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FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO: REFLEXOS E REFLEXÕES 123

ARTIGO

Filosofia da informação: reflexos e reflexões

Philosophy of information: indications and reflections

Marivalde Moacir FRANCELIN1


Caio PELLEGATTI2

R E S U M O

A Filosofia não pode restringir-se apenas à busca da verdade. A informação


não é apenas suporte para o conhecimento. O pensamento no século XXI,
encontra-se perante dilemas até então desconhecidos ou evitados. A sujeição
e a prova de “novos” pensamentos ocorrem através de crises e rupturas. O
processo de conhecer o conhecimento ou o de pensar o pensamento,
indubitavelmente foram, e são importantes etapas no desenvolvimento do total
conhecimento humano. Buscando-se a inserção e o entendimento da própria
informação relacionada a esses processos, o presente trabalho propõe uma
filosofia que pense essa informação, ou seja, uma Filosofia da Informação.
Palavras-chave: informação, filosofia, filosofia da informação, ciência da
informação, conhecimento, complexidade.

ABSTRACT

Philosophy cannot restrict itself solely to the search for truth. Information Science
is not only a support. In the 21st. Century, thought finds itself before dilemmas
which had been ignored or unknown up to now. Subjection and testing of “new”
thoughts, occur through crises and ruptures. The processes of “getting to know”

1
Mestre em Biblioteconomia e Ciência da Informação, PUC–Campinas. Docente, Departamento de Direito e Departamento
Economia e Administração, Anhanguera Ensino Superior, Faculdades de Valinhos. Av. Invernada, 595, Vera Cruz,
13271-450, Valinhos, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.M. FRANCELIM. E-mail: mfrancelin@yahoo.com.br
2
Matemático, Analista de Sistemas Senior – BIBNET (Bibliotecas Digitais). Mestrando, Curso de Biblioteconomia e Ciência da
Informação, PUC–Campinas. E-mail: caio@aleph-exlibris.com.br
Recebido em 29/9/2004 e aceito para publicação em 10/9/2004.

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the knowledge or “of thinking” the thought, undoubtedly have been, and are,
important stages in the development of what we understand as being the total
human knowledge. Seeking to understand and to insert the very information
related to those processes, the present article proposes a philosophy that will
reflect upon such information, namely, a Philosophy of Information.
Key words: information, philosophy, philosophy of information, information
science, knowledge, complexity.

INTRODUÇÃO Química, Matemática, Arqueologia). Saracevic


(1974, p.60) já dizia que “Numa disposição
formal, o fenômeno da informação é estudado
em muitas disciplinas diversas, confirmando
A informação sob o objeto informação
assim as ramificações complexas e muitas
Abordando-se uma questão sobre manifestações a ele associadas”. Em tais
informação e conhecimento, pode-se relembrar situações, as relações de informação vão do
que informare significa dar forma a alguma coisa, suporte físico (papel) ao suporte biológico
formar algo, alguma idéia. Incluiu-se em sua (célula).
definição o termo “dado” como necessário à A informação apresenta-se-nos em
constituição de uma informação, assim como o estruturas, formas, modelos, figuras;
termo “comunicação”. Isso resume as relações em idéias e ídolos; em índices,
entre informação e conhecimento e seus compo- imagens e ícones; no comércio e na
mercadoria; em continuidade e
nentes em um ambiente histórico-comunicacional
descontinuidade; em sinais, signos,
(LE COADIC, 1996; McGARRY, 1999; PAIVA,
significantes e símbolos; em gestos,
2002; ROBREDO, 2003). Recentemente,
posições e conteúdos; em freqüências,
incorporou-se, como necessário ao próprio signifi-
entonações, ritmos e inflexões; em
cado da palavra informação, o termo conheci- presenças e ausências; em palavras,
mento, trazendo maior nível de complexidade em em acções e em silêncios; em visões
torno do próprio conceito de informação e silogismos. É a organização da
(ARAÚJO, 2002; SILVA, 2003). Percepção, própria variedade (WILDEN, 2000,
representação, cognição, sentidos e senti- p.11).
mentos, sensações e intuição agora podem fazer Pode-se, nesse sentido, configurar dis-
parte dessa estrutura. tintos contextos e fenômenos de informação que
A esfera da informação é uma realidade dão um certo tipo de suporte a eventos conhe-
relativa que compreende o conjunto cidos como sociedades de informação
dos acontecimentos que ocorrem no (WERTHEIN, 2000; BRENNAND, 2002),
mundo e formam o nosso meio sociedades, políticas e governos em rede
ambiente. Os acontecimentos são (HARRIS, 2002). Produção de conhecimento
tanto mais informativos quanto menos “artificial” (SAN SEGUNDO MANUEL, 2003) e
previsíveis e portanto mais inespera- auto-geração de informação (SILVA, 1996) são
dos (RODRIGUES, 1999, p.20). campos de estudo que podem ser citados como
Os conceitos se modificam de disciplina exemplos diante de perspectivas recentes.
para disciplina (Filosofia, Lingüística, Computa- A informação está por isso intimamente
ção, Educação, Sociologia, Biologia, Física, associada à natureza relativamente

