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Outras questões
«Ser objeto do conhecimento não significa que algo pertence ao mundo exterior, como erroneamente
se supõe na linguagem vulgar, quando se opõe “mundo objetivo” a “mundo subjetivo”. Uma ideia pode
ser objeto de conhecimento, como esta mesa; uma dor e um sonho podem ser, por exemplo, objetos
de conhecimento, sem, com isso, necessitarem de pertencer ao mundo exterior. “Objetivo” diz respeito
ao objeto e não implica existência no mundo exterior.»
Delfim Santos, «Da Filosofia», in Obras Completas I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.
1.1. Esclareça o sentido da frase «Ser objeto do conhecimento não significa que algo pertence ao mundo
exterior».
«Para sabermos alguma coisa, não basta adivinharmos, mesmo que acertemos, por maior que seja a
confiança que depositemos no nosso palpite. Então, além da crença verdadeira, que mais é necessário
para termos conhecimento? Não será ter provas? Isto é, para termos conhecimento, não será
necessário estarmos ligados à verdade daquilo em que acreditamos por razões ou provas que temos
para acreditar? E essas razões ou provas não terão de ser adequadas para justificarem a nossa
crença?»
Daniel Kolak e Raymond Martin, Sabedoria sem Respostas: Uma Breve lntrodução à Filosofia, Lisboa, Temas & Debates, 2004, p. 51
2.2. «Então, além da crença verdadeira, que mais é necessário para termos conhecimento?», pergunta o
autor.
Responda a esta pergunta, apoiando a resposta em um ou mais exemplos.
– Para haver conhecimento, além de termos crenças verdadeiras, temos de ser capazes de justificá-las.
– Podemos ter crenças verdadeiras sobre algo, sem conseguirmos justificar tais crenças; por exemplo,
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quando jogamos às cartas, podemos acreditar que nos vai sair o ás de trunfo e isso acontecer de facto.
– Nesse caso, temos uma crença verdadeira, mas não sabemos realmente que nos vai sair o ás de trunfo.
– Porém, podemos saber que nos vai sair o ás de trunfo por termos viciado as cartas nesse sentido;
neste caso, a nossa crença, além de verdadeira, é justificada.
3. Algumas crianças estão convencidas de que o Pai Natal existe e viaja num trenó puxado porEQT11DP © Porto Editora
renas. Isso acontece, entre outras razões, porque os adultos lhes dizem que as prendas foram
deixadas pelo Pai Natal, e porque veem filmes e leem livros sobre o Pai Natal.
Será que essas crianças sabem que o Pai Natal existe? Porquê?
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
– as crianças não sabem que o Pai Natal existe.
Justificação:
– as crianças têm justificação/razões para acreditar na existência do Pai Natal, mas não basta ter justificação
para se saber que o Pai Natal existe;
– além de justificação/razões, também é preciso que aquilo em que se acredita seja verdadeiro, o que não se
verifica, uma vez que o Pai Natal não existe.
4. Será correto afirmar que, no passado, as pessoas sabiam que o Sol girava em torno da Terra?
Justifique a sua resposta, tendo em conta a definição tradicional de conhecimento.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da resposta à questão:
– não é correto afirmar que, no passado, as pessoas sabiam que o Sol girava em torno da Terra.
Justificação:
– no passado, as pessoas não sabiam que o Sol girava em torno da Terra, embora tivessem uma crença
justificada de que o Sol girava em torno da Terra;
– as pessoas não sabiam que o Sol girava em torno da Terra, porque não é verdade que o Sol girasse em
torno da Terra;
– ainda que as crenças falsas tenham justificações consideradas boas, isso não faz delas crenças verdadeiras;
– para saber, é preciso ter crenças verdadeiras justificadas, não bastando ter crenças justificadas.
5. O facto de termos justificação para uma crença faz dela conhecimento? Porquê?
Ilustre a sua resposta com um exemplo adequado.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Indicação de que o facto de termos justificação para uma crença não faz dela conhecimento.
Justificação:
– a justificação de uma proposição/tese/teoria/crença apenas fornece razões para se acreditar nela, mas não
determina a sua verdade, ou seja, essa proposição/tese/teoria/crença pode ser falsa, não constituindo,
nesse caso, conhecimento;
– as verdades são factos independentes das razões que temos para acreditar neles OU podemos ter razões
para acreditar em falsidades, mas isso não torna essas falsidades conhecimento;
– por exemplo, alguém pode acreditar que o Sol gira em torno da Terra, porque vê o Sol em movimento (em
relação ao ponto da Terra em que se encontra), mas esta observação/justificação não torna conhecimento
a proposição/tese/teoria/crença de que o Sol gira em torno da Terra.
Manuela – Sabes, Eurico, quanto dá 356 euros a dividir por quatro pessoas?
Eurico – Eu não sei, mas tenho aqui uma pequena calculadora de bolso que sabe. Deixa ver: dá 89 euros.
Manuela – E confias nessa calculadora?
Eurico – Claro que sim. O resultado dado pela calculadora está justificado, porque é uma máquina
programada por matemáticos competentes.
No diálogo anterior, o Eurico afirma que a calculadora sabe quanto dá 356 euros a dividir por quatro
pessoas.
Será que a calculadora o sabe? Justifique a sua resposta, tendo em conta a análise tradicional do
conhecimento.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da resposta à questão formulada:
– não, a calculadora não sabe quanto dá 356 euros a dividir por quatro pessoas.
Justificação da resposta:
– de acordo com a análise tradicional do conhecimento (proposicional), crença, verdade e justificação são
condições necessárias do conhecimento (proposicional);
– o resultado apresentado pela calculadora (embora seja correto e esteja adequadamente justificado, pois
a calculadora aplica um programa concebido por matemáticos competentes) não é conhecimento, porque
a calculadora não tem crenças (nomeadamente, não tem a crença de que 356 euros a dividir por quatro
pessoas dá 89 euros a cada uma, pois a calculadora não tem estados mentais).
