boas Práticas Agrícolas (BPA) utilizadas e sua finalidade
BPA Finalidade
Construção de canteiros perpendicularmente ao declive. Conservação do solo.

Adubação de plantio com adição de termofosfato magnesiano, Fornecimento de fósforo (P) e de outros nutrientes com produtos
esterco bovino e cinza de madeira. permitidos pela legislação de cultivo orgânico.

Adubação de manutenção com composto orgânico, biofertilizantes, Fornecimento de nutrientes para as plantas com produtos permitidos
húmus de minhocas, bokashi e estercos bovino e de aves. pela legislação de cultivo orgânico e que podem ser produzidos pelo
produtor, o que evita a dependência de insumos externos.

Cultivo intercalar de amendoim forrageiro (Arachis pintoi cv. Aumento da biodiversidade no sistema; adubação verde (corte periódi-
Amarilo), nabo forrageiro (Raphanus sativus) e feijão-de-porco co das plantas e deposição sobre os canteiros); proteção, conservação
(Canavalia ensiformis cv. Comum). da umidade e aumento da matéria orgânica (MO) do solo.

Cultivo de feijão-guandu (Cajanus cajan) e gliricídia (Gliricidia Aumento da biodiversidade no sistema; função de quebra-vento;
sepium) no entorno do experimento. adubação verde (corte dos ramos a cada três meses e deposição sobre
os canteiros).

Plantio de coentro (Coriandrum sativum L.) e cravo-de-defunto Aumento da oferta de abrigo e alimento para inimigos naturais por
(Tagetes spp.) entre os canteiros de cultivo da roseira. meio da diversificação de espécies no ambiente.

Plantio de gergelim (Sesamum indicum L. cv. BRS Seda) e hortelã Aumento da biodiversidade do sistema e conservação dos inimigos
(Mentha piperita) no entorno do cultivo. naturais; repelir formigas.

Monitoramentos semanais das plantas. Realizar o manejo integrado de doenças e pragas para providências
sobre o controle alternativo preventivo ou curativo.

Pulverizações com leite cru (20%), calda bordalesa, solução de Controle de doenças.
bicarbonato de sódio (0,1%) e extrato de cavalinha (Equisetum spp.)

Pulverizações com óleo de nim (0,1%), urina de vaca, calda de cinza, Controle de pragas.
Metarhizium anisopliae, Beauveria bassiana, extratos de plantas,
tais como mamona (Ricinus communis), citronela (Cymbopogon
winterianus) e primavera (Bougainvillea spp.).
NOTA: NUTEF - Núcleo Tecnológico EPAMIG Floricultura.

Nesse experimento, as cultivares A alta ocorrência de pinta-preta e míl- pragas foram facilmente controladas com
de rosas que se desenvolveram melhor dio deveu-se, provavelmente, ao fato de produtos naturais aplicados que não pre-
foram: Greta, Capri e Vegas. Ocorreu esse experimento ter sido conduzido em judicaram o desenvolvimento das plantas.
grande número de plantas mortas na campo aberto, o que dificultou o controle Em decorrência do aumento da diversidade
variedade Hollywood, que também com produtos alternativos, por causa da no cultivo, também foi encontrado um
foi a que menos se desenvolveu. Em exposição das plantas às condições que grande número de inimigos naturais, como
relação às doenças, foi possível detectar favorecem os patógenos, como facilidade parasitoides (Praon volucre) e predadores
para a entrada de insetos vetores, excesso (Hippodamia convergens, Cycloneda
que nenhuma das variedades avaliadas
de umidade e ventos. Os cultivos orgânicos sanguinea e Toxomerus sp.).
foi afetada pelo oídio (Sphaerotheca
de rosas do Equador e da Colômbia são O Sistema de Produção Agroecológica
pannosa/Oidium leucoconium), o que
realizados em casas de vegetação, o que de rosas mostrou-se promissor, mas é pre-
indica que os produtos alternativos
reduz a incidência e favorece o controle ciso a realização de novas pesquisas, para
utilizados foram eficientes no controle
alternativo das principais doenças que gerar informações científicas específicas
desse patógeno. Para míldio (Peronospora acometem as plantas. sobre o adequado manejo das plantas cul-
sparsa), observou-se maior severidade Em todas as cultivares de rosas avalia- tivadas em casa de vegetação, pois o maior
nas cultivares Capri, Grand Gala, Greta das nesse Sistema de Produção Agroecoló- fator limitante foi o controle de doenças,
e Vegas. Para pinta-preta (Diplocarpon gica observou-se a ocorrência de pulgões que é facilitado, quando o cultivo ocorre
rosae/Marssonia rosae), detectou-se (Macrosiphum rosae e Macrosiphum em ambiente protegido. Não se recomenda
maior severidade nas cultivares Capri, euphorbiae), moscas-brancas (Bemisia sp.) o cultivo agroecológico a céu aberto com
Hollywood e Vegas. e coleópteros (Diabrotica speciosa). Essas as variedades avaliadas.
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68 Agricultura orgânica e agroecologia

PRODUÇÃO DE COPO-DE- deve ser realizada no solo, utilizando-se o PRODUÇÃO DE FLORES


LEITE biofertilizante na concentração de 45% e COMESTÍVEIS
O copo-de-leite (Zantedeschia aplicando-se 250 mL da fração líquida por O conhecimento popular milenar
aethiopica) é uma das flores mais aprecia- planta a cada 15 dias. consagrou o uso de algumas flores na ali-
das para a composição de arranjos e bu- No Sistema de Produção Agroecoló- mentação e na fitoterapia, enquanto outras
quês. O Nutef vem desenvolvendo diversos gica de copo-de-leite, a melhor forma de foram introduzidas ao longo do tempo na
estudos com essa cultura e visa fornecer prevenir a infestação de pragas e doenças alimentação, ora pela necessidade imposta
informações seguras aos produtores. O é fazendo o monitoramento constante das pela escassez de alimentos, ora pela capaci-
copo-de-leite é uma planta rústica e seu plantas, retirando-se as folhas mais ve- dade inventiva e curiosidade dos chefes de
cultivo em Sistema de Produção Agroeco- lhas e com qualquer sintoma de doenças cozinha por esses ingredientes tão exóticos,
lógica é excelente alternativa de produção, e pragas e, posteriormente, adotando-se o que tem impulsionado a pesquisa tanto de
pois responde bem à adubação orgânica e estratégias alternativas para seu controle. sistemas de produção quanto dos aspectos
é resistente às pragas e às doenças. Nesse O aumento da diversidade vegetal na área toxicológicos e nutricionais.
sistema é priorizado o uso de Boas Práticas de cultivo de copo-de-leite também pode As flores mais citadas nos sites
Agrícolas (BPA), que visa fortalecer o solo contribuir para o manejo ecológico de pra- sobre gastronomia são a capuchinha
e as plantas, proporcionando o equilíbrio gas e doenças. Em pesquisas realizadas na (Tropaeolum majus L.) (Fig. 3); a
ecológico em todo o ambiente. EPAMIG Sul verificou-se que, para o con- violeta perfumada (Viola odorata L.);
Para o manejo adequado do solo são trole dos percevejos, ácaros, cochonilhas o amor-perfeito (Viola tricolor L.); a
utilizadas técnicas de manutenção e melho- e pulgões, os agricultores podem realizar calêndula (Calendula officinalis L.); o
ria da qualidade, por meio do revolvimento podas e a destruição das partes mais afe- borago (Borago officinalis L.); a lavanda
mínimo e do aumento dos teores de matéria tadas da planta, além de utilizar extratos (Lavandula sp.) e as rosas (Rosa spp.).
orgânica (MO) e da atividade biológica. vegetais, como o nim ou a calda de sabão Mas também são comestíveis as flores
Para o copo-de-leite, a MO pode ser cons- de coco para controlar esses artrópodes. de alecrim (Rosmarinus officinalis);
tituída de resíduos de origem vegetal ou Para evitar o dano das abelhas irapuá, as abóbora (Cucurbita spp.), beijinho
animal, como: inflorescências do copo-de-leite podem ser ou maria-sem-vergonha (Impatiens
a) estercos; protegidas com sacos de tecido não tecido waleriana); dente-de-leão (Taraxacum
b) restos de cultura que ficam no (TNT), antes de sua abertura (Fig. 2). officinale); nirá ou alho-oriental (Allium
campo;
c) palhadas;
d) folhas, cascas e galhos de árvores;
e) raízes das plantas.
É recomendada a manutenção de
cobertura vegetal sobre o solo, a adubação
verde, dentre outras. Pesquisas da EPAMIG
Sul comprovaram que a utilização de bio-
fertilizante, que pode ser preparado pelo
produtor, é uma alternativa de baixo custo
para a adubação de copo-de-leite. Esse
biofertilizante deve ser produzido em
sistema anaeróbio utilizando-se carvão,
esterco bovino, cama de galinha e leite
frescos, vinhaça, açúcar mascavo, fosfato
Lívia Mendes de Carvalho

natural, fritted trace elements (FTE)-Br,


urina de vaca e folhas trituradas de diversas
plantas (crotalária – Crotalaria juncea,
feijão-de-porco – Canavalia ensiformis,
amendoim forrageiro – Arachis pintoi, e
mamona – Ricinus communis). A aplicação Figura 2 - Inflorescências de copo-de-leite protegidas com tecido não tecido (TNT)

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Agricultura orgânica e agroecologia 69

tuberosum); camomila (Chamomilla e devidamente identificado botanicamente vel consumir apenas as pétalas, enquanto
recutita); cravina (Dianthus chinensis); (RIBEIRO et al., 2009). as flores da capuchinha e do beijinho
dália (Dahlia pinnata); flamboianzinho Embora seja possível encontrar flores podem ser consumidas inteiras. Portanto,
(Caesalpinia pulcherrima); chuva-de-ouro comestíveis em mercados especiais, pes- é importante conhecer bem as plantas que
(Cassia fistula); feijão-borboleta ou cunhã quisas específicas sobre o cultivo orgânico produzem flores comestíveis e que partes
(Clitoria ternatea); iuca-mansa (Yucca dessas flores são escassas, já que o aumento destas podem ser usadas como alimento.
filamentosa); ipê-amarelo (Handroanthus da demanda é recente. Mas o cultivo deve As flores ou suas pétalas podem ser
chrysotrichus); ipê-branco (Tabebuia ser feito de acordo com o estabelecido pe- utilizadas em saladas de hortaliças ou de
roseoalba); pitaia-roxa (Hylocereus las certificadoras, sejam estas particulares, frutas, aumentando o colorido e diver-
lemairei); pitaia-branca ou dama-da-noite sejam estatais, para o recebimento do selo sificando o sabor; em panificação, para
(Hylocereus undatus) e ora-pro-nóbis de produto orgânico. conferir cor e sabor a biscoitos, bolos e
(Pereskia aculeata, Pereskia bleo, Pereskia Além de conferir beleza e sabor dife- pães; na confecção de picles, molhos, ge-
grandifolia) (CENTRO VEGETARIANO, renciado aos pratos, tais flores podem ser leias, vinagretes, caldas, açúcar colorido;
2009; RIBEIRO et al., 2009; KINUPP; também fonte de nutrientes (KINUPP; e na decoração de sobremesas e bebidas,
LORENZI, 2014). LORENZI, 2014). Por exemplo, a flor da in natura ou na forma cristalizada. Além
As flores comercializadas em flori- capuchinha contém o carotenoide luteína, disso, podem ser usadas para aromatizar
culturas não podem ser utilizadas para que está relacionado com a prevenção da vinagres e vinhos (JARDIM DE FLORES,
alimentação, porque geralmente recebem catarata e da degeneração macular, e as 2015) ou para a produção de essências.
grande quantidade de agrotóxicos, para pétalas da calêndula são ricas em carote- Estas podem ser utilizadas para a fabrica-
garantir sua qualidade visual e durabili- noides e óleos essenciais (JARDIM DE ção de doces e sorvetes, como o doce de
dade pós-colheita. Para o consumo como FLORES, 2015). violetas e o sorvete e a geleia de rosas. As
alimento, as flores devem estar livres de De algumas plantas consomem-se os flores menores ou suas pétalas podem ser
contaminantes químicos ou biológicos, o botões florais, como no caso da couve-flor colocadas nas formas de gelo, para dar um
que pode ser obtido por meio do cultivo e do brócolis, estas já bem conhecidas; da toque especial aos drinques.
orgânico. Para a produção de flores comes- alcachofra, consomem-se o receptáculo A colheita das flores deve ser feita nos
tíveis, é preciso conhecer bem as espécies floral e a parte carnosa das brácteas; da horários mais frescos do dia, para que
apropriadas e utilizar sementes ou material rosa, da calêndula, da cravina, da áster, da a turgidez, o sabor e a coloração da flor
propagativo de boa qualidade fitossanitária centáurea e do ora-pro-nóbis é aconselhá- sejam preservados. Devem ser lavadas
com delicadeza, para não ser danificadas,
e postas para secar sobre pano ou toalha
de papel à sombra. O ideal é consumi-las
frescas, mas, se embaladas em plástico,
podem durar até três dias sob refrigeração.
Já existem agricultores especializados
no cultivo de flores comestíveis, e o desti-
no mais comum são os restaurantes mais
refinados e os sites de venda pela internet,
onde as espécies mais oferecidas são: capu-
chinha, amor-perfeito, cravina, calêndula,
mini rosas e borago. Alguns supermercados
de grandes centros urbanos já oferecem
essas flores em embalagens que contêm
um mix de espécies.
Antes de incluir flores no cardápio,
Izabel Cristina dos Santos

é preciso ter certeza de que são comes-


tíveis. Somente as flores cultivadas para
esta finalidade podem ser usadas, jamais
aquelas comercializadas em floriculturas.
Mesmo as pétalas das flores podem conter
Figura 3 - Capuchinha em cultivo orgânico - EPAMIG Sul - Campo Experimental Risoleta grãos de pólen, o que pode causar alergia
Neves (CERN) em pessoas sensíveis. O fato de uma parte
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da planta ser comestível não assegura que Tecnologia do Paraná (Tecpar); Instituto e da certificação. Uma dessas vantagens é
outras partes também o sejam. Por exem- Biodinâmico Certificações (IBD Certi- a de que, para os jogos olímpicos Rio 2016,
plo, as folhas e flores do tomate e da batata ficações); Ecocert Brasil Certificadora, o Comitê Organizador premiará os atletas
são tóxicas. Instituto Nacional de Tecnologia (INT); com buquês de flores. Os produtores, pre-
Quem se interessa por flores comestí- Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA); ferencialmente os da Região Sudeste do
veis deve aprender a reconhecer também as Instituto Chão Vivo (ICV) de Avaliação da Brasil, que apresentarem a certificação de
flores tóxicas. Por exemplo: álisso, amari- Conformidade; Agricontrol Ltda. (OIA) e produção orgânica, terão prioridade como
lis, antúrio, azaleia, copo-de-leite, cróton, IMO Control do Brasil (BRASIL, 2015). fornecedores.
coroa-de-cristo, dedaleira, espirradeira, Dentre as empresas credenciadas, somente
estrelícia, hera, hortência, íris, lantana, lí- duas não apresentam produtores de flores PRODUÇÃO ORGÂNICA
rios do vale, narcisos, palma-de-santa-rita, certificados. CERTIFICADA DE FLORES E
Os produtores certificados concentram- FOLHAGENS TROPICAIS: UMA
petúnia, prímula e violeta africana (RI-
REALIDADE NO ESTADO DE
BEIRO et al., 2009) . Também são tóxicas se na Região Sudeste do Brasil. Em São
MINAS GERAIS
as flores de aspargo, berinjela e pimenta. Paulo, há três propriedades certificadas
que produzem flores comestíveis (dentre O cultivo orgânico de flores e folhagens
BIOTECNOLOGIA NA outras, amor-perfeito e capuchinha), plan- tropicais de corte, produzidas com o obje-
PRODUÇÃO DE FLORES tas ornamentais (samambaia, azulzinha, tivo de atender ao mercado de ornamen-
ORGÂNICAS rabo-de-gato) e algumas flores de corte tação (confecção de arranjos florais), já é
(boca-de-leão, copo-de-leite) (ORGANI- realidade no estado de Minas Gerais desde
Dentre os desafios enfrentados pelos
ZAÇÃO INTERNACIONAL AGROPE- abril de 2014. A Fazenda Flor de Corte,
agricultores no cultivo de flores, destaca-se
CUÁRIA, 2014; ECOCERT BRASIL, situada na área rural de Jaboticatubas (ci-
a obtenção de mudas de qualidade. Neste
2015). dade pertencente à região Metropolitana de
contexto, conseguir mudas a partir da pro-
Em Minas Gerais, há duas propriedades Belo Horizonte), foi a primeira propriedade
dução in vitro torna-se boa opção para o
certificadas que produzem flores tropicais rural de Minas Gerais, produtora de flores
sucesso no cultivo de flores orgânicas, uma
de corte (helicônias, bastão-do-imperador, e folhagens tropicais de corte, a receber o
vez que não há restrição de uso das mudas
sorvetão) e flores comestíveis (capuchinha, selo de certificação do Sistema Brasileiro
micropropagadas na agricultura orgânica.
amor-perfeito, borago, flor-de-funcho, bei- de Avaliação da Conformidade Orgânica
As plantas oriundas de micropropaga-
jinho, calêndula, boca-de-leão, begônia). (SisOrg), concedido por uma certificadora,
ção são homogêneas, tendem a atingir a
No Espírito Santo também são duas, com ou seja, um Organismo de Avaliação da
fase de florescimento mais precocemente
produção de lisianthus, gipsofila e tango. Conformidade Orgânica (OAC), nesse
e são menos sujeitas à ocorrência de doen-
O Rio de Janeiro já conta com três certifi- caso, o IMA.
ças. Em alguns casos, tendem a aumentar Este projeto é desafiador, pois Minas
cações, todas em propriedades produtoras
a produção de determinada espécie em
de flores tropicais (DIAS, 2015). Macha- Gerais caracteriza-se como um Estado
escala comercial. Dessa maneira, a biotec- com grande número de propriedades des-
do Neto e Jasmim (2012) realizaram um
nologia, especialmente a cultura de tecidos levantamento da floricultura no estado do tinadas à produção de flores, folhagens e
de plantas, já dispõe de protocolos bem Rio de Janeiro e observaram que, dos onze mudas de plantas ornamentais cultivadas
estabelecidos para a produção de mudas produtores entrevistados, somente dois no sistema convencional. Além do que, a
de espécies ornamentais de qualidade, produziam de forma orgânica, enquanto região de Jaboticatubas não é considerada
como é o caso de orquídeas, bromélias e oito deles utilizavam um mix de insumos – uma região tradicionalmente produtora de
antúrios, as quais poderão ser utilizadas químicos e orgânicos, buscando melhorias flores e plantas ornamentais. Sua produção
pelos agricultores. nas condições de cultivo. agrícola baseia-se no cultivo de milho,
Na Região Sul do País, também exis- banana e feijão. Dessa forma, produzir
CERTIFICAÇÃO DE FLORES tem alguns produtores certificados. No flores e folhagens tropicais orgânicas em
ORGÂNICAS
estado de Santa Catarina, por exemplo, Jaboticatubas é um projeto que ainda se
No Brasil, o cultivo orgânico de foi registrado um certificado de produção encontra em expansão, pois não há na
flores ainda é pouco expressivo, mas já orgânica para um produtor de flores comes- região nenhum histórico de produção de
existem alguns produtores certificados. tíveis e plantas ornamentais (ECOCERT flores e de folhagens de corte que pudesse
No Ministério da Agricultura, Pecuária BRASIL, 2015). assegurar o sucesso no sistema de cultivo
e Abastecimento (MAPA) estão hoje ca- Aos poucos os produtores vêm perce- orgânico das espécies ornamentais esco-
dastradas oito certificadoras: Instituto de bendo as vantagens da produção orgânica lhidas.
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Agricultura orgânica e agroecologia 71

A obtenção da certificação orgânica é g) colheita; plantio, ou seja, gradagem, calagem, deli-


um processo que envolve várias etapas6, h) pós-colheita; mitação e confecção de canteiros elevados
as quais podem demandar um espaço de i) formas de comercialização. (Fig. 4). Para a escolha das primeiras espé-
tempo variável, de acordo com o sistema cies a ser plantadas, os critérios adotados
A escolha do local de plantio foi feita
de produção utilizado pelo produtor no foram: alto valor de mercado e diversidade
com base nos resultados das análises físicas
passado e no momento da inspeção pela em formas e cores.
e químicas do solo. De posse dos resultados
certificadora. Se anteriormente a produção
das análises de solo da área foram definidas Em dezembro de 2012, o produtor
comercial era realizada no sistema conven-
todas as etapas de preparo do solo para o realizou o primeiro plantio-teste (Fig. 5),
cional de cultivo, a propriedade precisará
passar por um período de transição do sis-
tema anterior para o orgânico, e isso pode
levar anos até que todas as exigências do
SisOrg sejam atendidas. Se, ao contrário, o
produtor tem a conscientização e a possibi-
lidade de iniciar sua produção respeitando
todos os princípios que regulamentam o
SisOrg, o tempo para a obtenção do selo
de produto orgânico pode ser reduzido.
No caso específico da Fazenda Flor de
Corte, a certificação foi obtida no prazo
de, aproximadamente, seis meses após

Marília Andrade Lessa


o início da tramitação da documentação
exigida pelo IMA. Isto se deve ao fato de
que, desde o momento da idealização do
cultivo comercial de flores e folhagens
tropicais, até o momento de implantação Figura 4 - Delimitação dos canteiros de cultivo das flores tropicais - Fazenda Flor de
da produção, foram levadas em conside- Corte, Jaboticatubas, MG
ração todas as normas que regulamentam
a produção orgânica no Brasil.
Desde a idealização do projeto (junho
de 2010), o produtor preocupou-se em ter o
acompanhamento técnico de um profissio-
nal especializado no cultivo de diferentes
espécies de plantas ornamentais. Muitas
reuniões foram realizadas, antes de iniciar
o cultivo, com o intuito de abordar todos os
pontos que envolvem a produção das flores
e das plantas ornamentais, destacando-se:
a) definição de quais espécies adaptar-
se-iam à região;
Marília Andrade Lessa

b) ambiente de cultivo;
c) planejamento de plantio;
d) adubação;
e) irrigação;
f) métodos de controle de pragas, Figura 5 - Primeiro plantio dos rizomas tropicais - Fazenda Flor de Corte, Jaboticatubas,
doenças e plantas invasoras; MG - dez. 2012

Informações necessárias para a obtenção da certificação de orgânicos junto ao Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) podem ser encontradas em:
6

http://www.ima.mg.gov.br/certificacao/organicos

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com a finalidade de verificar quais espé- Todas as informações a respeito das com a Empresa de Assistência Técnica e
cies e variedades adaptar-se-iam melhor atividades realizadas em toda a proprie- Extensão Rural do Estado de Minas Gerais
às condições edafoclimáticas da região de dade são registradas diariamente em uma (Emater-MG), onde produtores rurais, pro-
Jaboticatubas. Foram selecionadas cinco caderneta de campo. As anotações nessa fissionais ligados ao setor da floricultura
espécies de flores tropicais, sendo: três caderneta são imprescindíveis e devem e paisagismo e estudantes puderam ver,
helicônias, uma de bastão-do-imperador ser analisadas durante a vistoria anual da na prática, o preparo de biofertilizantes,
e uma de sorvetão. O plantio de 190 rizo- empresa certificadora. Os bons resultados adubos orgânicos, soluções e caldas utili-
obtidos após a realização do primeiro zadas para o controle de insetos-pragas e
mas (90 de helicônias, 70 de bastão-do-
plantio proporcionaram ao produtor a doenças, dentre outros (Fig. 8).
imperador e 30 de sorvetão) foi realizado
segurança para ampliação da área de cul- O produtor se diz muito satisfeito com
em área de 1.292 m2 (≅ 0,13 ha). Após 24
tivo, bem como para novos testes para a os resultados alcançados. A demanda pelas
meses da realização do primeiro plantio-
introdução de outras espécies tropicais na flores e folhagens produzidas é grande, e
teste, atingiu-se a produtividade média
propriedade, como, por exemplo, as folha- a produção tem venda garantida todas as
mensal de 70 hastes florais de helicônias,
gens de corte (Fig.7). Hoje a área plantada semanas. A maior parte das vendas se dá
40 hastes de bastão-do-imperador na feira de flores e plantas ornamentais que
chega a 1,2 ha.
(Etlingera elatior ‘Turbo’) (Fig. 6) e acontece semanalmente em Belo Horizon-
Os bons resultados alcançados e a am-
60 hastes de sorvetão. Esses números te, na Central de Abastecimento Municipal
pliação da área de cultivo possibilitaram
referem-se somente às hastes classificadas o reconhecimento do trabalho pioneiro na (CAM), situada no Bairro São Paulo. Mas
de acordo com os padrões e qualidade região de Jaboticatubas e a escolha da pro- também há a comercialização das flores e
estabelecidos pelo Veiling Holambra7. priedade para a realização de curso teórico folhas para decoradores e artistas florais,
Até o momento, não foi registrada a e prático sobre cultivo orgânico. que trabalham tanto com decoração de
ocorrência de doenças que causassem da- Em dezembro de 2013, foi realizado eventos, como com assinatura floral. Com
nos econômicos à cultura. O único proble- o primeiro curso gratuito de capacitação o aumento da área plantada, a expectativa
ma enfrentado na fazenda foi a ocorrência em Horticultura Orgânica, organizado é de maior lucratividade e mais inserção
de formigas-cortadeiras. pela Fazenda Flor de Corte, em parceria nos mercados mineiro e nacional.

Fotos: Marília Andrade Lessa

A B
Figura 6 - Aspecto geral de uma touceira de bastão-do-imperador
NOTA: A - 24 meses após o plantio; B - Detalhe das inflorescências.

Informações sobre classificação de flores tropicais de corte encontram-se em: http://www.veiling.com.br/uploads/padrao_qualidade/criterios/


7

flores-tropicias-fc.pdf

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Agricultura orgânica e agroecologia 73

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LACASAÑA, M. et al. Association between
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À Fundação de Amparo à Pesquisa do ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL AGRO-
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74 Agricultura orgânica e agroecologia

Bananicultura orgânica
Ana Lúcia Borges 1 , Zilton José Maciel Cordeiro 2 , Marilene Fancelli 3 , Maria Geralda Vilela Rodrigues 4

Resumo - Na bananicultura orgânica, uma das práticas mais importantes é o manejo do


solo, pois este deve ser mantido com cobertura viva e/ou morta. Os nutrientes podem
ser supridos por fontes orgânicas (plantas melhoradoras do solo – leguminosas e não
leguminosas, estercos animais, tortas vegetais, resíduos agrícolas) ou fontes minerais
naturais (calcários, fosfatos naturais, pós de rocha e cinzas de madeira). O manejo de
pragas em sistemas orgânicos de produção, visando à proteção das plantas, baseia-se
no uso de variedades resistentes e mais adaptadas às condições da região e também na
utilização de controle biológico de pragas e doenças. São várias as opções de variedades
resistentes às três principais doenças da bananeira (sigatoka-negra; sigatoka-amarela e
mal-do-panamá), as quais constituem importante alternativa para o cultivo orgânico.
Práticas culturais, como o uso de matéria orgânica (MO), rotação de culturas e adubação
verde, contribuem para diminuir o estresse nas plantas, reduzindo os problemas com
pragas e doenças. O mercado brasileiro para produtos orgânicos tem sido crescente.
Assim, a demanda por bananas orgânicas visa não só produtos saudáveis, isentos de
qualquer tipo de contaminantes que ponham em risco a saúde do consumidor e do
agricultor e o meio ambiente, mas também a preservação e a ampliação da biodiversidade
dos ecossistemas e a conservação das condições físicas, químicas e biológicas do solo,
da água e do ar, atendendo assim ao tripé: ambientalmente correto, socialmente justo e
economicamente viável. Espera-se, com a bananicultura orgânica, que o agricultor tenha
mercado distinto com um produto diferenciado e competitivo.
Palavras-chave: Banana. Musa spp. Nutriente. Manejo do solo. Manejo de praga.

