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PATERNIDADE em CRISE
PATERNIDADE em CRISE
1ª edição 2021
ISBN: 978-65-89129-16-5
Impresso no Brasil
Editor: Mauricio Fonseca
Revisão e Preparação de Texto: Cesare Turazzi
Capa: Bárbara Lima
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias
PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME
RESPEITE O DIREITO AUTORAL
O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas prejudicam o
financiamento da produção de novas obras como esta. Respeite o trabalho de ministérios
como a Editora Trinitas.
_______________
V297p
Vargens, Renato
Paternidade em crise / Renato Vargens. – São Paulo: Trinitas, 2021.
126 p. ; 21cm
Inclui referências bibliográficas.
ISBN 978-65-89129-16-5
“A família tradicional corre o sério risco de ir à falência. A ausência e a omissão do homem nos
lares, bem como os ataques deliberados contra a figura masculina atestam isso. Diante deste cenário
crítico, Renato Vargens sai em defesa da paternidade bíblica, com maestria e objetividade singulares.
Vargens toca o ponto nevrálgico, definindo o papel e a responsabilidade dos pais na liderança
familiar. Trata-se de um livro indispensável num tempo em que o conceito de masculinidade bíblica
encontra-se distorcido. Recomendo sua leitura de todo o meu coração.”
— Paulo Junior, pastor titular da igreja Aliança do Calvário e presidente da Sociedade Missionária
Defesa do Evangelho
“A sociedade moderna quer aviltar, a todo custo, a figura paterna em todas as suas dimensões. Ao
longo do livro Paternidade em Crise, Renato Vargens, com sua pena fluida e precisa, nos presenteia
com uma importante ferramenta, dando-nos um alerta e ajudando-nos a combater a tendência atual (e
que tanto mal tem causado às famílias) de ser contra a masculinidade bíblica.”
— Valter Reggiani, advogado, pastor da Igreja Batista Reformada de São Paulo e membro do
conselho do Seminário Martin Bucer
“Esta nova obra de Renato Vargens é muito bem-vinda. Num momento de intensa pressão para se
redefinir o que vem a ser a família, além da rejeição dos valores cristãos que formaram nosso mundo,
este livro destaca a importância da paternidade a partir da Bíblia, servindo de guia seguro em meio à
cacofonia de vozes presentes no debate público — sobretudo num momento em que agentes políticos
afirmam que os filhos pertencem ao Estado.”
— Franklin Ferreira, diretor do Seminário Martin Bucer, onde leciona História da Igreja e Teologia
Sistemática, e pastor da Igreja da Trindade, em São José dos Campos (SP). Autor de várias obras,
incluindo Teologia Sistemática (em coautoria com Alan Myatt), publicada por Edições Vida Nova, e
Servos de Deus, publicada por Editora Fiel
As Escrituras afirmam que os filhos são herança do Senhor (Sl 127.3). Penso que ter
filhos, bem como exercer a paternidade, é uma grande bênção de Deus. Lembro-me até
hoje do dia do nascimento de cada um dos meus filhos, de sua infância, dos desafios
vencidos, das alegrias, de tê-los como amigos, bem como o privilégio de vê-los crescer,
tornando-se homens de caráter e, acima de tudo, tementes a Deus.
Claro que não fui nem sou um pai perfeito, mesmo porque a perfeição é uma virtude que
os filhos de Adão não possuem. Contudo, ainda que com erros e falhas, o Senhor me
permitiu educá-los e ensiná-los a respeito do maravilhoso Evangelho de Cristo. Assim,
com o coração grato a Deus pelo privilégio da paternidade, dedico este livro aos meus
queridos filhos João Pedro e Luiz Filipe, rogando ao Senhor que os abençoe
graciosamente a fim de que, quando se tornarem pais, sejam melhores do que eu,
ensinando àqueles que o Senhor lhes confiar tudo que aprenderam de Deus em sua
Palavra.
“Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nenhum de seus benefícios.”
(Sl 103.1, 2)
Renato Vargens
SUMÁRIO
prefácio
introdução
um|Tempos Difíceis
dois|Filhos Órfãos de Pais Vivos
três|Pais que Terceirizaram a Relação com seus Filhos
quatro|Uma Revolta Oriunda do Distanciamento Relacional
cinco|Problemas com as Autoridades Constituídas
seis|O Conflito de Gerações
sete|Aprendendo a Paternidade por meio da Relação entre Cristo e o Pai
oito|Os Deveres dos Pais para com os seus Filhos
nove|Uma Palavra de Esperança
conclusão
apêndice|Sugestão de filmes que tratam de aspectos de uma paternidade
saudável
PREFÁCIO
Abordar assuntos complexos exige coragem, conhecimento e uma vida
coerente com os valores defendidos. Neste livro munido desses atributos, o
leitor será conduzido pelo brilhante Pr. Renato Vargens, cuja forma de
apresentar este tema complexo é um convite à reflexão, pois o autor tem
como característica nata a capacidade de retirar seus leitores da zona de
conforto.