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inexplicada e inexplicável dos fenô- aprendizado sobre o conhecimento transforma-


menos, ao facto de a razão humana se em possibilidades de desenvolvimento, tanto
não os conseguir dominar e de filosófico como científico, ao pesquisador/
ocorrerem no mundo à nossa volta profissional da informação.
sem aviso prévio, fora do controlo e do
domínio da liberdade humana, de Nesse sentido, os conceitos sobre
intervirem de maneira brutal e informação parecem estar distantes de um certo
inesperada. As regras que regem a tipo de diminuição de complexidade. Pode-se
informação assemelham-se portanto dizer que alguns estudos encontram-se em fase
às leis da natureza: não dependem do inicial, porém, já indicam possibilidades em torno
controlo da razão humana nem fazem das pesquisas em informação que vão além de,
intervir a nossa liberdade de escolha. por exemplo, análise de suportes. Assim, Floridi
O mecanismo que rege os fenômenos (2002a; 2002b; 2004) indica um caminho
que pertencem à esfera informativa é, diferente e interessante ao propor uma Filosofia
por isso, o do automatismo que
da Informação3 (Philosophy of Information).
encontramos igualmente nos reflexos
condicionados (RODRIGUES, 1999, O que é Filosofia da Informação? (What
p.21). is the Philosophy of Information?) pergunta Floridi
(2002b) em um de seus textos sobre o tema. Na
Ambienta-se, por sua vez, no que agora
se pretende chamar de contextos e realidades realidade, sua proposta de pensar filosofica-
de informação, a informação como subsídio ao mente4 a informação parte de uma lógica informá-
desenvolvimento científico e tecnológico tica e computacional onde teorias semântica,
(SANTOS, 2003). Por outro lado, a informação, matemática e comunicacional apresentam-se
vista como mercadoria, dá origem ao denomina- como fundamentos para sua análise.
do “mercado” de informação, manifestando Partindo-se de uma abordagem do texto
desigualdades na própria conjuntura global de de Floridi (2002b) mencionado acima, ten-
produção de informação. tar-se-á analisar algumas questões sobre a
Informação e conhecimento estabele- informação através do campo da Ciência da
cem-se na pós-modernidade por uma aparente Informação com o objetivo de propor a construção
via de ruptura com o “mito” da razão moderna de estruturas conceituais, teóricas e epistemo-
(BRAGA, 1974; JAPIASSU, 1977). Surgem as lógicas múltiplas.
chamadas revoluções científicas e os “novos” Isso talvez se justifique a partir da cons-
paradigmas para a ciência (KUHN, 2001). A cientização de que as disciplinas científicas, ao
abertura para as relações disciplinares (interdisci- longo de seus desenvolvimentos, parecem buscar
plinaridade) fornecem subsídios para o desen- aproximações conceituais além de suas fron-
volvimento de teorias e metodologias sobre o teiras epistemológicas. Essa característica
objeto informação (PINHEIRO, 1999). O parece ser apontada como transgressora5. Nesse