«Suponhamos então que a mente seja, como se diz, uma folha em branco, sem quaisquer caracteres,
sem quaisquer ideias. Como é que a mente recebe as ideias? […] De onde tira todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isto respondo com uma só palavra: da EXPERIÊNCIA.»
John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, Vol. I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 106
(adaptado).
«Agora, que resolvi dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário rejeitar
como completamente falso tudo o que pudesse suscitar a menor dúvida, para ver se, depois disso, algo
permaneceria nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, decidi supor que nos enganam
sempre. E, porque há pessoas que se enganam ao raciocinar, até nos temas mais simples de
geometria, fazendo raciocínios incorretos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me, como
qualquer outra pessoa, todas as razões que até então me pareceram aceitáveis. Finalmente,
considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando
dormimos, sem que, neste caso, qualquer um deles seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até
então tinha encontrado acolhimento na minha mente não era mais verdadeiro do que as ilusões dos
meus sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto queria pensar que tudo era falso, eu, que
assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E, notando que esta verdade, eu penso, logo
existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos seriam impotentes
para a abalar, julguei que a poderia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que
procurava.»
René Descartes, Discurso do Método, vol. IV, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1988, pp. 27-28 (adaptado).
12.2. Exponha as razões que levaram Descartes a rejeitar as crenças baseadas nos nossos sentidos.
– Para decidirmos quais as crenças que podemos aceitar como verdadeiras, temos de rejeitar como
falso tudo o que não seja indubitável.
– Se os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, não é inconcebível que nos enganem sempre.
– Verificamos que os nossos sentidos nos enganam algumas vezes.
– Logo, as crenças baseadas nos sentidos devem ser todas rejeitadas.
12.3. Explique por que razão «todas as extravagantes suposições dos céticos seriam impotentes» para
abalar a certeza da nossa existência como seres pensantes.
– Há um conhecimento que resiste a todas as dúvidas, mesmo às mais radicais.
– Esse conhecimento, ou seja, o conhecimento da verdade «Penso, logo existo.», é justificado pelo
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próprio ato de duvidar:
• ao duvidarmos, estamos a pensar e, se pensamos, somos necessariamente alguma coisa (somos,
pelo menos, alguma coisa que pensa);
• assim, é indubitável que somos alguma coisa, e este é um conhecimento que nenhum cético
consegue abalar.
«Devo tomar todo o cuidado em não me enganar nos juízos. Ora, o erro principal e mais frequente que
se pode descobrir neles consiste em eu afirmar que as ideias que estão em mim são semelhantes ou
conformes a certas coisas que estão fora de mim. […]
Assim, por exemplo, descubro em mim duas ideias diversas do Sol. Uma, como que tirada dos
sentidos, […] deixa que o Sol me apareça muito pequeno; porém, a outra é tirada dos raciocínios da
Astronomia […] e por ela o Sol mostra-se um certo número de vezes maior do que a Terra. Ambas não
podem, certamente, ser semelhantes ao […] Sol existente fora de mim, e a razão persuade-me de que
a ideia que parece emanar mais diretamente do próprio Sol não tem qualquer semelhança com ele.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Livraria Almedina, 1985, pp. 140-144
(adaptado).
• fazemos juízos errados acerca das coisas exteriores a nós, e o erro mais importante nos nossos juízos
é o de afirmarmos que as ideias provenientes dos sentidos representam adequadamente as coisas
exteriores a nós;
• se confrontarmos, por exemplo, duas ideias diferentes acerca do Sol, uma proveniente dos sentidos,
que o representa como muito pequeno, e outra proveniente dos raciocínios dos astrónomos, que o
representa como um corpo maior do que a Terra, a razão persuade-nos de que seria errado afirmar
que a ideia acerca do Sol proveniente dos sentidos é aquela que representa adequadamente o Sol.
«Recorrer à veracidade do Ser supremo para demonstrar a veracidade dos nossos sentidos é, sem dúvida,
realizar um percurso muito inesperado. Se a veracidade do Ser supremo estivesse realmente implicada na
veracidade dos sentidos, estes seriam totalmente infalíveis, porque não é possível que Ele nos possa
enganar.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Edições 70, 1985, p. 146
No texto anterior, encontra-se uma crítica que se aplica a Descartes. Explicite essa crítica.
Na sua resposta, comece por apresentar o aspeto do pensamento cartesiano ao qual a crítica se aplica.
Explicitação da crítica de Hume, apresentada no texto, que se aplica a Descartes:
– Descartes defendeu que (porque os seus sentidos o enganam algumas vezes) as crenças decorrentes da
experiência dos sentidos eram duvidosas;
– porém, a certeza da existência de Deus permitiu-lhe recuperar a confiança nas suas faculdades, devido ao
facto de Deus não ser enganador e, por isso, não o ter criado de tal forma que se enganasse ao aplicar
prudentemente as suas faculdades (atribui, assim, os erros dos sentidos (e de raciocínio) a juízos
precipitados/pouco ponderados);
– Hume considera que, se a confiança nos sentidos fosse justificada pelo facto de termos sido criados por
um Ser não enganador, então os sentidos nunca nos poderiam enganar, pois um Ser perfeito e não
enganador não permitiria que, ainda que por precipitação nossa, por vezes os nossos sentidos nos
enganassem.
«Desde há muito notara eu que, no tocante aos costumes, é necessário às vezes seguir, como se
fossem indubitáveis, opiniões que sabemos serem muito incertas […]. Mas, porque agora desejava
dedicar-me apenas à procura da verdade, pensei que era forçoso que eu fizesse exatamente ao
contrário e rejeitasse, como absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida
[...].»
René Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 2000, p. 73
Descartes decide rejeitar «tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida». Partindo do
texto, exponha as razões que justificam esta decisão.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Exposição, a partir do texto, das razões que justificam a decisão de Descartes de rejeitar «como
absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida»:
– no que respeita às questões práticas da vida – «no tocante aos costumes» –, Descartes defende ser
necessário aceitar como certo o que é duvidoso, pois a dúvida apenas conduziria à indecisão; porém, no
que respeita «à procura da verdade», justifica-se rejeitar (completamente) o que ofereça a menor dúvida;
– Descartes pretende «agora» descobrir verdades que sirvam de fundamento ao edifício do conhecimento;
– para poderem fundar o conhecimento, essas verdades, ou primeiros princípios (ou fundamentos), têm de
ser indubitáveis (absolutamente certas).
