Você está na página 1de 2

Eu, Rio de Mim

Tudo fechado.
Todos trancados.
Dentro desse espaço já não tenho mais o que ressignificar.

Ando, mudo uma coisa, ando mais, mudo outra.


Piro, enlouqueço, choro, fico bravo, ansioso, tudo de uma vez só, corro sem sair do
lugar. Sufoco, mesmo tendo ar.

Na falta de onde perambular me olho no espelho.


Reflexo.
Meus olhos nos meus olhos.

Me faço água e verto. Fluo. Escorro. Deságuo. Me jogo.


Embarco em mim e começo uma viagem de
(RE) Descoberta.

Reconheço muitas coisas, familiaridade. O balanço me acalma, me sinto


confortado. Em casa enfim, em casa dentro de mim. Decido explorar! Faz tempo
que não navego pra cá, na correria do dia a dia deixo sempre isso pra lá. É
impressão minha ou esse lugar está maior? Não me lembro muito bem. Será que
peguei a rota certa virando à esquerda na curva da (in)consciência? Mas pera! Será
que existe rota certa quando se navega em si? Hm, achei que não conhecesse esse
lugar, pois conheço muito bem, lugar de duvidar, de questionar. Dos desejos de
descobrir tanto agora entendo por que ele cresceu.

Mais um mês desse tormento.


Mais um mês de isolamento.
Não sei mais quanto tempo vou aguentar. Eu, matéria que se move, ficar parado,
sem sair do lugar.

Continuo a navegar.
Conforme vou subindo, me sobe também um mal-estar. Aos poucos vou me
lembrando, desse lugar que parece brando, mas onde é perigoso mergulhar.
Toda água, que por muito tempo fica parada, tende a se contaminar. E eis-me aqui,
morrendo de mim ao mergulhar, na mágoa, que magoa, a má água que faz
machucar.

Boto pra fora. Essa água há de sair! Choro de dor, choro de tristeza. Boto pra fora
todas as impurezas. Tento navegar, mas não consigo.
Será que tem algo de errado comigo? Sinto como se meu corpo enrijecesse. Perco a
mobilidade, perco o interesse. Tento navegar, mas não consigo.

Mas o que é isso que eu sinto? Que se mescla a meu corpo e se move junto
comigo? Tento navegar, mas não consigo!

Em certos momentos água em lama sou. Densidade caminhante que aos poucos
estaciona.

Paro.

Respiro.

Penso água, sou água. Evoco as forças do sol e me desfaço. em pequenas partículas,
agora eu tantos de mim, fracionados no todo.
E em pequenas gotículas sou elevada pelos ventos a condição de dança.
Lembro então de um movimento: subir aos céus, descer à terra.

Lá de cima nada me assusta mais. Olhando pra baixo e em conjunto a gravidade,


me solto.
E deixo chover.
E faço chorar.

Me lembro que nessa vida tão dura por vezes é preciso não se levar tão a sério.
Então eu, Rio de Mim e deságuo em mar.

Porque todo rio nasce gota


e deságua.

Poética em texto de Caio Fernando Vallim


Composição para a Exposição: O Rio Que Nos Une
Trabalho desenvolvido individual/coletivamente com O Fio Que Nos Une,
Clube de Literatura e Bordado

Você também pode gostar