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CONTROLE SOCIAL E SEGURANÇA

O controle social propõe conduzir todos a colaborarem


com o que é estabelecido para o melhor convívio. Nessa
busca por harmonia social, ao longo dos anos, foram
estabelecidos códigos e normas para orientar costumes,
contudo esse esforço não bastou para que as comunidades
formadas se respeitassem.
Surgiu então a necessidade de estabelecer instituições,
entre elas o próprio Estado, para fazer valer as normas
legais. Nesta obra, como o maior e mais poderoso agente
de controle social, o Estado é foco de reflexão em sua
relação com as instituições que o promovem e as temáticas
envolvidas com a Segurança Pública, como as Políticas
Públicas e as teorias da criminologia. Família, religião e
escola são igualmente abordadas como instituições que
interferem no comportamento das pessoas.
Controle social e segurança propõe temáticas importantes
àqueles interessados no estudo do Estado, de seus órgãos
de controle social e da participação da comunidade no
estabelecimento de uma sociedade mais justa e fraterna.

MARCELO TREVISAN KARPINSKI

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6526-4

58861 9 788538 765264


Controle social
e segurança

Marcelo Trevisan Karpinski

IESDE
2019
© 2019 – IESDE BRASIL S/A.
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
K28c
Karpinski, Marcelo Trevisan
Controle social e segurança / Marcelo Trevisan Karpinski. - 1. ed. - Curitiba [PR] :
IESDE Brasil, 2019.
140 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6526-4
1. Segurança pública - Brasil. 2. Controle social - Brasil. I. Título.
CDD: 363.10981
19-60860
CDU: 351.78(81)

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Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Marcelo Trevisan Karpinski
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em
Administração Pública pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Especialista
em Administração com ênfase em Segurança Pública pela Faculdade Educacional Araucária
(Facear). Especialista em Políticas Públicas pela Faculdade São Braz. Graduado em Direito pela
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Bacharel em Segurança Pública pela Academia Policial
Militar do Guatupê, Escola Superior de Segurança Pública da Polícia Militar do Estado do Paraná
(APMG/Esusep/PMPR). Instrutor dos cursos de formação de oficiais e demais cursos de formação,
atualização e aperfeiçoamento da Academia Policial Militar do Guatupê. Instrutor da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp) e do Programa Educacional de Resistência às Drogas e
à Violência (Proerd). Oficial da Polícia Militar do Estado do Paraná. Membro da Academia de
Letras dos Militares Estaduais do Paraná (Almepar – Patrono Capitão PM João Alves da Rosa
Filho), ocupante da cadeira n. 14 “Coronel PM José Scheleder”. Palestrante de temas que envolvem
Segurança Pública e privada.
Sumário

Apresentação 7

1 Controle social  9
1.1 Controle social: conceitos e evolução histórica 9
1.2 Instituições de controle social 14
1.3 Estado: instituição de controle social 18
1.4 Monopólio da violência legitimada 28

2 Segurança Pública 33
2.1 Concepções de Segurança Pública 33
2.2 Desenho e funcionamento constitucional da Segurança Pública 36
2.3 Avanços institucionais da Segurança Pública no Brasil 38

3 Política e planos de segurança 55


3.1 Introdução às Políticas Públicas 55
3.2 Políticas para a redução da violência 64
3.3 Políticas e Planos de Segurança Pública 67

4 Prisão e política penitenciária 81


4.1 Criminologias do consenso e do conflito 81
4.2 Justiça Restaurativa 88
4.3 Justiça Restaurativa aplicada aos adolescentes em conflito com a lei 102

5 Prevenção do crime e policiamento comunitário 117


5.1 Polícia e policiamento 117
5.2 Participação da comunidade 121
5.3 Avaliação de políticas em Segurança Pública 126

Gabarito 135
Apresentação

O controle social é exercido na sociedade de maneira a conduzir todos a colaborarem com


o que é estabelecido para o melhor convívio. A conformidade, conceito a ser estudado nesta obra,
é o comportamento esperado em relação às regras que se impõem, enquanto o comportamento de
desvio se torna passível de reprimendas.

Neste contexto de busca por harmonia social, os seres humanos ao longo dos tempos
estabeleceram códigos e normas para orientar costumes, contudo isso não bastou para que as
comunidades formadas se respeitassem. Surge então a necessidade de estabelecer instituições,
entre elas o próprio Estado, para fazer valer as normas legais.

Veremos que o Estado, como o maior e mais poderoso agente de controle social, em sua
atuação, se vale da violência física legitimada, conceito que o caracteriza e o torna detentor do
monopólio da força. Essa força é delegada aos órgãos de Segurança Pública, que também são alvos
de nosso estudo nesta obra por fazerem parte do controle da sociedade.

Família, religião e escola são igualmente abordadas em sua relação direta no controle social
como instituições que interferem no comportamento das pessoas. Com características próprias,
essas instituições atuam de diversas maneiras e são complementares, cada qual com sua importância.

Nesse sentido, esta obra está estruturada em cinco capítulos, que partem, no Capítulo
1, da definição de controle social, sua evolução histórica e as instituições que o promovem. Em
seguida, no Capítulo 2, apresentamos a Segurança Pública e sua atuação em prol da sociedade. O
terceiro capítulo aborda as Políticas Públicas, mais precisamente aquelas que tangem o universo da
Segurança. O Capítulo 4 apresenta a criminologia, seus conceitos e teorias. E, por fim, o Capítulo
5 encerra trata de polícia e policiamento, com especial destaque à participação da comunidade nas
questões que envolvem a Segurança Pública.

Controle social e segurança propõe temáticas que acrescentam muita informação àqueles
interessados pelo estudo do Estado, de seus órgãos de controle social e da participação da
comunidade no estabelecimento de uma sociedade mais justa e fraterna.

Boa leitura!
1
Controle social

Na vida em sociedade, espera-se que todos colaborem mutuamente para que o convívio,
necessário e obrigatório, seja agradável. Inclusive, as causas primeiras que levaram o ser humano
a se agrupar com pares foram, entre outras, a necessidade de afeto, segurança e troca de valores,
sejam de ordem material, moral ou de vínculo com a comunidade que se estabelecia, a fim de
garantir sua sobrevivência.
Toda forma de organização social, contudo, demanda normas a serem seguidas. Imaginemos,
por exemplo, o convívio em condomínios residenciais. Cada condômino deve obedecer às
regras de boa vizinhança, como retirar o lixo e depositá-lo de maneira adequada; evitar que seus
animais de estimação permaneçam ou sujem áreas comuns; guiar seus veículos pelas garagens em
velocidade compatível; respeitar os horários para barulhos etc. Pode parecer exagero, mas a vida
em comunidade requer, antes, respeito e educação, de modo que a desejada paz social possa ir
se estabelecendo.
Assim, com a necessidade de organização social, tudo começou. O processo civilizatório foi
se instalando e criamos entes, órgãos e ferramentas de controle para administrar as relações nos
seus diferentes contextos. Na busca do equilíbrio entre as necessidades individuais e compartilhadas
surge o controle social, objeto de reflexão deste capítulo.

1.1 Controle social: conceitos e evolução histórica


Para viver em comunidade, a colaboração mútua é um pré-requisito. Há uma expectativa em
relação ao comportamento alheio, oriunda de um conjunto de normas previamente estabelecido,
sobre o qual se espera uma atitude cooperativa. Por meio das normas, todos sabem o que esperar
uns dos outros.
Entretanto, quando não há colaboração por parte de alguns indivíduos do grupo, causando
o rompimento das normativas, uma reprimenda ou sanção é requerida, de modo a impedir que
problemas relativos a essa atitude se repitam ou agravem. Práticas punitivas, nesse sentido, são
aplicadas para desencorajar aqueles dispostos a burlar as regras sociais. Se as normas são quebradas,
pode-se interpretar que houve uma traição ao sistema, carecendo de responsabilização para manter
o controle social.
Aproveitando os ensinamentos de Lakatos e Marconi (1999), vamos imaginar, por exemplo,
um grupo de criminosos. Dentro desse grupo, as práticas criminosas são aceitas e consideradas em
conformidade com suas normas; porém, essas mesmas práticas são julgadas desvios ou disfunções
por aqueles cujos padrões comuns são outros. Dessa forma, chegamos a dois conceitos importantes:
conformidade e desvio. Lakatos e Marconi (1999, p. 226-227, grifos nossos) assim definem:
10 Controle social e segurança

Conformidade seria a ação orientada para uma norma (ou normas) especial,
compreendida dentro dos limites de comportamento por ela permitido ou
delimitado. Dessa maneira, dois fatores são importantes na conceituação de
conformidade: os limites de comportamento permitido e determinadas normas
que, consciente ou inconscientemente, são partes da motivação da pessoa.
[...]
Por sua vez, o comportamento de desvio é conceituado não apenas como um
comportamento que infringe uma norma por acaso, mas também como um
comportamento que infringe determinada norma para a qual a pessoa está
orientada naquele momento, o comportamento em desvio consiste, pois, em
infração motivada.

Esses conceitos buscam integrar o processo de socialização, que se trata da interiorização


(ou não) das normas, dos elementos culturais e sociais por um indivíduo.
A seguir, o Quadro 1 apresenta as principais causas da conformidade para melhor ilustrá-la.
Quadro 1 – Causas da conformidade

Processo que propicia a interiorização das normas sociais, as quais se integram na estrutura
Socialização
da personalidade.

Processo por meio do qual a pessoa se adapta às diversas normas e valores em conflito, e aos
Isolamento diferentes momentos e lugares, de tal maneira que a ação apropriada para uma determinada
ocasião permanece restrita a ela.

Além do fator tempo e lugar, as normas e valores, integrantes de um sistema sociocultural,


encontram-se classificados por ordem de precedência. Essa hierarquia permite uma escolha
Hierarquia
mais adequada, em ocasiões para as quais mais de uma norma pode ser aplicada no mesmo
momento e no mesmo lugar.

Quando conhecido, o controle social pode funcionar através da antecipação, pois a pessoa
Controle social socializada é capaz de prever as consequências de seu comportamento desviado se ferir as
expectativas dos demais.

A ideologia pode reforçar a conformidade de seus membros quando dá um apoio “intelectual” às


Ideologia normas, por meio de uma visão do papel e do lugar do grupo na sociedade (quando as ideologias
contestam a validez desse papel, podem dar origem a desvios, no sentido revolucionário).

As normas sociais definem não só as obrigações, como também os direitos. Dessa maneira,
as possíveis sanções para a conformidade dos membros às normas sociais, que protegem
Interesses
certas vantagens desfrutadas por seus membros, as transformam em vantagens legitimadas,
adquiridos
originando a convicção no apoio dado às normas. A expressão interesses adquiridos é, ainda,
desprovida de conotações valorativas quando empregada nesse contexto.

Fonte: Adaptado de Johnson citado por Lakatos; Marconi, 1999, p. 227.

Do Quadro 1, extraímos as principais causas da conformidade que conduzem o indivíduo a


manter o comportamento permitido e considerado adequado.
Assumindo que o oposto da conformidade é o comportamento de desvio, o Quadro 2, a
seguir, indica suas principais causas:
Controle social 11

Quadro 2 – Causas dos desvios

Socialização falha O termo falha é avaliatório e seu emprego representa o ponto de vista dos que aceitam
ou carente as normas em questão.

Se as sanções positivas e negativas, referentes à conformidade e ao desvio, são fracas,


Sanções fracas
perdem muito de seu poder de orientação ou de determinação do comportamento.

Cumprimento medíocre Se as sanções são adequadamente fortes, mas sua aplicação é frequente, sendo
das sanções poucas as pessoas encarregadas de sua execução, a validade da norma enfraquece.

A racionalização é o processo pelo qual a pessoa que interiorizou as normas sociais


Facilidade de
justifica seu comportamento em desvio, reconciliando-o com sua autoimagem de
racionalização
pessoa digna de confiança e seguidora das normas sociais.

Muitas vezes, o alcance ou o limite de uma norma não é claramente definido. Dessa
Alcance indefinido maneira, o comportamento que alguns consideram desviado pode ser defendido pela
da norma pessoa como sendo, na realidade, mais legítimo do que o esperado; teríamos, como
exemplo, o comportamento dos radicais ou fanáticos.

O não descobrimento do comportamento em desvio e, em consequência, o não


Sigilo das infrações emprego imediato do controle social tendem a fortalecer a atitude criada por esse
desvio.

Quando as pessoas encarregadas da manutenção e aplicação da lei não as fazem


Execução injusta ou de maneira justa e equitativa ou quando são, até certo ponto, coniventes com o
corrupta da lei comportamento desviado de determinados elementos, acabam contribuindo para
solapar o respeito pela lei por parte da população.

Através da aprovação do comportamento, desviado ou não conformado, por seus


Legitimação companheiros, o indivíduo é encorajado no desvio das normas da sociedade maior,
subcultural do desvio assim como ocorre em uma quadrilha de ladrões: o que se considera comportamento
desviado na sociedade maior é conformidade para o grupo particular.

Sentimentos de A solidariedade e a cooperação existentes no interior do grupo exercem pressão sobre


lealdade para com os o indivíduo, a fim de que mantenha sua lealdade, mesmo que não mais aprove ou
grupos em desvio deseje persistir no comportamento desviado.

Fonte: Adaptado de Johnson citado por Lakatos; Marconi, 1999, p. 228-229.

Do Quadro 2, extraímos os fatores motivadores dos desvios que conduzem o indivíduo a


comportamentos disfuncionais em relação ao grupo com o qual se relaciona. As normas, entretanto,
modelam o comportamento das pessoas enquanto o receio da sanção e punição exerce a pressão
sobre os indivíduos, a fim de que se mantenham em conformidade com o estabelecido.
Os grupos que formam a base social – destacando-se entre eles o Estado, a Igreja, as
organizações profissionais, a família, o clube, o bando ou a quadrilha (os pares desviantes que
sustentam suas próprias normas), a comunidade e as relações sociais em geral (MACLAVER;
PAGE apud LAKATOS; MARCONI, 1999) – contam com sanções e devidas reprimendas em caso
de desvio de comportamento. Essas ocorrem segundo o código de normas desses grupos.
12 Controle social e segurança

A seguir, a Figura 1 ilustra esse exemplo com os elementos citados.


Figura 1 – Grupos, códigos e sanções

Grupos (base social) Códigos Sanções específicas

I – Associações constituídas em grande escala

O Estado a. Código Penal Constrangimento físico por


b. Código Civil meio de:
a. Multa, prisão, morte.
b. Indenização de prejuízos ou
restituição.

A Igreja Código religioso Excomunhão, penitência, perda


de prerrogativas, temor à cólera
da divindade.

As organizações profissionais Códigos profissionais Expulsão (perda da condição de


membro), perda do direito de
exercer a profissão (com ajuda do
código legal).

II – Associações constituídas em pequena escala

A família Código familiar Castigo dado pelos pais, exclusão


da herança (deserdação), perda
da preferência.

O clube Normas e regulamentos Perda da condição de membro,


de privilégios.

O bando (gangue) ou a Códigos dos marginais Morte e outras formas de


quadrilha violência.

III – A comunidade

A comunidade O costume, a moda, as Ostracismo social, perda da


convenções, a etiqueta reputação, o ridículo.

IV – As relações sociais em geral

As relações sociais em geral O código moral O sentimento de culpabilidade


(individualizado) ou degradação.

Fonte: Maclaver; Page apud Lakatos; Marconi, 1999, p. 145.

As sanções referem-se às penas ou recompensas pela violação ou execução, respectivamente,


de uma norma. Desse modo, sanções podem ser positivas quando o indivíduo recebe a aprovação da
comunidade onde vive, elogios e premiações; ou negativas, como o Quadro 3 descreve, resumindo-
se à exposição do indivíduo a perdas que vão desde o prestígio social e bens materiais até a vida.
Nesse sentido, o Quadro 3, a seguir, traz um rol de sanções negativas e suas definições:
Controle social 13

Quadro 3 – Sanções negativas

Violência ou ameaça de violência física. Legalmente, só ao Estado cabe o uso da força, por
meio de seu ordenamento jurídico e das organizações, tais como: exército, polícia, tribunais,
Constrangimento
penitenciárias. A força é exclusivamente para a proteção da sociedade, governo e castigo
físico
dos desvios. São exemplos de sanções físicas: prisão, residência vigiada, tortura (ilegal),
trabalhos forçados e pena de morte.

Resume-se a perdas econômicas. De modo legítimo, o meio para aplicar tal sanção é o sistema
jurídico, a partir de multas, indenização de prejuízos causados, restituição em caso de apropriação
Sanção econômica
indébita, etc. O Estado, clubes e associações profissionais, no caso de impedimento do exercício
da profissão, trazem como resultado os prejuízos econômicos, entre outros.

Refere-se à relação com deuses e espíritos e com a vida após a morte. Baseia-se na
aceitação, na crença e no poder do líder religioso. Certos comportamentos são considerados
Sanção religiosa agradáveis aos deuses, enquanto outros não. Quando há o desagrado aos deuses, as
sanções podem ser diversas: penitências, excomunhão, perdas dos méritos, ameaça de
condenação eterna, reencarnação em uma forma inferior, e assim por diante.

São as mais diversas. Amigos, família e comunidades pequenas aplicam, principalmente,


as sanções sociais. Variam para cada caso concreto, desde a rejeição até o afastamento e
Sanção
expulsão do grupo – quanto menor o grupo, mais se sente a sanção. O falatório e a fofoca
especificamente
são sanções poderosas; zombaria e olhar de censura também são sanções comuns em
social
pequenos grupos. Nos meios urbanos maiores, essas práticas informais não surtem efeito,
sendo necessários outros meios de controle social.
Fonte: Adaptado de Lakatos; Marconi, 1999, p. 234-235.

O fato de o comportamento adequado ou inadequado receber sanções está diretamente


ligado ao tema central deste capítulo: o controle social. Aprofundemos, então, esse conceito.
A expressão controle social tem origem na sociologia, designando o conjunto de mecanismos
de intervenção, o qual é usado por cada grupo como forma de garantir a conformidade do
comportamento dos indivíduos a seus padrões, princípios morais e regras, também correspondendo
à própria sociedade em que está inserido (BREUNIG; SOUZA, 2018).
Para o filósofo político Norberto Bobbio (apud MARQUES, 2019), há dois tipos de controle
social:
1. Controle externo: intervenções diretas acionadas quando os indivíduos não seguem o
padrão social estabelecido, deixando-os sujeitos às sanções e punições que garantem o
restabelecimento da ordem. O descumprimento das leis gera sanções, por exemplo, que
percorrem pagamento de multas, incidência de processos judiciais cíveis, administrativos
ou criminais e, até mesmo, a prisão – envolvendo polícia, legitimada pelo Estado para o
uso da força, para fazer os indivíduos se sujeitarem aos ditames das leis.
2. Controle interno: forma de controle que faz parte da consciência dos indivíduos,
envolvendo regras e normas interiorizadas que se tornam parte da identidade. Suas
ações são, portanto, reguladas de acordo com o que foi previamente estabelecido pelas
instituições sociais das quais é membro. Diz-se que tal controle opera-se pelo processo
de socialização, de início na infância com a família, escola e religião, levando o indivíduo
ao controle de seu próprio comportamento, com base nas determinações aprendidas no
grupo e incutidas em seu modo de agir correta ou incorretamente, bem ou mal.
14 Controle social e segurança

Nesse contexto, o controle social se mostra presente tanto nas manifestações do Estado
sobre a sociedade quanto nas relações com outras instituições sociais, às quais os indivíduos estão
sujeitos ao longo de suas vidas – família, religião, trabalho.
Ainda, outro viés conferido ao conceito de controle social tem relação com sua aplicação
no campo político. O controle exercido pela sociedade sobre as instituições políticas é a forma de
exercer a democracia participativa.
Para exemplificar, podemos ver, na Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), o artigo
74, parágrafo 2º: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União”. O artigo 31, parágrafo 3º, também dispõe: “As contas dos municípios ficarão, durante 60
dias, anualmente à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá
questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei”. Ainda, a população interessada pode criar
conselhos para exercer o controle e a fiscalização sobre os serviços públicos prestados pelo ente
estatal, como educação, saúde, infraestrutura ou segurança pública.
Diante desses conceitos, vamos conhecer, na sequência, as principais instituições que se
somam à definição e que podem regular o exercício do controle social sobre o indivíduo.

1.2 Instituições de controle social


As instituições sociais correspondem a grupos em que os indivíduos estão arbitrariamente
inseridos ou se inserem por vontade própria durante a vida, e que influenciam em seu comportamento e
posicionamento social. Para facilitar o entendimento, cabe ressaltar a opinião de Charon (2004, p. 121):
Uma instituição [social] é uma tradição importantíssima da sociedade – um
tipo de ação, interação, papel ou organização relevantes. Ela é muito valorizada
– considerada muito importante para a maioria de nós –, e nos sentimos na
obrigação de defendê-la, até mesmo de lutar por ela. Ela representa o que todos
nós somos. É também uma verdade importante para nós, já que a maioria a
considera a única maneira de atuar nesta sociedade.

Ainda, segundo Fichter (apud LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 168), instituição social é
conceituada como “uma estrutura relativamente permanente de padrões, papéis e relações que
os indivíduos realizam segundo determinadas formas sancionadas e unificadas, com objetivo
de satisfazer necessidades sociais básicas”. Instituições sociais compõem-se, assim, de grupos
formados por indivíduos que têm interesses comuns e se sujeitam às mesmas regras pré-definidas.
Elas surgem para atender às necessidades dos indivíduos organizados em grupos e, também, para
manter um controle social das atividades de quem nelas está inserido.
Para tanto, as instituições sociais têm características que devem ser observadas no momento
de sua constituição, conforme ensinam Lakatos e Marconi (1999):
• Finalidade, função ou meta: satisfação das necessidades sociais.
• Conteúdo relativamente permanente: padrões, papéis e relações entre indivíduos da
mesma cultura.
Controle social 15

• Estrutura: há coesão entre componentes, em virtude das combinações estruturais de


padrões de comportamento; há, também, uma hierarquia-autoridade e subordinação.
• Estrutura unificada: cada instituição, apesar de não poder ser completamente separada
das demais, funciona como uma unidade.
• Valores: têm normas que regulam a conduta e a atitude dos indivíduos.
Vemos, então, que a instituição social cumpre a função de organizar a sociedade com base em
uma estrutura repleta de padrões de comportamento delimitados por norma, valores e finalidades
(LAKATOS; MARCONI, 1999). Ela corresponde, portanto, às práticas ou formas de controle social
espalhadas por toda coletividade, as quais visam educar sujeitos capazes de viver em sociedade.
Para o sociólogo Émile Durkheim, as instituições sociais têm um papel pedagógico, pois
ensinam a ser parte da sociedade, cumprindo o papel de socialização. As características e o
funcionamento das instituições sociais se relacionam com a construção de um padrão de conduta
aos indivíduos que fazem parte da sociedade.
Portanto, em uma definição geral, as instituições sociais são um conjunto de regras e
procedimentos reconhecidos e sancionados pela sociedade e, para sedimentar nosso entendimento,
consideramos como as principais instituições sociais a família, a religião, a educação e o Estado.
Passemos a analisá-las, então, separadamente.

1.2.1 Família
Para Lakatos e Marconi (1999, p. 171), “a família, em geral, é considerada o fundamento
básico e universal das sociedades, por se encontrar em todos os agrupamentos humanos, embora
variem as estruturas e o funcionamento”. É ela o primeiro grupo social em que o indivíduo está
inserido. Desde o nascimento, a família é a primeira organização social a interferir diretamente no
seu comportamento. As regras e ensinamentos sociais, morais e de convivência de uma família já
existiam e se faziam obrigatórias mesmo antes de o indivíduo nascer, de modo que ele deverá se
adequar a esses preceitos.
Devido à sua importância, a família é objeto de proteção pelos Estados em seus ordenamentos
jurídicos. A título de exemplo, podemos citar a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) que,
em seu artigo 226, disciplina: “A família, base das sociedades, tem especial proteção do Estado”.
Nos incisos desse artigo, está disposto o entendimento constitucional sobre a configuração
da entidade familiar, assim como o casamento civil ou religioso que, inclusive, possui efeito
civil segundo a lei; a união estável entre o homem e a mulher; ou, ainda, a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes. No entanto, com a evolução da sociedade, outras
configurações familiares já são permitidas pela jurisprudência e ordenamento infraconstitucional.
Verifica-se que, na família, as funções principais estabelecidas são de reprodução, para
perpetuação da espécie humana; econômica, a fim de assegurar os meios de sobrevivência do
grupo; e educacional, na transmissão de valores e padrões culturais da sociedade em que a criança
está inserida. A família colabora com o conceito e efetividade do controle social, uma vez que o
modo como o exerce é internalizado na consciência do indivíduo e, com isso, passa a moldar sua
16 Controle social e segurança

convicção do que é certo ou errado, normal ou anormal. Por meio de modelos de comportamento
de afeto, amor, lealdade e respeito, a família educa para uma convivência social de qualidade frente
à diversidade.

1.2.2 Religião
A religião, quando seguida por seus cuidadores e familiares, também é uma das primeiras
instituições sociais na qual o indivíduo se insere. Contudo, progressivamente, ele poderá exercer
seu livre-arbítrio e, dessa forma, decidir se irá continuar na mesma religião inculturada, procurar
outra que melhor corresponda à sua fé ou, até mesmo, não seguir religião alguma – nessa última
hipótese, deixa de pertencer a essa instituição social.
Encontrada de muitas formas em todas as épocas e sociedades, a religião está associada a
crenças que dizem respeito ao sobrenatural, à veneração e ao temor a entidades; por isso, exerce
uma forma de controle social sobre os indivíduos também por meio do medo e da culpa, além de
seus ensinamentos e dogmas.
Segundo Lakatos e Marconi (1999, p. 181), “a instituição religiosa seria o meio pelo qual o
homem se ajusta a seu ambiente sobrenatural”, isto é, qualquer coisa em cuja existência acredita.
Organizando-se para corresponder a esse ambiente, sujeita-se aos doutrinamentos da religião que
orienta sua fé.
Nesse mesmo entendimento, Durkheim (apud LAKATOS; MARCONI 1999, p. 181) define
religião como “um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é, a coisas
colocadas à parte e proibidas – crenças e práticas que unem numa comunidade moral única todos
os que as adotam”.
Desse modo, a religião se mostra como um processo de socialização do indivíduo, o qual
interioriza a maneira de pensar, de sentir e agir, isto é, o modelo cultural próprio desse grupo no
qual se integra. Assim, a religião transmite normas, valores e comportamentos necessários para sua
construção e seu bom funcionamento como organismo social.
Na religião, as finalidades são transcendentais, como a salvação, ou gerais, como a busca por
uma vida próspera. As atitudes dos participantes são subjetivas, despertando sentimentos de temor
respeitoso e de reverência em relação ao que é santo. Por meio da religião, procura-se a atuação
do mundo sobrenatural, habitado por seres sensíveis aos desejos e sofrimentos humanos. Atitudes
como a vingança – exercício direto das próprias razões –, entre outras similares, são contrárias à
maioria dos mandamentos das religiões como um todo, de modo a não serem recompensadas.
Portanto, a religião atua como forma de controle social, uma vez que transmite ensinamentos
que orientam os comportamentos, direcionando-os especialmente ao bem-viver social. Tomando
por base atitudes de subordinação, cooperação, temor e obediência, o individuo que da religião
faz parte deve portar-se de modo a dignificar sua vida e repassar a seus iguais os ensinamentos
aprendidos nesse grupo.
Controle social 17

1.2.3 Educação
As instituições sociais educacionais são organizações específicas voltadas para a tarefa
de socializar o indivíduo, transmitindo-lhe conhecimentos, normas, valores, ideias, ideologias,
procedimentos e tradições na formação de sua bagagem cultural.
Conforme Durkheim (apud LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 221), a educação:
é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontrem
ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados
pela sociedade política, em seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine.

Tomando como base os ensinamentos de Lenhard (apud LAKATOS; MARCONI, 1999),


vemos na educação uma ação intencional que tem por objeto suscitar e desenvolver certo
número de estados físicos, intelectuais e morais. Esses são predeterminados pela sociedade para o
amadurecimento do educando.
A educação é um processo social e global que ocorre em toda a sociedade, abrindo os
horizontes para a compreensão da vida em si. O efeito da educação, visto como um todo, é o
de aumentar a rapidez com que as diferentes mudanças, tanto tecnológicas quanto materiais, se
expandem na sociedade.
As instituições educacionais visam a modelos de atitude e comportamentos de ensino,
aprendizagem, cooperação e respeito. Assim, contribuem para o controle social.

1.2.4 Estado
O Estado é, também, uma instituição social de organização política que exerce o controle
social fixando regras de convivência a seus membros, com base na autoridade superior que lhe
é dada. Essas regras se referem ao caráter exterior da vida social e não aos comportamentos
internalizados pelo indivíduo em sua consciência, os quais ocorrem nas demais instituições sociais
que estudamos – família, religião e educação.
Conforme ensina Azambuja (1969, p. 4),
Todas as demais sociedades têm a organização e a atividade reguladas pelo
Estado, que pode suprimi-las ou favorecê-las. Nenhuma delas tem poder direto
sobre o indivíduo e só conseguem dele o cumprimento das obrigações assumidas
se o Estado as reconhecer, e unicamente esta dispõe legitimamente da força
para tornar efetiva a obediência. Por certo, essas sociedades dispõem de meios
de coação sobre o indivíduo, mas são meios indiretos. Se ele não cumprir as
normas da Igreja a que pertence, fica sujeito a certas consequências de natureza
moral, se dela se retira, pode sofrer com a perda da estima de certas pessoas,
pode sofrer excomunhão e anátemas. Mas nenhuma outra coação efetiva e
direta o atinge. Com o Estado é diferente. Eu não posso furtar às suas decisões
senão a preço de uma penalidade. Não posso em nenhum caso importante me
subtrair a sua jurisdição. Ele é a fonte última das decisões no meio normal da
minha existência, e isso dá à sua vontade uma importância, para mim maior
que a dos outros grupos. O Estado pode decidir esmagar-me de impostos, pode
18 Controle social e segurança

opor-se à prática de minha religião, pode obrigar-me a sacrificar a vida em uma


guerra que eu considere moralmente injusta, pode negar-me os meios de cultura
intelectual, sem os quais, no mundo moderno, não conseguirei desenvolver
minha personalidade. O Estado aparece, assim, aos indivíduos e sociedades,
como um poder de mando, como governo e dominação. O aspecto coativo
e a generalidade é o que distingue as normas por ele editadas; suas decisões
obrigam a todos os que habitam o seu território.

Como bem ensina Azambuja (1969), as regras e normas do Estado alcançam e se sujeitam
a todos os indivíduos que dele fazem parte. Mesmo se sairmos de um Estado para fugir de seu
ordenamento, inevitavelmente entraremos em outro Estado, o qual também terá as suas normas
cogentes. Embora essas normas possam ser diferentes, pois cada povo tem sua própria legislação,
serão inevitavelmente de cumprimento obrigatório.

1.3 Estado: instituição de controle social


O Estado se mostra como a maior e mais contundente forma de controle social. Suas normas
e regras geram sanções de caráter exterior ao indivíduo, com o poder de serem coercitivamente
aplicadas, seja por meio da coação civil e administrativa ou seja pelo uso legítimo da força,
característica dada somente ao Estado.
Dessa forma, segundo Azambuja (1969, p. 2), podemos entender que o Estado:
é uma sociedade, pois se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos
unidos e organizados permanentemente para realizar um objetivo comum. E
se denomina sociedade política, porque, tendo sua organização determinada
por normas de Direito positivo, é hierarquizada na forma de governantes e
governados e tem uma finalidade própria, o bem comum.

Assim, o Estado é compreendido como uma instituição política baseada no ordenamento


jurídico, do qual retira fundamento para legitimar sua força coercitiva e tornar efetiva a obediência
dos indivíduos aos seus ditames.
O Estado pode ser conceituado como uma organização político-jurídica de uma sociedade,
para a realização do bem ou interesse público, com governo próprio e independente, território
determinado, soberania e povo. Esses são elementos essenciais que formam o Estado Moderno; no
entanto, seu conceito não é imutável, visto que sua configuração se adapta continuamente ao tempo
e ao espaço conforme a evolução das sociedades – assim como ocorreu com o Estado Antigo, o
Estado Medieval e o Estado Contemporâneo, os quais evoluíram e deram lugar para a formação do
atual Estado Moderno.
Nesses termos, Dallari (1981, p.104) define Estado como:
a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em
determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos
que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita
na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria
ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa
ao bem comum, como a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a
territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente
na menção a determinado território.
Controle social 19

Desse modo, vamos estudar, a seguir, os elementos essenciais que formam um Estado (sem
os quais ele não existiria), assim como a sua finalidade, seus tipos e sua formação em governos.
Esse estudo se valida na importância do entendimento pleno do tema para que os conceitos não se
confundam com os chamados elementos do Estado que, por sua vez, podem ser confundidos com
o próprio Estado.

1.3.1 Elementos do Estado


O primeiro elemento é o povo. Subjetivo do conceito de Estado, o elemento povo é necessário
para sua constituição e existência. Nesse contexto, convém distinguir população de nação e povo,
pois não correspondem à mesma coisa.
População se refere ao conjunto de pessoas que, numérica, demográfica ou economicamente,
vivam no território do Estado ou nele estejam, ainda que temporariamente. Não é exigido vínculo
jurídico especial dessas pessoas para com o Estado, a fim de que se incluam em sua população;
portanto, não são formadores da vontade do Estado.
Nação também não se firma na existência de vínculos jurídicos e não se confunde com o
Estado sendo, portanto, “uma expressão usada para indicar origem comum, ou comunidade de
nascimento, [que] não perdeu total significado, indicando, segundo Miguel Reale, uma comunhão
formada por laços históricos e culturais e assentada sobre um sistema de relações de ordem objetiva”
(DALLARI, 1981, p. 85).
O conceito de povo está ligado a um vínculo jurídico, conforme ensina Dallari (1981, p. 88):
Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um
momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um
vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade
do Estado e do exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício
podem ser subordinados, por motivos de ordem prática, ao atendimento de
certas condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos
os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada
no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a
condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto
dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo
de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-
se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas o Estado pode estabelecer
determinadas condições objetivas, cujo atendimento é pressuposto para que o
cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do
exercício da soberania.

O segundo elemento essencial do Estado é o território, que se constitui no limite físico


do poder jurídico do Estado. É a porção na Terra ocupada por um Estado, onde este exerce sua
jurisdição e faz uso de seus recursos materiais.
No que concerne à natureza da relação jurídica entre o território e o Estado, não se configura
como de propriedade, pois o território é um elemento integrante do Estado, assim como os demais
elementos. Desse modo, Azambuja (1969, p. 46) entende que:
20 Controle social e segurança

O Estado exerce o poder sobre seu território e sobre as pessoas que nele se
encontrem, sejam elas nacionais ou estrangeiras. As leis de cada Estado são
obrigatórias em relação a todos os indivíduos que estão em seu território. Mas
quando se procura definir a natureza jurídica da relação que possa existir entre
o Estado e o território, acumulam-se as divergências dos autores. […] A maioria
dos escritores propende a ver na relação entre Estado e território, não um
domínio, um direito de propriedade, e sim um vínculo de natureza diversa, um
imperium, como diziam os romanos, que se exerce diretamente sobre as pessoas
e, através delas, sobre o território.

O terceiro elemento essencial do Estado é a soberania, isto é, o poder estatal supremo,


dotado de coação irresistível em relação aos indivíduos e grupos que formam sua população,
também independente em relação ao governo de outros Estados. Sobre a soberania, Azambuja
(1969, p. 49, grifos do original) diz:
há sociedades que possuem um território, um governo e, no entanto, não são
Estados. Um município, por exemplo, tem território, população, governo, e
não é um Estado, do mesmo modo que as províncias em que se dividem certos
países. O poder próprio do Estado apresenta um caráter de evidente supremacia
sobre os indivíduos e as sociedades de indivíduos que formam sua população,
e, além disso, é independente dos demais Estados. A esse poder peculiar ao
Estado, a essa potestade, os escritores clássicos denominavam summa potestas
ou soberania.

O conceito de soberania tem vários entendimentos de doutrinadores e varia conforme


a evolução no tempo. Dessa forma, vamos nos apegar à concepção política de soberania dada
por Reale (apud DALLARI, 1981), que a afirma superior às demais por compreender e integrar
os conceitos social, jurídico e político de poder. Para o autor, portanto, soberania é “o poder
de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas
decisões nos limites dos fins éticos de convivência” (REALE apud DALLARI, 1981, p. 71).
Logo, a soberania mostra-se como monopólio da regulamentação da força dentro de suas
fronteiras, cabendo somente ao Estado a autoridade, ou seja, poder legítimo, para regulamentar o
uso da força: manipulação física, aprisionamento ou execução dos indivíduos. No entanto, deve
ser exercida com finalidade de buscar o bem comum, em conformidade com os fins éticos de
convivência.
Esse poder, a soberania, tem características que todos os estudiosos reconhecem
(DALLARI, 1981), conforme demonstrado no quadro a seguir.
Controle social 21

Quadro 4 – Características da soberania

Característica Definição

Só existe uma soberania por Estado, não cabendo a convivência de mais de um


Una
poder superior no mesmo Estado.

Aplica-se à universalidade dos fatos ocorridos no Estado. Não se refere à divisão


Indivisível de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), que são distribuições de funções
estatais.

Inalienável Sem ela, haverá o desaparecimento de quem a detém.

Jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo de validade. É permanente


Imprescritível
e só desaparece se forçada por vontade superior.

Originária Por nascer com o Estado e por ser um atributo inseparável deste.

Exclusiva Só ao Estado pertence.

Incondicionada Os limites são postos pelo próprio Estado.

No seu desempenho, o Estado não só ordena, mas também dispõe de meios para
Coativa
fazer cumprir suas ordens coativamente.

Vontade comandante Superior a todas as demais vontades que se encontrem no território submetido a ela.

Fonte: Adaptado de Dallari, 1981, p. 71.

Por fim, o titular da soberania é o povo, elemento subjetivo do conceito de Estado. Somente
o elemento humano é capaz de vontade e ação. Porém, esse poder é exercido pelo Estado, que é a
expressão jurídica do povo.

1.3.2 Finalidade do Estado


Vimos a conceituação de Estado, seus elementos essenciais, de modo que ainda falta saber
qual é a finalidade do Estado. Desse modo, questionemos: por que ele existe?
o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-se em meio
para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos
fins particulares. Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem
comum, entendido este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o
conjunto de todas as condições de vida social, que consintam e favoreçam o
desenvolvimento integral da personalidade humana. […] O Estado busca o
bem comum de um certo povo, situado em determinado território. Assim, pois,
o desenvolvimento integral da personalidade dos integrantes desse povo
é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção particular de
bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo.
(DALLARI, 1981, p. 94, grifos nossos)

A busca pelo bem comum ou pelo interesse público é a finalidade de todo e qualquer
Estado, uma vez que são criados para favorecer ao seu povo a realização de uma vida melhor ou
seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual. Não se trata de um bem individual ou da realização
de aspirações pessoais, mas sim do bem público de todos os sujeitos que compõem o Estado, sem
beneficiar ninguém em particular.
22 Controle social e segurança

Deve-se entender o bem comum, público, como um conjunto de condições indispensáveis


para que todos os membros do Estado, no limite do possível, atinjam livremente a satisfação de
suas necessidades legítimas. Essas necessidades não são imutáveis, variam no tempo e em relação
a cada Estado. Aquilo que os brasileiros entendem por necessidade não terá a mesma significação,
por exemplo, para os sauditas, os russos, os americanos. Assim, para Azambuja (1969, p. 123),
o bem público:
É obra da inteligência, critério e descortino, de arte política, a sua realização
pelos governantes. E não depende exclusivamente dos governantes, senão
também dos governados. Todo o indivíduo tem o dever de cooperar para a sua
realização, cumprindo obrigações e deveres para com o Estado e a pátria. Essas
obrigações e deveres não podem ficar ao arbítrio nem dos particulares nem
das autoridades, mas devem ser a expressão da consciência social, e definidos
claramente e juridicamente, através do que se denomina Direito Individual e
Direito Social. Aqueles são obrigações negativas do Estado, o que ele não pode
fazer, para não perturbar o aperfeiçoamento do indivíduo; estes, são obrigações
positivas, tanto para o Estado como para os indivíduos: é o que o Estado deve
fazer para que o indivíduo coopere eficazmente na realização do bem público.