INTRODUÇÃO diante a otimização do uso dos recursos Para receber a denominação de pro-
naturais e socioeconômicos disponíveis duto orgânico, a unidade de produção
A banana é uma das frutas de maior
e o respeito à integridade cultural das precisa cumprir o Regulamento Técnico
importância social e econômica do Brasil,
comunidades rurais, tendo por objetivo a constante da Instrução Normativa no 46,
presente em todo o território nacional, sustentabilidade econômica e ecológica,
sendo superada apenas em área de cultivo de 6 de outubro de 2011 (BRASIL, 2011),
a maximização dos benefícios sociais, a
pelas frutas cítricas. Apesar da grande área complementada pela Instrução Normativa
minimização da dependência de energia
cultivada com banana no Brasil, estima-se n o 17, de 18/6/2014 (BRASIL, 2014),
não renovável, empregando sempre que
que apenas 0,34% esteja em monocultivo que estabelecem o Regulamento Técnico
possível, métodos culturais, biológicos
orgânico, ou seja, em torno de 1.600 ha para os Sistemas Orgânicos de Produção
e mecânicos, em contraposição ao uso
(LICHTEMBERG et al., 2013). de materiais sintéticos, a eliminação
Animal e Vegetal a ser seguido por toda
A Lei Federal no 10.831, de 23 de de- do uso de organismos geneticamente pessoa física ou jurídica responsável
zembro de 2003, dispõe sobre a agricultura modificados e radiações ionizantes, em por unidades de produção de sistemas
orgânica: qualquer fase do processo de produção, orgânicos.
Considera-se sistema orgânico de processamento, armazenamento, distri- Assim, ao cultivar produtos orgânicos
produção agropecuária todo aquele em buição e comercialização, e a proteção tem-se a preocupação com o meio ambien-
que se adotam técnicas específicas, me- do meio ambiente. (BRASIL, 2003). te, pois busca-se manejar de forma equi-

1
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, BA, ana.borges@embrapa.br
2
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, BA, zilton.cordeiro@embrapa.br
3
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, BA, marilene.fancelli@embrapa.br
4
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Norte, Nova Porteirinha, MG, magevr@epamig.br

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Agricultura orgânica e agroecologia 75

librada o solo e demais recursos naturais QUADRO 1 - Atributos de algumas variedades de bananeira, Cruz das Almas, BA
(água, plantas, animais e insetos) e manter Variedade
a harmonia desses elementos entre si e com Atributo Fhia
Caipira Thap Maeo BRS Pacovan Ken
Maravilha
os seres humanos.
Grupo genômico AAA AAB AAAB AAAB
Serão abordados três itens considera-
Tipo Ouro Mysore Prata Prata
dos importantes na bananicultura orgânica:
Porte Médio Médio Alto Médio
variedades, manejo do solo e suprimento
Densidade (plantas/hectare) 1.666 1.666 1.666 1.666
de nutrientes, e manejo de pragas em
Perfilhamento Ótimo Ótimo Bom Bom
conformidade com as normativas, o que (1)
Ciclo vegetativo (dias) 563/328 555/358 574/362 544/352
traz, como consequência, um produto am- (1)
Peso de pencas (kg) 8,6/11,8 9,7/17,2 10,0/13,4 15,3/19,5
bientalmente correto, socialmente justo e (1)
Número de frutos/cacho 123/138 179/212 93/92 114/123
economicamente viável. (1)
Peso médio fruto (g) 71,4/88,7 58,3/83,3 108,6/146,8 135,7/160,3
(1)
Comprimento fruto (cm) 10,6/12,4 11,1/12,8 15,8/17,3 17,4/19,2
VARIEDADES (1)
Diâmetro fruto (mm) 33,4/36,0 30,1/35,7 32,8/38,0 36,5/39,5
Nos sistemas orgânicos de produção (1)
Produtividade (t/ha/ciclo) 14,2/19,6 16,2/28,6 16,7/22,4 25,4/32,2
vegetal, deve-se priorizar a utilização (1)
Produtividade (t/ha/ano) 9,3/16,2 10,8/23,0 10,7/17,5 17,1/26,6
de material de propagação originário de Reação às principais
espécies vegetais adaptadas às condições doenças e pragas

edafoclimáticas locais e tolerantes a Sigatoka-amarela R R R R


Sigatoka-negra R R R R
pragas e doenças. No Quadro 1 constam
Mal-do-panamá R R R R
algumas variedades com atributos seme-
Moko S S S S
lhantes aos exigidos para a bananicultura
Broca-do-rizoma R MR MS NA
orgânica.
FONTE: Borges et al. (2008a, 2010) e Borges, Fancelli e Cordeiro (2010).
Não existem variedades de bananeira NOTA: R - Resistente; S - Suscetível; MR - Medianamente resistente; MS - Medianamente
desenvolvidas especificamente para plantio suscetível; NA - Não avaliado.
em sistemas orgânicos de produção. As varie- (1) Avaliações realizadas no sistema orgânico, no 1o/2o ciclos de produção.
dades utilizadas para o sistema convencional
vêm sendo cultivadas em sistema orgânico,
outras variedades tipo prata. Apesar de o FILHO, 2014). Essa variedade vem atender
adotando-se as práticas recomendadas.
decréscimo de 24% na produtividade do 3o à demanda por frutos tipo prata, em especial
As principais características de uma
ciclo, a ‘Fhia Maravilha’ produziu frutos de onde há a presença do mal-do-panamá, do-
variedade de bananeira para plantio em
126,0 g, 17,1 cm de comprimento e 35,7 mm ença que limita a produção da ‘Prata-Anã’.
sistema orgânico devem ser:
de diâmetro (BORGES; FANCELLI; No ecossistema Semiárido, no primeiro
a) possibilitar a substituição de insumos
CORDEIRO, 2010). Também no ecossis- ciclo, a bananeira ‘BRS Preciosa’ (AAAB,
químicos, sem causar redução de
tema Mata Atlântica, no primeiro ciclo, a híbrido da cv. Pacovan) apresentou por-
qualidade ou produtividade;
bananeira ‘Galil 18’ (AAAB, tipo prata) te mais baixo (3,32 m) e produtividade
b) ser plantas vigorosas, resistentes ou
apresentou massa de cacho (17,4 kg) e (22,4 t/ha), número de frutos por cacho
moderadamente resistentes a doen-
produtividade (27,1 t/ha) mais elevadas (111), peso (184,7 g) e comprimento médio
ças e insetos;
(Fig. 1). Contudo, os frutos foram maiores (19,9 cm) dos frutos iguais aos da ‘Pa-
c) apresentar frutos de sabor agradável; nas variedades BRS Japira (176 g), Galil 18 covan’, podendo ser uma opção para o
d) ser eficiente na absorção e utilização (161 g) e BRS Preciosa (155 g) (BORGES; sistema orgânico na região (BORGES;
de nutrientes, visando reduzir a de- SANTOS; NASCIMENTO FILHO, 2014). FLORI, 2013) (Fig. 3).
manda por adubação, uma vez que A ‘BRS Platina’ (Fig. 2), híbrido desen- Já no 2o ciclo, a altura das plantas dos
existem diferenças entre variedades volvido pela Embrapa Mandioca e Fruticul- híbridos da cv. Pacovan aumentou em
quanto à absorção de nutrientes. tura, que apresenta resistência à sigatoka- quase um metro, o que dificulta a colheita
Experimento conduzido na Embrapa amarela e ao mal-do-panamá, sobressaiu-se e favorece tombamentos por ventos fortes.
Mandioca e Fruticultura, no ecossistema no manejo orgânico, no primeiro ciclo, no Nesse caso, a ‘BRS Princesa’ (AAAB),
Mata Atlântica, em três ciclos de produção, ecossistema Mata Atlântica, produzindo ca- tipo maçã, é uma alternativa, pois seu
mostrou melhor desempenho da variedade chos com 9,7 kg e produtividade de 15,1 t/ha porte permaneceu estável (Fig. 4 e Grá-
Fhia Maravilha (tipo prata), em relação a (BORGES; SANTOS; NASCIMENTO ficos 1 e 2). Essa variedade apresenta a
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Ana Lúcia Borges


Ana Lúcia Borges

Figura 1 - Cacho de bananeira ‘Galil 18’ sob mane- Figura 2 - Plantas e cachos de bananeira ‘BRS Platina’ sob manejo orgânico no
jo orgânico no ecossistema Mata Atlântica ecossistema Mata Atlântica
Ana Lúcia Borges

Ana Lúcia Borges

Figura 3 - Cacho de bananeira ‘BRS Preciosa’ sob ma- Figura 4 - Bananeira ‘BRS Princesa’ sob manejo orgânico no ecossistema Se-
nejo orgânico no ecossistema Semiárido miárido

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5 35
Altura do pseudocaule (m)

Peso do cacho (kg)


30
4
25
3 20 1o ciclo
1 ciclo
o

2o ciclo 15 2o ciclo
2
10
1 5
0 0

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Variedade
Variedade
Gráfico 1 - Altura do pseudocaule de bananeiras cultivadas sob Gráfico 2 - Pesos de cachos de variedades de bananeiras cultiva-
manejo orgânico, em dois ciclos de produção, no das sob manejo orgânico, em dois ciclos de produ-
ecossistema Semiárido ção, no ecossistema Semiárido

maioria das suas características, tanto de proporciona maior efeito no controle e) ameniza a temperatura do solo;
desenvolvimento quanto de produtividade, da erosão, pode ser atendida tanto pela f) reduz a incidência de plantas espon-
semelhantes à cv. Maçã, porém, possui a manutenção da vegetação natural, como tâneas, pelo abafamento, e a neces-
vantagem de ser moderadamente resistente pelo plantio de outras culturas, preferen- sidade de capinas, economizando
ao mal-do-panamá. cialmente leguminosas, nas entrelinhas no controle do mato (BORGES;
dos pomares. SOUZA, 1998b);
MANEJO DO SOLO E A manutenção das entrelinhas dos
g) proporciona ambiente favorável à
SUPRIMENTO DE NUTRIENTES pomares com vegetação natural, com le-
criação/multiplicação de inimigos
O manejo do solo é uma das práticas guminosas ou com a fitomassa da cultura,
naturais de pragas da bananeira.
mais importantes no sistema orgânico de proporciona os seguintes benefícios:
Quanto ao suprimento de nutrientes
cultivo. Os fatores que determinam a qua- a) aumenta os teores de nutrientes no
os sistemas orgânicos devem priorizar
lidade do solo são essencialmente aquelas solo, diminuindo a quantidade de
a reciclagem de matéria orgânica (MO),
adubos a ser aplicada (BORGES;
propriedades que têm grande influência no como base para a manutenção da ferti-
OLIVEIRA; SOUZA, 1995; BOR-
crescimento das culturas, como agregação, lidade do solo e a nutrição das plantas,
GES et al., 1996);
retenção de água, teores de nutrientes, pre- a manutenção da atividade biológica do
sença de patógenos e biomassa microbiana b) melhora as condições físicas do
solo e o equilíbrio de nutrientes. Além
(MAGDOFF, 2002). solo (estrutura, porosidade, aeração,
disso, deve-se priorizar também a utili-
No cultivo orgânico, o manejo deve ser infiltração, retenção de água e etc.),
zação de insumos que, em seu processo
direcionado ao solo, mantendo-o coberto favorecendo o crescimento das ra-
de obtenção, uso e armazenamento, não
com fitomassa viva e/ou morta, utilizando- ízes, o armazenamento de água no
comprometam a estabilidade do hábitat
se adubos verdes e composto. solo e, enfim, promovendo melhor
e do agroecossistema, não representan-
A escolha e o preparo da área, bem aproveitamento das águas pluviais e
do ameaça ao meio ambiente e à saúde
como as caracterizações física e química do tornando mais eficiente a absorção
humana e animal (BRASIL, 2011, 2014).
solo, podem seguir o manejo convencional. dos nutrientes (BORGES; SOUZA,
A bananicultura demanda grandes
É importante evitar a degradação dos 1998a; SOUZA, 1998);
quantidades de nutrientes para manter o
atributos do solo, tanto pelo manejo ina- c) aumenta a biomassa microbiana do desenvolvimento vegetativo e reprodutivo
dequado, como pela erosão, adotando-se solo, estimulando a sua atividade adequado das plantas. O potássio (K) e
como premissas básicas a redução da mo- biológica; o nitrogênio (N) são os nutrientes mais
vimentação do solo e a manutenção da sua d) é uma maneira simples, eficaz e absorvidos e os que mais participam de
superfície coberta o maior tempo possível, econômica de controlar a erosão, funções essenciais ao crescimento e à
por culturas vivas ou mortas. pois aumenta a infiltração da água produção da bananeira. Em ordem decres-
A cobertura do solo, que, por si só, é das chuvas, melhora a drenagem e cente, a bananeira absorve os seguintes
a prática de manejo e conservação que diminui o escorrimento superficial; nutrientes:
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a) macronutrientes: potássio (K) > ni- tais pesados, principalmente cádmio (Cd), das plantas e melhoria na produtividade,
trogênio (N) > cálcio (Ca) > magné- níquel (Ni) e zinco (Zn), foi observada em além de contribuir para a proteção am-
sio (Mg) > enxofre (S) > fósforo (P); amostras oriundas de resíduos industriais, biental (Fig. 5).
b) micronutrientes: cloro (Cl) > manga- urbanos e agrícolas em quatro Estados do
Nordeste, indicando possibilidade de con- Adubos verdes
nês (Mn) > ferro (Fe) > zinco (Zn) >
boro (B) > cobre (Cu). taminação de solos (LOPES et al., 2010). As plantas utilizadas como adubo ver-
Na Costa Rica, a mistura de resíduos de devem ter crescimento inicial rápido,
Na bananicultura orgânica, somente
da bananeira (frutos de refugo e engaços), para inibir a vegetação natural ou plantas
é permitida a utilização de fertilizan-
pós de serra e os microrganismos efica-
tes, corretivos e inoculantes que sejam espontâneas e produzir grande quantidade
zes − effective microorganisms (EM),
constituídos por substâncias autorizadas de fitomassa verde; ter baixa exigência em
denominada bokashi, tem sido utilizada
nas Instruções Normativas no 46, e no 17 tratos culturais; ter resistência a pragas; ter
em cultivos orgânicos de bananeira. Em
(BRASIL, 2011, 2014). A utilização desses disponibilidade de sementes no mercado
Curaçá, BA, em plantios orgânicos de ba-
insumos deverá ser autorizada especifica- e ter fácil manejo e grande capacidade
naneira, a mistura de esterco de bode com
mente pelo Organismo de Avaliação da de fixação de N atmosférico, no caso das
bagaço de cana e EM tem proporcionado
Conformidade Orgânica (OAC) ou pela leguminosas.
bons resultados.
Organização de Controle Social (OCS), As leguminosas são as mais utilizadas
Visando obter, no menor tempo, a
devendo especificar: como adubo verde, pois, dentre todas as
estabilização ou humificação da MO, a
a) as matérias-primas e o processo de vantagens, incorporam quantidades signi-
compostagem laminar é uma alternativa
obtenção do produto; viável. Essa prática consiste em montar as ficativas de N via fixação biológica de N2
b) a quantidade aplicada; camadas de material orgânico no próprio atmosférico (IGUE et al., 1984). As mais
c) a necessidade de análise laboratorial local onde será utilizado o composto, ou utilizadas e que também protegem o solo
em caso de suspeita de contami- seja, a céu aberto, diretamente ao redor da da insolação e da erosão, além de contro-
nação. planta onde será incorporada a MO (NU- lar as plantas espontâneas são: mucuna-
NES; SANTOS, 2009). A compostagem preta (Stizolobium aterrimum); feijão-de-
Os nutrientes podem ser supridos por
laminar, desenvolvida para cobertura do porco (Canavalia ensiformis); crotalárias
meio de fontes orgânicas (adubos ver-
solo na zona do coroamento da bananeira, (Crotalaria juncea e C. paulinea); tefrósia
des, estercos animais e tortas vegetais),
ou fontes minerais naturais (calcários, poderá proporcionar bom desenvolvimento (Tephrosia candida); guandu (Cajanus
fosfatos naturais, pós de rocha e cinzas)
(KIEHL, 1985), ou a mistura das duas
fontes (organomineral ou biofertilizante).
Além disso, existem no mercado produtos
certificados e passíveis de uso de acordo
com as normativas.

Composto orgânico
Material homogêneo que tem como
componentes: MO parcialmente estabiliza-
da, substâncias húmicas e nutrientes para
as plantas. No estado de São Paulo, em
estudo com bananeira cv. Prata-Anã, Da-
matto Junior et al. (2006) verificaram que a
Jean Cleber da Silva Santos

aplicação de composto orgânico (serragem


de madeira e esterco bovino) promoveu
incrementos no pH, MO, P, Ca, soma de
bases (SB), capacidade de troca catiônica
(CTC) e saturação por bases (V) do solo,
contudo, não afetou os teores de K e Mg.
Deve-se ter cuidado com a origem do Figura 5 - Compostagem laminar em bananeiras na Embrapa Mandioca e Fruticultura,
composto orgânico, pois a presença de me- Cruz das Almas, BA

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Agricultura orgânica e agroecologia 79

cajan) e lablab (Dolichos lablab) (RI- O uso de coquetel vegetal de legu- noso, principalmente de Cu, chumbo (Pb)
BEIRO, GUIMARÃES; ALVAREZ V., minosas e não leguminosas (gramíneas e Ni; entretanto, em níveis abaixo daqueles
1999), além de centrosema (Centrosema e oleaginosas) em pré-plantio ou mesmo detectados para as plantas que cresceram
pubescens); soja perene (Glycina wightii) nas entrelinhas da bananeira permite uma em solo com adubação mineral.
e amendoim forrageiro (Arachis prostrata) produção significativa de fitomassa com No estado de São Paulo, Romeiro et al.
(IGUE et al., 1984). diferentes tempos de decomposição. As- (2008), ao avaliarem as alterações nos atri-
Essas leguminosas são utilizadas em sim, essa prática tem sido recomendada, butos químicos de um Nitossolo Vermelho
pré-plantio ou como plantas de cobertura com reflexos positivos na produtividade. por três anos de aplicações sucessivas de
cultivadas nas entrelinhas até o fechamento lodo de esgoto em substituição à adubação
do bananal, deixando, no mínimo, 0,50 m Fitomassa da bananeira nitrogenada química na cultura da bana-
de distância da planta. A quantidade de fito- É grande a quantidade de fitomassa neira ‘Nanicão IAC 2001’ sob irrigação,
massa verde produzida depende de fatores, seca produzida pela bananeira na época verificaram que a aplicação de doses cres-
como época de plantio, disponibilidade de da colheita. O pseudocaule (bainhas + centes de lodo de esgoto (0; 10,75; 21,50;
água, práticas culturais, fertilidade do solo cilindro central) acumula maior quantidade 32,25; 43,00 e 52,75 t/ha) não influenciou
e incidência de pragas e doenças (IGUE et de fitomassa seca, seguido pelo cacho, este os atributos químicos do solo (pH, MO,
al., 1984). As concentrações de N, P e K em correspondendo a, aproximadamente, 34% P, K, Ca, Mg, SB, CTC e V%). Consta-
algumas leguminosas e não leguminosas da quantidade total produzida na colheita. taram, ainda, pelos resultados obtidos, a
são encontradas em Igue et al.(1984), Kiehl Assim, 66% da fitomassa seca da colheita viabilidade econômica da aplicação desse
(1985) e Wutke et al. (2009). é devolvida ao solo, correspondendo a uma resíduo na cultura da banana, por causa
No ecossistema Mata Atlântica do média de 9,6 t de massa vegetal seca resti- do preço reduzido, quando comparado a
estado da Bahia, o amendoim forrageiro tuída ao solo por hectare (BORGES; SOU- fontes nitrogenadas químicas.
promoveu valores mais elevados nos atri- ZA; CORDEIRO, 2006). Essa fitomassa A manipueira, resíduo líquido origina-
butos químicos do solo, notadamente até pode fornecer uma quantidade significativa do na industrialização da mandioca, está
20 cm de profundidade e no final do 2o ciclo de K, em torno de 200 a 590 kg/ha. sendo estudada na cultura da bananeira. O
da bananeira. O aumento do teor de Ca foi seu emprego induz à redução ou mesmo à
mais evidente, atingindo 4,85 cmolc/dm3 Resíduos industriais, eliminação do seu despejo inadequado no
(BORGES et al., 2011). urbanos e rurais ambiente, fazendo com que esse resíduo
No ecossistema Mata Atlântica, no esta- A utilização de resíduos para suprimento passe de um agente poluidor para insumo
do do Rio de Janeiro, as coberturas de solo de nutrientes às plantas, principalmente os agrícola (SANTOS et al., 2007).
estabelecidas pelas leguminosas herbáceas urbanos, é uma estratégia que contribuirá
cudzu tropical (Pueraria phaseoloides) Pós de rocha
para aumentar a vida útil dos aterros e dimi-
e siratro (Macroptilium atropurpureum) nuir seus custos operacionais. Contudo, são O uso de pós de rocha está sendo di-
proporcionaram cachos de bananeira ‘Na- escassas as informações sobre o uso de resí- fundido no cultivo orgânico de fruteiras.
nicão’, respectivamente, 303% e 397% duos industriais e urbanos em fruticultura. Esses pós são ricos em silicatos (48%),
maiores do que no tratamento com vege- Estudos com lodo de esgoto urbano principalmente de Mg, Fe e Ca, acom-
tação espontânea (Panicum maximum). (aeróbico e anaeróbico), em dois tipos panhados de P, K, S e micronutrientes,
Além disso, dentre as leguminosas, o cudzu de solos, foram realizados na Embrapa como Cu, Zn, Mn e cobalto (Co), podendo
tropical produziu maior quantidade de fito- Mandioca e Fruticultura, em casa de até substituir os calcários nas correções
massa (15 t/ha de fitomassa seca) e maior vegetação e comparados com adubação do solo. Podem ser distribuídos em toda
quantidade de N fixado (305,5 kg/ha) mineral (RIBEIRO; CHAGAS NETO; a área, incorporando-os em seguida, ou
(ESPINDOLA et al., 2006; PERIN et al., TRINDADE, 2008). Os resultados mostra- aplicá-los diretamente na cova de plantio.
2009). ram crescimento das mudas de bananeira Recomenda-se adicioná-los juntamente
Como a fitomassa das leguminosas de forma semelhante em solo argiloso e com a MO (estercos, compostagens, tortas
apresenta taxa de decomposição mais arenoso, tendendo a uma estabilização ou etc.), para melhor resposta do produto.
rápida, recomenda-se a utilização também diminuição do efeito nas maiores doses Estudo de Borges, Souza e Accioly
de gramíneas, por exemplo, o milheto, aplicadas (40 e 60 t/ha), nesse caso, de (2006), em solo de Tabuleiro Costeiro
nas entrelinhas dos bananais, no mesmo forma mais acentuada para o lodo anae- no estado da Bahia, com diferentes ma-
sistema, cuja fitomassa verde é de decom- róbico. O acúmulo de metais pesados na nejos orgânicos, mostrou que o uso de
posição mais lenta, cobrindo por mais parte aérea das plantas foi influenciado pós de rocha em toda a área e composto
tempo o solo. pelo tipo de solo, sendo maior no solo are- orgânico associado ao plantio de feijão-
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80 Agricultura orgânica e agroecologia

de-porco nas entrelinhas proporcionou em volta das touceiras, decompõe-se e No Litoral Sul de Santa Catarina,
maior produtividade para a bananeira disponibiliza nutrientes às bananeiras. Peruch e Sônego (2004) avaliaram,
‘Caipira’ (AAA) e ‘Prata-Anã’ (AAB) no A trapoeraba (Commelina spp.) deve ser em duas estações do ano (primavera e
primeiro ciclo. Além disso, esses autores eliminada da área, pois é hospedeira do verão), o comportamento de 22 varie-
observaram, nesse manejo, aumento dos vírus-do-mosaico-do-pepino (Cucumis dades de banana no sistema orgânico,
teores de nutrientes, notadamente P (50% mosaic virus, CMV). em relação à sigatoka-amarela, deter-
a 900%), também em profundidade, além minando-se a intensidade da doença e o
do K (12% a 100%) na camada de 0-20 cm, MANEJO DE PRAGAS E valor referente à folha mais jovem com
em 24 meses de manejo no sistema orgânico. DOENÇAS sintomas. Na avaliação, na primavera,
Avaliações do efeito do flogopitito O conhecimento dos fatores bioecológi- as variedades Figo (ABB), Prata (AAB)
(rejeitos de minas de esmeralda, 5,13% de cos que interferem na população de uma pra- e os tetraploides AAAB Maravilha,
K2O) sobre o crescimento inicial da bana- ga é fundamental para o desenvolvimento e Fhia-18, YB-4221, SH-3640 e Ouro da
neira evidenciaram que o número de folhas aplicação de medidas de controle alternativas Mata apresentaram maior resistência à
foi positivamente afetado, já que a dose de ao químico. Por essa razão, desenvolveu-se doença, enquanto que no verão, foram
287,5 kg/ha/ano de K2O proporcionou o má- o conceito do manejo integrado de pragas mais resistentes a ‘Figo’, ‘Figo Cinza’
ximo de 12 folhas (BORGES et al., 2008b). (MIP), com base nos fatores ecológicos e (ABB), ‘Maravilha’, ‘Nam’ (AAA),
O flogopitito influenciou positivamente na compatibilidade das diferentes medidas ‘SH-3640’ e ‘Ouro da Mata’.
nos atributos de crescimento vegetativo da de controle, inclusive o químico.
Controle cultural
bananeira, reduzindo o período do plantio Algumas das estratégias usadas no
ao florescimento e mostrando-se como uma MIP podem ser adotadas pelos agricultores Recomenda-se a utilização das práticas
fonte promissora para seu cultivo orgânico orgânicos, tais como o reconhecimento das culturais que reduzam não só a formação de
(BORGES et al., 2010). pragas-chave da cultura e de seus inimigos microclimas favoráveis ao desenvolvimen-
Dentre os pós de rocha estão incluídos naturais, a amostragem da população dos to das sigatokas, mas também o potencial
os fosfatos naturais e os termofosfatos, organismos prejudiciais e a escolha e a de inóculo no interior do bananal. Nesse
utilizados na cova de plantio, e o sulfato utilização das táticas de controle. Esse tipo caso, os principais aspectos a ser levados
de potássio e sulfato duplo de potássio e de manejo exige, em primeira instância, em conta são:
magnésio (sul-po-mag), cujas quantidades uma dedicação maior ao pomar, com maior a) drenagem: além de melhorar o cresci-
aplicadas dependerão da análise química utilização de mão de obra, o que pode ser mento geral das plantas, a drenagem
do solo e da necessidade da bananeira. visto como oportunidade para a criação de rápida de qualquer excesso de água
empregos e a manutenção da fruticultura no solo reduz as possibilidades de
Biofertilizante familiar (MARTINS; FARIAS, 2002). formação de microclimas adequados
Outra forma de fornecimento de nu- ao desenvolvimento da doença;
Doenças
trientes às bananeiras no sistema orgânico b) manejo da vegetação natural: as plan-
pode ser feita pelos biofertilizantes produ- Recomenda-se o manejo integrado com tas devem ser mantidas ceifadas, para
zidos por digestão aeróbica ou anaeróbica, a utilização de práticas em conjunto ou em reduzir a competição com a bananei-
preparados na propriedade. O biofertili- sequência, visando obter o melhor resulta- ra, pois a formação de microclima
zante aeróbico, denominado compostagem do. Nesse sentido, serão apresentados os favorável ao aumento de umidade no
em meio líquido de forma contínua, pode diversos aspectos e alternativas que devem interior do bananal leva ao desenvol-
ser preparado em tanques de 1.000 litros, ser integrados na busca do melhor manejo vimento da doença;
sendo aplicado no solo e/ou pulverizado para as principais doenças da bananeira. c) desfolha sanitária: a eliminação
nas plantas. Na Embrapa Mandioca e Fru- racional das folhas atacadas ou de
ticultura, estão sendo estudados e aplicados Variedades resistentes
parte dessas folhas é importante
biofertilizantes, tanto na compostagem A mudança da variedade é sempre uma na redução da fonte de inóculo no
laminar, quanto via sistema de irrigação decisão com o foco maior no mercado, mas interior do bananal. É preciso, por-
por microaspersão. sempre que possível devem-se substituir as tanto, que tal eliminação seja criterio-
variedades suscetíveis pelas resistentes. A sa, para não provocar danos maiores
Vegetação natural
mistura de variedades resistentes e susce- que os causados pela própria doença.
A vegetação natural ou espontânea tíveis no manejo do mal-de-sigatoka da No caso de infecções concentradas,
ceifada nas entrelinhas dos bananais, bananeira é uma alternativa viável (MELO; recomenda-se a eliminação apenas
quando espalhada no solo ou colocada SANTOS; CORDEIRO, 2010). da parte afetada (cirurgia);
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d) nutrição: plantas nutridas adequa- com sintomas. Isso evita a propagação do Broca-do-rizoma
damente propiciam um ritmo mais inóculo na área de cultivo. No local onde as (Cosmopolites sordidus
acelerado de emissão de folhas, plantas foram eliminadas, deve-se aplicar (Germar) (Coleoptera:
reduzindo os intervalos entre emis- calcário e MO. Estão sendo realizados es- Curculionidae)
sões. O bom suprimento de Ca e K tudos na Embrapa Mandioca e Fruticultura Algumas práticas são citadas tanto para
tem sido um importante aliado no para avaliar o potencial de Azadiractha evitar o aparecimento da broca-do-rizoma
combate à sigatoka; indica, Bidens pilosa, Cyperus rotundus quanto para o manejo do inseto-praga:
e) sombreamento: plantas mantidas sob e Eucaliptus sp. como elicitores de resis- a) mudas sadias: quando possível,
condições sombreadas apresentam tência sistêmica em banana ‘Maçã’, para aconselha-se a utilização de mudas
pouca ou nenhuma doença. Nesse o controle alternativo do mal-do-panamá micropropagadas. No caso de mudas
sentido, cultivos de bananeiras em (DAMASCENO et al., 2010). convencionais, recomenda-se que se
condições sombreadas, como em As medidas de manejo das doenças de faça o descorticamento, para remo-
Sistemas Agroflorestais (SAFs), frutos visam, basicamente, à redução do ção de possíveis galerias e insetos
certamente serão uma opção para re- potencial de inóculo, pela eliminação de presentes. Quando o plantio não é
duzir os efeitos do mal-de-sigatoka partes senescentes e redução do contato efetuado logo após a retirada das
e outras doenças; entre patógeno e hospedeiro: mudas, estas devem ser imersas em
f) aplicação de óleos e extratos vege- a) eliminação de folhas mortas ou em água a 55 ºC durante 20 minutos;
tais: a aplicação de óleos vegetais senescência; b) variedades resistentes: algumas va-
(soja e mamona) e mineral é al- b) eliminação periódica de brácteas, riedades são mais suscetíveis à pra-
ternativa para o manejo do mal- principalmente durante o período ga do que outras. Entretanto, pelas
de-sigatoka. O produto deve ser chuvoso; particularidades do mercado e pelo
usado em atomização, na dosagem c) ensacamento dos cachos com sacos longo ciclo da cultura, muitas vezes
de 12 a 15 L/ha. A periodicidade da de polietileno perfurado ou de tecido não é possível substituir variedades
aplicação deve seguir a indicação não tecido (TNT), tão logo ocorra suscetíveis por resistentes;
dada pelo monitoramento da doença a formação dos frutos (os sacos c) manejo da fitomassa do pseudocau-
pelo sistema de pré-aviso biológico. usados devem ser recolhidos para le após a colheita: após a retirada
Além do uso de óleo, pesquisas na reciclagem); do cacho, o pseudocaule deve ser
Embrapa Mandioca e Fruticultura
d) implementação de práticas culturais cortado em três a quatro partes, o
vêm sendo conduzidas utilizando
adequadas, orientadas para a manu- que acelerará a decomposição do
extratos vegetais de noni (Morinda
tenção de boas condições de drena- material, reduzindo a quantidade
citrifolia) e jenipapo (Genipa
gem e de densidade populacional, de abrigos para a criação da broca.
americana) para o manejo da do-
bem como para o manejo de plantas Com a mesma finalidade, as iscas,
ença, com resultados promissores
espontâneas, a fim de evitar um após a segunda coleta, devem ser
em laboratório, embora ainda não
ambiente muito úmido no bananal. “desmontadas” pela separação das
haja definição de produto, nem de
bainhas ou dos pedaços de pseu-
dosagem para uso prático.
Insetos-praga docaule;
A integração da desfolha sanitária com
Muitos insetos e ácaros ocorrem nos d) iscas atrativas: os insetos capturados
aplicação de óleo mineral, mediada pela
utilização do sistema de pré-aviso bioló- bananais no Brasil. Entretanto, poucos devem ser coletados manualmente
gico, mostrou-se eficiente no controle da assumem importância econômica. No e, em seguida, destruídos. Para o
sigatoka-amarela da bananeira no sistema sistema orgânico, podem ser considerados manejo, recomenda-se em torno
orgânico, reduzindo em 58% o número de limitantes à produção a broca-do-rizoma, de 60 iscas/hectare (40 a 100 iscas/
aplicações de óleo, em relação ao sistema tripes, ácaros, broca rajada, traça-da-bana- hectare);
de calendário fixo, conforme observado neira e abelha arapuá. De maneira similar e) controle biológico: aves não cis-
em trabalhos conduzidos na Embrapa ao cultivo convencional, o monitoramento cadoras (peru e galinha de angola,
Mandioca e Fruticultura (ANDRADE é de fundamental importância para definir por exemplo) ou galinhas caipiras
SOBRINHO; CORDEIRO, 2005). o momento de interferência do agricultor, (50 cabeças/hectare) são citadas
Em bananais já estabelecidos, em que o qual deverá privilegiar o controle cultural por agricultores orgânicos como
o mal-do-panamá comece a se manifestar, e biológico, de baixo impacto ambiental e predadoras de adultos da broca-do-
recomenda-se a eliminação das plantas seletivo aos inimigos naturais. rizoma, e, além disso, fornecem
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esterco. A utilização do fungo ento- como Hololepta quadridentata BORGES, A.L.; SOUZA, L. da S. Cobertura ve-
mopatogênico Beauveria bassiana (Fabricius), inimigo natural da getal do solo para bananeiras. Cruz das Almas:
deve ser autorizada pelo OAC ou broca-do-rizoma (Cosmopolites EMBRAPA-CNPMF, 1998b. 4p. (EMBRAPA-
CNPMF. Comunicado Técnico, 52).
OCS. O produto pode ser distribuído sordidus).
por meio de pincelamento ou pulve- BORGES, A.L.; SOUZA, L. da S.; ACCIO-
LY, A.M. de A. Atributos químicos do solo
rização sobre a superfície das iscas REFERÊNCIAS
em manejos convencional e orgânico de
de pseudocaule, à razão de 50 iscas/
ANDRADE SOBRINHO, L.E.C. de; CORDEI- banana. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE
hectare ou conforme recomendação RO, Z.J.M. Desenvolvimento de tecnologias FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE
do fabricante. Alguns agricultores para o manejo da Sigatoka-amarela da ba- PLANTAS, 27.; REUNIÃO BRASILEIRA DE
têm usado iscas sanduíche (justa- naneira em sistema orgânico. In: SEMINÁ- MICORRIZAS, 11.; SIMPÓSIO BRASILEI-
posição de pedaços de pseudocaule RIO PIBIC/CNPq, 9., 2005, Cruz das Almas. RO DE MICROBIOLOGIA DO SOLO, 9.;
cortados no sentido longitudinal) Anais... Cruz das Almas: Embrapa Mandio- REUNIÃO BRASILEIRA DE BIOLOGIA DO
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modificadas, de maior tamanho que
2006. Bonito: Sociedade Brasileira de Ciên-
as recomendadas, pois tem-se obser- BORGES, A.L.; FANCELLI, M.; CORDEIRO,
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f) controle por comportamento: a Mandioca e Fruticultura. Orgânico em E.J. Influência de coberturas vegetais do
armadilha contendo feromônio, foco, 2). solo nas suas propriedades químicas e no
do tipo rampa ou poço, deve ser desenvolvimento vegetativo da bananei-
BORGES, A.L.; FLORI, J.E. Desempenho de
colocada na superfície do solo. ra: I ciclo. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE
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ra de Ciência do Solo, 1996. p.32-33.
água). Recomenda-se o uso de três compartilhando ciência e tecnologia. Forta-
leza: Instituto Frutal, 2013. p.301. BORGES, A.L.; SOUZA, L. da S.; CORDEI-
armadilhas/ hectare, devendo-se re- RO, Z.J.M. Cultivo orgânico da bananei-
novar o sachê contendo o feromônio BORGES, A.L.; OLIVEIRA, A.M.G.; SOU-
ra. Cruz das Almas: Embrapa Mandioca e
ZA, L. da S. Solos, nutrição e adubação
a cada 30 dias. É importante que as Fruticultura Tropical, 2006. 10p. (Embrapa
da bananeira. Cruz das Almas: EMBRAPA- Mandioca e Fruticultura Tropical. Circular
armadilhas estejam distantes pelo
CNPMF, 1995. 44p. (EMBRAPA-CNPMF. Técnica, 81).
menos 30 m entre si;
Circular Técnica, 22).
g) inseticidas botânicos: extratos de BORGES, A.L. et al. Desempenho de varie-
BORGES, A.L.; PROFETA, T. de S.; SAN- dades de bananeira em sistema de produção
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tina deverão ser autorizados pelo Frutas: saúde, inovação e responsabilidade: tória. Anais... Frutas para todos: estratégias,
OAC ou pela OCS, sendo proibido Natal: Sociedade Brasileira de Fruticultura, tecnologias e visão sustentável: Vitória:
2010b. 1 CD-ROM. INCAPER: Sociedade Brasileira de Fruticul-
o uso de nicotina pura, em confor-
BORGES, A.L.; SANTOS, J.C. da S.; NAS- tura, 2008a. 1 CD-ROM.
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no 17 (BRASIL 2014); CIMENTO FILHO, E.C. do. Avaliação agro- BORGES, A.L. et al. Rocha silicática como
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Agricultura orgânica e agroecologia 83

