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Apresentação à 16ª edição
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Sumário
1 Introdução ............................................................................................................................................... 9
2 Crescimento da criança ...............................................................................................................11
3 Adolescência e puberdade......................................................................................................37
4 Distúrbios do crescimento........................................................................................................45
5 Caso clínico para revisão ........................................................................................................... 51
6 Desenvolvimento infantil............................................................................................................54
7 Aleitamento materno ................................................................................................................... 58
8 Alimentação infantil ......................................................................................................................68
9 Avaliação do estado nutricional ...........................................................................................74
10 Sobrepeso e obesidade em pediatria ............................................................................ 82
11 Raquitismo e disvitaminoses ................................................................................................. 87
12 Imunização........................................................................................................................................... 93
13 Segurança e prevenção de injúrias na infância......................................................110
14 Transporte veicular de crianças .........................................................................................114
15 Abuso e maus tratos à criança ............................................................................................118
16 Questões para Treinamento –
Crescimento e desenvolvimento...................................................................................... 129
17 Gabarito Comentado..................................................................................................................158
18 Questões para Treinamento –
Tópicos de nutrologia ...............................................................................................................176
19 Gabarito Comentado.................................................................................................................. 214
20 Questões para Treinamento –
Segurança e maus tratos em pediatria ....................................................................... 236
21 Gabarito Comentado..................................................................................................................245
22 Questões para Treinamento –
Imunizações ..................................................................................................................................... 250
23 Gabarito Comentado................................................................................................................. 264
600
Questões Comentadas
CAPÍTULO
1
Introdução
2
Crescimento da criança
As crianças são quase sempre felizes, porque não pensam na felicidade. Os velhos são muitas
vezes infelizes porque pensam demasiadamente nela.
Paolo Mantegazza
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
Idade (anos)
cência); historicamente, sempre houve muita atenção e a análise desses parâmetros, recorrem-se aos re-
cuidado com os bebês (puericultura clássica), justificada ferenciais, construídos com base em amostras
pelo intenso crescimento que aí se processa. Não pode- representativas da variabilidade de uma popula-
mos desconsiderar, entretanto, que agravos que ocor- ção. Em Pediatria, esses instrumentos são comumente
ram durante a puberdade (e não são raras as situações conhecidos como “curvas de crescimento”. Na prática
de doenças crônicas que nesse período se manifestam diária, os referenciais antropométricos são de extre-
ou distúrbios nutricionais e transtornos alimentares, ma utilidade em Pediatria, pois ainda não se dispõe de
como alguns exemplos) comprometem sobremaneira a instrumentos que permitam predizer, de maneira in-
estatura final do indivíduo. dividualizada, qual é o padrão normal de crescimento
da criança ou do adolescente avaliado. Como conse-
quência, a única forma mais objetiva de avaliar
a normalidade é comparar as medidas de cada
Monitorização do indivíduo com as de seus pares, isto é, crianças
e adolescentes de mesma idade e mesmo sexo, e
crescimento e os analisar a evolução de seus parâmetros antropo-
métricos em função da idade. Dessa forma, os estu-
referenciais dos auxológicos populacionais geram curvas úteis para
a avaliação do crescimento e do estado nutricional de
Uma das tarefas do puericultor na avaliação do uma população, mas também se constituem no instru-
crescimento de uma criança é a identificação de fato- mento do pediatra para avaliar o crescimento de seus
res de risco que o comprometam. Um pré-natal bem pacientes individualmente. Nesses instrumentos, são
realizado já é a primeira profilaxia para agravos identificados os pontos de corte para a interpretação da
estaturais futuros. Em uma anamnese cuidadosa, da- “normalidade” do parâmetro estudado. Alguns critérios
dos de instrução e profissão dos pais, das condições ha- são necessários para a construção de um adequado refe-
bituais de vida da criança (saneamento ambiental, salu- rencial de crescimento, como a utilização de indivíduos
bridade domiciliar), acesso aos recursos de saúde, renda normais e sadios, amostragem randomizada, equipa-
familiar, condições de gestação e nascimento (doenças mentos de aferição adequados e calibrados e utilização
maternas, uso de medicamentos ou drogas, peso e com- de procedimentos estatísticos e matemáticos corretos
primento ao nascer, intercorrências perinatais), passa- no tratamento dos dados. O objetivo de todos esses cui-
do e presente mórbido na infância, história alimentar e dados é produzir dados precisos, acurados e confiáveis.
padrão de crescimento familiar facilitam a identificação
Os dados podem ser coletados prospectivamen-
de fatores de risco para os distúrbios de crescimento. te, ao longo do tempo, sempre da mesma amostra de
O maior desafio que então se estabelece é a crianças, mensuradas em diversas idades à medida que
avaliação da normalidade do crescimento. Para crescem. Esse tipo de estudo é chamado de longitudi-
tanto, utiliza-se a análise de parâmetros mensu- nal. Como alternativa se utilizam diversas amostras de
ráveis (antropometria clínica). Com equipamentos crianças e adolescentes, de diferentes idades, medidas
simples (balança, régua e fita métrica), peso, comprimen- num mesmo momento, cujos dados são posteriormen-
to (estatura da criança deitada, obtida com a régua antro- te tratados matematicamente como se fossem de uma
pométrica horizontal, até cerca de dois anos) ou altura mesma amostra acompanhada ao longo do tempo. Essa
(estatura da criança em posição ortostática, aferida com forma de elaboração de referenciais é a mais frequente
estadiômetro vertical), perímetro cefálico, perímetro na literatura e corresponde aos estudos denominados
braquial, pregas cutâneas, diâmetros, relação segmento transversais. Realizados todos os cálculos com base
superior/inferior e outros índices podem ser facilmente em modelos matemáticos complexos, os valores
obtidos. Essas medidas podem ser tomadas e ana- são reunidos em tabelas e gráficos, organizados
lisadas de forma isolada ou, o que é preferível, de sob a forma de percentil e/ou de escore z.
maneira sequencial (evolutiva), derivando-se o Na clínica pediátrica prática, o percentil é
conceito de tendência e de velocidade, pois o cres- uma escala muito utilizada, devido à sua simplici-
cimento é um processo contínuo e dinâmico. Em dade de interpretação. Percentil é um termo esta-
particular, as medidas de estatura devem ser to- tístico e refere-se à posição ocupada por determi-
madas a intervalos entre quatro a seis meses, pois, nada observação no interior de uma distribuição.
sendo o crescimento um fenômeno que sofre osci- Para obtê-lo, os valores da distribuição devem ser orde-
lações, medidas consideradas em intervalos muito nados do menor para o maior, em seguida, a distribuição
curtos podem induzir erro de cálculo. é dividida em 100 partes de modo que cada observação
Sendo o crescimento caracterizado basica- corresponda a um percentil daquela distribuição. O per-
mente pela variabilidade individual, as obser- centil, indicado com a letra “p” seguida do número que
vações são baseadas na posição do indivíduo em lhe corresponde, portanto, situa o parâmetro estudado
relação a um grupo de referência. Portanto, para em relação ao grupo de 100 (cem) de seus semelhantes.
P50, por exemplo, indica que 50% das crianças rência, dividido pelo desvio-padrão dessa população.
estão acima dessa cifra, e 50% abaixo. No caso de Exemplo: se para meninos de 7 anos a altura média é
uma criança que está no percentil 70 de peso para de 121,7 cm e o desvio-padrão da medida é de 5 cm,
idade, interpreta-se que 70% das crianças na mes- um menino que tenha uma altura de 124 cm terá um
ma idade têm peso inferior e que 30% têm peso escore Z de 0,46 de altura para a idade.
maior. Assim, os valores de tendência central (próximos
Média ou mediana
ao percentil 50) são também os mais frequentemente ob-
p 50
servados na população normal, enquanto os de extremos
são os mais raros. Essa característica proporciona a quem
utiliza a classificação em percentil uma percepção quase
p 0.13 p 2.28 p 15.8 p 84.2 p 97.72 p 99.87
intuitiva do risco de anormalidade (ou de normalidade),
do parâmetro observado. Quanto mais próximo dos va-
p 10 p 90
lores extremos for o valor obtido do paciente, menor será
sua chance de ser normal, embora, por definição, ainda
possa sê-lo, pois todos os valores previstos no gráfico são p3 p 97
de indivíduos supostamente normais, mesmo que alguns
sejam muito pouco frequentes na população.
Quando se estudam os dados antropométricos
de um grupo de indivíduos, os dados dispostos em -3.0
-1.881 -1.282
-2.0 -1.0 0.0 1.0
1.282 1.881
2.0 3.0
um gráfico de valor e frequência originam uma cur- Escore Z
va em forma de sino, uma curva de distribuição nor-
mal (curva de Gauss). O pico da curva corresponde Figura 2.2 Curva de Gauss evidenciando as cor-
à mediana (que coincide com a média) dos dados. O relações entre percentil e escore Z e sua distribuição ao
desvio-padrão (dp) é a forma matemática que permite redor da mediana.
quantificar o grau de dispersão dos dados em relação
ao ponto central. A distância da mediana é avaliada em Esco- Per-
Interpretação
unidades de desvios-padrão, considerando-se que cada re-z centil
desvio-padrão de diferença da mediana corresponde a -3 0,1 Espera-se que em uma população saudável
uma unidade de escore z. Para variáveis que seguem a sejam encontradas 0,1% das crianças abaixo
distribuição gaussiana, a amplitude de valores +/−1 dp desse valor.
engloba aproximadamente 68% dos indivíduos. Entre -2 2,3 Espera-se que em uma população saudável
+/−2 dp, encontram-se 95% dos indivíduos. Uma das sejam encontradas 2,3% das crianças abaixo
metodologias utilizadas para análise de um pa- desse valor.
râmetro é o “z score” que, grosso modo, indica o Convenciona-se que o equivalente ao escore-
“afastamento” (em dp) da média do referencial. A -z -2 é o percentil 3.
utilização da análise do escore Z tem sido recomendada -1 15,9 Espera-se que em uma população saudável
nos gráficos atuais (em substituição a análise dos dados sejam encontradas 15,9% das crianças abai-
em percentis). O escore Z, portanto, representa a xo desse valor.
distância, medida em unidades de desvio-padrão, 0 50,0 É o valor que corresponde à média da popu-
que os vários valores daquele parâmetro podem lação, isto é, em uma população saudável, es-
assumir na população em relação ao valor médio pera-se encontrar 50% da população acima e
que a mesma apresenta. O escore Z de um parâmetro 50% da população abaixo desse valor.
individual, qualquer que seja (peso, estatura, perímetro +1 84,1 Espera-se que em uma população saudável
cefálico etc.) é a relação da diferença entre o valor me- sejam encontradas 84,1% das crianças abai-
dido naquele indivíduo e o valor médio da população de xo desse valor, ou seja, apenas 15,9% esta-
riam acima desse valor. Convenciona-se que
referência, dividida pelo desvio-padrão da mesma po-
o equivalente ao escore-z +1 é o percentil 85.
pulação, representado pela fórmula: ESCORE Z = (va-
+2 97,7 Espera-se que em uma população saudável
lor observado para o indivíduo) – (valor da media-
sejam encontradas 97,7% das crianças abai-
na do referencial)/desvio-padrão do referencial.
xo desse valor, ou seja, apenas 2,3% esta-
Um escore Z > 0 (positivo) significa que o riam acima desse valor. Convenciona-se que
valor da medida do indivíduo é maior do que a o equivalente ao escore-z +2 é o percentil 97.
média da população de referência e um escore Z +3 99,9 Espera-se que em uma população saudável
< 0 (negativo) corresponde a um valor menor que sejam encontradas 99,9% das crianças abai-
a média. No caso específico da antropometria, o es- xo desse valor, ou seja, apenas 0,1% esta-
core Z representa o desvio do valor da média de riam acima desse valor.
um indivíduo (exemplo: seu peso ou sua estatura), Tabela 2.1 Correlações entre percentil e escore Z e
em relação ao valor da média da população de refe- sua interpretação.
A Organização Mundial da Saúde tem reco- Além disso, o uso de um mesmo referencial teria a
mendado cada vez mais o uso do escore Z, o que vantagem de viabilizar comparações entre diversos
permite uma padronização e uma maior compa- grupos populacionais.
rabilidade entre as estatísticas dos diferentes Desde a metade da década de 1990, um grupo
países. Contudo, como historicamente o Brasil vinha de peritos, contando com apoio da OMS, trabalhou
adotando o sistema em percentis, será realizada uma na elaboração de um referencial (ou de um padrão)
modificação gradual entre os sistemas, sempre lem- de crescimento aplicável para as crianças de até cinco
brando o seguinte quadro da relação de equivalência anos de idade. Torna-se, neste momento, importan-
entre os percentis e os escores-z: te a diferenciação entre “referencial” e “padrão”. Re-
ferencial, conforme já apresentado, representa, num
Escore-z Percentil determinado momento, uma “fotografia” que reflete
-3 0,1 a variabilidade de determinada população, suposta-
-2 3 mente normal, do mesmo sexo e idade, que vive em
-1 15 boas condições e que serve para que se façam compa-
0 50 rações. Padrão de crescimento engloba, de maneira
+1 85 mais ampla e com mais “pretensão”, o crescimento
+2 97 que “devemos esperar” que o nosso paciente siga du-
rante sua evolução. A construção das novas curvas
+3 99,9
para menores de 5 anos incorporou uma série de
Tabela 2.2 Resumo da correlação entre percentil e métodos estatísticos mais sofisticados, os quais
escore Z. permitiram lidar melhor com a variabilidade do
crescimento infantil. Por isso, estas curvas são
Nos últimos anos numerosos autores, de vários mais que uma referência, tratam-se de um pa-
países, produziram diversos referenciais, gerando uma drão de crescimento. Um padrão é, portanto,
ampla discussão acerca de qual seria melhor utilizar. um modelo a que todos devem se igualar. Logo,
Para tal resposta, era entendimento da Organização pode-se afirmar que todo padrão é uma refe-
Mundial da Saúde (OMS) ser desejável que todas as na- rência, mas nem toda referência é um padrão.
ções tivessem seu próprio referencial antropométrico, As curvas de crescimento recentemente apre-
por uma questão de identidade genética. Infelizmen- sentadas pela OMS, a partir de 2006 (Multicen-
te, a própria OMS reconhecia que as dimensões da ta- tre Growth Reference Study – MGRS), resultam
refa e dos recursos necessários para a sua elaboração e de um estudo multicêntrico, com amostras de
atualização contínua inviabilizam a sua realização. Em crianças saudáveis de seis países: Brasil (Pelotas,
nosso meio, dois referenciais historicamente merecem RS), Gana (Acra), Índia (South Deli), EUA (Davis,
ser destacados. O estudo do Center for Diseases Con- Califórnia), Noruega (Oslo) e Omã (Muscat), de
trol e National Center of Health Statistics (CDC/NCHS diferentes etnias, vivendo em condições as mais
– versão 2000), atualização do gráfico NCHS-1977, adequadas possíveis para expressar seu poten-
realizado com crianças norte-americanas, era o mais cial de crescimento, incluindo, entre estas, um
conhecido referencial internacional de crescimento, padrão de aleitamento materno condizente com
sugerido pela própria OMS, durante um tempo, para o preconizado pela OMS como adequado. Trata-se
os países que não tinham referencial próprio, adequa- de um estudo semilongitudinal. A faixa etária de me-
damente confeccionado. Apesar de passível de alguns nores de cinco anos foi priorizada em decorrência dos
questionamentos metodológicos (um dos principais maiores riscos de morbimortalidade que apresentam.
era o fato de as crianças terem recebido fundamental- O empenho da OMS e dos peritos que realizaram esse
mente fórmulas infantis), esse referencial é interes- estudo foi no sentido de produzir valores prescritivos,
sante pelos parâmetros que apresenta: peso, estatura, e não apenas de referencial, já que pelos pressupostos
perímetro cefálico para idade e sexo, peso para estatu- metodológicos envolvidos na sua realização, o que se
ra e também IMC (Índice de Massa Corpórea) por ida- procurou elaborar foi um padrão de crescimento que
de e sexo. Particularmente no estado de São Paulo, o fosse muito semelhante ao padrão de crescimento,
estudo de Marcondes e cols. (1982), realizado no mu- biologicamente, em condições ideais.
nicípio de Santo André, Grande São Paulo, e conhecido A disponibilização do referencial OMS,
como Referencial Santo André – Classe IV, foi muito metodologicamente bem confeccionado, pra-
utilizado, em serviços de Pediatria brasileiros. ticamente tornou obsoletas as polêmicas exis-
Embora se considere que um referencial, ideal- tentes acerca de qual o melhor referencial a ser
mente, deve ser geneticamente o mais próximo possí- adotado na ausência de um referencial local.
vel do correspondente à população na qual é utilizado, Quais as consequências de sua adoção na rotina em
instituições internacionais como a OMS admitem que dados de prevalência, seu impacto sobre as políticas e
se possa utilizar um referencial internacional comum. os programas de atenção, somente poderão ser aqui-
latadas com a experiência adquirida em decorrência consideradas de risco nutricional deixem de sê-lo ou
do tempo de sua utilização. Este referencial, a OMS vice-versa, de maneira que nunca é demais relembrar
2006, indubitavelmente tem vantagens sobre o an- que o diagnóstico de crescimento e/ou nutricional
teriormente preconizado (CDC/NCHS 2000), inclu- de uma criança ou adolescente não deve nunca se
sive por trazer referência para mais parâmetros an- basear apenas nos dados antropométricos. As medi-
tropométricos, além de ter referencial de índice de das corpóreas, na maioria das vezes, servem apenas
massa corporal também para as crianças com menos para uma triagem inicial ou ajudam na elaboração do
de 2 anos de idade. No endereço eletrônico da OMS diagnóstico – que, exceto em casos muito pronuncia-
(www.who.int/childgrowth/standards/en) é possível dos, só pode ser confirmado por uma avaliação clíni-
baixar livremente os gráficos. ca completa.
Em decorrência do fato do novo referencial ser Mas, na prática, como se comparam a curva an-
adotado, a OMS identificou a necessidade de oferecer tiga (NCHS) com a nova curva da OMS? O que se ob-
outro, que pudesse ser utilizado em continuidade ao serva na comparação do crescimento que as crianças
de 2006, ou seja, para os maiores de 5 anos. Assim, alcançaram aos cinco anos de vida é que os valores de
em 2007 a OMS propôs um novo referencial, peso e estatura são muito semelhantes entre os dois
para ser utilizado para crianças e adolescentes referenciais (CDC/NCHS e OMS). Entretanto, o pa-
entre 5 e 19 anos de idade. Denominado Refe- drão médio de evolução ponderal é completamente
rencial OMS 2007, contempla tabelas e gráficos diferente entre os referenciais. O da OMS apresenta
de estatura para idade, de peso para idade (es- o que seria, pelo CDC/NCHS, uma aceleração inicial
tes apenas até os 10 anos) e de índice de massa do ganho de peso, seguida por uma importante desa-
corporal para idade, obviamente referentes a celeração do ganho ponderal, começando entre os 3-4
ambos os sexos. A limitação do referencial de peso meses de idade e persistindo até os 18 meses, quando
apenas até os 10 anos foi uma decisão adotada pelos se inicia uma nova fase de ganho de peso. Quanto ao
peritos, principalmente em decorrência da grande crescimento estatural, pode-se ver que a evolução de
variabilidade que o surto de desenvolvimento pube- sua tendência é muito semelhante, porém apresen-
ral exerce sobre o peso a partir dessa idade. Na reali- tando inflexões de intensidade muito menor. O cres-
dade, o Referencial OMS 2007 pode ser considerado cimento linear desacelera nos mesmos momentos de
novo apenas por se tratar de uma reconstrução de vida, entretanto, o faz de modo muito menos acentu-
tabelas e gráficos a partir dos dados do CDC/NCHS ado, nunca atingindo valores inferiores aos do CDC/
1977, realizada de maneira a atenuar algumas limi- NCHS. Esse aspecto de que o crescimento em estatura
tações de interpretação anteriormente existentes. não é afetado significativamente durante o período de
Após esse reprocessamento dos dados, a OMS con- desaceleração do peso sugere que o padrão observado
siderou válida a utilização do referencial resultan- de evolução do peso deve ser realmente o natural, caso
te na rotina, inclusive pelo fato de os novos dados contrário, por sua intensidade e duração, certamente
não apresentarem grande discrepância no ponto de comprometeria de maneira importante o comprimen-
to da criança. A importância clínica desse fenômeno
junção com o Referencial OMS 2006, aos 5 anos de
é muito grande, pois, ao se aceitar que o da OMS é o
idade. Esses gráficos também podem ser baixados li-
padrão normal de evolução de peso, não há necessida-
vremente no endereço eletrônico da OMS.
de de se fazer nenhuma intervenção que vá além do
O Ministério da Saúde do Brasil adota as acompanhamento. Essa interpretação ainda está sen-
recomendações da Organização Mundial da Saú- do esclarecida e somente será definitiva após a utiliza-
de (OMS) quanto ao uso de curvas de referência ção crítica do novo referencial.
para avaliação do estado nutricional. Assim, para
Em resumo, a utilização dos gráficos per-
crianças menores de cinco anos, recomenda-se utilizar
mite, em um determinado momento, classificar
a referência da OMS lançada em 2006 (WHO 2006),
uma criança em relação a uma população eutró-
que já consta na Caderneta de Saúde da Criança. Para
fica de referência. Entretanto, a comparação
as crianças com cinco anos ou mais e adolescentes, re-
deve ser, se possível, prospectiva, observando-
comenda-se o uso da referência internacional da OMS
-se o processo evolutivo de crescimento. Em
lançada em 2007 (WHO 2007).
condições normais, uma criança seguirá, com
Os novos referenciais, portanto, os novos pequenas oscilações, um canal de crescimento
valores estimados como normais, resultam ob- que será seu padrão individual. Grandes oscila-
viamente numa reclassificação de todos os ca- ções, que modifiquem essa tendência, devem alertar
sos, particularmente dos que já estavam pró- o pediatra quanto à necessidade de investigação de
ximos do limite da normalidade, seja superior, fatores interferentes no processo de crescimento.
seja inferior. Isso implica numa análise muito cui- É importante lembrar, entretanto, que existe
dadosa dos resultados obtidos nestas fases iniciais ampla variabilidade no crescimento normal nos
de sua utilização. É muito provável que crianças primeiros dois anos de vida e, durante a adoles-
cência, períodos em que podem ocorrer mudan- apenas a comparação de sua estatura com a po-
ças fisiológicas no canal de crescimento. A curva pulação geral, mas também relacioná-la à esta-
de crescimento representa um instrumento para a tura dos pais. A estatura final, que reflete o poten-
monitorização desse fenômeno. A interpretação cor- cial genético familiar, é definida como estatura-alvo
reta, contudo, além de depender da confiabilidade no (target height = TH) e pode ser calculada com várias
referencial escolhido (já discutido acima), ainda de- fórmulas. A previsão da TH torna-se menos precisa
pende de outros requisitos importantes: quanto maior é a diferença de estatura entre os pais
confiabilidade na obtenção e no registro (mais que um desvio-padrão, recomenda-se cautela na
dos dados antropométricos. A correta de- interpretação). O intervalo de previsão ao redor do TH
terminação da estatura depende de um rigor deve incluir 9 cm para mais e para menos, com o obje-
no posicionamento do paciente e da repetição tivo de acertar 90% das previsões.
das medidas. Em especial, para crianças maio- Algumas proporções corporais são caracterís-
res e adolescentes, os estadiômetros (réguas) ticas de um crescimento normal. A medida da pro-
de primeira escolha são os que permitem o porção entre segmento superior (SS = diferença
apoio de toda a região dorsal (instrumentos de entre estatura e segmento inferior) e o segmen-
parede), em detrimento das réguas convencio- to inferior (SI = medida da sínfise púbica até o
nais de balança; chão) pode ser útil na avaliação do crescimento.
seguimento evolutivo do crescimento da Ao nascimento, a relação SS/SI é habitualmente
criança. Do ponto de vista antropométrico, de 1,7. Os membros crescem proporcionalmen-
uma única anotação de peso, por exemplo, no te mais que o tronco, fazendo com que a relação
percentil 5, pode não significar carência nutri- seja de 1,3 aos três anos de idade e se torne igual
cional; consultas subsequentes poderão mos- a um entre oito e dez anos.
trar que o percentil 5 é o de crescimento normal
(canal de crescimento) de determinada criança;
correlação entre peso e estatura (vide parâme-
tro índice de massa corpórea em capítulo mais
à frente). Avaliação do perímetro
cefálico (PC)
O PC deve ser aferido sistematicamente nas
consultas pediátricas, com fita métrica, particular-
mente nos lactentes, passando-se pelos pontos entre
a protuberância ocipital e a região da glabela (emi-
nência frontal). Apresenta notável crescimento
até os dois ou três anos de idade. A análise do PC
pode ser realizada utilizando-se a curva refe-
rencial de perímetro cefálico para idade (OMS).
Valores abaixo do esperado podem decorrer de
falha do crescimento neurológico ou do fecha-
mento precoce de suturas (craniossinostose),
e valores acima do esperado justificam-se por
lesões expansivas intracranianas (hidrocefalia
ou tumores).
