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PUERICULTURA

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Puericultura. São Paulo: SJT Editora, 2016.
ISBN 978-85-8444-103-7

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Sumário
1 Introdução ............................................................................................................................................... 9
2 Crescimento da criança ...............................................................................................................11
3 Adolescência e puberdade......................................................................................................37
4 Distúrbios do crescimento........................................................................................................45
5 Caso clínico para revisão ........................................................................................................... 51
6 Desenvolvimento infantil............................................................................................................54
7 Aleitamento materno ................................................................................................................... 58
8 Alimentação infantil ......................................................................................................................68
9 Avaliação do estado nutricional ...........................................................................................74
10 Sobrepeso e obesidade em pediatria ............................................................................ 82
11 Raquitismo e disvitaminoses ................................................................................................. 87
12 Imunização........................................................................................................................................... 93
13 Segurança e prevenção de injúrias na infância......................................................110
14 Transporte veicular de crianças .........................................................................................114
15 Abuso e maus tratos à criança ............................................................................................118
16 Questões para Treinamento –
Crescimento e desenvolvimento...................................................................................... 129
17 Gabarito Comentado..................................................................................................................158
18 Questões para Treinamento –
Tópicos de nutrologia ...............................................................................................................176
19 Gabarito Comentado.................................................................................................................. 214
20 Questões para Treinamento –
Segurança e maus tratos em pediatria ....................................................................... 236
21 Gabarito Comentado..................................................................................................................245
22 Questões para Treinamento –
Imunizações ..................................................................................................................................... 250
23 Gabarito Comentado................................................................................................................. 264

600
Questões Comentadas
CAPÍTULO

1
Introdução

O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza são domínios em que nos é


consentido ficar crianças toda a vida..
Albert Einstein

€ lactente: 29 dias a 2 anos;


Constituição Federal, € pré-escolar: 2 a 5 anos;
Art. 227 € escolar: 6 a 10 anos;
€ adolescente: 10 a 20 anos (destaca-se o fato
“É dever da família, da sociedade e do Estado mais atual de que a adolescência é área de atu-
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta ação da Pediatria, área médica conhecida como
prioridade*, o direito à vida, à saúde, à alimentação, Hebiatria ou Medicina de Adolescentes).
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.” Diagnósticos
*Grifo nosso, atentando ao fato de ser o único
momento em que a expressão absoluta prioridade
pediátricos
aparece em nossa Constituição. A prática da atenção à saúde de crianças e ado-
lescentes deve englobar ações educativas e preventi-
vas. O exercício da Pediatria também está alicerçado
na detecção precoce dos agravos que comprometam
Faixas etárias a saúde dessa população e, eventualmente, nas ações
intervencionistas para a correção desses problemas.
pediátricas Entretanto, no seguimento pediátrico, para adequada
avaliação e monitorização da saúde infantil, atenção
Para a uniformidade dos conceitos discutidos especial deve ser dedicada aos denominados diagnós-
neste material, adota-se a seguinte denominação para ticos pediátricos gerais, que são percepções bási-
as faixas etárias em Pediatria: cas, obrigatórias e particulares da criança, que todo
€ recém-nascido ou neonato (RN): 0 a 28 dias atendimento pediátrico de rotina deve contemplar.
de vida; Estes incluem:
10
Puericultura

€ avaliação e diagnóstico de crescimento e matu- € avaliação e orientação sobre segurança e risco


ração sexual (quando pertinente); de acidentes.

€ avaliação e diagnóstico do estado nutricional da A ação básica do pediatra é o acompanhamento,


criança/adolescente (eutrofia ou distrofia); visto que a essência dessa especialidade é o cuidado de
um “ser em desenvolvimento”. Ao oferecer condições
€ avaliação e diagnóstico do desenvolvimento satisfatórias e detectar fatores de interferência para o
neuropsicomotor (DNPM); adequado processo de crescimento e desenvolvimento
infantil, propicia-se a oportunidade de a criança atingir
€ diagnóstico e avaliação da alimentação da crian-
ça/adolescente; seu potencial completo quando adulto. Em um calendá-
rio de avaliações periódicas, o qual permite detecção e
€ diagnóstico da situação vacinal (imunização) da intervenções precoces, se estabelece o seguimento pe-
criança/adolescente; diátrico ideal e as ações da verdadeira Puericultura.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

2
Crescimento da criança

As crianças são quase sempre felizes, porque não pensam na felicidade. Os velhos são muitas
vezes infelizes porque pensam demasiadamente nela.
Paolo Mantegazza

o crescimento. Essa é uma herança direta de seus


Introdução pais, mas que também se relaciona de maneira
imediata com o(s) grupo(s) étnico(s) que os mes-
A análise e a vigilância do crescimento consti- mos integram. Entretanto, e de modo mais espe-
tuem ações fundamentais do pediatra, sendo também cial, o fenômeno do crescimento é bastante sensí-
os diagnósticos do estado nutricional e do crescimen- vel às influências externas, fatores considerados
to das crianças reveladores e indicadores de saúde de extrínsecos ou exógenos. Desta forma, mesmo
uma população. A monitorização do crescimento in- reconhecendo a importância dos fatores da “pro-
fantil permite a detecção precoce de atrasos e desvios, gramação pré-estabelecida”, a real evolução do
os quais deverão ser seguidos por adequadas medidas crescimento acaba sendo modulada também pelo
corretivas e de investigação. ambiente. Condições relacionadas à saúde e à nu-
O crescimento, componente físico (somáti- trição da gestante, nutrição infantil e morbidade,
co) das transformações da criança em desenvolvi- sem dúvida alguma, influenciam no crescimento
mento, é um fenômeno multifatorial, determina- infantil. Entretanto, o ambiente deve ser enten-
do por dois conjuntos de fatores: os intrínsecos e dido na sua concepção mais ampla, incluindo uma
os extrínsecos. Os fatores intrínsecos, endógenos variedade de fatores e características sociais, eco-
ou constitucionais são representados pela com- nômicas, culturais, psicológicas e biológicas que
plexa integração hormonal e pela bagagem/ins- o compõem e nos quais o indivíduo está imerso
trução genética que o indivíduo carrega desde a durante toda a sua vida. Assim, de uma adequada
sua concepção e que identifica o seu potencial para interação biológica-ambiental resulta o cresci-
12
Puericultura

mento normal de uma criança, que, apesar dessa 24


23
complexidade, até certo ponto, ocorre de maneira
22
previsível. Espera-se, particularmente se o puericultor 21
cumpre o seu papel de monitorar as condições ambien- 20
tais mais favoráveis possíveis, que, na fase adulta, haja 19
a expressão máxima do potencial genético. 18

Velocidade de crescimento cm/ano


17
Em cada etapa do crescimento humano, fatores 16
intrínsecos e extrínsecos tomam maior ou menor 15
importância nessa interferência no crescimento. Ao 14
nascer, por exemplo, o peso e a estatura da criança 13
12
relacionam-se melhor com as condições de vida in-
11
trauterina (ambiente) do que com a herança genéti-
10
ca. Da mesma forma, durante o primeiro ano de vida, 9
alimentação adequada, estímulos, carinho da família 8
e ausência de doenças propiciam, de maneira geral, 7
um crescimento adequado. Por outro lado, quando 6
5
um adolescente preocupado com sua estatura é aten-
4
dido, informações relacionadas à altura e ao desen- 3
volvimento puberal dos pais devem, agora, necessa- 2
riamente ser avaliados. 1

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Idade (anos)

Figura 2.1 Curva de velocidade de crescimento ex-


Etapas do crescimento pressa pela idade (VC).
Para a monitorização do crescimento esque-
lético, utiliza-se uma variável de avaliação evo- A observação da curva de velocidade de cresci-
lutiva, que permite acompanhar os incrementos mento permite a identificação de três momentos fun-
anuais de estatura: a velocidade de crescimen- damentais do crescimento humano:
to (VC), expressa na unidade “centímetros por Fase 1 (lactância): fase de crescimento rápido,
ano”. Esses dados podem ser projetados em função porém desacelerado. A velocidade de crescimento do
da idade, resultando em uma curva de velocidade de primeiro ano de vida é a mais alta da vida extrauterina
crescimento (Figura 2.1). A análise da velocidade e é cerca de 25 cm/ano, reduzindo-se drasticamente
de crescimento se constitui como o método mais nos dois primeiros anos de vida.
sensível para se reconhecer os desvios do cresci-
mento normal. Fase 2 (infância propriamente dita): fase
de crescimento lento, mas estável e constante. São
O crescimento apresenta fases distintas, caracte- comuns nos consultórios pediátricos queixas familia-
rizadas por amplas variações em sua velocidade, rela- res do tipo “meu filho não come” e “meu filho não
cionadas à oferta alimentar, às influências psicossocial cresce”, por ser um momento de “baixa” velocidade
e ambiental, bem como à ação hormonal predominan- de crescimento, particularmente quando comparada
te em cada fase. à fase pregressa. A VC média varia de 4 a 6 cm por
O crescimento intrauterino é composto por uma ano (5 a 7 cm/ano, segundo algumas referências) e é
fase inicial (embrionária) com intensa proliferação ce- chamada de infantil ou pré-puberal, pois somente se
lular, caracterizando um período acelerativo do cresci- modificará na fase seguinte.
mento, no qual o incremento estatural chega a valores
Fase 3 (puberdade): novamente uma fase de
da ordem de 10 cm por mês (entre o quarto e quinto
crescimento rápido, com aceleração e posterior desa-
meses de gestação). Segue-se uma fase de crescimen-
celeração, até, finalmente, o término do processo de
to estatural menor, embora de maior incremento de
crescimento.
peso. Assim, considera-se que a aceleração do
crescimento intrauterino ocorra particularmen- Os períodos de intenso crescimento são momen-
te na primeira metade da gestação, havendo uma tos de grande vulnerabilidade aos agravos exógenos,
desaceleração no final do período gestacional. A particularmente os nutricionais, que, quando ocorrem,
criança nasce, portanto, expressando um movimento promovem prejuízos irreparáveis. Serão momentos nos
desacelerativo de seu crescimento estatural, que pode quais a vigilância deve se intensificar. Atualmente, aten-
ser graficamente observado na curva de velocidade de ção especial tem sido dedicada ao acompanhamento de
crescimento pós-natal. crescimento na terceira fase do crescimento (adoles-

SJT Residência Médica – 2016


13
2 Crescimento da criança

cência); historicamente, sempre houve muita atenção e a análise desses parâmetros, recorrem-se aos re-
cuidado com os bebês (puericultura clássica), justificada ferenciais, construídos com base em amostras
pelo intenso crescimento que aí se processa. Não pode- representativas da variabilidade de uma popula-
mos desconsiderar, entretanto, que agravos que ocor- ção. Em Pediatria, esses instrumentos são comumente
ram durante a puberdade (e não são raras as situações conhecidos como “curvas de crescimento”. Na prática
de doenças crônicas que nesse período se manifestam diária, os referenciais antropométricos são de extre-
ou distúrbios nutricionais e transtornos alimentares, ma utilidade em Pediatria, pois ainda não se dispõe de
como alguns exemplos) comprometem sobremaneira a instrumentos que permitam predizer, de maneira in-
estatura final do indivíduo. dividualizada, qual é o padrão normal de crescimento
da criança ou do adolescente avaliado. Como conse-
quência, a única forma mais objetiva de avaliar
a normalidade é comparar as medidas de cada
Monitorização do indivíduo com as de seus pares, isto é, crianças
e adolescentes de mesma idade e mesmo sexo, e
crescimento e os analisar a evolução de seus parâmetros antropo-
métricos em função da idade. Dessa forma, os estu-
referenciais dos auxológicos populacionais geram curvas úteis para
a avaliação do crescimento e do estado nutricional de
Uma das tarefas do puericultor na avaliação do uma população, mas também se constituem no instru-
crescimento de uma criança é a identificação de fato- mento do pediatra para avaliar o crescimento de seus
res de risco que o comprometam. Um pré-natal bem pacientes individualmente. Nesses instrumentos, são
realizado já é a primeira profilaxia para agravos identificados os pontos de corte para a interpretação da
estaturais futuros. Em uma anamnese cuidadosa, da- “normalidade” do parâmetro estudado. Alguns critérios
dos de instrução e profissão dos pais, das condições ha- são necessários para a construção de um adequado refe-
bituais de vida da criança (saneamento ambiental, salu- rencial de crescimento, como a utilização de indivíduos
bridade domiciliar), acesso aos recursos de saúde, renda normais e sadios, amostragem randomizada, equipa-
familiar, condições de gestação e nascimento (doenças mentos de aferição adequados e calibrados e utilização
maternas, uso de medicamentos ou drogas, peso e com- de procedimentos estatísticos e matemáticos corretos
primento ao nascer, intercorrências perinatais), passa- no tratamento dos dados. O objetivo de todos esses cui-
do e presente mórbido na infância, história alimentar e dados é produzir dados precisos, acurados e confiáveis.
padrão de crescimento familiar facilitam a identificação
Os dados podem ser coletados prospectivamen-
de fatores de risco para os distúrbios de crescimento. te, ao longo do tempo, sempre da mesma amostra de
O maior desafio que então se estabelece é a crianças, mensuradas em diversas idades à medida que
avaliação da normalidade do crescimento. Para crescem. Esse tipo de estudo é chamado de longitudi-
tanto, utiliza-se a análise de parâmetros mensu- nal. Como alternativa se utilizam diversas amostras de
ráveis (antropometria clínica). Com equipamentos crianças e adolescentes, de diferentes idades, medidas
simples (balança, régua e fita métrica), peso, comprimen- num mesmo momento, cujos dados são posteriormen-
to (estatura da criança deitada, obtida com a régua antro- te tratados matematicamente como se fossem de uma
pométrica horizontal, até cerca de dois anos) ou altura mesma amostra acompanhada ao longo do tempo. Essa
(estatura da criança em posição ortostática, aferida com forma de elaboração de referenciais é a mais frequente
estadiômetro vertical), perímetro cefálico, perímetro na literatura e corresponde aos estudos denominados
braquial, pregas cutâneas, diâmetros, relação segmento transversais. Realizados todos os cálculos com base
superior/inferior e outros índices podem ser facilmente em modelos matemáticos complexos, os valores
obtidos. Essas medidas podem ser tomadas e ana- são reunidos em tabelas e gráficos, organizados
lisadas de forma isolada ou, o que é preferível, de sob a forma de percentil e/ou de escore z.
maneira sequencial (evolutiva), derivando-se o Na clínica pediátrica prática, o percentil é
conceito de tendência e de velocidade, pois o cres- uma escala muito utilizada, devido à sua simplici-
cimento é um processo contínuo e dinâmico. Em dade de interpretação. Percentil é um termo esta-
particular, as medidas de estatura devem ser to- tístico e refere-se à posição ocupada por determi-
madas a intervalos entre quatro a seis meses, pois, nada observação no interior de uma distribuição.
sendo o crescimento um fenômeno que sofre osci- Para obtê-lo, os valores da distribuição devem ser orde-
lações, medidas consideradas em intervalos muito nados do menor para o maior, em seguida, a distribuição
curtos podem induzir erro de cálculo. é dividida em 100 partes de modo que cada observação
Sendo o crescimento caracterizado basica- corresponda a um percentil daquela distribuição. O per-
mente pela variabilidade individual, as obser- centil, indicado com a letra “p” seguida do número que
vações são baseadas na posição do indivíduo em lhe corresponde, portanto, situa o parâmetro estudado
relação a um grupo de referência. Portanto, para em relação ao grupo de 100 (cem) de seus semelhantes.

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14
Puericultura

P50, por exemplo, indica que 50% das crianças rência, dividido pelo desvio-padrão dessa população.
estão acima dessa cifra, e 50% abaixo. No caso de Exemplo: se para meninos de 7 anos a altura média é
uma criança que está no percentil 70 de peso para de 121,7 cm e o desvio-padrão da medida é de 5 cm,
idade, interpreta-se que 70% das crianças na mes- um menino que tenha uma altura de 124 cm terá um
ma idade têm peso inferior e que 30% têm peso escore Z de 0,46 de altura para a idade.
maior. Assim, os valores de tendência central (próximos
Média ou mediana
ao percentil 50) são também os mais frequentemente ob-
p 50
servados na população normal, enquanto os de extremos
são os mais raros. Essa característica proporciona a quem
utiliza a classificação em percentil uma percepção quase
p 0.13 p 2.28 p 15.8 p 84.2 p 97.72 p 99.87
intuitiva do risco de anormalidade (ou de normalidade),
do parâmetro observado. Quanto mais próximo dos va-
p 10 p 90
lores extremos for o valor obtido do paciente, menor será
sua chance de ser normal, embora, por definição, ainda
possa sê-lo, pois todos os valores previstos no gráfico são p3 p 97
de indivíduos supostamente normais, mesmo que alguns
sejam muito pouco frequentes na população.
Quando se estudam os dados antropométricos
de um grupo de indivíduos, os dados dispostos em -3.0
-1.881 -1.282
-2.0 -1.0 0.0 1.0
1.282 1.881
2.0 3.0
um gráfico de valor e frequência originam uma cur- Escore Z
va em forma de sino, uma curva de distribuição nor-
mal (curva de Gauss). O pico da curva corresponde Figura 2.2 Curva de Gauss evidenciando as cor-
à mediana (que coincide com a média) dos dados. O relações entre percentil e escore Z e sua distribuição ao
desvio-padrão (dp) é a forma matemática que permite redor da mediana.
quantificar o grau de dispersão dos dados em relação
ao ponto central. A distância da mediana é avaliada em Esco- Per-
Interpretação
unidades de desvios-padrão, considerando-se que cada re-z centil
desvio-padrão de diferença da mediana corresponde a -3 0,1 Espera-se que em uma população saudável
uma unidade de escore z. Para variáveis que seguem a sejam encontradas 0,1% das crianças abaixo
distribuição gaussiana, a amplitude de valores +/−1 dp desse valor.
engloba aproximadamente 68% dos indivíduos. Entre -2 2,3 Espera-se que em uma população saudável
+/−2 dp, encontram-se 95% dos indivíduos. Uma das sejam encontradas 2,3% das crianças abaixo
metodologias utilizadas para análise de um pa- desse valor.
râmetro é o “z score” que, grosso modo, indica o Convenciona-se que o equivalente ao escore-
“afastamento” (em dp) da média do referencial. A -z -2 é o percentil 3.
utilização da análise do escore Z tem sido recomendada -1 15,9 Espera-se que em uma população saudável
nos gráficos atuais (em substituição a análise dos dados sejam encontradas 15,9% das crianças abai-
em percentis). O escore Z, portanto, representa a xo desse valor.
distância, medida em unidades de desvio-padrão, 0 50,0 É o valor que corresponde à média da popu-
que os vários valores daquele parâmetro podem lação, isto é, em uma população saudável, es-
assumir na população em relação ao valor médio pera-se encontrar 50% da população acima e
que a mesma apresenta. O escore Z de um parâmetro 50% da população abaixo desse valor.
individual, qualquer que seja (peso, estatura, perímetro +1 84,1 Espera-se que em uma população saudável
cefálico etc.) é a relação da diferença entre o valor me- sejam encontradas 84,1% das crianças abai-
dido naquele indivíduo e o valor médio da população de xo desse valor, ou seja, apenas 15,9% esta-
riam acima desse valor. Convenciona-se que
referência, dividida pelo desvio-padrão da mesma po-
o equivalente ao escore-z +1 é o percentil 85.
pulação, representado pela fórmula: ESCORE Z = (va-
+2 97,7 Espera-se que em uma população saudável
lor observado para o indivíduo) – (valor da media-
sejam encontradas 97,7% das crianças abai-
na do referencial)/desvio-padrão do referencial.
xo desse valor, ou seja, apenas 2,3% esta-
Um escore Z > 0 (positivo) significa que o riam acima desse valor. Convenciona-se que
valor da medida do indivíduo é maior do que a o equivalente ao escore-z +2 é o percentil 97.
média da população de referência e um escore Z +3 99,9 Espera-se que em uma população saudável
< 0 (negativo) corresponde a um valor menor que sejam encontradas 99,9% das crianças abai-
a média. No caso específico da antropometria, o es- xo desse valor, ou seja, apenas 0,1% esta-
core Z representa o desvio do valor da média de riam acima desse valor.
um indivíduo (exemplo: seu peso ou sua estatura), Tabela 2.1 Correlações entre percentil e escore Z e
em relação ao valor da média da população de refe- sua interpretação.

SJT Residência Médica – 2016


15
2 Crescimento da criança

A Organização Mundial da Saúde tem reco- Além disso, o uso de um mesmo referencial teria a
mendado cada vez mais o uso do escore Z, o que vantagem de viabilizar comparações entre diversos
permite uma padronização e uma maior compa- grupos populacionais.
rabilidade entre as estatísticas dos diferentes Desde a metade da década de 1990, um grupo
países. Contudo, como historicamente o Brasil vinha de peritos, contando com apoio da OMS, trabalhou
adotando o sistema em percentis, será realizada uma na elaboração de um referencial (ou de um padrão)
modificação gradual entre os sistemas, sempre lem- de crescimento aplicável para as crianças de até cinco
brando o seguinte quadro da relação de equivalência anos de idade. Torna-se, neste momento, importan-
entre os percentis e os escores-z: te a diferenciação entre “referencial” e “padrão”. Re-
ferencial, conforme já apresentado, representa, num
Escore-z Percentil determinado momento, uma “fotografia” que reflete
-3 0,1 a variabilidade de determinada população, suposta-
-2 3 mente normal, do mesmo sexo e idade, que vive em
-1 15 boas condições e que serve para que se façam compa-
0 50 rações. Padrão de crescimento engloba, de maneira
+1 85 mais ampla e com mais “pretensão”, o crescimento
+2 97 que “devemos esperar” que o nosso paciente siga du-
rante sua evolução. A construção das novas curvas
+3 99,9
para menores de 5 anos incorporou uma série de
Tabela 2.2 Resumo da correlação entre percentil e métodos estatísticos mais sofisticados, os quais
escore Z. permitiram lidar melhor com a variabilidade do
crescimento infantil. Por isso, estas curvas são
Nos últimos anos numerosos autores, de vários mais que uma referência, tratam-se de um pa-
países, produziram diversos referenciais, gerando uma drão de crescimento. Um padrão é, portanto,
ampla discussão acerca de qual seria melhor utilizar. um modelo a que todos devem se igualar. Logo,
Para tal resposta, era entendimento da Organização pode-se afirmar que todo padrão é uma refe-
Mundial da Saúde (OMS) ser desejável que todas as na- rência, mas nem toda referência é um padrão.
ções tivessem seu próprio referencial antropométrico, As curvas de crescimento recentemente apre-
por uma questão de identidade genética. Infelizmen- sentadas pela OMS, a partir de 2006 (Multicen-
te, a própria OMS reconhecia que as dimensões da ta- tre Growth Reference Study – MGRS), resultam
refa e dos recursos necessários para a sua elaboração e de um estudo multicêntrico, com amostras de
atualização contínua inviabilizam a sua realização. Em crianças saudáveis de seis países: Brasil (Pelotas,
nosso meio, dois referenciais historicamente merecem RS), Gana (Acra), Índia (South Deli), EUA (Davis,
ser destacados. O estudo do Center for Diseases Con- Califórnia), Noruega (Oslo) e Omã (Muscat), de
trol e National Center of Health Statistics (CDC/NCHS diferentes etnias, vivendo em condições as mais
– versão 2000), atualização do gráfico NCHS-1977, adequadas possíveis para expressar seu poten-
realizado com crianças norte-americanas, era o mais cial de crescimento, incluindo, entre estas, um
conhecido referencial internacional de crescimento, padrão de aleitamento materno condizente com
sugerido pela própria OMS, durante um tempo, para o preconizado pela OMS como adequado. Trata-se
os países que não tinham referencial próprio, adequa- de um estudo semilongitudinal. A faixa etária de me-
damente confeccionado. Apesar de passível de alguns nores de cinco anos foi priorizada em decorrência dos
questionamentos metodológicos (um dos principais maiores riscos de morbimortalidade que apresentam.
era o fato de as crianças terem recebido fundamental- O empenho da OMS e dos peritos que realizaram esse
mente fórmulas infantis), esse referencial é interes- estudo foi no sentido de produzir valores prescritivos,
sante pelos parâmetros que apresenta: peso, estatura, e não apenas de referencial, já que pelos pressupostos
perímetro cefálico para idade e sexo, peso para estatu- metodológicos envolvidos na sua realização, o que se
ra e também IMC (Índice de Massa Corpórea) por ida- procurou elaborar foi um padrão de crescimento que
de e sexo. Particularmente no estado de São Paulo, o fosse muito semelhante ao padrão de crescimento,
estudo de Marcondes e cols. (1982), realizado no mu- biologicamente, em condições ideais.
nicípio de Santo André, Grande São Paulo, e conhecido A disponibilização do referencial OMS,
como Referencial Santo André – Classe IV, foi muito metodologicamente bem confeccionado, pra-
utilizado, em serviços de Pediatria brasileiros. ticamente tornou obsoletas as polêmicas exis-
Embora se considere que um referencial, ideal- tentes acerca de qual o melhor referencial a ser
mente, deve ser geneticamente o mais próximo possí- adotado na ausência de um referencial local.
vel do correspondente à população na qual é utilizado, Quais as consequências de sua adoção na rotina em
instituições internacionais como a OMS admitem que dados de prevalência, seu impacto sobre as políticas e
se possa utilizar um referencial internacional comum. os programas de atenção, somente poderão ser aqui-

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Puericultura

latadas com a experiência adquirida em decorrência consideradas de risco nutricional deixem de sê-lo ou
do tempo de sua utilização. Este referencial, a OMS vice-versa, de maneira que nunca é demais relembrar
2006, indubitavelmente tem vantagens sobre o an- que o diagnóstico de crescimento e/ou nutricional
teriormente preconizado (CDC/NCHS 2000), inclu- de uma criança ou adolescente não deve nunca se
sive por trazer referência para mais parâmetros an- basear apenas nos dados antropométricos. As medi-
tropométricos, além de ter referencial de índice de das corpóreas, na maioria das vezes, servem apenas
massa corporal também para as crianças com menos para uma triagem inicial ou ajudam na elaboração do
de 2 anos de idade. No endereço eletrônico da OMS diagnóstico – que, exceto em casos muito pronuncia-
(www.who.int/childgrowth/standards/en) é possível dos, só pode ser confirmado por uma avaliação clíni-
baixar livremente os gráficos. ca completa.
Em decorrência do fato do novo referencial ser Mas, na prática, como se comparam a curva an-
adotado, a OMS identificou a necessidade de oferecer tiga (NCHS) com a nova curva da OMS? O que se ob-
outro, que pudesse ser utilizado em continuidade ao serva na comparação do crescimento que as crianças
de 2006, ou seja, para os maiores de 5 anos. Assim, alcançaram aos cinco anos de vida é que os valores de
em 2007 a OMS propôs um novo referencial, peso e estatura são muito semelhantes entre os dois
para ser utilizado para crianças e adolescentes referenciais (CDC/NCHS e OMS). Entretanto, o pa-
entre 5 e 19 anos de idade. Denominado Refe- drão médio de evolução ponderal é completamente
rencial OMS 2007, contempla tabelas e gráficos diferente entre os referenciais. O da OMS apresenta
de estatura para idade, de peso para idade (es- o que seria, pelo CDC/NCHS, uma aceleração inicial
tes apenas até os 10 anos) e de índice de massa do ganho de peso, seguida por uma importante desa-
corporal para idade, obviamente referentes a celeração do ganho ponderal, começando entre os 3-4
ambos os sexos. A limitação do referencial de peso meses de idade e persistindo até os 18 meses, quando
apenas até os 10 anos foi uma decisão adotada pelos se inicia uma nova fase de ganho de peso. Quanto ao
peritos, principalmente em decorrência da grande crescimento estatural, pode-se ver que a evolução de
variabilidade que o surto de desenvolvimento pube- sua tendência é muito semelhante, porém apresen-
ral exerce sobre o peso a partir dessa idade. Na reali- tando inflexões de intensidade muito menor. O cres-
dade, o Referencial OMS 2007 pode ser considerado cimento linear desacelera nos mesmos momentos de
novo apenas por se tratar de uma reconstrução de vida, entretanto, o faz de modo muito menos acentu-
tabelas e gráficos a partir dos dados do CDC/NCHS ado, nunca atingindo valores inferiores aos do CDC/
1977, realizada de maneira a atenuar algumas limi- NCHS. Esse aspecto de que o crescimento em estatura
tações de interpretação anteriormente existentes. não é afetado significativamente durante o período de
Após esse reprocessamento dos dados, a OMS con- desaceleração do peso sugere que o padrão observado
siderou válida a utilização do referencial resultan- de evolução do peso deve ser realmente o natural, caso
te na rotina, inclusive pelo fato de os novos dados contrário, por sua intensidade e duração, certamente
não apresentarem grande discrepância no ponto de comprometeria de maneira importante o comprimen-
to da criança. A importância clínica desse fenômeno
junção com o Referencial OMS 2006, aos 5 anos de
é muito grande, pois, ao se aceitar que o da OMS é o
idade. Esses gráficos também podem ser baixados li-
padrão normal de evolução de peso, não há necessida-
vremente no endereço eletrônico da OMS.
de de se fazer nenhuma intervenção que vá além do
O Ministério da Saúde do Brasil adota as acompanhamento. Essa interpretação ainda está sen-
recomendações da Organização Mundial da Saú- do esclarecida e somente será definitiva após a utiliza-
de (OMS) quanto ao uso de curvas de referência ção crítica do novo referencial.
para avaliação do estado nutricional. Assim, para
Em resumo, a utilização dos gráficos per-
crianças menores de cinco anos, recomenda-se utilizar
mite, em um determinado momento, classificar
a referência da OMS lançada em 2006 (WHO 2006),
uma criança em relação a uma população eutró-
que já consta na Caderneta de Saúde da Criança. Para
fica de referência. Entretanto, a comparação
as crianças com cinco anos ou mais e adolescentes, re-
deve ser, se possível, prospectiva, observando-
comenda-se o uso da referência internacional da OMS
-se o processo evolutivo de crescimento. Em
lançada em 2007 (WHO 2007).
condições normais, uma criança seguirá, com
Os novos referenciais, portanto, os novos pequenas oscilações, um canal de crescimento
valores estimados como normais, resultam ob- que será seu padrão individual. Grandes oscila-
viamente numa reclassificação de todos os ca- ções, que modifiquem essa tendência, devem alertar
sos, particularmente dos que já estavam pró- o pediatra quanto à necessidade de investigação de
ximos do limite da normalidade, seja superior, fatores interferentes no processo de crescimento.
seja inferior. Isso implica numa análise muito cui- É importante lembrar, entretanto, que existe
dadosa dos resultados obtidos nestas fases iniciais ampla variabilidade no crescimento normal nos
de sua utilização. É muito provável que crianças primeiros dois anos de vida e, durante a adoles-

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2 Crescimento da criança

cência, períodos em que podem ocorrer mudan- apenas a comparação de sua estatura com a po-
ças fisiológicas no canal de crescimento. A curva pulação geral, mas também relacioná-la à esta-
de crescimento representa um instrumento para a tura dos pais. A estatura final, que reflete o poten-
monitorização desse fenômeno. A interpretação cor- cial genético familiar, é definida como estatura-alvo
reta, contudo, além de depender da confiabilidade no (target height = TH) e pode ser calculada com várias
referencial escolhido (já discutido acima), ainda de- fórmulas. A previsão da TH torna-se menos precisa
pende de outros requisitos importantes: quanto maior é a diferença de estatura entre os pais
€ confiabilidade na obtenção e no registro (mais que um desvio-padrão, recomenda-se cautela na
dos dados antropométricos. A correta de- interpretação). O intervalo de previsão ao redor do TH
terminação da estatura depende de um rigor deve incluir 9 cm para mais e para menos, com o obje-
no posicionamento do paciente e da repetição tivo de acertar 90% das previsões.
das medidas. Em especial, para crianças maio- Algumas proporções corporais são caracterís-
res e adolescentes, os estadiômetros (réguas) ticas de um crescimento normal. A medida da pro-
de primeira escolha são os que permitem o porção entre segmento superior (SS = diferença
apoio de toda a região dorsal (instrumentos de entre estatura e segmento inferior) e o segmen-
parede), em detrimento das réguas convencio- to inferior (SI = medida da sínfise púbica até o
nais de balança; chão) pode ser útil na avaliação do crescimento.
€ seguimento evolutivo do crescimento da Ao nascimento, a relação SS/SI é habitualmente
criança. Do ponto de vista antropométrico, de 1,7. Os membros crescem proporcionalmen-
uma única anotação de peso, por exemplo, no te mais que o tronco, fazendo com que a relação
percentil 5, pode não significar carência nutri- seja de 1,3 aos três anos de idade e se torne igual
cional; consultas subsequentes poderão mos- a um entre oito e dez anos.
trar que o percentil 5 é o de crescimento normal
(canal de crescimento) de determinada criança;
€ correlação entre peso e estatura (vide parâme-
tro índice de massa corpórea em capítulo mais
à frente). Avaliação do perímetro
cefálico (PC)
O PC deve ser aferido sistematicamente nas
consultas pediátricas, com fita métrica, particular-
mente nos lactentes, passando-se pelos pontos entre
a protuberância ocipital e a região da glabela (emi-
nência frontal). Apresenta notável crescimento
até os dois ou três anos de idade. A análise do PC
pode ser realizada utilizando-se a curva refe-
rencial de perímetro cefálico para idade (OMS).
Valores abaixo do esperado podem decorrer de
falha do crescimento neurológico ou do fecha-
mento precoce de suturas (craniossinostose),
e valores acima do esperado justificam-se por
lesões expansivas intracranianas (hidrocefalia
ou tumores).

Regras práticas para avaliação do crescimento


do perímetro cefálico na infância
Figura 2.3 A medida da estatura da criança e do ado-
lescente deve ser realizada no antropômetro vertical,
PC ao nascimento: 34 cm (p50)
diferentemente da medida do bebê que é realizada no
antropômetro horizontal.
Crescimento no primeiro trimestre: 6 cm (2 cm/mês)

A estatura final de um indivíduo depende Crescimento no segundo trimestre: 3 cm (1 cm/mês)


de inúmeros fatores, porém se correlaciona de
forma estreita com a estatura dos pais. Dessa Crescimento no terceiro semestre: 3 cm (0,5 cm/mês)
forma, o conceito do que é uma estatura normal
para determinado paciente deve considerar não Tabela 2.3 Avaliação do perímetro cefálico.

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Puericultura

Portanto, no fim do primeiro ano o PC está em algumas crianças iniciam dentição por volta dos cinco
torno de 46 cm (uma velocidade de crescimento es- meses ou perto do primeiro aniversário, sem que isso
pantosamente alta, de 10 a 12 cm/ano). Entre um e represente qualquer implicação patológica.
três anos, o crescimento é de cerca de 0,25 cm/mês (3
cm/ano) e entre quatro e seis anos é de 1 cm/ano.
Regras práticas para a avaliação do
O PC é um pouco maior que o perímetro torácico
(PT) ao nascimento. Esses geralmente se igualam no crescimento em Pediatria
quinto mês de vida, a partir do qual o PT torna-se pro-
gressivamente maior. Peso
A fontanela anterior, ou bregmática, em
Primeiros dias: perda de cerca de 10% do peso de
forma de losango, tem em média, ao nascimen-
nascimento
to, 2 cm (sentido coronal) e 3 cm (sentido sagi-
tal). Até os nove meses 50% e até um ano e meio Ganho ponderal no primeiro ano de vida:
100% das crianças não mais a apresentam. A
fontanela posterior (lambdoide) é bem menor,
€ 1º trimeste: 25-30 g/dia (800 g/mês)
presente em 40% dos bebês, com cerca de uma € 2º trimestre: 20 g/dia (600 g/mês)
polpa digital e, em geral, se fecha até os dois
meses de idade. No RN termo, acavalgamento € 3º trimestre: 15 g/dia (400 g/mês)
de suturas pode ocorrer na primeira semana em € 4º trimestre: 10-12 g/dia (350 g/mês)
função do amoldamento da cabeça no canal de
parto. Após esse período, as suturas devem es- € 1-3 anos: 240 g/mês
tar justapostas. € Pré-escolar: 3 kg/ano
Peso de nascimento dobra no 4º mês (+/− 6 kg)
Peso de nascimento triplica no 1º ano (+/− 10 kg)
Peso de nascimento quadruplica com 2 anos
(+/− 12 kg)
Cálculo do peso (1 a 6 anos): idade (anos) × 2 + 8

Estatura

€ Estatura ao nascimento: em torno de 50 cm


€ Velocidade de crescimento do primeiro ano:
25 cm
(15 cm no primeiro semestre)

Figura 2.4 A aferição do perímetro cefálico é etapa € Cresce entre 1 e 3 anos cerca de 10 cm/ano
obrigatória do exame físico antropométrico de todos os (atinge 1 metro com cerca de 4 anos)
lactantes.
€ 3-10 anos (infância): velocidade de crescimento
pré-puberal: 4 a 6 cm/ano
€ Cálculo da estatura-alvo (TH) na menina:
€ (altura do pai - 13) + altura da mãe

Dentição 2
€ Cálculo da estatura-alvo (TH) no menino:
A dentição decídua (de leite) inicia-se por volta € altura do pai + (altura da mãe + 13)
dos sete meses (com a erupção dos incisivos centrais
inferiores e, a seguir, dos incisivos medianos superio- 2
res) e termina aos trinta meses, com número total de € Cálculo da altura (2-12 anos): idade (anos) × 6
vinte dentes. Aos 6-7 anos, começa a queda dos den- + 77
tes de leite e a erupção dos dentes definitivos, inicia-
da pelo molar dos 6 anos. Também existe para esse Tabela 2.4 Regras práticas para a avaliação do cresci-
parâmetro de crescimento uma grande variabilidade: mento em Pediatria.

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CAPÍTULO

3
Adolescência e puberdade

Todas as grandes personagens começaram por serem crianças, mas poucas se recordam disso.
Antoine de Saint-Exupéry

Ao período de modificações biológicas, morfo-


Introdução e definições lógicas e funcionais, que ocorrem na adolescência,
denomina-se puberdade. Essas transformações físicas
A adolescência compreende a faixa etária do corpo adolescente têm caráter universal, ou seja, re-
pediátrica entre os dez e vinte anos incompletos, presentam um fenômeno comum a todos os indivíduos
segundo a Organização Mundial da Saúde. Legal- nessa faixa de idade. A puberdade não é, portanto, sinô-
mente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nimo de adolescência, mas uma parte dela. Constitui-se
considera adolescente todo cidadão brasileiro en- por um período relativamente curto, de cerca de dois a
tre 12 e 18 anos. Corresponde a uma etapa crucial do quatro anos de duração, onde ocorrem todas as modifi-
processo de crescimento e desenvolvimento, cuja prin- cações físicas desse período de transição da infância para
cipal característica é a série de transformações ligadas a idade adulta. Embora ainda persistam dúvidas sobre
aos aspectos físico, psíquico e social do ser humano. a complexa dinâmica da ativação puberal, sabe-se que
Entretanto, esse período da vida tem sua exte- esse momento se inicia após a reativação de neurônios
riorização característica dentro do marco cultural e so- hipotalâmicos, que secretam, de uma maneira pulsátil
cial no qual o adolescente se desenvolve. Dessa forma, bastante específica, o hormônio liberador de gonadotro-
a maneira como a transição da infância para a idade finas (GnRH). A secreção deste resulta na consequente
adulta ocorre em cada pessoa tem nuanças peculiares liberação também pulsátil dos hormônios luteinizante
a cada adolescente, representando momento singular (LH) e folículo-estimulante (FSH) pela glândula hipófise.
para cada ser humano, em diferentes sociedades e até Isso ocorre inicialmente durante o sono e, mais tarde, se
mesmo dentro da mesma comunidade. estabelece em ciclo circadiano.
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Puericultura

O crescimento e o desenvolvimento, como vistos


anteriormente, são eventos geneticamente progra-
Crescimento esquelético
mados, da concepção ao amadurecimento completo. linear
Porém, fatores inerentes ao próprio indivíduo (cons- Na adolescência, observa-se um intenso cres-
titucionais ou intrínsecos) e outros representados cimento do esqueleto, denominado estirão puberal.
por circunstâncias ambientais podem induzir modi- Nessa fase da vida, o adolescente apresenta grande
ficações nesse processo. Fatores climáticos, socioe- aquisição ponderoestatural, ganhando cerca de 50%
conômicos, hormonais, psicossociais e, sobretudo, do seu peso adulto e 20% de sua estatura final.
nutricionais são alguns dos interferentes do proces-
Para a monitorização desse desenvolvimen-
so de desenvolvimento somático. O desenvolvimen- to, utiliza-se a velocidade de crescimento (VC),
to dos caracteres sexuais é mais tardio nas classes expressa em cm/ano. Apenas o reconhecimento da
de menor nível socioeconômico. A nítida interfe- estatura atual de um adolescente dentro da variação
rência de fatores extrínsecos (ambientais) na ma- normal não nos garante que ele esteja crescendo ade-
turação puberal é claramente observada, por exem- quadamente. O cálculo da VC deve ser realizado em
plo, quando se estuda o fenômeno menarca, que é intervalos de 4-6 meses e extrapolado para 12 meses,
a primeira menstruação da menina adolescente. A por meio de uma regra de três simples (velocidade
menarca, além de ser um indicador de maturação anual de crescimento). Esse parâmetro é o mais im-
biológica, também, mostra as mudanças que ocor- portante para o acompanhamento do crescimen-
rem com o desenvolvimento social e econômico das to na adolescência (e também na infância).
populações. As meninas de “status” socioeconômico A adolescência representa o único momento
mais elevado apresentam a primeira menstruação da vida extrauterina em que ocorre aceleração
mais precocemente do que aquelas menos favoreci- da velocidade de crescimento, portanto, período
das. A importância prática, por consequência, é que, ímpar, no qual se deve garantir adequado aporte
quanto mais precoce ocorrer, mais exposta estará a nutricional para a completa expressão do poten-
adolescente à gestação. O desenvolvimento puberal cial de crescimento do indivíduo.
mais precoce estaria relacionado à influência posi-
O período de aceleração da VC, até atingir um
tiva da melhoria das condições de vida e, principal-
pico de velocidade de crescimento (PVC), e a subse-
mente, do estado nutricional. quente desaceleração até o término do crescimento
Uma característica própria da puberdade é a sua compõem o estirão do crescimento ou estirão pube-
variabilidade. A idade cronológica não se constitui ral. O PVC no sexo masculino chega a valores de 10-12
como um bom indicador para a avaliação de adolescen- cm/ano e, no sexo feminino, de 8-10 cm/ano.
tes. É comum que adolescentes de diferentes grupos O aumento estatural e o crescimento esque-
etários encontrem-se no mesmo estágio de desenvol- lético do adolescente não são processos unifor-
vimento. Daí, a necessidade da utilização de critérios mes. Iniciam-se nos membros, seguindo uma di-
de maturidade fisiológica para o acompanhamento do reção distal-proximal (pés e mãos e depois pernas e
desenvolvimento puberal. membros superiores), correspondendo a um momen-
to de relativa “desarmonia ou desproporcionalidade”
e completando-se com o desenvolvimento do tronco,
que colabora com a maior parte da aquisição estatural
do adolescente.

Puberdade normal
Representando uma verdadeira inauguração bio- Alteração da forma e da
lógica da adolescência, a puberdade caracteriza-se, composição corporal
fundamentalmente, pelos seguintes componentes: Na puberdade, são estabelecidas as distin-
€ crescimento esquelético linear; tas formas corporais masculinas e femininas,
fenômeno denominado dimorfismo sexual, re-
€ alteração da forma e composição corporal; sultante do desenvolvimento esquelético, mus-
€ desenvolvimento de todos os órgãos e sistemas;
cular e do tecido adiposo. A forma do corpo de um
bebê ou de uma criança não permite a diferenciação
€ desenvolvimento gonadal e das características masculino/feminino, aspecto que se torna nítido du-
sexuais secundárias, com estabelecimento da rante a puberdade. O depósito de gordura nas me-
competência reprodutiva. ninas ocorre principalmente na região das mamas e

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3 Adolescência e puberdade

dos quadris e confere um aspecto característico do manifestação puberal nas meninas é o desen-
corpo feminino. Nos homens, o crescimento do diâ- volvimento do broto mamário (telarca). No sexo
metro biacromial (entre ombros), conferindo relação masculino, o início da puberdade é marcado pelo
biacromial/bi-ilíaco elevada, associado ao desenvol- aumento do volume testicular, que atinge 4 cen-
vimento muscular na região da cintura escapular, de- tímetros cúbicos (mL), o que é raramente perce-
fine a forma masculina. bido pelo menino adolescente. Deve-se atentar
A composição corporal do adolescente oscila em para esse fato, visto que há constantes confusões
função da maturação sexual. A idade da menarca re- e dúvidas entre os rapazes, que acreditam ser o
presenta o início da desaceleração do crescimento que seu primeiro marcador de puberdade o cresci-
ocorre no final do estirão puberal, e o maior acúmulo mento peniano – erroneamente, pois este se pro-
de tecido adiposo. Para os meninos, o pico de cresci- cessa após o desenvolvimento inicial da gônada.
mento coincide com a fase adiantada do desenvolvi- Na prática clínica, a medida do volume testicular e o
mento dos genitais e pilosidade pubiana, momento acompanhamento de seu desenvolvimento são reali-
em que também ocorre desenvolvimento acentuado zados com auxílio de um orquidômetro.
de massa magra e muscular.

Desenvolvimento de todos os
órgãos e sistemas
Com exceção do tecido linfoide, que apre-
senta involução progressiva a partir da adoles-
cência e do tecido nervoso (praticamente com
todo o seu crescimento já estabelecido), todos
os órgãos e sistemas se desenvolvem durante a
puberdade, sobretudo os sistemas cardiocircula-
tório e respiratório. O aumento da capacidade físi-
ca observado na puberdade é mais marcante no sexo
masculino e é resultante do desenvolvimento do sis-
tema cardiorrespiratório, das alterações hematológi- Figura 3.1 A medida testicular deve ser realizada com
cas (aumento da eritropoiese) e do aumento da massa o orquidômetro, sendo o de Prader observado na figura
muscular, da força e da resistência física. acima.

A sequência do desenvolvimento das carac-


terísticas sexuais secundárias no adolescente
Desenvolvimento gonadal foi sistematizada por Tanner em 1962 (Tabela
3.1). Ele descreveu estágios de maturação, de-
e das características sexuais tectados à inspeção, que variam do estágio I
secundárias (infantil) ao V (adulto), levando-se em consi-
deração o desenvolvimento mamário (M) e da
Esse conjunto de modificações é desencadeado e
regulado por um complexo mecanismo neuroendócri- pilosidade pubiana (P) para o sexo feminino e
no, ainda não completamente esclarecido, influencia- o desenvolvimento da genitália externa (G) e
do por fatores genéticos e ambientais. Nota-se a in- da pilosidade pubiana (P) para o sexo masculi-
fluência de fatores hereditários nos eventos puberais, no. A aplicação das pranchas (modelos gráficos) e da
sobretudo no tocante à variabilidade de tais fenôme- classificação de Tanner devem fazer parte da rotina
nos e à sua magnitude, a exemplo das características de avaliação do adolescente, para a identificação do
de pilosidade, tamanho das mamas e idade de ocor- momento maturacional em que ele se encontra e a
rência da primeira menstruação (menarca). Sob condi- correlação com os outros eventos da puberdade.
ções ambientais favoráveis, grande parte das variações Uma característica própria da puberdade é a sua
do crescimento físico na adolescência será ditada pre- variabilidade. O critério cronológico na adolescên-
dominantemente por fatores genéticos. cia é de pouca valia na avaliação das transformações
Os eventos puberais no sexo feminino iniciam- puberais. É, portanto, frequente o encontro de dois
-se mais precocemente quando comparados ao sexo adolescentes com idades cronológicas semelhantes e
masculino (cerca de um a dois anos). A primeira momentos maturacionais distintos.