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84 Agricultura orgânica e agroecologia

Morango orgânico
Mário Sérgio Carvalho Dias 1 , Joaquim Gonçalves de Pádua 2 , João Batista Ribeiro da Silva Reis 3 ,
Alniusa Maria de Jesus 4

Resumo - Minas Gerais destaca-se como o maior produtor nacional de morangos. Pelas
exigências ambientais, sociais e também dos consumidores por um produto com melhor
qualidade, a nova ordem no setor produtivo, na região Sul do estado de Minas Gerais, é a
adequação às legislações e a um mercado mais consciente, que está surgindo no Brasil. É
dado enfoque às etapas fundamentais para o sucesso do cultivo, como a escolha da área
apropriada, o preparo adequado do solo e a cultivar ideal para o plantio. As técnicas de
manejos fitossanitário, de adubação e de fertirrigação apresentadas seguem os princípios
agroecológicos e de sustentabilidade.
Palavras-chave: Fragaria. Produção. Manejo. Sistema orgânico. Agroecologia.

INTRODUÇÃO O Brasil é, sem dúvida, um dos países tóxicos é reduzido, o risco da exposição de
com maior potencial para o crescimento da trabalhadores e de seus familiares a esses
O cultivo do morangueiro (Fragaria x
produção orgânica, em função de possuir agrotóxicos é eliminado, bem como isenta
ananassa Duch.) em Minas Gerais iniciou-se
diferentes tipos de solo e de clima, enorme a contaminação dos frutos e do ambiente
em 1958, no município de Estiva, região Sul
biodiversidade aliada à grande diversidade dos resíduos desses agrotóxicos, o que re-
do Estado. Daquela época até hoje, houve
cultural. O processo produtivo de um pro- sulta em benefícios para toda a sociedade.
grande profissionalização no setor, com a
duto orgânico utiliza como base os princí-
expansão das áreas plantadas no Brasil e a MANEJO DO MORANGUEIRO
pios agroecológicos que contemplam o uso
crescente utilização de tecnologia. Minas EM SISTEMA ORGÂNICO
responsável do solo, da água, do ar e dos
Gerais é o Estado detentor da maior produção demais recursos naturais, respeitando as re-
nacional de morangos, em torno de 72.716 t. Escolha da área
lações sociais e culturais (BRASIL, 2014).
Na região Sul do Estado, concentra-se cerca A produção de morangos no sistema Alguns aspectos são fundamentais na
de 95% da produção, justamente por apresen- convencional geralmente está associada escolha da área onde será implantado o cul-
tar características edafoclimáticas favoráveis à utilização de uma grande quantidade de tivo do morangueiro em sistema orgânico.
ao desenvolvimento do morangueiro. Em de- agrotóxicos, o que, muitas vezes, faz com O local deverá contar com disponibilidade
corrência da expansão dos cultivos em Minas que o consumidor deixe de adquirir essa de água de boa qualidade, para a realiza-
Gerais, atualmente a cultura do morangueiro fruta, a despeito de seu sabor apreciado. ção de irrigação e fertirrigação. Para obter
gera cerca de 15 mil empregos diretos e mais Entretanto, a produção orgânica vem-se água, de boa qualidade, deve-se captá-la
24 mil indiretos. Com as maiores exigên- despontando como alternativa viável para em fontes e/ou cursos d’água livres de
cias ambientais e sociais, bem como as dos a produção de morangos saudáveis. Os possíveis contaminações com agentes
consumidores por um produto com melhor produtores de morango orgânico em Minas químicos e/ou biológicos. O solo, que neste
aspecto e qualidade, a nova ordem no setor Gerais têm demonstrado a viabilidade téc- sistema de cultivo não é somente um su-
produtivo da região Sul do estado de Minas nica, econômica, social e ecológica desse porte para as plantas, deve ser considerado
Gerais é a adequação às legislações e ao mer- tipo de produção para a melhoria de qua- como substrato e abrigo para organismos
cado mais consciente que está surgindo no lidade de vida. Ao adotarem esse tipo de importantes nos processos bioquímicos.
Brasil (SILVEIRA; GUIMARÃES, 2014). manejo, o custo com a aquisição de agro- Solos degradados e/ou contaminados

1
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG Norte/Bolsista FAPEMIG, Nova Porteirinha, MG, mariodias@epamig.br
2
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul - CEMF, Maria da Fé, MG, padua2008@gmail.com
3
Engo Agrícola, D.Sc., Pesq. EPAMIG Norte/Bolsista FAPEMIG, Nova Porteirinha, MG, jbrsreis@epamig.br
4
Bióloga, Pós-Doc Fitopatologia, Pesq. EPAMIG Norte/Bolsista FAPEMIG, Nova Porteirinha, MG, alniuza@epamig.br

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Agricultura orgânica e agroecologia 85

devem ser recuperados antes do plantio. que a disponibilidade de nutrientes nas contribuem para a conservação, retenção de
Também devem ser descartados solos fontes orgânicas, geralmente, é menor e água e redução da erosão do solo. Segundo
com alta infestação de plantas daninhas de a assimilação destes pelas plantas é mais Pagot et al. (2005), na adubação verde do
difícil controle, como a tiririca (Cyperus lenta. É justamente essa menor transloca- morangueiro deve-se utilizar aveia (60 a
rotundus). ção de nutrientes nos vasos da planta que 80 kg de sementes/hectare) ou azevém (25
A distância do local de cultivo das a torna mais resistente às adversidades a 30 kg de sementes/hectare) no inverno,
possíveis fontes de poluição é fator a ser ambientais, como os ataques de pragas e e, posteriormente, plantar milho (30 kg de
considerado, uma vez que a proximidade de doenças, pois os nutrientes e fotoassi- sementes/hectare) ou milheto (15 kg de
destas pode contaminar o cultivo. O relevo milados da planta tornam-se mais com- sementes/hectare), no final da primavera-
do terreno é outro item a ser também con- plexados no corpo da planta, tornando-a verão. O milho ou o milheto deverá ser in-
siderado, sendo o ideal aquele com decli- mais rígida e dificultando o ataque das corporado ao solo quando a cultura estiver
vidade de 2% a 3%. Terrenos com maiores pragas e doenças. florescendo. Quanto ao uso de leguminosas
desníveis estão sujeitos à erosão e, portan- na adubação verde para o morangueiro,
to, práticas que promovam seu controle Calagem como é o caso da ervilhaca, recomenda-se
devem ser adotadas. Áreas de baixadas A calagem é permitida no sistema orgâni- incorporá-las ao solo antes do florescimen-
podem estar sujeitas a alagamentos ou, en- co em casos de solos ácidos. A necessidade e to. Após a incorporação dessas culturas deve
tão, a acúmulo excessivo de umidade, o que a quantidade de calcário a ser utilizada serão ser feita a adubação orgânica.
pode propiciar o aparecimento de doenças apontadas pela análise de solo, porém, segun- O plantio de espécies para a adubação
causadas por microrganismos de solo, que do Souza e Alcântara (2008), a quantidade verde é fundamental na produção orgânica
são de difícil controle, e, dependendo da de morangos. É considerada prática indis-
é limitada a 2 t/ha/ano. O pH ideal para a
capacidade de drenagem desses solos, a pensável o uso de adubação verde nas gle-
cultura do morangueiro é 6,0. A análise do
produção orgânica de morango nessas bas onde será plantado o morangueiro no
solo (completa) deve ser feita no mínimo 120
áreas torna-se inviável. Locais expostos a sistema orgânico de produção. São tantos
dias antes do plantio, corrigindo-se a acidez
ventos fortes e constantes necessitam do os benefícios auferidos com a adubação
com antecedência de pelo menos 90 dias.
verde, que esta prática tem-se tornado
plantio de árvores apropriadas para quebra- O calcário deve ser incorporado ao solo a
obrigatória nesse sistema de produção e,
vento, antes da instalação da lavoura. uma profundidade de 20 cm. Na cultura do
inclusive, nota-se que muitos agriculto-
As áreas que já abrigaram cultivos morangueiro, a prática da calagem com uso
res do sistema de cultivo convencional
anteriores de morangueiro devem ser des- do calcário dolomítico é feita todos os anos
também têm adotado essa mesma prática,
cartadas em primeiro momento, por causa tanto para corrigir a acidez pela presença dos
visando à incorporação do material vegetal
da infestação do solo por microrganismos ânions de hidrogênio (H+) e alumínio (Al3+),
por ocasião do preparo do solo com aração
patogênicos, até que a adoção de práticas que impedem a absorção de outros ânions
e gradagem. Têm sido usadas, além das
como o tratamento do solo com adubos pelas plantas, como para corrigir as deficiên-
espécies citadas, as crotalárias, em especial
verdes, pousio e adição de microrganismos cias de cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+), cujas
a Spectabilis, e coquetéis de leguminosas
benéficos eficientes, os chamados microrga- disponibilidades no solo para o morangueiro
com milho, girassol, milheto e outras es-
nismos eficazes – effective microorganisms são muito importantes. Contudo, sempre
pécies, isto é, uma mistura de leguminosas
(EM), possam tornar estes locais viáveis por meio da análise química, que dá a ideia com gramíneas (Fig. 1). As leguminosas
para o plantio do morangueiro no sistema da quantidade a ser aplicada por ocasião do irão promover a fixação biológica do ni-
orgânico (RODRIGUES et al., 2014). preparo inicial do solo. trogênio (N), presente na atmosfera, para
o solo, que é um dos elementos essenciais,
Análise de solo Adubação verde
necessário em grandes quantidades para o
A análise de solo é indispensável para A adubação verde promove a melhoria desenvolvimento das plantas, enquanto as
a realização da sua adequada correção e das características do solo, protegendo-o gramíneas irão fornecer um aporte con-
fertilização para o cultivo do morangueiro também da erosão e das altas temperaturas. siderável de massa vegetal que aumenta
em sistema orgânico. Por meio dessa aná- Consiste no plantio de espécies capazes de consideravelmente a MO do solo.
lise, obtém-se a indicação dos níveis de reciclar os nutrientes, para tornar o solo mais Tamanha é a importância dada à prática
nutrientes no solo, sendo possível calcular fértil e mais produtivo. As raízes extraem de adubação verde na produção orgânica de
as quantidades de fertilizantes orgânicos nutrientes de camadas mais profundas do morangos, que os agricultores desse siste-
que deverão ser fornecidas em função solo, trazendo-os para a superfície onde ma de cultivo preferem utilizar quantidades
também das exigências do morangueiro. é formada uma camada superficial, com superiores às recomendadas de sementes
Deve-se sempre levar em consideração altos índices de matéria orgânica (MO) que das espécies que irão formar o coquetel de
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86 Agricultura orgânica e agroecologia

plantas para a adubação verde, como forma


de garantir o máximo possível de incorpo-
ração de N e de aumentar a quantidade de
MO (RODRIGUES et al., 2014).

Preparo do terreno
O terreno destinado ao cultivo deverá
ser arado e gradeado antes do plantio das
espécies utilizadas na adubação verde. Na
aração, recomenda-se ter o cuidado de deixar
o terreno bem nivelado e destorroado. Após
a incorporação da adubação verde, realizada
30 dias antes do plantio das mudas do moran-

Mário Sérgio Carvalho Dias


gueiro, recomenda-se uma nova gradagem,
e, em seguida, o preparo dos canteiros com
dimensões aproximadas de 1,20 m de largura
e altura aproximada de 0,30 a 0,40 m. O
comprimento poderá variar de acordo com
as características da área de cada produtor.
É importante salientar que, em solos Figura 1 - Área cultivada com plantas destinadas à adubação verde do morangueiro
argilosos, onde haja menor capacidade de
infiltração das águas das chuvas ou da irri-
gação por aspersão, a formação dos canteiros
deve ser feita no sentido contrário ao das
enxurradas, porém não totalmente em nível,
evitando-se que as linhas entre os canteiros
fiquem totalmente encharcadas por vários
dias, quando ocorrer chuvas constantes.
Esse encharcamento, além de dificultar a
colheita, torna o ambiente muito úmido e
propício ao ataque de doenças de solo. É
conveniente que os canteiros sejam formados
no sentido contrário ao das enxurradas, para
evitar erosão, mas com certo desnível, para
Oso Grande
que não empossem as águas das chuvas.

Escolha da cultivar
As cultivares mais rústicas, isto é,
aquelas com maior tolerância aos estresses
térmico e hídrico e, principalmente, com
resistência às pragas e doenças, devem ser
as escolhidas para o cultivo no sistema or-
Fotos: Mário Sérgio Carvalho Dias

gânico. Entretanto, no Brasil, há um núme-


ro reduzido de cultivares de morangueiro e
pouca opção para a escolha daquelas com
características ideais para determinada
região. A cultivar mais utilizada em cul-
tivos orgânicos é a ‘Oso Grande’ (Fig. 2),
que é também uma das mais cultivadas no Albion Aromas
sistema convencional, em Minas Gerais. Figura 2 - Cultivares de morangueiro utilizadas em cultivo orgânico

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Entretanto, os cultivos com a ‘Albion’ a) materiais utilizados na composição: o umedecimento, deve-se espalhar
têm aumentado no Estado. Esta cultivar, - esterco bovino: 25% a 35%, a mistura sobre o solo (20 cm de
por produzir frutos com tamanho maior e altura e 2,0 m de largura). O com-
- resíduos vegetais (cana e capim
coloração vermelha mais acentuada, tem primento poderá variar de acordo
triturados, bagaço da cana, etc.):
conquistado a preferência do produtor, com a quantidade de material a ser
55%-65%,
para atender a esta demanda do mercado compostado. Empilhar a mistura
por frutos com tais características. - fosfato natural (ou termofosfato
umedecida a 1,20 a 1,60 m de altu-
Na região montanhosa do município ou farinha de osso): 5%,
ra. Finalmente, deve-se cobrir esta
de Bom Repouso, alguns produtores têm - cinza de madeira (ou pó fino de
mistura com material palhoso. O
optado pela cultivar Aromas (Fig. 2), para carvão): 5%,
período de compostagem depende
a produção de morango na entressafra, por b) modo de preparo: escolha do local
esta cultivar ser de dia neutro, ou seja, in- das temperaturas, do tamanho das
adequado, terreno com boa drena-
sensível ao fotoperíodo, o que lhe permite partículas dos materiais e da aera-
gem, pequena inclinação e prefe-
produzir fora de época e com boa produti- ção, como por exemplo:
rencialmente protegido de sol e de
vidade, assim como a ‘Albion’ (DIAS et al., - partículas pequenas, tipo capim
chuva. Misturar os materiais (palha,
2014). No entanto, na produção orgânica de picado, com temperaturas em
capim, restos culturais, sobras de
morangos, Rodrigues et al. (2014) apontam silagem, esterco, etc.) (Fig. 3), torno de 60 ºC: período de 55 a
que deve-se considerar a importância do antes do empilhamento e, a seguir, 60 dias,
plantio na época da safra, com o uso de fazer o umedecimento dessa massa, - partículas médias, de 15 a 20 cm,
variedades sensíveis ao fotoperíodo. Assim, até completar 50% de umidade. com temperaturas em torno de
respeita-se um período de entressafra com É importante realizar o teste da
pousio ou adubos verdes ou, ainda, rotação 60 ºC: período de 60 a 80 dias,
mão (umidade 50%), espremendo
com outras culturas e o necessário vazio sa- - partes inteiras, com temperaturas até
o material, para verificar se há es-
nitário para diminuir ou até mesmo eliminar 60 ºC: período em torno de 90 dias,
corrimento da água entre os dedos,
o ciclo dos organismos que adquirem status pois o ideal é que não haja excesso - somente esterco bovino, com
de pragas e doenças na planta hospedeira, de umidade, ou seja, o líquido não temperaturas de 60 ºC a 70 ºC:
ou seja, a planta do morangueiro. deve escorrer entre os dedos. Após período de 30 a 35 dias.
Adubação de plantio
No cultivo orgânico, normalmente, utili-
za-se maior quantidade de adubo orgânico,
pelo uso de adubação verde antecedente ao
plantio do morangueiro (como milho, mi-
lheto, crotalárias ou mix entre estas), acres-
cida da utilização de compostos orgânicos
humificados, esterco de curral e esterco de
galinha (estes últimos desde que curtidos
e adicionados ao solo com antecedência
mínima de 60 dias), sempre autorizados
pelos órgãos de certificação (ARAÚJO,
2014). Os teores de MO em solos para a
Mário Sérgio Carvalho Dias

produção orgânica, com objetivo de obter


maior atividade microbiológica, deve ser
de, pelo menos, 3% a 4%, com adição de
1 a 2 kg/m de composto orgânico em solos
com teores mais baixos.

Composto orgânico utilizado Figura 3 - Preparo de composto orgânico


no preparo dos canteiros NOTA: Explanação de Fernando Cassimiro Tinoco França, Coordenador Regional de
Agroecologia da Unidade Regional da Empresa de Assitência Técnica e Extensão
Para a quantidade de 2 a 3 kg/m2 pro- Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), em Sete Lagoas, sobre o preparo
ceder como indicado: de composto orgânico.

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O acréscimo de microrganismos pro- proporção de um saco de cal para 200 L a) facilita a locomoção no seu interior;
move a aceleração da decomposição. de água, homogeneíza-se e utiliza-se em b) protege dois canteiros;
A massa não necessita ser revirada, torno de 20 a 50 L da mistura em 1.500 m².
c) é mais resistente;
desde que se utilize a água para ume-
decer e diminuir o excesso de tem- Mulching d) torna o ambiente interno mais are-
jado que nos túneis baixos;
peratura. O controle da temperatura A utilização de mulching é indispen-
é feito periodicamente, dia sim, dia sável no cultivo do morangueiro. Vários e) não necessita de abertura e fecha-
não, utilizando-se uma barra de ferro materiais podem ser utilizados com esta mento diários, como nos túneis
que deverá ser colocada no centro da finalidade, entretanto, verifica-se que os baixos, mas dificulta a colheita nas
pilha. Caso esquente acima de 60 ºC laterais do canteiro próximas à pa-
sintéticos apresentam melhores resulta-
a 70 ºC, faz-se o umedecimento do rede do túnel.
dos. Mulching de material vegetal como a
material com água, molhando-o com maravalha, acícula de pinheiro e casca de A adoção do túnel baixo ou do túnel
o auxílio de mangueira, regadores arroz, apesar de baixo custo, propiciam o alto vai depender do tipo e da inclinação
ou de aspersores. Pode-se, também, aumento de frutos podres e danificados, do terreno e da prática de uso de cada
fazer o reviramento da pilha uma vez por causa do ataque de microrganismos agricultor. O túnel alto é mais comum
por semana (FRANÇA, 2014). e insetos favorecidos por esse tipo de co- entre os agricultores orgânicos em relação
bertura. Portanto, a lona plástica é a mais aos convencionais, mas não quer dizer que
Plantio utilizada para essa finalidade, com predo- é necessário nesse tipo de cultivo. A lona
O plantio das mudas de morangueiro minância daquela de cor preta e espessura plástica utilizada nos túneis altos é seme-
geralmente é realizado entre os meses de de 25 micras, que pode ser adquirida em lhante à citada para os microtúneis, porém
fevereiro e abril. Há variações, quando o bobinas de 1,60 x 500 m. Outros tipos com maior largura.
objetivo é produzir na entressafra. Os tipos de lonas têm despertado o interesse dos
Desbaste
de mudas utilizadas são os de raízes nuas produtores, como a de dupla face, branca
ou aquelas enraizadas em substrato comer- e preta. A face branca voltada para cima, Nos primeiros 30 dias após o plantio,
cializadas em bandejas de plástico ou de após ser colocada sobre os canteiros, reflete é recomendável o desbaste de flores e
isopor. As mudas de raízes nuas ainda são a radiação solar, redundando em ganho de frutos, para estimular o crescimento e a
as mais adquiridas pelos produtores, pelo produção. Porém, o custo dessa lona ainda boa formação da estrutura da planta. Esta
menor custo e maior número de fornece- é alto, quando comparado ao da lona preta. tarefa é bastante dispendiosa de mão de
dores. No caso da utilização desse tipo de obra, porém de grande importância no
muda, recomenda-se a aquisição de uma Túneis altos e microtúneis desenvolvimento posterior da cultura,
porcentagem extra para o replantio, pois o Os túneis apresentam importância pois plantas bem formadas produzem com
pegamento é menor, quando comparado às significativa no manejo da cultura, prin- maior abundância.
mudas enraizadas em substrato. cipalmente por reduzirem o molhamento
Manejo de doenças
da parte aérea das plantas provocado pela
Fertirrigação chuva e pelo orvalho, uma vez que este A ocorrência de doenças e pragas,
O sistema de fertirrigação por goteja- molhamento propicia a disseminação das aliada à dificuldade de controle, representa
mento deverá ser instalado logo em seguida doenças foliares do morangueiro. Os túneis um dos principais problemas do cultivo
ao plantio, sendo recomendável também a ainda protegem as plantas das chuvas de do morangueiro em sistema orgânico. Tal
instalação de aspersores, para potencializar o granizo, das geadas e dos ventos fortes, ocorrência é favorecida pelos seguintes
fornecimento de água nos primeiros dias após além de estimular ganhos de produtividade fatores (SOUZA; RESENDE, 2003):
o plantio e estimular o pegamento das mudas. por causa do microclima favorável forma- a) escolha errada da variedade para as
Segundo Araújo (2014), a fertirrigação do no seu interior. A lona plástica utilizada condições locais;
no morangueiro orgânico muitas vezes é nos microtúneis, também chamados túneis b) muda de qualidade inferior;
feita com a utilização de biofertilizantes baixos, tem coloração branco-leitosa, 75
c) erros no plantio e nos tratos cultu-
preparados pelos próprios produtores, a micras de espessura, 2 m de largura e é
rais;
partir de receitas disponíveis na literatura. comercializada em bobinas de 500 m.
d) preparo inadequado do solo;
Para corrigir uma eventual deficiência de Os túneis altos são utilizados por um
cálcio no solo ou problemas de acidez por grande número de produtores do sistema e) umidade excessiva ou falta de água;
algum erro de calagem, pode-se utilizar orgânico de produção. Dentre as vantagens f) adubação unilateral excessiva ou
água de cal hidratada, normalmente na desse tipo de túnel, podem-se citar: insuficiente;
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Agricultura orgânica e agroecologia 89