Nas primeiras páginas desta obra percebe-se de maneira clara que o
autor não tem receio algum de expor sua opinião, e o faz de maneira
precisa, cirúrgica, deixando o assunto que será abordado completamente
transparente. Como um lapidador eficiente que com cuidado e precisão
trabalha o diamante, olhando cada lado da pedra que lapida com atenção e
excelência, o Pr. Renato Vargens apresenta ao leitor cada faceta lapidada
deste diamante que é a paternidade.
A família é algo extremamente importante para o nosso Deus, e o leitor
perceberá que, depois de apresentar uma análise da sociedade atual e dos
desafios que a família enfrenta, o autor inicia uma nova caminhada
propositiva, indicando uma relação de harmonia familiar em um mundo em
conflito.
O tema da paternidade é apresentado com conhecimento situacional e
bíblico, e o enfoque pastoral é percebido pelo caminho límpido do amor,
dos relacionamentos saudáveis e da unidade familiar. Ser pai é tudo isso e
muito mais: ser pai é uma enorme bênção de Deus! O misto entre amor e
responsabilidade é o grande segredo desta vida magnífica que Deus nos deu
o privilégio de viver. Além disso, o autor coloca sobre a mesa vários pratos
para a degustação do leitor. Como um jantar servido com maestria, temos a
entrada, o prato principal e a sobremesa. O problema, porém, acontece
quando alguns pais deixam a celebração da mesa pelo fast-food
materialista, terceirizando a criação de seus filhos em busca da realização
financeira. E porque ama a Cristo e sua Igreja, Renato Vargens escreve
como um pastor que se preocupa. Não se trata de uma simples defesa
apologética, mas é também uma proposta para que o leitor reflita sobre sua
própria caminhada como pai, como família.
Avançando na escrita, embora o Pr. Renato Vargens cite vários homens
que foram exemplo na vida cristã e que souberam equilibrar sua vida
familiar com o trabalho, a verdadeira base de sua argumentação são os
textos da Escritura Sagrada, da qual ele não se distancia. O autor, contudo,
também escreve como pai, e nesta perspectiva, a sua experiência, seu
caráter cristão e seu amor pela família exalam o bom perfume de Cristo. É
fácil perceber que ele escreve sobre aquilo em que realmente acredita, que
de fato conhece e vive. A paternidade sábia é aquela que busca na Escritura
Sagrada seus valores e sua visão para os transmitir aos seus filhos.
Ao final do livro, há também uma leitura sobre a beleza do amor, do
perdão e da atenção de quem sabe que a paternidade deve ser traduzida
acima de tudo em amar a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa
alma e de todo o nosso entendimento, e o nosso próximo como a nós
mesmos (Mt 22.37–39).
Tempos Difíceis
Vivemos num tempo em que a iniquidade tem se multiplicado de forma
significativa. Ouso afirmar que essa geração é marcada por valores e
conceitos absolutamente antagônicos àqueles revelados pela Palavra de
Deus. Nessa perspectiva, bom é chamado de mau, luz de trevas e doce de
amargo, o que, com certeza, nos traz a nítida compreensão de que vivemos
num tempo extremamente difícil, em que os valores relacionados à família,
à vida comum do lar e, claro, aos conceitos bíblicos sobre paternidade têm
sido desconstruídos.
Claro que cada geração tem suas crises e peculiaridades. De forma
alguma desejo supervalorizar os conflitos e problemas do nosso tempo em
detrimento das anormalidades das décadas ou mesmo dos séculos passados.
É inegável, contudo, o fato de que passamos por um dos momentos mais
turbulentos da história moderna, cujas características se mostram presentes
em quatro situações. A seguir, atenho-me brevemente a cada uma delas.
Ódio ao patriarcado
O movimento feminista afirma que o patriarcado é um inimigo antigo
das mulheres e que as aterrorizam há séculos.
Para constatar essa crença não é preciso ir muito longe. Basta olharmos
para as redes sociais, sites na internet ou mesmo universidades que nos
deparamos com o discurso de que um dos males da humanidade é a
estrutura patriarcal sobre a qual a sociedade foi edificada.
Para piorar a situação, não são poucos aqueles que defendem a ideia de
que o judaísmo e o cristianismo ortodoxo conservador, por serem a base do
patriarcado, precisam ser eliminados. Na verdade, o movimento feminista
tem, ao longo dos anos, relativizado a Palavra de Deus, ideologizando as
Escrituras, afirmando assim que a Bíblia é tão sexista quanto misógina.
Com isso em mente, algumas “feministas cristãs”, no afã de a todo custo
aniquilar a ideia da relevância e importância de uma sociedade patriarcal,
deixaram-se influenciar por teólogos liberais cuja teologia desconstrói a
ideia de que Deus é Pai.