3
Lembrar porém, que Ilharco (2003) publicou, em português, o livro Filosofia da Informação e Mostafa (1985) já havia dito que
a “[...] Ciência da Informação não pode prescindir de uma filosofia da informação, todavia a filosofia da informação não pode
ficar acima da ciência da informação porque aí estaríamos na dicotomia kantiana entre razão teorética e razão prática”
(MOSTAFA, 1985, p.117).
4
O que se está tentando abordar, neste momento, não é a Filosofia, mas, a Filosofia da. Este ponto é importante, pois, segundo
Ferrater Mora (1982), “[...] cada sistema filosófico pode valer uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também
acerca do que representa a actividade filosófica para a vida humana” (FERRATER MORA, 1982, p.160). Isto conduz a
supor-se que a Filosofia da Informação pode compor-se como uma dessas respostas.
5
Ressalta-se que o sentido utilizado para o termo transgressão tenta caracterizar algo que está além do tradicionalmente aceito,
que transforma não pela violência nem pela força, mas pela abertura ao diálogo entre campos distintos do conhecimento.

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sentido, configura-se como uma proposta, ou conceitual e a escolástica (doutrina da Idade


seja, o pensamento transgressor parte de um Média que tratava do problema da relação fé e
conjunto pré-elaborado de conceitos. Uma razão). É definida como um campo filosófico
estrutura conceitual disciplinar teria que acom- preocupado com a investigação crítica, de
panhar mudanças no espaço e no tempo natureza conceitual e princípios básicos da
científicos, significando a adoção de princípios informação, incluindo sua dinâmica, utilização e
epistemológicos e metodológicos fundamen- ciências, e a elaboração e aplicação da informa-
tados em paradigmas complexos. ção teorética (theoretic) e metodologias computa-
cionais para a resolução de problemas filosó-
ficos. Como um novo campo de estudos destina-
A Filosofia da Informação se, explicitamente, à interpretação clara e precisa
da pergunta “Qual é a natureza da informação?”
Luciano Floridi é professor de Lógica e
(What is the nature of information?), tentando
Epistemologia na Universidade de Bari (Itália) e
demonstrar sua “legitimidade” (FLORIDI, 2002b,
faz parte do departamento de Ciência da
p.14). Segundo o autor, a Filosofia da Informação
Computação em Oxford (Inglaterra), onde tam-
pressupõe que um problema ou uma explicação
bém coordena um grupo de pesquisa sobre ética
pode ser legitimamente e genuinamente reduzido
e informação. Tem partido da Filosofia para as
para um problema informacional.
suas indagações em torno e no interior da
Sociedade da Informação modelada, em finais Os filósofos começaram a endereçar
do ano de 1990, pelo impacto (ainda em novos desafios intelectuais advindos do “mundo”
processo) das Tecnologias da Informação e da informação e da sociedade da informação
Comunicação (TICs). (LEVY, 1999; 2000). Na perspectiva de Floridi, a
Filosofia da Informação tenta expandir a fronteira
Segundo Floridi (2002b), pesquisas de
da pesquisa filosófica, não colocando juntos
computação e informação teorética (theoretic)
tópicos pré-existentes e, deste modo, reorde-
em filosofia tornaram-se campo fértil e penetran-
nando o cenário filosófico, incluindo novas áreas
te, as quais revitalizam questões filosóficas
de investigação filosófica. Nesse caso, a Filosofia
antigas, propõem novos problemas, e contribuem
da Informação tem lutado para ser reconhecida,
para re-conceituar algumas visões sobre o
porém, ainda não encontrou lugar no programa
mundo, produzindo resultados interessantes e
importantes. filosófico tradicional. A partir disso, Floridi
pergunta: já é hora de estabelecer a Filosofia da
Neste caso, vários “rótulos” foram sugeri-
Informação como um campo de estudos maduro?
dos e utilizados para este novo campo, tais como:
A resposta pode ser afirmativa, pois, entende-
filosofia cibernética (cyberphilosophy), filosofia
se que cultura e sociedade e os processos de
digital, filosofia computacional, filosofia de
Inteligência Artificial (IA), filosofia do artificial e desenvolvimento filosófico contribuíram e
epistemologia artificial (FLORIDI, 2002b, p.2). continuam a contribuir para isso. Entretanto,
Analisando-se o processo histórico e conceitual pergunta novamente Floridi: que tipo de Filosofia
que levou ao aparecimento da Filosofia da da Informação se espera desenvolver? A resposta
Informação, Floridi diz que a filosofia de para esta questão parece pressupor uma visão
Inteligência Artificial era um paradigma prematuro clara da posição da Filosofia da Informação na
que, não obstante, abriu caminho para o história do pensamento, uma visão provavelmente
aparecimento da Filosofia da Informação. obtida, paradoxalmente, somente a posteriori.
A Filosofia da Informação evolui como um Portanto, segundo Floridi (2002b), a
estágio mais recente da dialética entre inovação Filosofia da Informação possui, mesmo para a