g) inadequação das condições climáti- C. fragariae é basicamente preventivo por sulfocálcica (1,5 L/100 L de água). Após
cas locais; meio da utilização de mudas sadias. A utili- a floração, esses autores sugerem apenas a
h) focos de inóculo; zação de matrizes advindas de laboratório aplicação de biofertilizantes.
de cultura de tecidos, para produção de Por adoção do sistema de produção em
i) ausência de condições para desen-
mudas nos viveiros, reduziu enormemente cultivo protegido, sob estufa ou túnel, o
volvimento de inimigos naturais e
solo degradado. a ocorrência dessa doença. Já o controle oídio tornou-se uma das principais doenças
da flor-preta, causada por C. acutatum, da cultura (XIAO et al., 2001). Segundo
A adoção de práticas que visam evitar
baseia-se na eliminação de restos culturais estes autores, períodos curtos de molha-
tais situações contribui decisivamente
e na utilização do sistema de irrigação por mento foliar e alta temperatura no túnel
para a redução da incidência de pragas
gotejamento, associado aos túneis que não plástico contribuem para a alta incidência
e doenças, e, consequentemente, para o
permitem o molhamento da parte aérea da de oídio em morangueiro, se comparado
aumento da produtividade e da qualidade
planta, evitando, assim, a disseminação com plantios a campo. O agente causal da
dos morangos produzidos nesse sistema.
do patógeno. doença é o fungo Sphaerotheca macularis
A antracnose, causada pelo fungo
A mancha-de-micosferela pode ser (Wallr. ex Fr.) Jacz. f. sp. fragariae Peries,
Colletotrichum fragariae Brooks, afeta
encontrada em todas as regiões de cultivo que sobrevive na forma de micélio sobre
o rizoma, pecíolo, estolhos e frutos. As
(MAZARO et al., 2006). É causada por as folhas. A doença causa redução acen-
plantas doentes apresentam murcha re-
Mycosphaerella fragariae (Tul.) Lin., tuada da produtividade, principalmente
pentina e secamento progressivo da parte
cujo anamorfo é Ramularia tulasnei Sacc., em cultivo protegido, em virtude da dimi-
aérea da planta, o que ocasiona falhas nos
espécie predominante no Brasil. A redução nuição da área fotossintetizante das folhas
canteiros, pela morte dessas plantas. O sin-
da área fotossintética provocada pelas e secamento das flores. Além disso, sua
toma característico ocorre no rizoma, que,
manchas nas folhas pode ser responsável incidência nos frutos compromete direta-
quando cortado longitudinalmente, exibe
podridão de cor marrom-avermelhada, de por perdas de 10% a 100%, dependendo da mente o valor comercial destes (TANAKA;
consistência firme e tamanho variável. suscetibilidade da variedade e das condições BETTI; KIMATI, 2005). Essa doença
Podem ocorrer também lesões nos frutos, ambientais. Os sintomas iniciam-se como incide em toda a parte aérea da planta,
pecíolo e folhas do morangueiro. manchas pequenas, de cor púrpura-escura e porém é mais característica nas folhas,
Colletotrichum acutatum, é o agente de contornos definidos. Com o crescimento que exibem um crescimento pulverulento
causal da flor-preta, afeta flores e frutos, das lesões, formam-se manchas circula- branco e tornam- se recurvadas para cima.
e dificilmente ataca o rizoma (DIAS, res, de 3 a 5 mm de diâmetro, de bordas Esses sintomas evoluem para necroses e
1993). Provoca o aparecimento de lesões vermelho-púrpuras, com o centro levemente desfolha. Flores e frutos são suscetíveis
escuras nos botões florais e flores. Essas deprimido, necrosado, de cor acinzentada. em todos os estádios de desenvolvimento
lesões formam-se primeiro nos cálices, Sob ataques severos, essas manchas podem e podem ficar recobertos pelo crescimento
atingindo, posteriormente, todo o botão ou coalescer e comprometer toda a área dos fo- do fungo. No Sul de Minas Gerais, o oídeo
a flor, que se tornam secos, mumificados líolos (REBELO; BALARDIN, 1993). Nos é também conhecido como gelinho. Plan-
e de coloração castanho-clara. As flores frutos, as lesões são marrom-avermelhadas, tas ou partes das plantas atacadas devem
infectadas apresentam pistilo, ovário e com formato arredondado. Nos demais ser eliminadas, a fim de reduzir as fontes
cálice totalmente secos e pretos (DIAS; órgãos da planta, o patógeno forma lesões de inóculo e promover maior ventilação
COSTA; CANUTO, 2007). alongadas, com centro quase sempre de- entre estas. Outra medida de controle da
Os restos culturais são importantes primido e de cor avermelhada ou violácea doença consiste na utilização de materiais
fontes de inóculo, principalmente em locais (TANAKA; BETTI; KIMATI, 2005). genéticos resistentes ao patógeno. Contu-
cultivados continuamente. Eastburn e Gu- O uso de mudas comprovadamente do, a maioria das variedades atualmente
bler (1990) e Yang et al. (1990) relataram sadias é uma importante medida preventiva cultivadas é suscetível (DIAS; JESUS;
que C. acutatum pode sobreviver em restos de controle. No cultivo protegido, os túneis SIMÕES, 2010). Nos Estados Unidos,
de plantas infectadas, tornando os canteiros plásticos devem ser manejados adequada- o enxofre é um produto comumente
de cultivos anteriores potenciais fontes mente, para obter um bom arejamento. A recomendado para o controle de oídio
de inóculo para novos plantios. Segundo eliminação das folhas atacadas aumenta a em cultivos convencionais e orgânicos
Oliveira e Sinigaglia (2002), espécies de eficiência do controle. de morangueiro. Entretanto, utiliza-se
Colletotrichum podem também sobreviver Souza e Resende (2003) recomendam também uma formulação comercial de
em frutos infectados por um tempo médio como controle alternativo dessa doença, Bacillus pumilis em pulverizações reali-
de seis meses. a pulverização até a floração com calda zadas com intervalos de sete a catorze dias
O controle da antracnose causada por bordalesa (0,5%), alternando com calda (GUENERA; BORN, 2007).
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A mancha-de-pestalotiopsis provoca áreas de cultivo, chegando a destruir, em e) manusear os frutos com cuidado
lesões de coloração castanho-escura com casos graves, até 70% dos frutos. O agente para não feri-los durante a colheita
a formação de pontuações escuras e a causal é o fungo Botrytis cinerea Pers. & e pós-colheita;
presença de acérvulos no centro dessas Fr., que ataca os frutos em qualquer está- f) limpar e desinfectar utensílios usa-
lesões. Em viveiros, a doença infecta os dio, desde que ocorram longos períodos dos nos galpões de embalagem.
estolhos e pecíolos das mudas, levando-as com umidade. Entretanto, é mais comum
A eliminação de restos culturais, onde
muitas vezes à morte. A umidade alta e a em frutos maduros e colhidos.
o patógeno pode estar presente na fase
temperatura entre 20 oC a 24 oC favorecem Nos frutos verdes, os sintomas iniciam-
saprófita, é fundamental para a eficiência
a doença. O patógeno pode sobreviver em se com o aparecimento de manchas mar-
do controle. Morandi (2010) relata que esta
restos de plantas decompostas na entres- rons, que se expandem até atingir toda a
doença pode ser controlada com o agente
safra. Sendo assim, a eliminação de restos superfície. O fruto adquire uma coloração
de biocontrole Clonostachys rosea, porém,
culturais tem fundamental importância no acinzentada e apresenta-se recoberto por
a eficiência do controle está condicionada
manejo da doença. A utilização de túneis e um mofo-cinzento característico do cres-
à limpeza da cultura com a eliminação
de irrigação por gotejamento reduz a infec- cimento e frutificação do fungo. Sobre
contínua de folhas e de frutos doentes.
ção. A cultivar Dover apresenta resistência os frutos maduros, inicialmente ocorre o
Atualmente, estão disponíveis no
à doença, enquanto as demais são susce- aparecimento de manchas descoloridas que
mercado dois produtos elaborados com
tíveis a esta. A cultivar Sweet Charlie é a se expandem por todo o órgão, tornando-os
Bacillus subtilis e com Bacillus pumilis
mais suscetível, quando comparada com as impróprios para o consumo, pois apre-
indicados para o controle do mofo-cinzento
cultivares Camarosa, Oso Grande, Camino sentam sabor e odor desagradáveis. Esses
e registrados no Ministério da Agricultura,
Real, Ventana, Aromas, Diamante e Seas- frutos também ficam recobertos pelo mofo-
Pecuária e Abastecimento (MAPA)
cape (DIAS; COSTA; CANUTO, 2007). cinzento e apodrecem rapidamente.
A podridão-de-Rhyzopus tem grande
A mancha-angular é causada pela bac- Quando ocorre alta incidência da doen-
importância na pós-colheita do morango.
ça, os sintomas manifestam-se também nas
téria Xanthomonas fragariae. Os sintomas Manifesta-se durante o transporte e o ar-
folhas, com o aparecimento de manchas
desta doença iniciam-se com pequenas mazenamento. O agente causal é o fungo
necróticas, de contornos indefinidos e
manchas de aspecto encharcado, com con- Rhyzopus nigricans Ehr., que ataca também
secamento dos ápices vegetativos.
tornos delimitados por nervuras, visíveis vários outros frutos. A infecção pode ser ob-
O patógeno pode viver saprofiticamente
na face abaxial da folha e translúcidas, servada no campo, principalmente quando
em MO, na ausência de hospedeiros. De
quando observadas contra a luz. Mais tar- os plantios são adensados e sem o emprego
um cultivo para o outro, sobrevive por es-
de, adquirem aspecto oleoso, às vezes com da prática do desbaste das folhas. Os frutos
cleródios ou micélio dormente, em restos
exsudato bacteriano, e podem coalescer. colhidos, mesmo sem sintomas, podem
de cultura. Desenvolve-se em temperaturas
Com o passar do tempo, os tecidos afeta- carregar na sua superfície estruturas do
relativamente baixas, ao redor de 5 ºC a
dos ficam necrosados e escuros, podendo fungo, as quais constituem o inóculo. Após
10 ºC, entretanto necessita de alta umidade.
ser observados também na superfície das a colheita, pode-se disseminar rapidamente,
A infecção pode-se dar nas flores, permane-
folhas. Temperaturas em torno de 20 ºC pelo contato do suco que escorre dos frutos
cendo dormente até o amadurecimento dos
e alta umidade relativa favorecem a infec- infectados para os sadios, dentro das em-
frutos. A doença é facilmente transmitida de
ção. Restos culturais de cultivos anteriores balagens. Inicialmente, os frutos atacados
um fruto para o outro, tanto na planta como
são excelentes fontes de inóculo para apresentam uma alteração na cor, acom-
nas caixas de embalagens, depois de colhi-
novos plantios. A bactéria é disseminada dos. Segundo Branzanti (1989), dois a três panhada de podridão-mole, aquosa, com o
pelas águas da chuva e da irrigação, e a dias de chuva são suficientes para favorecer escorrimento de suco. Posteriormente, sob
penetração no hospedeiro dá-se por meio a infecção. A água da chuva e da irrigação condições de alta umidade, observa-se sobre
dos estômatos. A eliminação de restos de por aspersão é o principal veículo de disse- os morangos um crescimento micelial denso
plantas atacadas e a aquisição de mudas minação da doença. e branco, entremeado com esporângios e es-
sadias são medidas preventivas, que mui- Algumas medidas adotadas no cultivo porangióforos escuros do fungo. O patógeno
to contribuem para o controle da doença. dificultam o desenvolvimento da doença, sobrevive em restos culturais ou no solo. A
Durante o cultivo, devem-se eliminar as tais como: infecção ocorre por ferimentos presentes
plantas atacadas, evitando-se o contato nos frutos. Os esporos existentes nos frutos
a) plantar em novas áreas;
destas com as sadias. O cultivo em túneis infectados são facilmente disseminados pe-
b) drenar o terreno;
também reduz a incidência da doença. los insetos ou pelo ar. Os frutos podem ser
O mofo-cinzento provoca danos graves c) evitar o contato do fruto com o solo; contaminados no campo, e a infecção ocorre
na produção de morangueiro, em todas as d) usar cobertura plástica ou mulching; após a colheita. Temperaturas inferiores a
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8 ºC a 10 ºC inibem o desenvolvimento do As formigas-cortadeiras podem ser onde serão acondicionados em cumbucas


fungo, já que é inibida a produção de espo- controladas com a aplicação de extrato plásticas de, aproximadamente, 300 g, e
rângios (DIAS; COSTA; CANUTO, 2007). aquoso de mamona. Para o preparo desse colocadas em caixas de papelão que abri-
Para o controle fúngico é importante a extrato, recomenda-se triturar quatro fo- gam quatro dessas embalagens. No trans-
adoção de práticas culturais como: lhas de mamona sem os talos e misturá-las porte e/ou armazenamento prévio, antes da
a) evitar que os frutos entrem em con- em 1 L de água. Deixar repousar por cerca comercialização, deve-se ressaltar que o
tato com o solo, utilizando cobertura de 12 horas em ambiente escuro. Após morango orgânico não deverá ser colocado
plástica ou mulching nos canteiros; esse período, recomenda-se a aplicação juntamente com morango produzido em
b) manusear cuidadosamente os frutos diretamente nos olheiros (FRANÇA, sistema convencional.
durante a colheita e pós-colheita, 2014).
As lagartas e os pulgões podem ser Rotação de cultura
evitando ferimentos;
controlados com a aplicação de extrato de A exploração equilibrada do solo por
c) evitar condições de alta umidade.
folhas de Nim, na proporção de 300 g de meio da rotação de culturas é um dos
Após a colheita, o armazenamento dos folhas para 20 L de água. As folhas devem fatores fundamentais na agricultura orgâ-
frutos em temperatura abaixo de 10 ºC
ser trituradas em liquidificador e mistura- nica. Segundo Page (1972 apud ALTIERI,
inibe o desenvolvimento da doença.
das na água. Deixar em repouso por 12 2012), é um sistema no qual espécies
Segundo Altieri (2012), a capacidade de
horas e, em seguida, deve-se coar a calda diferentes são cultivadas em sucessões
uma cultura resistir ou tolerar o ataque de
e fazer a pulverização foliar. Há a opção repetidas, numa mesma sequência definida,
pragas e de doenças está ligada à otimização
do óleo de Nim comercial, que também na mesma área.
das propriedades químicas, físicas e, prin-
tem efeito satisfatório no controle dessas As vantagens da rotação de culturas
cipalmente, biológicas dos solos. Os solos
pragas. As dosagens recomendadas para o são inúmeras. Além de proporcionar a
saudáveis são essenciais para a defesa das
plantas ao ataque de pragas e doenças. Solos
preparo da calda para pulverização geral- produção diversificada de alimentos e
mente encontram-se descritas no rótulo e outros produtos agrícolas, se adotada
não saudáveis comprometem a capacidade
variam conforme o fabricante. e conduzida de modo adequado e por
de as plantas cultivadas utilizarem suas
Para o manejo do ácaro-rajado é re- um período suficientemente longo,
defesas naturais e as deixam vulneráveis
comendado o controle biológico com o essa prática melhora as características
a potenciais ataques de pragas. Diferente-
mente, os solos saudáveis podem munir as ácaro predador Neoseiulus californicus físicas, químicas e biológicas do solo,
plantas com nutrientes que reforçam suas (McGregor). Segundo Rocha et al. auxilia no controle de plantas daninhas,
defesas e propiciam o desenvolvimento (2014), esses predadores são comercia- doenças e pragas, repõe MO e protege
ideal das raízes e um uso mais eficiente lizados no País e apresentam resultados o solo contra o impacto das chuvas e da
da água. A diminuição da suscetibilidade satisfatórios em cultivos orgânicos. São irradiação solar direta, o que reduz os
a pragas é geralmente um reflexo da saúde considerados predadores generalistas, índices de erosão, aumenta a retenção de
da planta, que resulta do manejo da fertili- não se alimentando exclusivamente de água no solo, recupera solos degradados,
dade do solo. Quando agricultores adotam uma única presa, e devem ser liberados diminui a perda de nutrientes, como o
práticas que aumentam a abundância e a em campo em ocasiões que o ácaro- nitrogênio, aumenta a vida microbiana
diversidade de organismos acima e abaixo rajado esteja com baixos níveis popula- do solo, proporcionando a diminuição da
do solo, é aumentada a tolerância das plantas cionais, ou seja, com até cinco ácaros- incidência de insetos-praga e de doenças
cultivadas a pragas. Nesse processo, tam- rajados, em média, por folha. e promove a ciclagem de nutrientes de
bém são melhoradas a fertilidade do solo e camadas mais profundas para depósitos
Colheita
a produtividade da lavoura. nas camadas superficiais, quando são uti-
A colheita dos morangos inicia-se, lizadas espécies agrícolas com sistemas
Manejo de pragas geralmente, aos 75 dias após o plantio das radiculares diferentes.
Várias pragas atacam a cultura do mudas. Os frutos deverão ser colhidos Quanto maior a diversificação de
morangueiro, principalmente as formi- com 75% da superfície vermelha, quando plantas, animais e organismos do solo
gas-cortadeiras (Atta spp. e Acromymex destinados ao consumo in natura, ou to- que ocupam um sistema agrícola, maior
spp.), a lagarta-rosca (Agrotis ipsilon talmente vermelhos, quando destinados à será a diversidade da comunidade de
(Hufnagel), os pulgões (Capitophorus indústria. Os frutos são colhidos de duas a inimigos naturais que a unidade de pro-
fragaefolii (Cockerel), Cerosipha forbesi três vezes por semana. Após colhidos, são dução poderá sustentar. Portanto, manter
(weed)) e os ácaros (FADINI; ALVA- colocados em recipiente plástico, para ser a biodiversidade redundará na redução
RENGA, 1999). transportados até a casa de embalagem, do nível populacional das pragas. Para
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92 Agricultura orgânica e agroecologia

isso, Altieri (2012) sugere a rotação de n.236, p.64-77, jan./fev. 2007. de produção de morango para mesa na re-
cultura e o manejo da vegetação do entor- DIAS, M.S.C.; JESUS, A.M. de; SIMÕES, gião da Serra Gaúcha e Encosta Superior
no das áreas cultivadas, para atender às J.C. Controle de doenças em morango or- do Nordeste. Bento Gonçalves, 2005. (Em-
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Agricultura orgânica e agroecologia 93

Contextos da transição agroecológica na Embrapa


Walter José Rodrigues Matrangolo 1

Resumo - A recente opção da Embrapa pela Agroecologia é fruto da evolução das


Ciências em geral e da Ecologia em especial, além da sociedade como um todo, cada
vez mais informada e participativa. Surgem novos desafios para a Embrapa, diante da
complexidade do mundo atual: integrar em suas pesquisas o conhecimento tradicional ao
científico, não sem antes ampliar a escuta e compartilhar com a sociedade as decisões sobre
os objetos de pesquisa, para uma produção com menor custo ambiental e financeiro, com
qualidade para quem consome, e preço justo para quem produz. A Embrapa contribui
com importante parcela do conhecimento gerado em pesquisas voltadas para a transição
agroecológica e para a produção orgânica de alimentos, abarcando temas como uso e
conservação da biodiversidade brasileira, resgate de materiais crioulos e dos saberes
associados, sistemas agroflorestais, consórcios múltiplos, controle biológico, avaliação e
mitigação de desequilíbrios ambientais, adubação verde e serviços ambientais. Por meio
da Agroecologia, a Embrapa pode atuar juntamente com outras instituições públicas,
privadas, Organizações Não Governamentais (ONGs) e movimentos sociais ligados à
agricultura camponesa e urbana, na construção e democratização da inovação de base
agroecológica. Ao se envolver na formulação e na aplicação de políticas públicas em
Agroecologia e produção orgânica, fica ressignificada a prática da pesquisa agropecuária
e reafirma-se a função social histórica da Embrapa como agente de mudança.
Palavras-chave: Agroecologia. Agricultura sustentável. Complexidade. Escuta. Movimentos
sociais. Construção participativa do conhecimento. Políticas públicas.

INTRODUÇÃO Para a Embrapa (2006), a agroecologia Conceitos para uma agricultura susten-
é definida como o campo de conhecimento tável têm sido amplamente difundidos na
Produzir alimentos saudáveis e con-
transdisciplinar que contém os princípios atualidade. O termo sustentabilidade foi
servar os recursos naturais, respeitar
teóricos e metodológicos básicos que definido por Altieri (2002) como: a habi-
os saberes locais e, ainda, promover o
possibilitam o desenho e o manejo de lidade de um agroecossistema em manter
desenvolvimento rural sustentável, estão
agroecossistemas sustentáveis e, além a produção através do tempo, diante de
no cerne da Agroecologia, tema que vem
disso, contribui para a conservação da restrições ecológicas e pressões socioeco-
ganhando importância no mundo aca- agrobiodiversidade e da biodiversidade nômicas de longo prazo.
dêmico e no cotidiano das pessoas. Para em geral, assim como dos demais recursos
alguns autores, a Agroecologia é tratada naturais e meios de vida. AGRICULTURA ORGÂNICA
como Ciência em construção, em que os Aquino e Assis (2005) consideram
aspectos sociais, econômicos e ambientais que a Agroecologia apresenta-se como O Brasil possui legislação, desde 2003,
são fundamentais para ser abordados no um paradigma emergente, substituto da que institui a agricultura orgânica oficial-
sistema produtivo agrícola. agricultura industrial ou convencional, mente no País, por meio da Lei no 10.831,
O conceito de Agroecologia e Agricultu- exatamente por incorporar elementos de de 23 de dezembro de 2003 (BRASIL,
ra Sustentável consolidou-se na Conferência síntese, unificadores, integradores. Esse 2003).
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente novo paradigma diferencia-se por ter uma Outras correntes assemelhadas, segun-
e Desenvolvimento Sustentável (Eco 92), abordagem holística, não apenas no que do a citada legislação, podem ser abrigadas
quando foram lançadas as bases para um concerne às questões ambientais, mas, em conceito mais abrangente de agricultura
desenvolvimento sustentável no Planeta. sobretudo, às questões humanas. orgânica para os diversos enfoques de

1
Engo Agro, D.Sc., Pesq. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, walter.matrangolo@embrapa.br

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cultivo. O conceito de sistema orgânico de avaliação e mitigação de desequilíbrios AÇÕES DA EMBRAPA


produção agropecuária e industrial abrange ambientais; adubação verde e serviços EM AGROECOLOGIA E
os denominados: ecológico, biodinâmico, ambientais. Entretanto, ainda existem AGRICULTURA ORGÂNICA
natural, regenerativo, biológico, agroeco- poucas equipes de pesquisa já consolida- A Embrapa esteve presente em uma das
lógico, permacultura e outros que atendam das nas Unidades atuando em Agroecolo- primeiras ações do poder público em Agro-
aos princípios estabelecidos por essa Lei. gia. Muitas iniciativas estão sendo criadas ecologia, juntamente com os movimentos
nesses últimos anos, para incrementar sociais, como relatado no documento inti-
BREVE HISTÓRICO a criação de núcleos de pesquisa, com tulado Agroecologia: princípios e reflexões
DA EMBRAPA E A grandes desafios pela frente. Dentre estes, conceituais (GOMES; ASSIS, 2013).
AGROECOLOGIA está a consolidação de linhas de pesquisa O primeiro marco de incorporação da
A Embrapa, em mais de 40 anos, até então conduzidas. temática Agroecologia, na extensão rural,
aprofundou o conhecimento em muitas A recente opção da Embrapa pela foram as ações da agenda de cooperação
especialidades científicas e tornou-se a pesquisa em Agroecologia é fruto não elaborada no Rio Grande do Sul, em 1994,
empresa de maior relevância em produção só da evolução das Ciências em geral, e por entidades governamentais, tais como:
técnico-científica para a agricultura nos da Ecologia em especial, mas também da Associação Riograndense de Empreendi-
trópicos. sociedade como um todo, cada vez mais mentos de Assistência Técnica e Extensão
Na década de 1970, a agricultura se informada e participativa. A Agroecolo- Rural (Emater-RS/Ascar), Universidade
intensificava no Brasil. O crescimento gia foi reconhecida pela Embrapa como Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
acelerado da população e da renda per Ciência em 2006, quando a Empresa Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
capita e a abertura para o mercado externo lançou, no V Congresso Brasileiro de cuária (Embrapa), Fundação Estadual de
mostravam que, sem investimentos em Agroecologia, em Belo Horizonte, MG, o Pesquisa Agropecuária (Fepagro) e Prefei-
Ciências Agrárias, o País não conseguiria Marco Referencial da Agroecologia (PA- tura Municipal de Porto Alegre. E também
reduzir o diferencial entre o crescimento DULA et al., 2013). A partir de então, por entidades não governamentais, como:
da demanda e o da oferta de alimentos e as ações voltadas para a Agroecologia Rede PTA-SUL e Programa de Cooperação
fibras. Em 1974, foram criados os primei- têm sido ampliadas com a contratação em Agroecologia.
ros Centros Nacionais por produtos: Trigo recente de profissionais para atuarem Antes, no ano de 1993, com foco na
(em Passo Fundo-RS), Arroz e Feijão (em em pesquisa em Agroecologia, e pelo produção orgânica, ocorreu a formalização
Goiânia-GO), Gado de Corte (em Campo lançamento de editais internos (ma- do ingresso da Embrapa Agrobiologia no
Grande-MS) e Seringueira (em Manaus- croprogramas) para linhas de pesquisa campo de estudos da agricultura orgânica,
AM) (EMBRAPA, 2012). relacionadas com a Agroecologia e a com a implantação do Sistema Integrado
Nessa ocasião pouco se compreendia produção orgânica. Isso tem assegurado de Produção Agroecológica (Sipa), mais
da necessidade de obter conhecimentos a participação da Embrapa e dos Estados conhecido como Fazendinha Agroecoló-
voltados para a produção agroecológica brasileiros na construção de uma Agro- gica Km 47, um espaço que foi planejado
ou para a agricultura orgânica, e a opção ecologia participativa e diversa, ao lado para ser uma vitrine da produção orgânica,
foi direcionar a pesquisa para o modelo de dos movimentos sociais e Organizações sendo resultante de uma iniciativa conjunta
agricultura agroindustrial. Isto tem sido Não Governamentais (ONGs) ligados à da Embrapa Agrobiologia, da Empresa de
comum na maioria das pesquisas dessa agricultura camponesa. Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio
Empresa. Ao ser identificada como um dos de Janeiro (Pesagro-Rio) e da Universidade
Atualmente, a Embrapa possui 47 Uni- muitos elos da vasta rede de intercâmbio Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
dades Descentralizadas e 16 escritórios, voltada para a construção participativa do Engloba o Centro de Formação em Agroe-
espalhados em quase todos os Estados conhecimento agroecológico, estreitam- cologia e Agricultura Orgânica (CFAAO),
brasileiros, e vem contribuindo com im- se cada vez mais os intercâmbios da que busca consolidar experiências educati-
portante parcela do conhecimento gerado Embrapa com a inovação tecnológica em vas desenvolvidas com base no Sipa, dando
em pesquisas voltadas para a transição Agroecologia, geradora de tecnologias suporte a atividades de formação para
agroecológica e a produção orgânica de e processos capazes de favorecer a agri- instituições de extensão rural, entidades da
alimentos. Abarca temas como: uso e cultura camponesa e a produção limpa. agricultura familiar, instituições públicas,
conservação da biodiversidade brasileira; Marcos importantes na consolidação da estudantes e técnicos de todo o País. Englo-
resgate de materiais crioulos e dos sabe- Agroecologia no Brasil têm impulsiona- ba, ainda, o Programa de Pós-Graduação
res associados; sistemas agroflorestais; do o direcionamento da pesquisa voltada em Agricultura Orgânica (PPGAO) em
consórcios múltiplos; controle biológico; para a área. nível de mestrado profissional, oferecido
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Agricultura orgânica e agroecologia 95

em parceria com a UFRRJ (EMBRAPA de materiais de milho no Banco Ativo de nativas (TA) dedicou-se a recuperar
AGROBIOLOGIA, 2015). Germoplasma (BAG) da Embrapa Milho e ou catalogar as inovações geradas na
A partir do lançamento do Marco Sorgo onde estão depositados cerca de três prática dos pequenos agricultores, orga-
Referencial em Agroecologia abriram-se mil acessos, coletados junto a famílias de nizar sistemas de difusão por meio das
possibilidades para elaboração e aprova- camponeses brasileiros ao longo dos anos, organizações de movimentos populares
ção de vários projetos e programas em é uma prova dessa capacidade criativa dos no campo, sistematizar as experiências
Agroecologia na Embrapa, entre esses, em povos tradicionais. mais avançadas, articular a sensibili-
zação em organismos de investigação
2008, o Projeto Transição Agroecológica: Muitas entidades que atuam junto à
agricultura camponesa no Brasil são oriun- tecnológica governamentais, para que
Construção Participativa do Conhecimento
das de um movimento iniciado na década incorporem este acúmulo empírico de
para a Sustentabilidade, sob a liderança da
conhecimentos. Esse Projeto foi de fun-
Embrapa Clima Temperado, no âmbito do de 1980. Algumas delas são a Rede de
damental importância para novas for-
Macroprograma 1 da Embrapa. Esse Projeto Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
mas de relação entre Estado e sociedade
articula vários outros, que envolvem pesqui- (REDE); Assessoria e Serviços a Projetos
rural, entre cientistas e movimentos po-
sadores de vários centros da Embrapa. Os em Agricultura Alternativa (AS-PTA);
pulares. Essa experiência teve relação
mesmos ares que permitiram o lançamento Centro de Agricultura Alternativa do Norte
direta com o surgimento da Assessoria
do Marco, permitiram também a construção de Minas (CAA-NM) e REDE Cerrado.
e Serviços a Projetos em Agricultura
da carteira de projetos, chamada Macropro- Apenas a REDE Cerrado congrega 89
Alternativa (AS-PTA) e com as corren-
grama 6, que desenvolve pesquisas voltadas entidades filiadas.
tes que adotaram perspectivas social e
exclusivamente para a agricultura familiar No Brasil, Schmitt (2009) reforça que
ecológica. (EMBRAPA, 2006).
e que, em razão dos seus princípios e dire- a Agroecologia passou a se afirmar como
A inserção da Agroecologia nas instân-
trizes, fortalece a Agroecologia. O Marco uma referência conceitual e metodológica,
cias públicas no Brasil, que tem estreita
a partir do início dos anos de 1990. Isso foi
permitiu também o lançamento da Coleção relação com os movimentos sociais, é
fruto, em grande medida, da incorporação
Transição Agroecológica. É claro que muito assim relatada (PETERSEN; ALMEIDA,
dessa abordagem por organizações da socie-
ainda falta para se chegar a uma Embrapa 2004 apud PADULA et al., 2013):
dade civil vinculadas à chamada agricultura
agroecológica, mas os primeiros passos já
alternativa. Diversos estudos referenciam o Nos Estados Unidos, o início da
estão sendo dados (PADULA et al., 2013).
histórico de construção da Agroecologia pe- discussão sobre a Agroecologia teve
los movimentos sociais, com destaque para ênfase mais científica, ao contrário do
BREVE HISTÓRICO SOBRE
Almeida (1998), Gomes de Almeida (2009) Brasil, onde o início foi mais marcado
AGROECOLOGIA NO BRASIL
e Petersen e Gomes de Almeida (2004). Para por movimentos sociais favoráveis à
Por milênios e gerações, os povos esses autores, a partir da valorização de agricultura alternativa.
tradicionais das Américas viram-se diante ambientes locais de organização sociopolí- De agentes promotores a ativos in-
de grande diversidade edafoclimática, tica, criados pelas comunidades eclesiais de centivadores da agricultura familiar, os
geográfica e biológica, e aprimoraram base (CEBs), o movimento agroecológico movimentos sociais contribuem também
sistemas produtivos para atender às de- no Brasil deu seus primeiros passos. Assim com a fiscalização das políticas públicas
mandas por alimento, fármacos, fibras e como os principais movimentos sociais no e, portanto, a interlocução com o Estado
de suas tradições culturais. Desde 1500, os campo, grande parte das ONGs, dedicadas brasileiro, o que exemplifica um modelo
então cuidadores do território americano, atualmente à promoção da Agroecologia, de democracia participativa. Promovida
detentores de vasto conhecimento ances- teve suas origens nos grupos constituídos pela AS-PTA em 1989, a tradução do li-
tral, compartilharam sementes e saberes pelas CEBs, com o apoio da Comissão vro Agroecologia: as bases científicas da
com os povos recém-chegados da Europa. Pastoral da Terra (CPT) (SOUSA; MAR- agricultura alternativa (ALTIERI, 2002),
Essa generosidade fortaleceu a segurança TINS, 2013). amplificou a discussão teórica e científica
alimentar e nutricional dos europeus, com sobre a Agroecologia no Brasil.
A trajetória das experiências brasileiras
a ampliação da oferta de espécies alimentí- em Agricultura Ecológica é marcada A ideia do enfoque sistêmico e a intro-
cias. Daí surgiram no cardápio, entre tantas por importantes contribuições de várias dução do conceito de agroecossistema
outras novas espécies vegetais americanas, instituições, que estimularam as discus- trouxeram avanços para o debate nos
a batata, o milho, o tomate, o amendoim, sões sobre os impactos da agricultura grupos de agricultura alternativa, e o
o abacaxi e o girassol. A oralidade, como moderna e propostas alternativas; a enfoque agroecológico foi incorporado
parte das tradições culturais locais, continua Federação dos Órgãos para Assistência como base do movimento. (PETER-
sendo uma estratégia de reprodução cultural Social e Educacional (Fase), que por SEN; ALMEIDA, 2004 apud PADULA
e de sobrevivência. A grande diversidade meio do Projeto de Tecnologias Alter- et al., 2013).

