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A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS

Loraine Boettner

Benjamin B. Warfield
Copyright @ 2020, de Editora Monergismo
Publicado originalmente em inglês sob o título The Inspiration of Scripture (Boettner) e The
Inspiration and Authority of the Bible (Warfield).


Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
E M
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1ª edição, 2020

Tradução (e adaptação): Valter Graciano Martins


Revisão: Felipe Sabino de Araújo
Sumário
A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS
1. Natureza da inspiração das Escrituras
2. Os autores afirmam possuir inspiração
3. Natureza da influência pela qual a inspiração é alcançada
4. Os supostos erros das Escrituras
5. Fidedignidade da Bíblia
6. Posição inconsistente dos modernistas
Conclusão

CONCEITO BÍBLICO DE INSPIRAÇÃO


1. O significado dos termos
2. A ideia fundamental de inspiração
3. Passagens Importantes
4. O cumprimento indispensável das Escrituras
5. O testemunho de Cristo acerca da autoria divina
6. O testemunho dos apóstolos
7. A identificação de Deus com as Escrituras
8. Os oráculos de Deus
9. O elemento humano nas Escrituras
10. Os processos divinos para a elaboração das Escrituras
11. O problema da origem: a parte que Deus assumiu
12. O efeito das características humanas: preparação providencial
13. Inspiração: mais que providência
14. Inspiração e revelação
15. As Escrituras serão um livro divino-humano
16. As Escrituras que os escritores neotestamentários possuíam
17. O termo Escrituras abrange o Novo Testamento
A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS

Loraine Boettner
1. Natureza da inspiração das Escrituras

A resposta que damos à pergunta, “que é o cristianismo?”, em


grande medida depende de nosso conceito de “Escrituras”. Se
crermos que a Bíblia é a Palavra de Deus, e portanto infalível,
teremos uma concepção do cristianismo. Em contrapartida, se
admitirmos que ela se trata apenas de uma coleção de livros
humanos, ainda que de valor consideravelmente acima do normal,
teremos uma concepção do cristianismo radicalmente diferente, se é
que de fato lhe podemos chamar legitimamente cristianismo. Assim,
é difícil dar importância demasiada a uma doutrina a respeito da
inspiração das Escrituras.
Em todas as questões de controvérsia entre os cristãos, as
Escrituras são reconhecidas como o supremo tribunal.
Historicamente, elas têm sido a autoridade comum do povo cristão.
Cremos que elas contêm um sistema de doutrina harmônico e
suficientemente completo; que todas suas partes são consistentes
entre si, e que é nosso dever descobrir essa consistência, fazendo
uma investigação cuidadosa do significado de certas passagens.
Entregamo-nos a este Livro sem reservas. Não apelamos para uma
igreja infalível, nem para uma hierarquia eclesiástica, mas para a
Bíblia, Livro digno de toda nossa confiança, afirmamos que ela é a
Palavra de Deus, e que seu cuidado providencial a tem conservado
pura, através dos séculos. Ela é, portanto, a única regra de fé e
prática, inspirada e infalível.
Vemos facilmente que a questão da inspiração é de vital
importância para a igreja cristã. Se ela possui um corpo de
escrituras, definido e autoritativo, ao qual possa recorrer, então a
tarefa de formular suas doutrinas se torna comparativamente fácil.
Tudo quanto é necessário fazer é achar os ensinos das Escrituras e
incorporá-los num Credo. Mas, se as Escrituras não são
autoritativas, se necessitam de ser corrigidas, revistas, e se algumas
de suas partes têm de ser rejeitadas, evidentemente a igreja se vê
diante de uma tarefa muito mais difícil e as opiniões contraditórias
não terão fim, tanto a respeito dos propósitos da igreja como do
corpo de doutrina que deverá formular. E não é de espantar que
hoje tamanha controvérsia se deflagre quando o cristianismo
sustenta uma luta de vida ou morte contra a incredulidade.
Devemos notar que a igreja nunca defendeu nenhuma das
outras doutrinas com tanta tenacidade, nem as ensinou com tanta
clareza como o tem feito com a doutrina da inspiração. Por exemplo,
há considerável diferença de opinião entre as várias denominações
sobre o ensino das Escrituras acerca do batismo, da ceia do Senhor,
da predestinação, da incapacidade humana de o pecador praticar
boas obras, da eleição, da expiação, da graça, da preservação dos
santos, etc.; mas descobrimos que a doutrina da inspiração é
ensinada com tal consistência e clareza, que todos os ramos da
igreja, seja protestante ou romana, têm concordado, instintivamente,
em que a Bíblia é verídica e que suas sentenças são finais.
Mas, ainda que esta doutrina tenha sido histórica, e embora
permaneça até o presente nos credos oficiais das igrejas, é notório,
em toda parte, que a incredulidade conseguiu abrir grandes
brechas. Talvez não exista na história da igreja, nos últimos tempos,
nenhum outro fato tão espantoso como é este do afastamento da fé
na autoridade das Escrituras. Até mesmo o protestantismo, que
aceitou na Reforma, como princípio fundamental, a autoridade
Bíblia, em vez de uma igreja autoritária, tem revelado tendência
para negligenciar a Bíblia. Apesar de nos últimos tempos terem-se
escritos muitos livros e artigos sobre este assunto, temos de
confessar que a maioria procura negar ou enfraquecer as doutrinas
que a igreja tem defendido desde seu início.
A indiferença que ultimamente se tem manifestado para com a
sã doutrina das Escrituras, possivelmente seja a principal causa da
incerteza e da dissensão interna que a igreja ora enfrenta. A
ignorância acerca da natureza da inspiração e a pobreza de
opiniões a esse respeito só podem resultar em confusão.
Atualmente, milhões de cristãos são como aqueles homens cujos
pés pisam areias movediças e cujas cabeças estão no meio do
nevoeiro. Não sabem o que creem a respeito da inspiração e da
autoridade da Bíblia.
Grande parte desta incerteza se deve à investigação crítica
que se deflagrou no século passado; e com frequência ouvimos
dizer que temos de abandonar a pretensão que a igreja nutre a
respeito da inspiração das Escrituras. Daí, a questão premente que
paira hoje: Podemos ter ainda confiança na Bíblia como guia
doutrinário, mestre autoritativo da verdade, ou teremos de encontrar
outra base para nossa doutrina e, portanto, criar um sistema de
doutrina completamente novo?
A maravilhosa unidade da Bíblia só pode ser explicada pelo
fato de ser ela de origem divina. Sem a menor sombra de dúvida,
ela é um livro e no entanto é composta de 66 livros diferentes,
escritos por cerca de 40 autores, durante um período aproximado de
1.600 anos. Os escritores eram de diferentes categorias sociais.
Alguns foram reis e sábios, com a melhor educação de seu tempo;
outros eram vaqueiros e pescadores, sem qualquer cultura. É
impossível ter havido acordo ente eles. No entanto, existe um único
tipo de doutrina e de moral. O espírito e as concepções messiânicas
perpassam de um ao outro lado do Antigo Testamento, aparecendo
desde o princípio do Gênesis, onde se diz que a semente da mulher
haveria de ferir a cabeça da serpente, continuando no ritual do
sistema sacrificial, nos Salmos, nos Profetas Maiores e Menores,
até Malaquias que encerra o Cânon do Antigo Testamento com a
promessa de que “de repente virá a seu templo o Senhor, a quem
vós buscais”. E “Cristo crucificado” é o tema do Novo Testamento. O
maravilhoso sistema de verdade que começou com Moisés é
completado por João no livro do Apocalipse. Nada há, em qualquer
outro livro da história da humanidade, nada que se possa aproximar
deste fenômeno que encontramos na Bíblia.
A existência de um largo e intransponível abismo entre a Bíblia
e os demais livros é evidente até para o mais distraído dos leitores.
“Santo, Santo, Santo” parece estar escrito em todas suas páginas.
Sua leitura nos fala com autoridade e nos sentimos, instintivamente,
sob a obrigação de atender a seus avisos. Sem dúvida, ela exerce
uma influência que nenhum outro livro possui, e somos forçados a
formular a pergunta: “De onde ela vem?”. E, por ser tão única no
poder que exerce, tão sublime nos princípios morais e espirituais
que expõe, e pelos quais ela reivindica continuamente sua origem
divina, não estaremos justificados ao acreditar que esta pretensão é
verdadeira e que de fato ela é a infalível Palavra de Deus?
As expressões inspiração plenária e inspiração verbal são aqui
usadas como sinônimos. Por inspiração plenária queremos dizer
que a influência completa e perfeita do Espírito Santo foi concedida
a toda a Escritura, tornando-a, desta maneira, a revelação
autoritativa de Deus. E embora a revelação chegue até nós através
da mente e da cooperação de homens, ela é, estritamente falando,
a Palavra de Deus. Por inspiração verbal queremos afirmar que a
influência divina que envolveu os escritores sacros foi concedida
não apenas aos pensamentos gerais, mas igualmente às próprias
palavras usadas, de modo que os pensamentos que Deus intentou
revelar-nos foram transmitidos com exatidão infalível. Os escritores
foram instrumentos de Deus, e o que escreveram foi o que Deus
lhes disse.