Portanto, no fim do primeiro ano o PC está em algumas crianças iniciam dentição por volta dos cinco
torno de 46 cm (uma velocidade de crescimento es- meses ou perto do primeiro aniversário, sem que isso
pantosamente alta, de 10 a 12 cm/ano). Entre um e represente qualquer implicação patológica.
três anos, o crescimento é de cerca de 0,25 cm/mês (3
cm/ano) e entre quatro e seis anos é de 1 cm/ano.
Regras práticas para a avaliação do
O PC é um pouco maior que o perímetro torácico
(PT) ao nascimento. Esses geralmente se igualam no crescimento em Pediatria
quinto mês de vida, a partir do qual o PT torna-se pro-
gressivamente maior. Peso
A fontanela anterior, ou bregmática, em
Primeiros dias: perda de cerca de 10% do peso de
forma de losango, tem em média, ao nascimen-
nascimento
to, 2 cm (sentido coronal) e 3 cm (sentido sagi-
tal). Até os nove meses 50% e até um ano e meio Ganho ponderal no primeiro ano de vida:
100% das crianças não mais a apresentam. A
fontanela posterior (lambdoide) é bem menor,
1º trimeste: 25-30 g/dia (800 g/mês)
presente em 40% dos bebês, com cerca de uma 2º trimestre: 20 g/dia (600 g/mês)
polpa digital e, em geral, se fecha até os dois
meses de idade. No RN termo, acavalgamento 3º trimestre: 15 g/dia (400 g/mês)
de suturas pode ocorrer na primeira semana em 4º trimestre: 10-12 g/dia (350 g/mês)
função do amoldamento da cabeça no canal de
parto. Após esse período, as suturas devem es- 1-3 anos: 240 g/mês
tar justapostas. Pré-escolar: 3 kg/ano
Peso de nascimento dobra no 4º mês (+/− 6 kg)
Peso de nascimento triplica no 1º ano (+/− 10 kg)
Peso de nascimento quadruplica com 2 anos
(+/− 12 kg)
Cálculo do peso (1 a 6 anos): idade (anos) × 2 + 8
Estatura
Figura 2.4 A aferição do perímetro cefálico é etapa Cresce entre 1 e 3 anos cerca de 10 cm/ano
obrigatória do exame físico antropométrico de todos os (atinge 1 metro com cerca de 4 anos)
lactantes.
3-10 anos (infância): velocidade de crescimento
pré-puberal: 4 a 6 cm/ano
Cálculo da estatura-alvo (TH) na menina:
(altura do pai - 13) + altura da mãe
Dentição 2
Cálculo da estatura-alvo (TH) no menino:
A dentição decídua (de leite) inicia-se por volta altura do pai + (altura da mãe + 13)
dos sete meses (com a erupção dos incisivos centrais
inferiores e, a seguir, dos incisivos medianos superio- 2
res) e termina aos trinta meses, com número total de Cálculo da altura (2-12 anos): idade (anos) × 6
vinte dentes. Aos 6-7 anos, começa a queda dos den- + 77
tes de leite e a erupção dos dentes definitivos, inicia-
da pelo molar dos 6 anos. Também existe para esse Tabela 2.4 Regras práticas para a avaliação do cresci-
parâmetro de crescimento uma grande variabilidade: mento em Pediatria.
3
Adolescência e puberdade
Todas as grandes personagens começaram por serem crianças, mas poucas se recordam disso.
Antoine de Saint-Exupéry
Puberdade normal
Representando uma verdadeira inauguração bio- Alteração da forma e da
lógica da adolescência, a puberdade caracteriza-se, composição corporal
fundamentalmente, pelos seguintes componentes: Na puberdade, são estabelecidas as distin-
crescimento esquelético linear; tas formas corporais masculinas e femininas,
fenômeno denominado dimorfismo sexual, re-
alteração da forma e composição corporal; sultante do desenvolvimento esquelético, mus-
desenvolvimento de todos os órgãos e sistemas;
cular e do tecido adiposo. A forma do corpo de um
bebê ou de uma criança não permite a diferenciação
desenvolvimento gonadal e das características masculino/feminino, aspecto que se torna nítido du-
sexuais secundárias, com estabelecimento da rante a puberdade. O depósito de gordura nas me-
competência reprodutiva. ninas ocorre principalmente na região das mamas e
dos quadris e confere um aspecto característico do manifestação puberal nas meninas é o desen-
corpo feminino. Nos homens, o crescimento do diâ- volvimento do broto mamário (telarca). No sexo
metro biacromial (entre ombros), conferindo relação masculino, o início da puberdade é marcado pelo
biacromial/bi-ilíaco elevada, associado ao desenvol- aumento do volume testicular, que atinge 4 cen-
vimento muscular na região da cintura escapular, de- tímetros cúbicos (mL), o que é raramente perce-
fine a forma masculina. bido pelo menino adolescente. Deve-se atentar
A composição corporal do adolescente oscila em para esse fato, visto que há constantes confusões
função da maturação sexual. A idade da menarca re- e dúvidas entre os rapazes, que acreditam ser o
presenta o início da desaceleração do crescimento que seu primeiro marcador de puberdade o cresci-
ocorre no final do estirão puberal, e o maior acúmulo mento peniano – erroneamente, pois este se pro-
de tecido adiposo. Para os meninos, o pico de cresci- cessa após o desenvolvimento inicial da gônada.
mento coincide com a fase adiantada do desenvolvi- Na prática clínica, a medida do volume testicular e o
mento dos genitais e pilosidade pubiana, momento acompanhamento de seu desenvolvimento são reali-
em que também ocorre desenvolvimento acentuado zados com auxílio de um orquidômetro.
de massa magra e muscular.
Desenvolvimento de todos os
órgãos e sistemas
Com exceção do tecido linfoide, que apre-
senta involução progressiva a partir da adoles-
cência e do tecido nervoso (praticamente com
todo o seu crescimento já estabelecido), todos
os órgãos e sistemas se desenvolvem durante a
puberdade, sobretudo os sistemas cardiocircula-
tório e respiratório. O aumento da capacidade físi-
ca observado na puberdade é mais marcante no sexo
masculino e é resultante do desenvolvimento do sis-
tema cardiorrespiratório, das alterações hematológi- Figura 3.1 A medida testicular deve ser realizada com
cas (aumento da eritropoiese) e do aumento da massa o orquidômetro, sendo o de Prader observado na figura
muscular, da força e da resistência física. acima.
da menina é a presença de um corrimento genital cha- da outra. Outros sinais de puberdade precedem o início
mado fisiológico: em pequena quantidade, com aspecto do aumento mamário em cerca de seis meses. Desapa-
de “clara de ovo” e de coloração amarelada na roupa ín- rece espontaneamente em menos de um ano na metade
tima, inodoro, sem prurido, sem ardência e desconforto dos casos, dentro de dois anos em 75% e dentro de três
ou qualquer sinal irritativo local. Precede em cerca de anos em 90% dos pacientes. Ginecomastia de duração
seis meses a um ano a menarca e cessa algum tempo prolongada deve ser avaliada quanto à sua repercussão
após o início dos ciclos menstruais. no desenvolvimento psicossocial do adolescente; em
A idade média do início do aumento testicu- geral ocorre reestruturação histológica glandular, prati-
lar é de 10,9 anos. Nota-se que esse aumento prece- camente impedindo a involução espontânea. Cogita-se,
de o aumento peniano, motivo clássico de preocupa- nesses casos, a exérese cirúrgica desse tecido mamário.
ção comum entre os meninos.
A ejaculação também é um evento tardio no de-
senvolvimento puberal masculino e pode se manifes-
tar inicialmente com emissões noturnas involuntárias
(polução noturna – wet dreams). Características da AN
Os pelos axilares e faciais se seguem aos pelos Descrita inicialmente por alguns autores como
pubianos. A mudança vocal, decorrente do aumento Síndrome da Adolescência Normal (SAN), terminolo-
da laringe por ação androgênica, ocorre tardiamente gia que tem sido gradualmente abandonada, compre-
no processo puberal masculino. ende algumas características básicas e habituais do
A ginecomastia (mais corretamente, andro- desenvolvimento psicoemocional do adolescente:
mastia) é também um evento puberal comum nos 1- Busca constante de si mesmo e de identi-
meninos; é, pela sua frequência, praticamente con- dade, com reformulações do esquema corporal, ne-
siderada um evento pubertário normal. Conceitua- cessidade de autoafirmação, contestação dos padrões
-se como ginecomastia o aumento glandular da mama vigentes, principalmente dos familiares e busca de
masculina que, clinicamente, é caracterizada na palpação novos modelos com experimentação de papéis, com
por um disco de consistência firme, subareolar e móvel, frequência transitórios (flutuações de identidade).
não aderente à pele ou ao tecido subjacente. Deve ser di-
2- Separação progressiva dos pais, com deslo-
ferenciada da lipomastia ou adipomastia, presente em
camento de suas relações de “pertencer” para o grupo.
meninos pré-púberes ou púberes obesos, que é o aumen-
to mamário devido exclusivamente ao aumento do teci- 3- Tendência grupal, na qual as atitudes impos-
do gorduroso, esse geralmente é bilateral e de consistên- tas pelo grupo tornam-se soberanas, pois dele advém
cia amolecida à palpação. A hipertrofia da musculatura o suporte emocional. A vinculação ou identificação
peitoral pode também ser confundida com ginecomastia, grupal é positiva ao adolescente e não deve ser encara-
porém essa não é referida como queixa e, ao contrário, é da sempre como perigosa, agressiva ou fortalecedora
valorizada em indivíduos atléticos. A ginecomastia tem das condutas antissociais. Ela favorece o espírito de
como substrato etiológico provável a existência de um equipe e o aparecimento de lideranças construtivas.
desequilíbrio na relação hormonal, na qual os androgê- 4- Desenvolvimento do pensamento abstra-
nios (ação inibidora do crescimento mamário) estão em to e necessidade de intelectualizar-se e fanta-
proporção menor que os estrogênios, que estimulam o siar, podendo “criar experiências” sem jamais tê-las
tecido mamário. Esse fenômeno pode ser transitório ou vivido, explicando-se, daí, o fascínio pelo novo e pela
permanente, fisiológico ou patológico. As formas fi- experimentação.
siológicas de ginecomastia incluem a neonatal, a 5- Evolução da sexualidade, um dos aspectos
senil e a puberal, com pico de incidência por volta mais relevantes da adolescência normal, ocorrendo
dos 13-14 anos, coincidindo com o estágio matura- a evolução desde o autoerotismo (incluindo as fre-
cional G3 de Tanner. Pode revelar-se como um achado quentes atividades do tipo masturbatório) até o iní-
ocasional da consulta do adolescente (aumentos discre- cio da atividade sexual. Os vínculos são intensos e,
tos não são percebidos à inspeção, somente à palpação) embora frágeis e inconstantes, são sempre conside-
ou ser referido pelo paciente ou familiares. Ocasional- rados definitivos.
mente, além do incômodo estético, o adolescente refere
aumento da sensibilidade local ao contato com a roupa e, 6- Crises religiosas, caracterizadas pelo radica-
menos frequentemente, dor local de pequena intensida- lismo do adolescente (afastamento completo até mis-
de. Em geral é bilateral, sendo para alguns autores o au- ticismo delirante).
mento unilateral indicativo de um estágio inicial do pro- 7- Vivência temporal singular e imediatis-
cesso. Pode haver assimetria e crescimento em épocas e mo, em que o tempo do adolescente é o “aqui e agora”
ritmos diferentes, bem como o desenvolvimento sequen- e caracterizado pelo “depois que faz, pensa”. Posterga-
cial, na qual uma mama desenvolve-se após a involução ções irracionais são também observadas.
Anexo: estadiamento de
maturação de Tanner Figura 3.3 M1: mamas infantis, com elevação somente
da papila. M2: broto mamário. Forma-se pequena saliên-
cia pela elevação da aréola e da papila. O diâmetro da aré-
ola aumenta e há modificação na sua textura. M3: maior
Aspecto genital masculino aumento da mama e da aréola, sem separação de seus con-
tornos. M4: maior crescimento da mama e da aréola, sendo
que esta forma uma segunda saliência acima do contorno
da mama. M5: mamas com aspecto adulto. O contorno
areolar novamente é incorporado ao contorno da mama.
Pilosidade pubiana –
sexo masculino
Figura 3.5 P1: ausência de pelos pubianos. Pode haver uma leve penugem semelhante à observada na parede ab-
dominal; P2: aparecimento de pelos longos, finos, pigmentados, lisos ou pouco encaracolados, principalmente ao
longo dos grandes lábios; P3: maior quantidade de pelos, agora mais grossos, escuros, encaracolados, espalhando-se
esparsamente pela sínfise púbica; P4: pelos do tipo adulto, cobrindo mais densamente a região púbica, mas ainda sem
atingir a face interna da coxa; P5: pilosidade pubiana igual a do adulto, em quantidade e distribuição, invadindo a face
interna da coxa; P6: extensão dos pelos para cima da região púbica.
4
Distúrbios do crescimento
Altura
97 Baixa estatura patológica
É aquela em que o cálculo da velocidade de
3 crescimento não evidencia valores normais ou
esperados. Nos países em desenvolvimento, a
desnutrição crônica é importante causa de BE.
Inicia-se por perda ponderal de tecido subcutâ-
neo e massa muscular e é seguida por desacelera-
ção do ganho estatural. Não pode haver um cresci-
mento normal sem uma oferta adequada de proteínas,
calorias, vitaminas e minerais, portanto, a anamnese
alimentar de uma criança com BE deve ser feita de
maneira cuidadosa. Na recuperação nutricional pode
permanecer a baixa estatura, porém com VC normal.
Idade
Más condições de ambiente físico, carência psicosso-
Figura 4.1 Velocidade de crescimento de um caso de cial e de exposição solar podem comprometer o cresci-
BE familiar. mento estatural. Está plenamente aceito que crianças
submetidas a agravos emocionais e/ou marginalizadas
do ponto de vista biopsicossocial apresentam cresci-
mento deficiente, além do reconhecido prejuízo de de-
Retardo (atraso) constitucional senvolvimento.
do crescimento (RCC) O retardo de crescimento intrauterino é uma das
causas também bastante comuns de baixa estatura.
Também conhecido como crescimento lento, Entre 10 e 30% das crianças que nascem peque-
é um padrão variante do normal, em que a idade nas para a idade gestacional serão portadoras
óssea é atrasada em relação à idade cronológica. de baixa estatura. Existem diferenças no padrão
O canal de crescimento segue-se paralelo à cur- de crescimento dos RN pré-termos e dos RN peque-
va. A maturação sexual é mais tardia, porém o nos para a idade gestacional (PIG). Os RNPIGs, sem
período de crescimento é mais longo, e a altura outras doenças associadas, costumam atingir a
final pode ser normal. Geralmente há padrão fa- curva de crescimento normal até o fim do pri-
miliar de maturação tardia. As crianças com esse meiro ano de vida. A proporcionalidade entre peso,
padrão de crescimento geralmente nascem com esta- estatura e perímetro cefálico nos RNPIG é um fator de
tura normal, mas apresentam uma desaceleração do mau prognóstico em termos de recuperação pondero-
crescimento, geralmente entre os três e nove meses de estatural, pois reflete um comprometimento do feto
idade, voltando a apresentar VC normal após, seguin- em épocas mais precoces da gestação. Para os prema-
do paralelamente à curva. Após o início do desenvolvi- turos, espera-se uma normalização do perímetro
mento puberal, observa-se aumento da VC e provável cefálico por volta dos 18 meses, do peso, até os
recuperação na curva. Essa condição se associa comu- 24 meses, e a de altura até os 36 meses, portan-
mente com o retardo constitucional da puberdade, to, uma retomada mais lenta. Evidentemente, essa
uma das causas mais comuns de atraso puberal. retomada estará na dependência dos antecedentes re-
Altura
lacionados à prematuridade e/ou ao baixo peso, bem
97 como da presença e da gravidade dos problemas neo-
natais decorrentes. Geralmente, os recém-nascidos de
3
baixo peso, que até os três anos e meio não recupera-
ram o crescimento e não atingiram a curva de norma-
lidade, serão portadores de BE na vida adulta.
A BE das doenças crônicas é comumente acompa-
nhada de outras manifestações clínicas denunciadoras
do agravo de base. Entretanto, algumas patologias se
manifestam inicialmente apenas com a desaceleração
do crescimento, precedendo o quadro característico da
doença de base por vários anos. Isso ocorre, por exem-
plo, na doença celíaca, em doenças inflamatórias in-
testinais e em uma variedade de nefropatias crônicas,
Idade
como a acidose tubular renal. A causa da BE nas do-
Figura 4.2 Velocidade de crescimento de um caso de enças crônicas é multifatorial: anóxia, desnutri-
BE por RCC. ção, alterações hidroeletrolíticas e metabólicas,
exame radiológico de mãos e punhos e reflete a e, portanto, a idade óssea é compatível com a
maturação esquelética. Quanto à IM, se possível, idade cronológica, e a velocidade de crescimento
deverá ser obtida por meio da aplicação de testes es- é normal. As crianças são bem proporcionadas, e o
pecíficos ou, então, de modo superficial, pelo próprio exame físico é normal. Entretanto, algumas síndromes
pediatra, por meio da observação da conduta da crian- cursam com estatura e maturação óssea aceleradas. Na
ça, informações da família e escolaridade. síndrome de Marfan, na qual a AE já está presente
Na adolescência, em especial, o exame dos ao nascimento, há associação de outros achados, como
genitais permite a avaliação da idade genital, membros e dedos longos (aracnodactilia), envergadu-
que, por sua vez, tem um significado muito im- ra maior que altura, hiperextensibilidade articular,
portante, semelhante ao da idade óssea (avalia- deformidades torácicas (cifoescoliose), subluxação do
ção maturacional). Assim, idade genital atrasada, cristalino e alterações cardíacas, como prolapso de vál-
de forma geral, melhora o prognóstico de adolescentes vula mitral (95%) e dilatação da aorta. Nessa condi-
portadores de crescimento deficiente, porém, capazes ção, o desenvolvimento neurológico é normal.
de usufruir do estirão da puberdade. Na síndrome de Klinefelter – 47, XXY (AE
Normalmente, os pontos correspondentes de início mais tardio) – associam-se hipogonadismo,
às idades (IA, IP, IO e IM) estão relativamente hipogenitalismo, ginecomastia, membros inferiores
nivelados em relação à idade cronológica (IC). desproporcionalmente longos (padrão eunucoide) e,
Na BE familiar, a IA e a IP estão diminuídas, e comumente, retardo mental.
a IO é compatível com a IC (indicador de mau
prognóstico). Nos casos de retardo do cresci-
mento (ou crescimento lento), a IO também está
atrasada em relação à IC, indicando que a criança
terá mais tempo para crescer. Nas doenças endó-
Retardo puberal
crinas, também pode haver atraso da IO, porém
Caracteriza-se por atraso no início da puberda-
esse é muito mais significativo, particularmen-
de e aparecimento dos caracteres sexuais secundários.
te no hipotireoidismo. No nanismo hipofisário,
A puberdade pode iniciar-se numa ampla faixa
geralmente, a IA e a IP são proporcionais (BE
etária dentro da população normal. Entretanto,
proporcionada) e, no hipotireoidismo, a IA é
ainda que na literatura não haja critério único,
menor que a IP (baixa estatura desproporciona-
estabelecem-se os limites de 13 anos para o sexo
da). Na desnutrição, existe, inicialmente, maior
feminino e de 14 anos para o sexo masculino.
comprometimento da IP e, nas formas crônicas,
O retardo puberal não é somente determinado pelo
há comprometimento da IP e IA. Há também IO
atraso do início, mas também pela não progressão da
atrasada, geralmente compatível com a IA. A
puberdade. Adolescentes que levam mais de cinco
idade mental estará comprometida no hipoti-
anos para completar o desenvolvimento puber-
reoidismo congênito, em síndromes genéticas e
tário (estágios de maturação do adulto) também
em casos de algumas doenças do SNC.
apresentam retardo puberal. O atraso no apareci-
A classificação da BE em relação às proporções mento dos caracteres sexuais secundários é fonte de
corpóreas, ou seja, pelo cálculo da relação segmento grande preocupação para pais e adolescentes, estes,
superior/segmento inferior (SS/SI), pode indicar duas com frequência, têm tanta dificuldade para lidar com
situações: a relação normal indica baixa probabilidade a situação, que nem chegam a expressar claramen-
de a BE ser devida a alterações esqueléticas, e a relação te seu problema, passando a apresentar dificuldades
anormal evidencia risco de afecção esquelética. Lem- de relacionamento em casa ou na escola, ou mesmo
brar que a relação SS/SI costuma ser alta ao nascimen- queixas vagas de saúde. Algumas vezes, o exame físico
to (1,7), chegando na faixa dos 8-10 anos ao valor de 1. cuidadoso é suficiente para “resolver” a questão, pois
as manifestações iniciais da puberdade podem não ter
sido reconhecidas pelo adolescente (aumento testicu-
lar e aparecimento do botão mamário).
Alta estatura Um conceito de interesse é o de “matura-
dor tardio”. São adolescentes que iniciam a pu-
Define-se como alta estatura (AE) a altura berdade após a média de idade da população,
situada acima do percentil 97 na curva de esta- porém não ultrapassam os limites etários su-
tura para idade. Alta estatura é, portanto, um periores estabelecidos. São, portanto, adoles-
diagnóstico “gráfico” de um indivíduo, não re- centes que se enquadram à variabilidade nor-
presentando necessariamente uma anormalida- mal que caracteriza a puberdade. Os distúrbios
de ou doença. Situação menos frequente que a que atenuam o crescimento também podem resultar
BE, em muitos casos, deve-se ao padrão familiar no atraso da puberdade. Na maioria das vezes, o
retardo puberal é uma condição na qual não há causas comuns de atraso puberal em nosso meio são
lesão do eixo neuroendócrino, sendo, em geral, representadas pela desnutrição e pelas doenças crô-
de caráter transitório. O retardo constitucional nicas, com as mesmas características descritas para a
da puberdade constitui o grande exemplo dessa baixa estatura. Em menor proporção, encontram-se
situação. O adolescente apresenta, nesse caso, os distúrbios do eixo neuroendócrino. Nesses casos,
todo seu desenvolvimento físico mais atrasado o problema pode situar-se na hipófise ou no hipo-
e, já desde a infância, trata-se de uma criança tálamo, configurando-se os casos de hipogonadismo
menor do que as outras da mesma idade. Essas hipogonadotrófico, determinados por hipopituitaris-
diferenças tornam-se mais marcantes na ado- mo (tumores, traumas, irradiação) ou deficiência iso-
lescência, devido ao atraso do estirão puberal. lada de gonadotrofinas (síndrome de Kallmann),
A idade óssea é atrasada em relação à cronológi- na qual caracteristicamente há referência de anos-
ca, sendo compatível com o estadiamento pube- mia/hiposmia. Mais frequentemente, pode haver
ral. Há, em geral, história familiar positiva de alteração na própria gônada (hipogonadismo hiper-
menarca materna tardia e/ou atraso do desen- gonadotrófico), nas disgenesias gonadais (síndrome
volvimento do pai. No seguimento, observa-se o de Klinefelter e Turner, por exemplo) ou alterações
desenvolvimento normal desses jovens. Outras secundárias à irradiação local.
5
Caso clínico para revisão
6
Desenvolvimento infantil
Há religiosos que são como médicos doentes: são capazes de indicar a cura, mas não usam para
si o remédio que oferecem.
Augusto Branco
estimulação adequada: uma criança de cinco a cabeça, sentou, andou, falou e controlou os
meses, por exemplo, com condições biológicas esfíncteres. Esses são marcos, em geral, insufi-
para sustentação cervical quando no colo, pode- cientes para uma conclusão global sobre o pro-
rá não fazê-la se permanecer a maior parte do cesso de desenvolvimento. Por outro lado, existem
tempo deitada em seu berço; vários instrumentos, ou testes, dos mais simples aos
participação afetiva: o vínculo mãe-bebê e o mais complexos, como, por exemplo, o Teste de Tria-
ambiente afetivo da família são elementos es- gem e Desenvolvimento de Denver (mais detalhado),
senciais para o interesse da criança e o favoreci- que funciona como teste de triagem, no qual os da-
mento do aprendizado. dos podem ser observados ou relatados pela mãe. A
Basicamente, existem quatro campos para a ava- avaliação adequada não pressupõe a mera aplicação
liação do desenvolvimento: de testes e escalas, pois, ainda assim, são limitados
para captar a complexidade do desenvolvimento in-
motor: dos movimentos grosseiros até os mais
fantil. De maneira geral, muito se questiona a
finos;
respeito da aplicação de testes, que podem levar
adaptativo: ajuste constante para as atividades a distorções e conclusões precipitadas, pois são
mais complexas; elaborados e padronizados para determinadas
linguagem; populações, com características geográficas,
pessoal-social. culturais e sociais eventualmente diferentes
das crianças estudadas. Além disso, não medem
A variabilidade individual e o ritmo de cada o potencial da criança, mas apenas avaliam as
criança implicam a flexibilidade da avaliação do habilidades já desenvolvidas. Ao usar um teste,
desenvolvimento, e não se deve ficar preso a es- por exemplo, no qual haja uma situação de relaciona-
quemas rígidos correlacionados simplesmente à mento com lápis e papel, é necessário que a criança
idade para avaliação. Algumas crianças, sem qual- esteja familiarizada com esses objetos, com o hábi-
quer anormalidade, poderão ultrapassar os limites ha- to de escrever, desenhar ou simplesmente rabiscar,
bitualmente estabelecidos para alguns aprendizados para que possa ter um bom desempenho. Crianças
(variações da normalidade). É preciso ficar atento e per- que nunca foram à pré-escola terão um desempenho
ceber quando esses limites são discrepantes e persisten- “inferior” às demais, por exemplo.
tes, ou estão associados a outras alterações. Propõe-se,
dessa forma, que a avaliação do desenvolvimento seja Particularmente nos primeiros dois anos de vida,
ampla, não se restringindo às etapas do desenvolvi- trata-se de uma fase em que as aquisições são notá-
mento neurológico, mas valorizando principalmente as veis, período acompanhado do crescimento do perí-
atividades que a criança já realiza. Nessa perspectiva, a metro cefálico, que reflete o crescimento do cérebro,
avaliação do desenvolvimento não se restringe às clás- como em nenhuma outra fase da vida da criança.
sicas perguntas referidas à mãe sobre o que a criança já
é capaz de fazer, mas abrange a completa observação da
criança durante o desenrolar da consulta.
