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Máquinas Eléctricas

José Dores Costa

ENIDH

Apontamentos
de
Máquinas Eléctrica

José Dores Costa

2010

1
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Nota aos leitores

Estes apontamentos destinam-se a apoiar o estudo das disciplinas de Máquinas Eléctricas e


Accionamentos dos cursos de Engenharia de Sistemas Electrónicos Marítimos e de
Engenharia de Máquinas Marítimas. As matérias são expostas com a preocupação de serem
uma primeira abordagem ao estudo das máquinas eléctricas e dos seus accionamentos, com
natural ênfase no estudo dos circuitos eléctricos e magnéticos que caracterizam as máquinas
eléctricas, e os circuitos electrónicos dos sistemas que as controlam.

Estes apontamentos são uma colectânea organizada de diversas notas redigidas em tempos
diferentes para apoio das aulas, especialmente sobre máquinas eléctricas. Estes apontamentos
não são estanques e, sobre muitas matérias, não prescindem o estudo da bibliografia
recomendada. No fim de cada capítulo e no final destas folhas, apresenta-se uma lista
bibliográfica sobre a matéria aqui apresentada. A leitura de alguns desses livros é muito
recomendada para o estudo aprofundado das matérias expostas.

De qualquer forma, os apontamentos foram feitos para os alunos com o intuito de servirem
como orientação do estudo, tendo em conta a exposição e a sequência que adopto para estas
matérias. Espero que deles possam tirar o melhor proveito.

José Dores Costa

Fevereiro de 2011

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Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

ÍNDICE
Lista das Figuras 5
Lista das Tabelas 8
Lista de Abreviaturas 8
CAPÍTULO 1. 9
INTRODUÇÃO 9
1.1 Objectivo 9
1.2 Nota histórica 10
CAPÍTULO 2. 12
CIRCUITOS MAGNÉTICOS 12
2.1 Campo magnético 12
2.2 Acoplamento magnético 20
2.3 Problemas 27
CAPÍTULO 3. 30
TRANSFORMADOR 30
3.1 Introdução 30
3.2 Transformador ideal 33
3.3 Transformador com perdas 35
3.4 Transformador reduzido 39
3.5 Ensaios do transformador 43
3.6 Valores por unidade (pu) 45
3.7 Problemas 52
CAPÍTULO 4. 54
SISTEMAS TRIFÁSICOS 54
4.1 Tensões e correntes 54
4.2 Potência trifásica 61
4.3 Grandezas não sinusoidais 62
4.4 Problemas 65
CAPÍTULO 5. 68
CONVERSÃO ELECTROMECÂNICA DE ENERGIA 68
5.1 Campo magnético girante 68
5.2 Conversores electromecânicos 73
5.3 Problemas 76
CAPÍTULO 6. 78
MÁQUINAS ASSÍNCRONAS 78
6.1 Introdução 78
6.2 Constituição das máquinas assíncronas 79
6.3 Princípio de funcionamento 81
6.4 Circuito equivalente 83
6.5 Circuito equivalente de Thevenin 87
6.6 Ensaios em vazio e com rotor bloqueado 91
6.7 Arranque e variação da velocidade 91
6.8 Problemas 94
6.9 ANEXO: Modelo dinâmico da máquina assíncrona 95
1. Desenvolvimento do modelo 95
2. Simulação do Gerador Assíncrono com Gaiola 101
3. Resultados da Simulação 103
4. Conclusões 109

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5. Bibliografia 109
CAPÍTULO 7. 110
MÁQUINAS SÍNCRONAS 110
7.1 Introdução 110
7.2 Reacção do induzido 114
7.3 Característica em vazio 115
7.4 Característica em curto-circuito 116
7.5 Circuito eléctrico equivalente 116
7.6 Coeficientes de indução 119
7.7 Funcionamento em carga 122
7.8 Características em regime estacionário 129
7.9 Curto-circuito simétrico 130
7.10 Máquinas de relutancia variável. 131
7.11 Funcionamento de alternadores em paralelo 132
7.12 Problemas 136
CAPÍTULO 8. 138
TRANSFORMADAS DE CLARKE E DE PARK 138
8.1 Introdução 138
8.2 Transformada de Clarke 139
8.3 Transformada de Park 143
8.4 Transformada dq0 num sistema trifásico 146
8.5 Bibliografia: 149

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Lista das Figuras

Fig. 2.1: Regra da mão direita................................................................................................. 12


Fig. 2.2: Força que actua sobre um condutor percorrido pela corrente I. ............................... 13
Fig. 2.3: Diferença de potencial induzida pelo movimento. ................................................... 14
Fig. 2.4: Curva de magnetização............................................................................................. 16
Fig. 2.5: Ciclo de histerese...................................................................................................... 16
Fig. 2.6: Circuito magnético toroidal...................................................................................... 17
Fig. 2.7: Densidade de energia magnética; ............................................................................. 18
Fig. 2.8: Acoplamento magnético entre condutores. .............................................................. 21
Fig. 2.9: Bobinas com acoplamento magnético. ..................................................................... 23
Fig. 3.1: Constituição de um transformador monofásico........................................................ 30
Fig. 3.2: Transformadores de pequena potência; .................................................................... 31
Fig. 3.3: Produção e distribuição de energia eléctrica. ........................................................... 32
Fig. 3.4: Transformador de alta tensão. .................................................................................. 32
Fig. 3.5: Transformador ideal. ................................................................................................ 34
Fig. 3.6: Modelo eléctrico do transformador. ......................................................................... 36
Fig. 3.7: Diagrama vectorial em vazio.................................................................................... 37
Fig. 3.8: Modelo do transformador reduzido ao primário. ..................................................... 40
Fig. 3.9: Circuito equivalente do transformador reduzido ao primário. ................................. 41
Fig. 3.10: Circuito equivalente simplificado reduzido ao primário. ....................................... 42
Fig. 3.11: Circuito equivalente simplificado: (a) em vazio; (b) em curto-circuito. ................ 42
Fig. 3.12: Ensaios do transformador: (a) em vazio; (b) em curto-circuito. ............................ 43
Fig. 3.13: Transformador monofásico do exemplo 3.1........................................................... 46
Fig. 3.14: Circuito da Fig. 3.13 em valores pu. ...................................................................... 47
Fig. 3.15: Circuito equivalente do transformador reduzido ao primário no ensaio de curto-
circuito. ........................................................................................................................... 47
Fig. 3.16: Impedância de curto-circuito.................................................................................. 49
Fig. 3.17: Circuito equivalente simplificado reduzido ao primário. ....................................... 49
Fig. 3.18: Característica externa. ............................................................................................ 50
Fig. 3.19: Circuito equivalente simplificado........................................................................... 50
Fig. 3.20: Diagrama vectorial das tensões. ............................................................................. 51
Fig. 4.1: Máquina eléctrica trifásica. ...................................................................................... 54
Fig. 4.2: Sistema de uma espira; (a) variação do fluxo devido ao movimento;...................... 55
Fig. 4.3: Fem induzidas; (a) diagrama temporal; (b) diagrama vectorial. .............................. 55
Fig. 4.4: Três circuitos monofásicos independentes. .............................................................. 56
Fig. 4.5: Sistema trifásico com condutor de neutro. ............................................................... 57
Fig. 4.6: Tensões trifásicas; (a) esquema; (b) diagrama vectorial. ......................................... 58
Fig. 4.7: Alternador com ligação em triângulo. ...................................................................... 58
Fig. 4.8: Diagramas vectoriais das correntes nas linhas e nas fases. ...................................... 60
Fig. 4.9: Sistemas de cargas em estrela e em triângulo. ......................................................... 61
Fig. 5.1: Campo magnético numa espira. ............................................................................... 68
Fig. 5.2: Campo magnético em duas espiras perpendiculares. ............................................... 69
Fig. 5.3: Rotação do íman no campo magnético girante......................................................... 70
Fig. 5.4: Sistema de bobinas trifásico. .................................................................................... 71
Fig. 5.5: Os campos magnéticos das três fases. ...................................................................... 72
Fig. 5.6: Reacção do induzido para t=π/2ω. ........................................................................... 72
Fig. 5.7: Conversor electromecânico de energia..................................................................... 73

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Fig. 5.8: Sistema rotativo electromecânico............................................................................. 74


Fig. 6.1: Bobina num campo magnético girante. .................................................................... 78
Fig. 6.2: Constituição de máquinas de indução. ..................................................................... 80
Fig. 6.3: Pormenor do rotor em gaiola de esquilo................................................................... 81
Fig. 6.4: Motor monofásico com condensador. ...................................................................... 81
Fig. 6.5: Circuito equivalente duma fase do estator................................................................ 83
Fig. 6.6: Circuito equivalente/fase da máquina assíncrona..................................................... 84
Fig. 6.7: Trânsito de potência numa máquina assíncrona. ...................................................... 85
Fig. 6.8: Trânsito de potência no circuito eléctrico equivalente. ............................................ 85
Fig. 6.9: Circuito eléctrico do exemplo 6.1. ........................................................................... 86
Fig. 6.10: dipólo equivalente de Thevenin.............................................................................. 88
Fig. 6.11: característica binário-velocidade da máquina de indução. ..................................... 89
Fig. 6.12: variação da característica de binário com a resistência rotórica............................. 90
Fig. 6.13: arrancador estrela-triângulo convencional. ............................................................ 92
Fig. 6.14:: Identificação dos bornes de ligação....................................................................... 93
Fig. 6.15:: Esquemas de ligação. ............................................................................................ 93
Fig. 7.1: Esquema simplificado de um alternador trifásico .................................................. 110
Fig. 7.2: Tipos de rotor; (a) pólos salientes; (b) cilíndrico. .................................................. 112
Fig. 7.3: Esquema de um alternador trifásico com excitação própria................................... 113
Fig. 7.4: Trânsito de potências no alternador síncrono......................................................... 113
Fig. 7.5: Característica em vazio (com velocidade constante).............................................. 115
Fig. 7.6: Característica de curto-circuito (com velocidade constante).................................. 116
Fig. 7.7: Modelo eléctrico, por fase, da máquina síncrona em regime estacionário............. 117
Fig. 7.8: Cálculo das reactâncias síncronas. ......................................................................... 118
Fig. 7.9: Eixos magnéticos dos enrolamentos....................................................................... 119
Fig. 7.10: Modelo da máquina com rotor cilíndrico. ............................................................ 120
Fig. 7.11: Fluxo numa máquina de pólos salientes; (a) segundo o eixo directo; (b) segundo o
eixo de quadratura; (c) eixos directo e de quadratura. .................................................. 121
Fig. 7.12: componentes nos eixos dq da corrente na armadura. ........................................... 122
Fig. 7.13: Diagramas vectoriais para o circuito da Fig. 7.10; (a) corrente em atraso; (b)
corrente em avanço. ...................................................................................................... 124
Fig. 7.14: Diagrama vectorial para um gerador com pólos salientes.................................... 125
Fig. 7.15: Diagrama vectorial para um gerador com rotor cilíndrico. .................................. 125
Fig. 7.16: Funcionamento da máquina de rotor cilíndrico e o ângulo de potência............... 126
Fig. 7.17: Potência activa e ângulo de potência da máquina de pólos salientes. .................. 128
Fig. 7.18: Característica de regulação................................................................................... 129
Fig. 7.19: Características externas. ....................................................................................... 130
Fig. 7.20: Corrente de curto-circuito..................................................................................... 131
Fig. 7.21: máquina síncrona de relutância variável. ............................................................. 132
Fig. 7.22: Gerador síncrono ligado à rede............................................................................. 133
Fig. 7.23: sincronoscópio...................................................................................................... 133
Fig. 7.24: Esquema de um alternador sem escovas (brushless generator). .......................... 134
Fig. 7.25: circuito de regulação da corrente de campo. ........................................................ 135
Fig.8.1: Campo magnético girante criado pelas correntes trifásicas no instante t................ 138
Fig.8.2: Campo magnético girante criado pelas correntes bifásicas com fase α. ................. 139
Fig.8.3: Sistemas de eixos (α,β). .......................................................................................... 141
Fig. 8.4: componentes (α, β)................................................................................................. 142
Fig.8.5: Esquema simplificado da máquina síncrona e os seus sistemas de eixos. .............. 143
Fig.8.6: Representação de is nos dois sistemas de eixos....................................................... 144

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Fig.8.7: Sequencia da transformação dos eixos (a, b, c) para os eixos (d, q). ...................... 145
Fig.8.8: Circuito RL equivalente a uma bobina. ................................................................... 147

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Lista das Tabelas


Tabela 2.1: Unidades no SI..................................................................................................... 27

Lista de Abreviaturas
CA Corrente Alterna
CC Corrente Contínua
fem Força electromotriz
fmm Força magnetomotriz
pu Por Unidade
rpm rotações por minuto
rps rotações por segundo

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CAPÍTULO 1.
INTRODUÇÃO

1.1 Objectivo

Os fenómenos eléctricos e magnéticos são interdependentes e aparecem na natureza


estreitamente interligados. Esses fenómenos constituem o aspecto visível daquilo que se
designa por campo electromagnético. A electrotecnia estuda as aplicações do campo
electromagnético e umas delas são os conversores de energia electromagnética. Duma
maneira simplificada, poderemos dizer que os conversores de energia que aqui interessam
podem ser electromagnéticos, electromecânicos e electrónicos. As máquinas eléctricas
podem ser encaradas como conversores de energia. No caso mais usual, as máquinas
eléctricas têm partes móveis, e a conversão dá-se entre energia electromagnética e energia
mecânica, e vice-versa. Por isso, podem ser consideradas como ser conversores
electromagnético-mecânicos.
O campo electromagnético é uma forma de matéria. Onde ele existe observam-se fenómenos
característicos cuja sistematização teórica foi apresentada por James Clerk Maxwell (1831-
1879) recorrendo às célebres equações de Maxwell, publicadas em 1873.
O campo eléctrico é criado por cargas eléctricas, e o campo magnético é criado por cargas
eléctricas em movimento, ou seja, por correntes eléctricas. As cargas eléctricas movem-se
devido a diferenças de potencial eléctrico. As correntes eléctricas que daí resultam criam
campos magnéticos que, se forem variáveis no tempo, originam por sua vez diferenças de
potencial eléctrico nos condutores eléctricos que estão na sua proximidade. Esta interligação
As máquinas eléctricas utilizam campos magnéticos permanentes (criados por imanes), ou
criados por correntes eléctricas (electroímanes). Da interacção entre campos magnéticos e
correntes eléctricas resultam forças. Estas forças originam trabalho mecânico. As máquinas
eléctricas com partes móveis resultam daquelas interacções. Todavia, uma das máquinas que
estudaremos é o transformador. Apesar deste equipamento não ter partes móveis, e a
conversão de energia ser puramente electromagnética, ele partilha com as outras máquinas
parte dos mesmos princípios e serve de base para a análise e modelização das outras
máquinas.
Os transformadores e as máquinas eléctricas com partes móveis usam a lei geral da indução e
partem do mesmo princípio: utilizam o campo magnético como meio para a transferência e
conversão de energia. Por este facto, torna-se importante compreender-se o comportamento e
as propriedades dos materiais magnéticos que são usados na construção destes equipamentos
e a teoria do electromagnetismo estudada nas unidades curriculares de física.
Este texto inicia-se com uma breve nota histórica sobre o electromagnetismo. No capítulo 2,
faz-se uma revisão dos circuitos magnéticos. No capítulo 3 estudam-se os transformadores. O
capítulo 4 refere-se aos sistemas trifásicos industriais e à criação de campos magnéticos
girantes. No capítulo 5 introduz-se o princípio de funcionamento das máquinas eléctricas
rotativas. No capítulo 6 estudam-se as máquinas eléctricas assíncronas e no capítulo 7 as
máquinas eléctricas síncronas. Finalmente, o capítulo 8 é dedicado às máquinas de corrente

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Máquinas Eléctricas
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contínua. O capítulo 9, dirá respeito aos circuitos electrónicos que são utilizados nos
accionamentos das máquinas eléctricas rotativas.

No texto, por norma utiliza-se o sistema internacional de unidades (SI). Este sistema tem três
unidades mecânicas fundamentais: o metro (m), o quilograma-massa (kg) e o segundo (s). A
unidade de força é o newton (N), a unidade de energia é o joule (J) e a de potência é o watt
(W). A unidade fundamental da carga eléctrica é o coulomb (C) e a da corrente eléctrica é o
ampére (A). O sistema SI é ainda racionalizado: em muitas equações verifica-se a existência
do factor 4π quando se consideram geometrias cilíndricas ou esféricas. Para simplificar os
cálculos em muitas equações é introduzido o factor 1 4π .

1.2 Nota histórica

A relação entre magnetismo e electricidade foi descoberta em 1819 por Oersted (Hans
Christian Oersted, 1775-1836). Este cientista dinamarquês descobriu que a corrente eléctrica
(cargas eléctricas em movimento) que percorre um condutor cria um campo magnético nas
proximidades desse condutor. O fenómeno foi quantificado posteriormente por Ampére
(André Ampére, 1775-1836), que também sugeriu que o magnetismo natural (na magnetite),
fosse devido a correntes eléctricas microscópicas nesse mineral. Em 1820 Faraday (Michael
Faraday, 1791-1867) quantificou a interacção entre a corrente eléctrica e o campo magnético
dando origem à lei que tem o seu nome. Ampére e Henry (Joseph Henry, 1797-1878)
demonstraram, independentemente um do outro, que se podia produzir uma corrente eléctrica
pelo movimento relativo entre um campo magnético e um circuito eléctrico próximos. Em
resultado disto, estavam criadas as bases teóricas para a produção de energia eléctrica em
larga escala.
Conhecedor dos trabalhos de Faraday e de Ampére, Maxwell apresentou em 1873 uma teoria
integrada sobre o campo electromagnético. O seu formalismo, consubstanciado nas
conhecidas equações de Maxwell, constitui a teoria base do electromagnetismo. Trata-se de
um trabalho que, fazendo a cúpula sobre os trabalhos anteriores de outros cientistas, permitiu
o desenvolvimento de novas áreas, por exemplo, a propagação das ondas electromagnéticas
(telecomunicações e óptica) e das máquinas eléctricas, e que mostrou estar conforme a teoria
da relatividade apresentada por Einstein em 1905.
O electromagnetismo tem importantes implicações no modo de vida e no desenvolvimento
tecnológico actuais. Refira-se, por exemplo, a produção e a distribuição de energia eléctrica,
iniciadas nos finais do século XIX, que proporcionaram a energia necessária para a
actividade industrial e o bem-estar das populações. Nesta área, destacam-se os trabalhos de
Thomas Edison (1847-1931) e de Nikola Tesla (1856-1943). Finalmente, refira-se também a
descoberta do transistor em 1948 por Jonh Bardeen, Walter Brattain e William Schokley,
pela qual receberam o prémio Nobel em 1956.
Desde os salões do iluminismo até à descoberta do transistor, foi dado um grande passo para
a humanidade. Estas descobertas no campo do electromagnetismo estão na base da revolução
criada pelas máquinas eléctricas e pela produção, conversão e distribuição da energia
eléctrica que estão na base da sociedade industrial em que vivemos.
Mesmo sem notarmos, as máquinas eléctricas fazem parte do mundo industrializado em que
vivemos. Elas são utilizadas nos electrodomésticos, nos transportes públicos, nos elevadores

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Máquinas Eléctricas
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e escadas rolantes, em sistemas de bombagem, na produção e distribuição de energia


eléctrica, tanto por meios convencionais que usam combustíveis fósseis como nos sistemas
que usam as energias renováveis. E são também utilizadas nos automóveis, meios de
transporte e na propulsão de navios.

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CAPÍTULO 2.
CIRCUITOS MAGNÉTICOS

2.1 Campo magnético

O campo magnético é uma forma de matéria e manifesta-se, entre outros fenómenos, pelas
forças mecânicas que actuam sobre materiais ferrosos e cargas eléctricas em movimento. O
campo magnético é criado por correntes eléctricas e é quantificado fisicamente por duas
grandezas vectoriais:
r
- campo de indução magnética, B ;
r
- campo de excitação magnética, H .
r
O campo de indução magnética, ou simplesmente campo B , tem um carácter força e está
r
associado à força que actua uma carga eléctrica, q, que se move com velocidade v no
interior desse campo:

r r r
F = q ( v × B) (2.1)

A força (2.1) é designada por força de Lorentz; × representa o produto externo dos vectores:
r r
a força é perpendicular ao plano definido pelas direcções de v e de B e o seu sentido é o da
r r
progressão de um saca-rolhas quando roda do primeiro ( v ) para o segundo vector ( B ). Esta
é a designada regra do saca-rolhas ou regra da mão direita:

Fig. 2.1: Regra da mão direita

r r
Sendo α o menor ângulo formado pelas direcções de v e de B , a intensidade da força de
Lorentz (2.1) é

F = q v B sen α (2.2)

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Máquinas Eléctricas
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A força de Lorentz não é indicada para descrever a acção dum campo magnético sobre cargas
eléctricas num meio condutor metálico. Porque cargas eléctricas em movimento dão origem a
correntes eléctricas, é preferível considerar nesse caso o efeito do campo magnético sobre um
condutor eléctrico percorrido por uma corrente de intensidade I. Considerando que a corrente
eléctrica é igual à derivada da carga em ordem ao tempo,

dq
i=
dt (2.3)
e introduzindo (2.3) em (2.1), conclui-se que a força elementar que actua um condutor
elementar de comprimento dl percorrido por uma corrente de intensidade I é dada por
r
dF = I (dl × B) (2.4)
Para um condutor rectilíneo de comprimento L, o integral de (2.4) conduz a
r r
F = I (L × B ) (2.5)
r r
Sendo α o menor ângulo formado pelas direcções de IL e de B , a intensidade da força (2.5)
é

F = I B L senα (2.6)
As equações (2.4) e (2.5) descrevem a força que actua um condutor percorrido por uma
corrente quando submetido a um campo magnético exterior; esta força, que é frequentemente
designada por força de Laplace, é perpendicular ao condutor e depende das intensidades do
campo e da corrente, Fig. 2.2.

Fig. 2.2: Força que actua sobre um condutor percorrido pela corrente I.

As equações (2.1) e (2.5) relacionam a acção mecânica produzida pelo campo de indução
magnética sobre um condutor percorrido por uma corrente eléctrica; traduzem afinal uma
conversão entre as energias electromagnética e mecânica. Do estudo da Física sabe-se que o

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fenómeno é reversível: se, por acção duma força, um condutor se mover no seio dum campo
magnético, o movimento origina uma força electromotriz ε (e uma diferença de potencial u)
aos terminais desse condutor; e se o condutor fizer parte dum circuito eléctrico fechado, a
diferença de potencial provocará a existência duma corrente eléctrica nesse circuito, Fig. 2.3.

Fig. 2.3: Diferença de potencial induzida pelo movimento.

Representando por ε a força electromotriz (fem) induzida pelo movimento (com velocidade
r
v ), e por Φ o fluxo do campo magnético, é

ε=− = −u (2.7)
dt
r
A equação (2.7) é designada por lei geral da indução (lei de Faraday). Sendo B uniforme, a
variação de fluxo é proporcional à área varrida, A:
dφ dA
ε=− = −B (2.8)
dt dt
Considerando a velocidade constante, dA = L dx = L v dt ; substituindo em (2.8), obtém-se
ε = −B L v (2.9)
As figuras 2.2 e 2.3 e as equações (2.6) e (2.9) relacionam acções electromagnéticas e
mecânicas que se verificam em condutores eléctricos no seio de campos magnéticos.
r
O campo de excitação magnética, ou simplesmente campo H , é um campo derivado que
r
traduz a modificação do campo B provocada pelo estado magnético do meio material. A
relação entre os dois campos é dada por
r
r B v
H= −M (2.10)
µ0
v
onde µ 0 é a permeabilidade magnética do vazio e M é o vector de magnetização que
r
descreve o estado magnético do material. No SI, µ 0 = 4π ⋅ 10 −7 Hm −1 , o campo H é
r
medido em ampere/metro (Am-1) e o campo B é medido em tesla (T).

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Fluxo de uma grandeza vectorial


O fluxo elementar do campo magnético, dφ, é proporcional ao número de linhas de
força do campo que atravessam a projecção da superfície dS sobre um plano

perpendicular à direcção de B .

→ →
φ = ∫ dφ = ∫ B . dS (2.11a)
S S

A noção de fluxo é aplicável a qualquer grandeza vectorial, não importando a sua


natureza física, e está associado à noção de caudal. No sentido do escoamento, isto é,

na direcção da normal dS , o fluxo é positivo, e no sentido inverso é negativo.

O fluxo do campo magnético através duma superfície S fechada é nulo:

→ →
φ = ∫ dφ = ∫ B . dS = 0 (2.11b)
S S

r
Quando sujeitos a um campo magnético exterior B suficientemente intenso, existem
materiais cujos momentos magnéticos dos electrões tendem a orientar-se segundo direcções
v
bem definidas em relação ao campo magnético exterior; neste caso a magnetização, M , não
é nula, e se for proporcional a B, a relação entre B e H pode ser escrita na forma
r r
B=µH (2.12)
onde µ é a permeabilidade magnética do material: µ = µ r µ 0 , sendo µ r uma constante
adimensional designada por permeabilidade magnética relativa desse material.
r v r
Em muitos materiais, a relação entre B e M não é simples, depende da intensidade de B , e
(2.12) não traduz uma relação linear. Por exemplo, na Fig. 2.4 representa-se a relação entre B
e H para um material ferromagnético.

Na curva de magnetização da Fig. 2.4 verifica-se que para valores crescentes de H, no


intervalo [0, H1], a relação entre B e H é aproximadamente linear e que no intervalo [H1, H2]
não o é. Verifica-se também que os valores de B de H não coincidem nas curvas crescentes e
decrescentes de H. Este fenómeno é designado por histerese. Na curva decrescente, quando
H se anula (H=0) o material mantém um campo magnético residual, Br e para se anular a
magnetização do material é necessário inverter o sinal de H até ao valor Hc designado por
campo coercivo.

A histerese é comum a todos os materiais ferromagnéticos e tem origem na conversão


irreversível entre a energia magnética e energia térmica que se observa pelo aquecimento do
material quando é magnetizado. Ao variar continuadamente a excitação entre –H2 a +H2, o as
trocas de energia estabilizam e obtém-se a curva da Fig. 2.5 a que se dá o nome de ciclo de
histerese.

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Fig. 2.4: Curva de magnetização.

A área definida pelo ciclo de histerese, Fig. 2.5, é proporcional à energia convertida
irreversivelmente em calor durante o processo de magnetização do material, por variação
continuada de H, por exemplo, desde –H2 a +H2, com retorno a –H2. A energia perdida por
aquecimento designa-se por perdas por histerese e será referida mais adiante.

Fig. 2.5: Ciclo de histerese.

Considere-se o circuito magnético da Fig. 2.6 constituído por um toro de material


ferromagnético com secção circular S, em torno do qual se enrolam n espiras de fio de cobre
isolado. A bobina constituída deste modo é percorrida pela corrente I dando origem ao
r
campo magnético B no toro, cuja linha de força média tem raio r.

Com i ≠ 0 , existirá no toro o fluxo φ e o fluxo total associado à bobina de n espiras é


ψ = nφ (2.13)

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Se a resistência das n espiras do fio de cobre for R, a equação que rege o circuito da Fig. (2.6)
é

E = Ri + (2.14)
dt

Fig. 2.6: Circuito magnético toroidal.

Como condições iniciais de (2.14), considera-se que no instante inicial quando o circuito é
ligado, t = 0 , se tem i (0) = 0 e ψ(0) = 0 . O fluxo Ψ crescerá com o aumento da corrente,
sendo o crescimento proporcional à corrente quando o meio é linear,
Multiplicando ambos os membros de (2.14) por idt , resulta

E i dt = Ri 2 dt + i dψ (2.15)
O primeiro membro de (2.15) representa a energia cedida pela fonte de fem E durante o
intervalo de tempo d t ; Ri 2dt representa a energia dissipada na bobina por efeito de Joule no
mesmo tempo; i dψ representa a energia utilizada para criar o campo magnético B. Com
dWm = i dψ , a energia total do campo magnético no toro quando Ψ varia de 0 a Ψmax é
ψ max
Wm = ∫ i dψ (2.16)
0
Considerando que o campo no toro é constante, aplicando (2.22a) ao circuito da Fig. 2.6,
obtém-se
→ →
φ= ∫ B . dS = B S (2.17)
S
Se não existir saturação, (2.13) traduz uma relação linear, µ é constante e B = µ H ; o fluxo
total associado à bobina é
ψ = nφ = n BS (2.18)
Recorde-se a lei de Ampére, ou lei da corrente total:

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→ →

∫ H . dl = n I
l
(2.19)

Para o toro da Fig. 2.6, calculando a circulação do campo H ao longo da linha de força média
de raio r, de (2.19) resulta:
H l = nI (2.20)

com l=2πr.
Substituindo (2.18) e (2.20) em (2.16), obtém-se
Bmax Bmax Bmax
Hl
Wm = ∫ n
S n dB = ∫ H V dB =V ∫ H dB (2.21)
0 0 0
em que V=l S é o volume do toro.