A
Parece natural que esta inspiração se estenda até mesmo às
próprias palavras, visto que o objetivo da inspiração é conseguir o
registro da verdade. Pensamentos e palavras estão tão
inseparavelmente ligados que, em geral, uma mudança nas
palavras significa uma mudança no pensamento.
Por exemplo, em assuntos humanos, o negociante dita suas
cartas à secretária, usando palavras suas, de modo que elas
encerram aquilo que pretende dizer. Ele não pensa que sua
secretária possa exprimir problemas importantes, delicados e
complexos apresentados apenas em simples termos gerais. Muito
menos o Espírito Santo diria a seu calígrafo: “escreve com este fim.”
A Bíblia pretende falar acerca de um certo número de assuntos que
está absolutamente fora do alcance da sabedoria humana — a
natureza e os atributos de Deus, a origem e os desígnios do homem
e do mundo em que vivemos, a queda do homem no pecado e sua
atual situação, sem esperança, o plano da redenção, inclusive a
vida e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, as glórias celestiais e os
tormentos do inferno. É necessário mais do que uma supervisão
geral para que a verdade a respeito desses grandes e
transcendentes assuntos seja apresentada sem erros e sem
preconceitos. Infalibilidade pressupõe que Deus escolheu suas
próprias palavras. Todos quantos têm tentado falar acerca destas
coisas tão profundas, sem uma revelação sobrenatural, pouco mais
têm feito do que mostrar sua ignorância. Tateiam como cegos,
especulam e põem-se a adivinhar, deixando-nos, em geral, numa
incerteza maior do que aquela em que estávamos antes. Na
verdade, estes fatos estão fora do alcance da sabedoria humana.
Basta que consideremos os sistemas pagãos ou as teorias
arrogantes e especulativas dos filósofos, para verificarmos que os
limites de nossa sabedoria espiritual não se podem comparar com
os da Bíblia. Só Deus é capaz de falar com autoridade acerca
desses assuntos; e, entre todos os livros existentes no mundo,
concluiremos que só a Bíblia possui, por um lado, uma descrição
adequada da majestade de Deus; e, por outro lado, uma descrição
aceitável da condição pecaminosa do coração humano e o remédio
satisfatório para essa condição.
Uma mera exposição humana das coisas divinas conteria
erros, em escala maior ou menor, tanto no que diz respeito às
palavras escolhidas para expressar ideias, como na ênfase
proporcional dada às diferentes partes da revelação. Visto que
determinados pensamentos estão ligados inseparavelmente a
determinadas palavras, as expressões têm de ser exatas, ou, caso
contrário, os pensamentos transmitidos serão defeituosos. Por
exemplo, se admitirmos que expressões tais como resgate,
expiação, ressurreição, imortalidade, etc., usadas nas Escrituras,
não têm qualquer autoridade ou significado definido para além
delas, segue-se que as doutrinas que nelas se baseiam, não têm
também autoridade definida. Comparando as Escrituras entre si,
vemos a ênfase que elas dão às palavras que empregam, porquanto
o significado exato depende do uso de determinadas palavras; por
exemplo, quando nosso Senhor diz que “a Escritura não pode
falhar” (Jo 10.35); ou quando ele responde aos saduceus, referindo-
se às palavras de Moisés junto da sarça ardente, em que todo o
peso do argumento depende do tempo do verbo “Eu sou o Deus de
Abraão, e o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó” (Mc 12.26); ou
quando Paulo dá grande ênfase ao fato de que na promessa feita a
Abraão a palavra empregada está no singular — semente, “como de
uma”, e não sementes, “como de muitas”: “e a tua semente, que é
Cristo” (Gl 3.16). Em cada um desses exemplos o argumento gira
em torno do uso de uma única palavra, e em cada caso a palavra é
decisiva, pela autoridade divina que tem por detrás de si. A
mudança exata do significado das palavras tem, frequentemente,
imensa importância para a decisão dos problemas de doutrina e de
vida.