A Igreja da Suécia, por exemplo, entidade oficial derivada do
luteranismo, já determinou que a fé cristã não pode se basear em uma
teologia patriarcal, o que mostra de forma efetiva os malefícios deste
ensino.
Segundo o feminismo, a visão de Deus como Pai reflete uma ideologia
arcaica e que precisa ser rejeitada. Essa ideologia entende que o patriarcado
se caracteriza pelo domínio dos homens sobre as mulheres por meio das
mais variadas estruturas sociais. Além disso, o movimento feminista
acredita que a violência sofrida pelas mulheres, especificamente em países
influenciados pela cultura judaico-cristã, é causada pela ideia de um deus
masculino — o que é um grave equívoco, até porque as Escrituras não
definem Deus como uma pessoa com gênero.*
Agora, a questão é que boa parte daqueles que defendem o ódio ao
patriarcado não sabem nem mesmo dizer o porquê, quanto menos explicar à
luz da Palavra de Deus o que significa o termo.
O patriarcado como encontrado na Bíblia, especialmente no Antigo
Testamento, não é uma afirmação de superioridade do homem sobre a
mulher, tampouco um sinônimo de domínio masculino ou de um sistema de
valores no qual o homem trata a mulher com descaso, desvalorizando-a ou
mesmo oprimindo-a. Na verdade, na visão protestante — que em muito
diverge do ensino feminista, bem como do conceito de masculinidade e
feminilidade defendido por pastores liberais em sua teologia —, o
patriarcado é o sistema em que o homem, sob seu papel de marido e pai,
cuida de sua família, provendo e protegendo o lar de qualquer ameaça.
Ademais, o Antigo Testamento também nos mostra que o patriarcado é um
“lugar” de amor, de laços pactuais de bondade e compaixão.
Tratando desse assunto, o teólogo Augustus Nicodemus1 afirma com
clareza e propriedade que somente a Escritura cristã revela um Deus Pai,
Senhor Todo-Poderoso. Na verdade, os patriarcas, por mais que refletissem
o cuidado, o amor e a paternidade de Deus, o faziam muito pobremente.
Nicodemus afirma, e eu concordo com ele, que o Deus dos hebreus não é
como os “deuses masculinos” irresponsáveis das culturas pagãs que
cercavam Israel, mas o Deus revelado nas Escrituras mostra-se como um
Pai que cuida, provê, ama e protege. Portanto, aqueles que afirmam que a
Bíblia é machista e que as Escrituras refletem um tipo de patriarcado que
precisa ser desconstruído e, ao mesmo tempo, odiado estão em grave
engano e colocam em xeque a autoridade e inerrância da Palavra de Deus.
Caro leitor, a Bíblia está cheia de textos que nos advertem a observar
com diligência o nosso tempo. Com muita propriedade, o salmista escreve:
“Tu reduzes o homem ao pó e dizes: Tornai, filhos dos homens. Pois mil
anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da
noite. Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que
floresce de madrugada; de madrugada, viceja e floresce; à tarde, murcha e
seca [...] Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os
nossos anos como um breve pensamento. Os dias da nossa vida sobem a
setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é
canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos. Quem
conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é
devido?” (Sl 90.3–6, 9–12). Em sua epístola, Tiago nos alerta: “Vós não
sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois apenas como
neblina que aparece por instantes e logo se dissipa” (Tg 4.14). Perceba que,
neste mundo, tudo é incerto e passageiro. A vida passa com uma rapidez
enorme e numa velocidade espantosa. Por acaso você já parou para pensar
que a vida que Deus nos deu é como que um sopro diante da eternidade? De
que adianta você trabalhar feito um carvoeiro e perder momentos preciosos
junto aos que lhes são mais caros? Aproveite, portanto, o tempo que o
Senhor lhe deu e desfrute da alegria de viver em comunhão com sua
família. Recomece de alma renovada, entendendo que a vida, apesar de
curta, dura e incerta, pode nos oferecer momentos de graça, amor, alegria e
beleza.
Por fim, lembre-se de que criar filhos é muito mais do que suprir
necessidades materiais, mas significa participar, interagir, além de viver o
mundo e no mundo daqueles que tanto amamos. Tenha em mente que o pai
não pode se eximir de suas responsabilidades para com os seus. Tornar-se
alheio às necessidades da família e ignorar a educação dos filhos geram
consequências das mais variadas, as quais podem, não muitos anos depois,
produzir dificuldades e comportamentos praticamente irreversíveis nas
relações familiares.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
1. Ensinar a Bíblia aos filhos é uma tarefa exclusiva da mulher?
Explique.
2. Cite alguns textos bíblicos que nos advertem a observar com
diligência o nosso tempo.