«Agora, vou considerar com mais exatidão se não encontrarei em mim outros conhecimentos de que
porventura não me tenha apercebido. Estou certo de que sou uma coisa que pensa. Mas não saberei
também o que se requer para que eu tenha a certeza de alguma coisa? Neste primeiro conhecimento
[sou uma coisa que pensa] nada mais se encontra além de uma perceção clara e distinta daquilo que
conheço; a qual seguramente não seria suficiente para me dar a certeza da verdade dessa coisa, se
pudesse alguma vez revelar-se falsa uma coisa que eu compreendesse assim tão clara e distintamente.
E, por consequência, parece-me que já posso estabelecer, como regra geral, que é verdadeiro tudo
aquilo que compreendemos tão claramente e tão distintamente.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Almedina, 1985, p. 136 (adaptado).
17. Descartes afirma ter começado por rejeitar todas as crenças que foi acumulando desde a
infância.
Por que razão procedeu de modo tão drástico?
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A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da razão pela qual Descartes começou por rejeitar todas as suas crenças:
– Descartes reconheceu ter aceitado como verdadeiras muitas opiniões falsas que recebeu ao longo da sua
educação;
– dada a dificuldade de separar as crenças falsas das outras crenças, Descartes considerou que a melhor
maneira de se proteger do erro seria rejeitar provisoriamente todas as suas crenças, como se todas fossem
falsas e incertas.
«Voltando a examinar a ideia que eu tinha de um ser perfeito, descobria que a existência estava nela
contida, do mesmo modo, ou mais evidentemente ainda, que na de um triângulo está compreendido
que os seus três ângulos são iguais a dois retos […]; e que, por conseguinte, é pelo menos tão certo
como o pode ser qualquer demonstração de geometria que Deus, que é o ser perfeito, é ou existe.»
René Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 1993, pp. 78-
79.
«Dado que nascemos crianças e que formulámos vários juízos acerca das coisas sensíveis antes que
tivéssemos o completo uso da nossa razão, somos desviados do conhecimento da verdade por muitos
preconceitos, dos quais parece não nos podermos libertar a não ser que, uma vez na vida, nos
esforcemos por duvidar de todos aqueles em que encontremos a mínima suspeita de incerteza.
Será mesmo útil considerar também como falsas aquelas coisas de que duvidamos, para que assim
encontremos mais claramente o que é certíssimo e facílimo de conhecer.»
René Descartes, Princípios da Filosofia, Lisboa, Presença, 1995
(adaptado).
20. Depois de ter superado o teste da dúvida, Descartes restabelece a confiança nos sentidos. No
texto seguinte, Descartes esclarece em que circunstâncias se justifica confiar nos sentidos.
«No que se refere ao bem do corpo, os sentidos indicam muito mais frequentemente a verdade do que
a falsidade. E posso quase sempre utilizar mais do que um sentido para examinar a mesma coisa; e,
além disso, posso utilizar tanto a minha memória, que associa as experiências presentes às passadas,
como o meu intelecto, que já examinou todas as causas de erro. Por isso, não devo continuar a temer
que seja falso o que os sentidos me dizem habitualmente; pelo contrário, as dúvidas exageradas dos
últimos dias devem ser abandonadas como risíveis. […] E não devo ter sequer a menor dúvida da sua
verdade se, depois de apelar a todos os sentidos, assim como à minha memória e ao meu intelecto,
para examinar as indicações que receber de qualquer destas fontes, não houver conflito entre elas.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Almedina, 1976, pp. 224-225
(adaptado).
«Se perguntar a mim próprio “Estou a beber?” ou “Está ele a pensar?”, a resposta pode ser “Sim”,
“Não” ou “Talvez”. Mas se perguntar a mim próprio “Estou a pensar?”, a resposta apenas pode ser
“Sim”. Fazer essa pergunta a mim próprio é o mesmo que eu pensar. Seria autorrefutante perguntar a
mim próprio “Estou a pensar?” e responder “Não”.»
Timothy Chappell, The Inescapable Self – An introduction to Western philosophy, Londres, Weidenfeld & Nicolson, 2005, pp. 28-29 (adap-
tado).
21.2. Explique o argumento de Descartes para duvidar dos seus raciocínios matemáticos mais evidentes.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação do argumento de Descartes:
– o argumento de Descartes para duvidar dos seus raciocínios matemáticos mais evidentes é o do
génio maligno;
– o argumento do génio maligno levanta a hipótese de uma entidade externa controlar a nossa mente,
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fazendo-nos acreditar, por exemplo, que 2 + 2 = 4;
– o argumento do génio maligno, diferentemente dos outros (argumentos das ilusões dos sentidos e
do sonho), põe também em causa as crenças que não dependem dos sentidos/a priori.
«Mas, porque a razão me persuade logo que não devo menos cuidadosamente coibir-me de dar o meu
assentimento às coisas que não são plenamente certas e indubitáveis do que às abertamente falsas,
para rejeitá-las todas basta que se me depare numa delas qualquer razão de dúvida. Para isso, não
tenho de percorrê-las cada uma em particular, trabalho que seria sem fim: porque uma vez minados os
fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado, atacarei imediatamente aqueles princípios
em que se apoiava tudo o que anteriormente acreditei.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Almedina, 1976, pp. 106-107
(adaptado).
«Assim, rejeitando todas aquelas coisas de que podemos duvidar de algum modo, e até mesmo
imaginando que são falsas, facilmente supomos que não existe nenhum Deus, nenhum céu, nenhuns
corpos; e que nós mesmos não temos mãos, nem pés, nem de resto corpo algum; mas não assim que
nada somos, nós que tais coisas pensamos: pois repugna que se admita que aquele que pensa, no
próprio momento em que pensa, não exista.»
René Descartes, Princípios da Filosofia, Lisboa, Presença,1995 (adaptado).