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Puericultura

Estágios puberais de Tanner Correlação entre


maturação sexual e estirão
Desenvolvimento mamário – sexo feminino
As diferentes fases do estirão de crescimento se
M1- Mama infantil, com elevação somente da papila.
relacionam de maneira peculiar com outros fenômenos
M2- Broto mamário. Forma-se uma saliência pela eleva- da puberdade, como a maturação sexual, de maneira
ção da aréola e da papila. O diâmetro da aréola aumenta que o estadiamento puberal permite a estimativa do
e há modificação na sua textura. Há pequeno desenvolvi- momento de crescimento esquelético do adolescente.
mento glandular subareolar.
No sexo feminino, o início da puberdade
M3- Maior aumento da mama e da aréola, sem separa-
(M2) coincide com o início do estirão puberal em
ção dos seus contornos. O tecido mamário extrapola os sua fase de aceleração, atingindo o máximo da
limites da aréola. velocidade de crescimento em M3 e desaceleran-
M4- Maior crescimento da mama e da aréola, sendo que do em M4, momento em que geralmente ocorre a
esta forma uma segunda saliência acima do contorno da menarca. No sexo masculino, o início da puber-
mama. dade (G2) ocorre ainda em um momento de ve-
M5- Mama de aspecto adulto, em que o contorno areolar locidade de crescimento estável ou pré-puberal.
novamente é incorporado ao contorno da mama. A aceleração do crescimento geralmente ocorre
apenas no estágio de G3 e o pico de velocidade de
Desenvolvimento genital – sexo masculino crescimento em G4, quando se inicia a desacele-
ração do crescimento. Essa diferença na caracterís-
G1- Testículos, escroto e pênis de tamanho e pro- tica do estirão puberal entre o sexo masculino e o fe-
porções infantis. minino justifica, em parte, a estatura final do homem
G2- Aumento inicial do volume testicular (3-4 mL). ser maior que a da mulher, uma vez que ele permanece
Pele do escroto muda de textura e torna-se avermelha- mais tempo na fase de crescimento pré-puberal. Ou-
da. Aumento do pênis pequeno ou ausente. tro aspecto que justifica a diferença de estatura entre
G3- Crescimento do pênis em comprimento. Maior os sexos é a magnitude da velocidade de crescimento,
aumento dos testículos e do escroto. ocorrendo um pico de 10 a 12 cm/ano no sexo mascu-
G4- Aumento do pênis, principalmente em diâmetro lino, comparado aos 8 a 10 cm/ano no sexo feminino.
e desenvolvimento da glande. Maior crescimento de
testículos e escroto, cuja pele torna-se mais enrugada e
pigmentada.
G5- Desenvolvimento completo da genitália, que assu- Marcos puberais de
me características adultas.
referência
Pilosidade pubiana – sexos feminino e masculino
As idades em que acontecem os eventos pu-
P1- Ausência de pelos pubianos. Pode haver uma leve berais apresentam ampla variação individual. Os
penugem, semelhante à observada na parede abdomi- valores de referência para a população brasileira foram
nal. extraídos de um estudo transversal realizado por Colli
P2- Aparecimento de pelos longos e finos, levemente e cols., em Santo André (1978).
pigmentados, lisos ou pouco encaracolados, ao longo A telarca ocorre em média aos 9,7 anos (+/-
dos grandes lábios e na base do pênis. 3 anos). O desenvolvimento mamário pode ser assi-
P3- Maior quantidade de pelos, agora mais grossos, es- métrico, sendo frequente o aparecimento unilateral,
curos e encaracolados, espalhando-se esparsamente na seguido algum tempo depois pelo broto contralateral.
região pubiana. A menarca é um evento tardio no desenvolvi-
P4- Pelos do tipo adulto, cobrindo mais densamente a re- mento puberal. Ocorre cerca de dois anos após o
gião pubiana, mas sem atingir a face interna das coxas. início da puberdade (M2), geralmente no estágio
P5- Pilosidade pubiana igual a do adulto, em quanti- M4 de Tanner, portanto, em época de desacele-
dade e distribuição, invadindo a face interna da coxa. ração do crescimento. O crescimento é limitado em
Algumas pessoas apresentam extensão dos pelos pela média a 4-6 cm nos 2-3 anos pós-menarca. A idade mé-
linha alba, acima da região pubiana, constituindo-se o dia de ocorrência da menarca é de 12,2 anos (+/− 2,4
estágio P6. anos). Os ciclos iniciais da adolescente podem apresen-
tar certa irregularidade nos primeiros dois anos (ciclos
Tabela 3.1 anovulatórios). Outro achado frequente na puberdade

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41
3 Adolescência e puberdade

da menina é a presença de um corrimento genital cha- da outra. Outros sinais de puberdade precedem o início
mado fisiológico: em pequena quantidade, com aspecto do aumento mamário em cerca de seis meses. Desapa-
de “clara de ovo” e de coloração amarelada na roupa ín- rece espontaneamente em menos de um ano na metade
tima, inodoro, sem prurido, sem ardência e desconforto dos casos, dentro de dois anos em 75% e dentro de três
ou qualquer sinal irritativo local. Precede em cerca de anos em 90% dos pacientes. Ginecomastia de duração
seis meses a um ano a menarca e cessa algum tempo prolongada deve ser avaliada quanto à sua repercussão
após o início dos ciclos menstruais. no desenvolvimento psicossocial do adolescente; em
A idade média do início do aumento testicu- geral ocorre reestruturação histológica glandular, prati-
lar é de 10,9 anos. Nota-se que esse aumento prece- camente impedindo a involução espontânea. Cogita-se,
de o aumento peniano, motivo clássico de preocupa- nesses casos, a exérese cirúrgica desse tecido mamário.
ção comum entre os meninos.
A ejaculação também é um evento tardio no de-
senvolvimento puberal masculino e pode se manifes-
tar inicialmente com emissões noturnas involuntárias
(polução noturna – wet dreams). Características da AN
Os pelos axilares e faciais se seguem aos pelos Descrita inicialmente por alguns autores como
pubianos. A mudança vocal, decorrente do aumento Síndrome da Adolescência Normal (SAN), terminolo-
da laringe por ação androgênica, ocorre tardiamente gia que tem sido gradualmente abandonada, compre-
no processo puberal masculino. ende algumas características básicas e habituais do
A ginecomastia (mais corretamente, andro- desenvolvimento psicoemocional do adolescente:
mastia) é também um evento puberal comum nos 1- Busca constante de si mesmo e de identi-
meninos; é, pela sua frequência, praticamente con- dade, com reformulações do esquema corporal, ne-
siderada um evento pubertário normal. Conceitua- cessidade de autoafirmação, contestação dos padrões
-se como ginecomastia o aumento glandular da mama vigentes, principalmente dos familiares e busca de
masculina que, clinicamente, é caracterizada na palpação novos modelos com experimentação de papéis, com
por um disco de consistência firme, subareolar e móvel, frequência transitórios (flutuações de identidade).
não aderente à pele ou ao tecido subjacente. Deve ser di-
2- Separação progressiva dos pais, com deslo-
ferenciada da lipomastia ou adipomastia, presente em
camento de suas relações de “pertencer” para o grupo.
meninos pré-púberes ou púberes obesos, que é o aumen-
to mamário devido exclusivamente ao aumento do teci- 3- Tendência grupal, na qual as atitudes impos-
do gorduroso, esse geralmente é bilateral e de consistên- tas pelo grupo tornam-se soberanas, pois dele advém
cia amolecida à palpação. A hipertrofia da musculatura o suporte emocional. A vinculação ou identificação
peitoral pode também ser confundida com ginecomastia, grupal é positiva ao adolescente e não deve ser encara-
porém essa não é referida como queixa e, ao contrário, é da sempre como perigosa, agressiva ou fortalecedora
valorizada em indivíduos atléticos. A ginecomastia tem das condutas antissociais. Ela favorece o espírito de
como substrato etiológico provável a existência de um equipe e o aparecimento de lideranças construtivas.
desequilíbrio na relação hormonal, na qual os androgê- 4- Desenvolvimento do pensamento abstra-
nios (ação inibidora do crescimento mamário) estão em to e necessidade de intelectualizar-se e fanta-
proporção menor que os estrogênios, que estimulam o siar, podendo “criar experiências” sem jamais tê-las
tecido mamário. Esse fenômeno pode ser transitório ou vivido, explicando-se, daí, o fascínio pelo novo e pela
permanente, fisiológico ou patológico. As formas fi- experimentação.
siológicas de ginecomastia incluem a neonatal, a 5- Evolução da sexualidade, um dos aspectos
senil e a puberal, com pico de incidência por volta mais relevantes da adolescência normal, ocorrendo
dos 13-14 anos, coincidindo com o estágio matura- a evolução desde o autoerotismo (incluindo as fre-
cional G3 de Tanner. Pode revelar-se como um achado quentes atividades do tipo masturbatório) até o iní-
ocasional da consulta do adolescente (aumentos discre- cio da atividade sexual. Os vínculos são intensos e,
tos não são percebidos à inspeção, somente à palpação) embora frágeis e inconstantes, são sempre conside-
ou ser referido pelo paciente ou familiares. Ocasional- rados definitivos.
mente, além do incômodo estético, o adolescente refere
aumento da sensibilidade local ao contato com a roupa e, 6- Crises religiosas, caracterizadas pelo radica-
menos frequentemente, dor local de pequena intensida- lismo do adolescente (afastamento completo até mis-
de. Em geral é bilateral, sendo para alguns autores o au- ticismo delirante).
mento unilateral indicativo de um estágio inicial do pro- 7- Vivência temporal singular e imediatis-
cesso. Pode haver assimetria e crescimento em épocas e mo, em que o tempo do adolescente é o “aqui e agora”
ritmos diferentes, bem como o desenvolvimento sequen- e caracterizado pelo “depois que faz, pensa”. Posterga-
cial, na qual uma mama desenvolve-se após a involução ções irracionais são também observadas.

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42
Puericultura

8- Atitudes sociais reivindicatórias.


9- Constantes flutuações de humor, com con-
Aspectos éticos no
traste entre as microcrises depressivas e as sensações atendimento do
de sucesso, euforia, quando o adolescente pode ter
tudo, sentindo-se indestrutível e onipotente. adolescente
10- Manifestações contraditórias de conduta.
O médico envolvido na prática da medi-
cina do adolescente (hebiatria) precisa estar
preocupado com as peculiares dimensões éti-
cas da relação médico-paciente nesse período
Saúde do adolescente – da vida. A consulta é um momento privilegiado
de relação humana e deve ser pautada em três as-
aspectos importantes pectos primordiais: confiança, respeito e sigilo. As-
pecto importante a ser considerado na relação
A morbidade na adolescência, significativamente médico-paciente nessa faixa etária, que a dife-
menor que na infância, relaciona-se frequentemente rencia da consulta da criança, é que o modelo
com as questões do crescimento (variações da norma- até então estabelecido de contato profissional/
lidade, baixa estatura e retardo puberal), sexualida- mãe ou responsável passa a ser substituído
de (questões psicoafetivas, primeiras experiências, pela relação direta médico/adolescente. Essa
contracepção, doenças sexualmente transmissíveis e mudança é importante, por significar uma situação
gravidez), dermatológicas (acne, bromidrose, micoses em que o adolescente deve ser encarado como indi-
superficiais) e ortopédicas. Na esfera psicossocial, os víduo capaz de exercitar progressivamente a respon-
transtornos alimentares, a depressão, o abuso de álcool sabilidade quanto à sua saúde e autocuidado. Por
e de outras substâncias, a violência e o envolvimento outro lado, a família não deve ser excluída do
em comportamentos de risco devem ser salientadas. processo. Entretanto, seu envolvimento não
Por ser esta uma fase de intenso crescimento, o pode preponderar sobre a relação do médico
adolescente é altamente sensível à restrição nutricional, com o adolescente. Assim, principalmente, o pri-
particularmente à oferta proteico-calórica de cálcio e fer- meiro atendimento deve ser realizado “em tempos”
ro, esta última refletida na alta prevalência de anemia na diferentes, em que exista o momento de contato do
adolescência. Incrementos da massa muscular, volume profissional com o familiar, prevalecendo, porém, o
sanguíneo, estirão puberal, perda menstrual e dietas ina- espaço médico-adolescente. Nessa oportunidade, os
dequadas justificam a vulnerabilidade dos adolescentes familiares são orientados quanto a questões como
à ferropenia. Em relação ao momento de vulnera- confidencialidade e sigilo médico e temas a serem
bilidade do adolescente aos estados ferropênicos, abordados nas consultas, além da complementação
observa-se uma diferença entre os sexos. No sexo dos dados de anamnese. Outro aspecto de extre-
masculino, o período de maior fragilidade é o do ma importância, considerando o adolescente
estirão puberal, particularmente em sua fase de como pessoa capaz, é garantir-lhe confidencia-
aceleração, pelo intenso crescimento musculoes- lidade e privacidade, que caracterizam o sigilo
quelético observado; nas meninas, constitui a eta- médico. Essa postura médica está respaldada
pa de desaceleração do crescimento, no qual, co- no art. 74 do Novo Código de Ética Médica, que
mumente, ocorre a menarca e os primeiros fluxos veda ao médico: “Revelar segredo profissional
menstruais, determinando espoliação sanguínea. referente a paciente menor de idade, inclusive
A obesidade e as doenças relacionadas também consti- a seus pais ou responsáveis legais, desde que o
tuem achados comuns entre os adolescentes. menor tenha capacidade de avaliar seu proble-
ma e de conduzir-se por seus próprios meios
Com os avanços médicos e tecnológicos, são cada para solucioná-lo, salvo quando a não revelação
vez mais comuns crianças com doenças crônicas (gené- possa acarretar danos ao paciente”. A revela-
ticas e adquiridas), chegando à adolescência e necessi- ção do segredo médico somente deverá ocorrer
tando seguimento e orientação específicos. A coexis- quando o médico: “Entender que o menor não
tência da doença crônica nesse período interfere nos tenha capacidade para avaliar a extensão e a di-
processos de identificação do adolescente, autoestima, mensão do seu problema ou de conduzir-se por
aceitação e pertencimento grupal e separação dos pais. seus próprios meios para solucioná-lo e enten-
A mortalidade é relativamente baixa na adoles- der que a não revelação possa acarretar danos
cência, quando confrontada com a mortalidade geral, e ao paciente”. O julgamento sobre a capacidade do
é representada fundamentalmente pelas causas exter- menor é subjetivo, ajudando muito nessa avaliação
nas, que são, a princípio, passíveis de serem evitadas, a experiência e bom senso do profissional. Em paí-
como acidentes de trânsito, homicídios e suicídios. ses como os Estados Unidos, o conceito de “menor

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43
3 Adolescência e puberdade

maduro” (mature minor) encontra-se definido por lei:


“Indivíduo capaz de compreender os benefícios e ris-
Aspecto das mamas
cos do atendimento e de responsabilizar-se pela as-
sistência recebida”. O desafio para os profissionais da
saúde, particularmente para os pediatras que traba-
lham com adolescentes, é compatibilizar o direito do
adolescente de receber assistência com o direito da
família de cuidar da saúde e bem-estar de seu filho,
procurando estimular o jovem a compreender a res-
ponsabilidade crescente de seus próprios cuidados.
Esses aspectos constituem o alicerce da Hebiatria.

Anexo: estadiamento de
maturação de Tanner Figura 3.3 M1: mamas infantis, com elevação somente
da papila. M2: broto mamário. Forma-se pequena saliên-
cia pela elevação da aréola e da papila. O diâmetro da aré-
ola aumenta e há modificação na sua textura. M3: maior
Aspecto genital masculino aumento da mama e da aréola, sem separação de seus con-
tornos. M4: maior crescimento da mama e da aréola, sendo
que esta forma uma segunda saliência acima do contorno
da mama. M5: mamas com aspecto adulto. O contorno
areolar novamente é incorporado ao contorno da mama.

Pilosidade pubiana –
sexo masculino

Figura 3.4 P1: ausência de pelos pubianos. Pode haver


Figura 3.2 G1: testículos, escroto e pênis de tamanho e uma leve penugem semelhante à observada na parede
proporções infantis. G2: aumento inicial do volume testi- abdominal; P2: aparecimento de pelos longos, finos,
cular (3-4 mL). Pele do escroto muda de textura e se torna levemente pigmentados, lisos ou pouco encaracolados,
avermelhada. Aumento pequeno do pênis ou ausência de principalmente na base do pênis; P3: maior quantidade
aumento. G3: crescimento peniano, principalmente em de pelos, agora mais grossos, escuros, encaracolados,
comprimento. Maior crescimento dos testículos e escroto. espalhando-se esparsamente pela sínfise púbica; P4: pe-
G4: aumento do pênis, agora principalmente em diâme- los do tipo adulto, cobrindo mais densamente a região
tro e desenvolvimento da glande. Maior crescimento dos púbica, mas ainda sem atingir a face interna da coxa; P5:
testículos e escroto, cuja pele torna-se mais pigmentada. pilosidade pubiana igual a do adulto, em quantidade e
G5: desenvolvimento completo da genitália, que assume distribuição, invadindo a face interna da coxa; P6: exten-
tamanho e forma adultas. são dos pelos para cima da região púbica.

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44
Puericultura

Pilosidade pubiana – sexo feminino

Figura 3.5 P1: ausência de pelos pubianos. Pode haver uma leve penugem semelhante à observada na parede ab-
dominal; P2: aparecimento de pelos longos, finos, pigmentados, lisos ou pouco encaracolados, principalmente ao
longo dos grandes lábios; P3: maior quantidade de pelos, agora mais grossos, escuros, encaracolados, espalhando-se
esparsamente pela sínfise púbica; P4: pelos do tipo adulto, cobrindo mais densamente a região púbica, mas ainda sem
atingir a face interna da coxa; P5: pilosidade pubiana igual a do adulto, em quantidade e distribuição, invadindo a face
interna da coxa; P6: extensão dos pelos para cima da região púbica.

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CAPÍTULO

4
Distúrbios do crescimento

Logo que os 23 cromossomos paternos trazidos pelo espermatozoide e os 23 cromossomos maternos


trazidos pelo óvulo se unem, toda a informação necessária e suficiente para a constituição
genética do novo ser humano se encontra reunida.
Jérôme Lejeune

Define-se, atualmente, como baixa estatu-


Baixa estatura - BE ra (BE) a altura situada abaixo do percentil 3 ou
escore Z menor que -2 na curva de referência es-
Embora seja queixa bastante comum no consultó-
tatura para idade. Outro conceito importante é o
rio do pediatra, muitas vezes o desconhecimento dos
que considera estatura inadequada quando o pacien-
pais sobre a ampla variação normal do crescimento e a
te está mais de um desvio-padrão abaixo do esperado
tendência das comparações com outras crianças, sem le-
var em consideração aspectos constitucionais, étnicos e em relação a seus pais. Operacionalmente, crianças
sociais, fazem com que a criança seja considerada baixa, que se situam em canal baixo de crescimento, geral-
quando, na verdade, tem estatura normal. A pertinen- mente portadoras de baixo potencial de crescimento
te orientação familiar em relação aos casos de crianças (quase sempre herdado), necessitam de supervisão
com estatura normal, cujos pais consideram-nas baixas, pediátrica, a fim de que possam se utilizar do máxi-
evitará erros alimentares (superalimentação), estigmas mo de seu potencial. As crianças que se encontram
educacionais e erros terapêuticos (uso abusivo de medi- nessa situação apresentam menos possibilidades de
camentos, particularmente dos hormônios). distúrbios patológicos associados ou determinantes
A criança ou adolescente que verdadeiramente do crescimento deficiente quando comparadas as de
tem baixa estatura caracteriza um problema importan- baixa estatura. Contudo, a avaliação sistemática pro-
te em Pediatria, em virtude de suas repercussões psicoe- porciona subsídios para intervenção precoce ou in-
mocionais e sociais; a baixa estatura é o mais importan- vestigação laboratorial mais detalhada, quando essas
te problema clínico do crescimento anormal. A estatura medidas mostrarem tendência à retificação ou inver-
interfere na dinâmica social em todas as idades. são do perfil padrão.
46
Puericultura

Os novos pontos de corte e nomenclaturas ado- ção da VC ou padrão de distanciamento progres-


tados para a classificação do estado nutricional, com sivo da altura da criança na curva de referência,
ênfase no parâmetro estatural, de crianças e adoles- com frequência existe alguma doença de base
centes são apresentados nos quadros a seguir. (um verdadeiro distúrbio do crescimento). En-
tretanto, crianças cujo crescimento segue para-
Para crianças de 0 a menos de 5 anos lelamente e próximo ao limite inferior da curva,
(referência: OMS 2006) – estatura para idade com boa velocidade de crescimento, apresentam
apenas uma variação do crescimento normal, si-
Diagnóstico nutricio-
Valores críticos tuação bem mais comum.
nal
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura para Outro elemento complementar para a avalia-
a idade ção do crescimento é a determinação da idade óssea
> Percentil 0,1 > Escore-z -3 e Baixa estatura para a (IO), que reflete o estágio de maturação do cresci-
e < Percentil 3 < Escore-z -2 idade mento e pode ser obtida por meio de uma radio-
grafia de mão e punho esquerdos (padrão descrito
≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para
pela técnica). A idade é definida pela comparação
a idade
dos núcleos de ossificação com mapas de referência
Tabela 4.1 (em nosso meio, o atlas de Greulich-Pyle é o mais
utilizado). Em condições normais, encontra-se em es-
treita correlação com o grau de desenvolvimento pube-
Para crianças e adolescentes de 5 a 19 anos ral. Pode ser útil no diagnóstico de estados patológicos
(referência: OMS 2007) – estatura para idade e possui grande importância no reconhecimento do po-
Diagnóstico nutricio- tencial de recuperação do crescimento.
Valores críticos
nal Vale esclarecer que o termo “nanismo” não tem
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura sido mais utilizado para a referência da situação de
para a idade baixa estatura, embora possamos encontrá-lo ainda
> Percentil 0,1 > Escore-z -3 e Baixa estatura para a em algumas publicações.
e < Percentil 3 < Escore-z -2 idade
≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para
a idade
Tabela 4.2
Variações do crescimento
Baixa estatura é, portanto, um diagnóstico
normal
“gráfico” de um indivíduo, não representando
necessariamente uma anormalidade ou doença. Estima-se que 80% das crianças cujo cresci-
Dessa forma, a BE representa, na maioria das ve- mento siga um canal próximo ao limite inferior
zes, apenas uma variação normal do crescimento da normalidade não sofram de qualquer doença.
e não uma verdadeira doença do crescimento. Nessa situação, o mais comum é que a criança
apresente os padrões de crescimento varian-
Devido aos inúmeros fatores que podem com- tes do normal, com velocidade de crescimento
prometer o crescimento e nem sempre são excluden- normal. Existem dois padrões de variação normal:
tes, a avaliação da criança com BE deverá ser feita de a baixa estatura familiar (genética) e o atraso cons-
maneira cuidadosa, iniciando-se por boa anamnese e titucional do crescimento.
exame físico completo, os quais são muito mais escla-
recedores em relação às possíveis causas do que qual-
quer avaliação laboratorial.
A obtenção de medidas seriadas permite o
cálculo da velocidade de crescimento (VC), o pa- Baixa estatura familiar
râmetro complementar mais importante para a Engloba os casos de baixa estatura, com
avaliação dos casos de BE. Essas medidas devem ser velocidade de crescimento normal, idade óssea
tomadas em intervalos regulares de, no mínimo, qua- compatível com a idade cronológica e desenvol-
tro meses. Isso se deve ao fato de o crescimento não vimento puberal, quando iniciado, normal. Na
ocorrer de forma linear, existindo fases de crescimen- maioria das vezes, identifica-se padrão familiar
to rápido alternadas com intervalos nos quais quase de baixa estatura, no qual a altura final é geral-
não se detecta ganho estatural. mente compatível com a altura dos pais. O prog-
Nas situações em que há acentuada diminui- nóstico quanto à altura final é, portanto, ruim.

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47
4 Distúrbios do crescimento

Altura
97 Baixa estatura patológica
É aquela em que o cálculo da velocidade de
3 crescimento não evidencia valores normais ou
esperados. Nos países em desenvolvimento, a
desnutrição crônica é importante causa de BE.
Inicia-se por perda ponderal de tecido subcutâ-
neo e massa muscular e é seguida por desacelera-
ção do ganho estatural. Não pode haver um cresci-
mento normal sem uma oferta adequada de proteínas,
calorias, vitaminas e minerais, portanto, a anamnese
alimentar de uma criança com BE deve ser feita de
maneira cuidadosa. Na recuperação nutricional pode
permanecer a baixa estatura, porém com VC normal.
Idade
Más condições de ambiente físico, carência psicosso-
Figura 4.1 Velocidade de crescimento de um caso de cial e de exposição solar podem comprometer o cresci-
BE familiar. mento estatural. Está plenamente aceito que crianças
submetidas a agravos emocionais e/ou marginalizadas
do ponto de vista biopsicossocial apresentam cresci-
mento deficiente, além do reconhecido prejuízo de de-
Retardo (atraso) constitucional senvolvimento.
do crescimento (RCC) O retardo de crescimento intrauterino é uma das
causas também bastante comuns de baixa estatura.
Também conhecido como crescimento lento, Entre 10 e 30% das crianças que nascem peque-
é um padrão variante do normal, em que a idade nas para a idade gestacional serão portadoras
óssea é atrasada em relação à idade cronológica. de baixa estatura. Existem diferenças no padrão
O canal de crescimento segue-se paralelo à cur- de crescimento dos RN pré-termos e dos RN peque-
va. A maturação sexual é mais tardia, porém o nos para a idade gestacional (PIG). Os RNPIGs, sem
período de crescimento é mais longo, e a altura outras doenças associadas, costumam atingir a
final pode ser normal. Geralmente há padrão fa- curva de crescimento normal até o fim do pri-
miliar de maturação tardia. As crianças com esse meiro ano de vida. A proporcionalidade entre peso,
padrão de crescimento geralmente nascem com esta- estatura e perímetro cefálico nos RNPIG é um fator de
tura normal, mas apresentam uma desaceleração do mau prognóstico em termos de recuperação pondero-
crescimento, geralmente entre os três e nove meses de estatural, pois reflete um comprometimento do feto
idade, voltando a apresentar VC normal após, seguin- em épocas mais precoces da gestação. Para os prema-
do paralelamente à curva. Após o início do desenvolvi- turos, espera-se uma normalização do perímetro
mento puberal, observa-se aumento da VC e provável cefálico por volta dos 18 meses, do peso, até os
recuperação na curva. Essa condição se associa comu- 24 meses, e a de altura até os 36 meses, portan-
mente com o retardo constitucional da puberdade, to, uma retomada mais lenta. Evidentemente, essa
uma das causas mais comuns de atraso puberal. retomada estará na dependência dos antecedentes re-
Altura
lacionados à prematuridade e/ou ao baixo peso, bem
97 como da presença e da gravidade dos problemas neo-
natais decorrentes. Geralmente, os recém-nascidos de
3
baixo peso, que até os três anos e meio não recupera-
ram o crescimento e não atingiram a curva de norma-
lidade, serão portadores de BE na vida adulta.
A BE das doenças crônicas é comumente acompa-
nhada de outras manifestações clínicas denunciadoras
do agravo de base. Entretanto, algumas patologias se
manifestam inicialmente apenas com a desaceleração
do crescimento, precedendo o quadro característico da
doença de base por vários anos. Isso ocorre, por exem-
plo, na doença celíaca, em doenças inflamatórias in-
testinais e em uma variedade de nefropatias crônicas,
Idade
como a acidose tubular renal. A causa da BE nas do-
Figura 4.2 Velocidade de crescimento de um caso de enças crônicas é multifatorial: anóxia, desnutri-
BE por RCC. ção, alterações hidroeletrolíticas e metabólicas,

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48
Puericultura

distúrbios circulatórios e de perfusão, infecções síndromes, daí a necessidade de caracterizar, quando


de repetição e o uso prolongado de medicações possível, o início da baixa estatura. Embora a maioria
representam mecanismos, isolados ou combina- das crianças com doença genética apresente sinais ca-
dos, possíveis da BE nessas doenças. A BE secun- racterísticos (estigmas) da doença de base, muitas ve-
dária à doença crônica é denominada baixa esta- zes eles não são percebidos. Na síndrome de Turner
tura visceral. (cariótipo X0 em 50% dos casos; os demais são
As deficiências hormonais representam cau- mosaicos), por exemplo, a única manifestação
sas pouco frequentes de baixa estatura (menos de fenotípica na infância pode ser o comprometi-
5% das BE patológicas). São muito mais frequen- mento estatural e o atraso puberal. Quando não
tes as causas relacionadas aos problemas viscerais se tem um diagnóstico para a BE nas meninas,
(doenças renais, cardíacas, pulmonares e gastroin- recomenda-se solicitar um cariótipo. Normal-
testinais) do que as causas endocrinológicas. mente, nas doenças cromossômicas e nas síndromes
As endocrinopatias devem, entretanto, ser lem- dismórficas, a criança nasce com crescimento intrau-
bradas como causas de BE patológica, e, dentre elas, terino retardado.
chama a atenção o comprometimento tireoidiano,
tanto o neonatal, que pode comprometer irrever- Etiologia da baixa estatura
sivelmente o desenvolvimento neuropsicomotor, Baixa estatura familiar*
como o adquirido.
Retardo constitucional do crescimento*
Na deficiência do hormônio de crescimento (me-
nos de 1% dos casos de BE), a idade óssea está atrasa- Desnutrição crônica*
da, e a velocidade de crescimento está bem diminu- Doenças sistêmicas crônicas *
ída. As crianças com hipopituitarismo nascem
Doenças genéticas
com estatura normal, pois o crescimento fetal
é regulado principalmente pelo suprimento de Doenças endócrinas
oxigênio, nutrientes e insulina (portanto, inde- Doenças esqueléticas
pende do GH ou até mesmo da herança), sendo a
atenuação da estatura notada após os dois anos Crescimento intrauterino retardado (RCIU)
de idade. Algumas características clínicas podem ser Deprivação psicossocial
notadas: crânio e face arredondados, nariz e mandí-
bula pequenos (“face de boneca”), voz fina, mãos e pés Tabela 4.3 Baixa estatura em Pediatria. *causas mais
pequenos, genitais pouco desenvolvidos e desenvol- frequentes.
vimento neuropsicomotor normal. Sabe-se que a se-
creção de GH ocorre em picos, com maiores elevações
durante o período do sono e que, na maioria das vezes,
os valores basais de GH são normais, mesmo quando a
criança apresenta hipopituitarismo. Portanto, se exis- Análise do auxograma
te um exame que o pediatra não deve solicitar para in-
vestigar BE é a dosagem basal de GH. Esse, quando ne- para o diagnóstico
cessário, deve ser dosado após testes de estimulação
hipofisária (pós-clonidina, por exemplo), geralmente diferencial da BE
em duas amostras. A dosagem do fator de crescimento
insulina-símile (IGF-1) e de sua proteína carreadora Identificado o caso de baixa estatura (crité-
(IGFBP-3) podem ser usadas como triagem para ava- rio gráfico) e definido o padrão de crescimento
liar a deficiência do hormônio de crescimento. por meio da obtenção das medidas seriadas da
Cerca de 50% dos casos de nanismo hipopituitá- altura, é importante estudar as relações entre a
rio idiopático apresentam antecedente de parto anô- idade cronológica (IC), idade altura (IA), idade
malo e/ou anóxia neonatal. Portanto, é indispensável peso (IP), idade óssea (IO) e idade mental (IM).
a pesquisa desses dados perinatais na anamnese de Com esses dados, pode-se construir um sistema
uma criança com baixa estatura. gráfico, o auxograma, que facilita a identificação
e a triagem das possíveis causas da BE. Trata-se
Várias doenças genéticas, como a síndrome de
de um sistema de coordenadas, em que todos os parâ-
Down (trissomia do cromossomo 21), têm, den-
metros de crescimento são substituídos por uma única
tre seus estigmas clássicos, o atraso no crescimento.
Os bancos de dados computadorizados mais usados referência: o tempo.
para diagnóstico sindrômico listam cerca de oitocen- A IA e a IP são obtidas pela referência da al-
tas síndromes com baixa estatura. Baixa estatura de tura e do peso da criança ao percentil 50 da cur-
início pré-natal é listada em pouco menos de duzentas va de crescimento. A IO é obtida pela análise do

SJT Residência Médica – 2016


49
4 Distúrbios do crescimento

exame radiológico de mãos e punhos e reflete a e, portanto, a idade óssea é compatível com a
maturação esquelética. Quanto à IM, se possível, idade cronológica, e a velocidade de crescimento
deverá ser obtida por meio da aplicação de testes es- é normal. As crianças são bem proporcionadas, e o
pecíficos ou, então, de modo superficial, pelo próprio exame físico é normal. Entretanto, algumas síndromes
pediatra, por meio da observação da conduta da crian- cursam com estatura e maturação óssea aceleradas. Na
ça, informações da família e escolaridade. síndrome de Marfan, na qual a AE já está presente
Na adolescência, em especial, o exame dos ao nascimento, há associação de outros achados, como
genitais permite a avaliação da idade genital, membros e dedos longos (aracnodactilia), envergadu-
que, por sua vez, tem um significado muito im- ra maior que altura, hiperextensibilidade articular,
portante, semelhante ao da idade óssea (avalia- deformidades torácicas (cifoescoliose), subluxação do
ção maturacional). Assim, idade genital atrasada, cristalino e alterações cardíacas, como prolapso de vál-
de forma geral, melhora o prognóstico de adolescentes vula mitral (95%) e dilatação da aorta. Nessa condi-
portadores de crescimento deficiente, porém, capazes ção, o desenvolvimento neurológico é normal.
de usufruir do estirão da puberdade. Na síndrome de Klinefelter – 47, XXY (AE
Normalmente, os pontos correspondentes de início mais tardio) – associam-se hipogonadismo,
às idades (IA, IP, IO e IM) estão relativamente hipogenitalismo, ginecomastia, membros inferiores
nivelados em relação à idade cronológica (IC). desproporcionalmente longos (padrão eunucoide) e,
Na BE familiar, a IA e a IP estão diminuídas, e comumente, retardo mental.
a IO é compatível com a IC (indicador de mau
prognóstico). Nos casos de retardo do cresci-
mento (ou crescimento lento), a IO também está
atrasada em relação à IC, indicando que a criança
terá mais tempo para crescer. Nas doenças endó-
Retardo puberal
crinas, também pode haver atraso da IO, porém
Caracteriza-se por atraso no início da puberda-
esse é muito mais significativo, particularmen-
de e aparecimento dos caracteres sexuais secundários.
te no hipotireoidismo. No nanismo hipofisário,
A puberdade pode iniciar-se numa ampla faixa
geralmente, a IA e a IP são proporcionais (BE
etária dentro da população normal. Entretanto,
proporcionada) e, no hipotireoidismo, a IA é
ainda que na literatura não haja critério único,
menor que a IP (baixa estatura desproporciona-
estabelecem-se os limites de 13 anos para o sexo
da). Na desnutrição, existe, inicialmente, maior
feminino e de 14 anos para o sexo masculino.
comprometimento da IP e, nas formas crônicas,
O retardo puberal não é somente determinado pelo
há comprometimento da IP e IA. Há também IO
atraso do início, mas também pela não progressão da
atrasada, geralmente compatível com a IA. A
puberdade. Adolescentes que levam mais de cinco
idade mental estará comprometida no hipoti-
anos para completar o desenvolvimento puber-
reoidismo congênito, em síndromes genéticas e
tário (estágios de maturação do adulto) também
em casos de algumas doenças do SNC.
apresentam retardo puberal. O atraso no apareci-
A classificação da BE em relação às proporções mento dos caracteres sexuais secundários é fonte de
corpóreas, ou seja, pelo cálculo da relação segmento grande preocupação para pais e adolescentes, estes,
superior/segmento inferior (SS/SI), pode indicar duas com frequência, têm tanta dificuldade para lidar com
situações: a relação normal indica baixa probabilidade a situação, que nem chegam a expressar claramen-
de a BE ser devida a alterações esqueléticas, e a relação te seu problema, passando a apresentar dificuldades
anormal evidencia risco de afecção esquelética. Lem- de relacionamento em casa ou na escola, ou mesmo
brar que a relação SS/SI costuma ser alta ao nascimen- queixas vagas de saúde. Algumas vezes, o exame físico
to (1,7), chegando na faixa dos 8-10 anos ao valor de 1. cuidadoso é suficiente para “resolver” a questão, pois
as manifestações iniciais da puberdade podem não ter
sido reconhecidas pelo adolescente (aumento testicu-
lar e aparecimento do botão mamário).
Alta estatura Um conceito de interesse é o de “matura-
dor tardio”. São adolescentes que iniciam a pu-
Define-se como alta estatura (AE) a altura berdade após a média de idade da população,
situada acima do percentil 97 na curva de esta- porém não ultrapassam os limites etários su-
tura para idade. Alta estatura é, portanto, um periores estabelecidos. São, portanto, adoles-
diagnóstico “gráfico” de um indivíduo, não re- centes que se enquadram à variabilidade nor-
presentando necessariamente uma anormalida- mal que caracteriza a puberdade. Os distúrbios
de ou doença. Situação menos frequente que a que atenuam o crescimento também podem resultar
BE, em muitos casos, deve-se ao padrão familiar no atraso da puberdade. Na maioria das vezes, o

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50
Puericultura

retardo puberal é uma condição na qual não há causas comuns de atraso puberal em nosso meio são
lesão do eixo neuroendócrino, sendo, em geral, representadas pela desnutrição e pelas doenças crô-
de caráter transitório. O retardo constitucional nicas, com as mesmas características descritas para a
da puberdade constitui o grande exemplo dessa baixa estatura. Em menor proporção, encontram-se
situação. O adolescente apresenta, nesse caso, os distúrbios do eixo neuroendócrino. Nesses casos,
todo seu desenvolvimento físico mais atrasado o problema pode situar-se na hipófise ou no hipo-
e, já desde a infância, trata-se de uma criança tálamo, configurando-se os casos de hipogonadismo
menor do que as outras da mesma idade. Essas hipogonadotrófico, determinados por hipopituitaris-
diferenças tornam-se mais marcantes na ado- mo (tumores, traumas, irradiação) ou deficiência iso-
lescência, devido ao atraso do estirão puberal. lada de gonadotrofinas (síndrome de Kallmann),
A idade óssea é atrasada em relação à cronológi- na qual caracteristicamente há referência de anos-
ca, sendo compatível com o estadiamento pube- mia/hiposmia. Mais frequentemente, pode haver
ral. Há, em geral, história familiar positiva de alteração na própria gônada (hipogonadismo hiper-
menarca materna tardia e/ou atraso do desen- gonadotrófico), nas disgenesias gonadais (síndrome
volvimento do pai. No seguimento, observa-se o de Klinefelter e Turner, por exemplo) ou alterações
desenvolvimento normal desses jovens. Outras secundárias à irradiação local.

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CAPÍTULO

5
Caso clínico para revisão

A sociedade não tem que lutar contra a doença, suprimindo o doente.


Jérôme Lejeune

A gravidez e o parto de João Paulo transcorre-


Considere satisfatório o seu estudo até este momen- ram sem qualquer tipo de intercorrência. Seu peso
to, se conseguir responder adequadamente às ques- ao nascimento foi de 3.800 g, e sua estatura foi de
tões que se seguem ao caso clínico relatado a seguir. 51 cm. O perímetro cefálico, ao nascimento, era de
Caso contrário, reestude esse importante tema da Pe- 35 cm. Em sua história vacinal, verifica-se que seu
diatria. Não prossiga se persistirem dúvidas. calendário está completo.

João Paulo é um adolescente de 15 anos e 9 me-


ses de idade que procura atendimento médico preo- Antecedentes familiares
cupado com sua altura, pois, segundo ele, “é muito Mãe de 48 anos de idade, saudável, com altura
baixa”, e com seu desenvolvimento, que “está atrasa- de 167 cm (p50) e referindo sua menarca aos 13 anos.
do”. Não há qualquer relato, pelos familiares, de an-
Pai de 51 anos de idade, saudável, com altura de
tecedentes mórbidos dignos de nota, exceto um qua-
184 cm (p75). Pai não sabe referir seu início pubertá-
dro asmático nos anos pré-escolares, que, nos últimos
rio, mas lembra que iniciou o barbear-se regular aos
anos, não teve qualquer expressão. Não usa qualquer
17 anos.
tipo de medicação. Ele está cursando o ensino médio
(primeiro ano) e é, como foi relatado pelos familiares, Irmão mais velho, de 18 anos, saudável, que, se-
o mais baixo da sua turma. Queixa-se por ser zombado gundo relato familiar, iniciou a puberdade aos 12 anos.
por seus colegas de classe, com apelidos que o desagra- Não há relato de tabagismo, alcoolismo, uso de
dam. Seus pais estão preocupados, pois percebem no drogas ilícitas, doenças mentais ou problemas escola-
adolescente certo isolamento e introspecção. res e de aprendizado na família.
52
Puericultura

e) retardo puberal, possivelmente secundário à


Exame físico (primeira avaliação)
afecção endocrinológica
Sinais vitais (temperatura: 36,9º C; P = FC = 100
bpm; PA = 100×60)
10. Assinale o conjunto de medidas adequadas
Antropometria (altura = 158 cm [pouco abaixo para a abordagem inicial do quadro:
do p3]; peso = 42 kg [p10])
a) exames (HMG, ferritina, PPF e urina 1) + rX
Adolescente em bom estado geral, porém ansio-
de mão e punho para idade óssea + retorno pró-
so e temeroso ao exame.
ximo (1 m)
Hidratado, corado, eupneico e colaborativo.
b) exames (HMG, ferritina, PPF e urina 1) + do-
Pulmões livres, sem ruídos anormais. Tórax sem
sagens hormonais + retorno próximo
deformidades ou anormalidades.
Ausculta cardíaca: rítmica, com bulhas normofoné- c) rX de mão e punho para idade óssea + dosa-
ticas, sem sopros audíveis. Pulsos presentes e simétricos. gens hormonais (FSH/LH) + retorno em 4 meses
Abdome: indolor, sem visceromegalias ou mas- d) rX de mão e punho para idade óssea + retorno
sas palpáveis, com ruídos presentes. em 4 meses
Genital: postectomizado, com estágios de matu- e) apenas retorno em 1 ano para a rotina do
ração, segundo Tanner, G2P1. Testículos tópicos, com atendimento de adolescentes
eixo de 2,5 cm e aproximadamente 4 mL.
Demais aspectos do exame físico sem particula- Diante de um caso em que a queixa “estar” ou
ridades. “ser baixo” for apresentada, associada ou não às dú-
Observe as afirmações apresentadas sobre o caso vidas sobre o desenvolvimento puberal, um algoritmo
e classifique-as em verdadeiras (V) ou falsas (F): prático, lógico e não dispendioso poderá ser realizado,
1. ( ) João Paulo é um adolescente impúbere. para identificar se há alguma afecção subjacente que
mereça intervenção terapêutica.
2. ( ) João Paulo tem diagnóstico confirmado
de baixa estatura. O primeiro passo é caracterizar a queixa como
realmente relevante, pois preocupações estaturais,
3. ( ) João Paulo deveria estar crescendo cerca
de peso ou de desenvolvimento podem se apresentar
de 10 cm/ano.
como questões subjetivas do cliente ou dos familia-
4. ( ) As informações apresentadas sobre a fa- res, não se concretizando em achados clinicamente
mília de João Paulo são suficientes para o raciocínio relevantes. Portanto, é importante diferenciar o “ser
clínico referente à sua puberdade. baixo” do “não ter a altura que eu queria”. No caso
5. ( ) João Paulo possivelmente já iniciou seu apresentado, realmente a situação do parâmetro
estirão pubertário. antropométrico “altura”, na curva altura para ida-
de (referencial), o caracteriza como baixa estatura
6. ( ) 10% dos adolescentes masculinos com a
(BE); merece, portanto, atenção especial, embora,
mesma idade que João Paulo têm pesos idênticos a ele.
na grande maioria das vezes, essa condição seja de
7. ( ) João Paulo está na segunda fase do de- absoluta normalidade. Quanto ao desenvolvimento
senvolvimento somático pós-natal em que ocorrerá puberal, estando o adolescente em G2, caracteriza-
aceleração do crescimento. -se a ocorrência do início da puberdade (volume
8. ( ) João Paulo tem direito à confidencialida- testicular maior que 4 mL). Entendemos a preocu-
de e ao sigilo médico durante sua consulta. pação do paciente, pois a média de aparecimento do
primeiro sinal pubertário masculino situa-se, co-
9. Diante do caso apresentado, a principal hipó- mumente, entre os 10,5 e 11 anos. Ausência do pri-
tese diagnóstica é: meiro sinal após os 14 anos caracterizaria o retardo
puberal, que, em tese, já não podemos afirmar para
a) baixa estatura fisiológica, possivelmente va- o paciente em questão.
riante do crescimento
Portanto, ao fim dessa primeira avaliação, dois
b) baixa estatura patológica, possivelmente re-
diagnósticos podem ser realizados, diante dos acha-
tardo constitucional do crescimento
dos clínicos e da negatividade de toda história para
c) baixa estatura fisiológica, possivelmente se- doenças mais específicas. São eles:
cundária à afecção visceral
€ baixa estatura (BE);
d) retardo puberal, possivelmente uma variante
do desenvolvimento € puberdade iniciada.