U
Para fazermos um estudo sério sobre as doutrinas cristãs,
necessitamos, acima de tudo, possuir a certeza da veracidade da
Bíblia. Se ela é um guia de autoridade absoluta e digno de toda
nossa confiança, então aceitaremos as doutrinas que apresenta. É
possível que não possamos apreender plenamente o significado de
todas as coisas, ou que haja de fato muitas dificuldades em nossas
mentes, porém nunca duvidamos de sua veracidade.
Reconhecemos nossas limitações, mas cremos em todas as
verdades que nos são reveladas. A sorte do cristianismo de fato
está ligada à doutrina da inspiração da Bíblia, porque, a menos que
esta permaneça, nada mais teremos de estável.
Se temos como guia Escrituras dignas de confiança, teremos
um sistema evangélico de teologia distinto de um sistema
naturalista, humanista ou unitariano; na verdade a Bíblia ensina, de
forma clara, um sistema evangélico. Mas se a Bíblia não for um guia
digno de toda nossa confiança, teremos de procurar outra base para
nossa teologia, e é bem provável que fiquemos com pouco mais que
um mero sistema filosófico. Perder a confiança na Bíblia, como livro
inspirado, é fazer desaparecer a confiança em todo o sistema
cristão. Isto nos é lembrado, de forma bem dolorosa, quando
tentamos ler alguns dos recentes livros religiosos, ou até mesmo
teologias sistemáticas, em que os autores não apelam para as
Escrituras, mas para os ensinos dos vários filósofos, em defesa de
seus argumentos. Até hoje temos aceitado as doutrinas pertinentes
ao sistema cristão, porque são ensinadas na Bíblia. E fora da Bíblia
não existe nenhuma outra norma autoritativa.
A menos que a Bíblia possa ser citada como sendo um Livro
inspirado, sua autoridade e utilidade na pregação, no conforto aos
doentes e na morte e instrução em todas as perplexidades, ela fica
empobrecida de forma fatal. Seu “Assim diz o Senhor” fica reduzido
a mera suposição humana, não podendo ser mais considerado
como nossa regra de fé e prática. Atualmente, como em todas as
épocas, os críticos destrutivos, os céticos e os modernistas de toda
espécie concentram seus ataques sobre a Bíblia. Procuram ver-se
livres de sua autoridade porque, de outra forma, seus sistemas não
serão mais que um amontoado de disparates.
Evidentemente, a inspiração que defendemos é a das palavras
originais, hebraicas e gregas, escritas pelos profetas e pelos
apóstolos. Cremos que, se as compreendermos no sentido em que
foram escritas — simples declarações de fatos, figuras de retórica,
idiomatismo e poesia —, então a Bíblia não tem qualquer erro, do
Gênesis ao Apocalipse. Embora não diga muita coisa, todavia aquilo
que diz é verdadeiro, no sentido que tem em vista. Não
reivindicamos infalibilidade para as várias versões e traduções, nem
mesmo para as traduções livres feitas por uma só pessoa e que
ultimamente têm se tornado tão comuns. As traduções variam,
necessariamente, com cada tradutor, e só podem ser consideradas
como exatas apenas na medida em que reproduzem os autógrafos
originais. Além disso, algumas das palavras hebraicas e gregas não
têm um equivalente preciso nas línguas modernas, e às vezes até
os melhores eruditos divergem a respeito do significado de certas
palavras. Em contrapartida, temos de reconhecer que não
possuímos nenhum dos autógrafos originais, e que os Manuscritos
mais antigos que possuímos são cópias de cópias. No entanto, os
mais abalizados eruditos das línguas grega e hebraica afirmam que
em cerca de noventa e nove por cento dos casos temos as palavras
originais, tal era a precisão com que os copistas as reproduziam, e
tão fielmente os tradutores fizeram seu trabalho. Sem dúvida, temos
razão para dar graças a Deus pela Bíblia que nos chegou às mãos
de forma tão pura.
Eis a posição histórica dos protestantes a respeito da
autoridade das Escrituras. Foi defendida por Lutero e Calvino, e
ficou gravada nos credos escritos no período imediato à Reforma. A
doutrina luterana da inspiração foi apresentada na Fórmula de
Concórdia, como segue: “Cremos, confessamos e ensinamos que a
única regra e norma, de acordo com as quais todos os dogmas e
todos os mestres devem ser comparados e julgados, não é outra
senão os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo
Testamento.”
A doutrina da Igreja Reformada foi apresentada na Segunda
Convenção Helvética da seguinte maneira: “Cremos e confessamos
que as Escrituras canônicas dos santos profetas e apóstolos, de
ambos os Testamentos, são a verdadeira Palavra de Deus, e que
possuem autoridade suficiente e inerente, e não humana. Foi o
próprio Deus quem falou aos pais, aos profetas e aos apóstolos, e
continua a falar pelas Sagradas Escrituras.”
Na Confissão de fé Westminster, a Igreja Presbiteriana
declara: “Agradou ao Senhor, em tempos vários e ocasiões
diferentes, revelar-se a si próprio e declarar sua vontade para com
sua Igreja; e depois ... pôs a mesma, completamente, por escrito”.
“A autoridade das Sagradas Escrituras, pela qual deve ser
acreditada e obedecida, depende não de algum testemunho
humano ou de alguma igreja, e sim inteiramente de Deus, seu Autor,
que é a Verdade; portanto, deve ser recebida, visto ser a Palavra de
Deus.” E ainda: “que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento
foram inspirados por Deus, e por seu cuidado e providência
singulares foram conservados puros através dos anos”. Mais
recentemente foi defendida por Hodge, Warfield e Kuyper. Estes
homens foram luzeiros e ornamentos do mais elevado tipo de
cristianismo, reconhecido, praticamente, por todos os protestantes.
Afirmaram que a Bíblia não só contém a palavra de Deus, como
uma pilha de restolho pode conter algum trigo, mas que a Bíblia é a
palavra de Deus, em todas suas partes.
2. Os autores afirmam possuir inspiração

As razões principais para sustentar-se que a Bíblia é a


inspirada Palavra de Deus são que os próprios autores afirmam
possuir tal inspiração, e que o conteúdo de suas mensagens
confirma essa pretensão. A uniformidade com que os profetas
insistem em que as mensagens que apresentam não eram suas,
mas do Senhor, que suas mensagens eram a Palavra de Deus pura
e sem misturas, que falavam como a recebiam — é um fenômeno
notável das Escrituras. “Assim diz o Senhor” era o tema constante
do profeta ao povo, e isto revela que as palavras que proferiam não
eram suas, mas do Senhor. Paulo e os demais apóstolos
pretendiam falar, não usando palavras ensinadas pela sabedoria de
homens, mas ensinadas pelo Espírito (1Co 2.13). Era considerada
de origem divina não só a substância de seu ensino, mas também a
forma de expressão.
Embora a pretensão de que falavam com autoridade divina
seja característica dos escritores de toda a Bíblia, nunca basearam,
nem sequer uma vez, essa autoridade em sua própria sabedoria ou
dignidade. Falavam como mensageiros ou testemunhas de Deus, e
o que diziam devia ser obedecido, simplesmente porque a
autoridade de Deus estava por detrás deles. Aqueles que os
ouviam, era a Deus que ouviam, e os que se recusavam ouvi-los,
recusavam-se ouvir a Deus (Ez 2.5; Mt 10.40; Jo 13.20).
E, visto que os escritores pretendiam, tão reiteradamente, ter
inspiração, é evidente que, ou estavam inspirados, ou agiam com
presunção fanática. E assim, ou concluímos que a Bíblia é a Palavra
de Deus, ou ela não passa de crassa mentira. No entanto, como era
possível que uma falsidade exercesse influência tão singularmente
benéfica e moralmente enobrecedora que a Bíblia tem produzido em
toda parte onde tem chegado? Para formular-se essa pergunta é
preciso responder-lhe prontamente.
Notemos igualmente que os contemporâneos dos escritores
neotestamentários, assim como os chamados Pais da Igreja,
homens que estavam em melhor posição para julgar se essas
pretensões eram ou não autênticas — aceitaram tais pretensões
sem discutir. Reconheciam a existência de um grande abismo entre
aqueles escritos e os seus. Do mesmo modo que para o moribundo
Walter Scott havia um único Livro, também para aqueles Pais da
Igreja havia uma única Palavra de Deus autoritativa. Baseavam nela
doutrinas e preceitos. Os Evangelhos e as Epístolas contêm
abundância de evidências internas provando que esperavam ser
recebidas, e de fato eram recebidas com reverência e humildade.
Seguindo o curso da história, através dos séculos, a evidência se
torna cada vez mais abundante. Os próprios hereges testificavam
desse fato, ansiosos como estavam de se verem livres dessa
autoridade. Além disso, os próprios escritos não contêm
contradições nem inconsistências que porventura destruam tais
pretensões. Apresentam, com a mais perfeita harmonia, o mesmo
plano de salvação e os mesmos elevados princípios morais.
Portanto, se em primeiro lugar autores sóbrios e honestos
pretendem que suas palavras foram inspiradas por Deus, e em
segundo lugar tais pretensões não só não foram desmentidas, mas
antes foram aceitas por seus contemporâneos; e se, em terceiro
lugar, os próprios escritos não contêm nenhuma evidência
contraditória, então temos, sem sombra dúvida, fenômeno que não
se pode desprezar.
Às vezes dirigimos objeção contra os livros do Novo
Testamento só porque não foram escritos pelo próprio Jesus, mas
somente por seus discípulos, mesmo assim algum tempo depois de
sua morte. No entanto não era razoável esperar que Jesus desse
um relato completo do plano da salvação durante seu ministério
terreno, pois o mesmo não teria sido compreendido senão depois de
sua morte e ressurreição. Na verdade podia tê-lo apresentado em
forma de profecia, mesmo nos dias de sua carne, e de fato anunciou
aos discípulos a natureza geral de seu plano. Mas tudo indica que
até mesmo os discípulos mais íntimos não puderam compreender a
natureza de sua obra até que fossem iluminados pelo Espírito
Santo, no dia de Pentecostes. Vistas assim todas as coisas, o
método mais racional foi o que ele escolheu — a consumação dos
acontecimentos, e em seguida a explicação por meio de escritos
inspirados. Isto estava também de acordo com o modo de agir do
Senhor, através de todo o Antigo Testamento.