O último integral da direita de (2.21) representa a energia armazenada pelo campo magnético
por unidade de volume do toro (é a densidade de energia por unidade de volume). A energia
total associada ao campo magnético Bmax é então proporcional à área sombreada da Fig.
2.7(a).

Fig. 2.7: Densidade de energia magnética;


(a) com o campo Bmax; (b) perdas por histerese.

Em meios lineares, ou se não existir saturação, é B = µ H , e de (2.21) resulta que a energia


associada ao campo magnético Bmax é dada por
Bmax
H max Bmax
Wm = V ∫ H dB = V 2
(2.22)
0
A área sobreada da Fig. 2.7(b) representa a energia perdida por unidade de volume ao
magnetizar o material de H1 até Hmax e voltar a H=0. Esta é ajustificação porque a área

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limitada pelo ciclo de histerese na Fig. 2.5 é proporcional às perdas por histerese durante um
ciclo de magnetização.
Os materiais ferromagnéticos duros têm ciclos de histerese com áreas grandes e dão origem a
maiores perdas por histerese, não sendo adequados para a construção de máquinas eléctricas,
em geral.
Chama-se força magnetomotriz (fmm) à circulação do vector H ao longo dum caminho
fechado, l, como se apresenta em (2.19):
→ →

fmm = H . dl = n I (2.23)
l
Para o circuito da Fig. 2.6, desprezando a saturação, subtituindo (2.17) em (2.20) obtém-se
l
φ = nI (2.24)
µS
A fracção de (2.24) é a relutancia magnética do toro (Rm). A equação (2.24) traduz a lei de
Ampére escrita em função do fluxo e é frequentemente designada por lei de Hopkinson.
l
φ Rm = n I , com Rm = (2.25)
µS
A relutância magnética depende da geometria e da constituição do material e, no caso geral,
depende do fluxo do campo magnético. A relutância magnética traduz a maior ou menor
facilidade com que um dado material pode ser atravessado por linhas de força do campo
magnético. Frequentemente, os circuitos magnéticos são caracterizados pelo inverso da
relutância magnética a que se chama permeância.

Multiplicando ambos os membros de (2.25) pelo número de espiras n, e rearranjando, obtém-


se:

n2
ψ = nφ= I (2.26)
Rm
De acordo com (2.26), em meios lineares, o fluxo total associado à bobina é proporcional à
intensidade da corrente eléctrica; a constante de proporcionalidade chama-se coeficiente de
indução da bobina, L:

n2
L= (2.27)
Rm

ψ = LI (2.28)
No caso geral, a relação Ψ(i) não é linear, e L depende da corrente. A relação Ψ(i) é ainda
dada pela curva da Fig. 2.4 introduzindo as adequadas mudanças nas escalas dos eixos. Por
l
exemplo, para o toro da Fig. 2.6 seria ψ = n S B e I = H .
n
Em meios lineares, L é constante e substituindo (2.28) em (2.16), resulta que a energia
magnética criada por uma bobina percorrida pela corrente eléctrica com intensidade I é dada
por

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1
Wm = LI2 (2.29)
2
Tendo em conta (2.7) a fem induzida pela variação do fluxo do campo magnético numa
bobina de n espiras é
dφ dψ
ε = −n =− (2.30)
dt dt
Substituindo (2.28) em (2.30), obtém-se:
di
ε = −L (2.31)
dt
De acordo com (2.31), a fem induzida é proporcional à taxa de variação da corrente no
tempo, e será nula se a corrente for constante. Substituindo (2.28) em (2.15), resulta:

E i dt = Ri 2 dt + L i di (2.32)
A potência posta en jogo pelo gerador da Fig. 2.6 é então
di
p = E i = Ri 2 + L i (2.33)
dt
O segundo membro de (2.33) é a soma da potência de perdas na bobina por efeito de Joule
com a potência associada à criação do campo magnético no toro. Quando i é constante, a
potência do gerador equilibra apenas as perdas por efeito de Joule no condutor da bobina,
sendo a energia magnética constante.

Para reforçar o campo magnético, as bobinas são enroladas sobre nucleos de baixa relutância
magnética. Os materiais usualmente utilizados são também condutores e estão no seio de
campos magnéticos variáveis. Por esse facto, são induzidas correntes parasitas (eddy
currents), designadas por correntes de Foucault, que têm três efeitos: (1) aquecem o material
por efeito de Joule; (2) dão origem a campos magnéticos que se opõem ao campo exterior
enfraquecendo-o; (3) dão origem a forças electromagnéticas. As correntes de Foucault
provocam perdas que se procuram reduzir com a utilização de núcleos com resistência
eléctrica elevada.
A soma das perdas por hiterese e às devidas às correntes de Foucault constitui aquilo que se
designa por perdas no ferro e estão presentes em todas as máquinas eléctricas.

2.2 Acoplamento magnético

Os circuitos eléctricos têm acoplamento magnético quando partilham o mesmo campo


magnético. Na Fig. 2.8 representam-se dois condutores (1 e 2) percorridos pelas correntes i1 e
i2, respectivamente. Considera-se que os condutores estão perto um do outro, de tal forma
que as correntes criam em torno do seu condutor um campo magnético cujo fluxo,
parcialmente, atravessa também o outro condutor.

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Fig. 2.8: Acoplamento magnético entre condutores.

O fluxo total φ1 criado pela corrente i 1 é composto pela soma de duas parcelas: φ11 que só
envolve o condutor 1 e φ12 que envolve também o condutor 2. E de modo semelhante para o
fluxo total φ2 criado pela corrente i 2 :

i1 → φ1 = φ11 + φ12
(2.34)
i2 → φ 2 = φ 21 + φ 22
Se os dois condutores tiverem n1 e n2 espiras, respectivamente, os fluxos totais associados a
cada bobina são, respectivamente, dados por

ψ1t = n1 (φ1 ± φ 21 ) = ψ11 ± ψ 21


(2.35)
ψ 2t = n2 (φ 2 ± φ12 ) = ψ 22 ± ψ12

em que

ψ11 = n1 (φ11 + φ12 ) é o fluxo associado à bobina 1 que é criado pela própria corrente, i1;
ψ 22 = n2 (φ 22 + φ 21 ) é o fluxo associado à bobina 2 que é criado pela própria corrente, i2;

Em (2.35) usa-se o sinal + se os fluxos são aditivos (concordantes) e o sinal – se são


subtractivos (antagónicos).

Os fluxos Ψ12 e Ψ21, que atravessam uma bobina mas que são criados pela corrente da outra,
fazem o acoplamento magnético entre as duas bobinas. Se o meio for linear, tendo em conta
(2.28), cada um dos fluxos em (2.35) pode ser relacionado com a respectiva corrente através
de um coeficiente de indução L:

ψ11 ± ψ 21 = L11 i1 ± L21 i2 (2.36a)

21
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ψ 22 ± ψ12 = L22 i2 ± L12 i1 (2.36b)

Pode-se demonstrar que L21=L12 e, porque relacionam o fluxo que atravessa uma bobina com
a corrente na outra bobina, designam-se por coeficientes de indução mútua, sendo
frequentemente representados por M (M= L21=L12). Os coeficientes L11 e L22 são designados
por coeficientes de indução própria ou de auto-indução das bobinas.

Tendo em conta (2.30), a fem total induzida em cada bobina é dada por

dψ1t di di
e1t = − = − L11 1 m M 2
dt dt dt
(2.37)
dψ di di
e2t = − 2t = − L22 2 m M 1
dt dt dt

Tendo em conta (2.29), num meio linear, a energia dWj associada ao fluxo de cada bobina
devido à própria corrente é

1
W1 = L11 I12 (2.38a)
2
1
W2 = L22 I 2 2 (2.38b)
2

A energia associada ao fluxo de acoplamento magnético é


I1 I2
W12 = ∫ I 2 M di1 = ∫ I1 M di2 = M I1 I 2 (2.39)
0 0
A energia magnética total do circuito com acoplamento magnético será a soma das duas
equações (2.38) com (2.39):

1 1
Wmt = L11 I12 + L22 I 2 2 + M I1 I 2 (2.40)
2 2

O acoplamento magnético entre circuitos pode não ser desejável sendo apenas consequência
da proximidade a que se encontram. Quando o acoplamento magnético é expressamente
desejado para tornar possível a uma transferência de energia entre as duas bobinas, os fluxos
φ11 e φ22 da Fig. 2.8 devem ser reduzidos porque não interligam magneticamente as bobinas,
sendo então, do ponto de vista energético, considerados como perdas. Para melhorar o
acoplamento magnético, normalmente enrolam-se as duas bobinas em torno de um núcleo de
baixa relutância magnética. Esta situação é representada na Fig. 2.9, na qual o fluxo no toro,
φm, realiza o acoplamento magnético das bobinas.

22
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Fig. 2.9: Bobinas com acoplamento magnético.

As bobinas de n1 e n2 espiras são percorridas pelas correntes i1 e i2, respectivamente. O fluxo


total associado a cada bobina pode ser decomposto na soma de duas parcelas: φm que é o
fluxo de magnetização no toro resultante daqueles criados pelas correntes das bobinas; e os
fluxos de dispersão φd1 e φd2. Os fluxos de dispersão φd1 e φd2 fecham-se pelo no ar, não
transferem energia entre as duas bobinas, e correspondem aos fluxos φ11 e φ21 da Fig.2.8 que
envolvem apenas os respectivos condutores.
Seja Rm a relutância magnética do toro; os fluxos associados a cada bobina são,
respectivamente,

ψ1t = n1 (φ d 1 + φ m ) = ψ d1 + ψ m1 (2.41a)

ψ 2t = n2 (φ d 2 + φ m ) = ψ d 2 + ψ m 2 (2.41b)

com
n i ± n2 i2
φm = 1 1 (2.41c)
Rm
n 2i ± n n i
ψ m1 = 1 1 1 2 2 (2.41d)
Rm
n 2 2 i2 ± n1n2 i1
ψ m2 = (2.41e)
Rm

Tendo em conta (2.28) e admitindo que não existe saturação, a partir de (2.41) podem ser
definidos os seguintes coeficientes de indução:
n2
- de magnetização da bobina 1, Lm1 = 1 (2.42a)
Rm

n 2
- de magnetização da bobina 2, Lm 2 = 2 (2.42b)
Rm

23
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nn
- de indução mútua, L12 = L21 = M = ± 1 2 (2.43)
Rm
Numa forma semelhante a (2.42), podem ser definidos os seguintes coeficientes de auto-
indução de dispersão:
n2
- da bobina 1, Ld1 = 1 (2.44a)
Rm 0

n2 2
- da bobina da bobina 2, Ld 2 = (2.44b)
Rm 0
sendo Rm0 uma relutância magnética equivalente às linhas de força no ar.

Com os coeficientes de indução definidos através das equações (2.42) a (2.44), as equações
(2.41) podem ser escritas da seguinte forma:

 n2 n2 n n
ψ1t =  1 + 1  i1 ± 1 2 i2 (2.45a)
 Rm 0 Rm  Rm
 

n n n 2 n 2
ψ 2t = ± 1 2 i1 +  2 + 2  i2 (2.45b)
Rm  Rm 0 Rm 
 

De (2.45) resultam os coeficientes de auto-indução das bobina 1 e 2, respectivamente,

L11 = Ld1 + Lm1 (2.46a)


L22 = Ld 2 + Lm2 (2.46b)

As equações (2.45) são equivalentes às (2.35) fazendo φ d1 = φ11 , φ d 2 = φ 22 e


φ m = φ 21 ± φ12 .

Tendo em conta (2.42), (2.43) e (2.46), as equações (2.45) podem ser escritas na seguinte
forma matricial (considerando fluxos concordantes, para maior simplicidade de escrita):

 ψ1t   L11 M   i1 
ψ  =  M L ⋅i  (2.47)
 2t   22   2 

 L11 M   M 2 
O determinante de  é ∆ = L ⋅ L − M 2
= L ⋅ L ⋅  1 − .
 11 22 11 22 
⋅ 
 M L22   L11 L22 

24
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M2
Define-se factor de acoplamento magnético ao valor adimensional k = . Se a
L11 ⋅ L22
dispersão magnética for nula, de (2.45) resulta M = L11 L22 , e então k=1 e ∆=0; se os
circuitos estiverem magneticamente desacoplados, M=0 e k=0. Desta forma, k é uma medida
da qualidade do acoplamento magnético entre dois circuitos e, consequentemente, deve ser
0 ≤ k <1 .

Tendo em conta (2.37) derivando (2.47) obtém-se as fem induzidas em cada bobina:

 d i1 
 e1t   L11 M   dt 
e  = −  M L ⋅  d i  (2.48)
 2t   22   2 
 dt 

Generalizando, se na Fig. 2.9 as bobinas tiverem resistências R1 e R2, respectivamente, as


tensões aos seus terminais são dadas pelas equações seguintes:

 d i1 
 u1   R1 0   i1   L11 M   dt 
u  =  0 R ⋅i  +  M L ⋅ d i  (2.49)
 2  2  2  22   2 
 dt 

Se ∆≠0, (2.49) pode ser escrita na forma de um modelo de estado,

 d i1  −1 −1
 dt   L11 M   R1 0   i1   L11 M   u1 
 d i  = −   ⋅  +   ⋅  (2.50)
 2  M L22   0 R2  i2   M L22  u 2 
 dt 

A equação (2.50) é o modelo matemático completo do circuito da Fig. 2.9, e a sua solução,
[i1 (t ) i2 (t )] t , pode ser obtida por integração, conhecidas que sejam as tensões u1(t) e u2(t) e
as condições iniciais [i1 (0) i2 (0)] t .

Neste curso, estaremos particularmente interessados em tensões industriais do tipo alternado


sinusoidal cujo valor instantâneo pode ser representado pela função u (t ) = U cos(ωt + α ) ; U
é a amplitude da tensão, ω é a pulsação (ω=2 π f ) e α é a fase na origem, isto é, a fase para
t=0.
Para grandezas alternadas sinusoidais, as soluções forçadas podem ser calculadas no domínio
da frequência. Nesta mudança de domínios, os valores instantâneos são substituídos por
d
amplitudes complexas e o operador derivada é substituído por jω: → jω . Por exemplo,
dt
considere-se a tensão u (t ) = U cos(ωt + α) . Para os domínios do tempo e da frequência são
válidas as seguintes correspondências:

25
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Domínio do tempo Domínio da frequência


r
u (t ) = U cos(ωt + α) U = U e jα
d u (t ) r
jω U (2.51)
dt
d u (t ) π π
= U ω cos(ωt + α + ) r j(α + )
dt 2 jω U = U ω e 2

Aplicando (2.51) a (2.49), resulta:

r r r
 U1   R1 0   I1   L11 M   I1 
 r  = ⋅ r  + jω  M L  ⋅ r  (2.52)
 U 2   0 R2   I 2   22   I 2 

E simplificando, obtém-se:

r r
 U1   R1 + j ωL11 jω M   I1 
 r  = ⋅ r  (2.53)
U 2   jω M R2 + jωL22   I 2 

Conhecidas as correntes sinusoidais nas bobina da Fig. 2.9, a equação (2.53) permite o
cálculo das amplitudes complexas das tensões aos terminais das bobinas. Por outro lado,
sendo conhecidas as amplitudes complexas das tensões, se a matriz das impedâncias for
invertível, as amplitudes complexas das correntes são dadas por:

r −1 r
 I1   R1 + j ωL11 jω M   U1 
r  =  ⋅ r  (2.54)
 I 2   jω M R2 + jωL22  U 2 

De (2.54) resulta:
r r
r
I1 =
(R2 + jωL22 )U1 − jω M U 2 (2.55a)
(R1 + j ωL11 )(R2 + jωL22 ) + ω2 M 2
r r
r
I2 =
(R1 + j ωL11 )U 2 − jω M U1 (2.55b)
(R1 + j ωL11 )(R2 + jωL22 ) + ω2 M 2

As unidades das grandezas magnéticas que temos estado a tratar, no sistema internacional de
medidas (SI), estão resumidas na tabela 2.1.

26
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Tabela 2.1: Unidades no SI


Grandeza Unidade Símbolo
B tesla T
H ampere/m Am-1
Ψ, Φ weber Wb
L henry H
Rm 1/henry H-1
fmm ampere-espira Ae

2.3 Problemas

2.1 A Fig. 2.P1 representa um circuito magnético constituído por um toro de material
ferromagnético uniforme com permeabilidade magnética relativa µFe em torno do qual se
enrolaram n espiras de um fio condutor isolado; o toro tem o raio médio R, a secção recta
uniforme S e um entreferro de espessura δ. Não existindo saturação, calcule:

a) a relutância magnética do ferro e do ar;


b) a relutância magnética total do núcleo;
c) o fluxo do campo magnético no toro;
d) os campos de indução e de excitação magnéticos no
ferro e no ar;
e) o coeficiente de auto-indução da bobina;
f) a energia magnética armazenada no ferro e no ar;
g) a fmm necessária para duplicar o campo magnético R=2 cm; δ=1mm; S=0,79 cm2;
de indução no ar. I=1 A; n=100; µFe=7000.
µO= 4π.10 -7
Hm -1

Fig. 2.P1

2.2 Considere o circuito da Fig. 2.P1 com o entreferro δ=0,1mm. Calcule os campos de
indução e de excitação magnéticos, e a energia magnética, no ferro e no ar.

2.3 A Fig. 2.P2 representa um circuito magnético constituído por um toro de material com
permeabilidade magnética relativa µr, com o raio médio R e a secção recta uniforme S, em
torno do qual se enrolaram duas bobinas de fios condutores isolados com n1 e n2 espiras,
respectivamente. Considerando que não existe saturação, com a bobina n2 em vazio, obtenha
a tensão u2(t), nos seguintes casos:

27
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a) i(t)= 1 A;
b) i(t)= 1+2t A;
c) i (t ) = 2 ⋅ cos(ωt ) A.

µO= 4π.10 -7 Hm-1 R=2 cm; S=0,79 cm2; n1=100; n2=50; µr=1000;
Fig. 2.P2

2.4 Para o circuito da Fig. 2.P2, obtenha os coeficientes de indução própria e mútua das duas
bobinas.

2.5 Na Fig. 2.P3, R1 representa a resistência da


bobina n1 enrolada em torno do toro da Fig.
2.P3. Obtenha:
(a) a corrente i(t) quando se liga uma tensão
contínua U=6V à bobina n1, com i(0)=0;
(b) a tensão u2(t), quando se liga tensão
contínua da (a).
R1= 3 Ω.
Fig. 2.P3

2.6 A Fig. 2.P4 apresenta o corte num rotor com comprimento l e raio R, que contém uma
espira percorrida pela corrente contínua I, e que gira no seio dum campo magnético uniforme
B. Calcule:
(a) o binário que actua o rotor em função de θ;
(b) as posições do rotor para as quais o binário é nulo e aquelas em que é máximo.
(c) Calcule a fem induzida na espira em vazio (I=0) quando o rotor roda com a velocidade
constante N=60 rpm.
(d) Repita a (c) considerando uma bobina de 20 espiras rodando à mesma velocidade.

l=10 cm
R=5 cm
I=5 A
B=0,9T

Fig. 2.P4

28
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2.7 Considere o circuito magnético da Fig. 2.P5(a). O material do toro tem a característica de
magnetização aproximada da Fig. 2.P5 (b). A bobina n2 está em vazio.

R=2 cm; S=1 cm2; n1=100; n2=100; µr=1000; µO= 4π.10 -7 Hm-1

(a)

(b)
Fig. 2.P5

Obtenha o diagrama temporal da tensão u2(t) se i (t ) = 2 ⋅ cos(314 t ) A.

Bibliografia

A.E. Fitzgerald, C. Kingsley, S.D. Umans, Electric Machinery, McGraw-Hill, 6ª Ed.

Stephen J. Chapman, Electric Machinery Fundamentals McGraw-Hill, 5th Edition, 2011.

29
Máquinas Eléctricas
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CAPÍTULO 3.
TRANSFORMADOR

3.1 Introdução

Chama-se transformador a um aparelho electromagnético estático, isto é, sem partes móveis,


que utiliza o acoplamento magnético entre duas ou mais bobinas, de tal forma que é possível
modificar as amplitudes das tensões eléctricas, ou das correntes, variáveis no tempo. O
transformador é constituído por um núcleo, usualmente de material ferromagnético de baixa
relutância e elevada resistência, em torno do qual se enrolam diversas bobinas de fio
condutor, à semelhança do circuito da Fig. 2.9. O funcionamento do transformador envolve
princípios que são comuns com o funcionamento das máquinas eléctricas e, por isso, neste
capítulo desenvolvem-se conceitos já expostos no capítulo 2, fazendo a ponte para os
capítulos seguintes sobre máquinas eléctricas rotativas.

A Fig. 3.1 representa a constituição dum transformador com dois enrolamentos. Uma das
bobinas, n1, é alimentada por uma tensão alternada sinusoidal, dando origem a um fluxo
magnético, também alternado sinusoidal, cuja amplitude depende da amplitude da tensão
aplicada e da sua frequência, e do número de espiras n1. Este fluxo faz o acoplamento
magnético com a outra bobina, n2, induzindo nesta uma tensão também alternada sinusoidal
cuja amplitude depende do seu número de espiras n2 e da amplitude do fluxo.

Fig. 3.1: Constituição de um transformador monofásico.

Os transformadores podem-se ter várias bobinas com diferentes números de espiras e com
condutores de secções diferentes, sendo usados em aplicações de grande ou de pequena
potência. Por convenção, num transformador com dois enrolamentos, a bobina ligada à fonte
de tensão u(t), com n1 espiras, designa-se por primário e a bobina com n2 espiras, que
alimentará a carga, designa-se por secundário do transformador.

30
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Os transformadores obedecem à lei geral da indução electromagnética, podem ser


considerados como máquinas eléctricas sem partes móveis, A energia eléctrica recebida da
fonte de entrada através do enrolamento primário é transformada em de energia magnética no
núcleo, e esta é transferida para a carga através do enrolamento do secundário. Os circuitos
do primário e do secundário estão desacoplados galvânicamente e a sua ligação é feita
através do fluxo do campo magnético no núcleo.

No caso dos transformadores industriais de 50 Hz, o núcleo é constituído por lâminas


metálicas finas de ferro silicioso com formas padronizadas, justapostas e isoladas umas das
outras para se reduzir as correntes de Foucault, Fig. 3.2(a). Em circuitos de baixa potência,
quando as tensões e as correntes têm frequências elevadas (superiores a 1 kHz), o núcleo do
transformador é usualmente maciço, utilizando-se ferrites - são misturas de óxidos
ferromanéticos com Ni, Zn, Mn, Fe de elevada resistividade e prensados - com diversas
formas: toros, pot cores, representado na Fig. 3.2(b), e barras rectangulares, por exemplo.

(a) (b) (c)


Fig. 3.2: Transformadores de pequena potência;
(a) monofásico de 50 Hz; (b) em pot core para 100 kHz; (c) pot core.

No projecto dos transformadores tem-se em conta, nomeadamente, o tipo de utilização, a


potência em jogo, a forma de onda das tensões, e das correntes, e a sua frequência. São
também aspectos importantes a considerar a ventilação e o isolamento eléctrico entre as
espiras das bobinas.
Para a mesma potência transportada, quanto mais alta é a tensão, menor é a intensidade da
corrente e portanto mais pequena será a secção dos condutores da linha de transporte de
energia eléctrica. Este é um dos motivos porque se eleva a tensão a centenas de kV para se
efectuar o seu transporte através da rede eléctrica de um país, voltando depois a reduzi-la
junto aos utilizadores, Fig. 3.3. A Fig. 3.4 apresenta um transformador de alta tensão usado
em subestações. Noutras utilizações, recorre-se a transformadores para reduzir a tensão
industrial de baixa tensão para níveis adequados à alimentação de equipamentos eléctricos e
electrónicos.
Neste curso, trataremos de transformadores à frequência industrial de 50 Hz. Todavia,
qualquer que seja a sua aplicação, dimensões e tipo de construção, o funcionamento do
transformador baseia-se no princípio acima descrito e na lei geral da indução (2.30).
Os transformadores industriais podem ser monofásicos ou trifásicos e com vários
enrolamentos por fase. Para maior simplicidade, e porque se pretende fazer a ponte com as

31
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máquinas eléctricas, os conceitos serão expostos considerando o transformador monofásico


com dois enrolamentos, cuja constituição é apresentada na Fig. 3.1.

Fig. 3.3: Produção e distribuição de energia eléctrica.

Fig. 3.4: Transformador de alta tensão.

32
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3.2 Transformador ideal

Num transformador ideal, sem perdas, as tensões e as correntes têm diferentes amplitudes,
têm a mesma frequência, e a soma da energia eléctrica fornecida por todos os enrolamentos
secundários é igual à energia recebida pelo primário.
A corrente alternada sinusoidal que percorre o enrolamento do primário faz aparecer no
núcleo de ferro um fluxo magnético alternado sinusoidal φ, Fig. 3.1. Com dois enrolamentos,
este fluxo variável é abraçado pelos enrolamentos do primário e do secundário e, segundo a
lei geral de indução, induz em cada um deles uma f.e.m dada por:

e1 = − n1 (3.1)
dt

e2 = − n2 (3.2)
dt
em que, respectivamente, n1 e n2 são o número de espiras dos enrolamentos primário e
secundário, e e1 e e2 são as f.e.m induzidas nesses enrolamentos, respectivamente.
Considere-se que, sendo a corrente no primário sinusoidal, o fluxo φ(t) também é sinusoidal e
que é representado por:
φ(t ) = Φ cos ωt (3.3)
Com o fluxo (3.3), a fem induzida em cada espira será:
dφ  π
e=− = ωΦ sen ωt = ωΦ cos ωt −  (3.4)
dt  2
Da equação (3.4) conclui-se que a f.e.m induzida em cada enrolamento está desfasada de 90º
em atraso em relação ao fluxo φ.
Os valores eficazes das fem totais (3.4) induzidas em cada um dos enrolamentos são:
1
E1ef = n1ωΦ = 4,44 f n1 Φ (3.5)
2
1
E 2 ef = n2 ωΦ = 4,44 f n 2 Φ (3.6)
2
Ao quociente entre os valores eficazes de e1 e de e2 chama-se razão de transformação do
transformador:
E1ef n
n= = 1 (3.7)
E 2ef n2

Usando (3.7), os transformadores são redutores quando n>1 (n1>n2) e são elevadores
quando n<1 (n1<n2).
A potência activa primária, ou seja, o valor médio da potência instantânea absorvida pelo
primário, é:

33
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P1 = U1 I1 cos ϕ1 (3.8)
Existindo uma corrente no secundário, i2, a potência activa aos terminais do secundário é:
P2 = U 2 I 2 cos ϕ 2 (3.9)
Num transformador ideal não existem perdas, e as potências postas em jogo no primário e no
secundário são iguais: P1 = P2 . Para o transformador ideal, sem perdas, é ϕ1 ≈ ϕ 2 e os
valores eficazes das tensões U1 e U2 são iguais aos das fem respectivas; a igualdade das
potências implica que P1 = P2 ⇒ U1 I1 = U 2 I 2 , de que resulta.
U1 I 2 n1
= = (3.10)
U 2 I1 n 2
Ou seja,
U1
=n (3.11)
U2
I1 1
= (3.12)
I2 n
Num transformador ideal toda a energia fornecida pelo primário é transferida para a carga
ligada ao secundário. A equação (3.10) é equivalente a considerar que a fmm total no toro é
nula, isto é, a fmm do primário é totalmente equilibrada pela do secundário:
n1 I1 − n2 I 2 = 0 (3.13)
O acoplamento entre os dois enrolamentos do transformador ideal é realizado pela indução
mútua entre eles, M e o coeficiente de acoplamento magnético é k = 1 . Esquematicamente, o
transformador ideal é representado pelo circuito da Fig. 3.5, que traduz, apenas, a relação
entre as tensões e correntes (3.10). Na figura, L1 e L2 são os coeficientes de magnetização
totais das bobinas 1 e 2, respectivamente, que no transformador ideal tendem para infinito.

Fig. 3.5: Transformador ideal.

O transformador ideal modifica apenas as amplitudes das tensões e correntes de acordo com
as equações (3.10).