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53
5 Caso clínico para revisão

Diante de um caso de BE, em que nenhum dado Evolução do quadro


significativo é realçado no primeiro atendimento,
Resultado dos exames: hemograma com Hb de 13
temos absoluta necessidade de calcular a velocidade
g/dL com demais índices hematimétricos normais, leu-
de crescimento, parâmetro essencial para a diferen-
cograma normal, sem eosinofilia nem desvio, plaqueto-
ciação entre BE “variação do normal” e BE “patoló- metria normal. Urina e PPF normais.
gica” (quando a VC estiver alterada). Para calcular
VC, tomamos uma segunda medida de estatura, com Idade óssea de 13 anos. No retorno, que ocorreu
após quatro meses, a estatura do paciente era de 160 cm
pelo menos quatro meses de diferença da primeira
(p3). Estava em G2P2 nessa reavaliação, maturação que
aferição, e extrapolamos a unidade para cm/ano. Por-
evoluiu para G3P2 após cerca de seis meses.
tanto, como nada chama a atenção na história des-
se paciente, poderíamos aguardar esse tempo para Observa-se que a VC calculada nesse primeiro retor-
cálculo de VC. Como cerca de 80% das BE não são no é 6 cm/ano (incremento de 2 cm em quatro meses, ex-
trapolado para um ano em uma regra de três simples). Um
patológicas, e sim representadas pelas condições BE
menino em estágio puberal G2 cresce ainda com velocidade
familiar (pouco provável, pois os pais não são baixos)
infantil ou pré-puberal, qual seja, de 4 a 6 cm/ano. Portan-
e RCC (retardo constitucional ou maturação lenta), to, a VC desse paciente é normal, descartando, a princípio,
poderíamos solicitar nessa primeira avaliação a ida- patologia do crescimento. Pensaremos, então, nas causas
de óssea desse adolescente, que faz esse diagnóstico fisiológicas de BE: familiar, pouco provável, e o atraso cons-
diferencial. Lembremo-nos de que, mesmo diante de titucional. As informações de menarca relativamente mais
uma BE patológica, as principais causas que se im- tardia do que a média populacional (13 anos) e os pelos fa-
põem são as nutricionais e as doenças sistêmicas não ciais paternos aos 17 anos fazem supor o segundo diagnós-
endocrinológicas. Portanto, uma boa avaliação do tico, que está mais claro quando observamos a idade óssea,
histórico alimentar e nutricional e uma checagem do com seu relativo atraso (na BE familiar a IO é compatível
exame físico geral e por aparelhos não podem ser dei- com a idade cronológica). Portanto, o diagnóstico desse
xadas de lado. adolescente é Retardo Constitucional do Crescimento, con-
dição frequentemente associada ao retardo constitucional
da puberdade, como parece claro, pela evolução mais tardia
dos eventos puberais. Espera-se uma certa “recuperação” na
curva de crescimento (o que já fica evidenciado pela sua po-
sição no primeiro retorno), e o prognóstico estatural não é
Conduta inicial para o caso tão ruim, como seria nos casos de BE genética. Nesse caso,
€ tomada de informações sobre alimentação e pelos dados apresentados, pela clínica do paciente e, prin-
histórico nutricional: nada digno de nota; cipalmente, pela VC calculada, não se justifica, a princípio,
investigação endocrinológica e exames nesse sentido, o que,
€ solicitação de radiografia de mão e punho es- ao contrário, seria necessário, quando se encontra algum es-
querdos para idade óssea; tigma sugestivo na história ou no exame físico, diante de
uma velocidade de crescimento não compatível ou de uma
€ exames gerais (dispensáveis do ponto de vista
idade óssea com grande atraso em relação à idade crono-
clínico, na ausência de qualquer indicação espe- lógica. Para finalizar, a “normalidade” do caso não exime
cífica). Ilustrativamente, solicita-se hemogra- o profissional que o atende de seu papel orientador e edu-
ma, urina tipo 1 e protoparasitológico; cativo, particularmente diante desse adolescente que, por
€ retorno em quatro meses para cálculo de VC e desconhecimento e desinformação, demonstra sinais de so-
avaliação da evolução pubertária; frimento. O apoio e a tranquilização do médico que o aten-
de colaboram muito para a superação de suas preocupações
€ tranquilização do paciente e da família. estaturais nessa situação apresentada.

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CAPÍTULO

6
Desenvolvimento infantil

Há religiosos que são como médicos doentes: são capazes de indicar a cura, mas não usam para
si o remédio que oferecem.
Augusto Branco

Conceitos gerais Existe sempre uma sequência, fixa e invariável


para cada espécie, porém com um ritmo parti-
Crescimento e desenvolvimento são fenômenos cular e variável. O desenvolvimento segue duas
diferentes em sua concepção fisiológica, paralelos em direções: céfalo-caudal e próximo-distal.
seu curso e integrados em seu significado. Nenhum
Outra característica importante é que as
marco do desenvolvimento, entendido como a
respostas gerais precedem as particulares: um
capacidade de realizar funções cada vez mais
RN responde, por exemplo, com o corpo todo a um
complexas, surge repentinamente sem que uma
estímulo no pé, enquanto um lactente expressa res-
estrutura física e funcional já exista. As várias
etapas do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) posta local.
da criança refletem o desenvolvimento de seu sistema O processo de desenvolvimento recebe influên-
nervoso central, sendo, portanto, importantes marca- cia de três fatores fundamentais:
dores semiológicos de sua integridade.
€ estrutura biológica: desde a concepção, o
A queixa de atraso no desenvolvimento é carre- SNC aparelha-se e modifica-se estruturalmen-
gada de ansiedade pelos pais, pois a perspectiva de que te, oferecendo condições anatomofisiológicas
o filho possa estar “atrasado” compromete as expecta- adequadas. A estrutura biológica necessita es-
tivas em relação àquela criança. tar apta, amadurecida, para que a habilidade
O desenvolvimento é um processo basica- seja adquirida. A antecipação exagerada de in-
mente seriado e somativo, de aquisições de ha- formações sem o devido preparo não resultará,
bilidades cada vez mais complexas pela criança. portanto, em aprendizado;
55
6 Desenvolvimento infantil

€ estimulação adequada: uma criança de cinco a cabeça, sentou, andou, falou e controlou os
meses, por exemplo, com condições biológicas esfíncteres. Esses são marcos, em geral, insufi-
para sustentação cervical quando no colo, pode- cientes para uma conclusão global sobre o pro-
rá não fazê-la se permanecer a maior parte do cesso de desenvolvimento. Por outro lado, existem
tempo deitada em seu berço; vários instrumentos, ou testes, dos mais simples aos
€ participação afetiva: o vínculo mãe-bebê e o mais complexos, como, por exemplo, o Teste de Tria-
ambiente afetivo da família são elementos es- gem e Desenvolvimento de Denver (mais detalhado),
senciais para o interesse da criança e o favoreci- que funciona como teste de triagem, no qual os da-
mento do aprendizado. dos podem ser observados ou relatados pela mãe. A
Basicamente, existem quatro campos para a ava- avaliação adequada não pressupõe a mera aplicação
liação do desenvolvimento: de testes e escalas, pois, ainda assim, são limitados
para captar a complexidade do desenvolvimento in-
€ motor: dos movimentos grosseiros até os mais
fantil. De maneira geral, muito se questiona a
finos;
respeito da aplicação de testes, que podem levar
€ adaptativo: ajuste constante para as atividades a distorções e conclusões precipitadas, pois são
mais complexas; elaborados e padronizados para determinadas
€ linguagem; populações, com características geográficas,
€ pessoal-social. culturais e sociais eventualmente diferentes
das crianças estudadas. Além disso, não medem
A variabilidade individual e o ritmo de cada o potencial da criança, mas apenas avaliam as
criança implicam a flexibilidade da avaliação do habilidades já desenvolvidas. Ao usar um teste,
desenvolvimento, e não se deve ficar preso a es- por exemplo, no qual haja uma situação de relaciona-
quemas rígidos correlacionados simplesmente à mento com lápis e papel, é necessário que a criança
idade para avaliação. Algumas crianças, sem qual- esteja familiarizada com esses objetos, com o hábi-
quer anormalidade, poderão ultrapassar os limites ha- to de escrever, desenhar ou simplesmente rabiscar,
bitualmente estabelecidos para alguns aprendizados para que possa ter um bom desempenho. Crianças
(variações da normalidade). É preciso ficar atento e per- que nunca foram à pré-escola terão um desempenho
ceber quando esses limites são discrepantes e persisten- “inferior” às demais, por exemplo.
tes, ou estão associados a outras alterações. Propõe-se,
dessa forma, que a avaliação do desenvolvimento seja Particularmente nos primeiros dois anos de vida,
ampla, não se restringindo às etapas do desenvolvi- trata-se de uma fase em que as aquisições são notá-
mento neurológico, mas valorizando principalmente as veis, período acompanhado do crescimento do perí-
atividades que a criança já realiza. Nessa perspectiva, a metro cefálico, que reflete o crescimento do cérebro,
avaliação do desenvolvimento não se restringe às clás- como em nenhuma outra fase da vida da criança.
sicas perguntas referidas à mãe sobre o que a criança já
é capaz de fazer, mas abrange a completa observação da
criança durante o desenrolar da consulta.
A criança, para desenvolver uma habilidade, Marcos fundamentais do
deve vivenciar situações que favoreçam a aquisição
dessa habilidade. A estimulação infantil é neces- desenvolvimento
sária para um adequado desenvolvimento. Como
referia Marcondes, “se a alimentação é o combus- A fixação do olhar à mãe enquanto mama é mui-
tível do corpo, a estimulação é do espírito”. Essa to precoce no RN, assim como a capacidade de sucção
estimulação é feita espontaneamente, na maioria dos reflexa inicial (a partir das 32-34 semanas). O choro
casos, em ambiente social adequado, no contato diário espontâneo é vinculado às necessidades fisiológicas e,
com os pais, os familiares e na escola. Entretanto, em durante o exame, provocado por desconforto ou ma-
nosso meio, onde a carência psicossocial acompanha nobras (como pesquisa do reflexo de Moro).
a desnutrição, a abordagem do desenvolvimento e da No primeiro mês de vida, observa-se a atitude de
estimulação precoce da criança torna-se prioridade semiflexão generalizada dos membros (hipertonia fi-
para o pleno desenvolvimento das potencialidades da siológica), com as mãos fechadas, em contraposição à
criança. A detecção precoce dos atrasos do desenvolvi- hipotonia paravertebral. O bebê dorme a maior parte
mento de causas não orgânicas resulta em recupera- do tempo e apresenta uma série de movimentos que
ção satisfatória em 80 a 90% dos casos, com estímulos não dependem de sua vontade, os reflexos, entre os
simples, adequados e oportunos. quais os mais evidentes e conhecidos são o de sucção,
Para avaliação específica do desenvolvi- de preensão e o de Moro. Os reflexos primitivos de-
mento, em geral, surgem as perguntas clássi- vem ser pesquisados e acompanhados até a época de
cas sobre as idades em que a criança sustentou seu desaparecimento.

SJT Residência Médica – 2016


56
Puericultura

No segundo mês a criança mantém a cabeça mais A sequência do desenvolvimento postural obe-
firmemente, elevando-a, quando em decúbito ventral. dece sempre à mesma ordem: primeiro, o bebê firma
Até os dois meses, geralmente inicia o sorriso social o pescoço e, em seguida, sucessivamente com e sem
e, dos três aos seis meses, a lalação, expressa por sons apoio, senta-se, ergue-se e anda. Variações culturais
guturais, inicialmente e balbucio de vogais, com am- no manejo do bebê modificam o período das fases,
plos movimentos labiais, aos estímulos da mãe ou do mas não sua sequência. O controle cervical ocorre
examinador. Até os três meses de idade, a criança cos- primeiro no grupo posterior ou extensor e depois,
tuma acompanhar com o olhar um foco luminoso ou até o final do terceiro mês, no grupo anterior. O “sen-
objetos próximos. tar com apoio” deve ser observado em duas fases.
No terceiro mês, começa, aos poucos, a segurar A primeira ocorre em torno do sexto mês, quando,
objetos e a olhar para as próprias mãos. colocando-se o bebê sentado, ele permanece por al-
gum tempo sem cair para os lados. Há curvatura da
No quarto mês, já levanta a cabeça, procura a coluna vertebral, com cifose lombar, em decorrência
mãe quando ouve sua voz, leva as mãos à boca. Aos da hipotonia do tronco.
três ou quatro meses, a postura do bebê é simétrica,
Outra fase ocorre por volta do nono mês, quando
os membros costumam estar preferencialmente es-
a criança senta por si própria, agarrando-se a um su-
tendidos, com as mãos abrindo e fechando esponta-
porte. O “sentar sem apoio” também deve ser observa-
neamente. Ao final do quarto mês, espera-se que to-
do pelo menos em duas fases: uma, em torno dos nove
das as crianças nascidas de termo estejam firmando
meses, quando, colocando-se o bebê sentado, perma-
a cabeça. Quando colocada em pé, a criança suporta o
nece por algum tempo sem apoio das mãos, mas pode
peso nos membros inferiores, ainda que momentane-
desequilibrar-se para os lados.
amente (aquisição dos 3 aos 7 meses de vida).
Outra fase ocorre até o décimo segundo mês,
Com cinco meses, reconhece sua imagem no es-
quando o bebê pode passar sozinho do decúbito dorsal
pelho e se alegra com isso; leva tudo à boca. No sexto
para a posição sentada. Quanto à marcha sem apoio,
mês, estende os braços para ganhar colo, senta-se com
ocorre até 12 meses em 20% das crianças e pode ser
apoio, rola o corpo (nem sempre na direção do cuida-
considerada até os 18 meses. Para atingir a fase do
dor, daí o risco das quedas) e segura objetos com as
sentar-se sem apoio, é necessário, além da maturação
duas mãos.
cervical, ter completado a fase de mudança de decúbi-
Dos seis aos dez meses, os bebês iniciam o pro- to. Até o final do quinto mês, os bebês mudam de de-
cesso de associar consoantes com vogais, dizem, cúbito prono para supino e, até o final do sétimo mês,
por exemplo, ma-ma, sem necessariamente signifi- de supino para prono. Cerca de 10 a 20% dos bebês
car mamãe ou mamar. Até o final do primeiro ano, não engatinham, e alguns manifestam o engatinhar
o bebê elabora dissílabos com significado (MAMA, atípico (de nádegas, de barriga ou reptando).
PAPA). No segundo semestre, o bebê já não responde
A preensão palmar passa a ser voluntária em
mais com um sorriso a qualquer pessoa, ele passa a
100% das crianças aos quatro meses. De início, é pre-
distinguir o familiar do estranho. Chora e grita com
dominantemente ulnar, em seguida, medial e, até o
frequência, expressando seu medo e a recusa de en-
fim do primeiro ano, deve ser em pinça.
trar em contato com ele, isso faz parte do desenvol-
vimento normal da criança.
Alguns importantes reflexos primitivos
No oitavo mês, a criança reconhece seu próprio transitórios do RN
nome e o “não”. No nono mês, os dedos podem fun-
cionar como pinça para pegar objetos. Em relação Reflexo de Moro: abdução dos membros superio-
ao desenvolvimento motor, ao final de nove meses, res e abertura das mãos após som súbito ou após
a criança nascida a termo já deve ficar sentada sem soltá-lo durante movimento de tração pelos pu-
apoio, com a cabeça e o tronco eretos. A capacidade de nhos. Fragmenta-se e desaparece até cerca de seis
passar da posição deitada para a sentada sozinha pode meses (na sua forma completa, aos três meses).
estabelecer-se dos 6 aos 11 meses.
Reflexo da marcha: atinge sua manifestação máxi-
Até 18 meses expressa palavras-frase (ÁGUA = dá ma nas 37 semanas e desaparece, em 100% dos ca-
água). Até os 24 meses, constrói frases (dá água) e, aos sos, no terceiro mês.
três anos, introduz o pronome EU, importante passo
na distinção “eu-outro”. A linguagem compreensiva Reflexo tonicocervical - Magnus-Kleijn (posi-
precede a expressiva e, no primeiro ano, desde os pri- ção do esgrimista): rodando a cabeça para um dos
meiros contatos com o meio, se percebe isso quando o lados, ocorre abdução e flexão do membro superior
bebê reage positiva ou negativamente aos estímulos. do lado occipital e abdução e extensão do membro
superior do lado facial – desaparecimento até cerca
Efetua tarefas simples por imitação sob comando, no
de três ou quatro meses.
final do primeiro ano.

SJT Residência Médica – 2016


57
6 Desenvolvimento infantil

Alguns importantes reflexos primitivos Marco Idade média da conquista


transitórios do RN (Cont.)
Inibida por “não” 7 meses
Reflexo de sucção: até quatro a seis meses.
Preensão polegar-indi-
Reflexo da voracidade (pontos cardeais): esti- 8-9 meses
cador (pinça)
mula-se a comissura labial, com desvio dos lábios
para o lado examinado – desaparece em cerca de Reação de estranha-
9 meses
três a seis meses. mento

Preensão palmar reflexa: até cerca de quatro a Põe-se sentado 7-9 meses
seis meses. Bate palmas 7-11 meses
Reflexo cutaneoplantar em extensão: quan-
Acena “adeus” 6-14 meses
do pesquisado na porção lateral do pé do bebê,
observa-se extensão do hálux em 100% dos RN. A Fica em pé sozinho 10-13 meses
inversão do reflexo, isto é, a resposta em flexão do
hálux ocorrerá em 80% dos lactentes, por volta dos 11-14 meses (aos 18 meses já
Anda
12 meses, podendo chegar à metade do segundo deve estar andando)
ano de vida. Primeiras palavras com
12 meses
sentido
Reflexo de Galant: encurvamento lateral do tron-
co, provocado pelo estímulo tátil aplicado no senti- Sobe degraus 15 meses
do vertical, paravertebral. Corre 16 meses
Reflexo do arraste: movimentos de reptação refle-
xa no decúbito ventral; não está presente em todos Controle esfincteriano 18 a 36 meses
os RN.
Tabela 6.2 Desenvolvimento infantil.
Tabela 6.1 Reflexos primitivos do recém-nascido.
Recentemente, nos estudos da Organização
Na tabela a seguir, um resumo de alguns marcos Mundial da Saúde realizados para a confecção do novo
mais importantes que caracterizam o desenvolvimen- referencial de crescimento (MGRS – 2006), foram
to do lactente. Não existe um padrão rígido de refe- coletadas complementarmente informações básicas
rência. O setor motor apresenta maior regularidade, sobre seis eventos importantes do desenvolvimento
embora não haja universalidade. neuromotor de crianças, em função da faixa etária em
que essas aquisições se tornam presentes. Essas in-
Marco Idade média da conquista formações foram colocadas em forma gráfica e repre-
sentam, hoje, mais um instrumento para a avaliação
1 mês (aos 3 meses toda
Sorriso social clínica das crianças.
criança deve apresentar)
Segue com o olhar 2 meses Intervalos de aquisição de 6 habilidades motoras

2-3 meses (aos 4 meses deve


Sustentar a cabeça sustentar-se quando levanta- Andar sozinho

do pelos braços)
Permanecer em pé sem apoio
Balbucio e lalação 2 meses
Aquisição motora

Muda de decúbito 2-5 meses Caminhar com assistência

Mãos juntas na linha


3 meses
média Engatinhar

Segura objetos coloca-


3-4 meses
dos na mão Permanecer em pé com apoio

Olha e brinca com a


3-4 meses Sentar sem apoio
própria mão
3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Transfere objetos para
6 meses Idade em meses
a outra mão
6 meses (aos 9 meses já deve Figura 6.1 Reference: WHO Multicentre Growth Ref-
Senta sem apoio erence Study Group. WHO Motor Development Study:
sentar-se sem apoio)
Windows of achievement for six gross motor develop-
De pé, sustenta o cor- ment milestones. Acta Paediatrica Supplement 2006;
4-7 meses
po (segurada) 450: 86-95.

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CAPÍTULO

7
Aleitamento materno

A Organização Mundial da Saúde (Declara-


O aleitamento materno é o padrão-ouro da alimentação
ção de Innocenti, aprovada em 1990 e atualizada
infantil. (Academia Americana de Pediatria)
em 2005), o Ministério da Saúde do Brasil e a So-
ciedade Brasileira de Pediatria recomendam que
as crianças sejam alimentadas exclusivamente
com leite materno, se possível, até os seis meses
Vantagens da de vida. A partir de então, outros alimentos de-
verão ser introduzidos (alimentação de transi-
ção) e a amamentação incentivada até cerca de
amamentação dois anos. Existem evidências de que não há vanta-
gens em iniciar os alimentos complementares antes
A amamentação constitui-se, inquestionavel-
mente, como uma forma alimentar de valor não so- dos seis meses (salvo em casos particulares).
mente nutricional, como também imunológico, psico- A composição bioquímica do leite de todos
lógico, social e econômico, que beneficia a criança, a os mamíferos é altamente específica, refletindo
mãe, a família e a sociedade. A cada dia, surgem novos a adaptação fisiológica espécie-específica, aten-
estudos comprovando a adequação do leite materno às dendo plenamente às necessidades nutricionais
necessidades dos lactentes e os benefícios decorrentes e assegurando um ótimo padrão de crescimento
da prática do aleitamento natural. e desenvolvimento. Esse padrão ideal de crescimen-
59
7 Aleitamento materno

to e desenvolvimento, decorrente dessa vantagem A proteção anti-infecciosa é, de longe, o


nutricional do leite materno, é desejável para todas maior benefício da amamentação natural. En-
as crianças, sobretudo para os lactentes dos países em tretanto, a relação das doenças não infecciosas
desenvolvimento, ameaçados pelo risco da desnutri- contra as quais o leite humano poderia exercer
ção. É importante lembrar que as crianças amamen- algum tipo de proteção vem crescendo progressi-
tadas podem apresentar crescimento inferior ao das vamente. Essa lista, iniciada pelas formas clínicas de
alimentadas com leites industrializados entre os três e desnutrição, continua com a anemia ferropriva, doen-
nove meses, sem que isso, no entanto, implique qual- ça celíaca, doença inflamatória intestinal e desordens
quer desvantagem para a criança. do sistema imune (como dermatite atópica em indiví-
Apesar da tendência ascendente nas taxas de duos susceptíveis).
aleitamento materno no Brasil, a maioria das mulhe- Evidências têm sugerido também proteção
res ainda está longe de praticar a duração ótima da para o diabete tipo 2.
amamentação. A duração mediana da amamentação
O leite materno promove proteção a longo
no país, que era de 2,5 meses em 1975, aumentou
prazo contra obesidade. As taxas de gorduras in-
para 5,5 meses em 1989 e para dez meses em 1999.
No entanto, a duração da amamentação exclusiva é de saturadas no leite humano se encontram dentro de
apenas 23 dias, muito aquém dos 180 dias preconiza- proporções fisiológicas equilibradas. Esse equilíbrio é
dos pela OMS. fator considerável na prevenção da aterosclerose e de
doenças coronárias, tanto na infância quanto na vida
Hoje não restam mais dúvidas quanto à su- adulta. Taxas reduzidas de sais e proteínas oferecem
perioridade do leite materno sobre os seus pre- carga osmolar menor ao trabalho renal, o que determi-
tensos substitutos, fato cientificamente com- na estabilidade hídrica do lactente que se alimenta do
provado. Graças aos inúmeros fatores de proteção leite materno. Sabe-se que o teor baixo de sódio é fator
do leite humano, ocorrem menos mortes de crianças
importante na prevenção da hipertensão arterial, fato
amamentadas. Estima-se que o aleitamento materno
que, somado à prevenção da arteriosclerose, eviden-
possa prevenir 50% das mortes por doenças respirató-
cia o papel protetor do aleitamento materno, ainda no
rias e 66% das causadas por diarreia. Nenhuma outra
início da vida, de doenças de idade adulta.
estratégia alcança o impacto que a amamentação exer-
ce na redução das mortes de crianças, particularmente O leite materno, pela sua constituição, que se
em países pobres. A proteção conferida pelo leite ma- modifica no decurso da mamada, permite ao lactente
terno é máxima nos primeiros meses de vida. A mor- sentir sabores e texturas diferentes, desenvolvendo a
talidade por doenças infecciosas é seis vezes maior em sensação de saciedade, ao contrário do uso de fórmu-
crianças menores de dois meses não amamentadas, las, em que da primeira à última sucção, o sabor e a
quando comparadas com crianças alimentadas ao pei- característica organoléptica se mantêm rigorosamen-
to. A proteção diminui à medida que a criança cresce. te constantes.
É importante ressaltar que, enquanto a proteção con- A sucção do complexo aréola-mamilo facili-
tra mortes por diarreia diminui dramaticamente com ta o desenvolvimento oral, influenciando, entre
a idade (após cessação do aleitamento), a proteção outros, o correto desenvolvimento da fala e a
contra mortes por infecções respiratórias se mantém adequada oclusão dentária. Os cirurgiões dentistas
constante nos primeiros dois anos de vida. O maior têm chamado a atenção para a relação entre doenças
impacto do efeito protetor do aleitamento materno se dentárias – má oclusão e cáries – e o desmame preco-
evidencia nas populações mais carentes, onde a precá- ce. Quando a criança suga o peito, a musculatura da
ria condição econômica associada à maior promiscui-
boca tem papel ativo, e a língua a função de ordenha.
dade ambiental e à escassez de recursos de higiene e
Com a mamadeira, essa musculatura é pouco solicita-
saneamento culminam em um risco elevado de conta-
da, pois, apenas com uma leve sucção, o leite já flui
minação para as crianças precocemente desmamadas.
para a boca; a língua passa a ter um papel de mero obs-
Nas crianças que não recebem o aleitamento natural,
trutor do fluxo do leite.
a relação entre diarreia infecciosa, desnutrição e as
infecções subsequentes é esperada. Há evidências epi- Para a mãe que amamenta, essa prática alimentar
demiológicas de que o leite materno confere proteção traz importantes vantagens, como rápida involução
contra os episódios de diarreia e interfere em sua gra- uterina, aumento do espaço interpartal (amenorreia
vidade. Também em relação às infecções respiratórias, da lactação como prevenção de concepção), diminui-
o impacto se observa não somente no número de epi- ção do risco de câncer de mama e a vantagem psico-
sódios, mas também na gravidade e na necessidade de lógica do reforço do vínculo afetivo no elo emocional
internação. Descreve-se incidência reduzida de otite mãe-filho. Por fim, é uma forma alimentar prática e
média no primeiro ano de vida nos lactentes amamen- conveniente, pois está sempre disponível, livre de con-
tados exclusivamente pela mama materna. taminações e em temperatura ideal.

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60
Puericultura

do colostro em leite de transição, com maior con-


Definições em centração gordurosa, determinam uma recuperação
do peso em cerca de dez dias. O médico deve estar
amamentação (OMS) preparado para essas orientações.

Aleitamento materno exclusivo: quando a crian- Após 2 ou 3 dias, ocorre a apojadura, com o ingur-
ça recebe somente leite materno, diretamente da mama, gitamento mamário gradual. As mamadas frequentes
ou leite humano ordenhado, e nenhum outro líquido ou devem ser estimuladas, para o bom esvaziamento das
sólido, com possível exceção para medicamentos. mamas. Esse esvaziamento possibilita o descanso e a
tranquilidade da mãe, fundamentais para a produção
Aleitamento materno predominante: quan- do leite. Entretanto, deve-se considerar que a criança
do o lactente recebe, além do leite materno, água ou muito pequena não consegue sugar muito leite a cada
bebidas à base de água, como sucos de frutas ou chás, mamada e tem capacidade gástrica reduzida, justifi-
mas não recebe outro leite. cando-se as mamadas frequentes e com livre deman-
Aleitamento materno: quando a criança rece- da, baseadas no choro da criança.
be leite materno, diretamente dele ou dele extraído, A demanda da criança é a chave determi-
independentemente de estar recebendo qualquer ali- nante do processo de lactação. A sucção repetida
mento, incluindo leite não humano. do mamilo aumenta a liberação de prolactina,
que, por sua vez, aumenta a produção de leite.
Portanto, se a mãe insistir em amamentar com maior
frequência, ajustará a produção à demanda. Outro es-
Amamentação: técnica, tímulo satisfatório para a secreção de leite é o esvazia-
mento regular e completo das mamas. A criança que
di昀椀culdades e soluções suga debilmente a mama materna determina compro-
metimento da produção láctea. Uma forma efetiva
Apesar de a sucção do recém-nascido ser um ato de aumentar a quantidade de leite é diminuir o
reflexo, a prática bem sucedida do aleitamento depen- intervalo entre as mamadas. Retenção de leite
de, em grande parte, do apoio e das orientações recebi- que provoca ingurgitamento doloroso pode ser
das pelas mães no pré-natal, nos primeiros momentos evitada com esvaziamento mamário regular por
após o nascimento e na alta hospitalar. Destaque se dá ordenha manual ou mecânica.
hoje ao manejo clínico da amamentação, onde o pro- O fato de que o RN necessita ser amamentado
fissional deve estar atento a problemas e dificuldades a intervalos curtos é próprio da espécie humana. A
do binômio mãe-filho e prontamente atuar no sentido queixa de leite fraco é referida por mães que não sa-
de suas soluções. bem dessa informação e fazem a comparação com o
Logo após o parto, a mãe percebe que ainda leite de vaca, que é mais espesso e, habitualmente,
não houve o ingurgitamento mamário. Embora o provoca intervalos mais espaçados entre as mamadas.
fato seja previsível e natural, a mãe pode interpre- A melhor digestibilidade do leite humano e o es-
tar como uma falha, que comprometeria a alimen- vaziamento gástrico mais rápido do leite natu-
tação do recém-nascido (RN). Nos dias que pre- ral devem ser esclarecidos à mãe. Recém-nascidos
cedem a apojadura (descida do leite), a mãe deve mais sonolentos devem ser acordados. Quando esti-
oferecer a mama à criança, estimulando sua sucção, mulados e desagasalhados, o contato pele a pele com
fornecendo o primeiro produto da secreção mamá- a mãe propicia uma sucção mais vigorosa e gotas de
ria, o colostro (que normalmente é produzido em leite no lábio podem ajudar. O RN normal mama com
pequena quantidade, suficiente, entretanto, para frequência, sem regularidade quanto a horários. É co-
o equilíbrio hídrico da criança), de fundamental mum um bebê, em aleitamento exclusivo, mamar
importância imunológica e suficiente para manter de 8 a 12 vezes por dia. Muitas mães mais insegu-
a hidratação do RN. Na maternidade, a prática do ras costumam interpretar esse comportamento
alojamento conjunto deve ser incentivada, fator de-
como sinal de fome do bebê, leite fraco ou insu-
terminante para o sucesso do aleitamento natural.
ficiente, culminando com a introdução de suple-
Atualmente, estimula-se a prática da amamentação
mentos. O regime de aleitamento inicial é o de
na própria sala de parto, após as manobras iniciais
“livre demanda”, sem restrições.
da reanimação neonatal. O RN nasce preparado
para superar o período pré-lácteo, e uma perda O posicionamento do bebê deve ser adequa-
ponderal de cerca de 10% do peso de nascimen- do. A “pega” correta é fundamental para o suces-
to nesses primeiros dias é esperada e normal, so da lactação e representa o primeiro ponto a ser
decorrente da perda do líquido extravascular. verificado se o ganho ponderal do lactente não
A melhora no padrão de sucção e a transformação corresponde às expectativas. As posições da mãe

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61
7 Aleitamento materno

e da criança devem ser confortáveis. A “pega” é O aleitamento deve ocorrer nas duas mamas,
considerada adequada quando a criança prende o começando sempre pela que foi dada por último na
mamilo e a aréola. Pela importância dos mamilos para mamada anterior ou, pela regra, “na que estiver mais
a amamentação é fundamental que no pré-natal sejam cheia”. Nas crianças pequenas, a mamada em uma só
examinados. Em casos de mamilos invertidos, orienta- mama é suficiente.
-se a utilização de intermediários de silicone. A mãe deve A técnica correta evita as complicações
segurar (quando necessário) a mama com o polegar no mais comuns. A dor à sucção pode ocorrer em
alto e os outros quatro dedos abaixo e por trás da aréola três situações corrigíveis: sucção por períodos
(técnica do “C”), sem distorcer o mamilo e evitando-se o prolongados na fase pré-láctea, tensão e ansie-
pinçamento do mamilo entre os dedos médio e indica- dade materna sem reflexo de ejeção e falha téc-
dor. Bicos artificiais, como a chupeta e as mamadeiras, nica (particularmente na “pega” da mama, com
devem ser evitados, pois confundem a criança quanto ao sucção apenas do mamilo). O esvaziamento ma-
tipo de sucção efetuado, podendo resultar em não sucção mário, por massagem ou durante o banho, pode
posterior da mama ou sucção ineficiente. tornar a mama mais macia e permitir a “pega”
mais adequada.
Pontos básicos a serem observados para uma As fissuras decorrem de sucções prolonga-
adequada amamentação das e “pegas” incorretas. A correção desses aspec-
Bebê alerta e calmo, sem roupas que comprometam os tos, associada à exposição solar, contribui para a cica-
movimentos (não deve estar enrolado) trização das fissuras.
Mãe confortável e bem apoiada Considera-se um aleitamento materno bem
Mãe relaxada e confiante sucedido quando a criança é ativa e vigorosa,
Bebê com o corpo todo virado para a mãe, com cabeça apresenta desenvolvimento ponderoestatural
e tronco alinhados (barriga com barriga e pescoço não adequado nas consultas sequenciais de puericul-
torcido). As nádegas do bebê precisam estar apoiadas. tura (25 a 30 g/dia no primeiro trimestre), apre-
Pega do complexo aréolo-mamilar com queixo tocando senta seis a oito fraldas molhadas por dia, um
o seio ritmo intestinal variável (veja adiante) e a criança
Boca do bebê bem aberta, com lábio inferior virado parece bem. Além disso, a mãe e os demais familiares
para fora (“boca de peixe”) (vê-se mais aréola acima do estão tranquilos, colaborativos e confiantes quanto ao
que abaixo da boca da criança) processo de alimentação do bebê.
Não é preciso pressionar a mama com o polegar, nem O uso de suplementos, águas, chás e, sobretudo,
o afastamento com os dedos (técnica do “C” – dedos “o
outros leites, deve ser evitado, pois existem evidên-
mais longe possível” da aréola)
cias de que o seu uso está associado com o desmame
Levar o bebê à mama e não o contrário precoce. A mamadeira, além de ser uma importante
Queixo do bebê toca a mama e narinas livres fonte de contaminação, pode ter um efeito negati-
Sucções lentas e profundas (suga-pausa-suga) – deglu- vo no aleitamento. Algumas crianças desenvolvem
tição visível e/ou audível preferência por bicos de mamadeira, apresentando
Bebê satisfeito após mamada (solta o peito) dificuldades para serem amamentadas ao seio (“con-
fusão de bicos”).
Tabela 7.1 Sinais de sucesso durante a observação
das mamadas.

Tão logo a lactação plena se estabeleça, as


mamadas se tornam mais regulares, com inter- Fisiologia da lactação
valos variando de 2 a 4 horas (2 a 3 durante o dia
e 3 a 4 à noite). O tempo de duração deve ser tal que Ao nascer, a criança é movida por reflexos que
satisfaça as necessidades da criança, o que geralmente asseguram sua sobrevivência. O reflexo de busca
ocorre com o adormecer, ou quando a mãe, com sua (procura) auxilia o bebê a encontrar o mamilo
experiência, sentir que a criança já mamou o suficien- mediante um estímulo realizado na face, lábios
te. Cada dupla tem o seu ritmo próprio, e a mãe deve ou região perioral, o que faz com que ele gire a
ouvir o seu filho engolir e sentir sua mama ficar menos cabeça para o mesmo lado, com a boca aberta e
tensa. A criança mama nos primeiros 5 a 10 mi- abocanhe o mamilo e a aréola, dando o início ao
nutos cerca de 90% do leite, porém o tempo de reflexo de sucção. Para extrair o leite, o bebê suga;
duração total da mamada é variável (10 a 20 mi- a pressão da aréola tracionada contra o palato com a
nutos). Mamadas repetidamente curtas (menor língua propulsiona o leite dos seios lactíferos para a
que cinco minutos) devem se seguir de rigoroso boca da criança, de modo que ela possa engolir (reflexo
acompanhamento da curva ponderal. da deglutição).

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62
Puericultura

Dois reflexos maternos estão envolvidos no A quantidade total diária de colostro é de 10 a


controle endócrino da lactação: o da produção 50 mL. Contém várias vezes a quantidade de prote-
(reflexo da prolactina) e o da ejeção. Ambos se ína do leite maduro e mais minerais, porém menos
iniciam com a sucção do conjunto mamilo-aréola. carboidratos e gorduras. A principal característica do
Essa estimulação segue para o hipotálamo e daí colostro é a sua composição por fatores imunológicos,
para a hipófise. A prolactina é produzida pela hi- células de defesa e grande concentração de imunoglo-
pófise anterior, e a ocitocina, pela hipófise poste- bulinas, particularmente IgA secretora.
rior. A prolactina desencadeia a produção láctea O colostro humano oferece, em média, 58 cal/100
pelos alvéolos da glândula mamária, e a ocitocina mL, e o leite maduro, 71 cal/100 mL. Quando se com-
contrai as células mioepiteliais, fazendo com que o para o leite humano definitivo ao valor energético do
leite contido nos alvéolos passe ativamente ao sis- leite de vaca, a diferença é pouco significativa (cerca de
tema de drenagem. Assim, cerca de dois terços da 67 cal/100 mL) – são leites isocalóricos. Entretanto, as
produção dos alvéolos (“último leite”) são jogados vantagens são inúmeras na comparação leite humano
nos sistemas de canais da mama. O reflexo da pro- versus leite bovino.
lactina ocorre obrigatoriamente, desde que haja
sucção. Isso baseia a técnica da lactação adotiva e O volume de leite aumenta rapidamente duran-
da relactação. Entretanto, o reflexo de ejeção tem te os primeiros dias do puerpério, alcançando níveis
natureza psicossomática (influência de fatores estáveis em quatro a seis semanas, estimulado princi-
emocionais maternos) e só ocorrerá quando a mu- palmente pela maior sucção do lactente e pelo incre-
lher estiver tranquila e confiante. Portanto, moti- mento de suas necessidades nutricionais (600 mL no
vação, tranquilidade e autoconfiança são fatores quarto dia, em média).
absolutamente necessários para o sucesso da lac- Fatores hereditários, fisiológicos, dietéticos, am-
tação. Muitas mães o apresentam mesmo sem sucção, bientais e emocionais contribuem para um produto
ao simples toque, choro ou lembrança da criança. Por variável, em termos de componentes e volume. A va-
outro lado, pode ser inibido por fatores psíquicos (ansie- riação na concentração dos componentes lácteos ocor-
dade, preocupação ou desinteresse), quando ocorre de re também numa mesma mamada, isto é, a primeira
modo insatisfatório ou mesmo deixa de existir. A criança e a última porção secretada são diferentes entre si. O
passa a receber apenas o “primeiro leite”, hipocalórico e aspecto mais claro e fluido do leite inicial reflete
insuficiente para saciá-la; as mamas passam a ser inade- o maior conteúdo líquido, e o aspecto final mais
quadamente esvaziadas, com possível ingurgitamento consistente reflete o maior conteúdo lipídico.
mamário e compressão do epitélio secretor. O ingurgita- O tempo de esvaziamento gástrico com o
mento torna a aréola convexa, fazendo com que a sucção leite materno é de aproximadamente uma hora
seja apenas no mamilo. Entende-se, portanto, o fracasso e meia, comparado com as quatro horas que leva
do aleitamento nessas situações. O profissional de saúde o leite artificial, fato que resulta nas mamadas mais
convicto, entusiasta e com conhecimentos técnicos dos frequentes, motivo de preocupação de algumas mães.
mecanismos que interferem na lactação pode aumentar A melhor digestibilidade do leite materno se
significativamente o número de mães que amamentam. deve à formação de coágulos finos e floculados,
que se degradam rapidamente no estômago.
A lactose é o carboidrato predominante no
leite. A concentração de lactose no colostro é de
Composição do leite 4 g/dL, em média, alcançando 7 g/dL no leite de
transição, mantendo-se constante até o final da
lactação. Apresenta também pequenas quanti-
humano dades de glicose (14 mg/dL) e galactose (12 mg/
O leite materno constitui uma substância ativa dL). O leite de vaca contém cerca de 4,5% de lac-
que se modifica para atender às necessidades do cres- tose. Sabe-se que a lactose tem ações no desen-
cimento da criança, existindo uma interação bioquí- volvimento do sistema nervoso central, pois é
mica complexa entre a mãe e seu lactente, que permite fonte de galactose, essencial para a produção de
essa modificação. Durante os cinco primeiros dias galactolipídeos, que incluem os cerebrosídeos.
após o início da lactação, o leite passa pelo es- Dentre todas as espécies de mamíferos, é no leite
tágio de colostro (desde o terceiro trimestre de humano que está em maior concentração, valori-
gestação). Entre o sexto e o décimo quinto dias, zando seu significado em relação ao desenvolvi-
ocorrem modificações químicas e imunológicas, mento neuropsicomotor.
sendo chamado de leite de transição, e depois No leite humano destaca-se o papel dos lí-
disso já apresenta características de leite madu- pides como fonte energética para o crescimento
ro (leite definitivo). adequado do recém-nascido. O sistema lipídico do

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7 Aleitamento materno

leite humano, responsável por aproximadamente 50% biodisponibilidade. O leite humano coagula em
das calorias, é estruturado para o recém-nascido. A flocos tênues e porosos, com baixa tensão super-
digestão e absorção da gordura é facilitada pela orga- ficial, tornando-os mais acessíveis às enzimas
nização da gordura, pelo tipo de ácido graxo (ácidos digestivas. A proteína do leite humano fornece
palmítico, oleico, linoleico e alfalinolênico), pela com- qualitativamente todos os aminoácidos necessá-
posição dos triglicérides e pela lipase estimulada por rios (fato explicado pela especificidade das pro-
sais biliares. Assim, o leite humano é o alimento de teínas). A proteína do soro com maior concen-
escolha para o recém-nascido, inclusive o prematu- tração é a alfalactoalbumina, além das proteínas
ro, não só pela sua capacidade de promover a absor- de defesa, particularmente a lactoferrina e a li-
ção e digestão das gorduras, como também em razão sozima. A betalactoglobulina é a principal causa
das profundas funções metabólicas atribuídas à sua das alergias ao leite de vaca.
composição ideal de ácidos graxos essenciais e poli- O leite de vaca contém níveis mais altos de
-insaturados de cadeia longa (LCPufas) (w-3 e w-6). todos os minerais do que o leite humano. Entre-
Os ácidos graxos poli-insaturados (essenciais e tanto, a concentração no leite humano é bem mais
que devem ser recebidos pela dieta, pois não são adaptada às necessidades nutricionais e à capa-
produzidos endogenamente pelo organismo hu- cidade metabólica do recém-nascido. O ferro do
mano), principalmente de ácido linoleico (w-3) e leite materno, embora baixo, é muito mais biodis-
alfalinolênico (w-6) e seus produtos de metabo- ponível do que o do leite de vaca, isto é, em média
lismo (os principais representantes são o ácido 50% do ferro no leite materno é absorvido, con-
docosahexaenoico (DHA) derivado do ômega-3 e tra cerca de 10% do leite bovino. Além do mais,
o ácido aracdônico (AA) derivado do ômega-6), no RN termo, durante os primeiros quatro meses
desempenham importante papel na maturação e de vida, o ferro armazenado durante a vida fetal
no desenvolvimento do sistema nervoso central compensa a relativa deficiência do leite.
e visual do lactente e na programação metabóli-
A relação cálcio/fósforo é constante e ideal
ca e imunológica. Importância metabólica particu-
no leite materno, embora o colostro apresente
lar hoje se atribui aos ácidos graxos de cadeia longa
20 mg/dL de Ca e 10 mg/dL de P, enquanto o leite
(LCPUFAS), que estão presentes em grande quantida-
maduro 30 mg/dL e 15 mg/dL, respectivamente
de no leite humano, que são gorduras incorporadas ao
(relação 2:1). Embora a quantidade de vitamina
metabolismo das membranas celulares (especialmen-
D no leite materno não seja significativa, a re-
te de plaquetas, eritrócitos, neutrófilos, monócitos e
lação Ca/P ideal favorece a adequada absorção
hepatócitos) e por lhe conferirem fluidez e viscosidade
desses elementos.
específica, permitindo a difusão de várias substâncias
(Na+, K+, enzimas, receptores de insulina, antígenos O leite materno apresenta apenas um terço
etc.) importantes para o metabolismo celular e imu- do conteúdo de sódio do leite de vaca, quantida-
nológico. A gordura no leite apresenta-se sob a forma de ideal para o lactente jovem que não manipula
de glóbulos, cujo centro é formado por trigliceríde- bem altas cargas osmolares e, consequentemen-
os (98-99% do total de gorduras), envoltos por uma te, quando em aleitamento natural, que necessi-
membrana de colesterol, fosfolipídios e proteínas. O ta de menor quantidade hídrica.
leite de vaca é praticamente isolipídicos em relação O teor de vitaminas de cada leite varia dire-
ao leite materno. Entretanto, existem diferenças tamente com a ingestão materna, diferentemen-
qualitativas entre os dois tipos de leite. Durante te de outros nutrientes. O leite de vaca é particu-
uma mamada, o leite gradualmente triplica o seu larmente pobre nas vitaminas C e D. O leite humano
conteúdo de gordura, que parece ter grande in- costuma conter um teor adequado de vitamina C, des-
fluência na saciedade do bebê. de que a mãe tenha dieta apropriada, comportamento
O leite maduro apresenta em média 1,5 g/ válido para todas as vitaminas essenciais à saúde, que
dL de proteínas totais, sendo cerca de 35% de são supridas pelo leite materno. Ao ser consumido di-
caseína (proteína coagulável) e 65% de proteí- retamente da mama, o leite humano não sofre altera-
nas do “soro” (principalmente lactoalbuminas). ções produzidas pela manipulação, mantendo seu teor
Existe uma diferença quantitativa quando com- de vitaminas, o que não ocorre com o leite de vaca (por
parado ao leite de vaca, o qual apresenta cerca exemplo, diminuição da vitamina C por pasteurização,
de 3,3 g/dL, e que resulta no seu nível de caseína transporte e fervura).
seis vezes mais alto (a relação caseína/proteínas Os fatores responsáveis pela proteção anti-infec-
não coaguláveis no leite de vaca é de 80/20). A ciosa no leite materno são múltiplos e, dentre eles, a
concentração de proteínas do leite humano maduro é presença de células linfoides vivas e funcionais, com
a mais baixa dentre todos os mamíferos. Entretan- capacidade imunológica e mediação da imunidade. Os
to, a relação caseína/proteínas do soro do leite macrófagos normalmente presentes no colostro
materno determina melhor digestibilidade e e no leite humano são capazes de sintetizar com-