«E notando que esta verdade “eu penso, logo existo” era tão firme e tão certa que todas as
extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a abalar, julguei que a podia aceitar, sem
escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.»
René Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 2000, p.
74.
OU
– acreditamos que 2 + 2 = 4 ou que um quadrado tem quatro lados;
– estejamos acordados ou a dormir, as crenças referidas são verdadeiras;
– imaginemos, no entanto, que um génio maligno extremamente poderoso e astuto tem o poder de
causar ilusões na nossa faculdade de raciocínio;
– assim, mesmo as proposições de que 2 + 2 = 4 ou de que um quadrado tem quatro lados podem ser
falsas;
– logo, podemos acreditar em proposições que nos parecem inteiramente evidentes e essas
proposições serem falsas.
OU
– para serem justificadas, as nossas crenças apoiam-se noutras crenças, e assim sucessivamente, o
que nos conduz a uma regressão infinita;
– nesse caso, nenhuma crença está justificada.
conhecimento?
Justifique.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação inequívoca da posição defendida.
Justificação da posição defendida:
– no caso de o examinando considerar que o «primeiro princípio» da filosofia de Descartes é um
fundamento sólido do conhecimento:
• se se duvida, e duvidar é uma forma de pensamento, então não se pode, consistentemente,
negar que se existe;
• o cogito resiste a todos os argumentos céticos (designadamente, ao argumento do génio
maligno);
• sendo o cogito uma certeza inabalável, pode servir de fundamento ao conhecimento.
– no caso de o examinando considerar que o «primeiro princípio» da filosofia de Descartes não é um
fundamento sólido do conhecimento:
• do facto de haver pensamentos que expressam dúvidas não se segue a existência de um ser
pensante que é a sede desses pensamentos;
• Descartes apenas poderia ter concluído que «se há estados de dúvida, há pensamentos», e
nada mais;
• nada garante a existência de um eu que duvida ou pensa.
OU
• embora o cogito, em si mesmo, possa ser considerado uma certeza inabalável, não é um
fundamento sólido, pois não serve de base a nenhuma outra crença;
• caso alcançássemos o cogito após o método da dúvida sugerido por Descartes, teríamos de
confiar nas nossas faculdades de raciocínio para progredir além do cogito;
• ora, o método da dúvida que nos levou ao cogito (particularmente, a hipótese do génio
maligno ou do Deus enganador que se comprazesse em enganar-nos) pôs em causa as
nossas faculdades.
Nota ‒ Os aspetos constantes dos cenários de resposta apresentados são apenas ilustrativos, não
esgotando o espectro de respostas adequadas possíveis.
«Quantas vezes me acontece que, durante o repouso noturno, me deixo persuadir de coisas tão habituais
como que estou aqui, com o roupão vestido, sentado à lareira, quando, todavia, estou estendido na
cama e despido! Mas, agora, observo este papel seguramente com os olhos abertos, esta cabeça que
movo não está a dormir, voluntária e conscientemente estendo esta mão e sinto-a: o que acontece
quando se dorme não parece tão distinto. Como se não me recordasse já de ter sido enganado por
pensamentos semelhantes!»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p.
26. De acordo com Descartes, a ciência teria de se basear em princípios irrefutáveis, que seriam
verdades evidentes conhecidas a priori, por intuição intelectual. Essas verdades incluem os
factos básicos da realidade física.
Concorda com esta perspetiva de Descartes?
Na sua resposta, deve:
− clarificar o problema da justificação do conhecimento;
− apresentar inequivocamente a sua posição;
− argumentar a favor da sua posição, recorrendo a aspetos que considerar relevantes da teoria empirista ou
da teoria racionalista do conhecimento, ou de perspetivas sobre a evolução e a objetividade da ciência.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Clarificação do problema:
– uma das condições do conhecimento é a justificação, e a justificação pode basear-se na experiência /
pode ser a posteriori, ou pode basear-se apenas na razão/pode ser a priori;
– há quem considere que a justificação última do conhecimento só poderá proporcionar certeza se for
irrefutável e que, por isso, terá de ser a priori, e há quem considere que, pelo facto de se apoiarem na
experiência, mesmo as justificações mais básicas podem ser postas em causa/refutadas.
Apresentação inequívoca da posição defendida.
Justificação da posição defendida – cenários de resposta:
– no caso de o examinando concordar com a perspetiva de Descartes:
• o cogito é conhecido a priori, isto é, por intuição intelectual, e também a existência de Deus pode
ser conhecida pelo recurso a argumentos a priori (que, partindo da análise da ideia de ser perfeito,
concluem que Deus existe);
• as verdades básicas da matemática e, em especial, as verdades da geometria, que são conhecidas
a priori, contribuem para o conhecimento dos factos básicos da realidade física e são irrefutáveis;
• como é atestado pelos erros da física e da astronomia ‒ por exemplo, pelos erros da teoria
geocêntrica ‒, a ciência torna-se mais falível se o conhecimento dos factos básicos da realidade
física depender inteiramente dos dados fornecidos pela experiência;
• é plausível considerar que, caso seja a priori, o conhecimento dos factos básicos da realidade
física seja irrefutável.
– no caso de o examinando não concordar com a perspetiva de Descartes:
• só o conhecimento de relações de ideias pode ser produzido apenas pelo recurso à razão, isto é, a
priori;
• contudo, o conhecimento de relações de ideias não tem qualquer relevância para o conhecimento
dos factos básicos da realidade física;
• todo o conhecimento substancial, que inclui o conhecimento dos factos básicos da realidade
física, depende da experiência;
• dadas as grandes mudanças científicas já ocorridas ao longo da história da ciência, mesmo teorias
aparentemente infalíveis, como as que dizem respeito aos factos básicos da realidade física,
podem ser refutadas pela experiência.
Nota ‒ Os aspetos constantes nos cenários de resposta apresentados são apenas ilustrativos, não
esgotando o espectro de respostas adequadas possíveis.
resposta.
– David Hume defende uma forma de ceticismo moderado.