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96 Agricultura orgânica e agroecologia

Desse modo, pela união da ciência e a criatividade do campesinato para as as comunidades tradicionais vêm-se capa-
com o ativismo político oriundo das ar- mudanças e adaptações de tecnologias e citando para resgatar materiais dados por
ticulações entre os diversos movimentos, reforça sua dependência por produtos co- perdidos, guardados, em grande parte, nos
urbanos e rurais, foram identificadas de- mercializáveis pela indústria de insumos, Bancos de Germoplasma da Embrapa, o
mandas gerais e específicas, o que resultou que, por sua vez, invariavelmente, almeja que favorece a continuidade da criação de
na criação de leis como a Política Nacional primeiramente o lucro. sementes adaptadas às condições edafo-
de Agroecologia e Produção Orgânica Envolta no ambiente competitivo, tal climáticas e culturais próprias, com baixo
(Pnapo) (BRASIL, 2012) e seu conse- perspectiva traz inconvenientes para a custo de produção. A Agroecologia (como
quente Plano Nacional de Agroecologia e pesquisa pública: assim como na lavoura Ciência transdisciplinar, integradora como
Produção Orgânica (Planapo). idealizada aos moldes da indústria, a pro- movimento social, que busca a socialização
dutividade na pesquisa deve ser crescente, do conhecimento e das sementes, em opo-
AMPLIAÇÃO DA ESCUTA E o que incentiva a competição entre pesqui- sição à commoditização da vida, e como
DO DIÁLOGO - PRIMEIROS sadores, tornando espaços de criatividade e prática de escuta e do diálogo) poderá
DESAFIOS PARA A de geração de conhecimento em ambientes contribuir para que a Embrapa reoriente-se
TRANSIÇÃO E CONSTRUÇÃO de pouca partilha e muita desconfiança. O
DO CONHECIMENTO dentro de suas funções sociais primevas,
revés desse modelo produtivista na pesqui-
AGROECOLÓGICO atuando prioritariamente junto à agricul-
sa pública é que pouco favorece a diver- tura campesina e aos povos tradicionais.
Surgem, assim, novos desafios para a sidade e a inovação, e tende a dificultar o
Embrapa, ante a complexidade do mundo estabelecimento de pesquisadores recém- DIALOGICIDADE,
atual: integrar em suas pesquisas o conhe- contratados, inviabilizar parcerias internas COMPLEXIDADE E PESQUISA
cimento tradicional e o científico, não sem e reduzir a um nível mínimo necessário o PARTICIPATIVA
antes ampliar a escuta e compartilhar com intercâmbio de conhecimentos entre áreas
O documento Marco referencial em
a sociedade as decisões sobre os objetos de do conhecimento. Tal modelo de pesquisa
agroecologia destaca que:
pesquisa, visando à produção com menor teve sucesso relativo na aferição de eventos
custo ambiental e financeiro, com quali- isolados ou para comparar técnicas em É por intermédio do enfoque sistêmico,
dade para quem consome e preço justo sistemas controlados e simplificados (testes portanto, que se torna possível o esta-
para quem produz. Formados na tradição com sementes melhoradas, agrotóxicos, belecimento de pontes entre o método
científica clássica, disciplinar, a maioria espaçamentos e densidades, por exemplo), racional/analítico de construção de co-
dos profissionais da Embrapa acompanhou como nos monocultivos. Mas mostra-se nhecimentos adotado por pesquisadores
os efeitos rápidos no controle de insetos e limitado para estudos nos complexos sis- e os métodos intuitivos/integradores
fungos e os saltos de produtividade gerados temas agrobiodiversos camponeses. dos agricultores. A possibilidade de
pelo modelo agroquímico com sementes Dentro do mundo complexo atual, estabelecimento desses diálogos é con-
híbridas dependentes de adubos solúveis. destaca-se o movimento por autonomia e dição insubstituível para que pesqui-
Em tal modelo, em geral, busca-se o enfren- protagonismo, em parte consolidado nos sadores participem das pesquisas dos
tamento das externalidades com produtos movimentos sociais e da agroindústria agricultores. (EMBRAPA, 2006, p.19).
(pela substituição constante de sementes em geral, impulsionados pelo modelo de Referência mundial em processos
melhoradas e de agrotóxicos), nem sempre mercado neoliberal que apregoa o Estado educacionais dialógicos, Paulo Freire di-
incluindo componentes da diversidade bio- mínimo. A intensidade do uso de semen- recionou suas reflexões para a agricultura
lógica, geográfica e cultural. Ao incorporar tes de milho geradas pela Embrapa é um camponesa e trouxe fundamental contri-
o maior número de externalidades, o proces- exemplo da distinção entre os caminhos buição para a perspectiva da integração
so de concepção e geração de resultados da trilhados no período inicial da criação da dos saberes.
pesquisa participativa torna-se dependente Embrapa e o atual: outrora com relevante [...] não queremos negar ao agrônomo,
do conhecimento historicamente construído participação, agora detém perto de 1% do que atua neste setor, o direito de ser
pelas comunidades camponesas. mercado de sementes de milho no Brasil. um educador-educando, com os cam-
Quando se considera que a pesquisa Ficam, portanto, minimizados os possíveis poneses, educandos-educadores. Pelo
ideal é aquela que nasce na bancada do impactos positivos das ações da Embrapa contrário, precisamente porque estamos
pesquisador e termina no prato do consu- e do poder público em geral, nas mais di- convencidos de que é o seu dever, de
midor, os méritos de possíveis melhorias ferentes versões da produção de alimentos. que esta é a sua tarefa de educar e de
na qualidade dos sistemas produtivos são, Isso coloca em situação de fragilidade o educar-se, não podemos aceitar que seu
em geral, endereçados aos pesquisadores. modelo atual de pesquisa e gera a necessi- trabalho seja rotulado por um conceito
Tal visão desconsidera o protagonismo dade de buscar rumos novos. Atualmente, que o nega. (FREIRE, 1969, p.13).

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Agricultura orgânica e agroecologia 97

Na Embrapa, o modelo de “fazer Na verdade, trata-se de ultrapassar o gráfico, cultural, histórico, político), o que
junto”, com o envolvimento dos cam- paradigma da ciência e da lógica clás- exige ampliação da escuta das equipes que
poneses desde a elaboração do projeto, sicas, sem rejeitá-las, mas integrando-as atuam na pesquisa de base Agroecológica
ainda encontra restrições culturais, mais em um paradigma da complexidade. e, portanto, maior aproximação com os
que metodológicas e operacionais (falta Devemos encorajar e intensificar a camponeses.
de capacitação das equipes de pesquisa revolução e a reforma de pensamento Na pesquisa agropecuária convencional,
para “saber ouvir”). Metodologias que fa- dominante, que, de forma oculta, nos
tal condição é possível, mas não necessária,
impele, em todos os domínios, do
vorecem a aproximação das comunidades pois, em sua origem e nas principais diretri-
conhecimento, da ação e da ética, à
estão relacionadas em De Boef e Pinheiro zes, busca-se favorecer a disseminação de
disjunção, à simplificação, à redução.
(2007). tecnologias que aumentem a produtividade
(MORIN, 2013, p.151).
Na busca pela popularização dessa em sistemas simplificados, em geral com
Especificamente quanto ao tema mu-
perspectiva junto à equipe que atua nos o uso de agrotóxicos, como inseticidas,
danças climáticas, é possível reconhecer a
projetos de Agroecologia na Embrapa, organismos geneticamente modificados
importância e os desafios do alinhamento
ocorreu, em novembro de 2011, um trei- (OGMs) e adubos nitrogenados solúveis, o
das ações de pesquisa da Embrapa com a
namento em Agroecologia promovido que atende prioritariamente à demanda do
nova visão da complexidade apresentada
pelo Projeto Transição Agroecológica – mercado de commodities e não necessaria-
pela Agroecologia.
Rede de Pesquisa Participativa em Agro- mente às comunidades regionais.
ecologia. Uma das suas primeiras dinâmi- [...] a maioria das pesquisas que re-
cas versava sobre o desenvolvimento de lacionam a agricultura às mudanças CRIAÇÃO DE NÚCLEOS DE
competências conversacionais, voltadas climáticas concentra-se na resiliência AGROECOLOGIA NO BRASIL
principalmente ao aprimoramento da ca- ecológica dos agroecossistemas e E FORMAÇÃO DE REDES
pacidade de ouvir, da escuta, em oposição pouco tem sido investigado sobre DE AGROECOLOGIA NA
ao modelo transferidor de tecnologias, a resiliência social no âmbito das EMBRAPA
comunidades rurais. A capacidade
considerado como de visão reducionis- Diversas ações têm sido observadas
adaptativa das comunidades, frente a
ta. O paradigma proposto é outro, que, ao longo da consolidação da Agroecolo-
tensões sociais, políticas e ambientais
segundo Mascarenhas e Mascarenhas gia no Brasil. Como exemplo, a recente
externas, deve evoluir em conjunto com
(2011) deve-se incorporar o conceito de aprovação de projetos no Ministério
os mecanismos que conferem resiliên-
complexidade ou o arcabouço teórico do Desenvolvimento Agrário (MDA),
cia ecológica. Para serem resilientes,
necessário para tratar os sistemas comple- em parceria com o Conselho Nacional
as sociedades rurais devem possuir
xos, pressupondo uma mudança de foco
capacidade de lidar com perturbações de Desenvolvimento Científico Tecno-
de estruturas, quantidade e reducionismo valendo-se de métodos agroecológicos lógico (CNPq), Chamada MDA/CNPq
para padrões, qualidade e visão sistêmica. adotados e divulgados por meio da no 38/2014 - Sistemas orgânicos de pro-
A capacidade de lidar com o complexo auto-organização e da ação coletiva. dução de base ecológica (CNPq, 2014b),
tem-se tornado uma necessidade premen- (TOMPKINS; ADGER, 2004 apud que objetiva, principalmente, ampliar as
te no mundo quase plano que vivemos. NICHOLS et al., 2015, p.25). condições para formação de núcleos de
Questões relativamente recentes, como Agroecologia em centros de pesquisa ou,
desenvolvimento sustentável, aqueci- PESQUISA-AÇÃO E AS no caso de já existirem equipes atuantes,
mento global, globalização e o papel das TRANSFORMAÇÕES que estas tenham suas ações ampliadas.
redes na sociedade, envolvem estruturas COMPARTILHADAS As ações de inovação tecnológica e de
hierárquicas em vários níveis e proprie- A pesquisa em Agroecologia é por formações a ser desenvolvidas com os
dades emergentes, e, portanto, não podem vezes associada à pesquisa-ação, que, recursos disponibilizados pelo edital estão
ser discutidas com base nos conceitos para Coura Sobrinho e Silva (1998), é, integradas ao Plano Nacional de Inova-
reducionistas vigentes. por definição, “a procura de soluções para ção e Formação do MDA, com base na
Edgar Morin, um dos mais importantes problemas bem específicos, em contextos Política Nacional de Assistência Técnica
filósofos da complexidade, considera que específicos, na tentativa de aprimorar a e Extensão Rural (Pnater) e na Pnapo e
o seu livro, O método: prática.” no Planapo.
é como um ensaio, cujo objetivo é Por essa ótica, camponeses serão sem- Em algumas Unidades da Embrapa,
mudar o paradigma dominante que pre agentes do processo de produção do antes da Chamada MDA/CNPq no 38/2014
hoje entrava nossas possibilidades de conhecimento, pois estão estreitamente (CNPq, 2014b), já existiam núcleos de
responder ao desafio da complexidade. relacionados com os contextos locais (geo- Agroecologia formalizados.
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O núcleo temático de agroecologia da ção e intercâmbio de conhecimento agro- Nacional dos Sistemas Estaduais de Pes-
Embrapa Soja é composto por equipe ecológico voltado à realidade amazônica, quisa Agropecuária (Consepa), presidente
multidisciplinar, com participação de e ao mesmo tempo, garantir as demandas do Conselho Nacional de Segurança Ali-
pesquisadores e analistas das áreas de nacionais do Planapo (EMBRAPA, 2015). mentar e Nutricional (Consea), ministro da
fitopatologia, entomologia, manejo da Importante aprovação para a Embrapa Secretaria Geral da Presidência, ministro
cultura, microbiologia, fertilidade do Tabuleiros Costeiros junto ao CNPq foi da Casa Civil, Presidência da República,
solo e nutrição de plantas, transferência a do Projeto Núcleo de Extensão em De- secretário da Secretaria de Estado de
de tecnologia, plantas daninhas e melho-
senvolvimento Territorial: Agroecologia, Agricultura, Pecuária e Abastecimento de
ramento genético. O trabalho é voltado
Gênero e Participação Política no Cam- Minas Gerais (Seapa-MG) e governador
para a agricultura familiar, e conta com
po, na Chamada CNPq/MDA/SPM-PR de Minas Gerais.
parceria de instituições de pesquisa,
no 11/2014 (CNPq, 2014a). A ação é lide- Estando diante de um quadro em seus
ensino, extensão e assistência técnica
rada pela Universidade Federal de Sergipe esboços iniciais, o que dificulta a percep-
pública e privada, além de organizações
(UFS), e tem a parceria da Unidade da ção da obra como um todo, faz-se aqui um
e associações de produtores. A equipe
também participa de fóruns de discussão
Embrapa. O Projeto marca um novo e apanhado sobre uma vivência relacionada
no Paraná sobre agroecologia e agricul- importante momento para a política ter- com a pesquisa em Agroecologia na Em-
tura familiar. (EMBRAPA SOJA, 2015). ritorial em Sergipe, pois será responsável brapa Milho e Sorgo.
Essa Chamada prevê que serão inves- pela gestão social dos quatro Territórios de
tidos, em dois anos, R$ 2 milhões do or- Identidade Rural do Estado. Como é meta AGROECOLOGIA NA
da Embrapa a implantação de 20 núcleos EMBRAPA MILHO E SORGO: A
çamento do MDA, por meio da Secretaria
de agroecologia previstos no Planapo, EXPERIÊNCIA DO CONTROLE
de Agricultura Familiar e do Departamento
BIOLÓGICO E DO NÚCLEO DE
de Assistência Técnica e Extensão Rural a aprovação desses projetos será de grande
AGROECOLOGIA
(Dater), em parceria com o CNPq, que importância para a estruturação de arranjos
pretendem fortalecer a agenda de Agroeco- regionais da agenda da Empresa integrando Ao promover a avaliação da produtivi-
logia, que, por sua vez, tem como público ações de pesquisa e transferência de tecno- dade de milho na região central de Minas
prioritário os agricultores familiares. Dos logia (TT) da Embrapa com as entidades Gerais, em 2010 a Empresa de Assistência
25 projetos aprovados na Chamada MDA/ da Ater e com entidades que trabalham Técnica e Extensão Rural do Estado de
CNPq no 38/2014 (CNPq, 2014b), dez com agroecologia (COELHO; ANTUNES, Minas Gerais (Emater-MG) e a Embrapa
são da Embrapa, a seguir relacionados: 2014). Milho e Sorgo optaram por uma avaliação
Embrapa Agrobiologia, Seropédica, RJ; Uma ação que envolveu diretamente sistêmica de produção, incluindo, além
Embrapa Algodão, Campina Grande, PB; o Setor de Transferência de Tecnologia de dados quantitativos (t/ha), parâmetros
Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA; (STT) da Embrapa Milho e Sorgo, foi a qualitativos, como a intensidade de uso de
Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS; Oficina de Concertação Assistência Técni- técnicas de base agroecológica (adubação
Embrapa Cocais, São Luís, MA; Embrapa ca, Extensão Rural, Pesquisa, e Ensino no verde e controle biológico, por exemplo)
Meio-Norte, Teresina, PI; Embrapa Milho Contexto da Construção de Políticas Públi- e a percepção ambiental dos agriculto-
e Sorgo, Sete Lagoas, MG; Embrapa Re- cas para Agricultura Familiar e Agroecolo- res. Nesse ano, foram realizadas visitas
cursos Genéticos e Biotecnologia, Brasília, gia, promovida pela Embrapa e pelo MDA a 48 propriedades de 19 municípios da
DF; Embrapa Tabuleiros Costeiros, Araca- em parceria com a EPAMIG, que ocorreu regional da Emater-MG de Sete Lagoas
ju, SE; Embrapa Semiárido, Petrolina, PE. nos dias 2 e 3 de dezembro de 2014, em que cultivavam milho. Além de colher
Na Embrapa Amazônia Oriental, PA, Sete Lagoas, MG. Dessa reunião, surgiu a informações fitotécnicas, fez-se uso de
o denominado Núcleo Puxirum Agro- necessidade de redação de documento des- questionário ilustrado, impresso em cores,
ecológico visa entender o potencial da tinado à Agência Nacional de Assistência com fotos dos principais insetos agentes
agroecologia na Amazônia. É um grande Técnica e Extensão Rural (Anater) com de controle biológico presentes no milho,
desafio, pois envolve diversos fatores que a finalidade de apresentar as conclusões o qual foi apresentado aos agricultores e
vão desde agricultura familiar, o extrativis- da Oficina. Esse documento também foi extensionistas, conforme Matrangolo et al.
mo, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) e a enviado ao ministro do MDA, secretário (2010). O contato direto com agricultores
pecuária. O Núcleo envolve diversos atores da Secretaria de Agricultura Familiar do e extensionistas da Emater-MG permitiu
como instituições de pesquisa, universi- MDA, presidente da Embrapa, presidente traçar estratégias para contrapor o grande
dades, gestores públicos e representantes da Associação Brasileira das Entidades Es- desconhecimento geral relativo aos insetos
dos produtores por meio de associações e taduais de Assistência Técnica e Extensão agentes de controle biológico, aqui deno-
cooperativas. O objetivo é atuar na constru- Rural (Asbraer), presidente do Conselho minados “amigos naturais”.
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Agricultura orgânica e agroecologia 99

Dez produtores fizeram uso de inse-


ticida sintético (20,8%), enquanto 9
detectaram a presença de inimigos
naturais nas lavouras de milho. O fato
de 5 dos 9 produtores que detectaram
agentes de controle biológico em suas
lavouras terem feito uso de inseticidas
faz crer que desconheciam o potencial
que a biodiversidade tem em minimi-
zar os impactos negativos da presença
de fitófagos no milho, o que pode ser
o resultado de limitada percepção

Walter José Rodrigues Matrangolo


ambiental. (MATRANGOLO et al.,
2010, p.29).
Ainda não é senso comum o fato de
muitos insetos agentes de controle bioló-
gico de fitófagos originalmente viverem
e se multiplicarem nas matas, de onde se
deslocam em direção às lavouras, atraídos
por sinais químicos vindos das plantas cul-
tivadas danificadas. Sem as matas, reduz-se Figura 1 - Leiteira ou amendoim-bravo
a capacidade de um agroecossistema mini- NOTA: Esta planta é visitada por dois agentes de controle biológico, na área de produ-
ção orgânica da Embrapa Milho e Sorgo, dezembro 2011.
mizar e reverter danos gerados por surtos
populacionais de insetos fitófagos. Um
exemplo de serviços ambientais prestados biodinâmica. Uma das estratégias para INSETOS AGENTES DE
pela vegetação nativa pode ser visualizado minimizar esse afastamento e reatar vín- CONTROLE BIOLÓGICO
na Figura 1, onde a planta, nesse exemplo culos da sociedade com a natureza está na EM BLOCOS DE RESINA:
a leiteira ou amendoim-bravo (Euphorbia alfabetização ecológica. Gadgil, Berkes e ESTRATÉGIA PARA
heterophylla L.), dispõe de nectários (glân- APROXIMAÇÃO DA
Folke (1993), Pierotti e Wildcat (2000) e
dulas que excretam compostos nutritivos) BIODIVERSIDADE E
Davis e Wagner (2003), consideram, em AMPLIAÇÃO DA PERCEPÇÃO
que alimentam tanto o díptera parasita síntese, a alfabetização ecológica como AMBIENTAL
Archytas sp. (suas larvas crescem ali- base de conhecimento acumulado que des-
mentando-se da parte interna de lagartas) As imagens dos insetos podem levar a
creve os componentes do ecossistema local
como a joaninha (provavelmente trata-se interpretações errôneas, como no caso da
e suas interações mais comuns derivadas de
da espécie exótica Harmonia axyridis),
um conjunto de observações acumuladas. vespa parasítica Campoletis flavicincta
predadora de pulgões e pequeno insetos.
A popularização da ciência surge (Hymenotera: Ichneumonidae), que em
Ao considerar as matas e espécies sua fase adulta é do tamanho de um
como necessidade para que todo cidadão
herbáceas e arbustivas espontâneas como pernilongo (menos de 1 cm), mas que
torne-se ativo colaborador no processo de
fundamentais para o controle de fitófagos por diversas vezes foi identificada pelos
mudanças. Faz-se necessário disponibilizar
e, consequentemente, para o rendimento
informações de forma clara, que considere agricultores como sendo “marimbondo”.
de sua lavoura, o agricultor terá uma visão
a complexidade inerente ao atual estádio Isso exige uma ferramenta mais preci-
mais complexa sobre seu agroecossistema.
de desenvolvimento de nossa sociedade. sa, como os blocos de resina, para que
O desconhecimento dos diversos pa-
péis das matas e de seus organismos na Em Reflexões e relatos sobre a prática as respostas sejam mais consistentes.
dinâmica produtiva agrícola é consequên- da agroecologia intermediada pela alfa- Além de contribuir para aprimorar a
cia de um afastamento de nossa cultura betização ecológica, Matrangolo (2013) metodologia de pesquisa em percepção
ocidental do ambiente natural. Em A apresenta justificativas para a utilização relativa aos agentes de controle bioló-
dissociação entre o homem e a natureza - da estratégia da alfabetização ecológica gico, os blocos de resina favorecerão a
reflexos no desenvolvimento humano, na ampliação da percepção ambiental e, popularização desses organismos, por
Miklós (2000) descreve esse processo consequentemente, no favorecimento da permitirem o manuseio e uma observa-
pela ótica transdisciplinar da agricultura transição agroecológica. ção mais detalhada.
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100 Agricultura orgânica e agroecologia

Incrustar os amigos naturais em


blocos de resina pode favorecer o
contato das comunidades rurais com
esses organismos. A popularização dos
organismos benéficos será poderoso
insumo para a transição agroecoló-
gica. A proposta foi apresentada por
Matrangolo (2012) no 12 o Simpósio
de Controle Biológico (Siconbiol) e
vem sendo desenvolvida pela Embra-
pa Milho e Sorgo e parceiros (Fig. 2).

Walter José Rodrigues Matrangolo


Conta com o apoio do Centro Vocacional
Tecnológico (CVT-MG) - Grupo Guayi
de Agroecologia, coordenado pela Uni-
versidade Federal de São João del-Rei
(UFSJ), Campus Sete Lagoas e do Projeto
Núcleos de Agroecologia (CNPq, 2014b).
A atividade consta de outros dois projetos,
ambos financiados pelo Macroprograma Figura 2 - Treinamento de processo de incrustação de insetos
6 da Embrapa: Produção de Sementes NOTA: Curso de Controle Biológico e Transição Agroecológica, na Universidade Federal
Próprias em Sistemas de Base Ecológica de São João del-Rei (UFSJ), Campus Sete Lagoas, outubro 2014.
por Agricultores Familiares no Estado do
Paraná (coordenado pela Embrapa Soja,
Dentro das ações do Projeto Produção não havia sido publicado o Guia para o
Londrina, PR) e Monitoramento Partici-
de Sementes Próprias em Sistemas de Base reconhecimento de inimigos naturais de pra-
pativo da Resiliência de uma Paisagem Ecológica por Agricultores Familiares gas agrícolas (SILVA et al., 2013) (Fig. 4),
Agrícola e o Papel de Práticas Agroecoló- no Estado do Paraná, foi apresentado um que objetiva a popularização necessária
gicas na Conservação da Biodiversidade conjunto de insetos incrustados durante a desses insetos. Essa é uma ferramenta que
(coordenado pela Embrapa Agrobiologia, Feira de Sementes Crioulas no Paraná, na vem sendo utilizada em “rodas de conversa”
Seropédica, RJ). zona rural do município de Rio Azul, o que com agricultores, buscando compartilhar os
Foram realizados três cursos objeti- atraiu a atenção dos visitantes, principal- saberes relativos a tais organismos. Durante
vando destacar a importância do controle mente das crianças (Fig. 3), comprovando o o intercâmbio com agricultores com a utili-
biológico no processo de transição agroe- interesse geral pela biodiversidade, embora zação desse guia, foi possível ouvir de agri-
cológica e divulgar a técnica de incrustação haja carência de ferramentas que estimulem cultores em dois municípios de Minas Gerais
de insetos em blocos de resina. A primeira esse contato. (Jequitibá e Uberlândia), que a fase imatura
versão do curso Controle Biológico e Raramente as caixas entomológicas são do inseto da ordem Neuroptera (Família
a Transição Agroecológica ocorreu em utilizadas para esse fim – popularização
Chrysopidae – vulgarmente denominada
outubro de 2014, e três outras versões da biodiversidade – pois a fragilidade dos
no meio acadêmico como bicho-lixeiro,
ocorreram em maio, outubro e novembro insetos secos é grande, o que restringe o
pelo comportamento de aderir em sua face
de 2015. O curso completo, com duração contato direto e o manuseio constante,
dorsal os restos de insetos que lhe servem
de três dias foi dividido em três eixos: importante diferencial dos blocos de resina.
de alimento, que conferem uma ótima ca-
no primeiro eixo, foram apresentados os Amplia-se, ainda, a oportunidade de, junto
muflagem) era chamada “bicho da fartura”
fundamentos em Agroecologia e manejo aos agricultores e extensionistas, relacionar
por seus familiares, e que sua abundância
de insetos fitófagos. No segundo eixo, o inúmeros organismos à presença de plantas
controle biológico e manejo cultural, e no era associada à boa safra. Um conhecimento
espontâneas e matas próximas às lavouras,
terceiro eixo, foi apresentada a técnica de o que favorecerá a adoção de processos que que pode desconsiderar o papel ecológico do
montagem e incrustação de insetos, com estimulem o controle biológico natural, inseto (predação), mas que o associa direta e
uma prática de campo sobre coleta de conservação de matas e, consequentemen- positivamente com a produção de alimento.
insetos. Uma versão reduzida, constando te, a própria transição agroecológica. Nos ambientes acadêmicos da ciência
apenas a parte de incrustação, foi realizada Na época da pesquisa com os agriculto- moderna, os pesquisadores aprendem a
na Embrapa Soja, em 2014. res da região central de Minas Gerais, ainda entender as técnicas, a investigar as espé-

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Agricultura orgânica e agroecologia 101

Guia para o

Walter José Rodrigues Matrangolo


reconhecimento
Guia para o de
inimigos naturaisde
reconhecimento de
Guia para o
pragas naturais
agrícolasde
inimigos
reconhecimento de
pragas naturais
inimigos agrícolasde
pragas agrícolas
Figura 4 - Guia para o reconhecimento de
Figura 3 - Feira de Sementes Crioulas no Paraná inimigos naturais de pragas agrí-
NOTA: Foi grande o interesse dos participantes com relação aos blocos de resina con- colas
tendo insetos, setembro 2014. FONTE: Silva et al. (2013).

cies utilizadas e a desvendar os sistemas Reconhecimento de Inimigos Naturais de Participam da equipe 11 professores da
de produção, energia e abastecimento Pragas Agrícolas, que vêm sendo entregues UFSJ, 4 pesquisadores da Embrapa Milho
por meio dos quais os grupos humanos a agricultores e demais envolvidos com a e Sorgo, 2 da EPAMIG e 1 da Fundação
se apropriam da natureza. Mas raramente Agroecologia. Esse documento tem poten- Zoobotânica em Belo Horizonte-MG.
são ensinados a reconhecer a existência cial para tornar-se importante instrumento O Projeto tem como eixo temático
de uma experiência, de certa sabedoria, de investigação em âmbito nacional, capaz principal a troca de experiências e a conso-
acumulada nas mentes de milhões de de permitir que se identifiquem convergên- lidação dos conhecimentos agroecológicos
homens e mulheres que diariamente ma- cias, novidades ou lacunas relativas ao co- entre os ambientes rurais e urbanos em
nejam a natureza utilizando justamente nhecimento das espécies ali representadas Sete Lagoas e municípios vizinhos (Capim
essas técnicas, essas espécies e esses (oriundas do Rio de Janeiro), em diferentes Branco, Funilândia, Jequitibá e Prudente
sistemas. Hoje, no alvorecer de um novo ecorregiões brasileiras. de Morais), pertencentes à Bacia Hidro-
século, esses homens e mulheres ainda Com o domínio da técnica de blocos de gráfica do Ribeirão Jequitibá, afluente do
configuram a maior parte da população resina, cada instituto de pesquisa, ensino Rio das Velhas, que, por sua vez, é um dos
dedicada a se apropriar dos ecossistemas ou escritório de extensão poderá dispor dos maiores afluentes do Rio São Francisco.
do planeta. E acreditamos que é justa- kits com os principais agentes de controle O Projeto Constituição do Núcleo de
mente por essa omissão e esquecimento biológico de insetos fitófagos de sua região Agroecologia na Embrapa Milho e Sorgo e
por parte da pesquisa científica – obra e uma publicação complementar impressa, fortalecimento da equipe multi-institucional
e fundamento da modernidade – que a como o Guia da Embrapa Agrobiologia do CVT-MG – Grupo Guayi, foi aprovado
civilização industrial fracassou em sua (Fig.4), com as descrições sobre a ecologia pela equipe da Embrapa Milho e Sorgo
busca por realizar um manejo adequado dos principais amigos naturais locais. dentro da Chamada MDA/CNPq no 38/2014
da natureza. (TOLEDO; BARRERA A Embrapa também tem atuado junto (CNPq, 2014b), que objetiva a formação
BASSOLS, 2015, p.85). ao CVT- MG - Grupo Guayi de Agroecolo- de núcleo de Agroecologia nas Unidades
Parte do recurso disponível nos pro- gia. A proposta deste grupo é consolidar-se da Embrapa. São quatro linhas básicas de
jetos foi investida para a multiplicação na região de Sete Lagoas como um CVT ação, voltadas para as comunidades da Bacia
de 7.500 exemplares do Guia para o em Agroecologia e Produção Orgânica. Hidrográfica do Ribeirão Jequitibá:
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102 Agricultura orgânica e agroecologia

a) diálogos com agricultores familiares e do diálogo, dará o impulso necessário Informação Tecnológica; Seropédica: Embra-
para a prospecção por demandas para uma nova cultura civilizacional, e pa Agrobiologia, 2005. 517p. Disponível em:
agroecológicas; cuidadora do espaço à disposição. <http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/
recursos/AgrobCap1ID-Sim092KU5R.p df >.
b) realização de cursos direcionados Enfim, será importante reforçar os servi-
Acesso em: 13 abr. 2015.
aos beneficiários a partir de deman- ços públicos de pesquisa agrícola, nacionais
e internacionais, e orientá-los de maneira que BRASIL. Decreto no 7.794, de 20 de agos-
das identificadas por esses grupos; to de 2012. Institui a Política Nacional de
respondam prioritariamente às necessidades
c) adaptação da estrutura de espaços Agroecologia e Produção Orgânica. Diário
dos camponeses das regiões em dificuldades,
usados da Embrapa Milho e Sorgo Oficial da [República Federativa do Bra-
com a preocupação da viabilidade ecológica sil], Brasília, 21 ago. 2012. Seção 1. Dispo-
para atividades de pesquisa e capa-
dos ecossistemas cultivados (renovação da nível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
citação em Agroecologia;
fertilidade...), assim como de sua viabilidade vil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7794.
d) produção e reedição de publicações econômica e social (aumento e repartição htm>. Acesso em: 13 abr. 2015.
com perspectiva local. sustentável do bem-estar...) (MAZOYER; BRASIL. Lei no 10.831, de 23 de dezembro de
A Embrapa inicia-se na pesquisa par- ROUDART, 2010, p.35). 2003. Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá
ticipativa por meio das ações de grupos Ao se envolver na formulação e aplica- outras providências. Diário Oficial da [Repú-
que, regionalmente, praticam a pesquisa ção de políticas públicas em agroecologia blica Federativa do Brasil], Brasília, 24 dez.
em Agroecologia de forma prospectiva, e produção orgânica, fica ressignificada a 2003. Seção 1, p.8. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/
lançando os alicerces de uma ciência re- prática da pesquisa agropecuária e reafir-
L10.831.htm>. Acesso em: 13 abr. 2015.
cente, fundamentada no conhecimento de ma-se a função social histórica da Embrapa
CNPq. Chamada CNPq/MDA/SPM-PR no
distintas especialidades e indo ao encontro como agente de mudança.
11/2014 - Núcleos de extensão em desen-
do saber complexo, transdisciplinar.
AGRADECIMENTO volvimento territorial. Brasília, 2014a.
CNPq. Chamada MDA/CNPq no 38/2014 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao Conselho Nacional de Desenvol- Sistemas orgânicos de produção de base
A partir do lançamento da Planapo, em vimento Científico e Tecnológico (CNPq) ecológica. Brasília, 2014b.
e à Fundação de Amparo à Pesquisa do
12 de novembro de 2013, o corpo técnico COELHO, S.; ANTUNES, E. Pesquisadores
que desenvolve pesquisa em Agroecologia Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo querem fortalecer estudos em agroecologia
na Embrapa poderá ser ampliado. Mais financiamento das pesquisas. para NE. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Cos-
recentemente, a Agroecologia vem sendo À equipe do Projeto CVT-MG Grupo teiros, 2014. Disponível em: <https://www.
Guayi de Agroecologia, em especial à Dra. embrapa.br/tabuleiros-costeiros/busca-de-
considerada, pela Embrapa, como um tema
Leila Louback de Castro Ferraz, pelas noticias/-/noticia/2353015/pesquisadores-
transversal e o crescimento do número de
sugestões fundamentais na redação do querem-fortalecer-estudos-em-agroecologia-
pesquisadores contratados para essa área para-ne>. Acesso em: 13 abr. 2015.
presente artigo.
poderá não acontecer, considerando-se a hi-
Aos colegas da Empresa Brasileira de COURA SOBRINHO, J.; SILVA, S.R.E. da.
pótese de intensificação do contato de outras Considerações básicas sobre pesquisa em
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que
áreas do conhecimento com a perspectiva sala de aula. Revista de Estudos da Lingua-
se desafiam diariamente no exercício da
sistêmica trazida por essa Ciência, uma hipó- gem, Belo Horizonte, v.7, n.1, p.51-58, jan./
prática da Agroecologia em suas Unidades.
tese que implica na inclusão da perspectiva jun. 1998.
À Mônica, ao Lucas e ao Gabriel, pela
agroecológica no modo de fazer a pesquisa, DAVIS, A.; WAGNER, J.K. Who knows?
presença e incentivo.
integrada aos agricultores, sua região e On the importance of identifying “experts”
cultura, pela perspectiva da complexidade. when researching local ecological knowl-
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No livro História das agriculturas no
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nea, Mazoyer e Roudart (2010) apresentam
REIRA, A.D.D.; BRANDENBURG, A. (Org.).  novo profissional na pesquisa de desenvol-
o transcurso da agricultura, relacionando a Para pensar outra agricultura. Curitiba: vimento agrícola participativo. In: DE BOEF,
sua evolução ao constante progresso cien- UFPR, 1998.  p. 239-247. W.S. et al. (Org.). Biodiversidade e agricul-
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Agricultura orgânica e agroecologia 103

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104 Agricultura orgânica e agroecologia

Intercâmbios agroecológicos: aprendizado coletivo


Fabrício Vassalli Zanelli 1 , Angélica da Silva Lopes 2 , Irene Maria Cardoso 3 ,
Raphael Bragança Alves Fernandes 4 , Breno de Mello Silva 5

Resumo - A chamada Revolução Verde na agricultura difundiu-se, após a Segunda


Guerra Mundial, por meio de programas que priorizavam o aumento da produtividade
agrícola. No Brasil, as críticas a essa Revolução e a busca de alternativas foram
protagonizadas pelos atores que se identificavam com o movimento da agricultura
alternativa. Tal movimento fortaleceu-se a partir da redemocratização do País, na década
de 1980, quando as organizações da sociedade civil começaram a se recompor ou mesmo
a se constituir. Na Zona da Mata mineira, as organizações dos agricultores eram apoiadas
pelas Comunidades Eclesiais de Bases, que contribuíram também para a reflexão
sobre a necessidade de outras práticas agrícolas. Isto fortaleceu a criação do Centro
de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), em parceria com Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais da região e alguns professores e estudantes da Universidade
Federal de Viçosa (UFV). Na década de 1990, o movimento nacional pela agricultura
alternativa transformou-se no movimento pela agroecologia. Para sua construção,
muitos desafios técnicos e metodológicos precisaram e precisam ser superados. Isto
porque a agroecologia não é definida apenas por um conjunto de técnicas, mas por um
processo social, tendo como base a horizontalidade e a construção de novos saberes.
Um dos desafios nesse processo é como entrelaçar os saberes populares e científico. Na
Zona da Mata, esse desafio tem sido enfrentado com os intercâmbios agroecológicos,
formando, assim, uma verdadeira rede de conhecimentos, que vem contribuindo para
ampliar a agroecologia nessa região de Minas Gerais.
Palavras-chave: Agroecologia. Zona da Mata mineira. Construção do conhecimento.
Organizações sociais.