SJT Residência Médica – 2016


64
Puericultura

plemento, lisozima e lactoferrina. A lactoferri- doença, entretanto, a maior fonte de infecção para
na, proteína do soro, é uma enzima quelante de o lactente é a via respiratória e o contato direto com
ferro, com efeito bacteriostático, principalmen- as vesículas ativas na pele da mama, mãos, face etc.
te sobre a E. coli. Apresenta concentração elevada Considerando-se que a doença materna, cujo início
no colostro, em torno de 600 mg/dL, atingindo ocorreu cinco dias antes, até dois dias após o parto,
180 mg/dL no leite maduro. A lisozima também é que acarreta maior risco de doença grave para o RN
participa do grupo dos fatores de defesa e tem e que nessas circunstâncias se impõe a profilaxia com
ação bactericida sobre a maioria das bactérias VZ-imunoglobulina para proteção do bebê, o aleita-
Gram-positivas. mento materno pode ser mantido, desde que as con-
dições físicas da mãe o permitam. O vírus da hepatite
Todas as classes de imunoglobulinas estão
B pode ser excretado no leite, se a mãe for AgHBs po-
presentes no leite humano. A IgA é a principal
sitiva. Nesse caso, o RN deve receber imunoglobulina
imunoglobulina das secreções externas, nas
hiperimune específica e vacina (em local diferente da
quais se encontra predominantemente na for-
imunoglobulina), nas primeiras 12 horas de vida. Des-
ma dimérica (secretória), constituindo 90% de
sa forma, a amamentação pode ser realizada. Mães
todas as imunoglobulinas presentes no colostro
com hepatite C podem amamentar. Infecção por ci-
e no leite. A IgA é resistente às mudanças de ph e à
tomegalovírus (CMV) transmitida pelo leite materno
digestão enzimática, propriedade importante no seu
comumente é assintomática nos RNs de termo, dife-
papel protetor da mucosa intestinal, impedindo a rentemente do que ocorre no prematuro. Nos bebês
aderência de micro-organismos patogênicos. As imu- de muito baixo peso ou prematuros menores que 32
noglobulinas IgM e IgG aparecem em concentrações semanas, a relação risco/benefício da amamentação
menores, sendo os seus níveis elevados no colostro em deve ser considerada.
relação ao leite maduro.
Doença materna grave e debilitante tam-
O fator bífidogênico (oligossacarídeo espe- bém contraindica a amamentação. Na dependên-
cífico) propicia o crescimento de uma microbiota cia de seu estado geral e do uso de medicações, os ca-
intestinal acidófila, formada por Lactobacillus sos devem ser individualizados.
bifidus, que impede o crescimento de enterobac-
térias patogênicas. Mães com tuberculose tratadas adequadamente
por mais de duas semanas no momento do parto, ex-
Algumas características peculiares do leite cepcionalmente, serão bacilíferas e poderão manter o
produzido para um RN prematuro devem ser des- aleitamento natural. Mãe bacilífera (tuberculose)
tacadas: a imaturidade fisiológica, metabólica e em tratamento pode amamentar, com cuidados
endócrina da glândula mamária determina alte- de proteção respiratória e introdução de quimio-
rações na composição do leite, que apresentará profilaxia para o RN. Esta consiste em isoniazi-
15 a 25% mais proteína, 40-50% mais gordura, da, 10 mg/kg/dia, durante três meses, quando o
15% menos lactose e níveis aumentados de IgA. teste tuberculínico será realizado. Se o teste for
positivo, significa que, a despeito das medidas
preventivas, o bebê foi infectado – a quimiopro-
filaxia deve ser mantida por seis meses e exames
clínico e radiológico devem ser feitos periodica-
Contraindicações ao mente. Se o teste for negativo, a quimioprofi-
aleitamento materno laxia deve ser interrompida e a vacinação BCG
deve ser efetuada – o exame clínico também deve
ser realizado periodicamente.
São situações raras em que o aleitamento não
está indicado por razões de saúde, que envolvem a A mulher desnutrida (leve e moderada, ca-
criança ou a mãe. Em relação ao bebê, o aleitamen- sos mais comuns em nosso meio) pode e deve
to materno é contraindicado formalmente para amamentar, pois seu leite mantém a mesma qua-
crianças portadoras de galactosemia (erro inato lidade e composição, semelhante ao de mulhe-
do metabolismo). Existem poucas situações em res eutróficas. No caso de intervenção nutricional,
que a mãe apresenta uma contraindicação para a conduta é manter a amamentação ao peito e suple-
amamentar. Sem dúvida alguma, a mais impor- mentar à dieta materna.
tante clinicamente é a infecção pelo HIV. Quadros psicóticos e depressivos que impedem o
Amamentação também está contraindica- contato seguro do RN e sua mãe contraindicam a ama-
da nas mães infectadas pelo HTLV-1 e HTLV-2 e mentação.
nas mães que têm lesões ativas pelo vírus her- O uso de medicamentos durante a amamentação
pes simples na mama. O vírus varicela-zoster pode é um tema de grande importância devido à frequen-
ser excretado no leite de mulheres na fase aguda da te necessidade de tratamento farmacológico pela nu-

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65
7 Aleitamento materno

triz. Tal prática é considerada um fator de risco para Existem medicamentos que podem aumentar
a interrupção da amamentação devido à carência de ou reduzir o volume de leite materno produzido. De-
informações sobre a segurança de fármacos durante nomina-se galactogogo o fármaco que possui efeito
a lactação (faltam informações para cerca de 40% dos potencial de aumentar o volume de leite ou induzir a
medicamentos!), às informações não científicas das lactação, entre eles, destacam-se a metoclopramida e a
bulas (a indústria farmacêutica, via de regra, procu- domperidona. A metoclopramida atravessa a barreira
ra proteger-se sob o ponto de vista legal ao descrever hematoencefálica e, quando usada por mais de três se-
informações sobre o uso de medicamentos durante a manas, pode apresentar reações adversas, como efeito
amamentação, e não é raro que bulas de medicamen- extrapiramidal e depressão. Outros fármacos podem
tos considerados seguros durante a lactação apresen- interferir negativamente na produção láctea, agindo
tar orientações que os contraindicam nesse período), como antagonistas dopaminérgicos, suprimindo a
ao receio das mães sobre um possível dano à criança produção de prolactina (estrogênios, bromocriptina,
e, sobretudo, ao desconhecimento dos profissionais ergotamina e testosterona, por exemplo).
sobre o tema. Existem drogas que, sabidamente, po- Plástica redutora das mamas pode comprometer
dem ser transferidas ao filho por meio do leite. A me- a lactação; o implante de silicone não contraindica a
dicação para a nutriz exige ponderação sobre a neces- amamentação.
sidade de seu uso e opção pelo fármaco mais seguro,
não só para a mulher, como também para seu filho. A
maioria das drogas passa pelo leite, mas geralmente
em pequena quantidade. Podemos nos perguntar: o
lactente absorverá o produto no trato gastroin- Problemas mamários e
testinal? Caso absorva, o metabolizará e o elimi-
nará? A criança é prematura ou está na primeira
lactação
semana de vida? Os riscos superam os enormes
benefícios? Existem, portanto, poucas ocasiões nas Mamilos pequenos (que devem ser examinados
quais deve haver a contraindicação absoluta da ama- desde o pré-natal) não significam necessariamente
mentação por esse motivo. Assim, a amamentação problemas para amamentação e pega. O tamanho do
materna somente deverá ser interrompida ou de- mamilo “em repouso” é só um referencial (o importan-
sencorajada se existir evidência substancial de que a te é a protrusão dentro da boca da criança). Mamilos
droga usada pela nutriz seja nociva para o lactente, normais são encontrados em 92% das mulheres, e os
ou quando não existirem informações a respeito e a invertidos, em 0,5%. Para a sucção adequada, a carac-
droga não puder ser substituída. Por outro lado, vá- terística mais importante é a protactilidade (o teste da
rios medicamentos fazem parte de um grupo, cujo uso protactilidade se faz esticando delicadamente a região
é potencialmente seguro durante a lactação. Antibió- areolar; os mamilos normais se protraem facilmente).
ticos como penicilinas, cefalosporinas, azitromicina, O mamilo invertido não se protrai, e a amamentação
claritromicina, eritromicina, metronidazol, ácido cla- fica prejudicada. Revisões sobre exercícios para protru-
vulânico, aminoglicosídeos e drogas como analgésicos são de mamilos invertidos não evidenciam benefícios
e anti-inflamatórios não esteroidais (acetominofeno, e são desnecessários como rotina. Não se recomenda
diclofenaco, dipirona, ibuprofeno, piroxican), aciclo- também o uso de sabonetes nem métodos de fricção
vir, loratadina, beclometasona, prednisona, enalapril, pela predisposição à irritação da pele. A exposição ao
espironolactona, nifedipina, propranolol, ranitidina, ar e ao sol é benéfica.
bromoprida, ácido valproico, carbamazepina, feni- Mamilos doloridos e fissuras: um dos proble-
toína, sais ferrosos, insulina, mebendazol, nistatina, mas mais comuns, com exceção de discreta dor (“fis-
salbutamol e drogas dos esquemas de rotina para gada”) passageira no início da mamada. É importante
tuberculose não preocupam e são fármacos seguros salientar que a amamentação não deve provocar dor e
durante a amamentação. As drogas classicamente nem lesar os mamilos. A causa mais comum para ma-
contraindicadas são: isótopos radioativos, ácido milos doloridos e/ou fissuras mamilares é o mau po-
retinoico (via oral), sais de ouro, antineoplási- sicionamento da criança e a pega incorreta. Portanto,
cos e imunossupressores (ciclofosfamida, ciclos- para as fissuras, deve ser realizada correção da técnica
porina), amiodarona, ergotamina, misoprostol (principal passo), aplicação do leite materno no ma-
e as drogas de vício/abuso (anfetaminas, coca- milo após as mamadas, não utilização de protetores
ína e maconha, classicamente). O álcool em dose ou intermediários e uso de roupa íntima de algodão.
reduzida e esporádica é considerado compatível com Analgésicos podem ser utilizados. A exposição à luz
a amamentação (a AAP-1994 considera contraindica- solar pode ajudar. O uso de cremes ou pomadas é con-
ção!). Dentre os métodos contraceptivos hormonais, troverso. Os protetores de mamilos, se utilizados, de-
aqueles que contêm somente progestágenos devem vem ser pelo tempo mínimo possível, pois comprome-
ser preferidos, no regime de amamentação exclusiva. tem o retorno à mamada diretamente na mama.

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66
Puericultura

Fissuras e Candida spp: deve ser cogitada essa


associação em fissuras resistentes ao tratamento e
Contracepção
dor prolongada. Ardor, pele brilhante e avermelhada A amamentação exclusiva provoca um perí-
(raramente placas esbranquiçadas na aréola), eventu- odo de inibição de ovulação por até três meses,
almente com fragilidade e descamação, e associação havendo um efeito relativo até os seis meses,
com lesões orais no bebê são os achados obtidos. O desde que, ressaltamos, exclusivo, em horário
tratamento pode ser realizado com aplicação local de livre, sem intervalos longos e com a mãe ame-
nistatina ou miconazol gel (14 dias). norreica. A amenorreia, entretanto, que acompanha
a amamentação, não deve ser interpretada como perí-
Ingurgitamento mamário (mama empedra-
odo não fértil. Existem estudos que mostram que há
da): o ingurgitamento aureolar dificulta a mamada,
ovulação pré-menstrual em 30 a 60% das mulheres, e
comprometendo a pega adequada; o esvaziamento
que de 3 a 15% das gestações ocorrem nesse período.
fica difícil, e inicia-se o ciclo vicioso. Tranquilização da
Recomenda-se, portanto, que as mães que amamen-
mãe, massagem e esvaziamento devem ser realizados.
Compressas ainda são indicadas (frias entre as mama- tam utilizem um método contraceptivo a partir da
das para evitar dor, e quentes pouco antes de uma ma- sexta semana após o parto. As opções mais frequentes
mada para estimular o fluxo de leite). são os métodos de barreira e o contraceptivo oral com
progesterona em baixa dosagem (minipílula). Os con-
Mastite: infecção bacteriana de um ou mais traceptivos orais mistos devem ser evitados.
segmentos da mama, sendo a fissura mamilar a por-
ta de entrada; o S. aureus é o agente mais comum.
Há dor intensa, calor e hiperemia local, mal-estar e
febre. Ao contrário do ingurgitamento, o calor e o
edema são mais comumente unilaterais. Não há con- Legislação e amamentação
traindicação à amamentação, e o esvaziamento ma-
Proteção legal ao aleitamento materno é um tema
mário deve ser completo. O tratamento deve ser com
que a maioria dos profissionais de saúde e o público
repouso, antibiótico (cefalexina, amoxicilina) e anal-
em geral desconhecem ou simplesmente ignoram.
gésicos. Nas complicações (abscesso), a amamenta-
Embora a amamentação deva ser entendida como um
ção fica suprimida na mama acometida por alguns
direito da criança (direito humano, visto ser cidadão a
dias quando o dreno ou a incisão da drenagem forem
partir do momento em que nasce), os direitos à nutriz
muito próximos ao mamilo.
foram particularmente ampliados pela Constituição
de 1988. Seus tópicos mais relevantes são:
€ estabilidade da gestante: fica garantida a
estabilidade provisória da gestante, desde a
confirmação da gravidez até cinco meses após o
parto; demissões somente por justa causa;
Particularidades em € direitos em relação a salário e função: du-
relação ao aleitamento rante a licença-gestante, a mulher tem direito
a salário integral, sendo-lhe facultado exercer a
natural função que anteriormente ocupara;
€ licença-gestante: 120 dias. Encontra-se em
tramitação a ampliação da licença-maternidade
para seis meses, o que já ocorre em algumas ins-
Ritmo intestinal tituições de alguns estados brasileiros, mas não
é ainda lei federal;
A criança em aleitamento materno tem um € ampliação da licença-gestante: em casos
ritmo intestinal bastante variável. Nos primei- excepcionais, os períodos antes e depois do
ros meses de vida, a maioria evacua a cada mamada, parto poderão ser aumentados em 15 dias cada
sendo as fezes de consistência amolecida, amareladas, um, mediante atestado médico. A lei não ca-
volumosas, relativamente sem odor e que podem sair racteriza o que seja “caso excepcional” e, tendo
em jatos. Pode, entretanto, ficar alguns dias sem eva- em vista a recomendação médica de ser man-
cuar e, quando evacua, o faz sem esforço excessivo, e tido o aleitamento materno por seis meses, a
as fezes são de consistência normal, sem sangue e com ampliação da licença-gestante poderia ser apli-
ganho ponderal normal. Representam duas situações cada a toda mãe que está em aleitamento na-
dentro do padrão normal, devendo o médico conhecê- tural exclusivo. Em situações especiais, como
-las para evitar falsos diagnósticos de diarreia ou obs- predisposição à alergia alimentar, esse direito
tipação intestinal. é fundamental;

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67
7 Aleitamento materno

€ descansos especiais durante o trabalho: a transmissão informal dos conhecimentos relativos à


até seis meses após o parto, a mulher terá di- arte de amamentar. Num período de progressos cien-
reito a dois descansos especiais, de meia hora tíficos que permitiram a análise alimentar e a determi-
cada um (ou único de uma hora), durante a jor- nação das necessidades nutricionais, observa-se uma
nada de trabalho; verdadeira “medicalização” da nutrição infantil, cuja
€ creche na empresa: empresas que tenham mais consequência mais marcante foi a diminuição do aleita-
de trinta mulheres com mais de 16 anos de idade mento natural em favor dos leites industrializados.
devem ter local apropriado, onde seja permitido Outro aspecto é o nítido despreparo do cuidado
a elas deixar seus filhos nos 6 primeiros meses de pré-natal em seu papel orientador, no qual as instru-
vida, havendo possibilidade de alternativas (con-
ções e discussões sobre a amamentação são raras e o
vênio com creche próxima ou reembolso).
exame das mamas é pouco realizado.
Ao nascimento, em grande parte das maternida-
des, a criança é separada da mãe assim que nasce e é le-
vada ao quarto com a fome saciada, em horários fixos,
Causas de desmame como simples cumprimento de uma formalidade. Com
a alta hospitalar, a mãe passa a sofrer pressões familia-
precoce res e de seu círculo de amizades, o que acaba gerando
uma sensação de insegurança contínua. A ansiedade
A espécie humana é a única entre os mamíferos em relação à produção e à quantidade de leite e as pre-
em que a amamentação, além de ser biologicamente ocupações do tipo “leite fraco”, resultantes da desin-
determinada, é condicionada por fatores sociocultu- formação, comprometem a lactação. É fato conhecido
rais. Em função disso, o aleitamento materno deixou que a ansiedade interfere no reflexo de ejeção. Mamas
de ser uma prática universal, gerando muitas vezes ingurgitadas com criança faminta é a consequência
divergência entre a expectativa biológica da espécie drástica desse fenômeno.
e a cultura. Praticamente todas as mulheres podem Embora haja legislação específica para proteção
produzir leite em quantidade suficiente, desde que e incentivo ao aleitamento natural, assegurada pela
haja sucção efetiva, amamentação sob livre demanda, nossa Constituição, o desconhecimento e as condições
apoio de familiares, serviços e de profissionais capaci- de subemprego da mulher sem amparo à sua condição
tados no manejo da amamentação. Apesar das quali- nutriz também se destacam como causas de desmame
dades comprovadas, o problema do desmame precoce precoce. Finalmente, temores errôneos e infundados da
ainda é frequente em nosso meio. A principal causa nutriz quanto às repercussões da prática do aleitamento
de desmame, apontada em várias investigações, sobre o corpo, particularmente sobre a estética mamá-
é a alegação da mãe de que o leite é fraco e/ou in- ria, representam causas de abandono da amamentação.
suficiente e que não sustenta a criança. A percep- Cabe ao pediatra e aos médicos, de modo geral,
ção de que seu filho não está satisfeito aumenta sua o papel decisivo do esclarecimento e da difusão de in-
ansiedade, diminuindo o reflexo da ejeção. A maioria formações corretas sobre as qualidades do leite huma-
responde a essa situação oferecendo a mamadeira, ini- no, a técnica adequada da amamentação e a superação
cialmente alegando a complementação, que invaria- das dificuldades que apareçam nas diferentes etapas
velmente caminha para o desmame completo. do processo de lactação. Do apoio, motivação e da
Outros fatores colaboram para as dificuldades na adequada monitorização do crescimento e desenvol-
instalação e manutenção de um processo de aleitamen- vimento da criança, decorre a desejada transmissão
to ideal. Nos últimos anos, a família extensa cedeu lu- de segurança e confiança quanto ao processo de alei-
gar à família nuclear, o que provoca dificuldades para tamento natural.

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CAPÍTULO

8
Alimentação infantil

Os filósofos são mais anatomistas que os médicos: dissecam, mas não curam.
Antoine Rivarol

mento adequados da criança e o combate às carências


Primeiro ano de vida nutricionais (desnutrição, anemia, hipovitaminoses,
por exemplo). Hoje, quando nos referimos à alimen-
A alimentação, particularmente nos primeiros tação infantil, estamos também atentos à segurança
anos de vida da criança, período de notável crescimen- alimentar, à garantia de funcionamento adequado de
to e desenvolvimento, representa ponto fundamental órgãos e sistemas e à prevenção de doenças crônicas
de atenção do pediatra. As necessidades calóricas não transmissíveis, como obesidade, hipertensão, dia-
por quilograma de peso corporal nesse período bete e osteoporose.
são duas a três vezes maiores do que as do adul-
Fato curioso em alimentação infantil atual é que
to. No primeiro ano de vida, 40% dessas calorias
algumas sociedades, antes não tão preocupadas com
são utilizadas para suprir as demandas do pro-
preconização de recomendações nutricionais para
cesso de crescimento e desenvolvimento. Portan-
crianças, hoje as fazem, no sentido de prevenção para
to, a criança pequena, devido à sua alta velocidade de
doenças crônicas. Um exemplo é a Academia America-
crescimento, é vulnerável aos erros e às deficiências
na de Cardiologia, que hoje, por exemplo, preconiza:
de alimentação, sobretudo durante o desmame e na
vigência de processos infecciosos. Novos conhecimen-
€ atenção aos sinais de saciedade (e não supera-
limentar);
tos sobre a alimentação infantil tornaram obsoletos
muitos conceitos e recomendações que fizeram par- € lactentes e crianças jovens têm capacidade de
te da prática pediátrica por muito tempo. Conceitos autorregular sua ingestão calórica total;
anteriores em alimentação apenas tinham como ob- € não forçar a criança a terminar a refeição se ela
jetivos a determinação do crescimento e desenvolvi- não está mais com fome;
69
8 Alimentação infantil

€ introduzir alimentos saudáveis e persistir mes- tamina C), isenta de contaminação (sem germes pa-
mo havendo recusa inicial (a recusa inicial é fi- togênicos, toxinas ou produtos químicos prejudiciais),
siológica); não muito salgada ou doce, fácil de ser consumida
€ não oferecer alimentos apenas para prover calo- (apresentação adequada para a idade), em quantidade
rias sem outros benefícios nutricionais adicionais; apropriada e disponível e acessível. É de fundamental
€ estimular hábitos alimentares saudáveis na importância que a criança goste da dieta e que ela seja
família. culturalmente aceita.

Estudos epidemiológicos em modelos animais e A imaturidade funcional, principalmente


ensaios clínicos mostram ampla evidência de que fato- dos aparelhos gastrointestinal, renal, do sis-
res nutricionais e metabólicos, em fases iniciais do de- tema imunológico e sob o aspecto neuropsi-
senvolvimento humano, têm efeito de longo prazo na comotor, nos primeiros meses de vida, requer
programação (programming) da vida adulta. O termo cuidados especiais em relação à alimentação
programming, bastante atual na literatura sobre nutri- oferecida. Os alimentos oferecidos ao recém-nasci-
ção de crianças pequenas, refere-se à indução, deleção do e ao lactente devem ser facilmente digeríveis, pois
ou prejuízo do desenvolvimento de uma estrutura so- se sabe que nessa fase existem acidez gástrica reduzi-
mática permanente ou ajuste de um sistema fisioló- da e atividade enzimática menor que a dos adultos, o
gico por um estímulo (ou agressão) que ocorre num que dificulta a digestão de alimentos, principalmente
período suscetível (fases precoces da vida), resultando os de origem proteica.
em consequências em longo prazo para as funções fi- Crianças de até dois anos de idade, quando
siológicas. O maior exemplo em humanos tem sido a recebem leite de vaca, podem desenvolver anti-
relação entre alimentação no primeiro ano de vida e corpos específicos contra as proteínas desse lei-
desenvolvimento de obesidade. O aleitamento mater- te. O nível máximo desses anticorpos ocorre no
no tem efeito protetor. primeiro semestre de vida, pelo fato de a mucosa
A Organização Mundial da Saúde recomen- intestinal ser mais permeável a macromolécu-
da que as crianças sejam alimentadas exclusi- las. Esse é um dos motivos da recomendação do
vamente com leite materno até os seis meses de aleitamento natural exclusivo até os seis meses
vida. A partir de então, outros alimentos deverão ser de idade, evitando-se o contato precoce com pro-
introduzidos e a amamentação incentivada até cerca teínas estranhas, sendo tal conduta tanto mais
de dois anos. válida quanto maiores os antecedentes de atopia
na família.
Define-se o desmame como a introdução de
qualquer tipo de alimento na dieta de uma crian- Do ponto de vista renal, os lactentes jovens
ça, que até então se encontrava em regime de alei- são incapazes de manipular adequadamente grandes
tamento materno exclusivo. A introdução de no- cargas osmolares, necessitando, para isso, de maior
vos alimentos, que caracteriza o início do processo quantidade de água. Convém ressaltar que a ali-
de desmame, é dispensável antes dos seis meses mentação com leite de vaca e alimentos sólidos
de idade, pois o leite humano, como alimento ex- proporciona quantidades de sódio aproximada-
clusivo, propicia crescimento e desenvolvimento mente seis vezes maior do que o aleitamento na-
adequados. O desmame, que é feito respeitando o rit- tural. Portanto, a necessidade de ingestão é au-
mo de desenvolvimento de cada criança e não apenas o mentada nos lactentes em aleitamento artificial,
critério cronológico, visa a garantir sua independência, e a água deve ser oferecida ao bebê nos interva-
gerando-lhe segurança, ao mesmo tempo em que busca los das mamadas.
satisfazer suas necessidades nutricionais. Em relação ao desenvolvimento neuropsi-
Por alimento complementar entende-se comotor, somente aos quatro ou cinco meses de
qualquer alimento nutritivo, sólido ou líquido, di- idade as crianças são capazes de deglutir alimen-
ferente do leite humano oferecido à criança ama- tos sólidos e de ter um bom desenvolvimento
mentada. Denominam-se alimentos de transição neuromuscular da cabeça e do pescoço, o que lhes
aqueles alimentos especialmente preparados permite abrir a boca quando têm fome ou fechá-
para as crianças pequenas antes de elas passarem -la e virar a cabeça quando já estão saciadas.
a receber os alimentos na forma em que são con- O leite de vaca não modificado, integral,
sumidos pela família (por volta de 11 meses). não é mais recomendado para crianças no pri-
Para a criança crescer saudável, ela deve receber meiro ano de vida (recomendação explícita da
alimentos complementares adequados no momento Sociedade Brasileira de Pediatria), pelos riscos
oportuno. Uma alimentação adequada deve ser rica da ocorrência da alergia à proteína desse leite,
em energia, proteínas e micronutrientes (particular- anemia por deficiência de ferro e alto nível de so-
mente, o ferro, o zinco, o cálcio, a vitamina A e a vi- lutos que sobrecarregam a função renal.

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70
Puericultura

Na impossibilidade absoluta da amamentação esquema flexível e individualizado para cada criança.


natural deve-se utilizar fórmula infantil que satis- A introdução de cada novo alimento deve ser feita em
faça as necessidades do lactente. Antes do sexto pequenas quantidades, aumentadas gradativamente,
mês, deverá ser utilizada uma fórmula de primeiro a fim de testar a tolerância gastrointestinal e a sensi-
semestre (fórmula de partida) e, após, a fórmu- bilidade alérgica. A criança tende a rejeitar as primei-
la de seguimento (segundo semestre). O leite de ras ofertas dos alimentos complementares. Em média,
vaca, pasteurizado in natura (leite de “saquinho” são necessárias oito a dez exposições a um novo ali-
ou UHT “caixinha”) ou sob a forma de pó, não é mento para que ele seja aceito pela criança.
considerado alimento apropriado para crianças Para crianças em uso de fórmulas infantis, a
menores de um ano, por apresentar baixos teores introdução de alimentos não lácteos poderá seguir a
de ácidos graxos essenciais, de carboidratos (quan- mesma orientação preconizada para as que estão em
do diluído a 2/3 – vide adiante, necessitando acrés- regime de aleitamento materno.
cimo de carboidratos cariogênicos, como a sacaro-
se), altas taxas proteicas, relação caseína/proteína As frutas, em forma preferencial de papas
do soro inadequada, altas taxas de sódio, baixos (eventualmente sucos), são os primeiros alimentos a
níveis de vitamina C e D com baixa disponibilida- serem introduzidos no início do desmame, aos seis
de de ferro e zinco. Infelizmente, ainda em regiões meses. Suprem as necessidades de vitaminas (espe-
mais pobres e menos desenvolvidas, na ausência de cialmente vitamina C que facilita a absorção do ferro
aleitamento materno, a aquisição de fórmula ain- não heme) e preparam-na para o pastoso. Os sucos
da é difícil, por questões econômicas. Recorre-se, podem ser oferecidos após as refeições principais,
então, excepcionalmente e, em último caso à dilui- sem adição de açúcar, não ultrapassando a quantida-
ção do leite de vaca a 2/3 nos seis primeiros meses de diária de 100 mL. As papas podem ser introduzi-
de vida. O acréscimo de hidratos de carbono, após das no horário correspondente da manhã ou tarde,
o segundo mês, para recuperar o valor calórico do completando-se a refeição com a amamentação. O
leite diluído, sob a forma de açúcar e/ou farinhas, tipo de fruta deve respeitar as características regio-
não deve ultrapassar 8%, sendo 5% de açúcar e 3% nais, o preço, a estação do ano e seu conteúdo em
de farinhas (aveia, milho, arroz, fubá). Os leites fibra e suas tendências laxantes ou obstipantes; ne-
em pó (integrais), nas diluições de 9 e 13%, corres- nhuma fruta é contraindicada.
pondem ao leite de vaca in natura nas diluições de A partir dos seis meses e meio de idade, a
2/3 e integral, respectivamente. criança deverá receber a sua primeira refeição de
A partir dos seis meses, o uso exclusivo de leite sal, inicialmente no horário de almoço, comple-
humano não supre todas as necessidades nutricionais tando-se com leite materno enquanto não hou-
da criança. O período de introdução da alimentação ver boa aceitação. A finalidade dessa introdução
complementar é de elevado risco para a criança, tanto é aumentar a oferta calórico-proteica e de mine-
pela oferta de alimentos inadequados, quanto pelo ris- rais, especialmente o ferro. A segunda papa será
co de sua contaminação devido a manipulação/prepa- oferecida a partir do sétimo mês de vida.
ro inadequados, favorecendo a ocorrência de doença No preparo da refeição de sal, deve-se sempre
diarreica e desnutrição. Oferecer adequada orientação utilizar um alimento básico, fornecedor de calorias
para as mães, durante este período, é de fundamental (tubérculos ou cereais), acrescido de um ou mais ali-
importância. Outro risco importante reside na ofer- mentos complementares destinados a aumentar o
ta inadequada de micronutrientes como vitaminas e aporte proteico (origem animal e vegetal) e de fibras,
ferro. A partir do sexto mês de vida, para atendi- vitaminas e sais minerais (hortaliças). A técnica de
mento das necessidades nutricionais do lacten- preparo das primeiras refeições salgadas obede-
te, cerca de 60 a 70% do ferro e zinco, por exem- ce a um padrão familiar que deve ser respeitado,
plo, devem vir de alimentos complementares. É desde que sempre inclua um dos componentes
necessário lembrar que a introdução dos alimentos dos grupos alimentares a seguir:
complementares deve ser gradual, sob a forma de pa-
pas, oferecidos com a colher. a) alimentos com proteína de origem animal (car-
ne, frango, vísceras ou peixe – cerca de 50 g/porção) –
A escolha de alimentos deve ser determinada recomendações mais atuais preconizam que esses nu-
pela disponibilidade local e pelos requisitos básicos de trientes sejam fornecidos diariamente para a criança
aceitação, menor custo, facilidade de aquisição, prepa- (menor importância da papa somente de legumes!);
ro e integração ao padrão cultural familiar e regional.
Sua eficácia é reconhecida pela adaptação da criança b) alimentos com proteína de origem vegetal
aos novos alimentos, sem que lhe façam mal e pela (feijão, lentilha, ervilha, soja, arroz);
observação de um crescimento sadio. A alimentação c) alimentos com maior teor de hidratos de car-
deve ser considerada um processo natural, e a adoção bono (batata, beterraba, cenoura, mandioca, abóbora,
de um esquema alimentar rígido deve ceder lugar a um abobrinha, batata-doce);

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71
8 Alimentação infantil

d) alimentos vegetais com maior conteúdo de vi-


taminas e sais minerais (agrião, alface, almeirão, cou- Ferro e alimentação
ve, espinafre, repolho, vagem, brócolis).
Não se deve acrescentar açúcar ou leite nas papas infantil
(na tentativa de melhorar a sua aceitação), pois podem
prejudicar a adaptação da criança às modificações de Apesar de a criança receber uma quantidade
sabor e consistência das dietas. A exposição frequente de ferro pequena pelo leite materno, ela é suficien-
a determinado alimento facilita sua aceitação. te para suprir as necessidades desse micronutriente
nos primeiros seis meses de vida, em crianças nasci-
O uso do óleo vegetal é importante, pois é fonte das a termo, graças às suas reservas de ferro. Após
de ácidos graxos poli-insaturados que ajudam no desen- os seis meses, as reservas se esgotam, havendo
volvimento do sistema nervoso. Os óleos mais indica- a necessidade de suplementação desse elemen-
dos são os de soja, canola, milho, girassol e azeite de oli- to por meio dos alimentos complementares. A
va. Deve-se evitar caldos e temperos industrializados. biodisponibilidade do ferro (o quanto de ferro
A papa deve ser amassada. O tempo de cozi- ingerido é absorvido e disponibilizado para o
mento deve ser aumentado progressivamente, de metabolismo) é de fundamental importância. O
modo a diminuir a quantidade de água residual na ferro mais bem aproveitado é o contido no leite
papa, modificando assim, lentamente, a consistência materno (50 a 60%), seguido pelo ferro contido
desta, para cada vez mais sólida, estimulando-se a nos alimentos de origem animal (20-25%). Os
mastigação da criança. A utilização do liquidifica- alimentos de origem vegetal têm baixa biodis-
dor é contraindicada. A introdução da refeição ponibilidade do ferro (1 a 6%). O ferro é mais
de sal deve ser gradual, iniciando-se com duas bem absorvido na presença de carnes e ácido as-
a três colheres das de chá, aumentando-se gra- córbico (incentivo ao consumo concomitante de
dualmente a oferta, até atingir uma quantidade laranja, goiaba, limão, manga, mamão, melão,
mínima de 100 a 120 gramas (15 a 20 colheres maracujá, pêssego, tomate, pimentão, folhas
das de sopa rasas). verdes, brócolis, couve-flor) e menos absorvido
quando ingerido com gema de ovo, leite, chá ou
Sopas e comidas “ralas/moles” não fornecem café. Em geral, admite-se que a densidade de ferro
calorias suficientes para suprir as necessidades ener- nos alimentos complementares em países em desen-
géticas das crianças pequenas. A carne não deve ser volvimento não garante as necessidades de ferro das
retirada após o cozimento, e sim picada ou desfiada. crianças menores de dois anos.
O ovo, sempre cozido, pode ser introduzido após A OMS propõe que a suplementação profilática
os seis meses, iniciando-se pela gema (proteínas de de ferro medicamentoso para lactentes seja realizada
alto valor biológico) cozida e misturada na papa, e, de maneira universal, em regiões com alta prevalência
posteriormente (por volta dos oito ou nove meses), de anemia carencial. A recomendação atual da Socie-
oferecer o ovo inteiro (clara do ovo é mais ativa an- dade Brasileira de Pediatria, para a administração de
tigenicamente). Nos casos de atopia na família, essa ferro à criança, é a seguinte:
introdução deve ser mais tardia e em ritmo mais lento.
Do oitavo mês em diante, a criança já deve rece- Situação Recomendação
ber alimentação variada, os mesmos alimentos consu- Lactentes nascidos a
midos pela família, desde que amassados, desfiados ou termo, de peso ade-
picados em pedaços pequenos. Crianças que não rece- quado para a idade
bem alimentos em pedaços até os 10 meses apresen- gestacional, durante Não indicado
tam, posteriormente, maior dificuldade de aceitação aleitamento materno
de alimentos sólidos. exclusivo até 6 meses de
idade
A criança amamentada deve receber três
refeições ao dia (duas papas de sal e uma de Lactentes nascidos a
fruta) e aquela não amamentada, seis refeições termo, de peso ade-
(duas papas de sal, uma de fruta e três de lei- quado para a idade
te). Deve-se evitar alimentos industrializados (refri- gestacional, em uso de
gerantes, café e chás contendo xantinas, embutidos, fórmula infantil até
Não indicado
sobremesas infantis, queijos petit suisse, dentre ou- 6 meses de idade e a
tros). No primeiro ano de vida não usar mel. Nessa partir do sexto mês se
houver ingestão mínima
faixa etária, os esporos do Clostridium botulinum, ca-
de 500 mL de fórmula
pazes de produzir toxinas na luz intestinal, podem por dia
causar botulismo.

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72
Puericultura

PASSO 4. A alimentação complementar deve


Situação (Cont.) Recomendação
ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-se
Lactentes nascidos a ter- sempre a vontade da criança.
1 mg de ferro elementar/kg
mo, de peso adequado
peso/dia até 2 anos de idade PASSO 5. A alimentação complementar deve ser
para a idade gestacional,
ou 25 mg de ferro elementar espessa desde o início e oferecida de colher; começar
a partir da introdução de
por semana até 18 meses de com consistência pastosa (papas/purês) e gradativa-
alimentos complementa-
idade* mente aumentar a sua consistência até chegar à ali-
res (sexto mês)
mentação da família.
2 mg de ferro elementar/
Prematuros maiores que PASSO 6. Oferecer à criança diferentes alimen-
kg peso/dia, durante todo o
1.500 g e recém-nas- tos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimenta-
primeiro ano de vida. Após
cidos de baixo peso, a ção colorida.
esse período, 1 mg/kg/dia
partir do 30º dia de vida
até dois anos de idade PASSO 7. Estimular o consumo diário de frutas,
verduras e legumes nas refeições.
3 mg de ferro elementar/
kg peso/dia, durante todo o PASSO 8. Evitar açúcar, café, enlatados, frituras,
Prematuros entre 1.000
primeiro ano de vida. Após refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas
e 1.500 g
esse período, 1 mg/kg/dia nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação.
até dois anos de idade
PASSO 9. Cuidar da higiene no preparo e ma-
4 mg de ferro elementar/ nuseio dos alimentos; garantir o armazenamento e a
kg peso/dia, durante todo o conservação adequados.
Prematuros com menos
primeiro ano de vida. Após PASSO 10. Estimular a criança doente e conva-
de 1.000 g
esse período, 1 mg/kg/dia lescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação
até dois anos de idade
habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a
Tabela 8.1 *Recomendação do Programa Nacional sua aceitação.
de Combate à Anemia Carencial do Ministério da Saúde.

Além da prevenção medicamentosa da anemia


ferropriva, deve-se estar atento para a oferta dos ali-
mentos ricos ou fortificados com ferro (cereal, farinha, Alimentação no 2º ano
leite), lembrando que, desde 18 de junho de 2004, as
farinhas de trigo e de milho devem ser fortificadas, se- de vida
gundo a resolução do Ministério da Saúde, com 4,2 mg
de ferro e 150 microgramas de ácido fólico por 100 g Após o segundo ano, o ritmo de crescimento se
de farinha. desacelera, há diminuição das necessidades nutricio-
nais, traduzidas por menor ingestão alimentar, que é
relatada pela mãe como “falta de apetite”. Trata-se de
uma situação normal, que deve ser esclarecida à família.
10 passos recomendados pelo Ministério
Os hábitos alimentares adquiridos nessa idade
da Saúde e Organização Panamericana mantêm-se por vários anos, daí a importância de
da Saúde/Organização Mundial da Saúde uma alimentação variada. O hábito de participar
(OPAS/OMS) para melhorar a alimentação das refeições familiares deve ser precocemen-
infantil das crianças menores de dois anos te estimulado. A criança deve ser incentivada a
no Brasil alimentar-se sozinha. Por volta dos 12 meses,
consegue segurar o copo tentando beber ou
PASSO 1. Dar somente leite materno até os pega a colher para tentar levar comida à boca.
seis meses, sem oferecer água, chás ou qualquer ou- Aos 18 meses, aproximadamente, será capaz de
tro alimento. usar bem a colher.
PASSO 2. A partir dos seis meses, oferecer de Deve ser incentivada a ingestão média de 600
forma lenta e gradual outros alimentos, mantendo o mL de leite, preferencialmente fortificados com fer-
leite materno até os dois anos de idade ou mais. ro, assim como de outros derivados. Cuidado com a
PASSO 3. A partir dos seis meses, dar alimentos substituição das refeições principais por leite. Con-
complementares (cereais, tubérculos, carnes, frutas sumo de mais de 700 mL/dia, nessa faixa etária, é
e legumes) três vezes ao dia se a criança receber leite importante fator de risco para o desenvolvimento de
materno, e cinco vezes ao dia se estiver desmamada. anemia ferropriva.

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73
8 Alimentação infantil

Recomendações americanas (DRI – dietary refe- primeiro ano de vida é de 200 UI de vitamina D. Lac-
rence intake – 2002) preconizam que as fontes energé- tentes em aleitamento com adequada exposição solar
ticas sejam provenientes, na alimentação de crianças ou que recebem ao menos 500 mL/dia de fórmula não
de um a três anos de idade, na seguinte proporção: necessitam de suplementação. Nas demais situações,
45 a 65% de carboidratos, 5 a 20% de proteínas e 30 particularmente, não exposição ao sol, altas latitudes,
a 40% de gorduras. Embora dietas com baixo teor de moradia em áreas urbanas com prédios e/ou poluição
gorduras e colesterol sejam amplamente recomenda- que bloqueiam luz solar, pigmentação escura na pele,
das para adultos, a Academia Americana de Pediatria uso de fotoproteção, indica-se suplementação profilá-
não recomenda restrição desses elementos durante os tica com 200 UI de vitamina D.
dois primeiros anos de vida. Evite-se também o ofe-
recimento de alimentos simplesmente para prover ca-
lorias, sem outros benefícios nutricionais adicionais.
Alimentação na
adolescência
Suplementação
Em termos qualitativos, as necessidades do
adolescente não diferem das do adulto. Entretanto, a
vitamínica quantidade absoluta de alimentos é maior nesse perí-
odo, pois o adolescente adquire cerca de 50 e 25%, res-
As vitaminas necessitam ser ingeridas por meio
pectivamente, do peso e altura finais. Atenção especial
da alimentação. A vitamina K deve ser dada ao nasci-
deve ser dada à ingestão de leite e derivados (cálcio)
mento, na dose de 1 mg, por via intramuscular, para
e do ferro, particularmente nos momentos de estirão
prevenção da doença hemorrágica.
e, nas meninas, na pós-menarca. Como nas demais
Em relação à vitamina D, o leite materno contém faixas etárias, não há necessidade de suplementação
cerca de 25 UI/litro, dependendo do status materno vitamínica rotineira; apenas em situações especiais,
desta vitamina. A necessidade diária da criança no como nos transtornos alimentares.

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CAPÍTULO

9
Avaliação do
estado nutricional

A medicina é minha fiel esposa e a literatura é minha amante; quando me canso de uma,
passo a noite com a outra.
Anton Tchekhov

Para o estabelecimento do diagnóstico nu-


Introdução tricional, os passos principais são:

Na infância os agravos nutricionais, além de


€ 1. Anamnese clínica e nutricional (quantitativa
contribuírem para a piora da saúde, frequentemente e qualitativa)
têm repercussões negativas importantes no processo € 2. Exame físico geral detalhado (detecção de si-
de crescimento e desenvolvimento, cujas promoção e nais relacionados aos distúrbios nutricionais)
proteção são objetivos primordiais de quem presta as- € 3. Exame antropométrico
sistência à criança. A importância da avaliação nutri-
€ 4. Exames bioquímicos (quando necessários).
cional é reconhecida tanto na atenção primária, para
acompanhar o crescimento e a saúde da criança e do Na anamnese, sempre que possível, é impor-
adolescente, quanto na detecção precoce de distúrbios tante a identificação das situações de risco nutri-
nutricionais, seja desnutrição, seja obesidade. A iden- cional para intervenções precoces, muitas vezes
tificação do risco nutricional e a garantia da monito- sem clínica ainda estabelecida, reduzindo sua gra-
rização contínua fazem da avaliação nutricional um vidade ou até evitando a instalação do distúrbio.
instrumento essencial para o conhecimento das con- O ambiente de vida, determinante na concepção mais
dições de saúde da população infantil. ampla da disponibilidade, do consumo, da absorção e das
O binômio infecção/desnutrição ainda afeta prin- necessidades individuais de nutrientes, exerce impor-
cipalmente crianças provenientes de classes econômi- tante influência sobre a condição nutricional da criança.
cas com reduzido poder aquisitivo, em regiões com bai- Portanto, antes da pesquisa de sinais clínicos de
xos índices de desenvolvimento econômico e social. carências ou excessos, evidentes apenas em fases
75
9 Avaliação do estado nutricional

mais avançadas dos agravos nutricionais, o médi- didas obtidas em apenas determinado momento
co deve aprofundar sua anamnese no que se refere (avaliação transversal) estará mais sujeita a erros
ao ambiente de vida da criança. Devem ser obtidos que a avaliação longitudinal.
dados relativos a condições que possam limitar a dispo- O Ministério da Saúde do Brasil adota as recomen-
nibilidade e o consumo de alimentos, como as condições dações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto
socioeconômicas e culturais (instrução dos pais, renda ao uso de curvas de referência para avaliação do estado
familiar e per capita, emprego, migrações recentes, in- nutricional. Assim, para crianças menores de cinco anos,
tervalo interpartal, tamanho da família e condições do recomenda-se utilizar a referência da OMS lançada em
ambiente físico). Algumas situações relacionadas aos 2006 (WHO 2006), que já consta na Caderneta de Saú-
antecedentes mórbidos da criança (assim como os ante- de da Criança. Para as crianças com cinco anos ou mais e
cedentes perinatais) podem modificar suas necessidades adolescentes, recomenda-se o uso da referência interna-
nutricionais e devem ser pesquisadas, assim como os cui- cional da OMS lançada em 2007 (WHO 2007). As curvas
dados ministrados à criança (características da dinâmica publicadas pela OMS em 2006 para crianças menores de
familiar, relações psicoafetivas e de estimulação). cinco anos são uma inovação no uso de curvas de referên-
A história alimentar engloba desde o processo cia para avaliação do estado nutricional. Tais curvas des-
de amamentação e introdução dos novos alimentos crevem o crescimento de crianças que vivem em ambien-
até o conhecimento do dia alimentar da criança, com tes socioeconômicos adequados e que foram submetidas
a quantidade e a frequência dos alimentos ingeridos, a cuidados de saúde e alimentação compatíveis com um
dentro do contexto cultural alimentar da família. A crescimento e um desenvolvimento saudáveis.
análise dos vários grupos de alimentos, como constru-
Na prática diária, utilizam-se os dados de
tores (leite e derivados, carne, ovos e leguminosas),
peso e de estatura para a avaliação do estado
reguladores (frutas e hortaliças) e energéticos (gor-
nutricional de uma criança. O valor da antropo-
duras, açúcares, farinhas e cereais), permite avaliar
metria é indiscutível, desde que componha regis-
a qualidade da dieta. Avalia-se também a utilização
tros regulares, precisos e consistentes; daí a im-
prévia de suplementos vitamínicos e minerais (para a
portância dos instrumentos e técnicas corretos.
profilaxia da anemia e do raquitismo, por exemplo).
Nos lactentes, recomenda-se a avaliação do peso
Outro ponto fundamental a ser avaliado é o esti-
para idade (P/I) e da estatura para idade (E/I), pois,
lo de vida da criança, particularmente o tempo e fre-
nessa fase, o peso é o parâmetro de maior velocidade
quência das atividades físicas regulares e os períodos
de crescimento, variando mais em função da idade do
destinados às atividades de imobilismo (TV, videoga-
que do comprimento da criança, sendo mais sensível
me, computador).
aos agravos nutricionais e o primeiro a modificar-se
nessas circunstâncias. Nas fases pré-escolar e escolar,
sendo o crescimento mais lento e constante, predo-
minando o estatural, o peso da criança varia mais em
Avaliação função da estatura do que da idade.
Cabe ressaltar que algumas deficiências nutri-
antropométrica cionais específicas ocorrem sem comprometimento
antropométrico imediato e sua detecção depende da
A avaliação do desenvolvimento somático in- realização cuidadosa de uma anamnese nutricional.
fantil é o melhor instrumento propedêutico da con- A fome oculta, deficiência isolada ou combinada de
dição nutricional, excetuando-se os casos portadores micronutrientes, pode ser identificada e confirmada
de distúrbios específicos. Para tanto, parâmetros antro- utilizando-se métodos de avaliação dietética, clínica e
pométricos mensuráveis, como peso, estatura, períme- laboratorial, que também fazem parte da avaliação do
tro cefálico, perímetro braquial e outros são usualmente estado nutricional, além da análise antropométrica.
utilizados. Esses dados devem ser analisados em função
da idade e do sexo da criança e, para o diagnóstico de sua
adequação, necessitam ser comparados com valores con-
siderados “normais”: os dados de referência. Recorre-se,
então, aos referenciais: tabelas e gráficos (curvas) de cres- Classi昀椀cação do Estado
cimento, que buscam representar para ambos os sexos a
variabilidade dessas medidas entre indivíduos sadios de Nutricional
mesma idade e a tendência de sua evolução com a idade.
Avaliar o crescimento infantil é um processo di- O estado nutricional é o resultado do equilíbrio
nâmico, realizado por meio de múltiplas medidas entre o consumo de nutrientes e o gasto energético do
seriadas, com o objetivo de determinar a velocida- organismo para suprir as necessidades nutricionais. O
de em que as mudanças ocorrem. A análise das me- estado nutricional pode ter dois tipos de manifestação:

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76
Puericultura

€ adequação nutricional (eutrofia): manifes- Os fatores idade, sexo e estado fisiológico carac-
tação produzida pelo equilíbrio entre o consu- terizam a condição de vulnerabilidade do indivíduo e
mo e as necessidades nutricionais; definem os grupos-alvo da desnutrição: lactentes,
€ distúrbio nutricional (distrofia): problema pré-escolares, gestantes e nutrizes. Assim, o perío-
relacionado ao consumo inadequado de nu- do do desmame até os cinco anos de idade é, nutricio-
trientes, tanto por escassez quanto por excesso, nalmente, o mais vulnerável do ser humano. Represen-
como a desnutrição e a obesidade. ta um período de rápido crescimento (particularmente
dos 6 aos 36 meses), no qual há maior frequência das
doenças, de maneira geral, mesmo nos não desnutri-
dos. Dessas doenças, destacam-se a diarreia, as infec-
ções parasitárias e as doenças respiratórias.
A carência nutricional A importância epidemiológica da DEP do tipo
Definida por uma situação em que deficiências primário (mais comum em países pobres), causada
gerais ou específicas de energia e nutrientes resultam pela ingestão deficiente de nutrientes, é evidenciada
na instalação de processos orgânicos adversos à saúde. quando se estima que cerca de 1/3 da população infan-
Dois grandes grupos de distrofias por carência podem til dos países em desenvolvimento sofre algum grau
ser classificados quanto à sua origem: primárias e se- de desnutrição, tornando-se, direta ou indiretamente,
cundárias. As formas primárias ocorrem devido a causa de morbimortalidade das crianças menores de
uma diminuição da ingestão por baixa oferta e cinco anos nessas regiões. Predominam no Brasil
disponibilidade, não havendo componente orgâ- as formas leves e moderadas (nos últimos anos,
nico ou psíquico responsável por qualquer alte- houve redução dos casos graves); há nítida dife-
ração do metabolismo. As distrofias secundárias rença regional, com acúmulo dos casos na região
decorrem de qualquer tipo de doença, orgânica Nordeste, onde também se concentram as for-
ou psíquica, que comprometa a ingestão, a absor- mas moderadas e graves.
ção, a excreção e o metabolismo dos nutrientes. Independentemente da etiologia, observa-se
clara associação entre a precocidade e a gravidade da
desnutrição com o aumento da mortalidade, compro-
metimento do desenvolvimento cognitivo e motor,
Desnutrição atraso escolar e redução da capacidade de trabalho na
energético-proteica (DEP) vida adulta. Inúmeros programas, a maior parte de
caráter emergencial, foram instalados no país visando
A Organização Mundial da Saúde define des- ao combate à DEP, com gastos elevados, porém com
nutrição como “uma gama de condições patoló- poucos resultados efetivos. A multifatorialidade das
gicas com deficiência de calorias e proteínas, em causas de desnutrição faz com que os programas de
proporções variáveis, as quais acometem princi- suplementação alimentar não se sustentem de manei-
palmente crianças de pouca idade e estão comu- ra isolada, e, sim, sinaliza que, a longo prazo, medidas
mente associadas a infecções”. É comum que a DEP mais amplas como incentivo ao aleitamento materno,
se associe a outras situações carenciais, não se resumin- melhoria de condições socioeconômicas e sanitárias e
do apenas a uma deficiência proteico-calórica. Houve amplas ações de cidadania sejam mais eficazes para o
significativa redução na prevalência da DEP em combate a esse problema. Recentemente, a Sociedade
diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, em Brasileira de Pediatria, em parceria com a OAB (Or-
detrimento do aumento do sobrepeso e da obesi- dem dos Advogados do Brasil), propôs a ampliação fa-
dade, fenômeno conhecido como “transição nu- cultativa da licença-maternidade de quatro para seis
tricional”. Entretanto, ainda se configura como um meses. Essa medida, quando efetivamente implemen-
grave problema de saúde pública, especialmente nos tada, propiciará ampliação do tempo de aleitamento
menores de cinco anos de idade. A DEP é a expressão de materno e fortalecimento do vínculo mãe-filho, que
um processo final de má nutrição celular causado por são fatores de risco importantes para o desenvolvi-
aumento do consumo de nutrientes (doença) – desnu- mento da DEP e outros distúrbios nutricionais.
trição secundária – ou por diminuição de oferta – des-
nutrição primária. Na prática, muitas vezes, esses dois
processos são concomitantes, estabelecendo-se um
círculo vicioso de infecção-desnutrição, cuja sequela é
o retardo do crescimento e do desenvolvimento. A des- Fisiopatologia da DEP
nutrição é também manifestação da pobreza e da fome,
sendo, portanto, uma doença determinada, em última A DEP leva a uma série de alterações sistê-
instância, pelo modelo de desenvolvimento econômico, micas, resultado das adaptações fisiológicas do
político, social e cultural de um país. organismo a menor disponibilidade de nutrien-

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77
9 Avaliação do estado nutricional

tes para a célula. Há evidente redução dos estoques ca, sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado,
de glicogênio, gordura e proteínas (muscular), evento prejuízo na reabsorção e desconjugação excessiva dos
que se deve a várias alterações metabólicas: aumento sais biliares, maior descamação e dificuldade digesti-
da glicólise e lipólise (para produção de energia), maior vo-absortiva (lipídios e dissacarídeos) do epitélio in-
utilização de aminoácidos livres e estímulo à neoglico- testinal e atrofia vilositária do intestino delgado. Há
gênese. A redução das concentrações plasmáticas de maior risco de diarreia. O débito cardíaco, o fluxo plas-
glicose e aminoácidos livres (utilizados para a produ- mático renal, a filtração glomerular e a capacidade de
ção de energia) leva à redução da síntese de insulina, concentrar a urina apresentam-se diminuídas.
ao estímulo da produção de glucagon e ao aumento da
epinefrina circulante. O estresse metabólico decorren-
te da privação de nutrientes estimula a produção de
cortisol. Esse, por sua vez, associado ao aumento de
ácidos graxos livres, decorrentes da lipólise e da baixa Diagnóstico e
atividade da lipase lipoproteica, leva ao aumento da
resistência periférica à insulina. O comprometimen- classi昀椀cação
to da ação da insulina (menor produção + resistência
periférica) reduz a disponibilidade de adenosina tri- O sinal clínico mais precoce, que levanta a sus-
fosfato e fosfocreatina intracelular, prejudicando o peita do problema nutricional, é a falência do cresci-
funcionamento da bomba sódio-potássio. Assim, en- mento: a criança começa a ter ganho ponderal insuficiente,
contram-se, em qualquer forma clínica de desnutrição demonstrado no seu acompanhamento regular, por meio da
grave, sódio corporal total elevado e hiponatremia. A observação do gráfico de peso (curva estacionária ou decres-
água acompanha o influxo de sódio e, embora o conte- cente, com mudança no canal de crescimento). Nos quadros
údo total de água corporal possa estar diminuído pela agudos, o comprometimento do peso é maior que o da
redução da massa magra e de tecido subcutâneo, há estatura, e a pele fica mais flácida pela perda muscular
sempre a tendência de edema intracelular. Em razão e gordurosa. O lactente, quando vestido, pode dar falsa
desses mecanismos, o desnutrido tem dificuldade em impressão de bom estado nutricional, já que a gordura
lidar com a oferta excessiva de volume de sódio. O po- da face é a última a ser mobilizada. Após alguns meses,
tássio encontra-se reduzido na DEP. iniciam-se sinais e sintomas gerais como apatia, letar-
O comprometimento do sistema imune na DEP gia, hipoatividade, começa a não sorrir e a responder
grave começa nas defesas inespecíficas, por perda da pouco aos estímulos. Aparecem, então, os sinais de ca-
integridade de barreiras (epitelial e mucosa) e me- rência proteica e de vitaminas, mais tardios.
nor produção de fatores protetores (muco, lisozima). Existem três tipos de classificação para a desnutrição:
Outras repercussões conhecidas são as relacionadas à
1- quanto à intensidade;
proliferação dos linfócitos T e às alterações do sistema
complemento. Devido a esse fato, a opsonização, fago- 2- quanto à duração;
citose, quimiotaxia e morte celular programada (apop- 3- clinicolaboratorial.
tose) ficam comprometidas. A função humoral, embora
Para avaliação do estado nutricional foram empregadas, no
normal em termos quantitativos, pode mostrar altera-
passado, duas classificações históricas para a desnutrição: Gomez e
ções funcionais. Por segurança, a criança com DEP gra-
Waterlow/Batista.
ve deve ser encarada como imunodeprimida. Não apre-
senta sinais clássicos de infecção, como a febre. Gomez (1956) avalia a adequação do peso em relação
à média teoricamente esperada (percentil 50) para mesma
Se o agravo nutricional ocorrer em alguma fase
idade e sexo (P/I). Trata-se de uma classificação centrada na
crítica do desenvolvimento cerebral, pode haver lesão
intensidade da DEP e estabelece quatro condições possíveis:
irreversível com sequelas permanentes. Devido à alta
frequência de privação social associada à DEP, é difícil
definir com clareza a predominância de um ou outro % de adequação P/I Avaliação nutricional
fator no comprometimento cognitivo e comporta- > 90 Não desnutrido ou eutrófico
mental. Entretanto, sabe-se que a precocidade, a gra- 90-76 Desnutrido de 1º grau (leve)
vidade e a duração da DEP e, na fase de recuperação, 75-60 Desnutrido de 2º grau (moderado)
a qualidade do suporte nutricional, da reabilitação e < 60* Desnutrido de 3º grau (grave)
da intervenção multiprofissional são fatores determi- Tabela 9.1 Classificação de Gomez (*a existência de
nantes nas sequelas a curto e longo prazos da criança edema indica desnutrição de terceiro grau, independ-
gravemente desnutrida. entemente da %P/I).
As principais alterações gastrointestinais em
crianças gravemente desnutridas são: insuficiência Outra forma de memorizar e compreender a clas-
pancreática, redução na produção de secreção gástri- sificação de Gomez é:

SJT Residência Médica – 2016


78
Puericultura

risco de anormalidade, observado pela distribuição


% de inadequação P/I Avaliação nutricional nas extremidades da curva de Gauss. O Ministério da
Saúde do Brasil, juntamente com a Sociedade Brasilei-
até 10% de déficit em Não desnutrido ra de Pediatria atualmente, adota os seguintes pontos
relação ao p50 de corte para a classificação do estado nutricional:
de 10 a 24% de déficit em Desnutrido de 1º grau
relação ao p50
de 25 a 39% de déficit em Desnutrido de 2º grau
relação ao p50 Para crianças de 0 a menos de
mais de 40% de déficit em Desnutrido de 3º grau 5 anos (referência: OMS 2006)
relação ao p50
Tabela 9.2 Classificação de Gomez.
Estatura-para-idade

Esse método é de simples aplicação e mostrou- Diagnóstico


Valores críticos
nutricional
-se adequado para as avaliações do estado nutri-
cional de lactentes (até os dois anos de vida). Me- < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura
rece críticas por não considerar a estatura da para a idade
criança, o que compromete uma melhor carac- > Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Baixa estatura para a
terização do tipo de desnutrição, impedindo < Percentil 3 < Escore-z -2 idade
a diferenciação entre as formas agudas e as ≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para
crônicas. Além disso, crianças com peso para a idade
a idade entre os percentis 3 e 20 são classifica-
Tabela 9.4
das como desnutridas de primeiro grau, embo-
ra possam ser normais.
Em 1973, Waterlow e Batista introduziram Peso-para-idade
a estatura na avaliação nutricional, possibilitando o Diagnóstico
Valores críticos
diagnóstico do tipo de DEP. Essa metodologia leva nutricional
em consideração a altura para idade (E/I) e o < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixo peso para
peso para altura (P/E). Avalia o estado nutricio- a idade
nal, considerando os índices de porcentagem de > Percentil 0,1 > Escore-z -3 e Baixo peso para a idade
adequação do peso em relação à média do padrão e < Percentil 3 < Escore-z -2
de referência para a altura e a porcentagem de > Percentil 3 e > Escore-z -2 e Peso adequado para a
adequação da altura em relação à média do pa- < Percentil 97 < Escore-z +2 idade
drão de referência para idade.
> Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a
idade*
Estatura/
Peso/estatura Tabela 9.5 *Observação: este não é o índice antropo-
idade
métrico mais recomendado para a avaliação do excesso
≥ 90% < 90% de peso entre crianças. Avalie esta situação pela inter-
≥ 95% Eutrofia Emagrecido (desnu- pretação dos índices de peso-para-estatura ou IMC-
(não desnutrido) trição aguda ou atual) para-idade.
< 95% Retardo do crescimento Desnutrição crônica
(desnutrição pregressa) Peso-para-estatura
Tabela 9.3 Classificação de Waterlow/Batista. Diagnóstico
Valores críticos
nutricional
Atualmente, em função dos novos referenciais < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Magreza acentuada
de crescimento disponíveis pela OMS, novos pontos > Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Magreza
de corte foram definidos e, portanto, sugere-se que a < Percentil 3 < Escore-z -2
partir de agora, se utilizem esses parâmetros para a > Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
classificação do estado nutricional. Operacionalmen- < Percentil 85 < Escore-z +1
te, sabe-se que a definição dos pontos de corte de nor- > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
malidade/anormalidade é uma questão arbitrária que, < Percentil 97 < Escore-z +2
apesar disso, pode ser baseada em conceitos estatísti-
> Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
cos e epidemiológicos, decorrentes da frequência com
< Percentil 99,9 < Escore-z +3
que determinados valores se apresentam na popula-
ção normal pesquisada. Mais que o limite da normali- > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade
dade, o que se utiliza na prática é o conceito de maior Tabela 9.6

SJT Residência Médica – 2016


79
9 Avaliação do estado nutricional

IMC-para-idade (idem anterior) IMC-para-idade (Cont.)


Diagnóstico nutricio- > Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
Valores críticos < Percentil 85 < Escore-z +1
nal
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Magreza acentuada > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Sobrepeso
> Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Magreza < Percentil 97 < Escore-z +2
< Percentil 3 < Escore-z -2 > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Obesidade
< Percentil 99,9 < Escore-z +3
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade grave
< Percentil 85 < Escore-z +1
Tabela 9.10
> Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
< Percentil 97 < Escore-z +2
> Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
< Percentil 99,9 < Escore-z +3
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade Para adolescentes de 10 a 19
Tabela 9.7 anos (referência: OMS 2007)
Estatura-para-idade
Para crianças de 5 a 10 anos Valores críticos
Diagnóstico nutri-
cional
(referência: OMS 2007) < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura
para a idade
Estatura-para-idade > Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Baixa estatura para a
Diagnóstico nutri- < Percentil 3 < Escore-z -2 idade
Valores críticos
cional ≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura a idade
para a idade Tabela 9.11
> Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Baixa estatura para a
Percentil 3 < Escore-z -2 idade IMC-para-idade
≥ Percentil 3 ≥ Escore-z -2 Estatura adequada para Diagnóstico nutri-
a idade Valores críticos
cional
Tabela 9.8 < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Magreza acentuada
> Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Magreza
< Percentil 3 < Escore-z -2
Peso-para-idade > Percentil 3 e < > Escore-z -2 e Eutrofia
Diagnóstico nutri- Percentil 85 < Escore-z +1
Valores críticos > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Sobrepeso
cional
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixo peso para < Percentil 97 < Escore-z +2
a idade > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Obesidade
> Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Baixo peso para a idade < Percentil 99,9 < Escore-z +3
< Percentil 3 < Escore-z -2 > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade grave
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Peso adequado para a Tabela 9.12
< Percentil 97 < Escore-z +2 idade
> Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a Classicamente, as formas GRAVES de des-
idade* nutrição eram classificadas em marasmo e Kwa-
Tabela 9.9 *Observação: este não é o índice antropo- shiorkor, com as seguintes características des-
métrico mais recomendado para a avaliação do excesso critas abaixo:
de peso entre crianças. Avalie esta situação pela interpre-
Marasmo: (definhamento) decorrente da dieta
tação do IMC-para-idade.
igualmente pobre em proteínas e carboidratos, em que
há predomínio do déficit quantitativo calórico. Consi-
IMC-para-idade derada mais prevalente em menores de um ano. A ca-
Diagnóstico nutri- racterística importante é o emagrecimento intenso e a
Valores críticos
cional ausência de edema. Não há lesões de pele ou do cabelo.
< Percentil 0,1 < Escore-z -3 Magreza acentuada A fácies é de aspecto senil (a bola de Bichat, na face, é
> Percentil 0,1 e > Escore-z -3 e Magreza o último depósito de gordura a ser consumido), famin-
< Percentil 3 < Escore-z -2 to, com olhar ansioso. Há hipotrofia muscular intensa.

SJT Residência Médica – 2016


80
Puericultura

Kwashiorkor: (criança destituída, desprezada, do- São exames de pouco valor para o tratamen-
ença do primogênito) é decorrente da dieta com déficit to a dosagem de proteínas séricas e eletrólitos. As
quantitativo proteico, mas com oferta calórica adequada e dosagens bioquímicas realizadas no sangue podem
predominante em crianças maiores de um ano. As princi- não traduzir os níveis de reserva, pois a maioria
pais manifestações clínicas são o edema, anasarca e a típica dos nutrientes não apresenta distribuição uniforme
“face de lua cheia”. São crianças com fácies de sofrimento e pelo organismo. Exemplificando, os níveis plasmá-
apatia, anorécticas e tristes. As lesões de pele são frequen- ticos de cálcio podem ser mantidos dentro da faixa
tes (lesões hipo e hipercrômicas, descamativas), cabelos de normalidade, por meio do controle hormonal,
quebradiços, secos, descoloridos, sem brilho e que caem mesmo que haja carência significativa nos compar-
facilmente; as ulcerações de pele são frequentes. Pode ha- timentos de reserva.
ver hepatomegalia por causa da esteatose. O estudo das proteínas no plasma não reflete o
No dia a dia, muito raramente, encontram- pool total. A albumina, estudada como marcador da
-se essas formas clássicas, pois em nosso meio desnutrição proteica, apresenta-se diminuída apenas
predominam as formas não graves, nas quais o no Kwashiorkor. É um exame inadequado para avaliar
exame físico não ajuda muito no seu reconheci- a desnutrição aguda, pois apresenta meia-vida longa
mento. Podem-se encontrar sinais de alguma de- (três semanas). A dosagem de proteínas com menor
ficiência específica de vitamina ou mineral, mas, meia-vida (pré-albumina, proteína transportadora do
em geral, a criança está apenas um pouco ema- retinol, ferritina e transferrina) e de maior turnover
grecida ou pequena para a sua idade. seria mais útil no estudo da criança desnutrida.

Avaliação laboratorial Bases terapêuticas da


Os exames laboratoriais pouco contribuem
desnutrição
para os diagnósticos precoces da DEP do tipo pri-
mário, sendo mais utilizados quando se objetiva O tratamento hospitalar das crianças com DEP
afastar causas secundárias da desnutrição e nos moderada/grave está indicado quando há descompen-
casos graves. Os biomarcadores podem auxiliar sação metabólica, hidroeletrolítica, infecciosa, insta-
na avaliação de risco e no acompanhamento nu- bilidade hemodinâmica, anemia grave ou hipotermia.
tricional de crianças e adolescentes. Muitos exa- O tratamento é dividido em três fases:
mes adotados nas rotinas dos serviços de saúde € primeira fase (urgência): fase de estabili-
são úteis para o diagnóstico de morbidades as- zação ou inicial, com identificação dos fatores
sociadas às distrofias, como, por exemplo, in- que podem levar a criança à descompensação e
fecções diversas muitas vezes não sintomáticas, morte, com correção dos distúrbios hidroeletro-
dislipidemias e alterações do metabolismo glicí- líticos, acidobásicos e metabólicos e tratamento
dico (nas alterações por excesso). Contudo, é im- das infecções e parasitoses. Atenção maior deve
portante destacar que a interpretação dos exa- ser dada ao tratamento/prevenção da hipogli-
mes é difícil, pois os resultados podem se alterar cemia, hipotermia e desidratação, lembran-
pela distrofia. Por esse motivo, não se preconiza do-se da dificuldade diagnóstica dessa situação
a realização de um conjunto de exames de rotina. na criança desnutrida. Uma particularidade:
o soro de hidratação oral do desnutrido grave
Para a interpretação dos resultados deve-se levar
deve ter menos sódio e mais potássio que o da
em conta a condição clínica da criança, a condição nu-
solução-padrão da OMS e deve estar associado
tricional prévia e a presença de resposta inflamatória
a uma mistura de minerais e eletrólitos (solução
(algumas proteínas aumentam durante inflamação, de RESOMAL);
como a PCR, ferritina e alfa-1-antitripsina).
€ segunda fase (reabilitação): fase intensiva de
São exames úteis para o tratamento da desnu- recuperação nutricional, correção das deficiên-
trição: hemoglobina ou hemograma (avaliação de cias de micronutrientes (a partir daí se introduz
anemia e processos infecciosos), glicemia (nas graves, o ferro – quando a criança começa ter bom ape-
sendo hipoglicemia diagnosticada de valor menor que tite e ganha peso – a partir da segunda semana
54 mg/dL), protoparasitológico de fezes, culturas (pa- de tratamento), estimulação e reabilitação física
cientes graves). e emocional, com participação da família;
São exames que podem ser úteis em determina- € terceira fase (seguimento): após a alta, para
das condições: esfregaço sanguíneo (em zonas de ma- evitar recidivas e otimização do crescimento e de-
lária), exame radiológico de tórax, PPD, teste para HIV. senvolvimento. Acompanhamento ambulatorial.

SJT Residência Médica – 2016


81
9 Avaliação do estado nutricional

Os três eixos terapêuticos principais são: esse risco diminua e ela possa, então, ser acompanha-
€ cuidados dietéticos para a recuperação do da em outros níveis de atenção à saúde. O sucesso no
déficit nutricional: maior frequência e maior cuidado da criança com desnutrição, particularmente
variedade de alimentos, usando preferencial- a forma grave, requer que ambos os problemas, social
mente as proteínas de origem animal (alto valor e clínico, sejam identificados, prevenidos e resolvidos
biológico) combinadas às proteínas de origem da melhor forma possível.
vegetal. Óleos vegetais devem ser adicionados
para aumentar a oferta calórica. Os alimentos 10 passos para a recuperação da criança
ricos em fibras devem ser evitados inicialmente com desnutrição grave
(aceleram o trânsito intestinal). Estar atento à
1- Tratar/Prevenir hipoglicemia
complementação vitamínica e de ferro;
2- Tratar/Prevenir hipotermia
€ ações multidisciplinares e intersetoriais
nos programas de reabilitação nutricional 3- Tratar a desidratação e o choque séptico
com envolvimento familiar; 4- Corrigir os distúrbios eletrolíticos
€ ações educativo-preventivas e promoção 5- Tratar infecção
das ações básicas da Saúde da Criança: 6- Corrigir as deficiências de micronutrientes
leite materno, controle da doença diarreica e 7- Reiniciar alimentação cautelosamente
TRO, imunização básica, acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento, controle de 8- Reconstruir os tecidos perdidos (crescimento rápido -
doenças respiratórias. alta ingestão calórica e proteica)
9- Afetividade, recreação, estimulação e cuidado
Devido ao alto risco de morte, as crianças com
desnutrição grave devem ser adequadamente diagnos- 10- Preparar alta e acompanhamento pós-alta
ticadas e necessitam de internação hospitalar até que Tabela 9.13

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

10
Sobrepeso e obesidade
em pediatria

13 de Julho de 1990, Lei 8069 institui o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Task Force (IOTF), para a OMS, estima que aproxi-


Introdução madamente 10% dos indivíduos entre 5 e 17 anos
apresentam excesso de gordura corporal, sendo que 2
O Brasil, assim como outros países em a 3% são obesos. No Brasil, repete-se o modelo mun-
desenvolvimento, passa por um período de dial; na faixa etária pediátrica, estudos nacionais
transição epidemiológica. Esse fenômeno se
demonstram prevalências de excesso de peso que va-
caracteriza pela mudança no perfil dos proble-
riam entre 10 e 30%.
mas relacionados à Saúde Pública: as doenças
crônicas não transmissíveis passaram a supe- A pós-modernidade imprimiu mudanças no
rar as doenças transmissíveis. Essa transição modo de vida, com errôneos hábitos alimenta-
se acompanha de modificações demográficas e nu- res, cada vez mais associados à inatividade físi-
tricionais, com os índices de desnutrição sofrendo ca, fatores nitidamente relacionados ao balanço
reduções e o excesso nutricional atingindo propor- energético positivo.
ções epidêmicas. A obesidade é considerada uma doença crô-
A prevalência do sobrepeso/obesidade vem au- nica, complexa, de etiologia multifatorial, em
mentando, particularmente nos grandes centros ur- que, na maioria dos casos, associam-se fatores
banos. O relatório de 2003 da International Obesity genéticos, ambientais e comportamentais.
83
10 Sobrepeso e obesidade em pediatria

A herança genética é poligênica; existem mais perfil lipídico, fatores que aumentam a morbidade na ida-
de 400 genes isolados que codificam componen- de adulta. Considera-se o diagnóstico de sobrepeso, para
tes que participam da regulação do peso corpóreo. os valores acima do percentil 85 do IMC. Outra forma de
Porém, o aumento crescente de obesos no mundo expressar o IMC, além dos percentis, e que é preferida hoje
indica nítida e poderosa participação do ambiente é por meio dos escores z (desvios-padrão). Nesta situação,
no programa genético. Portanto, a influência here- considera-se obesidade os valores acima do +2 z-score; obe-
ditária torna-se efetiva quando existe ambiente fa- sidade grave, valores acima dos +3 z-score do IMC.
vorável. Assim, quando os pais são obesos, o filho
tem probabilidade de 80% para a obesidade. Quan-
do apenas um dos dois é obeso, a probabilidade cai
para 50%, e, quando nenhum deles é obeso, é de Para crianças de 0
apenas 9%.
Os fatores de risco identificados para a obesidade
a menos de 5 anos
infantil são: (referencial: OMS 2006)
€ interrupção precoce do aleitamento materno;
€ introdução de alimentação complementar ina- Peso-para-idade
propriada;
Valores críticos Diagnóstico nutricional
€ diluição de fórmulas lácteas de maneira incorreta;
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Peso adequado para a
€ distúrbios do comportamento alimentar;
< Percentil 97 < Escore-z +2 idade
€ inadequada dinâmica familiar.
> Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a idade*
Tabela 10.1 *Observação: este não é o índice antro-
pométrico mais recomendado para a avaliação do ex-
cesso de peso entre crianças. Avalie esta situação pela
Diagnóstico interpretação dos índices de peso-para-estatura ou
IMC-para-idade.
O diagnóstico de obesidade é fundamentalmen-
te clínico: anamnese, exame físico e antropometria
da criança.
 Peso-para-estatura
Na anamnese, atenção deve ser dada aos
antecedentes pessoais, antecedentes familiares Diagnóstico
Valores críticos
(particularmente sobre o risco cardiovascular nutricional
familiar = doença cardiovascular em familiares > Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
antes dos 55 anos para homens e antes dos 65 < Percentil 85 < Escore-z +1
para mulheres), antecedentes e hábitos alimen- > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
tares, comportamento e estilo de vida. < Percentil 97 < Escore-z +2
No exame físico, deve-se observar se há pre- > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
domínio da distribuição de gordura na região ab- < Percentil 99,9 < Escore-z +3
dominal (mais associada ao desenvolvimento de
doença cardiovascular), presença de estrias, respi- > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade
ração bucal, acantose nigricans (marcador de resis- Tabela 10.2
tência insulínica), infecção fúngica em dobras, he-
patomegalia, dor articular e desvios ortopédicos.
A pesquisa, no exame físico, direciona-se para os  IMC-para-idade (idem anterior)
dados antropométricos e sinais clínicos específicos re-
lacionados a algumas doenças que ocorrem com mais Diagnóstico
Valores críticos
frequência em indivíduos com excesso de peso. nutricional
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
O diagnóstico antropométrico da obesidade < Percentil 85 < Escore-z +1
na infância e na adolescência baseia-se no cálculo
do IMC (índice de massa corpórea ou de Quetelet), > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
que é determinado pelo peso (em quilogramas) < Percentil 97 < Escore-z +2
dividido pelo quadrado da altura (em metros). > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
A presença de um IMC no percentil 97 ou acima, uti- < Percentil 99,9 < Escore-z +3
lizando-se o referencial apropriado (OMS), tem correlação
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade
com obesidade na idade adulta e, em adolescentes, corre-
laciona-se com elevação da pressão arterial e alterações do Tabela 10.3

SJT Residência Médica – 2016


84
Puericultura

tireoidismo) e síndromes genéticas. Não há atraso na


Para crianças de 5 a 10 anos idade óssea, pelo contrário, podem ser maturadores
(referencial: OMS 2007) precoces (idades ósseas avançadas).
A pressão arterial sistêmica deve ser rotineira-
Peso-para-idade mente aferida (a partir de três anos de idade em todas
Diagnóstico as consultas de rotina da criança saudável). A classifi-
Valores críticos
nutricional cação se dá por meio de tabelas específicas, em que se
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Peso adequado para a leva em conta a idade, o sexo e o percentil de estatura
< Percentil 97 < Escore-z +2 idade da criança. Cerca de 30% de crianças e adolescentes
> Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a idade* obesos são hipertensos.
Tabela 10.4 *Observação: este não é o índice an- No passado, para a avaliação do excesso de peso,
tropométrico mais recomendado para a avaliação do utilizava-se o índice de obesidade (Jelliffe), utilizando-
excesso de peso entre crianças. Avalie esta situação -se o referencial de crescimento “peso para a estatura”
pela interpretação do IMC-para-idade. (P/E): a adequação P/E entre 110 e 119% caracteriza-
va sobrepeso; os indivíduos com valores maiores eram
 IMC-para-idade considerados obesos.
Diagnóstico Os exames laboratoriais se prestam para o diag-
Valores críticos nóstico das repercussões metabólicas mais comuns:
nutricional
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia dislipidemia, alteração do metabolismo glicídico, hi-
< Percentil 85 < Escore-z +1 pertensão arterial, doença hepática gordurosa não al-
> Percentil 85 e > Escore-z +1 e Sobrepeso coólica (esteatose), síndrome da apneia obstrutiva do
< Percentil 97 < Escore-z +2 sono e síndrome dos ovários policísticos.
> Percentil 97 e > Escore-z +2 e Obesidade
< Percentil 99,9 < Escore-z +3
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade grave
Tabela 10.5
Morbidades associadas

Para adolescentes de 10 a 19 Síndrome metabólica


anos (referencial: OMS 2007) Não existe ainda consenso sobre a definição
de síndrome metabólica em crianças e adolescentes,
no entanto, o aparecimento isolado ou associado de
IMC-para-idade
alterações clínicas e laboratoriais implica em mo-
Diagnóstico nitorização frequente e eventual encaminhamento
Valores críticos
nutricional para serviços especializados. Entre os componen-
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia tes estão: obesidade, alterações do metabo-
< Percentil 85 < Escore-z +1
lismo glicídico (hiperinsulinismo, resistência
> Percentil 85 e > Escore-z +1 e Sobrepeso insulínica, intolerância à glicose e hiperglice-
< Percentil 97 < Escore-z +2 mia), dislipidemia (aumento de triglicérides e
> Percentil 97 e > Escore-z +2 e Obesidade diminuição do HDL-colesterol), hipertensão
< Percentil 99,9 < Escore-z +3 arterial, aumento da circunferência abdomi-
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade grave nal, doença hepática gordurosa não alcoólica,
Tabela 10.6 Bastante importância também se dá à ovários policísticos.
medida da circunferência abdominal, que serve para O consenso proposto pela Federação Internacio-
uma avaliação indireta da gordura visceral. nal de Diabete (IDF) define síndrome metabólica, en-
tre 10 e 16 anos:
A imensa maioria dos quadros de obesidade Aumento da circunferência abdominal (> p90,
na infância é de causa exógena (95%). Há estatu- segundo sexo e idade) + duas ou mais das quatro anor-
ra e velocidade de crescimento normais, sendo a malidades relacionadas abaixo:
baixa estatura e o retardo de crescimento, quan-
do presentes, altamente sugestivos de obesidade
€ hipertrigliceridemia (> 150 mg/dL);
de causa não exógena, como endocrinopatia (hipo- € baixo HDL-colesterol (< 40 mg/dL);

SJT Residência Médica – 2016


85
10 Sobrepeso e obesidade em pediatria

€ hipertensão arterial; € índice HOMA-IR (Homeostasis Model Asses-


sment), calculado pela equação {insuline-
€ intolerância à glicose (glicemia jejum >
mia de jejum (mcU/mL) x glicemia de jejum
100 mg/dL).
(mmol/L)}/22,5. Deve-se multiplicar o valor da
glicose em mg/dL por 0,055 para a conversão
para mmol/L. Valores de HOMA-IR acima de
3,45 indicam hiperinsulinismo.
Hipertensão arterial
Cerca de 30% das crianças e adolescentes com
sobrepeso e obesidade podem apresentar HAS. De- Doença gordurosa hepática
ve-se lembrar que a sintomatologia é geralmente au-
sente e os sintomas clássicos do adulto são raros na Iniciam com a simples infiltração gordurosa
faixa pediátrica. no fígado, podendo evoluir para a esteato-hepatite.
Pode ocorrer hepatomegalia. A dosagem de ALT
(TGO) e AST (TGP) deve ser realizada e a relação
AST/ALT < 1 é sugestiva de doença gordurosa não
alcoólica do fígado.
Dislipidemias
Quando relacionada à obesidade caracteriza-se
pelo aumento dos níveis de triglicérides, queda dos
níveis de HDL-colesterol e composição anormal de
LDL-colesterol.
Tratamento
Valores do perfil lipídico para crianças As bases terapêuticas do excesso nutricional en-
(acima de dois anos) e adolescentes volvem os seguintes pilares:
Lipoproteí- Desejá- Abordagem dietética: gradativa e individuali-
Limítrofes Aumentados
nas veis zada, evitando-se a imposição de dietas rígidas e res-
Colesterol total < 150 150-169 > 170 tritivas. A alimentação deve ser balanceada com distri-
LDL-C < 100 100-129 > 130 buição adequada de macro e micronutrientes.
Modificação do estilo de vida.
HDL-C > 45
Ajustes na dinâmica familiar.
Triglicerídeos < 100 100-129 > 130
Incentivo à prática de atividades físicas,
Tabela 10.7 Fonte: I Diretriz Brasileira sobre Preven- tanto lúdica como recreacional. Atenção deve ser dada
ção de Aterosclerose em Crianças e Adolescentes, 2005. para a diminuição do lazer passivo (TV, videogame e
computador), restringindo-se o tempo com essas ati-
vidades em < 2 h/dia.
Tratamento das comorbidades (eventual-
mente com uso de medicações).

Alterações do metabolismo É importante envolver toda a família para garan-


tir o sucesso e permitir a adesão do paciente. A condu-
glicídico ção desses casos idealmente deveria ser realizada por
Estima-se que cerca de 20% de crianças e adoles- equipe multidisciplinar.
centes obesos apresentam alteração do metabolismo
da glicose. A resistência à insulina pode ser definida
como a incapacidade de o organismo responder à ação
desse hormônio. É acompanhada por um aumento de
sua secreção (hiperinsulinismo). A acantose nigricans é
um achado frequente.
Prevenção
Para o diagnóstico dessa situação utilizam-se Não existe dúvida de que o pediatra exerce im-
fórmulas que avaliam a glicemia e a insulinemia, como portante papel preventivo para o excesso nutricional
por exemplo: de seu pequeno paciente. A seguir, algumas orien-
€ insulinemia de jejum: valores maiores que 15 tações práticas para as quais o médico deve estar
micro/mL são indicativos de hiperinsulinemia; sempre atento:

SJT Residência Médica – 2016


86
Puericultura

€ avaliar e monitorar o estado nutricional da ges- € informar sobre o comportamento normal ali-
tante, orientando-a sobre alimentação saudável; mentar de crianças;
€ monitorar, na Puericultura, o ganho ponderal e € estimular e orientar o lazer ativo das crianças,
a velocidade de crescimento, identificando pre- respeitando-se as preferências e a faixa etária;
cocemente os desvios; € limitar o tempo de lazer passivo (TV, videogame
€ estimular o aleitamento materno (exclusivo até e computador);
os 6 meses e total até 2 anos); € abordar questões sobre o vínculo mãe/filho;
€ orientação sobre nutrição adequada e saudável; € envolver a escola nos cuidados alimentares para
as crianças.
€ informar aos pais o respeito que eles devem ter aos
Obviamente, um envolvimento conjunto das en-
sinais de saciedade do lactente e da criança maior,
tidades científicas, da mídia, da indústria de alimen-
sem impor ou exigir a aceitação total do alimento;
tos e governo (políticas públicas de saúde, inclusive
€ orientação sobre a educação alimentar (horá- na área social, de educação e esportes) se faz cada vez
rios, não substituições, mastigação, ambiente mais necessário, pois, sem dúvida, prevenir a obesida-
adequado); de é muito mais barato do que tratá-la.

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CAPÍTULO

11
Raquitismo e disvitaminoses

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de neglicência, discriminação, exploração,
violência, crueldade...
Art. 5º Estatuto da criança e do adolescente.

tam cristais minerais de cálcio e fósforo. A formação


Raquitismo carencial do osso inicia-se nos osteoblastos, células responsá-
veis pela produção da matriz e sua subsequente mine-
O raquitismo é uma distrofia por deficiência de ralização. Essas células contêm grande quantidade de
vitamina D, representada por uma doença generali- fosfatase alcalina. Os osteoclastos são células respon-
zada do tecido ósseo em crescimento, no qual ocor- sáveis pela reabsorção óssea; secretam enzimas que
re uma mineralização inadequada da matriz óssea. dissolvem e removem a matriz e os minerais.
É uma doença da infância (do ser em crescimento);
a falha de mineralização da matriz osteoide no osso A vitamina D, em conjunto com o parator-
maduro, após o término do seu crescimento linear, é mônio, tem a função de manter a concentração
denominada osteomalácia. sérica de cálcio e fósforo em níveis adequados
para permitir a mineralização óssea. A necessi-
dade de vitamina D para lactentes é de 400 UI/
dia, e 90% dessa quantidade é produzida pelo or-
Metabolismo ósseo e da ganismo. Na natureza ocorrem dois tipos de vitami-
na D: D2, derivada de natureza vegetal, e D3, derivada
vitamina D de precursores animais. Os precursores da vitamina
O osso é um órgão dinâmico que está em cons- D provenientes da dieta são o ergosterol (origem ve-
tante formação e remodelação, sendo o maior reserva- getal) e o colesterol (origem animal). São absorvidos
tório de cálcio e fósforo do organismo. O esqueleto hu- pela mucosa intestinal, na qual o colesterol é conver-
mano consiste de uma matriz formada por colágeno, tido em 7-diidrocolesterol. Na pele, sob ação dos raios
contendo proteína (osteoide), sobre a qual se deposi- ultravioleta (comprimento de 290 a 320 nm) da ir-
88
Puericultura

radiação solar, transformam-se em pró-vitamina D2 se. A incapacidade de a matriz cartilaginosa se minera-


(ergocalciferol) e D3 (colecalciferol). Essas são trans- lizar, seguida por depósito de osteoide não calcificado
portadas (ligadas à proteína) ao fígado, no qual sofrem recém-formado, resulta numa zona larga, irregular e
uma primeira hidroxilação, dando origem ao 25-OH franjada de tecido não rígido (a metáfise raquítica).
D2 ou D3 (calcidiol), formas circulantes da vitamina A mineralização também é defeituosa no osso subpe-
D, consideradas índice de reserva de vitamina D do riostal; o osso cortical pré-existente é reabsorvido de
indivíduo. Sofrem, posteriormente, uma segunda hi- maneira normal, mas substituído por tecidos osteoi-
droxilação nas células corticais renais, cedendo lugar des em toda a diáfise, que não se mineralizam. Se o
ao 1,25 diidroxi D2 ou D3 (calcitriol), que são os me- processo persiste, a diáfise perde sua rigidez, e o resul-
tabólitos ativos da vitamina D, com ações antirraquíti- tante osso cortical amolecido e rarefeito é distorcido
cas na mucosa intestinal, no rim e no tecido ósseo. No por tensão; sobrevêm deformidades e fraturas. Devido
intestino (principalmente no duodeno e no jejuno), à falta de mineralização, o osso raquítico é mole, en-
estimula a absorção de cálcio e fósforo. No rim, esti- fraquecido e curva-se pelo peso do corpo e pela tração
mula a reabsorção de fósforo. No osso, dependendo de dos músculos.
sua concentração, pode produzir deposição de cálcio e O raquitismo por deficiência de vitamina D po-
fósforo (efeito anabólico ou antirraquítico). deria ser conceituado como a tentativa de o organismo
A homeostase do cálcio e do fósforo depende da manter níveis séricos de cálcio normais. Na ausência
absorção intestinal de cálcio e fósforo alimentares. A de vitamina D, menos cálcio é absorvido. Com uma
absorção máxima de cálcio ocorre quando a proporção leve redução do cálcio sérico, o paratormônio é esti-
do cálcio para o fósforo na dieta é de cerca de 2:1, rela- mulado, resultando na mobilização de cálcio e fósforo
ção encontrada, por exemplo, no leite materno. do osso. Assim, a concentração de cálcio é mantida,
Em situações de hipocalcemia, haverá estímu- mas ocorrem efeitos secundários, incluindo as altera-
lo para produção e liberação do paratormônio, cujas ções ósseas. A concentração sérica de fósforo é dimi-
ações são de aumento da reabsorção óssea de cálcio, nuída, pois o paratormônio diminui a reabsorção de
inibição da reabsorção renal de fosfato e estímulo da fósforo no rim. A fosfatase alcalina sérica está elevada,
enzima renal 25(OH)D hidroxilase, responsável pela por aumento da atividade osteoblástica.
segunda hidroxilação da vitamina D, que determina
aumento na absorção intestinal do cálcio.
Etiologia
€ Ausência ou deficiência na exposição direta à
Fisiopatologia do raquitismo luz solar (raios ultravioleta). Esses raios não
atravessam vidros de janelas, e as crianças com
carencial pele mais pigmentada (negras) são especial-
O raquitismo inicia-se com a redução da absor- mente suscetíveis.
ção de cálcio e fósforo no intestino. Nessa fase, tem-se € Deficiência nutricional propriamente dita. De
cálcio sérico baixo, fósforo sérico normal e atividade forma geral, a dieta de lactentes apresenta pe-
da fosfatase alcalina em níveis normais. quena quantidade de vitamina D; o leite de vaca,
A hipocalcemia determina secreção do parator- os cereais, os vegetais e as frutas têm quanti-
mônio, que aumenta a reabsorção óssea na tentativa dades desprezíveis. Portanto, é fundamental a
de manter o nível sérico de cálcio. Simultaneamente, produção endógena dessa vitamina, com base
tem-se hiperfosfatúria (inibição da reabsorção renal nos precursores dietéticos.
de fósforo). Nesse segundo estágio, tem-se concentra- € Má absorção intestinal de vitamina D, cálcio ou
ção sérica de cálcio normal ou levemente diminuída, ambos.
concentração de fósforo baixa e ocorre aumento da € Diversas entidades clínicas que interferem na
fosfatase alcalina. Nessa fase, é possível detectar alte- conversão metabólica e ativação da vitamina D
rações ósseas nas radiografias. (hepatopatias, nefropatias).
No raquitismo, o crescimento defeituoso
dos ossos resulta de retardo ou supressão do
crescimento normal da cartilagem epifisária e
da calcificação normal. Tais alterações dependem Manifestações clínicas
da deficiência de cálcio e fósforo séricos para a mine- A faixa etária predominante do raquitismo ca-
ralização. As células da cartilagem de crescimento não rencial situa-se entre quatro meses e dois anos, perí-
completam seu ciclo normal de proliferação, e ocorre odo de intenso crescimento. As manifestações gerais
falha subsequente na penetração capilar. O resultado é são: irritabilidade, sudorese no crânio, palidez, ano-
uma linha epifisária irregular na extremidade da diáfi- rexia, retardo no desenvolvimento neuropsicomotor,

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11 Raquitismo e disvitaminoses

infecções frequentes de vias aéreas superiores (há um estoques de vitamina D existentes ao nascimento pro-
papel imunomodulador descrito para a vitamina D). vavelmente seriam depletados em cerca de oito sema-
As manifestações ósseas são: nas. Porém, umas poucas horas de exposição solar – de
€ Cabeça: retardo do fechamento de fontanela, meia hora a duas horas por semana (17 minutos por
cabeça ampla, retardo na dentição, craniotabes dia!) com exposição apenas da face e das mãos, e trinta
(amolecimento da tábua externa do crânio, pes- minutos por semana (4 minutos por dia!), se o bebê es-
quisada no osso parietal ou occipital, longe das tiver usando fraldas – produzem vitamina D suficiente
suturas, após três meses de idade). para evitar deficiência. Mesmo assim, recomenda-se a
suplementação medicamentosa em algumas regiões
€ Tórax: rosário raquítico (aumento palpável da
do país, especialmente em São Paulo e no Sul do Brasil.
junção costocondral), sulco de Harrison (de-
pressão horizontal ao longo da borda inferior do
tórax, local correspondente às inserções costais
do diafragma) e outras deformidades torácicas.
€ Membros: espessamento dos pulsos e tornoze- Disvitaminoses
los, arqueamento das diáfises do fêmur, da tíbia
e da fíbula, hipotonia musculoligamentar gene- Vitaminas são compostos orgânicos essen-
ralizada, fraturas (em galho verde). ciais, necessários em pequenas quantidades para
as funções metabólicas normais. Devem ser for-
necidas pela dieta, visto que não podem ser sinte-
tizadas totalmente ou em quantidade suficiente
Diagnóstico pelo organismo. Exceção se faz à vitamina D, que,
O raquitismo devido à carência de vitamina D em sua grande parte, é sintetizada fotoquimica-
pode se manifestar, particularmente, nos períodos de mente. A clássica divisão das vitaminas por sua
rápido crescimento, como na adolescência, nos lacten- solubilidade identifica dois grupos: as hidrosso-
tes de baixo peso ao nascer e no desnutrido, quando lúveis (C, complexo B, ácido fólico e ácido panto-
entra na fase de recuperação nutricional. tênico) e as lipossolúveis (A, D, E e K). Isso ajuda
a entender a disponibilidade delas nos alimentos. As
No atendimento de primeira linha, o diagnósti-
vitaminas lipossolúveis têm sua absorção relacionada
co pode ser feito pela dosagem de cálcio, fósforo e da
à absorção de gorduras da dieta e são armazenadas em
fosfatase alcalina. O cálcio pode apresentar-se nor-
quantidades apreciáveis, principalmente nas vísceras
mal ou diminuído, o fósforo diminuído e a fosfatase (em especial no fígado); isso cria um potencial para a
alcalina elevada. toxicidade quando essas vitaminas são ingeridas em
As alterações iniciais típicas são observadas ra- grandes quantidades por períodos prolongados. As
diograficamente nas extremidades dos ossos longos; hidrossolúveis são absorvidas com a água da luz intes-
posteriormente, existem evidências de desmineraliza- tinal. Devem ser fornecidas diariamente, pois seu ar-
ção nas diáfises. O estudo radiológico pode evidenciar: mazenamento é limitado (exceto B12); as quantidades
€ aumento do espaço interarticular (osteoide não excedentes são excretadas pela urina. De forma geral,
calcificado); as vitaminas agem em processos específicos no meta-
bolismo de unidades estruturais (metabolismo ósseo
€ alargamento das epífises ósseas (por compres-
e visão, por exemplo) ou como cofatores em reações
são), com depressão central, “imagem em taça”;
bioquímicas essenciais (síntese de DNA e RNA, por
€ osteoporose e rarefação óssea (desmineraliza- exemplo). As vitaminas lipossolúveis não se dissol-
ção da diáfise); vem na água de cocção, ao contrário das hidrossolú-
€ duplo contorno das diáfises; veis. Por isso, recomenda-se cozer as hortaliças em sua
€ encurvamento diafisário; própria água de composição (e não desprezá-la após
cocção). Uma dieta bem balanceada assegura um
€ imagem de fratura “em galho verde”. bom fornecimento vitamínico. A suplementação
terapêutica de vitaminas está apenas indicada
quando ocorre baixa ingestão na dieta, na vigên-
cia de má absorção intestinal e em doenças cujos
Pro昀椀laxia medicamentos exercem efeitos negativos sobre
Faz-se por meio da exposição ao sol e suple- os micronutrientes. Ressaltam-se essas indicações
mentação de cerca de 400 a 500 UI de vitamina apresentadas, pois não é incomum na prática clínica
D até os dois anos de idade. Essas simples medi- a solicitação dos familiares para a complementação
das profiláticas tornam o raquitismo uma doença rara vitamínica em forma medicamentosa! Pensava-se que
nos países desenvolvidos. Em bebês amamentados a suplementação de vitaminas hidrossolúveis fosse
exclusivamente ao seio e não expostos à luz solar, os segura e sem toxicidade; com a popularização de me-

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Puericultura

gadoses e da automedicação, têm-se verificado alguns “ganso”). O diagnóstico é feito pelo quadro clínico, em
efeitos indesejáveis, como, por exemplo, a formação crianças que apresentem fatores predisponentes para
de cálculos renais por grandes doses de vitamina C. a carência.
No Brasil, nos locais onde a carência dessa vita-
mina é muito prevalente, geralmente em populações
mais carentes (algumas localidades da região Nordeste
Vitamina A – de昀椀ciência e vale do Jequitinhonha), recomenda-se a suplemen-
A vitamina A (retinol) é a mais estudada das tação com a vitamina A em crianças, seguindo um pro-
vitaminas e é encontrada pré-formada em alimentos grama do Ministério da Saúde.
de origem animal (leite integral, fígado e gema de
ovo) e na forma de pró-vitaminas, os carotenos, nos
Programa Nacional de Suplementação de
alimentos de origem vegetal (cor amarelo-alaranjado
Vitamina A
e verde-escuro). São compostos lipossolúveis, relati-
vamente estáveis à cocção e absorvidos no intestino
Administração de suplemento de vitamina A em crian-
delgado, onde os carotenos são transformados em vi-
ças de 6 a 59 meses de idade (em regiões de risco)
tamina A. São armazenados principalmente no fíga-
do, e, no hepatócito, é produzida uma proteína espe- Passo 1: triagem
cífica transportadora de retinol (RBP), que se acopla A partir dos 6 meses, todas as crianças até 59 meses
à vitamina; o conjunto é encaminhado aos órgãos- de idade, que residam em área de risco da deficiência,
-alvo para a sua utilização. devem receber doses de vitamina A nos contatos com
Suas funções são múltiplas: é componente da os serviços de saúde. Para tanto, pode-se verificar no
rodopsina, responsável pela visão em baixa luminosi- cartão da criança a data da última aplicação de suple-
dade, participa na diferenciação e na manutenção da mento de vitamina A.
integridade dos tecidos epiteliais, no crescimento ce-
lular e relaciona-se com a imunocompetência. Passo 2: dosagem
A suplementação de vitamina A deve seguir um calen-
A deficiência de vitamina A ocorre em popu- dário de administração para que essa ação tenha bons
lações cuja dieta é de baixo conteúdo energético e resultados. Veja no quadro abaixo:
quando faltam alimentos ricos em caroteno. Pode-
-se considerar, de modo geral, as crianças de Período Dose Frequência
dois a seis anos (pré-escolares) como o grupo
mais exposto ao risco das alterações e sequelas Crianças: 6-11 Uma vez a cada 6 me-
100.000 UI
da hipovitaminose A. meses ses

A deficiência crônica de vitamina A pode ma-


Crianças: 12-59 Uma vez a cada 6 me
nifestar-se em alterações oculares e cutâneas, sendo 200.000 UI
ses
meses
as primeiras mais graves, devido ao risco potencial
de cegueira. A alteração ocular mais precoce é a Tabela 11.1 Programa de megadoses de vitamina A.
cegueira noturna ou a inadaptação visual em
ambientes escuros (nictalopia), de difícil ava-
liação em crianças pequenas. Surge, a seguir,
a xerose conjuntival (“olho seco”), na qual a
conjuntiva apresenta-se seca, enrugada e sem
brilho. Pode ser acompanhada da mancha de Vitamina A – excesso
Bitot, em forma de triângulo, com superfície Sendo uma vitamina lipossolúvel, de armaze-
espumosa ou caseosa, de cor levemente acin- namento nos órgãos internos, em altas doses pode
zentada, instalada sobre a conjuntiva bulbar. tornar-se tóxica. Os sintomas agudos de intoxi-
Nos pré-escolares, essas manchas não são patogno- cação são náuseas, vômitos, sonolência e abau-
mônicas, mas sugestivas, quando acompanhadas de lamento de fontanela. Diplopia, papiledema
xerose conjuntival. e paralisia de nervos cranianos são sintomas
Progredindo a carência, surgem lesões da córnea, de hipertensão intracraniana, sugestivos de
inicialmente a xerose, na qual a córnea se apresenta pseudotumor cerebral. A intoxicação crôni-
seca, de aspecto esfumaçado, seguindo-se de cerato- ca caracteriza-se por irritabilidade, insônia,
malácia (enrugamento e opacificação), úlcera e perfu- anorexia, hepatomegalia, queda de cabelos e
ração. Os sinais cutâneos são a xerodermia (pele com descamação cutânea. A ingestão excessiva de
aspecto seco, áspero e escamoso) e a hiperqueratose carotenos não leva à hipervitaminose, mas ao
folicular (pequenas pápulas acuminadas nos folícu- aparecimento de carotenemia, com coloração
los pilossebáceos – aspecto de pele arrepiada, pele de amarelada da pele (exceto esclera).

