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Žižek - O Ateísmo É Um Legado Pelo Qual Vale A Pena Lutar - Blog Da Boitempo
Žižek - O Ateísmo É Um Legado Pelo Qual Vale A Pena Lutar - Blog Da Boitempo
No contexto do lançamento do aguardado O absoluto frágil, ou, porque vale a pena lutar pelo legado cristão
(http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-absoluto-fragil), de Slavoj Žižek, recuperamos
este artigo do filósofo esloveno que procura reabilitar, da perversa ética multiculturalista do capitalismo
contemporâneo, o núcleo emancipatório do ateísmo. Ao invés de se relacionar de forma exterior com a religião –
sucumbindo assim à armadilha da “tolerância” –, Žižek subverte a abordagem e propõe levarmos a crença a sério e
cobrar dos crentes a responsabilidade sobre aquilo em que creem. É esta perspectiva avessa ao lugar comum que
anima também O absoluto frágil (http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-absoluto-
fragil), um ensaio explosivo que defende uma aproximação entre o cristianismo e o marxismo num projeto político
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02/11/2020 Žižek: O ateísmo é um legado pelo qual vale a pena lutar – Blog da Boitempo
emancipatório renovado. Nas palavras do esloveno: “O primeiro paradoxo da crítica materialista da religião é este:
às vezes é muito mais subversivo destruir a religião a partir de dentro, aceitando sua premissa básica para depois
revelar suas consequências inesperadas, do que negar por completo a existência de Deus.” Confira!
***
Por séculos, nos foi dito que sem religião não somos mais do que animais egoístas lutando pelo nosso
quinhão, nossa única moralidade a de uma matilha de lobos; apenas a religião, dizem, pode nos elevar a
um nível espiritual mais alto. Hoje, quando a religião emerge como a fonte de violência homicida ao
redor do mundo, garantias de que fundamentalistas cristãos ou muçulmanos ou hinduístas estão apenas
abusando e pervertendo as nobres mensagens espirituais de seus credos soam cada vez mais vazias. Que
tal restaurar a dignidade do ateísmo, um dos maiores legados da Europa e talvez nossa única chance de
paz?
Mais de um século atrás, em Os Irmãos Karamazov e outras obras, Dostoiévski alertava sobre os perigos
de um niilismo moral sem deus, defendendo essencialmente que, se Deus não existe, então tudo é
permitido. O filósofo francês André Glucksmann até mesmo aplicou a crítica de Dostoiévski do niilismo
sem deus ao 11 de setembro, como sugere o título de seu livro, Dostoiévski em Manhattan.
O argumento não poderia estar mais errado: A lição do terrorismo atual é que, se Deus existe, então
tudo, incluindo explodir milhares de espectadores inocentes, é permitido – pelo menos àqueles que
alegam agir diretamente em nome de Deus, já que, claramente, uma ligação direta com Deus justifica a
violação de quaisquer refreamentos e considerações meramente humanos. Resumindo, os
fundamentalistas não se tornaram diferentes dos comunistas Stalinistas “sem deus”, para os quais tudo
foi permitido, já que viam a si mesmos como instrumentos diretos de sua divindade, a Necessidade
Histórica do Progresso em Direção ao Comunismo.
Fundamentalistas fazem o que veem como boas ações de forma a satisfazer o desejo de Deus e ganhar a
salvação; ateus o fazem simplesmente porque é a coisa certa a fazer. Não seria essa também nossa
experiência mais elementar de moralidade? Quando faço uma boa ação, não a faço visando ganhar um
favor de Deus; faço porque, se não fizesse, não poderia me olhar no espelho. Uma atitude moral é por
definição sua própria recompensa. David Hume argumentou isso pungentemente quando escreveu que
a única maneira de demonstrar verdadeiro respeito a Deus é agir moralmente ignorando sua existência.
Dez anos atrás, Europeus debatiam se o preâmbulo da Constituição Europeia deveria mencionar o
cristianismo. Como de costume, um meio termo foi arranjado, uma referência em termos gerais à
“herança religiosa” da Europa. Mas onde estava o legado mais precioso da Europa, o do ateísmo? O que
faz da Europa moderna única é que ela é a primeira e única civilização em que o ateísmo é uma opção
plenamente legítima, e não um obstáculo a qualquer posição pública.
O ateísmo é um legado europeu pelo qual vale a pena lutar, não menos por criar um espaço público
seguro para os que creem. Considere o debate que inflamou-se em Ljubljana, a capital da Eslovênia, meu
país natal, conforme a controvérsia constitucional fervia: muçulmanos (em sua maioria trabalhadores
imigrantes das antigas repúblicas Iugoslavas) devem ter permissão para construir uma mesquita?