A criança, para desenvolver uma habilidade, Marcos fundamentais do
deve vivenciar situações que favoreçam a aquisição
dessa habilidade. A estimulação infantil é neces- desenvolvimento
sária para um adequado desenvolvimento. Como
referia Marcondes, “se a alimentação é o combus- A fixação do olhar à mãe enquanto mama é mui-
tível do corpo, a estimulação é do espírito”. Essa to precoce no RN, assim como a capacidade de sucção
estimulação é feita espontaneamente, na maioria dos reflexa inicial (a partir das 32-34 semanas). O choro
casos, em ambiente social adequado, no contato diário espontâneo é vinculado às necessidades fisiológicas e,
com os pais, os familiares e na escola. Entretanto, em durante o exame, provocado por desconforto ou ma-
nosso meio, onde a carência psicossocial acompanha nobras (como pesquisa do reflexo de Moro).
a desnutrição, a abordagem do desenvolvimento e da No primeiro mês de vida, observa-se a atitude de
estimulação precoce da criança torna-se prioridade semiflexão generalizada dos membros (hipertonia fi-
para o pleno desenvolvimento das potencialidades da siológica), com as mãos fechadas, em contraposição à
criança. A detecção precoce dos atrasos do desenvolvi- hipotonia paravertebral. O bebê dorme a maior parte
mento de causas não orgânicas resulta em recupera- do tempo e apresenta uma série de movimentos que
ção satisfatória em 80 a 90% dos casos, com estímulos não dependem de sua vontade, os reflexos, entre os
simples, adequados e oportunos. quais os mais evidentes e conhecidos são o de sucção,
Para avaliação específica do desenvolvi- de preensão e o de Moro. Os reflexos primitivos de-
mento, em geral, surgem as perguntas clássi- vem ser pesquisados e acompanhados até a época de
cas sobre as idades em que a criança sustentou seu desaparecimento.
No segundo mês a criança mantém a cabeça mais A sequência do desenvolvimento postural obe-
firmemente, elevando-a, quando em decúbito ventral. dece sempre à mesma ordem: primeiro, o bebê firma
Até os dois meses, geralmente inicia o sorriso social o pescoço e, em seguida, sucessivamente com e sem
e, dos três aos seis meses, a lalação, expressa por sons apoio, senta-se, ergue-se e anda. Variações culturais
guturais, inicialmente e balbucio de vogais, com am- no manejo do bebê modificam o período das fases,
plos movimentos labiais, aos estímulos da mãe ou do mas não sua sequência. O controle cervical ocorre
examinador. Até os três meses de idade, a criança cos- primeiro no grupo posterior ou extensor e depois,
tuma acompanhar com o olhar um foco luminoso ou até o final do terceiro mês, no grupo anterior. O “sen-
objetos próximos. tar com apoio” deve ser observado em duas fases.
No terceiro mês, começa, aos poucos, a segurar A primeira ocorre em torno do sexto mês, quando,
objetos e a olhar para as próprias mãos. colocando-se o bebê sentado, ele permanece por al-
gum tempo sem cair para os lados. Há curvatura da
No quarto mês, já levanta a cabeça, procura a coluna vertebral, com cifose lombar, em decorrência
mãe quando ouve sua voz, leva as mãos à boca. Aos da hipotonia do tronco.
três ou quatro meses, a postura do bebê é simétrica,
Outra fase ocorre por volta do nono mês, quando
os membros costumam estar preferencialmente es-
a criança senta por si própria, agarrando-se a um su-
tendidos, com as mãos abrindo e fechando esponta-
porte. O “sentar sem apoio” também deve ser observa-
neamente. Ao final do quarto mês, espera-se que to-
do pelo menos em duas fases: uma, em torno dos nove
das as crianças nascidas de termo estejam firmando
meses, quando, colocando-se o bebê sentado, perma-
a cabeça. Quando colocada em pé, a criança suporta o
nece por algum tempo sem apoio das mãos, mas pode
peso nos membros inferiores, ainda que momentane-
desequilibrar-se para os lados.
amente (aquisição dos 3 aos 7 meses de vida).
Outra fase ocorre até o décimo segundo mês,
Com cinco meses, reconhece sua imagem no es-
quando o bebê pode passar sozinho do decúbito dorsal
pelho e se alegra com isso; leva tudo à boca. No sexto
para a posição sentada. Quanto à marcha sem apoio,
mês, estende os braços para ganhar colo, senta-se com
ocorre até 12 meses em 20% das crianças e pode ser
apoio, rola o corpo (nem sempre na direção do cuida-
considerada até os 18 meses. Para atingir a fase do
dor, daí o risco das quedas) e segura objetos com as
sentar-se sem apoio, é necessário, além da maturação
duas mãos.
cervical, ter completado a fase de mudança de decúbi-
Dos seis aos dez meses, os bebês iniciam o pro- to. Até o final do quinto mês, os bebês mudam de de-
cesso de associar consoantes com vogais, dizem, cúbito prono para supino e, até o final do sétimo mês,
por exemplo, ma-ma, sem necessariamente signifi- de supino para prono. Cerca de 10 a 20% dos bebês
car mamãe ou mamar. Até o final do primeiro ano, não engatinham, e alguns manifestam o engatinhar
o bebê elabora dissílabos com significado (MAMA, atípico (de nádegas, de barriga ou reptando).
PAPA). No segundo semestre, o bebê já não responde
A preensão palmar passa a ser voluntária em
mais com um sorriso a qualquer pessoa, ele passa a
100% das crianças aos quatro meses. De início, é pre-
distinguir o familiar do estranho. Chora e grita com
dominantemente ulnar, em seguida, medial e, até o
frequência, expressando seu medo e a recusa de en-
fim do primeiro ano, deve ser em pinça.
trar em contato com ele, isso faz parte do desenvol-
vimento normal da criança.
Alguns importantes reflexos primitivos
No oitavo mês, a criança reconhece seu próprio transitórios do RN
nome e o “não”. No nono mês, os dedos podem fun-
cionar como pinça para pegar objetos. Em relação Reflexo de Moro: abdução dos membros superio-
ao desenvolvimento motor, ao final de nove meses, res e abertura das mãos após som súbito ou após
a criança nascida a termo já deve ficar sentada sem soltá-lo durante movimento de tração pelos pu-
apoio, com a cabeça e o tronco eretos. A capacidade de nhos. Fragmenta-se e desaparece até cerca de seis
passar da posição deitada para a sentada sozinha pode meses (na sua forma completa, aos três meses).
estabelecer-se dos 6 aos 11 meses.
Reflexo da marcha: atinge sua manifestação máxi-
Até 18 meses expressa palavras-frase (ÁGUA = dá ma nas 37 semanas e desaparece, em 100% dos ca-
água). Até os 24 meses, constrói frases (dá água) e, aos sos, no terceiro mês.
três anos, introduz o pronome EU, importante passo
na distinção “eu-outro”. A linguagem compreensiva Reflexo tonicocervical - Magnus-Kleijn (posi-
precede a expressiva e, no primeiro ano, desde os pri- ção do esgrimista): rodando a cabeça para um dos
meiros contatos com o meio, se percebe isso quando o lados, ocorre abdução e flexão do membro superior
bebê reage positiva ou negativamente aos estímulos. do lado occipital e abdução e extensão do membro
superior do lado facial – desaparecimento até cerca
Efetua tarefas simples por imitação sob comando, no
de três ou quatro meses.
final do primeiro ano.
Preensão palmar reflexa: até cerca de quatro a Põe-se sentado 7-9 meses
seis meses. Bate palmas 7-11 meses
Reflexo cutaneoplantar em extensão: quan-
Acena “adeus” 6-14 meses
do pesquisado na porção lateral do pé do bebê,
observa-se extensão do hálux em 100% dos RN. A Fica em pé sozinho 10-13 meses
inversão do reflexo, isto é, a resposta em flexão do
hálux ocorrerá em 80% dos lactentes, por volta dos 11-14 meses (aos 18 meses já
Anda
12 meses, podendo chegar à metade do segundo deve estar andando)
ano de vida. Primeiras palavras com
12 meses
sentido
Reflexo de Galant: encurvamento lateral do tron-
co, provocado pelo estímulo tátil aplicado no senti- Sobe degraus 15 meses
do vertical, paravertebral. Corre 16 meses
Reflexo do arraste: movimentos de reptação refle-
xa no decúbito ventral; não está presente em todos Controle esfincteriano 18 a 36 meses
os RN.
Tabela 6.2 Desenvolvimento infantil.
Tabela 6.1 Reflexos primitivos do recém-nascido.
Recentemente, nos estudos da Organização
Na tabela a seguir, um resumo de alguns marcos Mundial da Saúde realizados para a confecção do novo
mais importantes que caracterizam o desenvolvimen- referencial de crescimento (MGRS – 2006), foram
to do lactente. Não existe um padrão rígido de refe- coletadas complementarmente informações básicas
rência. O setor motor apresenta maior regularidade, sobre seis eventos importantes do desenvolvimento
embora não haja universalidade. neuromotor de crianças, em função da faixa etária em
que essas aquisições se tornam presentes. Essas in-
Marco Idade média da conquista formações foram colocadas em forma gráfica e repre-
sentam, hoje, mais um instrumento para a avaliação
1 mês (aos 3 meses toda
Sorriso social clínica das crianças.
criança deve apresentar)
Segue com o olhar 2 meses Intervalos de aquisição de 6 habilidades motoras
do pelos braços)
Permanecer em pé sem apoio
Balbucio e lalação 2 meses
Aquisição motora
7
Aleitamento materno
Aleitamento materno exclusivo: quando a crian- Após 2 ou 3 dias, ocorre a apojadura, com o ingur-
ça recebe somente leite materno, diretamente da mama, gitamento mamário gradual. As mamadas frequentes
ou leite humano ordenhado, e nenhum outro líquido ou devem ser estimuladas, para o bom esvaziamento das
sólido, com possível exceção para medicamentos. mamas. Esse esvaziamento possibilita o descanso e a
tranquilidade da mãe, fundamentais para a produção
Aleitamento materno predominante: quan- do leite. Entretanto, deve-se considerar que a criança
do o lactente recebe, além do leite materno, água ou muito pequena não consegue sugar muito leite a cada
bebidas à base de água, como sucos de frutas ou chás, mamada e tem capacidade gástrica reduzida, justifi-
mas não recebe outro leite. cando-se as mamadas frequentes e com livre deman-
Aleitamento materno: quando a criança rece- da, baseadas no choro da criança.
be leite materno, diretamente dele ou dele extraído, A demanda da criança é a chave determi-
independentemente de estar recebendo qualquer ali- nante do processo de lactação. A sucção repetida
mento, incluindo leite não humano. do mamilo aumenta a liberação de prolactina,
que, por sua vez, aumenta a produção de leite.
Portanto, se a mãe insistir em amamentar com maior
frequência, ajustará a produção à demanda. Outro es-
Amamentação: técnica, tímulo satisfatório para a secreção de leite é o esvazia-
mento regular e completo das mamas. A criança que
di昀椀culdades e soluções suga debilmente a mama materna determina compro-
metimento da produção láctea. Uma forma efetiva
Apesar de a sucção do recém-nascido ser um ato de aumentar a quantidade de leite é diminuir o
reflexo, a prática bem sucedida do aleitamento depen- intervalo entre as mamadas. Retenção de leite
de, em grande parte, do apoio e das orientações recebi- que provoca ingurgitamento doloroso pode ser
das pelas mães no pré-natal, nos primeiros momentos evitada com esvaziamento mamário regular por
após o nascimento e na alta hospitalar. Destaque se dá ordenha manual ou mecânica.
hoje ao manejo clínico da amamentação, onde o pro- O fato de que o RN necessita ser amamentado
fissional deve estar atento a problemas e dificuldades a intervalos curtos é próprio da espécie humana. A
do binômio mãe-filho e prontamente atuar no sentido queixa de leite fraco é referida por mães que não sa-
de suas soluções. bem dessa informação e fazem a comparação com o
Logo após o parto, a mãe percebe que ainda leite de vaca, que é mais espesso e, habitualmente,
não houve o ingurgitamento mamário. Embora o provoca intervalos mais espaçados entre as mamadas.
fato seja previsível e natural, a mãe pode interpre- A melhor digestibilidade do leite humano e o es-
tar como uma falha, que comprometeria a alimen- vaziamento gástrico mais rápido do leite natu-
tação do recém-nascido (RN). Nos dias que pre- ral devem ser esclarecidos à mãe. Recém-nascidos
cedem a apojadura (descida do leite), a mãe deve mais sonolentos devem ser acordados. Quando esti-
oferecer a mama à criança, estimulando sua sucção, mulados e desagasalhados, o contato pele a pele com
fornecendo o primeiro produto da secreção mamá- a mãe propicia uma sucção mais vigorosa e gotas de
ria, o colostro (que normalmente é produzido em leite no lábio podem ajudar. O RN normal mama com
pequena quantidade, suficiente, entretanto, para frequência, sem regularidade quanto a horários. É co-
o equilíbrio hídrico da criança), de fundamental mum um bebê, em aleitamento exclusivo, mamar
importância imunológica e suficiente para manter de 8 a 12 vezes por dia. Muitas mães mais insegu-
a hidratação do RN. Na maternidade, a prática do ras costumam interpretar esse comportamento
alojamento conjunto deve ser incentivada, fator de-
como sinal de fome do bebê, leite fraco ou insu-
terminante para o sucesso do aleitamento natural.
ficiente, culminando com a introdução de suple-
Atualmente, estimula-se a prática da amamentação
mentos. O regime de aleitamento inicial é o de
na própria sala de parto, após as manobras iniciais
“livre demanda”, sem restrições.
da reanimação neonatal. O RN nasce preparado
para superar o período pré-lácteo, e uma perda O posicionamento do bebê deve ser adequa-
ponderal de cerca de 10% do peso de nascimen- do. A “pega” correta é fundamental para o suces-
to nesses primeiros dias é esperada e normal, so da lactação e representa o primeiro ponto a ser
decorrente da perda do líquido extravascular. verificado se o ganho ponderal do lactente não
A melhora no padrão de sucção e a transformação corresponde às expectativas. As posições da mãe
e da criança devem ser confortáveis. A “pega” é O aleitamento deve ocorrer nas duas mamas,
considerada adequada quando a criança prende o começando sempre pela que foi dada por último na
mamilo e a aréola. Pela importância dos mamilos para mamada anterior ou, pela regra, “na que estiver mais
a amamentação é fundamental que no pré-natal sejam cheia”. Nas crianças pequenas, a mamada em uma só
examinados. Em casos de mamilos invertidos, orienta- mama é suficiente.
-se a utilização de intermediários de silicone. A mãe deve A técnica correta evita as complicações
segurar (quando necessário) a mama com o polegar no mais comuns. A dor à sucção pode ocorrer em
alto e os outros quatro dedos abaixo e por trás da aréola três situações corrigíveis: sucção por períodos
(técnica do “C”), sem distorcer o mamilo e evitando-se o prolongados na fase pré-láctea, tensão e ansie-
pinçamento do mamilo entre os dedos médio e indica- dade materna sem reflexo de ejeção e falha téc-
dor. Bicos artificiais, como a chupeta e as mamadeiras, nica (particularmente na “pega” da mama, com
devem ser evitados, pois confundem a criança quanto ao sucção apenas do mamilo). O esvaziamento ma-
tipo de sucção efetuado, podendo resultar em não sucção mário, por massagem ou durante o banho, pode
posterior da mama ou sucção ineficiente. tornar a mama mais macia e permitir a “pega”
mais adequada.
Pontos básicos a serem observados para uma As fissuras decorrem de sucções prolonga-
adequada amamentação das e “pegas” incorretas. A correção desses aspec-
Bebê alerta e calmo, sem roupas que comprometam os tos, associada à exposição solar, contribui para a cica-
movimentos (não deve estar enrolado) trização das fissuras.
Mãe confortável e bem apoiada Considera-se um aleitamento materno bem
Mãe relaxada e confiante sucedido quando a criança é ativa e vigorosa,
Bebê com o corpo todo virado para a mãe, com cabeça apresenta desenvolvimento ponderoestatural
e tronco alinhados (barriga com barriga e pescoço não adequado nas consultas sequenciais de puericul-
torcido). As nádegas do bebê precisam estar apoiadas. tura (25 a 30 g/dia no primeiro trimestre), apre-
Pega do complexo aréolo-mamilar com queixo tocando senta seis a oito fraldas molhadas por dia, um
o seio ritmo intestinal variável (veja adiante) e a criança
Boca do bebê bem aberta, com lábio inferior virado parece bem. Além disso, a mãe e os demais familiares
para fora (“boca de peixe”) (vê-se mais aréola acima do estão tranquilos, colaborativos e confiantes quanto ao
que abaixo da boca da criança) processo de alimentação do bebê.
Não é preciso pressionar a mama com o polegar, nem O uso de suplementos, águas, chás e, sobretudo,
o afastamento com os dedos (técnica do “C” – dedos “o
outros leites, deve ser evitado, pois existem evidên-
mais longe possível” da aréola)
cias de que o seu uso está associado com o desmame
Levar o bebê à mama e não o contrário precoce. A mamadeira, além de ser uma importante
Queixo do bebê toca a mama e narinas livres fonte de contaminação, pode ter um efeito negati-
Sucções lentas e profundas (suga-pausa-suga) – deglu- vo no aleitamento. Algumas crianças desenvolvem
tição visível e/ou audível preferência por bicos de mamadeira, apresentando
Bebê satisfeito após mamada (solta o peito) dificuldades para serem amamentadas ao seio (“con-
fusão de bicos”).
Tabela 7.1 Sinais de sucesso durante a observação
das mamadas.
leite humano, responsável por aproximadamente 50% biodisponibilidade. O leite humano coagula em
das calorias, é estruturado para o recém-nascido. A flocos tênues e porosos, com baixa tensão super-
digestão e absorção da gordura é facilitada pela orga- ficial, tornando-os mais acessíveis às enzimas
nização da gordura, pelo tipo de ácido graxo (ácidos digestivas. A proteína do leite humano fornece
palmítico, oleico, linoleico e alfalinolênico), pela com- qualitativamente todos os aminoácidos necessá-
posição dos triglicérides e pela lipase estimulada por rios (fato explicado pela especificidade das pro-
sais biliares. Assim, o leite humano é o alimento de teínas). A proteína do soro com maior concen-
escolha para o recém-nascido, inclusive o prematu- tração é a alfalactoalbumina, além das proteínas
ro, não só pela sua capacidade de promover a absor- de defesa, particularmente a lactoferrina e a li-
ção e digestão das gorduras, como também em razão sozima. A betalactoglobulina é a principal causa
das profundas funções metabólicas atribuídas à sua das alergias ao leite de vaca.
composição ideal de ácidos graxos essenciais e poli- O leite de vaca contém níveis mais altos de
-insaturados de cadeia longa (LCPufas) (w-3 e w-6). todos os minerais do que o leite humano. Entre-
Os ácidos graxos poli-insaturados (essenciais e tanto, a concentração no leite humano é bem mais
que devem ser recebidos pela dieta, pois não são adaptada às necessidades nutricionais e à capa-
produzidos endogenamente pelo organismo hu- cidade metabólica do recém-nascido. O ferro do
mano), principalmente de ácido linoleico (w-3) e leite materno, embora baixo, é muito mais biodis-
alfalinolênico (w-6) e seus produtos de metabo- ponível do que o do leite de vaca, isto é, em média
lismo (os principais representantes são o ácido 50% do ferro no leite materno é absorvido, con-
docosahexaenoico (DHA) derivado do ômega-3 e tra cerca de 10% do leite bovino. Além do mais,
o ácido aracdônico (AA) derivado do ômega-6), no RN termo, durante os primeiros quatro meses
desempenham importante papel na maturação e de vida, o ferro armazenado durante a vida fetal
no desenvolvimento do sistema nervoso central compensa a relativa deficiência do leite.
e visual do lactente e na programação metabóli-
A relação cálcio/fósforo é constante e ideal
ca e imunológica. Importância metabólica particu-
no leite materno, embora o colostro apresente
lar hoje se atribui aos ácidos graxos de cadeia longa
20 mg/dL de Ca e 10 mg/dL de P, enquanto o leite
(LCPUFAS), que estão presentes em grande quantida-
maduro 30 mg/dL e 15 mg/dL, respectivamente
de no leite humano, que são gorduras incorporadas ao
(relação 2:1). Embora a quantidade de vitamina
metabolismo das membranas celulares (especialmen-
D no leite materno não seja significativa, a re-
te de plaquetas, eritrócitos, neutrófilos, monócitos e
lação Ca/P ideal favorece a adequada absorção
hepatócitos) e por lhe conferirem fluidez e viscosidade
desses elementos.
específica, permitindo a difusão de várias substâncias
(Na+, K+, enzimas, receptores de insulina, antígenos O leite materno apresenta apenas um terço
etc.) importantes para o metabolismo celular e imu- do conteúdo de sódio do leite de vaca, quantida-
nológico. A gordura no leite apresenta-se sob a forma de ideal para o lactente jovem que não manipula
de glóbulos, cujo centro é formado por trigliceríde- bem altas cargas osmolares e, consequentemen-
os (98-99% do total de gorduras), envoltos por uma te, quando em aleitamento natural, que necessi-
membrana de colesterol, fosfolipídios e proteínas. O ta de menor quantidade hídrica.
leite de vaca é praticamente isolipídicos em relação O teor de vitaminas de cada leite varia dire-
ao leite materno. Entretanto, existem diferenças tamente com a ingestão materna, diferentemen-
qualitativas entre os dois tipos de leite. Durante te de outros nutrientes. O leite de vaca é particu-
uma mamada, o leite gradualmente triplica o seu larmente pobre nas vitaminas C e D. O leite humano
conteúdo de gordura, que parece ter grande in- costuma conter um teor adequado de vitamina C, des-
fluência na saciedade do bebê. de que a mãe tenha dieta apropriada, comportamento
O leite maduro apresenta em média 1,5 g/ válido para todas as vitaminas essenciais à saúde, que
dL de proteínas totais, sendo cerca de 35% de são supridas pelo leite materno. Ao ser consumido di-
caseína (proteína coagulável) e 65% de proteí- retamente da mama, o leite humano não sofre altera-
nas do “soro” (principalmente lactoalbuminas). ções produzidas pela manipulação, mantendo seu teor
Existe uma diferença quantitativa quando com- de vitaminas, o que não ocorre com o leite de vaca (por
parado ao leite de vaca, o qual apresenta cerca exemplo, diminuição da vitamina C por pasteurização,
de 3,3 g/dL, e que resulta no seu nível de caseína transporte e fervura).
seis vezes mais alto (a relação caseína/proteínas Os fatores responsáveis pela proteção anti-infec-
não coaguláveis no leite de vaca é de 80/20). A ciosa no leite materno são múltiplos e, dentre eles, a
concentração de proteínas do leite humano maduro é presença de células linfoides vivas e funcionais, com
a mais baixa dentre todos os mamíferos. Entretan- capacidade imunológica e mediação da imunidade. Os
to, a relação caseína/proteínas do soro do leite macrófagos normalmente presentes no colostro
materno determina melhor digestibilidade e e no leite humano são capazes de sintetizar com-
plemento, lisozima e lactoferrina. A lactoferri- doença, entretanto, a maior fonte de infecção para
na, proteína do soro, é uma enzima quelante de o lactente é a via respiratória e o contato direto com
ferro, com efeito bacteriostático, principalmen- as vesículas ativas na pele da mama, mãos, face etc.
te sobre a E. coli. Apresenta concentração elevada Considerando-se que a doença materna, cujo início
no colostro, em torno de 600 mg/dL, atingindo ocorreu cinco dias antes, até dois dias após o parto,
180 mg/dL no leite maduro. A lisozima também é que acarreta maior risco de doença grave para o RN
participa do grupo dos fatores de defesa e tem e que nessas circunstâncias se impõe a profilaxia com
ação bactericida sobre a maioria das bactérias VZ-imunoglobulina para proteção do bebê, o aleita-
Gram-positivas. mento materno pode ser mantido, desde que as con-
dições físicas da mãe o permitam. O vírus da hepatite
Todas as classes de imunoglobulinas estão
B pode ser excretado no leite, se a mãe for AgHBs po-
presentes no leite humano. A IgA é a principal
sitiva. Nesse caso, o RN deve receber imunoglobulina
imunoglobulina das secreções externas, nas
hiperimune específica e vacina (em local diferente da
quais se encontra predominantemente na for-
imunoglobulina), nas primeiras 12 horas de vida. Des-
ma dimérica (secretória), constituindo 90% de
sa forma, a amamentação pode ser realizada. Mães
todas as imunoglobulinas presentes no colostro
com hepatite C podem amamentar. Infecção por ci-
e no leite. A IgA é resistente às mudanças de ph e à
tomegalovírus (CMV) transmitida pelo leite materno
digestão enzimática, propriedade importante no seu
comumente é assintomática nos RNs de termo, dife-
papel protetor da mucosa intestinal, impedindo a rentemente do que ocorre no prematuro. Nos bebês
aderência de micro-organismos patogênicos. As imu- de muito baixo peso ou prematuros menores que 32
noglobulinas IgM e IgG aparecem em concentrações semanas, a relação risco/benefício da amamentação
menores, sendo os seus níveis elevados no colostro em deve ser considerada.
relação ao leite maduro.