O E
A doutrina bíblica do verdadeiro objetivo e função dos profetas,
bem como de seu método de expor a mensagem, é apresentada, de
forma clara, nas palavras do Senhor a Moisés: “Eis que lhes
suscitarei um profeta como tu, do meio de seus irmãos, e porei
minhas palavras em sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe
ordenar” (Dt 18.18). O Senhor podia falar tanto pelos profetas
quanto por seu intermédio. Eles tinham de falar precisamente as
palavras recebidas, e não outras. “Eis que ponho minhas palavras
em tua boca” — disse o Senhor a Jeremias, ao designá-lo profeta
das nações. Do mesmo modo foi dito a Isaías (51.16; 59.21). E a
expressão “Assim diz o Senhor” é reiterada no livro de Isaías cerca
de 80 vezes. Até mesmo o falso profeta Balaão só podia falar o que
o Senhor lhe ordenou que falasse: “E disse o anjo do Senhor a
Balaão: Vai com estes homens; mas falarás somente a palavra que
eu falar-te” (Nm 22.35; 23.5, 12, 16).
Em muitas passagens do Antigo Testamento, o que se
descreve é simplesmente um processo de ditado, ainda que não se
nos informe por qual método se conseguiu tal ditado. Em outras, nos
é dado a entender que o Senhor falou por intermédio de homens
que de antemão escolheu como seus instrumentos, dirigindo-os de
tal maneira que o que falaram ou escreveram eram palavras de
Deus, e de forma evidente um produto distintamente sobre-humano.
O ensino uniforme do Antigo Testamento é que os profetas falaram
quando a Palavra de Deus lhes era transmitida (Os 1.1; Am 1.3; Mq
1.1; Ml 1.1; etc.).
A palavra hebraica para profeta é nabhi, “porta-voz”, não só
um porta-voz em geral, mas em forma eminente, ou, seja, porta-voz
de Deus. Em nenhum caso o profeta pretende falar movido por sua
própria autoridade. Ser profeta, em primeiro lugar, não provém de
sua própria escolha, e sim uma resposta à vocação divina,
frequentemente uma vocação respondida com relutância; e se ele
fala ou pretende falar, isso se dá somente quando o Senhor lhe diz o
que deve falar.
E, em contraste com esta alta vocação dos verdadeiros
profetas, deveríamos notar os fortes avisos e as denúncias contra
os que pretendiam falar sem uma vocação diretamente divina: “O
profeta que presumir soberbamente falar alguma palavra em meu
nome, e tal palavra não se cumprir, ou o que falar em nome de outro
deus, esse profeta morrerá” (Dt 18.20). Era um caso sério para
meros homens e de mãos impuras pretenderem falar em nome do
Deus Altíssimo! No entanto, como é comum ouvir-se, os críticos
destruidores de nossos dias negam esta afirmação da Bíblia, ou
dizem que necessitamos de uma Bíblia menor, ou, inclusive, de uma
nova Bíblia, composta de assuntos mais modernos! E o erro
cometido ainda por outros, que adicionam algo à Palavra de Deus,
como fazem os católicos com os apócrifos e a tradição; a ciência
cristã, com a “ciência e saúde”, e com a “chave para as Escrituras”;
e os mórmons, com seu “livro de mórmon”. Tudo isso é tão
prejudicial quanto diabólico!

T J A T
É absolutamente evidente que Jesus considerava o Antigo
Testamento como plenamente inspirado. Ele o cita como tal e
baseou nele seu ensino. Uma de suas afirmações mais claras a este
respeito encontra-se em João 10.35, onde, numa controvérsia com
os judeus, sua defesa toma a forma de apelo às Escrituras, e,
depois de citar uma declaração, acrescenta as significativas
palavras: “E a Escritura não pode ser anulada.” A razão pela qual
valia a pena para Jesus, e vale a pena para nós, apelar para as
Escrituras, é que elas “não podem ser anuladas”.
E a palavra que se traduz por “anulada” é a que se usa para a
transgressão da lei, que significa negar as Escrituras. Para ele,
assim como para os judeus, um apelo para as Escrituras equivalia
um apelo para a autoridade cujas determinações eram finais, até
nos mínimos detalhes. Que Jesus considerava toda a Escritura
como sendo a Palavra de Deus, pode ver-se, por exemplo, em
Mateus 19.4. Quando alguns dos fariseus lhe fizeram perguntas a
respeito do divórcio, sua resposta foi: “Não tendes lido que aquele
que os fez no princípio, macho e fêmea os fez, e disse: Portanto,
deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois
numa só carne? ... Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o
homem”. Aqui Jesus declara explicitamente que Deus é o autor das
palavras de Gênesis 2.24: “aquele que os fez ... disse: Portanto,
deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher ...”. E no
entanto, lendo estas palavras no Antigo Testamento, nada há que
indique ter sido Deus quem as proferiu, pessoalmente, visto que são
apresentadas por Moisés, e só podem ser atribuídas a Deus como
seu Autor, na medida em que toda a Escritura é sua Palavra.
Marcos 10.5-9 e 1 Coríntios 6.16 apresentam exemplos
semelhantes. Onde quer que Cristo ou os apóstolos citem as
Escrituras, pensam delas como sendo a voz viva de Deus, e
portanto como que possuindo autoridade divina. Não têm a mínima
hesitação em atribuir a Deus as palavras de autores humanos, ou
de atribuir a autores humanos as palavras de Deus (Mt 15.7; Mc 7.6,
10; Rm 10.5, 19, 20).
Quando repreende fortemente os saduceus, ele lhes diz:
“Errais não conhecendo as Escrituras ...” (Mt 22.29), precisamente
aquilo que Jesus lhes aponta não é o erro deles de não terem
seguido as Escrituras, e sim de as terem rejeitado.
Aquele que acha sua doutrina e prática nas Escrituras não
erra. Tão comum era este uso, e tão indiscutível sua autoridade,
que, em seu conflito mais vibrante, Jesus não precisou de outra
arma além da palavra “Está escrito!” (Mt 4.4, 7; Lc 4.4, 8; 24.26).
Suas últimas palavras, antes de sua ascensão, continham uma
repreensão a seus discípulos por não terem compreendido que tudo
quanto se encontrava escrito nas Escrituras “tinha de ser cumprido”
(Lc 24.44). Se estava escrito que Jesus havia de sofrer estas coisas,
então todas as dúvidas a seu respeito se tornavam absurdas. Os
discípulos deviam basear-se nesta palavra, como um fundamento
seguro. Assim, recebemos o Antigo Testamento com base na
autoridade de Cristo. Ele no-lo dá e nos informa ser ele a Palavra de
Deus, que os profetas falaram pelo Espírito Santo, e que as
Escrituras não podem ser anuladas. Ele o mistura com suas
inúmeras citações e com o Novo Testamento, de tal forma que hoje
temos uma Bíblia unificada. Através dos dois Testamentos, ouve-se
uma só voz. Ou eles ficam de pé, ou caem juntos.