CAPÍTULO
QUATRO
Uma Revolta Oriunda
do Distanciamento Relacional
O distanciamento relacional é um problema sério e que precisa ser
tratado com urgência. Permita-me citar um exemplo. Outro dia, um irmão
me disse: “Pastor, não sei como esse menino se transformou nisso. Tudo
bem que, por causa do trabalho, eu não tinha muito tempo com ele, mas
meu filho foi criado na igreja, frequentava a Escola Bíblica... era tão doce
quando criança, e hoje eu o vejo extremamente revoltado. O que será que
aconteceu? Onde eu errei, pastor?”. Pensando nesse caso, é claro que não
posso ser simplista em minha resposta. Falar como se fosse algo simples
seria irresponsabilidade de minha parte. Contudo, respondendo
especificamente ao questionamento de onde ele errou, acredito que, sem
contar outros fatores, esse pai provavelmente não dedicou tempo,
comunhão e intimidade ao seu filho. Mas por que estou supondo isso?
Perceba que Provérbios 22.6 declara que devemos ensinar a criança “no”
caminho que deve andar, e não “o” caminho que deve seguir. Não
entendendo isso, muitos pais, infelizmente, pensam que o mero fato de citar
a Bíblia aos filhos norteará os seus caminhos.
A Palavra de Deus, porém, ensina que educar é muito mais do que
repetir textos ou pressupostos bíblicos. Sim, citar textos das Escrituras
lendo-os em família faz parte da educação, mas não substitui o convívio
diário, em que o pai testemunha aos filhos a aplicabilidade das verdades
contidas na Bíblia e as vive em comunhão. Do que adianta, por exemplo,
ensinar sobre honestidade, e ser desonesto? De que vale pregar sobre
paciência e longanimidade, e demonstrar-se iracundo quando o filho comete
uma “arte” qualquer? O problema é que muitos homens, além de ausentes,
são adeptos do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, ditado
que, na prática, proporciona complicações das mais variadas possíveis na
vida de meninos e meninas.
Pai provedor
O Senhor é onipotente e governa todas as coisas mediante seu infinito
poder. O Senhor é soberano sobre tudo o que acontece na terra e na vida dos
homens. Dele vem todo o sustento para suprir as necessidades da
humanidade e de toda criação. Ele é o Deus da providência e, como o Pai
que cuida dos seus filhos, ouve as nossas orações respondendo com
bondade aos nossos clamores.
As Escrituras nos revelam que o entendimento da providência deve nos
afastar do desespero e, ao invés disso, dar-nos paciência e conforto, força e
esperança nos momentos em que as adversidades se multiplicam. A Palavra
de Deus também nos mostra que o nosso Deus e Pai é aquele que supre as
necessidades de seus filhos. Ensinando aos discípulos a oração dominical, o
nosso Senhor Jesus Cristo disse que eles deveriam orar ao Pai pedindo o
pão de cada dia (Mt 6.10–11). Ademais, no Sermão do Monte, Jesus disse
que os discípulos não deveriam andar ansiosos por coisa alguma, visto que
o Pai celeste sabe do que precisamos (Mt 6.23–34). Portanto, quando
olhamos para a relação entre Cristo e seu Pai, suas orações e respostas, bem
como seus ensinamentos, aprendemos que, assim como o nosso Pai Eterno
supre as nossas necessidades, o pai terreno deve prover aos seus filhos o
necessário para sua subsistência.
Pai amoroso
Em sua primeira epístola, João afirma que Deus é amor (1Jo 4.16); em
seu Evangelho, o discípulo amado nos mostra que Deus amou o mundo de
tal maneira que deu o seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê,
não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). A fim de ilustrar esse
sentimento, relato uma história muito interessante cujas protagonistas eram
duas moças, uma cristã e outra muçulmana: “Certo dia, ao contrário do
costume, elas começaram a conversar sobre a fé que professavam. A cristã
falava de Cristo para a amiga, e a muçulmana contrapunha os argumentos
da colega cristã fazendo apologia a Alá. Num determinado momento,
enquanto cada uma defendia a sua própria fé, a mulher que professava a fé
muçulmana foi tomada por um enorme sentimento de culpa, logo após ter
ousado dizer que amava o seu deus. Os muçulmanos creem que Alá é o
Todo-Poderoso que está sentado em seu trono e que não sente
absolutamente nada pelo ser humano, tampouco se importa com ele; logo,
ninguém pode dirigir-se a Alá como a um amigo e, muito menos,
desenvolver algum tipo de relacionamento pessoal com ele. A simples
ousadia de alguém pensar nisso ou tratá-lo como uma pessoa é considerada
blasfêmia e infidelidade ao islamismo. Segundo o Islã, aquele que age desta
maneira merece ser severamente punido”.