34
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3.3 Transformador com perdas

Um transformador real tem perdas (i) perdas no ferro devido às correntes de Foucault e à
histerese, existem, embora sejam usualmente pequenas, até porque se procura utilizar para o
núcleo um material com pequenas perdas; (ii) perdas no cobre, que designam as perdas
devidas ao aquecimento das bobinas por efeito de Joule, que dependem dos condutores e das
intensidades das correntes no primário e no secundário, e que são variáveis, dependendo
essencialmente da carga do transformador; (iii) perdas devidas à dispersão do fluxo
magnético, porque o factor de acoplamento magnético k<1.
O rendimento do transformador varia com a carga, dependendo fortemente das perdas no
ferro e no cobre.
Sejam R1 e R2 respectivamente as resistências dos enrolamentos do primário e do secundário
do transformador. A equação para o enrolamento do primário é:
u1 = R1 i1 − e1 (3.14)
com
dφ dΨ
e1 = − n1 =− 1 (3.15)
dt dt
Para o secundário em carga, a equação das malhas conduz a:
e2 = R 2 i 2 + u 2 (3.16)
com
dφ dΨ2
e2 = − n 2 =− (3.17)
dt dt
De acordo com (2.46) e (2.47), admitindo que não existe saturação (na zona linear a
permeabilidade magnética do ferro é constante), os fluxos ligados Ψ1 e Ψ2 são dados por:
Ψ1 = L11 i1 + M i2 (3.18)
Ψ2 = L22 i2 + M i1 (3.19)
em que L11 e L22 são, respectivamente, os coeficientes de autoindução do primário e do
secundário e M é o coeficiente de indução mútua entre os dois enrolamentos.
Para o transformador real, os coeficientes de autoindução podem não ser constantes devido
ao fenómeno da saturação magnética. Todavia, para facilidade de exposição, ao longo deste
texto consideram-se meios lineares e, quando nada for dito em contrário, os coeficientes de
indução são então constantes.
O circuito da Fig. 3.5 é usualmente modificado para incluir as perdas no cobre e no ferro e a
dispersão magnética. Para isso, começamos por considerar que o primário é alimentado por
uma tensão alternada, u1, com frequência f constante e que o secundário está aberto (em
vazio, i2 = 0). Porque i2 = 0, de (3.12) resulta que no transformador ideal será ip = 0.
O primário é percorrido por uma corrente i0 que cria um fluxo φ 0 com duas componentes:

35
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- φP, o fluxo principal, cujas linhas de força se fecham pelo núcleo (ou pelo ferro), ligando os
dois enrolamentos;
- φ1d, o fluxo de dispersão, que se fecha pelo ar em torno da bobina do primário.
Em vazio, a energia pedida à fonte é basicamente usada para criar um fluxo φP, que originará
no secundário a fem e2, e um fluxo de perdas, φd, que dá origem a uma fem suplementar,
dψ1d di
e1d = − = −l1d 0 (3.20)
dt dt
em que, tendo em conta (2.44), l1d é o coeficiente de indução de dispersão no
primário: ϕ d = n1φ d = l1d i0 .
O mesmo raciocínio poderia ser feito para a bobina do secundário. Para incluir (3.20), (3.14)
e (3.16) o circuito da Fig. (3.5) é transformado no da figura seguinte:

X 1d = ω l1d ; X 2d = ω l 2d ; X m = ω M ; ω = 2 π f
Fig. 3.6: Modelo eléctrico do transformador.

Na Fig. 3.6, RFe representa as perdas no ferro, tendo um valor tal que a potência nela
dissipada é igual à das perdas no núcleo do transformador; consideraram-se tensões e
correntes sinusoidais, motivo pelo qual se representam já as reactâncias das bobinas.
Com u1 (t ) = U1 cos(ωt ) , na malha do primário tem-se,
→ → r r
U1 = − E1 + R1 I1 + j ωl1d I1 (3.21a)
sendo
→ r
− E1 = j ωM IM (3.21b)

Na malha do secundário, porque a corrente é nula, é e2 = −u 2 .


→ → → → →
As amplitudes complexas E1 , φ P , I M , E 2 , e U1 podem ser relacionadas pelo diagrama
vectorial da figura (3.7). O diagrama foi desenhado do seguinte modo:

36
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1º) Desenha-se φ P , cujo vector tomamos como referencial do diagrama;
→ →
2º) Tendo em conta (2.51), E 1 e E 2 desenham-se em quadratura e atraso em relação a φ p
(considerou-se E1 >E2).
r r
3º) A corrente em vazio, I 0 , tem duas componentes: I M é a componente reactiva que cria o
r
fluxo φ p e que está em fase com ele; I Fe é a componente activa que está em quadratura e
2 2
avanço com φ p . Desta forma, I 0 = I Fe + IM . Esta corrente dá origem às perdas no ferro.
O factor de potência em vazio é cos ϕ .

Fig. 3.7: Diagrama vectorial em vazio.

r r r
Note-se que φ p está desfasado da corrente I0 . I Fe só em vazio é que tem um papel
importante, pois em carga I Fe << I1 . Caso não existissem perdas no ferro, φ p estaria em fase
r
com I0 . As formas de onda das fem induzidas podem não ser sinusoidais, apesar de φ p o
ser, dependendo da saturação e da curva de magnetização do ferro.
Em vazio, a corrente do primário, I 0 é muito pequena e as perdas no cobre podem ser
desprezadas. Em vazio, a potencia activa, considerando valores eficazes, é dada por
P0 = U1 I 0 cosϕ ≈ U1 I Fe . Em vazio, a potência activa consumida pelo transformador,
praticamente, equilibra apenas as perdas no ferro causadas pela histerese e pelas correntes de
Foucault.

37
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Os transformadores, como outra qualquer máquina eléctrica, é caracterizado pela potência


para que foi projectado. Essa potência é designada por potência nominal do transformador.
Para uma tensão de entrada, no primário, com frequência e amplitude constantes, definem-se
as correntes nominais do primário e do secundário e a tensão nominal do secundário.
Sejam, respectivamente, P1 e P2 as potências activas no primário e no secundário do
transformador em carga. Num transformador real em carga, existem perdas no ferro e no
cobre (por efeito de Joule nos enrolamentos), de tal forma que:

P1=P2+PCu+PFe (3.22a)
com

PCu = R1 I1ef 2 + R2 I 2ef 2 (3.22b)

O rendimento do transformador será então dado por,


P P P
η = 2 = 1 − Fe − Cu (3.23)
P1 P1 P1
Em vazio, porque a corrente no primário é muito reduzida e as perdas no cobre podem ser
desprezadas. O rendimento varia com a carga porque a potência no cobre é função da
corrente, de acordo com (3.22b); as perdas no ferro são aproximadamente constantes.

Define-se o factor de carga, C, como sendo a razão entre o valor eficaz da corrente do
secundário do transformador num dado instante e a sua corrente do secundário nominal:

I2
C= (3.24)
I 2N
Em carga, o secundário é percorrido pela corrente i2 . Tal como para o primário, de acordo
com a Fig. 3.6, também existirá um fluxo de dispersão ϕ 2d = l 2d i2 , sendo l 2d o coeficiente
de indução de dispersão do secundário. A corrente i2 cria um fluxo magnético que no caso
mais geral da carga ser resistiva ou indutiva, opõe-se ao fluxo criado pela corrente no
primário.
Com u1 (t ) = U1 cos(ωt ) , da malha do primário da Fig. 3.6 resulta:
→ r r r
U1 = j ωM IM + R1 I1 + j ωl1d I1 (3.25)
r r
Considerando uma impedância de carga Zc ligada aos terminais do secundário, U 2 = Z c I2 ,
na malha do secundário resulta:
r r r r r
− E 2 = R 2 I 2 + jω l 2 d I 2 + Z c I 2 (3.26)

r n r n r
com E 2 = 2 E1 = 2 j ωM IM .
n1 n1
Desprezando as perdas no ferro, do equilíbrio das fmm resulta,

38
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r n r r
I1 = − 2 I2 + IM (3.27)
n1
As equações (3.25), (3.26) e (3.27) descrevem o funcionamento em regime estacionário do
transformador em carga, e têm três correntes como incógnitas e envolvem a razão entre o
número de espiras. É possível usar-se também (2.52), modificada para incluir a dispersão e a
carga. Todavia, para facilitar a análise e os cálculos, apresenta-se no parágrafo seguinte um
esquema equivalente do transformador reduzido ao número de espiras do primário ou do
secundário.

3.4 Transformador reduzido

Em carga, o secundário é percorrido pela corrente i2 que cria um fluxo magnético que, no
caso mais geral da carga ser resistiva ou indutiva, se opõe ao fluxo criado pela corrente no
primário.
Tendo em conta as figuras 3.6, para o transformador em carga deve-se verificar,
i1 = i p + i0 (3.28)

em que i1 é a corrente de entrada, i0 é a corrente no ramo do ferro, e iP é a corrente no


primário do transformador ideal que corresponde à corrente i2 de carga no secundário; tendo
em conta (3.12), é
n
i p = − 2 i2 (3.29)
n1
A corrente iP de (3.29) é a corrente do secundário reduzida ao primário, isto é, convertida
para o número de espiras do primário. Substituindo (3.29) em (3.28), resulta,
n
i1 = − 2 i2 + i0 (3.30)
n1
De acordo com (3.20), do lado do primário, a corrente do secundário corresponde a uma
corrente fictícia, i’2, que com os sentidos da Fig. 3.6, é dada por (3.29):
r n r
I2′ = − 2 I2 (3.31)
n1
Desta forma, para grandezas sinusoidais, (3.30) pode ser escrita como
r r r
I1 = − I2′ + I0 (3.32)
A equação (3.32) corresponde à lei dos nós aplicada do lado do primário. As impedâncias do
lado do secundário também podem ser reduzidas ao primário. Para isso considere-se um
transformador ideal em que são válidas as seguintes equações (os sub-índices p e s significam
primário e secundário, respectivamente):
r n r
V p = 1 Vs (3.33)
n2

39
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r n r
I p = 2 Is (3.34)
n1
r r
Vp Vs
Seja Z1 = a impedância do primário e Z 2 = a impedância do secundário. Dividindo
Ip Is
(3.33) por (3.34), resulta,
r 2 r
V p  n1  Vs
r =  r (3.35)
I p  n2  I s

De (3.35) conclui-se que a razão entre as impedâncias é igual ao quadrado da razão entre o
número de espiras:
2
n 
Z1 =  1  Z 2 (3.36)
 n2 
A equação (3.36) significa que a impedância do secundário Z 2 pode ser colocada no lado do
primário desde que seja multiplicada por (n1/n2)2. Com base em (3.36), consideram-se os
valores fictícios
2 2
n  n 
R2′ =  1  R2 X 2′ d =  1  X 2 d (3.37)
 n2   n2 
Com (3.37) o transformador pode ser reduzido ao primário e modelizado pelo circuito da Fig.
3.8:

Fig. 3.8: Modelo do transformador reduzido ao primário.

O transformador ideal da Fig. 3.8 permite calcular os verdadeiros valores da corrente e da


tensão no secundário:
r n r
I2 = 1 I2′ (3.38)
n2
n
U 2 = 2 U ′2 (3.39)
n1

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A impedância da carga, Z c , pode ser também colocada no lado do primário desde que se use
o seu valor reduzido ao primário:
2
n 
Z c′ =  1  Z c (3.40)
 n2 
Sem esquecer as transformações (3.28) e (3.39), o transformador pode ser modelizado em
regime estacionário pelo circuito da Fig. 3.9, conhecido como esquema equivalente de
Steinmetz:

Fig. 3.9: Circuito equivalente do transformador reduzido ao primário.

O circuito da Fig. 3.9 pode ser analisado por qualquer dos métodos utilizados na resolução de
circuitos malhados.
Note-se que, usando as transformações inversas de (3.37) a (3.39), o transformador também
pode ser reduzido ao secundário.
Frequentemente, a perna do ferro é colocada logo á entrada como se representa na Fig. 3.10.
A maior simplicidade de cálculo justifica a aproximação porque, na maior parte dos casos, a
impedância R1 + j X 1d suficientemente é pequena e os erros de cálculo são desprezáveis.
Uma outra vantagem do circuito simplificado da Fig. 3.10 é que evidencia as impedâncias
determinantes nos casos de vazio e de curto-circuito. Em vazio, como referido anteriormente,
a impedância da perna do ferro é a dominante, porque a potência em vazio equilibra as
perdas do ferro quase exclusivamente; em curto-circuito, é a impedância longitudinal
R1 + j X 1d + R2′ + j X 2′ d é dominante porque, sendo normalmente pequena, é ela que limita
praticamente a corrente de curto-circuito. Em curto-circuito, a potência fornecida é
praticamente igual à dissipada por efeito de Joule nos enrolamentos.
Aplicando (3.22) e (3.23) ao circuito da Fig. 3.10 e fazendo RCu=R1+R’2, o rendimento do
transformador é dado por,

U 2′ cos φ
η= (3.41)
P
U 2′ cos φ + RCu I 2′ + Fe
I 2′

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d  P 
A equação (3.41) tem um máximo quando  RCu I 2′ + Fe  = 0 , o que conduz a
d I 2′  I 2′ 
RCu I ′ 2 2 = PFe . Assim, tal como foi dito anteriormente, o rendimento é máximo quando as
perdas no cobre são iguais à perdas no ferro, mantendo-se constante o factor de potência.

Fig. 3.10: Circuito equivalente simplificado reduzido ao primário.

(a)

(b)

Fig. 3.11: Circuito equivalente simplificado: (a) em vazio; (b) em curto-circuito.

Os parâmetros do circuito equivalente do transformador podem ser obtidos


experimentalmente através dos ensaios em vazio e em curto-circuito.

42
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O ensaio de curto-circuito não pode ser realizado à tensão nominal porque isso implicava a
destruição do transformador. Define-se como tensão de curto-circuito a tensão que aplicada
ao primário que provoca, em curto-circuito, a corrente nominal no secundário (que está
curto-circuitado). É esta a tensão que é usada neste ensaio.

3.5 Ensaios do transformador

Os parâmetros do circuito equivalente da Fig. 3.10 podem ser obtidos por via experimental.
Para isso, realizam-se dois ensaios com o transformador: o ensaio em vazio e o ensaio em
curto-circuito.
Com o ensaio em vazio pretende-se determinar: (i) o valor da resistência equivalente às
perdas no ferro; (ii) a reactância de magnetização; (iii) a razão de transformação.
Em vazio, a corrente no primário é pequena, as perdas no cobre do primário são
desprezáveis, e a potência em vazio equilibra praticamente as perdas do ferro. Estas perdas
variam com a tensão de entrada, mas permanecem praticamente constantes quando a fem
induzida na bobina é constante.
O ensaio em vazio está representado na Fig. 3.12(a). Com o transformador em vazio, para
diferentes tensões no primário, mede-se a potência activa, P10, o factor de potência, cos φ, e
os valores eficazes da tensão aplicada ao primário, U1, e da tensão no secundário, U20.

(a)

(b)

Fig. 3.12: Ensaios do transformador: (a) em vazio; (b) em curto-circuito.

43
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Para cada valor de U1, conhecida P10= PFe, a resistência equivalente às perdas no ferro é
calculada por,

U 2
R Fe = 1 (3.42)
P10
Conhecido o factor de potência, cos φ, calcula-se a potência reactiva em vazio, Q10= P10.tg φ,
e a a reactância de magnetização, Xm, é calculada por

U 12
Xm = (3.43)
Q10
Finalmente, a razão de transformação é
U1
n= (3.44)
U 20
Com base nestes valores, são traçadas as curvas R Fe = f (U1 ) , X m = g (U1 ) e n = h(U1 ) .

O ensaio em curto-circuito está representado na Fig. 3.12(b). Com este ensaio pretende-se
determinar: (i) a resistência das perdas no cobre, RCu=R1+R’2; (ii) a reactância de dispersão
Xd=X1d+X’2d.
Com o secundário em curto-circuito, o ensaio é conduzido do seguinte modo: ajusta-se a
tensão no primário U1 de tal forma que a corrente no secundário seja a corrente nominal, I2N;
mede-se então a potência activa, P1cc, o factor de potência, cos φcc, e o valor eficaz da
corrente no primário, I1N.
Como a tensão de curto-circuito é muito menor que a tensão nominal, as intensidades das
correntes de magnetização e do ferro são pequenas e que as perdas no ferro podem ser
desprezadas. Desta forma, sendo a potência de carga nula, a potência activa do primário
equilibra apenas as perdas no cobre dos dois enrolamentos.
Com a tensão U1cc, conhecida P1cc= PCu, a resistência das perdas no cobre é calculada por,
P
RCu = 1cc (3.45)
I1N 2
Conhecido o factor de potência, cos φcc, calcula-se a potência reactiva em vazio,
Q1cc = P1cc .tg φ cc , e a a reactância de dispersão, Xd, é calculada por
Q1cc
Xm = (3.46)
I1N 2
Finalmente, a razão de transformação é
I
n = 2N (3.47)
I1N

44
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3.6 Valores por unidade (pu)

Em sistemas de potência, os transformadores dão origem a circuitos com diferentes níveis de


tensão. O sistema por unidade (pu) é um processo de cálculo normalizado que se usa para
faciltar a análise e a simulação de redes de energia e de máquinas eléctricas. Os valores pu
são uma percentagem dum valor base de uma grandeza eléctrica. Por exemplo, se uma tensão
num barramento é de 0,98 pu, isso significa que a tensão é 98 % do valor nominal, ou valor
base, desse troço da rede. Para além de outras vantajens, as equações são adimensionais e os
valores pu podem dar, imediatamente, uma indicação sobre se a grandeza tem um valor
aceitável ou não. Por exemplo, uma tensão de 1,1 pu pode indicar uma sobretensão
inaceitável no circuito.
Os valores pu são utilizados para quantificarem diferentes grandezas tais como, impedâncias,
tensões, correntes, potência e energia. A ideia central é expressar as várias variáveis como
uma fração dos valores escolhidos para os correspondentes valores base. Os valores base são
números reais. Fixado o valor base, a conversão para valores pu é feita do seguinte modo:

Valor actual
Valor pu = (3.48)
Valor base
Os valores base são escolhidos, ou são calculados em coerência com o conjunto dos valores
base já fixados para as restantes grandezas. Normalmente, fixam-se os valores da tensão e da
potência aparente como valores base. A partir destes valores, calculam-se os valores da
corrente e da impedância base. Constitui-se então um sistema de valores base coerente para
as grandezas em jogo nesse circuito.
Por exemplo, considerem-se como valores base a potencia Sb=100 kVA e a tensão Vb=400V;
os valores base da corrente e da impedância são, respectivamente,

Neste sistema de valores base, uma corrente de 125 A terá o valor de 0,5 pu e uma
impedância de 3,2 Ω terá o valor de 2 pu, por exemplo. Inversamente, uma corrente de 0,8 pu
tem o valor real de 200 A. Generalizando, o valor actual duma grandeza será dada por,

Valor actual = Valor pu × Valor base (3.49)


Nos transformadores, a utilização dos valores pu permite eliminar a razão de transformação
nos cálculos. Esta situação é ilustrada com o seguinte exemplo:

Exemplo 3.1 --------------------------------------------------------------------------------------------------------


Considere-se um transformador monofásico de 50 Hz com a potência aparente nominal de 10
MVA representado pelo circuito da Fig. 3.13, onde se desprezaram as perdas no ferro:

45
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Fig. 3.13: Transformador monofásico do exemplo 3.1.

Para o transformador da Fig. 3.13 fixa-se a potência base, Sb, e as tensões base do primário e
do secundário, respectivamente. Com base nestes valores, calculam-se os restantes valores
base.
Potência base Sb=10 MVA.

Primário (U1N): Secundário (U2):


U1b = 6 kV U 2b = 60 kV
Sb Sb
I1b = = 1666,7 A I 2b = = 166,7 A (3.50)
U1b U 2b

U1b 2 U 2b 2
Z1b = = 3,6 Ω Z 2b = = 360 Ω
Sb Sb

Tendo em conta (3.48) e (3.50), obtêm-se os seguintes valores pu:

U U 2N
U1 = 1N = 1 pu U2 = = 1 pu
U1b U 2b
R1 R2
= 4,17.10 − 3 pu = 0,56.10 − 3 pu
Z1b Z 2b (3.51)
X d1 Xd2
= 0,111 pu = 0,010 pu
Z1b Z 2b
Xm
= 41,67 pu
Z1b
Com base em (3.51), dado que os valores pu das tensões do primário e do secundário são
iguais a 1pu, o circuito da Fig. 3. 31 é equivalente ao da Fig. 3.14:

46
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Fig. 3.14: Circuito da Fig. 3.13 em valores pu.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Os valores das grandezas em jogo no transformador do exemplo 3.1 podem ser calculados
através dum circuito equivalente baseado na Fig. 3.9, em unidades SI, ou através do circuito
da Fig. 3.14, em valores pu. Estes métodos são exemplificados seguidamente.

Exemplo 3.2 --------------------------------------------------------------------------------------------------------


Considere-se o transformador monofásico do exemplo 3.1. Pretende-se calcular o valor
eficaz da sua tensão de curto-circuito: (a) em volt; (a) em valor por unidade (pu).

(a) Primeiramente, começaremos por obter o circuito equivalente da Fig. 3.10:

Fig. 3.15: Circuito equivalente do transformador reduzido ao primário no ensaio de curto-


circuito.

6 kV
n= = 0,1
60 kV

R2′ = R2 .n 2 , R2′ = 20.10 −3 Ω ; X d′ 2 = X d 2 .n 2 , X d′ 2 = 38.10 −3 Ω

Nos cálculos seguintes consideram-se os valores eficazes das tensões e correntes. No ensaio
de curto-circuito, a corrente no secundário reduzida ao primário é igual à corrente nominal do
r
primário: I 2′ N = 1666,7 A.
r
A tensão VM = I 2′ N (R2′ + jX d′ 2 ) =3,33+j62,5 V.

47
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

r
r VM
I1 = I 2′ N + = 1667,08 - j 0,022 A
j XM
r r r
U1 = I1 (R1 + j X d1 ) + VM = 28,35 + j 729,33 V

r
O valor eficaz da tensão de curto-circuito é U1cc = U1 = 729,88 V.

Note-se que a tensão de curto-circuito dos transformadores é normalmente expressa em


percentagem da tensão nominal do primário:

729,88
U1cc = = 12,2 %
6000

(b) Para obter a tensão de curto-circuito em valores pu, a sequência de cálculo pode ser a
mesma mas considerando agora o circuito da Fig. 3.14.

Em valores pu, a corrente nominal do secundário é: I 2cc = I 2 N = 1 pu.


r r
A tensão VM = I 2 N (R2 + jX d 2 ) = 5,56.10-4+j 0,01 pu.
r
r VM
I1 = 1 + = 1- j 1,33.10-5 pu
j XM
r r r
U1 = I1 (R1 + j X d1 ) + VM = 4,725.10-3+ j 0,122 pu

r
O valor eficaz da tensão de curto-circuito é U1cc = U1 = 0,122 pu.

A tensão de curto-circuito corresponde a 12,2%, tal como referido na (a).

Finalmente, usando (3.49) pode-se calcular os valores actuais de todas as grandezas em jogo.
Por exemplo, para calcular a tensão VM em unidades SI, medida do lado do primário, faz-se
r
VM = (5,56.10-4+j 0,01).6 kV = 3,33+j62,5 V

valor este que é igual ao valor calculado na (a).

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Considere-se a impedância do circuito da Fig. 3.11(b) expressa em valores por unidade e a


representação da Fig. 3.16. No ensaio de de curto-circuito, a corrente no primário é igual à
corrente nominal. Em valores pu, será I1cc = I1N = 1 pu. Tendo em conta que
U1cc = I1N . Z cc , em valores pu a impedância de curto-circuito é igual ao valor da tensão de
curto-circuito. Por exemplo, se a tensão de curto-circuito é 5%, então a impedância de curto-

48
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

circuito é também 5%. Quer isto dizer que á tensão nominal, a corrente de curto-circuito será
20 vezes maior que a corrente nominal.

Fig. 3.16: Impedância de curto-circuito.

A tensão de curto-circuito é um elemento fornecido pelos fabricantes de transformadores e o


seu conhecimento é importante para os cálculos de redes eléctricas. A tensão, ou a
impedância, de curto-circuito é um valor que é imposto por normas em função da potência e
das tensões nominais.

Considere-se o circuito equivalente da Fig. 3.10 que se reproduz na figura seguinte:

Fig. 3.17: Circuito equivalente simplificado reduzido ao primário.

O valor eficaz da tensão real na carga é dada por (3.39):

n
U 2 = 2 U 2′ (3.52)
n1
′ = U1 ; em carga,
Em vazio, do circuito da Fig. 3.17 resulta que a tensão no secundário é U 20
a tensão é U2′ = U1 − jI ′2 Z cc . A impedância longitudinal, ou impedância de curto-circuito, dá
origem a uma queda de tensão interna no transformador, motivo pelo qual e a tensão em
carga é menor que a tensão em vazio (com cargas resistivas ou de caracter indutivo).

Chama-se regulação de tensão (ou queda de tensão) do transformador à diferença entre os


valores eficazes da tensão em vazio, U20, e da tensão em carga, U2. Normalmente, a queda de
tensão do transformador é dada em valores percentuais da tensão em vazio:

49
Máquinas Eléctricas
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U 20 − U 2 U1 − U 2′
∆U = = (3.53)
U 20 U1

Chama-se característica externa (ou característica em carga) do transformador à função


U2= f ( I2) com cos Φ constante. Esta função está representada graficamente na Fig. 3.18.

Fig. 3.18: Característica externa.

O cálculo da regulação de tensão é simplificado quando se usam valores pu, o que


corresponde a usar (3.53) com os valores das tensões em vazio iguais aos valores das tensões
base.

Exemplo 3.3 --------------------------------------------------------------------------------------------------------


Considere-se o transformador monofásico do exemplo 3.1 alimentado à tensão nominal
U1=6kV. Pretende-se calcular a regulação de tensão quando I2=150 A e com uma carga com
factor de potência 0,866 indutivo.
O modelo da Fig. 3.14 pode ser simplificado para o circuito da Fig. 3.19.

Fig. 3.19: Circuito equivalente simplificado.

Para o cálculo de (3.53) é calcula-se a tensão em carga quando se alimenta o primário com a
tensão nominal U1=1 pu e estando a corrente de carga está atrasada de 30º em relação a U2.
Tendo em conta que a corrente base é I2b=166,7 A, e tomando como referencial a tensão U2,
a corrente no secundário em valores pu é:

50
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r
I 2 = 0,89 2 e − j30º pu

No diagrama vectorial da Fig. 3.20, representam-se a correntes e as tensões no circuito


equivalente:
r r r r r r
U1 = U 2 + j I2 Z cc = 1e jφ1 ∆U = I2 Z cc = U R + U X = 0,058 + j 0,093 pu.

OC = U 2
CA = ∆U . sin θ
AB = ∆U . cos θ

Fig. 3.20: Diagrama vectorial das tensões.

Da Fig. 3.20 conclui-se que


r
U1 = (∆U . cos θ + U 2 ) + j ∆U . sin θ

Desta equação resulta:

sen φ1 = ∆U . sin θ
cos φ1 = ∆U . cos θ + U 2

Substindo valores e resolvendo, obtém-se:

φ1 = 5,3º
U 2 = 0,94 pu

A regulação de tensão é 1-U2=0,06, ou seja 6%. Em unidades SI, a regulação (ou queda) de
tensão é 3,6 kV.

51
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3.7 Problemas

3.1 Calcular a regulação de tensão no mesmo transformador alimentado à tensão nominal


U1=6kV quando I2=1 pu e com uma carga com factor de potência 0,9 indutivo.

3.2 A figura 3.P1 representa o esquema equivalente dum transformador monofásico de 50


Hz. O valor eficaz da tensão no primário é U1=230 V e desprezam-se as perdas no ferro.
Calcule:

R1=0,8 Ω; R1=0,7 Ω;
Xd1=0,93 Ω; Xd2=0,65
Ω;
Xm=68 Ω
Fig. 3.P1
a) o valor instantâneo da tensão U2 com o transformador em vazio;
b) o valor eficaz de I2 com o secundário em curto-circuito se U1=23V;
c) o coeficiente de auto-indução da bobina do primário;
d) o coeficiente de auto-indução da bobina do secundário;
e) a relutância magnética do núcleo de ferro se n1=250 espiras.

3.3 O circuito da Fig. 3.P2 representa um transformador monofásico para a frequência de 50


Hz: R1 e R2 são as resistências das bobinas no primário e do secundário, respectivamente, e
X1d é a reactância de dispersão do primário; Xm é a reactância de magnetização; despreza-se a
dispersão magnética do secundário. As bobinas do primário e do secundário têm n1 e n2
espiras, respectivamente. Com o transformador em vazio, calcule:

n1=100; n2=60; R1=9 Ω; R2=5 Ω;


X1d=25 Ω; Xm=166 Ω; RFe=255 Ω;
Uef=230V

a) o valor eficaz da corrente no primário;


b) o valor eficaz da tensão no secundário,
UAB;
c) as perdas por no cobre;
d) as perdas no ferro. Fig. 3.P2

3.4 Considere o transformador monofásico representado pelo circuito da Fig. 3.P1. A


reactância de dispersão do secundário é X2d=13 Ω.

a) Desenhe o esquema equivalente do transformador reduzido à tensão do secundário.


b) Calcule o valor instantâneo das correntes no i1(t) e i2(t), quando o transformador está em
curto-circuito.

52
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c) O transformador alimenta uma carga cuja impedância, à tensão do secundário, é ZC =5+2j


Ω. Calcule a tensão nesta carga.
d) Desprezando as perdas no ferro, qual é o rendimento do transformador no caso da (c)?
e) Calcule a regulação de tensão no caso da (c).
f) Calcule as potências activas, reactiva e aparente postas em jogo no primário do
transformador.