A N T A
Se Jesus mantinha a opinião de que todo o Antigo Testamento
era infalível, a mesma ideia não deixa de ser apresentada, e de
forma bem clara, pelos apóstolos. A maneira familiar como citavam
qualquer parte das Escrituras, como sendo a Palavra de Deus, sem
levarem em conta o fato de as palavras originais lhe serem ou não
atribuídas, mostra que pensavam que ele falava por meio do Antigo
Testamento. Em Hebreus 3.7, citam-se as palavras do salmista
como sendo palavras diretas do Espírito Santo: “Portanto, como diz
o Espírito Santo, se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos
corações, como na provocação”. Em Atos 13.35, as palavras de
Davi (Sl 16.10) são apresentadas como sendo as palavras de Deus:
“Pelo que também em outro salmo, diz [Deus, que é o sujeito da
oração]: Não permitirás que teu santo veja a corrupção”. Em
Romanos 15.11, atribuem-se a Deus as palavras do salmista: “E
outra vez [Deus] diz: Louvai ao Senhor, todos os gentios, e celebrai-
o, todos os povos”. Em Atos 4.24, 25, o apóstolo atribui a Deus as
palavras proferidas pela boca de Davi no segundo salmo: “Deus ...
disseste pela boca de Davi teu servo: Por que bramaram as nações,
e os povos pensaram coisas vã?”. Em Hebreus 1.7, 8 nos
deparamos com o mesmo ensino a respeito de dois salmos. Em
Romanos 15.10, atribuem-se a Deus as palavras de Moisés: “E
outra vez [Deus] disse: Alegrai-vos, gentios, com seu povo” (Dt
32.43).
Estas citações revelam, de forma bem evidente, que na mente
de Cristo e dos apóstolos havia uma identificação absoluta entre o
texto do Antigo Testamento e a voz do Deus vivo. E, evidentemente,
pode-se inferir que a inspiração do Novo Testamento não é inferior à
do Antigo Testamento. De fato, a tendência tem sido atribuir ao
Novo Testamento uma posição inferior. Se o Antigo Testamento é
apresentado como sendo inspirado, não há dúvida alguma também
acerca do Novo Testamento.
A N T
Quando examinamos as reivindicações que os
escritores do Novo Testamento apresentam acerca de sua própria
obra, verificamos que reivindicam para elas inspiração absoluta, e
as colocam no mesmo nível das Escrituras veterotestamentárias.
Todas as escolas de crítica bíblica, atualmente existentes,
reconhecem que esta pretensão é feita reiteradamente, ainda que
neguem possuir fundamento. Por exemplo, notamos que, quando os
apóstolos começaram seu ministério, receberam do próprio Cristo a
promessa de diretriz sobrenatural: “E, quando vos entregarem, não
cuideis em como ou o que haveis de falar, porque, naquela hora,
vos será concedido o que haveis de dizer, visto que não sois vós os
que falais, mas o Espírito de nosso Pai é quem fala em vós” (Mt
10.19, 20; Mc 13.11; Lc 12.11, 12). Esta mesma promessa foi
reiterada no fim de seu ministério (Lc 21.12-15). É possível que a
promessa mais importante se encontre no Evangelho de João:
“quando vier, porém, o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a
verdade” (Jo 16.13). Mais tarde os apóstolos reivindicaram esta
mesma diretriz. Não tinham a menor dúvida a respeito da exatidão
de suas palavras, tanto sobre questões históricas, quanto doutrinais
— fenômeno este bastante notável, se considerarmos que os
historiadores mais concretos e amantes da exatidão possuem uma
segurança menor e pouco elevada, ao apresentar-nos detalhes dos
acontecimentos. Paulo afirma que seu evangelho é tão autoritativo,
que declara estarem errados e serem malditos todos quantos
ensinarem outra doutrina, ainda que os tais fossem anjos vindos do
céu. “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie
outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema
...” (Gl 1.6-9). Seus mandamentos são do Senhor, e são
apresentados com autoridade obrigatória: “... as coisas que vos
escrevo são mandamento do Senhor” (1Co 14.37; cf. 2Ts 3.6, 12).
Escrevendo aos coríntios, Paulo faz distinção entre os
mandamentos que são do Senhor e aqueles que ele, Paulo, dava;
porém os coloca lado a lado com os mandamentos de Cristo e com
a mesma autoridade (1Co 7.10, 12, 40). Afirma que o que ele
pregava na verdade era a “Palavra de Deus” (1Ts 2.13). E essas
coisas deviam ser recebidas imediatamente e sem discussão.
Devemos notar sua maneira fácil de combinar o livro de
Deuteronômio com o Evangelho de Lucas sob a designação comum
de Escritura, como se fosse a coisa mais natural: “Porque diz a
Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E, digno é o
obreiro de seu salário” (1Tm 5.18). Este mesmo costume era normal
entre os Pais da Igreja.
Nas Epístolas de Pedro encontra-se a mesma elevada opinião
a respeito dos escritos do Novo Testamento. Ele afirma que “a
profecia nunca foi produzida por vontade de homem, mas homens
[santos] de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
Ele afirma que os apóstolos, “pelo Espírito Santo enviado do céu ...
pregaram o evangelho” (1Pe 1.12). E coloca os escritos de Paulo no
mesmo nível das “demais Escrituras”, ao dizer: “... nosso amado
irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada ...
em todas suas epístolas ... que os indoutos e inconstantes torcem,
bem como as demais Escrituras ...” (2Pe 3.15, 16). Não é possível
atribuir maior dignidade, reverência e autoridade, do que esta, a
nenhum outro escrito.
Lucas declara que, no dia de Pentecostes, os discípulos
falaram “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At
2.4). E João, o discípulo amado, fala da maldição que virá sobre
todo aquele que se atrever a tirar ou a acrescentar alguma coisa
àquilo que escreveu (Ap 22.19). Semelhantes reivindicações, se
fossem baseadas simplesmente na autoridade humana, revelariam
apenas a mais espantosa impudência. Sem dúvida, é impossível
desmentir os inúmeros textos que ensinam a inspiração plenária, e a
ideia de que poderiam ser desmentidos se baseia na estranha
noção de que esta doutrina só é ensinada, aqui e acolá, em textos
isolados. É certo que alguns textos a apresentam com clareza
excepcional, textos esses dos quais os céticos gostariam de se ver
livres. Mas essas passagens são apenas o apogeu de um
testemunho progressivo sobre a origem divina e a infalibilidade
desses escritos, ensino igualmente forte em ambos os Testamentos.
3. Natureza da influência pela qual a inspiração é
alcançada