– Por um lado, argumenta que a vivacidade das impressões sensíveis (as quais são anteriores ao uso da razão)
nos impede de rejeitar a nossa crença natural no mundo exterior, demarcando-se de um tipo de ceticismo
extremo.
– Por outro lado, argumenta que a análise racional das nossas crenças mostra que muitas delas são
injustificadas (por exemplo, a crença de que as impressões dos sentidos são causadas por objetos
exteriores não está justificada, pois a nossa mente «não tem maneira de conseguir qualquer
experiência da conexão das perceções com os objetos»), pelo que o nosso conhecimento é muito
mais limitado do que habitualmente supomos.
– Assim, Hume é cético quanto à possibilidade de encontrarmos um fundamento para o conhecimento que
esteja ao abrigo de toda a dúvida, mas o seu ceticismo não é universal.
28. De acordo com Hume, é possível ter conhecimento a priori de questões de facto? Justifique.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da resposta:
–Não. De acordo com Hume, não é possível ter conhecimento a priori de questões de facto.
Justificação da resposta:
– ter conhecimento a priori de questões de facto seria ter conhecimento de factos, recorrendo apenas ao
pensamento;
– Hume afirma que, se recorrermos apenas ao pensamento, conseguiremos apreender relações de ideias,
mas não factos;
– assim, recorrendo apenas ao pensamento, podemos saber, por exemplo, que um corpo completamente
preto não pode ser completamente vermelho, pois estaremos simplesmente a relacionar as ideias de corpo
preto e de corpo vermelho, mas o facto de os corvos serem pretos só pode ser conhecido por meio da
experiência de observar corvos.
29. Apresente uma proposição que, de acordo com Hume, não possa ser refutada por meio da
experiência. Justifique.
Na sua resposta, indique se a proposição apresentada é uma relação de ideias ou uma questão de facto.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação de uma proposição:
– O triângulo tem três lados.
Justificação da resposta apresentada:
– a proposição apresentada é uma relação de ideias;
– uma relação de ideias (é uma verdade necessária que) resulta da mera análise das ideias envolvidas (é a
priori), e é verdadeira ou falsa dependendo apenas dessas ideias, e não dos factos (do mundo);
– assim, a proposição “o triângulo tem três lados” é verdadeira apenas em virtude das ideias envolvidas, quer
existam triângulos no mundo, quer não; logo, como a verdade de uma relação de ideias não depende de factos,
aos quais teríamos acesso por meio da experiência, a proposição não pode ser refutada pela experiência.
«O senhor Hume tem defendido que só temos esta noção de causa: algo que é anterior ao efeito e que,
de acordo com a experiência, foi seguido constantemente pelo efeito. [...]
Seguir-se-ia desta definição de causa que a noite é a causa do dia e o dia a causa da noite. Pois, desde
o começo do mundo, não houve coisas que se tenham sucedido mais constantemente. [...]
Seguir-se-ia [também] desta definição que tudo o que seja singular na sua natureza, ou que seja a
primeira coisa do seu género, não pode ter uma causa.»
Thomas Reid, Essays on the Active Powers of Man, Edimburgo, Edinburgh University Press, 2010, pp. 249-
250.
30.1. Neste texto, apresenta-se e critica-se a noção de causa considerada por Hume.
Explique as falhas apontadas no texto a essa noção de causa.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação das falhas apontadas no texto à noção de causa considerada por Hume:
– no texto, defende-se que a noção de causa de Hume é a de algo ser seguido constantemente pelo
efeito (em que tomamos como causa o primeiro acontecimento e como efeito o acontecimento que
lhe sucede);
– ora, é falso que essa noção de causa seja aquela que de facto temos:
• há acontecimentos que se sucedem constantemente (que constantemente são seguidos um
do outro), mas que ninguém considera serem a causa ou o efeito um do outro; por exemplo, o
dia e a noite sucedem-se constantemente, mas ninguém pensa que são causa ou efeito um do
outro;
• há acontecimentos singulares, que geralmente aceitamos serem causados, relativamente aos
quais não temos experiência de qualquer conjunção constante; é o caso, por exemplo, do
acontecimento em que o mundo começou a existir, que ocorreu uma única vez, mas que,
ainda assim, julgamos ser causado.
30.2. De acordo com Hume, a observação de conjunções constantes de acontecimentos não justifica
racionalmente a crença de que há relações causais na natureza. Porquê?
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação de que a observação de conjunções constantes não justifica racionalmente a crença de
que há relações causais na natureza:
– para haver relações causais na natureza, teria de haver conexão necessária entre os
acontecimentos;
– a observação de conjunções constantes de acontecimentos não mostra que um acontecimento
tenha de acontecer caso outro também aconteça (a observação/a experiência não mostra que
existem conexões necessárias entre os acontecimentos);
– a ideia de conexão necessária é apenas um hábito, que consiste numa mera disposição mental, não
estando racionalmente justificada.
«Se se dissesse que experimentámos que o mesmo poder continua unido ao mesmo objeto e que
objetos idênticos são dotados de idênticos poderes, renovaria a minha pergunta: “por que razão, a
partir desta experiência, tiramos uma conclusão que ultrapassa os casos passados de que tivemos
experiência?”»
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«Quando pensamos numa montanha de ouro, estamos apenas a juntar duas ideias consistentes, a de
ouro e a de montanha, as quais já conhecíamos anteriormente. Podemos conceber um cavalo virtuoso
porque, a partir dos nossos próprios sentimentos, podemos conceber a virtude, e podemos uni-la à
forma e à figura de um cavalo, animal que nos é familiar. […]
A ideia de Deus, no sentido de um Ser infinitamente inteligente, sábio e bondoso, deriva da reflexão
sobre as operações da nossa própria mente e de aumentar sem limites aquelas qualidades de bondade
e sabedoria.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002, p. 35
«Todos os objetos da razão ou da investigação humanas podem ser naturalmente divididos em dois
tipos, a saber, as relações de ideias e as questões de facto. [...]