3.5 Um transformador monofásico de 50 kVA, 240V: 2400V, 50 Hz, tem uma reactância de
magnetização, medida dos terminais de 240V, de 36 Ω. O enrolamento do primário, a 240 V,
tem uma reactância de dispersão de 28 mΩ e o de 2400V tem uma reactância de dispersão de
11 mΩ.
a) Se o valor eficaz da tensão no primário for 230V, qual é o valor eficaz da tensão no
secundário com o transformador em vazio?
b) O transformador é colocado em curto-circuito. Qual é a tensão que deve ser aplicada ao
primário para que a corrente no secundário seja a corrente nominal?
c) Apresente os valores das alíneas anteriores em valores pu.
d) Obtenha o circuito eléctrico equivalente do transformador em valores por unidade.

3.6 Os ensaios dum transformador monofásico de 2 kVA, 240V:110V, 50 Hz, deram os


seguintes resultados:

U1 [V] I1 [A] P1 [W]


Em vazio 240 0,95 35
Em curto-circuito 8 8,0 30

O transformador alimenta a carga nominal com o factor de potência 0,9 indutivo. Calcule:
a) o rendimento do transformador quando alimenta a carga nominal com o factor de
potência 0,9 indutivo.
b) a regulação de tensão. Apresente os resultados em unidades SI e em valores pu.

53
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CAPÍTULO 4.
SISTEMAS TRIFÁSICOS

4.1 Tensões e correntes

Neste capítulo faz-se uma breve revisão sobre os sistemas trifásicos, uma vez que são os
sistemas normalmente adoptados para a produção e distribuição de energia eléctrica. Um
sistema trifásico de tensões pode ser criado por uma máquina eléctrica rotativa em cujo rotor
são instaladas três bobinas independentes cujos planos formam entre si ângulos de 120º; o
r
rotor gira no seio de um campo magnético uniforme caracterizado pelo campo de indução B .
Esta situação é representada na Fig. 4.1, com apenas uma espira, para facilidade de
representação.

ω
1

2' 3'

B B
3 2

1'

Fig. 4.1: Máquina eléctrica trifásica.

De acordo com a lei geral de indução, aos terminais de cada uma das três bobinas de n
espiras aparecerá uma f.e.m. induzida que é dada por,

e = −n (4.1)
dt
Atendendo à geometria do sistema representada na Fig. 4.2(a), sendo S a área definida por
uma espira, o fluxo abrangido por uma espira no movimento de rotação é,
φ = B.S . cos α (4.2)
onde α=ωt.
Considerando como referencial a posição da espira 1, tendo em conta (4.1) e (4.2), a f.e.m.
induzida nesta espira é
e1 = B.S .ω.sen α (4.3)
O diagrama temporal de (4.3) está representado na Fig. 4.2(b) com a amplitude E=BSω.

54
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ω 1

α α
B S

1'
(a) (b)
Fig. 4.2: Sistema de uma espira; (a) variação do fluxo devido ao movimento;
(b) f.e.m. induzida.

A f.e.m. induzida e1 tem o seu máximo quando o plano da espira está paralelo às linhas de
força do campo magnético, isto é, quando o fluxo que a atravessa é mínimo. Admitindo que
as três espiras são rigorosamente iguais, as três f.e.m. induzidas nos seus terminais têm a
mesma forma mas estão desfasadas de 120º:

e2 = B. S . ω. sen (α − ) (4.4)
3

e3 = B. S . ω. sen ( α + ) (4.5)
3
As formas de onda de e1, e2 e e3 estão representadas na Fig. 4.3(a); a Fig. 4.3(b) representa
vectorialmente as três f.e.m. induzidas através das respectivas amplitudes complexas. As
amplitudes complexas das três fem por espira são:

2π 2π
r r −j r j
E1 = Ee j 0 E 2 = Ee 3 E3 = Ee 3 (4.6)

E1

120º

120º
E3 E2
(a) (b)
Fig. 4.3: Fem induzidas; (a) diagrama temporal; (b) diagrama vectorial.

55
Máquinas Eléctricas
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A amplitude das fem induzidas nas três bobinas, com n espiras cada, é E = n B S ω.
Cada um dos três enrolamentos do alternador (são designados por fases) poderá alimentar um
circuito monofásico independente, como se representa na Fig. 4.4. As tensões nas cargas, u1,
u2 e u3, formam um sistema trifásico de tensões que pode ser representado por um diagrama
vectorial igual ao da Fig. 4.3(b).

1 I1

U1 Z1
1'

3' 2'
U2 Z2
I2 Z3
3 2 U3

I3
Fig. 4.4: Três circuitos monofásicos independentes.

O esquema da Fig. 4.1 descreve o princípio de funcionamento de um alternador trifásico que


será estudado mais adiante. O alternador dispõe de três fases independentes e, se cada uma
delas alimentar uma carga própria, o sistema completo será constituído pelos três circuitos
eléctricos distintos esquematizados na Fig. 4.4. Esta repartição da potência eléctrica total
pelos três circuitos permite utilizar condutores de menor secção e melhorar as características
construtivas do alternador. No entanto, a distribuição representada na Fig. 4.4 não é
interessante porque seria necessário utilizar seis condutores para alimentar a totalidade das
cargas.
Obtém-se um sistema mais simples se os terminais 1', 2' e 3' forem ligados entre si, formando
um condutor comum às três fases, como se representa na Fig. 4.5; neste caso, o sistema
trifásico necessita de quatro condutores apenas, com a vantagem de existir um nó comum em
relação ao qual são medidas as três tensões. Os nós O e O' são os pontos neutros do
alternador e da carga, respectivamente, e o condutor OO' é designado por condutor do
neutro. O sistema da Fig. 4.5 é o circuito básico de uma distribuição trifásica com três
tensões sinusoidais de igual amplitude produzidas pela mesma máquina e desfasadas entre si
de 120º; estas tensões têm a mesma frequência e têm valores eficazes iguais.
Num sistema de quatro condutores as tensões podem ser medidas dos dois modos
representados na Fig. 3.6: as tensões entre fase e neutro são designadas por tensões simples;
as tensões entre as fases são designadas por tensões compostas. As amplitudes complexas das
três tensões compostas são também representadas por três vectores com o mesmo
comprimento e desfasados entre si de 120º. Da Fig. 4.6(a) resulta:

56
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r r r r r r r r r
U12 = U1 − U 2 U 23 = U 2 − U 3 U 31 = U 3 − U1 (4.7)

1 I1

U1 Z1
1' iO O'
O
3' 2'
U2 Z2
I2 Z3
3 2 U3

I3
Fig. 4.5: Sistema trifásico com condutor de neutro.

A relação entre as amplitudes (ou entre os valores eficazes) das tensões simples e das tensões
compostas pode ser determinada a partir da Fig. 4.6(b) da seguinte forma:

U12
= U1 cos 30º U1 30º
2
U12
60º
do que resulta

U 12 = 3 U 1 U2

Generalizando, a relação entre as amplitudes (ou os valores eficazes) das tensões simples e
compostas é dada por

Uc = 3 U s (4.8)

Este é o motivo pelo qual a tensão entre duas fases (tensão composta) da rede industrial em
Portugal é Uc=400 V e a tensão entre fase e o neutro (tensão simples) é Us=230 V.

57
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1 U12
U12
U31 U1
2
U23
30º
3
120º
U1 U2 U3 U23
0 120º
U3 U2

U31
a) b)
Fig. 4.6: Tensões trifásicas; (a) esquema; (b) diagrama vectorial.

Além da ligação em estrela representada na Fig. 4.5, também se utiliza a ligação em


triângulo que está representada na Fig. 4.7. Neste caso, não existe um ponto comum entre as
três fases, i. e., não existe um ponto neutro, e a tensão em cada enrolamento do alternador é a
tensão composta. Note-se que, na Fig. 4.7, as cargas Z continuam ligadas em estrela mas
podem, em alternativa, ser ligadas em triângulo.

i1

1
i31 U1 Z1
U12

i12
3 U2 Z2 U
2 i2 3 Z3
i 23

Fig. 4.7: Alternador com ligação em triângulo.

Aplicando a lei dos nós aos terminais do alternador verifica-se,


r r r r r r r r r
I1 = I 31 − I12 I 2 = I12 − I 23 I 3 = I 23 − I 31 (4.9)

58
Máquinas Eléctricas
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Na Fig. 4.7 considerou-se que as três bobinas do alternador estão ligadas em triângulo e que
as três impedâncias de carga Z estão ligadas em estrela. Designam-se por correntes nas
r r r
linhas as correntes eléctricas I1 I 2 e I3 nos condutores que alimentam o conjunto das
cargas ou que interligam os diferentes sistemas eléctricos. Na associação em estrela, as
correntes nas fases coincidem com as correntes nas linhas. Numa associação em triângulo as
r r r
correntes nas fases I12 I 23 e I31 são diferentes das correntes nas linhas, de acordo com
(4.9).
Num sistema de cargas equilibradas as impedâncias de cada fase são iguais. Representando
r
por Z = Z e jφ as impedâncias das cargas do circuito da Fig. 4.7, as correntes nas linhas são
obtidas do seguinte modo:

r
r U12 U12
I12 = r = ∠−φ
Z Z
r
r U 23 U 23 2π
I 23 = r = ∠− −φ
Z Z 3
r
r U 31 U 31 4π
I 31 = r = ∠− −φ (4.10)
Z Z 3

Da Fig. 4.8, conclui-se que as correntes nas linhas (i1, i2 e i3) são diferentes das
intensidades nas fases e que constituem também uma estrela desfasada de 30º da estrela das
correntes nas fases (i12, i23 e i31).
Com os sentidos adoptados na Fig. 4.7 para as correntes no alternador, no diagrama
vectorial da Fig. 4.8, as correntes nas linhas ocupam as posições das tensões compostas
enquanto que as correntes nas fases ocupam as posições das tensões simples (as correntes
nas linhas estão em avanço das correntes nas fases). Com base nesta semelhança, os cálculos
que foram feitos para as tensões permitem concluir que as amplitudes (ou os valores
eficazes) das correntes nas linhas são 3 vezes maiores que os correspondentes valores das
correntes nas fases.

Il = 3 I f (4.11)

onde Il representa a amplitude (ou o valor eficaz) das correntes nas linhas e If representa a
amplitude (ou o valor eficaz) das correntes nas fases.
Por exemplo, com o alternador ligado em triângulo as correntes nos enrolamentos são 3
vezes menores que as intensidades nos cabos de interligação (linhas) e nas cargas Z.
Note-se que a soma de três vectores de igual comprimento e desfasados de 120º é zero.
Assim, num sistema de cargas equilibradas (estrela simétrica) a soma das correntes nas
linhas ou nas fases é nula, pelo que numa ligação em estrela o condutor neutro não é
percorrido por qualquer corrente eléctrica.

r r r r
I O = I1 + I 2 + I 3 = 0 (4.12)

59
Máquinas Eléctricas
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U 12

I 12
I 12

I1
U 23 I2

I 31 I 23
I31 I 23
U 31 I3

Fig. 4.8: Diagramas vectoriais das correntes nas linhas e nas fases.

As ligações em estrela e em triângulo permitem obter tensões diferentes, na mesma máquina,


na relação de 1 para 3. Todavia, é necessário que os enrolamentos dos alternadores (e as
impedâncias de carga) possam suportar a tensão composta sem danos.
Quando os enrolamentos do alternador (ou as cargas) estão ligados em triângulo, não existe
ponto neutro e não é possível definir-se as tensões simples. No caso da Fig. 4.7, se as cargas
forem iguais (carga trifásica equilibrada) as tensões entre as linhas e o ponto neutro são as
tensões simples. Quando a carga não é equilibrada, as correntes nas linhas podem ser maiores
ou menores do que as correntes nas fases.
Também se podem estabelecer relações importante entre uma carga em estrela e uma carga
em triângulo. Primeiro, recorde-se que dois circuitos de carga são equivalentes quando as
r
correntes que eles pedem são iguais. Considerem-se as três impedâncias Z T ligadas em
r
triângulo e três impedâncias Z E ligadas em estrela tal como se representa na Fig. 4.9.
Pretende-se determinar a relação entre estas impedâncias de tal forma que as correntes nas
linhas sejam iguais, quando são alimentadas pelo mesmo sistema de tensões.

Na Fig. 4.9 é
r r r
r Us r Uc Us
ZE = r ZT = r = 3 r (4.13)
Il If Il

De (4.13) conclui-se que as cargas são equivalentes se


r r
ZT = 3 Z E (4.14)

Quer dizer, as cargas são equivalentes se as impedâncias em triângulo forem o triplo das
impedâncias em estrela. Assim, ao comutar uma ligação de estrela para triângulo, a
impedância é reduzida para um terço e, consequentemente, as correntes nas linhas triplicam.

60
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

2
Uc Us
3

N
il il
if
ZE ZE ZE ZT
ZT
ZT

Fig. 4.9: Sistemas de cargas em estrela e em triângulo.

No caso geral, as mesmas impedâncias não podem ser indiscriminadamente ligadas em


estrela ou em triângulo, a menos que possam suportar tensões e intensidades 3 vezes
maiores do que se estivessem ligadas em estrela; deve-se também ter em conta que os
condutores de interligação devem estar dimensionados para permitirem aumentos de
correntes para o triplo.

4.2 Potência trifásica

A potência instantânea total do sistema trifásico, p∆ , será dada pela soma das potências
instantâneas de cada uma das fases:

p ∆ = u1i1 + u 2 i2 + u3i3 (4.15)

r
A tensão e a corrente numa das fases, por exemplo a fase 1, com a carga Z = Z e jφ , são
respectivamente dadas por

u1 = 2 U ef cos(ωt ) (4.16)
i1 = 2 I ef cos( ωt − φ) (4.17)

e a potência instantânea posta em jogo nesta fase é

p1 = u1i1 = U ef I ef (cos φ + cos( 2ωt − φ) ) (4.18)

A potência activa é o valor médio num período da potência instantânea. Em (4.18) o valor
médio num período da parcela oscilatória é nulo e a potência activa é
P1 = U ef I ef cosφ (4.19)

61
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

A potência activa total do sistema trifásico é a soma das potências activas de cada uma das
fases:

Pt = P1 + P2 + P3 (4.20)
No caso de um sistema de tensões sinusoidais em estrela simétrica, e com cargas
equilibradas, a potência activa trifásica será o triplo da potência activa monofásica:

Pt = 3U s I l cos φ = 3U c I l cos φ (4.21)

em que Us representa o valor eficaz da tensão simples e Uc o da tensão composta; Il é o


valor eficaz da corrente na linha e cos φ é o factor de potência.
De acordo com (4.21) as potências totais reactiva, Qt, e aparente, St, são, respectivamente,

Qt = 3U s I l senφ = 3U c I l senφ
(4.22)
S t = 3U s I l = 3U c I l

A potência posta em jogo numa carga ligada em triângulo é tripla da potência posta em jogo
se a carga estiver ligada em estrela, o que se deduz a partir de (4.21).
Recorde-se que as unidades das potências activa, reactiva e aparente são W, VAr (Volt-
Ampére reactivo) e VA, respectivamente. Industrialmente, a potência dos alternadores e, em
geral, das instalações é dada em KVA, uma vez que o factor de potência é imposto pela
carga, podendo esta ser muito variável.

4.3 Grandezas não sinusoidais

Devido às características construtivas dos alternadores (existência de cavas e dentes no ferro,


por exemplo), as tensões impostas à rede podem não ser sinusoidais puras; por outro lado,
cargas fortemente não lineares como, por exemplo, os rectificadores e outros conversores
electrónicos, distorcem as tensões e corrente. Nestes casos, as tensões e/ou correntes são
periódicas mas contêm harmónicas de frequência superior à primeira (50 Hz, normalmente),
e os valores eficazes e as potências activa e reactiva diferem dos que temos vindo a
considerar.
Considere-se um sistema trifásico de tensões alternadas não sinusoidais. As tensões de cada
uma das fases podem ser desenvolvidas em série de Fourier. Admitindo que o valor médio
das tensões é nulo e que só existem os termos de ordem ímpar, n=1, 3, 5,..., o
desenvolvimento em série de Fourier das tensões pode ser escrito na forma,

u1 = u (t ) = ∑ U n sen(nωt ) (4.23a)
n

62
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T 2π
u 2 = u (t −
3
)= ∑ U n sen (nωt − n 3
) (4.23b)
n
2T 4π
u 3 = u (t −
3
)= ∑ U n sen (nωt − n 3
) (4.23c)
n
com ω=2π/T.

Para cada fase, as desfasagens das harmónicas de ordem n em relação à primeira são as
n n
seguintes: na fase 1é zero, na fase 2 é −2 π e na fase 3 é −4 π .
3 3
De seguida, veremos de que modo o comportamento do sistema depende de n/3. Considere-
se que n=3q+r, em que q é o cociente e r é o resto da divisão de n por 3:

n = 3q + r r = 0, 1, 2. q = 0, 1, 2 , 3,....

Quando r=0, n é múltiplo de 3 e, porque q é um inteiro positivo, as harmónicas de ordem n


das três tensões estão em fase, têm a mesma amplitude e u1n+u2n+u3n= u1n≠0. Neste caso, as
harmónicas de ordem n não formam um sistema trifásico e designa-se por sistema
homopolar.

Quando r=1, as harmónicas de ordem n das três tensões têm as seguintes desfasagens: na fase
 2π   4π 
1é zero, na fase 2 é − q 2π +  e na fase 3 é − q 4π +  . Neste caso, porque as
 3  3
harmónicas têm a mesma amplitude, verifica-se que u1n+u2n+u3n=0. As harmónicas de
ordem n formam um sistema trifásico com a sequência de fases igual à do sistema principal
(1-2-3), tal como se representou na Fig. 4.6) e, por isso, diz-se que o sistema é directo.

Quando r=2, as harmónicas de ordem n das três tensões têm as seguintes desfasagens: na fase
 4π   8π 
1é zero, na fase 2 é − q 2π +  e na fase 3 é − q 4π +  . Também neste caso
 3  3
verifica-se que existe uma desfasagem de 120º entre as tensões e u1n+u2n+u3n=0; no entanto,
a sequência de fases das harmónicas de ordem n é inversa da do sistema principal (1-3-2),
constituindo o que se designa por sistema inverso.
Os sistemas directos e inversos são sistemas trifásicos ao passo que o sistema homopolar não
é e faz com que os sistemas não sinusoidais tenham características diferentes dos sistemas
puramente sinusoidais. Repare-se que o valor eficaz da tensão simples não sinusoidal é dado
por

U sef = U12ef + U 32ef + U 52ef + U 72ef + ..... (4.24)

63
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As tensões compostas são obtidas através de (4.7):


r r r r r r r r r
U12 = U1 − U 2 U 23 = U 2 − U 3 U 31 = U 3 − U1 (4.25)

Dado que as harmónicas múltiplas de 3 estão todas em fase, ao se efectuarem as subtracções


de (4.25), elas anulam-se e deixam de fazer parte das tensões compostas. Assim, o valor
eficaz das tensões compostas não sinusoidais é

U cef = U 12ef + 0 + U 52ef + U 72ef + 0 + ..... (4.26)

Neste caso, para o sistema homopolar, verifica-se U cef < 3U sef .

Nos enrolamentos em triângulo de um alternador, se as tensões compostas são sinusóides


perfeitas e formam uma estrela simétrica, a soma das três tensões é nula. No caso de
existirem harmónicas de ordem múltipla de 3 (existe um sistema homopolar), a soma das três
tensões não é nula porque as componentes homopolares estão em fase. Quer isto dizer que os
enrolamentos do estator vão ser percorridos por correntes, mesmo que esteja em vazio, que
poderão ser suficientemente elevadas para provocarem um sobre aquecimento destrutivo.

Num sistema trifásico simétrico com carga equilibrada, como o da Fig. 24.5, desde que não
existam harmónicas de ordem múltipla de 3, de acordo com (4.12), a corrente no condutor de
neutro é nula. Se existirem harmónicas de ordem múltipla de 3, a corrente no neutro não é
nula:

iO = 3i3ω + 3i9ω + ... ≠ 0 (4.27)

Se o sistema da Fig. 4.5 for um sistema sinusoidal simétrico com carga equilibrada, a
corrente no neutro é nula e os pontos neutros O e O' estão ao mesmo potencial, mesmo que
se retire o condutor neutro. No caso de existirem tensões no alternador com harmónicas
múltiplas de 3, ao ser desligado o condutor de neutro as correntes nas linhas, e nas fases, não
têm componentes homopolares porque, como estas estariam em fase, o somatório das
correntes no nó O' não seria nulo, violando a lei dos nós. Todavia, devido às harmónicas
múltiplas de 3 nas tensões do lado do gerador, a tensão entre o nós O e O' deixa de ser zero.
Por este motivos, os regulamentos impõem limites máximos admissíveis para o valor das
harmónicas de ordem 3 (e seus múltiplos) nos alternadores e tornam obrigatória a instalação
de relés de tensão homopolar que limitem o valor máximo da tensão entre o ponto neutro e a
terra quando se utilizam sistemas trifásicos sem condutor de neutro.

64
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4.4 Problemas

4.1 Considere o sistema trifásico equilibrado da Fig. 4.P1. A tensão da rede é 220V/380V
com a frequência de 50 Hz. As impedâncias de carga são resistivas puras e Z1=Z2=Z3=10Ω.

Fig. 4.P1
Com os dois interruptores fechados, determine:
a) As intensidades das correntes nas linhas e nas fases;
b) A intensidade da corrente no condutor neutro;
c) A potência activa total posta em jogo na carga.

4.2 Repita o problema 4.1 considerando que o interruptor S1 da Fig. 4.P1 está aberto.

4.3 Repita o problema 1 considerando que os interruptores S1 e S2 estão abertos. Comente os


resultados dos três problemas.

4.4 Considere o circuito da Fig. 4.P1 com os dois interruptores fechados. As impedâncias de
carga são agora: Z1=R= 10 Ω ; Z2 = j10 Ω ; Z3 = -j10 Ω. Nestas condições, determine:
a) As intensidades das correntes nas linhas e nas fases;
b) A intensidade da corrente no condutor neutro;
c) A potência activa total posta em jogo na carga;
d) O valor da resistência R para que a corrente no condutor neutro seja nula.

4.5 Considere o circuito trifásico a três fios da Fig. 4.P2 alimentado pela tensão da rede de
200V/380V, com a frequência de 50 Hz. As impedâncias de carga são resistivas puras e
Z1=Z2=Z3=10Ω. Nestas condições determine:
a) As intensidades de corrente nas linhas e nas fases;
b) A potência activa total posta em jogo no circuito.

65
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Fig. 4.P2

4.6 O circuito da Fig. 4.P2 representa um motor de indução de rotor em curto-circuito com a
potência nominal de 5,5 kW alimentado pela rede eléctrica de BT, 380V, 50Hz. O factor de
potência a plena carga é 0,87 e o rendimento nesta situação é 90%. Com estes dados,
determine:
a) A intensidade da corrente eléctrica no cabo de alimentação do motor;
b) A intensidade da corrente em cada uma das fases do motor.

4.7 O motor do problema anterior é ligado ao quadro eléctrico por um cabo tripolar com
150m de comprimento e cujos condutores são em cobre e têm uma secção igual a 4mm2. A
corrente de arranque directo é 6,3IN. Com estes dados determine:
a) A queda de tensão no cabo quando o motor funciona a plena carga;
b) A tensão composta no motor, no instante em que se efectua o arranque directo;
c) Repita a b) mas com o arranque em estrêla-triângulo.

4.8 Um quadro eléctrico de uma instalação industrial, alimentada pela rede de 230V/400V,
50 Hz, alimenta os seguintes circuitos trifásicos:

Descrição Potência [kW] cos φ (indutivo)


1. Iluminação 3,2 0.97
2. Tomadas uso geral 6,6 0.90
3. Força motriz 18 0.86

a) Determine a corrente total na entrada deste quadro;


b) Determine as potências activa, reactiva e aparente totais.

4.9 No circuito da Fig. 4.P3 a impedância linear RL é percorrida por uma corrente não
sinusoidal com as harmónicas i1, i2 e i3. Calcule:

66
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a) o valor eficaz da tensão na resistência R;


b) o valor eficaz da tensão na bobina L;
c) o valor eficaz da tensão entre A e B;
d) a potência activa posta em jogo na carga RL;
e) a potência dissipada em R.

i 1 = 10 2 cos(ωt ) A
i 3 = 8 2 cos(3ωt ) A
i 5 = 2 2 cos(5ωt ) A

Fig. 4.P3

4.10 Considere o circuito da Fig. 4.P10 em que as três fontes de corrente i1, i2 e i3
representam uma carga não linear em série com a resistência R. Calcule:
a) o valor eficaz da tensão na resistência R;
b) a potência dissipada em R;
c) a potência aparente posta em jogo pela fonte de tensão;
d) a potência activa posta em jogo pela fonte de tensão;
e) os valores instantêneo e eficaz da tensão nas fontes de corrente.
f) a potência activa posta em jogo pelas fontes de corrente;
g) a distorção harmónica total da corrente na resistência R.

v1 = 100 2 cos(ωt ) V , f = 5 0 Hz.

i1 = 10 2 cos(ωt ) A i3 = 8 2 cos(3ωt ) A i5 = 2 2 cos(5ωt ) A

Fig. 4.P4

67
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CAPÍTULO 5.
CONVERSÃO ELECTROMECÂNICA DE ENERGIA

5.1 Campo magnético girante

No capítulo 2 referiu-se que o campo magnético é criado por correntes eléctricas e é


r
quantificado fisicamente pelas duas grandezas vectoriais: o campo de indução magnética, B ,
r
e o campo de excitação magnética, H . Refere-se seguidamente o campo magnético criado
por correntes sinusoidais.
Comecemos por considerar a Fig. 5.1 que representa uma espira de raio R percorrida por uma
corrente eléctrica contínua com intensidade I.

Fig. 5.1: Campo magnético numa espira.

r
A lei de Biot-Savart estabelece que o campo de indução, dB , criado por um elemento de
r
corrente I d L no ponto P sobre o eixo da espira é dado por
r
r µ 0 d L × rr
dB = I (5.28)
4π r2
r
As componentes de (5.1) segundo y, dB y , criadas por elementos de corrente diametralmente
opostos anulam-se e a componente segundo x é
µ dl R
dB x = dB sen α = 0 I ⋅ (5.29)
4π r 2 r
Integrando (5.2) para toda a espira, obtém-se o campo total segundo x no ponto P:
µ R µ R2

B x = dB x = 0 I
4π r 3 ∫
dl = 0 I
2 r3
(5.30)
l l

68
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O campo no centro da espira, ponto O, obtém-se de (5.3) tendo em conta que r = R :


µ
BO = 0 I (5.31)
2R

A equação (5.4) estabelece que o campo no centro da espira de raio R é proporcional à


intensidade da corrente eléctrica que a percorre, tem a direcção perpendicular ao plano da
espira e tem o sentido dado pela regra do saca-rolhas.
Para uma corrente alternada sinusoidal i (t ) = I cos(ω t ) , o campo magnético em O tem uma
intensidade segundo x que é dada por
µ
BO (t ) = 0 I cos(ω t ) (5.32)
2R
Considerem-se agora as duas espiras de igual raio situadas em planos perpendiculares que se
representam na Fig. 5.2: a espira 1 é percorrida pela corrente i1 (t ) = I cos(ω t ) e a espira 2 é
π
percorrida pela corrente i2 (t ) = I cos(ω t − ) = I sen (ω t ) , ou seja, i1 e i2 têm iguais
2
amplitudes, têm a mesma frequência mas estão desfasadas de 90º.

Fig. 5.2: Campo magnético em duas espiras perpendiculares.

As correntes em quadratura dão origem a dois campos de indução magnética


perpendiculares aos planos das bobinas cujas intensidades, B1 e B2, admitindo que o meio é
linear, são, respectivamente,

B1 = Bm cos(ω t )
(5.33)
B2 = Bm sen (ω t )
r r r
Em cada instante, o campo resultante é B r = B1 + B 2 . Tendo em conta (5.4) e (5.6), a
intensidade do campo resultante é Br = Bm ; a direcção e o sentido do campo resultante é tal
r
que o afixo do vector B r roda sobre uma circunferência de raio Bm. Trata-se então de um

69
Máquinas Eléctricas
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campo magnético que roda com velocidade angular ω, constituindo o que se designa por
campo magnético girante. O campo girante é criado por duas correntes desfasadas de 90º e
por duas espiras situadas em planos perpendiculares. O campo resultante será n vezes mais
intenso se, em vez de uma espira, forem usadas bobinas de n espiras. Cada uma das bobinas é
designada por fase e o campo girante que se descreveu é criado por um sistema bifásico.
O princípio da criação de campos magnéticos girantes foi apresentado em 1882 por Nikola
Tesla que propôs então a sua utilização para a construção de máquinas eléctricas polifásicas.
Para explicar o princípio, considerem-se as duas bobinas da Fig. 5.2 no centro das quais se
coloca um íman permanente, pouco pesado, que pode rodar em torno do seu eixo, tal como se
representa na Fig. 5.3.

Fig. 5.3: Rotação do íman no campo magnético girante.