Doença materna grave e debilitante tam-
O fator bífidogênico (oligossacarídeo espe- bém contraindica a amamentação. Na dependên-
cífico) propicia o crescimento de uma microbiota cia de seu estado geral e do uso de medicações, os ca-
intestinal acidófila, formada por Lactobacillus sos devem ser individualizados.
bifidus, que impede o crescimento de enterobac-
térias patogênicas. Mães com tuberculose tratadas adequadamente
por mais de duas semanas no momento do parto, ex-
Algumas características peculiares do leite cepcionalmente, serão bacilíferas e poderão manter o
produzido para um RN prematuro devem ser des- aleitamento natural. Mãe bacilífera (tuberculose)
tacadas: a imaturidade fisiológica, metabólica e em tratamento pode amamentar, com cuidados
endócrina da glândula mamária determina alte- de proteção respiratória e introdução de quimio-
rações na composição do leite, que apresentará profilaxia para o RN. Esta consiste em isoniazi-
15 a 25% mais proteína, 40-50% mais gordura, da, 10 mg/kg/dia, durante três meses, quando o
15% menos lactose e níveis aumentados de IgA. teste tuberculínico será realizado. Se o teste for
positivo, significa que, a despeito das medidas
preventivas, o bebê foi infectado – a quimiopro-
filaxia deve ser mantida por seis meses e exames
clínico e radiológico devem ser feitos periodica-
Contraindicações ao mente. Se o teste for negativo, a quimioprofi-
aleitamento materno laxia deve ser interrompida e a vacinação BCG
deve ser efetuada – o exame clínico também deve
ser realizado periodicamente.
São situações raras em que o aleitamento não
está indicado por razões de saúde, que envolvem a A mulher desnutrida (leve e moderada, ca-
criança ou a mãe. Em relação ao bebê, o aleitamen- sos mais comuns em nosso meio) pode e deve
to materno é contraindicado formalmente para amamentar, pois seu leite mantém a mesma qua-
crianças portadoras de galactosemia (erro inato lidade e composição, semelhante ao de mulhe-
do metabolismo). Existem poucas situações em res eutróficas. No caso de intervenção nutricional,
que a mãe apresenta uma contraindicação para a conduta é manter a amamentação ao peito e suple-
amamentar. Sem dúvida alguma, a mais impor- mentar à dieta materna.
tante clinicamente é a infecção pelo HIV. Quadros psicóticos e depressivos que impedem o
Amamentação também está contraindica- contato seguro do RN e sua mãe contraindicam a ama-
da nas mães infectadas pelo HTLV-1 e HTLV-2 e mentação.
nas mães que têm lesões ativas pelo vírus her- O uso de medicamentos durante a amamentação
pes simples na mama. O vírus varicela-zoster pode é um tema de grande importância devido à frequen-
ser excretado no leite de mulheres na fase aguda da te necessidade de tratamento farmacológico pela nu-
triz. Tal prática é considerada um fator de risco para Existem medicamentos que podem aumentar
a interrupção da amamentação devido à carência de ou reduzir o volume de leite materno produzido. De-
informações sobre a segurança de fármacos durante nomina-se galactogogo o fármaco que possui efeito
a lactação (faltam informações para cerca de 40% dos potencial de aumentar o volume de leite ou induzir a
medicamentos!), às informações não científicas das lactação, entre eles, destacam-se a metoclopramida e a
bulas (a indústria farmacêutica, via de regra, procu- domperidona. A metoclopramida atravessa a barreira
ra proteger-se sob o ponto de vista legal ao descrever hematoencefálica e, quando usada por mais de três se-
informações sobre o uso de medicamentos durante a manas, pode apresentar reações adversas, como efeito
amamentação, e não é raro que bulas de medicamen- extrapiramidal e depressão. Outros fármacos podem
tos considerados seguros durante a lactação apresen- interferir negativamente na produção láctea, agindo
tar orientações que os contraindicam nesse período), como antagonistas dopaminérgicos, suprimindo a
ao receio das mães sobre um possível dano à criança produção de prolactina (estrogênios, bromocriptina,
e, sobretudo, ao desconhecimento dos profissionais ergotamina e testosterona, por exemplo).
sobre o tema. Existem drogas que, sabidamente, po- Plástica redutora das mamas pode comprometer
dem ser transferidas ao filho por meio do leite. A me- a lactação; o implante de silicone não contraindica a
dicação para a nutriz exige ponderação sobre a neces- amamentação.
sidade de seu uso e opção pelo fármaco mais seguro,
não só para a mulher, como também para seu filho. A
maioria das drogas passa pelo leite, mas geralmente
em pequena quantidade. Podemos nos perguntar: o
lactente absorverá o produto no trato gastroin- Problemas mamários e
testinal? Caso absorva, o metabolizará e o elimi-
nará? A criança é prematura ou está na primeira
lactação
semana de vida? Os riscos superam os enormes
benefícios? Existem, portanto, poucas ocasiões nas Mamilos pequenos (que devem ser examinados
quais deve haver a contraindicação absoluta da ama- desde o pré-natal) não significam necessariamente
mentação por esse motivo. Assim, a amamentação problemas para amamentação e pega. O tamanho do
materna somente deverá ser interrompida ou de- mamilo “em repouso” é só um referencial (o importan-
sencorajada se existir evidência substancial de que a te é a protrusão dentro da boca da criança). Mamilos
droga usada pela nutriz seja nociva para o lactente, normais são encontrados em 92% das mulheres, e os
ou quando não existirem informações a respeito e a invertidos, em 0,5%. Para a sucção adequada, a carac-
droga não puder ser substituída. Por outro lado, vá- terística mais importante é a protactilidade (o teste da
rios medicamentos fazem parte de um grupo, cujo uso protactilidade se faz esticando delicadamente a região
é potencialmente seguro durante a lactação. Antibió- areolar; os mamilos normais se protraem facilmente).
ticos como penicilinas, cefalosporinas, azitromicina, O mamilo invertido não se protrai, e a amamentação
claritromicina, eritromicina, metronidazol, ácido cla- fica prejudicada. Revisões sobre exercícios para protru-
vulânico, aminoglicosídeos e drogas como analgésicos são de mamilos invertidos não evidenciam benefícios
e anti-inflamatórios não esteroidais (acetominofeno, e são desnecessários como rotina. Não se recomenda
diclofenaco, dipirona, ibuprofeno, piroxican), aciclo- também o uso de sabonetes nem métodos de fricção
vir, loratadina, beclometasona, prednisona, enalapril, pela predisposição à irritação da pele. A exposição ao
espironolactona, nifedipina, propranolol, ranitidina, ar e ao sol é benéfica.
bromoprida, ácido valproico, carbamazepina, feni- Mamilos doloridos e fissuras: um dos proble-
toína, sais ferrosos, insulina, mebendazol, nistatina, mas mais comuns, com exceção de discreta dor (“fis-
salbutamol e drogas dos esquemas de rotina para gada”) passageira no início da mamada. É importante
tuberculose não preocupam e são fármacos seguros salientar que a amamentação não deve provocar dor e
durante a amamentação. As drogas classicamente nem lesar os mamilos. A causa mais comum para ma-
contraindicadas são: isótopos radioativos, ácido milos doloridos e/ou fissuras mamilares é o mau po-
retinoico (via oral), sais de ouro, antineoplási- sicionamento da criança e a pega incorreta. Portanto,
cos e imunossupressores (ciclofosfamida, ciclos- para as fissuras, deve ser realizada correção da técnica
porina), amiodarona, ergotamina, misoprostol (principal passo), aplicação do leite materno no ma-
e as drogas de vício/abuso (anfetaminas, coca- milo após as mamadas, não utilização de protetores
ína e maconha, classicamente). O álcool em dose ou intermediários e uso de roupa íntima de algodão.
reduzida e esporádica é considerado compatível com Analgésicos podem ser utilizados. A exposição à luz
a amamentação (a AAP-1994 considera contraindica- solar pode ajudar. O uso de cremes ou pomadas é con-
ção!). Dentre os métodos contraceptivos hormonais, troverso. Os protetores de mamilos, se utilizados, de-
aqueles que contêm somente progestágenos devem vem ser pelo tempo mínimo possível, pois comprome-
ser preferidos, no regime de amamentação exclusiva. tem o retorno à mamada diretamente na mama.
8
Alimentação infantil
Os filósofos são mais anatomistas que os médicos: dissecam, mas não curam.
Antoine Rivarol
introduzir alimentos saudáveis e persistir mes- tamina C), isenta de contaminação (sem germes pa-
mo havendo recusa inicial (a recusa inicial é fi- togênicos, toxinas ou produtos químicos prejudiciais),
siológica); não muito salgada ou doce, fácil de ser consumida
não oferecer alimentos apenas para prover calo- (apresentação adequada para a idade), em quantidade
rias sem outros benefícios nutricionais adicionais; apropriada e disponível e acessível. É de fundamental
estimular hábitos alimentares saudáveis na importância que a criança goste da dieta e que ela seja
família. culturalmente aceita.
Recomendações americanas (DRI – dietary refe- primeiro ano de vida é de 200 UI de vitamina D. Lac-
rence intake – 2002) preconizam que as fontes energé- tentes em aleitamento com adequada exposição solar
ticas sejam provenientes, na alimentação de crianças ou que recebem ao menos 500 mL/dia de fórmula não
de um a três anos de idade, na seguinte proporção: necessitam de suplementação. Nas demais situações,
45 a 65% de carboidratos, 5 a 20% de proteínas e 30 particularmente, não exposição ao sol, altas latitudes,
a 40% de gorduras. Embora dietas com baixo teor de moradia em áreas urbanas com prédios e/ou poluição
gorduras e colesterol sejam amplamente recomenda- que bloqueiam luz solar, pigmentação escura na pele,
das para adultos, a Academia Americana de Pediatria uso de fotoproteção, indica-se suplementação profilá-
não recomenda restrição desses elementos durante os tica com 200 UI de vitamina D.
dois primeiros anos de vida. Evite-se também o ofe-
recimento de alimentos simplesmente para prover ca-
lorias, sem outros benefícios nutricionais adicionais.
Alimentação na
adolescência
Suplementação
Em termos qualitativos, as necessidades do
adolescente não diferem das do adulto. Entretanto, a
vitamínica quantidade absoluta de alimentos é maior nesse perí-
odo, pois o adolescente adquire cerca de 50 e 25%, res-
As vitaminas necessitam ser ingeridas por meio
pectivamente, do peso e altura finais. Atenção especial
da alimentação. A vitamina K deve ser dada ao nasci-
deve ser dada à ingestão de leite e derivados (cálcio)
mento, na dose de 1 mg, por via intramuscular, para
e do ferro, particularmente nos momentos de estirão
prevenção da doença hemorrágica.
e, nas meninas, na pós-menarca. Como nas demais
Em relação à vitamina D, o leite materno contém faixas etárias, não há necessidade de suplementação
cerca de 25 UI/litro, dependendo do status materno vitamínica rotineira; apenas em situações especiais,
desta vitamina. A necessidade diária da criança no como nos transtornos alimentares.
9
Avaliação do
estado nutricional
A medicina é minha fiel esposa e a literatura é minha amante; quando me canso de uma,
passo a noite com a outra.
Anton Tchekhov
mais avançadas dos agravos nutricionais, o médi- didas obtidas em apenas determinado momento
co deve aprofundar sua anamnese no que se refere (avaliação transversal) estará mais sujeita a erros
ao ambiente de vida da criança. Devem ser obtidos que a avaliação longitudinal.
dados relativos a condições que possam limitar a dispo- O Ministério da Saúde do Brasil adota as recomen-
nibilidade e o consumo de alimentos, como as condições dações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto
socioeconômicas e culturais (instrução dos pais, renda ao uso de curvas de referência para avaliação do estado
familiar e per capita, emprego, migrações recentes, in- nutricional. Assim, para crianças menores de cinco anos,
tervalo interpartal, tamanho da família e condições do recomenda-se utilizar a referência da OMS lançada em
ambiente físico). Algumas situações relacionadas aos 2006 (WHO 2006), que já consta na Caderneta de Saú-
antecedentes mórbidos da criança (assim como os ante- de da Criança. Para as crianças com cinco anos ou mais e
cedentes perinatais) podem modificar suas necessidades adolescentes, recomenda-se o uso da referência interna-
nutricionais e devem ser pesquisadas, assim como os cui- cional da OMS lançada em 2007 (WHO 2007). As curvas
dados ministrados à criança (características da dinâmica publicadas pela OMS em 2006 para crianças menores de
familiar, relações psicoafetivas e de estimulação). cinco anos são uma inovação no uso de curvas de referên-
A história alimentar engloba desde o processo cia para avaliação do estado nutricional. Tais curvas des-
de amamentação e introdução dos novos alimentos crevem o crescimento de crianças que vivem em ambien-
até o conhecimento do dia alimentar da criança, com tes socioeconômicos adequados e que foram submetidas
a quantidade e a frequência dos alimentos ingeridos, a cuidados de saúde e alimentação compatíveis com um
dentro do contexto cultural alimentar da família. A crescimento e um desenvolvimento saudáveis.
análise dos vários grupos de alimentos, como constru-
Na prática diária, utilizam-se os dados de
tores (leite e derivados, carne, ovos e leguminosas),
peso e de estatura para a avaliação do estado
reguladores (frutas e hortaliças) e energéticos (gor-
nutricional de uma criança. O valor da antropo-
duras, açúcares, farinhas e cereais), permite avaliar
metria é indiscutível, desde que componha regis-
a qualidade da dieta. Avalia-se também a utilização
tros regulares, precisos e consistentes; daí a im-
prévia de suplementos vitamínicos e minerais (para a
portância dos instrumentos e técnicas corretos.
profilaxia da anemia e do raquitismo, por exemplo).
Nos lactentes, recomenda-se a avaliação do peso
Outro ponto fundamental a ser avaliado é o esti-
para idade (P/I) e da estatura para idade (E/I), pois,
lo de vida da criança, particularmente o tempo e fre-
nessa fase, o peso é o parâmetro de maior velocidade
quência das atividades físicas regulares e os períodos
de crescimento, variando mais em função da idade do
destinados às atividades de imobilismo (TV, videoga-
que do comprimento da criança, sendo mais sensível
me, computador).
aos agravos nutricionais e o primeiro a modificar-se
nessas circunstâncias. Nas fases pré-escolar e escolar,
sendo o crescimento mais lento e constante, predo-
minando o estatural, o peso da criança varia mais em
Avaliação função da estatura do que da idade.
Cabe ressaltar que algumas deficiências nutri-
antropométrica cionais específicas ocorrem sem comprometimento
antropométrico imediato e sua detecção depende da
A avaliação do desenvolvimento somático in- realização cuidadosa de uma anamnese nutricional.
fantil é o melhor instrumento propedêutico da con- A fome oculta, deficiência isolada ou combinada de
dição nutricional, excetuando-se os casos portadores micronutrientes, pode ser identificada e confirmada
de distúrbios específicos. Para tanto, parâmetros antro- utilizando-se métodos de avaliação dietética, clínica e
pométricos mensuráveis, como peso, estatura, períme- laboratorial, que também fazem parte da avaliação do
tro cefálico, perímetro braquial e outros são usualmente estado nutricional, além da análise antropométrica.
utilizados. Esses dados devem ser analisados em função
da idade e do sexo da criança e, para o diagnóstico de sua
adequação, necessitam ser comparados com valores con-
siderados “normais”: os dados de referência. Recorre-se,
então, aos referenciais: tabelas e gráficos (curvas) de cres- Classi昀椀cação do Estado
cimento, que buscam representar para ambos os sexos a
variabilidade dessas medidas entre indivíduos sadios de Nutricional
mesma idade e a tendência de sua evolução com a idade.
Avaliar o crescimento infantil é um processo di- O estado nutricional é o resultado do equilíbrio
nâmico, realizado por meio de múltiplas medidas entre o consumo de nutrientes e o gasto energético do
seriadas, com o objetivo de determinar a velocida- organismo para suprir as necessidades nutricionais. O
de em que as mudanças ocorrem. A análise das me- estado nutricional pode ter dois tipos de manifestação:
adequação nutricional (eutrofia): manifes- Os fatores idade, sexo e estado fisiológico carac-
tação produzida pelo equilíbrio entre o consu- terizam a condição de vulnerabilidade do indivíduo e
mo e as necessidades nutricionais; definem os grupos-alvo da desnutrição: lactentes,
distúrbio nutricional (distrofia): problema pré-escolares, gestantes e nutrizes. Assim, o perío-
relacionado ao consumo inadequado de nu- do do desmame até os cinco anos de idade é, nutricio-
trientes, tanto por escassez quanto por excesso, nalmente, o mais vulnerável do ser humano. Represen-
como a desnutrição e a obesidade. ta um período de rápido crescimento (particularmente
dos 6 aos 36 meses), no qual há maior frequência das
doenças, de maneira geral, mesmo nos não desnutri-
dos. Dessas doenças, destacam-se a diarreia, as infec-
ções parasitárias e as doenças respiratórias.
A carência nutricional A importância epidemiológica da DEP do tipo
Definida por uma situação em que deficiências primário (mais comum em países pobres), causada
gerais ou específicas de energia e nutrientes resultam pela ingestão deficiente de nutrientes, é evidenciada
na instalação de processos orgânicos adversos à saúde. quando se estima que cerca de 1/3 da população infan-
Dois grandes grupos de distrofias por carência podem til dos países em desenvolvimento sofre algum grau
ser classificados quanto à sua origem: primárias e se- de desnutrição, tornando-se, direta ou indiretamente,
cundárias. As formas primárias ocorrem devido a causa de morbimortalidade das crianças menores de
uma diminuição da ingestão por baixa oferta e cinco anos nessas regiões. Predominam no Brasil
disponibilidade, não havendo componente orgâ- as formas leves e moderadas (nos últimos anos,
nico ou psíquico responsável por qualquer alte- houve redução dos casos graves); há nítida dife-
ração do metabolismo. As distrofias secundárias rença regional, com acúmulo dos casos na região
decorrem de qualquer tipo de doença, orgânica Nordeste, onde também se concentram as for-
ou psíquica, que comprometa a ingestão, a absor- mas moderadas e graves.
ção, a excreção e o metabolismo dos nutrientes. Independentemente da etiologia, observa-se
clara associação entre a precocidade e a gravidade da
desnutrição com o aumento da mortalidade, compro-
metimento do desenvolvimento cognitivo e motor,
Desnutrição atraso escolar e redução da capacidade de trabalho na
energético-proteica (DEP) vida adulta. Inúmeros programas, a maior parte de
caráter emergencial, foram instalados no país visando
A Organização Mundial da Saúde define des- ao combate à DEP, com gastos elevados, porém com
nutrição como “uma gama de condições patoló- poucos resultados efetivos. A multifatorialidade das
gicas com deficiência de calorias e proteínas, em causas de desnutrição faz com que os programas de
proporções variáveis, as quais acometem princi- suplementação alimentar não se sustentem de manei-
palmente crianças de pouca idade e estão comu- ra isolada, e, sim, sinaliza que, a longo prazo, medidas
mente associadas a infecções”. É comum que a DEP mais amplas como incentivo ao aleitamento materno,
se associe a outras situações carenciais, não se resumin- melhoria de condições socioeconômicas e sanitárias e
do apenas a uma deficiência proteico-calórica. Houve amplas ações de cidadania sejam mais eficazes para o
significativa redução na prevalência da DEP em combate a esse problema. Recentemente, a Sociedade
diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, em Brasileira de Pediatria, em parceria com a OAB (Or-
detrimento do aumento do sobrepeso e da obesi- dem dos Advogados do Brasil), propôs a ampliação fa-
dade, fenômeno conhecido como “transição nu- cultativa da licença-maternidade de quatro para seis
tricional”. Entretanto, ainda se configura como um meses. Essa medida, quando efetivamente implemen-
grave problema de saúde pública, especialmente nos tada, propiciará ampliação do tempo de aleitamento
menores de cinco anos de idade. A DEP é a expressão de materno e fortalecimento do vínculo mãe-filho, que
um processo final de má nutrição celular causado por são fatores de risco importantes para o desenvolvi-
aumento do consumo de nutrientes (doença) – desnu- mento da DEP e outros distúrbios nutricionais.
trição secundária – ou por diminuição de oferta – des-
nutrição primária. Na prática, muitas vezes, esses dois
processos são concomitantes, estabelecendo-se um
círculo vicioso de infecção-desnutrição, cuja sequela é
o retardo do crescimento e do desenvolvimento. A des- Fisiopatologia da DEP
nutrição é também manifestação da pobreza e da fome,
sendo, portanto, uma doença determinada, em última A DEP leva a uma série de alterações sistê-
instância, pelo modelo de desenvolvimento econômico, micas, resultado das adaptações fisiológicas do
político, social e cultural de um país. organismo a menor disponibilidade de nutrien-
tes para a célula. Há evidente redução dos estoques ca, sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado,
de glicogênio, gordura e proteínas (muscular), evento prejuízo na reabsorção e desconjugação excessiva dos
que se deve a várias alterações metabólicas: aumento sais biliares, maior descamação e dificuldade digesti-
da glicólise e lipólise (para produção de energia), maior vo-absortiva (lipídios e dissacarídeos) do epitélio in-
utilização de aminoácidos livres e estímulo à neoglico- testinal e atrofia vilositária do intestino delgado. Há
gênese. A redução das concentrações plasmáticas de maior risco de diarreia. O débito cardíaco, o fluxo plas-
glicose e aminoácidos livres (utilizados para a produ- mático renal, a filtração glomerular e a capacidade de
ção de energia) leva à redução da síntese de insulina, concentrar a urina apresentam-se diminuídas.
ao estímulo da produção de glucagon e ao aumento da
epinefrina circulante. O estresse metabólico decorren-
te da privação de nutrientes estimula a produção de
cortisol. Esse, por sua vez, associado ao aumento de
ácidos graxos livres, decorrentes da lipólise e da baixa Diagnóstico e
atividade da lipase lipoproteica, leva ao aumento da
resistência periférica à insulina. O comprometimen- classi昀椀cação
to da ação da insulina (menor produção + resistência
periférica) reduz a disponibilidade de adenosina tri- O sinal clínico mais precoce, que levanta a sus-
fosfato e fosfocreatina intracelular, prejudicando o peita do problema nutricional, é a falência do cresci-
funcionamento da bomba sódio-potássio. Assim, en- mento: a criança começa a ter ganho ponderal insuficiente,
contram-se, em qualquer forma clínica de desnutrição demonstrado no seu acompanhamento regular, por meio da
grave, sódio corporal total elevado e hiponatremia. A observação do gráfico de peso (curva estacionária ou decres-
água acompanha o influxo de sódio e, embora o conte- cente, com mudança no canal de crescimento). Nos quadros
údo total de água corporal possa estar diminuído pela agudos, o comprometimento do peso é maior que o da
redução da massa magra e de tecido subcutâneo, há estatura, e a pele fica mais flácida pela perda muscular
sempre a tendência de edema intracelular. Em razão e gordurosa. O lactente, quando vestido, pode dar falsa
desses mecanismos, o desnutrido tem dificuldade em impressão de bom estado nutricional, já que a gordura
lidar com a oferta excessiva de volume de sódio. O po- da face é a última a ser mobilizada. Após alguns meses,
tássio encontra-se reduzido na DEP. iniciam-se sinais e sintomas gerais como apatia, letar-
O comprometimento do sistema imune na DEP gia, hipoatividade, começa a não sorrir e a responder
grave começa nas defesas inespecíficas, por perda da pouco aos estímulos. Aparecem, então, os sinais de ca-
integridade de barreiras (epitelial e mucosa) e me- rência proteica e de vitaminas, mais tardios.
nor produção de fatores protetores (muco, lisozima). Existem três tipos de classificação para a desnutrição:
Outras repercussões conhecidas são as relacionadas à
1- quanto à intensidade;
proliferação dos linfócitos T e às alterações do sistema
complemento. Devido a esse fato, a opsonização, fago- 2- quanto à duração;
citose, quimiotaxia e morte celular programada (apop- 3- clinicolaboratorial.
tose) ficam comprometidas. A função humoral, embora
Para avaliação do estado nutricional foram empregadas, no
normal em termos quantitativos, pode mostrar altera-
passado, duas classificações históricas para a desnutrição: Gomez e
ções funcionais. Por segurança, a criança com DEP gra-
Waterlow/Batista.
ve deve ser encarada como imunodeprimida. Não apre-
senta sinais clássicos de infecção, como a febre. Gomez (1956) avalia a adequação do peso em relação
à média teoricamente esperada (percentil 50) para mesma
Se o agravo nutricional ocorrer em alguma fase
idade e sexo (P/I). Trata-se de uma classificação centrada na
crítica do desenvolvimento cerebral, pode haver lesão
intensidade da DEP e estabelece quatro condições possíveis:
irreversível com sequelas permanentes. Devido à alta
frequência de privação social associada à DEP, é difícil
definir com clareza a predominância de um ou outro % de adequação P/I Avaliação nutricional
fator no comprometimento cognitivo e comporta- > 90 Não desnutrido ou eutrófico
mental. Entretanto, sabe-se que a precocidade, a gra- 90-76 Desnutrido de 1º grau (leve)
vidade e a duração da DEP e, na fase de recuperação, 75-60 Desnutrido de 2º grau (moderado)
a qualidade do suporte nutricional, da reabilitação e < 60* Desnutrido de 3º grau (grave)
da intervenção multiprofissional são fatores determi- Tabela 9.1 Classificação de Gomez (*a existência de
nantes nas sequelas a curto e longo prazos da criança edema indica desnutrição de terceiro grau, independ-
gravemente desnutrida. entemente da %P/I).