As igrejas evangélicas jamais defenderam aquilo que foi


estigmatizado como “teoria mecânica da inspiração”, não obstante
as acusações em contrário, feitas frequentemente. Em vez de
reduzirmos os autores das Escrituras ao nível de computadores,
onde inserimos o que bem desejamos, temos insistido em que,
embora escrevendo ou falando, movidos pelo Espírito Santo,
mesmo assim eram seres pensantes, com vontade própria,
conscientes, cujo estilo e maneirismos particulares são traçáveis, de
forma evidente, em seus escritos. Se seu idioma nativo era o
hebraico, escreviam em hebraico; se era o grego, escreviam em
grego; se eram cultos, escreviam como homens cultos; se não eram
cultos, escreviam como fazem os iletrados. Não separamos os
elementos divino e humano, mas insistimos em que os dois estão
unidos numa perfeita harmonia, de tal forma que todas as palavras
das Escrituras são, simultaneamente, Palavra de Deus e palavras
de homens. Os próprios escritores afirmam explicitamente que,
neste processo, a influência divina é primária e a humana,
secundária; de forma que não são a fonte originária, mas apenas os
receptores e arautos das mensagens. Assim, o que escreveram ou
disseram não deve ser considerado simplesmente algo de sua
própria produção, e sim como de fato a Palavra de Deus, pura, e por
essa razão deve ser recebida e obedecida implicitamente.
O fato de podermos traçar, tão facilmente, o estilo ou a forma
de expressão peculiares nos escritos de Paulo, de João ou de
Moisés, revela que as Escrituras foram dadas de tal forma que
permitem personalidades humanas. Se fosse de outra maneira, as
Escrituras teriam se reduzido a um nível morto, de monotonia, e
realmente teríamos uma teoria mecânica de inspiração, em que os
autores pouco mais eram do que autômatos. Jaz na própria ideia de
inspiração o fato de que Deus usou os agentes que conhecemos, de
acordo com suas próprias naturezas. Um tipo de homem foi
escolhido para escrever história, outro tipo para escrever poesia, e
ainda outro para apresentar doutrina, se bem que estas funções
sobrepujassem em alguns escritores. E, acima de tudo, devemos ter
em mente que, durante toda a vida do profeta, o controle
providencial de Deus o estava preparando por meio de talentos
particulares de educação e de experiência, necessárias para a
mensagem que ele tinha de apresentar. Esta preparação
providencial dos profetas, que lhes deu o fundo espiritual e físico
necessários, de fato teve início em seus antepassados mais
remotos. Em resultado disso, os homens necessários surgiram nos
lugares precisos, na altura devida, e escreveram os livros ou
apresentaram as mensagens que lhes estavam designadas.
Quando Deus desejou dar a seu povo uma história a partir dos
primórdios, preparou Moisés para a escrever. Quando desejou dar-
lhe a poesia, doce e convidativa à adoração, como os Salmos, ele
dotou Davi com imaginação poética. E, visto que o cristianismo
requer, por sua própria natureza, afirmações lógicas, ele preparou
Paulo, dando-lhe uma mente lógica e o fundo religioso necessário
de forma a capacitá-lo para as apresentar como ele o faz. Desta
forma natural, Deus preparou de tal maneira os vários autores das
Escrituras que, com a assistência adequada de seu Espírito, a dirigi-
los e a iluminá-los, eles escreveram livre e espontaneamente aquilo
que ele quis, e no tempo por ele designado. Assim, o profeta estava
preparado para a mensagem e esta se adequava ao profeta. E
desta maneira também o estilo literário e particular de cada escritor
foi preservado, e cada um fez a obra que ninguém mais estava
preparado para fazer.
Em algumas ocasiões, a inspiração pouco mais era que um
processo de ditado. Deus falou e os homens registraram suas
palavras (cf. Gn 22.15-22; Êx 20.1-17; Is 43.1-28; etc.). Em outras
ocasiões, os escritores agiram como pensadores e compositores,
com toda sua energia, laborando como desejavam, relembrando e
abrindo seu coração perante Deus, exercendo o Espírito Santo uma
supervisão geral, levando-os a escrever o que era necessário que
fosse escrito, e a manter seus escritos livres de qualquer erro, como
podemos ver, por exemplo, em Lucas 1.1-4; Romanos 1.1-32;
Efésios 1.1-23; etc. Ao relatar simples fatos históricos ou ao copiar
listas de nomes ou de números, de fontes fidedignas, esta
supervisão era minuciosa. É possível que, em alguns casos, não
tivessem sequer a consciência de que estavam sendo influenciados
diretamente pelo Espírito, naquilo que escreviam.
Em geral, porém, podemos dizer que a palavra dos profetas
exprimia não só algo que eles pensavam, concluíam, esperavam ou
temiam, mas também aquilo que lhes era transmitido — às vezes
uma mensagem indesejada, a qual o Espírito revelador forçou a
pronunciar. Naturalmente fugiam de enunciar mensagens de
destruição para o povo ou para a nação. No entanto, não tinham a
liberdade de dizer mais nem menos do que recebiam, procediam
portanto como quem possui a mensagem de um rei e não pode
alterá-la em coisa alguma, mas entregá-la exatamente como a
recebeu. Isaías, por exemplo, após sua visão gloriosa e vocação
oficial, foi enviado a seus compatriotas com uma mensagem
indesejada, e foi inclusive avisado de que o povo não o ouviria, e
que o resultado de sua pregação seria a revolta e o endurecimento
de seus corações. Apesar disso, ele não podia mudar a mensagem,
mas apenas pergunta: “Até quando, Senhor?” (Is 6.9-13). Do
mesmo modo, Ezequiel foi enviado a um povo rebelde, sendo-lhe
dito que não o ouviriam (Ez 3.4-11). Mas, quer ouvissem quer não,
tinham de saber que entre eles houve um profeta do Senhor (Ez
2.5). Ainda que o profeta preferisse falar de outra maneira, só podia
enunciar a mensagem que recebera. Se o povo não ouvisse o aviso,
a responsabilidade era sua (Ez 33.1-11). Mostra-se ainda a
objetividade da mensagem no fato de que com frequência os
próprios profetas não compreendiam a revelação que era enunciada
por seu intermédio (Dn 12.8, 9; Ap 5.1-4).
Tampouco se deve considerar a obra do Espírito como sendo
mais misteriosa do que sua obra nas esferas da graça e da
providência. Por exemplo, o primeiro exercício da fé salvífica na
alma regenerada é, simultaneamente, uma obra induzida pelo
Espírito Santo e um ato da escolha espontânea do indivíduo. E em
toda a Bíblia as leis da natureza, o curso da história e os variados
destinos dos indivíduos são sempre atribuídos ao controle
providencial de Deus. “O Senhor tem seu caminho na tormenta e
nas tempestades, e as nuvens são o pó de seus pés” (Na 1.3).
“Porque ele faz nascer seu sol sobre maus e bons, e vir chuva sobre
justos e injustos” (Mt 5.45). “O Altíssimo tem domínio sobre o reino
dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos
homens constitui sobre eles” (Dn 4.17). “Porque Deus é quem opera
em vós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade”
(Fp 2.13). “Como o ribeiro das águas, assim é o coração do rei na
mão do Senhor; este, segundo seu querer, o inclina” (Pv 21.1).
A inspiração teria sido algo semelhante ao toque que o
cavaleiro imprime às rédeas do cavalo de corrida bem treinado. A
preservação dos estilos e maneirismos individuais indica isso. Sob
este controle providencial, os profetas eram governados de tal
maneira que, embora sua humanidade não fosse suprimida, suas
palavras ao povo eram as palavras de Deus, e assim têm sido
recebidas pela igreja através dos séculos.
Que os autores das Escrituras usavam frequentemente outros
documentos e fontes, é evidente até para o leitor mais superficial.
Por exemplo, o capítulo 37 de Isaías e o capítulo 19 de 2 Reis são
exatamente iguais. Assim, Isaías e o autor de 2 Reis teriam
recorrido às mesmas fontes. Muitos dos relatos dos Evangelhos são
narrados em linguagem quase idêntica. Se pudéssemos provar, por
exemplo, que o Pentateuco consiste de várias partes que, por seu
turno, se baseiam em documentos mais antigos, nossa doutrina da
inspiração podia aceitar tal ponto de vista. Ao lidar com dados
históricos ou legais, é provável que os autores das Escrituras
recorressem a fontes, com tanta naturalidade, como fazem os
escritores contemporâneos, com a seguinte diferença: que o Espírito
Santo superintendeu sua obra, de tal forma que selecionaram
apenas o material que Deus quis que fosse dado ao povo, e
apresentaram esse material de modo que o mesmo ficou livre de
qualquer erro. Não estavam demasiadamente interessados no
método que usavam para escrever, como estavam no valor e
autoridade do produto final. Quanto mais naturalmente e menos
mecanicamente fosse realizado, melhor.
Não se deve esperar uma explicação perfeita da maneira
como os agentes divino e humano cooperaram na produção das
Escrituras. Basta dizer que, na maioria dos casos, era algo mais
íntimo do que aquilo que é conhecido como ditado. Nosso problema
é que às vezes procuramos explicações completas para coisas que
em seu aspecto mais profundo deveriam ser apenas recebidas
como mistérios; por exemplo, a Trindade, a expiação, a relação
entre a soberania de Deus e a liberdade humana, e a inspiração da
Bíblia. Os modernistas, com sua base naturalista, resolvem
facilmente estes problemas, ignorando o divino, sem repararem na
superficialidade de seu raciocínio. Os evangélicos têm, sem dúvida,
se aferrado a estes problemas. Reconheceram não só o elemento
divino, mas também o humano, e trouxeram uma solução parcial, ao
confessarem que a mente humana não pode compreender,
inteiramente, as coisas profundas de Deus.
É claro que não devemos pensar que a inspiração tornava os
profetas oniscientes. A inspiração apenas abrangia o conteúdo de
determinada mensagem, dada através deles. Em questões de
ciência, de filosofia ou de história, fora de seu objetivo imediato,
estavam no mesmo plano de seus contemporâneos. Eram
preservados do erro quando apresentavam a mensagem de Deus,
mas a inspiração, por si só, não os transformou nem em
astrônomos, nem em químicos, nem em agricultores, etc. Muitos
deles acreditavam, como seus contemporâneos, que o sol se movia
ao redor da terra, mas em parte alguma ensinaram tal coisa. Paulo
não podia errar em seu ensino, ainda que não se lembrasse de
quantas pessoas batizara em Corinto (1Co 1.16). Já vimos como
Daniel e João não compreenderam inteiramente toda a revelação
dada por seu intermédio. Isaque deu, sem qualquer intenção, a
bênção profética a Jacó, em vez de a dar a Esaú, seu filho favorito;
e, quando mais tarde descobriu que fora enganado, não pôde, de
forma alguma, mudar o rumo das coisas.
A doutrina da inspiração não admite sequer que os autores
estivessem livres de erro, em sua conduta pessoal. Moisés escreveu
bastante acerca da história primitiva de Israel, e geralmente ele é
conhecido como sendo o maior profeta do Antigo Testamento; no
entanto, junto às águas de Meribá, tomou para si a glória do Senhor,
e por causa dessa transgressão não lhe foi permitido entrar na Terra
Prometida (Nm 20.7-13). Balaão disse algumas grandes verdades, e
Saul esteve entre os profetas. Do mesmo modo, Pedro era infalível
como porta-voz do Senhor, e não obstante, pelo menos uma vez,
caiu em erro grave em sua conduta pessoal, e foi necessário que
Paulo lhe resistisse de frente, pois se tornara repreensível (Gl 2.11-
14).
Além disso, vimos que a inspiração era bastante flexível para
permitir certos assuntos pessoais, como aconteceu quando Paulo
pediu a Timóteo que viesse ter com ele dentro de pouco tempo e lhe
trouxesse a capa e alguns pergaminhos que deixara em Trôades
(2Tm 4.13). Inclui conselhos pessoais a respeito da saúde de
Timóteo (1Tm 5.23) e a preocupação pessoal em relação ao
tratamento do escravo (Fm 10-16).
Desse modo vemos que a doutrina cristã da inspiração não é
um processo mecânico, como certos críticos menos simpáticos
comumente querem fazer acreditar. Pelo contrário, necessita que
toda a personalidade do profeta entre em ação, dando pleno lugar
ao estilo e a seus próprios maneirismos literários, tendo em
consideração a preparação dada ao profeta, de modo que ele
apresenta uma determinada mensagem, e permitindo o uso de
outros documentos ou fontes de informação, que necessitasse. Se
tivéssemos isto mais em mente, a doutrina da inspiração não seria
posta de parte, sumariamente, nem atacada sem razão por eruditos
que são, em outros assuntos, prudentes e reverentes.
4. Os supostos erros das Escrituras