No Alcorão, existe uma lista de nomes que apontam para a
personalidade de Alá. Os muçulmanos têm 99 definições de quem é o seu
deus. Contudo, existem duas definições que nós cristãos usamos para Deus,
e que os muçulmanos jamais poderão usar para com Alá: Deus é Amor e
Deus é Pai. Alguns, a propósito, acreditam que a maneira mais eficaz de se
ganhar um muçulmano para Cristo é dizer-lhe que Deus revelou a si mesmo
na Bíblia como agente de amor e afirmar sua paternidade. A mensagem do
cristianismo é totalmente contrária àquilo que outras religiões pregam e
ensinam. O Deus da Bíblia está pronto a ter um relacionamento pessoal com
você, a ouvir sua criação, falar com ela e amá-la.
Oh, quão maravilhoso é conhecer o Senhor e desfrutar de seu amor e
cuidado! Como é bom saber que em Cristo e por intermédio de Cristo
tornamo-nos filhos e amigos de Deus! Que maravilha é também saber que
somos chamados a amar os nossos filhos segundo o exemplo do amor de
Deus por nós.
Pai protetor
Na oração do “Pai Nosso”, Jesus ensinou os discípulos a orarem ao Pai,
pedindo que os guardasse do mal (Mt 6.13). Sim! O que a Palavra de Deus
nos mostra é que o nosso Pai Celeste é aquele que age com providência em
nossas vidas, guardando-nos do mal. Aliás, basta olharmos para as
Escrituras que veremos inúmeros exemplos de como o Senhor livrou e
protegeu os seus filhos das investidas do adversário das nossas almas. O
Deus revelado na Bíblia é o Pai que não somente provê as nossas
necessidades, mas também nos guarda e protege do mal. Nessa perspectiva,
somos desafiados a olhar para o Senhor, entendendo que como pais terrenos
temos a obrigatoriedade de cuidar de nossos filhos, zelando por eles e os
protegendo. Com isso em mente, entendo que os pais são, de longe, o fator
mais importante na proteção da família. São eles que estão na linha de
frente. E, conforme vemos na Palavra de Deus, cabe aos pais protegê-los
dos “amalequitas” que, com ímpeto, têm se levantado contra as suas
famílias (1Sm 30.1–2).
Muitos, contudo, não compreendem a seriedade desta verdade. “Meu pai
estava sempre ocupado” costumam dizer alguns jovens que foram
“sequestrados” pelas drogas. “Ele falava muito pouco com a gente”,
afirmam moças e rapazes que se perderam no mundo da prostituição; “ele
nunca esteve presente”, diz o adolescente que cresceu apanhando de todos.
Outro dia eu soube que uma criança de apenas quatro anos disse para a sua
professora que gostaria de morrer. Ao ser questionada acerca do motivo
desse terrível desejo, a criança respondeu que não aguentava mais apanhar.
O pai do menino, ausente, nunca estava perto do garoto para protegê-lo da
violência vivenciada. Outro grave problema em nossa sociedade é a
violência doméstica. Nossas igrejas estão repletas de crianças que sofrem
todo tipo de violência por parte de seus familiares. Infelizmente, não são
poucos os meninos e meninas que vivem uma vida de horrores, sofrendo as
agruras de uma relação despótica, ditatorial e abrutalhada.
Uma reportagem da Agência Brasil mostrou os resultados de uma
pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em parceria
com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério de Direitos
Humanos a respeito dos abusos e agressões sofridos por crianças e
adolescentes, na maior parte das vezes, dentro do ambiente doméstico. Diz
a reportagem:
Entre 2009 e 2014 (último ano com informações disponíveis), houve 35.855 encaminhamentos
para hospitalização e 3.296 óbitos. Como geradores, registros de violências física e psicológica
ou de tortura. Os cálculos com base nas informações do Sinan mostram que, em média, 13,5%
das notificações dos três tipos de agressão evoluem para hospitalizações. Além disso, no
período analisado, a cada dia, pelo menos uma criança ou adolescente morreu vítima de maus-
tratos. Somente em 2014, ano mais recente com dados específicos sobre esses registros, foram
7.291 internações e 808 óbitos.
Em 2017, foram notificados 53.101 casos contra meninas, ou seja, 62,2% mais do que os
registros em garotos (32.169). Em 2009, as ocorrências envolvendo somente as jovens
somaram 8.518 (61%). Em 2016, esse índice foi de 59% (41.065 ocorrências).19
Pai disciplinador
A Bíblia nos ensina que Deus corrige a quem ama da mesma forma
como um pai repreende o seu filho (Pv 3.12). A disciplina, portanto, é uma
clara evidência do amor de Deus para com seus filhos. Aqui, vale ressaltar
que ao falar sobre disciplina a Bíblia não está defendendo a ideia de um
deus mau, que deseja o sofrimento dos seus filhos, mas um Pai de amor,
que deseja ver a correção dos caminhos errados.