As principais alterações gastrointestinais em
crianças gravemente desnutridas são: insuficiência Outra forma de memorizar e compreender a clas-
pancreática, redução na produção de secreção gástri- sificação de Gomez é:
Kwashiorkor: (criança destituída, desprezada, do- São exames de pouco valor para o tratamen-
ença do primogênito) é decorrente da dieta com déficit to a dosagem de proteínas séricas e eletrólitos. As
quantitativo proteico, mas com oferta calórica adequada e dosagens bioquímicas realizadas no sangue podem
predominante em crianças maiores de um ano. As princi- não traduzir os níveis de reserva, pois a maioria
pais manifestações clínicas são o edema, anasarca e a típica dos nutrientes não apresenta distribuição uniforme
“face de lua cheia”. São crianças com fácies de sofrimento e pelo organismo. Exemplificando, os níveis plasmá-
apatia, anorécticas e tristes. As lesões de pele são frequen- ticos de cálcio podem ser mantidos dentro da faixa
tes (lesões hipo e hipercrômicas, descamativas), cabelos de normalidade, por meio do controle hormonal,
quebradiços, secos, descoloridos, sem brilho e que caem mesmo que haja carência significativa nos compar-
facilmente; as ulcerações de pele são frequentes. Pode ha- timentos de reserva.
ver hepatomegalia por causa da esteatose. O estudo das proteínas no plasma não reflete o
No dia a dia, muito raramente, encontram- pool total. A albumina, estudada como marcador da
-se essas formas clássicas, pois em nosso meio desnutrição proteica, apresenta-se diminuída apenas
predominam as formas não graves, nas quais o no Kwashiorkor. É um exame inadequado para avaliar
exame físico não ajuda muito no seu reconheci- a desnutrição aguda, pois apresenta meia-vida longa
mento. Podem-se encontrar sinais de alguma de- (três semanas). A dosagem de proteínas com menor
ficiência específica de vitamina ou mineral, mas, meia-vida (pré-albumina, proteína transportadora do
em geral, a criança está apenas um pouco ema- retinol, ferritina e transferrina) e de maior turnover
grecida ou pequena para a sua idade. seria mais útil no estudo da criança desnutrida.
Os três eixos terapêuticos principais são: esse risco diminua e ela possa, então, ser acompanha-
cuidados dietéticos para a recuperação do da em outros níveis de atenção à saúde. O sucesso no
déficit nutricional: maior frequência e maior cuidado da criança com desnutrição, particularmente
variedade de alimentos, usando preferencial- a forma grave, requer que ambos os problemas, social
mente as proteínas de origem animal (alto valor e clínico, sejam identificados, prevenidos e resolvidos
biológico) combinadas às proteínas de origem da melhor forma possível.
vegetal. Óleos vegetais devem ser adicionados
para aumentar a oferta calórica. Os alimentos 10 passos para a recuperação da criança
ricos em fibras devem ser evitados inicialmente com desnutrição grave
(aceleram o trânsito intestinal). Estar atento à
1- Tratar/Prevenir hipoglicemia
complementação vitamínica e de ferro;
2- Tratar/Prevenir hipotermia
ações multidisciplinares e intersetoriais
nos programas de reabilitação nutricional 3- Tratar a desidratação e o choque séptico
com envolvimento familiar; 4- Corrigir os distúrbios eletrolíticos
ações educativo-preventivas e promoção 5- Tratar infecção
das ações básicas da Saúde da Criança: 6- Corrigir as deficiências de micronutrientes
leite materno, controle da doença diarreica e 7- Reiniciar alimentação cautelosamente
TRO, imunização básica, acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento, controle de 8- Reconstruir os tecidos perdidos (crescimento rápido -
doenças respiratórias. alta ingestão calórica e proteica)
9- Afetividade, recreação, estimulação e cuidado
Devido ao alto risco de morte, as crianças com
desnutrição grave devem ser adequadamente diagnos- 10- Preparar alta e acompanhamento pós-alta
ticadas e necessitam de internação hospitalar até que Tabela 9.13
10
Sobrepeso e obesidade
em pediatria
A herança genética é poligênica; existem mais perfil lipídico, fatores que aumentam a morbidade na ida-
de 400 genes isolados que codificam componen- de adulta. Considera-se o diagnóstico de sobrepeso, para
tes que participam da regulação do peso corpóreo. os valores acima do percentil 85 do IMC. Outra forma de
Porém, o aumento crescente de obesos no mundo expressar o IMC, além dos percentis, e que é preferida hoje
indica nítida e poderosa participação do ambiente é por meio dos escores z (desvios-padrão). Nesta situação,
no programa genético. Portanto, a influência here- considera-se obesidade os valores acima do +2 z-score; obe-
ditária torna-se efetiva quando existe ambiente fa- sidade grave, valores acima dos +3 z-score do IMC.
vorável. Assim, quando os pais são obesos, o filho
tem probabilidade de 80% para a obesidade. Quan-
do apenas um dos dois é obeso, a probabilidade cai
para 50%, e, quando nenhum deles é obeso, é de Para crianças de 0
apenas 9%.
Os fatores de risco identificados para a obesidade
a menos de 5 anos
infantil são: (referencial: OMS 2006)
interrupção precoce do aleitamento materno;
introdução de alimentação complementar ina- Peso-para-idade
propriada;
Valores críticos Diagnóstico nutricional
diluição de fórmulas lácteas de maneira incorreta;
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Peso adequado para a
distúrbios do comportamento alimentar;
< Percentil 97 < Escore-z +2 idade
inadequada dinâmica familiar.
> Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a idade*
Tabela 10.1 *Observação: este não é o índice antro-
pométrico mais recomendado para a avaliação do ex-
cesso de peso entre crianças. Avalie esta situação pela
Diagnóstico interpretação dos índices de peso-para-estatura ou
IMC-para-idade.
O diagnóstico de obesidade é fundamentalmen-
te clínico: anamnese, exame físico e antropometria
da criança.
Peso-para-estatura
Na anamnese, atenção deve ser dada aos
antecedentes pessoais, antecedentes familiares Diagnóstico
Valores críticos
(particularmente sobre o risco cardiovascular nutricional
familiar = doença cardiovascular em familiares > Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
antes dos 55 anos para homens e antes dos 65 < Percentil 85 < Escore-z +1
para mulheres), antecedentes e hábitos alimen- > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
tares, comportamento e estilo de vida. < Percentil 97 < Escore-z +2
No exame físico, deve-se observar se há pre- > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
domínio da distribuição de gordura na região ab- < Percentil 99,9 < Escore-z +3
dominal (mais associada ao desenvolvimento de
doença cardiovascular), presença de estrias, respi- > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade
ração bucal, acantose nigricans (marcador de resis- Tabela 10.2
tência insulínica), infecção fúngica em dobras, he-
patomegalia, dor articular e desvios ortopédicos.
A pesquisa, no exame físico, direciona-se para os IMC-para-idade (idem anterior)
dados antropométricos e sinais clínicos específicos re-
lacionados a algumas doenças que ocorrem com mais Diagnóstico
Valores críticos
frequência em indivíduos com excesso de peso. nutricional
> Percentil 3 e > Escore-z -2 e Eutrofia
O diagnóstico antropométrico da obesidade < Percentil 85 < Escore-z +1
na infância e na adolescência baseia-se no cálculo
do IMC (índice de massa corpórea ou de Quetelet), > Percentil 85 e > Escore-z +1 e Risco de sobrepeso
que é determinado pelo peso (em quilogramas) < Percentil 97 < Escore-z +2
dividido pelo quadrado da altura (em metros). > Percentil 97 e > Escore-z +2 e Sobrepeso
A presença de um IMC no percentil 97 ou acima, uti- < Percentil 99,9 < Escore-z +3
lizando-se o referencial apropriado (OMS), tem correlação
> Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade
com obesidade na idade adulta e, em adolescentes, corre-
laciona-se com elevação da pressão arterial e alterações do Tabela 10.3
avaliar e monitorar o estado nutricional da ges- informar sobre o comportamento normal ali-
tante, orientando-a sobre alimentação saudável; mentar de crianças;
monitorar, na Puericultura, o ganho ponderal e estimular e orientar o lazer ativo das crianças,
a velocidade de crescimento, identificando pre- respeitando-se as preferências e a faixa etária;
cocemente os desvios; limitar o tempo de lazer passivo (TV, videogame
estimular o aleitamento materno (exclusivo até e computador);
os 6 meses e total até 2 anos); abordar questões sobre o vínculo mãe/filho;
orientação sobre nutrição adequada e saudável; envolver a escola nos cuidados alimentares para
as crianças.
informar aos pais o respeito que eles devem ter aos
Obviamente, um envolvimento conjunto das en-
sinais de saciedade do lactente e da criança maior,
tidades científicas, da mídia, da indústria de alimen-
sem impor ou exigir a aceitação total do alimento;
tos e governo (políticas públicas de saúde, inclusive
orientação sobre a educação alimentar (horá- na área social, de educação e esportes) se faz cada vez
rios, não substituições, mastigação, ambiente mais necessário, pois, sem dúvida, prevenir a obesida-
adequado); de é muito mais barato do que tratá-la.
11
Raquitismo e disvitaminoses
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de neglicência, discriminação, exploração,
violência, crueldade...
Art. 5º Estatuto da criança e do adolescente.
infecções frequentes de vias aéreas superiores (há um estoques de vitamina D existentes ao nascimento pro-
papel imunomodulador descrito para a vitamina D). vavelmente seriam depletados em cerca de oito sema-
As manifestações ósseas são: nas. Porém, umas poucas horas de exposição solar – de
Cabeça: retardo do fechamento de fontanela, meia hora a duas horas por semana (17 minutos por
cabeça ampla, retardo na dentição, craniotabes dia!) com exposição apenas da face e das mãos, e trinta
(amolecimento da tábua externa do crânio, pes- minutos por semana (4 minutos por dia!), se o bebê es-
quisada no osso parietal ou occipital, longe das tiver usando fraldas – produzem vitamina D suficiente
suturas, após três meses de idade). para evitar deficiência. Mesmo assim, recomenda-se a
suplementação medicamentosa em algumas regiões
Tórax: rosário raquítico (aumento palpável da
do país, especialmente em São Paulo e no Sul do Brasil.
junção costocondral), sulco de Harrison (de-
pressão horizontal ao longo da borda inferior do
tórax, local correspondente às inserções costais
do diafragma) e outras deformidades torácicas.
Membros: espessamento dos pulsos e tornoze- Disvitaminoses
los, arqueamento das diáfises do fêmur, da tíbia
e da fíbula, hipotonia musculoligamentar gene- Vitaminas são compostos orgânicos essen-
ralizada, fraturas (em galho verde). ciais, necessários em pequenas quantidades para
as funções metabólicas normais. Devem ser for-
necidas pela dieta, visto que não podem ser sinte-
tizadas totalmente ou em quantidade suficiente
Diagnóstico pelo organismo. Exceção se faz à vitamina D, que,
O raquitismo devido à carência de vitamina D em sua grande parte, é sintetizada fotoquimica-
pode se manifestar, particularmente, nos períodos de mente. A clássica divisão das vitaminas por sua
rápido crescimento, como na adolescência, nos lacten- solubilidade identifica dois grupos: as hidrosso-
tes de baixo peso ao nascer e no desnutrido, quando lúveis (C, complexo B, ácido fólico e ácido panto-
entra na fase de recuperação nutricional. tênico) e as lipossolúveis (A, D, E e K). Isso ajuda
a entender a disponibilidade delas nos alimentos. As
No atendimento de primeira linha, o diagnósti-
vitaminas lipossolúveis têm sua absorção relacionada
co pode ser feito pela dosagem de cálcio, fósforo e da
à absorção de gorduras da dieta e são armazenadas em
fosfatase alcalina. O cálcio pode apresentar-se nor-
quantidades apreciáveis, principalmente nas vísceras
mal ou diminuído, o fósforo diminuído e a fosfatase (em especial no fígado); isso cria um potencial para a
alcalina elevada. toxicidade quando essas vitaminas são ingeridas em
As alterações iniciais típicas são observadas ra- grandes quantidades por períodos prolongados. As
diograficamente nas extremidades dos ossos longos; hidrossolúveis são absorvidas com a água da luz intes-
posteriormente, existem evidências de desmineraliza- tinal. Devem ser fornecidas diariamente, pois seu ar-
ção nas diáfises. O estudo radiológico pode evidenciar: mazenamento é limitado (exceto B12); as quantidades
aumento do espaço interarticular (osteoide não excedentes são excretadas pela urina. De forma geral,
calcificado); as vitaminas agem em processos específicos no meta-
bolismo de unidades estruturais (metabolismo ósseo
alargamento das epífises ósseas (por compres-
e visão, por exemplo) ou como cofatores em reações
são), com depressão central, “imagem em taça”;
bioquímicas essenciais (síntese de DNA e RNA, por
osteoporose e rarefação óssea (desmineraliza- exemplo). As vitaminas lipossolúveis não se dissol-
ção da diáfise); vem na água de cocção, ao contrário das hidrossolú-
duplo contorno das diáfises; veis. Por isso, recomenda-se cozer as hortaliças em sua
encurvamento diafisário; própria água de composição (e não desprezá-la após
cocção). Uma dieta bem balanceada assegura um
imagem de fratura “em galho verde”. bom fornecimento vitamínico. A suplementação
terapêutica de vitaminas está apenas indicada
quando ocorre baixa ingestão na dieta, na vigên-
cia de má absorção intestinal e em doenças cujos
Pro昀椀laxia medicamentos exercem efeitos negativos sobre
Faz-se por meio da exposição ao sol e suple- os micronutrientes. Ressaltam-se essas indicações
mentação de cerca de 400 a 500 UI de vitamina apresentadas, pois não é incomum na prática clínica
D até os dois anos de idade. Essas simples medi- a solicitação dos familiares para a complementação
das profiláticas tornam o raquitismo uma doença rara vitamínica em forma medicamentosa! Pensava-se que
nos países desenvolvidos. Em bebês amamentados a suplementação de vitaminas hidrossolúveis fosse
exclusivamente ao seio e não expostos à luz solar, os segura e sem toxicidade; com a popularização de me-
gadoses e da automedicação, têm-se verificado alguns “ganso”). O diagnóstico é feito pelo quadro clínico, em
efeitos indesejáveis, como, por exemplo, a formação crianças que apresentem fatores predisponentes para
de cálculos renais por grandes doses de vitamina C. a carência.
No Brasil, nos locais onde a carência dessa vita-
mina é muito prevalente, geralmente em populações
mais carentes (algumas localidades da região Nordeste
Vitamina A – de昀椀ciência e vale do Jequitinhonha), recomenda-se a suplemen-
A vitamina A (retinol) é a mais estudada das tação com a vitamina A em crianças, seguindo um pro-
vitaminas e é encontrada pré-formada em alimentos grama do Ministério da Saúde.
de origem animal (leite integral, fígado e gema de
ovo) e na forma de pró-vitaminas, os carotenos, nos
Programa Nacional de Suplementação de
alimentos de origem vegetal (cor amarelo-alaranjado
Vitamina A
e verde-escuro). São compostos lipossolúveis, relati-
vamente estáveis à cocção e absorvidos no intestino
Administração de suplemento de vitamina A em crian-
delgado, onde os carotenos são transformados em vi-
ças de 6 a 59 meses de idade (em regiões de risco)
tamina A. São armazenados principalmente no fíga-
do, e, no hepatócito, é produzida uma proteína espe- Passo 1: triagem
cífica transportadora de retinol (RBP), que se acopla A partir dos 6 meses, todas as crianças até 59 meses
à vitamina; o conjunto é encaminhado aos órgãos- de idade, que residam em área de risco da deficiência,
-alvo para a sua utilização. devem receber doses de vitamina A nos contatos com
Suas funções são múltiplas: é componente da os serviços de saúde. Para tanto, pode-se verificar no
rodopsina, responsável pela visão em baixa luminosi- cartão da criança a data da última aplicação de suple-
dade, participa na diferenciação e na manutenção da mento de vitamina A.
integridade dos tecidos epiteliais, no crescimento ce-
lular e relaciona-se com a imunocompetência. Passo 2: dosagem
A suplementação de vitamina A deve seguir um calen-
A deficiência de vitamina A ocorre em popu- dário de administração para que essa ação tenha bons
lações cuja dieta é de baixo conteúdo energético e resultados. Veja no quadro abaixo:
quando faltam alimentos ricos em caroteno. Pode-
-se considerar, de modo geral, as crianças de Período Dose Frequência
dois a seis anos (pré-escolares) como o grupo
mais exposto ao risco das alterações e sequelas Crianças: 6-11 Uma vez a cada 6 me-
100.000 UI
da hipovitaminose A. meses ses
se sempre associada à desnutrição. No escorbuto melhores fontes são os óleos vegetais (girassol, milho
dos adultos predominam as manifestações he- e soja), margarinas, leite, ovos, cereais integrais e al-
morrágicas cutâneo-mucosas, enquanto que, na guns vegetais e frutas (brócolis e abacate). O quadro
criança, ainda que ocorram essas manifestações, clínico de carência é caracterizado por alterações neu-
destacam-se as lesões ósseas. Na fase inicial, sur- rológicas progressivas e anemia hemolítica. Os RNs de
ge anorexia, perda de peso, apatia e irritabilidade, em muito baixo peso e prematuros são particularmente
seguida, edema duro dos membros e as hemorragias suscetíveis (baixa reserva). Seu quadro clínico inclui:
subperiostais (hematomas não calcificados). A porção edema de membros, agitação, taquipneia, anemia he-
orgânica da matriz óssea é composta, em sua maior molítica. O quadro é autolimitado, pois a composição
parte, por colágeno. Na deficiência da vitamina C, esse do leite materno e das fórmulas infantis suprem as ne-
osteoide não é produzido adequadamente, e a ossifi- cessidades desses bebês.
cação não se processa normalmente. As hemorragias,
atribuídas ao defeito da substância intercelular, com
aumento da permeabilidade e da fragilidade dos vasos
de pequeno calibre, quando subperiostais, dão maior Ácido fólico
ênfase à sintomatologia óssea. O ácido fólico é o composto básico de um gru-
Suspeita-se da deficiência em crianças de seis po de substâncias estruturalmente relacionadas e de
meses a dois anos de idade que se apresentam com ocorrência natural, conhecidos como folatos. Os fola-
dor à manipulação dos membros, principalmente in- tos atuam como coenzimas em diversos aspectos
feriores, em consequência das lesões ósseas, acom- do metabolismo celular, sendo essenciais na sín-
panhadas por vezes de incapacidades motoras. As tese de ácidos nucleicos e fundamental no meta-
posições de defesa originadas de dor podem assumir bolismo de aminoácidos. O leite materno forne-
a forma de pseudoparalisias (por exemplo: posição ce uma quantidade suficiente para a criança em
de batráquio – rã). O rosário costal (semelhante ao desenvolvimento. O conteúdo no leite de vaca é
raquítico) pode estar presente. Associam-se hemor- pobre e extremamente baixo no leite de cabra. A
ragias cutâneas (petéquias, púrpuras e equimoses) e fervura do leite de vaca reduz em 40% o conteúdo de
gengivais. Nos pontos de hemorragias subperiostais, folato, e a nova fervura reduz 80%. Os folatos apre-
percebem-se tumefações dolorosas, como, por exem- sentam-se amplamente distribuídos na natureza (ver-
plo, nas junções condrocostais (rosário escorbúti- duras frescas, fígado, cereais integrais, ovos, legumes,
co). Pode haver amolecimento e perda dos dentes. frutas cítricas). Sua deficiência se manifesta clini-
O diagnóstico baseia-se na história de ingestão defi- camente com anorexia, perturbações gastroin-
ciente de vitamina C, no quadro clínico e nos aspec- testinais, estomatite, glossite e anemia megalo-
tos radiográficos dos ossos longos (tríade clássica: blástica. Laboratorialmente, observa-se anemia
osteoporose, fraturas e hematomas subperiostais). macrocítica, podendo ocorrer leucopenia e/ou
As trabéculas da diáfise são indistinguíveis, e o osso trombocitopenia. Os leucócitos polimorfonucle-
exibe aparência de “vidro fosco”. ares se apresentam hipersegmentados. (veja em
Hematologia: Anemias Megaloblásticas).
Vitamina E
No organismo humano, a vitamina E parece de- Zinco
sempenhar papel importante na manutenção da in- A deficiência de zinco pode comprometer o cresci-
tegridade e estabilidade das membranas biológicas, mento, a função imune e o desenvolvimento neuropsico-
exercendo ação antioxidante eficaz. Atua prevenindo motor. As lesões de pele variam de dermatite pustular a
que os radicais livres catalisem a peroxidação de ácidos dermatite acro-orificial, anorexia, infecções recorrentes
graxos poli-insaturados da membrana celular. Suas e diarreia.