Para a realização do bem público, o Estado deverá criar condições para que o indivíduo
viva em harmonia e solidariedade com os demais, desenvolvendo suas aptidões físicas, morais e
intelectuais. Assim, segurança e progresso seriam o fim do bem público, de modo que o “Estado
terá, portanto, como objetivo satisfazer a necessidade de segurança protegendo os direitos dos
associados; satisfazer a necessidades de progresso auxiliando os cidadãos a se aperfeiçoarem”
(AZAMBUJA, 1969, p. 127).
Nesse contexto, vale conhecer a dupla função do Estado, descrita na figura a seguir.
Figura 2 – Dupla finalidade do Estado

Estado

1º) Proteção 2º) Assistência

Função da justiça de que é Função de utilidade pública,


guardião: custus legis; missão sua missão civilizadora.
de tutelar.

Fonte: Adaptado de Azambuja, 1969, p. 127.

Ainda, torna-se interessante citar o posicionamento de Lakatos e Marconi (1999) quanto à


finalidade do Estado, presente no quadro a seguir.
Controle social 23

Quadro 5 – Finalidade do Estado

Finalidade Definição

Direito de manter seu próprio governo, elaborar suas próprias leis e administrar os
negócios públicos sem interferência de outros Estados; manter a ordem interna e a
Garantir a soberania
segurança externa, a integridade territorial e o poder de decisão. Ao Estado, em virtude de
sua autoridade e poder supremo, cabe o monopólio legítimo da força.

Estado diferencia-se das demais instituições por ser o único que se encontra investido de
poder coercitivo, proibindo uma série de atos ou obrigando os cidadãos a agirem de uma
ou de outra maneira, por meio das leis ou da força física. A coerção tem como objetivo
Manter a ordem propiciar um ambiente de ordem, preservando os direitos individuais ou coletivos. As
leis estabelecem, portanto, o que deve ou não ser feito, além do que pode ser feito, e
prescrevem as punições por sua violação. O Estado é, pois, a instituição autorizada a
decretar, impor, administrar e interpretar as leis na sociedade moderna.

Promover o bem-estar Seria o mesmo conceito de bem público. Sua promoção pelo Estado ocorre por meio da
social realização da segurança e do progresso.

Fonte: Adaptado de Lakatos; Marconi, 1999, p.191.

Dessa forma, vimos que a finalidade do Estado está na garantia e promoção do bem comum.
Para realizar esse intento, ele deve usar de sua autoridade e poder soberano dentro de uma ordem
jurídica predeterminada pelos indivíduos que o compõem.

1.3.3 Governo e formas de governo


Um dos elementos essenciais para a formação do Estado, a soberania – ou melhor, o poder
ou a autoridade – nos leva ao entendimento de governo e suas formas. Desse modo, de acordo com
Azambuja (1969, p. 204):
O poder ou autoridade, que se denomina também governo, tem sido realmente
a base das classificações antigas e modernas. As diversas formas de governo,
o modo pelo qual o poder se organiza e se exerce, permite agrupar os Estados
em seu modo de ser substancial, determinando a situação jurídica e social dos
indivíduos em relação à autoridade. As formas de governo são formas de vida
do Estado, revelam o caráter coletivo do seu elemento humano, representam a
reação psicológica da sociedade às diversas e complexas influências de natureza
moral, intelectual, geográfica, econômica e política através da história.

O governo é visto, então, como a forma com a qual se exerce o poder ou a autoridade em um
Estado, influenciando diretamente na vida dos indivíduos que o compõem. As formas de governo
são, na prática, modalidades de organização do poder político do Estado.
Nos Estados Modernos, as formas de governo mais comuns são a monarquia e a república,
as quais explicamos a seguir:
• Monarquia: forma de governo em que o poder está centralizado em um indivíduo, sendo
este a mais elevada representação da vontade jurídica do Estado, independente de outras
vontades. Há a figura do rei/soberano, que herda o poder e o mantém até a morte. Diz-se a
24 Controle social e segurança

monarquia como sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é vitalício,
hereditário e irresponsável.
• República: sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é temporário,
eletivo e responsável. Ainda, nesse sistema, há a existência dos três poderes constitucionais,
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que exercem funções independentes e harmônicas
entre si.
Em relação às formas de governo podemos encontrar, ainda, a sua divisão em modalidades
de organização do poder político, destacadas no quadro a seguir:
Quadro 6 – Modalidades de organização do poder político

Governos O poder emana do povo, que governa direta ou indiretamente. Por


democráticos ou meio de seus representantes, manifestam sua vontade através do
populares voto. É o governo do povo e para o povo.

Quanto à origem do
Juridicamente, o poder não pertence ao povo, que não tem o
poder
direito de dirigi-lo. Os governantes não são representantes do
Governos de povo; governam por direito próprio, são autocratas. Como exemplo,
dominação citamos o governo exercido por uma entidade sobrenatural, como
nas teocracias; ou, ainda, o governo exercido por um indivíduo
que o teria conquistado, adquirido ou recebido de uma divindade.

Quando o poder foi tomado à força, por uma revolução ou


Governos de fato golpe de Estado, a assunção ao poder se deu por meios ilegais,
Quanto à contrários às normas impostas por uma Constituição do Estado.
organização, ou seja,
quanto ao modo pelo
qual os governantes
O governante assume o cargo e as responsabilidades conforme
se investem ou são
prescreve a Constituição do Estado, dentro da legalidade
designados para o
Governos de direito e seguindo as normas impostas para tal ato. Esse tipo de
poder
governo pode ser por hereditariedade, como acontece nas
monarquias, ou por eleição, como se dá nas democracias.

São aqueles que não obedecem às normas jurídicas previamente


Governos absolutos
determinadas, seja a Constituição do Estado ou qualquer lei.
Quanto ao exercício
do poder
Governos Tiram seu fundamento do exercício do poder das normas
constitucionais constitucionais do Estado e das leis estabelecidas.

Fonte: Adaptado de Azambuja, 1969, p. 209-210.

Como vimos, o poder, quando dito político, organiza-se de acordo com a origem, sendo
exercido por governos democráticos ou de dominação, governos de fato ou de direito e governos
absolutos ou constitucionais.
Controle social 25

1.3.4 Tipos de Estado


Nesta subseção vamos verificar que, no que se refere à divisão do poder, os Estados podem
ser de dois tipos: exercido apenas por um órgão central, tipo simples/unitário, ou exercido por uma
divisão interna de órgãos, tipo composto. Vejamos a seguir:
Figura 3 – Tipos de Estado

Simples ou unitário Composto

É aquele que não divide São divisíveis em partes


internamente o seu poder; internas que recebem o nome
possui uma organização de Estados, unidos entre si por
política única, concentrada um vínculo de sociedade da
em um governo e poder. Há seguinte forma:
subdivisão interna, apenas
de caráter administrativo,
em comunas, departamentos
e províncias – são tidas por
delegações do órgão central Federação ou Estado Federal Confederação de Estado
que as controlam e fiscalizam.
Em todo território só há um
governo estatal, que dirige a
vida política e administrativa.
Estado formado pela união União permanente e contratual
Exemplos: Uruguai, Itália e
de vários Estados, que de Estados independentes,
França.
perdem a soberania em com os objetivos de defender
favor da União Federal, a o território da confederação,
qual representa a todos no assegurar a paz interior, entre
direito internacional como outros. Cada Estado mantém
sendo um Estado unitário. sua soberania externa e
A Federação é detentora da autonomia interna. Há uma
soberania externa e interna. liderança unificada, que pode
A representação política é ter suas decisões discordadas
exercida simultaneamente pela confederação e, ainda,
e harmonicamente sobre o há o direito de secessão, ou
mesmo território. Exemplo: seja, rompimento do pacto e
Estados Unidos da América e separação.
Brasil.

Fonte: Adaptado de Lakatos; Marconi, 1999, p. 195.

Com base nessas informações, percebemos que o poder pode ser uno, exercido
completamente por um governo central, ou pode ser dividido em entes, denominados Estados,
que detêm autonomia interna, mas, mesmo assim, são sujeitos à soberania do ente central – no
caso do Brasil, a União.

1.3.5 Separação dos Poderes


Ao falarmos do Estado, vimos que seu poder ou autoridade é manifestado por meio do
governo, que organiza o poder político. Nesse contexto, o poder político do Estado, que é uno,
indivisível e indelegável, é exercido por órgãos do governo e manifestado por meio de funções
26 Controle social e segurança

distintas, e extremamente importantes. Elas têm a finalidade de distinguir os poderes em


Legislativo, Executivo e Judiciário, de modo que esses poderes não se concentrem apenas em um
único representante, evitando governos absolutos.
Estamos falando, de acordo com Dallari (1981), da Teoria da Separação dos Poderes
que, por meio dos ensinamentos de Motesquieu, se incorporou ao constitucionalismo e
foi concebida para assegurar a liberdade dos indivíduos. Assim, as funções exercidas pelos
poderes separados são:
Quadro 7 – Divisão dos Poderes segundo Motesquieu

Divisão dos Poderes Exercido

Poder Legislativo, por meio da Câmara de Deputados, Senado, Assembleias Legislativas,


Legislativa Câmaras Municipais e outros. Consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais
e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis.

Poder Executivo, através de Presidentes, 1º Ministro, Governadores, Prefeitos. Segundo


Silva (2001, p. 112), “a função executiva resolve problemas concretos e individualizados,
de acordo com as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz;
Executiva comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham
caráter geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue
em função de governo, com atribuições políticas, colegislativas e de decisão, e função
administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público”.

Poder Judiciário, por meio dos tribunais judiciais. No Brasil, temos o Supremo Tribunal
Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os tribunais especializados de acordo com a
Judiciária matéria que lhe é afeta, chamados de Tribunais Superiores, e os tribunais de justiça nos
estados membros. Sua função corresponde a plicar o direito aos casos concretos, a fim
de dirimir conflitos de interesses.

Fonte: Adaptado de Dallari, 1981, p. 191.

Para entendermos em que se fundamenta essa divisão de poderes, vejamos o ensinamento


de Silva (2001, p. 113):
A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a)
especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no
exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras,
Parlamentos) se atribui a função legislativa; ao Executivo, a função
executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica,
significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada
órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência
de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de
organização jurídica das manifestações do Poder.

Vimos, então, que na concepção de Estado o governo é a forma de exercício do poder e que
esse poder, para uma melhor organização jurídica de sua manifestação, é dividido entre os órgãos
que compõem esse mesmo governo e que exercem as funções legislativa, executiva e jurisdicional.
Controle social 27

1.3.6 Estado Democrático de Direito


Considerado um dos fundamentos da República, o Estado Democrático de Direito consta no
caput do artigo 1º da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988): “A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito”. Desse importante artigo da Magna Constituição retiramos
que, no Brasil, temos um Estado Federalista, Republicano, Presidencialista e Democrático.
O conceito de Estado Democrático de Direito consta, também, em Constituições de outros
países, como Portugal, França e Itália. Sobre isso, ensina Coelho (2009, p. 171):
entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política
em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de
representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas. Mediantes sufrágio
universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como
proclama, entre outras, a Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano
das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático
aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o
exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e
sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada
valeria a solene proclamação daqueles direitos.

Ainda, complementando o referido conceito, Silva (2001, p. 125) alerta que:


O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático
de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-
se na legalidade democrática. Sujeitar-se, como todo Estado de Direito, ao
império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela
sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente
desiguais. Deve, pois, ser destacada a relevância da lei no Estado Democrático
de Direito, não apenas quanto ao seu conceito formal de ato jurídico existente,
mas também à sua função de regulamentação fundamental, produzida segundo
um procedimento constitucional qualificado. A lei é efetivamente o ato oficial
de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por
meio dela, em quanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder
estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira
que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização
de seus interesses.

Assim, de modo sucinto, o Estado Democrático de Direito configura-se pelo poder exercido
pelo povo e para o povo, em que o Estado, assim como seu povo, se sujeita aos imperativos das
leis. Contudo, a ele é permitido fazer somente aquilo que a lei permite expressamente, enquanto ao
povo é permitido fazer aquilo que a lei não proíbe, partindo-se do entendimento sobre o princípio
da autonomia da vontade.
28 Controle social e segurança

1.4 Monopólio da violência legitimada


Os estudos desenvolvidos por Max Weber1 são de grande interesse para o entendimento do
controle social, uma vez que se voltam ao Estado Moderno. Por essa razão, da obra de Weber (2011),
intitulada Ciência e política: duas vocações, vamos abordar o texto “A política como vocação”, que
é resultado de uma conferência proferida pelo autor e que nos levará ao ponto que desejamos, ou
seja, à reflexão sobre Estado versus violência.
Para clarificar nosso entendimento, vamos destacar elementos do texto de Weber (2011). O
primeiro deles refere-se à definição de política: “Que entendemos por política?”. O cientista aponta
ser um conceito amplo, que abrange todas as espécies de atividades, como:
• Política de um banco.
• Política de descontos.
• Política de um sindicato durante uma greve.
• Política escolar de uma comunidade urbana e de uma comunidade rural.
Analisando a abrangência do significado de política, o autor apresenta uma definição
sintética: “Entenderemos por política apenas a direção do agrupamento político hoje denominado
‘Estado’ ou a influência que se exerce em tal sentido” (WEBER, 2011, p. 66).
Compreendemos, nessa definição, que política significa a liderança ou, ainda, a influência
sobre a liderança de um Estado. Weber (2011) vincula a ideia de política ao Estado e, com isso,
conclui-se que não há, no conceito weberiano, como separar ambos.
Nesse viés, em qual aspecto o conceito de agrupamento político se confunde com o de Estado?
O autor questiona novamente: “O que é um Estado?”. Eis o ponto central da obra de Weber, quando
ele define Estado da seguinte forma: “o Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio
que lhe é peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação
física” (WEBER, 2011, p. 66, grifo do original).
Da leitura, depreendemos que a violência não é a única ferramenta de que se vale o Estado,
porém é a principal delas e o uso dessa força está vinculada ao próprio processo civilizatório. Caso
o Estado não estivesse estabelecido, para Weber (2011), teríamos a anarquia.
Alertava o autor, já na sua época, que a relação entre Estado e violência é íntima. Sobre isso,
podemos extrair a seguinte informação de seu intelecto:
devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humano
que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território
corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio
do uso legítimo da violência física. (WEBER, 2011, p. 67, grifos do original)

1 Max Weber nasceu em Erfurt, Turíngia, Alemanha, em 21 de abril de 1864. Estudou Direito, História, Economia e
Filosofia. Serviu o exército por um ano. Aprendeu espanhol e italiano. Foi advogado, mas se dedicou posteriormente
à carreira acadêmica. Entre seus escritos está a obra A Ética Protestante e o Espírito Capitalista (1905). Seus trabalhos
foram fundamentais para a Sociologia.
Controle social 29

Concordamos com o autor que não podemos admitir que outro grupo político, que não seja
o Estado, use de força. É admitido, então, que apenas o Estado, em nome de seu povo, se consolida
como o único a ter o “direito” de usar da violência, quando legitimada.
Nessa senda, vamos somando a nosso entendimento que política, como vimos, é a liderança
e a influência sobre a liderança do Estado, conceitos que se relacionam à ideia de poder. Portanto,
quem exerce a política, exerce influência, decisão e poder.
Assim, o Estado estabelece uma relação de dominação, fundada na violência física
considerada legítima; Weber (2011) conclui que o Estado só pode existir se os dominados se
submeterem à autoridade.
Para que haja a legitimidade da autoridade, Weber (2011) nos apresenta três fundamentos,
explorados no quadro a seguir:
Quadro 8 – Fundamentos que legitimam a autoridade

Fundamento Definição
A autoridade do “passado eterno”, dos costumes santificados pela validez
Poder tradicional imemorial e pelo hábito, enraizado dos homens, de respeitá-los. O patriarca, ou
o senhor das terras, é um exemplo.

Autoridade que se funda nos dons pessoais e extraordinários de um indivíduo


(carisma) – devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em
Poder carismático alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por
outras habilidades exemplares que dele fazem o chefe. Por exemplo: o profeta,
o guerreiro, o demagogo político.

Autoridade que se impõe pela legalidade, em razão da crença de um estatuto


legal e de uma competência positiva, fundada em regras racionalmente
Poder da legalidade estabelecidas; ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência, que
reconhece obrigações conformes ao estatuto estabelecido. Por exemplo: o
servidor do Estado.
Fonte: Adaptado de Weber, 2011, p. 68.

Torna-se dispensável dizer que a obediência pode ocorrer por várias motivações, entre elas
o medo – seja de forças “mágicas” ou das autoridades que exercem a política –, a influência e a
esperança de recompensa. Weber (2011, p. 69), sobre isso, afirma: “Seja como for, cada vez que se
propõe interrogação acerca dos fundamentos que ‘legitimam’ a obediência, encontram-se, sempre
e sem qualquer contestação, essas três formas, ‘puras’ que acabamos de indicar”.
A questão que ainda se mantém relevante, nesse contexto, é: como o Estado exerce essa
violência legítima a que estamos nos referindo até agora? A resposta soa simples: por meio de seus
órgãos de segurança pública, legitimados pelo Estado para tal mister.
Desse modo, nunca vamos admitir que o transgressor use a força, pois o entendimento
será de que o marginal o estará fazendo de maneira ilegal, por óbvio, e também sem a aceitação
(legitimação social), ocorrendo a intimidação do indivíduo por meio da força ilegítima – aí teremos
a violência pura, e não força.
30 Controle social e segurança

Por outro lado, o cidadão reconhece no policial a legalidade e a legitimidade para fazer
cumprir a legislação dentro dos seus limites. Isso porque o policial pode e deve usar a força
proporcional para conter qualquer ameaça à Ordem Pública, assim como à segurança individual e
coletiva dos cidadãos.
Com base nessa reflexão inicial podemos verificar que o Estado, detentor do monopólio,
por meio da força física legitimada, como preferimos chamar, é responsável inclusive pelo processo
civilizatório. No próximo capítulo, vamos abordar os órgãos, que, mais do que autorizados pelo
Estado, são obrigados por ofício a fazer uso da força física legítima para salvaguardar vidas.

Considerações finais
Com base no que estudamos, podemos perceber que todas as atividades humanas estão
condicionadas a certo controle, caracterizado pela presença de alguma instituição que nos molda
e direciona. Família, religião, escola e a mais poderosa instituição, o Estado, fazem parte de nosso
cotidiano. Mesmo que possamos nos imaginar livres do controle social, vamos concluir que isso
é impossível. Ao sairmos de um Estado, estaremos sujeitos às normas de outro. Quanto às demais
instituições, podemos também deixá-las e buscar outras, mas vamos ter de nos adaptar de qualquer
modo; inclusive, estaremos sujeitos às regras da natureza, se o isolamento for a escolha.
Assim, verificamos que somos guiados a nos subordinar, de alguma maneira, se quisermos
fazer parte de uma sociedade. No processo civilizatório, e para este também, transferimos parte de
nossos direitos e de nossa força ao Estado, detentor de força e, se necessário, de violência, para fazer
valer a vontade da coletividade.
Nossa força transferida ao ente estatal pode e será usada para garantir direitos e impor vontades,
desde que legitimada pela maioria dos cidadãos por intermédio dos órgãos constitucionalmente
previstos, conforme veremos nos próximos capítulos.

Ampliando seus conhecimentos


• MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Florença: LCC Publicações Eletrônicas. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=24134. Acesso em: 22 out. 2019.
Para ampliar ainda mais seu conhecimento em relação ao controle social, sugerimos a
leitura de O Príncipe (1532). O autor Nicolau Maquiavel, filósofo, historiador, poeta,
músico e diplomata, é o fundador da ciência política moderna por ter escrito sobre Estado
e Governo.

• ROUSSEAU, J-J. Do contrato social. Edição eletrônica de Ridendo Castigat Mores.


Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=2244. Acesso em: 22 out. 2019.
O livro Do contrato social (1762) tornou-se conhecido como a “Bíblia da Revolução
Francesa”, pois discorre sobre pacto social, soberania, Estado, formas de governo e
temas correlatos.
Controle social 31

Atividades
1. Defina as expressões:

a) Conformidade.
b) Desvio.

2. Defina controle social.

3. De acordo com Lakatos e Marconi (1999), quais são as características das instituições sociais
que devem ser observadas no momento de sua constituição?

4. O ponto central da Max Weber, em A política como vocação (2011), refere-se ao monopólio
do uso da violência legítima. Discorra sobre esse monopólio.

5. Defina Estado segundo Azambuja (1969).

6. No Estado Moderno, quais são as duas formas de governo mais comuns? Defina-as.

Referências
AZAMBUJA, D. Teoria Geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1969.

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 out. 2019.

BREUNIG, A. E.; SOUZA, V. Sociologia do crime e da violência. Curitiba: InterSaberes, 2018.

CHARON, J. M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2004.

COELHO, I. M. Fundamentos do Estado de Direito. In: MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.
Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do Estado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1981.

DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. Lisboa: Presença, 2004.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Sociologia geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

MAQUIAVEL, N. O príncipe: com notas de Napoleão Bonaparte. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997.

MARQUES, V. B. dos R. Controle social: entenda este conceito fundamental da Sociologia. Blog do ENEM.
Disponível em: https://blogdoenem.com.br/controle-social-sociologia/. Acesso em: 22 out. 2019.

MONTESQUIEU, C-L. de S. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 2011.
2
Segurança Pública

As informações que acessamos por meios formais ou informais de comunicação têm grande
influência sobre nossas percepções. Por essa razão, opiniões a respeito da Segurança Pública podem
não corresponder à realidade devido à disposição de informações sensacionalistas ou tendenciosas
para o consumo imediato, especialmente em canais não oficiais como as redes sociais.
Neste capítulo, apresentamos dados de cunho histórico, legislativo e outros que envolvem a
Segurança Pública de modo geral. Objetiva-se, com isso, favorecer uma interpretação adequada da
relação entre a Segurança Pública e o comportamento humano.
Assim, fica o convite para você continuar conosco nessa jornada, que apenas começa nesta
obra, mas não tem fim.

2.1 Concepções de Segurança Pública


Para compreender e ampliar a percepção de um conceito, é importante o contato com
diferentes concepções a respeito dele. Esse é um dos pontos de nosso interesse, ou seja, perceber
melhor a Segurança Pública e sua importância para a qualidade de nossas vidas.
Quando nos propomos a estudá-la, temos de saber que a Segurança Pública envolve várias
áreas do conhecimento, visitando as ciências humanas e exatas. Os caminhos a percorrer nos
estudos que envolvem a segurança das pessoas vão muito além do senso comum ou do que se
apresenta na mídia e em bancos acadêmicos.
Ao pensar em segurança, o que está sendo considerado é a preservação da vida, da
integridade física, do patrimônio e, ainda mais, dos valores relativos ao Estado, à pátria e à nação.
A segurança não apenas está relacionada a tantos direitos importantes no debate nacional, como
educação, saúde, meio ambiente, transporte e habitação, mas também se faz meio para a garantia
deles. Portanto, a segurança é primordial para o exercício pleno da cidadania.
O Estado, na condição de soberano, tem a missão de proteger e garantir atendimento às
necessidades básicas dos cidadãos. Deve, inclusive, proteger a si próprio, tendo em vista que um
Estado fraco certamente cederia a investidas gananciosas. Por isso, para garantir sua soberania
e o interesse do povo, o Estado toma o monopólio da violência física legítima, isto é, pautada na
lei, e a transfere para seus órgãos, os quais assumem o poder/dever de defender a União e seus
Estados-membros, que compõem a Federação Brasileira.
Nesse sentido, vamos discorrer um pouco sobre as instituições nacionais – forças militares e
civis – responsáveis pela proteção da soberania nacional, que também atuam em prol da preservação
da paz e da ordem pública, bem como de suas ferramentas de defesa.
34 Controle social e segurança

2.1.1 Forças Armadas do Brasil: Marinha


A mais antiga de nossas três Forças Armadas é a Marinha do Brasil1. Ela teve participação
em importantes momentos de proteção à soberania brasileira, inclusive na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), quando, mesmo em situação material precária devido ao abandono por
parte dos governos, cumpriu a sua missão com esmero.
Atualmente, a força marítima brasileira mantém a qualidade do poder naval em tempo de
paz, representando elemento dissuasor, respaldado na ação política do governo no campo das
relações internacionais na defesa da pátria.

2.1.2 Forças Armadas do Brasil: Exército Brasileiro


O Exército Brasileiro2 é responsável, externamente, pela defesa do país em operações
terrestres e, internamente, pela garantia da lei, da ordem e dos poderes constitucionais.
Enquadrado no Ministério da Defesa, ao lado da Marinha e da Força Aérea, o Exército Brasileiro
está constantemente se preparando para situações de conflito ou guerra, atuando na defesa das
fronteiras e em outras missões, como as de cunho assistencial e de pesquisas.
A história do Exército Brasileiro começa, mais precisamente, com a independência do Brasil,
em 7 de setembro de 1822. Entretanto, mobilizações de brasileiros para guerras existem desde a
colonização do país, sendo a data de 19 de abril de 1648, na primeira Batalha de Guararapes,
considerada a origem do Exército Brasileiro. Muitos são os feitos do Exército Brasileiro, contudo,
para nosso estudo, basta dizer que a Força Terrestre se confunde com o próprio Brasil.

2.1.3 Forças Armadas do Brasil: Força Aérea Brasileira


O Ministério da Aeronáutica foi criado em 20 de janeiro de 1941, pelo Decreto-Lei n. 2.961
(BRASIL, 1941a). Para as denominadas Forças Aéreas Nacionais3, transferiu militares, servidores
civis, aviões e instalações da Marinha, do Exército e do Ministério da Aviação e Obras Públicas.
Ainda em 1941, o então presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei n. 3.302 (BRASIL,
1941b), que criou a denominada Força Aérea Brasileira (FAB) e lhe atribuiu individualidade.
A Força Aérea Brasileira participou de combates na Segunda Guerra Mundial e já foi
reconhecida pela tecnologia desenvolvida e por ter um dos melhores controles de tráfego aéreo.
Na década de sua criação e nas que a sucederam, a aviação no Brasil destacou-se nacional e
internacionalmente.

1 Para saber mais a respeito da história da Marinha do Brasil, sugere-se a seguinte leitura: BRASIL. Ministério da
Defesa. Marinha do Brasil. História naval. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/content/historia-naval. Acesso
em: 18 out. 2019.
2 Para saber mais a respeito da história do Exército Brasileiro, sugere-se a seguinte leitura: BRASIL. Portal Brasileiro
de Dados Abertos. Exército Brasileiro – EB. Disponível em: http://dados.gov.br/organization/about/exercito-brasileiro-
eb. Acesso em: 18 out. 2019.
3 Para saber mais a respeito da história da Força Aérea Brasileira, sugere-se a seguinte leitura: ELIAS, J. Homenagem.
In: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Disponível em: http://www.fab.mil.br/ministerio/. Acesso em: 18 out. 2019.
Segurança Pública 35

2.1.4 Forças Policiais Militares e Civis


Para a defesa interna do Brasil, principalmente no que concerne ao combate à violência e ao
crime, à defesa social e à proteção das instituições, na organização estatal, contamos com o sistema
de Segurança Pública. Nele, há órgãos formados por forças policiais militares e civis. Dos órgãos
mais conhecidos, vamos descrever, a seguir, alguns pontos importantes e seus objetivos, de acordo
com a Constituição Federal em seu artigo 144 (BRASIL, 1988):
• Polícia Federal: originou-se no Decreto-Lei n. 6.378, de 28 de março de 1944 (BRASIL,
1944), que transformou a Polícia Civil do Distrito Federal4 no Departamento Federal de
Segurança Pública.
A Polícia Federal é composta pelos seguintes cargos: delegado (dirigente da Instituição),
perito criminal, escrivão, papiloscopista e agente. Entre seus objetivos, encontramos:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(BRASIL, 1988)

• Polícia Rodoviária Federal: criada pelo Decreto n. 18.323, de 24 de julho de 1928


(BRASIL, 1928), foi chamada de Polícia das Estradas. A Polícia Rodoviária Federal é
composta pelos cargos policial rodoviário federal e agente administrativo. Seu objetivo é
realizar o “patrulhamento ostensivo das rodovias federais” (BRASIL, 1988).
• Polícia Ferroviária Federal: originada pelo Decreto n. 641, de 26 de junho de 1852
(BRASIL, 1852), sua primeira designação foi Polícia do Caminho do Ferro. Existem cerca
de 26 mil quilômetros de trilhos e mil policiais ferroviários em todo o país (FOUREAUX,
2019), que devem cumprir o objetivo de realizar o “patrulhamento ostensivo das ferrovias
federais” (BRASIL, 1988).
• Polícias Civis: não há uma lei orgânica da Polícia Civil, contudo, a previsão inicial de seu
quadro básico descreve os seguintes cargos: delegado, perito e agente. Às Polícias Civis,
“ressalvada a competência da União, [são incumbidas] as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares” (BRASIL, 1988).
• Polícias Militares: são militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios (BRASIL,
1988). A Polícia Militar basicamente é composta pelos seguintes cargos: soldado, cabo,
sargento, subtenente, aspirante a oficial, tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel. Seu
objetivo é “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” (BRASIL, 1988º).

4 Vale lembrar que, à época, a Capital/Distrito Federal do Brasil era a cidade do Rio de Janeiro.
36 Controle social e segurança

• Corpos de Bombeiros Militares: são militares dos estados, do Distrito Federal e dos
territórios (BRASIL, 1988). Os Bombeiros Militares basicamente são compostos pelos
seguintes cargos: soldado, cabo, sargento, subtenente, aspirante a oficial, tenente, capitão,
major, tenente-coronel e coronel. Além das atribuições definidas em lei, é incumbida a
eles “a execução de atividades de defesa civil” (BRASIL, 1988).
• Guardas Municipais: a criação de Guardas Municipais é uma faculdade dos municípios,
conforme a Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014 (BRASIL, 2014), que institui o Estatuto
Geral das Guardas Municipais. Segundo o artigo 9º desse Estatuto, “a guarda municipal é
formada por servidores públicos integrantes de carreira única e plano de cargos e salários,
conforme disposto em lei municipal”. No tocante ao seu objetivo, consta-se: “proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988).

Ainda há o debate doutrinário em relação às Guardas Municipais


pertencerem ou não ao rol taxativo do artigo 144, da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), que elenca os órgãos pertencentes à Segurança Pública.
Nessa discussão, há aqueles a favor de incluir as Guardas Municipais e há
aqueles contrários a isso.

Os órgãos de Segurança Pública apresentados até então são os mais conhecidos, por isso
a relevância de se conhecer também seus objetivos segundo o que nos apresenta a Constituição
Federal (BRASIL, 1988). Na próxima seção, vamos compreender melhor seu funcionamento após
o advento da Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018 (BRASIL, 2018a).

2.2 Desenho e funcionamento constitucional


da Segurança Pública
Na seção anterior, conhecemos alguns órgãos que, delegados pelo Estado, participam do
controle social, inclusive, com o poder de utilizar da violência física legitimada, se necessário, para
proteger o cidadão e a própria União e seus Poderes constituídos. Cabe, agora, estudarmos como
esses órgãos são apresentados na Constituição de 1988, compreendendo o funcionamento de cada
um deles. Para tanto, vamos recorrer ao texto constitucional para orientar nossa reflexão.
Em relação às Forças Armadas, que sabemos serem formadas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, consta do artigo 84, inciso XIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que
é competência privativa do Presidente da República: “Exercer o comando supremo das Forças
Armadas, nomear os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica, promover seus
oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos”.
Nesse contexto convém destacar que o controle sobre as Forças Armadas está legalmente nas
mãos do Presidente da República, a quem cabe o comando das tropas, de modo que o Chefe do
Poder Executivo do Brasil é peça-chave no controle social.
Segurança Pública 37

Porém, o Presidente da República pode consultar, nos casos de assuntos que se relacionem à
soberania nacional e à defesa do Brasil, na condição de Estado Democrático, o Conselho de Defesa
Nacional, assim como descreve o artigo 91 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Ainda, é relevante apontar que a tomada de decisão do Comandante Supremo das Forças
Armadas é de tamanha importância que fazem parte do Conselho de Defesa Nacional como
membros natos:
• Vice-presidente da República.
• Presidente da Câmara dos Deputados.
• Presidente do Senado Federal.
• Ministro da Justiça.
• Ministro de Estado da Defesa.
• Ministro das Relações Exteriores.
• Ministro do Planejamento.
• Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Ao Conselho de Defesa Nacional compete opinar sobre hipóteses de declaração de guerra


e paz, estado de defesa, estado de sítio e da intervenção federal. Na lista de suas competências
também estão incluídas propor questões afetas à segurança do território nacional e opinar sobre o
uso do território.
Cabe destacar, ainda de acordo com a Constituição Federal (BRASIL, 1988), que as Forças
Armadas, como instituições permanentes e regulares com base na disciplina e na hierarquia,
“destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”.
Conforme orientam Hipólito e Tasca (2012), a intenção ao enfatizar as Forças Armadas
quando falamos sobre Segurança Pública não é lhes atribuir status de Forças Policiais, pois não são.
Elas foram substituídas pelas Forças Policiais, no que se relaciona à preservação da ordem pública,
devido ao poder lesivo do armamento que utilizam e da finalidade de sua aplicação. Ao verificarem
as desvantagens do emprego das Forças Armadas no combate à violência urbana, os governantes
optaram pelas Polícias como a primeira defesa do Estado.
Contudo, vemos em Hipólito e Tasca (2012) que, por força do artigo 142 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988), e conforme a Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999, as Forças
Armadas são garantidoras da lei e da ordem “após esgotados os instrumentos destinados à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art.
144 da Constituição Federal” (BRASIL, 1999).
Para que se considerem esgotados os instrumentos relacionados no artigo 144 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), é necessário que o “Chefe do Poder Executivo Federal ou
Estadual [reconheça-os] como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular
de sua missão constitucional” (BRASIL, 1999).
38 Controle social e segurança

Ainda de acordo com a mesma legislação, se necessário o emprego das Forças Armadas
nos casos específicos, ele ocorrerá de maneira episódica e por tempo limitado, com caráter de
prevenção e repressão necessários para a garantia da lei e da ordem. Nesses casos específicos,
o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao
desenvolvimento das ações [será transferido] para a autoridade encarregada das
operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações,
composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional
ou com interesses afins. (BRASIL, 1999)

Vimos, portanto, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no que tange às Forças Armadas,
bem como a Lei Complementar n. 97 (BRASIL, 1999), que trata da aplicação delas especificamente
na Segurança Pública. Construímos, assim, alguns conceitos relevantes para interpretar o caput do
artigo 144, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que nos remete não apenas à ideia de que o
Estado tem o dever de cuidar das questões relacionadas à Segurança Pública, mas salienta que ela
é responsabilidade de todos – o que inclui a nós, cidadãos.
Basicamente vimos, até então, as responsabilidades do Presidente da República como
Comandante Supremo (BRASIL, 1988) e do Conselho de Defesa Nacional (BRASIL, 1988), que
pode ser consultado “nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado
democrático”. Destacamos também, na Constituição Federal (BRASIL, 1988), a destinação das Três
Forças Nacionais e, na Lei Complementar n. 97 (BRASIL, 1999), em que se constata a atuação legal
das Forças Armadas na Segurança Pública, que assume o controle das Forças de Segurança Pública
em casos específicos e esporádicos.
Essa possível intervenção das Forças Armadas também as torna auxiliares da Segurança
Pública, assim como verificamos no texto constitucional que as Polícias Militares e os Corpos de
Bombeiros Militares são forças auxiliares e reserva do Exército (BRASIL, 1988).
Nessa via de mão dupla temos a reciprocidade de auxílio em prol da defesa do Estado
Democrático de Direito em todas as suas esferas, bem como o controle social com base nos
emprego dos “instrumentos”, órgãos das Forças, ou seja, como a legislação nomeia os profissionais
que, delegados pelo Estado, detêm o direito/dever de agir em nome da supremacia do Brasil, da
Ordem Pública e, principalmente, na defesa da cidadania.

2.3 Avanços institucionais da Segurança Pública no Brasil


No estudo intitulado Segurança Pública: prioridade nacional (BRASIL, 2018b), para nortear
o debate sobre a Segurança Pública no Brasil e o desejo de que ela avance proporcionando maior
sensação de segurança ao cidadão, é possível extrair as seguintes questões:
• Qual a estrutura institucional de segurança desejável?
• Quais as deficiências das políticas recentes de segurança e como superá-las?
• Como integrar nacionalmente o sistema de prevenção e de investigação criminal?
• Como gerar alternativas de ocupação para os jovens, que sejam mais atraentes que sua
associação ao crime?
Segurança Pública 39

• Como melhorar o desempenho das polícias?


• Qual proposta conseguirá apoio político majoritário para que se possa tornar realidade?

O referido estudo orienta a pensar em não haver como abordar satisfatoriamente todos os
elementos que envolvem a Segurança Pública, nosso tema principal, devido à escassez de recursos,
entre eles: humanos, de tempo e informações.
Muitos desses elementos, em que pese não terem, aparentemente, relação direta com a
Segurança Pública, impactam nos níveis de segurança do cidadão. O ideal, segundo o estudo, é
delimitar o tema para, assim, substancialmente avançar, com foco na estrutura básica dos órgãos
de Segurança Pública do Brasil.
O estudo também nos traz a notícia de que é possível pontuar medidas na área das políticas
públicas de segurança que contribuam com o sistema de modo racional quando colocadas a
favor de outras. Argumenta, sobre isso, que muitas dessas soluções supostamente deveriam ser
constitucionalizadas para terem maior respaldo (BRASIL, 2018b).
Além disso, assuntos considerados imprescindíveis dispõem de pontos que sugerem o
mesmo direcionamento que outros, tornando-os idênticos. Pode-se inclusive presumir que essa
temática tem relação com a “legislação penal e processual penal, que se reflete potencialmente na
temática da segurança” (BRASIL, 2018b, p. 25).
Tendo em vista a relevância dessa reflexão, e tudo o que nos leva a crer que o assunto
Segurança Pública é um tema verdadeiramente multidisciplinar, em coerência com a afirmativa
dos pesquisadores de que há nele pontos de convergência e encontro, optamos por trazer a essa
seção o que consideramos adequado em relação aos avanços institucionais: Intervenção Federal;
Estado de Defesa e Estado de Sítio; Força Nacional de Segurança Pública; Operações de Garantia
da Lei e da Ordem (GLO); e Sistema Único de Segurança Pública (Lei n. 13.675/2018).