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11 Raquitismo e disvitaminoses

Vitaminas do complexo B Vitamina B6


Termo genérico para um grupo de compostos
que apresenta atividade da piridoxina, cuja função
Tiamina mais conhecida é sobre o metabolismo de aminoáci-
Conhecida como vitamina B1, suas principais dos e de alguns neurotransmissores. É muito difundi-
fontes são: carnes em geral, gema de ovo, legumino- da nos alimentos (fígado, carnes, aves, peixes, cereais
sas, cereais integrais, peixes e leite. Em ph maior que integrais, feijões e ervilhas são particularmente ricos).
7, perde sua atividade biológica: não é recomendável A deficiência raramente ocorre isoladamente, mas em
a prática de adicionar bicarbonato de sódio à água de associação com deficiências de outras vitaminas do
cocção de hortaliças para preservar a cor verde, costu- complexo B. Dentre as principais manifestações clíni-
me de algumas culinaristas. Em grupos populacionais cas, figuram: dermatite seborreica nasolabial, glossite,
com dietas baseadas em arroz polido e farinha de tri- queilose, desconforto abdominal, anemia microcítica
go refinada há maior risco. Sua deficiência resulta e irritabilidade. Vários estudos sugerem interferência
na doença beribéri, caracterizada por alterações na resposta imunológica.
nos sistemas nervoso e cardiovascular. A forma
aguda da doença, mais comum em lactentes jo- Ribo昀氀avina
vens, pode ter curso rápido e fulminante: é ca-
racterizada por insuficência cardíaca abrupta, Conhecida como vitamina B2, participa como
com dispneia, cianose e taquicardia. Um sinal ca- coenzima em uma série de reações de oxidorredução
celulares. As vísceras são as melhores fontes alimen-
racterístico é a rouquidão ou a disfonia por dis-
tares, além de carnes, leite, ovos e queijos. Pescados
função do nervo laríngeo. Os sintomas de carência
e hortaliças verdes também são boas fontes. A falta
moderada incluem: fadiga, apatia, inapetência, náuse-
de vitamina acarreta uma constelação de achados:
as, irritabilidade e atraso de crescimento. Com acro-
estomatite angular, queilose, língua edematosa e ar-
nicidade, há desenvolvimento de polineuropatia, dis- roxeada, hipertrofia ou atrofia das papilas linguais,
túrbios sensoriais, fraqueza muscular e hiper-reflexia. fotofobia, blefarite, ceratoconjuntivite, dermatites se-
borreicas e em sulco nasolabial, região retroauricular,
Niacina temporal ou perineal e anemia normocítica e normo-
crômica. Micro-organismos da flora intestinal sinteti-
É parte das coenzimas nicotinamida adenina- zam pequena quantidade de vitaminas. A deficiência
dinucleotídeo (NAD) e NAD fosfato (NADP), para de riboflavina na criança está frequentemente associa-
grande número de reações de oxidorredução no orga- da às deficiências de outras vitaminas do complexo B.
nismo (mecanismo respiratório celular e biossíntese
de ácidos graxos e esteroides, por exemplo). Pode ser
obtida diretamente na dieta ou biossintetizada por Vitamina C
um aminoácido essencial, o triptofano, na presença O ácido ascórbico, ou vitamina C, é uma
de tiamina, piridoxina e riboflavina. São fontes de substância com propriedades redutoras, que
niacina: fígado, carnes, peixes, aves, amendoim e ce- participa de vários processos metabólicos, sendo
reais integrais. O leite, embora não a tenha em grande particularmente importante na hidroxilação da
quantidade, tem elevado teor de triptofano, podendo prolina e da lisina, indispensável à formação do
ser considerado boa fonte de equivalentes de niacina. colágeno normal. Também age na redução do ferro
A deficiência de niacina (pelagra) é rara no mundo presente na dieta, para que esse elemento possa ser
moderno e é encontrada nas regiões onde o milho é absorvido pelo trato digestivo.
o alimento básico. Isso porque o triptofano é um ami- Suas fontes principais são os alimentos de
noácido limitado nesse alimento. A deficiência dessa origem vegetal, especialmente as frutas cítricas e
vitamina inclui manifestações na pele, no trato gas- as hortaliças verdes, e sua inativação é facilitada pela
trointestinal e no sistema nervoso central (frequente- exposição ao ar, à luz solar e pelo aquecimento (é uma
mente descrita como doença dos três “Ds”: dermatite, das vitaminas mais lábeis). Prefere-se, dessa forma,
diarreia e demência). As queixas iniciais são falta de frutas e hortaliças frescas ou cozidas por breve tempo,
apetite, fraqueza e desconforto abdominal, seguidos de preferência em sua própria água de composição.
de lesões na pele (eritemas que progridem para cera- Sua deficiência é conhecida como escorbuto,
tose, descamação e hiperpigmentação, principalmen- cujo quadro clínico está relacionado às altera-
te das áreas expostas – mãos, pés e pescoço). Podem ções do colágeno (degeneração generalizada do
surgir estomatite, glossite, diarreia e vômitos. As al- tecido conjuntivo). Para que se evidencie, é ne-
terações no SNC são raras em crianças (desorientação, cessário tempo prolongado (meses) de carência.
perda de memória, convulsões e delírios). Na atualidade, a doença é rara, encontrada qua-

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Puericultura

se sempre associada à desnutrição. No escorbuto melhores fontes são os óleos vegetais (girassol, milho
dos adultos predominam as manifestações he- e soja), margarinas, leite, ovos, cereais integrais e al-
morrágicas cutâneo-mucosas, enquanto que, na guns vegetais e frutas (brócolis e abacate). O quadro
criança, ainda que ocorram essas manifestações, clínico de carência é caracterizado por alterações neu-
destacam-se as lesões ósseas. Na fase inicial, sur- rológicas progressivas e anemia hemolítica. Os RNs de
ge anorexia, perda de peso, apatia e irritabilidade, em muito baixo peso e prematuros são particularmente
seguida, edema duro dos membros e as hemorragias suscetíveis (baixa reserva). Seu quadro clínico inclui:
subperiostais (hematomas não calcificados). A porção edema de membros, agitação, taquipneia, anemia he-
orgânica da matriz óssea é composta, em sua maior molítica. O quadro é autolimitado, pois a composição
parte, por colágeno. Na deficiência da vitamina C, esse do leite materno e das fórmulas infantis suprem as ne-
osteoide não é produzido adequadamente, e a ossifi- cessidades desses bebês.
cação não se processa normalmente. As hemorragias,
atribuídas ao defeito da substância intercelular, com
aumento da permeabilidade e da fragilidade dos vasos
de pequeno calibre, quando subperiostais, dão maior Ácido fólico
ênfase à sintomatologia óssea. O ácido fólico é o composto básico de um gru-
Suspeita-se da deficiência em crianças de seis po de substâncias estruturalmente relacionadas e de
meses a dois anos de idade que se apresentam com ocorrência natural, conhecidos como folatos. Os fola-
dor à manipulação dos membros, principalmente in- tos atuam como coenzimas em diversos aspectos
feriores, em consequência das lesões ósseas, acom- do metabolismo celular, sendo essenciais na sín-
panhadas por vezes de incapacidades motoras. As tese de ácidos nucleicos e fundamental no meta-
posições de defesa originadas de dor podem assumir bolismo de aminoácidos. O leite materno forne-
a forma de pseudoparalisias (por exemplo: posição ce uma quantidade suficiente para a criança em
de batráquio – rã). O rosário costal (semelhante ao desenvolvimento. O conteúdo no leite de vaca é
raquítico) pode estar presente. Associam-se hemor- pobre e extremamente baixo no leite de cabra. A
ragias cutâneas (petéquias, púrpuras e equimoses) e fervura do leite de vaca reduz em 40% o conteúdo de
gengivais. Nos pontos de hemorragias subperiostais, folato, e a nova fervura reduz 80%. Os folatos apre-
percebem-se tumefações dolorosas, como, por exem- sentam-se amplamente distribuídos na natureza (ver-
plo, nas junções condrocostais (rosário escorbúti- duras frescas, fígado, cereais integrais, ovos, legumes,
co). Pode haver amolecimento e perda dos dentes. frutas cítricas). Sua deficiência se manifesta clini-
O diagnóstico baseia-se na história de ingestão defi- camente com anorexia, perturbações gastroin-
ciente de vitamina C, no quadro clínico e nos aspec- testinais, estomatite, glossite e anemia megalo-
tos radiográficos dos ossos longos (tríade clássica: blástica. Laboratorialmente, observa-se anemia
osteoporose, fraturas e hematomas subperiostais). macrocítica, podendo ocorrer leucopenia e/ou
As trabéculas da diáfise são indistinguíveis, e o osso trombocitopenia. Os leucócitos polimorfonucle-
exibe aparência de “vidro fosco”. ares se apresentam hipersegmentados. (veja em
Hematologia: Anemias Megaloblásticas).

Vitamina E
No organismo humano, a vitamina E parece de- Zinco
sempenhar papel importante na manutenção da in- A deficiência de zinco pode comprometer o cresci-
tegridade e estabilidade das membranas biológicas, mento, a função imune e o desenvolvimento neuropsico-
exercendo ação antioxidante eficaz. Atua prevenindo motor. As lesões de pele variam de dermatite pustular a
que os radicais livres catalisem a peroxidação de ácidos dermatite acro-orificial, anorexia, infecções recorrentes
graxos poli-insaturados da membrana celular. Suas e diarreia.

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CAPÍTULO

12
Imunizações

A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de


políticas sociais públicas...
Art 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente

Nunca se dispôs, como agora, de tantas vacinas Imunobiológicos são produtos farmacológicos
eficazes e seguras. Esse fato, associado à evolução da de microorganismos, seus subprodutos ou compo-
vigilância epidemiológica, contribuiu sobremaneira nentes e que têm a capacidade de imunizar. As vaci-
para a prevenção de doenças, transformando radical- nas contêm agentes imunizantes (vírus ou bactérias)
mente a morbimortalidade na população pediátrica. que podem ser vivos atenuados (se assim não fossem
Imunizar significa “proteger” ou “tornar não suscetí- causariam doença natural), mortos (inativados), com-
vel à determinada doença”. O processo de imunização ponentes da estrutura viral ou bacteriana ou toxoides
pode ser ativo ou passivo. Na imunização ativa o in- (toxinas ou produtos de microorganismos inativados).
divíduo é estimulado a desenvolver defesa imunológi- Imunoglobulinas humanas são imunobiológicos ob-
ca contra futuras exposições à doença, naturalmente tidos do fracionamento de plasma de doadores. São
(determinada por uma doença em curso) ou artificial- soluções proteicas muito concentradas que contêm
mente (utilizando-se de vacinas). Na imunização pas- anticorpos, principalmente da classe IgG, disponíveis
siva o indivíduo exposto ou em vias de se expor recebe para uso parenteral. As chamadas imunoglobulinas
anticorpos pré-formados, naturalmente (anticorpos “normais” são inespecíficas, com concentrações de
maternos transplacentários ou pelo leite materno) ou anticorpos que refletem as doenças mais prevalentes
artificialmente (administração parenteral de imuno- do meio que vivem os doadores, e têm particulares
globulinas). Na imunização passiva a proteção aconte- indicações na prática clínica. Em Pediatria, as situa-
ce mais rápido; porém, com duração menor. ções mais conhecidas com indicação dessas imunoglo-
94
Puericultura

bulinas inespecíficas são para reposição nos quadros senta de forma atenuada na vacina, determinando o
de imunodeficiências primárias ou secundárias, para aparecimento da doença que se deseja prevenir. Por
o pós-TMO (transplante de medula óssea) e por seus outro lado, a resposta à vacina pode estar comprome-
efeitos imunomoduladores na doença de Kawasaki tida, re-comendando-se, habitualmente, o adiamento
(prevenção do aneurisma coronariano) e na púrpura da vacinação, particularmente naquelas situações em
trombocitopênica idiopática. que a imunodepressão é temporária. Dessa forma, nas
As imunoglobulinas hiperimunes (imunoglo- crianças infectadas com o HIV, existe contraindicação
bulinas específicas) contêm altos títulos de anticor- absoluta para o uso da vacina BCG naquelas já sinto-
pos para algumas doenças específicas, sendo várias máticas. Quando houver indicação de vacinação con-
disponíveis atualmente, como, por exemplo, para tra poliomielite em pacientes imunocomprometidos
a hepatite B, tétano, varicela e raiva. Atualmente, ou pessoas de contato próximo, estes devem receber,
também está disponível formulação com anticorpos preferencialmente, a vacina contra pólio inativada
monoclonais específicos para vírus sincicial respi- (VIP). As vacinas para sarampo, caxumba e rubéola
ratório, com particular indicação para profilaxia da não devem ser aplicadas em crianças com HIV sinto-
doença respiratória em prematuros. Outro conceito máticas ou com imunodepressão grave.
básico importante é o de “soro”, que corresponde ao O uso de corticosteroides constitui a situação
produto farmacológico constituído de anticorpos clínica mais comum em que se cogita a eventual con-
heterólogos obtidos a partir do plasma de animais traindicação ou adiamento da vacinação. Existe certo
imunizados, como no caso dos soros antitetânico, consenso de que há contraindicação para utilização de
antibotulínico e todos os antiofídicos. vacinas com vírus vivo ou bactérias atenuadas para
Nesse capítulo, atenção particular será conferida pa-cientes em tratamento com doses altas, equivalen-
às vacinas, suas indicações e calendário, por corres- tes a 2 mg/kg/dia de prednisona (crianças) ou mais de
ponderem às ações do dia a dia da Pediatria. 20 mg/dia para adolescentes e adultos, por mais de
duas semanas. Outras terapêuticas imunodepressoras
(quimioterapia antineoplásica, por exemplo) também
se enquadram nessa contraindicação. Cabe ressaltar,
porém, que não constitui contraindicação a qualquer
vacina o tratamento sistêmico com corticosteroides
Contraindicações por curta duração (menos que duas semanas), doses
baixas, independentemente do tempo ou doses de ma-
verdadeiras e falsas nutenção fisiológica. O uso tópico e inalatório dessas
medicações também não representa qualquer proibi-
Entende-se por contraindicação, uma condição ção ao uso de vacinas.
na pessoa a ser vacinada que aumenta em muito o Mulheres grávidas não podem receber vacinas
risco de um evento adverso grave, ou que torna o ris- vivas, pelo risco teórico de infecção fetal, embora não
co de complicações devido à vacina maior que o risco exista comprovação de que qualquer vacina, inclusive
da própria doença contra a qual se deseja proteger. contra rubéola, seja capaz de determinar malforma-
Isso significa uma proibição absoluta para a utiliza- ções congênitas. Entretanto, mantém-se essa con-
ção da vacina. As verdadeiras contraindicações po- traindicação. Recomenda-se, também, evitar a ges-
dem ser resumidas: tação até um mês após da aplicação da vacina para a
€ para vacinas de agentes vivos (bactérias/vírus rubéola. As vacinas com agentes inativados não são
atenuados): imunossupressão e gravidez; contraindicadas na gestação.
As alergias das vacinas podem ser causadas pelo
€ para qualquer vacina: alergia grave (de natureza
próprio antígeno vacinal ou por outros componentes
anafilática) a componentes da vacina ou a uma
do produto (conservantes, estabilizadores e antibióti-
dose anterior;
cos eventualmente presentes). Só existe contraindica-
€ para vacinas contendo o componente pertussis: ção ao uso de uma vacina quando houver história de
encefalopatia pós-vacinal nos primeiros sete reação anafilática após exposição anterior a ela ou a
dias após aplicação da dose. um de seus componentes (comprometimento multis-
As imunodeficiências, adquiridas (drogas imu- sistêmico com urticária, sibilos, laringoespasmo, an-
nodepressoras e infecção pelo vírus da imunodeficiên- gioedema, hipotensão e choque).
cia humana – HIV) e congênitas, representam clássica Na prática, a preocupação maior é a da alergia ao
contraindicação para vacinas com agentes atenuados. ovo, pois algumas vacinas, como a da febre amarela e
Os problemas relacionados à administração de vaci- influenza atualmente usadas no Brasil são produzidas
nas para essas pessoas são de dois tipos. Pode haver em ovos embrionados. As vacinas contra sarampo e
proliferação do microorganismo quando ele se apre- caxumba são produzidas em cultura de fibroblasto de

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12 Imunizações

galinha e contêm pouca quantidade de proteínas de cificação do fabricante) deve ser rigorosamente res-
ovo, não havendo mais, em nosso país, contraindica- peitado. De maneira geral, os imunobiológicos são
ção da aplicação da tríplice viral para o indivíduo que termolábeis. A maioria dos imunobiológicos deve ser
tem hipersensibilidade ao ovo. conservada a uma temperatura entre 2ºC e 8ºC. Ha-
Existem algumas situações em que, por precau- vendo aquecimento da geladeira de conservação das
ção, se recomenda o adiamento da vacinação: durante vacinas, todas elas devem ser desprezadas. A vacina
três meses após tratamento com imunossupressores; antipoliomielite oral pode ser congelada.
após administração de sangue/derivados ou imuno-
globulinas (risco de neutralização) e na vigência de
doenças agudas graves (interferência dos sintomas).
Algumas proibições equivocadas ainda persistem Calendários de
em relação à vacinação, constituindo as “falsas con-
traindicações”, absolutamente perigosas e representati-
vas de oportunidades perdidas. As seguintes situações,
vacinação
portanto, não representam qualquer problema ao se in- O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi
-dicar uma vacina: instituído em 1973 com o objetivo de coordenar as
€ doenças infecciosas agudas leves, eventualmen- ações de imunização em todo o território nacional.
te com febre baixa, como afecções de vias aéreas Desde então, com base na vigilância epidemiológica
e diarreias leves/moderadas (geralmente pos- de doenças imunopreveníveis, são traçadas estraté-
terga-se a administração das vacinas orais em gias para a utilização de imunobiológicos. O calendá-
quadros diarreicos graves com vômitos); rio deve ser dinâmico e adaptações estaduais even-
€ uso de antimicrobianos; tualmente podem ser realizadas. O calendário básico
do PNI atualmente utilizado no Brasil (quadro 11.1)
€ reação local a uma dose prévia de vacina (dor e
contempla as vacinas contra as doenças: tuberculose,
eritema);
hepatite B, poliomielite, difteria, tétano, coqueluche,
€ história ou diagnóstico clínico pregresso da do- doenças causadas pelo pneumococo e meningococo C,
ença contra a qual se vai vacinar; doenças invasivas pelo Haemophilus influenza B, doen-
€ doença neurológica estável; ça causada pelo rotavirus, febre amarela, sarampo, ca-
xumba, rubéola, hepatite A, varicela, gripe e doenças
€ antecedente familiar de convulsão; causadas por alguns tipos de papilomavirus humano
€ tratamento com corticoesteroides em doses não (HPV). É considerado um dos melhores programas de
imunodepressoras; saúde do Ministério da Saúde e das Secretarias Esta-
€ gravidez da mãe ou comunicante; duais e Municipais de Saúde, por proporcionar tanto
uma eficiente cobertura vacinal quanto pela boa qua-
€ aleitamento materno; lidade das vacinas; também, em última análise, pela
€ internação hospitalar (cuidado apenas com a competência com que esse programa é conduzido no
vacina oral contra a poliomielite em am-biente ser-viço público de saúde. Entretanto, não é um calen-
de tratamento intensivo); dário ideal (embora gradativamente se aproxime de
ser). É sim, no momento, um calendário considerado
€ desnutrição, prematuridade ou baixo peso ao
possível, dentro dos re-cursos financeiros disponíveis,
nascimento (uma ressalva especial refere-se à
vacina BCG, que não deve ser administrada em ou que pelo menos, o país disponibiliza atualmente
crianças com menos de 2 kg). para utilização no programa de imunizações.

Idade Vacinas
Ao Vacina BCG (dose única)
nascer Vacina hepatite B
Vacina pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B) –
Segurança e primeira dose
Vacina contra a poliomielite – primeira dose com
conservação 2 vacina inativada (VIP)
meses Vacina de rotavírus humano (VORH) oral – pri-
A confiabilidade e a segurança da vacina depen- meira dose
dem de vários fatores: armazenamento adequado do Vacina pneumocócica 10 (conjugada) – primeira
produto, manipulação correta e, obviamente, do co- dose*
nhecimento desses fundamentos pelos profissionais 3 Vacina meningocócica C (conjugada) – primeira
envolvidos na vacinação. O prazo de validade (espe- meses dose**

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Puericultura

Idade Vacinas (Cont.) Idade Vacinas (Cont.)


Vacina pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B) – Dupla adulto (difteria e tétano – dT) – reforço a
segunda dose Idoso cada 10 anos
Acima
Vacina contra a poliomielite – segunda dose com de 60 Antipneumocócica polissacarídica 23-valente –
4 vacina inativada (VIP) anos uma dose com reforço 5 anos após (em idosos que
meses Vacina de rotavírus humano (VORH) oral – segun- vivem em instituições fechadas)
da dose
3 doses de vacina para hepatite B (a depender da
Vacina pneumocócica 10 (conjugada) – segunda Ges- situação vacinal anterior)
dose tantes Tríplice acelular do adulto (dTpa) a partir das 27
5 semanas de gestação
Vacina meningocócica C (conjugada)
meses
Vacina contra a poliomielite – terceira dose com Quadro 11.1 Calendário Nacional de Imunização
6 vacina inativada (VIP) *** – PNI - 2016. *A vacina antipneumocócica 10-valente,
meses Vacina pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B) – antes dada, em seu esquema primário, em 3 doses no
terceira dose primeiro ano de vida, sofre mudança a partir de 2016
(agora com duas doses no primeiro ano de vida e re-
9 Vacina para febre amarela (em regiões específicas) forço aos 12 meses). ** A vacina antimeningocócica C
meses – dose inicial deve ser administrada em 2 doses no primeiro ano (3 e
5 meses) com reforço preferencialmente aos 12 meses.
Vacina tríplice viral (SCR – sarampo, caxumba e
*** A partir de 2016, a terceira dose da vacinação con-
rubeola)
12 tra a poliomielite será realizada também com a vacina
meses Vacina pneumocócica 10 (conjugada) - reforço inativada (VIP), deixando o esquema básico de ser se-
Vacina meningocócica C (conjugada) - reforço quencial. Os reforços, administrados aos 15 meses e 4
anos com vacina oral (VOP) permanecem. **** Houve
Vacina tríplice bacteriana (DTP) – primeiro reforço mudança recente do esquema vacinal para duas doses
Vacina contra a poliomielite – reforço com vacina (0 e 6 meses), não sendo necessária a administração da
oral viva (VOP) terceira dose.
15
meses Vacina quadrivalente viral (sarampo, caxumba, ru- Fonte: adaptado de Ministério da Saúde – www.por-
talsaude.saude.gov.br
béola e varicela) – dose única
Vacina para hepatite A – dose única
Ética e idealmente todas as vacinas disponíveis
Vacina tríplice bacteriana (DTP) – segundo reforço e em todas as suas doses tecnicamente preconizadas
4 anos Vacina contra a poliomielite – reforço com vacina devem ser oferecidas ao cliente pediátrico e a seus
oral viva (VOP) pais. Se eles vão fazer ou não é uma decisão que com-
pete somente a eles. Não podemos e não devemos jul-
9 a 13 Vacina quadrivalente para o HPV (somente para gar se eles têm condições e nem decidir por eles. Inú-
anos sexo feminino) **** meras modificações têm ocorrido no calendário do
3 doses de vacina para hepatite B (a depender da PNI, particularmente desde 2012 e esse calendário
situação vacinal anterior) gradativamente torna-se mais completo e próximo
do ideal. As principais alterações que já ocorreram:
2 doses de tríplice viral (a depender da situação va- universalização da vacina contra hepatite B, introdu-
cinal anterior)
ção da vacina pentavalente brasileira (incorporação
10 a 19
anos 2 doses da quadrivalente para o HPV (somente da vacina contra hepatite B à antiga vacina tetra-
para sexo feminino – a depender se recebeu aos valente – difteria, tétano, coqueluche e hemófilos),
9 anos) início do esquema sequencial de imunização contra
a poliomielite e adiantamento da segunda dose da
Dupla adulto (difteria e tétano – dT) – reforço a
vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola para
cada 10 anos
15 meses com associação da vacinação para varicela,
3 doses de vacina para hepatite B (a depender da introdução da imunização contra a hepatite A, contra
situação vacinal anterior) o HPV e a imunização das gestantes para coqueluche
Adulto com a vacina acelular. Todas as vacinas disponíveis
1 doses de tríplice viral (a depender da situação va-
20 a 59 no PNI serão revisadas adiante juntamente com as
cinal anterior)
anos
recentes modificações. Vacinas sugeridas pela Socie-
Dupla adulto (difteria e tétano – dT) – reforço a
dade Brasileira de Pediatria que não estejam no ca-
cada 10 anos
lendário público também serão abordadas.

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12 Imunizações

Idade
Ao nascer 2m 3m 4m 5m 6m 7m 12m 15m 18m 4-6a 11a 14-16a
BCG x
Hepatite B x x x x
DTP/DTPa1 x x x x x
dT/dTpa2 x
Hib3 x x x x
VIP/VOP4 x x x x x
Pneumoco-cócica con-jugada5 x x x x
Meningocó-cica C e A,C,W,Y
x x x x x
con-jugadas
Meningocó-cica B re-combinante x x x x
Rotavírus x x
Influenza x x anual até 5 anos
Sarampo Caxum-ba/rubeola/
x X
Varicela (SCRV)
Hepatite A X x
HPV Meninos e meninas a partir dos 9 anos de idade
Febre ama-rela A partir dos 9 meses
Quadro 11.2 Calendário de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria – 2016. Fonte: adaptado de Socie-
dade Brasileira de Pediatria – www.sbp.com.br. 1. DTP/DTPa – Difteria, tétano e pertussis (tríplice bacteriana). A
vacina DTPa (acelular) quando pos-sível deve substituir a DTP (células inteiras) pois tem eficácia similar e é menos
reatogênica. 2. dT/dTpa – Adolescentes e adultos com esquema primário de DTP ou DTPa completo devem receber
reforços com dT a cada 10 anos, sendo que preferencialmente o primeiro reforço deve ser realizado com dTpa. No
caso de esquema primário para tétano incompleto ou desconhecido um esquema de três doses deve ser indicado,
sendo a primeira dose com dTpa e as demais com dT. 3. Hib – A vacina pentavalente do PNI protege contra difteria,
tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae b (conjugada). A vacina é recomendada em três doses, aos
2, 4 e 6 meses de idade. Quando utilizadas as vacinas combinadas com componente pertussis acelular (DTPa/Hib/
IPV, DTPa/Hib, DTPa/Hib/VIP/Hepatite B), disponíveis em clínicas privadas, uma quarta dose da Hib deve ser aplicada
aos 15 meses de vida. 4. VIP/VOP: As duas primeiras doses, aos 2 e 4 meses, devem ser feitas obrigatoriamente com
a vacina inativada (VIP). A recomendação para as doses subsequentes é que sejam feitas preferencialmente também
com a vacina inativada (VIP). As doses de VOP podem ser administradas nos Dias Nacionais de Vacinação.5. Pneumo-
cócica conjugada (13-valente) é recomendada a todas as crianças até 5 anos de idade.

Vacina BCG
A vacina BCG é constituída por bacilos vivos atenuados de Mycobacterium bovis (bacilo de Calmette e Guérin)
e fornece proteção contra formas graves de tuberculose, causadas pela disseminação hematogênica, como a forma
miliar e a meningite. É aplicada o mais precocemente possível, de preferência ao nascimento, exclusivamente
por via intradérmica, na inserção inferior do músculo deltoide no braço direito. Recomenda-se adiar a vacinação
em crianças com afecções dermatológicas extensas e em atividade, pacientes com peso inferior a 2000 g ou que
fizeram uso de imunossupressor ou corticosteroide em alta dose. Filhos de mães infectadas pelo HIV e crianças
infectadas que estejam assintomáticas podem receber a vacina a partir do nascimento; contudo, está contraindi-
cada nos pacientes sintomáticos.
A vacina BCG provoca reação tecidual local, levando à formação de mácula avermelhada com enduração de
até 15 mm (1ª e 2ª semana), evoluindo para pústula com amolecimento central (3ª e 4ª semana), úlcera (4ª e 5ª
semana) e finalmente para a pequena cicatriz (6ª a 12ª semana). O tempo habitual de evolução da lesão, portanto,
é de seis a doze semanas, mas pode chegar até 24 semanas. Cerca de 5%-10% das crianças não apresentam cica-
triz vacinal após a primovacinação, seja por técnica de aplicação inadequada ou por características individuais, e
devem ser revacinadas seis meses depois sem necessidade de teste tuberculínico prévio.
Pode ocorrer enfartamento ganglionar (axilar, supra ou infraclavicular) de três a seis semanas após a vaci-
nação. Normalmente esse enfartamento é homolateral ao local da aplicação, firme, móvel e indolor, medindo até
3 cm e sem sintomatologia sistêmica. O desaparecimento é espontâneo em um a três meses e não há necessidade
de tratamento.

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98
Puericultura

a pesqui-sa de HBsAg não for possível, não se justifica


Vacina contra a dar imunoglobulina para todos os recém-nascidos, já
que a vacina isoladamente é bastante eficaz na pre-
hepatite B venção da doença em 70 a 90% dos casos. No parto
de gestante HBsAg-positiva, orienta-se lavar bem o
A vacina contra hepatite B, introduzida em 1998, recém-nascido, retirando todo vestígio de sangue ou
é obtida por meio de engenharia genética, por técnica secreção materna. Por outro lado, mesmo que a mãe
de DNA recombinante e, portanto, não contém vírus apresente fissura mamária com sangramento, não se
vivo. A via de administração é intramuscular. A partir contraindica a amamentação.
de 2016, tornou-se uma vacina universal: disponível Recentemente, a vacina contra a hepatite B foi
para todas faixas etárias e independentemente das incorporada à vacina tetravalente (DTP + hemófilos),
condições de vulnerabilidade. Até então, estava parti- numa vacina conhecida como pentavalente brasileira.
cularmente indicada para grupos considerados vulne- Portanto, a partir de 2012 o esquema vacinal primário
ráveis e de risco para aquisição da infecção: trabalha- para hepatite B consiste na dose inicial da maternida-
dores da saúde; bombeiros, policiais militares, civis e de (ao nascimento) – vacina contra hepatite B e três
rodoviários; caminhoneiros, carcereiros de delegacia e doses de vacina pentavalente, aos 2, 4 e 6 meses de
de penitenciárias; coletores de lixo hospitalar e domici- vida da criança, perfazendo, atualmente, um total de
liar; agentes funerários, comunicantes sexuais de pes- 4 doses de vacinas con-tra a hepatite B.
soas portadoras de VHB; doadores de sangue; homens
No caso de atraso do esquema vacinal, não há
e mulheres que mantêm relações sexuais com pessoas
necessidade de recomeçá-lo, e sim apenas completá-lo
do mesmo sexo (HSH e MSM); lésbicas, gays, bisse- (não existe intervalo máximo entre as doses). Adoles-
xuais, travestis e transexuais, (LGBT); pessoas reclu- centes que não tenham recebido a vacina na infância
sas (presídios, hospitais psiquiátricos, instituições de ou com a história incerta da imunização devem rece-
menores, forças armadas, dentre outras); manicures, -ber as três doses da vacina.
pedicures e podólogos; populações de assentamentos
e acampamentos; potenciais receptores de múltiplas Crianças com peso de nascimento igual ou infe-
transfusões de sangue; profissionais do sexo/prosti- rior a 2 kg ou idade gestacional < 33 semanas devem
tutas; usuários de drogas injetáveis e inaláveis e por- obrigatoriamente receber quatro doses da vacina, o
tadores de doenças sexualmente transmissíveis (DST) que já ocorre hoje com a vacinação com a pentavalen-
e população indígena. No intuito de contribuir para a te. Crianças e adolescentes não vacinados quando be-
ampliação da cobertura vacinal e reduzir o potencial -bês devem receber a vacina no esquema clássico de 0,
da transmissão vertical da doença e, considerando o 1, 6 meses.
pré-natal como excelente oportunidade de contato da Mais de 95% das crianças e 90% dos adultos atin-
mulher com o serviço de saúde, o PNI recomenda, a gem títulos protetores de anticorpos após este esque-
vacinação de gestantes ainda não vacinadas, indepen- ma. A coleta de sorologia para checagem da viragem
dentemente do período de gestação ou faixa etária. não deve ser realizada rotineiramente, apenas em pa-
cientes pertencentes a grupos de maior risco. A vaci-
Para os bebês, deve ser administrada, de prefe-
na contra hepatite B tem poucos efeitos indesejáveis.
rência, a partir do nascimento ou, ao menos, antes
Para as pessoas que não apresentam títulos protetores
da alta da maternidade. A administração precoce da
após o esquema de três doses, recomenda-se repetir o
vacina, nas primeiras 12 horas, é efetiva para evitar a
esquema de vacinação, nos mesmos intervalos do es-
transmissão vertical da infecção.
quema clássico. Caso não haja resposta adequada, não
Mãe soropositiva para HBsAg durante a gravi- há recomendação de repetir novo esquema; considera-
dez determina a necessidade de a criança receber a -se, portanto, o indivíduo como suscetível.
primeira dose da vacina logo após o parto e imuno-
globulina hiperimune da hepatite B (HBIG) na dose
de 0,5 mL via intramuscular (IM) nas primeiras 12
horas de vida, aplicadas concomitantemente, mas em
locais diferentes. A eficácia dessa conduta é de 95% e Vacina contra a
elimina o eventual risco de transmissão pelo leite ma-
terno. Quando a mulher não foi testada para o HBsAg
ou essa informação não está disponível, o exame deve
poliomielite
ser solici-tado logo após o parto. Enquanto se aguarda A vacina utilizada basicamente em nosso país
o resultado, o recém-nascido deve receber a primeira contra a poliomielite era a vacina oral (VOP-Sabin),
dose da vacina. Se o resultado do exame for positivo, que contém três tipos de poliovírus atenuados (1, 2 e
a imunoglobulina deve ser aplicada o mais cedo possí- 3), embora já se saiba que a circulação vírus selvagem
vel, até no máximo 7 dias após o parto. No entanto, se 2 foi interrompida em 1999 no mundo. Até o ano de

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12 Imunizações

2012, ela era administrada por via oral em três doses lhas e sítios de administração. A via de administra-
(2-4-6 meses), com reforços aos quinze meses e qua- ção da VIP é intramuscular. O Ministério da Saúde
tro anos. Recentemente, diante da preferência e supe- continua realizando uma campanha nacional de va-
rioridade da vacina inativada (VIP), vários países não cinação contra poliomielite, utilizando a VOP para as
endêmicos já instituíram essa prática, abolindo o uso crianças menores de cinco anos e, agora, maiores de
da vacina oral. É inegável o sucesso e a contribuição da doze meses.
utilização da VOP na erradicação da poliomielite; a in- Recomenda-se também a vacina inativada (todas
terrupção do seu uso deverá ser cuidadosamente pro-
as doses) para crianças imunodeprimidas ou que se-
gramada e planejada. As principais estratégias a serem
jam contactantes de indivíduos imunodeprimidos. Ao
consideradas após a interrupção da VOP, mundial-
final de 2015, ainda temos no mundo dois países endê-
mente, são uma vigilância ativa e a não interrupção da
micos para poliomielite (impossibilitando o abandono
imunização com a vacina poliomielite inativada - VIP.
da vacinação contra essa doença). Em alguns países,
Como países desenvolvidos e em desenvolvimento
por movimentos migratórios, a poliomielite pode ser
declararam a intenção de continuar com a imuniza-
reintroduzida. Tão importante ainda é o aparecimen-
ção de suas populações, mesmo após a erradicação do
to em passado recente de surtos de poliomielite causa-
poliovírus selvagem, a VIP deverá ser utilizada nesses
da por vírus mutante (poliomielite vacinal), inclusive
países para prevenir a reintrodução do vírus selvagem
pelo vírus 2 (estando o selvagem erradicado!), em al-
e o ressurgimento da poliomielite. O Brasil, visando
guns locais no mundo. Apenas a vacina oral não erra-
cumprir esta determinação introduziu, em agosto de
dicará a doença. A imunidade não é adequadamente
2012, a vacina inativada poliomielite (VIP) em es-
alcançada com a VOP em países em desenvolvimento.
-quema sequencial com 2 doses de VIP e as demais de
Enquanto a soroconversão, em países desenvolvidos,
VOP. As doses da VIP visam minimizar o risco, que é
raríssimo, de paralisia associada à vacina, e as da VOP, é superior a 90% para PV1 e PV2 e inferior a 80%
manter a imunidade populacional (de rebanho) contra para PV3 em adolescentes e adultos jovens, nos paí-
o risco potencial de introdução de poliovírus selvagem -ses em desenvolvimento, ela parece ser ainda menor
através de viajantes oriundos de localidades que ain- (termoinstabilidade e interferência de outras entero-
da apresentam casos autóctones da poliomielite, por viroses), declinando com o tempo, fato responsável
exemplo. A vacina oral era a vacina de escolha pelo PNI pela doença em adultos. Até a obtenção de certificação
devido à facilidade de administração, com boa aceita- global de erradicação da poliomielite selvagem, há que
bilidade pelos pacientes e indução de imunidade in- se vacinar sempre, seja com VOP ou VIP. A cobertura
testinal. Os vírus vacinais que colonizam o intestino, vacinal deve ser mantida nos calen-dários de rotina e
são excretados em grande quantidade nas fezes (até nas atividades de campanha.
2 meses) e podem infectar secundariamente contatos No calendário da SBP, a vacina de vírus inativa-
suscetíveis do indivíduo vacinado (vacinação de reba- do contra a poliomielite (VIP) pode e deve substituir
nho). São administradas apenas duas gotas, sem ne- todas as doses da vacina oral contra a pólio (VOP).
cessidade de jejum prévio. A amamentação não inter- Mas recomenda-se que todas as crianças com menos
fere na imunização. Entretanto, durante a replicação, de cinco anos de idade recebam VOP nas campanhas
o vírus vacinal pode sofrer mutação, com aumento da nacio-nais de vacinação. A VIP é, assim como a VOP,
neurovirulência e, eventualmente, da transmissibili- uma vacina trivalente, contendo poliovírus dos tipos
dade; portanto, a complicação vacinal mais temida é 1, 2 e 3, e inativados por formaldeído. A desvantagem
a poliomielite aguda que ocorre (com risco maior nas é não promover a imunidade coletiva, além do custo
primeiras doses), em cerca de 1:2,5 a 3 milhões de apli- mais elevado. Em compensação, não corre o risco de
cações, em pacientes imunocompetentes. Nos imuno- gerar cepas virais mutantes, capazes de produzir even-
comprometidos o risco é maior. tuais casos de paralisia associada à vacina. É a vacina
O esquema vacinal adotado a partir de 2016 não de eleição para imunossuprimidos. Indivíduos com
é mais o sequencial no primeiro ano de vida (VIP/VIP/ idade superior a sete anos não vacinados com a série
VOP); A terceira dose (6 meses) foi substituída por primária de VOP podem ser vacinados com três doses
VIP. Os reforços administrados aos 15 meses e 4 anos de VIP, respeitando-se o intervalo de quatro semanas
com vacina VOP permanecem. Permanece também entre as doses. A VIP pode ser associada a outras vaci-
uma campanha de vacinação indiscriminada anual, de nas (combinada), dando maior conforto, comodidade
crianças entre 1 e 4 anos. Também em 2016, ocorrerá e adesão. Vários países do mundo aplicam, de rotina,
a substituição da VOP trivalente pela VOP bivalente apenas a vacina VIP.
(poliovirus 1 e 3) As recomendações oficiais do Ministério da Saú-
A vacina poliomielite inativada pode ser admi- de, para dispensação e aplicação nos Centros de Re-
nistrada simultaneamente com qualquer outra vaci- ferência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), para
na recomendada pelo PNI. Em caso de administração crianças que não es-tão dentre as recomendações do
concomitante, devem ser utilizadas diferentes agu- PNI, compreendem:

SJT Residência Médica – 2016


100
Puericultura

€ crianças imunodeprimidas (doenças adquiridas T-dependente, capaz de induzir células de memória e


ou congênitas) não vacinadas ou que receberam resposta imune precoce. Além disso, pode ser adminis-
esquema incompleto para poliomielite; trada após os dois meses de vida. Essa é a explicação
€ crianças que tenham contato domiciliar com in- do importante conceito de conjugação no tema imuni-
divíduos imunodeprimidos; zação: vacina conjugada é aquela que combina antíge-
€ pessoas submetidas ao transplante de medula -no polissacarídico a uma proteína para aumentar a
óssea ou órgãos sólidos; sua imunogenicidade, tornando-a timodependente,
isto é, capaz de induzir memória imunológica. Na va-
€ história de complicação paralítica com dose an-
cina contra hemófilos, a proteína conjugada pode ser o
terior da VOP (paralisia flácida);
toxoide tetânico (PRP-TT) ou o mutante não tóxico da
toxina diftérica (CRM-197). Oferece proteção contra
doenças invasivas causadas pelo Hae-mophilus influen-
zae tipo b, como meningite, epiglotite e pneumonia.
Vacina contra DPT São indicadas rotineiramente para todas as crianças
a partir dos dois meses até os quatro anos de idade.
Acima desta idade, são indicadas para crianças não
+ Hib (atualmente vacinadas de grupos de risco como asplenia, doença
pulmonar ou cardíaca crônica, anemia falciforme, dia-
pentavalente) bete, trissomias, doenças de depósito ou quaisquer
imunodeficiências, inclusive os HIV-positivos sinto-
A vacina pentavalente é uma combinação da DPT máticos ou não. Essas vacinas podem ser aplicadas
contra difteria, tétano e coqueluche, com a vacina con- simultaneamente com quaisquer outras do calendário
tra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e contra a he- vacinal básico, bem como com as vacinas pneumocóci-
patite B, combinação que facilita a aplicação sem com- cas e meningocócicas, desde que administradas em di-
prometimento da sua imunogenicidade. São três doses, ferentes locais e com outras seringas. Ressalte-se que
com intervalo de sessenta dias (dois, quatro e seis me- a administração da vacina contra Hib só está indicada
ses) aplicadas por via intramuscular (preferencialmente para crianças de um a quatro anos, quando estas não
no vasto lateral da coxa). Tem eficácia de 90% a 95% receberam o esquema completo antes do primeiro ano
para tétano, difteria e Hib e de cerca de 80% para co- de vida, ou seja, três doses. Nessas situações recomen-
queluche (também menos duradoura). Torna-se, nesse da-se a aplicação de uma única dose.
ponto, importante reforçar o conceito de vacina combi-
nada (vacina constituída por vários imunógenos dife- A vacina DPT clássica (também chamada de trí-
rentes no mesmo frasco) para diferenciá-lo do conceito plice bacteriana) é uma associação dos toxoides te-
de vacina conjugada (vide adiante). tânico e diftérico com a bactéria Bordetella pertussis
inativada (vacina celular). Além das três doses admi-
O Haemophilus influenzae é importante agente de
nistradas com a Hib e hepatite B, na vacina penta-
infecções graves em lactentes e crianças, na maioria
valente, a DPT deve ser aplicada com quinze meses
das vezes, com menos de cinco anos de idade. Embora
e com quatro a seis anos (duas doses de reforço). Na
cepas não tipáveis (não capsuladas) colonizem as vias
imunização da criança a partir de sete anos é indicada
respiratórias e sejam causa frequente de otite média,
uma vacina sem o componente celular pertussis (dT -
sinusite e infecção das mucosas respiratórias, são as
dupla do adulto).
cepas capsuladas, particularmente as do sorotipo b, as
responsáveis pela quase totalidade dos casos de doen- As reações adversas locais da vacina DPT são dor
ça invasi-va por essa bactéria (meningite, sepse, pneu- e eritema local. As reações sistêmicas são, na sua maior
monia, epiglotite, celulite, artrite séptica e osteomie- parte, causadas pelo componente pertussis. A reação
liote). Essas doenças invasivas são mais comuns após sistêmica mais comum é a febre (até 50% dos casos). A
os três meses de idade (diminuição dos anticorpos ma- febre pós-vacinal DPT ocorre, geralmente, nas primei-
ternos). A vacina contra o Hib contém o polissacarídeo ras 24 horas (habitualmente de três a seis horas) e não
capsular purificado desta bactéria, chamado de PRP – contraindica doses subsequentes. Sonolência prolon-
polímero de ribosil-ribitol-fosfato. Entretanto, o PRP gada pode se instalar nas primeiras 24 horas e pode
é um imunógeno relativamente fraco, à semelhança se estender até 72 horas após a vacinação. Irritabili-
do que ocorre com outros polissacárides, por atuarem dade, anorexia e vômitos também são relativamente
como antígenos T-independentes, que não induzem comuns. O choro persistente (com duração maior de 3
formação de memória e não são suficientemente imu- horas) parece estar relacionado com a dor e pode ocor-
nogênicos antes dos dois anos de idade. Para resolver rer numa frequência de 1:100 casos, instalando-se nas
esse problema, a solução encontrada foi a conjugação primeiras 24-48 horas (usualmente nas primeiras 2 a
do PRP a diferentes proteínas, alterando sua imuno- 8 horas). Nestes casos, após descartar ou-tras causas,
genicidade, que passa a comportar-se como antígeno se utilizam medicações analgésicas.