O contrário de toda e qualquer questão de facto continua a ser possível, porque não pode jamais
implicar contradição, e a mente concebe-o com a mesma facilidade e nitidez, como se fosse
perfeitamente conforme à realidade. Que o Sol não vai nascer amanhã não é uma proposição menos
inteligível nem implica maior contradição do que a afirmação de que ele vai nascer.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002, pp. 41-42
(adaptado).
34.2. Tendo em conta que «o Sol não vai nascer amanhã não é uma proposição menos inteligível nem
implica maior contradição do que a afirmação de que ele vai nascer», como explica Hume que
estejamos convencidos de que o Sol vai nascer amanhã?
EQT11DP © Porto Editora A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da explicação de Hume:
– a propensão da mente para acreditar que o Sol nascerá amanhã é um efeito do «hábito» ou do «costume»;
– essa propensão é formada a partir da experiência da conjunção constante de dois objetos (ou
acontecimentos) distintos: o fim do período noturno e o nascimento do Sol;
– o «hábito» inevitavelmente leva a que, na presença de um objeto (ou acontecimento), esperemos que
o outro ocorra.
A partir do texto, exponha a tese empirista de Hume sobre a origem da ideia de conexão causal.
Na sua resposta, integre, de forma pertinente, informação do texto.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados.
– Apresentação da perspetiva empirista de David Hume: o conhecimento do mundo está limitado àquilo de
que temos experiência.
– Esclarecimento da ideia de conexão causal: perante dois acontecimentos sucessivos, o primeiro dá origem
ao segundo, ou o segundo ocorre porque o primeiro existiu anteriormente.
– Apresentação das razões pelas quais a ideia de conexão causal não pode ser adequadamente justificada
pela experiência: a experiência apenas pode revelar a sucessão e a conjunção constante de
acontecimentos, mas não nos dá a ideia de conexão necessária entre acontecimentos.
– Explicitação do fundamento da ideia de conexão causal: é o peso do hábito que nos leva a crer que dois
acontecimentos que se sucedem ou que acontecem conjuntamente têm uma relação causal entre si.
«Da primeira vez que um homem viu a comunicação de movimento por impulso, ou pelo choque de
duas bolas de bilhar, ele não poderia afirmar que um evento estava conectado, mas apenas que estava
conjugado com o outro. Depois de ter observado vários casos desta natureza, passa a declarar que
eles estão conectados.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002, p.
89.
Como é que Hume explica que tenhamos a ideia de conexão necessária entre acontecimentos?
Na sua resposta, integre adequadamente a informação do texto.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação de Hume para o facto de termos a ideia de conexão necessária entre acontecimentos:
– a observação (pela «primeira vez») não mostra que há uma conexão necessária entre o choque (de
uma bola com a outra) e o movimento (adquirido pela bola que se encontrava imóvel), mas apenas que
esses dois acontecimentos se seguiram um ao outro/ocorreram conjugados;
– a observação repetida da sucessão/conjunção/conjugação desses dois acontecimentos (ainda que não
mostre que há uma conexão necessária entre esses dois acontecimentos) leva-nos a «declarar que eles
estão conectados», porque, irresistivelmente, associamos a ideia de colisão (de bolas) à ideia de início do
movimento (da bola imóvel);
– esta transição (costumeira/habitual) de uma ideia para a outra leva-nos a formar a ideia de que os dois
acontecimentos estão conectados/de que há uma conexão necessária entre os dois acontecimentos
OU é no hábito que reside a explicação para o facto de termos a ideia de conexão necessária entre
acontecimentos que, repetidamente, se seguiram um ao outro/ocorreram conjugados.
«Tendo refletido sobre aquilo de que duvidava, e que, por consequência, o meu ser não era inteiramente
perfeito, pois via claramente que conhecer é uma maior perfeição do que duvidar, lembrei-me de
procurar de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa de mais perfeito do que eu; e conheci,
com evidência, que se devia a alguma natureza que fosse, efetivamente, mais perfeita. […] Para
conhecer a natureza de Deus, tanto quanto disso a minha [natureza] é capaz, bastava-me considerar,
acerca de todas as coisas de que em mim encontrava alguma ideia, se era, ou não, perfeição possuí-
las.»
René Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 2003, pp. 76-77
«Ao analisarmos os nossos pensamentos ou ideias, por mais compostas e sublimes que sejam, sempre
descobrimos que elas se resolvem em ideias tão simples como se fossem copiadas de uma sensação
ou sentimento precedente. Mesmo as ideias que, à primeira vista, parecem afastadas desta origem,
descobre-
-se, após um escrutínio mais minucioso, serem dela derivadas. A ideia de Deus, enquanto significa um
Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, provém da reflexão sobre as operações da nossa própria
mente, e eleva sem limite essas qualidades de bondade e sabedoria.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Edições 70, 1985, p. 25
«Os empiristas aceitam que algumas verdades podem ser conhecidas a priori, mas essas verdades
são consideradas […] não-instrutivas […]. Ao tomarmos conhecimento de que os solteiros são homens
não-casados, não aprendemos nada de substancial acerca do mundo […].»
Dan O’Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento, Lisboa, Gradiva, 2013, p.
62.
«Existe uma espécie de ceticismo, anterior a qualquer estudo ou filosofia, muito recomendado por
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Descartes e outros como sendo a soberana salvaguarda contra os erros e os juízos precipitados. Este
ceticismo recomenda uma dúvida universal, não apenas quanto aos nossos princípios e opiniões
anteriores, mas também quanto às nossas próprias faculdades, de cuja veracidade, diz ele, nos devemos
assegurar por meio de uma cadeia argumentativa deduzida de algum princípio original que seja
totalmente impossível tornar-se enganador ou falacioso. Mas nem existe qualquer princípio original como
esse, […] nem, se existisse, poderíamos avançar um passo além dele, a não ser pelo uso daquelas
mesmas faculdades das quais se supõe que já suspeitamos.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002, pp. 161-162
(adaptado).