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Filosofia, um extraordinário vocabulário con- alguma maneira) pelos agentes que


ceitual. Isso porque pode-se contar com aí se encontram. Uma grande empre-
conceitos informacionais sempre que um sa deforma todo o espaço econômico
entendimento completo de uma série de eventos conferindo-lhe uma certa estrutura. No
campo científico, Einstein, tal como
está indisponível ou torna-se desnecessário para
uma grande empresa, deformou todo
prover uma certa explicação. Em Filosofia isso
o espaço em torno de si. Essa metáfora
significa que, virtualmente, qualquer assunto
‘einsteiniana’ a propósito do próprio
pode ser reformulado em termos informacionais. Einstein significa que não há físico,
Essa capacidade semântica é uma das pequeno ou grande, em Brioude ou em
vantagens, segundo Floridi, da Filosofia da Harvard que (independentemente de
Informação entendida como uma metodologia, qualquer contato direto, de qualquer
mostrando que se está diante de um certo tipo interação) não tenha sido tocado,
de paradigma abrangente, inteligível e descritível perturbado, marginalizado pela
em termos de uma filosofia informacional. intervenção de Einstein, tanto quanto
um grande estabelecimento que, ao
baixar seus preços, lança fora do
Tansgredindo: caminhos/descaminhos espaço econômico toda uma popula-
para uma Filosofia da Informação ção de pequenos empresários
(BOURDIEU, 2004, p.22-23).
Parte-se da idéia de que a Filosofia é uma Na pós-modernidade as instituições se
expressão organizada, em um campo de estudo, multiplicam em veículos de comunicação e
dos primeiros questionamentos do ser humano transmissão de informações. O desenvolvimento
no Ocidente sobre a origem das coisas e, tecnológico continua a transformar o mundo. Os
depois, sobre a origem do conhecimento. Mais pensadores já se antecipam em pensar essa
de vinte e cinco séculos se passaram desde tecnologia e seus impactos, agora é necessário
Tales e o ser humano ainda continua a interrogar- não apenas pensar a informação que está sendo
-se. A produção e a reprodução do veiculada e transmitida, mas também a informa-
conhecimento, a força da ciência e a criação ção que está sendo apropriada e as influências
das comunidades científicas, o desenvolvimento internas e externas ao ser cognoscente.
dos experimentos científicos e a chegada das
Assim, a Filosofia da Informação busca
tecnologias de infor-mação, marcam, de alguma
analisar os mais variados assuntos que estejam
maneira, a história do conhecimento humano.
relacionados à informação. A Filosofia da
Essa história inicia-se pela oralidade, passa ao
Informação se preocupa menos em discutir as
manuscrito, depois à impressão e chega à
ferramentas e as operações que dão suporte à
virtualidade. informação do que as relações entre o ser
Todo campo, o campo científico por humano e a informação. O ambiente de estudo
exemplo, é um campo de forças e um da Filosofia da Informação é o próprio ambiente
campo de lutas para conservar ou do ser humano. Nesse ambiente encontra-se a
transformar esse campo de forças. informação. A realidade humana é que possibilita
Pode-se, num primeiro momento,
a constituição da informação e sua veiculação.
descrever um espaço científico ou um
É nessa realidade que serão analisadas e
espaço religioso como um mundo
pensadas as formas de trânsito da informação.
físico, comportando as relações de
força, as relações de dominação. Os O método de estudo da Filosofia da
agentes – por exemplo, as empresas Informação é relacional, ou seja, baseia-se na
no caso do campo econômico – criam complexidade do pensamento e do cotidiano
o espaço, e o espaço só existe (de humanos. O objeto de estudo da Filosofia da