INTRODUÇÃO mundial, entendida como um problema nados por sistemas especializados


associado à baixa produção. em monoculturas;
A Revolução Verde foi gestada nos fins
As soluções, segundo cientistas e téc- e) no desenvolvimento crescente de
do século 19, e ampliou-se consideravel-
nicos (PEREIRA, 2012), estavam: pesquisas para aplicação em grandes
mente com os avanços tecnológicos, após
a) no uso de fertilizantes sintéticos e extensões de terras (latifúndios), em
a Segunda Guerra Mundial. Programas detrimento de outras formas de uso
agrotóxicos;
governamentais de valorização do aumento da terra.
da produtividade agrícola, por meio de b) no uso de variedades de alto rendi-
As monoculturas demandam um altís-
tecnologias de controle da natureza de base mento produzidas em laboratório;
simo gasto energético, não só pela mecani-
científico-industrial, foram fundamentais c) na introdução de máquinas com zação em todo o processo produtivo, mas
para a difusão das tecnologias da Revolu- motores de combustão interna no também na fabricação e na aplicação dos
ção Verde. A justificativa para a formulação lugar da tração animal; fertilizantes químicos e agrotóxicos, na
de tais programas era acabar com a fome d) na substituição dos sistemas rotacio- engorda dos animais e no processamento

1
Geógrafo, M.Sc., Prof. UFV - Depto. Educação, Viçosa, MG, fabricio.zanelli@gmail.com
2
Enga Agr a , Bolsista CNPq/UFV Projeto ECOAR, Viçosa, MG, angelica.ecoar@ctazm.org.br
3
Enga Agr a , Ph.D., Prof a Associada UFV - Depto. Solos/Bolsista CNPq/Coord. Projeto Comboio e do ProExt (MEC), Viçosa, MG, irene@ufv.br
4
Engo Agr o , Ph.D., Prof., UFV - Depto. Solos, Viçosa, MG, raphael@ufv.br
5
Engo Agr o , Coord. Executivo CTA-ZM, Viçosa, MG, breno@ctazm.org.br

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Agricultura orgânica e agroecologia 105

dos alimentos. Calcula-se que, atualmente, profundamente a natureza da produção agroecologia, que se traduziu na criação da
o gasto energético para a engorda de um agrícola, os ecossistemas nos quais a Política Nacional de Agroecologia e Pro-
boi (que come, em média, 11 kg de milho/ agricultura está enraizada e as formas de dução Orgânica, pelo governo federal, em
dia até que atinja seus 540 kg, quando está distribuição dos alimentos (PLOEG, 2008). 2012, como destacam Villar et al. (2013).
pronto para o abate) seja de, aproximada- Com a expansão desse modelo em As práticas são resultantes do esforço
mente, 132 L de petróleo – quase um barril escala global, a agricultura familiar foi de movimentos sociais e da ciência na
(POLLAN, 2007). fortemente impactada, e passou a desen- produção de outro paradigma de desen-
Para além do gasto energético, as mo- volver estratégias para se reproduzir em volvimento no campo. Trata-se, ao mesmo
noculturas da Revolução Verde levaram seus territórios. Desse modo, iniciou-se tempo, de um desafio e de um avanço,
ao estreitamento das bases genéticas da não só um processo de luta pela defesa afinal:
agricultura (erosão genética), o que, por dos territórios, mas também um processo
[...] muitas vezes há uma ligação entre
sua vez, tornou as culturas vulneráveis em busca da gestão autônoma e ecológica uma visão política (o movimento), uma
e fragilizadas a desequilíbrios e favorá- desses territórios. As reações ao modelo aplicação tecnológica (as práticas) para
veis ao surgimento de pragas e doenças, da Revolução Verde vindas da Ciência atingir as metas, e uma forma de pro-
levando a uma maior dependência de e da sociedade foram responsáveis pelo duzir o conhecimento (a ciência). Um
agrotóxicos. Tudo isso aumentou a de- surgimento da Agroecologia, seja enquanto ponto-chave aqui para os cientistas é
pendência dos agricultores em relação às Ciência, seja enquanto um conjunto de avaliar como essas conexões apertadas
corporações responsáveis pela produção de práticas ou movimento, como afirmam podem influenciar a ciência da agro-
insumos, processamento e comercialização Wezel et al. (2009). ecologia, onde haverá aplicação para
dos alimentos – os Impérios Alimentares Como Ciência, a Agroecologia pode atender a uma visão política usando
(PLOEG, 2008). ser encarada como: um conjunto de práticas tecnológicas.
Diante desse quadro, rapidamente as [...] enfoque científico, teórico, prático (WEZEL et al., 2009, p. 9-10, tradução
consequências foram sentidas não só na e metodológico, com base em diversas nossa).
perda da biodiversidade planetária e na áreas do conhecimento, que se propõe Atender aos três significados da Agroe-
contaminação da natureza, mas também a estudar processos de desenvolvimento cologia (ciência, práticas e movimento) não
na perda de sua autonomia, pelas conta- sob uma perspectiva ecológica e so- foi e não é tarefa simples, pois implica en-
minações e amplos processos de desterri- ciocultural e, a partir de um enfoque trelaçar os saberes popular e científico nos
torialização das populações camponesas sistêmico – adotando o agroecossistema processos de construção do conhecimento
em todo o mundo (SEVILLA-GÚZMAN, como unidade de análise – apoiar a agroecológico. Por mais que se façam crí-
2005; PEREIRA, 2012). transição dos modelos convencionais ticas à forma tradicional de extensão (que
Diante dos referidos impactos negati- de agricultura e de desenvolvimento ignora o conhecimento dos agricultores),
vos, a partir da década de 1960 cresceram rural para estilos de agricultura e de ainda é um desafio adotar procedimentos
as críticas de pesquisadores e também de desenvolvimento rural sustentável. pedagógicos que estabeleçam de fato
membros da sociedade civil ao modelo (ABA-AGROECOLOGIA, 2015). relações horizontais entre conhecimentos
da Revolução Verde. Atualmente, há uma Enquanto movimento social, as análi- popular e científico. Esse desafio pode e
crise agrária, consequência da interligação ses sobre agroecologia devem considerar tem sido superado com estudo, acúmulo de
entre três processos: progressiva industria- o importante papel desempenhado, no experiências e a reflexão sobre estas. Um
lização da agricultura; introdução do mer- enfrentamento da Revolução Verde, a partir exemplo é a experiência da Zona da Mata
cado global como ordenador da produção e da percepção de que a produção camponesa mineira, onde o Centro de Tecnologias
comercialização agrícola e a reestruturação é um verdadeiro campo de batalha, onde Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)6,
da indústria de processamento e das em- agricultores, cotidianamente, produzem a Universidade Federal de Viçosa (UFV)
presas de comercialização, que exercem a agroecologia, além das marchas, atos e organizações da Agricultura Familiar,
um monopólio crescente nas relações de políticos, protestos e reivindicações feitas, como Sindicatos, Associações e Coopera-
produção, processamento, distribuição e que, inclusive, em alguns casos acabam tivas, vêm construindo a agroecologia na
consumo dos alimentos. Com isso, um transformando-se em políticas públicas. região. Essa construção iniciou-se há 27
novo e global regime alimentar está sendo Exemplo disto é a pressão dos movimentos anos e acumulou várias experiências meto-
criado. Esse novo regime está afetando sociais e sindicais do campo brasileiro pela dológicas e técnicas, que ajudam a superar

O CTA-ZM é uma Associação Civil sem fins lucrativos que busca “promover a agroecologia como ciência, prática e movimento, contribuindo
6

para o fortalecimento das organizações, a equidade nas relações de gênero e gerações e a melhoria da condição de vida das famílias agricultoras, em
todas as suas dimensões: econômica, social, ambiental, política e cultural”. (CTA-ZM, 2015).

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106 Agricultura orgânica e agroecologia

os desafios, para consolidar a agroecologia. e Coropós (CARNEIRO; MATOS, 2010). Com o processo de redemocratização
Dentre essas metodologias, encontram-se Existiram, ainda, tímidas tentativas de brasileira, em todo o País cresciam os
os intercâmbios agroecológicos. implantação de colônias de imigrantes ita- movimentos e as organizações sociais em
Tais intercâmbios constituem um con- lianos, espanhóis e portugueses, no início defesa do direito dos trabalhadores. Além
junto de dispositivos metodológicos que do século 20. Portanto, diferentes foram as disso, a Teologia da Libertação desem-
promovem o processo de aprendizagem matrizes que contribuíram para o mosaico penhou um importante papel na região,
a partir da socialização do conhecimento de formação da agricultura familiar na principalmente por meio das Comunidades
entre agricultores, técnicos, estudantes e região, da mesma forma como aconteceu Eclesiais de Base (CEBs). O trabalho de
professores. com o restante do País. Para além dos conscientização e ação estimulado pelas
senhores e dos africanos escravizados, os CEBs foi um dos grandes responsáveis
AGROECOLOGIA NA ZONA estudos da sociologia rural evidenciam pela criação de vários sindicatos de tra-
DA MATA a existência de outros sujeitos sociais, balhadores rurais na região. Esse trabalho
A Zona da Mata mineira foi uma região como os indígenas, os mestiços, os bran- repercutiu na formação de uma comuni-
que, até o século 18, esteve distante das cos deserdados e os imigrantes europeus dade militante em âmbito regional, e no
políticas de povoamento. A imagem dos (ALTAFIN, 2007). desenvolvimento das habilidades políticas
governantes acerca da região era de uma A paisagem da região modificou-se desses agricultores e trabalhadores. Tudo
área natural, intocada pelo homem branco e profundamente no século 20, sobretudo isso tornou o tecido social mais complexo,
ocupada por grupos indígenas pouco afetos com o surgimento de novas regiões in- e mais variadas e disputadas as posições a
à civilização. Somente a partir daquele dustriais, como o polo moveleiro de Ubá, partir das quais é possível exercer poderes
século é que a região passou a ser ocupada, e de grandes agroindústrias em Visconde ou reagir a esses exercícios (COMEN-
dada sua proximidade geográfica com as do Rio Branco e Ponte Nova. Contudo, FORD, 2009).
áreas mineradoras e com as concessões de mesmo diante dessas mudanças, a agricul- Além de defenderem seus direitos,
sesmarias, que impulsionaram o processo tura, especialmente a familiar, permanece esses trabalhadores faziam críticas ao
de ocupação territorial (CARNEIRO; importante na economia da Zona da Mata modelo de agricultura da Revolução Ver-
MATOS, 2010). mineira. A agricultura familiar compõe um de, sobretudo em relação às monoculturas
Fator importante para a ocupação da grupo social que se consolidou a partir da e ao uso dos agrotóxicos. Essas críticas
referida região foi a decadência da ativida- segunda metade do século 20, como su- eram estimuladas pelas CEBs, que, por sua
de mineradora, o que fez com que a região jeitos importantes para a dinâmica social, vez, incentivavam a busca de uma relação
se estruturasse durante muito tempo para espacial e econômica da região. mais harmoniosa com a natureza. Críticas
a produção agropecuária, essencialmente A agricultura familiar é um grupo bas- semelhantes também eram feitas por um
pelas grandes fazendas de café, mas tam- tante diverso. Alguns autores têm estudado grupo de estudantes e técnicos, em espe-
bém com focos importantes de produção esse grupo e destacam que uma parte dos cial agrônomos recém-formados da UFV,
canavieira e de gado, além de fumo e agricultores familiares filia-se à lógica dos empenhados na construção da agricultura
algodão (NETTO; DINIZ, 2006). grandes empreendimentos agroindustriais, alternativa. Aos poucos, agricultores fami-
Carneiro e Matos (2010) alertaram para mas outros firmam-se na construção de liares sindicalizados, técnicos e estudantes
um problema recorrente na literatura sobre a outra maneira de praticar a agricultura e foram se aproximando e tornaram-se par-
região. Ao estudarem a região até o século 19, de reproduzir a vida no campo (PLOEG, ceiros. Essa parceria foi fundamental para
verificaram que a maioria dos trabalhos 2008). Este último grupo, que constitui a fundação do CTA-ZM.
refere-se apenas à existência de grandes nosso objeto de análise, tem sido denomi- D e s d e a f u n d a ç ã o , o C TA - Z M
fazendas de café e dos colonos que habita- nado de agricultura familiar camponesa e integrou-se a uma rede nacional de or-
vam essas fazendas. Tal abordagem é fruto agroecológica. ganizações que trabalhavam em apoio à
de uma generalidade histórico-geográfica, A agricultura familiar afirmou-se na agricultura alternativa, a chamada Rede
que não leva em consideração as diferentes Zona da Mata mineira, sobretudo a partir Projetos em Tecnologias Alternativas
espacialidades e temporalidades geradas e do processo de criação dos sindicatos de (Rede PTA). No final da década de 1980,
acumuladas na região. Em verdade, havia trabalhadores rurais na região. Esses sin- a Rede PTA contava com organizações
um número expressivo de áreas de produ- dicatos foram criados por um conjunto de de todos os biomas do Brasil, à exceção
ção de característica predominantemente posseiros, de meeiros ou de trabalhadores da Amazônia. A articulação entre essas
camponesa, sobretudo nos vales do Rio de fazendas que se encontravam em situ- organizações permitiu uma intensa troca de
Doce e Rio Pomba. ação de intensa exploração e dependência experiências entre agricultores e técnicos e
A região era habitada por remanescen- financeira e moral com os proprietários de possibilitou a execução de vários projetos
tes dos índios Puris, Botocudos, Coroados terra (COMENFORD, 2009). locais de desenvolvimento em parceria
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com sindicatos e associações, com o in- envolvidos e a produção do conhecimento os referenciais da metodologia Campesi-
tuito de apoiar experiências inovadoras na são dimensões interligadas e inseparáveis, no a Campesino (MACHÍN SOSA et al.,
agricultura. A partir de contatos com orga- como afirmam Cardoso e Ferrari (2006). 2012).
nizações da América Latina, a Rede PTA, Nesta dinâmica, diversas pesquisas e A Associação Brasileira de Agroeco-
na década de 1990, passou a se identificar artigos científicos foram gerados. Dentre logia (ABA-Agroecologia) tem procurado
com a agroecologia. Mais tarde, essa Rede as pesquisas, destacam-se as realizadas refletir sobre as relações complementares
extinguiu-se, mas, em 2002, formou-se a sobre SAFs, em que a interação de árvo- entre Agroecologia e Educação. Exemplo
Articulação Nacional de Agroecologia, res, especialmente nativas, com o cultivo disso, foi a realização do I Seminário Na-
composta por antigas organizações da Rede de café tem sido estudada, indicando sua cional de Educação e Agroecologia, em
PTA e dos movimentos sociais (VILLAR contribuição para fertilizar o solo, reter 2013. Desse encontro foi produzido um
et al., 2013). água, melhorar qualidade do café, atrair documento-síntese, em que foram extra-
Na Zona da Mata mineira, o movimen- insetos polinizadores, diversificar renda, ídos quatro princípios (SEMINÁRIO...,
to agroecológico desenvolveu uma série além de uma série de outros serviços e bens 2013):
de programas, dentre estes: programa de gerados por esses sistemas (LIMA et al., a) O princípio da vida: segundo o qual
desenvolvimento local; de formação de 2005; DUARTE, et al., 2013; REZENDE é na natureza onde se reproduzem
agricultores/as em agroecologia; de for- et al., 2014). e se realizam todas as formas de
mação de mulheres e, mais recentemente, A contínua preocupação com a constru- vida, que devem ser respeitadas
de intercâmbios agroecológicos. Além ção coletiva dos saberes também levou ao integralmente na sua existência e na
dos programas, diversas ações foram desenvolvimento de novos enfoques me- manutenção e regeneração de seus
implementadas: criação de associações todológicos para o diálogo com as famílias
ciclos vitais, estruturas, funções e
de agricultores, cooperativas de crédito agricultoras da região (MIRANDA et al.,
e de produção, compra coletiva de terras, processos evolutivos. O acesso aos
2012). Esses esforços alinham-se aos en-
desenvolvimento de Sistemas Agroflores- bens da natureza como terra, água,
sinamentos de Freire (1985), que afirmava
tais (SAFs), articulação para o acesso a florestas, sementes, alimentos,
não bastar apenas o domínio do conheci-
políticas públicas, como o Programa de trabalho e cultura deve ser feito
mento, mas que é necessário estabelecer
Aquisição de Alimentos (PAA) e o Pro- de forma sustentável, o que exige
formas, para que o conhecimento se torne
grama Nacional de Alimentação Escolar aprendizados fundamentais;
inteligível, com a criação de ambientes
(PNAE), crédito fundiário, habitação rural, propícios ao diálogo. Por isso: b) O princípio da diversidade: que se
e mesmo experiências de educação do contrapõe às visões homogenei-
campo, como as Escolas Família Agrícola Na concepção crítica, esta capacitação
zadoras, padronizadoras e exclu-
(COMENFORD, 2009; ZANELLI, 2015). não é o ato ingênuo de transferir ou
dentes. A diversidade direciona-se
O que fica evidente nestas ações é que ‘depositar’ contendas técnicas. É, pelo
tanto aos agroecossistemas e bens
a organização dos trabalhadores (da luta contrário, o ato em que o proceder téc-
naturais, como às práticas sociais,
nico se oferece ao educando como um
pelos direitos trabalhistas, até a luta pelo saberes, culturas e formas de or-
problema ao qual ele deve responder
acesso à terra, à educação e às políticas ganização social que evidenciam
[…] Eis aí, no processo da reforma
públicas) tem possibilitado muitos avanços a relação dos seres vivos com a
agrária, o que fazer fundamental do
na conquista de suas autonomias, fator natureza. É na diversidade que os
agrônomo: mais do que um técnico frio
indispensável à promoção e ao desenvol-
e distante, um educador que se compro- processos educativos ocorrem com
vimento da agroecologia. Por razões como
mete e se insere com os camponeses maior vigor;
esta é que Wezel et al. (2009) afirmam que
os movimentos e organizações de agricul-
na transformação, como sujeito, com c) O princípio da complexidade: apre-
outros sujeitos. (FREIRE, 1985, p.43). ender toda a diversidade exige um
tores têm papel fundamental na promoção
da agroecologia. No processo de construção coletiva dos pensamento complexo, e desenvol-
No entanto, não foram apenas os saberes agroecológicos perseguiu-se, desde ver este pensamento significa que
agricultores que construíram importan- o início, o referencial pedagógico freire- devemos fugir da simplificação,
tes acúmulos nesta trajetória. Também o ano de comunicação e educação popular da fragmentação, da compartimen-
CTA-ZM, os professores e estudantes da (FREIRE, 1983). Ao referencial freireano, tação, da hiperespecialização, do
UFV e de outras instituições somaram-se agregaram-se outros referenciais teórico- dualismo, da certeza e do reducio-
a esta parceria, a exemplo da EPAMIG. Na metodológicos, como os da pesquisa-ação, nismo e devemos colocar em prá-
dinâmica agroecológica da Zona da Mata, e do Diagnóstico Rápido Participativo, da tica a religação dos saberes, numa
a pesquisa da realidade, a capacitação dos educação do campo e, mais recentemente, perspectiva transdisciplinar. Para
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colocar em prática esta perspectiva, mentos, mediatizadas por um conjunto de Trabalhando de maneira empírica, ao
é preciso primar pelo pluralismo metodologias que têm por base o diálogo longo do tempo, estes inovadores pro-
metodológico e epistemológico; e a horizontalidade entre conhecimento duziram uma diversidade de práticas,

d) O princípio da transformação: para popular e conhecimento científico. unindo práticas tradicionais e outras
destinadas a diminuir os riscos, mes-
o qual a educação e a agroecologia
Surgimento e difusão do claram práticas modernas e técnicas
devem assumir como libertadoras
Campesino a Campesino alternativas, todas desenhadas para
e comprometidas com a transfor- pela América Latina aumentar a produtividade e fortalecer
mação social, cujos profissionais
Durante as décadas de 1970 e 1980, a resiliência agroecológica. (HOLT-GI-
coloquem seus conhecimentos a
MÉNEZ, 2008, p.8, tradução nossa).
serviço das classes populares e da com o avanço da Revolução Verde e
conservação da natureza. Esse prin- da urbanização na América Latina, os Nessas ações e práticas, o conhecimen-
cípio assume a formação alicerçada camponeses foram alvo de programas to e as informações eram compartilhados
na realidade, tomando a vivência de desenvolvimento rural, cuja concep- por agricultores, a partir das redes infor-
das comunidades como conteúdo ção desconsiderava e ignorava toda a mais de intercâmbio do tipo Campesino a
problematizador para os processos relação desses povos com a natureza. Em Campesino, o que permitiu o desenvolvi-
de ensino e aprendizagem voltados consequência, foram progressivamente mento de uma verdadeira escola de agri-
para a compreensão, o fortalecimen- encurralados, expulsos de seus territórios e cultura agroecológica (HOLT-GIMÉNEZ,
to e empoderamento das coletivida- sofreram um processo de empobrecimento 2008).
des que atuam na transformação da (HOLT-GIMÉNEZ, 2008). A metodologia Campesino a Cam-
realidade agrária e agrícola do País. Nesse mesmo período, as Organizações pesino teve origem na América Central,
Não Governamentais (ONGs) internacio- mais especificamente na Guatemala. Seu
Dentre as ações que visam à construção nais passaram a promover atividades de desenvolvimento inicial deu-se a partir
coletiva do conhecimento, podem-se des- agricultura sustentável na América Lati- de um agrônomo que trabalhava em uma
tacar os intercâmbios agroecológicos, que na, apoiando as dinâmicas de trabalhos ONG junto aos camponeses maias daque-
consistem num conjunto de dispositivos de ONGs locais e das organizações dos le País, e também foi influenciado pelas
metodológicos que possuem como referên- agricultores. As redes de conhecimento ideias de Paulo Freire sobre extensão e
cia a matriz sociocultural e o trabalho dos que se formaram, utilizando metodologias educação de jovens e adultos. O difícil tra-
agricultores, e têm estimulado processos participativas e promovendo a educação balho de recuperação das terras degradadas
educativos, ao passo que potencializam o não formal, aos poucos ganharam força mesclou-se com a prática tradicional maia,
movimento da agroecologia na Zona da para questionar as tecnologias e as práticas denominada Kuchubal7. A metodologia
Mata mineira (ZANELLI, 2015). de extensão rural dirigidas por especialistas encaixou-se muito bem com a práxis da
A proposta desenvolvida e imple- da Revolução Verde (HOLT-GIMÉNEZ, educação popular, ao unir conscientização
mentada na Zona da Mata mineira possui 2008). dialógica com a resolução de problemas
princípios similares aos da metodologia Estes foram os primeiros passos para agrícolas entre aqueles camponeses, que
denominada Campesino a Campesino, o desenvolvimento de ações coletivas e obtiveram resultados excelentes.
desenvolvida na América Central. Dentre coordenadas a caminho da agricultura A partir do momento em que os resulta-
esses princípios, encontram-se estímulo ao sustentável na América Latina. Entretanto, dos se fizeram visíveis, esse grupo recebeu
protagonismo dos agricultores enquanto nas décadas de 1970 e 1980, as ações e as uma grande demanda por trabalho em ou-
agentes produtores de conhecimento, que práticas agroecológicas ainda gozavam de tras comunidades, para demonstrar como
criam e desenvolvem técnicas e práticas pouco reconhecimento, e encontravam-se era possível aumentar a produtividade
de manejo, e o estímulo ao intercâmbio dispersas entre os camponeses do Conti- sem a dependência dos insumos externos.
desses conhecimentos de forma coletiva, nente. Foi justamente ao longo dos anos Depois de tantas formações, o resultado
dinâmica e motivadora para todos. de trabalho entre as citadas ONGs e os foi a criação da Cooperativa Kato-Ki que,
Compreende-se que os intercâmbios camponeses latino-americanos que tais além da comercialização, assumiu a tarefa
não são benéficos apenas para a ampliação ações e práticas encontraram espaço para de realizar oficinas sobre temas ligados à
das práticas agroecológicas (dimensão convergir e se tornar um verdadeiro com- água, ao solo e à fertilidade.
técnica), mas representam processos onde pêndio, à disposição de uma coletividade Essa experiência, ainda denominada
ocorrem significativas trocas de conheci- muito maior: Agricultura Centrada nas Pessoas, fez com

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Grupos de ajuda mútua, em que três a dez homens trabalhavam juntos no terreno de cada um, até que todos levassem a cabo as práticas necessárias.