Enquanto os conservadores opunham-se à mesquita por razões culturais, políticas e até arquitetônicas, a
revista semanal liberal Mladina foi consistentemente explícita em seu apoio à mesquita, em continuar
com suas preocupações pelos direitos daqueles que vinham de outras antigas repúblicas Iugoslavas.
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Não surpreendentemente, dadas as atitudes liberais, Mladina também foi uma das poucas publicações
eslovenas a republicar as caricaturas de Maomé. E, reciprocamente, aqueles que demonstraram maior
“compreensão” pelos violentos protestos muçulmanos causados por aqueles cartuns foram também
aqueles que regularmente expressavam sua preocupação com o futuro do cristianismo na Europa.
Estas alianças estranhas confrontam os muçulmanos da Europa com uma escolha difícil: A única força
política que não os reduz a cidadãos de segunda classe e os concede o espaço para expressar sua
identidade religiosa são liberais ateus “sem deus”, enquanto aqueles mais próximos a suas práticas
religiosas sociais, seu reflexo cristão, são seus maiores inimigos políticos.
O paradoxo é que os únicos verdadeiros aliados dos muçulmanos não são aqueles que primeiramente
publicaram as caricaturas para chocar, mas aqueles que, em defesa do ideal da liberdade de expressão,
republicaram-nas.
Enquanto um verdadeiro ateu não tem necessidade de apoiar sua própria posição provocando crentes
com blasfêmia, ele também se recusa a reduzir o problema das caricaturas de Maomé ao respeito às
crenças de outras pessoas. O respeito às crenças dos outros como o valor maior só pode significar uma
de duas coisas: Ou tratamos o outro de forma condescendente, evitando magoá-lo para não arruinar
suas ilusões, ou adotamos a posição relativista de vários “regimes da verdade”, desqualificando como
imposição violenta qualquer posição clara em relação à verdade.
Mas que tal submeter o Islã – junto com todas as outras religiões – a uma respeitosa, mas por isso mesmo
não menos implacável, análise crítica? Essa, e apenas essa, é a maneira de mostrar verdadeiro respeito
aos muçulmanos: tratá-los como adultos responsáveis por suas crenças.
(http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-absoluto-fragil)
Todos os demais de Slavoj Žižek publicados no Brasil pela Boitempo já estão disponíveis em ebooks,
com preços até metade do preço do livro impresso. Confira:
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Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um dos
principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência
principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-
modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de
Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do
centro de humanidades da University of London. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real!
(http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titles/view/bem-vindo-ao-deserto-do-real%21)(2003), Às portas da
revolução (escritos de Lenin de 1917) (http://boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=85-7559-060-X)
(2005), A visão em paralaxe (http://boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-124-6)
(2008), Lacrimae rerum (http://boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-134-5)
(2009), Em defesa das causas perdidas (http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titles/view/em-defesa-das-causas-
perdidas), Primeiro como tragédia, depois como farsa (http://boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?
isbn=978-85-7559-174-1) (ambos de 2011), Vivendo no fim dos tempos
(http://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-212-0) (2012), O ano em que
sonhamos perigosamente (http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-ano-em-que-
sonhamos-perigosamente) (2012), Menos que nada
(http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/menos-que-nada) (2013) e o mais
recente Violência (http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/violencia) (2014). Colabora
com o Blog da Boitempo esporadicamente.
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02/11/2020 Žižek: O ateísmo é um legado pelo qual vale a pena lutar – Blog da Boitempo
A contradição insolúvel da religião é admitir que Deus fez o homem imperfeito mas, exige dele a
perfeição. Ou seja, Ele fez o homem “pecador”, porém se ele “pecar” é punido.
A solução deste problema esta em reconhecer que o homem é imperfeito e junto com sua imperfeição
recebeu o livre arbítrio, então só erra se quiser, por sua conta e risco.
Assim exime-se Deus do problema de fazer algo de má qualidade e esperar que funcione direito.
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1. EM DEFESA DA DIGNIDADE DO ATEÍSMO, por Slavoj Žižek: “O ateísmo é um legado pelo qual
vale a pena lutar” | A CASA DE VIDRO
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Sumarezinho // 05442-000
São Paulo // SP // Brasil
(55 11) 3875-7285/50
.Publicado originalmente no Blog da Boitempo
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02/11/2020 Žižek: O ateísmo é um legado pelo qual vale a pena lutar – Blog da Boitempo
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