12
Imunizações
Nunca se dispôs, como agora, de tantas vacinas Imunobiológicos são produtos farmacológicos
eficazes e seguras. Esse fato, associado à evolução da de microorganismos, seus subprodutos ou compo-
vigilância epidemiológica, contribuiu sobremaneira nentes e que têm a capacidade de imunizar. As vaci-
para a prevenção de doenças, transformando radical- nas contêm agentes imunizantes (vírus ou bactérias)
mente a morbimortalidade na população pediátrica. que podem ser vivos atenuados (se assim não fossem
Imunizar significa “proteger” ou “tornar não suscetí- causariam doença natural), mortos (inativados), com-
vel à determinada doença”. O processo de imunização ponentes da estrutura viral ou bacteriana ou toxoides
pode ser ativo ou passivo. Na imunização ativa o in- (toxinas ou produtos de microorganismos inativados).
divíduo é estimulado a desenvolver defesa imunológi- Imunoglobulinas humanas são imunobiológicos ob-
ca contra futuras exposições à doença, naturalmente tidos do fracionamento de plasma de doadores. São
(determinada por uma doença em curso) ou artificial- soluções proteicas muito concentradas que contêm
mente (utilizando-se de vacinas). Na imunização pas- anticorpos, principalmente da classe IgG, disponíveis
siva o indivíduo exposto ou em vias de se expor recebe para uso parenteral. As chamadas imunoglobulinas
anticorpos pré-formados, naturalmente (anticorpos “normais” são inespecíficas, com concentrações de
maternos transplacentários ou pelo leite materno) ou anticorpos que refletem as doenças mais prevalentes
artificialmente (administração parenteral de imuno- do meio que vivem os doadores, e têm particulares
globulinas). Na imunização passiva a proteção aconte- indicações na prática clínica. Em Pediatria, as situa-
ce mais rápido; porém, com duração menor. ções mais conhecidas com indicação dessas imunoglo-
94
Puericultura
bulinas inespecíficas são para reposição nos quadros senta de forma atenuada na vacina, determinando o
de imunodeficiências primárias ou secundárias, para aparecimento da doença que se deseja prevenir. Por
o pós-TMO (transplante de medula óssea) e por seus outro lado, a resposta à vacina pode estar comprome-
efeitos imunomoduladores na doença de Kawasaki tida, re-comendando-se, habitualmente, o adiamento
(prevenção do aneurisma coronariano) e na púrpura da vacinação, particularmente naquelas situações em
trombocitopênica idiopática. que a imunodepressão é temporária. Dessa forma, nas
As imunoglobulinas hiperimunes (imunoglo- crianças infectadas com o HIV, existe contraindicação
bulinas específicas) contêm altos títulos de anticor- absoluta para o uso da vacina BCG naquelas já sinto-
pos para algumas doenças específicas, sendo várias máticas. Quando houver indicação de vacinação con-
disponíveis atualmente, como, por exemplo, para tra poliomielite em pacientes imunocomprometidos
a hepatite B, tétano, varicela e raiva. Atualmente, ou pessoas de contato próximo, estes devem receber,
também está disponível formulação com anticorpos preferencialmente, a vacina contra pólio inativada
monoclonais específicos para vírus sincicial respi- (VIP). As vacinas para sarampo, caxumba e rubéola
ratório, com particular indicação para profilaxia da não devem ser aplicadas em crianças com HIV sinto-
doença respiratória em prematuros. Outro conceito máticas ou com imunodepressão grave.
básico importante é o de “soro”, que corresponde ao O uso de corticosteroides constitui a situação
produto farmacológico constituído de anticorpos clínica mais comum em que se cogita a eventual con-
heterólogos obtidos a partir do plasma de animais traindicação ou adiamento da vacinação. Existe certo
imunizados, como no caso dos soros antitetânico, consenso de que há contraindicação para utilização de
antibotulínico e todos os antiofídicos. vacinas com vírus vivo ou bactérias atenuadas para
Nesse capítulo, atenção particular será conferida pa-cientes em tratamento com doses altas, equivalen-
às vacinas, suas indicações e calendário, por corres- tes a 2 mg/kg/dia de prednisona (crianças) ou mais de
ponderem às ações do dia a dia da Pediatria. 20 mg/dia para adolescentes e adultos, por mais de
duas semanas. Outras terapêuticas imunodepressoras
(quimioterapia antineoplásica, por exemplo) também
se enquadram nessa contraindicação. Cabe ressaltar,
porém, que não constitui contraindicação a qualquer
vacina o tratamento sistêmico com corticosteroides
Contraindicações por curta duração (menos que duas semanas), doses
baixas, independentemente do tempo ou doses de ma-
verdadeiras e falsas nutenção fisiológica. O uso tópico e inalatório dessas
medicações também não representa qualquer proibi-
Entende-se por contraindicação, uma condição ção ao uso de vacinas.
na pessoa a ser vacinada que aumenta em muito o Mulheres grávidas não podem receber vacinas
risco de um evento adverso grave, ou que torna o ris- vivas, pelo risco teórico de infecção fetal, embora não
co de complicações devido à vacina maior que o risco exista comprovação de que qualquer vacina, inclusive
da própria doença contra a qual se deseja proteger. contra rubéola, seja capaz de determinar malforma-
Isso significa uma proibição absoluta para a utiliza- ções congênitas. Entretanto, mantém-se essa con-
ção da vacina. As verdadeiras contraindicações po- traindicação. Recomenda-se, também, evitar a ges-
dem ser resumidas: tação até um mês após da aplicação da vacina para a
para vacinas de agentes vivos (bactérias/vírus rubéola. As vacinas com agentes inativados não são
atenuados): imunossupressão e gravidez; contraindicadas na gestação.
As alergias das vacinas podem ser causadas pelo
para qualquer vacina: alergia grave (de natureza
próprio antígeno vacinal ou por outros componentes
anafilática) a componentes da vacina ou a uma
do produto (conservantes, estabilizadores e antibióti-
dose anterior;
cos eventualmente presentes). Só existe contraindica-
para vacinas contendo o componente pertussis: ção ao uso de uma vacina quando houver história de
encefalopatia pós-vacinal nos primeiros sete reação anafilática após exposição anterior a ela ou a
dias após aplicação da dose. um de seus componentes (comprometimento multis-
As imunodeficiências, adquiridas (drogas imu- sistêmico com urticária, sibilos, laringoespasmo, an-
nodepressoras e infecção pelo vírus da imunodeficiên- gioedema, hipotensão e choque).
cia humana – HIV) e congênitas, representam clássica Na prática, a preocupação maior é a da alergia ao
contraindicação para vacinas com agentes atenuados. ovo, pois algumas vacinas, como a da febre amarela e
Os problemas relacionados à administração de vaci- influenza atualmente usadas no Brasil são produzidas
nas para essas pessoas são de dois tipos. Pode haver em ovos embrionados. As vacinas contra sarampo e
proliferação do microorganismo quando ele se apre- caxumba são produzidas em cultura de fibroblasto de
galinha e contêm pouca quantidade de proteínas de cificação do fabricante) deve ser rigorosamente res-
ovo, não havendo mais, em nosso país, contraindica- peitado. De maneira geral, os imunobiológicos são
ção da aplicação da tríplice viral para o indivíduo que termolábeis. A maioria dos imunobiológicos deve ser
tem hipersensibilidade ao ovo. conservada a uma temperatura entre 2ºC e 8ºC. Ha-
Existem algumas situações em que, por precau- vendo aquecimento da geladeira de conservação das
ção, se recomenda o adiamento da vacinação: durante vacinas, todas elas devem ser desprezadas. A vacina
três meses após tratamento com imunossupressores; antipoliomielite oral pode ser congelada.
após administração de sangue/derivados ou imuno-
globulinas (risco de neutralização) e na vigência de
doenças agudas graves (interferência dos sintomas).
Algumas proibições equivocadas ainda persistem Calendários de
em relação à vacinação, constituindo as “falsas con-
traindicações”, absolutamente perigosas e representati-
vas de oportunidades perdidas. As seguintes situações,
vacinação
portanto, não representam qualquer problema ao se in- O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi
-dicar uma vacina: instituído em 1973 com o objetivo de coordenar as
doenças infecciosas agudas leves, eventualmen- ações de imunização em todo o território nacional.
te com febre baixa, como afecções de vias aéreas Desde então, com base na vigilância epidemiológica
e diarreias leves/moderadas (geralmente pos- de doenças imunopreveníveis, são traçadas estraté-
terga-se a administração das vacinas orais em gias para a utilização de imunobiológicos. O calendá-
quadros diarreicos graves com vômitos); rio deve ser dinâmico e adaptações estaduais even-
uso de antimicrobianos; tualmente podem ser realizadas. O calendário básico
do PNI atualmente utilizado no Brasil (quadro 11.1)
reação local a uma dose prévia de vacina (dor e
contempla as vacinas contra as doenças: tuberculose,
eritema);
hepatite B, poliomielite, difteria, tétano, coqueluche,
história ou diagnóstico clínico pregresso da do- doenças causadas pelo pneumococo e meningococo C,
ença contra a qual se vai vacinar; doenças invasivas pelo Haemophilus influenza B, doen-
doença neurológica estável; ça causada pelo rotavirus, febre amarela, sarampo, ca-
xumba, rubéola, hepatite A, varicela, gripe e doenças
antecedente familiar de convulsão; causadas por alguns tipos de papilomavirus humano
tratamento com corticoesteroides em doses não (HPV). É considerado um dos melhores programas de
imunodepressoras; saúde do Ministério da Saúde e das Secretarias Esta-
gravidez da mãe ou comunicante; duais e Municipais de Saúde, por proporcionar tanto
uma eficiente cobertura vacinal quanto pela boa qua-
aleitamento materno; lidade das vacinas; também, em última análise, pela
internação hospitalar (cuidado apenas com a competência com que esse programa é conduzido no
vacina oral contra a poliomielite em am-biente ser-viço público de saúde. Entretanto, não é um calen-
de tratamento intensivo); dário ideal (embora gradativamente se aproxime de
ser). É sim, no momento, um calendário considerado
desnutrição, prematuridade ou baixo peso ao
possível, dentro dos re-cursos financeiros disponíveis,
nascimento (uma ressalva especial refere-se à
vacina BCG, que não deve ser administrada em ou que pelo menos, o país disponibiliza atualmente
crianças com menos de 2 kg). para utilização no programa de imunizações.
Idade Vacinas
Ao Vacina BCG (dose única)
nascer Vacina hepatite B
Vacina pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B) –
Segurança e primeira dose
Vacina contra a poliomielite – primeira dose com
conservação 2 vacina inativada (VIP)
meses Vacina de rotavírus humano (VORH) oral – pri-
A confiabilidade e a segurança da vacina depen- meira dose
dem de vários fatores: armazenamento adequado do Vacina pneumocócica 10 (conjugada) – primeira
produto, manipulação correta e, obviamente, do co- dose*
nhecimento desses fundamentos pelos profissionais 3 Vacina meningocócica C (conjugada) – primeira
envolvidos na vacinação. O prazo de validade (espe- meses dose**
Idade
Ao nascer 2m 3m 4m 5m 6m 7m 12m 15m 18m 4-6a 11a 14-16a
BCG x
Hepatite B x x x x
DTP/DTPa1 x x x x x
dT/dTpa2 x
Hib3 x x x x
VIP/VOP4 x x x x x
Pneumoco-cócica con-jugada5 x x x x
Meningocó-cica C e A,C,W,Y
x x x x x
con-jugadas
Meningocó-cica B re-combinante x x x x
Rotavírus x x
Influenza x x anual até 5 anos
Sarampo Caxum-ba/rubeola/
x X
Varicela (SCRV)
Hepatite A X x
HPV Meninos e meninas a partir dos 9 anos de idade
Febre ama-rela A partir dos 9 meses
Quadro 11.2 Calendário de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria – 2016. Fonte: adaptado de Socie-
dade Brasileira de Pediatria – www.sbp.com.br. 1. DTP/DTPa – Difteria, tétano e pertussis (tríplice bacteriana). A
vacina DTPa (acelular) quando pos-sível deve substituir a DTP (células inteiras) pois tem eficácia similar e é menos
reatogênica. 2. dT/dTpa – Adolescentes e adultos com esquema primário de DTP ou DTPa completo devem receber
reforços com dT a cada 10 anos, sendo que preferencialmente o primeiro reforço deve ser realizado com dTpa. No
caso de esquema primário para tétano incompleto ou desconhecido um esquema de três doses deve ser indicado,
sendo a primeira dose com dTpa e as demais com dT. 3. Hib – A vacina pentavalente do PNI protege contra difteria,
tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae b (conjugada). A vacina é recomendada em três doses, aos
2, 4 e 6 meses de idade. Quando utilizadas as vacinas combinadas com componente pertussis acelular (DTPa/Hib/
IPV, DTPa/Hib, DTPa/Hib/VIP/Hepatite B), disponíveis em clínicas privadas, uma quarta dose da Hib deve ser aplicada
aos 15 meses de vida. 4. VIP/VOP: As duas primeiras doses, aos 2 e 4 meses, devem ser feitas obrigatoriamente com
a vacina inativada (VIP). A recomendação para as doses subsequentes é que sejam feitas preferencialmente também
com a vacina inativada (VIP). As doses de VOP podem ser administradas nos Dias Nacionais de Vacinação.5. Pneumo-
cócica conjugada (13-valente) é recomendada a todas as crianças até 5 anos de idade.
Vacina BCG
A vacina BCG é constituída por bacilos vivos atenuados de Mycobacterium bovis (bacilo de Calmette e Guérin)
e fornece proteção contra formas graves de tuberculose, causadas pela disseminação hematogênica, como a forma
miliar e a meningite. É aplicada o mais precocemente possível, de preferência ao nascimento, exclusivamente
por via intradérmica, na inserção inferior do músculo deltoide no braço direito. Recomenda-se adiar a vacinação
em crianças com afecções dermatológicas extensas e em atividade, pacientes com peso inferior a 2000 g ou que
fizeram uso de imunossupressor ou corticosteroide em alta dose. Filhos de mães infectadas pelo HIV e crianças
infectadas que estejam assintomáticas podem receber a vacina a partir do nascimento; contudo, está contraindi-
cada nos pacientes sintomáticos.
A vacina BCG provoca reação tecidual local, levando à formação de mácula avermelhada com enduração de
até 15 mm (1ª e 2ª semana), evoluindo para pústula com amolecimento central (3ª e 4ª semana), úlcera (4ª e 5ª
semana) e finalmente para a pequena cicatriz (6ª a 12ª semana). O tempo habitual de evolução da lesão, portanto,
é de seis a doze semanas, mas pode chegar até 24 semanas. Cerca de 5%-10% das crianças não apresentam cica-
triz vacinal após a primovacinação, seja por técnica de aplicação inadequada ou por características individuais, e
devem ser revacinadas seis meses depois sem necessidade de teste tuberculínico prévio.
Pode ocorrer enfartamento ganglionar (axilar, supra ou infraclavicular) de três a seis semanas após a vaci-
nação. Normalmente esse enfartamento é homolateral ao local da aplicação, firme, móvel e indolor, medindo até
3 cm e sem sintomatologia sistêmica. O desaparecimento é espontâneo em um a três meses e não há necessidade
de tratamento.
2012, ela era administrada por via oral em três doses lhas e sítios de administração. A via de administra-
(2-4-6 meses), com reforços aos quinze meses e qua- ção da VIP é intramuscular. O Ministério da Saúde
tro anos. Recentemente, diante da preferência e supe- continua realizando uma campanha nacional de va-
rioridade da vacina inativada (VIP), vários países não cinação contra poliomielite, utilizando a VOP para as
endêmicos já instituíram essa prática, abolindo o uso crianças menores de cinco anos e, agora, maiores de
da vacina oral. É inegável o sucesso e a contribuição da doze meses.
utilização da VOP na erradicação da poliomielite; a in- Recomenda-se também a vacina inativada (todas
terrupção do seu uso deverá ser cuidadosamente pro-
as doses) para crianças imunodeprimidas ou que se-
gramada e planejada. As principais estratégias a serem
jam contactantes de indivíduos imunodeprimidos. Ao
consideradas após a interrupção da VOP, mundial-
final de 2015, ainda temos no mundo dois países endê-
mente, são uma vigilância ativa e a não interrupção da
micos para poliomielite (impossibilitando o abandono
imunização com a vacina poliomielite inativada - VIP.
da vacinação contra essa doença). Em alguns países,
Como países desenvolvidos e em desenvolvimento
por movimentos migratórios, a poliomielite pode ser
declararam a intenção de continuar com a imuniza-
reintroduzida. Tão importante ainda é o aparecimen-
ção de suas populações, mesmo após a erradicação do
to em passado recente de surtos de poliomielite causa-
poliovírus selvagem, a VIP deverá ser utilizada nesses
da por vírus mutante (poliomielite vacinal), inclusive
países para prevenir a reintrodução do vírus selvagem
pelo vírus 2 (estando o selvagem erradicado!), em al-
e o ressurgimento da poliomielite. O Brasil, visando
guns locais no mundo. Apenas a vacina oral não erra-
cumprir esta determinação introduziu, em agosto de
dicará a doença. A imunidade não é adequadamente
2012, a vacina inativada poliomielite (VIP) em es-
alcançada com a VOP em países em desenvolvimento.
-quema sequencial com 2 doses de VIP e as demais de
Enquanto a soroconversão, em países desenvolvidos,
VOP. As doses da VIP visam minimizar o risco, que é
raríssimo, de paralisia associada à vacina, e as da VOP, é superior a 90% para PV1 e PV2 e inferior a 80%
manter a imunidade populacional (de rebanho) contra para PV3 em adolescentes e adultos jovens, nos paí-
o risco potencial de introdução de poliovírus selvagem -ses em desenvolvimento, ela parece ser ainda menor
através de viajantes oriundos de localidades que ain- (termoinstabilidade e interferência de outras entero-
da apresentam casos autóctones da poliomielite, por viroses), declinando com o tempo, fato responsável
exemplo. A vacina oral era a vacina de escolha pelo PNI pela doença em adultos. Até a obtenção de certificação
devido à facilidade de administração, com boa aceita- global de erradicação da poliomielite selvagem, há que
bilidade pelos pacientes e indução de imunidade in- se vacinar sempre, seja com VOP ou VIP. A cobertura
testinal. Os vírus vacinais que colonizam o intestino, vacinal deve ser mantida nos calen-dários de rotina e
são excretados em grande quantidade nas fezes (até nas atividades de campanha.
2 meses) e podem infectar secundariamente contatos No calendário da SBP, a vacina de vírus inativa-
suscetíveis do indivíduo vacinado (vacinação de reba- do contra a poliomielite (VIP) pode e deve substituir
nho). São administradas apenas duas gotas, sem ne- todas as doses da vacina oral contra a pólio (VOP).
cessidade de jejum prévio. A amamentação não inter- Mas recomenda-se que todas as crianças com menos
fere na imunização. Entretanto, durante a replicação, de cinco anos de idade recebam VOP nas campanhas
o vírus vacinal pode sofrer mutação, com aumento da nacio-nais de vacinação. A VIP é, assim como a VOP,
neurovirulência e, eventualmente, da transmissibili- uma vacina trivalente, contendo poliovírus dos tipos
dade; portanto, a complicação vacinal mais temida é 1, 2 e 3, e inativados por formaldeído. A desvantagem
a poliomielite aguda que ocorre (com risco maior nas é não promover a imunidade coletiva, além do custo
primeiras doses), em cerca de 1:2,5 a 3 milhões de apli- mais elevado. Em compensação, não corre o risco de
cações, em pacientes imunocompetentes. Nos imuno- gerar cepas virais mutantes, capazes de produzir even-
comprometidos o risco é maior. tuais casos de paralisia associada à vacina. É a vacina
O esquema vacinal adotado a partir de 2016 não de eleição para imunossuprimidos. Indivíduos com
é mais o sequencial no primeiro ano de vida (VIP/VIP/ idade superior a sete anos não vacinados com a série
VOP); A terceira dose (6 meses) foi substituída por primária de VOP podem ser vacinados com três doses
VIP. Os reforços administrados aos 15 meses e 4 anos de VIP, respeitando-se o intervalo de quatro semanas
com vacina VOP permanecem. Permanece também entre as doses. A VIP pode ser associada a outras vaci-
uma campanha de vacinação indiscriminada anual, de nas (combinada), dando maior conforto, comodidade
crianças entre 1 e 4 anos. Também em 2016, ocorrerá e adesão. Vários países do mundo aplicam, de rotina,
a substituição da VOP trivalente pela VOP bivalente apenas a vacina VIP.
(poliovirus 1 e 3) As recomendações oficiais do Ministério da Saú-
A vacina poliomielite inativada pode ser admi- de, para dispensação e aplicação nos Centros de Re-
nistrada simultaneamente com qualquer outra vaci- ferência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), para
na recomendada pelo PNI. Em caso de administração crianças que não es-tão dentre as recomendações do
concomitante, devem ser utilizadas diferentes agu- PNI, compreendem:
A presença de convulsões (com ou sem a presença ção pelo fato de serem reservatório de infecção para
de febre) até 72 horas após a vacinação é considerada crianças pequenas que ainda não foram completamen-
uma reação adversa importante e indica a substituição te vacinadas. A coqueluche é altamente contagiosa e
pela vacina tríplice acelular (DTPa) nas próximas doses. sua taxa de ataque pode chegar a 90% entre contatos
A síndrome hipotônica hiporresponsiva (SHH) não imunizados. A imunização em massa de crianças
caracterizada por hipotonia, sudorese fria e diminui- com a vacina DTP reduziu a incidência e mortalidade
ção da resposta a estímulos ocorre nas primeiras 48 entre crianças até quatro anos de idade. Visto que a
horas pós-vacinação numa frequência de 1:1.750 casos. imunidade adquirida com a vacinação não é duradou-
Quando o paciente apresenta SHH é indicada a substi- ra, as altas taxas de cobertura vacinal determinaram
uma mudança no padrão da infecção; a B. pertussis
tuição da DPT pela DTPa, nas vacinações subsequentes.
passou a circular principalmente entre adolescentes
A encefalopatia aguda pós-vacinal caracteriza-se e adultos, que passaram a ser as principais fontes de
por convulsões, alteração grave do nível de consciência infecção. O aumento da incidência da coqueluche pode
e alteração do comportamento por até sete dias após ser muito maior do que se pensa. Entre adolescentes
a aplicação da DPT. É um quadro raro (1:110.000) e e adultos, a doença manifesta-se de forma branda e
parece não estar relacionado à lesão neurológica per- inespecífica na maioria das vezes, com apenas tosse.
manente. Contraindica-se a DPT e a DTPa após este Muitos pacientes nem procuram atendimento médi-
evento adverso, com utilização da DT (dupla infantil) -co. Por isso, nessas faixas etárias, a coqueluche é
nas doses subsequentes. pouco diagnosticada e subnotificada. O grupo etário
A vacina tríplice acelular é uma vacina contra dos menores de um ano de idade, particularmente
difteria, tétano e coqueluche, que não contém a bac- os menores do que seis meses, são os mais acometi-
téria Bordetella pertussis inteira. Ela é preparada com dos pela coqueluche. Nessa idade, os lactentes ainda
componentes antigêni-cos da B. pertussis tornados não receberam o esquema de vacinação completo e
atóxicos (inativados) por tratamento químico ou por os níveis de anticorpos maternos que passaram pela
engenharia genética, além dos toxoides diftéricos ou via transplacentária não são suficientes para garantir
tetânicos. É eficaz e, consideravelmente, com menos a proteção contra a doença. Além disso, a ocorrência
efeitos adversos que a vacina celular. A SBP indica a de complicações, a taxa de hospitalização e de letali-
DTPa como opção à DPT, sendo administrada, inclu- dade por coqueluche entre crianças menores de seis
sive, no mesmo esquema de doses (dois, quatro, seis, meses são bem maiores que em adolescentes ou adul-
quinze meses e quatro a seis anos de idade). Os efeitos tos. A principal fonte de infecção para as crianças são
adversos são os mesmos da DPT, mas com intensidade os contatos domiciliares. O aumento da ocorrência da
muito menor. doença entre adolescentes e adultos está diretamente
associada ao aumento da doença entre os lactentes. A
O Ministério da Saúde indica a substituição da elevada taxa de incidência e a gravidade da coqueluche
DPT pela DTPa (disponível nos CRIEs) quando: entre os bebês, o reconhecimento de que os contatos
após o recebimento de qualquer uma das doses domiciliares adultos são os principais reservatórios
da vacina tríplice bacteriana de células inteiras de infecção para essas crianças e a disponibilidade da
apresentem convulsões até 72 horas ou episó- vacina difteria, tétano e pertussis acelular (dTpa) para
dio hipotônico hiporresponsivo nas primeiras as pessoas maiores de 7 anos (tríplice ace-lular do
48 horas; adulto), propiciou a discussão de novas estratégias de
a criança apresenta doença pulmonar ou cardí- vacinação contra a coqueluche. A vacina tríplice ace-
aca crônica com risco de descompensação em lular do adulto contém menor quantidade de toxoide
vigência de febre; diftérico e dos componentes acelulares de coqueluche
pacientes com doença neurológica crônica inca- (dTpa), e concentrações semelhantes de toxoide tetâ-
pacitante; nico em comparação com a tríplice acelular da criança
(DTPa). A substituição da dupla adulta para adolescen-
doença convulsiva crônica.
tes pela tríplice acelular adulta, portanto, é justificável
Um detalhe importante é que, quando a vaci- e pre-conizada pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
na tríplice acelular é realizada de forma combinada Essa vacina não está disponível em Saúde Pública.
com a anti-hemófilos (tetravalente acelular), existe Algumas entidades, como a Sociedade Brasileira de
formalmente indicação de reforço de vacina para Hib imunizações chegam a recomendar que o reforço com
aos 15 meses de idade. Deve-se salientar que isso não dTpa seja antecipado para os 10 anos, devido à perda
é reali-zado se a composição não é a acelular (calen- rápida de proteção para coqueluche.
dário do PNI). Outra estratégia iniciada em 2015 foi a introdu-
Nos últimos anos tem havido relato de aumento ção da tríplice acelular do adulto para as gestantes,
de casos de coqueluche em alguns países, especialmen- no sistema público (PNI). Gestantes vacinadas po-
te entre adolescentes e adultos, o que causa preocupa- dem oferecer proteção vacinal indireta (passagem de
anticorpos) aos seus bebês recém-nascidos, promo- ção mais segura e eficaz contra o sarampo, protegen-
vendo a redução de casos e óbitos pela doença nesta do também contra a rubéola e a caxumba. A rubéola
faixa etária. A vacina é indicada para as gestantes a também é uma doença exantemática de transmissão
partir da vigésima sétima semana, preferencialmen- respiratória, com sintomas/sinais mais brandos que o
te, até a trigésima sexta semana de gestação, inde- sa-rampo. Entretanto, a infecção no primeiro trimes-
pendentemente do número de doses prévias de dT tre de gestação pode levar ao abortamento, óbito fe-
(dupla adulta). A vacina dTpa deve ser administrada tal ou síndrome da rubéola congênita, com múltiplas
a cada gestação considerando que os anticorpos têm malformações no neonato.
curta duração; portanto, a vacinação durante uma
Apesar dos progressos alcançados em relação à
gravidez não manterá alto nível de anticorpos prote-
eliminação dessas doenças, a circulação endêmica do
tores em gestações subsequentes.
vírus do sarampo permanece em diferentes países do
mundo (onde a cobertura vacinal está abaixo da ne-
cessária). A circulação endêmica do vírus do sarampo
foi interrompida no Brasil em 2000; a partir dessa
data, casos esporádicos e surtos limitados, resultan-
Vacina contra o rotavírus tes da importação do vírus ocorreram, com destaque
para surtos em 2013 (220 casos) e 2014 (um recorde
A vacina contra rotavírus disponível no PNI é de 876 casos). No ano de 2015 (dados não finalizados
uma vacina atenuada, monovalente (G1P[8] – o so- até novembro), foram 214 casos. O Brasil registrou
rotipo de rotavírus mais comum globalmente). Sua atividade sustentada do sarampo entre 2013 e 2015
administração é exclusivamente oral e, caso a criança em Pernambuco e Ceará, surto considerado encerrado
vomite ou regurgite, nova dose não deve ser adminis- em setembro de 2015.
trada. O esquema vacinal recomendado é de duas do- Em abril de 2015 a região das Américas foi de-
ses, aos dois e quatro meses de idade. A idade mínima clarada pela Organização Mundial de Saúde como a
da primeira dose é 1 mês e 15 dias e a máxima, 3 me- primeira região do mundo livre da transmissão endê-
ses e 15 dias. Para a segunda dose, a idade mínima é de mica da rubéola e da síndrome da rubéola congênita
3 meses e 15 dias e a máxima, 7 meses e 29 dias. e em dezembro desse mesmo ano o Brasil recebeu o
As contraindicações são: imunodeficiência con- certificado de eliminação da rubéola. Toda atenção é
gênita ou adquirida; uso de corticosteroides em doses pouca, portanto, para a manutenção dessas condições
elevadas ou crianças submetidas a outras terapêuticas favoráveis daqui para frente.
imunossupressoras (quimioterapia, radioterapia); re- A tríplice viral é uma vacina combinada, que con-
ação alérgica grave a um dos componentes da vacina tém vírus atenuados do sarampo, da caxumba e da ru-
ou em dose anterior; história de doença gastrointesti- béola. É aplicada por via subcutânea, aos doze meses
nal crônica; malformação congênita do trato digestivo
de idade e aos quinze meses. Na dose de quinze meses,
e história prévia de invaginação intestinal. Não está
atualmente aplica-se, no PNI, a vacina quadrivalente
contraindicada para crianças que convivem com ges-
viral (proteção associada para varicela).
tantes ou imunodeprimidos.