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que muitos agricultores não só se vissem e suas práticas. As perdas chegaram a os agricultores familiares. Em segundo, é
livres da exploração dos latifundiários, representar 90% a 100% da produção nas o reconhecimento dos agricultores como
mas também que agricultores, antes de- monoculturas, enquanto nas propriedades fontes importantes de conhecimento, de
pendentes, se transformassem em concor- agroecológicas representaram apenas 50%. capacidade de inovação e de encontrar
rentes dos latifundiários nos processos de Além disso, sessenta dias após a passagem soluções locais eficientes para os proble-
comercialização. Isto gerou conflitos na desses furacões, as propriedades mais agro- mas agrícolas; e a última, é a reduzida
Guatemala, e a cooperativa foi perseguida ecológicas haviam recuperado cerca de capacidade de prestar assistência técnica
e fechada, sob a acusação de comunismo. 80% dos danos, enquanto as propriedades agroecológica a todos os agricultores.
Depois de mais de uma década, a menos agroecológicas haviam recuperado
experiência parecia ter sido perdida. No pouco mais de 40%. INTERCÂMBIOS
entanto, apesar de reprimida na Guatemala, Isso ocorreu por três motivos (MA- AGROECOLÓGICOS:
a metodologia Campesino a Campesino CHÍN SOSA et al., 2012), sendo: BUSCANDO A
cresceu consideravelmente nos países a) a resistência físico-biológica, fruto HORIZONTALIDADE DOS
vizinhos, pois a Kato-Ki já havia treinado SABERES
das práticas implementadas ao
técnicos no México, Honduras, Panamá e longo dos anos, como controle de Os intercâmbios agroecológicos da
Nicarágua. Com isso, o método foi incor- erosões, cobertura vegetal do solo e Zona da Mata podem ser considerados
porado por várias ONGs e se espalhou, plantio de espécies de diferentes es- mais do que um conjunto de metodologias,
com adaptações e com muito êxito para taturas, que, por sua vez, reduziram constituindo um processo social dinâmico,
esses e outros países da América Latina. Na a velocidade e o impacto dos ventos; que tem sido responsável por uma signifi-
Nicarágua, a Unión Nacional de Agriculto- cativa ampliação da agroecologia na Zona
b) a compensação biológica, pois, com
res e Ganaderos (Unag) institucionalizou da Mata mineira.
a perda das folhas superiores os
o Programa Campesino a Campesino. Atualmente, a estratégia dos inter-
sistemas passaram a receber maior
Em 1986, o Grupo Vicente Guerrero, no
quantidade de luz, o que promoveu câmbios agroecológicos é desenvolvida
México, criou as bases do Movimento
grande crescimento das culturas dos por meio da parceria entre Sindicatos dos
para a Agricultura Sustentável Campesino
estratos mais próximos ao solo; Trabalhadores Rurais, CTA-ZM e UFV, em
a Campesino (HOLT-GIMÉNEZ, 2008).
c) a resiliência humana, pois com o oito municípios da Zona da Mata mineira:
Em Cuba, a experiência obteve cres-
grande trabalho humano realizado Acaiaca, Araponga, Caparaó, Divino, Es-
cimento qualitativo e quantitativo mais
nas semanas posteriores ao furacão, pera Feliz, Muriaé, Pedra Bonita e Pedra
robusto. A agricultura cubana teve de
muitas árvores foram colocadas de Dourada. Além dos sindicatos, participam
ser reestruturada rapidamente, pois o
pé, sustentadas por pedras e paus, outras organizações locais, como Associa-
bloqueio econômico imposto àquele País
e continuaram vivas e produtivas. ções de Agricultores Familiares; Coope-
não permitia a entrada de agrotóxicos e
rativas de Crédito Solidário; Associações
maquinários para alimentar o modelo da Todo esse resultado foi possível, porque
de Escolas Família Agrícolas; Grupos de
Revolução Verde existente na agricultura o método Campesino a Campesino utiliza-
Jovens Rurais; Associações de Mulheres
cubana até então. A aposta dos cubanos do estimulou um conjunto de práticas com
foi no financiamento inicial das atividades Trabalhadoras Rurais; Cooperativas de
múltiplas funções nas propriedades campo-
por ONGs internacionais, e na cooperação Produção; Associações de Terapeutas
nesas. Por isso, os analistas do caso cubano
com outras experiências na América Cen- afirmam que o método é um processo que Naturais e representantes de Pastorais de
tral. Com isso, o Campesino a Campesino vai muito além da assistência técnica, pois Igreja e de Comunidade Quilombola.
chega à Ilha. oferece soluções para as carências meto- Os intercâmbios agroecológicos articu-
Enquanto nos outros países da América dológicas para a disseminação e adoção lam diversos procedimentos para a análise
Latina a experiência expandia-se de manei- de práticas agroecológicas, e, ao mesmo do agroecossistema, alguns presentes nos
ra modesta, em Cuba este crescimento foi tempo, cria processos de conscientização Diagnósticos Rápidos Participativos, como
incomparável e chegou a atingir mais de e de aprendizagem entre os camponeses a caminhada transversal, e outros já con-
110 mil famílias em dez anos (MACHÍN (MACHÍN SOSA et al., 2012). sagrados na Educação Popular, como os
SOSA et al., 2012). Há semelhanças entre o desenvol- Círculos de Cultura propostos por Paulo
Ainda segundo Machín Sosa et al. vimento do Campesino a Campesino Freire. Os procedimentos comuns para a
(2012), a capacidade de resiliência das na América Central e o início dos in- realização dos intercâmbios são descri-
propriedades agroecológicas, após a pas- tercâmbios agroecológicos na Zona da tos na síntese dos passos realizados nos
sagem de dois furacões na Ilha de Cuba, Mata. A primeira semelhança é a grave intercâmbios agroecológicos da Zona da
contribuiu para a expansão do método consequência da Revolução Verde para Mata mineira:
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a) mobilização; n) comercialização e beneficiamento; g) características do solo;


b) mística de abertura; o) segurança alimentar; h) plantas espontâneas;
c) apresentação dos participantes; p) políticas públicas para o campo, i) doenças, infestações e dificuldades
d) história da família/comunidade; agrotóxicos, dentre outros. na produção familiar;

e) caminhada pela propriedade e/ou j) integração entre agricultura e cria-


No dia do intercâmbio, sentados em
oficinas; ção animal, etc.
roda, de preferência em um local aberto
f) socialização das observações feitas (debaixo de uma árvore, em uma varanda Quando o grupo é grande, é interessan-
durante a caminhada; etc.) iniciam-se as atividades com uma te dividi-lo em subgrupos na caminhada.
g) troca de sementes e mudas; mística (oração, poesia, dinâmica de grupo Nesse caso, cada subgrupo recebe um tema
etc.). Na sequência, os participantes e as com algumas questões a ser observadas.
h) informes e encaminhamentos;
instituições apresentam-se e o ato seguinte Cada participante deve trazer, ao final do
i) merenda agroecológica; trajeto, um elemento que despertou interes-
é o momento de o grupo conhecer a história
j) mística de encerramento. da família e da propriedade. Esta é contada se ao longo da caminhada pela proprieda-
O processo inicia-se com a mobili- pelo casal e filhos. Nesse momento, vem de: uma folha, semente, água, fruto, torrão
zação da comunidade, que antecede o à tona diversos elementos do passado, tais de solo, galho, lixo, ou qualquer outro ob-
evento, que, por sua vez, é realizado pelas como cultivares, trabalho, festas, transpor- jeto encontrado. Ao retornarem ao terreiro
organizações dos trabalhadores e/ou por tes e concentração fundiária. da casa, forma-se uma roda de conversas
algumas lideranças. Para o intercâmbio é Após contada a história de cada família, e cada participante apresenta o elemento,
convidada toda a família (adultos, jovens, é realizada uma caminhada pela proprie- dizendo por que tal elemento lhe chamou
crianças, ou seja, todos participam). Quan- dade (Fig. 1). A intenção é permitir que o atenção. Este é momento da socialização,
do o intercâmbio ocorre pela primeira vez grupo conheça o agroecossistema daquela sendo livre a manifestação para sugestões
na propriedade, normalmente é trabalhada unidade familiar: e comentários, havendo troca de experiên-
uma temática geral, que envolve natu- a) as nascentes; cias e vivências. Dessa forma, acontecem
reza, agricultura familiar, diversidade e/ b) o uso dos diversos extratos da pro- muitas trocas de conhecimentos, e dúvidas
ou agrotóxicos. A intenção é sensibilizar priedade; podem ser esclarecidas, como, por exem-
sobre essas temáticas gerais e diagnosticar plo, a partir de perguntas sobre o porquê
c) os tipos de plantio e o manejo reali-
a realidade daquela comunidade, de modo de manter uma árvore no meio do cafezal
zado;
que subsidie e facilite a realização dos ou como manejam o solo, etc.
d) as árvores nativas; Os técnicos presentes têm o importante
próximos intercâmbios.
A partir do primeiro intercâmbio, os e) os animais domesticados e silves- papel de animadores e problematizadores.
temas dos próximos são definidos e prio- tres; São responsáveis por incentivar ao máximo
rizados coletivamente, de acordo com as f) abelhas e demais insetos; o diálogo entre o grupo. Geralmente, espe-
situações-problema que surgem. Em geral,
os temas para o trabalho têm sido:
a) manejo e conservação do solo;
b) gênese e biologia do solo;
c) plantas indicadoras;
d) adubos verdes;
e) criação animal;
f) nutrição animal;
g) sistemas agroflorestais;
h) compostagem;
i) biofertilizantes e caldas naturais;
Fabrício Zanelli

j) homeopatia;
k) sementes e variedades crioulas;
l) proteção de nascentes e mananciais;
m) turismo rural; Figura 1 - Momento em uma caminhada pela propriedade familiar

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ram pela resposta dos agricultores e somen-


te na sequência é que podem auxiliar nessas
respostas (Fig. 2). Caso seja um tema que
gere muitas dúvidas, a recomendação é
sugerir o aprofundamento da questão em
um próximo intercâmbio. Em alguns casos,
tal aprofundamento ocorre por meio de
oficinas. Para essas situações, as oficinas
são planejadas para ocorrer em uma pro-
priedade que já foi visitada. Desse modo,
não se faz necessário repetir a história da
família e, às vezes, também não se realiza
a caminhada. Com isso, mais tempo pode
ser dedicado para diversas oficinas que são
realizadas paralelamente. Em alguns dos

Fabrício Zanelli
aprofundamentos são planejadas visitas a
outras experiências ou até mesmo cursos.
Ao fim da socialização, ocorre a troca
de mudas e sementes. Importante também é Figura 2 - Socialização dos elementos trazidos com a caminhada na propriedade
o momento da merenda agroecológica. No
momento da partilha, cada agricultora ou
agricultor apresenta o alimento que trouxe,
tendo sido também avisado previamente.
Os alimentos são um interessante ponto de
reflexão, pois refletem a diversidade cultu-
ral e ambiental da região. São comumente
trazidos sucos, bolos, café, broas, frutas,
legumes, doces, queijos e outros feitos com
produtos da propriedade ou da comunida-
de. É um momento importante, quando se
relaciona a produção agroecológica com
a saúde e com a segurança alimentar na
agricultura familiar.
Após a merenda ou mesmo antes, e de
novo em roda (às vezes em pé), são dados

Fabrício Zanelli
os informes e encaminhamentos. Nesse
momento, é definida a família/propriedade
onde irá ocorrer o próximo intercâmbio,
bem como o dia e a temática, caso existam Figura 3 - Momento da mística de encerramento que gerou motivação e união
propostas. Caso não se escolha um tema
específico, o próximo intercâmbio segue
o padrão aqui descrito. O encontro é en- específicas, como oficinas, brincadeiras, TRANSFORMAÇÕES E
desenhos e caminhadas somente com IMPACTOS
cerrado também com uma mística (quase
sempre de mãos dadas), que pode ser como elas, podem ser realizadas e, neste caso, Os relatórios dos últimos cinco anos
no início: uma oração, poesia, dinâmica devem ser planejados momentos para que mostram a realização de, em média, 25
etc. (Fig. 3). as crianças apresentem o que realizaram intercâmbios agroecológicos por ano na
Como as crianças participam dos Zona da Mata de Minas Gerais, aos quais
para os adultos. Em alguns intercâmbios,
intercâmbios, atenção especial deve ser compareceu um número médio de 15 a 25
dada a elas. Na apresentação inicial, todos as crianças participam das atividades com participantes, entre homens, mulheres e
devem apresentar-se, e as crianças também os adultos e, em tais situações, deve-se jovens. Quando ocorrem os intercâmbios
participam deste momento. Atividades procurar observá-las e ouvi-las. ampliados (maior número de famílias é
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convidado pelas lideranças da comunidade cabeça de repolho, couve, meu tio tava Fundiário (PNCF) e do Programa Nacional
para participar), o número de participantes até lá em casa fazendo uma varanda eu de Habitação Rural (PNHR). Em relação
chega a, aproximadamente, 150 pessoas. falei assim: é tio, é maravilhoso plantar, ao PAA e PNAE, em alguns municípios
Considerando os 25 intercâmbios realiza- mas melhor ainda é você poder colher e algumas das dificuldades na produção de
dos por ano, sendo alguns de natureza am- ver uma diversidade dessa numa bacia hortaliças foram superadas a partir das
pliada, em torno de 650 pessoas participam assim. discussões nos intercâmbios.
desses encontros anualmente (ZANELLI, Tendo em vista o aumento da produção A experiência da Zona da Mata tem
2015). diversificada, os intercâmbios agroecoló- inspirado outras experiências. Grupos de
A cada ano, novos municípios são in- gicos representaram espaços importantes agricultores de várias regiões do Brasil
corporados aos projetos, ampliando, assim, para os agricultores apresentarem suas visitam a região em busca de aprendizados.
o público participante dos intercâmbios. A práticas produtivas, consórcios entre as Em outros Estados do Brasil (Sergipe, por
cada um é perceptível nos depoimentos e hortaliças e o uso de caldas, biofertilizantes exemplo) foi iniciada a experiência dos
nas visitas as transformações nas práticas e de microrganismos eficientes. Portanto, intercâmbios (Campesino a Campesino) a
dos cuidados nas propriedades. os intercâmbios são a oportunidade de um partir da experiência na Zona da Mata. A
Uma das mais importantes mudanças agricultor, com toda a sua experiência, região recebeu também a Primeira Carava-
relatadas é a conscientização. Muitos par- apresentar aos demais os resultados de na Agroecológica e Cultural, considerada
ticipantes relatam a importância dos inter- seus trabalhos, com potencial de tornar-se piloto de uma série que a Articulação
câmbios, não apenas para conscientizar so- uma fonte de motivação para aqueles que o Nacional de Agroecologia promoveu em
bre os impactos causados pela agricultura estão visitando. Ao mesmo tempo, a visita preparação para o III Encontro Nacional
convencional (como degradação dos solos, de outros agricultores motiva a família que de Agroecologia8. A Primeira Caravana
contaminações causadas por agrotóxicos, os recebe a ampliar e a aperfeiçoar suas do Projeto Comboio Agroecológico do
vulnerabilidade à propagação de pragas e práticas, além de incorporar novos conhe- Sudeste também passou pela região para
doenças), como também a conscientização cimentos. E como afirmou um agricultor: visitar as experiências ali desenvolvidas.
sobre a importância das práticas agroeco- Quanto mais agroecológica é a pro-
lógicas (como a alimentação diversificada priedade, digamos assim, mais prazer CONSIDERAÇÕES FINAIS
para a segurança e nutrição, a conservação sente a pessoa em compartilhar isso. A O artigo foi uma descrição dos tra-
dos solos e as “interações alelopáticas” gente ganha muito conhecimento com balhos de Agroecologia enquanto movi-
entre as plantas, o controle natural das essa área né? mento, ciência e prática na Zona da Mata
pragas e doenças, o cuidado com os dejetos No município de Divino, MG, os in- mineira, que nasceu a partir das críticas
humanos e a saúde da família, etc.). tercâmbios desdobraram-se em mutirões ao pacote da Revolução Verde feitas por
Em consequência da conscientização, de criação animal e de poda dos sistemas agricultores, estudantes e recém-egressos
os agricultores também relatam um conjun- agroflorestais. Nos mutirões, um grupo da UFV, empenhados na construção da
to de práticas adotadas, especialmente em de agricultores maneja um sistema em agricultura alternativa. Para isso, resgatou-
relação à diversificação dos agroecossiste- conjunto, sendo este também um momento se o germe da organização social, que es-
mas. Atualmente, lavouras agroecológicas de troca de conhecimentos das práticas de teve relacionada com as CEBs e culminou
de café estão consorciadas com mandioca, manejo dos SAFs, de outras áreas do agroe- na criação de uma série de sindicatos de
bananeiras, árvores frutíferas e outras cossistema e mesmo até da criação animal. trabalhadores rurais e do CTA-ZM. Essa
árvores responsáveis pelo sombreamento, Os mutirões, com iniciativa e condução articulação entre agricultores sindicali-
o que contribui para atração de insetos po- dos próprios agricultores, destacam-se por zados, UFV e CTA-ZM encarou desafios
linizadores e ciclagem de nutrientes. Não sua maior autonomia, reduzindo, assim, a técnicos e metodológicos para construir a
apenas as lavouras estão diversificadas, dependência de técnicos para articular o agroecologia na Zona da Mata.
mas também quintais, pomares e hortas se- movimento nas comunidades. Ao longo de 27 anos de trabalho
guem diversificando e trazendo excelentes Além das mudanças no manejo agroe- percebe-se que o processo de construção da
frutos, conforme relatou uma agricultora: cológico nas propriedades, os intercâmbios Agroecologia não é definido apenas por um
A primeira vez que eu consegui agroecológicos também são um espaço de conjunto de técnicas, já que esta Ciência
colher as verduras lá de casa e conse- discussões mais amplas, como o acesso às é também um processo social construído
gui saí da horta com uma bacia com políticas públicas, a exemplo do PNAE; do a partir das organizações, tendo como
beterraba, cenoura, cebolinha [...] uma PAA; do Programa Nacional do Crédito base o respeito e a valorização do conhe-

Anais do III Encontro Nacional de Agroecologia podem ser encontrados em: http://www.agroecologia.org.br/index.php/publicacoes/publicacoes-
8

da-ana/publicacoes-da-ana/anais-do-iii-ena/detail

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Agricultura orgânica e agroecologia 113

cimento dos agricultores familiares. Um dialogo-de-saberes-no/construindo-o- EDUCAÇÃO DO CAMPO DA REGIÃO SUL


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Interface pesquisa, extensão e


agricultura familiar
Djalma Ferreira Pelegrini 1 , Juliana Carvalho Simões 2 ,
José Antonio Ribeiro 3 , Eugênio Martins de Sá Resende 4

Resumo - Tendo como ponto de partida uma avaliação crítica da pesquisa agrícola no
quadro da modernização da agricultura brasileira, o texto propugna a aproximação en-
tre pesquisadores, extensionistas e agricultores como etapa fundamental para o fortale-
cimento da agricultura familiar. Assim, as principais ações desenvolvidas na instância
pública em Minas Gerais nos últimos anos serão abordadas, no esforço de melhor alinhar
a pesquisa e a extensão rural às necessidades dos agricultores familiares. Ao pautar-
se pelas relações de reciprocidade e intercâmbio, a perspectiva da agroecologia oferece
uma direção para a condução de uma agricultura sustentável, e, simultaneamente, uma
orientação para a promoção do diálogo entre seus agentes. Como resultado, preconiza-
-se a multiplicação de experiências a exemplo das caravanas agroecológicas, das Escolas
Famílias Agrícolas (EFAs), das redes sociotécnicas e das redes de propriedades rurais
referênciais, como estratégia de concertação e desenvolvimento rural.
Palavras-chave: Agroecologia. Metodologia participativa. Desenvolvimento rural.
Pesquisa Agrícola.

INTRODUÇÃO vivendo ao intenso processo de oposição tiva agroecológica como referencial capaz
a que foi submetida, a agricultura familiar de indicar princípios para a dinâmica das
Muitos esforços foram empenhados
tem hoje sua importância rediscutida, no relações entre os agentes do desenvol-
durante as últimas décadas, motivados pela
momento em que velhas questões relacio- vimento rural, a saber, pesquisadores,
preocupação com o suprimento alimentar
nadas com o desenvolvimento rural são extensionistas e agricultores.
de uma população crescente, pela supe-
reconduzidas à agenda de debates sobre Considerando-se as recentes ações
ração do atraso e pelo desenvolvimento
agricultura, desenvolvimento e conserva- desenvolvidas em benefício da agricultura
econômico do Brasil. A pesquisa agrícola ção ambiental. familiar na instância pública de Minas
pública e os serviços de extensão rural e Este artigo procura explorar as relações Gerais, propõe-se a multiplicação de ex-
assistência técnica capitanearam as ações entre os segmentos da pesquisa agrícola periências participativas como estratégia
que promoveram as mudanças, tendo como pública, os serviços de extensão rural e de fortalecimento da agricultura familiar
ponto de partida os conhecimentos técnico- de assistência técnica, e os agricultores e do desenvolvimento rural.
científicos advindos do exterior. familiares, compreendidas como ponto Para um tratamento adequado da
As inovações tecnológicas impingidas fundamental de um processo de mudança problemática que envolve a agricultura
à agricultura brasileira, simultâneas à inter- necessário, em favor do fortalecimento familiar em Minas Gerais, seria necessária
nalização de fatores de produção exógenos, da agricultura familiar. Partindo de uma a discussão sobre muitas outras questões, a
transformaram, em menos de meio século, breve avaliação crítica do papel desempe- exemplo do fechamento das escolas rurais,
a geografia agrícola brasileira impondo um nhado pela pesquisa no quadro histórico dos canais de comercialização de produtos
ritmo acelerado de modernização que su- da modernização da agricultura brasileira, agrícolas, do relacionamento dos agricul-
geria o fim da agricultura familiar. Sobre- investiga-se o modus operandi da perspec- tores com as agroindústrias, dentre outras.

Zootecnista, Dr. Geografia, Pesq. EPAMIG-DPTT/Bolsista FAPEMIG, Belo Horizonte, MG, djalma@epamig.br
1

2
Enga Agra, M.Sc., Pesq./Chefe EPAMIG-DPTT/Bolsista FAPEMIG, Belo Horizonte, MG, jcsimoes@epamig.br
3
Engo Agro, Secretário-Executivo SEDA-CEDRAF-MG, Belo Horizonte, MG, jose.ribeiro@ogario.mg.gov.br
4
Engo Agro, Técn. CTA-ZM, Viçosa, MG, geninho@ctazm.org.br

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Agricultura orgânica e agroecologia 115

PESQUISA AGRÍCOLA 1990; GRAZIANO DA SILVA, 1996;). da pelas modernas economias capitalistas
PÚBLICA NO QUADRO Em vista disso, a pesquisa agropecuária ocidentais, a modernização da agricultura
HISTÓRICO DA brasileira, incluindo inúmeros trabalhos brasileira caracterizou-se pela manutenção
MODERNIZAÇÃO DA conduzidos pela EPAMIG em sua fase ini- da estrutura fundiária (modernização con-
AGRICULTURA BRASILEIRA
cial, foi estruturada para desenvolver suas servadora), aspecto profundamente explo-
As mudanças tecnológicas que ocor- funções segundo os modernos padrões de rado por Veiga (1991), Abramovay (1998)
reram nos processos de produção rural produção rural, subsumindo-se ao modelo e Graziano da Silva (1996), dentre outros.
no Brasil a partir da segunda metade do euro-americano de modernização agrícola Avaliações de impacto social, econô-
século 20 ocasionaram transformações e, por conseguinte, declinando ante os mico e ambiental, procedidas tanto de pes-
profundas no campo, de ordem econômica interesses industriais e comerciais urbanos. quisadores da Embrapa como das Oepas
e social. A modernização da agricultura, O extraordinário desenvolvimento da e do meio acadêmico, demonstraram que
juntamente com outros dois processos agricultura brasileira, durante as décadas também ocorreram efeitos negativos não
também modernizantes, a industrializa- de 1970 e 1980, desencadeou significativo previstos durante o processo de moderni-
ção e a urbanização, marcaram a história crescimento da produção e da produtivida- zação. Tais impactos foram anteriormente
recente do Brasil. de agrícola, além da ampliação do processo identificados durante as décadas de 1970 e
Na fase inicial do processo de moder- de agroindustrialização, sem precedentes 1980. Dentre esses impactos, relacionam-
nização da agricultura brasileira, durante na história econômica do País. Além do se o desamparo à agricultura familiar, a
as décadas de 1950 e 1960, identificava- suprimento do mercado interno, diversos intensificação do êxodo rural (com re-
se a necessidade premente de impingir segmentos da produção rural brasileira percussões no inchamento das periferias
esforços, com vistas ao desenvolvimento passaram a contribuir massivamente na das grandes cidades e o agravamento dos
e à disponibilização de tecnologias capazes pauta de exportações. problemas nas metrópoles brasileiras), a
de proporcionar significativos incrementos A reestruturação do sistema agroali- concentração da terra, a intensificação do
de produção e de produtividade. O impulso mentar, que repercutiu no Brasil, especial- uso de agrotóxicos e transgênicos (com
desenvolvimentista foi concretizado com mente a partir da década de 1990, possi- consequências para a saúde da população),
base na adoção do modelo euro-americano bilitou um intenso processo de ampliação as perdas de solo por causa da erosão, a
de modernização agrícola, caracterizado do horizonte tecnológico no âmbito da poluição hídrica, a redução da biodiversi-
pela mecanização das operações agrícolas, pesquisa, com base em inovações no domí- dade, dentre outros.
utilização intensiva de fertilizantes quí- nio das biotecnologias, da microeletrônica Ressalta-se, ainda, que a modernização
micos e emprego sistemático do controle e da automação, que provocou impactos da agricultura não se processou de forma
químico de pragas (ROMEIRO, 1998). significativos tanto na reestruturação in- completa e homogênea no País, bem
A modernização da agricultura brasi- dustrial, como na produção vegetal e ani- como no estado de Minas Gerais, fato que
leira, dependente de recursos econômicos mal (WILKINSON, 1989; GOODMAN; implicou no agravamento dos contrastes
e tecnológicos estrangeiros, foi promovida SORJ; WILKINSON, 1990). regionais, do ponto de vista de renda,
inicialmente a partir da internalização Hoje, a face modernizada da agricultura produção e tecnologia.
no País de segmentos estrangeiros de brasileira incorpora práticas como irriga- As posições de Miranda (1987) corro-
produção de máquinas e de insumos, e ção, plantio direto, intensa mecanização, boram a compreensão da dinâmica tecnoló-
requereu, além da constituição dos comple- utilização de insumos modernos, tecnolo- gica da agricultura brasileira quando afirma
xos agroindustriais, a criação do Sistema gias de informação via satélite e agricul- que, principalmente a partir do início do
Nacional de Crédito Rural (SNCR), a tura de precisão, razão pela qual muitos século 20, grande parte da tecnologia ge-
reestruturação do sistema de pesquisa agro- analistas apontam o Brasil como exemplo rada pela pesquisa, destinada à aplicação
pecuária e a implantação de um serviço de de modernização agrícola bem-sucedida. na agricultura, passou a ser produzida pelo
assistência técnica. Apesar disso, é importante verificar setor industrial, contrariamente à forma
A partir dos trabalhos conduzidos em a fragilidade da agricultura nacional, em histórica de produção das técnicas rurais,
diversas universidades públicas, nos cen- razão dos impactos da ação antrópica sobre antes a cargo da sociedade rural. Como
tros de pesquisa da Empresa Brasileira de os biomas brasileiros, e da dependência da resultado da transferência e adoção dos
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e nas importação de insumos tecnológicos, quer padrões tecnológicos euro-americanos,
Organizações Estaduais de Pesquisa Agro- sejam fertilizantes defensivos quer sejam o processo de modernização da agricul-
pecuária (Oepas), procedeu-se à geração medicamentos veterinários, como alertou tura brasileira foi definido em função
e à adaptação de tecnologias de produção Vieira Filho (2014). Tendo adotado uma dos interesses industriais e urbanos.
agrícola (MÜLLER, 1989; KAGEYAMA, linha de desenvolvimento oposta à adota- (MIRANDA, 1987, p.241).

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A identificação dos impactos negativos e doenças ou de intempéries, mas da rejeita a unilateralidade no fluxo de infor-
da modernização da agricultura serviu para sucessão incontinente de processos mo- mações. Em vista disso, pode-se afirmar
reorientar inúmeros programas de pesquisa dernizantes. que inúmeras técnicas e saberes emprega-
nas décadas seguintes, de modo que, em- Historicamente, as sementes crioulas dos hoje nos cultivos agroecológicos são
bora a pesquisa agrícola pública tenha-se têm sido transferidas de geração para conhecimentos remanescentes, pois sobre-
posicionado inicialmente de maneira sub- geração, enquanto os conhecimentos têm viveram ao intenso processo de corrosão
serviente ao modelo euro-americano (como sido partilhados entre os agricultores, de cultural a que foi submetida a sociedade
também ao pacote tecnológico promovido maneira que o modus operandi da agroe- rural. Assim, a resistência constitui talvez
pela Revolução Verde5), nos últimos anos, cologia constituiu-se a partir das relações o principal atributo da agroecologia, uma
em muitos casos, tem-se posicionado de reciprocidade entre agricultores, nas vez que é almejada e testada a cada cultivo.
em contraponto ao modelo dominante. sociedades pré-capitalistas tradicionais, e Resistência a pragas e doenças, resistência
A publicação do Marco Referencial em a partir da permuta de sementes, animais e à seca e às inundações, e, além disso, e
Agroecologia, por iniciativa da Embrapa saberes. Para um esforço de compreensão, simultaneamente, resistência cultural.
(2006), que aborda conceitos, estratégias o retorno a um período histórico, anterior Os estudos acadêmicos sobre a agro-
e metodologias para pesquisa e inovação, à modernização do campo, é requerido, ecologia fundamentam-se tanto na matriz
indica o sentido das transformações em quando a lógica da reciprocidade regulava científica que alicerça a ecologia, quanto na
curso. a convivência harmoniosa entre os grupos agricultura tradicional, que mesclou os sa-
sociais rurais no Brasil, e a busca desen- beres milenares advindos do velho mundo
AGROECOLOGIA E freada pela maximização dos lucros não e das populações indígenas e quilombolas.
RESISTÊNCIA CULTURAL constituía uma determinação. Por esta razão, a agroecologia que emergiu
Embora a opinião dominante seja a de Tal compreensão permite estabelecer a nas universidades, como saber científico,
que a agricultura familiar é pouco eficiente, distinção entre a metodologia difusionista reconhece como legítimos os conheci-
Altieri (2009) afirma o contrário. Em sua e a perspectiva agroecológica de extensão mentos tradicionais dos agricultores. Vista
visão, a agricultura familiar é muito mais rural. A metodologia difusionista advém dessa maneira, a agroecologia possibilita
produtiva do que a grande agricultura, de um modelo empenhado no lucro má- orientar a agricultura a partir de parâmetros
se for considerado o rendimento total da ximo por parte das grandes corporações socioambientais e éticos:
produção por área, ao invés do rendimento do agronegócio – a montante e a jusante
O termo agroecologia foi assim cunha-
de uma monocultura. (cujos benefícios, com frequência, não
do para demarcar um novo foco de
Agricultores que produzem em pe- são repartidos equitativamente com os
necessidades humanas, qual seja, o de
quena escala tendem a cultivar grande agricultores), em que o compromisso com
orientar a agricultura à sustentabilidade,
diversidade de plantas, muitas das quais a sustentabilidade não é prioritário, resul-
no seu sentido multidimensional. Num
correspondem a variedades crioulas − tando em fluxos de informações de mão
sentido mais amplo, esta se concretiza
cultivares regionais, que constituem única. Nesse ambiente, os resultados de
quando, simultaneamente, cumpre
patrimônio genético de valor inestimável. pesquisa deveriam ser transferidos para o com os ditames da sustentabilidade
É importante ressaltar que os cultivos serviço de extensão rural, para, em seguida, econômica (potencial de renda e tra-
de sementes crioulas apresentam menor ser ditados aos agricultores. balho, acesso ao mercado), ecológica
vulnerabilidade e maior resiliência em De outro lado, a perspectiva agroecoló- (manutenção ou melhoria da qualidade
condições de doenças, pragas e oscilações gica, atenta à saúde dos agricultores e dos dos recursos naturais e das relações
climáticas (ALTIERI, 2009). consumidores, sem contudo desconsiderar ecológicas de cada ecossistema), social
Os conhecimentos tradicionais, as a sustentabilidade econômica, orienta-se (inclusão das populações mais pobres e
sementes crioulas, e o banco genético de pelos compromissos social e ambiental, segurança alimentar), cultural (respeito
animais domésticos de raças adaptadas pelo equilíbrio e conservação dos recursos às culturas tradicionais), política (orga-
às condições agroecológicas regionais naturais, cujos métodos de comunicação nização para a mudança e participação
conformam um importante e vulnerável foram herdados de culturas tradicionais, nas decisões) e ética (valores morais
patrimônio agroecológico, cuja principal originários de um período anterior à era transcendentes). (EMBRAPA, 2006,
ameaça não provém do ataque de pragas capitalista. Não sem razão, tal perspectiva p.22-23).