Em virtude do tempo que vivemos, em que boa parte da população não
gosta de ser contrariada, afirmar que Deus disciplina os filhos é quase um
acinte. Alguns chegam a confundir a correção do Senhor com um suposto
desfavor divino, em que Deus de forma despótica impõe seus caprichos às
pessoas. Visto que a disciplina é uma expressão de amor paternal e que
Deus como Pai disciplina os seus filhos, corrigindo-os e os instruindo no
caminho que devem andar, ouso afirmar que assim como Deus corrige e
instrui seus filhos, pais terrenos devem também corrigir e disciplinar seus
rebentos no temor do Senhor.
Provérbios 13.24 declara que “O que retém a vara aborrece a seu filho,
mas o que o ama, cedo, o disciplina”. Em outras palavras, disciplinar
corretamente as crianças quando são pequenas poupa problemas maiores
mais tarde. A Bíblia admoesta: “Castiga a teu filho, enquanto há esperança,
mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18).
A falta de correção e de instrução traz consequências trágicas, e isso eu
ilustro a seguir. Conta-se que certa mãe tomou uma decisão: “Meu filho
nunca será reprimido. Terá total liberdade para não ser um recalcado e
inibido. Fará na vida o que bem entender. Sou contra a repressão”. Assim
sendo, o menino foi crescendo livre, solto, à vontade. Tudo quanto queria
ele recebia. E não demorou para dar trabalho: a própria mãe já o chamava
de “meu adorável danadinho”. Os vizinhos o chamavam de “peste”. Seu
apelido no bairro era “monstrengo”. E quando reclamavam das diabruras do
garoto, a mãe costumava dizer que “criança é assim mesmo, não
reprimam”. O garoto, então, cresceu libertino, porque sua mãe não o proibia
de nada, enturmou-se com o pessoal do bairro, outros adolescentes livres,
da pesada, e, quando a mãe menos suspeitava, foi chamada à polícia: seu
adorável libertino estava preso, metido com drogas, roubo de carro e
estupro. A infeliz mãe chorou amargamente. Soltou demais o seu filho e,
arrependida, disse: “Hoje entendo porque meus pais me disciplinavam
quando era menina. Filho solto dá no que não presta. A Bíblia está certa
quando diz que a criança precisa ser corrigida e disciplinada” (Pv 22.15;
29.15).
Dito isso, em primeiro lugar, preciso afirmar que disciplinar uma criança
não é feri-la, arrancar sangue, esbofeteá-la, violentá-la ou deixá-la marcada
com hematomas pelas agressões. Na verdade, os que fazem isso cometem
crimes passíveis de punição pelo rigor da lei. Em nenhuma parte da Bíblia é
possível encontrar textos que recomendem aos pais infligir abusos físicos,
emocionais ou morais sobre seus filhos. De acordo com as Escrituras,
nenhum pai ou mãe tem o direito de espancar seu filho, de tirar-lhe a
comida, promover humilhações morais, etc. Tais coisas não constituem
disciplina, mas abuso físico e emocional — uma prova inequívoca de
desequilíbrio dos pais e que precisa ser rechaçado com seriedade e
veemência.
Em segundo lugar, é fundamental entender que a disciplina é um ato de
amor. As Escrituras afirmam isso de forma clara e categórica. Trata-se de
uma expressão de afeto e cuidado paternal. A Bíblia diz em Provérbios
13.24 “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o
disciplina”.
Em terceiro lugar, pais que disciplinam seus filhos quando pequenos
evitam problemas maiores mais tarde. Provérbios 19.18 diz o seguinte:
“Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de
matá-lo”.
E, por fim, corrigir e disciplinar uma criança implica levá-la à reflexão
sobre seus atos e ao arrependimento sincero. A finalidade da disciplina não
é apenas ensinar a criança a obedecer aos pais e às autoridades, mas
também permitir que ela assimile valores e princípios éticos e morais,
entendendo que estes são fundamentais a uma vida plena e saudável e a
relacionamentos construtivos.
Um exemplo bíblico de uma criança que cresceu sem a disciplina
paterna é Adonias, filho do rei Davi. As Escrituras ensinam que o seu pai
nunca o contrariou, nunca lhe perguntou “Jamais seu pai o contrariou,
dizendo: Por que procedes assim?” (1Re 1.6). Davi nunca aborreceu nem
mesmo contestou seu filho, e foi Adonias quem colheu os terríveis frutos
dessa indisciplina em sua vida adulta. Ainda que Davi tivesse boas
intenções, seu filho cresceu sem entender que na vida não se faz tudo o que
quer, nem se obtém tudo o que se deseja. Pelo contrário: mesmo um filho de
rei experimenta frustrações.
Caro leitor, a ausência de disciplina na educação dos filhos foi trágica
para Davi. O grande rei, homem segundo o coração de Deus, falhou na
educação de Adonias pelo simples fato de não o ter repreendido, ou mesmo
o disciplinado. Uma criança indisciplinada nunca aprenderá o que significa
o domínio próprio, pois sempre terá em perspectiva o seu próprio caminho.