39.1. Explicite a crítica de Hume, apresentada no texto, ao ceticismo «recomendado por Descartes».
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicitação da crítica de Hume ao ceticismo de Descartes:
– a dúvida universal de Descartes também se aplica às nossas faculdades, impedindo-nos de confiar
nelas;
– mas a dúvida universal só pode ser ultrapassada usando precisamente essas faculdades em que
deixámos de confiar;
– assim, uma vez estabelecida, a dúvida universal não poderia ser ultrapassada (nem permitiria
alcançar um princípio original indubitável que fosse o fundamento de todo o conhecimento).
«Em suma, todos os materiais do pensamento são derivados do nosso sentimento externo e interno.
Apenas a mistura e a composição destes materiais competem à mente e à vontade. Ou, para me
expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideias ou perceções mais fracas são cópias das
nossas impressões, ou perceções mais vívidas.
[...] Se acontecer, devido a algum defeito orgânico, que uma pessoa seja incapaz de experimentar alguma
espécie de sensação, verificamos sempre que ela é igualmente incapaz de conceber as ideias
correspondentes. Um cego não pode ter a noção das cores, nem um surdo dos sons. Restitua-se a
qualquer um deles aquele sentido em que é deficiente e, ao abrir-se essa nova entrada para as suas
sensações, abrir-se-á também uma entrada para as ideias, e ele deixará de ter qualquer dificuldade em
conceber esses objetos.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2002, pp. 35-36
40.1. Explicite as razões usadas no texto para defender que a origem de todas as nossas ideias reside nas
impressões dos sentidos.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicitação das razões usadas no texto:
– se as ideias não derivassem das impressões dos sentidos, os cegos e os surdos seriam capazes de
formar ideias das cores e dos sons, respetivamente;
– os cegos e os surdos são incapazes de formar ideias das cores e dos sons, respetivamente.
OU
– se as ideias não derivassem das impressões dos sentidos, as pessoas com uma incapacidade que
as priva de um certo tipo de sensações poderiam, ainda assim, ter as ideias correspondentes;
– as pessoas com uma incapacidade que as priva de um certo tipo de sensações não podem ter as
ideias correspondentes.
40.2. Concordaria Descartes com a tese segundo a qual «todas as nossas ideias […] são cópias das nossas
impressões»? Justifique.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Identificação da posição de Descartes:
– Descartes não concordaria com a tese apresentada.
Justificação:
– temos ideias que não poderiam ter tido origem nos sentidos, como o cogito/«eu penso», cuja origem
é a priori/só pode ser o próprio ato de pensar;
– temos ideias inatas (como a ideia de Deus) que possuímos desde que nascemos, sem qualquer
intervenção dos sentidos.
«Descartes defendeu que o pensamento era a essência da mente; não este ou aquele pensamento,
mas o pensamento em geral. Isto parece ser absolutamente ininteligível, uma vez que tudo o que existe
é particular e, portanto, devem ser as nossas perceções particulares que compõem a mente. Digo,
compõem a mente, não pertencem à mente. A mente não é uma substância, à qual as perceções
sejam inerentes. Esta noção é tão ininteligível como a noção cartesiana segundo a qual o pensamento,
ou a perceção em geral, é a essência da mente. Não temos noção alguma de substância de qualquer
espécie, uma vez que só temos ideia do que deriva de alguma impressão e não temos impressão de
substância alguma, seja material ou espiritual. Não conhecemos nada a não ser qualidades e
perceções particulares.»
David Hume, «A Letter from a Gentleman to his Friend...» in An Enquiry Concerning Human Understanding. Indianapolis/Cambridge,
Hackett Publishing Company, 1993, p. 135.
41.1. Hume defende a tese de que «só temos ideia do que deriva de alguma impressão».
Redija um texto argumentativo em que discuta a tese acima enunciada, a partir das posições de
Descartes e de Hume.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados.
– Apresentação e confronto das teses acerca da origem das ideias defendidas pelos dois autores:
• formulação do problema da origem do conhecimento: a relação entre as ideias e a experiência;
• apresentação da tese de Descartes relativamente à existência de ideias inatas, única fonte segura
do conhecimento. As ideias inatas são verdades universais necessárias, uma vez que são as
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únicas indubitáveis (claras e distintas);
• referência ao carácter duvidoso atribuído por Descartes às ideias adventícias que têm origem nos
sentidos – que já nos enganaram algumas vezes –, o que as torna falíveis e sujeitas a erro;
• apresentação da tese de David Hume sobre a origem empírica das ideias. As ideias são o
resultado de impressões (sentimento exterior) enfraquecidas, ou a consequência da reflexão da
mente sobre as impressões recebidas (sentimento interior);
«[…] Embora vejamos o Sol muito claramente, não devemos por isso julgar que ele só tem a grandeza
que vemos; e podemos à vontade imaginar distintamente uma cabeça de leão unida ao corpo de uma
cabra, sem que tenhamos de concluir que no mundo existem quimeras: porque a razão não garante
que seja verdadeiro o que assim vemos ou imaginamos. Mas sugere-se que todas as nossas ideias ou
noções devem ter algum fundamento de verdade; porque não seria possível que Deus, que é
inteiramente perfeito e completamente verdadeiro, as tivesse posto em nós sem isso.»
René Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 2000.
42.2. Explique a origem das ideias que conduzem ao conhecimento, segundo a filosofia de Descartes e
segundo a filosofia de Hume.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados:
– identificação das ideias que conduzem ao conhecimento como tendo origem na razão humana,
na filosofia de Descartes, e como tendo origem nas impressões, na filosofia de Hume;
– explicação das ideias inatas, que têm origem na razão e se caracterizam pela universalidade e pela
necessidade, segundo a filosofia de Descartes;
– explicação do conhecimento, na filosofia de Descartes, a partir dos princípios da razão, que, em
última análise, têm origem em Deus, fundamento do conhecimento;
– explicação da relação entre impressões e ideias e entre ideias simples e ideias complexas, na
filosofia de Hume;
– explicação, segundo a filosofia de Hume, da necessidade de as ideias que conduzem ao
conhecimento terem correspondência com uma impressão.
«Há uma questão que, na evolução do pensamento filosófico ao longo dos séculos, sempre
desempenhou um papel importante: Que conhecimento pode ser alcançado pelo pensamento puro,
independente da perceção sensorial? Existirá um tal conhecimento? […] A estas perguntas […] os
filósofos tentaram dar uma resposta, suscitando um quase interminável confronto de opiniões filosóficas.