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Informação é a informação “liberta”. O que poderia França e Perez (1996). Mais longa ainda é a
ser uma informação liberta? É aquela que não verbalização sobre a necessidade de identifi-
está presa a um domínio, que não é dominada. cação e definição de “paradigmas”. Isso não
E o que é uma informação dominada? Seria significa que seja um modismo. Talvez, haja
aquilo que se sabe que é uma informação em realmente a necessidade de um encontro
condições de ser manipulada. A informação paradigmático em informação. Mas, como fazer
“liberta” seria o oposto, estaria fora do controle para localizar essa referência? Sabe-se que a
humano, mas não de sua percepção. Analoga- informação é um rico objeto de estudo, não
mente, Bourdieu (2004, p.21) diz que: podendo, por outro lado, ser reduzida a um único
Em outras palavras, é preciso escapar paradigma.
à alternativa da ‘ciência pura’, total- A informação é em si ambivalente, tanto
mente livre de qualquer necessidade em quem a pronuncia quanto em
social, e da ‘ciência escrava’, sujeita a quem a recebe. Em todos os momen-
todas as demandas políticos-econô- tos passa pelo filtro da subjetividade,
micas. O campo científico é um mundo além de sua dimensão estar limitada
social e, como tal, faz imposições, pelo aparato perceptor e conceituali-
solicitações etc., que são, no entanto, zador. Mas é esta ambivalência que
relativamente independentes das resgata sempre a possibilidade de
pressões do mundo social global que criar, inventar. Se tudo fosse apenas
o envolve. lógico, seria apenas repetitivo. O mun-
do da informação é agitado, conturba-
É nesse ambiente que a Filosofia da
do, porque é, ao mesmo tempo, intrin-
Informação irá estudar e pensar a informação6.
secamente manipulado e impossível
Um universo de representação, além do para- de ser totalmente manipulado (DEMO,
digma, no qual se justifica os conceitos de 2000, p.41).
informação, pois, como já o disse Foskett (1980,
Assim, ao invés de um único paradigma,
p.20), “Um paradigma se baseia, de fato, em
encontrar-se-iam vários paradigmas relacionados
informação [...]”.
como eventos constitutivos da própria informa-
De certa maneira, porém, o conceito de ção. Essa informação não poderia passar por
paradigma parece se fechar em si mesmo no nenhum tipo de processo determinista, visto que
momento em que diz o que é um paradigma. seria o seu inverso que proporcionaria o desen-
Essa estrutura fechada não ajuda muito ao se volvimento dessa estrutura paradigmática
discutir qual o paradigma necessário ao plurifacetada.
desenvolvimento do conhecimento. A informação A previsão de irracionalismos reinantes
encontra-se no centro de uma discussão ou há levando ao aniquilamento do homem biológico
uma discussão em seu centro em torno de uma dotado de sentimentos e o transformando em
suposta necessidade paradigmática. A desmisti- uma máquina insensível e despersonalizada não
ficação desse paradigma seria a porta de entrada é recente e já não espanta. O ser humano
para o desenvolvimento do pensamento em incorporou ao seu cotidiano o fundamento
Filosofia da Informação. informacional. Consciente ou inconscientemente
Parecem ser longas as revisões sobre a transita pelo espaço da informação.
teoria kuhniana nesse sentido (por exemplo, em Pode ser que o entendimento desvela-se
Ciência da Informação, Nehmy (1996) e Eugênio, a partir de um conjunto de eventos cotidianos

6
O objetivo de “pensar a informação” não compartilha o interesse de se tentar corrigir supostos “desvios” conceituais,
importações de termos inoportunos ou algo parecido.