Pais amorosos não têm um prazer mórbido na disciplina, mas a consideram
necessária pelo bem da educação de seus filhos. A verdade é clara: a
criança entregue a si mesma traz vergonha a seus pais (Pv 29.15).
Pai presente
A Pergunta 7 do Catecismo Maior de Westminster20 afirma que Deus é
“Espírito, em si e por si infinito em seu ser, glória, bem-aventurança e
perfeição; todo-suficiente, eterno, imutável, insondável, onipresente,
onipotente, onisciente, infinito em sabedoria, santidade, justiça,
misericórdia, graça e longanimidade; cheio de toda bondade e verdade (Êx
3.14, 34.6; 1Re 8.27; Sl 90.2; Is 6.3; Jr 23.24; Ml 3.6; Jo 4.24; Rm 11.33,
16.27; At 17.24, 25; Hb 4.13; Ap 4.8, 15.4)”. E, apesar de sua grandeza,
majestade e poder, esse Deus magnânimo é pessoal. Ele é um ser
individual, com autoconsciência e vontade, capaz de sentir, escolher e ter
um relacionamento recíproco com outros seres pessoais e sociais, fazendo-
se presente entre o seu povo. Deus sempre foi um Deus presente. As
Escrituras revelam o Senhor como um Deus pessoal e que se relaciona com
os seus filhos de forma paternal. Jesus, por exemplo, por diversas vezes,
disse aos discípulos “vosso Pai”, referindo-se ao modo como Deus se vê em
relação aos crentes.
Observe que o Senhor, o Todo-Poderoso, o Soberano e Excelso Deus se
vê como nosso Pai e revela nas Escrituras sua paternidade de diversas
formas, em provisão, proteção, amor, cuidado, disciplina e, claro, presença
constante. O Salmo 23, por exemplo, nos mostra que o Eterno Deus é um
Deus maravilhoso. Davi nos traz o relato de que o mesmo Senhor sobre
tudo e todos, reinando soberanamente sobre céus e terra, é também nosso
pastor, levando-nos às águas de descanso, refrigerando nossas almas,
permanecendo ao nosso lado em todos os instantes desta vida fugaz. Essa
aparente dicotomia é encantadora, visto que um Deus supremo e
magnânimo está disposto a se relacionar com seres finitos como nós,
mostrando-se presente em cada instante de nossas miseráveis vidas, seja
enquanto andamos pelo vale da sombra da morte, seja enquanto nos
sentamos à mesa do banquete.
Saiba, leitor, que esse é o Deus Soberano que se faz presente e pessoal
na vida de seus filhos, ensinando-lhes a necessidade de fazer-se presente na
vida daqueles que o Senhor nos confiou.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
1. Defina e explique o conceito de paternidade.
2. O que aprendemos quando olhamos para a relação entre Cristo
e seu Pai?
3. De que maneira o Deus da Bíblia está pronto a ter um
relacionamento pessoal conosco? Como isso reflete em nosso
relacionamento com nossos filhos?
4. De acordo com a perspectiva bíblica de Deus como o Pai da
Providência, de que forma devemos agir como pais terrenos
para com os nossos filhos?
5. O que Provérbios nos ensina sobre a disciplina dos filhos?
6. Diga o que não é disciplina bíblica.
7. O que Deus nos ensina mediante sua paternidade sempre
presente?
CAPÍTULO
OITO
Os Deveres dos Pais
para com os seus Filhos
Crie seus filhos a fim de prepará-los para o mundo
Muitos pais têm errado na educação de seus filhos, pois não os criam
para o mundo, mas para si mesmos. Vivemos num tempo extremamente
complicado, em que a relação entre pais e filhos é simbiótica, quase
idolátrica. A “infantolatria” é uma grave característica dos nossos dias, uma
vez que, em nome do amor, pais colocam seus filhos no centro de tudo, fato
nítido nas atividades cotidianas desenvolvidas pela família. Assim, tornou-
se comum os filhos escolherem o que e onde comer, as músicas a serem
ouvidas, os programas e os filmes a serem assistidos e muito mais. Em
resumo, em lares onde as crianças são paparicadas, elas é que comandam o
que acontece e o que deixa de acontecer.
Outro cenário problemático é a presença precoce das crianças nas redes
sociais. Agora, lendo isso, talvez você se pergunte: mas o que isso tem a ver
com as redes sociais? Que relação existe entre a “infantolatria” e o
Facebook?
Nenhuma, respondo eu. Todavia, o Facebook denuncia a centralidade da
criança na vida da família. Ora, por favor, pare e pense. Quantos não são os
pais que, diariamente, publicam fotos enaltecendo seus pequenos reizinhos?