Se a frequência das correntes não for muito elevada, o íman será arrastado pelo campo
girante criado pelas duas correntes eléctricas e rodará com uma velocidade angular igual à da
pulsação das correntes (frequência eléctrica ω) – o íman rodará em sincronismo com o
campo girante. A Fig. 5.3 esquematiza o princípio de funcionamento de um motor eléctrico
rotativo, síncrono e, neste caso, bifásico.
Para o estudo das máquinas eléctricas estaremos particularmente interessados nos campos
magnéticos criados por duas ou mais bobinas percorridas por correntes sinusoidais
desfasadas entre si. Em particular, estaremos interessados num sistema trifásico de bobinas e
correntes.
Admita-se o sistema representado na Fig. 5.4 que é constituído por três bobinas iguais cujos
eixos formam ângulos de 120º (para simplificar o desenho, representa-se apenas uma espira
década bobina). As bobinas são percorridas por um sistema de correntes trifásicas simétricas
dando origem a um campo magnético girante.

70
Máquinas Eléctricas
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Fig. 5.4: Sistema de bobinas trifásico.

Sejam as correntes trifásicas nos enrolamentos do estator dadas por

i1 = I cos(ωt )

i2 = I cos(ωt − ) (5.34)
3

i3 = I cos(ωt − )
3
De acordo com (5.4) e (5.5), as correntes dão origem a três campos de indução magnética
perpendiculares aos planos das respectivas bobinas e cujas intensidades são, admitindo que
o meio é linear, respectivamente,

B1 = Bm cos(ωt )

B2 = Bm cos(ωt − ) (5.35)
3

B3 = Bm cos(ωt − )
3

As direcções dos campos com as intensidades (5.8) positivas estão genericamente


representadas na Fig. 5.5 onde, para simplificar, se representa cada bobina com apenas uma
espira. Com os sentidos indicados na figura para as correntes, os planos das espiras fazem
r r r
ângulos de 120º entre si e os vectores B1, B 2 e B 3 estão também desfasados de 120º entre
r r r r
si. Em cada instante, o campo resultante é B r = B1 + B 2 + B 3 . Esta soma não é nula porque,
apesar da desfasagem de 120º, as intensidades variam com o tempo de acordo com (5.8).

Para exemplificar, analisaremos o que se passa no instante t=π/2ω. De (5.8) resulta: B1=0,
B2=Bm cos (70º) e B3= - Bm cos (70º); com as os sentidos das correntes da Fig. 5.5, o campo
r r r r r
de indução resultante é B r = B 2 + B 3 . Porque as componentes de B 2 e B 3 segundo o eixo x
se anulam, Fig. 5.6, a intensidade do campo resultante é

Br = 2 Bm cos( 30º ) cos( 30º ) = 1, 5 Bm (5.36)

71
Máquinas Eléctricas
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Fig. 5.5: Os campos magnéticos das três fases.

Será fácil de demonstrar que, qualquer que seja o instante de tempo considerado, obtém-se
r
sempre Br= 1,5 Bm. O campo resultante B r tem intensidade constante, e vai rodando
continuamente com velocidade angular ω, no sentido da bobina 1 para a bobina 2.

B3

120º
120º x
B1=0
60º 60º
B3
B2

Br

Fig. 5.6: Reacção do induzido para t=π/2ω.

O campo magnético criado pelas correntes trifásicas é um campo girante com amplitude
constante e velocidade angular ω. Este campo girante e está na origem do princípio de
funcionamento das máquinas eléctricas rotativas de corrente alternada sinusoidal, síncronas e
assíncronas, que são abordadas nos capítulos seguintes.

72
Máquinas Eléctricas
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5.2 Conversores electromecânicos

Um conversor electromecânico de energia converte energia eléctrica em energia mecânica,


ou vice-versa. Usualmente, utiliza o campo magnético como meio intermédio. A Fig. 5.7
representa um conversor deste tipo:

Fig. 5.7: Conversor electromecânico de energia.

As designações da Fig. 5.7 são:

Pe – potência eléctrica u – tensão eléctrica


Ppe – potência de perdas eléctricas e – fem induzida pelo movimento no interior
Ppm – potência de perdas mecânicas do campo magnético
Pm- potência mecânica i – corrente eléctrica
Wmag – energia magnética
Wm – energia mecânica por inércia

Movimento de translação (ou linear): Movimento rotativo:


fe – força criada pela corrente eléctrica Te – binário criado pela corrente eléctrica
fm – força (mecânica) Tm – binário mecânico
v - velocidade linear ω - velocidade angular

Para cada um dos dois tipos de movimento são válidas as seguintes equações:

e i = v fe e i = ωTe
dWmag dWmag
fe = − Te = − (5.37)
dx dθ
x=vt θ = ωt

Para um sistema rotativo, com os sentidos da Fig. 5.7, o equilíbrio de potências conduz a

73
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dWm dWmag
Pe + Pm = + + Ppe + Ppm (5.38)
dt dt

A Fig. 5.9 representa um sistema rotativo electromecânico constituído por uma bobina fixa
com N1 espiras e de uma bobina móvel com N2 espiras, ambas percorridas por correntes
eléctricas. As bobinas são enroladas em torno de material ferromagnético.

Fig. 5.8: Sistema rotativo electromecânico.

A bobina fixa constitui o estator da máquina eléctrica e a bobina móvel pode rodar em torno
do seu eixo e constitui o rotor da máquina. A zona da Fig. 5.8 colorida a amarelo, é a
separação entre os pólos magnéticos das duas bobinas e designa-se por entreferro.

Com as notações do capítulo 2 e de acordo com (2.35), os fluxos totais associados às bobinas
da Fig. 5.8 são, respectivamente,

ψ1 = ψ11 ± ψ 21 = L11 i1 ± L21 i2


(5.39)
ψ 2 = ψ 22 ± ψ12 = L22 i2 ± L12 i1

De acordo com (2.40), a energia magnética total das duas bobinas é

1 1
Wm = L11 i12 + L22 i2 2 ± M i1 i2 (5.40)
2 2

A relutância magnética do entreferro varia durante a rotação, sendo mínima quando as duas
bobinas estão alinhadas. O acoplamento magnético entre as duas bobinas é máximo quando
as bobinas estão alinhadas e é nulo quando as bobinas estão perpendiculares.
Consequentemente, de acordo com (2.42), os coeficientes de indução variam com a posição
angular θ. Esta dependência pode ser expressa do seguinte modo:

74
Máquinas Eléctricas
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L11 = L10 + L1 cos 2θ


L22 = L20 + L2 cos 2θ (5.41)
M = M 0 cos θ

De acordo com (5.14), os coeficientes de auto-indução variam periodicamente com θ e têm


duas componentes: uma constante, que é o seu valor médio numa rotação, e outra oscilatória
em função de cos(2θ). Porque o entreferro varia com a posição do rotor, o coeficiente de
indução mútua, M, varia com cos(θ), é alternadamente positivo e negativo, e o seu valor
médio numa rotação é nulo.

Substituindo (5.13) em (5.10) obtém-se

1 d L11 2 1 d L22 2 d M
- Te = i1 + i2 + i1 i2 (5.42)
2 dθ 2 dθ dθ

Tendo em conta (5.14), de (5.15) resulta:

Te = L1 i12 sen (2θ) + L2 i2 2 sen (2θ) + 2 i1 i2 sen (θ) (5.43)

De acordo com (5.10) e (5.15), o binário electromagnético é criado à custa da variação da


energia magnética armazenada nos campos magnéticos criados pelas duas bobinas. O binário
depende das correntes eléctricas e da posição angular do rotor. (5.16) O binário actua no
sentido de alinhar o rotor com o estator; se é positivo, θ aumenta; se é negativo, θ diminui.

Num sistema mecânico rotativo, o binário mecânico que o actua é composto pelas três
parcelas de (5.17), na qual J é o momento de inércia (a unidade no SI é kg.m²), B é o
coeficiente de atrito e T(θ) é o binário de carga. O momento de inércia quantifica a
distribuição da massa do corpo em torno do eixo de rotação e quanto maior for, tanto mais
difícil será fazer girar o corpo em torno desse eixo.

d 2θ dθ
Tm = J +B + T (θ) (5.44)
2 dt
dt

A primeira parcela de (5.17) representa o binário acelerativo, a segunda o binário de atrito de


rotação, e a última o binário resistente que pode depender de θ.

Aplicando (5.17) ao sistema da Fig. 5. 7, e considerando um binário Tpm associado às perdas


mecânicas, resulta

d 2θ dθ
Te + Tm = J +B + T pm (5.45)
2 dt
dt
Em termos mecânicos, a potência, o binário e a velocidade angular estão relacionados pela
seguinte equação

75
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Pm = Tm = Tm ω (5.46)
dt

As equações (5.19), (5.18) e (5.16) permitem estudar a resposta dinâmica de θ(t) perante os
binários actuantes Te e Tm. E porque (5.16) não é linear, normalmente recorre-se à
linearização do modelo matemático em torno dum ponto de funcionamento.

5.3 Problemas

5.1 No sistema da Fig. 5.8 os coeficientes de indução são, em mH: L11= 5+cos(2θ),
M=3cos(θ), e L22= 3+2cos(2θ). As correntes são I1=1 A e I2= 25 mA. Calcule o binário
electromagnético Te entre as duas bobinas e desenhe o seu gráfico em função de θ.

5.2 Na Fig. 5.P2 representa-se um electroíman com dois entreferros com altura x. A
relutância magnética do ferro é RFe= 11.105 H-1. O núcleo de ferro e a armadura têm uma
secção recta uniforme S=100 mm2. Admite-se que o campo magnético no ferro é uniforme e
que a corrente I é constante. Não existindo saturação, calcule:

a) a relutância magnética total do electroíman;


b) o coeficiente de auto-indução da bobina;
c) a intensidade do campo magnético (de indução)
no ferro e no ar.

µ 0 = 4π .10 −7 Hm −1 ; x =1 mm
N = 300 espiras; I = 2A

Fig. 5.P2

5.3 Considere o circuito da Fig. 5.P2. Obtenha a força exercida sobre a armadura admitindo
que o fluxo se mantém constante.

5.4 A Fig. 5.P3 representa um motor de relutância. O rotor, que é de ferro e tem os sectores
sombreados constituídos por material de alta permeabilidade magnética, roda à velocidade
angular ωr. O enrolamento do estator é percorrido por uma corrente sinusoidal com pulsação
ω e admite-se que ωr=ω.

76
Máquinas Eléctricas
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Fig. 5.P3

dWm
O binário que actua o rotor é dado por T = , sendo Wm a energia magnética no

enrolamento do estator. Obtenha:
a) a variação do coeficiente de auto-indução do estator com θ;
b) a expressão do binário T em função de θ;
c) o valor médio do binário T se i (t ) = I cos(ωt ) .

77
Máquinas Eléctricas
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CAPÍTULO 6.
MÁQUINAS ASSÍNCRONAS

6.1 Introdução

No capítulo anterior referiu-se que o campo magnético girante está na base da construção de
máquinas eléctricas polifásicas. Na Fig. 5.3 considerou-se que o rotor da máquina eléctrica
era constituído por um íman permanente com pequena inércia capaz de rodar em sincronismo
com o campo girante. Considere-se, tal como se representa na Fig. 6.1, que o íman é
substituído por uma bobina em curto-circuito, e que as correntes i1 e i2 dão origem a um
campo magnético girante.

Fig. 6.1: Bobina num campo magnético girante.

Considerando primeiramente que a bobina está fixa (parada), o campo girante dá origem a
um fluxo variável através da secção definida pela bobina e a fem induzida por este fluxo
variável dá origem a uma corrente induzida na bobina, ir. Esta corrente cria um campo
magnético Br que interage com o campo magnético girante dando origem a um binário que
tende a fazer rodar a bobina em torno do eixo ee’.
Se a bobina rodar em sincronismo com o campo girante, o fluxo criado pelo campo girante
que a travessa é constante, a corrente ir anula-se, deixa de existir o binário actuante e a
bobina tende a parar. Mas ao reduzir a velocidade, o fluxo através da bobina deixa de ser
constante e reaparece um binário actuante não nulo. Percebe-se assim que a bobina só se
mantém em rotação se rodar com uma velocidade que é inferior à do campo girante criado
pelas correntes i1 e i2.
O campo magnético no rotor na máquina eléctrica da Fig. 7.1 é induzido pelo campo
magnético (girante) criado pelas correntes do estator (bobinas L1 e L2) e a máquina designa-
se por máquina eléctrica de indução ou máquina assíncrona porque o rotor não roda em
sincronismo com o campo girante das correntes do estator.
A velocidade de rotação do campo girante criado pelas correntes do estator é função da
frequência das correntes e do número de pólos do estator (é uma característica construtiva da
máquina e depende do modo como este foi bobinado). A frequência, f, o número de pares de

78
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

pólos, p, e a velocidade síncrona, ns, em rotações por segundo (rps), estão relacionadas pela
seguinte equação:

f = p ns (6.1)

Com o rotor parado, Fig. 6.1, a frequência das correntes na bobina do rotor é igual à
frequência das correntes do estator. À medida que o rotor acelera, a frequência das correntes
do rotor diminui e quando atinge a velocidade estacionária ela é de apenas uma pequena
fracção da frequência do estator. O rotor de um motor assíncrono roda com uma velocidade
inferior a ns que é designada por velocidade síncrona ou velocidade de sincronismo. A
diferença entre a velocidade de sincronismo e a velocidade do rotor chama-se
escorregamento. Normalmente, o escorregamento, s, é expresso em % da velocidade de
sincronismo:

n − nm
s= s 100 (%) (6.2)
ns

em que ns é a velocidade síncrona e nm a velocidade mecânica de rotação do rotor.

A máquina a assíncrona (ou de indução) é a máquina eléctrica mais utilizada industrialmente,


funcionando sobretudo como motor, porque é uma máquina robusta, tem baixo custo e pouca
manutenção, podendo ainda ser utilizada em ambientes perigosos (poeirentos, com riscos de
explosão e expostas à intempérie, por exemplo). A máquina a assíncrona pode ser também
utilizada como gerador, embora com menor rendimento, mas com a vantagem de ser
facilmente interligada com a rede eléctrica. O gerador assíncrono é muito utilizado na
produção de energia eléctrica a partir de recursos renováveis, como sejam os sistemas
eólicos, mini hídricos, energia das ondas, e os que utilizam o biogás como combustível.
O rotor de um motor de indução roda com uma velocidade um pouco inferior à velocidade
síncrona (tipicamente entre 3% e 10%), e a velocidade depende da carga mecânica acoplada
ao veio. Quando funciona como gerador, a velocidade do rotor é superior à velocidade
síncrona e então o escorregamento é negativo.
Mais recentemente, a utilização das máquinas assíncronas alargou-se com a utilização de
conversores electrónicos que permitem controlar a velocidade e o binário através da variação
da tensão e da frequência aplicadas ao estator, e também ao rotor da máquina.
As máquinas assíncronas utilizadas na indústria são geralmente trifásicas, mas podem ser
também monofásicas, sobretudo as de pequena potência, e todas se caracterizam pela
existência do escorregamento referido em (6.2).

6.2 Constituição das máquinas assíncronas

A Fig. 6.2 apresenta a constituição de máquinas assíncronas. A carcaça da máquina


assíncrona é, em geral, feita de ferro fundido sendo dotada de aletas que melhoram a
dissipação de calor. O estator, colocado no interior da carcaça, é formado por um núcleo de
chapas magnéticas que possui ranhuras axiais para alojar as bobinas do estator que podem se
monofásicos ou polifásicos (trifásicos, mais usualmente). O rotor é igualmente composto de
um núcleo de chapas magnéticas, dotadas de ranhuras axiais onde o enrolamento do rotor é
alojado, fixas a um veio de aço que roda no interior de rolamentos fixos às tampas.

79
Máquinas Eléctricas
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(a) rotor em gaiola de esquilo; (b) rotor bobinado;


Fig. 6.2: Constituição de máquinas de indução.

No veio é instalada uma ventoinha (turbina) para ventilação forçada da máquina. Os


enrolamentos do rotor podem ser de dois tipos:
• rotor em curto-circuito (ou rotor em gaiola de esquilo) que é formado por barras de
alumínio unidas por anéis em ambas as extremidades. Este enrolamento forma uma espécie
de gaiola de esquilo que não é acessível do exterior. Os anéis nas extremidades garantem a
rigidez mecânica do conjunto e possuem normalmente aletas para ventilação forçada. A
forma das barras de alumínio tem influência sobre as características de binário.
• rotor bobinado, constituído por enrolamentos de fio de cobre isolado semelhantes aos do
estator. Os seus terminais são ligados a anéis colectores e escovas, sendo acessíveis do
exterior. Os motores de rotor bobinado são mais caros, necessitam de maior manutenção e
são menos robustos. Todavia, permitem controlar as correntes do rotor e as características de
binário e de velocidade da máquina. Através dos anéis e escovas, podem-se ligar resistências
variáveis externas para regularem a corrente no rotor, principalmente na fase de arranque do
motor. Em funcionamento normal as resistências são curto-circuitadas e a máquina funciona
com o rotor em curto-circuito.
A Fig. 6.3 apresenta um rotor em gaiola de esquilo em detalhe. A inclinação das barras de
alumínio aumenta a resistência das barras (reduz a corrente) e permitir melhorar o
funcionamento magnético do motor.
As máquinas com rotores em gaiola representam a esmagadora maioria de máquinas de
indução, são muito robustas e suportam elevados esforços electromecânicos.
O espaço que separa o estator do rotor designa-se por entreferro. As trocas de energia entre o
estator e o rotor fazem-se através do campo magnético no entreferro.
O motor de indução monofásico é o motor mais utilizado nas aplicações domésticas
(frigoríficos, máquinas de lavar, bombas). Nos motores de indução monofásicos o arranque
pode ser realizado através de um enrolamento auxiliar de uso intermitente, por um
enrolamento auxiliar associado em série com um condensador, ou por um enrolamento
sombra. A Fig. 6.4 representa um motor monofásico com condensador de arranque em série
com um enrolamento auxiliar comandado por um interruptor centrífugo. Os dois
enrolamentos são percorridos por correntes desfasadas (cerca de 75º) que criam um bom
binário de arranque. Quando o motor atinge a velocidade nominal, o enrolamento auxiliar é

80
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

desligado (pelo interruptor). Note-se que o condensador é normalmente de tipo electrolítico e


que não suporta correntes alternadas durante muito tempo.

Fig. 6.3: Pormenor do rotor em gaiola de esquilo.

(a) aspecto exterior; (b) esquema;


Fig. 6.4: Motor monofásico com condensador.

6.3 Princípio de funcionamento

O princípio de funcionamento das máquinas assíncronas foi exposto a propósito da Fig. 6.1
e baseia-se na criação de um campo girante no entreferro. O campo girante de amplitude
constante pode ser criado, com foi referido no capítulo 5, por um sistema de correntes
trifásicas simétricas que percorrem três bobinas iguais cujos eixos formam ângulos de 120º.
Nos circuitos fechados do rotor induzem-se fem que dão origem a correntes eléctricas. Os
condutores do rotor são actuados por forças de Lorentz, referidas em (2.4), dando origem a
um binário motor. Este binário só existe se a velocidade de rotação do rotor for diferente da
do campo girante.
A tensão induzida numa barra rotor é proporcional à velocidade relativa entre a da fmm do
estator e a do rotor. Tendo em conta (2.9), a fem induzida em cada barra é igual ao o produto
da velocidade do rotor, do campo magnético e do comprimento da barra do rotor. Sendo o

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campo magnético do estator sinusoidal, a tensão induzida nas barras será também sinusoidal
e a sua intensidade é directamente proporcional à intensidade do campo de indução
magnética a que a barra está sujeita. Com o circuito do rotor fechado (normalmente em curto-
circuito), as tensões induzidas vão provocar a circulação de correntes que também são
sinusoidais.

A frequência das correntes no rotor, fr, depende do escorregamento, s:

fr = f s (6.3)

A pulsação das correntes do rotor é

ωr = 2 π f r (6.4)

Tendo em conta (6.1), de (6.3) obtém-se

f r = p (n s − n m ) (6.5)

Sendo as velocidades expressas em rps, multiplicando ambos os membros de (6.4) por 2π


obtém-se:

ωr = ω s − p ωm (6.6)

em que,

ω r é a pulsação das correntes no rotor;


ω s é a pulsação das correntes no estator;
p ω m é a velocidade angular eléctrica do rotor;
ω m é a velocidade angular mecânica do rotor.

De acordo com (6.3), as correntes do rotor produzem um fluxo que roda, em relação ao rotor,
à velocidade s n s; como o rotor roda à velocidade nm, o fluxo criado pelas correntes do rotor
gira em relação ao estator com a soma daquelas duas velocidades. Tendo em conta (6.2),
resulta:

s n s + nm = s n s + n s (1 − s ) = n s (6.7)

A equação (6.7) significa que o fluxo das correntes do rotor tem a mesma velocidade em
relação ao estator que o fluxo das correntes do estator, consequentemente, o campo
magnético criado pelas correntes induzidas do rotor roda em sincronismo com o campo
magnético girante criado pelas correntes do estator. Como estes dois campos são
estacionários um em relação ao outro, produzem um binário mecânico constante que mantém
a velocidade do rotor constante. Este binário, que não é nulo para qualquer nm≠ns, é
designado por binário assíncrono.

82
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A partir de (5.16) pode-se concluir que o binário assíncrono depende da desfasagem entre as
fmm do rotor e do estator, θr, e é proporcional à corrente do rotor, Ir:

T = − K I r sen θ r (6.8)

com K constante.
De acordo com (6.8) é de esperar que o binário assíncrono seja aproximadamente
proporcional ao escorregamento quando θr é pequeno e tem um máximo para θr=π/2.

6.4 Circuito equivalente

A troca de energia entre o estator e o rotor de uma maquia assíncrona realiza-se através do
entreferro. O campo magnético girante criado no estator induz um campo girante no rotor
que se opõe ao primeiro. Esta situação é em tudo semelhante ao que acontece num
transformador.
Consideremos o caso duma máquina assíncrona trifásica com os enrolamentos do estator
ligados em estrela funcionando em regime estacionário. Uma das fases do estator, alimentada
pela tensão simples u1, pode ser representado pelo circuito monofásico da Fig. 6.5.

Fig. 6.5: Circuito equivalente duma fase do estator.

Na Fig. 6.5, R1 representa a resistência efectiva (resistência em AC) de um enrolamento do


estator e X1d representa a reactância de dispersão desse enrolamento; Xm representa a
reactância de magnetização associada ao campo girante e RFe é a resistência equivalente das
perdas no ferro. O circuito representa o comportamento do estator da máquina assíncrona em
regime estacionário, do mesmo modo que o primário do transformador foi representado no
circuito da Fig. 3.6. Considerando que o rotor tem o mesmo número de fases e de pólos que o
estator, o circuito equivalente dum dos circuitos do rotor será acrescentado ao circuito da Fig.
6.5, sendo alimentado com a tensão u2. Todavia, a tensão induzida no rotor é função do
escorregamento e, de acordo com (6.3) a frequência das correntes no rotor é f r = f s ; nestas
condições, a reactância deve ser afectada pelo escorregamento s e a equação que rege o
circuito do é dada por
r r
sU 2 = I 2 ( R 2 + j s X 2 d ) (6.9)

A equação (6.9) é equivalente a

83
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r r R 
U 2 = I 2  2 + j X 2d  (6.10)
 s 

De acordo com (6.10), a impedância do rotor vista pela tensão u2 é

R
Z 2 = 2 + j X 2d (6.11)
s

em que R2 representa a resistência efectiva de um enrolamento do rotor e X2d representa a


reactância de dispersão desse enrolamento.

A impedância (6.11) pode ser escrita na seguinte forma:

1− s
Z 2 = R2 + R2 + j X 2d (6.12)
s

Com base em (6.12), o circuito equivalente de uma das fases da máquina assíncrona em
regime estacionário (velocidade constante) é o da Fig. 6.6:

Fig. 6.6: Circuito equivalente/fase da máquina assíncrona.

Numa máquina com n fases, o circuito da Fig. 6.6 lida com uma potência que é 1/n da
potência total da máquina. A resistência de carga, R2 (1 − s ) / s , varia com o escorregamento e
a potência nela dissipada é igual a 1/n da potência mecânica total da máquina, Pm:

1− s
Pm = n I 2 2 R2 (6.13)
s

O circuito da Fig. 6.6 é equivalente no sentido em que traduz o trânsito de potência através
da máquina assíncrona. O trânsito de potência está representado na Fig.6.7 em relação às
partes constituintes da máquina e na Fig. 6.8 em relação aos componentes do circuito
eléctrico equivalente,para comparação.
Na Fig. 6.7, a potência mecânica total da máquina, Pm, é composta por duas parcelas: a
potência útil no veio, PL, mais a potência de perdas por atrito e ventilação, Pv. O circuito
eléctrico equivalente traduz o trânsito de potências na máquina em regime estacionário e a
potência mecânica é igual à potência dissipada numa resistência que varia com a velocidade,
sendo função do escorregamento estacionário s.

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Fig. 6.7: Trânsito de potência numa máquina assíncrona.

Fig. 6.8: Trânsito de potência no circuito eléctrico equivalente.

De acordo com a Fig. 6.7, a potência no entreferro, Pag (air gap), é dada por,

R
Pag = n I 2 2 2 = Pin − n I12 R1 = Pin − PR1 (6.14)
s

A potência dissipada no rotor por efeito de Joule é

Pr = n I 2 2 R2 (6.15)

Das equações (6.13) a (6.15) conclui-se:

Pm = (1 − s ) Pag (6.16)

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Pr = s Pag (6.17)

1− s
Pm = Pr (6.18)
s

Das equações (6.16) a (6.18) conclui-se que uma máquina assíncrona funcionando com um
escorregamento elevado é muito ineficiente. Refira-se que a potência útil no veio é

Pu = (1 − s ) Pag − Pv (6.19)

O rendimento da máquina assíncrona funcionando como motor é

P Pu
η= u = (6.20)
Pin Pu + PFe + PR1 + Pr + Pv

Exemplo 6.1 --------------------------------------------------------------------------------------------------------


Um motor de indução trifásico com rotor em gaiola tem 2 pares de pólos e o estator é ligado
em estrela para ser alimentado à tensão composta de 400V, 50 Hz. O circuito eléctrico
equivalente em regime nominal, com os valores referidos ao estator, é o da Fig. 6.9:

R1 = 2,2 Ω;
X1 = 4,2 Ω;
Xm = 71 Ω
R’2 = 1,9 Ω;
X’2 = 4,2 Ω
Fig. 6.9: Circuito eléctrico do exemplo 6.1.

As perdas totais por ventilação e atrito são 450 W, que se admitem constantes, e as perdas no
ferro são desprezáveis. Nas condições nominais de funcionamento o escorregamento é 3,0 %.
Para o regime nominal, calcule:
a) o factor de potência do motor;
b) a potência no entreferro;
c) o binário mecânico no veio;
d) o rendimento do motor.

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--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.5 Circuito equivalente de Thevenin

O modelo eléctrico da máquina de indução da Fig. 6.6 pode ser representado por um dipólo
de Thevenin com os terminais da carga R2 (1 − s ) / s . A tensão da fonte é a tensão U2 em
vazio e a impedância equivalente, calculada pelo circuito da Fig. 6.6, é

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(6.21)

O dipólo de Thevenin está representado na Fig. 6.10:

Fig. 6.10: dipólo equivalente de Thevenin.

A corrente no rotor, I2, é dada por


r
r U 20
I2 = r (6.22)
R
Z x + 2 + jX 2d
s

Tendo em conta (5.19), o binário mecânico no veio duma máquina de n fases é dado por

P Pag I 2R
Tm = m = =n 2 2 (6.23)
ωm ωs s ωs

Com Z x = R x + jX x e substituindo (6.22) em (6.23), resulta

n U 20 2 R2
Tm = (6.24)
s ωs  R2 
2
 + ( X x + X 2d )
2
 Rx +
 s 

Porque U20 depende apenas de U1 e de Zx, sendo constante o valor eficaz da tensão de
alimentação, o binário mecânico é função do escorregamento. A Fig. 6.11 representa
graficamente a função Tm(s).
Quando o escorregamento é negativo, ωm>ωs, o binário (6.24) é negativo e a máquina
funciona como gerador. Para pequenos valores de s, Tm é aproximadamente proporcional ao
escorregamento. A máquina tem um funcionamento estável no intervalo [Tmax, -Tmax].
O valor Tmax é o valor máximo do binário electromagnético. Do circuito (6.10), pelo teorema
da máxima potência transferida, a potência na carga é máxima, Pmax, quando

R2
= R x 2 + ( X x + X 2 d )2 (6.25)
s max

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Fig. 6.11: característica binário-velocidade da máquina de indução.

Substituindo (6.25) em (6.24) obtém-se Tmax:

n U 20 2
Tmax = (6.26)
2 ωs R + R x 2 + ( X x + X 2 d )2
x

De (6.24) e (6.25) conclui-se que smax depende de R2, mas que Tmax é independente de R2.
Numa máquina com rotor bobinado, quando se inserem resistências em série com os
enrolamentos rotóricos, o valor de Tmax não é alterado, mas altera-se a velocidade a que ele
ocorre. Consequentemente, como se representa na Fig. 6.12, numa máquina com rotor
bobinado consegue-se variar significativamente a velocidade através da variação das
resistências rotóricas (Tc é o binário resistente da carga).