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que estimulam e alimentam a racionalidade. O precisão ou ‘exactidão’ seja um valor


conhecimento do senso comum, da experiência em si mesma. A clareza e a precisão
sensível e do experimento, de maneira alguma são aspirações diferentes e, por vezes,
limitam-se às redomas teóricas ou práticas. Há até incompatíveis. Não acredito naquilo
a que frequentemente se chama uma
tempos que teoria e prática deixaram de habitar
‘terminologia exacta’: não acredito em
universos diferentes e isolados. O poder do
definições, e não acredito que as
conhecimento está no mais ínfimo fragmento
definições aumentem a exactidão; e
como em seu conjunto. Porém, isso apenas é
detesto especialmente as termino-
possível a partir da compreensão de que entre logias pretensiosas e a pseudo-
fragmento e conjunto há o espaço relacional, -exactidão que lhes corresponde
alterando-se constantemente, confundindo e, até (POPPER, 1987, p.41).
mesmo, significando a mesma coisa: a coisa
As discussões em torno das idéias de
sem sentido.
Popper já são suficientemente disseminadas e
conhecidas (em Ciência da Informação com
Miranda (2002) e Robredo (2003), por exemplo),
O contexto e a Filosofia da Informação porém, cabe o registro: um sistema onde
prevalece a igualdade de pensamentos, só o faz
O título de um dos ensaios de Karl Popper
por subordinação e autoritarismo – para controle.
é “O mito do contexto” que também dá nome ao Pinker (2004), retomando a crítica à “tabula rasa”
livro do qual faz parte (POPPER, 1999). Nele, (o ser humano nasce sem nenhum tipo de
Popper reflete sobre o contexto que representa informação – uma folha em branco; o meio é o
consenso. Decididamente refuta essa idéia responsável pela sua formação e atitudes),
(POPPER, 1999, p.57), pois, não acredita que fornece um conjunto de argumentos sobre a
haja desenvolvimento de conhecimento racional predisposição humana (através de mecanismos
num ambiente que comporte uniformidade de cerebrais, por exemplo) à informação, ou seja, a
idéias. informação da informação. Em paradoxo, Demo
(2000) diz que “O problema da informação
Não acredito na teoria corrente segun-
manipulada, contudo, não deveria nos perturbar
do a qual, para tornarem uma dis-
cussão fecunda, os opositores têm de
em demasia, porque lhe faz parte” (DEMO, 2000,
ter muita coisa em comum. Pelo p.40).
contrário, creio que quanto mais Nessa situação, o contexto pode até
diferem os seus backgrounds , mais deixar de ser um mito. Eis aqui um dos preceitos
fecunda é a argumentação. Não há modernos que talvez tenha sido desenvolvido e
sequer necessidade de uma lingua- aprimorado na tentativa de manter uma uniformi-
gem comum para se começar: se não zação ou padronização dos sentidos. A menção,
tivesse havido uma torre de Babel, feita por Popper (1999), ao “mito do contexto”
teríamos tido de construir uma. A pode possuir significado distinto. O que se está
diversidade torna a discussão crítica tratando aqui não são apenas as características
fecunda (POPPER, 1987, p.40). particulares para o desenvolvimento do conheci-
E continua, um pouco mais adiante, mento, mas, o condicionamento quase global
afirmando que: de um certo tipo de conhecimento que, na
Não tenho, pois, qualquer fé na realidade, é informação.
precisão: sou de opinião que a Por outro lado, não há como estabelecer
simplicidade e a clareza são valores marcos conceituais e muito menos históricos
em si mesmos, mas não de que a precisos. Koyré (1991) esclarece que:

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A história não opera através de saltos maturidade pós-moderna explicita-se na passa-