SJT Residência Médica – 2016


101
12 Imunizações

A presença de convulsões (com ou sem a presença ção pelo fato de serem reservatório de infecção para
de febre) até 72 horas após a vacinação é considerada crianças pequenas que ainda não foram completamen-
uma reação adversa importante e indica a substituição te vacinadas. A coqueluche é altamente contagiosa e
pela vacina tríplice acelular (DTPa) nas próximas doses. sua taxa de ataque pode chegar a 90% entre contatos
A síndrome hipotônica hiporresponsiva (SHH) não imunizados. A imunização em massa de crianças
caracterizada por hipotonia, sudorese fria e diminui- com a vacina DTP reduziu a incidência e mortalidade
ção da resposta a estímulos ocorre nas primeiras 48 entre crianças até quatro anos de idade. Visto que a
horas pós-vacinação numa frequência de 1:1.750 casos. imunidade adquirida com a vacinação não é duradou-
Quando o paciente apresenta SHH é indicada a substi- ra, as altas taxas de cobertura vacinal determinaram
uma mudança no padrão da infecção; a B. pertussis
tuição da DPT pela DTPa, nas vacinações subsequentes.
passou a circular principalmente entre adolescentes
A encefalopatia aguda pós-vacinal caracteriza-se e adultos, que passaram a ser as principais fontes de
por convulsões, alteração grave do nível de consciência infecção. O aumento da incidência da coqueluche pode
e alteração do comportamento por até sete dias após ser muito maior do que se pensa. Entre adolescentes
a aplicação da DPT. É um quadro raro (1:110.000) e e adultos, a doença manifesta-se de forma branda e
parece não estar relacionado à lesão neurológica per- inespecífica na maioria das vezes, com apenas tosse.
manente. Contraindica-se a DPT e a DTPa após este Muitos pacientes nem procuram atendimento médi-
evento adverso, com utilização da DT (dupla infantil) -co. Por isso, nessas faixas etárias, a coqueluche é
nas doses subsequentes. pouco diagnosticada e subnotificada. O grupo etário
A vacina tríplice acelular é uma vacina contra dos menores de um ano de idade, particularmente
difteria, tétano e coqueluche, que não contém a bac- os menores do que seis meses, são os mais acometi-
téria Bordetella pertussis inteira. Ela é preparada com dos pela coqueluche. Nessa idade, os lactentes ainda
componentes antigêni-cos da B. pertussis tornados não receberam o esquema de vacinação completo e
atóxicos (inativados) por tratamento químico ou por os níveis de anticorpos maternos que passaram pela
engenharia genética, além dos toxoides diftéricos ou via transplacentária não são suficientes para garantir
tetânicos. É eficaz e, consideravelmente, com menos a proteção contra a doença. Além disso, a ocorrência
efeitos adversos que a vacina celular. A SBP indica a de complicações, a taxa de hospitalização e de letali-
DTPa como opção à DPT, sendo administrada, inclu- dade por coqueluche entre crianças menores de seis
sive, no mesmo esquema de doses (dois, quatro, seis, meses são bem maiores que em adolescentes ou adul-
quinze meses e quatro a seis anos de idade). Os efeitos tos. A principal fonte de infecção para as crianças são
adversos são os mesmos da DPT, mas com intensidade os contatos domiciliares. O aumento da ocorrência da
muito menor. doença entre adolescentes e adultos está diretamente
associada ao aumento da doença entre os lactentes. A
O Ministério da Saúde indica a substituição da elevada taxa de incidência e a gravidade da coqueluche
DPT pela DTPa (disponível nos CRIEs) quando: entre os bebês, o reconhecimento de que os contatos
€ após o recebimento de qualquer uma das doses domiciliares adultos são os principais reservatórios
da vacina tríplice bacteriana de células inteiras de infecção para essas crianças e a disponibilidade da
apresentem convulsões até 72 horas ou episó- vacina difteria, tétano e pertussis acelular (dTpa) para
dio hipotônico hiporresponsivo nas primeiras as pessoas maiores de 7 anos (tríplice ace-lular do
48 horas; adulto), propiciou a discussão de novas estratégias de
€ a criança apresenta doença pulmonar ou cardí- vacinação contra a coqueluche. A vacina tríplice ace-
aca crônica com risco de descompensação em lular do adulto contém menor quantidade de toxoide
vigência de febre; diftérico e dos componentes acelulares de coqueluche
€ pacientes com doença neurológica crônica inca- (dTpa), e concentrações semelhantes de toxoide tetâ-
pacitante; nico em comparação com a tríplice acelular da criança
(DTPa). A substituição da dupla adulta para adolescen-
€ doença convulsiva crônica.
tes pela tríplice acelular adulta, portanto, é justificável
Um detalhe importante é que, quando a vaci- e pre-conizada pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
na tríplice acelular é realizada de forma combinada Essa vacina não está disponível em Saúde Pública.
com a anti-hemófilos (tetravalente acelular), existe Algumas entidades, como a Sociedade Brasileira de
formalmente indicação de reforço de vacina para Hib imunizações chegam a recomendar que o reforço com
aos 15 meses de idade. Deve-se salientar que isso não dTpa seja antecipado para os 10 anos, devido à perda
é reali-zado se a composição não é a acelular (calen- rápida de proteção para coqueluche.
dário do PNI). Outra estratégia iniciada em 2015 foi a introdu-
Nos últimos anos tem havido relato de aumento ção da tríplice acelular do adulto para as gestantes,
de casos de coqueluche em alguns países, especialmen- no sistema público (PNI). Gestantes vacinadas po-
te entre adolescentes e adultos, o que causa preocupa- dem oferecer proteção vacinal indireta (passagem de

SJT Residência Médica – 2016


102
Puericultura

anticorpos) aos seus bebês recém-nascidos, promo- ção mais segura e eficaz contra o sarampo, protegen-
vendo a redução de casos e óbitos pela doença nesta do também contra a rubéola e a caxumba. A rubéola
faixa etária. A vacina é indicada para as gestantes a também é uma doença exantemática de transmissão
partir da vigésima sétima semana, preferencialmen- respiratória, com sintomas/sinais mais brandos que o
te, até a trigésima sexta semana de gestação, inde- sa-rampo. Entretanto, a infecção no primeiro trimes-
pendentemente do número de doses prévias de dT tre de gestação pode levar ao abortamento, óbito fe-
(dupla adulta). A vacina dTpa deve ser administrada tal ou síndrome da rubéola congênita, com múltiplas
a cada gestação considerando que os anticorpos têm malformações no neonato.
curta duração; portanto, a vacinação durante uma
Apesar dos progressos alcançados em relação à
gravidez não manterá alto nível de anticorpos prote-
eliminação dessas doenças, a circulação endêmica do
tores em gestações subsequentes.
vírus do sarampo permanece em diferentes países do
mundo (onde a cobertura vacinal está abaixo da ne-
cessária). A circulação endêmica do vírus do sarampo
foi interrompida no Brasil em 2000; a partir dessa
data, casos esporádicos e surtos limitados, resultan-
Vacina contra o rotavírus tes da importação do vírus ocorreram, com destaque
para surtos em 2013 (220 casos) e 2014 (um recorde
A vacina contra rotavírus disponível no PNI é de 876 casos). No ano de 2015 (dados não finalizados
uma vacina atenuada, monovalente (G1P[8] – o so- até novembro), foram 214 casos. O Brasil registrou
rotipo de rotavírus mais comum globalmente). Sua atividade sustentada do sarampo entre 2013 e 2015
administração é exclusivamente oral e, caso a criança em Pernambuco e Ceará, surto considerado encerrado
vomite ou regurgite, nova dose não deve ser adminis- em setembro de 2015.
trada. O esquema vacinal recomendado é de duas do- Em abril de 2015 a região das Américas foi de-
ses, aos dois e quatro meses de idade. A idade mínima clarada pela Organização Mundial de Saúde como a
da primeira dose é 1 mês e 15 dias e a máxima, 3 me- primeira região do mundo livre da transmissão endê-
ses e 15 dias. Para a segunda dose, a idade mínima é de mica da rubéola e da síndrome da rubéola congênita
3 meses e 15 dias e a máxima, 7 meses e 29 dias. e em dezembro desse mesmo ano o Brasil recebeu o
As contraindicações são: imunodeficiência con- certificado de eliminação da rubéola. Toda atenção é
gênita ou adquirida; uso de corticosteroides em doses pouca, portanto, para a manutenção dessas condições
elevadas ou crianças submetidas a outras terapêuticas favoráveis daqui para frente.
imunossupressoras (quimioterapia, radioterapia); re- A tríplice viral é uma vacina combinada, que con-
ação alérgica grave a um dos componentes da vacina tém vírus atenuados do sarampo, da caxumba e da ru-
ou em dose anterior; história de doença gastrointesti- béola. É aplicada por via subcutânea, aos doze meses
nal crônica; malformação congênita do trato digestivo
de idade e aos quinze meses. Na dose de quinze meses,
e história prévia de invaginação intestinal. Não está
atualmente aplica-se, no PNI, a vacina quadrivalente
contraindicada para crianças que convivem com ges-
viral (proteção associada para varicela).
tantes ou imunodeprimidos.
Todas as crianças e adolescentes devem receber
Existe outra vacina disponível para rotavírus,
ou ter recebido duas doses de SCR até o fim da adoles-
disponível nas clínicas privadas. Trata-se de uma va-
cência. Não é necessário aplicar mais de duas doses.
cina pentavalente, que é administrada em três doses
Devido à utilização de células de embrião de galinha
(2, 4 e 6 meses). A eficácia das duas vacinas é bastante
no preparo da vacina, pacientes com antecedente de
semelhante entre elas (redução de cerca de 80 a 90%
anafilaxia após ingestão de ovo de galinha tinham sua
das formas graves de gastrenterite).
aplicação contraindicada; hoje, nas novas recomenda-
ções em nosso país, não ocorre mais essa contraindica-
ção. O PNI, como precaução, recomenda que mulheres
grávidas não sejam vacinadas e que, após receber a
vacina, as mulheres evitem gravidez por um mês. Por
Vacina tríplice viral (SCR) se tratar de uma vacina de vírus vivo, não deve ser ad-
ministrada em crianças com imunodeficiência grave.
O sarampo é uma doença altamente transmissí- A vacina contra SCR é bem tolerada. Podem ocorrer
vel (via respiratória), sendo estimado que 90% de in- dor e eritema no local da aplicação, além de linfoade-
divíduos suscetíveis expostos a uma pessoa infectada -nopatia local. Após cinco a doze dias da vacinação, al-
contrairão a doença. Um caso de sarampo introduzido guns pacientes podem apresentar febre, conjuntivite
em uma população não imunizada infectará de 12 a ou quadro catarral. Exantema pode aparecer do 7º ao
18 pessoas. A vacina tríplice viral é a medida de prote- 10º dia em cerca de 5% dos casos.

SJT Residência Médica – 2016


103
12 Imunizações

Vacina contra a varicela Vacina contra o


Uma das mais recentes vacinas incorporadas no
calendário do PNI é a contra a varicela, introduzida na
pneumococo
forma combinada com a tríplice viral (quadrivalente A doença pneumocócica é umas das afecções
viral), aos 15 meses de idade. A catapora é uma doença mais relevantes entre as doenças imu-nopreveníveis.
altamente contagiosa causada pelo vírus varicela-zos- É a doença potencialmente controlada por vacina que
ter, sendo uma doença febril associada a um exante- mais mata (alta letalidade). Daí, considera-se que é a
ma papulovesicular. A transmissão ocorre por contato principal causa de óbito das doenças imunoprevení-
direto com as lesões de pele e por disseminação aérea veis. Das “novas” vacinas disponíveis, sempre foi con-
de partículas virais. O período de maior transmissibi- siderada a prioridade número um em países em desen-
lidade inicia-se dois dias antes do aparecimento das volvimento. Até recentemente a vacinação de crianças
vesículas e perdura enquanto elas existirem. O perío- contra a doença pneumocócica no Brasil estava dispo-
do médio de incubação é de 14 dias. nível somente em clínicas privadas de imunização e
A imunização para varicela pode ser conseguida nos Centros de Referência em Imunobiológicos Espe-
com a utilização de vacina de vírus vivo atenuado, cepa ciais. A partir de 2010 a vacina conjugada 10-valente
OKA, indicada a partir de um ano de idade. É altamen- (VPC10) foi incluída no calendário de vacinação do
te efetiva, com taxa de soroconversão, para crianças PNI. O Brasil foi o primeiro país a incluir a VPC-10 em
saudáveis, acima de 95%. Na pós-exposição, a vacina sua política nacional de saúde pública.
é efetiva em contatantes suscetíveis quando aplicada O pneumococo é um diplococo Gram-positivo,
até 72 horas após o contágio (pode ser administrada circundado por uma cápsula polissacarídica, que é um
até 5 dias), evitando a doença ou propiciando a ocor- dos fatores mais importantes na virulência do agen-
rência de formas mais brandas. te. Com base na composição antigênica da cápsula
Está contraindicada para uso em pessoas com são identificados hoje pouco mais de 90 sorotipos de
imunodeficiência (principalmente do tipo celular), pneumococos. O sorotipo 14 é o mais prevalente na
HIV sintomático, uso de drogas imunossupressoras e população pediátrica. É (ou era... após a introdução
gestantes. É recomendada para todas as crianças, con- da vacina) a causa mais importante de pneumonias,
forme calendário da Sociedade Brasileira de Pediatria, otites e sinusites em crianças e, dentre as infecções
aos doze meses e quinze meses de idade. Observa-se mais graves destacam-se, infecções pneumocócicas in-
que, na recomendação do PNI, a vacina para varicela vasivas, como meningite e pneumônica bacterêmica,
somente é administrada em uma dose, o que segura- com importante morbimortalidade na população pe-
mente protege os casos mais graves, não eliminando, -diátrica. O agente coloniza as vias aéreas superiores
portanto, a chance de a criança desenvolver varicela e, após rompimento da barreira mucosa, pode ocorrer
na vida (quadros mais leves). invasão local (otite, sinusite, pneumonia não bacterê-
mica) ou invasão da corrente sanguínea (meningite e
Merece atenção especial a vacinação em ado-
sepse). Pode ocorrer também disseminação bacterê-
lescentes e adultos suscetíveis, nos quais a doença é
mica de uma pneumonia. Define-se doença invasiva
mais grave. A vacina contra varicela está disponível
quando isola-se o agente em locais que são habitual-
nos CRIEs, para pacientes suscetíveis e que serão
mente estéreis.
submetidos a transplante de órgãos sólidos, profis-
sionais de saúde, bloqueio em hospitais e creches, Existem dois tipos de vacinas antipneumocóci-
familiares imunocompetentes que residem com cas comercialmente disponíveis: as polissacarídicas e
imunodeprimidos, asplenia anatômica ou funcional, as conjugadas.
trissomias e doenças dermatológicas crônicas graves.
A vacina é de aplicação subcutânea. A vacina contra
varicela, para utilização em surtos, somente está
disponível apenas para bloqueio em ambiente hospi-
Vacina antipneumocócica
talar e contro-le em creches. A varicela que acomete polissacarídica
vacinados é mais leve do que a que ocorre em não Trata-se de uma vacina composta de antígenos
vacinados, com menor número de lesões e de duração do polissacarídeo capsular purificado dos 23 soroti-
mais curta. pos mais prevalentes identificados na Europa e EUA
Crianças que receberam apenas uma dose da va- (1, 2, 3, 4, 5, 6B, 7F, 8, 9N, 9V, 10A, 11A, 12F, 14,
cina varicela e apresentem contato domiciliar ou em 15B, 17F, 18C, 19A, 19F, 20, 22F, 23F e 33F). Quando
creche com indivíduo com a doença devem antecipar se ad-ministra o polissacáride, este provoca uma res-
a segunda dose, respeitando o intervalo mínimo de 1 posta imune T-independente, sem memória, que não
mês entre as doses. responde à dose booster. É uma vacina que não é tão

SJT Residência Médica – 2016


104
Puericultura

eficaz para crianças abaixo dos dois anos de idade. A adicional com a vacina 13-valente, até os 5 anos de
eficácia para as formas graves da doença para adul- idade. Crianças com risco aumentado para doença
tos, idosos e pacientes com doença de base situa-se pneumocócica invasiva (DPI), entre 2 e 18 anos de
ao redor de 75%. Na vacinação para indivíduos com idade, devem receber uma dose adicional com a vaci-
mais de dois anos, adultos e idosos, essa é a vacina na 13-valente. Para crianças e adolescentes com risco
utilizada e aplicada em grupos especiais, como ido- aumentado para DPI recomenda-se também a vaci-
sos hospitalizados e institucionalizados, indivíduos na pneumocócica polissacarídica 23-valente, mesmo
com doenças crônicas cardiovasculares, pulmonares, que tenham recebido a vacina pneumocócica conju-
renais, metabólicas (DM), hepáticas e hemoglobino- gada anteriormente. Uma única dose de revacinação
patias e imunodeprimidos. com a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valen-
te deve ser administrada uma única vez 5 anos após a
primeira dose para as pessoas com risco aumentado
de DPI.
Vacina antipneumocócica
conjugada
As vacinas conjugadas são aquelas nas quais os
antígenos bacterianos (nesse caso, o polissacaríde do
pneumococo) são ligados a carreadores proteicos, fa-
Vacinas contra o
cilitando o processamento pelos linfócitos T, gerando
então uma resposta de longa duração de anticorpos meningococo
pro-tetores, com memória e protetora mesmo em
A doença meningocócica (DM) é um dos gran-
lactentes jovens. A vacina pneumocócica 7-valente,
des problemas de saúde pública. A gravidade e dra-
desde 2002 no Brasil (não disponível atualmente) que
maticidade dos quadros deve-se, em geral, à evolu-
continha sete sorotipos de pneumococo (4, 6B, 9V, 14,
ção rápida e com alta letalidade, em torno de 15 a
18C, 19F, 23F), desde sempre foi preconizada pela So-
20%. Dos que sobrevivem, chama atenção também
ciedade Brasileira de Pediatria. A vacina pneumocóci-
a frequência de sequelas permanentes (10 a 20%).
ca conjugada introduzida no calendário do PNI foi a
Acomete pessoas de todas as faixas etárias, porém
VPC-10, chamada de 10-valente, por conter, além dos
a maior incidência é em crianças menores de cinco
sorotipos contemplados pela 7-valente, mais três so-
anos de idade, sobretudo nos menores de um ano.
rotipos (1, 5 e o 7F). Os sorotipos 1 e 5 são importan-
Em situações de surtos observa-se uma distribuição
tes agentes de pneumonia em nosso meio. No período
da DM entre adolescentes e adultos jovens. Cinco
de 2000 a 2008, foram identificados no Brasil, 32 so-
sorogrupos (A, B, C, W e Y) respondem por quase
rotipos de pneumococo (Projeto SIREVA de vigilância
todos os casos da doença no mundo, com marcan-
epidemiológica de S. pneumoniae na América latina);
tes diferenças regionais e temporais. Outro aspec-
através de cálculos, considerou-se o impacto da vaci-
to epidemiológico importante é o comportamento
na 10-valente na prevenção da doença pneumocócica
flutuante da distribuição epidemiológica dos vários
grave em 80,1%.
sorogrupos de meningococo. Assim, hoje, em nosso
No PNI, a vacina 10-valente era preconizada aos país, o sorogrupo C é o predominante, seguido pelo
2, 4 e 6 meses, com reforço aos 12 meses. A partir de sorogrupo B. Essa não era a distribuição na década de
2016, adota-se o esquema básico de duas doses (2 e 4 90; portanto, em curto espaço de tempo, a frequência
meses) e reforço, esquema tão efetivo quanto o inicial- relativa de cada sorogrupo pode mudar. No estado de
mente adotado. Para as crianças de 12 meses a 4 anos, São Paulo (dados obtidos no site do CVE – Centro de
não vacinadas, administrar dose única. Vigilância Epidemiológica), no ano de 2014, 65,2%
Mais recentemente, foi lançada no mercado dos casos de DM foram causados pelo sorogrupo C,
privado a vacina 13-valente que inclui, além dos 10 22,5% pelo sorogrupo B, 6,9% pelo sorogrupo W e
sorotipos presentes na VPC-10, os sorotipos 3, 6A e 4,9% pelo sorogrupo Y. Com pequenas variações re-
19A, ampliando mais ain-da a cobertura para a doen- -gionais, de forma geral, é essa também a distribui-
ça pneumocócica. ção no território brasileiro.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda Vários fatores de risco relacionam-se com a do-
vacinação para o pneumococo para todas as crianças ença meningocócica, das quais, os mais estudados são
até 5 anos de idade. Recomendam-se três doses da as deficiências imunológicas, particularmente do sis-
vacina pneumocócica conjugada (idealmente 13-va- tema complemento. Entretanto, deve-se ressaltar que
lente) no primeiro ano de vida (2, 4, 6 meses), e uma a maioria dos casos (>90%) de doença meningocócica
dose de reforço entre 12 e 15 meses de vida. Crianças ocorre em pessoas previamente saudáveis. Daí a im-
saudáveis que fizeram as quatro primeiras doses com portância da vacinação tanto para grupos vulneráveis
a vacina 7 ou 10-valente podem receber uma dose quanto para indivíduos saudáveis.

SJT Residência Médica – 2016


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12 Imunizações

gocócica. Discute-se, nos calendários de clínicas privadas,


Vacina contra o nova dose aos 16 anos (5 anos após dose dos 11 anos). A
meningococo C Sociedade Brasileira de Imunizações recomenda duas do-
ses de vacina para meningococo (C ou ACWY) para os ado-
O sorogrupo C do meningococo é, sem dúvida al-
lescentes que não foram vacinados na infância.
guma, o predominante em nosso meio. A vacina é uma
das principais formas de prevenção contra a doença e
foi introduzida no calendário brasileiro de imunização
(PNI) em 2010. A vacina é composta por polissacarídeo Vacina contra o
da cápsula do meningococo C conjugado à uma proteí-
na; portanto, é uma vacina conjugada assim como a va-
meningococo B
cina contra o pneumococo e a para hemófilos b. Uma grande novidade em vacinologia, a partir do
ano de 2015, foi a disponibilização, em nosso meio, de
Deve ser aplicada a partir dos dois meses, por via
uma vacina para o meningococo B. Essa vacina tem uma
intramuscular. Operacionalmente, no PNI, está indi-
particularidade: ela não é polissacarídica nem conjugada.
cada aos 3 meses e aos 5 meses, com reforço aos 12
Sempre houve muita dificuldade de realizar uma vacina
meses de idade. Essa foi mais uma das mudanças do
com o polissacáride da cápsula do meningococo B, pois
calendário do PNI ocorrida em 2016, quando o refor-
essa estrutura comportava-se como um auto-antígeno (a
ço, que era indicado aos 15 meses, desloca-se, prefe-
cápsula tem uma estrutura parecida com tecido neural
rencialmente, para os 12 meses. Caso não seja realiza-
embrionário e podem induzir autoimunidade). Assim,
do esse reforço, poderá ser administrado até os 4 anos.
após processo complexo desenvolvi-mento, surge uma
Em virtude da perda rápida de proteção (queda de vacina recombinante proteica (com 4 antígenos capsula-
nível de anticorpos protetores associado a uma memória res e subcapsu-lares da bactéria). Trata-se de uma vacina
imunológica que não tem tempo de funcionar plenamen- disponível apenas no sistema privado, indicada no calen-
te pois o tempo de incubação dessa doença pode ser mui- dário da Sociedade Brasileira de Pediatria, aos 3, 5 e 7
to curto), a Sociedade Brasileira de Pedia-tria recomenda meses, com reforço aos 12 a 15 meses. Para os lactentes
reforços posteriores. Assim, atualmente realiza-se uma que iniciam a vacinação entre 6 e 11 meses, duas doses
nova dose entre 4 a 6 anos de idade e um segundo refor- da vacina são recomendadas, com dois meses de interva-
ço aos 11 anos de idade. Importante ressaltar que essa lo entre elas, com uma dose de reforço no segundo ano
indicação ainda não é contemplada no calendário públi- de vida. Para crianças que iniciam a vacinação entre 1
co, embora o PNI já tenha tomado a decisão (atualmente e 10 anos de idade, são indicadas duas doses, com pelo
em fase de implantação) de realizar um reforço de vacina menos 2 meses de intervalo entre elas. Finalmente, para
contra o meningococo C aos 9 anos de idade. os adolescentes e adultos são indicadas duas doses com
Dispomos atualmente, em clínicas privadas, de intervalo de 1 a 2 meses. Por ser uma vacina nova, não se
duas vacinas que associam proteção aos sorogrupos conhece a duração de proteção conferida pela vacina. Ou-
A,W e Y na vacina para o meningococo C (conheci- tra particularidade dessa vacina é que há recomendação
das como vacinas meningocócicas ACWY). A vacina de uso profilático de paracetamol; trata-se de uma vacina
ACWY conjugada ao toxoide tetânico (ACWY-TT) está reatogênica associada à febre em lactentes particular-
licenciada a partir de 12 meses de idade e a vacina -mente quando associadas à outras vacinas.
meningocócica ACWY conjugada ao mutante diftéri-
co (ACWYCRM) está licenciada a partir de 2 anos de
idade. Dessa forma, se possível, a Sociedade Brasilei-
ra de Pediatria, recomenda que, após as duas doses
do primeiro ano de vida (3 e 5 meses) com a vacina
Vacina contra a febre
para meningococo C, os reforços sejam feitos ou com
essa mesma vacina ou com a ACWY (preferencialmen- amarela
te a ACWY-TT entre 12 e 15 me-ses e a ACWY-TT ou
ACWY-CRM na idade escolar ou na adolescência). A febre amarela (FA) continua sendo endêmica em
alguns países das Américas. No Brasil, há uma extensa
Deve-se reconhecer a adolescência como um período
de particular atenção para a proteção com a vacina para o área de recomendação para vacinação contra febre ama-
meningococo. Embora seja um período com coeficientes rela em vários estados (figura 11.1): Acre, Amapá, Ama-
de incidência de DM claramente menor que a lactância, zonas, Pará, Rondônia, Roraima, Goiás, Tocantins, Mato
o estado de portador nesse período é significativo. Como Grosso do Sul, Mato Grosso, Maranhão, Minas Gerais,
a vacinação diminui o estado de portador e, nos moldes bem como parte da Bahia, Piauí, Paraná, Santa Catarina
que vem ocorrendo no PNI (que prioriza as crianças pe- e Rio Grande do Sul. Considerando-se os casos de febre
quenas sem catch-up de adolescentes), não ocorreu ainda a amarela ocorridos na década de 1950, casos confirma-
proteção coletiva (conceito de vacinação de rebanho, onde dos em 2000 e epizootias em 2008, estado de São Paulo
há proteção ampliada para faixas etárias não vacinadas), a mantém uma extensa área geográfica (figura 11.2), com
indicação das vacinas em adolescentes po-de representar recomendação de vacinação contra a FA, predominante-
um avanço significativo na proteção para a doença menin- mente nas regiões noroeste e sudo-este.

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106
Puericultura

Figura 11.1 Área com e sem recomendação de vacinação contra febre amarela, Brasil, 2012. Fonte: SVS/MS

Figura 11.2 Área com e sem recomendação de vacinação contra febre amarela, São Paulo, 2011 Fonte: Centro de
vigilância epidemiológica (CVE)/SES-SP

A vacina contra a febre amarela é constituída por vírus vivos atenuados cultivados em células de embrião de
galinha; é, portanto, contraindicada nos alérgicos ao ovo. É administrada via subcutânea. Confere imunidade em
90%-95% dos vacinados a partir do 10º dia pós-aplicação (tempo de antecedência necessário em uma viagem).
A Organização Mundial da Saúde, em 2013, reviu alguns conceitos sobre a vacinação para febre amarela
no mundo e estabeleceu algumas recomendações, com destaque para que uma dose única da vacina seja con-
siderada suficiente para a proteção por toda a vida (não mais havendo a necessidade de doses a cada 10 anos).

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107
12 Imunizações

O Ministério da Saúde do Brasil analisando as com média endemicidade. Os resultados do Inquérito


evidências científicas disponíveis, a situação da FA no Nacional de Hepatites, realizado nas capitais brasilei-
Brasil estabeleceu novas recomendações sobre a vaci- ras entre 2004 e 2009, demonstraram que o país en-
na. Assim, nas áreas de recomendação da vacina ou contra-se em fase de transição epidemiológica, apre-
para viajantes com destino a esses locais, as seguintes -sentando dois padrões epidemiológicos distintos:
recomendações devem ser seguidas: uma área de média endemicidade – as regiões Norte,
€ em crianças de 9 meses até 4 anos e 11 meses: Nordeste e Centro-Oeste, nas quais 56% a 67,5% das
administrar uma dose aos 9 meses e uma dose crianças de 5 a 9 anos e adolescentes entre 10 e 19
de reforço aos 4 anos de idade; anos apresentam anticorpos anti-hepatite A, e uma
área de baixa endemicidade – as regiões Sul e Sudeste,
€ para maiores de 5 anos, que receberam uma
onde 34,5 a 37,7% das crianças e adolescentes da mes-
dose de vacina antes dessa idade: administrar
uma única dose de reforço (intervalo mínimo
ma faixa etária apresentam anticorpos anti-hepatite
de 30 dias); A. Assim, de acordo com os critérios da OMS, o país
teve que avaliar a introdução da vacinação univer-sal
€ para maiores de 5 anos que nunca forma vaci- contra hepatite A.
nados: administrar a primeira dose de vacina e
uma dose de reforço após 10 anos; A vacina para hepatite A está incorporada no
calendário do PNI, sendo administrada, em dose úni-
€ para maiores de 5 anos que já receberam duas
ca, aos 15 meses de idade. Quando foi introduzida
doses de vacina: considerar vacinado.
no calendário público, em 2014, era realizada aos 12
Para a população maior que 60 anos, o médico meses. A modificação justificou-se pela necessidade
deve considerar o risco/benefício da vacinação. A va- de reduzir o número de vacinas injetáveis adminis-
cinação é contraindicada em gestantes. A vacinação tradas em uma mesma visita ao serviço de saúde e o
também não está indicada para mulheres amamen- desconforto decorrente delas. É uma vacina compos-
tando crianças com até seis meses de idade. Em casos ta por vírus inativo.
de mulheres que estejam amamentando e receberam a
A vacina contra a hepatite A encontra-se no ca-
vacina, o aleitamento deve ser suspenso por 28 dias
lendário sugerido pela SBP, administra-da aos doze e
após a vacinação.
dezoito meses. É de aplicação intramuscular, em duas
doses, com intervalo de seis a doze meses entre elas.
Induzem níveis protetores de anticorpos em 90% após
a primeira dose e em praticamente 100% após as duas
Vacina contra a doses. Existe formulação comercial da vacina da hepa-
tite A associada à vacina da hepatite B, para os que não
receberam essa última.
hepatite A
A hepatite A apresenta alta prevalência nos paí-
ses com precárias condições sanitárias e socioeconô-
micas. A gravidade da doença é fortemente depen-
dente da idade. Entre as crianças menores de cinco Vacina contra a gripe
anos de idade no momento da infecção, 80-95% das
infecções VHA permanecem assintomáticos enquan-
to que nos adultos, 70-95% das infecções resultam
(In昀氀uenza)
em doença clínica. A hepatite A é doença habitual- Influenza é uma doença respiratória aguda cau-
mente benigna na infância e de incidência frequente sada pelos vírus influenza A ou B, que ocorre anual-
e precoce nas populações de baixa renda. Entretanto, mente, em forma de surtos, principalmente durante
em regiões que apresentam melhores condições de os meses mais frios (comportamento sazonal). O vírus
saneamento, estudos têm demonstrado que a inci- tem um invólucro lipoproteico com três tipos antigê-
dência se desloca para faixas etárias mais altas (ado- nicos conhecidos: A, B e C. O tipo A tem maior impor-
lescentes, adultos e idosos). tância epidemiológica, pela sua capacidade de causar
No Brasil, a vacina contra hepatite A estava dis- pandemias, e por circular em diversos animais, além
ponível no Sistema Único de Saúde (SUS), até 2014, do ser humano. Em seguida vem o B, responsável por
apenas para a vacinação de pessoas de maior vulne- epidemias regionais e exclusivamente humano. Os ví-
rabilidade e risco de doença grave, nos CRIEs. A va- rus tipo A são subclassificados por duas proteínas de
cina sempre esteve disponível na rede privada. Essa superfície, a hemaglutinina e a neuraminidase, que
estra-tégia resultava em baixíssima cobertura vacinal. podem sofrer mutações periódicas e imprevisíveis.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomen- Isso o coloca em posição de desta-que entre as doen-
da vacinação universal contra hepatite A para países ças emergentes.

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108
Puericultura

Certos grupos de crianças e adultos apresentam sazonal e a vacina é indicada nos meses de maior pre-
maior risco de adquirir doença mais grave ou compli- valência da gripe, estando disponível apenas nessa
cações de influenza, visto que, nas crianças saudáveis, época do ano, sendo desejável a sua aplicação antes
a doença se apresenta de forma autolimitada e com do início da estação.
rara evolução para complicações. O vírus pandêmico As Campanhas Nacionais de Vacinação contra
H1N1 que começou a circular em 2009 foi associado influenza, para as pessoas com mais de sessenta anos,
com maior morbimortalidade do que o vírus sazonal foram iniciadas em 1999. Os idosos, em especial os
em alguns grupos de risco. Além do comprometimen- institucionalizados e portadores de doenças de base
to clínico da doença, deve-se considerar o efeito se- são alvos de sérias complicações pela gripe (pneumo-
cundário que a doença causa, determinando ausência nia primária viral, pneumonia bacteriana secundária,
em trabalho e escola. A criança representa importante exacerbação de doença pulmonar ou cardíaca crônica
vetor de disseminação da doença. e óbito). É importante esclarecer que as manifesta-
Imunização representa a mais efetiva estraté- ções clínicas respiratórias são causadas por numero-
gia de prevenir a infecção por influenza. O Centro de sos outros tipos de vírus, como o rinovírus (resfriado
Controle de Doenças (CDC) norte-americano, em con- comum), com vários casos coincidentes no período de
junto com a Organização Mundial de Saúde (OMS), circulação do influenza e não prevenidos pela vacina.
através de laboratórios-sentinela, monitoram os vírus Os reais benefícios dessa vacina estão na capacidade
circulantes nos surtos e definem a composição vacinal de prevenir a pneumonia viral primária, a complicação
anualmente (para hemisfério norte e sul), pois existe bacteriana, a hospitalização e a morte.
grande mutação viral. Atualmente a composição su- As contraindicações para o uso são: reação ana-
gerida para a confecção de vacina trivalente para in- filática em dose anterior e reação anafilática ao ovo
fluenza deve contemplar: A(H1N1), A (H3N2) e B. No (alergia ao ovo que não seja anafilática não constitui
Brasil, até o momento, apenas há licenciamento para a contraindicação). A vacina contra influenza pode ser
vacina inativada, de vírus fracionados (split). aplicada simultaneamente com outros imunobioló-
A Academia Americana de Pediatria e o Comitê gicos. Os eventos adversos mais comuns são as ma-
de Práticas de Imunização norte-americano, reco- nifestações locais como dor, edema e eritema, com
mendam, para o outono/inverno a vacinação univer- duração de um a dois dias. Manifestações sistêmicas
sal para todos os indivíduos com mais de seis meses como febre e mal-estar podem ocorrer em 10 a 30%
de idade. A vacinação é mandatória para profissio- dos vacinados, principalmente crianças pequenas. A
nais de saúde. vacina contra influenza não induz a manifestações de
sintomas de vias aéreas superiores, por ser composta
A vacina contra influenza está indicada pela So-
de agente morto.
ciedade Brasileira de Pediatria nos meses que antece-
dem o período de maior prevalência de gripe (outono A partir de 2015, em nosso país, dispomos tam-
e inverno). É recomendada dos seis meses aos cinco bém, no serviço privado, das vacinas quadrivalentes
anos de idade para todas as crianças. A partir de dessa para influenza. Conforme referido, as vacinas in-
idade, fica recomendada apenas para grupos de maior fluenza utilizadas em nosso país até então eram tri-
risco, segundo orientações dos CRIEs. Apresentam valentes, contendo uma cepa A/H1N1, uma cepa A/
maior risco de complicações as crianças portadoras de H3N2 e uma cepa B. As novas vacinas quadrivalentes
asma, fibrose cística e outras pneumopatias crônicas, contemplam, além dessas três, uma segunda cepa B e
cardiopatias com repercussão hemodinâmica, distúr- portanto, assim, nas vacinas quadrivalentes teremos
bios ou terapias imunodepressoras, incluindo HIV, as duas linhagens B. Como as trivalentes, as vacinas
anemia falciforme e outras hemoglobinopatias, doen- quadrivalentes são inativadas. Por alguns anos deve-
ça metabólica crônica, como o diabetes. Além destes, mos conviver com as duas vacinas. Como no passado
usuários crônicos de AAS, portadores de implante co- já tivemos vacinas monovalentes e bivalentes, a ten-
clear, contactantes de pacientes de risco e os idosos dência com o passar dos anos é só haver produção de
com mais de sessenta anos. Os profissionais de saúde, vacinas quadrivalentes.
pelo risco de disseminação, também devem ser imu-
nizados. Mulheres grávidas e obesos graves também
devem ser vacinados.
A primovacinação de crianças com idade infe- Vacina contra o HPV
rior a nove anos deve ser feita em duas doses, com
intervalo de um mês (no calendário da SBP, aos seis Existem mais de 200 genótipos diferentes do ví-
e sete meses). A partir dos nove anos de idade é ad- rus HPV, sendo 12 deles considerados oncogênicos e
ministrada apenas uma dose, anualmente. A dose de associados a neoplasias malignas do trato genital, en-
reforço no primeiro ano de vacinação é fundamental quanto os demais tipos virais estão associados a ver-
para garantir a proteção. A infecção por influenza é rugas (cutâneas e genitais). Os vírus oncogênicos mais

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109
12 Imunizações

comuns são os HPV 16 e 18, responsáveis por cerca de segunda doses gera uma resposta imunológica mais
70% dos casos de câncer do colo do útero, enquanto os robusta. Estudos recentes mostram que o esquema
HPV 6 e 11 estão relacionados em até 90% das verru- com duas doses, apresenta uma resposta de anticor-
gas anogenitais. No Brasil, o perfil de prevalência de pos em meninas saudáveis de 9 a 14 anos de idade não
HPV é semelhante ao global, sendo cerca de 50% para inferior quando comparada com a resposta imune de
HPV 16 e 15% para HPV 18. Além do câncer do colo mulheres de 15 a 25 anos que receberam 3 doses. Isso
uterino, o vírus está associado a 90% dos casos de cân- gerou uma mudança no calendário de vacinação para
cer anal, 70% dos cânceres de vulva, vagina e pênis. o HPV que, a partir de 2016, passa a ser realizado com
A maioria das infecções pelo HPV é transitória, duas doses (0 e 6 meses), não sendo necessária a admi-
controlada pelo sistema imune e regridem entre seis -nistração da terceira dose.
meses e dois anos. Estima-se que cerca de 10% dos No PNI, também todas as meninas e mulheres de
infectados irão apresentar alguma manifestação clí- 9 a 26 anos que vivem com o HIV (infectadas) foram
nica, como a lesão precursora do câncer de colo de incorporadas como alvo prioritário da extensão de co-
útero ou verrugas. Condições como início precoce da bertura (esquema 0, 2 e 6 meses)
atividade sexual, elevado número de parceiros, taba- Nos serviços privados, a vacina quadrivalente
gismo, fatores genéticos e imunológicos aumentam está licenciada para meninas, meninos e adultos jo-
o risco para progressão da infecção pelo vírus para o vens, de 9 a 26 anos. A vacina bivalente (16 e 18)
câncer cervical. está licenciada somente para meninas e mulheres
A vacinação, conjuntamente com as atuais ações maiores de 9 anos (todas as idades), em três doses
para o rastreamento do câncer de colo uterino, possi- (0,1,6 meses). A Sociedade Brasileira de Pediatria
bilitará prevenir a doença nas próximas décadas. recomenda em seu calendário a vacinação contra o
No Brasil estão aprovadas duas vacinas con- HPV, a partir dos 9 anos, utilizando-se qualquer uma
tra o HPV, sendo elas a bivalente e a quadrivalente, das vacinas disponíveis.
de laboratórios diferentes. Essas vacinas contêm a Vários estudos demonstram que a melhor oca-
proteína L1 do capsídeo viral e são produzidas por sião para a vacinação contra o HPV é efetivamente na
tecnologia recombinante com o objetivo de obter faixa etária de 9 a 13 anos, antes do início das relações
partículas análogas virais (vírus-like particle ou VLP) sexuais. Além disso, nesse momento da vida, a vaci-
dos dois tipos mais comuns presentes nas neoplasias nação promove níveis de anticorpos mais altos que a
cer-vicais, o HPV 16 e o HPV 18. Além do tipo 16 e imunidade natural produzida pela infeção do HPV. Até
18, a vacina quadrivalente também previne infecções o momento não se sabe o correlato de títulos de anti-
pelos tipos 6 e 11. corpos e proteção; no entanto, os estudos de eficácia
O PNI, a partir de 2014, introduziu a vacina avaliaram o desfecho se as mulheres vacinadas apre-
quadrivalente recombinante contra o HPV. No ano de sentavam lesões precursoras de câncer e verrugas. A
2014, a população alvo foi de meninas de 11 a 13 anos; eficácia tem sido alta (98% para prevenção de colo de
no ano de 2015, foi de meninas de 9 a 11 anos. A par- útero e 100% para as verrugas genitais).
tir de 2016, será administrada para meninas de 9 a 13 A vacina HPV é segura e bem tolerada. Entretan-
anos. Quando introduzida no calendário público, a va- to, como toda vacina, pode apresentar eventos adver-
cina seria administrada em 3 doses, em um esquema sos, como reações locais (dor, eritema e edema no local
estendido de 0, 6 e 60 meses (um esquema alternati- da aplicação) ou sistêmicas (febre). Embora haja um
vo ao que consta na bula que é de 0, 2 e 6 meses). Há risco baixo, pela possibilidade de síncope, particular-
uma fundamentação para esse esquema que demons- mente na população adolescente, a vacina é adminis-
tra que o intervalo de seis meses entre a primeira e trada com o paciente sentado.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

13
Segurança e prevenção
de injúrias na infância

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 18: Estatuto da criança e do adolescente

O acidente era usualmente definido como


Introdução acontecimento casual, fortuito, imprevisto,
Na prática pediátrica é pouco sistemática a evento inesperado, que acontece por acaso ou,
orientação sobre prevenção de acidentes. Ressaltam- ainda, como acontecimento infeliz e do qual re-
-se, na Puericultura, aspectos da alimentação infantil, sulta ferimento, dano, estrago ou prejuízo. Es-
da imunização, da vigilância do crescimento, do de- sas definições tinham conotação fatalista, que
senvolvimento e de eventuais agravos, deixando-se dificultavam ou impediam uma abordagem tec-
em segundo plano as orientações sobre os acidentes nicamente mais adequada. O assunto era marginal
na infância, que constituem causas importantes de à Pediatria. Existe hoje uma tendência, portanto,
morbimortalidade. Acredita-se, hoje, que a PREVEN- em abordar o acidente como evento que ocorre
ÇÃO DE ACIDENTES deva ser uma das preocupações em período curto de tempo, geralmente não ao
principais do pediatra na consulta de rotina. A Pedia- acaso, mas de forma previsível. Entendendo essa
tria desempenha um papel de grande importância na previsibilidade do acidente infantil, poderemos
sensibilização da comunidade, mostrando que os aci- assumir uma atitude preventiva diante dele.
dentes podem ser controlados por meio de educação, É possível identificar tanto grupos de risco para de-
legislação, modificação do ambiente, estudos e pesqui- terminada doença, quanto para um tipo de acidente.
sas estatísticas e epidemiológicas. Dessa forma, o risco de determinado acidente ocorrer
111
13 Segurança e prevenção de injúrias na infância

envolve um grau de probabilidade que pode ser esti- crescente em nosso meio. Os acidentes são a maior
mado, tornando-o até certo ponto previsível e, algu- causa de morte entre 1 e 49 anos de idade nos pa-
mas vezes, reversível. Exemplificando: se uma criança íses desenvolvidos, onde as doenças infecciosas já
de dois anos sobe numa janela, é bastante provável estão sob controle. Destacam-se desse grupo os
que caia; essa probabilidade pode ser reduzida a zero acidentes de transporte/trânsito. Calcula-se que,
se houver grades na janela. O estudo epidemiológico para cada acidente fatal, existam de um a quatro com
dos acidentes fornece dados que permitem a criação sequelas ou invalidez permanente, 45 lesões que neces-
de estratégias de prevenção. sitam de internação hospitalar, 1.300 lesões que exigem
Atualmente, tem-se preferido não mais utilizar a tratamento médico ambulatorial em sala de emergência,
terminologia “acidente”, exatamente por essa caracte- e cerca de 2.500 lesões que nem sequer chegam aos servi-
rística fatalista que o termo embute. Define-se injúria ços médicos (a trágica pirâmide do acidente).
como “o dano físico que ocorre quando um corpo huma- Os acidentes resultam da interação desfavorável
no é subitamente submetido à energia em quantidade entre um agente (ex.: fogo ou produto químico) e um
que excede o limiar de tolerância fisiológica. As injúrias hospedeiro suscetível, a vítima (a criança ainda ima-
são classificadas, portanto, em não intencionais (termo tura, inquieta, curiosa, cheia de energia e incapaz de
que se prefere ao invés de acidente), que representam avaliar ou prever riscos), e ocorrem num ambiente
90% das injúrias e, injúrias intencionais (violência). propício (conjuntura onde ocorre, por exemplo, com
um adulto distraído em um espaço físico, como um
A experiência tem demonstrado que é impossível
lago ou uma escada).
determinar a segurança absoluta de qualquer produto,
objeto, equipamento ou condição. Sempre há um risco, Assim, entendemos as ações possíveis para a pre-
que pode ser maior ou menor na dependência de um nú- venção de acidentes:
mero muito grande e diversificado de fatores. Assim sen- € enfraquecendo o agente ou impedindo seu con-
do, como é preciso com ele conviver, é indispensável que tato com a criança;
sejam tomadas providências para sua redução até um € mantendo um ambiente adequado, amenizando
nível tolerável. É óbvio que não é possível prevenir todos os riscos;
as injúrias; entretanto, considera-se que essas “não pre-
veníveis” são aquelas que causam danos mais “leves” e
€ fortalecendo o hospedeiro, informando riscos,
instrumentando-o (ensinando-o a nadar, por
poderiam ser considerados resultantes das experiências
exemplo) e fornecendo modelos.
consequentes do desenvolvimento normal da criança.
Sabe-se também, mais modernamente, que as
Nas últimas décadas, o Brasil passou por mu-
estratégias de prevenção devem ser multidisciplina-
danças que desencadearam alterações nos perfis de
res, sendo os melhores programas, aqueles que combi-
morbimortalidade da sua população. Esse “processo
nam legislação, modificação de produtos, modificação
de transição epidemiológica” caracteriza-se pela
do ambiente, educação e existência de serviços apro-
substituição das doenças infecciosas e parasitárias
priados de emergência.
pelas doenças cardiovasculares, neoplasias e causas
externas. Ocorrem de maneira bem heterogênea em Grande parte dos acidentes na infância acontece
alguns locais de nosso país padrões de doenças típicas no ambiente doméstico. Vários pais não percebem as
de espaços sociais subdesenvolvidos e, em outros, do- situações cotidianas e domésticas de perigo. Deve-se
enças da sociedade moderna. lembrar, também, que as precárias condições socioe-
conômicas determinam um convívio constante com
Quando analisamos as injúrias não intencionais
riscos de acidentes. Em ordem decrescente de frequ-
que levam à morte, no mundo todo, observamos a se-
ência, a distribuição dos acidentes domiciliares se faz:
guinte frequência e distribuição (relatório OMS-2008):
na cozinha (cozinha não é lugar de recreação), no ba-
€ primeiro lugar: injúrias relacionadas ao tráfego nheiro e nas escadas.
(cerca de 22%);
A estratégia de prevenção pode ser ativa ou pas-
€ segundo lugar: afogamentos (cerca de 17%); siva. A primeira exige vigilância constante ou uma
€ terceiro lugar: queimaduras (9%); alteração do comportamento como, por exemplo, vi-
€ quarto lugar: quedas (4%), embora seja a pri- gilância familiar mais rigorosa ou o convencimento
meira causa em morbidade; de um adolescente a não ingerir bebidas alcoólicas ao
dirigir um veículo. As estratégias ambientais passivas
€ quinto lugar: intoxicações (3%). atuam por meio do uso de equipamentos, legislação
Quanto maior a idade, maior a importância ou instrumentos que previnem o acidente (por exem-
das injúrias não intencionais como causa de morta- plo, a cobertura de piscinas ou a tampa de segurança
lidade. As causas externas de morte (categoria que na embalagem dos medicamentos). Uma estratégia
engloba todos os acidentes, homicídios, suicídios de prevenção tem menor probabilidade de ser eficaz
e outras violências) têm apresentado tendência quando for necessária participação ativa.