É claro, não existe nenhum problema em publicar fotos, contos e “causos”
protagonizados pelos pequeninos. Contudo, o que tenho visto nas redes
sociais é uma supervalorização das crianças, exaltando-as em todos os
momentos, colocando-as num patamar quase de infalibilidade. Como já diz
o nome, a “infantolatria” pode proporcionar problemas sérios aos seus
filhos. Pais que fazem dos seus rebentos pequenos reis têm dificuldade de
impor limites, de frustrar suas vontades e até mesmo, quando necessário,
exercer a disciplina, o que obviamente contribui para o impedimento da
maturação emocional da criança. Na verdade, pais que mimam seus filhos,
sem que percebam, cooperam para que eles vivam uma vida sem
“aborrecimentos”, o que efetivamente os atrapalhará na construção de
relacionamentos profícuos ao atingirem a fase adulta.
A consequência disso tudo são filhos “encastelados”, despreparados para
as demandas do cotidiano, incapazes de lidar com problemas e frustrações.
Embora a paternidade, evidentemente, signifique ser amigo, sacerdote,
parceiro, irmão e companheiro de jornada do seu filho, essa realidade não
lhe concede o direito de criá-los de forma egoísta, colocando-os num tipo
de bolha. Cabe aos pais criar filhos para o mundo, torná-los autônomos,
libertos e capazes de viverem suas vidas longe daqueles que os geraram.
A cultura brasileira, no entanto, é possessiva quanto à criação de filhos,
mesmo porque, na cabeça de muitos pais, só pensar na possibilidade de os
filhos crescerem ou mesmo morarem longe quando atingirem a vida adulta
é um verdadeiro martírio. Nessa perspectiva, ainda que de forma
inconsciente, muitos pais têm construído invólucros afetivos cujo propósito
é ter sempre aos seus pés o filho amado. O problema é que, ao agir desta
forma, muitos pais evitam o amadurecimento dos filhos, promovendo assim
um tipo de engessamento que os impede de caminhar, crescer e frutificar.
Finalmente, embora os filhos sejam bênção, o Senhor os dá não para que os
idolatremos, mas com o fim de os prepararmos para que expressem a glória
do Senhor diante deste mundo mal.
A Noviça Rebelde
Procurando Nemo
À Procura da Felicidade
A Guerra do Amanhã
O Patriota
Homens de Coragem
Corajosos
À Prova de Fogo
O Impossível
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* Nas palavras de Franklin Ferreira em coautoria com Alan Myatt, nas p. 248–249 de sua Teologia
Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2008):
“Ao responder às feministas, notamos que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento
usam o gênero masculino quando se referem a Deus. Uma das muitas analogias usadas é a analogia
paterna.69 Isto seria um indício de que Deus é do gênero masculino? Alister McGrath escreve:
‘Falar em Deus como pai é dizer que o papel do pai no antigo Israel permite compreendermos melhor
a natureza de Deus. Isso não significa dizer que Deus seja do gênero masculino. Nem a sexualidade
masculina, nem a sexualidade feminina devem ser atribuídas a Deus. Pois a sexualidade é um
atributo que pertence à ordem da criação, sendo inadmissível aceitar uma correspondência direta
entre esse tipo de polaridade (homem/mulher), conforme se observa na criação, e o Deus criador.
Na verdade, o Antigo Testamento evita atribuir funções sexuais a Deus, devido à ocorrência de fortes
traços pagãos nesses tipos de associações. Os cultos à fertilidade dos cananeus davam ênfase às
funções sexuais tanto dos deuses quanto das deusas; portanto, o Antigo Testamento recusa-se a
endossar a ideia de que o gênero ou a sexualidade de Deus seja uma questão importante’.
Assim, para McGrath, qualquer tentativa de atribuir sexualidade a Deus representa uma volta ao
paganismo. Ele continua: ‘Não há a menor necessidade de trazer de volta as ideias pagãs dos deuses e
deusas para resgatar a noção de que Deus não é nem masculino nem feminino; essas ideias já estão
potencialmente presentes, se não forem negligenciadas, na teologia cristã’.70
Na verdade, existem imagens maternais de Deus na Escritura. Deus é revelado como uma mãe-
pássaro (Rt 2.12; Sl 17.8; Mt 23.37), uma mãe-ursa que luta para proteger seus ursinhos (Os 13.8) e
como uma mãe que consola seus filhos (Is 66.13). A presença de imagens paternais e maternais é
evidência que apoia a conclusão de McGrath. Deus transcende as categorias do gênero humano. Não
obstante, em lugar nenhum a Bíblia chama Deus de ‘mãe’. Portanto, o título ‘mãe’ não deve ser
próprio para se falar da pessoa de Deus. Podemos reconhecer a plenitude da riqueza das imagens
bíblicas de Deus, sem ir além da linguagem que a própria Bíblia emprega ao descrevê-lo”. (N. do.
Ed.)