bruscos; e as divisões nítidas em gem dos debates conceituais ao desenvolvimen-
períodos e épocas só existem nos to e aprofundamento de suas teorias. Esse
manuais escolares. Desde que se abandono de superfície aponta para uma possível
comece a examinar as coisas um
consolidação conceitual provisória que, justifica-
pouco mais de perto, desaparecem as
da a ambigüidade como necessária, se distancia
fronteiras que se acreditava perceber
anteriormente; os contornos se
dos remanescentes projetos neo-modernos.
desfazem e uma série de gradações Dessa maneira, o comportamento da
insensíveis nos levam de Francis informação parece inteligível e, ao mesmo
Bacon a seu homônimo do século XIII, tempo, ininteligível. É enigmático o processo
e os trabalhos dos historiadores e informacional visto dessa forma. Como imaginar
eruditos do século XX nos fizeram ver,
a informação se auto-construindo, se auto-geran-
passo a passo, um homem moderno
do, se auto-organizando e se auto-destruindo
em Roger Bacon e um retardado em
(des-construindo) sem o domínio e o controle
seu célebre homônimo; ‘recolocaram’
humanos? O que se chama de “novos para-
Descartes na tradição escolástica e
consideraram que o início da filosofia digmas”, “revoluções paradigmáticas”, “revolu-
moderna se situa em Santo Tomás. ções científicas”, “ciências novas”, “sociedade
Em geral, o termo ‘moderno’ tem algum pós-industrial”, “sociedade do conhecimento”,
sentido? Somos sempre modernos, “sociedade da informação”, “sociedade de
em qualquer época, quando consumo”, “sociedade pós-moderna”, acabaram
pensamos mais ou menos como por tornar-se respostas possíveis às suas
nossos contemporâneos e de modo próprias indagações.
um pouco diferente do dos nossos
mestres... Nos moderni, já dizia Roger
Bacon... (KOYRÉ, 1991, p.15). CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode ser que este seja um problema de
contexto ou de um perspectivismo inflexível e, O principal objetivo desse texto foi o de
até mesmo injusto, porém, ressalva-se a mostrar possibilidades de parcerias disciplinares
importância de marcos temporais às visões e não o de dissecar essas disciplinas. Concor-
panorâmicas. Mesmo porque, esse é um ponto da-se que talvez a informação não seja objeto
de confusão sobre a pós-modernidade, pois, ela exclusivo da Ciência da Informação, porém,
propicia a convivência e possíveis relações de alerta-se para o fato de uma idéia como essa
pensamentos, mesmo os mais dogmáticos, poder portar um caráter ambíguo: pode tanto
desde que se proponham à transformação e à causar estímulos a uma pesquisa consciente e
mudança em seus princípios de Domínio e de produtiva como pode ser o paradoxal “combustí-
Racionalidade. vel” à morosidade e ao comodismo.
Oportunamente, Koyré (1991) aborda o Como objeto “mutante”, a informação em
período moderno em um quase paradoxo com o sua pluralidade conceitual está à espera de uma
termo “moderno”, o que possibilita modernidades abordagem filosófica que possa contribuir para
(termo) na pós-modernidade (período). Parece a revisão e constituição de teorias no campo da
também que a prudência, ao contrário do que se Ciência da Informação. O pensamento filosófico,
pensa, está em conformidade com o conheci- como aqui está sendo abordado e entendido,
mento na pós-modernidade (SANTOS, 2004). A consiste em um grande desafio que envolve a

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construção de teorias em conformidade com a Pensar a informação para a geração de


des-construção de outras teorias. conhecimento sobre a própria informação. Pensar
Ora, nem o conhecimento filosófico nem as suas relações. Pensar a informação em seus
o científico constituíram-se única e exclusiva- múltiplos e paradoxais modos de apresentação.
mente por uma vontade racional e consciente Pensar a informação que não se apresenta, que
de produção de conhecimento à sociedade. parece estar na obscuridade, que parece estar
Angústia, inveja, ganância, orgulho, vaidade e perdida, que parece que não é informação.
raiva podem estar na base de muita ciência e de Pensar o que é, o que não é e o que pode ou
muita filosofia já desenvolvidas. A Filosofia da não ser informação. Pensar o por que é e o por
Informação não se constitui como método da que não é informação, o por que pode ou não
verdade, mas da dúvida. Postura que contempla pode ser informação e assim por diante. Enfim,
uma realidade apropriada pelo ser humano, na pensar a informação, não importando, paradoxal-
qual o conhecimento tenta ser conhecimento e mente, em que contexto e em qual situação ela
a ciência tenta ser ciência. se encontre.

REFERÊNCIAS

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