Todas as crianças e adolescentes devem receber
Existe outra vacina disponível para rotavírus,
ou ter recebido duas doses de SCR até o fim da adoles-
disponível nas clínicas privadas. Trata-se de uma va-
cência. Não é necessário aplicar mais de duas doses.
cina pentavalente, que é administrada em três doses
Devido à utilização de células de embrião de galinha
(2, 4 e 6 meses). A eficácia das duas vacinas é bastante
no preparo da vacina, pacientes com antecedente de
semelhante entre elas (redução de cerca de 80 a 90%
anafilaxia após ingestão de ovo de galinha tinham sua
das formas graves de gastrenterite).
aplicação contraindicada; hoje, nas novas recomenda-
ções em nosso país, não ocorre mais essa contraindica-
ção. O PNI, como precaução, recomenda que mulheres
grávidas não sejam vacinadas e que, após receber a
vacina, as mulheres evitem gravidez por um mês. Por
Vacina tríplice viral (SCR) se tratar de uma vacina de vírus vivo, não deve ser ad-
ministrada em crianças com imunodeficiência grave.
O sarampo é uma doença altamente transmissí- A vacina contra SCR é bem tolerada. Podem ocorrer
vel (via respiratória), sendo estimado que 90% de in- dor e eritema no local da aplicação, além de linfoade-
divíduos suscetíveis expostos a uma pessoa infectada -nopatia local. Após cinco a doze dias da vacinação, al-
contrairão a doença. Um caso de sarampo introduzido guns pacientes podem apresentar febre, conjuntivite
em uma população não imunizada infectará de 12 a ou quadro catarral. Exantema pode aparecer do 7º ao
18 pessoas. A vacina tríplice viral é a medida de prote- 10º dia em cerca de 5% dos casos.
eficaz para crianças abaixo dos dois anos de idade. A adicional com a vacina 13-valente, até os 5 anos de
eficácia para as formas graves da doença para adul- idade. Crianças com risco aumentado para doença
tos, idosos e pacientes com doença de base situa-se pneumocócica invasiva (DPI), entre 2 e 18 anos de
ao redor de 75%. Na vacinação para indivíduos com idade, devem receber uma dose adicional com a vaci-
mais de dois anos, adultos e idosos, essa é a vacina na 13-valente. Para crianças e adolescentes com risco
utilizada e aplicada em grupos especiais, como ido- aumentado para DPI recomenda-se também a vaci-
sos hospitalizados e institucionalizados, indivíduos na pneumocócica polissacarídica 23-valente, mesmo
com doenças crônicas cardiovasculares, pulmonares, que tenham recebido a vacina pneumocócica conju-
renais, metabólicas (DM), hepáticas e hemoglobino- gada anteriormente. Uma única dose de revacinação
patias e imunodeprimidos. com a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valen-
te deve ser administrada uma única vez 5 anos após a
primeira dose para as pessoas com risco aumentado
de DPI.
Vacina antipneumocócica
conjugada
As vacinas conjugadas são aquelas nas quais os
antígenos bacterianos (nesse caso, o polissacaríde do
pneumococo) são ligados a carreadores proteicos, fa-
Vacinas contra o
cilitando o processamento pelos linfócitos T, gerando
então uma resposta de longa duração de anticorpos meningococo
pro-tetores, com memória e protetora mesmo em
A doença meningocócica (DM) é um dos gran-
lactentes jovens. A vacina pneumocócica 7-valente,
des problemas de saúde pública. A gravidade e dra-
desde 2002 no Brasil (não disponível atualmente) que
maticidade dos quadros deve-se, em geral, à evolu-
continha sete sorotipos de pneumococo (4, 6B, 9V, 14,
ção rápida e com alta letalidade, em torno de 15 a
18C, 19F, 23F), desde sempre foi preconizada pela So-
20%. Dos que sobrevivem, chama atenção também
ciedade Brasileira de Pediatria. A vacina pneumocóci-
a frequência de sequelas permanentes (10 a 20%).
ca conjugada introduzida no calendário do PNI foi a
Acomete pessoas de todas as faixas etárias, porém
VPC-10, chamada de 10-valente, por conter, além dos
a maior incidência é em crianças menores de cinco
sorotipos contemplados pela 7-valente, mais três so-
anos de idade, sobretudo nos menores de um ano.
rotipos (1, 5 e o 7F). Os sorotipos 1 e 5 são importan-
Em situações de surtos observa-se uma distribuição
tes agentes de pneumonia em nosso meio. No período
da DM entre adolescentes e adultos jovens. Cinco
de 2000 a 2008, foram identificados no Brasil, 32 so-
sorogrupos (A, B, C, W e Y) respondem por quase
rotipos de pneumococo (Projeto SIREVA de vigilância
todos os casos da doença no mundo, com marcan-
epidemiológica de S. pneumoniae na América latina);
tes diferenças regionais e temporais. Outro aspec-
através de cálculos, considerou-se o impacto da vaci-
to epidemiológico importante é o comportamento
na 10-valente na prevenção da doença pneumocócica
flutuante da distribuição epidemiológica dos vários
grave em 80,1%.
sorogrupos de meningococo. Assim, hoje, em nosso
No PNI, a vacina 10-valente era preconizada aos país, o sorogrupo C é o predominante, seguido pelo
2, 4 e 6 meses, com reforço aos 12 meses. A partir de sorogrupo B. Essa não era a distribuição na década de
2016, adota-se o esquema básico de duas doses (2 e 4 90; portanto, em curto espaço de tempo, a frequência
meses) e reforço, esquema tão efetivo quanto o inicial- relativa de cada sorogrupo pode mudar. No estado de
mente adotado. Para as crianças de 12 meses a 4 anos, São Paulo (dados obtidos no site do CVE – Centro de
não vacinadas, administrar dose única. Vigilância Epidemiológica), no ano de 2014, 65,2%
Mais recentemente, foi lançada no mercado dos casos de DM foram causados pelo sorogrupo C,
privado a vacina 13-valente que inclui, além dos 10 22,5% pelo sorogrupo B, 6,9% pelo sorogrupo W e
sorotipos presentes na VPC-10, os sorotipos 3, 6A e 4,9% pelo sorogrupo Y. Com pequenas variações re-
19A, ampliando mais ain-da a cobertura para a doen- -gionais, de forma geral, é essa também a distribui-
ça pneumocócica. ção no território brasileiro.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda Vários fatores de risco relacionam-se com a do-
vacinação para o pneumococo para todas as crianças ença meningocócica, das quais, os mais estudados são
até 5 anos de idade. Recomendam-se três doses da as deficiências imunológicas, particularmente do sis-
vacina pneumocócica conjugada (idealmente 13-va- tema complemento. Entretanto, deve-se ressaltar que
lente) no primeiro ano de vida (2, 4, 6 meses), e uma a maioria dos casos (>90%) de doença meningocócica
dose de reforço entre 12 e 15 meses de vida. Crianças ocorre em pessoas previamente saudáveis. Daí a im-
saudáveis que fizeram as quatro primeiras doses com portância da vacinação tanto para grupos vulneráveis
a vacina 7 ou 10-valente podem receber uma dose quanto para indivíduos saudáveis.
Figura 11.1 Área com e sem recomendação de vacinação contra febre amarela, Brasil, 2012. Fonte: SVS/MS
Figura 11.2 Área com e sem recomendação de vacinação contra febre amarela, São Paulo, 2011 Fonte: Centro de
vigilância epidemiológica (CVE)/SES-SP
A vacina contra a febre amarela é constituída por vírus vivos atenuados cultivados em células de embrião de
galinha; é, portanto, contraindicada nos alérgicos ao ovo. É administrada via subcutânea. Confere imunidade em
90%-95% dos vacinados a partir do 10º dia pós-aplicação (tempo de antecedência necessário em uma viagem).
A Organização Mundial da Saúde, em 2013, reviu alguns conceitos sobre a vacinação para febre amarela
no mundo e estabeleceu algumas recomendações, com destaque para que uma dose única da vacina seja con-
siderada suficiente para a proteção por toda a vida (não mais havendo a necessidade de doses a cada 10 anos).
Certos grupos de crianças e adultos apresentam sazonal e a vacina é indicada nos meses de maior pre-
maior risco de adquirir doença mais grave ou compli- valência da gripe, estando disponível apenas nessa
cações de influenza, visto que, nas crianças saudáveis, época do ano, sendo desejável a sua aplicação antes
a doença se apresenta de forma autolimitada e com do início da estação.
rara evolução para complicações. O vírus pandêmico As Campanhas Nacionais de Vacinação contra
H1N1 que começou a circular em 2009 foi associado influenza, para as pessoas com mais de sessenta anos,
com maior morbimortalidade do que o vírus sazonal foram iniciadas em 1999. Os idosos, em especial os
em alguns grupos de risco. Além do comprometimen- institucionalizados e portadores de doenças de base
to clínico da doença, deve-se considerar o efeito se- são alvos de sérias complicações pela gripe (pneumo-
cundário que a doença causa, determinando ausência nia primária viral, pneumonia bacteriana secundária,
em trabalho e escola. A criança representa importante exacerbação de doença pulmonar ou cardíaca crônica
vetor de disseminação da doença. e óbito). É importante esclarecer que as manifesta-
Imunização representa a mais efetiva estraté- ções clínicas respiratórias são causadas por numero-
gia de prevenir a infecção por influenza. O Centro de sos outros tipos de vírus, como o rinovírus (resfriado
Controle de Doenças (CDC) norte-americano, em con- comum), com vários casos coincidentes no período de
junto com a Organização Mundial de Saúde (OMS), circulação do influenza e não prevenidos pela vacina.
através de laboratórios-sentinela, monitoram os vírus Os reais benefícios dessa vacina estão na capacidade
circulantes nos surtos e definem a composição vacinal de prevenir a pneumonia viral primária, a complicação
anualmente (para hemisfério norte e sul), pois existe bacteriana, a hospitalização e a morte.
grande mutação viral. Atualmente a composição su- As contraindicações para o uso são: reação ana-
gerida para a confecção de vacina trivalente para in- filática em dose anterior e reação anafilática ao ovo
fluenza deve contemplar: A(H1N1), A (H3N2) e B. No (alergia ao ovo que não seja anafilática não constitui
Brasil, até o momento, apenas há licenciamento para a contraindicação). A vacina contra influenza pode ser
vacina inativada, de vírus fracionados (split). aplicada simultaneamente com outros imunobioló-
A Academia Americana de Pediatria e o Comitê gicos. Os eventos adversos mais comuns são as ma-
de Práticas de Imunização norte-americano, reco- nifestações locais como dor, edema e eritema, com
mendam, para o outono/inverno a vacinação univer- duração de um a dois dias. Manifestações sistêmicas
sal para todos os indivíduos com mais de seis meses como febre e mal-estar podem ocorrer em 10 a 30%
de idade. A vacinação é mandatória para profissio- dos vacinados, principalmente crianças pequenas. A
nais de saúde. vacina contra influenza não induz a manifestações de
sintomas de vias aéreas superiores, por ser composta
A vacina contra influenza está indicada pela So-
de agente morto.
ciedade Brasileira de Pediatria nos meses que antece-
dem o período de maior prevalência de gripe (outono A partir de 2015, em nosso país, dispomos tam-
e inverno). É recomendada dos seis meses aos cinco bém, no serviço privado, das vacinas quadrivalentes
anos de idade para todas as crianças. A partir de dessa para influenza. Conforme referido, as vacinas in-
idade, fica recomendada apenas para grupos de maior fluenza utilizadas em nosso país até então eram tri-
risco, segundo orientações dos CRIEs. Apresentam valentes, contendo uma cepa A/H1N1, uma cepa A/
maior risco de complicações as crianças portadoras de H3N2 e uma cepa B. As novas vacinas quadrivalentes
asma, fibrose cística e outras pneumopatias crônicas, contemplam, além dessas três, uma segunda cepa B e
cardiopatias com repercussão hemodinâmica, distúr- portanto, assim, nas vacinas quadrivalentes teremos
bios ou terapias imunodepressoras, incluindo HIV, as duas linhagens B. Como as trivalentes, as vacinas
anemia falciforme e outras hemoglobinopatias, doen- quadrivalentes são inativadas. Por alguns anos deve-
ça metabólica crônica, como o diabetes. Além destes, mos conviver com as duas vacinas. Como no passado
usuários crônicos de AAS, portadores de implante co- já tivemos vacinas monovalentes e bivalentes, a ten-
clear, contactantes de pacientes de risco e os idosos dência com o passar dos anos é só haver produção de
com mais de sessenta anos. Os profissionais de saúde, vacinas quadrivalentes.
pelo risco de disseminação, também devem ser imu-
nizados. Mulheres grávidas e obesos graves também
devem ser vacinados.
A primovacinação de crianças com idade infe- Vacina contra o HPV
rior a nove anos deve ser feita em duas doses, com
intervalo de um mês (no calendário da SBP, aos seis Existem mais de 200 genótipos diferentes do ví-
e sete meses). A partir dos nove anos de idade é ad- rus HPV, sendo 12 deles considerados oncogênicos e
ministrada apenas uma dose, anualmente. A dose de associados a neoplasias malignas do trato genital, en-
reforço no primeiro ano de vacinação é fundamental quanto os demais tipos virais estão associados a ver-
para garantir a proteção. A infecção por influenza é rugas (cutâneas e genitais). Os vírus oncogênicos mais
comuns são os HPV 16 e 18, responsáveis por cerca de segunda doses gera uma resposta imunológica mais
70% dos casos de câncer do colo do útero, enquanto os robusta. Estudos recentes mostram que o esquema
HPV 6 e 11 estão relacionados em até 90% das verru- com duas doses, apresenta uma resposta de anticor-
gas anogenitais. No Brasil, o perfil de prevalência de pos em meninas saudáveis de 9 a 14 anos de idade não
HPV é semelhante ao global, sendo cerca de 50% para inferior quando comparada com a resposta imune de
HPV 16 e 15% para HPV 18. Além do câncer do colo mulheres de 15 a 25 anos que receberam 3 doses. Isso
uterino, o vírus está associado a 90% dos casos de cân- gerou uma mudança no calendário de vacinação para
cer anal, 70% dos cânceres de vulva, vagina e pênis. o HPV que, a partir de 2016, passa a ser realizado com
A maioria das infecções pelo HPV é transitória, duas doses (0 e 6 meses), não sendo necessária a admi-
controlada pelo sistema imune e regridem entre seis -nistração da terceira dose.
meses e dois anos. Estima-se que cerca de 10% dos No PNI, também todas as meninas e mulheres de
infectados irão apresentar alguma manifestação clí- 9 a 26 anos que vivem com o HIV (infectadas) foram
nica, como a lesão precursora do câncer de colo de incorporadas como alvo prioritário da extensão de co-
útero ou verrugas. Condições como início precoce da bertura (esquema 0, 2 e 6 meses)
atividade sexual, elevado número de parceiros, taba- Nos serviços privados, a vacina quadrivalente
gismo, fatores genéticos e imunológicos aumentam está licenciada para meninas, meninos e adultos jo-
o risco para progressão da infecção pelo vírus para o vens, de 9 a 26 anos. A vacina bivalente (16 e 18)
câncer cervical. está licenciada somente para meninas e mulheres
A vacinação, conjuntamente com as atuais ações maiores de 9 anos (todas as idades), em três doses
para o rastreamento do câncer de colo uterino, possi- (0,1,6 meses). A Sociedade Brasileira de Pediatria
bilitará prevenir a doença nas próximas décadas. recomenda em seu calendário a vacinação contra o
No Brasil estão aprovadas duas vacinas con- HPV, a partir dos 9 anos, utilizando-se qualquer uma
tra o HPV, sendo elas a bivalente e a quadrivalente, das vacinas disponíveis.
de laboratórios diferentes. Essas vacinas contêm a Vários estudos demonstram que a melhor oca-
proteína L1 do capsídeo viral e são produzidas por sião para a vacinação contra o HPV é efetivamente na
tecnologia recombinante com o objetivo de obter faixa etária de 9 a 13 anos, antes do início das relações
partículas análogas virais (vírus-like particle ou VLP) sexuais. Além disso, nesse momento da vida, a vaci-
dos dois tipos mais comuns presentes nas neoplasias nação promove níveis de anticorpos mais altos que a
cer-vicais, o HPV 16 e o HPV 18. Além do tipo 16 e imunidade natural produzida pela infeção do HPV. Até
18, a vacina quadrivalente também previne infecções o momento não se sabe o correlato de títulos de anti-
pelos tipos 6 e 11. corpos e proteção; no entanto, os estudos de eficácia
O PNI, a partir de 2014, introduziu a vacina avaliaram o desfecho se as mulheres vacinadas apre-
quadrivalente recombinante contra o HPV. No ano de sentavam lesões precursoras de câncer e verrugas. A
2014, a população alvo foi de meninas de 11 a 13 anos; eficácia tem sido alta (98% para prevenção de colo de
no ano de 2015, foi de meninas de 9 a 11 anos. A par- útero e 100% para as verrugas genitais).
tir de 2016, será administrada para meninas de 9 a 13 A vacina HPV é segura e bem tolerada. Entretan-
anos. Quando introduzida no calendário público, a va- to, como toda vacina, pode apresentar eventos adver-
cina seria administrada em 3 doses, em um esquema sos, como reações locais (dor, eritema e edema no local
estendido de 0, 6 e 60 meses (um esquema alternati- da aplicação) ou sistêmicas (febre). Embora haja um
vo ao que consta na bula que é de 0, 2 e 6 meses). Há risco baixo, pela possibilidade de síncope, particular-
uma fundamentação para esse esquema que demons- mente na população adolescente, a vacina é adminis-
tra que o intervalo de seis meses entre a primeira e trada com o paciente sentado.
13
Segurança e prevenção
de injúrias na infância
É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 18: Estatuto da criança e do adolescente
envolve um grau de probabilidade que pode ser esti- crescente em nosso meio. Os acidentes são a maior
mado, tornando-o até certo ponto previsível e, algu- causa de morte entre 1 e 49 anos de idade nos pa-
mas vezes, reversível. Exemplificando: se uma criança íses desenvolvidos, onde as doenças infecciosas já
de dois anos sobe numa janela, é bastante provável estão sob controle. Destacam-se desse grupo os
que caia; essa probabilidade pode ser reduzida a zero acidentes de transporte/trânsito. Calcula-se que,
se houver grades na janela. O estudo epidemiológico para cada acidente fatal, existam de um a quatro com
dos acidentes fornece dados que permitem a criação sequelas ou invalidez permanente, 45 lesões que neces-
de estratégias de prevenção. sitam de internação hospitalar, 1.300 lesões que exigem
Atualmente, tem-se preferido não mais utilizar a tratamento médico ambulatorial em sala de emergência,
terminologia “acidente”, exatamente por essa caracte- e cerca de 2.500 lesões que nem sequer chegam aos servi-
rística fatalista que o termo embute. Define-se injúria ços médicos (a trágica pirâmide do acidente).
como “o dano físico que ocorre quando um corpo huma- Os acidentes resultam da interação desfavorável
no é subitamente submetido à energia em quantidade entre um agente (ex.: fogo ou produto químico) e um
que excede o limiar de tolerância fisiológica. As injúrias hospedeiro suscetível, a vítima (a criança ainda ima-
são classificadas, portanto, em não intencionais (termo tura, inquieta, curiosa, cheia de energia e incapaz de
que se prefere ao invés de acidente), que representam avaliar ou prever riscos), e ocorrem num ambiente
90% das injúrias e, injúrias intencionais (violência). propício (conjuntura onde ocorre, por exemplo, com
um adulto distraído em um espaço físico, como um
A experiência tem demonstrado que é impossível
lago ou uma escada).
determinar a segurança absoluta de qualquer produto,
objeto, equipamento ou condição. Sempre há um risco, Assim, entendemos as ações possíveis para a pre-
que pode ser maior ou menor na dependência de um nú- venção de acidentes:
mero muito grande e diversificado de fatores. Assim sen- enfraquecendo o agente ou impedindo seu con-
do, como é preciso com ele conviver, é indispensável que tato com a criança;
sejam tomadas providências para sua redução até um mantendo um ambiente adequado, amenizando
nível tolerável. É óbvio que não é possível prevenir todos os riscos;
as injúrias; entretanto, considera-se que essas “não pre-
veníveis” são aquelas que causam danos mais “leves” e
fortalecendo o hospedeiro, informando riscos,
instrumentando-o (ensinando-o a nadar, por
poderiam ser considerados resultantes das experiências
exemplo) e fornecendo modelos.
consequentes do desenvolvimento normal da criança.
Sabe-se também, mais modernamente, que as
Nas últimas décadas, o Brasil passou por mu-
estratégias de prevenção devem ser multidisciplina-
danças que desencadearam alterações nos perfis de
res, sendo os melhores programas, aqueles que combi-
morbimortalidade da sua população. Esse “processo
nam legislação, modificação de produtos, modificação
de transição epidemiológica” caracteriza-se pela
do ambiente, educação e existência de serviços apro-
substituição das doenças infecciosas e parasitárias
priados de emergência.
pelas doenças cardiovasculares, neoplasias e causas
externas. Ocorrem de maneira bem heterogênea em Grande parte dos acidentes na infância acontece
alguns locais de nosso país padrões de doenças típicas no ambiente doméstico. Vários pais não percebem as
de espaços sociais subdesenvolvidos e, em outros, do- situações cotidianas e domésticas de perigo. Deve-se
enças da sociedade moderna. lembrar, também, que as precárias condições socioe-
conômicas determinam um convívio constante com
Quando analisamos as injúrias não intencionais
riscos de acidentes. Em ordem decrescente de frequ-
que levam à morte, no mundo todo, observamos a se-
ência, a distribuição dos acidentes domiciliares se faz:
guinte frequência e distribuição (relatório OMS-2008):
na cozinha (cozinha não é lugar de recreação), no ba-
primeiro lugar: injúrias relacionadas ao tráfego nheiro e nas escadas.
(cerca de 22%);
A estratégia de prevenção pode ser ativa ou pas-
segundo lugar: afogamentos (cerca de 17%); siva. A primeira exige vigilância constante ou uma
terceiro lugar: queimaduras (9%); alteração do comportamento como, por exemplo, vi-
quarto lugar: quedas (4%), embora seja a pri- gilância familiar mais rigorosa ou o convencimento
meira causa em morbidade; de um adolescente a não ingerir bebidas alcoólicas ao
dirigir um veículo. As estratégias ambientais passivas
quinto lugar: intoxicações (3%). atuam por meio do uso de equipamentos, legislação
Quanto maior a idade, maior a importância ou instrumentos que previnem o acidente (por exem-
das injúrias não intencionais como causa de morta- plo, a cobertura de piscinas ou a tampa de segurança
lidade. As causas externas de morte (categoria que na embalagem dos medicamentos). Uma estratégia
engloba todos os acidentes, homicídios, suicídios de prevenção tem menor probabilidade de ser eficaz
e outras violências) têm apresentado tendência quando for necessária participação ativa.
14
Transporte veicular de crianças
A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa.