5
O termo Revolução Verde tem sido utilizado frequentemente para designar o “[...] desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal
para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas [...]” (BRUM,
1988, p.44). Contudo seus efeitos foram bem mais amplos, desdobrando-se na utilização massiva de fertilizantes, agrotóxicos e máquinas agrícolas.

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Agricultura orgânica e agroecologia 117

Desse modo, a perspectiva da agroeco- torna ineficientes as ações de interface de políticas, projetos e ações destinadas a
logia oferece, hoje, uma direção para a con- pesquisa/extensão/agricultores. ampliar a sinergia entre pesquisa/extensão
dução de uma agricultura sustentável, qual Ciente dessa problemática, diversas e fortalecer o relacionamento dessas insti-
seja a resistência, tanto no que diz respeito experiências têm sido realizadas, desde o tuições em prol do desenvolvimento rural,
aos cultivos, quanto na oposição cultural ano de 1998, pela EPAMIG, a exemplo de além de, como proposição final, tornar-se
à moderna agricultura insustentável. Além pesquisas para produção de café em siste- um fórum permanente de debates.
disso, a perspectiva agroecológica oferece mas orgânicos e agroecológicos (LIMA et Por intermédio de dois projetos recém-
a orientação quanto à dinâmica das rela- al. 2014). A EPAMIG deu um grande passo aprovados, financiados pelo Conselho
ções entre pesquisadores, extensionistas e no sentido da reorientação da pesquisa em Nacional de Desenvolvimento Científico
agricultores, as quais deverão ser pautadas conformidade com as demandas sociais a e Tecnológico (CNPq), serão realizadas
pela reciprocidade, pela cooperação, pelo partir da publicação da Deliberação no 689, oficinas para processos de concertação,
intercâmbio e pelo compartilhamento de de 30 de outubro de 2013, que instituiu o seleção de tecnologias e capacitações de
saberes. Ações dessa natureza há muito Programa de Pesquisa Especial em Agroe- representantes da assistência técnica e
vêm sendo praticadas por agricultores cologia e Agricultura Orgânica (EPAMIG, extensão rural, dos pesquisadores, ensino
e, atualmente, têm sido recuperadas e 2013). Assim, a Empresa atende à solicita- e agricultura familiar.
estimuladas, uma vez que constituem o ção das instituições da sociedade civil, du- O termo concertação remete a concerto
fundamento para a comunicação rural rante o Encontro Mineiro de Agroecologia ou apresentação musical, em que há uma
agroecológica. (EMA) no mesmo ano. consonância de instrumentos ou vozes,
Os processos de produção agroecológi- A elaboração desse Programa contou pois se trata de estratégia para promoção
cos independem da importação de insumos com o apoio de um grupo técnico consul- do diálogo entre agricultores e suas or-
externos, de modo que possibilitam maior tivo estabelecido pela Resolução no 1.291, ganizações representativas e de assesso-
empoderamento dos agricultores. Sendo de 21 de novembro de 2013 (MINAS ramento, extensionistas e pesquisadores,
assim, é estratégico que as instituições GERAIS, 2013), e da Secretaria de Estado valorizando saberes locais e tradicionais,
estaduais de pesquisa e de extensão rural, de Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o objetivo de promover inovações na
que visam apoiar a agricultura familiar, de Minas Gerais (Seapa-MG). Esse grupo agricultura familiar com bases sustentá-
desenvolvam tecnologias juntamente com técnico, por sua vez, foi composto por 13 veis. Essas oficinas, por sua vez, ocorrerão
os agricultores, livres de interesses que pri- membros representantes de instituições do em diferentes regiões de Minas Gerais e
vilegiem segmentos industriais, como tem governo e da sociedade civil, tais como contarão com a capacitação de todos em
ocorrido no caso da indústria de agrotóxi- Subsecretaria de Agricultura Familiar e metodologias participativas para pesquisar
cos, dos transgênicos, da nanotecnologia e Regularização Fundiária (Sarf); Empresa e disponibilizar tecnologias que possibili-
da biotecnologia. de Assistência Técnica e Extensão Rural tem o envolvimento de agricultores fami-
É necessário acrescentar, ainda, que do Estado de Minas Gerais (Emater-MG); liares como protagonistas dos processos
a perspectiva da agroecologia mostra-se Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA); de inovação.
alinhada às discussões acerca do relacio- Federação dos Trabalhadores na Agricultu- Espera-se, por intermédio da execu-
namento entre pesquisa, extensão e agri- ra do Estado de Minas Gerais (Fetaemg); ção dessa proposta, o fortalecimento e o
cultores, as quais integram a pauta atual do Via Campesina, Associação Brasileira de desenvolvimento da agricultura familiar,
debate entre agricultura, desenvolvimento Agroecologia (ABA); Articulação Minei- em bases sustentáveis com garantia de
e conservação ambiental. ra de Agroecologia (AMA) e Federação segurança alimentar.
da Agricultura e Pecuária do Estado de Apesar da participação de inúmeras
ESTADO DA ARTE Minas Gerais (Faemg), dentre outras que instituições, o desenvolvimento e o forta-
A EPAMIG vive o desafio de adequar subsidiaram a elaboração do programa com lecimento da agricultura familiar em Mi-
seus trabalhos às demandas e à diversidade objetivos e estratégias para implementar e nas Gerais necessita do apoio estratégico
dos agricultores familiares, uma vez que, operacionalizar o novo Programa. da Fundação de Amparo à Pesquisa do
apesar de desenvolver inúmeros projetos Algumas medidas foram tomadas, em Estado de Minas Gerais (Fapemig), tendo
de pesquisa e gerar muitas tecnologias e face da necessidade de adequação do sis- em vista que, por se tratar da principal
processos, nem sempre seus resultados tema público de pesquisa agropecuária às agência de fomento à pesquisa do Estado
atendem aos interesses dos agricultores. demandas sociais da agricultura familiar. de Minas Gerais, sua atuação será deci-
Muitas vezes, a desarticulação entre os sis- Nessa perspectiva, foi realizado o “Fórum siva nesse processo. Atualmente, poucos
temas de pesquisa e de assistência técnica e Interface Pesquisa e Extensão”. Nesse editais têm foco nos agroecossistemas, na
extensão rural, tanto público como privado, evento houve apresentação de propostas, comunicação de tecnologias, na pesquisa
em operação no estado de Minas Gerais, discussões, formulações e implementações participativa e não são subsidiados em
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demandas de agricultores. A maior parcela A valorização dos conhecimentos tra- a inovação tecnológica operam por vias
dos recursos direcionados pelos editais de dicionais e dos saberes populares também complexas e interativas:
fomento à agroecologia e à interface pes- ajuda a compor as diretrizes definidas para A análise da crise do modelo produtivis-
quisa/extensão rural tem sido editada pelo o planejamento da agricultura familiar de ta na França assim como os trabalhos de
Ministério de Desenvolvimento Agrário Minas Gerais, as quais aparecem consubs- pesquisa conduzidos por pesquisadores
(MDA) e CNPq. tanciadas no Plano Estadual de Desenvol- franceses em países em desenvolvimen-
vimento Rural Sustentável da Agricultura to mostraram os limites e insuficiências
RELAÇÕES ENTRE PESQUISA/ Familiar (PEDRS), quando se afirma: das soluções preconizadas tanto pela
EXTENSÃO E AGRICULTORES pesquisa científica como pelos órgãos
Se a ciência não representa a única fonte
Embora as universidades, os centros e instituições encarregados de conceber
de conhecimento válido, se os conheci-
e as unidades de pesquisa concentrem os e executar projetos de desenvolvimento
mentos tradicionais e os saberes popu-
rural. (MIGUEL, 1999, p.2).
esforços de pesquisa, os pesquisadores não lares também devem ser considerados
detêm o monopólio da geração de tecnolo- na produção do conhecimento agroeco- Em vista disso, o crescente distancia-
gias. A percepção dessa realidade e de que lógico, então é necessário promover “o mento da pesquisa da prática do desenvol-
as questões que envolvem o relacionamento diálogo de saberes”, a articulação entre vimento transformou-se em:
pesquisa e extensão rural compõe uma o conhecimento científico e os saberes [...] um poderoso argumento de con-
variedade de problemas e de soluções que populares produzida ao longo do tempo. testação aos procedimentos adotados
se vincula à temática do desenvolvimento (MINAS GERAIS, 2014, p.78). até então pelas chamadas abordagens
rural enfatiza a necessidade de diálogo entre Nessa perspectiva, não se atribui mais científicas clássicas do desenvolvimen-
pesquisadores, extensionistas e agricultores. to rural. (MIGUEL, 1999, p.2-3).
um papel passivo aos agricultores no que
De acordo com Sousa (1988, p.64), reporta à pesquisa, os quais agora devem A partir desses progressos, a pesquisa
este relacionamento torna-se ainda mais ser vistos como partícipes ativos do pro- e o desenvolvimento passaram a ser vistos
crucial quando sabe-se que produtores cesso pesquisa/extensão. como procedimentos complementares.
e extensionistas também produzem Um grupo de estudiosos franceses Sousa (1988) afirma a interdependência
tecnologias; que pesquisadores e pro- chegou também a esta mesma constata- e a complementaridade das atividades de
dutores também as divulgam e que, pesquisa agropecuária e de extensão rural,
ção, durante a década de 1980. O apro-
eventualmente, também pesquisadores mesmo considerando suas distintas atribui-
fundamento das discussões desse grupo
e extensionistas adotam-nas. ções. Contudo, persistem ainda inúmeras
resultou na formalização das propostas que
dificuldades relacionadas com o exercício
Assim, está em curso um processo de se tornaram conhecidas como Pesquisa-
pleno do diálogo entre pesquisa, extensão e
conscientização dos pesquisadores em Desenvolvimento. De acordo com Miguel
agricultores, tanto na instância individual,
relação ao papel que devem assumir na (1999), as intervenções sob o enfoque da
como na organizacional, permeadas de
interface pesquisa/extensão/agricultores. Pesquisa-Desenvolvimento foram inicial- limitações nos níveis político, econômico
Tal processo não decorre apenas da neces- mente adotadas na França, em resposta às e ideológico.
sidade de fazer chegar aos agricultores os avaliações críticas dos resultados obtidos Em face do exposto, a transição neces-
resultados de suas pesquisas, mas da com- pelos programas de desenvolvimento sária no plano das relações entre pesquisa-
preensão acerca do papel que os agricul- rural até então implementados naquele dores, extensionistas e agricultores assume
tores e extensionistas têm a desempenhar País, quando as relações entre pesquisa e o sentido de um desafio, principalmente
na identificação dos problemas e objetivos ações em prol do desenvolvimento rural porque não poderá ser imposta. A supera-
das pesquisas. A identificação do proble- caracterizavam-se pela anterioridade das ção das resistências que persistem, tanto
ma de pesquisa não resulta somente dos pesquisas em relação à difusão das técni- em segmentos da academia quanto nas
conhecimentos teóricos e metodológicos cas, pela hierarquização da ciência e pela instituições de pesquisa, extensão rural
do pesquisador, mas também da vivência especialização de tarefas. Esse modelo e assistência técnica, requer um debate
da realidade que este deseja explicar e estimulava o monopólio da inovação por amplo e aberto, orientado para o fortaleci-
transformar. parte da pesquisa, mantendo o fluxo de mento da agricultura familiar.
Neste primeiro grande passo da inves- transferências técnicas linear, enquanto
tigação agropecuária, a colaboração distanciava cada vez mais os agentes METODOLOGIAS
sociais da experimentação. Contudo, esse PARTICIPATIVAS
e participação dos extensionistas e
produtores é inestimável. (SOUSA, esquema não é condizente com a realida- Algumas experiências de articulação e
1988, p.72). de rural, uma vez que a prática social e construção coletiva do conhecimento bem-
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sucedidas entre agricultores e agricultoras,


técnicos, extensionistas e pesquisadores
têm sido praticadas, não só por demonstrar
a viabilidade e a importância da articula-
ção entre esses agentes, mas também por
enfatizar as dimensões da sustentabilidade
social, econômica e ambiental resultante.
Um exemplo dessas experiências foi
o encontro promovido pela EPAMIG
Sudeste, em Araponga, em 2006 e 2007,
município localizado na Zona da Mata

Waldênia de Melo Moura


mineira (Fig.1), que visou realizar avalia-
ções participativas sobre a qualidade de
solos e de cafeeiros (LIMA et al., 2014).
Primeiramente, foi realizada uma apresen-
tação de modelos, feita por um pesquisador
da EPAMIG em sala de projeções. Numa Figura 1 - Preparação para avaliações participativas sobre as características de solos
nova etapa do processo, os diagnósticos e de cafeeiros em Araponga, coordenada pelo pesquisador Paulo César de
Lima, na Zona da Mata mineira
passaram a ser com o grupo em campo,
onde as características do solo e dos ca-
feeiros foram avaliadas numa linguagem
de fácil entendimento. As características
analisadas são, então, estabelecidas pelos
próprios agricultores, em função do que
aprenderam em sala. Isso lhes proporcio-
na uma linguagem comum e uma base de
comparação com relação à qualidade. No
final, um copia do outro o que pode ser
aplicado em sua propriedade.
Após essa avaliação e diagnóstico,
finalmente vem a experimentação parti-
cipativa, com o objetivo de desenvolver

Paulo César de Lima


tecnologias para a produção de café em
sistemas orgânico e agroecológico.
Um exemplo disso são os experimentos
sobre adubação, manejo da lavoura e ava-
liação de cultivares realizados em São João Figura 2 - Pesquisa participativa coordenada pela pesquisadora Waldênia de Melo Mou-
ra, em São João d’Aliança, GO
d’Aliança, GO, durante os anos de 2007
NOTA: Comunidade Veredas, onde mulheres conduzem o experimento para avaliar cul-
a 2010 (Fig. 2). Um desses experimen-
tivares de café.
tos foi realizado com o objetivo de avaliar
e recomendar cultivares de café Arábica
para sistema de cultivo orgânico de base Ainda sobre diagnóstico participativo, tando o meio físico em que vivem: estradas,
agroecológica (LIMA et al., 2009). Foram em Nova Resende, MG, foi solicitado aos localização das propriedades, escola rural
avaliadas cultivares antigas, resgatadas na agricultores que apresentassem, na visão de- se existisse, rios ou córregos, montanhas,
região, e as melhoradas, provenientes de les, um diagnóstico sobre seus municípios, matas etc. Já na terceira fase, foram de-
várias instituições de pesquisa. Utilizaram- relacionando infraestrutura, estradas, saúde, senhadas pelos agricultores suas proprie-
se bananeiras para a diversificação da educação, transporte, comunicação, comer- dades com o máximo de detalhamento,
produção e leguminosa Guandu nas entre- cialização de seus produtos etc. (Fig. 3). como tipos de solos em suas concepções,
linhas do experimento, para complementa- Numa segunda fase, os agricultores nascentes, córregos, cobertura vegetal,
ção da adubação nitrogenada. desenharam as suas comunidades, apresen- culturas, criações, residências e quintais.
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Nesse sentido, é importante utilizar


metodologias que facilitem a interação
horizontal entre esses diversos agentes,
unindo os conhecimentos populares e
científicos. Freire (1985) afirma que não
basta apenas o domínio do conhecimento,
mas é necessário estabelecer formas, para
que o conhecimento se torne inteligível,
com a criação de ambientes propícios ao

Waldênia de Melo Moura


diálogo.
As caravanas agroecológicas e os
intercâmbios têm sido implementados
por diversas redes nacionais, estaduais e
regionais de agroecologia, como a AMA,
pela Rede de Núcleos de Agroecologia Figura 3 - Diagnóstico participativo coordenado pelo pesquisador Paulo César de Lima,
da Região Sudeste, pelo MDA e pelas sobre municípios comunidades e propriedades de base familiar, em Nova
universidades, com o objetivo de possibi- Resende, Sul de Minas
litar a interação cultural, o intercâmbio de
experiências agroecológicas, e a reflexão
sobre agricultura familiar entre pessoas
de diferentes municípios e/ou regiões do
País (Fig. 4).
Além do cumprimento de seus objeti-
vos principais, as caravanas possibilitam
a imersão nas diversidades de saberes
regionais relacionados com a agricultura,
os quais motivam os participantes para
a adoção e a comunicação de práticas
agrícolas sustentáveis, e de ações voltadas
para a transição agroecológica de seus
agroecossistemas (Fig. 5).

Rodrigo Carvalho
Nos últimos anos, têm sido realizadas
caravanas inter-regionais e interestaduais
em número crescente.
Os intercâmbios agroecológicos, ca- Figura 4 - Caravaneiros reúnem-se no Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da
racterizados como um processo horizontal Mata (CTA-ZM)

Fotos: Arquivo CTA-ZM

Figura 5 - Caravana visita Escola Família Agrícola Paulo Freire

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Agricultura orgânica e agroecologia 121

de construção do conhecimento, têm forte d) história da família/propriedade/ As redes sociotécnicas constituem pro-
influência da metodologia denominada comunidade; cessos de acompanhamento que envolvem
Campesino a Campesino ou Camponês a e) caminhada pela propriedade e/ou técnicos, pesquisadores e agricultores,
Camponês, em ampla disseminação nos oficinas (durante a caminhada, cada tendo como princípio fundamental a união
países da América Central, e também das participante escolhe um elemento dos saberes tradicionais com os saberes
metodologias de Diagnósticos Participati- que mais chamou a atenção); técnico-científicos, e a valorização dos
vos, como a Caminhada Transversal, e da agricultores, enquanto multiplicadores de
f) socialização das observações feitas
Educação Popular de Paulo Freire, com os práticas e conhecimentos agroecológicos.
durante a caminhada (a partir do
Círculos de Cultura. Tais redes também participam no mer-
elemento escolhido);
Um dos desafios técnicos e metodo- cado de produtos agrícolas com base em
lógicos na construção da agroecologia é g) informes e encaminhamentos; unidades produtivas descentralizadas, que
como entrelaçar os saberes populares dos h) trocas de sementes e mudas; compõem redes de empreendimentos de
agricultores e agricultoras com os saberes i) merenda agroecológica − mesa da agricultura familiar. Destaca-se que este
científicos. partilha (momento de reflexão sobre processo possibilita a comunicação entre
Trata-se de estimular a troca de co- a alimentação); pesquisadores, técnicos e agricultores, de
nhecimentos de agricultor para agricultor, modo que os saberes tornam-se coletivos
j) mística de encerramento.
o que reduz a centralidade no técnico, e irradiados de agricultor para agricultor.
assumindo os agroecossistemas de cada As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
Algumas redes sociotécnicas com base
família agricultora como território de pro- articuladas em Minas Gerais pela Associa- no Norte de Minas Gerais tornaram-se
dução de conhecimento. O técnico deve- ção Mineira das Escolas Famílias Agríco- conhecidas, em razão de importantes
se preocupar em tornar a interação entre las (Amefa), organizam-se como escolas experiências na conservação de recursos
conhecimento popular e conhecimento comunitárias a partir de associações de naturais dos ecossistemas do Cerrado e da
científico o mais inteligível e dialógico agricultores familiares. A Pedagogia da Caatinga, e na comercialização de polpas
possível, sem negar seus conhecimentos. Alternância presta-se como importante de frutas.
Os temas abordados durante os inter- referencial metodológico, que, na prática, A perspectiva teórica da Pesquisa-
câmbios são diversos e definidos coletiva- é realizado na alternância de períodos de Desenvolvimento vem sendo adotada,
mente com o público envolvido, tanto com atividades escolares e de períodos em que juntamente com outros procedimentos,
os agricultores e agricultoras, como com os estudantes aplicam e experimentam os pelo Instituto Agronômico do Paraná
suas organizações. A intenção é sensibili- conhecimentos adquiridos no meio em (Iapar), para a elaboração de seu Progra-
zar sobre temáticas gerais, diagnosticar e que vivem (Fig. 6). Considerando que são ma de Sistemas de Produção, a partir da
mapear a realidade da comunidade local, orientadas pela perspectiva da solidarieda- constituição das Redes de Propriedades
suas dificuldades e seus aprendizados. É de e sustentabilidade no campo, a implan- de Referência, como metodologia que
possível também, porém menos comum, tação de novas EFAs contextualizadas com possibilita o levantamento de demandas
o aprofundamento em determinado tema a realidade do campo constitui importante de pesquisa, a realização de diagnósticos,
por meio de oficinas durante os intercâm- estratégia para o fortalecimento da agri- testes, ajustes e validação de tecnologias, a
bios. Visitas a outras propriedades com cultura familiar, do desenvolvimento rural comunicação de informações, tecnologias
maior experiência na temática, oficinas e sustentável e do aumento da permanência e atividades capazes de ampliar a eficiên-
cursos também podem ser momentos de e do protagonismo dos jovens no campo. cia dos sistemas de produção, e a adoção
aprofundamento. Assim como as EFAs, existem outras de estratégias e métodos que repercutem
Resumidamente, os dez passos dos boas experiências de educação rural no na melhoria da gestão das propriedades.
Intercâmbios Agroecológicos são: País construídas a partir da realidade das Como acréscimo, as Redes de Proprieda-
a) mobilização (normalmente feita famílias de agricultores e que prestam im- des Referência funcionam como núcleo
pelas organizações dos agricultores portantes serviços em prol da agricultura de comunicação e capacitação de técnicos
e agricultoras. Importante comuni- familiar e da agroecologia. Há também e agricultores, e subsidiam a formulação
car aos participantes para trazerem casos de escolas urbanas que se orientam de políticas de promoção da agricultura
sementes e mudas e também um pela perspectiva da agroecologia, embora familiar (IAPAR, 2014).
alimento para a mesa da partilha);
nem sempre adotem a Pedagogia da Al- É fundamental que as instituições de
b) mística de abertura (resgatando ternância, especialmente porque, muitas pesquisa e de assistência técnica e extensão
também questões culturais); delas, atuam nas séries iniciais do ensino rural atuem na perspectiva da pesquisa e
c) apresentação dos participantes; fundamental. desenvolvimento de tecnologias a partir
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Fotos: Arquivo AMEFA


Figura 6 - Pedagogia da alternância em Escolas Famílias Agrícolas (EFA)

de metodologias de troca de saberes com tentável nos planos econômico, social e A integração dos agentes da pesquisa,
agricultores e agricultoras, e suas formas ambiental. A responsabilidade social da da extensão, e agricultores, a partir de
de organização, e de entidades da socie- pesquisa e o compromisso com a agricul- metodologias que possibilitam o diálogo
dade civil que historicamente atuam na tura sustentável enfatizam a distinção entre e a valorização dos conhecimentos tra-
perspectiva agroecológica, a fim de me- as instituições de pesquisa agrícola pública, dicionais e dos saberes populares, com-
lhorar o acesso às tecnologias socialmente e as corporações transnacionais que atuam preendida como etapa necessária para o
apropriadas aos agricultores. As caravanas no agronegócio. A geração e a sociali- fortalecimento da agricultura familiar, para
agroecológicas e de intercâmbios, assim zação de práticas agrícolas sustentáveis além de um desafio para sociedade rural
como as EFAs, as redes sociotécnicas, e correspondem a um desafio que somente brasileira, representa uma ruptura com
as Redes de Propriedades Rurais de Refe- pode ser enfrentado pela pesquisa social e o modelo difusionista que caracteriza o
rência, são exemplos de experiências que ambientalmente responsável. padrão de desenvolvimento rural moder-
podem ser multiplicadas, embora ainda O papel que a pesquisa agropecuária nizante em vigor no País. Há motivos para
pouco numerosas. É necessário, contudo, precisa desempenhar no processo de forta- a proposição de uma ruptura, uma vez que
investigar novas fórmulas que possibilitem lecimento da agricultura familiar deve ser a autonomia da agricultura familiar dela é
a frutífera articulação entre agricultores, ressaltado, especialmente por seu caráter decorrente, por via de sua independência
extensionistas e pesquisadores. propulsor do desenvolvimento rural. Tendo diante dos setores industriais geradores
em vista sua função social, à pesquisa agro- de tecnologias que exploram e adoecem
CONSIDERAÇÕES FINAIS pecuária pública cumpre o atendimento os agricultores e agricultoras ao mesmo
A sensibilização diante da problemática das demandas da sociedade que resultem tempo em que impõem uma perversa de-
ambiental e a conscientização acerca do na oferta de alimentos saudáveis, obtidos gradação ambiental.
papel social que a pesquisa pública deve a partir de meios economicamente viáveis, Alguns dos elementos iniciadores do
desempenhar constituem os fundamentos socialmente justos e ambientalmente sus- processo de ruptura encontram-se vigoro-
do compromisso com a produção sus- tentáveis. samente implantados, a saber: a atuação
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Agricultura orgânica e agroecologia 123

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da predominância de ideais de resistência. tubro de 2013. Institui o Programa de Pes- a apresentação de subsídios destinados a
quisa Especial Agroecologia e Produção, elaboração do Programa de Pesquisa em
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Este artigo é dedicado a Paulo César LIMA, P.C. de et al. Agroecologia com base HUCITEC, 1991. (USP. Estudos Rurais, 11).
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EPAMIG, uma iniciativa inovadora. gicos. Informe Agropecuário. Inovações, mentar. São Paulo: HUCITEC, 1989. 142p.

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124 Agricultura orgânica e agroecologia

INSTRUÇÕES AOS AUTORES


INTRODUÇÃO PRAZOS E ENTREGA DOS ARTIGOS
O Informe Agropecuário é uma publicação seriada, periódica, Os colaboradores técnicos da revista Informe Agropecuário devem
bimestral, de caráter técnico-científico e tem como objetivo principal observar os prazos estipulados formalmente para a entrega dos
difundir tecnologias geradas ou adaptadas pela EPAMIG, seus parceiros trabalhos, bem como priorizar o atendimento às dúvidas surgidas ao
e outras instituições para o desenvolvimento do agronegócio de Minas longo da produção da revista, levantadas pelo Editor técnico, pela
Gerais. Trata-se de um importante veículo de orientação e informação Revisão e pela Normalização. A não observação a essas normas trará
para todos os segmentos do agronegócio, bem como de todas as as seguintes implicações:
instituições de pesquisa agropecuária, universidades, escolas federais a) os colaboradores convidados pela Empresa terão seus trabalhos
e/ou estaduais de ensino agropecuário, produtores rurais, técnicos, excluídos da edição;
extensionistas, empresários e demais interessados. É peça importante b) os colaboradores da Empresa poderão ter seus trabalhos excluídos
para difusão de tecnologia, devendo, portanto, ser organizada para ou substituídos, a critério do respectivo Editor técnico.
atender às necessidades de informação de seu público, respeitando
O Editor técnico deverá entregar ao Departamento de Informação
sua linha editorial e a prioridade de divulgação de temas resultantes
Tecnológica (DPIT), da EPAMIG, os originais dos artigos em CD-ROM
de projetos e programas de pesquisa realizados pela EPAMIG e seus
ou por e-mail, já revisados tecnicamente (com o apoio dos consultores
parceiros.
técnico-científicos), 120 dias antes da data prevista para circular a
A produção do Informe Agropecuário segue uma pauta e um cro-
revista. Não serão aceitos artigos entregues fora desse prazo ou após
nograma previamente estabelecidos pelo Conselho de Publicações da
o início da revisão linguística e normalização da revista.
EPAMIG e pela Comissão Editorial da Revista, conforme demanda do
O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data
setor agropecuário e em atendimento às diretrizes do Governo. Cada
de publicação da edição.
edição versa sobre um tema específico de importância econômica
para Minas Gerais.
ESTRUTURAÇÃO DOS ARTIGOS
Do ponto de vista de execução, cada edição do Informe Agropecuário
terá de um a três Editores técnicos, responsáveis pelo conteúdo da publi- Os artigos devem obedecer à seguinte sequência:
cação, pela seleção dos autores dos artigos e pela preparação da pauta. a) título: deve ser claro, conciso e indicar a ideia central, podendo
ser acrescido de subtítulo. Devem-se evitar abreviaturas, parên-
APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS ORIGINAIS teses e fórmulas que dificultem a sua compreensão;
b) nome do(s) autor(es): deve constar por extenso, com nume-
Os artigos devem ser enviados em CD-ROM ou por e-mail, no
ração sobrescrita para indicar, no rodapé, sua formação e títulos
programa Microsoft Word, fonte Arial, corpo 12, espaço 1,5 linha,
acadêmicos, profissão, instituição a que pertence e endereço.
parágrafo automático, justificado, em páginas formato A4 (21,0 x
29,7cm). Exemplo: Engo Agro, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul de Minas/Bolsista
Os quadros devem ser feitos também em Word, utilizando apenas FAPEMIG, Lavras-MG, e-mail: ctsm@epamig.br;
o recurso de tabulação. Não se deve utilizar a tecla Enter para forma- c) resumo: deve ser constituído de texto conciso (de 100 a 250
tar o quadro, bem como valer-se de “toques” para alinhar elementos palavras), com dados relevantes sobre a metodologia, resulta-
gráficos de um quadro. dos principais e conclusões;
Os gráficos devem ser feitos em Excel e ter, no máximo, 15,5 cm d) palavras-chave: devem constar logo após o resumo. Não
de largura (em página A4). Para tanto, pode-se usar, no mínimo, corpo devem ser utilizadas palavras já contidas no título;
6 para composição dos dados, títulos e legendas. e) texto: deve ser dividido basicamente em: Introdução, Desenvol-
As fotografias a serem aplicadas nas publicações devem ser re- vimento e Considerações finais. A Introdução deve ser breve e
centes, de boa qualidade e conter autoria. Podem ser enviados, prefe- enfocar o objetivo do artigo;
rencialmente, os arquivos originais da câmera digital (para fotografar f) agradecimento: elemento opcional;
utilizar a resolução máxima). As fotos antigas devem ser enviadas em g) referências: devem ser padronizadas de acordo com o “Ma-
papel fotográfico (9 x 12 cm ou maior), cromo (slide) ou digitalizadas. nual para Publicações da EPAMIG”, que apresenta adaptação
As fotografias digitalizadas devem ter resolução mínima de 300 DPIs
das normas da ABNT.
no formato mínimo de 15 x 10 cm na extensão JPG.
Com relação às citações de autores e ilustrações dentro do texto,
Não serão aceitas fotografias já escaneadas, incluídas no texto, em
também deve ser consultado o Manual para Publicações da EPAMIG.
Word. Enviar os arquivos digitalizados, separadamente, na extensão
já mencionada (JPG, com resolução de 300 DPIs). NOTA: Estas instruções, na íntegra, encontram-se no “Manual
Os desenhos feitos no computador devem ser enviados na sua para Publicações da EPAMIG”. Para consultá-lo, acessar:
extensão original, acompanhados de uma cópia em PDF, e os desenhos www.epamig.br, em Publicações/Publicações Disponíveis ou
feitos em nanquim ou papel vegetal devem ser digitalizados em JPG. Biblioteca/Normalização.

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