2.3.1 Intervenção Federal


O Estado usa de diversos meios para realizar o controle social – como já vimos no capítulo
anterior –, e a Intervenção Federal é um deles. Com base nas hipóteses taxativas da Constituição
Federal, por meio da Intervenção Federal, a União poderá intervir nos Estados-membros e estes
poderão intervir em seus Municípios, suspendendo, assim, por determinado período, a autonomia
que é inerente à forma de governo do Estado brasileiro, o federalismo.
Com o intuito de compreendermos melhor esse tema, convém refletirmos sobre o que
dispõe o caput do artigo 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “a República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito”.
Do disposto, conclui-se que a forma de Estado brasileiro é federal. Vale acrescentar a essa
constatação o que explica Silva (2001, p. 103): “a federação consiste na união de coletividades
regionais autônomas que a doutrina chama de Estados federados, Estados-membros ou
simplesmente Estados”. Portanto, os Estados-membros com a União formam o Estado Federal.
40 Controle social e segurança

[Este] é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público


internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das partes
componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno,
autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da
soberania do Estado brasileiro. Os Estados-membros são entidades federativas
componentes, dotadas de autonomia e também personalidade jurídica de
Direito Público interno. (SILVA, 2001, p. 104)

Desse modo, dotado de soberania, o Estado Federal é chamado de República Federativa


do Brasil, de modo que o Presidente é conhecido como Chefe de Estado e representa o Estado
brasileiro frente aos demais países. A União, por sua vez, é um ente de governo interno, o Presidente,
nesse caso, chama-se Chefe de Governo – por isso podemos falar da intervenção da União nos
Estados-membros.
Já o Estado federado não possui soberania, mas sim autonomia federativa, conforme a
Constituição Federal (BRASIL, 1988, grifo nosso): “a organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Conforme Silva (2001 p. 104), essa autonomia refere-se a um “governo próprio dentro do
círculo de competências traçadas pela Constituição Federal”, sendo percebida na existência de
órgãos governamentais próprios, independentes dos órgãos federais quanto à forma de seleção e
investidura, e na posse de competências exclusivas, isto é, no poder de emitir decisões e realizar
suas funções dada somente a esses entes. Nesse contexto, cabe destacar as competências exclusivas
dos Estados-membros, dispostas na Constituição Federal:
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
[...]
§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória
para sua regulamentação. (BRASIL, 1988)

Há ainda as competências que são repartidas entre União, Estados, Distrito Federal e
Municípios. São competências comuns relacionadas à matéria e às competências legislativas:
Como no Estado Federal há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um
mesmo território e sobre as mesmas pessoas, impõe-se a adoção de mecanismo
que favoreça a eficácia da ação estatal, evitando conflitos e desperdício de
esforço e recursos. A repartição de competências entre as esferas do federalismo
é o instrumento concebido para este fim. (BRANCO, 2009, p. 849)

Essa repartição de competências está disposta na Constituição Federal em seus artigos 18 a


33 (BRASIL, 1988). Entretanto, para o nosso estudo, basta sabermos que elas existem e contribuem
para o entendimento da autonomia dos Estados-membros.
Segurança Pública 41

2.3.1.1 Conceitos de Intervenção


A autonomia federativa é a regra, caracterizada pela “tríplice capacidade de auto-organização
e normatização, autogoverno e autoadministração” (MORAES, 2012, p. 333). Contudo, essa
autonomia é, excepcionalmente, afastada de modo temporário em situações de anormalidade e
exceção previstas na Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Nesses casos, opera-se a Intervenção Federal da União nos Estados federados, no Distrito
Federal e nos Municípios localizados em Território Federal. Essa intervenção “visa à unidade e
preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios” (MORAES, 2012, p. 333). E, para tanto, “cabe à União exercer a importante
competência de preservar a integridade política, jurídica e física da federação, atribuindo-se lhe a
competência para realizar a intervenção federal” (BRANCO, 2009, p. 853).
Segundo Moraes (apud LENZA, 2015, p. 568), sendo “instituto típico da estrutura do Estado
Federal, repousa a intervenção no afastamento temporário da atuação autônoma da entidade
federativa sobre a qual a mesma se projeta”. Ainda, Silva (2001 p. 486) ensina que “a intervenção
é ato político que consiste na incursão da entidade interventora nos negócios da entidade que a
suporta. […] A intervenção é a antítese da autonomia”.
Podemos assumir, desse modo, que a intervenção é exceção, visto que a regra é a não
intervenção. Por isso suas hipóteses são taxativas, como vemos no dispositivo constitucional a
seguir.
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da
Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos,
salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta
Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
(BRASIL, 1988)
42 Controle social e segurança

Extraímos dessa leitura que a União não tem livre-arbítrio para intervir nos entes federados
estaduais e no Distrito Federal. Deve sempre ocorrer a motivação ideal para uma interferência, e as
exceções, para se realizarem, devem ser taxativas e normatizadas.

2.3.1.2 Espécies, iniciativas e decretação da Intervenção Federal


Conforme a doutrina majoritária, a exemplo de Moraes (2012), Lenza (2015) e Silva (2001),
são espécies de intervenção:
a. Espontânea: quem deflagra o processo interventivo é o Presidente da República, por sua
decisão e iniciativa própria sem a necessidade de solicitação de outro ente. Essa espécie
refere-se às hipóteses dos incisos I e II, sobre unidade nacional; III, sobre ordem pública;
e V, sobre defesa das finanças públicas, do artigo 34 da Constituição Federal (BRASIL,
1988).
b. Provocada: por solicitação dos Poderes Legislativo e Executivos locais para sua defesa
e livre exercício, no caso do inciso IV do artigo 34 da Constituição Federal (BRASIL,
1988), ou quando há requisição dos órgãos do Poder Judiciário, sendo:
• Supremo Tribunal Federal: para garantir o livre exercício do Poder Judiciário.
• Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça ou Tribunal Superior Eleitoral:
para prover a execução de ordem ou decisão judicial.
• Supremo Tribunal Federal: para prover a execução de lei federal.

A solicitação ou a requisição devem ser dirigidas ao Presidente da República, uma vez que
somente a ele cabe a competência privativa de decretar a Intervenção Federal (BRASIL, 1988), pois
ele é o Chefe do Governo, da União, a qual intervirá ou não nos Estados-membros. Isso ocorre
porque, segundo Moraes (2012, p. 334), a Intervenção Federal ou Estadual “é, pois, ato do Chefe do
Poder Executivo”. Conforme ressalta Lenza (2015, p. 570, grifos nossos):
Na hipótese de solicitação pelo Executivo ou Legislativo, o Presidente da
República não estará obrigado a intervir, possuindo discricionariedade para
convencer-se da conveniência e oportunidade. Por outro lado, havendo a
requisição do Judiciário, […] o Presidente da República estará vinculado e
deverá decretar a intervenção federal, sob pena de responsabilidade.

Para decidir sobre a Intervenção Federal espontânea, solicitada ou requisitada, o Presidente


da República ouvirá dois órgãos superiores de consulta: o Conselho da República e o Conselho
de Defesa Nacional (BRASIL, 1988). Não há obrigatoriedade de o Presidente seguir os pareceres
dados por esses órgãos, no entanto.
A decretação da Intervenção Federal acontecerá por meio de Decreto Presidencial de
Intervenção (BRASIL, 1988), o qual especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução,
e, quando for o caso, nomeará o interventor. Publicado, o referido decreto será imediatamente
eficaz, legitimando a prática dos demais atos consequentes da intervenção.
Ainda, segundo a Constituição Federal, artigo 36, parágrafos 1º e 2º (BRASIL, 1988), o
Congresso Nacional exercerá controle político sobre o ato interventivo,
Segurança Pública 43

a fim de garantir a excepcionalidade da medida; submetendo-se, pois, o


decreto à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de vinte quatro horas,
que deverá rejeitá-la ou, mediante decreto legislativo, aprovar a intervenção
federal (CF, art. 49, IV). Caso o Congresso Nacional não aprove a decretação da
intervenção, o Presidente deverá cessá-la imediatamente, sob pena de crime de
responsabilidade (CF, art. 85, II). (MORAES, 2012, p. 339)

Dada a emergência e excepcionalidade da medida, caso não esteja funcionando o


Congresso Nacional, será realizada convocação extraordinária no mesmo prazo, isto é, 24 horas
(BRASIL, 1988).

2.3.1.3 Intervenção Federal e Estadual nos Municípios e Territórios


A Intervenção Federal, conforme explicado, é exceção e suas hipóteses são taxativas, pois
os Municípios também são dotados de autonomia perante ao Estado federado a que pertencem.
Portanto, de acordo com a Constituição Federal (BRASIL, 1988), é cabível essa Intervenção por
parte da União quando:
I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos,
a dívida fundada;
II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações de serviços públicos de
saúde;
IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a
observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou prover a
execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

A decretação e a execução da intervenção estadual são de competência privativa do


Governador do Estado, por ser ele o Chefe do Governo do Estado interventor e Chefe do Poder
Executivo Estadual, o que se dá por regra de simetria com a Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Esse ato será disposto por meio de decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e
as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor (BRASIL, 1988).
Já no caso de intervenção da União em Municípios localizados em Territórios Federais,
os quais no momento não existem no país, o decreto interventivo será ato de competência do
Presidente da República. Ainda, também se opera o controle político exercido, nesse caso, pela
Assembleia Legislativa, devendo o decreto ser submetido à apreciação dessa casa no prazo de 24
horas. Caso não esteja em funcionamento a respectiva casa, será feita a convocação extraordinária,
no mesmo prazo (BRASIL, 1988).

2.3.2 Estado de Defesa e Estado de Sítio


Estado de Defesa e Estado de Sítio são medidas previstas na Constituição Federal, nos
artigos 136 e 137 (BRASIL, 1988), de cunho excepcional, utilizadas para a restauração da ordem
em momentos de anormalidade. Possibilitam, inclusive, a suspensão de determinadas garantias
constitucionais, em lugar específico e por tempo determinado. Ainda, possibilitam a ampliação do
poder repressivo do Estado, justificado pela gravidade da perturbação da ordem pública.
44 Controle social e segurança

São formas de o Estado regular, por meio de sua força, determinadas situações que
estão por afetar instituições democráticas que devem ser protegidas, exercendo, portanto, um
controle social.
A defesa das instituições democráticas caracteriza-se como o equilíbrio da
ordem constitucional, não havendo preponderância de um grupo sobre outro,
mas, em realidade, o equilíbrio entre os grupos de poder. Se a competição entre
grupos sociais extrapola os limites constitucionais, teremos o que a doutrina
denomina situação de crise. (LENZA, 2015, p. 1085)

Para controlar essa situação de anormalidade tem-se o sistema constitucional das crises,
compreendido como “um conjunto de normas constitucionais que, informadas pelos princípios
da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a
manutenção ou o restabelecimento da normalidade constitucional” (MORAES, 2012, p. 839).
Ainda, Silva (2000, p. 739) observa que esse sistema fixa
normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra processos
violentos de mudança ou perturbação da ordem constitucional, mas também
à defesa do Estado quando a situação crítica derive de guerra externa. Então, a
legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e
rege o estado de exceção.

Na vigência de crises existem mecanismos constitucionais usados para restabelecer a


normalidade e superá-las: o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, além das Forças Armadas e
das Forças de Segurança Pública. Como esses mecanismos são excepcionais e graves, exigem
irrestrito cumprimento de todas as hipóteses e todos os requisitos constitucionais, sob pena de
responsabilização política, criminal e civil dos agentes políticos.

2.3.2.1 Estado de Defesa


O Estado de Defesa é disciplinado pelo artigo 136 da Constituição Federal (BRASIL, 1988),
o qual dispõe:
• Decretação: Presidente da República.
• Oitiva facultativa, não vinculativa: do Conselho da República e do Conselho de Defesa
Nacional.
• Objetivo: preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a
ordem pública ou a paz social ameaçada por grave e iminente instabilidade institucional
ou atingida por calamidades de grandes proporções na natureza.
• Ato instituidor: decreto do Presidente da República.
• Requisitos do decreto instituidor: determinar tempo de sua duração, que não poderá ser
superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as
razões que justificaram a sua declaração; especificar as áreas a serem abrangidas e indicar,
nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem.
Segurança Pública 45

• Medidas coercitivas:
• Restrições aos direitos de:
a. Reunião, ainda que exercida no seio das associações.
b. Sigilo de correspondência.
c. Sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
• Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade
pública, respondendo à União pelos danos e custos decorrentes.
• Situações reguladas especificamente na vigência do Estado de Defesa:
I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida,
será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se
não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade
policial;
II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado
físico e mental do detido no momento de sua autuação;
III - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias,
salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
IV - é vedada a incomunicabilidade do preso. (BRASIL, 1988, art. 136, § 3º)

• Atuação do Congresso Nacional: o ato de decretação do Estado de Defesa ou sua


prorrogação, com a respectiva justificação, devem ser submetidos pelo Presidente da
República, dentro de 24 horas, ao Congresso Nacional. Este decidirá por maioria absoluta
apreciando o decreto dentro de 10 dias contados de seu recebimento, devendo continuar
funcionando enquanto vigorar o Estado de Defesa.

Se em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias. Caso o


Congresso Nacional rejeite o decreto, cessará imediatamente o Estado de Defesa.

2.3.2.2 Estado de Sítio


O Estado de Sítio é disciplinado pelo artigo 137 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o
qual dispõe:
• Decretação: solicitação do Presidente da República ao Congresso Nacional da autorização
para decretar o Estado de Sítio.
• Oitiva facultativa, não vinculativa: do Conselho da República e do Conselho de Defesa
Nacional.
• Casos que autorizarão a decretação:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que
comprovem a ineficácia de medida tomada durante o Estado de Defesa [nesse
caso, não poderá ser decretado por mais de 30 dias, nem prorrogado, de cada
vez, por período superior];
II - declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira
[poderá, então, ser decretado por todo tempo que perdurar a guerra ou a
agressão armada estrangeira]. (BRASIL, 1988)
46 Controle social e segurança

• Requisitos do decreto: indicação da duração, normas necessárias à sua execução e


garantias constitucionais que ficarão suspensas. Depois de publicado, o Presidente da
República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.
• Medidas reguladas especificamente na vigência do Estado de Sítio, aplicadas contra as pessoas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por
crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo
das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei [exceto a difusão de pronunciamentos
de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela
respectiva mesa];
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - Intervenção nas empresas de serviços públicos;
VIII - requisição de bens. (BRASIL, 1988)

• Atuação do Congresso Nacional: ao solicitar a autorização do Congresso Nacional


para a decretação ou prorrogação do Estado de Sítio, o Presidente da República relatará
os motivos determinantes do pedido. O Congresso Nacional decidirá por maioria
absoluta. Se a solicitação da autorização suceder em período de recesso parlamentar,
o Presidente do Senado Federal convocará extraordinariamente o Congresso Nacional
para se reunir dentro de cinco dias, com o objetivo de apreciar o ato. Na vigência do
Estado de Sítio, o Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término
das medidas coercitivas.

É interessante observar a disposição do artigo 141 da Constituição Federal (BRASIL, 1988),


que se refere à cessação do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, sem prejuízo da responsabilização
pelos atos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes. Ainda, cumpre ao Presidente da
República, após a cessação desses atos, relatar, em mensagem ao Congresso Nacional, as medidas
aplicadas na vigência desses atos, especificando e justificando as providências adotadas com relação
nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.
Como pudemos observar, esses atos revelam a legítima utilização do poder coercitivo do
Estado que só a ele é permitida. São situações que configuram o controle de comportamentos da
sociedade por parte da força do Estado, o controle social.

2.3.3 Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)


A Lei Complementar n. 97 (BRASIL, 1999) regulamenta o parágrafo 1º, do artigo 142 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), enquanto o Decreto n. 3.897 (BRASIL, 2001) fixa as diretrizes
para o emprego das Forças Armadas nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Essas operações de Garantia da Lei e da Ordem são realizadas exclusivamente por
determinação expressa do Presidente da República, conforme o artigo 2º do respectivo Decreto
Segurança Pública 47

n. 3.897 (BRASIL, 2001): “É da competência exclusiva do Presidente da República a decisão de


emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem”.
Essa decisão poderá ocorrer por iniciativa própria do Presidente da República ou dos outros
Poderes constitucionais, mediante solicitação ao Presidente da República, representados pelo
Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente do Senado Federal ou pelo Presidente da
Câmara dos Deputados. Também em vista da solicitação de Governador de Estado ou do Distrito
Federal, poderá o Presidente da República, por iniciativa própria, determinar o emprego das Forças
Armadas para a GLO.
O objetivo das operações de GLO é a preservação da ordem pública, da incolumidade ou
integridade das pessoas e do patrimônio e a garantia do funcionamento regular das instituições. São
utilizadas devido ao esgotamento dos instrumentos das forças tradicionais de Segurança Pública,
em graves situações de perturbação da ordem, por indisponíveis, inexistentes ou insuficientes
meios de desempenho regular da missão constitucional dos órgãos disciplinados no artigo 144 da
Constituição Federal.
A aplicação da GLO visa conceder, provisoriamente, aos militares federais a faculdade de
atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, incumbindo-lhes, sempre
que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza
preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias
Militares, observados os termos e limites impostos, a essas últimas, pelo ordenamento jurídico,
conforme artigo 3º do Decreto n. 3.897 (BRASIL, 2001).
As Forças Armadas, nessas operações, agem de maneira episódica, em área restrita e
previamente definida; por tempo limitado, com menor duração possível; abrangendo, além do
objetivos citados, outros em que se presuma necessária intervenção, como as relativas a eventos
oficiais ou públicos, particularmente os que contem com a participação de Chefe de Estado ou
de Governo estrangeiro, e a procedimentos eleitorais em município sob risco de perturbação da
ordem, para assegurar a tranquilidade e lisura, nesse caso quando solicitado, conforme dispõe o
artigo 5º do Decreto n. 3.897 (BRASIL, 2001).
Para ilustrar, é válido conhecer situações em que foram utilizadas a GLO, com atuação das
Forças Armadas (BRASIL, 2019):

• Operações de pacificação em diferentes comunidades no estado do


Rio de Janeiro, realizadas entre 1992 e 2018.
• Nos estados do Rio Grande do Norte (2019) e Espírito Santo (2017),
devido ao esgotamento dos meios de Segurança Pública, para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio.
• Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável do Rio de Janeiro, em 2012.
48 Controle social e segurança

• Na Copa das Confederações da FIFA, em 2013.


• Na visita do Papa Francisco à Aparecida (SP) e ao Rio de Janeiro (RJ)
durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013.
• Na Copa do Mundo em 2014 e nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016.

2.3.4 Força Nacional de Segurança Pública


A Força Nacional de Segurança Pública foi idealizada como um programa de cooperação
federativa no ano de 2004 e disciplinada para se organizar e ter o seu funcionamento por meio do
Decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004 (BRASIL, 2004).
Para tanto, levou-se em consideração o artigo 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988),
que prevê o Sistema de Segurança Pública, e o artigo 241, no qual consta:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por
meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.

O Decreto n. 5.289 (BRASIL, 2004) também considera a necessidade de atender ao Princípio


da Solidariedade, no caso concreto Solidariedade Federativa, que se encontra expresso como um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil no artigo 3º da Carta Magna Nacional
(BRASIL, 1988, grifo nosso): “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Visionário, o legislador considerava o desenvolvimento de atividades de um Sistema único
de Segurança Pública. O Programa de Cooperação entre os entes federados foi batizado de Força
Nacional de Segurança Pública, e a este podem voluntariamente aderir os Estados interessados,
desde que formalizem o interesse por meio de atos específicos.
De acordo com o artigo 2º do Decreto n. 5.289 (BRASIL, 2004), a Força Nacional de
Segurança Pública atuará nas atividades de preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio. Ainda mais especificamente, em coerência com o artigo 2º “a” do referido
Decreto (BRASIL, 2004), servidores civis desenvolverão as seguintes atividades enquanto estiverem
atuando na Força Nacional:
I - auxílio às ações de polícia judiciária estadual na função de investigação de
infração penal, para a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e
materialidade;
II - auxílio às ações de inteligência relacionadas às atividades destinadas à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio;
III - realização de atividades periciais e de identificação civil e criminal
destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou
de infração penal;
IV - auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para
reconhecimento de vitimados;
Segurança Pública 49

V - apoio a ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da


sociedade que promovam e protejam os direitos humanos e as liberdades
fundamentais; e
VI - apoio às atividades de conservação e policiamento ambiental.

As atividades desenvolvidas serão coordenadas de modo conjunto entre a União e o


Estado-convenente.
Em 2013, foi instituída a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de
Segurança Pública, cujos objetivos são:
• Apoiar as ações de fiscalização ambiental na proteção do meio ambiente.
• Atuar na prevenção a crimes e infrações ambientais.
• Executar tarefas de defesa civil em defesa do meio ambiente.
• Auxiliar as ações da polícia judiciária na investigação de crimes ambientais.
• Prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos
ambientais negativos.

As atividades da Força Nacional de Segurança Pública atenderão, de acordo com o artigo 3º


do Decreto n. 5.289 (BRASIL, 2004), especialmente aos seguintes princípios:
• Respeito aos direitos individuais e coletivos, inclusive à integridade moral das pessoas.
• Uso moderado e proporcional da força.
• Unidade de comando.
• Eficácia.
• Pronto atendimento.
• Emprego de técnicas proporcionais e adequadas de controle de distúrbios civis.
• Qualificação especial para gestão de conflitos.
• Solidariedade federativa.

A aplicação legal da Força Nacional pode ocorrer de maneira episódica e mediante


solicitação do Governador do Estado, Distrito Federal ou Ministro de Estado, devendo antes ser
planejada. O Ministério da Justiça é responsável pelo treinamento dos integrantes das polícias
federais e dos órgãos de Segurança Pública dos Estados que aderirem ao Programa Força
Nacional de Segurança Pública.
As atribuições dos integrantes da Força Nacional são as previstas no artigo 144 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), e o Ministério da Justiça deve garantir um efetivo mínimo
de 500 profissionais treinados para emprego imediato. Esses profissionais, durante a mobilização,
atuam sob o comando do Ministério da Justiça, contudo não deixam de pertencer funcionalmente
ao órgão de origem. Sobre isso, Foureaux (2019, p. 186) afirma: “a Força Nacional de Segurança
Pública não constitui um órgão de Segurança Pública, mas sim um convênio de cooperação,
conforme o art. 241 da Constituição Federal, regulado pela Lei n. 11.473/2007”.
50 Controle social e segurança

Ainda segundo Foureaux (2019), no final de 2018, a Força Nacional apresentava os


seguintes números:
• Efetivo superior a 2.000 profissionais.
• Atuação em 16 estados e 37 cidades.
• Participação em mais de 250 operações, desde a sua criação.

Conforme destacamos ao mencionarmos os aspectos do Princípio da Solidariedade segundo


a Constituição Federal (BRASIL, 1988), nós consideramos o legislador um visionário. Isso porque,
à época, ele previu o desenvolvimento de atividades de um Sistema Único de Segurança Pública ao
congregar em um único aparato profissionais de vários segmentos da Segurança Pública.
A seguir, apresentamos em um quadro, didaticamente, a possível composição da Força
Nacional de Segurança Pública que, conforme Foureaux (2019), é inspirada no modelo das Forças
de Paz das Nações Unidas.
Quadro 1 – Composição da Força Nacional de Segurança Pública

Podem compor a Força


Função
Nacional de Segurança Pública?
Policiais Federais Sim

Policiais Rodoviários Federais Sim

Policiais Ferroviários Federais Sim

Policiais Civis Sim

Policiais Militares Sim

Corpos de Bombeiros Militares Sim

Peritos Criminais Sim

Militares Estaduais da Reserva há menos de cinco anos Sim

Policiais inativos há menos de cinco anos Sim

Servidores de Órgãos Periciais inativos há menos de


Sim
cinco anos

Reservistas que tenham sido militares temporários das


Forças Armadas e que estejam na reserva a menos de Sim
cinco anos

Guardas Municipais Não

Agentes do Departamento de Trânsito Não

Agentes Penitenciários Não

Policiais Legislativos Não


Fonte: Foureaux, 2019, p. 183.

No Quadro 1, percebemos a integração entre os profissionais que compõem a Força Nacional


de Segurança Pública.
Em relação à integração entre os órgãos de segurança, introduzimos em nosso estudo a Lei
n. 13.675, de 11 de junho de 2018 (BRASIL, 2018a), que trata da Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social (PNSPDS) e do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Segurança Pública 51

Ambos os pontos debatidos pela Lei são de suma importância, contudo, a seguir, nos
aprofundaremos no SUSP com maior intensidade.

2.3.5 Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)


A Lei n. 13.675 (BRASIL, 2018a) instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e
criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). A finalidade do SUSP
e da PNSPDS é a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
conforme estipula o artigo 1º da Lei supracitada: “por meio de atuação conjunta, coordenada,
sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade”.
Essa ação conjunta firma um caráter de unidade nas ações de Segurança Pública que
revestem a temática de maior significado e importância, inclusive com força de lei para que ocorra
a integração de todo o sistema.
No tocante à PNSPDS, no artigo 3º da Lei n. 13.675 (BRASIL, 2018a) vamos encontrar
que é competência da União estabelecê-la, cabendo também aos Estados, Distrito Federal
e aos Municípios criar suas respectivas políticas, com a ressalva de que devem observar as
diretrizes nacionais.
Quanto ao SUSP, especificamente, é preciso evidenciar ter como órgão central o Ministério
Extraordinário da Segurança Pública, sendo integrado pelos órgãos do artigo 144 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988), aos quais somaram-se à Segurança Pública os agentes penitenciários, os
guardas municipais e demais integrantes estratégicos e operacionais.
Nesse ponto, vale destacar que os integrantes do SUSP se dividem em operacionais e
estratégicos. Os integrantes operacionais, como vimos, compõem o Sistema de Segurança Pública,
constitucionalmente previsto no artigo 144 (BRASIL, 1988), somados aos que apresentamos:
• Órgãos do sistema penitenciário.
• Institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação.
• Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
• Secretarias estaduais de Segurança Pública ou congêneres.
• Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec).
• Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad).
• Agentes de trânsito.
• Guarda portuária.

Ainda há os integrantes estratégicos do SUSP, responsáveis pelo planejamento. Segundo a


Lei n. 13.675 (BRASIL, 2018), são eles:
• União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes
Executivos;
• Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados.
52 Controle social e segurança

Destacar a questão que envolve o intercâmbio de conhecimentos, sejam eles técnicos


sejam científicos, para a qualificação dos profissionais de Segurança Pública e Defesa Social é
importantíssimo. A Lei n. 13.675 (BRASIL, 2018a) previu a necessidade de investir na formação,
inclusive continuada, e na saúde física e psicológica dos profissionais que integram o SUSP. Da
mesma forma, demonstrou preocupação com os familiares que diretamente são afetados pelo
cotidiano da profissão à qual se dedicam seus entes queridos.
A legislação se mostra atual e inovadora, ao passo que traz em seu bojo todo o alicerce para o
desenvolvimento de uma política nacional voltada à cidadania e ao cidadão, também envolvendo-o
em seu planejamento. E para o alcance dos objetivos estipulados, prevê ainda planos e metas a
serem atingidos e aferidos anualmente, tudo de acordo com as diretrizes já estipuladas.

Considerações finais
Este capítulo buscou instigar à pesquisa e à construção de mais conhecimento. O objetivo foi
mostrar algo de importante e necessária aprendizagem para que a sociedade prospere.
Nosso tema central, controle social, não pode prescindir do tema paralelo que o acompanha,
Segurança Pública. E não há como conhecer o conceito de segurança sem visitar teoricamente os
órgãos que o compõem enquanto sistema e sem saber de onde são oriundos, bem como qual é o
horizonte que estão buscando.

Ampliando seus conhecimentos


• BRASIL. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. História naval. Disponível em: https://
www.marinha.mil.br/content/historia-naval. Acesso em: 18 out. 2019.
• BRASIL. Portal Brasileiro de Dados Abertos. Exército Brasileiro – EB. Disponível em:
http://dados.gov.br/organization/about/exercito-brasileiro-eb. Acesso em: 18 out. 2019.

• ELIAS, J. Homenagem. In: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Disponível em: http://


www.fab.mil.br/ministerio/. Acesso em: 18 out. 2019.
Sugere-se a visita aos sites da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para complementar
seus estudos em relação às Forças Armadas. Você poderá ler nesses sites histórias, missões
e informações que vão enriquecer sua cultura a respeito dos temas debatidos no capítulo.

• BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Saiba mais sobre a atuação da


Força Nacional de Segurança Pública. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/
collective-nitf-content-1546630482.88. Acesso em: 22 out. 2019.
Segurança Pública 53

Sugere-se a visita ao site do Mistério da Justiça e Segurança Pública para encontrar mais
informações sobre a atuação da Força Nacional de Segurança Pública.

• BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Centro de Estudos e Debates


Estratégicos. Consultoria Legislativa. Segurança Pública: prioridade nacional. Brasília, DF:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018b. (Série estudos estratégicos). Disponível
em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/36679. Acesso em: 21 out. 2019.
Sugere-se a consulta a essa publicação do Centro de Estudos e Debates Estratégicos. O
estudo reúne argumentos de pesquisadores e gestores da Segurança Pública brasileira que
contribuem para o debate sobre o tema.

Atividades
1. Discorra sobre as três Forças Armadas: quais são, a quem se subordinam e qual a sua
destinação constitucionalmente prevista.

2. Disserte a respeito dos órgãos de Segurança Pública elencados no artigo 144 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988): quais são eles e quais são as suas competências.

3. Quais são os integrantes do Sistema Único de Segurança Pública e como se dividem?

Referências
BRANCO, P.G.G. Organização do Estado. In: MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de
direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Decreto n. 641, de 26 de junho de 1852. Coleção das Leis do Brasil, Poder Legislativo, Brasília,
DF, 31 dez. 1852. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL641-1852.
htm. Acesso em: 18 out. 2019.

BRASIL. Decreto-Lei n. 18.323, de 24 de julho de 1928. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 15 ago. 1928. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-18323-
24-julho-1928-516789-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 out. 2019.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.961, de 20 de janeiro de 1941. Coleção das Leis do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF, 25 jan. 1941a. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del2961.htm.
Acesso em: 18 out. 2019.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.302, de 22 de maio de 1941. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
22 maio 1941b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3302-
22-maio-1941-413224-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 out. 2019.
54 Controle social e segurança

BRASIL. Decreto-Lei n. 6.378, de 28 de março de 1944. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 06 abr. 1944. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-6378-
28-marco-1944-389489-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 out. 2019.

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 ago. 2019.

BRASIL. Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jun. 1999.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp97.htm. Acesso em: 21 out. 2019.

BRASIL. Decreto n. 3.897, de 24 de agosto de 2001. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
27 ago. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm. Acesso em: 22
out. 2019.

BRASIL. Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11
ago. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm. Acesso
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BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
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Acesso em: 21 out. 2019.

BRASIL. Segurança Pública: prioridade nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2018b. (Série estudos estratégicos; n. 10 e-book). Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/
bdcamara/36679. Acesso em: 21 out. 2019.

BRASIL. Decreto n. 9.288, de 16 de fevereiro de 2018. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
16 fev. 2018c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9288.
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BRASIL. Ministério da Defesa. Garantia da Lei e da Ordem. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/index.


php/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem. Acesso em: 22 out. 2019.

BRASIL. Decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 30 nov. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/
D5289.htm. Acesso em: 22 out. 2019.

FOUREAUX, R. Segurança Pública. Salvador: JusPodivm, 2019.

HIPÓLITO, M. M.; TASCA, J. E. Superando o mito do espantalho: uma polícia orientada para a resolução dos
problemas de segurança pública. Florianópolis: Insular, 2012.

LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.

MORAES, A. de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
3
Política e planos de segurança

Neste capítulo, vamos conhecer os conceitos referentes às Políticas Públicas e importantes


pesquisas da área. Estudaremos, também, as políticas de Segurança Pública que se desdobraram
em Planos de Segurança Pública no Brasil e, sucessivamente, foram se complementando. Essa é
uma trajetória que não cessa, sendo sempre aprimorada.
A integração dos órgãos de Segurança Pública e a participação das Forças Armadas são
fatores que contribuem e fortalecem todo o sistema a favor do bem comum dos envolvidos
e daqueles chamados a se envolverem. Esse capítulo, portanto, muito pode acrescentar em seu
aprendizado, mas cabe a você continuar as pesquisas e seguir em frente.

3.1 Introdução às Políticas Públicas


Antes de adentrarmos especificamente nas Políticas Públicas nacionais de Segurança
Pública, convém compreendermos sua definição, suas características, seus tipos, quais são os
atores que agem para que elas sejam elaboradas e como ocorre o seu processo de elaboração.
Para tanto, é preciso relembrarmos conceitos estudados em capítulos anteriores sobre a
diferenciação entre Estado e governo, pois falaremos ora de um, ora de outro.
Estado é a unidade administrativa de um território, de um país; é formado por um conjunto
de instituições públicas, como governo, escolas, prisões, hospitais e Exército. Essas instituições
representam, organizam e atendem aos anseios da população. Já o governo é apenas uma instituição
do Estado cuja função é administrá-lo. Os governos são instâncias do poder político.
O governo, por meio de seus representantes, detém o poder, as formas pelas quais alcança
esse poder e o que faz com ele. Lembremo-nos de que os governos são transitórios, visto que
são democraticamente eleitos para seu exercício por período determinado. Assim, as políticas são
atividades exercidas pelo governo, conforme a demanda da sociedade e enquanto ele durar.
Agora que revisitamos esses conceitos, vamos ao estudo de Políticas Públicas. Primeiramente,
é importante nos atermos ao breve entendimento de política que, segundo Dias e Matos (2012, p. 3),
inclui diferentes significados, mas todos de algum modo relacionados com a
posse, manutenção ou distribuição do poder. A maior parte dos cientistas sociais
compartilha a ideia de que poder é a capacidade para afetar o comportamento
dos outros. O poder pode ser considerado um meio que o grupo ou indivíduos
tem de fazer com que as coisas sejam realizadas por outros indivíduos ou grupos.
Nesse sentido, o poder é um elemento básico na implementação de políticas.

Na definição clássica, encontrada na obra Política, de Aristóteles, que remonta aos gregos
antigos do século IV a.C., “política é derivado do adjetivo originado de polis (politikós), que significa
tudo que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável
e social” (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954). Ainda, pode-se considerar
56 Controle social e segurança

política algo que “é habitualmente empregado para indicar atividade ou conjunto de atividades que
têm de algum modo, como termo de referência, a polis, isto é, o Estado” (BOBBIO, 2000, p. 160).
Ditas atividades ou conjunto de atividades do Estado se referem a atos como comandar
ou proibir algo; ao exercício de sua soberania sobre determinado território; à função de legislar,
impondo normas válidas a todos; à arrecadação e distribuição de recursos de um setor para outro
da sociedade; ao atendimento aos anseios da sociedade na perseguição e realização do bem comum.
Nesse contexto, ao Estado como entidade, formada por um aparato social, jurídico e administrativo,
cabe o exercício, o planejamento e a aplicabilidade do poder político. Isso se dá por meio de sua
vontade, que é concretizada em leis, as quais determinam a conduta social.
Por fim, complementando o conceito de política, há os ensinamentos de Augusto (1989,
p. 106, grifos do original), que assim dispõe:
O termo política refere-se a “um conjunto de objetivos que enformam
determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução”
(FERREIRA, 1986). Implica, desta forma, a ideia de orientação unitária quanto
aos fins a serem atingidos. Também supõe uma certa hierarquia entre as
diversas dimensões empíricas a serem presumivelmente atingidas, pelo menos
a nível dos benefícios que adviriam de sua implementação. A direção para a
qual aponta e os objetivos que orientam a referida política manifestar-se-iam,
de forma clara, no interior dos projetos e atividades que a constituem. Além
disso, denotaria um conjunto articulado de decisões de governo, visando fins
previamente estabelecidos a serem atingidos através de práticas globalmente
programadas e encadeadas de forma coerente. Clareza de propósitos, hierarquia
quanto aos fins, e programas definidos no sentido de atingi-los, qualificariam as
políticas governamentais em geral.

O conceito de política, como vimos, se mostra de maneira ampla e configurada pelo poder.
Este é compreendido como meio de afetar e controlar a vida em sociedade, sendo uma ação
desempenhada pelo Estado como sua vontade consumada por meio de leis válidas e visando ao
bem comum.
Para melhor interpretar a função do Estado, consideremos a definição de Dias e Matos
(2012, p. 7):
O Estado é responsável pela ordem, pela justiça e pelo bem comum da sociedade.
Para tanto, deve legislar (criar e manter em dia uma ordem jurídica eficaz);
administrar (prover, através de diversos mecanismos legais e executando
os serviços públicos, as necessidades da comunidade) e julgar (resolver
pacificamente, de acordo com a lei, os conflitos de interesses que possam surgir
e decidir qual é a norma aplicável em caso de dúvida).

No entanto, para executar suas funções e políticas que atendam às diversas demandas da
sociedade e objetivem o bem comum, o Estado precisa de recursos que, por diversas vezes, são
limitados. Assim, “as funções estatais em todos os níveis (federal, estadual, municipal), para serem
exercidas, necessitam de um mínimo de planejamento, com a adoção de critérios de racionalidade
para que as metas e objetivos sejam alcançados de forma eficiente, ou seja, obter resultados com
recursos limitados” (DIAS; MATOS, 2012, p. 7).
Política e planos de segurança 57

Nesse contexto, sendo uma das responsabilidades do Estado, importa compreendermos o


bem comum como um agrupamento de premissas sociais necessárias à pessoa humana para que
realize sua dignidade por meio do desenvolvimento integral de toda a coletividade. Para tanto, o
Estado, como responsável e garantidor desse bem comum, deve direcionar as políticas tomando
como fim último a concretização desse bem público, oferecendo possibilidades a todos os seres que
compõem a sociedade política para a realização de seus desejos e suas aspirações, o que tornará
suas vidas mais desejáveis e felizes (DIAS; MATOS, 2012).
Cientes dos conceitos de política, Estado e bem comum, podemos prosseguir para o estudo
da definição de Políticas Públicas. Para tanto, a fim de ampliar sua perspectiva, definiremos o que
se entende por público. Nas palavras de Dias e Matos (2012, p. 11),
O público compreende aquele domínio da atividade humana que é
considerado necessário para a intervenção governamental ou para a ação
comum. Fazem referência a esse âmbito comum muitos termos utilizados
com frequência, tais como: interesse público; setor público; opinião pública;
saúde pública, entre outros. O conceito de política pública pressupõe que há
uma área ou domínio da vida que não é privada ou somente individual, mas
que existe em comum com os outros. Essa dimensão comum é denominada
propriedade pública, não pertence a ninguém em particular e é controlada
pelo governo para propósitos públicos.

Como vimos, o público ultrapassa a esfera do que é privado, configurando situações que
são do interesse e afetam a vida da sociedade como um todo. Como é relativo ao nosso estudo,
somamos aos exemplos citados a Segurança Pública, pois só o Estado tem o poder de aplicar sanções
coercitivas, se necessário, com o uso da força. Essa atividade, portanto, vai além do particular; afeta
e interessa diretamente toda a sociedade, constituindo-se um assunto público.
Nesse sentido, cabe ao Estado, como principal gestor dos recursos públicos e garantidor da
ordem e segurança, o dever de atender e resolver os problemas na esfera pública, além de levar
adiante o processo de planejamento, elaboração, implementação e avaliação das políticas que sejam
necessárias ao cumprimento – de modo coordenado e permanente – dessas funções públicas que a
sociedade lhe delegou (DIAS; MATOS, 2012).
Assim, podemos definir Políticas Públicas como uma função essencial do governo que,
por intermédio de um conjunto de princípios, critérios e linhas de ação, garantem e permitem a
gestão do Estado na solução dos problemas nacionais. O Estado, como instituição detentora do
poder legal, exerce sua atividade nos diversos campos de sua atuação por intermédio de Políticas
Públicas, buscando sanar os conflitos e estabilizar a sociedade pela ação da autoridade, no processo
de construção de uma ordem que permita a pacífica convivência entre pessoas diferentes, com
interesses particulares e que buscam sua felicidade.
Nesse mesmo sentido, Dias e Matos (2012 p. 12) conceituam Políticas Públicas como
ações empreendidas pelos governos que deveriam estabelecer condições de
equidade no convívio social, tendo por objetivo das condições para que todos
possam atingir uma melhoria da qualidade de vida compatível com a dignidade
humana. Nesta definição está implícito que os governos têm por objetivo
garantir que sejam atingidos os fins para os quais foi criado o Estado, ou seja,
58 Controle social e segurança

com a utilização de mecanismos legais e coercitivos, tornar possível que todos


os cidadãos possam buscar a felicidade, sem que sejam prejudicados pelas ações
de outros indivíduos ou organizações.