Presentemente, um dos fatos mais desoladores nas igrejas é


este: enquanto antigamente se aceitava sem discutir o que a Bíblia
dizia, e sem admitir qualquer dúvida sobre aquilo que ela afirmava,
hoje há grupos dentro das igrejas discutindo sobre se aquilo que a
Bíblia diz é ou não digno de confiança. Há algum tempo, ouvimos
um sermão pregado por um professor de um seminário teológico,
muito conhecido, em que declarava que a Bíblia continha erros
históricos, morais e literários. É uma acusação bem séria; e, se isso
pudesse ser provado, sem dúvida destruiria a doutrina cristã da
inspiração.
Geralmente se reconhece que a Bíblia contém algumas
declarações que, com o conhecimento que possuímos, não
podemos explicar plenamente. Nosso conhecimento de hebraico e
de grego de modo algum é perfeito. Por exemplo, há certo número
de palavras e expressões idiomáticas que aparecem uma vez ou
outra nas Escrituras, e às vezes sucede que até os melhores
conhecedores desses idiomas não concordam inteiramente a
respeito de seu significado.
Não podemos, porém, deixar de sentir-nos satisfeitos ao
sabermos que, com o progresso das descobertas linguísticas e
arqueológicas, a grande maioria dos supostos erros bíblicos, tão
confiantemente apresentados pelos céticos e ateus há alguns anos,
desapareceu. Hoje resta apenas uma pequena parte da antiga lista.
E maior alegria nutrimos nós porque, não obstante todos os
inclementes ataques feitos à Bíblia, e apesar de toda a terrível luz
da crítica, que há tanto tempo se tem projetado sobre suas páginas
abertas, ainda não se provou que houvesse um único erro em
qualquer parte da Bíblia. Até hoje, sem qualquer exceção, sempre
que se tem chegado a conflito e tem sido possível decidir do
julgamento, tem-se provado que o cético está errado e a Bíblia está
certa. As pretensas discrepâncias que restam são apenas avisos,
depressa esquecidos, àqueles que, em sua ânsia de violentarem a
doutrina da infalibilidade das Escrituras, põem sua mente de
sobreaviso a respeito da história e da literatura. Estas dificuldades
são tão triviais, que ninguém deveria preocupar-se com elas.
Quando possuirmos mais luz, desaparecerão como sombras.
Algumas, se não todas elas, não passam de erros de copistas ou de
tradutores; e sem dúvida ninguém tem o direito de afirmar que
existem erros na Bíblia, a não ser que possa mostrar, sem qualquer
sombra de dúvida, que se encontram nos manuscritos originais. Há
plena razão para se admitir que, com um conhecimento adicional,
aquilo que para nós parece erro será esclarecido. Não é exagero
afirmar que, de um modo geral, estão na mesma relação para com a
Bíblia, como os grãos de areia aqui e acolá, do mármore do
Partenon, estão para este edifício. Perante as experiências
pregressas, é importante ter em mente que há fortes probabilidades
de que esses erros não sejam reais, probabilidades estas que
poderão ser medidas pelo peso total da evidência que possa ser
apresentada para provar que a Bíblia é um guia, absolutamente
verídico, em questões morais e espirituais.
Quando nos lembramos que a Bíblia foi escrita em um período
de cerca de 1600 anos, e que uns 40 escritores diferentes, que
viveram em períodos distintos, possuindo pontos de vista diferentes,
e com aptidões literárias diversas, tiveram parte em sua produção;
que a história religiosa e política do país era verdadeiramente
complexa, e que historiadores romanos, conhecidos por sua
precisão, caíram abertamente em erro, ao narrarem acontecimentos
seus contemporâneos, é de espantar que, havendo algumas coisas
relatadas na Bíblia, difíceis de entender, seu número seja tão
reduzido.
Ainda que admitamos que a Bíblia contém algumas
declarações difíceis de se harmonizarem com o conhecimento atual,
isso não deveria fornecer quaisquer bases racionais para negar-se a
teoria geral da infalibilidade das Escrituras. Temos as palavras do
próprio Cristo: “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35); e não
deveríamos pedir mais do que isso. No universo material há
evidências de características tão múltiplas, diversas e maravilhosas,
que deveríamos chegar à conclusão de que apontam para um autor
inteligente. E, no entanto, aqui e ali achamos monstruosidades. O
fato de que, em nosso atual estado de conhecimento, não somos
capazes de explicar por que foram criados cobras e mosquitos, ou o
germe da malária, não impede que acreditemos que o mundo teve
um Criador, inteligente e benévolo. Tampouco o cristão deveria
perder sua fé na Bíblia só porque não é capaz de harmonizar todos
seus detalhes.
Possivelmente, nenhuma outra ciência, como a Arqueologia,
tem feito tanto para confirmar a Bíblia. A obra paciente de
exploradores e escavadores no Egito, em Babilônia, na Assíria e na
Palestina, com suas pás e picaretas, abriu-nos imensos volumes da
história antiga, dando-nos narrações gráficas da língua, da literatura,
instituições e religiões dos povos que há muito teriam sido
esquecidos, exceto por menções ocasionais da Bíblia. Possuímos
seu registro gravado na rocha, no tijolo e registrado numa ou noutra
forma em monumentos, túmulos, edifícios, papiros e cerâmica.
Estas descobertas confirmam, sem exceção, a veracidade da Bíblia,
e sempre têm provado que as teorias e as conjeturas dos críticos
destrutivos estão erradas. De fato, os inimigos da Bíblia não têm
maior adversário do que a Arqueologia. A evidência apresentada por
esta fonte de informação é tão imparcial, tão impossível de
impugnar e tão concludente, que obriga sua aceitação, tanto pelos
amigos como pelos inimigos.