A equação (6.25) permite calcular o valor da resistência rotórica a ser intercalada com o
enrolamento do rotor para se obter o binário electromagnético máximo calculado por (6.26).
Todavia o uso de resistências rotóricas para variação da velocidade dum motor é pouco
utilizado porque aumenta as perdas e reduz o rendimento do motor.

Uma vantagem da máquina de rotor bobinado é a se poder de limitar a corrente de arranque


através das resistências rotóricas. Num motor de gaiola, normalmente, a corrente de arranque
à tensão nominal é cerca de sete vezes a corrente nominal do motor. Para reduzir este efeito o
motor pode arrancar variando a tensão de alimentação. No entanto, porque o binário varia
com o quadrado da tensão aplicada, este método reduz o já de si baixo binário de arranque
que pode ser muito inferior a Tmax. A máquina com rotor bobinado pode arrancar com um
binário elevado e quando o motor atinge uma velocidade próxima da nominal as resistências
rotóricas quando são curto-circuitadas para reduzir-se a dissipação.

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Fig. 6.12: variação da característica de binário com a resistência rotórica.

Exemplo 6.2 --------------------------------------------------------------------------------------------------------


Uma máquina de indução com rotor bobinado, trifásica, de 3 pares de pólos, ligada em
estrela, tem as seguintes constantes por fase referidas ao estator:

R1 = 1,2 Ω X1 = 4,1Ω Xm = 53 Ω
R2 = 1,3 Ω X2 = 4,2 Ω Us = 240 V f= 50Hz.

As perdas totais por ventilação e atrito são 525 W, que se admitem constantes, e desprezam-
se as perdas no ferro. A máquina funciona como motor com o escorregamento nominal de
3,2 %. Nas condições nominais de tensão e frequência e com o rotor em curto-circuito,
calcule (a) a resistência rotórica por fase para que o binário no arranque seja máximo; (b) a
velocidade de rotação nominal.

a)

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b) Com 3 pares de pólos, a velocidade de sincronismo em rpm é

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

6.6 Ensaios em vazio e com rotor bloqueado

Os parâmetros do circuito da Fig. 6.6 podem ser determinados experimentalmente através


dos ensaios em vazio e com o rotor bloqueado (curto-circuito) conduzidos de modo
semelhante ao que foi feito para o transformador.

a) Ensaio em vazio (s ≈ 0 )

Com este ensaio pretende-se determinar: a resistência equivalente às perdas no ferro e


reactância de magnetização. O motor roda em vazio (s ≈ 0 ) alimentado à tensão nominal.
Porque a corrente no estator é pequena, as perdas no cobre são desprezáveis, e a potência em
vazio equilibra praticamente as perdas do ferro. Estas perdas variam com a tensão de entrada,
mas permanecem praticamente constantes com a tensão constante.
O processo de cálculo é o mesmo do referido no parágrafo 3.5 para o transformador.

b) Ensaio com o rotor bloqueado (curto-circuito, s = 1 )

Este ensaio é semelhante ao ensaio de curto-circuito do transformador porque com o rotor


bloqueado o escorregamento é s = 1 e a resistência de carga do circuito equivalente da Fig.
6.6 é zero. Deste modo, com o veio do motor bloqueado, o motor tem que ser alimentado
com uma tensão reduzida. Pode-se usar um auto-transformador (trifásico), cuja tensão é
aumentada progressivamente, a partir de zero, até que a corrente nos enrolamentos do estator
atinja o valor nominal, I1=IN. Nesta situação, registam rapidamente os valores das grandezas
à entrada tais como o valor eficaz da tensão, o valor eficaz da corrente, a potência activa e o
factor de potência.
O processo de cálculo é o mesmo do referido no parágrafo 3.5 para o ensaio do
transformador em curto-circuito.

6.7 Arranque e variação da velocidade

O arranque e a variação da velocidade dos motores de indução com o rotor em curto-circuito


pode ser feita a partir da variação da amplitude da tensão de alimentação, da frequência da
tensão de alimentação, ou ambos os casos, ou por comutação dos pólos.

91
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Alguns dos métodos mais usuais são:


• Variação do número de pólos (do estator): neste método, os enrolamentos do estator são
projectados para que, alterando as ligações, se possa alterar o número de pólos. Normalmente
a relação do número de pólos é 2:1 ou 4:1.
• Variação da frequência: a velocidade de sincronismo é proporcional à frequência da
tensão de alimentação. Com a utilização de conversores electrónicos é possível variar a
amplitude da tensão e a sua frequência.
• Variação da tensão de alimentação: a variação da tensão de alimentação poderá ser feita
por um auto-transformador ou por um conversor electrónico de potência. Como o binário
mecânico é proporcional ao quadrado da tensão aplicada, ao variar-se o valor eficaz da
tensão varia-se o binário mecânico útil.
• Resistências rotóricas: como se referiu, o arranque de um motor com rotor bobinado por
ser realizado através da variação sequencial das resistências rotóricas.

Os modernos arrancadores electrónicos são programáveis e permitem o ajuste simultâneo da


amplitude da tensão e da frequência de forma a manter o binário de arranque num intervalo
previamente definido.
Em termos convencionais, ainda se utiliza frequentemente a comutação estrela-triângulo
para arrancar os motores de rotor em gaiola. O esquema utilizado está representado na Fig.
6.13.

(a) diagrama de comando; (b) diagrama de potência;


Fig. 6.13: arrancador estrela-triângulo convencional.

92
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Por este processo, os enrolamentos do estator do motor são inicialmente ligados em estrela
(contactor S ligado); com o fecho do contactor M, o motor arranca em triângulo. Após alguns
segundos, controlados pelo temporizador T, a estrela é desfeita (S é aberto) e o contactor D é
ligado ficando o motor a funcionar nominalmente com os enrolamentos do estator ligados em
triângulo. Por este processo consegue-se que a corrente de arranque seja 3 vezes inferior à
que se verificaria se arrancasse directamente ligado em triângulo.

A caixa de ligações dum motor de indução com o rotor em gaiola tem os terminais da Fig.
6.14. As ligações em estrela e em triângulo estão esquematizadas na Fig. 6.15.

Fig. 6.14: Identificação dos bornes de ligação.

a) estrela; b) triângulo;
Fig. 6.15: Esquemas de ligação.

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6.8 Problemas

6.1 Um motor de indução trifásico com rotor em gaiola tem o estator ligado em estrela e é
alimentado à tensão composta de 400V, 50 Hz. O motor roda a 1458 rpm, em regime
estacionário; o valor medido da potência de entrada, é 13,7 kW e o da corrente na linha é
24,5 A. A resistência do estator, por fase, é R1 = 1,2 Ω . Desprezando as perdas no ferro e por
atrito e ventilação, calcule:
a) a potência no entreferro;
b) a potência dissipada no rotor;
c) o binário mecânico;
d) o rendimento.
e) A máquina é usada num aproveitamento eólico com uma potência injectada na rede até
15 kW. Represente graficamente a estimativa da potência a entregar à rede em função da
velocidade de rotação e diga como é que esta máquina pode ser usada como gerador.

6.2 Uma máquina de indução trifásica com rotor em gaiola, com 3 pares de pólos, ligada em
estrela, tem as seguintes grandezas, por fase, referidas ao estator:

R1 = 0,31 Ω X1 = 0,88 Ω Xm = 68 Ω
R2 = 0,22 Ω X2 = 0,82 Ω

A máquina é ligada à rede eléctrica com Uc = 400 V, 50 Hz. As perdas totais por ventilação e
atrito são 612 W, que se admitem constantes, e desprezam-se as perdas no ferro. O
escorregamento nominal é 3,5%. Nas condições nominais de tensão, frequência e
escorregamento, calcule:

a) a potência eléctrica nominal pedida à rede;


b) a potência mecânica nominal (no veio);
c) o rendimento nominal.
d) Estuda-se a possibilidade de acoplamento desta máquina de indução a uma turbina eólica.
Admitindo que o rendimento é constante, qual é a estimativa da potência eléctrica a
entregar à rede se a máquina rodar entre1015 e 1040 rpm e qual é o binário mecânico
necessário no seu veio?

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6.9 ANEXO: Modelo dinâmico da máquina assíncrona

1. Desenvolvimento do modelo

A máquina assíncrona trifásica é representada pelo esquema eléctrico monofásico da Fig. 1.1,
onde os subíndices s e r designam o estator e o rotor, respectivamente, e em que R representa
as perdas no ferro [1, 2].

Fig. 1.1: Esquema eléctrico da máquina assíncrona.

As equações do circuito da Fig. 1.1 são:

di r dΨ s
v s = rs i s + M + (1.1a)
dt dt
di dΨr
vr = rr ir + M s + (1.1b)
dt dt

As equações do fluxo são:

Ψs   Ls M  i s 
Ψ  =  M .
Lr  ir 
(1.2)
 r 

O coeficientes de auto-indução do estator e do rotor são, respectivamente,

Ls=ls+M (1.3a)
Lr=lr+M (1.3b)

Admite-se que os coeficientes de auto-indução de dispersão do estator e do rotor,


respectivamente, ls e lr, são constantes e que o coeficiente de indução mútua, M, depende da
posição angular entre o rotor e o estator, θ.

As variáveis do estator podem ser transformadas num sistema referencial de dois eixos. Estes
eixos estão representados na Fig. 1.2; genericamente pretende-se que um sistema trifásico de
índices [a b c] seja substituído por duas componentes equivalentes fictícias nos eixos d-q.
Esta transformação pode ser levada a cabo pela chamada transformada de Park [3, 4].
Considerando as correntes trifásicas do estator

95
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2π 2π
ia = I cos(ωt ) ib = I cos(ωt − ) ic = I cos(ωt + )
3 3

e que ia + ib + ic = 0 , a transformada de Park é definida por (1.4):

ia 
id   
i  = T(θ).ib  (1.4a)
 q ic 

com

 2π 2π 
2  cos θ cos(θ − )
3
cos(θ + ) 
3
T(θ) =   (1.4b)
3 − sin θ − sin(θ − 2π ) − sin(θ + 2π )
 3 3 

em que θ=ωt+θ0.

Os valores instantâneos das correntes id e iq são tais que dão origem às mesmas fmm,
respectivamente nos eixo d e q, que as criadas pelas correntes trifásicas do estator. As fmm
são estacionárias em relação ao rotor fictício com os eixos d-q, motivo pelo qual os
coeficientes de indução nos eixos d-q são constantes.

Fig. 1.2: Sistema de eixos directo, d, e quadratura, q.

A equação geral aplicável ao estator ou ao rotor do circuito da Fig.1.1, e que originou as


equações (1.1), é

96
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa


v = ri + (1.5)
dt

Num referencial genérico de eixos d-q, as equações para cada um dos eixos correspondentes
a (1.5) são:

 dΨ 
vd = rid +   (1.6a)
 dt  d
 dΨ 
vq = riq +   (1.6b)
 dt  q

Para se determinar as componentes segundo d e segundo q das derivadas do fluxo nas


segundas parcelas de (1.6), aplica-se a transformada de Park ao fluxo, ψ, criado pelas
correntes nas três fases:

Ψa 
Ψd   
 Ψ  = T(θ). Ψb  (1.7)
 q  Ψc 

Tendo em conta que θ=ωt+θ0, derivando (1.7) resulta

Ψ& 
a Ψa 
Ψ& 
d   &  
 &  = T(θ). Ψb  + T(θ). Ψb 
& (1.8)
Ψ
 q  Ψ&   Ψc 
 c

& (θ) = dT dθ .
& = dΨ e T
com a representação usual Ψ
dt dθ dt
Tendo em conta (1.7), de (1.8) resulta

Ψ &  ( Ψ
d
& )   − ωΨ 
d q
 &  =  & +  (1.9)
 Ψq   (Ψ ) q   ωΨd 

& ) =  dΨ  .
& ) =  dΨ  e (Ψ
com (Ψ d q
 dt  d  dt  q

Substituindo (1.9) em (1.6), obtém-se

dΨd
vd = rid + − ωΨq (1.10a)
dt
dΨq
vq = riq + + ωΨd (1.10b)
dt

97
Máquinas Eléctricas
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As equações (1.10) são as equações gerais num referencial genérico. Elas podem ser usadas
para se obter um modelo mais simples da máquina assíncrona do que o representado pelas as
equações (1.1). Os referenciais a considerar podem estar alinhados com os fluxos do rotor, do
estator ou de magnetização. Representando a velocidade angular eléctrica do rotor por ωr, as
equações do rotor em relação ao mesmo referencial d-q com velocidade ω também podem
ser obtidas através de (1.10), considerando a velocidade relativa (ω-ωr). O referencial mais
usual é o alinhado com o rotor cujos eixos são designados por directo, d, e de quadratura, q.

Com o sistema de eixos d-q a rodar à velocidade de sincronismo, ωs, as equações da máquina
assíncrona são:

Estator (subíndice s):

dΨsd
v sd = rs i sd + − ω s Ψsq (1.11a)
dt
dΨsq
v sq = rs i sq + + ω s Ψsd (1.11b)
dt
Rotor (subíndice r):

dΨrd
vrd = rr ird + − (ω s − ω r )Ψsq (1.12a)
dt
dΨrq
vrq = rr irq + + (ω s − ω r )Ψrd (1.12b)
dt

As equações do fluxo são:

Ψsd   Ls 0 M 0  i sd 
Ψ    
 sq  =  0 Ls 0 M  i sq 
. (1.13)
Ψrd   M 0 Lr 0  ird 
    
 Ψrq   0 M 0 Lr   irq 

ou numa representação mais compacta,

Ψ dq = L sr I dq (1.14)

As equações (1.11) e (1.12) podem ser escritas na forma de um modelo de estado:

Ψ &   0
sd ωs 0 0  Ψsd  rs 0 0 0  i sd  v sd 
&    Ψ   0    
 Ψsq  = − ω s 0 0 0 . sq  −  rs 0 0  i sq   v sq 
. +
Ψ &   0
rd 0 0 (ω s − ω r ) Ψrd   0 0 rr 0  ird  v rd 
&         
 Ψrq   0 0 − (ω s − ω r ) 0   Ψrq   0 0 0 rr  irq   vrq 
(1.15)
ou numa representação mais compacta,

98
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

dq = Ω sr Ψ dq − R sr I dq + Vdq
&
Ψ (1.16)

Substituindo (1.14) em (1.16), obtém-se

&
Ψ (
dq = Ω sr − R sr L sr
−1
)
Ψ dq + Vdq (1.17)

Para uma máquina com p pares de pólos, a velocidade angular do rotor, ωm, é

ωr
ωm = (1.18)
p

O binário electromecânico, te, é

te =
3
2
(
p Ψsd i sq − Ψsq i sd ) (1.19)

Se a máquina assíncrona é ligada à carga através de uma caixa de velocidade de ganho K


com perdas desprezáveis, tal como se representa na Fig. 1.3, o binário mecânico no veio da
máquina assíncrona, tm, é dado por,

ωc
t m = Kt c = tc (1.20)
ωm

sendo tc o binário mecânico da carga.

Fig. 1.3: Máquina assíncrona com caixa de velocidade.

Considere-se que o conjunto máquina assíncrona e a caixa de velocidade são caracterizados


por um momento de inércia J e um coeficiente de atrito B totais referidos à carga. A equação
mecânica que rege o conjunto é

1

& c + Bωc = te − tc (1.21)
K

99
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Com base nas equações (1.17) e (1.21) é possível estabelecer o modelo dinâmico da máquina
assíncrona como o que é representado na Fig. 1.4.

(a)

(b)

Fig. 1.4: Diagrama de blocos da máquina assíncrona:


(a) sistema eléctrico;(b) sistema mecânico.

As equações (1.15) e (1.21) constituem o modelo de 5ª ordem da máquina assíncrona. As


tensões de Vdq serão obtidas aplicando a transformada de Park às tensões do estator (rede
trifásica) e às do rotor. Para uma máquina com o rotor em curto-circuito será vrd=vrq=0. No
caso de funcionar como gerador assíncrono os binários em (1.21) serão multiplicados por -1.

Após a determinação das correntes nos eixos d-q através de (1.14) (Idq na Fig. 1.4a), as
correntes trifásicas podem ser calculadas pela transformada inversa de Park. Considerando
um sistema de tensões simétricas e equilibradas, o cálculo das correntes será feito da seguinte
forma:

100
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

ia  id 
i  = T1 (θ).i  (1.22a)
 b  q
com

 cos θ sin θ 
T1 (θ) =  2π 2π  (1.22b)
cos(θ − 3 ) sin(θ − 3 )

i c = −i a − i b (1.22c)

Os valores instantâneos das potências activa, pa, e reactiva, qr, podem ser calculadas em
termos dos valores das tensões e das correntes no estator referidas aos eixos d-q:

pa =
3
2
(
v sd i sd + v sq i sq ) (1.23)
3
(
q r = v sq i sd − v sd i sq
2
) (1.24)

Sendo Pm a potência mecânica no veio da máquina, as perdas por efeito de Joule no


enrolamento do rotor, Pr, ser calculadas como
s
Pr = Pm (1.25)
1− s
ωs − ω
sendo o escorregamento s = .
ωs

Este modelo é um modelo linear da máquina e não tem em conta nem as perdas nem a
saturação do ferro.

2. Simulação do Gerador Assíncrono com Gaiola

O modelo da Fig. 1.4 pode ser simulado facilmente através do Simulink do programa Matlab.
As equações usadas são (1.17), (1.19) e (1.21) e reproduziram-se os diagramas de blocos da
Fig. 1.4 para uma máquina com o rotor em curto-circuito funcionando como motor.

Na Fig. 2.1 apresenta-se o diagrama da Fig.1.4(a) realizado em Simulink. O vector Vdq


resulta da transformada de Park (1.4) da tensão da rede aplicada ao estator. A tensão do rotor
é zero.

O modelo da Fig. 2.1 foi integrado num diagrama de blocos foi incluído como subsistema do
programa de simulação completo cujo diagrama é apresentado na Fig. 2.2. Admitiu-se que o
binário de carga é proporcional ao quadrado da velocidade do veio do motor e não foi
implementado a caixa de velocidade. Os dados da máquina assíncrona e os períodos de
amostragem são escritos num ficheiro de texto do Matlab que é lido no início da corrida.

101
Máquinas Eléctricas
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Fig. 2.1: Diagrama de blocos da máquina assíncrona em Simulink.

Fig. 2.2: Diagrama de blocos completo da simulação em Simulink.

102
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Para controlo da simulação foram ainda incluídos blocos para o cálculo das potências activa e
reactiva, do factor de potência e das correntes na linha. Estas correntes são obtidas por
transformada de Park inversa no “bloco de teste” da Fig. 2.1.

A alimentação eléctrica é feita através dos blocos do Simulink que realizam uma rede
trifásica que alimenta uma carga RLC. Por comodidade, utilizou-se um bloco de medida das
tensões da rede a partir do qual se obtêm as tensões simples que serão transformadas para o
sistema de eixos d-q através do bloco T_Park da Fig..2.2.

Nos parâmetros da simulação do Matlab seleccionou-se o método de integração ode45


(Dormand-Prince) com passo variável (os métodos ode23t e ode23b também foram testados
sem se verificar um alteração sensível nos resultados).

3. Resultados da Simulação

Para testar o modelo da máquina assíncrona descrito anteriormente, usaram-se os dados


utilizados em [5]: Ls=59.4mH, rs=0.24Ω; Lr=59.1mH, rr=0.175Ω; M=57mH; o par de pólos é
p=3. A frequência da rede é 50Hz e a amplitude da tensão simples Us= 380V. O momento de
inércia total é J=0.5 kg.m2 e considera-se sem atrito, B=0. O binário de carga é Tc=kω2 com
k=0.009Nm.s2/rad2.

Estes dados foram escritos no ficheiro caract_mcad.m que é lido na corrida do programa da
Fig. 2.2. O período de amostragem considerado para a integração numérica é Ts=10-5 s.

Na Fig. 3.1 comparam-se os resultados do binário electromecânico obtido por simulação da


Fig. 2.2 com o de [5]. Os resultados são concordantes.

Na Fig. 3.2 comparam-se os resultados da velocidade no veio do motor obtido por simulação
da Fig. 2.2 com o de [5]. Os resultados são concordantes.

Na Fig. 3.3 apresentam-se os resultados para as correntes na linha e as potências activa e


reactiva obtidos através do modelo da Fig. 2.2 com o bloco “3-phase active & reactive
power” do Simulink.

Da Fig. 3.3, o valor estacionário da amplitude das correntes na linha é 28A e o valor
estacionário da potência activa é 15,67kW, aproximadamente. Da Fig. 3.2, o valor
estacionário da velocidade do rotor é 991 rpm e a correspondente potência mecânica é 10.04
kW. O factor de potência, em regime estacionário, era cerca de 0.98. Este valor passa a ser
inferior a 0.5 quando se multiplica o binário de carga por -1 para se obter o funcionamento da
máquina assíncrona como gerador. A diferença detectada entre as potências (5,63kW) e os
valores obtidos para o factor de potência sugerem a existência dum erro no cálculo deste
último.

Foi feita uma confirmação usando o modelo da máquina assíncrona do Simulink, como se
representa na Fig. 3.4, nas mesmas condições; os resultados das figuras 3.1 e 3.2
concordaram com assim os obtidos e as amplitudes das correntes no estator são igualmente
concordantes às da Fig. 3.3.

103
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Fig. 3.1: Binário electromecânico: (a) simulação em Simulink;


(b) simulação como o modelo [5] de Mathcad.

Fig. 3.2: Velocidade no veio do motor: (a) simulação em Simulink;


(b) simulação como o modelo [5] de Mathcad.

104
Máquinas Eléctricas
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Fig. 3.3: Correntes no estator e potências activa e reactiva resultantes da Fig. 2.2.

Fig. 3.4: Diagrama de blocos da simulação com os modelos do Simulink.

105
Máquinas Eléctricas
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Na sequência destes resultados, realizou-se um bloco de medida baseado nas equações (1.23)
e (1.24) como se representa na Fig. 3.5. Os resultados obtidos em funcionamento motor para
o mesmo binário de carga (k=0.009Nm.s2/rad2) são apresentados na Fig. 3.6.

a)

b)

Fig. 3.5: Determinação das potências: (a) diagrama de blocos total;


(b) bloco de medida com (1.23) e (1.24).

Verifica-se agora uma concordância entre as potência activa fornecida ao motor e a potência
de carga. Os valores estacionários determinados a partir da Fig. 3.6, e os valores eficazes da
tensão e da corrente no estator, são os da Tabela 1.

106
Máquinas Eléctricas
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Tabela 1: valores estacionários da Fig. 3.6.


Perdas no Perdas no
Ucef Ief cos φ P_activa
rpm P_mec estator rotor
[V] [A] [W]
[W] [W] [W]
465 19,80 0,654 10429 991 10054 282,2 91,3

A pesar das aproximações feitas, os resultados da Tabela 1 parecem ser agora mais
verosímeis.

Fig. 3.6: Funcionamento como motor. Resultados da simulação da Fig. 3.5 com
k=0,009Nm/s2.

Na Fig. 3.7 apresentam-se resultados da simulação do modelo da Fig. 3.5 com a máquina
assíncrona funcionando como gerador. Para se obter uma potência mecânica estacionária
cerca de 20 kW impôs-se Tc=0.0179ω2 (k=0,0179Nms2). Os valores estacionários das
variáveis na Fig. 3.7 são resumidos na Tabela 2.

107
Máquinas Eléctricas
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Tabela 2: valores estacionários em funcionamento como gerador (20 kW).


Perdas no Perdas no
Ief cos φ P_activa P_mec
rpm
Q
estator rotor
[A] [kW] [kW] [kVAr]
[W] [W]
31,8 0,85 20,6 21,7 1018 15,2 728,1 389,9

Na simulação do funcionamento como motor, para a potência de 20 kW (k=0,0179Nm/s2),


obtém-se valores absolutos do escorregamento e do factor de potência (s=1,8% e cos φ=0,82)
aproximados aos da Fig. 3.7, o que não aconteceu inicialmente com o bloco de medidas do
Simulink da Fig. 2.2.

Fig. 3.7: Funcionamento como gerador. Resultados da simulação pela Fig. 3.5 com k=0,0179
Nm/s2.

108
Máquinas Eléctricas
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4. Conclusões

São muitas as publicações sobre DFIM (Doubly-Fed Induction Machine) ou DFIG (Doubly-
Fed Induction Generator) que referem os modelos das máquinas assíncronas. Estes modelos
são indispensáveis para o projecto dos controladores e para o estudo da estabilidade das redes
e dos parques eólicos. Todavia não é fácil encontrar referências que apresentem os modelos
usados de uma forma completa. Por esse motivo aqui se refere um modelo desenvolvido de
origem para uma máquinas assíncronas funcionando quer como motor quer como gerador.

O modelo desenvolvido é um modelo linear e recorre à transformação de um sistema trifásico


simétrico e equilibrado para dois eixos ortogonais (transformada de Park) susceptível de ser
implementado em programas de simulação numérica em computador, como sejam, o Matlab-
Simulink, o Mathcad ou o Scilab-Scicos, entre outros.

O modelo foi desenvolvido em Matlab-Simulink e os resultados da simulação foram


comparados com resultados publicados por outro autor que utilizou um modelo diferente para
Mathcad. Os resultados apresentam uma boa concordância. A mesma boa concordância foi
obtida quando os resultados foram comparados com os obtidos directamente dos modelos já
implementados no Simulink.

5. Bibliografia

[1] A.E. Fitzgerald, C. Kingsley, S.D. Umans, Electric Machinery, McGraw-Hill, 2002.

[2] Edward Wilson Kimbark, Power System Stability: Synchronous Machines, Dover
Publications Inc, New York,1968.

[3] Aleksandar R. Katancevic, Transient and Dynamic Stability on Wind Farms, MscEE
Thesis, Helsinki University os Thecnology, 2003.

[4] Markus A. Poller, “Doubly-Fed Induction Machine Models for Stability Assessment of
Wind Farms”, Power Tech Conference Proc., Bologna, 2003.

[5] Francesco Orsi, Studio del Modelo Dinamico del Motor Asincrono, Mathcad Library,
http://www.mathcad.com/Library/LibraryContent/MathML/mod3.htm

109
Máquinas Eléctricas
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CAPÍTULO 7.
MÁQUINAS SÍNCRONAS

7.1 Introdução
Considere-se o sistema da Fig. 7.1 constituído por três bobinas iguais de n espiras cada,
montadas sobre um rotor, cujos planos formam entre si ângulos de 120º. O rotor gira com
velocidade angular ω no seio de um campo magnético uniforme, caracterizado pelo vector de
r
indução B , que é criado pela uma corrente contínua iex.

Fig. 7.1: Esquema simplificado de um alternador trifásico

De acordo com a lei geral de indução, em cada uma das bobinas será induzida uma força
electromotriz (fem) sinusoidais que estão desfasadas de 120º entre si. As tensões nos
terminais da máquina (induzido) são representadas matematicamente pelas seguintes
expressões:

u1 = U cos(ωt )

u 2 = U cos(ωt − ) (7.1a)
3

u 3 = U cos(ωt − )
3
em que

U = B S nω (7.1b)

110
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

sendo U é a amplitude das tensões, B é intensidade da indução magnética e S representa a


área definida por uma das n espiras da bobina.

As equações (7.1) podem ser representadas vectorialmente pelas suas amplitudes


complexas, tal como foi referido no capítulo 4.

O esquema da Fig. 7.1 descreve o princípio de funcionamento de um alternador trifásico.


Estas máquinas são caracterizadas por existir uma relação constante entre a velocidade de
rotação do rotor, n, e a frequência, f, das tensões induzidas:

f=p n (7.2)

sendo p é o número de pares de pólos do indutor, f a frequência das tensões, em Hz, e n a


velocidade de rotação em rotações por segundo (rps).

As máquinas síncronas são máquinas reversíveis porque podem funcionar quer como
motores quer como geradores, sendo utilizadas principalmente como geradores para a
produção de energia eléctrica.

De acordo com (7.1), o valor eficaz da tensão numa bobina é

B S nω
U ef = = φ max n 2 πf (7.3)
2

A equação (7.3) permite tirar as seguintes conclusões:

a) o valor eficaz das tensões aos terminais da máquina é proporcional ao número de espiras,
à intensidade do campo magnético e à velocidade;
b) para que a frequência seja constante é necessário que a velocidade do rotor seja constante;
c) mantendo a velocidade constante, o valor eficaz das tensões pode ser modificado através
da variação do campo indutor.

As conclusões (a) e (b) mostram que pode ser vantajosa a utilização de um electroíman no
indutor (Fig. 7.1) percorrido por uma corrente contínua regulável. Na Fig. 7.1 representou-se
um induzido móvel o que obriga a utilizar um sistema de anéis e escovas para interligar a
máquina com a carga ou com uma fonte de tensão. Em máquinas de grande potência esta
situação não é vantajosa porque, como a ligação eléctrica não é perfeita, correntes com
intensidades elevadas produzem uma queda de tensão elevada entre anéis e escovas e dão
origem a arcos eléctricos que desgastam os anéis e as escovas. Normalmente, nos geradores
síncronos industriais, o rotor da Fig. 7.1 é constituído por um núcleo de material
ferromagnético sobre o qual é bobinado o enrolamento de excitação (o indutor) e o estator é
a carcaça da máquina, que também é de material ferromagnético, na qual se colocam os
enrolamentos do induzido. Em funcionamento normal, em regime permanente, a corrente e a
tensão no rotor são contínuas e as do estator são, idealmente, alternadas sinusoidais.

