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Curso de capacitação SME Ilhabela – janeiro 2023

Resenha 1

La educación prohibida, 2012


Documentário, Argentina, 145 min
Dir. German Doin, Verónica Guzzo

Ao comentar os efeitos produzidos pelas pedagogias contemporâneas a partir do pensamento de


Michel Foucault, Julio Groppa chama nossa atenção para algo capcioso: tais discursos de mudança e
progresso social não se confundiriam também com a mesma discursividade presente naquilo que
supostamente combatem, ou seja, a racionalidade moderna? Segundo o autor, romper com tal
lógica discursiva implica abordar criticamente os excessos e as saturações do presente. Antes de
realizar uma leitura explicativa das ideias foucaultianas, conferir potência ao ato docente exigiria não
cair em armadilhas idealizadoras nem em binarismos, não induzir nem censurar ideologias
pedagógicas, mas bloquear seus regimes instituintes de poder, aventurando-se na descontinuidade
da história humana através do repertório dos mortos, pela “distribuição social de narrativas tidas
como indispensáveis” (674).

Essa tarefa lançaria um olhar sobre a educação como experiência social no mínimo múltipla, de
efeitos ambíguos e incertos, portanto, uma prática de observação cuidadosa dos desvios produzidos
pelo discurso, cuja circulação atende a finalidades específicas (políticas, estéticas, empreendedoras,
científicas) ao sabor das exigências históricas.

Não parece ser essa a intenção do filme La Educación Prohibida. Tomemos como ponto de partida a
fala do professor conferencista e titular da Universidad Libre (Colômbia), autor de 26 livros, Carlos
Alberto Jiménez Vélez, quando abre bem os braços e afirma que a educação não pode acontecer de
forma segmentada, onde “aqui ensinamos Ciências, aqui ensinamos Estudos Sociais, isto não é
educação integral”. Comunidades de aprendizagem, cidades do conhecimento, aldeia global e outras
idealizações impregnadas de valoração são apresentadas por mais de duas horas.

Endossando uma retórica ativista, o filme adere ao que Masschelein e Simons descrevem como
táticas de desescolarização, aglutinando lugares comuns para santificar a tríade
liberdade/autonomia/afetividade (p. 679) a partir de falsificações perigosas que uniformizam toda
experiência escolar em autoritarismo, dominação, desperdício de tempo, enclausuramento,
buscando legitimar uma suposta sociedade do conhecimento sem submeter seu próprio discurso à
critica.

Referência

AQUINO, Julio Groppa. Defender a escola das pedagogias contemporâneas. Educação Temática
Digital, Campinas, SP, v. 19, n. 4, p. 669-690, out-dez 2017.

Felipe Tonelli
Curso de capacitação SME Ilhabela – janeiro 2023

Resenha 2

Waiting for Superman, 2010


Documentário, EUA, 111 min
Dir. Davis Guggenheim

“And I've got a message to give to you


Here come the planes
So you better get ready
Ready to go
You can come as you are, but pay as you go
Pay as you go”

Oh Superman, música de Laurie Anderson, no álbum Big Science (1982)

O documentário dirigido por Guggenheim, diretor aclamado por produções que tematizam questões
de grande comoção pública, ganhou destaque na cena midiática internacional da última década
como peça fundamental de divulgação das políticas de flexibilização da oferta escolar. Os
argumentos apresentados pelo filme circulam desde os anos 70 nas cartilhas neoliberais do BM,
BIRD e FMI, disseminam avaliações negativas e assustadoras sobre a situação educacional, mas não
estabelecem análises profundas a respeito de alguns aspectos essenciais desse projeto: a
propriedade dos bens patrimoniais, relações trabalhistas, governança, transparência e
responsabilidade pública - como já apontou a professora Norma Krawczyk.

O fato é que este modelo ganhou mercado no Brasil. Na votação da EC 108, que regulamentou o
FUNDEB, observamos a sanha de agentes do capital buscando abocanhar o orçamento público
(quantia equivalente a quase 16 bilhões de reais). Tais processos estão em curso, pautando eleições
de parlamentares que promovem “renovação política”, contratações de consultorias, formações
docentes, sistemas de avaliação e de designação de gestores, programas de recuperação de
aprendizagem no pós-pandemia, fornecimento de materiais didáticos e paradidáticos, e seus
resultados mais visíveis aparecem na proposta do novo Ensino Médio e nos convênios com
instituições privadas que atendem ao segmento da Educação Infantil em diversos municípios.

O aspecto mais controvertido do filme está nas conclusões superficiais que são tomadas como
regime de verdade, por exemplo quando menciona a probabilidade de um professor ser “cassado”
(1 em 2500), comparado a um médico (1 em 57) ou a um advogado (1 em 97). A quantidade de
profissionais em exercício para cada categoria é equivalente? Quantos médicos existem naquele
país? E quantos professores? A responsabilização por um evento danoso que acontece numa mesa
de cirurgia ou diante da protelação ou omissão no exercício jurisdicional são da mesma índole que a
atividade docente, cuja natureza é sistêmica?

Em certo momento um gráfico nos revela a quantidade necessária de “maus professores” a serem
dispensados para o sistema atingir seu ponto ideal (o sistema Finlandês, no caso). Jamais estive em
nenhum desses países, porém sei que são duas sociedades bastante diferentes, com reflexos nos
seus respectivos sistemas de ensino. Se a efetividade da intervenção didática não pode ser traçada
em uma linha reta, pelo menos este parece ser um início de discussão que o filme pode promover,
ainda que às avessas: quando há atenção ao trabalho docente realizado dentro e fora da sala de
aula, e não sua conversão em publicidade, aí sim algo pode ser transformado.

Felipe Tonelli

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