Ainda, contribuindo para uma melhor definição e entendimento sobre Políticas Públicas,
Procopiuck (2013, p. 139) afirma:
O conceito de políticas públicas – a exemplo de conceito de estratégia, programas
e de planos – provê diretrizes gerais ao invés de instruções detalhadas para a
ação envolvendo interesses coletivos articulados na esfera pública. A função
específica de uma política pública é prover orientações normativas, guiadas por
valores e por finalidades, para a elaboração de estratégias, programas e planos
que procuram adequar meios para atingir determinados fins.

Assim, podemos concluir que Políticas Públicas são ações do governo resultantes da atividade
política, que visam à gestão dos problemas e das demandas coletivas por meio da utilização de
metodologias que identificam as prioridades, racionalizando a aplicação de investimentos e
utilizando o planejamento como forma de se atingir objetivos e metas predefinidos. São, portanto,
aquilo que o governo pretende ou não fazer, e têm um aspecto coercitivo oficializado quando
impostas aos cidadãos que as aceitam como legítimas.
Ainda, é possível perceber que as Políticas Públicas se adaptam e modernizam, pois
as políticas variam de acordo com o grau de diversificação da economia, com
a natureza do regime social, com a visão que os governantes têm do papel do
Estado no conjunto da sociedade e com o nível de atuação dos diferentes grupos
sociais, como partidos, sindicatos, associações de classe e outras formas de
organização social. (DIAS, 2012, p. 14)

Desse modo, o processo de formação das Políticas Públicas tem se desenvolvido ao longo do
tempo e em diferentes contextos da sociedade. Assim, elas se mostram como um agrupamento de
resoluções que especificam e designam dispositivos do ordenamento jurídico. Esses irão definir as
condutas dos diversos atores, que, em face de um problema social concreto, atuam para instituir o
processo de elaboração e concretização das Políticas Públicas (PROCOPIUCK, 2013).
Com base nessas premissas, vamos compreender características, tipos e competências
das esferas de governo das Políticas Públicas. Vimos que as Políticas Públicas se constituem em
um conjunto de diretrizes que delineiam a ação governamental, de modo que são instrumentos
de concretização dos direitos dispostos na Constituição de um país, de um Estado-membro ou
mesmo nas leis orgânicas municipais. Não estão disciplinadas nesses ordenamentos, mas são meios
de efetivação dos direitos por eles assegurados.
Nesse contexto é válido destacar a opinião de Bucci (2006, p. 252), de que
as políticas são instrumentos de ação dos governos […]. A função de governar
– o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social – é o núcleo da
ideia de política pública, redirecionando o eixo de organização do governo da
lei para as políticas. As políticas são uma evolução em relação à ideia de lei em
sentido formal […]
Política e planos de segurança 59

As Políticas Públicas, nesse sentido, superam a ideia de uma lei geral e abstrata para inserir
na legislação um conceito de programa de ação concreta, com metas ou finalidades coletivas,
geralmente envolvendo melhorias em alguma característica econômica, política ou social
da sociedade.
De acordo com Dias e Matos (2012, p. 16), citando estudos do Banco Internacional de
Desenvolvimento (BID, 2007), são características ou aspectos-chave das Políticas Públicas as
apresentadas na sequência.
Quadro 1 – Características das Políticas Públicas

Características Descrição
As políticas são estáveis ao tempo, embora possam sofrer alterações que tendem
a responder a mudanças nas condições econômicas ou ao fracasso de políticas
Estabilidade anteriores, não a mudanças políticas. Essas mudanças devem ser gradativas,
aproveitando as realizações de administrações anteriores, e alcançadas por meio
de consenso.

As políticas devem ser passíveis de adaptação e ajustes quando as circunstâncias


Adaptabilidade mudam (condições econômicas, por exemplo) ou serem alteradas quando for
evidente que elas não estão funcionando.

Avaliar em que medida as políticas são compatíveis com outras políticas afins
e resultam de ações bem coordenadas entre os atores que participam de sua
Coerência e coordenação
formulação e implementação. A falta de comunicação adequada e cooperação
podem levar à fragmentação da formulação de políticas.

Uma política pode ser muito bem projetada, passar pelo processo de aprovação sem
Qualidade da implementação alterações e, ainda assim, ser completamente ineficaz se não for bem implementada
e da aplicação efetiva e aplicada. A qualidade da implementação está associada à capacitação do corpo
técnico (ou burocracia).

Refere-se ao grau em que as políticas produzidas por um dado sistema promovem


Consideração do interesse
o bem-estar geral e se assemelham a bens públicos (isto é, consideram o interesse
público
público).

É a capacidade do Estado de alocar seus recursos escassos às atividades em que


Eficiência eles tenham os maiores retornos; em outras palavras, que assegure retornos sociais
elevados.
Fonte: Adaptado de BID, 2007 apud Dias; Matos, 2012, p. 16.

A essas características podemos acrescentar, conforme mencionamos anteriormente, a


marcante autoridade soberana do poder público que reveste todas as decisões e ações de Políticas
Públicas. Assim, essas características somadas têm como finalidade alcançar uma boa qualidade
nas Políticas Públicas propostas, uma vez que devem se basear em programas concretos, critérios,
linhas de ação e normas; planos; previsões orçamentárias, humanas e materiais; além de levar em
conta os anseios dos atores que contribuem para a sua existência.
Podem ser incluídas, também, as disposições constitucionais, as leis e os regulamentos, os
decretos e as resoluções administrativas. Tudo isso considerando e favorecendo o interesse público,
fim único dos recursos alocados pelo poder público.
As Políticas Públicas são, então, apresentadas como programas de ação governamental em
um dado setor social ou espaço geográfico, dirigidas a resolver determinadas necessidades públicas.
60 Controle social e segurança

Para entendermos como o governo decide alocar recursos em dadas atividades e não em outras,
temos de conhecer os tipos e a natureza das Políticas Públicas. Vamos, para tanto, nos pautar nos
ensinamentos de Dias e Matos (2012, p. 17), que apresentam os tipos das Políticas Públicas:
1. Política social: saúde, educação, habitação, previdência social.
2. Política macroeconômica: fiscal, monetária, cambial, industrial.
3. Política administrativa: democracia, descentralização, participação social.
4. Polícia específica ou setorial: meio ambiente, cultura, agrária, direitos
humanos etc.

Já quanto à natureza, ainda conforme Dias e Matos (2012), as Políticas Públicas são agrupadas
do seguinte modo:
1. Arenas decisórias ou arenas de poder: arenas são tipos específicos de relações (ou
discussões) políticas definidas para cada Política Pública. Cada tipo de Política Pública
pressupõe uma rede de atores, bem como arenas, estruturas de decisões e contextos
institucionais diferentes. Essas arenas são divididas de acordo com as coalizões ou a
oposição ao objeto da política em jogo. O quadro a seguir apresenta essas divisões.
Quadro 2 – Tipos de arenas decisórias ou de poder

Tipos de arenas
Descrição
decisórias ou de poder
São financiadas pelo conjunto da sociedade, e os benefícios são distribuídos
atendendo as necessidades individualizadas, ou seja, o governo distribui recursos
Distributivas a uns, sem que isso afete outros grupos ou indivíduos. São normalmente utilizadas
para estimular setores e atividades já existentes, como é o caso da concessão de
subsídios, ou, ainda, isenções tarifárias, incentivos ou renúncias fiscais.

Envolvem discriminação no atendimento das demandas de grupos, distinguindo


os beneficiados e prejudicados por essas políticas, estabelecendo controle,
regulamentos e padrões de comportamento de certas atividades políticas. Gera
Regulatórias conflitos entre coalizões políticas de interesses opostos, e distinção entre favorecidos
e desfavorecidos. Exemplos são as regulamentações dos setores econômicos e de
serviços, como telecomunicações, regras de tráfego aéreo e códigos de trânsito, leis
ambientais e de defesa do consumidor.

Têm como objetivo redistribuir recursos financeiros, direitos ou outros benefícios


entre os grupos sociais, intervindo na estrutura econômica social, por meio da criação
Redistributivas de mecanismos que diminuam as desigualdades. São exemplos os programas de
previdência, seguro-desemprego, cotas raciais para universidades, bolsa-família e
reforma agrária.

São aquelas que estabelecem regras sob as quais outras Políticas Públicas são
selecionadas. Definem competências, jurisdições, regras da disputa política e da
Constitutivas ou políticas
elaboração de Políticas Públicas. São exemplos as regras do sistema político-eleitoral,
estruturadoras
a distribuição de competências entre os Poderes e as esferas, regras das relações
intergovernamentais e regras da participação da sociedade civil em decisões públicas.
Fonte: Adaptado de Dias; Matos, 2012, p. 18.

2. Finalidades: as finalidades das Políticas Públicas estão divididas, em um viés de políticas


sociais, em três grupos, conforme vemos no Quadro 3.
Política e planos de segurança 61

Quadro 3 – Finalidades das Políticas Públicas

Finalidades Conceito
Visam minimizar ou impedir a ocorrência de problemas sociais graves. Todos
contribuem para seu financiamento indireto por meio do sistema tributário. São
Preventivas ou passivas
exemplos: políticas de emprego, salário, saúde pública, saneamento, educação e
nutrição.

São programas sociais destinados a remediar desequilíbrios gerados pelo processo


de acumulação. Visam solucionar problemas gerados pela ineficiência do sistema
político em assegurar a coesão e o equilíbrio sociais, ou seja, remedeiam problemas
Compensatórias ou ativas gerados em larga escala por ineficiência de políticas preventivas anteriores. São
financiadas por diversas formas, como taxas, contribuições, tributos etc. São
exemplos: Previdência Social, alfabetização, qualificação profissional, habitação e
assistência ao menor.

São aquelas orientadas explicitamente para a redistribuição de renda e de benefícios


Sociais ou stricto sensu
sociais, como Bolsa Família, vale-refeição etc.

Fonte: Adaptado de Dias; Matos, 2012, p. 19.

3. Alcance de suas ações: o alcance das Políticas Públicas em relação a quem se destinam
dividem-se em dois tipos, como é possível observar no quadro a seguir.
Quadro 4 – Alcance das Políticas Públicas

Tipos de alcance Conceito


Destinam-se a um público específico ou uma condição específica: os destinatários são
Focalizadas definidos pelo nível de necessidades, de pobreza ou risco. São exemplos: Bolsa Família,
programa de alfabetização de adultos e assistência ao menor.

Destinam-se a todos indistintamente. São exemplos: políticas de saúde, educação,


Universalistas
assistência social, segurança pública etc.

Fonte: Adaptado de Dias; Matos, 2012, p. 19.

Esses são os tipos e a natureza que direcionam o planejamento e a execução das Políticas
Públicas aplicadas a determinadas ações que necessitam da intervenção estatal para que sejam
garantidas à sociedade.
No decorrer de nosso estudo, algumas vezes falamos da presença de atores envolvidos na
elaboração das Políticas Públicas. Agora, vamos ver quem são esses atores e qual a ssua importância.
Os atores referidos são indivíduos, grupos, organizações, movimentos e partidos que têm
o papel fundamental de influenciar, de algum modo, as políticas governamentais no seu processo
de construção, na sua implantação ou em seus desdobramentos. Além de defender seus interesses
próprios ou dos grupos que representam,
suas práticas são diversas, podendo empregar diversos meios para defender
seus interesses: a pressão pura e simples através do lobby; a greve; mobilizações;
participação nas reuniões etc., de tal modo que as políticas públicas constituem
o resultado das ações tomadas por esses vários atores que influenciam o processo
de formulação das políticas públicas. (DIAS; MATOS, 2012, p. 40)
62 Controle social e segurança

Há diversas formas de se classificar esses atores. Vejamos no quadro a seguir algumas delas.
Quadro 5 – Classificação dos atores das Políticas Públicas

Formais: assim definidos pela Constituição Federal – e confirmados por suas


congêneres (as Assembleias Estaduais e Leis Orgânicas Municipais) –, constituem
seus atores os partidos políticos, os membros dos legislativos, as equipes de governos,
o Poder Judiciário e a autoridade máxima do executivo em cada esfera (Presidente da
Atores formais República, Governadores e Prefeitos), que ocupam uma posição central no sistema
e informais formal e no processo de formulação de políticas.
Informais: aqueles não regidos pela Constituição ou outras leis orgânicas, que tampouco
recebem funções específicas no processo de preparação de Políticas Públicas, mas
podem se constituir em atores de grande relevância. São exemplos: movimentos
sociais, empresas, sindicatos e meios de comunicação.

Individuais: aqueles que agem intencionalmente na arena política, procurando


influenciar o processo de implementação das Políticas Públicas. São exemplos:
políticos, burocratas, magistrados, formadores de opinião (jornalistas, artistas e ídolos
Atores individuais
de modo geral) etc.
e coletivos
Coletivos: são grupos e organizações que agem intencionalmente na arena política,
visando influenciar os rumos das Políticas Públicas. São exemplos: partidos políticos,
burocracia, grupos de interesse, organizações da sociedade civil e movimentos sociais.

Públicos: aqueles que compõem o sistema público e possuem a faculdade de decidir as


políticas. Exercem as funções públicas, incluídos todos os atores que ocupam postos
no governo.
Atores públicos e Privados ou sociais: aqueles que não possuem vínculo direto com a estrutura admi-
privados ou sociais nistrativa do Estado, mas influenciam na formação de Políticas Públicas exercendo
seu poder de pressionar o governo a tomar determinadas ações. São exemplos: mídia,
centros de pesquisa, grupos de interesse ou grupos de pressão, organizações do
terceiro setor, sindicatos, entidades de representação empresarial etc.

Fonte: Adaptado de Dias; Matos, 2012, p. 41.

Dessa maneira, considerando o que estudamos até então, podemos identificar vários atores
nesse cenário que influenciam a formação e elaboração de uma Política Pública. A seguir, contudo,
veremos que existem alguns atores que podem ser ditos como principais, por quase sempre estarem
envolvidos nesse processo e nas diversas esferas de governo em que se articula o Estado. São eles:
Quadro 6 – Principais atores das Políticas Públicas

Principais atores Descrição


Políticos e alta equipe administrativa. Presidente, governadores, prefeitos, ministros,
Atores fundamentais
secretários, senadores, deputados e vereadores.

Partidos políticos Tanto os de situação quanto os de oposição.

Equipes de governo Pessoas nomeadas para integrar equipes que assessoram os políticos.

Corpo técnico Burocracia, constituída por funcionários de carreira.

Juízes Poder Judiciário.

Mídia Veículos de comunicação de massa (jornais, rádios, TVs, internet).

Empresas Corporações transnacionais, pequenas e médias empresas.

Sindicatos e associações
Organizações sindicais e de representação profissional.
profissionais

(Continua)
Política e planos de segurança 63

Principais atores Descrição


Organizações do terceiro
ONGs, entidades filantrópicas, fundações.
setor

Escritórios de assessoramento legislativos, institutos vinculados a partidos políticos,


Atores do conhecimento
organismos internacionais, centros de pesquisa.

Conjunto de indivíduos que procuram defender seus interesses junto aos órgãos de
Grupos de pressão
governo.

Movimentos sociais Movimentos de curta duração com objetivos bem determinados.

Sociedades de amigos de bairros, associações representativas de comunidades


Associações comunitárias
territoriais específicas (quilombolas, caiçaras, ribeirinhos etc.).

Fonte: Dias; Matos, 2012, p. 41.

Vimos, portanto, que os atores que influenciam o processo de formulação das Políticas
Públicas têm interesses a serem defendidos e concretizados, por isso cumprem o seu papel
exercendo pressão sobre o poder público para verem suas demandas atendidas. Isso é importante
porque demonstra a necessidade e urgência de atendimento ou não do planejamento de Políticas
Públicas para dada atividade.
Com essa prévia compreensão, prosseguimos ao estudo do processo de elaboração das
Políticas Públicas. Segundo Dias e Matos (2012, p. 60),
O processo de formulação de políticas públicas pode ser entendido como
uma sucessão de negociações entre os atores políticos que interagem em
arenas formais (como o Legislativo ou o ministério) e informais (“a rua”, onde
os movimentos sociais e outros atores mobilizam-se). […] O importante é
que, nesse processo, as necessidades e objetivos sejam previamente definidos
de maneira democrática, pela utilização dos mais diversos mecanismos de
participação social.

É por meio da elaboração e implementação das Políticas Públicas que o Estado, no exercício
de suas funções públicas, passa a atender concretamente às demandas sociais e a solucionar
problemas que afetam a coletividade.
Para enriquecermos a interpretação desse assunto, na figura a seguir faremos uso dos
ensinamentos de Procopiuck (2013).
Figura 1 – Processo de elaboração das Políticas Públicas

Fases Características

Pensamento criativo sobre o problema.


Definição de objetivos.
Iniciação
Criação de opções.
Tentativas e exploração preliminar de conceitos, demandas e possibilidades.

Investigação de conceitos e demandas.


Estimativa de impactos.
Estimação Exame normativo das consequências prováveis.
Delineamento de um programa.
Estabelecimento de critérios de desempenho esperado e indicadores.
(Continua)
64 Controle social e segurança

Debates sobre as possíveis opções.


Compromissos, negociações e ajustes de interesses.
Redução de incertezas sobre as opções.
Seleção
Integração de elementos de decisão não racionais e de questões ideológicas.
Decisão entre as opções.
Atribuição de responsabilidades para a execução.

Desenvolvimento de regras, estruturas de regulação e linhas gerais para a execução das decisões.
Mudança nas decisões para se ajustarem às restrições operacionais.
Implementação Transformação das decisões em termos operacionais.
Elaboração de um programa com objetivos e padrões de desempenho, incluindo cronogramas de
operações.

Comparação entre o desempenho real e o desempenho esperado em termos dos critérios


Avaliação estabelecidos previamente.
Atribuição de responsabilidades em relação às discrepâncias observadas no desempenho.

Determinação dos custos, das consequências e dos benefícios decorrentes das ações adotadas na
política.
Conclusão
Comparação entre o que foi necessário e o que foi requisitado.
Especificação dos problemas detectados no momento da conclusão.

Fonte: Adaptado de Procopiuck, 2013, p. 142.

No entendimento de Dias e Matos (2012), ainda há que se falar, após a conclusão do


referido processo, de uma tomada de decisão quanto à continuidade, reestruturação ou extinção
da Política Pública.
Decide-se pela continuidade quando os problemas no processo de implementação da Política
Pública forem muito pequenos e não afetarem a essência do que se pretendia. Já a restruturação
ocorre ante o surgimento de problemas no processo de implementação, o que demanda ajustes.
Por fim, a extinção ocorre “nos casos em que o problema público foi resolvido, ou quando os
problemas de implementação são insuperáveis, ou quando a política pública se torna inútil pelo
natural término do problema” (LAHERA apud DIAS; MATOS, 2012, p. 90).
Desse modo, fizemos um breve passeio pelas noções básicas de Políticas Públicas para mais
bem compreendermos aquelas que efetivamente são parte importante de nosso estudo: as Políticas
Públicas de Segurança Pública, apresentadas a seguir.

3.2 Políticas para a redução da violência


Desde os anos 2000, tentou-se implantar no Brasil cinco Planos de Segurança Pública
(BRASIL, 2018a). Cada um trazia metodologias e técnicas mais ou menos apuradas, de modo que
o Governo Federal alcançou progressos necessários para desenhar o que foi e vai se apresentando
na intenção de melhorias para a Segurança Pública.
Com base no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social para 2018-2028 (BRASIL,
2018a), apresentamos a seguir, em ordem cronológica, o que o Brasil conheceu desde 2000 em
relação à Segurança Pública e seus Planos. Listamos, também, as informações mais relevantes para
o nosso estudo e conhecimento da evolução das políticas para a redução da violência.
Política e planos de segurança 65

• 2000: o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) teve como objetivo articular ações
de repressão e prevenção da criminalidade no país.
Para isso, o PNSP (BRASIL, 2000) era composto por 15 compromissos, sendo eles:
1. Combate ao narcotráfico e ao crime organizado.
2. Desarmamento e controle de armas.
3. Repressão ao roubo de cargas e melhoria da segurança nas estradas.
4. Implantação do subsistema de inteligência de Segurança Pública.
5. Ampliação do programa de proteção a testemunhas e vítimas de crime.
6. Mídia x violência: regulamentação.
7. Redução da violência urbana.
8. Inibição de gangues e combate à desordem social.
9. Eliminação de chacinas e execuções sumárias.
10. Combate à violência rural.
11. Intensificação das Ações do Programa Nacional de Direitos Humanos.
12. Capacitação profissional e reaparelhamento das polícias.
13. Aperfeiçoamento do sistema penitenciário.
14. Aperfeiçoamento legislativo.
15. Implantação do Sistema Nacional de Segurança Pública.

O Plano Nacional de Segurança Pública proposto para o ano 2000 teve esses 15 compromissos
divididos em 124 ações, sendo todos relacionados ao crime organizado, ao controle de armas, à
capacitação profissional e ao reaparelhamento das polícias.
Na busca por resultados audaciosos, esse Plano não obteve sucesso. Os recursos foram
pulverizados e, dessa forma, enfraquecidos.
• 2003: apresentou-se o que foi denominado “embrião do Sistema Único de Segurança
Pública”, com o objetivo de definir competências e articular as ações policiais integrando
outras instituições. O sistema foi aprovado legislativamente somente em 2018.
• 2004: como destaque, trouxe a criação da Força Nacional de Segurança Pública que,
conforme já estudamos, inspirou-se nas Forças de Paz das Nações Unidas. Seu objetivo
era atender às necessidades emergenciais dos estados e do Distrito Federal, por meio do
reforço de profissionais de Segurança Pública, com vistas a contribuir para a restauração
da ordem pública e a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
• 2007: o destaque está para o Programa Nacional de Segurança com Cidadania
(PRONASCI), que financiou ações das polícias e de algumas guardas municipais, com
o intuito de promover ganhos financeiros e agilidade nas ações de Segurança Pública.
Mesmo com bom alcance, perdeu oportunidades de debate coletivo em relação ao tema
Segurança Pública, o que enfraqueceu o Plano do ponto de vista de ganhos sociais.
66 Controle social e segurança

• 2012: o país conhece o Plano Brasil Mais Seguro, que faz a previsão de ações para o
aumento da sensação de segurança, controle de armas, combate a grupos de extermínio e
enfrentamento à impunidade. Volta-se ao propósito principal de reduzir a criminalidade
violenta no país.
• 2017: o Plano Nacional para Redução de Homicídios propõe ações focadas nas áreas com
maior concentração de homicídios, além da busca pela integração das Políticas Públicas,
participação social e articulação com entes federados. Destaca o objetivo de reduzir
homicídios.
• Ainda em 2017, apresentou-se o Plano Nacional de Segurança Pública com a finalidade
de reduzir os homicídios e feminicídios, combater a violência contra a mulher, melhorar
o sistema penitenciário e o combate à criminalidade organizada de maneira integrada.
Isso em coordenação com programas e planos de outros órgãos, otimizando recursos e
afastando redundâncias.

Ao observarmos mais detalhadamente Políticas e Planos de Segurança Pública, verificamos


que os Planos que previram financiamentos foram também os que previram metas e indicadores,
medidas que são consideradas essenciais para o monitoramento das políticas. Ainda, pode-se
acrescentar que metas e indicadores da eficiência da gestão das políticas são essenciais, pois levam
o administrador público a cumprir os Planos, sob pena de não receber recursos financeiros para a
continuidade deles.
No estudo de cada um dos programas criados, a história mostrou que a falta de governança e
de seus mecanismos para coordenar e articular esforços de maneira interinstitucional foi comum a
todos, e da mesma forma prejudicial. A frágil previsão de iniciativas para incrementar a capacidade
de induzir, coordenar e implementar ações de Segurança Pública tem sido falta recorrente nas
propostas apresentadas pelo Governo Federal ao longo dos anos. Entre os maiores problemas nesse
contexto, destacam-se:
• Falta de definição das atribuições dos Entes da União e de seus órgãos, bem como da
natureza e do espaço de atuação de cada um. Essa situação prejudica o trabalho conjunto
por falta de clareza, inclusive no tocante à gestão financeira e ao gasto público.
• Falta de critérios claros para o acompanhamento e a verificação de contratos e
procedimentos, sobretudo de resultados e das formas de transferência de recursos da
União para os estados e municípios.
• Em 2018, com o advento da Lei do SUSP – Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018 (BRASIL,
2018b) –, tem-se a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o
Sistema Único de Segurança Pública, sobre os quais já estamos abordando.

Ambos, PNSPDS e SUSP, são instrumentos do Estado que visam mudar um panorama que
surgiu no Brasil após décadas de insucessos, criando um passivo enorme na área da Segurança
Pública. Foram problemas que se avolumaram em todas as áreas sociais, de modo que o país viu
surgir a dificuldade dos entes federados em enfrentar as crises de segurança com o aumento da
violência, o surgimento do crime organizado e a potencialização da sensação de insegurança.
Política e planos de segurança 67

Ainda, pode-se acrescentar que em nosso país as “extensas fronteiras com 10 países incluem
quatro produtores mundiais de drogas, que têm no Brasil o segundo mercado consumidor mundial.
O crime organizado tornou-se assim um flagelo insuportável para toda a sociedade” (BRASIL,
2018a, p. 7).
É nesse contexto que o SUSP e a PNSPDS buscam desenvolver a governança necessária, com
padronização de dados e integração dos órgãos de Segurança Pública divididos em integrantes
operacionais e estratégicos. Isso ocorre com respaldo do Conselho Nacional de Segurança Pública,
um colegiado com competência para debater e validar uma política nacional que, esperamos, seja
eficiente e eficaz, lembrando o histórico de tentativas cujos erros e acertos somaram esforços para
que novas políticas e Planos se estabeleçam.

3.3 Políticas e Planos de Segurança Pública


Como base para os nossos estudos temos a Política Nacional de Segurança Pública e
Defesa Social (PNSPDS), também no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), não por acaso.
Conforme já argumentamos, todos os Planos, com seus objetivos e suas metas desencadeados
segundo outras Políticas Públicas de Segurança Pública, foram conduzindo para a PNSPDS e
o SUSP.
A expectativa, e não há como ser diferente, é que as Políticas Públicas não sejam estáticas,
mas apresentem progresso. Para isso, novas oportunidades de aprimoramento devem ser avaliadas,
de modo que essas políticas sigam o fluxo natural substituindo e melhorando o que puder ser
concebido.
Os Planos que se originam na PNSPDS se desdobram por meio dos entes da federação
atendendo às diretrizes da União. Devem, então, ser submetidos à apreciação em uma conferência
a cada cinco anos, de acordo com a Lei n. 13.675, de 2018 (BRASIL, 2018b), para debate das
diretrizes a serem seguidas em nível nacional, estadual e municipal. Esse processo promove
a integração entre os entes da federação para que os trabalhos atendam às demandas de cada
localidade, considerando suas especificidades na ocasião do planejamento das ações, posto que os
problemas, quando o assunto é Segurança Pública, podem ser semelhantes.
A Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), segundo seu preâmbulo, “Disciplina a organização e
o funcionamento dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública, nos termos do § 7º do art. 144
da Constituição Federal”. Ainda, no caput do artigo 1º afirma-se:
Esta Lei institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e cria a
Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a
finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada
dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade. (BRASIL,
2018b, grifos nossos)
68 Controle social e segurança

Não podemos deixar de enfatizar que essa Lei remete à Constituição Federal (BRASIL, 1988,
grifos nossos), especificamente à primeira parte do artigo 144: “A Segurança Pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
De modo complementar, observemos o que diz a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b,
grifos nossos), em seu artigo 2º: “A segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de
todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das
competências e atribuições legais de cada um”.
O que devemos entender por “responsabilidade de todos”, constante da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), portanto, é clarificado no artigo 2º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), que
especifica a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências
e atribuições legais. Demonstra-se, assim, a necessidade estratégica de envolver todos os entes em
prol da Segurança Pública.
Contudo, em que pese tratar a Lei dos entes federados, temos de lembrar que a cada um de
nós, cidadãos, também cabe parcela dessa responsabilidade constitucionalmente prevista.

3.3.1 Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social


A competência para estabelecer a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
(PNSPDS), conforme o artigo 3º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), pertence à União. Todo o
direcionamento de como agir em relação à Segurança Pública, e quais caminhos devem ser seguidos
no combate à violência e ao crime, portanto, devem ser ditados pelo ente nacional maior, a União.
É importante compreender, nesse contexto, que a PNSPDS tem como base os princípios
expressos no artigo 4º da referida Lei (BRASIL, 2018b). Com fins didáticos, apresentamos cada
um deles.
Quadro 7 – Princípios da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS)

I Respeito Ao ordenamento jurídico e aos direitos e garantias individuais e coletivos.

II Dos profissionais de Segurança Pública.


Proteção, valorização
e reconhecimento Dos Direitos Humanos, respeito aos direitos fundamentais e promoção da
III
cidadania e da dignidade da pessoa humana.

IV Na prevenção e no controle das infrações penais.

V Na repressão e na apuração das infrações penais.


Eficiência
Na prevenção e na redução de riscos em situações de emergência e desastres
VI
que afetam a vida, o patrimônio e o meio ambiente.

VII Participação e controle social.

VIII Resolução pacífica de conflitos.

IX Uso comedido e proporcional da força.

X Proteção Da vida, do patrimônio e do meio ambiente.

XI Publicação Das informações não sigilosas.

XII Promoção Da produção de conhecimento sobre Segurança Pública.

(Continua)
Política e planos de segurança 69

XIII Otimização Dos recursos materiais, humanos e financeiros das instituições.

Simplicidade

Informalidade
XIV Economia No serviço prestado à sociedade.
procedimental

Celeridade

XV Relação harmônica e colaborativa entre os Poderes.

XVI Transparência, responsabilização e prestação de contas.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2018b.

Em relação ao princípio da valorização dos profissionais de Segurança Pública, percebemos a


preocupação do legislador em enaltecer o trabalho realizado por esses profissionais que se esmeram
em servir à sociedade.
No que tange ao princípio simplicidade, informalidade, economia procedimental e celeridade,
por óbvio, considera-se prioridade, uma vez que trata da valorização máxima do serviço que se
deve prestar ao cliente da administração pública, o cidadão. A desburocratização do sistema de
modo geral e o pronto atendimento ao povo que constrói a nação é, como sabemos, o que há de
mais importante em todas as políticas, sejam elas de Segurança Pública, educação ou saúde. O povo
é, afinal, o único motivo de o Estado existir.
Da leitura da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), deduzimos que os princípios dão ensejo
às diretrizes que norteiam o caminho daqueles que se ocupam em pôr em prática a PNSPDS.
Vejamos no quadro a seguir quais são essas diretrizes, que também estão elencadas no artigo 5º
dessa Lei.
Quadro 8 – Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS)

I Atendimento imediato ao cidadão.

II Planejamento estratégico e sistêmico.

Fortalecimento das ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos, priorizando políticas de redução
III
da letalidade violenta, com ênfase para os grupos vulneráveis.

Atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em ações de Segurança
IV Pública e políticas transversais para a preservação da vida, do meio ambiente e da dignidade da pessoa
humana.

Coordenação, cooperação e colaboração dos órgãos e instituições de Segurança Pública nas fases de
V planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações, respeitando-se as respectivas atribuições
legais e promovendo-se a racionalização de meios com base nas melhores práticas.

Formação e capacitação continuada e qualificada dos profissionais de Segurança Pública, em consonância


VI
com a matriz curricular nacional.

Fortalecimento das instituições de Segurança Pública por meio de investimentos e do desenvolvimento de


VII
projetos estruturantes e de inovação tecnológica.

Sistematização e compartilhamento das informações de Segurança Pública, prisionais e sobre drogas, em


VIII
âmbito nacional.

IX Atuação com base em pesquisas, estudos e diagnósticos em áreas de interesse da Segurança Pública.

X Atendimento prioritário, qualificado e humanizado às pessoas em situação de vulnerabilidade.

(Continua)
70 Controle social e segurança

Padronização de estruturas, de capacitação, de tecnologia e de equipamentos de interesse da Segurança


XI
Pública.

XII Ênfase nas ações de policiamento de proximidade, com foco na resolução de problemas.

XIII Modernização do sistema e da legislação de acordo com a evolução social.

XIV Participação social nas questões de Segurança Pública.

Integração entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no aprimoramento e na aplicação da


XV
legislação penal.

Colaboração do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública na elaboração de estratégias


XVI
e metas para alcançar os objetivos desta política.

XVII Fomento de Políticas Públicas voltadas à reinserção social dos egressos do sistema prisional.

XVIII (VETADO)

Incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na


XIX segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em
outros órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de Segurança Pública.

XX Distribuição do efetivo de acordo com critérios técnicos.

Deontologia policial e de bombeiro militar comuns, respeitados os regimes jurídicos e as peculiaridades de


XXI
cada instituição.

XXII Unidade de registro de ocorrência policial.

XXIII Uso de sistema integrado de informações e dados eletrônicos.

XXIV (VETADO)

Incentivo à designação de servidores da carreira para os cargos de chefia, levando em consideração a


XXV
graduação, a capacitação, o mérito e a experiência do servidor na atividade policial específica.

Celebração de termo de parceria e protocolos com agências de vigilância privada, respeitada a lei de
XXVI
licitações.

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2018b.

Em relação às diretrizes, todas de extrema relevância e de aplicação necessária e urgente,


destacamos as de inciso I, VI, X, XIV, XIX e XXVI para a nossa reflexão. Isso dada a importância
que se tem dispensado à valorização da sociedade e sua participação ativa nas questões de
Segurança Pública, bem como na valorização do profissional de Segurança Pública, verdadeiro
especialista nessa área de atuação.
No inciso I, o destaque, como não poderia deixar de ser, está no “atendimento imediato
ao cidadão”. Qual a principal e única razão dos esforços governamentais senão o atendimento
prioritário e imediato ao cidadão? Nada mais óbvio, necessário e justo do que elencar esse inciso
como o primeiro. Apesar disso, infelizmente, é preciso legislar normas como essa, assim como foi
necessária a criação do Estatuto da Criança e Adolescente e do Estatuto do Idoso, que regulam o
cuidado e o respeito a esses públicos.
Em relação ao inciso VI, “formação e capacitação continuada e qualificada dos profissionais
de Segurança Pública, em consonância com a matriz curricular nacional”, trata-se de uma extensão
do inciso I. O atendimento imediato deve ser prestado por profissionais capacitados, cientes de
seus deveres para com a sociedade, ao mesmo tempo que protegidos pela devida qualificação para
executar tarefas de difícil trato, como as relacionadas à Segurança Pública e Defesa Social.
Política e planos de segurança 71

No inciso XIV, “participação social nas questões de Segurança Pública”, verificamos o


incentivo, pela constatada necessidade de fazê-lo, de inserir a participação da comunidade
nas causas que lhe são de interesse. Sendo essa causa a segurança, não há como dissociá-la da
comunidade, que espera soluções e deve participar fornecendo informações, reclamando seus
anseios e contribuindo de maneira direta na prevenção social e, também, de modo indireto com os
órgãos de Segurança Pública.
Como eco na questão da participação social vemos o inciso XIX – “incentivo ao
desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na segurança
comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros
órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de Segurança Pública”. Esse inciso estabelece um
chamamento/clamor para a cultura de paz, buscando novamente o envolvimento necessário de
todos – inclusive dos órgãos e das entidades não pertencentes ao sistema de Segurança Pública.
Seguindo com a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), depois de conhecermos os
princípios que dão ensejo às diretrizes, vamos aos objetivos contidos no artigo 6º.
Quadro 9 – Objetivos da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS)

Fomentar a integração em ações estratégicas e operacionais, em atividades de inteligência de Segurança


I
Pública e em gerenciamento de crises e incidentes.

Apoiar as ações de manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas, do patrimônio, do meio
II
ambiente e de bens e direitos.

Incentivar medidas para a modernização de equipamentos, da investigação e da perícia e para a


III
padronização de tecnologia dos órgãos e das instituições de Segurança Pública.

Estimular e apoiar a realização de ações de prevenção à violência e à criminalidade, com prioridade para
IV
aquelas relacionadas à letalidade da população jovem negra, das mulheres e de outros grupos vulneráveis.

V Promover a participação social nos Conselhos de Segurança Pública.

Estimular a produção e a publicação de estudos e diagnósticos para a formulação e a avaliação de Políticas


VI
Públicas.

VII Promover a interoperabilidade dos sistemas de Segurança Pública.

Incentivar e ampliar as ações de prevenção, controle e fiscalização para a repressão aos crimes
VIII
transfronteiriços.

Estimular o intercâmbio de informações de inteligência de Segurança Pública com instituições estrangeiras


IX
congêneres.

X Integrar e compartilhar as informações de Segurança Pública, prisionais e sobre drogas.

Estimular a padronização da formação, da capacitação e da qualificação dos profissionais de segurança


XI pública, respeitadas as especificidades e as diversidades regionais, em consonância com esta Política, nos
âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.

Fomentar o aperfeiçoamento da aplicação e do cumprimento de medidas restritivas de direito e de penas


XII
alternativas à prisão.

Fomentar o aperfeiçoamento dos regimes de cumprimento de pena restritiva de liberdade em relação à


XIII
gravidade dos crimes cometidos.

XIV (VETADO)

XV Racionalizar e humanizar o sistema penitenciário e outros ambientes de encarceramento.


(Continua)
72 Controle social e segurança

Fomentar estudos, pesquisas e publicações sobre a política de enfrentamento às drogas e de redução de


XVI
danos relacionados aos seus usuários e aos grupos sociais com os quais convivem.

XVII Fomentar ações permanentes para o combate ao crime organizado e à corrupção.

XVIII Estabelecer mecanismos de monitoramento e de avaliação das ações implementadas.

Promover uma relação colaborativa entre os órgãos de segurança pública e os integrantes do sistema
XIX judiciário para a construção das estratégias e o desenvolvimento das ações necessárias ao alcance das
metas estabelecidas.

XX Estimular a concessão de medidas protetivas em favor de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Estimular a criação de mecanismos de proteção dos agentes públicos que compõem o sistema nacional de
XXI
Segurança Pública e de seus familiares.

Estimular e incentivar a elaboração, a execução e o monitoramento de ações nas áreas de valorização


XXII profissional, de saúde, de qualidade de vida e de segurança dos servidores que compõem o sistema
nacional de Segurança Pública.

XXIII Priorizar políticas de redução da letalidade violenta.

XXIV Fortalecer os mecanismos de investigação de crimes hediondos e de homicídios.

Fortalecer as ações de fiscalização de armas de fogo e munições, com vistas à redução da violência
XXV
armada.

XXVI Fortalecer as ações de prevenção e repressão aos crimes cibernéticos.

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2018b.

Extraem-se dos 26 incisos que compõem os objetivos da PNSPDS 10 verbos que se


relacionam:

E no que tange aos objetivos, compreendemos sua relevância conforme explicita a Lei n.
13.675/2018: “Os objetivos estabelecidos direcionarão a formulação do Plano Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social, documento que estabelecerá as estratégias, as metas, os
indicadores e as ações para o alcance desses objetivos” (BRASIL, 2018b, grifos nossos).
E nesse contexto entendemos que a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
se desdobra em um documento que apresenta estratégias, metas e indicadores para que os objetivos
sejam alcançados de maneira satisfatória, denominado Plano Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social. Assim, passo a passo no cumprimento desses objetivos, vai se estabelecendo e
determinando responsabilidades para que ocorra o planejado em relação à Segurança Pública.
Política e planos de segurança 73

Importante dizer que temos, também, a União a instituir o Plano Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social, que será seguido e desdobrado nos demais entes da federação.

3.3.2 Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social


O Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, de acordo com a legislação, deve
durar dez anos a contar de sua publicação. Tendo como prioritárias na sua elaboração as ações de
prevenção à criminalidade, o quadro a seguir apresenta as finalidades desse Plano, conforme a Lei
n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b).
Quadro 10 – Finalidades do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

I Promover a melhoria da qualidade da gestão das políticas sobre Segurança Pública e Defesa Social.

II Contribuir para a organização dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social.

Assegurar a produção de conhecimento no tema, a definição de metas e a avaliação dos resultados das
III
políticas de Segurança Pública e Defesa Social.

IV Priorizar ações preventivas e fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2018b.

E conforme depreende-se do Quadro 10, as finalidades do Plano Nacional de Segurança


Pública e Defesa Social visam a otimizar tudo o que se relaciona à Segurança Pública de modo geral,
desde a gestão das políticas até a organização e transmissão dos conhecimentos que interessam à
sociedade, sempre com prioridade para ações preventivas que, por certo, relacionam-se com a boa
fiscalização dos serviços.
A legislação é clara ao especificar que o agente público deverá observar as diretrizes na
execução dos Planos de Segurança Pública e Defesa Social. O quadro a seguir demonstra, com base
na Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), quais são essas diretrizes.
Quadro 11 – Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

Adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos, entidades privadas, corporações policiais e
I organismos internacionais, a fim de implantar parcerias para a execução de políticas de Segurança Pública
e Defesa Social.

Realizar a integração de programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e
II privadas nas áreas de saúde, planejamento familiar, educação, trabalho, assistência social, previdência
social, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção da criminalidade e à prevenção de desastres.

Viabilizar ampla participação social na formulação, na implementação e na avaliação das políticas de


III
Segurança Pública e Defesa Social.

Desenvolver programas, ações, atividades e projetos articulados com os estabelecimentos de ensino, com
IV
a sociedade e com a família para a prevenção da criminalidade e a prevenção de desastres.

Incentivar a inclusão das disciplinas de prevenção da violência e de prevenção de desastres nos conteúdos
V
curriculares dos diversos níveis de ensino.

Ampliar as alternativas de inserção econômica e social dos egressos do sistema prisional, promovendo
VI
programas que priorizem a melhoria de sua escolarização e a qualificação profissional.

Garantir a efetividade dos programas, ações, atividades e projetos das políticas de Segurança Pública e
VII
Defesa Social.

VIII Promover o monitoramento e a avaliação das políticas de Segurança Pública e Defesa Social.

(Continua)
74 Controle social e segurança

Fomentar a criação de grupos de estudos formados por agentes públicos dos órgãos integrantes do
IX SUSP, professores e pesquisadores, para a produção de conhecimento e reflexão sobre o fenômeno da
criminalidade, com o apoio e a coordenação dos órgãos públicos de cada unidade da Federação.

X Fomentar a harmonização e o trabalho conjunto dos integrantes do SUSP.

XI Garantir o planejamento e a execução de políticas de Segurança Pública e Defesa Social.

Fomentar estudos de planejamento urbano para que medidas de prevenção da criminalidade façam parte
XII do plano diretor das cidades, de forma a estimular, entre outras ações, o reforço na iluminação pública e a
verificação de pessoas e de famílias em situação de risco social e criminal.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2018b, art. 24.

Conforme estabelece a Lei n. 13.675/2018, “Os integrantes do SUSP fixarão, anualmente,


metas de excelência no âmbito das respectivas competências, visando à prevenção e à repressão de
infrações penais e administrativas e à prevenção de desastres” (BRASIL, 2018b, grifos nossos). Para
facilitar a leitura, apresentamos a seguir quais são as finalidades das metas estabelecidas.
Quadro 12 – Finalidades das metas de excelência do SUSP

Planejar, pactuar, implementar, coordenar e supervisionar as atividades de educação gerencial, técnica e


I
operacional, em cooperação com as unidades da Federação.

II Apoiar e promover educação qualificada, continuada e integrada.

Identificar e propor novas metodologias e técnicas de educação voltadas ao aprimoramento de suas


III
atividades.

IV Identificar e propor mecanismos de valorização profissional.

V Apoiar e promover o sistema de saúde para os profissionais de Segurança Pública e Defesa Social.

VI Apoiar e promover o sistema habitacional para os profissionais de Segurança Pública e Defesa Social.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2018b.

Vamos relembrar a seguir quais são os integrantes do Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP), de acordo com o artigo 9º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b).
• Os estratégicos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por intermédio dos
respectivos Poderes Executivos, Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três
entes federados.
• Os operacionais: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícias civis, polícias militares,
corpos de bombeiros militares, guardas municipais, órgãos do sistema penitenciário,
institutos oficiais e criminalística, medicina legal e identificação, Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp), Secretarias Estaduais de Segurança Pública ou congêneres,
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), Secretaria Nacional de Política
Sobre Drogas (Senad), agentes de trânsito, guarda portuária.
Considerando que aos integrantes do SUSP cabe anualmente fixar as metas de excelência, e que
isso ocorrerá dentro da competência deles, temos que a especificidade de cada meta a ser alcançada
será primorosa, no sentido de deter conhecimento e tecnicidade às ações a serem tomadas.
Ainda com atenção à leitura do Quadro 12, podemos constatar que a intenção primeira do
legislador é promover a educação gerencial, técnica e operacional em cooperação com as unidades
Política e planos de segurança 75

da Federação. Por isso vemos educação aparecer entre as metas mais de uma vez, bem como a
preocupação com a valorização e a saúde dos profissionais de Segurança Pública.
Todas essas metas de excelência, desde que sejam cumpridas, fazem alavancar um trabalho
de base em que certamente se edificará a Segurança Pública sob uma nova perspectiva, mais técnica
e profissional. Para que ocorra o desejado no sentido de alcance das metas, conforme prevê a Lei n.
13.675/2018 (BRASIL, 2018b), fica instituído o Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação
das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (Sinaped).
Ao final de cada avaliação do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, será
elaborado um relatório com o histórico e a caracterização do trabalho. É importante destacar que
a avaliação deverá contar com a participação de representantes dos Poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos de Segurança Pública
e Defesa Social.
A cada cinco anos, então, deverão acontecer conferências em que serão debatidas as diretrizes
dos Planos de cada ente federado e da União, no que tange à Segurança Pública e Defesa Social.

3.3.3 Políticas e Planos Estaduais e Municipais de Segurança Pública


Já nas disposições preliminares, a Lei n. 13.675/2018 menciona a “atuação conjunta,
coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de Segurança Pública e Defesa Social da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade” (BRASIL, 2018b,
grifos nossos). Isso significa que:
• Atuar de maneira conjunta orienta-se no mesmo sentido de formar conjunto. Trata-
se de juntar, unir, de modo que os órgãos passam a ter a sua atuação em conjunto por
determinação legal. São, assim, órgãos que formam um único sistema, o SUSP.
• Atuar de maneira coordenada refere-se a ter rumo, direção. Os órgãos devem atuar no
mesmo sentido, conservando a essência do PNSPDS, mas considerando as diferenças
regionais do Brasil.
• Atuar de maneira sistêmica implica relacionar-se com o todo, fazer parte do sistema.
Complementa nosso raciocínio de atuar de maneira conjunta, ou seja, os órgãos pertencem
ao mesmo Sistema Único de Segurança Pública – o SUSP é o todo.
• Atuar de maneira integrada quer dizer adaptar-se, incorporar-se, unir-se. Essa é a
missão maior em relação aos órgãos: unir e manter as competências intactas, repartindo
atribuições e respeitando diversidades históricas, políticas e de classes.

Em que pese a PNSPDS ser atribuição da União, por simetria, os Estados-membros,


o Distrito Federal e os Municípios devem estabelecer suas próprias políticas, observando as
diretrizes nacionais que se fazem caminho a ser percorrido. Devem também analisar e enfrentar
os “riscos à harmonia da convivência social, com destaque às situações de emergência e aos crimes
interestaduais e transnacionais” (BRASIL, 2018b).
76 Controle social e segurança

Os princípios e as diretrizes devem ser observados fielmente na elaboração das políticas


estaduais e municipais, valendo como bases para todos os Planos a serem elaborados por cada ente
da federação.
Nesse processo, no artigo 15 da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), encontramos que
“A União poderá apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, quando não dispuserem de
condições técnicas e operacionais necessárias à implementação do SUSP”. Cabe, então, aos entes
federados recorrer à União quando da necessidade para implementar o SUSP. Mais do que uma
faculdade, é responsabilidade de cada ente da União recorrer às esferas superiores para ter suas
demandas relativas à Segurança Pública sanadas.
A atuação dos Estados-membros e Municípios se fortalecerá à medida que forem criados os
Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social, responsabilidade que cabe aos chefes dos Poderes
Executivos, encaminhada aos respectivos Poderes Legislativos de cada ente.
Entre as atribuições dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social, está o
acompanhamento dos integrantes operacionais do SUSP, podendo recomendar providências
legais às autoridades competentes em relação aos procedimentos adotados frente às políticas.
O acompanhamento realizado pelos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social considerará,
principalmente, os seguintes aspectos, conforme a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b, art. 20, § 4º):
• “I – As condições de trabalho, a valorização e o respeito pela integridade física e moral dos
seus integrantes (integrantes do SUSP).”
Refere-se aos profissionais que integram a base operacional do SUSP, diretamente
envolvidos e diuturnamente afetados pelas intempéries e pelo risco à sua saúde, com
possibilidade de morte eminente.
Esse ponto merece destaque nas Políticas de Segurança Pública e Defesa Social, e para os
Estados e Municípios. O acompanhamento desses profissionais é mais ágil, por estarem
mais próximos do Poder Executivo local.
• “II – O atingimento das metas previstas nesta Lei.”
No mesmo sentido, a verificação das metas torna-se mais eficiente nos primeiros círculos
do poder. Com metas a nível municipal e estadual, o controle e a chegada de informações
necessárias ao nível da União se fazem mais céleres e eficientes.
• “III – O resultado célere na apuração das denúncias em tramitação nas respectivas
corregedorias.”
A corregedoria tem papel fundamental nas questões que envolvem desvios de
comportamento dos profissionais ligados à Segurança Pública e Defesa Social. O controle
interno dos órgãos se mostra eficiente na medida em que detecta os problemas e os resolve
de modo rápido, sem deixar contaminar outros membros do sistema.
Política e planos de segurança 77

O investimento nos profissionais de corregedoria deve ser ainda mais apurado e


valorizado, tendo em vista serem os agentes que, em caso necessário, frearão qualquer
possível conduta irregular de outros profissionais.
• “IV – O grau de confiabilidade e aceitabilidade do órgão pela população por ele atendida.”
Ao mensurar a confiabilidade de um órgão de segurança pública vários fatores precisam
ser considerados, como:
• O treinamento, a capacitação, o investimento em saúde física e mental e o reconhecimento
dos profissionais que compõem determinado órgão de Segurança Pública estão de
acordo com o grau de exigência da profissão?
Se a resposta for positiva, excelente. Caso seja negativa, é preciso que a direção do
órgão reveja a situação para a resolução dessa falta.
• O atendimento à população está sendo adequado?
A resposta deve considerar o princípio da supremacia do interesse público. Se
o atendimento em questão não for o adequado, há que se verificar os pontos de
divergência e ajustar o planejamento sempre visando o interesse coletivo.

Representantes da sociedade civil organizada e dos trabalhadores podem, e ao nosso ver


devem, compor os Conselhos Estaduais, Distrital e Municipais de Segurança Pública e Defesa
Social, para melhor atuação e intercâmbio comunitário.
Vemos que há ganhos para a Segurança Pública quando a sociedade civil e demais
representantes somam-se a ela. Além de importante, isso agrega valores e informações preciosas,
inclusive em via de mão dupla, pois o conhecimento é difundido diretamente por aqueles que o
ajudaram a formar durante as discussões.
De acordo com a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), os Conselhos de Segurança Pública e
Defesa Social serão compostos por representantes:
• De cada órgão ou entidade integrante do SUSP.
• Do Poder Judiciário.
• Do Ministério Público.
• Da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
• Da Defensoria Pública.
• De entidades e organizações da sociedade cuja finalidade esteja relacionada com políticas
de Segurança Pública e Defesa Social.
• De entidades de profissionais de Segurança Pública.

Esses representantes serão eleitos pelas entidades e organizações envolvidas com políticas
de Segurança Pública, em processo aberto e definido pelos Conselhos. Com duração de dois
anos e possibilidade de uma recondução, cada conselheiro terá um suplente que o representará
em suas ausências.
78 Controle social e segurança

Da sabedoria dessa Lei (BRASIL, 2018b), retiramos que os entes da União terão dois anos,
a contar da publicação do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, para elaborar
e implantar seus próprios planos. Caso isso não ocorra, a responsabilização será no sentido de
não poderem receber recursos da União para os respectivos programas e ações de segurança e
defesa social.
O não recebimento desses recursos, eventualmente oriundos de má gestão, certamente seria
prejudicial a todo o sistema de segurança, pois enquanto um ente da União estiver enfraquecido no
combate ao crime e à violência, estaremos fadados a perder ainda mais espaço para a organização
do crime e a banalização da violência.
E notoriamente, em caso de má gestão e não recebimento de verbas previstas, o principal
prejudicado sempre será o cidadão. Por isso é importante que o cidadão esteja atento às Políticas
Públicas que nascem nos palanques em período de campanha e àquelas que se estabelecem no
cotidiano do poder.
É para que haja a participação da sociedade de maneira ativa nas questões de Segurança
Pública que o legislador estipulou, no artigo 22, parágrafo 6º, que “O poder público deverá dar
ampla divulgação ao conteúdo das Políticas e dos Planos de segurança pública e defesa social”
(BRASIL, 2018b).

Considerações finais
A conceituação de Políticas Públicas é importante para compreender sua aplicação no
cotidiano dos cidadãos. Estudar esse tema e associá-lo à Segurança Pública, sabendo que há planos
de segurança e outros tantos desdobramentos que nascem com base no planejamento adequado
por parte dos gestores públicos, é primordial, inclusive, para que o cidadão exerça sua cidadania e
reivindique seus direitos.
Neste capítulo, evidenciamos a contribuição dos autores citados, bem como a legislação que
buscamos aprofundar, em cada passo na construção de uma sociedade melhor.

Ampliando seus conhecimentos


• O QUE são políticas públicas? 2016. 1 vídeo (4min20s). Publicado pelo canal EVC –
Câmara Dos Deputados. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=406y7gDN-
ZE. Acesso em: 1 nov. 2019.
Nesse vídeo você entenderá um pouco mais sobre a importância do tema e quão
relevante são as boas escolhas das Políticas Públicas, que começam a contar da eleição
dos nossos representantes.

• CICLOS de Políticas Públicas: O que é? Entrevista Leonardo Secchi Parte 2. 2018. 1 vídeo
(9min54s). Publicado pelo canal Politize! Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=N8phb0UN2WY. Acesso em: 1 nov. 2019.
Política e planos de segurança 79

As Políticas Públicas seguem ciclos. Sobre eles, convidamos você a assistir ao vídeo de
Leonardo Secchi, que levará a muitas reflexões do tema, de seus atores e suas influências.

• SEGURANÇA PÚBLICA (parte 1): o papel do Governo Estadual. 2018. 1 vídeo (44 min.).
Publicado pelo canal Instituto Millenium. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=RzPgLuLNsYw. Acesso em: 1 nov. 2019.
Para ampliar seus conhecimentos, sugere-se assistir ao vídeo da doutora Tânia Pinc,
que remeterá a outros tão bons quanto esse e que discutirá a temática das políticas de
Segurança Pública em âmbito nacional.

Atividades
1. Sobre os Planos Nacionais de Segurança Pública, o que se pode afirmar em relação às suas
contribuições para a Segurança Pública de maneira efetiva?

2. Estudamos que a Lei n. 13.675, de 2018, em seu artigo 2º, aborda a questão de que a Segurança
Pública é “responsabilidade de todos”, esclarecendo quem são os atores responsáveis por ela.
Disserte acerca desse ponto.

3. Analisamos neste capítulo que os órgãos integrantes do SUSP passaram a ter status de órgãos
de Segurança Pública com o advento da Lei nº 13.675, de 2018 (BRASIL, 2018b). Por isso
devem atuar de maneira conjunta, coordenada, sistêmica e integrada. Explique o que
significa cada um desses termos.

Referências
AUGUSTO, M. H. O. Políticas públicas, políticas sociais e políticas de saúde: algumas questões para reflexão
e debate. Tempo Social, São Paulo, v. 1, n. 2, jul./dez. 1989, p. 105-119. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20701989000200105. Acesso em: 29 out. 2019.

BOBBIO, N. Teoria geral da política. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 11. ed. Brasília, DF: Editora
Universidade de Brasília, 1998. v. 1.

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 out. 2019.

BRASIL. Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP). Brasília, DF, 2000. Disponível em: http://www.
observatoriodeseguranca.org/files/PNSP%202000.pdf. Acesso em: 6 nov. 2019.

BRASIL. Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social: SUSP – Sistema Único de Segurança
Pública 2018-2028. Brasília, DF: Secretaria de Segurança Pública; Ministério da Segurança Pública, 2018a.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/plano-e-politica-nacional-de-
seguranca-publica-e-defesa-social.pdf. Acesso em: 30 out. 2019.
80 Controle social e segurança

BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
12 jun. 2018b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm.
Acesso em: 31 out. 2019.

BUCCI, M. P. D. Direito administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006.

DIAS, R.; MATOS, F. Políticas Públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012.

PROCOPIUCK, M. Políticas Públicas e fundamentos da Administração Pública: análise e avaliação, governança


e redes de políticas, administração judiciária. São Paulo: Atlas, 2013.
4
Prisão e política penitenciária

Neste capítulo, você é convidado a conhecer os conceitos que envolvem a criminologia. Tendo
em vista a gama de informações que permeia a disciplina e seu amplo conteúdo, pela criminologia
você pode até mesmo se apaixonar.
Vamos apresentar as questões da Justiça e as várias formas que dizem respeito à sua
compreensão, inclusive pela ótica da solução e prevenção de problemas, como uma medida
alternativa ao tradicional sistema punitivo.
Ainda em relação aos atos infracionais praticados por adolescentes, vamos conhecer a Justiça
Restaurativa, que pode ser considerada o meio mais apropriado para a aplicação das disposições do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tanto na prevenção à conduta criminosa quanto na
aplicação das medidas socioeducativas e na sua ressocialização.

4.1 Criminologias do consenso e do conflito


A palavra criminologia tem origem no latim crimino, que significa crime, e no grego logos,
que significa estudo, tratado, ao que chegamos à expressão: “estudo do crime” (PENTEADO FILHO
apud LOWE, 2018). A criminologia, segundo Lowe (2018), na condição de ciência, não se limita ao
estudo do crime, mas estuda as circunstâncias sociais, a vítima e o criminoso.
Shecaira (2013, p. 41), por sua vez, ensina que “a criminologia tem como objetos de estudo o
delito, o delinquente, a vítima e o controle social”. Esses conceitos são destacados a seguir:
• Delito
Assim como alerta Shecaira (2013), é importante realçar que o conceito de delito para a
criminologia é diferente do que vemos para o direito penal. Enquanto o direito penal preocupa-
-se em tipificar o delito, mostrando seu caráter ilícito e culpável centrado no comportamento do
indivíduo, a criminologia tem a missão de explicar o fato delituoso.
Para a criminologia, o delito está intimamente ligado ao convívio social, à comunidade. Sua
preocupação orienta-se para dizer quais são os motivos que levam as pessoas a promover um fato
à condição de crime.
Shecaira (2013) ainda nos apresenta quatro elementos que devem estar presentes em um fato
para que coletivamente o reconheçamos como um crime:
1. Incidência massiva na população.
2. Incidência aflitiva do fato praticado.
3. Persistência espaço-temporal do fato praticado.
4. Inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e quais são as técnicas para o seu combate.
82 Controle social e segurança

• Delinquente
Há quatro linhas conceituais a serem consideradas a respeito das perspectivas do crime no
que concerne ao criminoso.
A primeira delas acreditava que o criminoso era um pecador por opção, ou seja, que, fazendo
uso do seu livre-arbítrio, ele optava por pecar, por cometer um crime.
Alinhada ao que entendiam os estudiosos, a segunda compreendia o infrator como
prisioneiro de uma espécie de determinismo biológico (patologia) ou de um determinismo social.
Nesse raciocínio, acreditava-se que o criminoso “era um escravo de sua carga hereditária: um
animal selvagem e perigoso, que tinha uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades,
havia nascido criminoso” (SHECAIRA, 2013, p. 46).
Denominada visão correcionalista, a terceira linha conceitual não teve grande importância
no Brasil. Entendia-se que o criminoso era “um ser inferior, deficiente e incapaz de dirigir por si
mesmo – livremente – sua vida, cuja débil vontade requere uma eficaz e desinteressada intervenção
tutelar do Estado” (SHECAIRA, 2013, p. 47).
Por fim, a quarta vertente refere-se ao marxismo, que, conforme Shecaira (2013), considera
o criminoso uma vítima do sistema econômico e atribui à sociedade a culpa pelo determinismo
social que o levou à criminalidade.
• Vítima
Com Shecaira (2013) aprendemos que o estudo criminológico promoveu o resgate do papel
da vítima. Segundo ele, a maioria dos autores aceita a seguinte divisão de períodos para o estudo
da vítima no processo do direito penal:
1. A idade de ouro da vítima: desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade
Média, no qual a vítima poderia buscar sua defesa pelas próprias faculdades.
2. A neutralização do poder da vítima: quando a vítima deixa de ter poder de ação contra
o fato delituoso e os poderes públicos assumem esse papel.
3. A revalorização do papel da vítima: na qual se busca destacar o papel da vítima no
processo penal.
• Controle social
Desde que foi introduzido na sociologia o conceito de monopólio da força legítima, de Max
Weber, a sociedade necessitou criar mecanismos de controle social, que orientaram a conduta das
pessoas de acordo com os interesses sociais. Nesse contexto, “podemos definir o controle social
como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos moldes
e normas comunitários” (SHECAIRA, 2013, p. 53).
Assim, temos o controle social informal e formal, conforme Shecaira (2013) orienta a seguir.
1. Controle social informal está diretamente ligado à sociedade civil – família, escola,
profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço etc.
2. Controle social formal envolve a atuação política do Estado – Polícia, Justiça, Exército,
Ministério Público, Administração Penitenciária etc.
Prisão e política penitenciária 83

Ao considerar que esses conceitos (delito, delinquente, vítima e controle social) estão
presentes no estudo da criminologia, cabe agora apresentar e destacar a definição dessa área. Ainda
de acordo com Shecaira (2013, p. 41), a criminologia é
uma ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da
pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e
que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese,
dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema
individual e como problema social –, assim como sobre os programas de
prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem
delinquente.

Com base nessa definição, somos remetidos à atualidade, que busca “explicações para as
causas do delito, dedica-se atenciosamente aos modelos de controle social e a maneira como as
instituições de controle social agem em seu mister, e como interagem com o criminoso. Também
parte do métier da criminologia a política criminal” (ESTEFAM; RIOS GONÇALVES, 2016, grifos
do original).
Para Shecaira (2013), a criminologia divide-se em duas vertentes: a criminologia do consenso
e a criminologia de conflito. Vamos conhecê-las a seguir.

4.1.1 Criminologia do consenso


A criminologia do consenso é obtida quando a sociedade se faz coesa por meio de valores
comuns, e qualquer conflito capaz de abalar essa estrutura de equilíbrio deve ser afastado. Assim,
a aceitação das normas jurídico-penais é feita como uma maneira de tutelar a coesão e o próprio
funcionamento do sistema (ESTEFAM; RIOS GONÇALVES, 2016).
A criminologia do consenso é composta de teorias do consenso, também conhecidas como
teorias da integração, apresentadas na sequência.

4.1.1.1 Escola de Chicago


De acordo com Breunig e Souza (2018), em Chicago (Illinois, EUA) ocorreu um processo
de urbanização intenso no final do século XIX. Em busca de oportunidades, chegaram à cidade
migrantes nacionais e estrangeiros, todos em grande quantidade. Chicago logo se tornou a segunda
cidade mais populosa dos EUA, figurando como importante localidade industrial e comercial da
sua época. Com esse avanço também chegaram os conflitos sociais e o aumento da criminalidade.
Ocorreu, então, o surgimento da Escola de Chicago.
A Escola de Chicago, conforme Breunig e Souza (2018), tendo por referência a sociedade
urbana, ocupou-se de estudar:
• fenômenos sociais urbanos;
• imigrantes;
• relações raciais;
• problemas da população negra nos EUA.
84 Controle social e segurança

Com a maciça migração que chegou a Chicago no início do século XX, “essa faceta
cosmopolita concorreu para uma desordem provocada pela diminuição dos mecanismos de
controle social” (BREUNIG; SOUZA, 2018, p. 96, grifo nosso). Com a falta do necessário controle
social, os problemas se agravaram e surgiu, então, a desorganização social, marcada por aspectos de
desolação e decadência urbana; uma desordem percebida que aos poucos dá início à criminalidade.

4.1.1.2 Teoria da associação diferencial


Essa teoria, conforme Veras (2016), dava ênfase aos processos de aprendizagem do
comportamento criminoso, sem focar a desorganização social. Inclusive a expressão “desorganização
social” passa a ceder espaço para “organização social diferencial”, que, nesse contexto, defende o
argumento de que o comportamento criminal é aprendido pela convivência, troca de experiências
entre as pessoas, nos grupos e até mesmo entre gerações.
A hipótese que prepondera na teoria da associação diferencial é que há mais oportunidades
para a violação da lei do que limites ao cometimento de crimes. Assim, acredita-se que o
comportamento se aprende em grupos de referência como a família, a escola e os amigos. Cullen
e Agnew (apud VERAS, 2016, p. 66) afirmam que a teoria da associação diferencial é exposta em
nove proposições, listadas a seguir.
1. O comportamento do criminoso é aprendido.
2. O comportamento do criminoso é aprendido na interação com outras pessoas, em um
processo de comunicação.
3. O aprendizado se dá principalmente com as pessoas mais íntimas.
4. Esse aprendizado inclui: a) técnicas de prática de crimes, simples ou sofisticadas
(aspecto objetivo); b) assimilação de motivos, razões, impulsos, racionalizações e
atitudes (aspecto subjetivo).
5. Os impulsos e motivos são aprendidos por definições favoráveis e desfavoráveis.
6. A pessoa se torna delinquente porque é exposta a mais definições favoráveis à violação
da lei do que desfavoráveis.
7. A associação diferencial pode variar em frequência, duração e intensidade.
8. O processo de aprendizagem criminosa por associação com padrões criminosos e não
criminosos envolve os mesmos métodos da aprendizagem de comportamentos lícitos.
9. O comportamento criminoso expressa necessidades e valores semelhantes aos que se
expressam pelos comportamentos lícitos.
As nove propostas objetivam elucidar essa teoria que, no estudo da criminologia, soma‑se às
demais na busca de explicações precisas para um fenômeno complexo como é o crime.

4.1.1.3 Teoria da anomia


Veras (2016) afirma que foi logo depois da Grande Depressão, no início do século XX,
com o evento da Quebra da Bolsa de Nova Iorque, que surgiu a teoria da anomia. Idealizada por
Robert Merton, em 1938, foi apresentada no artigo “Social structure and anomie” (Estrutura social
Prisão e política penitenciária 85

e anomia, em tradução livre). Para essa teoria, duas estruturas sociais são determinantes: as metas
culturais e os meios institucionais para alcançá-las.
[As metas culturais] dizem respeito aos interesses próprios, culturalmente
definidos e valorizados pelo corpo social; são as referências para a aspiração
das pessoas. [...] [Os meios sociais] são os modos aceitáveis, legítimos de se
conquistarem esses objetivos. O comportamento criminoso nasce da dissociação
entre as metas culturais e os meios institucionais, ou seja, busca-se obter as
metas sem o respeito dos meios legítimos para tanto. (VERAS, 2016, p. 67)

Para melhor interpretar essa teoria, é válido destacar que o “termo anomia (ou ausência
de normas) foi consagrado por Durkheim como uma falta de limite ou regras sociais, causada
por mudanças repentinas na sociedade, que deixam as pessoas sem parâmetros para se orientar”
(VERAS, 2016, p. 97).

4.1.1.4 Teoria da subcultura delinquente


Compreende-se nessa teoria que o comportamento do delinquente é ditado pela cultura que
o alimenta, ou alimenta suas ações. O indivíduo passa a moldar e integrar a sua personalidade com
base no ambiente em que está inserido.
A subcultura delinquente, por sua vez, pode ser resumida como um
comportamento de transgressão que é determinado por um subsistema de
conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam
formas particulares de comportamento transgressor em situações específicas.
Esse conhecimento, essas crenças e atitudes precisam existir, primeiramente, no
ambiente cultural dos agentes dos delitos e são incorporados à personalidade,
mais ou menos como quaisquer outros elementos da cultura ambiente.
(SHECAIRA apud MARTINO; FREITAS, 2018, p. 79)

A essa informação relativa à cultura do ambiente em que está inserido e que, para a teoria em
pauta, determina o comportamento delinquente, podemos ainda acrescentar que, segundo Cohen
(apud SHECAIRA, 2013), a subcultura delinquencial caracteriza-se por três fatores, são eles:
1. Não utilitarismo da ação: o ato infracional não é motivado por necessidade, mas por
puro prazer, buscando o reconhecimento do grupo. Alimentos são furtados, contudo
não necessariamente para saciar a fome; as roupas furtadas, da mesma forma, talvez
nunca sejam usadas.
2. Malícia da conduta: é o prazer em fazer o que é proibido, em desconcertar o próximo; é o
fazer-se diferente dos seres comuns. Maltratar crianças e adultos que não fazem parte da
gangue ou defecar na mesa do professor são exemplos que o autor aponta.
3. Negativismo: trata-se de contrariar as regras sociais sem ter aparentemente qualquer regra
própria do grupo. Os padrões se estabelecem de acordo com a subcultura dominante
exatamente por serem contrárias às normas sociais.
Extraímos também do texto de Shecaira (2013) que desigualdades sociais e a distinção entre
grupos sociais levam adolescentes a cometerem delitos. Aqueles que são desfavorecidos econômica
e socialmente, e não possuem mecanismos para seu crescimento, são levados, por vezes, a buscar
86 Controle social e segurança

o caminho da ilicitude. Assim, o conflito de classes é notório, visto que as classes abastadas não
entendem os motivos que levaram os indivíduos nessas condições à prática de um delito.
o desenvolvimento de diferentes culturas em sociedades diferenciadas pode
impedir um perfeito sistema de comunicações entre grupos distintos. Tal
mecanismo, se não “corrigido” mediante um sistema de interação entre grupos,
pode fazer com que haja um distanciamento cultural com grande diversidade
de consequências. A partir desse contexto, analisa as relações de parentesco e
as relações existentes entre jovens e suas respectivas famílias, diferenciado as
famílias de baixa renda e as famílias de classe média. Estas diferenças penetram
nas camadas mais profundas da determinação das atitudes dos jovens, de
tal forma que são acentuadas as disparidades entre as classes médias e as
menos favorecidas. Em um sistema de competitividade absoluta, fundado na
meritocracia e na busca de um sistema de valores que privilegia a ascensão social,
surgem conflitos que tornam inacessível a alguns o atingimento de determinados
bens, fazendo com que se tenha um fator cumulativo de afastamento das classes,
criando um conflito entre elas. (SHECAIRA, 2013, p. 225)

Na temática, Shecaira (2013) ainda soma ao conceito de “conflito de gerações” uma


subcultura de classe média, na qual surgem as dificuldades de relacionamento naturais entre
adultos e adolescentes. O autor também chama a atenção para a “subcultura da diversão”, que é
aquela identificada com o realce aos esportes atléticos, às atividades
extracurriculares e à sucessão de festas e farras, esbarra, não raro, em atos
delinquenciais bastante sutis (embriaguez, direção nessa condição, pequenos
atos de vandalismo etc.), mas muito barulhentos, muito na linha de se ter o
reconhecimento das proezas atléticas das superações pessoais que se atribuem
popularidade ao jovem dentro do grupo. (SHECAIRA, 2013, p. 226)

A Escola de Chicago, a teoria da associação diferencial, a teoria da anomia e a teoria


da subcultura delinquente, em resumo, derivam da criminologia do consenso e definem o
seu pensamento. Nesse contexto, vale dizer que para as teorias consensuais “a finalidade da
sociedade é atingida quando há um perfeito funcionamento das suas instituições, de forma
que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras
vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes” (SHECAIRA, 2013, p. 124).
A seguir, apresentamos as premissas que fundamentam a teoria do consenso. Para melhor
entendimento, criamos a Figura 1.
Figura 1 – Premissas das teorias do consenso

Toda sociedade Toda estrutura


é uma estrutura Toda sociedade social em
Todo elemento em
de elementos é uma estrutura funcionamento tem
uma sociedade tem
relativamente de elementos bem como base um consenso
uma função.
persistente e estável. integrada. entre seus membros
sobre valores.

Fonte: Adaptado de Shecaira, 2013, p. 125.


Prisão e política penitenciária 87

As premissas dessa teoria referem-se à integração social com seus elementos, os quais, como
um organismo vivo, se relacionam mutuamente com o objetivo de consenso.

4.1.2 Criminologia do conflito


De acordo com Estefam e Rios Gonçalves (2016), a criminologia do conflito prega que as
relações em sociedade tendem a ser conflitivas e a motivação é que a autoridade não é distribuída equânime:
de modo equânime, ou igual, entre as pessoas, o que faz surgir entre os menos privilegiados a julgamento ou
consideração
resistência à situação imposta. imparcial, equidade,
imparcialidade.
A criminologia do conflito é formada pelas teorias apresentadas a seguir.

4.1.2.1 Teoria do labelling approach


A teoria do labelling approach é também conhecida como teoria da reação social;
etiquetamento social; rotulação social; etiquetagem; e teoria interacionista. Surgida na década de
1960, nos EUA, é considerada um dos marcos da teoria do conflito.
Os autores que se dedicaram ao estudo da rotulação social são chamados de críticos, tendo
em vista que criticavam o que já havia sido exposto no direito penal e na criminologia. A teoria
do labelling approach, portanto, “possibilitou renovação de pensamento crítico na criminologia,
propôs a valorização do desvio enquanto diversidade estigmatizada pelos mecanismos de poder”1
(GIORGI apud ABREU, 2018, p. 109).
Essa teoria busca explicar o crime em respostas formais do Estado para cada comportamento
que se define como uma conduta delituosa, isto é, de acordo com o que pregam as agências de
controle social, as quais se prestam para o controle das massas e defesa dos interesses das classes
dominantes. É com essa teoria que a criminologia passa a conceder mais atenção ao sistema penal
e a entender como funcionam as agências de controle social no combate à criminalidade.
Tira-se o foco do criminoso – no caso, o desviante – para vislumbrar a questão da rotulação
e estigmatização imposta pela sociedade em relação àquele que delinquiu ou possa vir a delinquir.
Assim, conforme Oliveira (apud ABREU 2018, p. 109), “os que detêm o poder definem quais ações
são criminosas ou violentas e quem são os criminosos e violentos”.

4.1.2.2 Teoria crítica


Estefam e Rios Gonçalves (2016) consideram que para a criminologia crítica, em uma sociedade
capitalista, cuja base jurídica é opressora, o crime é um problema que não tem solução. O resultado
positivo não será obtido tratando o criminoso, mas modificando a sociedade em que está inserido.
Em resumo, a teoria do labelling approach e a teoria crítica são as que derivam da criminologia
do conflito e definem o seu pensamento. Para “a teoria do conflito, no entanto, a coesão e a ordem
na sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros;

1 “Contudo, a teoria do etiquetamento continuou confinada aos limites de uma perspectiva ‘microsociológica’”
(GIORGI, 2006 apud ABREU, 2018, p. 109).
88 Controle social e segurança

ignora-se a existência de acordos em torno de valores de que depende o próprio estabelecimento


da força” (SHECAIRA, 2013, p. 124).
A seguir, apresentamos as premissas que fundamentam a teoria do conflito. Para melhor
entendimento, criamos a Figura 2.
Figura 2 – Premissas das teorias do conflito

Toda
Toda sociedade
sociedade exibe
está, a cada
A mudança social a cada momento
momento, sujeita
é ubíqua. divergência e conflito,
a processos de
e o conflito social é
mudança.
ubíquo: onipresente; ubíquo.
está em toda parte
ao mesmo tempo.

Todo Toda
elemento em uma sociedade é
sociedade contribui apoiada na coerção
de certa forma para de alguns de seus
sua desintegração e membros por
mudança. outros.

Fonte: Adaptado de Dahrendorf apud Shecaira, 2013, p. 125.

Esse estudo introdutório à criminologia nos oferece a base para que possamos entender a
justiça e como ela se molda, no que se refere ao crime e à busca de seu combate social.
A seguir, apresentaremos as noções sobre a justiça e como ela se faz restaurativa para a
sociedade à medida que busca soluções para os problemas relativos ao crime e ao seu contexto, que
se desdobra quando as regras sociais são violadas.

4.2 Justiça Restaurativa


Ao sinal de um crime, o Estado é chamado para aplicar, de imediato, as penas e sanções
dispostas no ordenamento jurídico. Legalmente, esse poder-dever denominado jurisdição só é
cedido e cabível ao Estado, que deve fazer valer os direitos da sociedade e garantir a todos o acesso
à justiça.
Dessa maneira, não é concedido aos homens o direito de fazer justiça com as próprias
mãos, como uma vingança privada. Isso porque eles sacrificaram parte de sua liberdade em
favor do bem geral, construindo um Estado com base em preceitos legais ao qual cabe o jus
puniendi, ou seja, “o direito de punir os infratores e impor sanções àqueles que descumpram
o mandamento proibitivo que contém na lei penal correspondente à sociedade” (TOURINHO
FILHO, apud OLIVEIRA, 2009, p. 170).
Verifica-se que o Estado vem sendo questionado quanto ao modelo e à capacidade de
responder com medidas oportunas e pertinentes ao crescimento da criminalidade. Esse modelo
tem como base o protagonismo do Estado na solução da criminalidade, o qual exerce sua
autoridade penal por meio da estrutura do sistema de Justiça – composto de juízes, Ministério
Prisão e política penitenciária 89

Público e Polícia. Esse sistema conecta o delito ao delinquente, deixando de lado a importante
participação da comunidade em relação à prevenção de delitos e, principalmente, não atendendo
às reais necessidades da vítima.
Tello (2008, p. 199) nos ensina que há modelos distintos de atenção ao crime, conforme
vemos no quadro a seguir.
Quadro 1 – Modelos de resposta ao crime

Modelo Descrição
Clássico O Estado e o delinquente são os protagonistas. Esse modelo é centrado, fundamentalmente, na
pena ou sanção que deve ser intimidatória e proporcional ao dano; a vítima e a comunidade ficam
excluídas.
Ressocializador O Estado e o delinquente são os principais atores. Esse modelo reconhece o delito como um evento
multifatorial, foca o ser humano e pondera a readaptação social. A comunidade e a vítima seguem
excluídas.
Neoclássico Centra-se em planos de ação contra a delinquência e articula a todos os fatores do sistema de
Segurança Pública, ministérios públicos, juízes e policiais, com a criação de um sistema nacional
de segurança. Envolve a comunidade por meio da participação cidadã para a prevenção do delito.
Integrador Advoga pela desjudicialização apoiada em um direito de intervenção mínima, em que o sistema
carcerário está reservado para os indivíduos que, verdadeiramente, têm perturbado com sua
conduta valores superiores e/ou cujo comportamento representa um perigo social. Para tanto,
potencializa o desenvolvimento de métodos alternativos de resolução de conflitos, de acordo com
a convicção de que são as partes envolvidas no conflito as que devem comprometer-se com sua
solução. Nesse modelos, a vítima e a comunidade tornam-se protagonistas do drama penal, porém
o agressor não fica de fora desse sistema.
Fonte: Adaptado de Tello, 2008, p. 199-200.

Nesse sentido, observamos que é no modelo de resposta ao crime integrador que se fala
em métodos alternativos de resolução de conflitos, nos quais se incluem a comunidade e a vítima,
principais afetadas pelos efeitos da criminalidade, oportunizando ao agressor responsabilizar-se por
sua conduta causadora do dano. Desse modo, cria a oportunidade de utilizar a mediação comunitária
e os processos restaurativos, em casos penais, como formas de atenção e prevenção aos delitos.
Assim, conforme De Vitto (apud OLIVEIRA, 2008, p. 174):
O modelo integrado se apresenta como o mais ambicioso plano de reação ao
delito. […], pretende conciliar os interesses e as expectativas de todas as partes
envolvidas no problema criminal, por meio da pacificação da relação social
conflituosa que o originou. […] pugna pela restauração de todas as relações
abaladas, o que inclui, mas não se limita, à reparação dos danos causados à
vítima e à comunidade, a partir de uma postura positiva do infrator.

Os processos restaurativos se inserem nesse modelo, no entanto, qual é a origem e como


podemos entendê-los? É o que passamos a definir a seguir.

4.2.1 Processo histórico da Justiça Restaurativa


Trazemos agora informações acerca do surgimento desse meio alternativo de resolução de
conflitos, denominado modelo restaurativo. Segundo Prudente (2008, p. 205),
As raízes do modelo restaurativo, baseado na comunidade e na vítima,
originam-se dos tradicionais métodos aborígenes de resolução de conflitos,
sendo o modelo dominante de justiça criminal ao longo da maior parte da
90 Controle social e segurança

história humana, já que o paradigma punitivo atual, orientado à prisão e com


fins retributivos-preventivos, domina a nossa compreensão de crime e justiça há
apenas dois ou três séculos.

Desse modo, as práticas restaurativas estavam presentes nas sociedades primitivas e


anteriores à formação do Estado. Eram utilizadas para a resolução dos conflitos entre os seus
membros, mediante diálogo, negociação ou outros meios opostos às medidas meramente punitivas.
Isso devido à estrutura das sociedades primitivas,
onde cada indivíduo exercia um papel significativo para o ordenamento social,
favorecia as práticas restaurativas, no sentido de que o indivíduo que tivesse
cometido alguma transgressão às leis da comunidade deveria ser julgado para
permanecer exercendo sua atividade social, evitando-se, assim, a ruptura de
seus vínculos comunitários. (ORTEGAL, 2008, p. 124)

Nesse contexto, vemos a importância do envolvimento da comunidade nas decisões de


cunho punitivo, uma vez que esta também é afetada pelo delito e pela sanção aplicada que retira
o indivíduo criminoso do convívio social. Ainda, demonstra para o infrator a permanência dos
vínculos comunitários, o que contribui, e muito, para sua ressocialização.
De acordo com Ortegal (2008, p. 125), a menção aos povos aborígenes também é de grande
importância, pois as tribos Maori, da Nova Zelândia, comunidades pré-estatais,
são o maior exemplo na história da Justiça Restaurativa de como um
modelo tribal ganhou visibilidade e legitimidade suficientes, a ponto de
ser incorporado pela justiça tradicional neozelandeza. O modelo de justiça
restaurativa advindo das tribos Maori foi o resultado da insatisfação dos
membros dessa tribo quanto ao enquadramento de seus jovens e suas crianças
no sistema tradicional repressor.
Assim, foi na Nova Zelândia que teve início o modelo de práticas restaurativas, sendo
aplicados, na sociedade comum, os antigos costumes e as práticas da justiça ancestral dos
aborígenes. Para Gonçalves (2009, p. 195, grifos do original), esse modelo foi desenvolvido e
“dividido em duas partes: os chamados family group conferences (para infratores jovens e para
crianças) e os community group conferences (para os infratores adultos)”. Ainda de acordo com o
autor, esse modelo, inicialmente, visava garantir maior participação da própria comunidade em
seus problemas de convivência e, ainda, buscava a reparação dos danos causados aos outros, seja
nos aspectos financeiro e psicológico, seja no simbólico.
Contemporaneamente, com base no modelo que se refere às crianças e aos jovens, a Nova
Zelândia aprovou em 1989 o Estatuto das Crianças, Jovens e suas Famílias, o que a fez romper
radicalmente com a legislação anterior para responder ao abuso, ao abandono e aos atos infracionais.
Segundo Prudente (2008, p. 204, grifos do original),
A responsabilidade primária pelas decisões sobre o que seria feito foi estendida
às famílias, que receberiam apoio em seu papel de prestações de serviços e
outras formas apropriadas de assistência. O processo essencial para tomada
de decisões deveria ser a reunião de grupo familiar, que visava incluir todos
Prisão e política penitenciária 91

os envolvidos e os representantes dos órgãos estatais responsáveis (bem-estar


infantil para casos de cuidados e proteção e a polícia nos casos de infrações).

Vemos aqui a inclusão do importante papel da família do infrator na resolução dos conflitos
criminais por ele praticados. As decisões deixam de ser algo relegado somente às instituições da
justiça, tornando-se mais inclusivas ao envolver todos aqueles prejudicados pelo ato infracional.
Em 1976, ocorreu no Canadá a primeira experiência contemporânea utilizando-se das
práticas restaurativas. O caso envolvia dois acusados de vandalismo que se encontraram com
suas vítimas e estabeleceram pactos de restituição (PRUDENTE, 2008). Nesse país, as referidas
práticas são consideradas um meio alternativo que não pertence aos modelos tradicionais da
Justiça Criminal. Assim,
a questão criminal é analisada sob o aspecto das relações humanas, e não
mais apenas sobre o fato praticado, como preconiza o conceito de fato típico,
antijurídico e culpável. Como solução ao conflito, é necessário o envolvimento
de um processo de restauração das relações humanas e sociais abaladas com o
transcorrer do conflito. (GONÇALVES, 2009, p. 195)

Cientes da aplicação das práticas restaurativas, outros países começaram a aplicá-las.


Mostrando-se atenta aos avanços importantes no campo dos direitos humanos, a Organização das
Nações Unidas (ONU) regulamentou a Justiça Restaurativa por meio da Resolução n. 1999/26, de
28 de julho de 1999, que dispõe sobre “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação
e de Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”, propondo formulação de padrões no âmbito das
Nações Unidas. Em seguida, houve a Resolução n. 2000/12, de 24 de julho de 2000, que reafirmava
a importância da proposta anterior. Nesse mesmo compasso, o Conselho Econômico e Social da
ONU, em 24 de julho de 2002, compôs a Resolução n. 2002/12 – Basic principles on the use of
restorative justice programmes in criminal matters (KOSOVSKI, 2008). Essa Resolução recomendou
a todos os países-membros a
apoiarem o desenvolvimento e a implementação de pesquisa, capacitação e
atividades para implementação de projetos com esta vertente. O documento
se baseia na Declaração de Viena, em que a Comissão de Justiça Criminal e
Prevenção de Criminalidade da ONU define os principais conceitos de
justiça restaurativa e sugere a abertura de um debate mundial sobre o tema.
(PRUDENTE, 2008, p. 205)

O Brasil está entre os diversos países que vêm adotando a Justiça Restaurativa. Mais adiante
estudaremos como ocorre a sua aplicação, agora vamos conceituá-la.

4.2.2 Conceitos de Justiça Restaurativa


Os processos ou as práticas restaurativas constituem-se na chamada Justiça Restaurativa,
também denominada por alguns de Justiça Transformadora, Justiça Recuperativa, Justiça
Participativa; várias são as terminologias possíveis. Centrada “nos danos causados à vítima e às
necessidades que estes danos provocam nela, em suma: Justiça Restaurativa é o processo que
envolve ativamente a vítima, o agressor e a comunidade, para falar dos danos causados” e a forma
como se pode repará-los (TELLO, 2008, p. 201).
92 Controle social e segurança

Segundo Prudente (2008, p. 208), o movimento restaurativo


define justiça a partir de três posturas básicas: 1) infrações são atos lesivos a
pessoas e relacionamentos acima de tudo, resultam em danos a vítimas, famílias
e aos próprios infratores; 2) a justiça deve ser o objetivo essencial do processo
legal e deve ser obtida prioritariamente através de reconciliação entre as partes e
reparação dos danos advindos da infração; 3) conflitos são mais bem resolvidos
facilitando-se o envolvimento de vítimas, infratores, famílias e comunidades.

Para a formulação do conceito mais utilizado de Justiça Restaurativa é necessário tomar


como base algumas definições advindas da Resolução n. 2002/12 da ONU, apresentadas no quadro
a seguir.
Quadro 2 – Definições da Resolução n. 2002/12 da ONU

Terminologia Conceito
Significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir
Programa de justiça restaurativa
resultados restaurativos.

Significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor (ou quaisquer outros


indivíduos, membros da comunidade) afetados por um crime, participam
ativamente na resolução de questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda
de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir:
• A mediação vítima-infrator (mediation) – em que se propicia às partes a
possibilidade de uma reunião em um cenário adequado, com a participação
de um mediador, para diálogo sobre origens e consequências do conflito
Processo restaurativo
criminal e a construção de um acordo e de um plano restaurativo.
• A conciliação, as reuniões coletivas abertas à participação de pessoas da
família e da comunidade (conferencing) e os círculos decisórios (sentencing
circles) – em que ocorrerá uma mediação em sentido amplo, mais abrangente
e reflexivo. O diálogo sobre origens e consequências do conflito criminal e
a construção de um acordo e um plano restaurativo ocorrem não em nível
individual, mas de maneira coletiva e integrada com a comunidade.

Significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados


restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e
Resultado restaurativo serviço comunitário, objetivando atender às necessidades individuais e coletivas
e responsabilidades das partes, bem como assim promover a integração da
vítima e do ofensor.

Significam a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da


Partes comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo
restaurativo.

Significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de modo justo e imparcial, a


Facilitador
participação das pessoas afetadas e envolvidas em um processo restaurativo.
Fonte: Adaptado de Prudente, 2008, p. 208.

Dessa forma, a Justiça Restaurativa trata-se de um programa que utiliza processos


restaurativos, ou seja, aqueles em que vítima, agressor e comunidade participam ativa e
conjuntamente da resolução das questões originadas do conflito criminal. Nesse programa, contam
com a presença de um facilitador ou mediador para chegarem a um resultado restaurativo – um
acordo – que permita atender às necessidades e responsabilidades individuais e coletivas das partes
e alcançar a integração entre vítima e agressor.
Prisão e política penitenciária 93

Convém destacar a observação de Pinto (2008, p.191) ao descrever que


o crime, para a justiça restaurativa, não é apenas uma conduta típica e antijurídica
que atenta contra bens e interesses penalmente tutelados, mas, antes disso, é uma
violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo, por
isso, à justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e
do trauma causado e que deve ser restaurado; oportunizar e encorajar as pessoas
envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do
processo, sendo a justiça avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as
responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades
oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um
resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado.

Por fim, vê-se a Justiça Restaurativa como um processo no qual todas as partes envolvidas
e interessadas se juntam para resolver coletivamente o conflito criminal gerado e tratar de suas
implicações futuras.

4.2.3 Bases para a utilização de programas restaurativos


A Resolução n. 2002/12 da ONU define bases para a utilização de programas de Justiça
Restaurativa, as quais são adaptáveis aos sistemas jurídicos de seus países-membros:
• Os programas de Justiça Restaurativa podem ser usados em qualquer estágio
do sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional.
• Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova
suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e
voluntário da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar
esse consentimento a qualquer momento, durante o processo. Os acordos só
poderão ser pactuados voluntariamente e devem conter somente obrigações
razoáveis e proporcionais.
• A vítima e o ofensor devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais
do caso sendo isso um dos fundamentos do processo restaurativo. A
participação do ofensor não deverá ser usada como prova de admissão de
culpa em processo judicial ulterior.
• As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças
culturais entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e
conduzir um caso no processo restaurativo.
• A segurança das partes deverá ser considerada ao se derivar qualquer caso ao
processo restaurativo e durante sua condução.
• Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser
encaminhado às autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação
jurisdicional sem delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades
estimular o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e
apoiar a reintegração da vítima e do ofensor à comunidade. (ONU, 2002)
Conforme mencionamos no início de nosso estudo, a Justiça Restaurativa é um meio
alternativo para a solução dos conflitos, objetivando a participação dos interessados em prol de um
fim que satisfaça a todos. Por isso, sua utilização pode ocorrer em qualquer estágio do sistema de
justiça criminal; para tanto, conforme Sica (apud PRUDENTE, 2008, p. 210, grifos do original), é
válido considerar que há cinco entradas para a Justiça Restaurativa, são elas:
94 Controle social e segurança

I) pré-acusação, com encaminhamento do caso pela polícia;


II) pré-acusação, com encaminhamento pelo juiz ou pelo ministério público,
após o recebimento da notitia criminis e da verificação dos requisitos mínimos,
que, ausente, impõem o arquivamento do caso e devem ser estabelecidos
conforme as particularidades de cada ordenamento;
III) pós-acusação e pré-instrução, com encaminhamento imediato após o
oferecimento da denúncia;
IV) pré-sentença, encaminhamento pelo juiz, após encerramento da instrução,
como forma de viabilizar a aplicação de pena alternativa na forma de reparação
de dano, ressarcimento etc.;
V) pós-sentença, encaminhamento pelo tribunal, com a finalidade de inserir
elementos restaurativos durante a fase de execução.
Assim, como vimos, o processo restaurativo necessita da voluntariedade das partes para
existir. Ele não é imposto, mas, sim, dependente da aceitação das partes envolvidas para ser
aplicado. E tal concordância não significa o reconhecimento ou a imposição da culpa ao infrator,
apenas o compromisso em encontrar uma solução ao conflito.
Ainda, os acordos advindos desse processo devem respeitar as diferenças culturais dos
envolvidos, não devendo constar cláusulas que contrariem suas crenças e ideologias. Deve também
garantir a segurança de todos, evitando expor a vítima a situações perigosas, ou mesmo o infrator a
uma possível agressão e retaliação desnecessárias. Assim, para o sucesso do processo restaurativo,
deve-se imperar a autonomia das vontades das partes.
Dessa forma, ousamos dizer que essas bases seriam, na realidade, pressupostos mínimos de
aceitabilidade para a aplicabilidade da Justiça Restaurativa a um caso concreto, devendo se fazer
presentes e respeitadas. Nesse contexto, convém observarmos que
o procedimento restaurativo, para subsistir juridicamente, jamais poderá
contrariar os princípios e as regras constitucionais e infraconstitucionais –
violando o princípio da legalidade em sentido amplo […]. Deve satisfazer as
condições para que seja reconhecida sua existência, validade, vigência e eficácia
jurídica, pois ao contrário o procedimento e seus atos resultarão, naturalmente,
inexistentes, nulos ou ineficazes, portanto inaptos para irradiar efeitos no
mundo jurídico. (PINTO, 2008, p. 194)

Vemos que o princípio da legalidade “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988) deve ser obedecido na aplicação da Justiça
Restaurativa, por seu viés de submissão e respeito à lei, e atuação dentro do que essa preceitua. Só
por meio de espécies normativas, que sigam o devido processo legislativo para sua criação, é que se
pode criar obrigações aos indivíduos, uma vez que representam a vontade da sociedade expressa
por seus representantes eleitos. Do contrário, ocorreriam sob o amparo da nulidade do processo
restaurativo, tornando-se afronta ao ordenamento jurídico e, portanto, não merecendo prosperar.
Agora, passaremos ao estudo dos princípios da Justiça Restaurativa.
Prisão e política penitenciária 95

4.2.4 Princípios da Justiça Restaurativa


Ao estudarmos a Resolução n. 2002/12 (ONU, 2002), verificamos várias disposições que se
enquadram também como princípios e que, portanto, são a base que fundamenta a aplicabilidade
da Justiça Restaurativa. Porém, para um melhor entendimento, somamos a esses princípios
importantes ensinamentos, conforme vemos a seguir.
Quadro 3 – Princípios da Justiça Restaurativa

Princípio Descrição
O crime ou as ofensas causam dano a uma pessoa em particular, desde logo,
também, à comunidade, porque rompe com as relações; não é simplesmente uma
O crime causa danos às pessoas ofensa ao Estado como ente abstrato e uma violação da lei: é um dano que se
e às comunidades. há causado a uma pessoa e que causa dor, perda entre outros sentimentos; este
enfoque e relação ao dano começa com uma preocupação central pelos papéis e
necessidades das vítimas.

O sistema de justiça comum “não logra que o agressor, verdadeiramente, entenda


a transcendência de seu atuar e sobretudo as consequências disto, por isso, com
muita frequência, encontramos agressores que se sentem vítimas do sistema,
Causar um dano acarreta uma
dizem ser inocentes ou que têm uma justificação para suas faltas. Para a justiça
obrigação.
restaurativa, é imprescindível que o agressor tenha claro o que foi feito e como
isto impactou a vítima e as pessoas próximas, assim como as pessoas próximas
ao agressor, em outras palavras, tomar responsabilidade por suas ofensas”.

No sistema da justiça comum, “a reparação do dano se converte em pagamento


ao Estado, pois em mínimos casos, realmente, o agressor se responsabiliza pela
A principal obrigação é reparar reparação dos danos à vítima e esta se vê realmente favorecida com a reparação.
o dano. A justiça restaurativa pondera pela reparação do dano, de uma forma que só a
vítima pode solicitar, porque só ela sabe o que necessita para sentir que o dano
está reparado”.
Fonte: Tello, 2008, p. 203.

Dessa forma, conjugando os princípios vistos tanto na Resolução n. 2002/12 quanto esses
agora estudados, concluímos que a Justiça Restaurativa, como novo modelo de justiça, visa
promover a paz social e a comunicação não violenta entre as partes, além de proporcionar ao
agressor a oportunidade de se desculpar com a vítima, reparando seus danos e traumas. Nesse
sentido, Alves (2019) colabora ao afirmar:
De acordo com a filosofia da justiça restaurativa, as necessidades das vítimas e o
restabelecimento da paz social são finalidades básicas, atentando-se para o fato
de dar uma adequada resposta ao crime, castigando o responsável pela conduta
ilícita, fazendo-o reconhecer o sofrimento da vítima e, consequentemente,
reparar o dano.
A seguir, vamos estudar as características que diferenciam cada uma das modalidades da
Justiça Criminal Tradicional (Retributiva) e da Justiça Criminal Restaurativa.

4.2.5 Justiça Criminal Tradicional versus Justiça Criminal Restaurativa


Para melhor compreendermos a Justiça Restaurativa é interessante expor suas diferenças
básicas em relação à Justiça Tradicional (Retributiva), elencando as características de cada uma
quanto a valores, procedimentos, resultados, efeitos para a vítima, efeitos para o infrator e a
comunidade. Cabe salientar, porém, que não se fala em substituição de uma pela outra ou da
96 Controle social e segurança

exclusão da Justiça Tradicional, mas de um meio alternativo para a resolução de crimes e infrações
penais, principalmente em casos nos quais o propósito não é manter o agressor preso e, sim, utilizar
um meio eficaz de garantir que a conduta lesiva cesse.
Começamos com uma reflexão proposta por Pinto (2008, p. 192), que nos dá um
entendimento inicial e rápido sobre a perspectiva de cada um dos referidos modelos de justiça:
“A justiça convencional diz: você fez isso e tem que ser castigado! A justiça restaurativa pergunta: o
que você pode fazer agora para restaurar isso?”. Já podemos observar a distinção na aplicação dos
verbos; uma diz, afirma, cobra, impõe; a outra pergunta, conversa, dialoga, ouve.
Vamos à conceituação dos elementos de diferenciação das modalidades de justiça:
Quadro 4 – Elementos de diferenciação entre Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa

Valores

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa

• Conceito estritamente jurídico de crime –


• Conceito amplo de crime – ato que afeta a vítima, o próprio
violação da lei penal; ato contra a sociedade
autor e a comunidade causando-lhe uma variedade de danos.
representada pelo Estado.

• Primado do interesse público (sociedade


• Primado do interesse das pessoas envolvidas e comunidade
representada pelo Estado, o centro) –
– Justiça Criminal participativa.
monopólio estatal da Justiça Criminal.

• Culpabilidade Individual voltada para o passado • Responsabilidade pela restauração em uma dimensão social,
– estigmatização. compartilhada coletivamente e voltada para o futuro.

• Uso dogmático do Direito Penal Positivo. • Uso crítico e alternativo do Direito.

• Indiferença do Estado quanto às necessidades


• Comprometimento com a inclusão e Justiça Social gerando
do infrator, da vítima e comunidade afetada –
conexões.
desconexão.

• Monocultural e excludente. • Culturalmente flexível (respeito às diferenças e tolerância).

• Dissuasão. • Persuasão.

Procedimentos

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa

• Ritual solene e público. • Ritual informal e comunitário com as pessoas envolvidas.

• Indisponibilidade da ação penal. • Princípio da oportunidade.

• Linguagem, normas e procedimentos formais e


• Procedimento informal com confidencialidade.
complexos – garantias.

• Processo decisório a cargo de autoridades


• Processo decisório compartilhado com as pessoas envolvidas
(policial, delegado, promotor, juiz e profissionais
(vítima, infrator e comunidade) – multidimensionalidade.
do Direito) – unidimensionalidade.
(Continua)
Prisão e política penitenciária 97

Resultados

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa


• Prevenção geral e especial – foco no infrator • Abordagem do crime e suas consequências – foco nas
para intimidar e punir. relações entre as partes para restaurar.

• Penalização – penas privativas de liberdade, • Pedido de desculpas, reparação, restituição, prestação de


restritivas de direitos, multa por estigmatização serviços comunitários – reparação do trauma moral e dos
e discriminação. prejuízos emocionais –, restauração e inclusão.

• Tutela penal de bens e interesses, com a • Resulta na responsabilização espontânea por parte do
punição do infrator e proteção da sociedade. infrator.

• Penas descabidas e desproporcionais em


regime carcerário desumano, cruel, degradante • Proporcionalidade e razoabilidade das obrigações assumidas
e criminógeno ou penas alternativas ineficazes no acordo restaurativo.
(cestas básicas).

• Vítima e infrator isolados, desamparados e


• Reintegração do infrator e da vítima prioritária.
desintegrados – ressocialização secundária.

• Paz social com tensão. • Paz social com dignidade.

Efeitos para a vítima

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa


• Pouquíssima ou nenhuma consideração,
ocupando lugar periférico e alienado no • Ocupa o centro do processo, com um papel e voz ativa.
processo. Não tem participação nem proteção, Participa e tem controle sobre o que se passa.
mal sabe o que se passa.

• Praticamente nenhuma assistência psicológica, • Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e
social econômica ou jurídica do Estado. reparação.

• Tem ganhos positivos. Suprem-se as necessidades


• Frustração e ressentimento com o sistema.
individuais e coletivas da vítima e comunidade.

Efeitos para o infrator

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa


• Infrator considerado em suas faltas e sua má- • Infrator visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos
formação. danos e pelas consequências do delito.

• Raramente tem participação. • Participa ativa e diretamente.

• Comunica-se com o sistema por advogado. • Interage com a vítima e com a comunidade.

• É desestimulado e até mesmo inibido a dialogar • Tem a oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com
com a vítima. o trauma da vítima.

• É desinformado e alienado sobres os fatos • É informado sobre os fatos do processo restaurativo e


processuais. contribui para a decisão.

• Não é efetivamente responsabilizado, mas • É inteirado das consequências do fato para a vítima e
punido pelo fato. comunidade.

• Fica intocável. • Fica acessível e se vê envolvido no processo.

• Não tem suas necessidades consideradas. • Suprem-se suas necessidades.

Fonte: Adaptado de Silva, 2014, p. 29-32.


98 Controle social e segurança

Verificamos nas diferenciações expostas que a Justiça Restaurativa foca a pessoa e as


partes envolvidas no conflito, principalmente a vítima, a quem é direcionada a atenção visando
restituir, na medida do possível, a condição mais próxima de uma reparação ideal. Ainda, a
solução do problema é central, a base é destinada ao futuro, as necessidades são primárias e
há um diálogo entre vítima e ofensor que, como já esclarecido, são o foco desse modelo de
justiça. Já na Justiça Tradicional (Retributiva) a culpa é estabelecida, entende-se que a justiça
deve prevalecer e ser determinada pela dor causada ao infrator, sua medida é o processo e a
violação da lei decreta o crime.
Com o objetivo de contribuir para um melhor entendimento das concepções de Justiça
Tradicional (Retributiva) e Justiça Restaurativa, trazemos na sequência diferentes enfoques sobre
ambas as modalidades.
Figura 3– Diferentes enfoques sobre ambas as modalidades

Justiça Tradicional (Retributiva) Justiça Restaurativa

1. O crime é uma violação da lei e do 1. O crime é uma ofensa contra as pessoas


Estado. e as relações interpessoais.
2. As ofensas geram culpabilidade 2. As ofensas geram obrigações.
merecida. 3. A justiça envolve vítimas, ofensores e
3. A justiça requer que o Estado determine membros da comunidade.
culpabilidades e imponha sanções. 4. Eixo central: as necessidades das vítimas
4. Eixo central: que os agressores recebam e a responsabilidade ativa do ofensor na
seu justo merecido. reparação do dano.

Fontes: Tello, 2008, p. 204.

Ainda nesse contexto, Zehr (apud PANZARINI, 2017) apresenta três perguntas que ajudam
a entender as diferentes perspectivas desses modelos de justiça. São elas:
Figura 4 – Perguntas diferenciadoras dos modelos de justiça

Justiça Criminal (Retributiva) Justiça Restaurativa

Que leis foram infringidas? Quem sofreu o dano?


Quem fez isso? Quais as suas necessidades?
O que o ofensor merece? De quem é a obrigação de suprir essas
necessidades?

Fonte: Zehr, 2012 citado por Panzarini, 2017.

Vimos, então, que diferentes enfoques somam-se às características específicas da Justiça


Retributiva e da Justiça Restaurativa. A seguir, vamos nos ocupar em apresentar elementos
importantes da consolidação da Justiça Restaurativa no Brasil para ampliar nossa reflexão.

4.2.6 Justiça Restaurativa no Brasil


A experiência brasileira no âmbito dos processos restaurativos iniciou no final da década de
1990, com a implantação de diversos projetos-testes que foram, com o tempo, se concretizando e
tornando-se efetivamente programas de Justiça Restaurativa.
Prisão e política penitenciária 99

As primeiras manifestações restaurativas aconteceram em escolas públicas – fora do


judiciário, portanto – e objetivavam, como programas de pesquisa, prevenir e solucionar problemas
como a desordem, violência e criminalidade. Nesse contexto vale mencionar que, em 1998, o
Projeto Jundiaí, na cidade de Jundiaí (SP), foi a primeira experiência brasileira com fundamentos
de Justiça Restaurativa a ser aplicada (NETO, 2008, p. 164).
Vários outros projetos se desenvolveram no país, mas se atribui o “caso zero”, como ficou
conhecido, de aplicação da Justiça Restaurativa a um caso jurisdicional ocorrido em 4 de julho
de 2002, na 3ª Vara do Juizado da Infância em Porto Alegre (RS), envolvendo dois adolescentes
submetidos a práticas restaurativas. Após esse “caso zero” outros surgiram no país,
contudo o tema só ganhou expressão nacional após a criação da Secretaria
da Reforma do Judiciário, órgão do Ministério da Justiça, em abril de 2003.
Com a finalidade de expandir o acesso dos cidadãos à Justiça e reduzir o
tempo de tramitação dos processos, em dezembro do mesmo ano, a entidade
firmou acordo de cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento – PNUD, iniciativa esta que gerou o Programa de
Modernização da Gestão do Sistema Judiciário. (ORSINI; LARA, 2013, p. 308)

E foi assim que, a partir de junho de 2005, foram implementados projetos de Justiça
Restaurativa em São Caetano do Sul (SP), o qual direcionou seu trabalho a crianças e adolescentes
nas escolas; em Porto Alegre (RS), que também se voltou a crianças e adolescentes, porém
cumprindo medidas socioeducativas; e na cidade do Núcleo Bandeirante (DF), onde o trabalho
envolvia a comunidade e ocorria vinculado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT, no
Juizado Especial, de modo que os casos atendidos pelo projeto eram encaminhados por um juiz
de direito.
Observa-se, assim, que cada projeto se direcionou a uma área diferente, demonstrando que
a Justiça Restaurativa pode ser aplicada em diversos âmbitos. Esses foram
projetos-piloto, os quais representaram as primeiras tentativas de inserção da
proposta de justiça restaurativa no Brasil, que visavam verificar a aplicabilidade
e adequação desse modelo alternativo, bem como fazer testes e ajustes desse
tipo de justiça à realidade nacional. Apesar de abordarem públicos diferentes,
os projetos partem de um ponto-comum, que é a busca de uma nova forma de
se fazer justiça no país, dada a ineficácia das medidas tradicionais de justiça,
que atinge a ambos os públicos. E é justamente essa busca que vem alimentando
a ideia de justiça restaurativa no contexto brasileiro e expandindo-a e
consolidando-a. (ORTEGAL, 2008, p. 127)

Após esses projetos-piloto, outros foram se intensificando no país e adaptando a ideia


de Justiça Restaurativa à realidade brasileira, a ponto de o Governo Federal aprovar o Terceiro
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), por meio do Decreto n. 7.037/2009.
Essa norma estabelecia como um dos objetivos estratégicos incentivar
projetos‑pilotos de Justiça Restaurativa, como forma de analisar seu impacto e
sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro, bem como desenvolver ações
nacionais de elaboração de estratégias de mediação de conflitos e de Justiça
Restaurativa nas escolas. (ORSINI; LARA, 2013 p. 310)
100 Controle social e segurança

Em 2012, o Congresso Nacional editou a Lei n. 12.594, que instituiu o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e, assim, seguiu os passos do “caso zero”. A Justiça
Restaurativa então se instalou definitivamente como um modelo de resolução para os conflitos
juvenis, visto que a referida lei estabelece ser princípio da execução da medida socioeducativa
a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às
necessidades das vítimas” (BRASIL, 2012).
Nesse contexto de reconhecimento e aplicabilidade da Justiça Restaurativa, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), em 31 de maio de 2016, publicou a Resolução n. 225, que institui
a Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, a qual “tem
por objetivo a consolidação da identidade e da qualidade da Justiça Restaurativa definidas na
normativa, a fim de que não seja desvirtuada ou banalizada” (CNJ, 2019).
Em 17 de agosto de 2016, por sua vez, a Portaria CNJ n. 91/2016, em cumprimento ao disposto
no artigo 27 da Resolução CNJ n. 225/2016, instituiu o Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, cuja
composição foi atualizada pela Portaria CNJ n. 137, de 31 de outubro de 2018. A instituição desse
Comitê objetiva efetivar a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário,
rumo à consolidação da identidade e qualidade dessa forma de resolução de conflitos.
Nos dias 17 e 18 de junho de 2019, o CNJ realizou, por intermédio do referido Comitê, o
1º Seminário sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa2. O evento visava o intercâmbio de
experiências e ideias entre os Comitês Regionais de todo o Brasil, de modo a gerar a melhoria na
quantidade e qualidade dos dados que compõem a Política Nacional de Justiça Restaurativa.
Esses são, enfim, os marcos históricos e jurídicos que dão respaldo à aplicação da Justiça
Restaurativa no Brasil. Agora, vamos observar alguns institutos do Direito positivado brasileiro
que dão abertura para a aplicação do modelo restaurativo, uma vez que incorporam o modelo
consensual como forma de reação estatal ao delito. Essa situação é importante visto que o Direito
positivado brasileiro apresenta um sistema jurídico mais restritivo, em virtude do princípio da
indisponibilidade da ação penal pública. Nota-se diferença em relação aos países onde surgiu a
Justiça Restaurativa, em que o sistema jurídico é mais receptivo à derivação de casos para o modelo
restaurativo, devido, principalmente, a discricionariedade do promotor em processar ou não,
segundo o princípio da oportunidade (PINTO, 2010). Vejamos quais são esses institutos.

2 Saiba mais em: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). 1º Seminário sobre a Política Nacional de Justiça
Restaurativa. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/agendas/1o-seminario-sobre-a-politica-nacional-de-justica-
restaurativa/. Acesso em: 18 nov. 2019.
Prisão e política penitenciária 101

Quadro 5 – Leis que aplicam a metodologia da Justiça Restaurativa


Institutos Características
• Sua criação é determinada pelo artigo 98 da Constituição Federal (BRASIL,
1988), que dispõe sua competência para conciliação e abre o precedente para a
utilização do princípio da oportunidade frente ao princípio da obrigatoriedade da
Lei n. 9.099/1995: ação penal – abre, portanto, a possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa.
Lei dos Juizados Especiais • A Lei dos Juizados Especiais regula o procedimento para a conciliação e
(BRASIL, 1995) julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo. Com isso, integra o modelo
consensual de reação estatal ao delito, incorporando ao sistema os chamados
institutos despenalizadores, como a composição de danos, a transação penal e a
suspensão condicional do processo ou sursis processual3.
• Preocupação com o ressarcimento dos prejuízos da vítima do ato infracional.
• Medidas de proteção, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente,
bem como substituídas a qualquer tempo. Trazem a ideia de transferir o foco
da resposta estatal para a restauração dos vínculos familiares e comunitários.
• Medidas de proteção que convergem para a possibilidade de as partes buscarem,
Lei n. 8.069/1990:
em um ambiente propício, alternativas às medidas puramente sancionatórias,
Estatuto da Criança e do como orientação, apoio e acompanhamento temporário e a inclusão em
Adolescente programas oficiais ou comunitários de auxílio ou tratamento.
(BRASIL, 1990) • Os procedimentos de apuração do ato infracional abrandam o princípio da
indisponibilidade da ação penal, ao estabelecer o instituto da remissão4 a ser
oferecida pelo Ministério Público antes de iniciado o procedimento judicial, desde
que atendam condições estabelecidas na referida lei. Esse instituto pode levar
à exclusão do processo, com base na vontade das partes e em um plano de
autocomposição, com a concordância de juiz e Ministério Público.
• A Lei Maria da Penha inseriu no campo social a possibilidade de buscar
efetivamente a reparação, a reconciliação e a segurança nas relações conjugais.
• Traz medidas protetivas de urgência, que são mecanismos para coibir a violência
doméstica contra a mulher (Capítulo II, art. 18 a 24A).
Lei n. 11.340/2006:
• O CNJ, na Resolução n. 225/2016, dispõe sobre a aplicação de processos
Lei Maria da Penha restaurativos no tocante a casos de violência doméstica e familiar, vejamos:
(BRASIL, 2006) “Art. 24, § 3º. Na condução de suas atividades, a Coordenadoria Estadual da
Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar deverá adotar, quando
cabível, processos restaurativos com o intuito de promover a responsabilização
dos ofensores, proteção às vítimas, bem como restauração e estabilização das
relações familiares”.
• Envolve a restauração das relações e a responsabilização efetiva do ofensor
para que não venha a cometer mais violências. O agressor tem a oportunidade
Lei n. 10.741/2003: de ressignificar seu ato de violência contra a pessoa idosa, em um processo de
Estatuto do Idoso escuta sobre suas motivações, seus sentimentos e suas necessidades.

(BRASIL, 2003) • No artigo 94 prevê-se a aplicação do procedimento da Lei n.º 9.099/1995 (BRASIL,
1995) para os crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse
quatro anos.
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas legislações nacionais citadas.

3 Sursis processual é o mesmo que suspensão condicional do processo, “um dos mecanismos à disposição das partes
[...], uma forma alternativa de solução para questões penais. A suspensão possibilita a extinção da punibilidade e não
gera antecedentes criminais. Segundo a legislação, o sursis processual é admitido nos crimes cuja pena mínima seja
igual ou inferior a um ano – delitos de baixa gravidade e periculosidade, portanto” (STJ, 2019). Esse dispositivo está
disposto no artigo 89 da Lei n. 9.099/1995.
4 “A palavra remissão é tida pela norma culta como sinônimo de clemência, perdão. Como instituto jurídico menorista,
a remissão vem especificadamente prevista no Capítulo V do Título II da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA), nos artigos 126 a 128, e pode ser entendida como forma de paralisar ou encerrar a apuração de
ato infracional sem que haja uma sentença de mérito absolutória ou condenatória. Através da remissão, portanto,
suspende‑se ou interrompe-se o iter da persecução do ato delitivo praticado pelo adolescente” (ALVES, 2008, p. 268,
grifos do original).
102 Controle social e segurança

Dessa forma, mostra-se possível a utilização do procedimento restaurativo, em ditos


institutos positivados, aplicando o princípio da oportunidade e mitigando, de certa forma, o
princípio da indisponibilidade da ação penal. E, nesse contexto, conferindo “peso à autonomia da
vontade das partes, em detrimento da posição subjetiva do julgador que ordinariamente adjudica,
de forma unilateral, suas impressões, o que, não raro, não produz consequências efetivas para a
vítima, para o autor do fato e para a comunidade” (VITTO, 2008, p. 206).

4.3 Justiça Restaurativa aplicada aos adolescentes em conflito


com a lei
Conforme vimos em estudos anteriores, a Justiça Restaurativa nasce em terras neozelandesas,
em tribos aborígenes Maori, como resultado da insatisfação dos membros dessas tribos quanto
ao enquadramento de suas crianças e seus jovens no sistema tradicional repressor. Assim, essa
preocupação com a prática de infrações por adolescentes em relação à aplicação da punibilidade já
está na base da Justiça Restaurativa.
No Brasil, como vimos, os projetos-piloto que dão início à inserção de técnicas restaurativas
na justiça do país focaram, principalmente, a vertente da justiça aplicada a crianças e adolescentes.
Podemos notar, então, que as condutas infracionais praticadas por crianças e adolescentes
permeiam a preocupação da sociedade a ponto de se procurar soluções que visem ao atendimento
desse público e das vítimas de seus atos, por intermédio da aplicação de medidas alternativas à
ineficácia da atual Justiça Retributiva, que trata o ato infracional somente pela vertente da violação
à lei e pelo grau de culpabilidade do autor, aplicando a sanção com o fim único de punição.
Do que estudamos, vimos que a Justiça Restaurativa visa solucionar os conflitos com base no
diálogo e na responsabilidade, de modo que vítima e comunidade têm um papel fundamental na
solução dos litígios. As relações afetadas pelo ato infrator ou crime são foco da Justiça Restaurativa,
que busca restaurar o dano causado às vítimas e à comunidade em uma dimensão social, superando
a preocupação única com a punição do infrator.
No contexto das infrações penais cometidas por crianças e adolescentes, observa-se que
o ato jurídico que disciplina essas situações, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei
n. 8.069/1990), amparado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), adotou como base para a
aplicação dos direitos e deveres desse público o princípio da proteção integral. Esses atores, portanto,
são vistos como sujeitos de direitos, e não mais como meros objetos de proteção do Estado-tutor.
Seus interesses devem ser assegurados com prioridade absoluta em relação aos demais grupos
sociais, em razão de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (CERQUEIRA, 2018).
Ainda, no que diz respeito à questão penal, esse princípio propõe limites ao poder de
restringir ou privar a liberdade do infrator. Vemos que a essência da doutrina da proteção integral
significa, portanto, proteger o adolescente das perdas pela imposição, especialmente quando
injusta, de medidas. É nesse sentido que a criança e o adolescente passam a ser sujeitos de direitos
no âmbito infracional (KONZEN, 2008). Complementa Cerqueira (2018, p. 5):
Prisão e política penitenciária 103

Além do viés protetivo para a garantia e promoção prioritária dos direitos


fundamentais, houve a alteração do paradigma relativo à responsabilização
do adolescente autor do ato infracional, que recebeu, ao menos em bases
teórico‑legais contornos predominantemente pedagógicos e expandiu seu
alcance para toda população infantojuvenil.
Nesse sentido, o texto constitucional não distingue as crianças e adolescentes à
quem se destina o dever de proteção integral: sejam adolescentes em situação
de risco, sejam adolescentes em conflito com a lei, é dever do Estado, ao lado da
família e da sociedade, efetivar, com prioridade absoluta, os projetos e programas
necessários ao desenvolvimento saudável desses indivíduos em formação.

Em consequência, vemos que as disposições constitucionais trazem um rol não taxativo dos
direitos que devem ser reconhecidos às crianças e aos adolescentes, e que validam o princípio da
proteção integral. Vejamos o que nos diz o artigo 227 (BRASIL, 1988):
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.

Seguindo o mesmo compasso, e conferindo executoriedade à norma constitucional, o ECA


dispõe:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
[…]
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária. (BRASIL, 1990, grifos nossos)

Nesse contexto, esses direitos especiais e específicos resguardados às crianças e aos


adolescentes refletem no campo penal quando se dispõe no ECA sobre a inimputabilidade penal
dos sujeitos por ele protegidos. Assume-se a inimputabilidade penal como a “incapacidade que
tem o agente em responder por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não é capaz de entender
que o fato é ilícito e agir conforme esse entendimento” (DIREITONET, 2010), assim como não tem
condições de autodeterminação na data do crime.
De acordo com o art. 27 do CP e art. 228 da CF, os menores de 18 anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação
especial. Foi adotado o sistema biológico, considerando menoridade como
presunção absoluta de inimputabilidade. A legislação especial é a lei n.º 8069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente). (SALIM; AZEVEDO, 2016, p. 133)
104 Controle social e segurança

Para melhor compreensão, apresentamos a seguir a legislação mencionada em nosso estudo.


Figura 5 – Artigos das legislações citadas

“Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são


Código Penal
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas
(BRASIL, 1940)
estabelecidas na legislação especial.”

“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores


Constituição Federal de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
(BRASIL, 1988) especial.”

Estatuto da Criança “Art. 104. São penalmente inimputáveis


e do Adolescente os menores de dezoito anos, sujeitos às
(BRASIL, 1990) medidas previstas nesta Lei.”

Fonte: Brasil, 1940; 1988; 1990.

Crianças e adolescentes, portanto, são inimputáveis e isentos das penas aplicadas pelo
Código Penal. Contudo, o ECA disciplina para crianças (até 12 anos incompletos) que venham
a praticar ato infracional o seu encaminhamento ao Conselho Tutelar e a sujeição a medidas de
proteção dispostas em seu artigo 101 (BRASIL, 1990). No caso de adolescentes (de 12 a 18 anos
incompletos) em conflito com a lei, objeto de nosso estudo nesta seção, a responsabilização de
maneira pedagógica e retributiva é efetivada via medidas socioeducativas, por meio do devido
processo legal5 com contraditório6 e ampla defesa7. Essas medidas socioeducativas estão assim
disciplinadas no ECA (BRASIL, 1990):

5 Devido processo legal é um princípio trazido expressamente da Constituição Federal (BRASIL, 1988, art. 5º): ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Referido princípio tem por escopo a proteção
do indivíduo contra eventuais arbitrariedades perpetradas pelo Estado, na condução dos processos contra aquele. [...] a
Constituição Federal pretendeu deixar claro que somente por meio da atividade jurisdicional, exercida com exclusividade
pelo Estado, é que o indivíduo poderá perder sua liberdade ou seus bens, não sendo possível sofrer tais gravames
por meio de atos praticados por outrem, inclusive pela própria Administração, sem a intervenção do Poder Judiciário”
(DANTAS, 2010, p. 123).
6 Contraditório trata-se do “direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado
pela parte adversa ao processo. O contraditório assegura, também, a igualdade das partes no processo, pois equipara,
no feito, o direito da acusação com o direito da defesa” (PAULO; ALEXANDRINO. 2012, p. 76). Na Constituição Federal
(BRASIL, 1988) consta: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados
o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
7 Ampla defesa trata-se do direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos
os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim
entender, para evitar sua autoincriminação” (PAULO; ALEXANDRINO. 2012, p. 75). Na Constituição Federal (1988, art. 5º)
consta: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Prisão e política penitenciária 105

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá


aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Ocorre que se mostra como um grande desafio para a justiça aplicada à idade infantojuvenil a
efetividade das medidas socioeducativas na ressocialização e na reeducação de menores envolvidos
em condutas ilícitas, uma vez que se deve buscar a reintegração da criança e do adolescente na
família, comunidade e sociedade, e ainda conter ações de caráter pedagógico e inclusivo. Esses são
objetivos que não têm sido alcançados devido a adversidades, como a falta de compreensão do
sentido social e educacional das referidas medidas, à má qualidade da formação dos profissionais
envolvidos com esse público, à escassa e frágil infraestrutura das instituições de cumprimento das
medidas (BARROS; NOCRATO; TASSIGNY, 2007, p. 15), entre outras. Assim, segundo Cerqueira
(2018, p. 6):
No que tange aos atos infracionais, ainda se observa a predominância prática
do viés punitivo sob o pedagógico, bem como a mera transposição, com rasas
adaptações, do raciocínio jurídico aplicado aos imputáveis para os adolescentes
em conflito com a lei. […]. Na seara infantojuvenil, quando o adolescente alcança
o sistema de prevenção terciária, as chances de êxito de sua recuperação são
drasticamente reduzidas pela deficiência do sistema, que privilegia a punição e
o controle coercitivo em detrimento da tomada de consciência e da verdadeira
formação moral e ética do indivíduo em desenvolvimento. Neste cenário, a
vítima e a sociedade têm a falsa impressão de impunidade e o adolescente tem
sua liberdade restringida sem a oferta de condições de formação, o que viola
frontalmente a Doutrina da Proteção Integral.

Dessa forma, essas situações têm levado à ineficácia das medidas socioeducativas impostas
tanto no atendimento quanto na recuperação de adolescentes em conflito com a lei, levando à não
redução da violência e dos índices de reincidência criminal, bem como contribuindo para sua
estigmatização e exclusão social, culminando, portanto, na violação dos Direito Humanos.
Nesse contexto, surge a ideia da aplicação da Justiça Restaurativa como forma de
promover a responsabilidade do adolescente em conflito com a lei pela restauração no âmbito
social, além de focar também as necessidades da vítima para reparar ou minimizar os danos por
ela sofridos, bem como a própria comunidade envolvida. No ECA, já se encontra a disposição
106 Controle social e segurança

sobre o ressarcimento dos prejuízos materiais e morais da vítima do ato infracional: “Em se
tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for
o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra
forma, compense o prejuízo da vítima” (BRASIL, 1990, art. 116).
Portanto, observa-se que
A Justiça Restaurativa propõe um novo olhar para o conflito, com novas formas
e propostas de resolução [...]. Cada caso é um caso e deve ser analisado, estudo
e experimentado com o objetivo de desenvolver e construir na sociedade outros
sentidos e olhares. Que a sociedade possa responsabilizar e sentir-se responsável
pelo outro tendo a consciência de que pode, um dia, estar no lugar do outro. Neste
sentido, o que se pretende com a aplicação da Justiça Restaurativa não é abolir
o ECA, ao contrário, o que se pretende é aplicá-lo efetivamente à luz da Justiça
Restaurativa. Ou seja, a Justiça Restaurativa, através do processo dialogado entre
as partes envolvidas, dos acordos restauradores, da responsabilização do Estado
e da sociedade, vem ao encontro da Proteção Integral preconizada no ECA,
especialmente porque propõe um tratamento baseado no reconhecimento da
dignidade humana. (PINTO, 2015, p. 7)

Busca-se, assim, a concretização do princípio da proteção integral, garantindo e respaldando


um tratamento especial às particularidades que envolvem infrações penais cujo autor é um
adolescente. Vislumbra-se, com a aplicação da Justiça Restaurativa, “uma justiça mais humanitária,
consensual, preocupada em atender a todas as partes envolvidas no conflito, afastando assim a
mera busca pela vingança e punição do adolescente em conflito com a lei” (CANGUSSU et al.,
2016). Ainda, segundo Brancher (2019, p. 25):
Além da liberação das cargas emocionais plasmadas pela vivência do evento
traumático, o que por si só já as validaria, as práticas restaurativas proporcionam
a aprendizagem vivencial dos valores que mobilizam: solidariedade, tolerância,
respeito, acolhimento, empatia, perdão. Esse modelo de relacionamento ético, se
assimilado na infância e na juventude, acompanhará o sujeito ao longo de toda
a sua existência, permitindo que o reproduza a cada situação da vida em que
se veja novamente em conflito. A projeção dessa oportunidade de transformar
conflitos e violências em aprendizagens em valores humanos representa a
semeadura de um novo futuro para as novas gerações.

A justiça restaurativa se aplica aos casos resguardados pelo ECA por intermédio de diferentes
técnicas metodológicas, como: processo vítima-ofensor, conferência familiar, círculo restaurativo
e processo circular. Em cada caso, com base em uma análise cuidadosa, “deverá ser adotado o
procedimento mais adequado ao contexto social e às circunstâncias do conflito, respeitando-se
sempre os princípios que norteiam a Justiça Restaurativa” (CERQUEIRA, 2018, p. 8). As técnicas
podem ser mescladas e implicam encontros entre vítima, infrator e comunidade.
O processo vítima-infrator, quando indicado, trabalha com as partes em separado e,
quando consentido, acontece em um encontro que promove diálogo entre elas. É organizado e
conduzido por um facilitador habilitado, que orienta o processo de maneira harmônica.
Nas conferências familiares amplia-se a participação dos envolvidos, incluindo familiares
ou outras pessoas significativamente envolvidas. Por sua vez, nas abordagens circulares há a
Prisão e política penitenciária 107

possibilidade de realizar o encontro entre vítima e infrator, mas não imediatamente, pois primeiro
há uma preparação das partes. O círculo restaurativo e o pós-círculo ocorrem posteriormente a
essas metodologias. Em cada fase todas as partes envolvidas são chamadas a participar (GOMIDE;
SANTOS, 2014).
Quando falamos em círculos restaurativos nos referimos a conversas em uma reunião em
formato de círculo, para resolver de modo não violento os conflitos, permitindo a participação de
todos os envolvidos, direta ou indiretamente, neles, com o objetivo de reparar danos e restaurar a
segurança e dignidade (PIEDADE; SILVA, 2015). Ainda, segundo Pranis (2010) citado por Piedade
e Silva (2015),
“os círculos restaurativos superam outras ferramentas mediativas para
transformação de conflitos. Pois, o fazem com o objetivo de dar suporte às
partes, construindo espaços para suas demandas pessoais”, isto é, os círculos
restaurativos objetivam ir além do acordo, preocupam-se também em construir
um ambiente onde todos possam expressar suas necessidades.
Com isso, vemos que o foco dos círculos restaurativos é, realmente, a participação de
todos os envolvidos no conflito, o que reafirma o objetivo da Justiça Restaurativa de promover
a participação de vítima, de quem cometeu a infração e da comunidade na tomada de decisões
quando ocorre um delito.
Além disso, nesses encontros, o formato espacial do círculo é utilizado por simbolizar
liderança partilhada, igualdade, conexão e inclusão, além de promover foco, responsabilidade e
participação de todos (PRANIS apud TJPR, 2019). Nesse contexto, convém salientar que os círculos
restaurativos têm propósitos distintos, apresentando diversas modalidades. A seguir, explicamos as
modalidades mais usadas.
Figura 6 – Modalidades de círculos restaurativos

Círculo de compreensão Círculo de apoio

Objetiva promover o diálogo, essencial para o Objetiva reunir pessoas empenhadas e efetivamente
entendimento, pois compreender é colocar-se no lugar do capazes de oferecer apoio àqueles que cometeram o
outro para entender toda a situação e seus arredores. crime, para que não voltem a delinquir.

Círculo de restabelecimento Círculo de construção do senso comunitário


Objetiva instituir conexões e construir relacionamentos
Objetiva partilhar sentimentos relativos à aflição, dor e dentro de um grupo de pessoas com interesses em
perda do outro, no sentido de oferecer ajuda emocional e comum. Promove a inclusão e a participação nos
psicologicamente. processos decisórios, para contribuir ao desenvolvimento
da comunidade.

Círculo de reintegração Círculo de resolução de conflitos

Objetiva possibilitar o encontro do ofensor com a


comunidade, de modo a indicar um plano de ação, visando Objetiva reunir as partes para que entrem em comum
sua (re)integração no seu ambiente local. Utilizado, acordo. Esse círculo não prediz o tratamento ou a solução
por exemplo, no retorno de adolescentes e adultos às do conflito; caminha no sentido de se criar estratégias, via
suas comunidades após o cumprimento de medidas de regra, para um acordo na gestão do conflito.
socioeducativas ou em estabelecimento prisional.

Fonte: Adaptado de Piedade; Silva, 2015.


108 Controle social e segurança

Assim, podemos ver que as modalidades de círculos restaurativos são aplicadas de acordo
com a necessidade gerada pelo conflito, de modo a visar à sua solução, evitando transformá-lo em
um processo judicial. Busca, portanto, a reparação dos danos, responsabilização de quem cometeu
a infração e restauração dos vínculos comunitários.
No que se refere aos círculos restaurativos, ainda, observa-se que sua aplicação é constituída
por etapas, e que, segundo Piedade e Silva (2015), “cada etapa é orientada à formulação de perguntas
que devem ser feitas oral ou verbalmente numa linguagem clara e acessível. É imprescindível a
participação do facilitador para orientar o processo”. A seguir, vemos as referidas etapas.
Quadro 6 – Etapas dos círculos restaurativos

Etapas Descrição
Nesta primeira etapa do processo, o facilitador prepara as pessoas para o
círculo, tendo definido quem serão os participantes, o local, a data e o horário
do círculo. É nesta etapa que o facilitador explica a cada participante o
Pré-círculo passo a passo, especificando quais procedimentos serão adotados e que a
modalidade circular não é um processo judicializado. Isso implica dizer que
é nesta etapa que vítima e ofensor serão convidados para o encontro, e o
facilitador elaborará um resumo sobre eles.

Caracteriza-se pela reunião das partes envolvidas no conflito com seus


convidados. O facilitador acolhe os participantes, organizados em círculos,
solicitando que se apresentem sem agregar a si mesmos condições. Neste
encontro:

Círculo restaurativo • Utiliza-se linguagem não violenta.


• Perguntas desenvolvidas visam à compreensão mútua, ouvindo e
respeitando as necessidades de todos os participantes.
• Deve haver a autorresponsabilização do transgressor.
• Em um último momento, opera-se a concretização do acordo.

É um novo encontro, estabelecido ao final do círculo, geralmente trinta dias


após o acordo. Essa etapa é construída para verificar se o acordo está sendo
Pós-círculo efetivamente cumprido; se o resultado foi satisfatório para todos. Tem como
objetivo geral verificar o grau de restauratividade do procedimento para todos
os envolvidos.
Fonte: Adaptado de Piedade; Silva, 2015.

Dessa forma, compreendemos o processo circular em suas etapas: como se inicia, se


desenvolve e é concluído. Todo esse processo visa à resolução do conflito de modo voluntário pelas
partes envolvidas, sem a necessidade de judicializá-lo, mas buscando uma solução que atenda aos
anseios de seus atores e à responsabilização de quem cometeu a infração.
Quanto às medidas socioeducativas, vislumbra-se a possibilidade de aplicar a Justiça
Restaurativa tanto antes de sua imposição quanto no decorrer de seu cumprimento. Desse
modo, estão de acordo com os princípios restaurativos as medidas cumpridas em meio aberto
que têm finalidade pedagógica, principalmente as medidas de obrigação de reparar o dano
e de prestação de serviços à comunidade. Esta última pode ser acordada e, desde que de
maneira gratuita, cumprida em entidades sociais ou outros locais lícitos – sua aplicação ajuda
Prisão e política penitenciária 109

no fortalecimento dos vínculos e na reconciliação entre o adolescente em conflito com a lei e


a comunidade em que presta os serviços.
A medida socioeducativa de liberdade assistida, em que o orientador promove o
acompanhamento do adolescente em conflito com a lei, também pode resgatar as relações deste
com sua família e comunidade, viabilizando a sua inserção social e o abandono da delinquência
(BARBOSA; VELOSO; LEITE, 2017, p. 36).
O ECA regulamenta também o instituto da remissão, o qual já citamos no Quadro 6, a
respeito das leis que aplicam a metodologia da Justiça Restaurativa. Coerente com o contexto de
desjudicialização do atendimento de infrações penais leves e médias, a respeito da remissão,
a lei brasileira permite que o processo judicial seja excluído, suspenso ou
extinto caso ocorra a composição do conflito de forma amigável, ainda que
importando em que o jovem infrator assuma o compromisso de cumprir
medida socioeducativa (ECA, art. 112) desde que não privativa da liberdade.
[...]
Com a remissão a tramitação do processo pode ser judicialmente dispensada
havendo acordo em que as partes (adolescente, vítima e familiares) optem por
dispensar o procedimento de culpabilização formal, mesmo que a solução
implique a aplicação de uma medida que pode ser uma advertência formal, ou
arcar com a reparação do dano, ou prestar serviços à comunidade ou, ainda,
submeter-se a um regime de liberdade assistida.
Qualquer dessas medidas socioeducativas pode ainda, inclusive em caso do
acordo da remissão, ser cumulada com medidas protetivas (art. 101) acessórias
como, para exemplificar: tratamento da drogadição, frequência e aproveitamento
escolar, atendimentos terapêuticos, etc. O leque de opções legais que podem ser
descortinadas num eventual acordo restaurativo se completa com a possibilidade
de também os pais e/ou responsáveis pelo adolescente assumirem compromissos
de se submeterem a medidas formais (art. 129) como participação em cursos de
orientação, obrigação de zelar pela frequência e aproveitamento escolar do filho,
terapias individuais ou familiares etc.
O acordo pode ocorrer antes do processo (forma de exclusão) ou durante (forma
de suspensão ou extinção) e sempre será firmado tendo como partes as partes
do processo, ou seja, o adolescente, seus responsáveis, assistidos por advogado,
de um lado, e o Ministério Público, de outro. (BRANCHER, 2019, p. 20)
Como vimos, a remissão é um mecanismo de exclusão, suspensão ou extinção do processo
referente à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes, e pode ser usada antes do processo,
por proposta do Ministério Público, ou durante o processo pelo juiz de direito. Ainda, a internação
em estabelecimento socioeducativo pode ser utilizada como meio para viabilizar práticas
restaurativas, desde que seja promovida a participação do adolescente em conflito com a lei, de
seus familiares e da vítima em uma efetiva reparação dos danos e responsabilização consciente do
ato infrator (JESUS, 2008).
Podemos compreender, portanto, que a remissão é “um importante instituto que viabiliza
a aplicação de práticas restaurativas em momento incipiente ou no curso do processo, mas antes
da prolação da sentença, evitando-se sempre que possível, a estigmatização do adolescente e a
imposição precipitada de medida socioeducativa” (CERQUEIRA, 2018, p. 10).
110 Controle social e segurança

A seguir, veremos no Quadro 7 cada um desses institutos propostos pelo ECA.


Quadro 7 – Artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente

Instituto Descrição
“Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão
do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem
como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária
importará na suspensão ou extinção do processo.
Remissão Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da
responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente
a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de
semiliberdade e a internação.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer
tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do
Ministério Público.”

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
Medidas V - inserção em regime de semiliberdade;
socioeducativas VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às suas condições.”

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção
da família, da criança e do adolescente;
Medidas protetivas
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.”

(Continua)
Prisão e política penitenciária 111

Instituto Descrição
“Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e
promoção da família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
Medidas
pertinentes V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento
aos pais ou escolar;
responsável VI - obrigação de encaminhar a criança ou o adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do poder familiar.
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo,
observar‑se-á o disposto nos arts. 23 e 24.”
Fonte: Brasil, 1990.

Ainda, fortalecendo a aplicação da Justiça Restaurativa, conforme vimos, o Congresso


Nacional editou a Lei n. 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase) e regulamentou a execução das medidas destinadas aos adolescentes
autores de ato infracional. O artigo 35, inciso III, da referida lei estabelece ser princípio da
execução da medida socioeducativa a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas
e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”. Aqui também é possível perceber
uma orientação coerente com os métodos restaurativos destinados a esse público, considerando a
peculiar condição de seu desenvolvimento (LARA, 2013).
Ao longo desta seção, vimos que o Estatuto da Criança e do Adolescente, guardião dos
direitos desses sujeitos em desenvolvimento, dispõe em diversos institutos a aplicação da Justiça
Restaurativa, como a remissão e a reparação dos danos. Ainda, a referida aplicação busca
implementar o princípio da proteção integral por considerar o adolescente em seus direitos e ter
uma visão direcionada às partes que compõem o conflito penal (vítima, infrator e comunidade).
A Justiça Restaurativa nesses moldes, portanto, objetiva chegar a um acordo que responsabilize
o adolescente em conflito com a lei e lhe dê a oportunidade de conhecer o impacto de seus atos
sobre a vida da vítima, dos integrantes de sua família e dos demais membros da comunidade. Isso
ouvindo todas as partes dentro de suas necessidades, e fazendo reinar o princípio da dignidade da
pessoa humana.

Considerações finais
Ao encerrar este capítulo, você está capacitado a continuar seus estudos com as ferramentas
básicas para aprofundar conceitos no campo da criminologia e da Justiça Restaurativa. Essas áreas,
amplas e instigantes, investigam as partes envolvidas no delito, desde o delinquente e a vítima até o
controle social e o meio em que todos estão inseridos.
112 Controle social e segurança

Na Justiça Restaurativa, vimos que a solução do conflito criminal inclui a participação da


vítima, de quem cometeu a infração e da comunidade, visando reparar os danos causados e garantir
a responsabilização.
Em relação ao adolescente em conflito com a lei, a Justiça Restaurativa se mostra como um
novo mecanismo para apurar a infração utilizando técnicas que criam harmonia e visam chegar a
um acordo entre vítima, adolescente e comunidade.
Com este capítulo, você pôde aprofundar seus conhecimentos e contribuir para o
desenvolvimento dos institutos estudados, pois o tema carece de uma maior aplicabilidade na
sociedade e no sistema jurídico.

Ampliando seus conhecimentos


• LOMBROSO, C. O homem delinquente. São Paulo: Ícone, 2007.
Essa obra contribuirá com seus estudos sinalizando e acrescentando pontos importantes,
como a antropologia criminal.

• TEORIAS Sociológicas da Criminalidade – Parte 1. 2018. 1 vídeo (29 min.). Publicado


pelo canal ESMIX. Disponível em: youtube.com/watch?v=xdGwMRVNXns. Acesso em:
19 nov. 2019.
Sugerimos que assista ao vídeo que aborda as teorias sociológicas da criminalidade, o que
permitirá o aprofundamento de seus estudos.

Atividades
1. Segundo Shecaira (2013) quais são os objetos de estudo da criminologia?

2. Qual a definição de criminologia conforme Shecaira (2013)?

3. Ao relembrar o que estudamos sobre a Justiça Restaurativa e destacar os aspectos mais


importantes, como podemos resumir seu conceito?

Referências
ABREU, N. G. M. Teorias Macrossociológicas da Criminalidade. Confluências: Revista Interdisciplinar de
Sociologia e Direito, v. 20, n. 3, p. 99-118, dez. 2018. Disponível em: http://periodicos.uff.br/confluencias/
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ALVES, L. B. M. Brevíssimas considerações sobre a possibilidade de cumulação da remissão pré-processual


com medida socioeducativa. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais, Belo
Horizonte, n. 10, p. 267-280, jan./jun. 2008. Disponível em: https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/
handle/123456789/202/brevissimas%20considera%C3%A7oes_Alves.pdf?sequence=1. Acesso em: 21 nov.
2019.
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ALVES, M. M. Justiça restaurativa: novo método de solução de conflitos. Boletim Jurídico, Uberaba, n. 1033,
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BARBOSA, E. V. P.; VELOSO, C. S. M.; LEITE, P. H. C. A justiça restaurativa como solução de conflitos no
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5
Prevenção do crime e policiamento comunitário

Neste capítulo, somos convidados a explorar os conceitos de polícia por meio dos estudos
de autores que se debruçaram sobre o tema. Vamos entender, também, que “fazer policiamento” é
uma atividade que engloba várias ações.
Entenderemos, ainda, que a participação da comunidade nas ações de Polícia Comunitária,
que se configura como uma filosofia moderna de atuação dos órgãos policiais em parceria com a
comunidade, selando um verdadeiro pacto em prol da segurança e contra a violência, é um convite
constante a todos nós.
Por fim, vamos visitar alguns escritos sobre Políticas Públicas e sua avaliação, e, também,
refletir sobre o tema Segurança Pública e como as políticas a ela relacionadas estão sendo tratadas
na Lei n. 13.675/2018.

5.1 Polícia e policiamento


Ao refletir sobre o conceito de polícia, Bayley (2002) afirma que, de modo geral, a polícia
somente é percebida quando surgem problemas. Estes, conforme menciona Karpinski (2013,
p. 21), são “assaltos, sequestros, invasões, e nos momentos de fragilidade humana, em que pese,
ser notícia midiática apenas em grandes eventos quando a força teve que ser usada e supostamente
em demasia”.
O autor disserta, ainda, que:
A Polícia é solicitada, lembrada e conhecida nos momentos de amargura,
marcadamente e, [...], podemos aduzir que a Polícia é mais bem aceita, ou
tolerada, nas comunidades pobres, onde o poder institucional estatal não
se instalou, o poder aquisitivo é inexistente e o policial é a única autoridade
disponível. (KARPINSKI, 2013, p. 21)

Quando não ocorrem violações ao patrimônio, seja ele público ou privado, e quando as
elites sociais não são perturbadas, a polícia é esquecida, restando o descaso em relação ao assunto
(KARPINSKI, 2013). Nesse sentido, é válida a estrutura proposta por Bayley (apud KARPINSKI,
2013, p. 22), ao elencar quatro fatores que levam esse tema a ser pouco discutido:
a. A polícia raramente desempenha papel importante nos grandes eventos
históricos. Suas atividades são rotineiras demais.
b. Policiamento não é uma atividade glamorosa, de alto prestígio. Os trabalhos
são conduzidos por pessoas comuns, é difícil associar pessoas interessantes
ao serviço policial.
c. O policiamento é repugnante moralmente. A coerção, controle e opressão
são necessários, mas não são agradáveis.
d. Aqueles que se propõem a estudar a polícia devem estar dispostos a
enfrentar problemas práticos, como a dificuldade de acesso a dados e à
própria instituição.
118 Controle social e segurança

Podemos também acrescentar que a polícia é entendida de acordo com o contexto social
em que está inserida, de modo que, apesar de ter a mesma essência, ela tem suas características
de acordo com cada localidade e cultura. Há pontos convergentes em nosso país, no entanto, que
levam todos os órgãos policiais a aceitarem uma definição consensual para polícia, a saber: “é uma
instituição pública, legitimada através do governo para em nome da coletividade manter a ordem
pública e, em casos de desarmonia social, usar a força necessária para reconduzir à tranquilidade
pública” (KARPINSKI, 2013, p. 22). Nesse sentido, ainda, Bayley (2002, p. 229) define polícia como
“o grupo de pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro de uma
comunidade, através da aplicação da força física”.
Contudo, o conceito de polícia está de fato ligado às definições de cidadania e direitos humanos.
Há, sim, a necessidade de certa fusão entre esses elementos, o que torna necessário aos policiais
e demais profissionais de segurança pública saberem e serem lembrados disso a todo momento.
Coerente com essa perspectiva, por fim, Karpinski (2013, p. 23) afirma que polícia é “como uma
instituição pública legitimada, prestadora de serviços em prol da cidadania, da defesa e valorização
dos direitos humanos dos quais não pode se dissociar, sob pena de não ser mais desejada”.
Se partirmos para uma análise da própria palavra polícia, descobriremos que sua origem
provém do grego, politeia, que, à época, “servia para designar a totalidade das atividades estatais na
organização da pólis” (BEZNOS apud HIPÓLITO; TASCA, 2012, p. 74). Em seu significado amplo,
segundo Hipólito e Tasca (2012), a palavra polícia tem três acepções1:
1ª Conjunto de normas impostas pela autoridade pública aos cidadãos.
2ª Conjunto de atos de execução dos regulamentos assim feitos, bem como das leis.
3ª Forças públicas encarregadas da execução das leis e regulamentos, isto é, agentes
públicos cuja atividade resulta na ordem pública.
Certamente, a acepção que mais se aproxima da definição corriqueira de polícia, e a que é
melhor compreendida no cotidiano, é a terceira, devido ao fato de envolver agentes públicos. Já as
duas acepções anteriores, ao abordarem normas e regulamentos, mantêm maior afinidade com a
linguagem jurídica. Outro conceito pode ser colhido na definição que lhe atribuem Lazzarini et al.
(1999, p. 12), segundo a qual polícia
é um vocábulo que designa o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado,
para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam
vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde
pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros
direitos individuais.
Ainda, corroborando com essa interpretação, Valla (2012, p. 8) leciona:
Assim, numa primeira tentativa, tem-se o vocábulo polícia como sinônimo
de regras de polícia, isto é, o conjunto de normas impostas pela autoridade
pública aos cidadãos, seja no conjunto da vida normal diária, seja no exercício
de atividade específica. Como efeito, no sentido mais amplo do termo, toda

1 Entende-se por acepções o sentido da palavra e como ela é empregada. Então, nessas acepções apresentadas,
temos três sentidos de emprego da palavra polícia, segundo Hipólito e Tasca (2012).
Prevenção do crime e policiamento comunitário 119

a regra de direito, a exemplo do Código Penal ou do Código de Trânsito


Brasileiro, poderá ser compreendida como regra de polícia. Numa segunda
acepção, denomina-se polícia o conjunto de atos de execução das leis e
regulamentos mediante ações preventivas ou repressivas. Aqui se distingue a
polícia administrativa da polícia judiciária. Já numa terceira acepção, polícia
é o nome reservado às forças policiais encarregadas da fiscalização das leis e
regulamentos, ou seja, ao agente público investido em cargo ou função voltado
para a preservação da ordem pública.
Assim, Valla (2012, p. 8, grifos do original) aponta três elementos na definição de polícia:
1. O Estado: na qualidade de elemento subjetivo é a fonte de onde provém
todo o aparato jurídico, orgânico e instrumental destinado à preservação
da ordem.
2. A noção de finalidade: como elemento teleológico, cujo intuito é a
preservação da ordem, da segurança individual ou coletiva que possa
perturbar a vida em sociedade.
3. O conjunto de restrições: elemento objetivo manifestado pelas limitações
legais à iniciativa de expansão individual e coletiva que possa perturbar a
vida em sociedade.
Cretella Júnior (apud VALLA, 2012, p. 8), por sua vez, elenca os elementos presentes nesse
conceito: o Estado como detentor único do poder de polícia; a tranquilidade pública, condição
indispensável para que os agrupamentos humanos progridam; as restrições jurídicas à liberdade
necessárias para que a ação abusiva de um não cause embaraços à ação de outro.
E é somente com base nessas percepções que Cretella Júnior (apud VALLA, 2012, p. 8) admite
a possibilidade de definir polícia da seguinte forma: “Conjunto de poderes coercitivos exercidos
pelo Estado sobre as atividades do cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades,
quando abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública”.
E o mais importante a se ressaltar, ainda nas palavras do autor, é que “o primeiro elemento,
de obrigatória presença na definição de polícia, é o da fonte de que provém o Estado, ficando,
pois, de lado qualquer proteção de natureza particular. Isso porque o exercício do poder de polícia
é indelegável, sob pena de falência virtual do Estado” (CRETELLA JÚNIOR apud VELLA, 2012,
p. 8, grifos do original).
Conclui-se, portanto, que polícia é uma atividade de Estado que somente poderá ser
executada por órgãos que o constituem, ou seja, pela Administração Pública e por agentes
devidamente investidos de cargos públicos específicos (VALLA, 2012).
Para arrematar a busca por uma conceituação, vale mencionar que, segundo Bittner (apud
VALLA, 2012, p. 9), polícia é “aquela organização que tem a legitimidade de intervir quando
alguma coisa que não devia estar acontecendo, está acontecendo, e alguém tem de fazer alguma
coisa agora!”.
Com base nessa reflexão, podemos entender um pouco o que a polícia faz. Rolim (2006,
p. 21) orienta que “quando falamos em ‘polícia’ evocamos, independentemente da variedade de
estruturas policiais existentes no mundo, uma estrutura pública e profissional voltada para as
funções de manutenção da ordem e Segurança Pública”.
120 Controle social e segurança

Da mesma forma que definir polícia não é tarefa fácil, ou simples, segundo Bayley (2002,
p. 118, grifos do original):
Podem ser usadas três maneiras bem distintas de descrever a atividade policial,
cada uma a partir de diferentes fontes de informação. O trabalho policial pode
se referir, primeiro, ao que a polícia é designada para fazer; segundo, a situações
com as quais ela tem que lidar; terceiro, às ações que ela deve tomar ao lidar com
as situações.

Assim, de acordo com Bayley (2002, p. 118), sob uma perspectiva organizacional, podemos
dizer que os policiais durante a atividade estão: “patrulhando, investigando, controlando o
tráfego, aconselhando e administrando”. Esse autor ensina, ainda, que o “trabalho policial
também é comumente descrito em termos de situações com as quais a polícia se envolve: crimes
em andamento, brigas domésticas, crianças perdidas, acidentes de automóvel, pessoas suspeitas,
supostos arrombamentos, distúrbios públicos e mortes não naturais” (BAYLEY, 2002, p. 119).
Nesses casos, o trabalho da polícia, conforme orienta o autor, é revelado com base naquilo
com a qual lida. Contudo, importa esclarecer que o trabalho policial pode ser descrito também
em termos relacionados à execução das atividades durante uma das possíveis situações elencadas,
podendo desdobrar-se em “prender, relatar, tranquilizar, advertir, prestar primeiros socorros,
aconselhar, mediar, interromper, ameaçar, citar e assim por diante. Nesse caso, o trabalho dos
policiais é o que os policiais fazem nas situações que encontram” (BAYLEY, 2002, p. 119).
Nesse viés, a atividade mais perceptível de polícia que podemos elencar é o policiamento,
que “remete à atividade específica de patrulhamento preventivo, levada a efeito pela presença
visível de policiais uniformizados ou fardados que costumam cobrir áreas geográficas definidas,
atendendo a uma estratégia centralizada” (ROLIM, 2006, p. 21).
Assim, deduzimos de nossos estudos que a polícia, sozinha, não poderá garantir a ordem
pública e a segurança da sociedade. Coerente com essa perspectiva, Dias Neto (BLASIUS, 2008,
p. 23) afirma que “a polícia não pode ser a única voz no coral da segurança”. Por isso, temos a
necessidade premente de que todos os cidadãos participem efetivamente das questões afetas ao
tema Segurança Pública, à luz do que prevê a Constituição Federal (BRASIL, 1988), que, em seu
artigo 144, afirma ser “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.
Corroborando com o entendimento de participação do cidadão nas decisões de Segurança
Pública, Blasius (2008, p. 23) nos orienta em relação à soma dos conceitos de polícia e de comunidade.
Para ele, “a Polícia Comunitária tornou-se uma necessidade e uma realidade que está enraizada nas
organizações policiais em todo mundo”.
Sobre isso, Trojanowicz e Bucqueroux (apud BLASIUS, 2008, p. 23) enfatizam:
Policiamento comunitário é uma filosofia e uma estratégia organizacional que
proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na
premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas
para identificar, priorizar, e resolver problemas contemporâneos tais como crime,
drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do
bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 121

Essa filosofia chamada Polícia Comunitária, mas ainda pouco explorada, pode ser
definida como moderna e inovadora, pois ela traz consigo a mensagem constitucional do dever e
envolvimento de todos em prol de um país mais seguro.
Conceitos como crime, medo do crime e os demais anteriormente elencados convidam os
cidadãos a se envolverem e trabalharem junto aos órgãos de Segurança Pública. Imbuída dessa
filosofia, a próxima seção propõe uma reflexão sobre a participação da comunidade no combate
ao crime e à violência.

5.2 Participação da comunidade


Abordar a participação da comunidade em questões de Segurança Pública não é possível
sem mencionar a Polícia Comunitária. Ao assinalarmos este ponto, já estamos nos referindo a essa
filosofia, apresentando os conceitos dos quais não se pode prescindir para compreendê-la.
A Polícia Comunitária é, a rigor, uma filosofia de trabalho, isto é, uma maneira de se fazer o
trabalho policial em parceria com a comunidade. Para melhor compreensão, apresentamos alguns
traços que caracterizam uma comunidade: forte solidariedade social; aproximação dos homens e
mulheres em frequentes relacionamentos interpessoais; discussão e soluções de problemas comuns;
sentido de organização possibilitando uma vida social durável. (SENASP, 2007, p. 38)
Aproximar o profissional de Segurança Pública da comunidade tornar-se, portanto, condição
sine qua non, se o objetivo é facilitar o combate à violência e ao crime. Destaca-se, nesse contexto,
que a comunidade é composta não apenas de seus moradores, mas também de profissionais que lá
atuam – médicos, mecânicos, advogados, comerciantes, motoristas, religiosos, professores, entre
outros. Todos eles integram a comunidade e podem colaborar, inclusive o policial e demais agentes
de Segurança Pública e privada.
No tocante à segurança do indivíduo, extraímos de Wilheim (apud SENASP, 2007, p. 38) que
ela envolve:
• Reconhecimento do seu papel na sociedade.
• A autoestima e a autossustentação.
• A clareza dos valores morais que lhe permitam distinguir o bem do mal.
• O sentimento de que não será perseguido por preconceito racial, religioso ou
de outra natureza.
• A expectativa de que não será vítima de agressão física, moral ou de seu
patrimônio.
• A possibilidade de viver num clima de solidariedade e de esperança.
Ao buscar esse clima de solidariedade e de uma polícia envolvida com os problemas locais,
Robert Peel2, idealizador da Polícia Comunitária, desenvolveu os ideais da Polícia Moderna e

2 “Político britânico nascido em Bury, conhecido como administrador competente e incorruptível, foi fundador do
Partido Conservador e criador da primeira força policial disciplinada de Londres. De origem rica, estudou em Oxford,
tornou-se membro do Parlamento (1809) e teve seu primeiro cargo executivo quando nomeado secretário da Irlanda
(1812). Depois foi Ministro do Interior (1821-1834), quando promoveu uma ampla reforma do código penal, promulgou a
emancipação da Irlanda (1829), reorganizou e ampliou a polícia londrina. Foi primeiro-ministro (1834-1835, 1841-1846),
onde desenvolveu medidas administrativas de grande repercussão, como a criação do imposto de renda e a abolição das
corn laws, leis que restringiam a importação de milho e outros cereais. Essas duas medidas provocaram forte reação dos
partidos de oposição e a queda de seu gabinete (1846). Decepcionado, renunciou ao cargo, abandonou o Parlamento e
morreu em Londres, poucos anos depois” (BONDARUK; SOUZA, 2012, p. 43, grifos do original).
122 Controle social e segurança

enfatizou: “os policiais são pessoas públicas que são remunerados para dar atenção integral ao
cidadão no interesse do bem-estar da comunidade” (SENASP, 2007, p. 127). Ele, quando ministro,
apresentou um novo conceito para a polícia inglesa, fundado em três objetivos, conforme vemos
em Bondaruk e Souza (2012):
1. Restabelecer a fé do público.
2. Proteger o inocente.
3. Sustentar a lei.
Essa ideia coloca a proteção do cidadão acima do próprio dever de cumprir a lei. E foi com
base nessa convicção que Peel criou os nove princípios que norteiam as corporações policiais no
serviço à comunidade. São eles:
1. O princípio básico pelo qual a polícia deve existir é impedir o crime e a
desordem.
2. A habilidade da polícia de executar seus deveres depende da aprovação
pública das ações policiais.
3. A polícia deve assegurar a voluntária cooperação do público na observância
da lei para poder assegurar e manter o respeito do público.
4. O grau de cooperação do público que pode ser assegurado diminui
proporcionalmente a necessidade do uso de força física.
5. A polícia busca e preserva o favor público, não cativando a opinião pública,
mas constantemente demonstrando o serviço imparcial e absoluto.
6. A polícia usa a força física na necessidade de assegurar o cumprimento da lei
ou restaurar a ordem somente quando o exercício da persuasão, do conselho
e do aviso é insuficiente.
7. A polícia em todos os momentos deve manter um relacionamento com o
público que dê a realidade à tradição histórica de que a polícia é o povo e o
povo é a polícia; a polícia é somente os membros do povo que são pagos para
dar atenção todo o tempo aos deveres que são encarregados a cada cidadão,
nos interesses do bem-estar da comunidade e do próprio ser.
8. A polícia deve sempre dirigir sua ação estritamente para suas funções e
nunca parecer usurpar as funções do judiciário.
9. O teste de eficiência da polícia é a ausência do crime e da desordem, não a
evidência visível da ação policial. (BONDARUK; SOUZA2012, p. 17)
Podemos afirmar, assim, que da parceria entre policiais e demais integrantes da comunidade
surge o Policiamento Comunitário. Este é compreendido como “uma filosofia de patrulhamento
personalizado de serviço completo, onde o mesmo policial trabalha na mesma área, agindo numa
parceria preventiva com os cidadãos, para identificar e resolver problemas” (SENASP, 2007, p. 42).
As diferenças entre o Policiamento Tradicional e o Policiamento Comunitário podem ser
melhor compreendidas quando eles são comparados lado a lado. Vejamos o Quadro 1 a seguir.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 123

Quadro 1 – Comparativo: Policiamento Tradicional e Policiamento Comunitário

Policiamento Tradicional Policiamento Comunitário

Policial trabalha em vários bairros Policial trabalha sempre no mesmo bairro

Policial é anônimo Policial é conhecido da comunidade

Baixo grau de participação da comunidade Alto grau de participação da comunidade

A polícia é reativa A polícia é proativa

Policial é um mero executor Policial é o chefe de polícia local

A iniciativa das ações é centralizada A iniciativa das ações é descentralizada

Ênfase às unidades especializadas Ênfase às unidades de área

Menor nível de motivação para o policial Maior nível de motivação para o policial

Autoridade imposta Cooperação e pensamento criativo

Informações de alcaguetes Informações de cidadãos engajados

Policiamento pela intimidação Estabelecimento de laços de confiança

Chegada após a ocorrência Solução dos problemas por integração ativa

Trabalha a quantidade e a generalização dos números Qualidade e resultados direcionados

A polícia elabora e indica as necessidades A comunidade indica suas necessidades

Carência quanto à redução do crime Redução do medo do crime

Fonte: Bondaruk; Souza, 2012, p. 54.

Para que haja a efetividade das ações na comunidade, é preciso que esta esteja integrada
nas ações em prol do bem comum. Nesse contexto, é válido considerar o que Trojanowicz (apud
SENASP, 2007, p. 95) denominou de os “Seis grandes”: os órgãos que compõem a comunidade.
Vejamos quais são eles:
1. Organização policial.
2. Comunidade.
3. Autoridades constituídas e organismos governamentais.
4. Comunidade de negócios.
5. Instituições comunitárias.
6. Veículos de comunicação.
Com a participação dos “Seis grandes”, o sucesso da Polícia Comunitária na localidade
onde for implementada tem maiores possibilidades de alcançar resultados melhores e duradouros.
Afinal, é a união da comunidade que fundamenta todo o processo.
124 Controle social e segurança

Para maior promoção da integração da comunidade em busca de soluções aos problemas


dela, em especial àqueles relacionados à Segurança Pública, surgiram os Conselhos Comunitários
de Segurança Pública (CONSEGs). De acordo com o Manual de Promotor de Polícia Comunitária
(SENASP, 2007, p. 295), o Conselho Comunitário de Segurança Pública é:
• Entidade de direito privado.
• Independente em relação aos segmentos de Segurança Pública ou qualquer
outro órgão público.
• Na modalidade de associação comunitária de utilidade pública.
• Sem fins lucrativos.
• Constituído no exercício do direto de associação garantido no artigo 5º, XVII
da Constituição Federal.
• Tem por objetivos mobilizar e congregar forças da comunidade para a
discussão de problemas locais da Segurança Pública, no contexto municipal
ou em subdivisão territorial de um Município.
O Conselho é, portanto, o meio para incentivar e organizar o voluntariado local ao debate
e à promoção da solidariedade, assim como se constitui em meio para criar redes de proteção
(atitudes e cuidados que reduzem a ação de infratores da lei) (SENASP, 2007). As finalidades de um
Conselho Comunitário de Segurança Pública, tendo em vista essa definição, são:
• Canalizar as aspirações da comunidade, de forma que os integrantes das Polícias
Estaduais e dos demais órgãos e entidades do sistema de segurança pública
e/ou defesa social possam maximizar sua atuação em defesa da comunidade.
• Congregar as lideranças comunitárias afins, conjuntamente com as
autoridades locais, no sentido de planejar ações integradas de segurança que
resultem na melhoria da qualidade de vida da comunidade e na valorização
dos integrantes do sistema de segurança pública e defesa social.
• Desenvolver um trabalho auxiliar de combate às causas da violência, através
de atividades que despertem em cada cidadão o sentimento subjetivo de
segurança e o espírito de cooperação e solidariedade recíproca em benefício
da ordem pública e do convívio social.
• Desenvolver e fortalecer, junto aos seus moradores, os princípios da amizade,
união e solidariedade humana, estimulando a troca de experiências e a
realização de ações de defesa social comuns entre esta comunidade e outros
bairros.
• Estimular o espírito cívico e comunitário na área dos respectivos Conselhos
Comunitários de Segurança.
• Promover e implantar programas de orientação e divulgação de ações de
autodefesa nas comunidades, inclusive estabelecendo parcerias, visando à
realização de projetos e campanhas educativas de interesse da Segurança
Pública.
• Promover eventos comunitários que fortaleçam os vínculos da comunidade
com sua polícia e o valor da integração de esforços na prevenção de infrações
e acidentes.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 125

• Colaborar com iniciativas de outros órgãos que visem ao bem-estar da


comunidade, desde que não colidam com o disposto na legislação.
• Desenvolver e implantar sistemas para coleta, análise e utilização de avaliação
dos serviços atendidos pelos órgãos policiais, bem como reclamações e
sugestões do público.
• Propor às autoridades competentes a adoção de medidas que tragam melhores
condições de vida à família policial e de trabalho aos policiais e integrantes
dos demais órgãos que prestam serviço à causa da segurança pública.
• Colaborar com as ações de Defesa Civil, quando solicitado, prestando o
apoio necessário nas suas respectivas circunscrições.
• Propor às autoridades policiais a definição de prioridades na segurança
pública, na área circunscricional do Conselho Comunitário de Segurança.
• Articular a comunidade visando à solução de problemas ambientais e sociais
que tragam implicações policiais.
• Estreitar a interação entre as unidades operacionais das polícias, com vistas
ao saneamento dos problemas comunitários em suas circunscrições.
• Estudar, discutir e elaborar sugestões e encaminhamentos para as Políticas
Públicas de segurança.
• Funcionar como fórum para prestação de contas por parte da polícia quanto
à sua atuação local.
• Realizar estudos e pesquisas com o fim de proporcionar o aumento da
segurança na comunidade e maior eficiência dos órgãos integrantes da
segurança pública e defesa social, inclusive mediante convênios ou parcerias
com instituições públicas e privadas.
• Sugerir programas motivacionais, visando à maior produtividade dos
agentes de segurança pública e defesa social da área, reforçando sua
autoestima e contribuindo para reduzir os índices de criminalidade.
(SENASP, 2007, p. 301)
Para fazer cumprir essas finalidades, quem participa do CONSEG? Ora, como vimos,
os “Seis grandes” que compõem a comunidade: organização policial; comunidade; autoridades
constituídas e organismos governamentais; comunidade de negócios; instituições comunitárias
e veículos de comunicação. A participação e o envolvimento de todos os segmentos trarão os
resultados desejados para a solução dos problemas de Segurança Pública e seus desdobramentos
sociais.
Por fim, em relação à participação da comunidade, Bondaruk e Souza (2012, p. 133)
ressaltam que:
• A Polícia Comunitária transfere o poder à comunidade para auxiliar na
prestação dos serviços policiais.
• A Polícia Comunitária requer que a comunidade forneça insumos para as
gestões que afetam sua finalidade de vida.
• A comunidade, com poder, compartilha a responsabilidade de melhorar.
• O senso de parceria com a comunidade é criado e fortalecido.
• Uma comunidade com mais poder, trabalhando em conjunto com uma
polícia com mais poder, resulta numa situação em que o todo é maior do que
a soma das partes.
126 Controle social e segurança

Com a filosofia de fortalecimento da polícia trabalhando em conjunto com a comunidade,


dando o respectivo poder e delimitando de maneira segura a atuação do cidadão nas questões de
Segurança Pública, é possível obter maior êxito no combate ao crime e à violência, desde que as
ações sejam planejadas, difundidas e compartilhadas de modo adequado.

5.3 Avaliação de políticas em Segurança Pública


Vamos refletir sobre a afirmativa disposta no documento Avaliação de Políticas Públicas:
guia prático de análise ex ante (BRASIL, 2018a, p. 2): “Os governos não criam recursos, e sim
arrecadam da sociedade e os aplicam em suas Políticas Públicas. Esses recursos são, naturalmente,
escassos e devem ser utilizados da maneira mais eficiente possível”.
Essa afirmativa torna-se óbvia quando consideramos que os governos e governantes nada
produzem, e sim fazem a gestão dos recursos que o cidadão produz com seu trabalho. Tudo o que
é arrecadado, particularmente no tocante a quantias monetárias, é devido ao trabalho de cada um
dos contribuintes.
Nesse sentido, nada mais justo que toda a população participar das decisões tomadas em
relação aos investimentos feitos com o seu patrimônio, tendo ciência de como os recursos são
empregados para terem o retorno devido de seu trabalho.
Para avaliar as Políticas Públicas em Segurança Pública, deve-se saber, em primeiro lugar, que
elas se desenvolvem como todas as demais, a exemplo das Políticas Públicas de Saúde e Educação.
Todas são áreas de altíssima importância, contudo, quando o investimento do dinheiro público é
frágil em segurança, por exemplo, certamente as outras áreas da Administração Pública também
serão prejudicadas.
Assim, é com esse tipo de raciocínio que devemos seguir e nos guiar nas decisões relativas
às Políticas Públicas, para que sejam assertivas e bem aplicadas. No entanto, como é avaliado o
nascimento de uma Política Pública?
Se o intuito é implementar uma Política Pública, deve-se considerá-la, já em seu início, por
meio da análise ex ante, isto é, analisar antes aquilo que se pretende fazer. Esse exame determinará
se a Política Pública pretendida responde aos problemas que ela se propõe a solucionar.
O problema a ser enfrentado deve ser bem delimitado, com um objetivo claro, para que a
atuação do Estado seja efetivamente alcançada. Dessa maneira, pode-se potencializar o investimento
dos recursos públicos, que são tão caros, e proporcionar o bem-estar da sociedade, evitando-se
desperdícios e eliminando erros previstos (BRASIL, 2018a).
Prevenção do crime e policiamento comunitário 127

A figura a seguir, extraído do documento Avaliação de Políticas Públicas: guia prático de


análise ex ante (BRASIL, 2018a), demonstra as etapas metodológicas que devem ser seguidas para
orientar decisões sobre a alternativa mais adequada na elaboração de uma Política Pública.
Figura 1 – Etapas da análise ex ante

I Diagnóstico do problema

Caracterização da política: objetivos, ações, público-alvo


II e resultados esperados

III Desenho da política

IV Estratégia de construção de confiabilidade e credibilidade

V Estratégia de implementação

Estratégias de monitoramento, de avaliação e de


VI controle

VII Análise de custo-benefício

VIII Impacto orçamentário e financeiro

Fonte: Brasil, 2018a, p. 11.


128 Controle social e segurança

As etapas apresentadas no Figura 1 seguem um padrão internacional desenvolvido por meio


de estudos fundamentados em referências internacionais. Essas etapas têm como base, também, o
monitoramento da avaliação de Políticas Públicas realizado durante anos, perpassando pelo know
how revelado nas reuniões e discussões entre os envolvidos.
Na sequência, apresentamos outro demonstrativo, porém agora com referências
internacionais em relação às análises ex ante.
Figura 2 – Referências internacionais às etapas da análise ex ante

Existem basicamente dois modelos de execução das análises ex ante de Políticas Públicas
nos governos: as que são realizadas de forma centralizada em determinados órgãos; e as
que são desenvolvidas pelos próprios órgãos setoriais, com base em diretrizes emanadas
dos órgãos de centro de governo.

Exemplo do primeiro caso é o Chile, onde as análises ex ante são realizadas pelo
Departamento de Assistência Técnica, da Diretoria de Orçamentos (Dipres), vinculado
ao Ministério da Fazenda, e, de forma colaborativa, pelo Ministério de Desenvolvimento
Social, no caso de políticas classificadas como sociais. Nesse país, os ministérios setoriais
submetem propostas de criação, expansão e reformulação de Políticas Públicas, em um
sistema único e por determinado período. Esse processo unificado permite subsidiar as
decisões de priorização do governo conforme a qualidade técnica das propostas, entre
outros critérios.

No segundo caso, um exemplo é o Reino Unido, onde a execução das análises ex ante
cabe aos ministérios setoriais, os quais estão vinculados expressamente às orientações
emanadas do guia publicado pelo Tesouro Britânico, denominado Green Book. Esse livro
vincula a análise ex ante a todas as novas políticas, programas e projetos, incluídas as
políticas orçamentárias e as extraorçamentárias, as políticas sociais e as de infraestrutura
e de capital, as intervenções diretas do Estado e as ações de regulamentação. Nessa análise
vinculativa, há uma combinação de critérios econômicos, financeiros, sociais e ambientais
que devem ser observados pelos ministérios finalísticos.

Fonte: Brasil, 2018a, p. 15.

Para favorecer a clareza dos pontos quando da submissão de proposta que crie, expanda
ou aperfeiçoe Políticas Públicas, foi elaborado um checklist (BRASIL, 2018a), apresentado a
seguir, na Figura 3.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 129

Figura 3 – Checklist para a análise ex ante

1.1 Qual problema ou necessidade a proposta visa solucionar?


1.2 Quais são as causas que acarretam o problema?
1.3 Quais são as evidências da existência do problema na realidade
1. Diagnóstico do problema brasileira?
ou da situação que 1.4 Apresentar, se cabível, a comparação internacional do problema.
demanda providências 1.5 Quais as razões para que o Governo Federal intervenha no problema?
1.6 Apresentar breve levantamento de políticas anteriormente adotadas
para combater o mesmo problema e as razões pelas quais foram
descontinuadas, quando cabível.

2.1 Qual é o objetivo da proposta?


2.2 Quais são os resultados e os impactos esperados para a sociedade?
2.3 Quais são as ações a serem implantadas?
2. Identificação dos
2.4 Quais são as metas de entrega dos produtos?
objetivos, das ações
2.5 Apresentar a relação existente entre a(s) causa(s) do problema, as
e dos resultados
ações propostas e os resultados esperados.
esperados
2.6 Apresentar a existência de Políticas Públicas semelhantes já
implantadas no Brasil ou em outros países, reconhecidas como casos
de sucesso.

3.1 Quais são os agentes públicos e privados envolvidos e como atuarão na


proposta?
3.2 Apresentar possíveis articulações com outras políticas em curso no Brasil.
3.3 Apresentar possíveis impactos ambientais decorrentes da execução da
3. Desenho, estratégia proposta.
3.4 Apresentar estimativa do período de vigência da proposta.
de implementação e
3.5 Qual é o público-alvo que se quer atingir?
focalização
3.6 Apresentar características e estimativas da população elegível à Política
Pública.
3.7 Apresentar critérios de priorização da população elegível, definidos em
função da limitação orçamentária e financeira.
3.8 Descrever como será o processo de seleção dos beneficiários.

4.1 Apresentar análise dos custos da proposta para os entes públicos e os


particulares afetados.
4.2 Se a proposta de criação, expansão e aperfeiçoamento da ação governamental
implicar aumento de despesas ou renúncia de receitas e de benefícios de
natureza financeira e creditícia, apresentar:
1) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva
entrar em vigor e nos dois subsequentes;
2) se as medidas foram consideradas nas metas de resultados fiscais previstas
4. Impacto na lei de diretrizes orçamentárias;
orçamentário e 3) se as medidas de compensação, no período mencionado, foram
financeiro consideradas na proposta, ocasionando a renúncia de receitas e benefícios de
natureza financeira e creditícia;
4) demonstração da origem dos recursos para seu custeio quando se tratar de
despesa obrigatória de caráter continuado.
4.3 Apresentar declaração de que a medida tem adequação orçamentária e
financeira com a Lei Orçamentária Anual, compatibilidade com o Plano
Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
4.4 Quais são os potenciais riscos fiscais da proposta?

(Continua)
130 Controle social e segurança

5.1 O conjunto de cidadãos e cidadãs apoia a política proposta por confiar que
ela é relevante e que as instituições responsáveis irão levá-la a cabo?
5.2 Quais são as razões ou as evidências de que há envolvimento dos
interessados, que levem os agentes internos e externos à política a apoiarem
a sua execução e a estarem alinhados?
5. Estratégia de construção
5.3 Como os envolvidos participam ou se manifestam na elaboração da
de confiança e suporte
proposta?
5.4 A política proposta é uma prioridade das lideranças políticas? Já foram
identificadas as lideranças que podem endossá-la?
5.5 Quais seriam as possíveis oposições ativas para a execução dessa política?

6.1 A Política Pública poderia ser implementada a partir de projeto-piloto?


6.2 Como será realizado o monitoramento e quais serão os indicadores desse
monitoramento ao longo da execução da política?
6. Monitoramento, 6.3 Posteriormente, como será realizada a avaliação dos resultados da
avaliação e controle política?
6.4 Como se dará a transparência e a publicação das informações e dos dados
da política?
6.5 Quais serão os mecanismos de controle a serem adotados?

Fonte: Brasil, 2018a, p. 17-20.

A avaliação ex ante segue o objetivo de verificar a viabilidade de se implementar determinada


Política Pública e as análises introdutórias a serem realizadas antes de seu real início.
Seguindo essa lógica, e também de maneira introdutória, apresentamos na sequência a
ideia de análise ex post, ou seja, a análise realizada durante e posteriormente a implementação de
determinada Política Pública.
Para tanto, recorremos ao documento denominado Avaliação de Políticas Públicas: guia
prático de análise ex post (BRASIL, 2018b), cujo caráter orientativo não o vincula a qualquer
decisão. O guia segue as diretrizes de governança pública estabelecidas no artigo 4ª, incisos III e
VII, do Decreto n. 9.203/2017 (BRASIL, 2017):
III. monitorar o desempenho e avaliar a concepção, a implementação e os
resultados das políticas e das ações prioritárias para assegurar que as
diretrizes estratégicas sejam observadas;
IV. avaliar as propostas de criação, expansão ou aperfeiçoamento de políticas
públicas e de concessão de incentivos fiscais e aferir, sempre que possível,
seus custos e benefícios; [...]

Os processos de avaliação das políticas em execução servem para sua implementação ou seu
aperfeiçoamento, o que se denomina avaliação formativa. Segundo Ala-Harja e Helgason (apud
PESQUISA ENAP, 2001, p. 5), esses processos são geralmente adotados “durante a implementação
de um programa como meio de se adquirir mais conhecimento quanto a um processo de
aprendizagem para o qual se deseja contribuir e tem como propósito apoiar e melhorar a gestão, a
implementação e o desenvolvimento do programa”.
Os processos de avaliação também podem ser voltados para a tomada de decisão sobre sua
adoção ou expansão das políticas, o que se denomina avaliação somativa. As avaliações somativas
são “conduzidas frequentemente quando o programa já está implementado há algum tempo
(avaliação ex post) para o estudo de sua eficácia e o julgamento de seu valor geral e são tipicamente
Prevenção do crime e policiamento comunitário 131

utilizadas como meio de assistir à alocação de recursos ou na promoção de mais responsabilidade”


(ALA-HARJA; HELGASON apud PESQUISA ENAP, 2001, p. 5).
Devemos acrescentar que, em se tratando de avaliação, ela deve ser conduzida por alguém
ou um órgão isento, independente. Isso porque, baseada na reflexão crítica, quando necessário,
temos a avaliação na proposição de mudanças na condução da política pública. Por isso, esse
documento, enquanto guia prático de análise ex post (BRASIL, 2018b), “enfatiza que, ao final de
cada avaliação realizada, deve haver uma seção de recomendações aos tomadores de decisão, bem
como aos gestores e técnicos responsáveis pela Política Pública” (BRASIL, 2018b, p. 14).
Ainda, devemos atentar para outro ponto importante: o monitoramento. Ele é compreendido
como
um processo contínuo ao longo da implementação, realizado pelo próprio órgão
responsável pela Política Pública. Tem como objetivo controlar a entrega de
insumos, o calendário de trabalho e verificar se os produtos estão de acordo
com as metas. O monitoramento permite identificar problemas e falhas durante
a execução que prejudicam as ações, os processos ou os objetivos da política
pública e, assim, reúne condições para corrigir rumos ou ajustar os planos de
implementação. (BRASIL, 2018b, p. 15)

Vemos que o monitoramento é necessário, pois, caso não ocorra, há o risco de uma má
política – ou uma Política Pública mal implementada – trazer prejuízos à sociedade. Com o
monitoramento adequado, pode-se providenciar ajustes e até mesmo a suspensão em relação ao
que não se provar bom.
Figura 4 – Pontos relevantes para a execução da avaliação de Políticas Públicas

A abordagem da avaliação escolhida deve estar alinhada As políticas que apresentarem avaliações ruins, que não
ao ciclo de execução da Política Pública; como exemplo, passam pelo processo de validação da sociedade, incluídas
uma linha de avaliação de impacto só deve ser executada as críticas da comunidade acadêmica, dos pesquisadores e da
se a política já tiver alcançado tempo de execução imprensa, não deverão se prolongar por muito tempo. Esse
suficiente para que haja os resultados e os impactos fato destaca a importância de as avaliações executadas no
esperados, conforme o seu modelo lógico. sistema de avaliação do governo serem claras, transparentes
e públicas, o que fortalecerá a implementação de políticas
públicas efetivas e bem-desenhadas.

A experiência internacional mostra que utilizar


metodologias bem-aceitas e roteiros padronizados gera
resultados confiáveis e permite maior comparabilidade
entre as diferentes políticas públicas, por homogeneizar e
sistematizar a linguagem e as informações. A credibilidade
desses resultados é que contribui para a expansão, o
reinvestimento ou a economia de recursos nas Políticas
Públicas avaliadas.

Fonte: Brasil, 2018b, p. 15.

Os pontos elencados na Figura 4 chamam a atenção para a necessidade de boas condutas de


avaliação, utilizando inclusive modelos avaliativos já testados e suas metodologias.
132 Controle social e segurança

No tocante ao processo de avaliação de Políticas Públicas, o guia prático de análise ex post


(BRASIL, 2018b, p. 20) nos apresenta o seguinte passo a passo:

Seleção das Políticas Públicas a


1º serem avaliadas

2º Execução da avaliação

3º Apresentação dos resultados


e proposição de melhorias

4º Pactuação de melhorias a serem


feitas na Política Pública

5º Implementação de melhorias

6º Política Pública melhorada

Em relação às metodologias a serem aplicadas, cada caso concreto demanda uma


necessidade específica. Os guias práticos de análise (BRASIL, 2018a; 2018b) trazem ampla
orientação para seguir no percurso assertivo ex ante e ex post, garantindo o máximo possível
de aproveitamento de cada ação. No que tange à avaliação das Políticas Públicas de Segurança
Pública, e conforme podemos verificar, a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018c) foi cuidadosa
ao prever também essa possibilidade. O artigo 8º, por exemplo, prevê o Sistema Nacional de
Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (Sinaped).
Ainda, conforme o parágrafo único do artigo 23: “A primeira avaliação do Plano Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social realizar-se-á no segundo ano de vigência desta Lei, cabendo
ao Poder Legislativo Federal acompanhá-la” (BRASIL, 2018c).
Dentre as previsões elaboradas nesse texto legal, há também a previsão de participação da
comunidade na implementação e avaliação das Políticas Públicas de Segurança Pública. No artigo
24, inciso VIII, como não poderia ser diferente, vemos a responsabilidade dos agentes públicos de
promover o monitoramento e a avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social.
Pode-se dizer, então, que, a princípio, a construção, o monitoramento e a avaliação de
Políticas Públicas seguem o mesmo trajeto em todas as áreas. As peculiaridades de cada uma, por
sua vez, são reguladas por sua própria norma – a exemplo das Políticas Públicas de Segurança
Pública, aqui debatidas, regidas pela Lei n. 13.675/2018.

Considerações finais
Como podemos perceber, a construção do conhecimento perpassa por muitas informações.
Quando essas informações são descontextualizadas, não fazem o menor sentido, mas, quando elas
são organizadas por um processo sistemático, o crescimento é exponencial.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 133

Os conteúdos abordados neste capítulo, ao desnudarem elementos obscuros ao público


não especializado, contribuem fortemente para ganhos reais em termos de cultura, aprendizado,
satisfação pessoal e profissional. Ao ingressar nesses caminhos do saber, portanto, passamos a
integrar um rol de pessoas que trabalham por um bem maior, a vida.
Nessa perspectiva, controle social, segurança, Políticas Públicas e comunidade se entrelaçam
em uma filosofia que esperamos ver seguida, se não por todos, por muitos: a filosofia da paz.

Ampliando seus conhecimentos


• KARPINSKI, M. T. Arquitetura contra o crime: prevenção, segurança e sustentabilidade.
Curitiba: InterSaberes, 2016.
Além de reforçar a tese, aqui defendida, segundo a qual é importante e necessário envolver
a comunidade, a leitura desse livro pode ampliar seus conhecimentos sobre polícia,
policiamento e ações de Políticas Públicas em Segurança Pública.

• BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Curso Nacional de Multiplicador de


Polícia Comunitária. 5. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em: https://
www.tjmt.jus.br/INTRANET.ARQ/CMS/GrupoPaginas/105/988/Multiplicador_
Pol%C3%ADcia_Comunit%C3%A1ria.pdf. Acesso em: 16 nov. 2019.
Visando a favorecer seus conhecimentos no campo da filosofia de Polícia Comunitária,
sugerimos a leitura desse manual, que traz valiosas informações sobre a estruturação de
Conselhos Comunitários de Segurança e outras ferramentas para a gestão da Segurança
Pública, em parceria com a comunidade.

Atividades
1. Qual é a diferença entre polícia e policiamento?

2. O que é polícia comunitária? Explique.

3. O que significa análise ex ante?

Referências
BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. 2. ed. São Paulo: Edusp,
2002.

BLASIUS, L. A resiliência na formação do policial militar. 2008. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/
teses/M08_blasius.pdf. Acesso em: 11 dez. 2019.
134 Controle social e segurança

BONDARUK, R. L.; SOUZA, C. A. Polícia comunitária: polícia cidadã para um povo cidadão. 2. ed. Curitiba:
Associação da Vila Militar; Publicações Técnicas, 2012.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 ago.
2019.

BRASIL. Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 23 nov. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/
D9203.htm. Acesso em: 25 nov. 2019.

BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise
ex ante. Brasília, DF: Ipea, 2018a. v. 1. Disponível em: https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-
fiscalizacao/arquivos/guia-analise-ex-ante.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019.

BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise
ex post. Brasília, DF: Ipea, 2018b. v. 2. Disponível em: https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-
fiscalizacao/arquivos/guiaexpost.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019.

BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
12 jun. 2018c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm.
Acesso em: 25 nov. 2019.

HIPÓLITO, M. M; TASCA, J. E. Superando o mito do espantalho: uma polícia orientada para a resolução dos
problemas de segurança pública. Florianópolis: Insular, 2012.

KARPINSKI, M. T. Formação do oficial da polícia militar do Paraná. Curitiba, 2013. 127 p. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Disponível em: https://acervodigital.
ufpr.br/handle/1884/33832. Acesso em: 6 jun. 2019.

LAZZARINI, Á. et al. Direito administrativo da ordem pública. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

PESQUISA ENAP. O sistema de avaliação do Canadá. Brasília, DF: ENAP, 2001. Disponível em: http://antigo.
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ROLIM, M. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro:
Zahar; Oxford: University of Oxford, Centre for Brazilian Studies, 2006.

SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública. Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária.
Brasília: SENASP, 2007. Disponível em: http://www.conseg.pr.gov.br/arquivos/File/Livro_Curso_Nacional_
de_Promotor_de_Policia_Comunitaria.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019.

VALLA, W. O. Doutrina de emprego de Polícia Militar e Bombeiro Militar. 3. ed. Curitiba: Associação da Vila
Militar; Publicações Técnicas, 2012.
Gabarito

1 Controle social
1.

a) A conformidade é a “ação orientada para uma norma (ou normas) especial,


compreendida dentro dos limites de comportamento por ela permitido ou delimitado.
Dessa maneira, dois fatores são importantes na conceituação de conformidade: os
limites de comportamento permitido e determinadas normas que, consciente ou
inconscientemente, são partes da motivação da pessoa” (LAKATOS; MARCONI,
1999, p. 226).
b) O comportamento de desvio “é conceituado não apenas como um comportamento
que infringe uma norma por acaso, mas também como um comportamento que
infringe determinada norma para a qual a pessoa está orientada naquele momento,
o comportamento em desvio consiste, pois, em infração motivada” (LAKATOS;
MARCONI, 1999 p. 227).
2. A expressão controle social tem origem na sociologia, designando o conjunto de
mecanismos de intervenção que cada grupo usa como forma de garantir a conformidade
do comportamento dos indivíduos a seus padrões, princípios morais e regras, também
correspondendo à própria sociedade em que está inserido.

3. As instituições sociais possuem características que devem ser observadas no momento


de sua constituição, conforme ensinam Lakatos e Marconi (1999):

• Finalidade, função ou meta: satisfação das necessidades sociais.


• Conteúdo relativamente permanente: padrões, papéis e relações entre indivíduos da
mesma cultura.
• Estrutura: há coesão entre componentes, em virtude das combinações estruturais de
padrões de comportamento; há, também, uma hierarquia-autoridade e subordinação.
• Estrutura unificada: cada instituição, apesar de não poder ser completamente
separada das demais, funciona como uma unidade.
• Valores: possuem normas que regulam a conduta e a atitude dos indivíduos.

4. A obra de Weber, intitulada Ciência e política: duas vocações, no texto “A política como
vocação”, define Estado da seguinte forma: “o Estado não se deixa definir a não ser pelo
específico meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político,
ou seja, o uso da coação física” (WEBER, 2011, p. 66, grifo do original).
136 Controle social e segurança

A violência não é a única ferramenta de que se vale o Estado, porém é a principal delas. E o
uso dessa força está vinculada ao próprio processo civilizatório. Caso o Estado não estivesse
estabelecido, para Weber, teríamos a anarquia. Alerta o autor, já na sua época, que a relação
entre Estado e violência é íntima, de modo que:
devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humano
que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território
corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio
do uso legítimo da violência física. (WEBER, 2011, p. 67, grifos do original)

5. Azambuja (1969, p. 2) ensina que o Estado:


é uma sociedade, pois se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos
unidos e organizados permanentemente para realizar um objetivo comum. E
se denomina sociedade política, porque, tendo sua organização determinada
por normas de Direito positivo, é hierarquizada na forma de governantes e
governados e tem uma finalidade própria, o bem comum.

6. Nos Estados Modernos, as formas de governo mais comuns são:

• Monarquia: forma de governo em que o poder está centralizado em um indivíduo, sendo


este a mais elevada representação da vontade jurídica do Estado, independente de outras
vontades. Há a figura do rei/soberano, que herda o poder e o mantém até a morte. Diz-se a
monarquia como sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é vitalício,
hereditário e irresponsável.
• República: sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é temporário,
eletivo e responsável. Ainda, nesse sistema, há a existência dos três poderes constitucionais,
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que exercem funções independentes e harmônicas
entre si.

2 Segurança Pública
1. Marinha, Exército e Aeronáutica. Essas Forças Armadas são subordinadas ao Presidente da
República, seu comandante supremo, destinam-se:

• À defesa da pátria.
• À garantia dos Poderes Constitucionais.
• Por iniciativa de qualquer dos Poderes, à garantia da Lei e da Ordem.

2. De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, os órgãos da Segurança Pública são:
Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Ainda, segundo esse artigo constitucional, os
citados órgãos apresentam os seguintes objetivos:

• Polícia Federal:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
Gabarito 137

interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser


em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

• Polícia Rodoviária Federal: “patrulhamento ostensivo das rodovias federais” .


• Polícia Ferroviária Federal: “patrulhamento ostensivo das ferrovias federais”.
• Polícias Civis: “ressalvada a competência da União, [lhes incumbem] as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
• Polícias Militares: “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
• Corpos de Bombeiros Militares: “além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil”.

3. Os integrantes do Sistema Único de Segurança Pública dividem-se em estratégicos e


operacionais.

São os estratégicos:
• União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes
Executivos.
• Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados.
• São os operacionais:
• Os constitucionalmente previstos no artigo 144.
• Órgãos do sistema penitenciário.
• Institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação.
• Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
• Secretarias estaduais de Segurança Pública ou congêneres.
• Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec).
• Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad).
• Agentes de trânsito.
• Guarda portuária.

3 Política e planos de segurança


1. Podemos afirmar que a sucessão de Planos voltados à Segurança Pública contribuíram para
que chegássemos atualmente ao SUSP e à PNSPDS, apresentados pela Lei n. 13.675, de 11
de junho de 2018, que buscam desenvolver a governança necessária, com padronização de
dados e integração dos órgãos de Segurança Pública divididos em integrantes operacionais
e estratégicos. Isso ocorre com respaldo do Conselho Nacional de Segurança Pública, um
138 Controle social e segurança

colegiado com competência para debater e validar uma política nacional, que, esperamos, seja
eficiente e eficaz, lembrando o histórico de tentativas cujos erros e acertos somaram esforços
para que novas políticas e Planos se estabeleçam.

2. O que devemos entender por “responsabilidade de todos”, constante da Constituição


Federal (BRASIL, 1988, art. 144), é clarificado no artigo 2º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL,
2018b), que especifica a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito
de suas competências e atribuições legais. Demonstra-se, assim, a necessidade estratégica
de envolver todos os entes em prol da Segurança Pública. Contudo, em que pese tratar a Lei
dos entes federados, temos de lembrar que a cada um de nós, cidadãos, também cabe parcela
dessa responsabilidade constitucionalmente prevista.

3.

• Atuar de maneira conjunta orienta-se no mesmo sentido de “formar conjunto”. Trata‑se


de juntar, unir, de modo que os órgãos passam a ter a sua atuação em conjunto por
determinação legal. São, assim, órgãos que formam um único sistema, o SUSP.
• Atuar de maneira coordenada refere-se a ter rumo, direção. Os órgãos devem atuar no
mesmo sentido, conservando a essência do PNSPDS, mas considerando as diferenças
regionais do Brasil.
• Atuar de maneira sistêmica implica relacionar-se com o todo, fazer parte do sistema.
Complementa nosso raciocínio de atuar de maneira conjunta, ou seja, os órgãos pertencem
ao mesmo Sistema Único de Segurança Pública – o SUSP é o todo.
• Atuar de maneira integrada quer dizer adaptar-se, incorporar-se, unir-se. Essa é a
missão maior em relação aos órgãos: unir e manter as competências intactas, repartindo
atribuições e respeitando às diversidades históricas, políticas e de classes.

4 Prisão e política penitenciária


1. O delito praticado, o delinquente que veio a violar as regras, a vítima prejudicada pelo ato
infracional e o controle social propriamente dito, e como ele atua no combate ao crime.

2. De acordo com Shecaira (2013), criminologia é uma ciência que se apoia em experiências,
estuda o crime, o criminoso e aqueles que são prejudicados por ele, no caso, a vítima e a
comunidade, levando em consideração quais formas de controle social estão sendo aplicadas
ou não. Para essa ciência, o crime deve ser considerado um problema não apenas individual,
mas da sociedade ou social. Desse modo, não se pode deixar de lado o estudo de como
aplicar técnicas de prevenção contra o crime.

3. A Justiça Restaurativa é um método alternativo de resolução de conflitos, que visa incluir


os envolvidos no conflito – vítima, infrator e comunidade – na tomada de uma decisão que
irá solucionar o problema, reparando o dano à vítima e responsabilizando o infrator, sem
necessariamente judicializar o caso.
Gabarito 139

5 Prevenção do crime e policiamento comunitário


1. Polícia é uma instituição pública que presta serviços para a sociedade. Policiamento é a
atividade de patrulhamento preventivo executada por policiais.

2. É uma filosofia moderna e inovadora, na qual a comunidade deve estar incluída para que
possa auxiliar, dentro de seus limites, o trabalho policial. Esse auxílio se expressa por meio
de opiniões, informações e ações locais em prol da comunidade, como a manutenção de suas
residências, escolas e vizinhança.

3. A análise ex ante consiste em uma avaliação precedente à formulação de uma Política


Pública, isto é, implica avaliar antes aquilo que se pretende fazer.
CONTROLE SOCIAL E SEGURANÇA
O controle social propõe conduzir todos a colaborarem
com o que é estabelecido para o melhor convívio. Nessa
busca por harmonia social, ao longo dos anos, foram
estabelecidos códigos e normas para orientar costumes,
contudo esse esforço não bastou para que as comunidades
formadas se respeitassem.
Surgiu então a necessidade de estabelecer instituições,
entre elas o próprio Estado, para fazer valer as normas
legais. Nesta obra, como o maior e mais poderoso agente
de controle social, o Estado é foco de reflexão em sua
relação com as instituições que o promovem e as temáticas
envolvidas com a Segurança Pública, como as Políticas
Públicas e as teorias da criminologia. Família, religião e
escola são igualmente abordadas como instituições que
interferem no comportamento das pessoas.
Controle social e segurança propõe temáticas importantes
àqueles interessados no estudo do Estado, de seus órgãos
de controle social e da participação da comunidade no
estabelecimento de uma sociedade mais justa e fraterna.

MARCELO TREVISAN KARPINSKI

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6526-4

58861 9 788538 765264

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