111
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

A tensão imposta pelo alternador é, idealmente, sinusoidal, com amplitude e frequência


reguláveis. A regulação da tensão do alternador exige a regulação simultânea da velocidade
e da corrente de excitação. Resumidamente, a relação entre estas variáveis é esquematizada
no quadro seguinte:

O rotor pode ser de pólos salientes ou cilíndricos; no caso de ter pólos salientes, Fig. 7.2(a),
existe um núcleo central sobre o veio da máquina em torno do qual são montadas as
bobinas indutoras; no caso de pólos salientes, os condutores do indutor são montados em
cavas, o que se representa na Fig. 7.2(b). Para máquinas de grande velocidade (por exemplo,
3000 rpm com 1 par de pólos) os pólos salientes são desvantajosos porque exigem maior
resistência mecânica face às forças a que são submetidos e nesse caso utilizam-se
normalmente rotores cilíndricos.

(a) (b)

Fig. 7.2: Tipos de rotor; (a) pólos salientes; (b) cilíndrico.

Nos alternadores industriais, a alimentação do circuito do indutor é feita a partir da tensão


induzida no estator, o que se esquematiza na Fig. 7.3. No início, quando a máquina é posta
em marcha, o campo magnético remanescente no ferro indutor é suficiente para induzir no
estator uma tensão de pequena amplitude que, rectificada, irá permitir aumentar o campo
indutor; este aumento faz, por sua vez, aumentar a amplitude da tensão induzida, o que
permite novo aumento da corrente de campo (iex), e assim sucessivamente até se atingir um

112
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

regime estacionário próximo do desejado. Por este motivo, é absolutamente necessário que
exista um campo magnético remanescente no ferro do indutor, antes que o alternador seja
posto em marcha e que possa fornecer energia eléctrica; sempre que isso não se verifica,
torna-se necessário magnetizar previamente o circuito do indutor através de uma fonte
externa de tensão contínua.

Fig. 7.3: Esquema de um alternador trifásico com excitação própria.

A energia eléctrica fornecida pelo alternador provém da energia mecânica que lhe é
fornecida pela máquina que faz girar o rotor. A potência mecânica útil é transformada em
energia eléctrica, parte da qual (normalmente uma pequena parte) é utilizada pelo circuito do
indutor, e a restante, descontando as perdas electromagnéticas, é fornecida à carga. O
trânsito de potências da máquina síncrona é representado na Fig. 7.4.

Fig. 7.4: Trânsito de potências no alternador síncrono.

Quando a máquina síncrona funciona como motor, a energia eléctrica é fornecida ao estator,
e ao rotor a partir da rede eléctrica, e a máquina fornece energia mecânica à carga através do
veio. Os motores síncronos usam-se na indústria principalmente em máquinas de grande
potência. Todavia, pelos motivos já referidos, estaremos fundamentalmente interessados no
funcionamento como geradores e será esse o desenvolvimento dos parágrafos seguintes.

113
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

7.2 Reacção do induzido

Até agora referiu-se o funcionamento do alternador em vazio. Se o alternador alimentar uma


carga trifásica, os enrolamentos do induzido serão também percorridos por correntes
eléctricas. Admita-se que a carga trifásica é equilibrada: neste caso, o induzido é percorrido
por um sistema de correntes trifásicas simétricas que dão origem a um campo magnético
girante. Este campo magnético roda em fase com o rotor é, portanto, estacionário em relação
ao campo indutor e está em permanente interligação com ele. Dito de outro modo, o campo
criado pelas correntes no induzido, designado por reacção do induzido, é um campo
magnético girante que roda em sincronismo com o rotor; por isso, estas máquinas são
designadas por máquinas síncronas.

A justificação para o aparecimento do campo girante foi dada no parágrafo 5.1.


Resumidamente, as três correntes

i1 = I cos(ωt )

i2 = I cos(ωt − ) (7.4)
3

i3 = I cos(ωt − )
3

dão origem a três campos de indução magnéticos perpendiculares aos planos dos
enrolamentos e cujas intensidades, admitindo que o meio é linear, são, respectivamente,

B1 = Bm cos(ωt )

B2 = Bm cos(ωt − ) (7.5)
3

B3 = Bm cos(ωt − )
3

r r r
Como os planos das espiras fazem ângulos de 120º entre si, os vectores B1, B 2 e B 3 estão
também desfasados de 120º entre si. Em cada instante, a reacção do induzido é
r r r r
B r = B1 + B 2 + B 3 . O vector resultante tem uma intensidade Br = 1,5 Bm e opõe-se ao
campo do indutor. Numa máquina síncrona existem então, permanentemente, dois campos
magnéticos girantes, qualquer deles rodando em sincronismo com o rotor:
- o campo indutor, criado pela corrente de excitação;
- a reacção do induzido, criado pelas correntes trifásicas nos enrolamentos do estator.

Da interacção destes dois campos magnéticos resulta um outro campo girante (o campo
resultante) que também gira em sincronismo com o rotor e cujo fluxo, sendo variável em
relação ao estator, dará origem ao sistema trifásico de fem induzidas nos enrolamentos do
estator. A existência dos dois campos girantes, do indutor e do induzido, é portanto
fundamental para a caracterização do funcionamento da máquina síncrona quer como motor
quer como gerador.

114
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Quando o alternador funciona em vazio, não existe a reacção do induzido, porque a corrente
no induzido é nula, e, se a corrente de excitação for muito elevada, pode existir saturação do
ferro. Quando a máquina funciona em curto-circuito, a reacção do induzido é intensa e o
fluxo resultante é pequeno; neste caso a saturação magnética não existe. Estas situações
serão estudadas nos parágrafos seguintes.

Devido às características construtivas das máquinas, nomeadamente à existência de cavas e


de dentes no ferro, as tensões induzidas não são exactamente sinusoidais. Isto provoca que o
fluxo resultante não tenha amplitude constante porque, devido à relutância variável, tem
valores diferentes sobre os pólos (ou nos dentes) e nos espaços entre os pólos (ou nas cavas).
A distorção do fluxo provoca o aparecimento de harmónicas de ordem superior na tensão
aos terminais do induzido. Assim, em geral, não se pode falar de impedância do
enrolamento do induzido, esta designação só aproximadamente pode ser usada
apropriadamente para o caso dos rotores cilíndricos onde a distorção do fluxo pode ser
desprezável.

7.3 Característica em vazio

Com o induzido em vazio, pode-se obter a relação entre o valor eficaz da tensão de uma das
fases em função da corrente de excitação, V=f(iex), mantendo-se a velocidade constante e
igual ao seu valor nominal; a curva V=f(iex), representada na Fig. 7.5, é designada por
característica em vazio da máquina.

Fig. 7.5: Característica em vazio (com velocidade constante).

O ensaio em vazio é conduzido para valores crescentes e, depois, para valores decrescentes
da corrente de excitação. No gráfico da Fig. 7.5 observa-se a saturação para valores elevados
da corrente de campo, uma vez que o campo indutor não é contrariado pela reacção do
induzido; observa-se também a histerese do ferro, uma vez que as curvas para valores

115
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

crescentes e decrescentes de iex não coincidem; e observa-se a existência dum campo


remanescente no ferro do indutor. Recorde-se que as perdas por histerese, que são
proporcionais à área definida pelas curvas crescente e decrescente, vão contribuir para a
parcela das perdas electromagnéticas referidas na Fig. 7.4.

Na zona linear, cujo prolongamento dá origem à designada característica do entreferro, a


tensão em vazio é directamente proporcional à corrente de excitação. Esta situação
modifica-se quando o alternador funciona em carga por causa da reacção do induzido.

7.4 Característica em curto-circuito

Com o induzido em curto-circuito, pode-se obter a relação entre o valor eficaz da tensão de
uma das fases em função da corrente de excitação, Icc=f(iex),mmantendo a velocidade
constante, se possível, igual ao valor nominal. No ensaio em curto-circuito, aumenta-se
progressivamente iex desde zero até um valor tal que a corrente no induzido seja igual ao
valor nominal da corrente do alternador, isto e, Icc=IN (Fig. 7.6). O ensaio pode ser
completado, considerando depois os valores decrescentes de iex. A curva I=f(iex) está
representada na Fig. 7.6 e é designada por característica de curto-circuito.

Fig. 7.6: Característica de curto-circuito (com velocidade constante).

Com a máquina em curto-circuito, verifica-se que a corrente de curto-circuito é directamente


proporcional à corrente de excitação porque a reacção do induzido reduz o fluxo magnético
e não existe saturação.

7.5 Circuito eléctrico equivalente

No caso das máquinas com rotores cilíndricos, onde a tensão é mais aproximadamente
sinusoidal, é possível estabelecer-se um modelo eléctrico do induzido da máquina síncrona
funcionando em regime estacionário. Cada uma das fases do induzido pode ser representada

116
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

por um dipólo equivalente de Thevenin, tal como se representa na Fig. 7.7; nesta figura,
Zs=R+jXs é a impedância equivalente designada por impedância síncrona, sendo R é a
resistência de um dos enrolamentos do induzido e Xs a reactância síncrona que depende do
fluxo no induzido e cujo valor pode ser determinado a partir das curvas das figuras 7.5 e 7.6,
após a medição de R.

R Xs
Ia

Vo
~ Va

Fig. 7.7: Modelo eléctrico, por fase, da máquina síncrona em regime estacionário.

Admitindo que os ensaios das figuras 7.5 e 7.6 foram feitos com a mesma velocidade de
rotação, para cada valor de iex determinam-se os correspondentes valores eficazes de VO e
de Icc; a reactância síncrona é obtida por

V
X s = Z s2 − R 2 com Zs = O (7.6)
I cc

O circuito da Fig.7.7 é um modelo aproximado e só é válido para o funcionamento em


regime estacionário com a velocidade de rotação considerada para os ensaios em vazio e em
curto-circuito. Numa máquina com rotor cilíndrico, a reactância síncrona é,
aproximadamente, independente da posição do rotor e o modelo eléctrico da Fig. 7.7 pode
ser usado com suficiente aproximação para fins práticos. Ao contrário, numa máquina com
rotor de pólos salientes o circuito é uma aproximação grosseira porque a reactância síncrona
depende da posição angular do rotor.

Para se obter um valor constante para Xs, os valores eficazes de VO devem ser lidos sobre a
característica do entreferro. Assim, determina-se um modelo linear (sem saturação), duma
fase do induzido do alternador com rotor cilíndrico, em regime estacionário. Note-se que a
noção de reactância foi introduzida na Electrotecnia para circuitos eléctricos estáticos e que
reactância síncrona pode ser considerada uma extensão daquele conceito para circuitos com
partes móveis.

A resistência R é normalmente muito inferior a Xs e é normalmente desprezável na equação


(7.6). A determinação da reactância síncrona pode ser feita a partir das características dos
ensaios em vazio e de curto-circuito como se representa na Fig. 7.8. A reactância síncrona
não saturada, Xs, é constante e resulta de (7.6), sendo VO e ICC determinados para o mesmo
valor da corrente de campo (ou de excitação) i’f.

117
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

V
Xs = O (7.7)
I a′

Fig. 7.8: Cálculo das reactâncias síncronas.

Quando a saturação não é desprezável, pode-se calcular a reactância síncrona saturada, Xss,
da seguinte forma: da característica em vazio, a partir do valor nominal da tensão, VN,
calcula-se a corrente de excitação i’f ; partindo de i’f , sobre a característica de curto-circuito
determina-se o valor correspondente da corrente no induzido (ou armadura) I’a; a reactância
síncrona saturada é calculada através de (7.8):

V
X ss = N (7.8)
I a′

A partir da Fig. 7.8 determina-se também a razão de curto-circuito, Kcc, que se define como
a razão as duas correntes de excitação: uma que impõe a tensão nominal em vazio (i’f) e a
outra que impõe a corrente nominal em curto-circuito (i’’f):

i ′f
K cc = (7.9)
i ′f′

De (7.9) resulta:

I′ VN 1 Z
K cc = a = = b (7.10)
I N I N Xss X ss

VN
Considerando a impedância base Z b = , de (7.10) resulta, em valores pu,
IN

118
Máquinas Eléctricas
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1
K cc = (7.11)
X ss ( pu )

A razão de curto-circuito permite caracterizar a “qualidade” da máquina síncrona. Para a


mesma potência e corrente nominais, uma máquina com menor Kcc tem menor volume e
menor peso, e tem menor custo.

Para o circuito da Fig. 7.7, é válida a seguinte equação:


r r r r
VO (iex ) = Ra I a + jX s I a + Va (7.12)

Perante iguais variações de carga, uma máquina com Kcc maior necessita de menor variação
da corrente de excitação para manter a tensão Va constante e tem melhor estabilidade quando
funciona em paralelo com a rede.

A título meramente indicativo, verifica-se que nas máquinas com rotor cilíndrico
0,5 < K cc < 0,7 e que nas máquinas com pólos salientes é 1,0 < Kcc < 1,4. O aumento do
entreferro implica o aumento da relutância magnética e a diminuição de Xs.
Consequentemente, Kcc aumenta e a estabilidade do funcionamento em paralelo com a rede
é melhorada.

7.6 Coeficientes de indução

Na Fig. 7.9 representam-se os eixos dos campos magnéticos dos enrolamentos do rotor
(cilíndrico) e do estator. Porque a saliência do rotor não existe, numa máquina de rotor
cilíndrico, os coeficientes de indução são independentes da posição angular do rotor, isto é,
são independentes de θm.

Fig. 7.9: Eixos magnéticos dos enrolamentos.

119
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Os coeficientes de indução próprios e mútuos dos enrolamentos da fase a e do campo, f, são:

L ff = L ff 0 + l fd (7.13)
Laa = Laa 0 + l ad (7.14)
Laf = Lafm cos(ωe t ) (7.15)
em que ωe = p ω e lad e lfd são os coeficientes de indução de dispersão da fase a e do
enrolamento do campo, respectivamente.
O coeficiente de indução mútua entre a bobina da fase a e a da fase b é
L
Lab = Laa 0 ⋅ cos(120º ) = − aa 0 (7.16)
2
De acordo com (7.13) a (7.16), o fluxo associado ao enrolamento da fase a, Ψa, depende de
todas as correntes da máquina. Tendo em conta que num sistema trifásico equilibrado é
ia = −(ib + ic ) , Ψa é dado por

Ψa = (Laa 0 + l ad )ia −
1
Laa 0 (ib + ic ) + Laf i f
2
(7.17)
3 
Ψa =  Laa 0 + l ad ia + Laf i f
2 
Introduzindo um coeficiente de auto-indução síncrono Ls,
3
Ls = Laa 0 + l ad (7.18)
2
o fluxo associado à fase a é
Ψa = Ls ia + Laf i f (7.19)
A reactância síncrona numa máquina de rotor cilíndrico é então X s = Ls ωe .
Representando por eaf a fem induzida pela corrente de campo, if, na fase a do gerador, tendo
em conta (7.19), é válida a seguinte equação:
dΨa
eaf = v a + R ia + (7.20)
dt
A equação (7.20) dá origem ao circuito da Fig. 7.10 como modelo duma fase da máquina
síncrona com rotor cilíndrico (o circuito coincide com o da Fig. 7.7).

Fig. 7.10: Modelo da máquina com rotor cilíndrico.

120
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Para uma máquina com pólos salientes, a relutância magnética varia com a posição do rotor
e, consequentemente, Xs não é constante. Por este facto, o circuito da Fig. 7.10 não pode ser
usado como modelo em regime estacionário.
Admitamos que não existe corrente no indutor, iex=0, e que o estator é alimentado por uma
fonte trifásica com um sistema directo de tensões alternadas sinusoidais; nestas condições,
as únicas correntes na máquina são as do induzido que criam um campo magnético girante
que roda no sentido directo (da fase 1 para a fase 2). Porém, devido à saliência dos pólos, a
componente fundamental do fluxo magnético do campo girante varia com a posição do
rotor. Admitamos que se roda o rotor de tal forma que o eixo dos pólos (salientes) coincide
com a direcção do campo girante, tal como se representa na Fig. 7.11(a). Neste caso, a
relutância magnética será mínima, o fluxo no pólo do rotor é máximo e, consequentemente,
a reactância do induzido tem o valor máximo (porque ψ=LI e, para a mesma corrente, o
fluxo ligado á bobina é máximo quando o coeficiente de auto-indução também é máximo).
Na Fig. 7.11(b), o rotor roda de forma que o eixo das cavas coincide com a direcção do
campo girante criado pelas corrente no estator; neste caso a relutância magnética será
máxima, o fluxo no pólo do rotor é mínimo e, consequentemente, a reactância do induzido é
também a mínima.

(a) (b) (c)


Fig. 7.11: Fluxo numa máquina de pólos salientes; (a) segundo o eixo directo; (b) segundo o
eixo de quadratura; (c) eixos directo e de quadratura.

Num rotor de pólos salientes, designam-se por eixo directo (ou polar) e de quadratura (ou
interpolar), os eixos polares representados na Fig. 7.11(c). Em conformidade, definem-se as
reactâncias síncronas no eixo directo, Xd, (ou reactância longitudinal) e no eixo de
quadratura, Xq, (ou reactância transversal).

Acorrente da armadura, Ia, pode ser decomposta em duas componentes: uma segundo o eixo
r
q e outra segundo o eixo d da Fig. 7.12. O eixo q coincide com a amplitude complexa VO e o
r
eixo d está em quadratura com VO . A reactância síncrona Xq, afecta a componente da
corrente da armadura, Ia, que está em fase com a tensão em vazio, VO, e a reactância síncrona
Xd, afecta a componente da corrente que está em quadratura com a tensão em vazio.

121
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Desprezando a resistência do enrolamento, numa máquina de pólos salientes a equação (7.12)


toma a forma:
r r r r
VO = Va + jX d I d + jX q I q (7.21)

Fig. 7.12: componentes nos eixos dq da corrente na armadura.

7.7 Funcionamento em carga

Quando o alternador funciona em carga, da acção entre o campo indutor e a reacção do


induzido resulta um campo girante total que também gira em sincronismo com o rotor: a
fem induzida está associada ao fluxo resultante das correntes no indutor e no induzido.
Como o meio não é linear, o fluxo resultante não pode ser calculado a partir da soma dos
fluxos que as correntes criam isoladamente em cada um dos enrolamentos. Todavia, numa
análise simplificada, e para tensões puramente sinusoidais, pode-se considerar que o fluxo
resultante é função linear da fmm das correntes no induzido. Nestas circunstâncias, o fluxo
no enrolamento do induzido é máximo quando a corrente nesse enrolamento é máxima.

Considera-se que as amplitudes complexas das correntes no induzido formam uma estrela
simétrica; designando por L um coeficiente de indução equivalente dos enrolamentos do
induzido, em regime estacionário, e por Ψi o fluxo criado pelo indutor, os fluxos ligados
com os enrolamentos do induzido são dados por:

r r r
Ψ1 = L I1 + Ψi

r r r −j
Ψ2 = L I 2 + Ψi e 3 (7.22)

r r r j
Ψ3 = L I 3 + Ψi e 3

Para grandezas alternadas sinusoidais, a fem pode ser escrita em termos das amplitudes
complexas:

122
Máquinas Eléctricas
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dΨ r r
e=− → E = − jω Ψ (7.23)
dt

Tendo em conta (7.23), de (7.22) obtêm-se as amplitudes complexas das fem induzidas nos
enrolamentos do estator:
r r r
E1 = − jωL I1 − jωΨi

r r r −j
E 2 = − jωL I 2 − jωΨi e 3 (7.24)

r r r j
E 3 = − jωL I 3 − jωΨi e 3

Por outro lado, sendo R a resistência dos enrolamentos do induzido, as tensões aos terminais
do induzido são dadas por
r r r
V1 = E1 − R I1
r r r
V2 = E 2 − R I 2 (7.25)
r r r
V3 = E 3 − R I 3

Substituindo (7.25) em (7.24), obtém-se


r r r r
V1 = E i − R I1 − jωL I1

r r −j r r
V2 = E i e 3 − R I 2 − jωL I 2 (7.26)

r r j r r
V3 = E i e 3 − R I 3 − jωL I 3

em que
r v
E i = − jωΨi (7.26a)

é a fem induzida no enrolamento da fase 1 do estator pelo fluxo criado somente pelo
enrolamento do indutor (rotor).

De acordo com (7.26), a tensão aos terminais dos enrolamentos do induzido pode ser
considerada igual à fem (7.26a) que é induzida, apenas, pelo fluxo indutor (e tendo em conta
a desfasagem de 120º entre os enrolamentos do induzido), menos a queda de tensão numa
impedância equivalente, que se designou por impedância síncrona. Tendo em conta que em
r r
vazio é V1O = E i , cada enrolamento do induzido pode ser modelado pelo circuito da Fig.
7.10.

Define-se regulação de tensão de um gerador, ∆v, da seguinte forma:

123
Máquinas Eléctricas
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V − Va
∆v = O × 100 (%) (7.27)
Va

onde VO é a tensão em vazio e Va é a tensão aos terminais em carga.

Uma vez determinadas a resistência R e a reactância síncrona, ∆v pode, em primeira


aproximação, ser determinada a partir do circuito da Fig. 7.10. A regulação de tensão de um
alternador síncrono pode ser positiva, zero, ou negativa, dependendo do factor de potência e
da carga a alimentar. Por exemplo, na Fig. 7.13 representam-se os diagramas vectoriais
correspondentes a (7.26), desprezando a resistência R porque, normalmente será R<<Xs,
para duas situações de carga: na Fig. 7.13(a) considera-se uma carga de tipo indutiva e na
Fig. 7.13(b) considera-se uma carga de tipo capacitiva. Para a carga indutiva verifica-se VO
> Va , e então ∆v>0, e para a carga capacitiva é VO < Va e ∆v<0.

Fig. 7.13: Diagramas vectoriais para o circuito da Fig. 7.10; (a) corrente em atraso; (b)
corrente em avanço.

Os parâmetros do alternador, e os do circuito da Fig. 10, são normalmente expressos em


valor por unidade. Como o circuito equivalente da Fig. 10 é monofásico, escolhe-se como
tensão base a tensão simples e no restante o cálculo segue o processo do parágrafo 3.6.

Na Fig. 7.14, apresenta-se um diagrama vectorial para um gerador de pólos salientes, com
R=0, correspondente à equação (7.28):
r r r r
VO = Va + jX d I d + jX q I q (7.28)

Como se referiu, a reactância síncrona Xq, afecta a componente da corrente que está em fase
com a tensão em vazio e a reactância síncrona Xd, afecta a componente da corrente que está
em quadratura com a tensão em vazio.

124
Máquinas Eléctricas
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ΨI
Ψi

Ψa

Iq Ei = Vo

j X qI q
Id Va
Ia j Xd I d

Fig. 7.14: Diagrama vectorial para um gerador com pólos salientes.

Numa máquina de rotor cilíndrico, as reactâncias transversal e longitudinal são


aproximadamente iguais. No caso do rotor de pólos salientes, a reactância transversal pode
ser 30% a 50% da reactância longitudinal.

Considere-se o diagrama vectorial da Fig. 7.15 correspondente a uma máquina de rotor


cilíndrico em que se despreza a resistência do enrolamento do induzido. Nesta figura, φ é o
ângulo do factor de potência e δ é a desfasagem entre a tensão em vazio e a tensão aos
r r
terminais da carga, isto é, δ = arg VO − arg Va ; δ é, frequentemente, designado por ângulo de
potência ou por ângulo de carga.

Ψi

VO
O
δ
j Xs I
φ
Va
I A
B

Fig. 7.15: Diagrama vectorial para um gerador com rotor cilíndrico.

Na Fig. 7.15, o ângulo AÔB é igual a φ porque são ângulos de lados respectivamente
perpendiculares; então, OB =VO sen δ ∧ OB = X s I cos φ e resulta

125
Máquinas Eléctricas
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VO sen δ = X s I cos φ (7.29)

ou, de modo equivalente,

V sen δ
I cosφ = O (7.30)
Xs

Multiplicando (7.30) pelo valor eficaz da tensão na carga, Va, e pelo número de fases,
conclui-se que a potência activa posta em jogo nos terminais da máquina síncrona com rotor
cilíndrico é dada por

V V
P = 3 O a sen δ (7.31)
Xs

Uma primeira conclusão da Fig. 7.15, é que a potência activa posta em jogo na máquina
síncrona é proporcional ao comprimento OB = X s I cosφ ; a segunda conclusão é que a
potência activa desenvolvida pelo gerador é proporcional a sen(δ). Se sen(δ)>0 a máquina
funciona como gerador (P>0); se sen(δ)<0, então é P<0 e a máquina funciona como motor.
O modo de funcionamento da máquina síncrona em função do ângulo δ está resumida na Fig.
7.16.

Fig. 7.16: Funcionamento da máquina de rotor cilíndrico e o ângulo de potência.

dP
Para que o funcionamento da máquina síncrona seja estável é necessário que > 0 . Por

π π
este facto, o regime estável de funcionamento corresponde a − < δ < , sendo,
2 2

126
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

π
0<δ< → gerador
2 (7.32)
π
− < δ < 0 → motor
2

dP
A Ps = chama-se potência sincronizante. O seu valor é

V V
Ps = 3 O a cos δ (7.33)
Xs

A potência sincronizante desempenha um papel importante na análise da estabilidade do


alternador quando funciona em paralelo com a rede.

Para se obter a expressão da potência em função do ângulo de carga numa máquina de pólos
salientes, consideram-se as figuras 7.14 e 7.15 e conclui-se que,

I d = I sen (δ + φ) = I (sen δ.cos φ + cos δ.senφ) (7.34)


I q = I cos(δ + φ) = I (cos δ.cos φ − sen δ.senφ) (7.35)

Multiplicando (7.34) por sen δ e (7.35) por cos δ, e somando os resultados, obtém-se

I cosφ = I q cos δ + I d senδ (7.36)

Da Fig. 7.14, resulta:

V sen δ V − Va cos δ
Iq = a Id = O (7.37)
Xq Xd

Tendo em conta que a potência activa por fase é dada por P=VaI cosφ, substituindo (7.37) em
(7.36) e rearranjando, obtém-se a potência desenvolvida por uma fase numa máquina
síncrona com pólos salientes:

V V V2  1 1 
P = O a sen δ + a  − sen 2δ (7.38)
Xd 2  Xq Xd 
 

A função P(δ) está representada na Fig. 7.17. Admitindo que Xd é constante, a primeira
parcela de (7.38) conduz a uma curva semelhante à da Fig. 7.16. Para ambos os casos, a
primeira parcela depende de VO, isto é, da fem induzida nos enrolamentos do estator. Esta
referência é importante porque a segunda parcela de (7.38) não depende da excitação. Assim,

127
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

mesmo na ausência da excitação (VO=0), a máquina de pólos salientes pode desenvolver uma
certa potência quando funciona em paralelo com uma rede (Va≠0).

Fig. 7.17: Potência activa e ângulo de potência da máquina de pólos salientes.

A segunda parcela de (7.38) dá origem a uma deformação da curva da Fig. 7.16. Numa
máquina com rotor cilíndrico a máxima potência como alternador é obtida quando δ=π/2; no
caso de pólos salientes, devido à segunda parcela de (7.38) a máxima potência é obtida para
valores de δ um pouco inferiores a π/2.

A potência total posta em jogo pela máquina síncrona trifásica de pólos salientes obtém-se
multiplicando (7.38) por três. Dividindo o resultado pela velocidade angular obtém-se o
binário electromagnético da máquina:

3VO Va 3V 2  1 1 
T= sen δ + a  −  sen 2δ (7.39)
ωr X d 2 ωr  Xq Xd 
 

A segunda parcela de (7.39) corresponde ao binário desenvolvido pela saliência dos pólos, e
que existe mesmo na ausência da corrente de excitação.

A máquina síncrona é uma máquina reversível e funciona como motor ou como gerador em
função do ângulo de potência. Note-se que no caso do motor, o sentido da corrente é oposto
daquele que foi usado na Fig. 7.10, isto é, a corrente entra no motor para que este receba
r
energia da rede e o vector I teria rodado 180º. No caso do gerador, o sentido positivo
adoptado é aquele que sai do induzido.

128
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Seja ψ a desfasagem entre a tensão em vazio e a corrente na Fig. 7.15: ψ=φ+δ. Quando se
verifica − π/2 < ψ < π/2 a máquina funciona como gerador; quando
π / 2 < ψ < π ou − π / 2 > ψ > − π a máquina funciona como motor. Quando a máquina está
em paralelo com uma rede infinita e ψ = ±π/2, a potência activa é nula (se desprezarmos as
resistências dos enrolamentos) e a máquina comporta-se como uma reactância indutiva, ou
capacitiva, em que actuando na corrente de excitação pode regular-se a potência reactiva
trocada com a rede: a máquina funciona como um compensador síncrono.