Art. 53: Estatuto da criança e do adolescente
A abertura do airbag (bolsa inflável), dispositi- licado problema nessa resolução do Contran. Segundo
vo muito eficiente para proteção de indivíduos acima a literatura científica conhecida nenhuma criança
de 14 anos, para crianças menores, no banco frontal, pode utilizar o cinto de segurança de adulto an-
pode determinar lesões graves ou fatais. Nessas condi- tes de atingir a estatura de 1,45 m, o que corres-
ções, portanto, esse dispositivo deverá ser desativado. ponde, tanto em meninos como em meninas, ao
Algumas outras orientações devem ser sempre percentil 97 para a estatura aos nove anos de ida-
lembradas: nunca transportar no colo, nunca trans- de e ao percentil 3 somente aos 13 anos de idade.
portar crianças no compartimento de bagagens, nun- Assim, é evidente que a obrigatoriedade do uso
ca compartilhar dispositivos ou cintos de segurança e de assentos de elevação ou dispositivos reposicio-
manter atenção ao fechamento das portas e às abertu- nadores do cinto de segurança não pode, em hi-
ras dos vidros traseiros. pótese alguma, ser retirada antes dos nove anos
e preferentemente deve ser mantida até os 13.
O Código Brasileiro de Trânsito determina Melhor ainda seria vincular tal obrigatoriedade à
como as crianças devem ser transportadas. Ne- estatura e não à idade.
gligenciar as normas de segurança no transporte
de crianças em veículo motor representa infra-
ção gravíssima (artigo 168). No código de trân-
sito, até o ano de 2008, só havia a recomendação
de que as crianças menores de dez anos deveriam Considerações sobre
ser transportadas em banco traseiro (artigo 64)
e deveriam usar, individualmente, cinto de segu-
rança ou sistema de retenção equivalente (embo-
atropelamentos
ra não regulamentasse, até pouco tempo, como Estatísticas globais indicam que cerca de meta-
se faria o uso desses dispositivos). de das mortes no trânsito se deve aos atropelamen-
tos. Diferentemente do que ocorre nos países desen-
Legislação (Código Brasileiro de Trânsito) volvidos, onde tem havido declínio significativo dos
As crianças com idade inferior a dez anos devem ser atropelamentos devido à exposição cada vez menor
transportadas nos bancos traseiros. das crianças ao risco do trânsito, no Brasil o proble-
Transportar crianças em veículo automotor sem observar as ma continua grave. A restrição da exposição ao tráfego
normas de segurança representa uma infração gravíssima nega o direito da criança à mobilidade e aumenta as
Transportar crianças menores de sete anos ou que não diferenças nas taxas de mortalidade entre diferentes
tenham condições de cuidar da sua própria segurança, classes socioeconômicas.
em motocicletas, também é uma infração gravíssima.
Para transitar em veículos automotores, os menores O crescimento infantil ocorre em etapas progres-
de dez anos deverão ser transportados nos bancos tra- sivas, que não podem ser vencidas antes do tempo.
seiros e usar, individualmente, cinto de segurança ou São características da criança:
sistema de retenção equivalente. dificuldade de localização precisa dos sons que
Nos veículos dotados exclusivamente de banco dian- ela ouve no tráfego;
teiro, o transporte de menores de dez anos poderá ser visão periférica diminuída;
realizado neste banco, desde que as normas de segu-
rança sejam observadas. até os sete anos, a criança tem capacidade
Se o número de crianças menores de dez anos ultra- de lidar apenas com um fato ou uma ação de
passar a capacidade de lotação do banco traseiro do cada vez;
carro, a criança de maior estatura poderá ser transpor- dificuldade de julgamento da distância de um
tada no banco dianteiro. objeto nas vias de tráfego;
Tabela 14.1 tendência à distração e ao comportamento
imprevisível;
O Contran (Conselho Nacional de Trânsi- necessidade de maior tempo para processamen-
to), na tentativa de corrigir essa falha do Códi- to de informações;
go, aprovou a Resolução Nº 277, de 28 de maio de pequena estatura, que prejudica visão pelo
2008, que prevê a obrigatoriedade do uso de ca- motorista.
deirinha nos carros de passeio para transportar
crianças de até sete anos e seis meses. Os infratores
são atualmente multados (multa, retenção do veículo e No primeiro ano de vida o risco de atropelamen-
sete pontos na carteira do motorista). Os modelos de to é baixo, dependendo das habilidades das pessoas
assentos são pelo Inmetro, que seguiu a Norma Técni- que levam as crianças, seja no colo ou em carrinhos.
ca NBR 14.400 e obriga os fabricantes a cumprirem as Por volta dos dois anos, as crianças se movem rapida-
especificações de segurança. Existe, entretanto, um de- mente e podem correr para a rua sem avisar. Elas não
conhecem as regras de segurança, ficando os adultos da criança (altura e massa) do que com sua ida-
responsáveis pelos cuidados. Não são visualizadas pe- de. O Código de Trânsito Brasileiro recentemente
los motoristas, nem possuem capacidade de julgar a tornou-se específico em relação ao transporte de
velocidade ou a distância dos veículos que se movem crianças em veículos de passeio.
em sua direção. O pré-escolar geralmente também não O lactente pequeno, até pouco tempo consi-
é visualizado, não possui capacidade de autoproteção e derado com um ano ou cerca de 9-10kg (segundo
acaba sendo atropelado em ambientes domésticos (es- nosso código de trânsito), deveria ser transpor-
tacionamentos ou garagens). Ele costuma correr entre tado de forma diferenciada devido à fragilidade
os carros, corre para o meio da rua, é incapaz de con- de sua musculatura, principalmente cervical. O
ter os impulsos, além de não possuir maturidade para assento infantil tipo “bebê-conforto” deve ser
respeitar as regras de segurança ou ser deixado sem instalado no banco traseiro, de costas para o
supervisão em áreas externas. No período escolar no- painel, preso ao banco pelo cinto de segurança,
ta-se um pico de incidência de atropelamentos entre com uma inclinação de 45 graus. Alguns modelos
cinco e nove anos, período este que se caracteriza pela possuem uma base que deve permanecer afixada ao
compreensão dos riscos, mas incapacidade de quanti- assento traseiro do veículo, com ajuda do cinto de se-
ficá-los, dificuldade em avaliar a velocidade dos veícu- gurança e a conchinha, onde a criança permanece res-
los, falta de concentração adequada e comportamento trita, e que pode ser destacada e utilizada para o trans-
impulsivo. Ao analisar o risco de atropelamentos porte da criança fora do veículo. O bebê é preso ao
sob a perspectiva do desenvolvimento neurop- assento por um sistema de contenção, com as al-
sicomotor, crianças menores de dez anos jamais
ças passando acima do ombro do lactente, apro-
poderiam enfrentar qualquer tipo de trânsito
ximando-se da região peitoral por um clip (e não
sem a supervisão direta de um adulto.
região abdominal) e seguindo juntas até o assen-
to, para a fixação entre as pernas do bebê. As al-
ças devem permanecer justas ao corpo, com folga
máxima de um dedo. A criança deve ser mantida
Dispositivos de retenção nessa cadeira até atingir o limite de peso ou até
que sua nuca (altura das orelhas) ultrapasse o
limite superior do encosto. Atualmente, uma sé-
infantis (DRI) rie de estudos recomendam que o transporte da
criança seja realizado com ela voltada para trás
A utilização de assentos de segurança para crian-
pelo maior tempo possível (2 anos até 4 anos,
ças está entre as mais importantes medidas preventivas
em alguns países). Dispositivos preparados para
para reduzir mortes e ferimentos decorrentes de aci-
essa função já existem no comércio.
dentes de trânsito. Os pais, transportadores e cuidado-
res de crianças, necessitam saber qual o local mais apro-
priado para transportá-las e a maneira mais segura de
equipar os veículos com assentos e cintos de segurança.
Os DRI são projetados para reduzir o risco em
caso de colisão ou desaceleração repentina do veículo,
limitando o deslocamento do corpo da criança.
As crianças pequenas devem ser transpor-
tadas em dispositivos conhecidos como “cadeiri-
nhas”. Ao adquirir esse dispositivo é necessário obser-
var sua adequação ao tamanho da criança que se quer
proteger. A classificação segue norma técnica do país de
origem. Por restrições financeiras, os pais acabam ad-
quirindo aqueles que poderão ser utilizados por mais
tempo. Nesses casos, especificamente, a cadeirinha
(por ter dimensões maiores) propiciará inicialmente
movimentação lateral excessiva da criança, e os pais de-
vem colocar cobertores ou toalhas de forma a preencher
os espaços vazios. A cadeirinha ideal é aquela ade-
quada ao tamanho e massa da criança, que me-
lhor se adapta ao banco do automóvel e que será
usada corretamente em cada transporte. Quanto
ao período de utilização da “cadeirinha”, ele está Figura 14.1 Esquema representando o transporte ad-
mais relacionado com as características físicas equado no veículo de uma criança com menos de 9 kg.
15
Abusos e maus tratos à criança
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade*,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
*Grifo nosso, atentando ao fato de ser o único mo-mento em que a expressão absoluta prioridade aparece em
nossa Constituição.
A criança vitimada é aquela a quem esses e, pela sua legitimidade, um orientador familiar
direitos são negados ou negligenciados, de uma no sentido da mudança desse quadro. Vale salien-
forma ou de outra. A negação desses direitos está di- tar seu papel de notificador de tais casos, já que a
retamente ligada à classe social em que a criança está situação de maus tratos exige, pela sua complexi-
inserida, configurando-se uma violência interclas- dade e competência, um trabalho conjunto envol-
ses. Negar vacina na política de saúde e/ou matrícula vendo outros órgãos e profissionais.
numa escola pública são formas de vitimá-la. A crian-
Justificada erroneamente pela falta de cultura ou
ça vitimizada é aquela que sofre violência dentro
condição social, a violência doméstica se perpetua de
do lar ou de instituições ditas de proteção, em
forma oculta e velada, independentemente de padrões
qualquer classe social; é uma violência intraclas-
culturais ou financeiros. A percepção de ruptura de vín-
ses sociais. Espancar uma criança ou assediar sexu-
culos entre pais e filhos pode ser o primeiro sinal de
almente uma adolescente é uma forma de vitimizá-la.
alerta para se definir que esta é uma criança que, não
A violência contra crianças e adolescentes vem tendo sido desejada ou por não estar sendo reconhecida
sendo assistida em todos os lugares do mundo e em to- como filha, estará em sérios riscos para maus tratos.
dos os níveis culturais e sociais, desde as mais remotas
eras. A família sempre teve o papel (teórico) do ninho
de proteção, amparo e sustento, inviolável e soberano.
Tipos de violência
Infelizmente, algumas vezes a violência contra as crian-
ças aí se instala. Em se tratando de maus tratos domés- Violência doméstica ou maus tratos
ticos, o pediatra pode exercer uma função de prevenção
significativa, com orientações simples e práticas, que fa- Violência extrafamiliar
zem a diferença no dia a dia dos cuidados com os filhos. Violência institucional
Além da prevenção, os profissionais de saúde pe- Violência social
diátrica são agentes importantes na detecção de Violência urbana
sinais de maus tratos na infância e adolescência Tabela 15.1
119
15 Abusos e maus tratos à criança
A síndrome de maus tratos na infância e do sa ter variabilidade nos diversos estudos, entre 60%
abuso infantil, que, ocorrendo no ambiente domi- e 80% das vezes o agressor é um dos pais biológicos
ciliar é entendida como violência doméstica, é de- ou, pelo menos, alguém do convívio diário da criança.
finida como todo ato ou omissão (o fenômeno pode Admite-se que tenham potencial agressivo, reprimido,
assumir forma ativa ou passiva), intencional ou não, que se torna manifesto sob uma condição aguda de es-
praticado por pais, parentes ou responsáveis (am- tresse. A pobreza e o alcoolismo são considerados ape-
pla gama de possíveis agressores) contra crianças e nas agentes desencadeantes e não causa da violência.
adolescentes (todas as faixas etárias) que, sendo ca- A violência ocorre em relações pessoais assimétri-
paz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico cas e hierárquicas, em que há desigualdade e relação de
à vítima, implica de um lado uma transgressão do subordinação. Além disso, sabe-se que a violência é um
poder/dever de proteção do adulto e uma negação fenômeno socialmente aprendido e, desta forma, pode
do direito que crianças e adolescentes têm de ser ter transmissão intergeracional. A criança que aprende
tratados como sujeitos e pessoas em condição pe- que o conflito é uma forma de resolução de problemas,
culiar de desenvolvimento. certamente, o usará para resolver seus problemas.
Em 1946, um radiologista pediátrico americano, Muitas vezes os agressores usam inicialmente
John Caffey relatou casos de fraturas associadas a he- táticas coercitivas, o abuso emocional e psicológico
matomas subdurais crônicos, inexplicados por qualquer para controlar sua vítima. Outras vezes, a manuten-
doença de base e, posteriormente, relacionados a lesões ção do controle sobre o outro se dá sob a desculpa de
traumáticas. Embora outros o tivessem seguido nessa boas intenções, de amor ou como meio de educação.
tarefa, ainda hoje alguns autores denominam síndrome A seguir serão discutidas as modalidades mais
de Caffey, como um quadro de fraturas ósseas associa- habituais de abuso: físico, sexual, psicológico (este,
das às agressões infantis ou como sinônimo de síndro- coexistindo nas outras formas) e negligência.
me de maus tratos (em algumas regiões do país).
Trata-se de uma forma de violência interpessoal,
que consiste em num abuso do poder disciplinador e
coercitivo dos adultos, e pode prolongar-se por meses Abuso físico
ou anos. Frequentemente, várias formas de maus tra-
tos ou abuso são dirigidas à mesma criança e de forma Caracteriza-se pelo uso da força física de
recorrente, o que torna, muitas vezes, o seu reconhe- forma intencional, não acidental, com o objetivo
cimento uma questão de vida ou morte para a vítima. de ferir, danificar ou destruir a criança ou o ado-
Comumente também se reveste de uma característica lescente, deixando ou não marcas evidentes. É o
de sigilo, isto é, um complô de silêncio da família. mais comumente relatado. Podem ser observados
hematomas, contusões, lacerações, queimaduras, fra-
Considera-se que o despreparo para o reconhe-
turas, lesões viscerais ou de sistema nervoso central.
cimento das várias formas com que os maus tratos
O exame físico de uma vítima de abuso deve buscar
podem se apresentar, aliado aos conceitos antigos do
sinais de lesões agudas e antigas.
direito de posse dos responsáveis sobre seus filhos ou
dos que têm a guarda, sejam os fatores principais para A pele é o local mais comumente acometido
que as denúncias não ocorram. pelos estigmas da agressão, podendo apresentar
lesões específicas ou inespecíficas, estas, as mais
comuns. É importante diferenciar as lesões aci-
dentais das abusivas: acidentais ocorrem geral-
mente em proeminências ósseas, como joelhos,
Vítima e agressor cotovelos e fronte. Quanto mais central for a
apresentação (nádegas, coxas, dorso, face, geni-
As vítimas estão em todas as faixas etárias, mas,
tália), ou maior for o número de lesões, maior a
à medida que vão se aproximando da maioridade, a in-
chance de terem sido originadas por abuso. É es-
cidência decresce, talvez, pelo fato de reunirem mais
tranho que a criança apresente hematomas em olhos,
condições de defesa. O risco de vida para os lactentes
boca, nas panturrilhas e no tórax, por exemplo. Deve-
pequenos é bastante alto. Em relação ao agressor, este
-se lembrar que pequenos cortes, arranhões, equimo-
é, em geral, “uma pessoa acima de qualquer suspeita”.
ses resultantes de brincadeiras ou desatenção na exe-
Quadros psiquiátricos são registrados em menos cução de atividades rotineiras são bastante comuns na
de 10% dos agressores. Há, na grande maioria deles, infância e adolescência. A criança e o adolescente têm,
a denominada “sociopatia”, ou seja, são pessoas que entretanto, um comportamento que se define pela ati-
vivenciam situações estressantes, geralmente agudas, vidade frontal, sendo, portanto, a parte anterior do
ligadas a dificuldades financeiras, conjugais, familia- corpo a mais frequentemente atingida em quedas ou
res e de outros tipos de relacionamentos. Embora pos- outras injúrias não intencionais.
De forma geral, o acúmulo de sangue na pele (he- O segundo local mais frequentemente acometido
matoma) pode ser visível por vários dias, mudando de são os ossos, podendo ocorrer por impacto de grande
cor conforme o grau de degradação da hemoglobina. intensidade (lesões transversas), por torção (lesões
espirais) ou encurvamento forçado (lesões oblíquas).
Mais comumente, ocorre deslocamento periostal.
Espectro equimótico (variação de cor Radiografias repetidas após cerca de duas semanas
de acordo com a idade do hematoma) evidenciam calcificações, como sinal de consolidação.
Aspecto Idade O achado de fraturas múltiplas em diferentes
Vermelho, com edema Não mais que 24 horas estágios de consolidação é um sinal altamente
sugestivo de abuso. Na ausência de história de
Roxo, azul-escuro 1 a 5 dias
traumatismo, as fraturas diafisárias espiroides
Verde, amarelo-
5 a 7 dias de úmero ou fêmur, mesmo isoladas, sugerem
-esverdeado
fortemente abuso e ocorrem por torção e rota-
Amarelado, marrom 7 a 10 dias
ção forçada da extremidade. Há outras lesões es-
Sem marca 2 a 3 semanas queléticas consideradas altamente suspeitas de abu-
Tabela 15.2 so infantil, entre as quais estão as fraturas dos arcos
costais posteriores. São vistas mais comumente antes
A estimativa da idade da lesão tem importância do primeiro ano de idade e acontecem por mecanis-
quando comparada com os dados da história. Uma dis- mo indireto de compressão anteroposterior do tórax
crepância significante entre esta e os achados do exa- com as mãos dos adultos e compressão secundária
me físico podem constituir sinal de abuso. do extremo posterior das costelas contra as respecti-
vas apófises transversas. Essas fraturas são raras nos
As lesões em pele podem ser, também, do tipo traumas acidentais, exceto em graves traumatismos.
específico, ou seja, as que “denunciam” o objeto agres- Frente a uma suspeita de maus tratos, a investi-
sor, como, por exemplo: gação radiológica completa de esqueleto deve ser
Cinto: marcas lineares, com ou sem impressão obrigatória até os dois anos de idade para inves-
da fivela. tigação de fraturas antigas e associadas e, acima
Mão: marcas arredondadas, correspondentes desta faixa etária, radiografia seletiva de acordo
às saliências. com a informação, pela criança ou adolescente,
de traumas anteriores.
Beliscão: marcas lineares ou parabólicas, de 1
a 2 cm. As agressões em sistema nervoso central re-
presentam a principal causa de morte em crianças
Mordida humana: marcas retangulares (den-
vítimas de abuso. As lesões por impacto direto ocor-
tes incisivos) e triangulares (caninos), em lac-
rem quando a vítima é golpeada com um objeto ou quan-
tentes, particularmente em nádegas e genitais;
do é lançada contra uma superfície rígida, geralmente a
em crianças maiores, em geral associadas ao
parede. A extensão do trauma dependerá basicamente da
abuso sexual, são múltiplas, bem definidas e
força utilizada, da idade da vítima e da rigidez da super-
com marcas de sucção.
fície, variando de pequenos sangramentos subgaleais a
grandes fraturas ou hematomas intracerebrais.
Alopecia pode apresentar-se também como ma- A shaken baby syndrome (síndrome do bebê sa-
nifestação de abuso. A aparência do couro cabeludo é cudido) se desencadeia quando o bebê é sacudido rá-
normal, com cabelos quebrados, de comprimento va- pida e violentamente e/ou impulsionado para o alto
riável na região. de forma brusca. Isso pode ser determinado pela babá
Queimaduras ocorrem principalmente em crian- da criança, pelos pais ou outros circunstantes, numa
ças pequenas (1 a 5 anos) por: atitude, às vezes, reativa e impaciente a um choro con-
tinuado do bebê, ou mesmo naquelas brincadeiras de
respingamento: quando o líquido quente é jo-
segurar o bebê pelas axilas e jogá-lo para cima. Ocor-
gado ou derramado sobre a vítima, a queimadu-
rem, dessa forma, movimento com súbita aceleração e
ra assume a forma de V (forma de seta);
desaceleração do conteúdo craniano (movimento em
imersão: principalmente em nádegas, dorso, “chicote”). Os achados intracranianos compreendem
períneo e genitália. Quando em extremidades hemorragia subdural, hemorragias na fissura inter-
podem assumir a conformação de luva ou meia; -hemisférica ou somente edema cerebral difuso. Em
contato: por metais incandescentes (ferro decorrência dessas lesões, os bebês ficam hipoativos
elétrico) e por cigarro (lesões arredondadas, e quietos, havendo deterioração neurológica progres-
escoriativas, com ou sem formação de bolhas siva. Muitas vezes, os bebês são colocados no berço, os
(flictenas), de 6 a 8 mm de diâmetro; quando pais não percebem essa evolução negativa da criança
infectadas assemelham-se a impetigo. e as complicações se estabelecem. Pode-se constatar
hemorragia retiniana (em até 50-80% dos casos) e, Pode também ser cometido por uma pessoa menor de
geralmente, ausência de outros sinais de injúria. Estu- 18 anos, quando esta for significantemente mais velha
dos sugerem que o chacoalhamento, para ter consequ- que a vítima ou quando o executor estiver em posição
ências desastrosas, não precisa ser prolongado, pode de poder ou controle sobre a mesma, com contato fí-
ser bastante breve e ocorrer apenas uma ou repetidas sico ou não. Embora o abuso sexual possa ocorrer
vezes durante dias, semanas ou meses. Esse movimen- com o uso da força física, o mais comumente en-
to acarreta a ruptura das veias pontes no espaço sub- contrado é o que se dá entre a vítima e um conhe-
dural. Os sintomas vão desde alterações do nível de cido, o qual tenha alguma relação pessoal com
consciência, irritabilidade ou sonolência, convulsões, ela: pai, padrasto, professor, amigo da família,
déficits motores, problemas respiratórios, hipoventi- irmão mais velho etc. Mesmo que não existam
lação, coma e, em muitos casos, morte. tantas evidências de trauma físico, não há como
As lesões abdominais respondem por 50% das negar o trauma psíquico a que estas crianças e
mortes de crianças vitimadas, principalmente em adolescentes são submetidos.
maiores de dois anos de idade. Quando acidentais, Os achados genitais podem ser normais, inespe-
apresentam história específica, sendo a vítima trazida cíficos (hiperemia e graus de vulvovaginite, com pe-
rapidamente para o hospital. Nas abusivas, a história quenas lacerações ou fissuras de pele) ou específicos:
é inespecífica, e a alta mortalidade está vinculada ao laceração de hímen e mucosa vaginal, abertura hime-
não reconhecimento do trauma fechado. Podemos nal maior que a esperada para idade (até cinco anos, 5
encontrar contusões e hematomas subcapsulares em mm e, após, 1 mm por idade; medida maior que 9 mm
baço, contusões, hematomas e hemorragias em fíga- é anormal para pré-púberes) ou achado de esperma.
do, pancreatite (em crianças menores de três anos é
Em geral, o abuso sexual intrafamiliar é crônico,
altamente suspeita de abuso; mais de 50% dos pseu-
recidivante e ocorre normalmente sem violência, ao
docistos pancreáticos são consequência de trau-
contrário do abuso sexual extrafamiliar. A vítima, mui-
mas abdominais).
tas vezes pré-adolescente, acaba por culpabilizar-se.
O exercício desta comunicação é um dever legal, devendo-se lembrar que a lei pune não só quem come-
te a violência à criança e ao adolescente, mas também àquele que, conhecendo o fato ou dele suspeitando,
omite-se, não o notificando às autoridades. Atente-se para o termo técnico: notificação e não “denúncia”. A noti-
ficação ao Conselho Tutelar não exclui a possibilidade de encaminhar a família, paralelamente, para serviços de apoio
existentes. Não havendo Conselho Tutelar, as notificações devem ser enviadas ao Juizado da Infância e da Juventude,
à Vara da Família, ao Ministério Público ou a qualquer outra autoridade judiciária existente no local onde reside a víti-
ma. A formalização dessa comunicação é realizada por ficha de notificação obrigatória de violência, que, cada cidade ou
serviço tem seu modelo particular. Violência é “doença” de notificação compulsória.
Não há nenhum impedimento ético ou legal para o atendimento das vítimas, realização de exame físico, pro-
cedimentos ou administração de medicamentos. A recusa infundada do atendimento caracteriza, ética e legalmente,
imperícia e omissão de socorro, com todas as suas consequências.
As indicações de internação estarão voltadas à gravidade das lesões e do tratamento preconizado ou ao risco a que
esta criança será submetida se retornar ao convívio com o agressor.
Vale ressaltar que existem inúmeros casos não notificados de violência doméstica. Esse fenômeno, que já conta
com o silêncio das vítimas, dos agressores e de outros parentes, não pode contar, também, com o silêncio do profissio-
nal. A família é um espaço privado apenas enquanto não violar e/ou ameaçar a integridade psicológica de suas crianças
e adolescentes. Quando abusiva, a família deve receber intervenções profissionais e não há o porquê termos pruridos
em admiti-lo.
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