SJT Residência Médica – 2016


112
Puericultura

ção da exploração do ambiente. Possuem grande ener-


Risco de acidentes nas gia motora, andam, correm, necessitam de espaço,
crianças não desviam de obstáculos, não conseguem parar com
facilidade, sobem e descem escadas, pedalam triciclos.
Existem certos aspectos relativos à idade e ma- Os riscos de afogamentos (agora em piscinas e no
turação das crianças que as tornam suscetíveis a di- mar), choque elétrico (tomadas e aparelhos elétricos),
ferentes situações de risco. Uma das principais ações intoxicações (por curiosidade em experimentar as
do pediatra é, identificando o estágio de desenvolvi- mais diversas substâncias), ingestão de corpos estra-
mento infantil, direcionar aos pais as orientações mais nhos e sua colocação em orelha e nariz, quedas (agora
adequadas de prevenção de acidentes. As orientações de locais mais altos a que tem acesso), queimaduras
devem ser simples, diretas e adaptadas à idade e às (particularmente no fogão e forno) são acrescidos de
condições da família. Devem ser incorporadas às con- acidentes relacionados com o meio onde vive (picadas
sultas de rotina. venenosas e atropelamentos). A movimentação inten-
sa da criança, o hábito de levar tudo à boca (maneira
O recém-nascido não controla suas ações, sendo
de explorar o ambiente), o desejo de autonomia (fazer
totalmente dependente dos adultos. Muitos dos aci-
as coisas sozinhas), a coordenação motora precária e
dentes são determinados pela forma de cuidados que
recebem de seus pais. Está suscetível a afogamentos a incapacidade de perceber os perigos e as consequ-
durante o banho, queimaduras por superaquecimento ências de seus atos, justificam a maior prevalência
da água e do leite, sufocação ou engasgo por brinque- dos acidentes na infância. É um período em que há
dos ou vestes inadequadas, quedas da cama ou do tro- necessidade de supervisão contínua. Num mundo
cador e intoxicações medicamentosas. organizado por adultos e para adultos, que não possui
o olhar da criança nem os 80 cm de estatura, os pais
Ao longo do primeiro semestre de vida, ainda devem ser capazes de examinar o ambiente em que a
fica sob riscos dos acidentes anteriormente citados;
criança vive, detetar e eliminar a maior parte dos fa-
os riscos são mais acentuados, já que o adulto res-
tores de risco.
ponsável pode sentir-se mais confiante, relaxando na
vigilância. Estando a criança a se movimentar mais Nas crianças dos 3 aos 7 anos, o mundo se
ativamente, pode asfixiar-se com roupas, lençóis ou amplia ainda mais. Correm, brincam em parques e
prendedores de chupeta. É frequente os pais desco- calçadas, começam a andar de bicicleta, jogam bola,
brirem que a criança muda de decúbito quando ela experimentam tesouras, passam a ter contato com
cai de alguma superfície. outras crianças nas brincadeiras e nos brinquedos
de parques. Pela maior frequência a outros ambien-
No segundo semestre, com maior mobilidade
tes, acrescem-se aí os acidentes automobilísticos e
(sentar-se, engatinhar-se) e com um aumento de seu
de trânsito, ferimentos com objetos cortantes e em
campo de ação, aumentam os riscos de choque elétrico
(dedos na tomada), intoxicações e quedas (escadas). O playgrounds e mordeduras de animais. Novamente
ambiente doméstico deve ser pensado em função da aqui é importante um ambiente seguro, particular-
presença do bebê. Bordas do mobiliário não cortan- mente nas áreas de lazer. Na educação das crian-
tes, objetos pequenos, produtos de limpeza e medica- ças, a noção do perigo e as possibilidades de
mentos mantidos longe do alcance visual das crianças, prevenção de acidentes devem começar a ser
cuidado na decoração e plantas na casa, são exemplos ensinadas.
práticos que repercutem na prevenção dos acidentes. A partir dos sete anos, na criança mais inde-
No bebê que já engatinha e que tem preensão em pin- pendente e suscetível a ficar mais tempo fora da in-
ça, os acidentes de sufocação ocorrem por pequenos fluência direta e supervisão de seus pais, já se iden-
objetos apanhados no chão. Os afogamentos ainda tifica a imprudência e/ou desorientação. Apesar de
têm lugar muito mais frequente na banheira do que ter coordenação motora mais adequada, a constante
na piscina ou no mar, orientação que deve ser refor- tendência de o escolar desafiar as regras e normas
çada aos pais (nunca deixar a criança sozinha na de segurança, o desejo de mostrar suas habilidades e
banheira). As queimaduras aumentam de incidên- firmar-se diante dos colegas leva a criança a realizar
cia quando a criança começa a brincar na cozinha (há proezas que estão acima de suas habilidades. Passam
grande preocupação em famílias de baixa renda nas a ter maior importância os acidentes de circulação
casas de cômodo único). Escadas devem ser bloquea- (trânsito), traumatismos, contusões por quedas e
das e grades nas janelas são essenciais. brigas. A criança deve começar a assumir a respon-
Do primeiro ao terceiro ano de vida, caracteris- sabilidade por sua segurança; daí a importância de
ticamente marcado pela deambulação e pelo aumento conhecer os principais fatores de risco e os meios de
do interesse e curiosidade infantil, há a nítida satisfa- evitar os acidentes.

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113
13 Segurança e prevenção de injúrias na infância

Traumatismo cranioencefálico nas crianças (TCE)


A queda é a causa mais comum de traumatismo cranioencefálico em crianças abaixo de quatro anos.
Crianças acima de um ano e pré-escolares costumam escapar ilesos de quedas de baixa altura; lesões cerebrais severas
em crianças com quedas de alturas menores devem ser cuidadosamente investigadas (possibilidade de abuso). Lacten-
tes pequenos podem não ter a mesma resistência a quedas. Uma causa relativamente frequente de acidentes e
TCE em crianças no segundo semestre de vida é o andador. Podem ocorrer por queda sobre a escada ou objetos
que estejam no chão, impacto sobre tampos de mesa durante o deslocamento, queda por perda de uma das rodas e
desequilíbrio do andador. Os acidentes de tráfego respondem por vários casos de TCE nas crianças. Apesar
da legislação já determinada, verifica-se que muitas das crianças não utilizam dispositivos de contenção.
Outro grupo vulnerável para os TCE são os pedestres e ciclistas (ver capítulo adiante). Acidentes nos equipamentos de
playground, particularmente os brinquedos de trepar, devem ser foco de atenção de pais e cuidadores.

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CAPÍTULO

14
Transporte veicular de crianças

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa.
Art. 53: Estatuto da criança e do adolescente

ças de 1 a 4 anos. O uso desses dispositivos vem


Transporte veicular de aumentando nos últimos anos, embora ainda
existam muitas crianças transportadas de modo
crianças absolutamente perigoso nos automóveis de pas-
seio, possibilitando a ocorrência de fatalidades
potencialmente evitáveis.
Introdução A segurança no transporte veicular atual-
mente faz parte do aconselhamento pediátrico
Os acidentes de trânsito representam um dos rotineiro, portanto, informações cientificamen-
mais sérios problemas de saúde no país e no mun- te sedimentadas devem ser disseminadas para
do, sendo importante causa de morbimortalidade e todas as famílias.
de incapacidade física. Considerando-se as idades de
5 a 14 anos, a morte decorrente de ferimentos pro- Algumas regras de segurança devem ser obe-
vocados pelos acidentes de tráfego é a primeira entre decidas no transporte de crianças. Lembrar que o
todas aquelas por causas definidas, na maioria dos lugar mais seguro para qualquer criança com até
países das Américas, incluindo o Brasil. A criança e o treze anos ( e não dez anos ) é o banco traseiro.
Em acidentes automobilísticos, estudos demonstram
adolescente participam do tráfego durante toda a sua
que, quando a criança está ocupando o banco traseiro,
vida; o bebê, como pedestre (no carrinho de bebê ou
há maior probabilidade de sobrevivência, além de que
no colo de um pedestre) ou passageiro de um veículo,
quando estão utilizando o dispositivo de retenção, o ris-
e a criança maior ou adolescente, também como pas-
co de morte é o menor possível. A redução do risco de
sageiros ou pedestres (e também em atividades recre-
morte e ferimentos, mesmo se não estiverem usando
acionais, como em skate ou bicicleta).
esses dispositivos, é bem menor quando estão acomo-
Os dispositivos de retenção para crianças dadas no banco traseiro. A segurança ainda é maior
(DRC) ou “assentos infantis” são muito efetivos quando a criança é transportada no centro do
quando adequadamente utilizados. Estudos de- banco traseiro, não havendo diferença significa-
monstram que, com o uso dos DRI, há redução de tiva quanto ao risco entre o posicionamento da
71% das injúrias fatais em bebês e 54% em crian- criança nos lados direito ou esquerdo do banco.
115
14 Transporte veicular de crianças

A abertura do airbag (bolsa inflável), dispositi- licado problema nessa resolução do Contran. Segundo
vo muito eficiente para proteção de indivíduos acima a literatura científica conhecida nenhuma criança
de 14 anos, para crianças menores, no banco frontal, pode utilizar o cinto de segurança de adulto an-
pode determinar lesões graves ou fatais. Nessas condi- tes de atingir a estatura de 1,45 m, o que corres-
ções, portanto, esse dispositivo deverá ser desativado. ponde, tanto em meninos como em meninas, ao
Algumas outras orientações devem ser sempre percentil 97 para a estatura aos nove anos de ida-
lembradas: nunca transportar no colo, nunca trans- de e ao percentil 3 somente aos 13 anos de idade.
portar crianças no compartimento de bagagens, nun- Assim, é evidente que a obrigatoriedade do uso
ca compartilhar dispositivos ou cintos de segurança e de assentos de elevação ou dispositivos reposicio-
manter atenção ao fechamento das portas e às abertu- nadores do cinto de segurança não pode, em hi-
ras dos vidros traseiros. pótese alguma, ser retirada antes dos nove anos
e preferentemente deve ser mantida até os 13.
O Código Brasileiro de Trânsito determina Melhor ainda seria vincular tal obrigatoriedade à
como as crianças devem ser transportadas. Ne- estatura e não à idade.
gligenciar as normas de segurança no transporte
de crianças em veículo motor representa infra-
ção gravíssima (artigo 168). No código de trân-
sito, até o ano de 2008, só havia a recomendação
de que as crianças menores de dez anos deveriam Considerações sobre
ser transportadas em banco traseiro (artigo 64)
e deveriam usar, individualmente, cinto de segu-
rança ou sistema de retenção equivalente (embo-
atropelamentos
ra não regulamentasse, até pouco tempo, como Estatísticas globais indicam que cerca de meta-
se faria o uso desses dispositivos). de das mortes no trânsito se deve aos atropelamen-
tos. Diferentemente do que ocorre nos países desen-
Legislação (Código Brasileiro de Trânsito) volvidos, onde tem havido declínio significativo dos
As crianças com idade inferior a dez anos devem ser atropelamentos devido à exposição cada vez menor
transportadas nos bancos traseiros. das crianças ao risco do trânsito, no Brasil o proble-
Transportar crianças em veículo automotor sem observar as ma continua grave. A restrição da exposição ao tráfego
normas de segurança representa uma infração gravíssima nega o direito da criança à mobilidade e aumenta as
Transportar crianças menores de sete anos ou que não diferenças nas taxas de mortalidade entre diferentes
tenham condições de cuidar da sua própria segurança, classes socioeconômicas.
em motocicletas, também é uma infração gravíssima.
Para transitar em veículos automotores, os menores O crescimento infantil ocorre em etapas progres-
de dez anos deverão ser transportados nos bancos tra- sivas, que não podem ser vencidas antes do tempo.
seiros e usar, individualmente, cinto de segurança ou São características da criança:
sistema de retenção equivalente. € dificuldade de localização precisa dos sons que
Nos veículos dotados exclusivamente de banco dian- ela ouve no tráfego;
teiro, o transporte de menores de dez anos poderá ser € visão periférica diminuída;
realizado neste banco, desde que as normas de segu-
rança sejam observadas. € até os sete anos, a criança tem capacidade
Se o número de crianças menores de dez anos ultra- de lidar apenas com um fato ou uma ação de
passar a capacidade de lotação do banco traseiro do cada vez;
carro, a criança de maior estatura poderá ser transpor- € dificuldade de julgamento da distância de um
tada no banco dianteiro. objeto nas vias de tráfego;
Tabela 14.1 € tendência à distração e ao comportamento
imprevisível;
O Contran (Conselho Nacional de Trânsi- € necessidade de maior tempo para processamen-
to), na tentativa de corrigir essa falha do Códi- to de informações;
go, aprovou a Resolução Nº 277, de 28 de maio de € pequena estatura, que prejudica visão pelo
2008, que prevê a obrigatoriedade do uso de ca- motorista.
deirinha nos carros de passeio para transportar
crianças de até sete anos e seis meses. Os infratores
são atualmente multados (multa, retenção do veículo e No primeiro ano de vida o risco de atropelamen-
sete pontos na carteira do motorista). Os modelos de to é baixo, dependendo das habilidades das pessoas
assentos são pelo Inmetro, que seguiu a Norma Técni- que levam as crianças, seja no colo ou em carrinhos.
ca NBR 14.400 e obriga os fabricantes a cumprirem as Por volta dos dois anos, as crianças se movem rapida-
especificações de segurança. Existe, entretanto, um de- mente e podem correr para a rua sem avisar. Elas não

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116
Puericultura

conhecem as regras de segurança, ficando os adultos da criança (altura e massa) do que com sua ida-
responsáveis pelos cuidados. Não são visualizadas pe- de. O Código de Trânsito Brasileiro recentemente
los motoristas, nem possuem capacidade de julgar a tornou-se específico em relação ao transporte de
velocidade ou a distância dos veículos que se movem crianças em veículos de passeio.
em sua direção. O pré-escolar geralmente também não O lactente pequeno, até pouco tempo consi-
é visualizado, não possui capacidade de autoproteção e derado com um ano ou cerca de 9-10kg (segundo
acaba sendo atropelado em ambientes domésticos (es- nosso código de trânsito), deveria ser transpor-
tacionamentos ou garagens). Ele costuma correr entre tado de forma diferenciada devido à fragilidade
os carros, corre para o meio da rua, é incapaz de con- de sua musculatura, principalmente cervical. O
ter os impulsos, além de não possuir maturidade para assento infantil tipo “bebê-conforto” deve ser
respeitar as regras de segurança ou ser deixado sem instalado no banco traseiro, de costas para o
supervisão em áreas externas. No período escolar no- painel, preso ao banco pelo cinto de segurança,
ta-se um pico de incidência de atropelamentos entre com uma inclinação de 45 graus. Alguns modelos
cinco e nove anos, período este que se caracteriza pela possuem uma base que deve permanecer afixada ao
compreensão dos riscos, mas incapacidade de quanti- assento traseiro do veículo, com ajuda do cinto de se-
ficá-los, dificuldade em avaliar a velocidade dos veícu- gurança e a conchinha, onde a criança permanece res-
los, falta de concentração adequada e comportamento trita, e que pode ser destacada e utilizada para o trans-
impulsivo. Ao analisar o risco de atropelamentos porte da criança fora do veículo. O bebê é preso ao
sob a perspectiva do desenvolvimento neurop- assento por um sistema de contenção, com as al-
sicomotor, crianças menores de dez anos jamais
ças passando acima do ombro do lactente, apro-
poderiam enfrentar qualquer tipo de trânsito
ximando-se da região peitoral por um clip (e não
sem a supervisão direta de um adulto.
região abdominal) e seguindo juntas até o assen-
to, para a fixação entre as pernas do bebê. As al-
ças devem permanecer justas ao corpo, com folga
máxima de um dedo. A criança deve ser mantida
Dispositivos de retenção nessa cadeira até atingir o limite de peso ou até
que sua nuca (altura das orelhas) ultrapasse o
limite superior do encosto. Atualmente, uma sé-
infantis (DRI) rie de estudos recomendam que o transporte da
criança seja realizado com ela voltada para trás
A utilização de assentos de segurança para crian-
pelo maior tempo possível (2 anos até 4 anos,
ças está entre as mais importantes medidas preventivas
em alguns países). Dispositivos preparados para
para reduzir mortes e ferimentos decorrentes de aci-
essa função já existem no comércio.
dentes de trânsito. Os pais, transportadores e cuidado-
res de crianças, necessitam saber qual o local mais apro-
priado para transportá-las e a maneira mais segura de
equipar os veículos com assentos e cintos de segurança.
Os DRI são projetados para reduzir o risco em
caso de colisão ou desaceleração repentina do veículo,
limitando o deslocamento do corpo da criança.
As crianças pequenas devem ser transpor-
tadas em dispositivos conhecidos como “cadeiri-
nhas”. Ao adquirir esse dispositivo é necessário obser-
var sua adequação ao tamanho da criança que se quer
proteger. A classificação segue norma técnica do país de
origem. Por restrições financeiras, os pais acabam ad-
quirindo aqueles que poderão ser utilizados por mais
tempo. Nesses casos, especificamente, a cadeirinha
(por ter dimensões maiores) propiciará inicialmente
movimentação lateral excessiva da criança, e os pais de-
vem colocar cobertores ou toalhas de forma a preencher
os espaços vazios. A cadeirinha ideal é aquela ade-
quada ao tamanho e massa da criança, que me-
lhor se adapta ao banco do automóvel e que será
usada corretamente em cada transporte. Quanto
ao período de utilização da “cadeirinha”, ele está Figura 14.1 Esquema representando o transporte ad-
mais relacionado com as características físicas equado no veículo de uma criança com menos de 9 kg.

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117
14 Transporte veicular de crianças

O segundo estágio de transporte da criança no do veículo, a faixa subabdominal posiciona-se sobre o


carro é o assento tipo “cadeirinha”, para crianças abdome e a transversal atravessa o pescoço e a face,
com até cerca de 18 kg (por volta dos quatro anos); predispondo ao risco de lesões. No adequado posicio-
devem ser instalados no banco traseiro, de frente para namento do cinto de segurança, a faixa transversal de-
o painel, na posição sentada. As cadeirinhas com alças verá passar sobre o ombro e, diagonalmente, sobre o
de cinco pontos são as mais seguras (com clip peitoral). tórax (atravessar a linha hemiclavicular e o centro do
Os manuais de instrução orientam adequadamente esterno) e a faixa subabdominal deverá ficar apoiada
como deve ser feita a instalação em cada modelo. Não nas saliências ósseas do quadril ou sobre a porção su-
esquecer de eliminar as folgas do cinto de segurança perior das coxas.
do veículo durante a instalação da cadeirinha, do ajus-
te do cinto da própria cadeira à criança e de não colo- Um fator potencialmente causador de trauma,
car o cinto de segurança sobre mantas e cobertores. particularmente TCE é, paradoxalmente, o uso do air-
bag, implantado para a proteção de adultos, mas que
O booster seat ou assento elevatório é utilizado pode produzir danos graves aos menores de 12 anos,
para crianças acima de 15-18 kg e com até aproxima-
principalmente quando a criança não está protegida
damente 150 cm de altura (terceiro estágio de trans-
pelos meios de contenção apropriados.
porte da criança), quando a cadeirinha tornou-se pe-
quena para a criança; deve ser utilizado sempre em
conjunto com o cinto de segurança de três pontos do
automóvel. A utilização de almofadas não é recomen-
dável. Aqui observa-se um problema na lei brasileira
sobre o transporte de crianças; na atual legislação,
o assento de elevação é recomendado até 7 anos e
meio, idade em que a minoria das crianças já atingiu
a altura de segurança (1,45m) para usar somente o
cinto de segurança de três pontas.
O uso isolado do cinto de segurança (quarto
estágio do transporte de crianças) está indicado
para crianças com altura aproximada de 1,45m a
1,50m (o que ocorre, para mais de 90% das crian-
ças aos cerca de treze anos) e que já apoiam os
pés no chão do automóvel. Quando uma criança Figura 14.2 Transporte veicular das crianças com mais
passa a utilizar prematuramente o cinto de segurança de um ano de idade. (Foto: Criança Segura/Divulgação).

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CAPÍTULO

15
Abusos e maus tratos à criança

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade*,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Constituição Federal – Artigo 227

*Grifo nosso, atentando ao fato de ser o único mo-mento em que a expressão absoluta prioridade aparece em
nossa Constituição.

A criança vitimada é aquela a quem esses e, pela sua legitimidade, um orientador familiar
direitos são negados ou negligenciados, de uma no sentido da mudança desse quadro. Vale salien-
forma ou de outra. A negação desses direitos está di- tar seu papel de notificador de tais casos, já que a
retamente ligada à classe social em que a criança está situação de maus tratos exige, pela sua complexi-
inserida, configurando-se uma violência interclas- dade e competência, um trabalho conjunto envol-
ses. Negar vacina na política de saúde e/ou matrícula vendo outros órgãos e profissionais.
numa escola pública são formas de vitimá-la. A crian-
Justificada erroneamente pela falta de cultura ou
ça vitimizada é aquela que sofre violência dentro
condição social, a violência doméstica se perpetua de
do lar ou de instituições ditas de proteção, em
forma oculta e velada, independentemente de padrões
qualquer classe social; é uma violência intraclas-
culturais ou financeiros. A percepção de ruptura de vín-
ses sociais. Espancar uma criança ou assediar sexu-
culos entre pais e filhos pode ser o primeiro sinal de
almente uma adolescente é uma forma de vitimizá-la.
alerta para se definir que esta é uma criança que, não
A violência contra crianças e adolescentes vem tendo sido desejada ou por não estar sendo reconhecida
sendo assistida em todos os lugares do mundo e em to- como filha, estará em sérios riscos para maus tratos.
dos os níveis culturais e sociais, desde as mais remotas
eras. A família sempre teve o papel (teórico) do ninho
de proteção, amparo e sustento, inviolável e soberano.
Tipos de violência
Infelizmente, algumas vezes a violência contra as crian-
ças aí se instala. Em se tratando de maus tratos domés- Violência doméstica ou maus tratos
ticos, o pediatra pode exercer uma função de prevenção
significativa, com orientações simples e práticas, que fa- Violência extrafamiliar
zem a diferença no dia a dia dos cuidados com os filhos. Violência institucional
Além da prevenção, os profissionais de saúde pe- Violência social
diátrica são agentes importantes na detecção de Violência urbana
sinais de maus tratos na infância e adolescência Tabela 15.1
119
15 Abusos e maus tratos à criança

A síndrome de maus tratos na infância e do sa ter variabilidade nos diversos estudos, entre 60%
abuso infantil, que, ocorrendo no ambiente domi- e 80% das vezes o agressor é um dos pais biológicos
ciliar é entendida como violência doméstica, é de- ou, pelo menos, alguém do convívio diário da criança.
finida como todo ato ou omissão (o fenômeno pode Admite-se que tenham potencial agressivo, reprimido,
assumir forma ativa ou passiva), intencional ou não, que se torna manifesto sob uma condição aguda de es-
praticado por pais, parentes ou responsáveis (am- tresse. A pobreza e o alcoolismo são considerados ape-
pla gama de possíveis agressores) contra crianças e nas agentes desencadeantes e não causa da violência.
adolescentes (todas as faixas etárias) que, sendo ca- A violência ocorre em relações pessoais assimétri-
paz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico cas e hierárquicas, em que há desigualdade e relação de
à vítima, implica de um lado uma transgressão do subordinação. Além disso, sabe-se que a violência é um
poder/dever de proteção do adulto e uma negação fenômeno socialmente aprendido e, desta forma, pode
do direito que crianças e adolescentes têm de ser ter transmissão intergeracional. A criança que aprende
tratados como sujeitos e pessoas em condição pe- que o conflito é uma forma de resolução de problemas,
culiar de desenvolvimento. certamente, o usará para resolver seus problemas.
Em 1946, um radiologista pediátrico americano, Muitas vezes os agressores usam inicialmente
John Caffey relatou casos de fraturas associadas a he- táticas coercitivas, o abuso emocional e psicológico
matomas subdurais crônicos, inexplicados por qualquer para controlar sua vítima. Outras vezes, a manuten-
doença de base e, posteriormente, relacionados a lesões ção do controle sobre o outro se dá sob a desculpa de
traumáticas. Embora outros o tivessem seguido nessa boas intenções, de amor ou como meio de educação.
tarefa, ainda hoje alguns autores denominam síndrome A seguir serão discutidas as modalidades mais
de Caffey, como um quadro de fraturas ósseas associa- habituais de abuso: físico, sexual, psicológico (este,
das às agressões infantis ou como sinônimo de síndro- coexistindo nas outras formas) e negligência.
me de maus tratos (em algumas regiões do país).
Trata-se de uma forma de violência interpessoal,
que consiste em num abuso do poder disciplinador e
coercitivo dos adultos, e pode prolongar-se por meses Abuso físico
ou anos. Frequentemente, várias formas de maus tra-
tos ou abuso são dirigidas à mesma criança e de forma Caracteriza-se pelo uso da força física de
recorrente, o que torna, muitas vezes, o seu reconhe- forma intencional, não acidental, com o objetivo
cimento uma questão de vida ou morte para a vítima. de ferir, danificar ou destruir a criança ou o ado-
Comumente também se reveste de uma característica lescente, deixando ou não marcas evidentes. É o
de sigilo, isto é, um complô de silêncio da família. mais comumente relatado. Podem ser observados
hematomas, contusões, lacerações, queimaduras, fra-
Considera-se que o despreparo para o reconhe-
turas, lesões viscerais ou de sistema nervoso central.
cimento das várias formas com que os maus tratos
O exame físico de uma vítima de abuso deve buscar
podem se apresentar, aliado aos conceitos antigos do
sinais de lesões agudas e antigas.
direito de posse dos responsáveis sobre seus filhos ou
dos que têm a guarda, sejam os fatores principais para A pele é o local mais comumente acometido
que as denúncias não ocorram. pelos estigmas da agressão, podendo apresentar
lesões específicas ou inespecíficas, estas, as mais
comuns. É importante diferenciar as lesões aci-
dentais das abusivas: acidentais ocorrem geral-
mente em proeminências ósseas, como joelhos,
Vítima e agressor cotovelos e fronte. Quanto mais central for a
apresentação (nádegas, coxas, dorso, face, geni-
As vítimas estão em todas as faixas etárias, mas,
tália), ou maior for o número de lesões, maior a
à medida que vão se aproximando da maioridade, a in-
chance de terem sido originadas por abuso. É es-
cidência decresce, talvez, pelo fato de reunirem mais
tranho que a criança apresente hematomas em olhos,
condições de defesa. O risco de vida para os lactentes
boca, nas panturrilhas e no tórax, por exemplo. Deve-
pequenos é bastante alto. Em relação ao agressor, este
-se lembrar que pequenos cortes, arranhões, equimo-
é, em geral, “uma pessoa acima de qualquer suspeita”.
ses resultantes de brincadeiras ou desatenção na exe-
Quadros psiquiátricos são registrados em menos cução de atividades rotineiras são bastante comuns na
de 10% dos agressores. Há, na grande maioria deles, infância e adolescência. A criança e o adolescente têm,
a denominada “sociopatia”, ou seja, são pessoas que entretanto, um comportamento que se define pela ati-
vivenciam situações estressantes, geralmente agudas, vidade frontal, sendo, portanto, a parte anterior do
ligadas a dificuldades financeiras, conjugais, familia- corpo a mais frequentemente atingida em quedas ou
res e de outros tipos de relacionamentos. Embora pos- outras injúrias não intencionais.

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120
Puericultura

De forma geral, o acúmulo de sangue na pele (he- O segundo local mais frequentemente acometido
matoma) pode ser visível por vários dias, mudando de são os ossos, podendo ocorrer por impacto de grande
cor conforme o grau de degradação da hemoglobina. intensidade (lesões transversas), por torção (lesões
espirais) ou encurvamento forçado (lesões oblíquas).
Mais comumente, ocorre deslocamento periostal.
Espectro equimótico (variação de cor Radiografias repetidas após cerca de duas semanas
de acordo com a idade do hematoma) evidenciam calcificações, como sinal de consolidação.
Aspecto Idade O achado de fraturas múltiplas em diferentes
Vermelho, com edema Não mais que 24 horas estágios de consolidação é um sinal altamente
sugestivo de abuso. Na ausência de história de
Roxo, azul-escuro 1 a 5 dias
traumatismo, as fraturas diafisárias espiroides
Verde, amarelo-
5 a 7 dias de úmero ou fêmur, mesmo isoladas, sugerem
-esverdeado
fortemente abuso e ocorrem por torção e rota-
Amarelado, marrom 7 a 10 dias
ção forçada da extremidade. Há outras lesões es-
Sem marca 2 a 3 semanas queléticas consideradas altamente suspeitas de abu-
Tabela 15.2 so infantil, entre as quais estão as fraturas dos arcos
costais posteriores. São vistas mais comumente antes
A estimativa da idade da lesão tem importância do primeiro ano de idade e acontecem por mecanis-
quando comparada com os dados da história. Uma dis- mo indireto de compressão anteroposterior do tórax
crepância significante entre esta e os achados do exa- com as mãos dos adultos e compressão secundária
me físico podem constituir sinal de abuso. do extremo posterior das costelas contra as respecti-
vas apófises transversas. Essas fraturas são raras nos
As lesões em pele podem ser, também, do tipo traumas acidentais, exceto em graves traumatismos.
específico, ou seja, as que “denunciam” o objeto agres- Frente a uma suspeita de maus tratos, a investi-
sor, como, por exemplo: gação radiológica completa de esqueleto deve ser
€ Cinto: marcas lineares, com ou sem impressão obrigatória até os dois anos de idade para inves-
da fivela. tigação de fraturas antigas e associadas e, acima
€ Mão: marcas arredondadas, correspondentes desta faixa etária, radiografia seletiva de acordo
às saliências. com a informação, pela criança ou adolescente,
de traumas anteriores.
€ Beliscão: marcas lineares ou parabólicas, de 1
a 2 cm. As agressões em sistema nervoso central re-
presentam a principal causa de morte em crianças
€ Mordida humana: marcas retangulares (den-
vítimas de abuso. As lesões por impacto direto ocor-
tes incisivos) e triangulares (caninos), em lac-
rem quando a vítima é golpeada com um objeto ou quan-
tentes, particularmente em nádegas e genitais;
do é lançada contra uma superfície rígida, geralmente a
em crianças maiores, em geral associadas ao
parede. A extensão do trauma dependerá basicamente da
abuso sexual, são múltiplas, bem definidas e
força utilizada, da idade da vítima e da rigidez da super-
com marcas de sucção.
fície, variando de pequenos sangramentos subgaleais a
grandes fraturas ou hematomas intracerebrais.
Alopecia pode apresentar-se também como ma- A shaken baby syndrome (síndrome do bebê sa-
nifestação de abuso. A aparência do couro cabeludo é cudido) se desencadeia quando o bebê é sacudido rá-
normal, com cabelos quebrados, de comprimento va- pida e violentamente e/ou impulsionado para o alto
riável na região. de forma brusca. Isso pode ser determinado pela babá
Queimaduras ocorrem principalmente em crian- da criança, pelos pais ou outros circunstantes, numa
ças pequenas (1 a 5 anos) por: atitude, às vezes, reativa e impaciente a um choro con-
tinuado do bebê, ou mesmo naquelas brincadeiras de
€ respingamento: quando o líquido quente é jo-
segurar o bebê pelas axilas e jogá-lo para cima. Ocor-
gado ou derramado sobre a vítima, a queimadu-
rem, dessa forma, movimento com súbita aceleração e
ra assume a forma de V (forma de seta);
desaceleração do conteúdo craniano (movimento em
€ imersão: principalmente em nádegas, dorso, “chicote”). Os achados intracranianos compreendem
períneo e genitália. Quando em extremidades hemorragia subdural, hemorragias na fissura inter-
podem assumir a conformação de luva ou meia; -hemisférica ou somente edema cerebral difuso. Em
€ contato: por metais incandescentes (ferro decorrência dessas lesões, os bebês ficam hipoativos
elétrico) e por cigarro (lesões arredondadas, e quietos, havendo deterioração neurológica progres-
escoriativas, com ou sem formação de bolhas siva. Muitas vezes, os bebês são colocados no berço, os
(flictenas), de 6 a 8 mm de diâmetro; quando pais não percebem essa evolução negativa da criança
infectadas assemelham-se a impetigo. e as complicações se estabelecem. Pode-se constatar

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121
15 Abusos e maus tratos à criança

hemorragia retiniana (em até 50-80% dos casos) e, Pode também ser cometido por uma pessoa menor de
geralmente, ausência de outros sinais de injúria. Estu- 18 anos, quando esta for significantemente mais velha
dos sugerem que o chacoalhamento, para ter consequ- que a vítima ou quando o executor estiver em posição
ências desastrosas, não precisa ser prolongado, pode de poder ou controle sobre a mesma, com contato fí-
ser bastante breve e ocorrer apenas uma ou repetidas sico ou não. Embora o abuso sexual possa ocorrer
vezes durante dias, semanas ou meses. Esse movimen- com o uso da força física, o mais comumente en-
to acarreta a ruptura das veias pontes no espaço sub- contrado é o que se dá entre a vítima e um conhe-
dural. Os sintomas vão desde alterações do nível de cido, o qual tenha alguma relação pessoal com
consciência, irritabilidade ou sonolência, convulsões, ela: pai, padrasto, professor, amigo da família,
déficits motores, problemas respiratórios, hipoventi- irmão mais velho etc. Mesmo que não existam
lação, coma e, em muitos casos, morte. tantas evidências de trauma físico, não há como
As lesões abdominais respondem por 50% das negar o trauma psíquico a que estas crianças e
mortes de crianças vitimadas, principalmente em adolescentes são submetidos.
maiores de dois anos de idade. Quando acidentais, Os achados genitais podem ser normais, inespe-
apresentam história específica, sendo a vítima trazida cíficos (hiperemia e graus de vulvovaginite, com pe-
rapidamente para o hospital. Nas abusivas, a história quenas lacerações ou fissuras de pele) ou específicos:
é inespecífica, e a alta mortalidade está vinculada ao laceração de hímen e mucosa vaginal, abertura hime-
não reconhecimento do trauma fechado. Podemos nal maior que a esperada para idade (até cinco anos, 5
encontrar contusões e hematomas subcapsulares em mm e, após, 1 mm por idade; medida maior que 9 mm
baço, contusões, hematomas e hemorragias em fíga- é anormal para pré-púberes) ou achado de esperma.
do, pancreatite (em crianças menores de três anos é
Em geral, o abuso sexual intrafamiliar é crônico,
altamente suspeita de abuso; mais de 50% dos pseu-
recidivante e ocorre normalmente sem violência, ao
docistos pancreáticos são consequência de trau-
contrário do abuso sexual extrafamiliar. A vítima, mui-
mas abdominais).
tas vezes pré-adolescente, acaba por culpabilizar-se.

Síndrome de Abuso psicológico


Munchausen por Ocorre quando o adulto, conscientemente, de-
procuração (by proxy) precia a criança, bloqueia seus esforços de autoacei-
tação e a ameaça de abandono, causando-lhe grande
Desordem na qual os pais fabricam uma doença no sofrimento mental. As seis práticas mais frequen-
filho, por meio de mentiras na história, simulação tes de abuso psicológico são: rejeitar, isolar,
ou indução de sintomas, e procuram serviço mé- aterrorizar, ignorar, corromper (prostituição,
dico para tratamento. Em geral, a mãe amorosa e crime e uso de drogas) e exigir (rendimento es-
cuidadosa leva o filho ao médico com sintomas ou colar, intelectual e/ou esportivo). Pela sutileza
sinais recorrentes ou persistentes inexplicáveis, do ato e pela falta de evidências imediatas de maus
ou com sinais e sintomas que não ocorrem com tratos, este tipo de violência é um dos mais difíceis
a ausência materna. As vítimas dessa síndrome de ser caracterizado e conceituado, apesar de ser ex-
podem receber tratamento médico, muitas vezes tremamente frequente.
invasivo, desnecessário. O nome da síndrome é uma
referência ao barão von Münchausen, oficial da cavala-
ria russa do século XVIII que, por ser um contador de
histórias e cheio de humor, retornava das batalhas rela-
tando elaboradas e fantasiosas aventuras.
Negligência
Tipo comum de maus tratos, é a falha dos
pais ou responsáveis em prover suporte básico,
como alimentação, vestimentas, cuidados com
Abuso sexual a saúde, ou falha em supervisionar e monitorar
adequadamente o comportamento da criança,
Todo o ato ou jogo sexual, relação hetero ou ho- sendo isso prejudicial à mesma, e quando estas
mossexual entre um ou mais adultos e um indivíduo falhas não sejam consequência das condições de
de menos de 18 anos, tendo por finalidade estimular vida além de seu controle. Priva-se a criança de algo
sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma es- que ela necessita, quando isso é essencial ao seu de-
timulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. senvolvimento sadio.

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Puericultura

€ pais que apresentem atitudes conformistas,


Diagnóstico de maus dizendo: “mas elas não costumam cair?”,
“mas crianças não se queimam sempre?”;
tratos e abuso € criança com súbita mudança de humor, tornando-
-se quieta, triste, retraída ou com comportamento
A suspeita e identificação dos casos de vitimi- regressivo, por exemplo, com súbito aparecimen-
zação em crianças e adolescentes ainda é um desa- to de enurese, chupar dedos, choro excessivo;
fio para muitos profissionais de saúde. A suspeita de € perturbações severas do sono, com medos, pesade-
maus tratos surge, geralmente, no momento em que los, por vezes de conteúdo sexual aberto ou velado;
se procede à anamnese ou no decorrer do exame físico,
€ criança que sugere um conhecimento sexual
lembrando que, em algumas vezes não há evidências
inapropriado, por meio de linguagem, de dese-
físicas de maus tratos. Sendo assim, a anamnese
nhos ou brincadeiras;
ocupa lugar relevante no esclarecimento dos ca-
sos. As perguntas devem ser isentas de qualquer € criança que revela que está sofrendo algum tipo
conotação de censura ou de acusação, embora as de abuso.
intenções de esclarecer a suspeita (ou confirma-
ção) dos maus tratos e de proteger a criança de Os exames subsidiários serão direcionados ao
novas agressões devam estar sempre presentes. quadro clínico apresentado:
Além dos achados clínicos, algumas situações € hematológicos: Hb/Ht, plaquetometria, coa-
merecem atenção quanto à possibilidade de abuso: gulograma (na vigência de sangramentos);
€ história relatada por um genitor é significati- € bioquímicos: CK (lesão muscular), amilase,
vamente diferente da relatada pelo outro, com enzimas hepáticas (lesão abdominal), screening
informações contraditórias e não convincentes; toxicológico;
€ relatos discordantes quando o responsável é € urinários: urina 1 (trauma renal ou genital),
entrevistado por mais de um profissional em screening toxicológico;
diferentes momentos;
€ radiográficos: em crianças pequenas, de es-
€ a história relatada não é consistente com os queleto total e nas maiores, da área com sin-
achados clínicos; tomatologia; tomografia computadorizada ou
€ lesões incompatíveis com o estágio de desen- ressonância magnética nas suspeitas de trauma
volvimento da criança; abdominal, cranioencefálico ou “bebê sacudido”.
€ supostos acidentes ocorridos de forma repe- No abuso sexual, se realiza a coleta do material
titiva e/ou com frequência acima do esperado para pesquisa de líquido seminal (até 12 horas após
– geralmente relacionados à suposta hiperativi- coito), coleta de secreção vaginal para pesquisa de DST
dade, má índole, desobediências etc.; e teste de gravidez.
€ há demora não justificada em procurar o servi-
ço médico;
€ “acidentes” em horários impróprios, como na
madrugada;
Conduta diante de maus
€ criança com antecedentes de procura a vários
serviços ou médicos diferentes;
€ criança malcuidada, suja;
tratos
€ criança desconfiada, sempre alerta, esperando A anamnese deve ser completa, executada “sem
que algo ruim aconteça; apreensiva quando es- caráter policial”. Não se deve examinar a criança
cuta outras crianças chorarem; sem a presença de uma testemunha. Mediante
€ criança com mudança súbita no rendimento qualquer caso de abuso ou suspeita deste, deve-se co-
escolar ou no comportamento, não relacionada municar ao Conselho Tutelar. Em até 48 horas deverá
aos problemas físicos específicos ou no próprio ser enviado relatório médico e social do caso.
ambiente escolar;
€ pais que exigem perfeição ou nível de desempe- ECA – Artigo 13: Os casos de suspeita ou
nho físico e/ou intelectual superior às possibili- confirmação de castigo físico, de tratamento cruel
dades do filho; ou degradante e de maus-tratos contra criança ou
€ pais que apresentam certa atitude de indife- adolescente serão obrigatoriamente comunicados
rença para com a gravidade dos ferimentos da ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem
criança; prejuízo de outras providências legais. 

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15 Abusos e maus tratos à criança

O exercício desta comunicação é um dever legal, devendo-se lembrar que a lei pune não só quem come-
te a violência à criança e ao adolescente, mas também àquele que, conhecendo o fato ou dele suspeitando,
omite-se, não o notificando às autoridades. Atente-se para o termo técnico: notificação e não “denúncia”. A noti-
ficação ao Conselho Tutelar não exclui a possibilidade de encaminhar a família, paralelamente, para serviços de apoio
existentes. Não havendo Conselho Tutelar, as notificações devem ser enviadas ao Juizado da Infância e da Juventude,
à Vara da Família, ao Ministério Público ou a qualquer outra autoridade judiciária existente no local onde reside a víti-
ma. A formalização dessa comunicação é realizada por ficha de notificação obrigatória de violência, que, cada cidade ou
serviço tem seu modelo particular. Violência é “doença” de notificação compulsória.
Não há nenhum impedimento ético ou legal para o atendimento das vítimas, realização de exame físico, pro-
cedimentos ou administração de medicamentos. A recusa infundada do atendimento caracteriza, ética e legalmente,
imperícia e omissão de socorro, com todas as suas consequências.
As indicações de internação estarão voltadas à gravidade das lesões e do tratamento preconizado ou ao risco a que
esta criança será submetida se retornar ao convívio com o agressor.
Vale ressaltar que existem inúmeros casos não notificados de violência doméstica. Esse fenômeno, que já conta
com o silêncio das vítimas, dos agressores e de outros parentes, não pode contar, também, com o silêncio do profissio-
nal. A família é um espaço privado apenas enquanto não violar e/ou ameaçar a integridade psicológica de suas crianças
e adolescentes. Quando abusiva, a família deve receber intervenções profissionais e não há o porquê termos pruridos
em admiti-lo.

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