Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O primeiro destes venenos é a ignorância. É um veneno básico que toca todos os seres. Ignorância
não é propriamente o desconhecer de algo. É uma experiência muito sutil, na qual desenvolvemos as mais
variadas fixações sem perceber. Quando operamos numa fixação, todo o universo toma sentido a partir disto.
Aplicamos este referencial para definir o que é vantajoso e o que não é.
O segundo veneno é a aversão, a raiva, a explosão, uma espécie de recurso que usamos quando nossa
fixação é ameaçada. Quando sentimos a ameaça, entendemos que precisamos de uma energia extra. Esta
energia extra gera uma violência, uma ação agressiva. Mas a agressão não acontece se não houver algo a ser
defendido. Então deve haver uma definição prévia do aspecto a ser defendido, mesmo que não seja
consciente.
O terceiro veneno é a atividade incessante, ligada à sensação de carência, urgência, desejo, apego. A
partir de nossa fixação, consideramos que existem elementos que vão nos favorecer e tornar as condições ao
nosso redor mais estáveis, de modo que aquilo a que nos fixamos possa ser sustentado mais facilmente e com
mais segurança. Assim, estamos incessantemente preparando condições mais favoráveis e tentando remover
o que nos traz perigo. A sensação de perigo ou de vantagem surge das próprias fixações.
Veremos exemplos destas manifestações em todas as direções que olharmos. Estes três aspectos são a
microestrutura de nossa identidade, que só surge se houver fixações. Junto com as fixações temos a
possibilidade de explosão e a atividade incessante que busca produzir estabilidade sem explosão. Com base
nisto cada um de nós pode avaliar melhor o que anda fazendo em sua vida e quais as causas de suas
dificuldades e instabilidades.
Precisamos entender que, quando fixamos referenciais e nos colocamos em marcha, ficamos sob domínio da
impermanência. Mais dia, menos dia, aquilo que construímos, aquilo em que nos fixamos, vai se mover. É o
que o Buda chama de experiência cíclica. Ou seja, iniciamos num ponto, fazemos tudo crescer e num certo
momento aquilo volta a se dissolver e a produzir uma experiência de sofrimento, ansiedade, dor.
Olhamos os seres ao nosso redor e as circunstâncias concretas em que estamos imersos a partir de nossas
fixações. Quando surgem as dores, sentimos como se viessem de fora. Se estamos num jogo de futebol, não
pensamos que a dor vem de estarmos fixados no campeonato. Pensamos que a dor vem porque o adversário
fez um gol. Então temos alguém para culpar, temos um adversário. O fato de estarmos num campeonato
pressupõe vitória e derrota. E é assim em tudo.
Se temos fixação por resultados e nos movemos incessantemente para produzir o que consideramos
favorável, não entendemos que isto seja um problema. Achamos que as circunstâncias externas não foram
suficientemente favoráveis para que tivéssemos êxito. Desejamos que as circunstâncias externas se
transformem e fazemos um esforço incessante para que isto aconteça.
Os seres humanos estão sempre mudando alguma coisa em suas vidas. Tentamos mudar as coisas concretas
ao nosso redor. Erguemos cidades, destruímos florestas, construímos estradas e unidades fabris, e
acreditamos que precisamos de mais e mais circunstâncias favoráveis.
Também tentamos transformar a nós mesmos o tempo todo, buscamos outras aptidões e novas qualidades.
Tentamos transformar os filhos, a esposa, o marido, todos que convivem conosco. Todas as coisas são vistas
como favoráveis ou desfavoráveis. Sentimo-nos bem, sentimo-nos mal, sempre na dependência destes
fatores.
Temos uma espécie de impermanência interna. É como se trocássemos de time de quando em quando. A
pessoa torce pelo Atlético, de repente muda para o Coritiba. E aí tudo fica ao contrário: antes ela queria que
todos torcessem pelo Atlético, agora pode até tornar-se inimiga dos antigos companheiros. Vivemos num
incessante processo interno de transformação de referenciais. Na medida em que eles se transformam,
olhamos ao redor com olhos diferentes, e isto produz sofrimentos correspondentes.
Nós estamos num processo de buscar a felicidade e se afastar do sofrimento. Temos uma consciência
dual e, no meio disso, encontramos chaves duais, comportamentos duais. Esses comportamentos duais são a
decorrência natural daquele esforço de encontrar soluções. Por nos encontrarmos presos na dualidade, só
podemos ter soluções duais. Assim, geramos as seis emoções perturbadoras, que são, orgulho, inveja,
desejo/apego, obtusidade mental, carência e raiva.