É patente, no entanto, neste processo […], uma tendência […] que podemos definir como uma
crescente desconfiança a respeito da possibilidade de, através do pensamento puro, descobrirmos algo
acerca do mundo objetivo.»
Albert Einstein, Como Vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, Lisboa, Relógio D’Água, 2005, p. 163 (adaptado).
44.1. Será que tanto Descartes como Hume contribuíram para a «crescente desconfiança» referida no texto?
Justifique a sua resposta.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Indicação de que é falso que ambos tenham contribuído para a desconfiança referida no texto
(desconfiança a respeito de haver conhecimento substancial a priori)
OU
de que apenas Hume contribuiu para a desconfiança referida no texto
OU
de que Descartes não contribuiu para a desconfiança referida no texto.
Justificação:
– Hume defendeu que podemos descobrir a priori relações de ideias; todavia, os raciocínios pelos
quais descobrimos relações de ideias não permitem conhecer questões de facto (conhecimento
substancial); por exemplo, saber a priori que nenhum solteiro é casado não fornece qualquer
indicação acerca do estado civil de quem quer que seja, o qual só pode ser conhecido a
posteriori/recorrendo à experiência;
– Descartes defendeu que «pelo pensamento puro»/de modo «independente da perceção
sensorial»/a priori podemos ter conhecimento substancial, e não apenas de relações de ideias;
por exemplo, podemos conhecer a priori que existimos enquanto coisas pensantes ou que Deus
existe (ou que a extensão é uma propriedade do mundo físico).
45. De acordo com Hume, a suposição de que a natureza é uniforme está implicitamente contida nas
inferências indutivas. Porquê?
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Justificação de que a suposição de que a natureza é uniforme está implicitamente contida nas inferências indutivas:
– quando fazemos inferências indutivas, chegamos a conclusões acerca de factos não observados a partir
de premissas que descrevem factos observados;
– a nossa confiança nas conclusões obtidas indutivamente pressupõe que a natureza funciona do mesmo
modo tanto nos casos observados como nos casos ainda não observados (e isso significa que as inferências
indutivas assentam na suposição de que a natureza é uniforme).
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Questões de Exame Nacional
Dossiê do Professor, Em Questão, Filosofia 11.° ano 5
46. Leia o texto seguinte. EQT11DP © Porto Editora
«Quando lanço um pedaço de madeira seca numa lareira, o meu espírito é imediatamente levado a
conceber que ele vai aumentar as chamas, não que as vai extinguir. Esta transição de pensamento da
causa para o efeito não procede da razão […]. E como parte inicialmente de um objeto presente aos
sentidos, ela torna a ideia ou conceção da chama mais forte e viva do que o faria qualquer devaneio solto
e flutuante da imaginação.»
David Hume, «Investigação sobre o Entendimento Humano», in Tratados Filosóficos I, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda,
46.1. Explicite, a partir do exemplo do texto, em que se baseia a ideia da relação de causa e efeito,
segundo Hume.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados:
– afirmação de que a relação de causalidade em Hume se baseia unicamente na expectativa e no
hábito ou costume, como inferência a partir da experiência;
– caracterização da relação de causa e efeito, segundo Hume, como ligação entre fenómenos que se
sucedem temporalmente, de forma regular e constante, e não como conexão necessária;
– aplicação da ideia de relação causa e efeito ao exemplo, explicando que a relação entre a
madeira seca (considerada causa) e o atear das chamas na lareira (considerado efeito) não pode
ser logicamente deduzida (não é necessária), mas procede unicamente da experiência anterior
repetida, que gera a expectativa.
«As coisas corpóreas podem não existir de um modo que corresponda exatamente ao que delas
percebo pelos sentidos, porque, em muitos casos, a perceção dos sentidos é muito obscura e confusa;
mas, pelo menos, existem nelas todas as propriedades que entendo clara e distintamente, isto é, todas
aquelas que, vistas em termos gerais, estão compreendidas no objeto da matemática pura.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p. 210 (adaptado).
«Estabelecemos [...] que todos os corpos […] são compostos de uma mesma matéria, indefinidamente
divisível em muitas partes [...], as quais se movem em direções diferentes […]; além disso,
estabelecemos [...] que continua a haver a mesma quantidade de movimentos no mundo. No entanto,
não podemos determinar apenas pela razão o tamanho dos pedaços de matéria, ou a que velocidade
se movem […]. Uma vez que há inumeráveis configurações diferentes de matéria, […] apenas a
experiência pode ensinar-nos que configurações realmente existem.»
René Descartes, «Les principes de la philosophie», in Oeuvres de Descartes IX, Paris, Vrin, 1996, p. 124
(adaptado).
48.1. Identifique os factos referidos no texto que, de acordo com Descartes, são determinados a priori e os
que são determinados a posteriori.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Identificação dos factos que, de acordo com Descartes, são determinados a priori:
− todos os corpos são compostos de uma mesma matéria, indefinidamente divisível em partes, as
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quais se movem em direções diferentes;
− a mesma quantidade de movimentos mantém-se no mundo.
Identificação dos factos que, de acordo com Descartes, são determinados a posteriori:
− as configurações de matéria que realmente existem;
− o tamanho e a velocidade dos pedaços de matéria.
«[…] Quando analisamos os nossos pensamentos ou ideias, por mais complexos ou sublimes que
possam ser, sempre constatamos que eles se decompõem em ideias simples copiadas de alguma
sensação ou sentimento precedente. Mesmo quanto àquelas ideias que, à primeira vista, parecem mais
distantes dessa origem, constata-se, após um exame mais apurado, que dela são derivadas. A ideia de
Deus, no sentido de um Ser infinitamente inteligente, sábio e bondoso, deriva da reflexão sobre as
operações da nossa própria mente e de aumentar sem limites aquelas qualidades de bondade e de
sabedoria.»
David Hume, «Investigação sobre o Entendimento Humano», in Tratados Filosóficos I, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda,