Você está na página 1de 6

Platão - Fédon - Excertos

Platão

Platão - Fédon suas concupiscências para provocar o aparec-


imento de guerras, dissenções, batalhas; com
(Excertos. Fonte: SOUZA, José; PALEIKAT, efeito, na posse de bens é que reside a origem
Jorge; COSTA, João. Os Pensadores: Platão. de todas as guerras, e, se somos irresistivel-
São Paulo. Nova cultural ed, 1991.1 ) mente impelidos a amontoar bens, fazemo-lo
Nota: Ao longo das citações das páginas por causa do corpo, de quem somos míseros
a seguir, veremos extratos da obra FÉDON. escravos! Por culpa sua ainda, e por causa de
Enfocaremos mais especificamente passagens tudo isso, temos preguiça de filosofar. Mas
para o estudo das relações corpo x mente, tais o cúmulo dos cúmulos está em que, quando
como: O mundo das idéias e as teses da remi- conseguimos de seu lado obter alguma tran-
niscência, o dualismo (alma e corpo ) e sobre a qüilidade, para voltar-nos então ao estudo de
definição de alma. (Samara Rodrigues, moni- um objeto qualquer de reflexão, súbito nos-
tora de Fundamentos Filosóficos da Psicologia sos pensamentos são de novo agitados em to-
- UFF-IHS-RPS) dos os sentidos por esse intrujão que nos en-
surdece, tonteia e desorganiza, ao ponto de
tornar-nos incapazes de conhecer a verdade.
A morte como libertação Inversamente, obtivemos a prova de que, se
do pensamento alguma vez quisermos conhecer puramente os
seres em si, ser-nos-á necessário separar-nos
[p. 67-68] (…) E é este então o pensamento que dele e encarar por intermédio da alma em si
nos guia: durante todo o tempo em que tiver- mesma os entes em si mesmos. Só então é que,
mos o corpo, e nossa alma estiver misturada segundo me parece, nos há de pertencer aquilo
com essa coisa má, jamais possuiremos com- de que nos declaramos amantes: a sabedoria.
pletamente o objeto de nossos desejos! Ora, Sim, quando estivermos mortos, tal como o in-
este objeto é, como dizíamos, a verdade. Não dica o argumento, e não durante nossa vida!
somente mil e uma confusões nos são efeti- Se, com efeito, é impossível, enquanto perdura
vamente suscitadas pelo corpo quando cla- a união com o corpo, obter qualquer conhec-
mam as necessidades da vida, mas ainda so- imento puro, então de duas, uma: ou jamais
mos acometidos pelas doenças — e eis-nos às nos será possível conseguir de nenhum modo a
voltas com novos entraves em nossa caça ao sabedoria, ou a conseguiremos apenas quando
verdadeiro real! O corpo de tal modo nos estivermos mortos, porque nesse momento a
inunda de amores, paixões, temores, imagi- alma, separada do corpo, existirá em si mesma
nações de toda sorte, enfim, uma infinidade e por si mesma — mas nunca antes. Além
de bagatelas, que por seu intermédio (sim, disso, por todo o tempo que durar nossa vida,
verdadeiramente é o que se diz) não recebe- estaremos mais próximos do saber, parece-me,
mos na verdade nenhum pensamento sensato; quando nos afastarmos o mais possível da so-
não, nem uma vez sequer! Vede, pelo con- ciedade e união com o corpo, salvo em situ-
trário, o que ele nos dá: nada como o corpo e ações de necessidade premente, quando, so-
1 bretudo, não estivermos mais contaminados
Excertos para uso didático junto aos alunos da UFF-
IHS-RPS. https://askesis.hypotheses.org por sua natureza, mas, pelo contrário, nos

1
Platão - Fédon - Excertos

acharmos puros de seu contato, e assim até forme meu próprio modo de pensar seja mais
o dia em que o próprio Deus houver desfeito verdadeiro do que isso; e não erramos, creio,
esses laços. E quando dessa maneira atingir- ao ficar de acordo a esse respeito. Não, aí es-
mos a pureza, pois que então teremos sido tão coisas bem reais: o reviver, o fato de que
separados da demência do corpo, deveremos os vivos provêm dos mortos, de que as almas
mui verossimilmente ficar unidos a seres pare- dos mortos têm existência, e — insisto neste
cidos conosco; e pôr nós mesmos conhecere- ponto — de que a sorte das almas boas é mel-
mos sem mistura alguma tudo o que é. E hor, e pior a das almas ruins. (…)
nisso, provavelmente, é que há de consistir
a verdade. Com efeito, é lícito admitir que
não seja permitido apossar-se do que é puro, Idéias, cópias e
quando não se é puro!” Tais devem ser neces-
sariamente, segundo creio, meu caro Símias, reminiscência
as palavras e os juízos que proferirá todo
aquele que, no correto sentido da palavra, for [p. 78-81] (…)
um amigo do saber. Não te parece a mesma — Mas dize-me — continuou Sócrates: —
cousa? passam-se as coisas para nós da mesma forma
— Sim, Sócrates, nada mais provável.(…) como as igualdades dos pedaços de pau e como
as de que falávamos há pouco? Essas coisas
nos parecem iguais assim como o que é Igual
A alma separada e os em si? Falta-lhes ou não lhes falta algo para
poderem convir ao Igual?
contrários — Oh, falta-lhes muito!
[p. 75] (…) — Estamos, pois, de acordo quando, ao ver
— Há, pois, acordo entre nós ainda neste algum objeto, dizemos: “Este objeto que estou
ponto: os vivos não provêm menos dos mortos vendo agora tem tendência para assemelhar-
que os mortos dos vivos. Ora, assim sendo, se a um outro ser, mas, por ter defeitos, não
haveria aí, parece, uma prova suficiente de que consegue ser tal como o ser em questão, e lhe
as almas dos mortos estão necessariamente em é, pelo contrário, inferior”. Assim, para po-
alguma parte, e que é de lá que voltam para dermos fazer estas reflexões, é necessário que
a vida. antes tenhamos tido ocasião de conhecer esse
ser de que se aproxima o dito objeto, ainda
— É também o que penso, Sócrates; se-
que imperfeitamente.
gundo os princípios em que conviemos, as
coisas necessariamente devem ser assim. — Sim, é necessário.
— Vê agora, Cebes, por que motivo não — Que poderemos concluir? Encontramo-
cometemos erro, segundo me parece, ao fi- nos, sim ou não, no mesmo caso a propósito
carmos de acordo a respeito dessas coisas. das coisas iguais e do Igual em si?
Suponhamos, com efeito, Hades que não haja — Sim, seguramente.
uma eterna compensação recíproca das ger- — Portanto, é necessário que tenhamos an-
ações, alguma coisa assim como um círculo teriormente conhecido o Igual, mesmo antes
em que giram esses contrários, mas que a ger- do tempo em que pela primeira vez a visão de
ação vá em linha reta somente de um dos con- coisas iguais nos deu o pensamento de que elas
trários para o outro que lhe está em frente, aspiram a ser tal qual o Igual em si, embora
sem voltar em sentido inverso para o outro lhe sejam inferiores?
contrário e sem fazer a volta; então, bem o — É isso mesmo.
percebes, todas as coisas se imobilizariam na — Mas também estamos de acordo sobre o
mesma figura, o mesmo estado se estabelece- seguinte: tal reflexão e a possibilidade mesma
ria em todas elas, e cessaria a geração. (…) de fazê-la provêm unicamente do ato de ver,
[p. 76] (…) de tocar, ou de qualquer outra sensação; pois
— Nada há, com efeito, Cebes, que con- o mesmo podemos dizer a respeito de todas.

http://askesis.hypotheses.org - https://philpeople.org/profiles/marcio-miotto2
Platão - Fédon - Excertos

— De fato, é o mesmo, Sócrates, pelo menos que tenhamos nascido com esse saber eterno,
em relação ao fim visado pelo argumento. conservando-o sempre no curso de nossa vida.
— Como quer que seja, seguramente são Saber, com efeito, consiste nisto: depois de
as nossas sensações que devem dar-nos tanto haver adquirido o conhecimento de alguma
o pensamento de que todas as coisas iguais coisa, dispor dele e não mais perdê-lo. Aliás,
aspiram à realidade própria do Igual, como o que denominamos “esquecimento” não é, por
o de que elas são deficientes relativamente a acaso, o abandono de um conhecimento?
este. Quer dizer, senão isto? — Sem dúvida, Sócrates.
— Isso mesmo! — E em troca, penso, poder-se-ia supor
— Assim, pois, antes de começar a ver, que perdemos, ao nascer, essa aquisição an-
a ouvir, a sentir de qualquer modo que terior ao nosso nascimento, mas que mais
seja, é preciso que tenhamos adquirido o tarde, fazendo uso dos sentidos a propósito
conhecimento do Igual em si, para que nos das coisas em questão, reaveríamos o con-
seja possível comparar com essa realidade as hecimento que num tempo passado tínhamos
coisas iguais que as sensações nos mostram, adquirido sobre elas. Logo, o que chamamos
percebendo que há em todas elas o desejo de de “instruir-se” não consistiria em reaver um
serem tal qual é essa realidade, e que no en- conhecimento que nos pertencia? E não
tanto lhe são inferiores! teríamos razão de dar a isso o nome de
— Necessária conseqüência, Sócrates, do “recordar-se”?
que já dissemos. — Toda a razão.
— Logo que nascemos começamos a ver, a — É possível, com efeito — e assim pelo
ouvir, a fazer uso de todos os nossos sentidos, menos nos pareceu — que ao percebermos
não é verdade? uma coisa pela vista, pelo ouvido ou por qual-
— Efetivamente. quer outro sentido, essa coisa nos permita
— Sim, mas era preciso antes, como já dis- pensarmos num outro ser que tínhamos es-
semos, ter adquirido o conhecimento do Igual? quecido, e do qual se aproximava a primeira,
— Sim. quer ela lhe seja semelhante ou não. Por con-
— Foi, portanto, segundo parece, antes de seguinte, torno a repetir, de duas uma: ou
nascer que necessariamente o adquirimos? nascemos com o conhecimento das idéias e
— É o que parece. este é um conhecimento que para todos nós
— Assim, pois, que o adquirimos antes do dura a vida inteira — ou então, depois do
nascimento, uma vez que ao nascer já dele dis- nascimento, aqueles de quem dizemos que se
púnhamos, podemos dizer, em conseqüência, instruem nada mais fazem do que recordar-se;
que conhecíamos tanto antes como logo de- e neste caso a instrução seria uma reminiscên-
pois de nascer, não apenas o Igual, como o cia.
Maior e o Menor, e também tudo o que é da — É exatamente assim, Sócrates!
mesma espécie? Pois o que, de fato, inter- — Qual é, por conseguinte, dessas alterna-
essa agora à nossa deliberação não é apenas tivas a que escolhes, Símias? O saber inteiro
o Igual, mas também o Belo em si mesmo, e perfeito para nós ao nascermos, ou talvez
o Bom em si, o Justo, o Piedoso, e de modo uma recordação ulterior de tudo aquilo de que
geral, digamos assim, tudo o mais que é a Re- anteriormente havíamos adquirido o conheci-
alidade em si, tanto nas questões que se apre- mento?
sentam a este propósito, como nas respostas — De momento, Sócrates, estou incapaci-
que lhes são dadas. De modo que é uma neces- tado de fazer uma escolha.
sidade adquirir o conhecimento de todas essas — Mas responde, eis aqui uma escolha que
coisas antes do nascimento. . . estás em condições de fazer, dizendo-me a seu
— É bem isso. respeito qual é a tua opinião: um homem que
— E também, supondo pelo menos que sabe é capaz, ou não; de dar razões daquilo
depois de tê-lo adquirido não o esqueçamos que sabe?
constantemente, é uma necessidade lógica — Necessariamente, Sócrates!

http://askesis.hypotheses.org - https://philpeople.org/profiles/marcio-miotto3
Platão - Fédon - Excertos

— Crês, além disso, que toda a gente seja em questão comparamos esses fenômenos —
capaz de explicar o que são os seres de que há então, em virtude da mesma necessidade que
pouco nos ocupávamos? fundamenta a existência de tudo isso, pode-
— Ah! Bem o desejaria eu — respon- mos concluir que nossa alma existia já antes
deram Símias. — Mas receio, pelo contrário, do nascimento. Suponhamos, ao contrário,
que amanhã não haja mais um só homem no que tudo isso não exista. Não seria, então,
mundo que esteja em condições de sair-se dig- pura perda o que estivemos a demonstrar?
namente dessa tarefa. Não é desta forma que se apresenta a situ-
— Daí resulta pelo menos, Símias, que, no ação? Não há acaso uma igual necessidade de
teu entender, o conhecimento das idéias não existência, tanto para esse mundo ideal, como
pertence a todo o mundo? também para nossas almas, mesmo antes de
— Absolutamente não! Glorificação termos nascido, e a não-existência do primeiro
um tanto exagerada de Sócrates: amanhã termo não implica a não-existência do se-
Sócrates estará morto, e após sua morte não gundo?
se há de encontrar mais um bom filósofo. — Não há quem sinta, Sócrates, mais do
— Vale então dizer que os homens se recor- que eu — disse Símias — que a necessidade
dam daquilo que aprenderam num tempo pas- é idêntica em ambos os casos! Que bela base
sado? para uma prova, esta semelhança entre a ex-
— Necessariamente. istência da alma antes do nascimento com a
— E que tempo foi esse em que nossas al- realidade de que acabas de falar! Quanto a
mas adquiriram saber acerca desses seres? Se- mim, parece-me que não há evidência que se
guramente, não havia de ser a datar de nosso emparelhe com esta: tudo o que é deste gênero
nascimento humano? possui o mais alto grau de existência, Belo,
— Seguramente que não! Bom, e tudo o mais de que falavas há um in-
— Seria pois, anteriormente? stante. Assim, pelo que me toca, estou satis-
— Sim. feito com tua demonstração. (…)
— As almas, Símias, existiam, por con- [p. 82-84]
seguinte, antes de sua existência numa forma — Passemos, agora, àquilo para onde nos
humana, separadas dos corpos e dotadas de havia encaminhado a argumentação prece-
pensamento? dente! Essa essência, de cuja existência
— A menos, Sócrates, que o instante de falamos em nossas interrogações e em nossas
nosso nascimento seja aquele mesmo em que respostas, dize-me: comporta-se ela sempre
adquirimos tais conhecimentos; pois essa é a do mesmo modo, mantém a sua identidade,
ocasião que nos resta. ou ora se apresenta de um modo, ora doutro?
— É verdade, meu amigo; mas então, em Pode-se admitir que o Igual em si mesmo, o
que outra ocasião nós os perdemos? É certo Belo em si mesmo, que cada realidade em si
que não dispúnhamos deles quando nascemos, — o ser — seja suscetível de uma mudança
e a este respeito estávamos de acordo faz qualquer? Ou acaso cada uma dessas real-
pouco. Assim, ou nós os perdemos no mo- idades verdadeiras, cuja forma é uma em si
mento mesmo em que os adquirimos; ou acaso e por si, não se comporta sempre do mesmo
podes alegar algum outro momento? modo em sua imutabilidade, sem admitir ja-
— Impossível, Sócrates! A verdade é que, mais, em nenhuma parte e em coisa alguma,
sem o perceber, falei levianamente. a menor alteração?
— Em conseqüência, Símias, se existe, — É necessário — disse Cebes — que todas
como incessantemente o temos repetido, um conservem do mesmo modo a sua identidade,
Belo, um Bom, e tudo o mais que tem a Sócrates!
mesma espécie de realidade; se é a essa reali- — E, doutra parte, que dizer dos múltiplos
dade que relacionamos tudo o que nos provém objetos, como homens, cavalos, vestimentas,
dos sentidos, porque descobrimos que ela já ou quaisquer outros do mesmo gênero, e que
existia, e que era nossa; se, enfim, à realidade são ou iguais, ou belos — são sempre os mes-

http://askesis.hypotheses.org - https://philpeople.org/profiles/marcio-miotto4
Platão - Fédon - Excertos

mos ou apostos às essências pelo fato de nunca — Não dizíamos, ainda há pouco, que a
estarem no mesmo estado nem em relação a alma utiliza às vezes o corpo para observar
si nem em relação aos outros? alguma coisa por intermédio da vista, ou do
— E dessa maneira — atalhou Cebes — eles ouvido, ou de outro sentido? Assim o corpo é
nunca se comportam da mesma forma. um instrumento, quando é por intermédio de
— Assim, pois, a uns podes tocar, ver ou algum sentido que se faz o exame da coisa.
perceber por intermédio dos sentidos; mas Então a alma, dizíamos, é arrastada pelo
quanto aos outros, os seres que conservam corpo na direção daquilo que jamais guarda
sua identidade, não existe para ti nenhum a mesma forma; ela mesma se torna incon-
outro meio de captá-los senão o pensamento stante, agitada, e titubeia como se estivesse
refletido, pois que os seres desse gênero são embriagada: isso, por estar em contato com
invisíveis e subtraídos à visão? coisas desse gênero.
— Nada mais certo! — Realmente.
— Admitamos, portanto, que há duas espé- — Mas quando, pelo contrário — nota bem!
cies de seres: uma visível, outra invisível. — ela examina as coisas por si mesma, quando
— Admitamos. se lança na direção do que é puro, do que sem-
— Admitamos, ainda, que os invisíveis con- pre existe, do que nunca morre, do que se com-
servam sempre sua identidade, enquanto que porta sempre do mesmo modo — em virtude
com os visíveis tal não se dá. de seu parentesco com esses seres puros — é
— Admitamos também isso. sempre junto deles que a alma vem ocupar o
— Bem, prossigamos — tornou Sócrates. lugar a que lhe dá direito toda realização de
— Não é verdade que nos somos constituídos sua existência em si mesma e por si mesma.
de duas coisas, uma das quais é o corpo e a Por isso, ela cessa de vaguear e, na vizinhança
outra, a alma? dos seres de que falamos, passa ela também a
— Nada mais verdadeiro! conservar sempre sua identidade e seu mesmo
— Com qual dessas duas espécies de seres modo de ser: é que está em contato com coisas
podemos dizer, pois, que o corpo tem mais daquele gênero. Ora, este estado da alma, não
semelhança e parentesco? é o que chamamos pensamento?
— Eis uma coisa que é clara para toda a — Muito bem dito, Sócrates, e muito ver-
gente: com a espécie visível. dadeiro!
— Por outro lado, que é a alma? Coisa — Portanto, ainda uma vez: com qual
visível ou coisa invisível? das duas espécies mencionadas, segundo te
— Não é visível, pelo menos aos homens, parece, diante de nossos argumentos passados
Sócrates! e dos de agora, a alma tem mais semelhança
— Todavia, quando falamos do que é visível e parentesco?
e do que não o é, fizemo-lo com relação à na- — Penso não haver ninguém, Sócrates, por
tureza humana? Ou talvez creias que foi a mais dura que tenha a cabeça, que seja capaz
propósito de qualquer outra coisa? de não concordar, seguindo este método, em
— Foi a propósito da natureza humana. que, em tudo e por tudo, a alma tem mais
— Portanto, que diremos da alma? Que ela semelhança com o que se comporta sempre do
é coisa visível, ou que não se vê? mesmo modo, do que com as coisas que não o
— Que não se vê. fazem.
— Vale dizer, por conseguinte, que ela é — E o corpo, por seu lado?
uma coisa invisível? — Com a outra espécie.
— Sim. — Tomemos agora um outro ponto de vista.
— Logo, a alma tem com a espécie invisível Quando estão juntos a alma e o corpo, a este
mais semelhança do que o corpo, mas este a natureza consigna servidão e obediência, e à
tem, com a espécie visível, mais semelhança primeira comando e senhorio. Sob este novo
do que a alma? aspecto, qual dos dois, no teu modo de pensar,
— Necessariamente, Sócrates. se assemelha ao que é divino, e qual o que se

http://askesis.hypotheses.org - https://philpeople.org/profiles/marcio-miotto5
Platão - Fédon - Excertos

assemelha ao que é mortal? Ou acaso pensas


que o que é divino existe, por sua natureza,
para dirigir e comandar, e o que é mortal, ao
contrário, para obedecer e para ser escravo?
— Penso como tu.
— Com qual dos dois, portanto, a alma se
assemelha? — Nada mais claro, Sócrates! A
alma, com o divino; o corpo, com o mortal.
— Bem; examina agora, portanto, Cebes,
se tudo o que foi dito nos conduz efetiva-
mente às seguintes conclusões: a alma se
assemelha ao que é divino, imortal, dotado
da capacidade de pensar, ao que tem uma
forma única, ao que é indissolúvel e possui
sempre do mesmo modo identidade: o corpo,
pelo contrário, equipara-se ao que é humano,
mortal, multiforme, desprovido de inteligên-
cia, ao que está sujeito a decompor-se, ao que
jamais permanece idêntico. Contra isto, meu
caro Cebes, estaremos em condições de opor
uma outra concepção, e provar que as coisas
não se passam assim?
— Não, Sócrates.

http://askesis.hypotheses.org - https://philpeople.org/profiles/marcio-miotto6

Você também pode gostar