7.8 Características em regime estacionário

Em regime estacionário, as principais características são as que relacionam a tensão no


induzido com a corrente no induzido, a corrente de campo, o factor de potência e o
rendimento. Como exemplo, representa-se na Fig. 7.18 a característica de regulação que
relaciona a corrente de campo em função da potência ou corrente na carga, para a velocidade
nominal.

Na Fig. 7.19 representa-se a característica externa, isto é, a relação entre a tensão e a corrente
no induzido, mantendo constante a corrente de campo e a velocidade. As curvas para os
diferentes factores de potência são determinadas experimentalmente mantendo a corrente de
campo constante com o valor que garante a tensão nominal com a corrente nominal.

Fig. 7.18: Característica de regulação.

Os geradores síncronos são especificados para os valores nominais da tensão e da frequência


(em Portugal, a tensão composta é 400V e a frequência é 50 Hz) e para a potência aparente
nominal (em kVA) com um factor de potência de 0,8 ou 0,85 indutivo. Normalmente, a
tensão deve ficar compreendida entre ±5% do valor nominal, sendo o valor mínimo obtido
mesmo quando existem sobrecargas de 10% da corrente nominal. Estas características são

129
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

fornecidas pelos fabricantes e são particularmente importantes para sistemas que funcionam
em redes isoladas, como é o caso dos navios. A potência reactiva está limitada pelo
aquecimento máximo permitido para os enrolamentos do induzido e do indutor. Note-se que
quando o alternador está em paralelo com uma rede alimentada por outros geradores, a
potência reactiva depende da corrente de excitação; quanto maior for iex tanto maior será a
potência reactiva alimentada pelo alternador.

Fig. 7.19: Características externas.

7.9 Curto-circuito simétrico

Quando um gerador síncrono funciona em condições nominais e, subitamente, as suas fases


são curto-circuitadas, o comportamento transitório da corrente no estator não pode ser
determinado a partir do modelo eléctrico da Fig. 7.10, porque a reactância síncrona que dele
faz parte só é válida para o regime estacionário.
A corrente no induzido resultante de um curto-circuito súbito aos terminais do gerador está
representada na Fig. 7.20.
No gráfico da Fig. 7.20, distinguem-se três fases:
- uma primeira, de curta duração logo no início do curto-circuito, em que a corrente
tem uma amplitude muito elevada, pelo que a reactância dos enrolamentos do induzido é
muito baixa; este período é designado por período subtransitório;
- na fase seguinte, a amplitude é menos elevada, pelo que a reactância dos
enrolamentos do induzido será maior, e que tem uma duração mais prolongada; este período
é designado por período transitório;
- uma fase final em que a corrente estabiliza no valor estacionário de curto-circuito
em que é limitada pela impedância síncrona Xs ou por Xd.

130
Máquinas Eléctricas
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Fig. 7.20: Corrente de curto-circuito.

A reactância subtransitória, que limita a corrente na primeira fase, é essencialmente devida à


existência dos enrolamentos amortecedores, que equipam os rotores de pólos salientes, e à
reactância que limita as correntes no ferro dos rotores cilíndricos. Estes enrolamentos
tendem a amortecer as variações da velocidade, mantendo a velocidade de sincronismo
constante. A reactância transitória é essencialmente devida à influência do enrolamento de
campo. Finalmente, após a anulação dos regimes transitórios anteriores, a corrente de curto-
circuito em regime estacionário é limitada pela reactância síncrona e pode ser calculada, por
exemplo no circuito da Fig. 7.10, fazendo Va=0.

7.10 Máquinas de relutancia variável.

Como se referiu nos comentários a (7.22), na ausência da excitação, a máquina síncrona


trifásica de pólos salientes desenvolve um binário que é dado por,

V2p 1 1 
T =3 a  −  sen 2δ (7.40)
2 ωe  X q X d 

Em ( 7.40) p é o número de par de pólos e ωe é a pulsação da tensão induzida. Este binário é


característico dos sistemas rotativos de relutância variável. O binário depende do quadrado
do valor eficaz da tensão aplicada e da diferença entre as relutâncias longitudinal (segundo o
eixo d) e transversal (segundo o eixo q), e varia com o seno do ângulo 2δ. Os pólos salientes
das máquinas de relutância são constituídos por materiais de baixa relutância de tal forma
que Xd/Xq >>1.

O motor de relutância possui uma gaiola de esquilo para que possa arrancar por si só. O
motor arranca como um motor assíncrono, e ao aproximar-se da velocidade de sincronismo o
binário de relutância (7.23) torna-se preponderante e a máquina é puxada para a velocidade
de sincronismo, funcionando a partir daí como uma máquina síncrona de pólos salientes sem
excitação. Na Fig. 7.21 representa-se esquematicamente uma máquina deste tipo.

131
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Fig. 7.21: máquina síncrona de relutância variável.

Estas máquinas têm um binário de arranque elevado, são robustas e compactas e são
principalmente utilizadas como motores síncronos de pequena potência controlados por
conversores electrónicos.

7.11 Funcionamento de alternadores em paralelo

Quando a potência a alimentar é elevada, a alimentação é feita por vários alternadores


ligados em paralelo. Antes de se ligar um alternador em paralelo com outro (ou outros) já em
funcionamento, é necessário efectuar-se um conjunto de procedimentos para que se criem as
condições favoráveis para que o paralelo se realize de modo estável e sem danos. Primeiro
que tudo, é necessário garantir que a sequência de fases do alternador a lançar seja a mesma
da rede; esta situação é normalmente testada na fase de ligação do alternador ao quadro
eléctrico. Para se efectuar o paralelo, a operação mais usual consiste em: (a) levar o grupo
motor-gerador a uma velocidade próxima da de sincronismo, e a garantir a mesma frequência
da tensão; (b) ajustar a corrente de excitação para que o valor da tensão do alternador para
seja muito aproximadamente igual à tensão do barramento; (c) verificar se as tensões do
alternador e da rede estão em fase.

Se não se verificarem as condições (b) e (c) ao efectuar-se a ligação, o alternador será


percorrido por correntes de intensidade elevada que fará disparar as protecções. Se não se
verificar a condição (a), o binário que actuará sobre o rotor pode não ser suficiente para o
levar rapidamente à velocidade de sincronismo e o paralelo torna-se instável.

Quando as condições (a), (b) são conseguidas, e a sequência de fases é a mesma, no instante
em que se verifique a condição (c) fecha-se o disjuntor que o liga o alternador a lançar com o
barramento. Depois de feito o paralelo, regula-se a potência activa fornecida à rede através
do ajuste da velocidade do motor do grupo e actua-se sobre a corrente de excitação para se
ajustar a potência reactiva fornecida pelo alternador.

Para além de voltímetros e frequencímetros que indiquem o valor da tensão e da frequência


da rede e do alternador a lançar, é também necessário um sincronoscópio (ou um sistema
lâmpadas como as designadas por de fogos girantes) para se detectar quando as tensões estão
em fase.

132
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Na Fig. 7.22 apresenta-se o esquema de um alternador, com os blocos de regulação da tensão


e da frequência, e o sincronoscópio necessário para se efectuar o paralelo com a rede. O
sincronoscópio está representado na Fig. 23.

Fig. 7.22: Gerador síncrono ligado à rede.

Fig. 7.23: sincronoscópio.

Na Fig. 7.24, representa-se o esquema multifilar de um alternador sem escovas. A excitatriz é


uma máquina síncrona de menor potência montada no mesmo veio e destinada a alimentar o
enrolamento do indutor principal. Por sua vez, a corrente de campo da excitratiz é obtida a
partir da rectificação das tensões trifásicas.

133
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Fig. 7.24: Esquema de um alternador sem escovas (brushless generator).

A Fig. 7. 25 representa um sistema de controlo da corrente de excitação para regulação do


valor eficaz da tensão de saída (tensão do barramento em carga) e da potência reactiva do
alternador destinado a funcionar em paralelo com a rede de distribuição.

134
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Fig. 7.25: circuito de regulação da corrente de campo.

O campo indutor da máquina síncrona tem o mesmo número de pólos que o estator, que
podem ser constituído por ímanes permanentes ou por electroímanes alimentados por uma
fonte de corrente contínua – corrente de campo ou corrente de excitação. No caso do campo
excitado por corrente, existem máquinas com escovas e sem escovas. Em qualquer dos casos,
a corrente do rotor dá origem um campo magnético fixo nos pólos do rotor que roda em
sincronismo com o fluxo do estator. O motor síncrono não pode arrancar directamente, a
menos que o rotor tenha enrolamentos amortecedores. Estes enrolamentos servem para
limitar as oscilações do binário e funcionam como uma gaiola de esquilo. Esta gaiola permite
arrancar o motor síncrono como se fosse um motor de indução, e quando a velocidade do
motor atinge aproximadamente 97% da velocidade nominal, o circuito do campo indutor é
lidado, a corrente de campo CC circula nos enrolamentos do rotor e o motor é arrastado até à
velocidade de sincronismo.

Uma das vantagens dos motores síncronos é que permitem regular o factor de potência
através da corrente de campo (ou de excitação). Ao contrário dos motores assíncronos que
funcionam sempre com factor de potência indutivo (em atraso), os motores síncronos podem
funcionar com factor de potência unitário ou até capacitivo (em avanço). O ajuste do factor
de potência é feito através da corrente de campo. Esta situação permite usar a máquina
síncrona como um compensador do factor de potência.

Um motor síncrono rodando em vazio e sobreexcitado, isto é, com a corrente de excitação


acima da que produz uma corrente no induzido com factor de potência unitário, produz uma
potência reactiva de tipo capacitivo que é usada para melhorar o factor de potência e a
regulação de tensão nos barramentos. A máquina funciona então como um condensador
(condensador síncrono).

135
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

7.12 Problemas

1.Explique porque numa máquina síncrona se verifica uma relação constante entre a
frequência , a velocidade e o número de pares de pólos.

2. Explique como pode regular a potência activa e a reactiva fornecida por um gerador
síncrono.

3. Considere um gerador síncrono trifásico tem as características: S=125 kVA, cosΦ=0,8


indutivo, UN=380V, 50Hz, Xs=1,2 Ω/fase. A resistência do induzido é desprezável.
a) Para as condições de carga nominais, determine a queda de tensão em %.
b) Desenhe o diagrama vectorial nas condições da a).
c) Calcule a tensão numa carga de impedância Z=4,8+j2,7Ω, ligada em triângulo, quando a
tensão em vazio é a nominal.
d) Determine o ângulo de potência δ, nas condições da c).
e) Repita as c) e d) para Z=4,8-j2,7Ω.
f) Admitindo que Xs'' = 0,15 Ω, determine o valor máximo da corrente de curto-circuito aos
terminais do alternador.
g) Repita a questão anterior para Xs'' = 0,15 pu.

4. Uma máquina síncrona de rotor cilíndrico funcionando como gerador está ligada a uma
rede eléctrica através dum barramento com tensão U=1,0 pu. O circuito eléctrico equivalente
em regime estacionário está representado na figura 1, sendo a rede representada pelo seu
circuito equivalente de Thevenin. O gerador funciona a plena carga injectando na rede a
potência activa P=1 pu. Considerando como referencial a tensão U, calcule (em valores pu):

a) o valor eficaz da corrente na linha I;


b) o valor eficaz da fem, E;
c) o ângulo de potência no gerador;
d) a potência reactiva posta em jogo pelo
gerador.
e) A corrente de campo é reduzida para 72%
do valor anterior e mantém-se a mesma
potência mecânica no veio do gerador.
Considerando a característica do
entreferro, qual é a variação da potência
aparente do gerador?

5. Considere o caso dum gerador síncrono funcionando em paralelo com uma rede.
a) Quais são as condições necessárias para que se possa ligar o gerador síncrono em
paralelo com a rede?
b) Uma vez estabelecido o paralelo com a rede, diga quais são as consequências de:
b1) reduzir a velocidade do grupo, mantendo a corrente de campo;

136
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

b2) mantendo a velocidade, reduzir a corrente de campo.

6. Um gerador síncrono, 50 Hz, tem um rotor com pólos salientes e as resistências dos
enrolamentos do estator são desprezáveis. O gerador encontra-se a fornecer uma corrente
0,75 pu com factor de potência 0,90 indutivo, à tensão e a frequência nominais. As
reactâncias do estator são Xd=0,82 pu e Xq=0, 63 pu. Calcule:
a) o ângulo de potência;
b) as componentes da directa e quadratura da corrente no induzido;
c) o valor eficaz da tensão em vazio;
d) a regulação de tensão;
e) No sistema de eixos qd, desenhe o diagrama vectorial com as correntes, tensão e fem
induzida no estator.
f) Considerando como valores base a tensão composta de 6,9kV e a potência nominal de
1MVA, calcule os valores das reactâncias em unidades do SI.

137
Máquinas Eléctricas
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CAPÍTULO 8.

TRANSFORMADAS DE CLARKE E DE PARK

8.1 Introdução

Viu-se no Cap. 5 que no estator de uma máquina trifásica, um sistema de correntes trifásicas
(8.1) que circulam nas três bobinas desfasadas de 120º dão origem a um campo magnético
girante, Br, que roda com velocidade angular ω=2πf. A intensidade do campo magnético
girante é constante e é igual a 1,5 vezes a amplitude do campo criado por cada bobina (8.2),
tal como se exemplifica na Fig. 8.1 para o instante t.

i1 (t ) = I m cos(ωt )

i 2 (t ) = I m cos(ωt − ) (8.1)
3

i3 (t ) = I m cos(ωt − )
3

B1 (t ) = Bm cos(ωt )∠0
2π 2π
B 2 (t ) = Bm cos(ωt − )∠ − (8.2a)
3 3
4π 2π
B 3 (t ) = Bm cos(ωt − )∠
3 3
B r = B1 + B 2 + B 3 (8.2b)
Br = 2 Bm cos(30º ) cos(30º ) = 1,5 Bm (8.2c)

Fig.8.1: Campo magnético girante criado pelas correntes trifásicas no instante t.

138
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Duas bobinas com planos perpendiculares entre si e que são percorridas por duas correntes
desfasadas de 90º também produzem um campo girante. As correntes (8.3) nas bobinas da
Fig. 8.2 dão origem a campos magnéticos que têm direcções perpendiculares, a sua resultante
é um campo girante que roda com velocidade angular ω=2πf e cuja intensidade é igual à
amplitude do campo de cada bobina.

i1 (t ) = I m cos(ωt )
π (8.3)
i2 (t ) = I m cos(ωt − )
2

Fig.8.2: Campo magnético girante criado pelas correntes bifásicas com fase α.

Concluindo: à parte o factor de escala 3/2, os dois sistemas de correntes (com as respectivas
bobinas) criam o mesmo campo girante.

8.2 Transformada de Clarke

Considere-se um referencial no plano complexo composto por dois eixos ortogonais sendo
um real, α, e outro imaginário, β. Este sistema de eixos em quadratura é o referencial das
correntes equivalentes do estator, iα e iβ, que produzam o mesmo campo girante que as
correntes trifásicas do estator da máquina (i1, i2, i3).

j
Definindo um operador de rotação espacial α = e 3 , as correntes iα e iβ são obtidas através
da transformação das correntes trifásicas equilibradas de (8.1):

139
Máquinas Eléctricas
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iα =
2
3
(
⋅ ℜe i1 + α i 2 + α 2 i3 ) (8.4a)

2
(
iβ = ⋅ ℑm i1 + α i 2 + α 2 i3
3
) (8.4b)

Substituindo (8.1) em (8.4) e fazendo uso das equações trigonométricas

de (8.4) resulta

iα =
2
3
( )
⋅ ℜe i1 + α i2 + α 2 i3 = i1 (8.5a)

iβ =
2
3
( )
⋅ ℑm i1 + α i 2 + α 2 i3 =
1
i1 +
2
i2 (8.5b)
3 3

As equações (8.5) podem ser escritas na seguinte forma matricial:

i 
iα   1 0 0  1 
 = 1 2  ⋅ i  (8.6)
 iβ   0  2 
 3 3  i 
 3

Uma outra transformação, conducente às mesmas correntes iα e iβ, resulta directamente de


(8.1). É fácil verificar que o resultado pode ser escrito na forma matricial de (8.7):

 1 1   i1 
iα  2  1 − −   
 =  2 2  ⋅ i  (8.7)
2
 iβ  3  3 3  
0 −
 2 2  i3 

A transformada directa de Clarke transforma um sistema de tensões (ou correntes) trifásicas


(1, 2, 3) num sistema bifásico (α, β) com eixos em quadratura. As tensões (ou correntes)
trifásicas no estator e as correntes em quadratura, iα e iβ, são todas sinusoidais.

A transformação inversa de Clarke faz com que se volte ao sistema de três eixos 1, 2, 3,
trifásicos, a partir das coordenadas α e β. Essa transformação pode ser obtida por:

140
Máquinas Eléctricas
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 
 i1   1 0 
  2 1 
3  iα 
i2  =  − ⋅  (8.8)
  3 2 2   iβ 
 
i3   1 3
− − 
 2 2 

Qualquer máquina eléctrica pode ser descrita em diferentes sistemas de coordenadas. Na Fig.
8.3 representa-se o sistema de eixos trifásico, normal ao plano das correspondentes fases 1, 2,
3, desfasados de 120º, e o sistema de eixos bifásico de coordenadas α e β, em quadratura,
orientado com o campo do estator. Normalmente, faz-se coincidir o eixo α com o da fase 1.
As tensões, correntes e fluxos podem ser transformados entre os dois sistemas de eixos
através das transformadas directa e inversa de Clarke. Os modelos resultantes são
equivalentes, sendo que o sistema de coordenadas α e β é mais simples de utilizar quando se
utilizam modelos dinâmicos da máquina. No sistema de coordenadas (α, β) a representação
vectorial da corrente no estator é dada por i s = iα + j iβ . As mesmas transformações podem-
se aplicar às correntes no rotor e com um sistema bifásico é mais fácil obter-se um modelo
que represente a interacção dos dois campos girantes, o do estator e o do rotor.

Fig.8.3: Sistemas de eixos (α,β).

No exemplo 8.1 apresenta-se um ficheiro que permite estudar as transformações de Clarke


directas utilizando o programa Scilab (http://www.scilab.org/download/).

Exemplo 8.1 ------------------------------------------------------------------------------------------------


Para testar os resultados anteriores apresenta-se um ficheiro para ser corrido no Scilab. As
componentes iα e iβ são iguais às apresentadas na Fig. 8.4.

141
Máquinas Eléctricas
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//----- Programa transformada de Clarke -------


t=0:0.0001:0.04; w=100*%pi;
ia=cos(w*t); // correntes trifásicas
ib=cos(w*t-2/3*%pi);
ic=cos(w*t+2/3*%pi);
//-------------------------- Eq. (8.4) ----------------------------------------
alfa=exp(%i*2/3*%pi);
IS=ia+alfa*ib+alfa^2*ic;
ISre=2/3*real(IS);
ISim=2/3*imag(IS);
dados=[ISre' ISim'];
xset("window",1); xset("thickness",2);
plot2d(t, dados,[2,5],leg="alfa@beta"); xset("thickness",1);xgrid(3);
xtitle( 'transformada (8.5)', 't [s]', '[A]') ;
// ---------------------- Campo girante ----------------------------------
xset("window",2); xset("thickness",2);
plot2d(ISre,ISim); xset("thickness",1);xgrid(3);
// ---------------- 1ª construção de T.de Clarke, Eq. (8.6) ------------------------
ix=ia;
iy=(ia+2*ib)/sqrt(3);
xset("window",3); xset("thickness",2);
plot2d(t, [dados ix' iy']); xset("thickness",1);xgrid(3);
// --------------------- 2ª construção da T. de Clarke, Eq. (8.7) -------------------
ix2=(ia-ib/2-ic/2)*2/3;
iy2=sqrt(3)/2*(ib-ic)*2/3;
xset("window",4); xset("thickness",2);
plot2d(t, [ISre' ISim' ix' ix2' iy' iy2'],[1,1,2,2,5,5]); xset("thickness",1);xgrid(3);
xtitle( 'transformadas (8.5) (8.6) (8.7)', 't [s]', '[A]') ;

Fig. 8.4: componentes (α, β).

142
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

8.3 Transformada de Park

As componentes α e β calculadas com a transformação de Clarke estão referenciadas ao


estator e são duas grandezas em quandratura. Mas é importante que os modelos das máquinas
rotativas tenham todas a grandezas com uma referência comum e usualmente escolhe-se o
referencial do rotor. Na Fig. 8.5 representa-se o esquema simplificado duma máquina
síncrona com os eixos do estator (a, b, c) e (α, β) e os eixos do rotor: d (directo) e q
(quadratura).

A utilização do referencial do estator não é a mais adequada para o estudo dinâmico da


máquina porque os referenciais giram com velocidade igual à frequência angular das
correntes das fases; os referenciais são síncronos com o campo do estator e as componentes
em α e β dependem do tempo e da velocidade de rotação. Todavia, estas componentes podem
ser transformadas do referencial do estator para um sistema de coordenadas dq que gira na
mesma velocidade que a frequência angular das correntes das fases. Com esta transformação,
as correntes id e iq passam a ser independentes do tempo e da velocidade, e em regime
estacionário são correntes contínuas.
À semelhança do que se fez no §7.9, consideram-se dois eixos dq que são referidos ao campo
do rotor e que giram com este: o eixo d do rotor é alinhado com o fluxo do rotor e o eixo q é
perpendicular a d, o que se presenta na Fig. 8.5.

Fig.8.5: Esquema simplificado da máquina síncrona e os seus sistemas de eixos.

Sendo θm o ângulo entre o fluxo magnético do estator e o fluxo magnético do rotor (Fig. 8.5),
as correntes id e iq obtêm-se a partir das correntes iα e iβ, aplicando a transformação associada

143
Máquinas Eléctricas
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à rotação espacial dos eixos dq do ângulo mecânico (espacial) θm. Definindo o operador
espacial de rotação dos eixos φ = e jθ m , da Fig. 8.6 resulta:

id + j iq = (iα + jiβ ) ⋅ e − jθ m (8.9)

Fig.8.6: Representação de is nos dois sistemas de eixos.

Desenvolvendo (8.9) obtém-se:

id = cos θ m ⋅ iα + sen θ m ⋅ iβ (8.10a)


iq = −sen θ m ⋅ iα + cos θ m ⋅ iβ (8.10b)

As equações (8.10) traduzem a transformada de Park que pode ser escrita na seguinte forma
matricial:

id   cos θ m sen θ m  iα 


 = ⋅  (8.11)
iq  - sen θ m cos θ m   iβ 

A transformada inversa de Park é dada por,

iα = cos θ m ⋅ id − sen θ m ⋅ iq (8.12a)


iβ = sen θ m ⋅ id + cos θ m ⋅ iq (8.12b)

Conhecido θm, quaisquer grandezas dum sistema trifásico (Sa, Sb, Sc) podem ser
transformadas no sistema de eixos dq usando sucessivamente a transformada de Clarke e

144
Máquinas Eléctricas
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seguidamente a transformada de Park como se ilustra na Fig. 8.7. A transformação dos eixos
(d, q) para os eixos (a, b, c) é feita através das transformadas inversas.

Fig.8.7: Sequencia da transformação dos eixos (a, b, c) para os eixos (d, q).

Uma das vantagens de utilização do referencial dq do rotor é que as fmm são estacionárias
em relação ao rotor fictício, motivo pelo qual os coeficientes de indução nos eixos dq são
constantes.
Uma generalização da transformada de Park permite que grandezas sinusoidais - tensões,
correntes e fluxos - nos eixos (a, b, c) do estator possam ser transformadas directamente para
um referencial de eixos dq0 no rotor como grandezas contínuas. Esta operação é realizada
pela chamada transformação dq0 que é função do ângulo eléctrico θ formado pelo eixo d do
rotor e o eixo a das fases do estator. Numa máquina com p pares de pólos é θ = pθ m . A
terceira componente, 0, é introduzida para se obter uma transformação única das três
grandezas do estator.

id  ia 
i  = T(θ).i  (8.13a)
 q  b
 i0  ic 

com

 2π 2π 
 cos θ cos(θ − 3 ) cos(θ + 3 ) 
2 2π 2π 
T(θ) = − sin θ − sin(θ − ) − sin(θ + ) (8.13b)
3 3 3 
 1 1 1 
 2 2 2 

θ=ωt+θ0 (8.13c)

145
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Os valores instantâneos das correntes id, iq e i0 são tais que dão origem a fmm nos eixos dq0
iguais às que são criadas pelas correntes trifásicas do estator.
A transformada dq0 inversa é dada por,

ia  id 
i  = T −1 (θ).i  (8.14a)
 b  q
ic   i0 

com

 
 cos θ − sin θ 1 
 2π 2π 
T −1 (θ) =  cos(θ − ) − sin(θ − ) 1  (8.14b)
 3 3 
 cos(θ + 2π ) 2π
− sin(θ + ) 1 
 3 3 

Em sistemas simétricos, em que ia + ib + ic = 0 , a transformada pode ser escrita como:

ia 
id   
i  = T(θ).ib  (8.15a)
 q ic 
com

 2π 2π 
2  cos θ cos(θ − 3 ) cos(θ + ) 
3
T(θ) =   (8.15b)
3 − sin θ − sin(θ − 2π ) − sin(θ + 2π )
 3 3 

As equações (8.15) são vulgarmente utilizadas para modelizar o comportamento das


máquinas síncronas e assíncronas. É de salientar que as transformações para o referencial do
rotor exigem o conhecimento do ângulo do rotor, θm, que varia com o tempo.

8.4 Transformada dq0 num sistema trifásico

A tensão numa bobina com coeficiente de indução L e resistência R como se representa na


Fig. 8.8 é dada por,


v = ri + com Ψ = L i (8.16)
dt

146
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

Fig.8.8: Circuito RL equivalente a uma bobina.

Num referencial genérico de eixos d-q, as equações correspondentes as (8.16) nesses eixos
são:

 dΨ 
vd = rid +   (8.17a)
 dt  d
 dΨ 
vq = riq +   (8.17b)
 dt  q

As equações (8.17) são aplicáveis aos circuitos do estator e do rotor duma máquina trifásica
cuja velocidade eléctrica do rotor é ω. Considerando ψ0=0, e a transformada de Park (8.13),
obtém-se:

Ψa 
Ψd   
 Ψ  = T(θ). Ψb  (8.18)
 q  Ψc 

As derivadas dos fluxos de (8.17) nos eixos dq podem ser obtidas derivando (8.18). Tendo
em conta que θ=ωt+θ0, resulta:

Ψ& 
a Ψa 
Ψ & 
d &  &  
 &  = T(θ). Ψb  + T(θ). Ψb  (8.19)
 Ψq  Ψ&   Ψc 
 c

& (θ) = dT dθ = dT ω .
& = dΨ e T
com a representação usual Ψ
dt dθ dt dθ

Tendo em conta (8.18), o desenvolvimento de (8.19) conduz a

Ψ
&  ( Ψ
d
& )   − ωΨ 
d q
 = +  (8.20)
Ψ
&   (Ψ
& )   ωΨ 
  
q q   d 

147
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

& ) =  dΨ  .
& ) =  dΨ  e (Ψ
com (Ψ d q
 dt  d  dt  q

Substituindo (8.21) em (8.18), resulta:

dΨd
v d = r id + − ωΨq (8.21a)
dt
dΨq
vq = r iq + + ωΨd (8.21b)
dt

As equações (8.21) são as equações gerais num referencial genérico dq. Com base nelas,
obtêm-se modelos mais simples das máquinas síncronas e assíncronas considerando
referenciais alinhados com os fluxos do rotor, Fig. 8.5, do que os modelos baseados nas
tensões e correntes das fases

As equações do tipo de (8.22) podem ser completadas com as equações da potência e do


binário das máquinas trifásicas. Considere-se um sistema de tensões e correntes trifásicas
com valores instantâneos na forma de (8.1) no estator duma máquina trifásica. A potência
instantânea no estator é dada por

p = v1i1 + v 2 i2 + v3i3 (8.22)

Aplicando a transformada dq0 (3.5) a (4.7), resulta

3
p= ( v d i d + v q i q + 2v 0 i 0 ) (8.23)
2

O binário electromagnético de uma máquina com p pares de pólos resulta da divisão de (4.8)
pela velocidade eléctrica do rotor, ω; substituindo (8.22) em (8.24), para o sistema trifásico
simétrico, resulta:

3
Tem = p (Ψd iq − Ψq id ) (8.24)
2

Da equação (8.25) é interessante verificar que o binário é produzido pelos fluxos e as


correntes que se encontram em quadratura.

As equações (8.22) e (8.25) estão na base dos modelos dinâmicos das máquinas eléctricas
trifásicas [1-3].

148
Máquinas Eléctricas
José Dores Costa

8.5 Bibliografia:

[1] A.E. Fitzgerald, C. Kingsley, S.D. Umans, Electric Machinery, McGraw-Hill, 6ª Ed.

[2] Francesco Orsi, Studio del Modelo Dinamico del Motor Asincrono, Mathcad Library,
http://www.mathcad.com/Library/LibraryContent/MathML/mod3.htm

[3] Stephen J. Chapman, Electric Machinery Fundamentals McGraw-Hill, 5th Edition, 2011

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