E
Não nos é possível, por falta de espaço, dar uma lista
circunstanciada dos erros que se têm apontado nas Escrituras, e no
entanto nossa discussão ficaria incompleta se não apresentássemos
alguns exemplos. À primeira vista parece haver contradição entre
Atos 9.7 e Atos 22.9, acerca da conversão de Paulo. Na primeira
passagem lemos que os homens que acompanhavam Saulo
ouviram a voz que lhe falou, enquanto na outra lemos que não
ouviram a voz. A dificuldade, porém, desaparece ao verificarmos
que a palavra grega traduzida por voz pode também significar som,
e assim se pode traduzir Atos 9.7. Concluímos, pois, que os homens
que viajaram com Saulo ouviram o som, porém não entenderam as
palavras.
Há relativamente pouco tempo, os críticos destrutivos
escarneceram de alguém que aceitasse a declaração de Lucas de
que a Ilha de Chipre foi governada por um procônsul (At 13.7), e que
o tetrarca Lisânias foi contemporâneo dos governantes herodianos
(Lc 3.1). No entanto, o escárnio depressa se desvaneceu, quando
descobertas arqueológicas confirmaram as afirmações bíblicas.
Na cura do servo do centurião, quer o próprio centurião se
dirigisse a Jesus e pedisse que seu servo fosse curado, como
Mateus nos leva a crer (8.5), ou lhe enviasse anciãos dos judeus,
como nos diz Lucas (7.3), a questão é a mesma, pela forma como
nos conta a história. Em nossa linguagem comum, atribuímos à
pessoa aquilo que seus agentes ou servos fazem sob suas ordens.
A acusação que Pilatos escreveu na cruz nos é dada pelos
evangelistas com pequenas variantes. No entanto, tudo indica que a
explicação para esse fato se encontra principalmente no fato de a
acusação ser escrita em três idiomas: latim, grego e hebraico, que
havia variantes nos originais e que, pelo menos um dos escritos,
apresenta uma tradução livre, não havendo diferença substancial,
por exemplo, entre a declaração de Marcos, “o Rei dos Judeus”, e a
de Lucas, “Este é o Rei dos Judeus”.
Na manhã da ressurreição, quer a pedra do túmulo fosse
retirada por mãos humanas, como se refere na narrativa de Marcos,
Lucas e João (ainda que tenham o cuidado de não dizer que o fora
por mãos humanas, mas apenas que a pedra foi tirada), ou que um
terremoto contribuiu para esse fim, como Mateus nos informa mais
especificamente (28.2), o fato não interessa perante o ponto
essencial de que Cristo, naquela manhã, ressurgiu e saiu do túmulo.
Mateus nos fornece um relato mais detalhado, neste ponto, nos
dizendo que o Senhor usou as forças da natureza para alcançar seu
objetivo; enquanto os outros evangelistas apenas registram a
importante verdade religiosa de que o túmulo estava aberto.
Acontece amiúde que autores sacros, assim como os seculares,
descrevem acontecimentos de um prisma diferente, ou com ênfases
diferentes. Em tais casos, não há mais contradição entre as
narrativas do que há, por exemplo, entre quatro fotografias da
mesma casa, uma tirada do ocidente, outra do norte, outra do leste
e outra do sul, ainda que apresentem vistas diferentes.
Mateus 27.5 afirma que Judas entregou o dinheiro aos
sacerdotes, e depois saiu e foi enforcar-se; enquanto Atos 1.18
afirma que ele comprou um campo com esse dinheiro. Mas,
coordenando as duas narrativas, deduz-se que o que realmente
aconteceu foi que os sacerdotes rejeitaram o dinheiro que Judas
atirou para o templo. No entanto, depois de sua traição e suicídio, tal
desgraça se ligou a ele, de maneira que nenhum amigo ou parente
veio cuidar de seu corpo, e foi enterrado pelas autoridades. Os
sacerdotes se lembraram de que o dinheiro fora devolvido e que não
poderia entrar nas ofertas do templo por ser preço de sangue; e,
necessitando o corpo de sepultura, resolveram, muito a propósito,
usar aquele dinheiro para comprar um terreno onde o enterrassem,
talvez o mesmo campo em que ele suicidara. Assim, diz-se que ele
comprou um campo com a recompensa recebida por sua iniquidade
— não que ele o tivesse adquirido pessoalmente, mas que foi
comprado com seu dinheiro, e que nele foi enterrado.
Muitos críticos afirmam que a referência de Jeremias que se
faz em Mateus 27.9 constitui um erro, e que deve ser, antes, a
Zacarias 11.12, 13. No entanto, tudo indica ser este um caso de
menção subsequente, como acontece também em Atos 20.35 e
Judas 14. Mateus diz que Jeremias disse essas palavras, e ninguém
pode provar o contrário. Certamente, Jeremias as pronunciara,
Zacarias as escrevera, e Mateus, inspirado pelo Espírito Santo, as
citou aqui, atribuindo-as a Jeremias. É possível que Mateus tivesse
fontes seguras para atribuí-las a Jeremias, fontes essas que não
conhecemos. O fato de a citação de Mateus não ser exatamente
como se encontra em Zacarias pode ser tomado como indicação de
que ele de fato possuía outros livros.
Às vezes afirma-se que Gênesis 36.31, ao referir-se a rei (ou
reis) que governaram sobre os filhos de Israel prova que o livro do
Gênesis não foi escrito por Moisés, mas por outra pessoa, que
Moisés era profeta e que, muito antes da promessa ser dada a
Abraão de que haveria reis (Gn 17.6; 35.11), predisse o
aparecimento de reis em Israel (Dt 17.14-20), e que em Gênesis
36.31 ele apenas diz que havia reis reinando em Edom, muito antes
de os haver em Israel.
No que diz respeito a Êxodo 9.19, às vezes se pergunta como
é que os egípcios poderiam ter ainda gado para ser morto pela
saraiva, que foi a sétima praga, se em Êxodo 9.6 se declara que
todo o gado perecera pela peste, que foi a quinta praga. Pode-se
explicar este fato, porquanto a quinta praga não matou o gado que
pertencia aos israelitas, e durante o tempo decorrido entre as duas
pragas sem dúvida os egípcios se apossaram desse gado.
O fato de os Dez Mandamentos, apresentados em Êxodo
20.17 e Deuteronômio 5.7-21, mostrarem certas variantes na
linguagem ou, em alguns casos em que os escritores do Novo
Testamento citam o Antigo Testamento, não citarem as palavras
exatas, mas apenas o significado em geral, não é um argumento
contra a inspiração verbal, a menos que se possa provar que
quiseram citar literalmente. O escritor ou orador está em seu direito
de repetir seus pensamentos de maneira relativamente diversa, e é
isto que o Espírito Santo fez. A linguagem humana, em sua forma
mais elevada, é demasiadamente imperfeita para expressar a
plenitude da mente divina, e não deveríamos limitar o Espírito Santo
a uma forma estereotipada de falar. Os escritores do Novo
Testamento têm mais interesse em apresentar a verdade básica,
colocando-a em uma forma variada e rica, do que em seguir um
método rígido. Isto põe de lado um grande número de contradições
que alguns críticos afirmam encontrar na Bíblia. Além disso, se
encontrarmos uma passagem que permita duas interpretações, uma
que se harmonize com o restante das Escrituras e outra não, sem
dúvida devemos aceitar a primeira. Quer essa declaração se
encontra nas Escrituras, em documentos históricos ou em
documentos legais, o princípio da interpretação comumente aceito é
que o significado que pressupõe o documento é auto-consistente e
racional e deve ser preferido ao que o torna inconsistente e
irracional. Agir sobre outra base é fazê-lo com preconceitos e
pressupor o erro em vez de o provar. No entanto, os críticos da
Bíblia não se importam em descartar esta regra.
Muitas das chamadas “dificuldades morais” do Antigo
Testamento surgem apenas porque não se tomou em consideração
a natureza progressiva da revelação. Ainda mais, evidentemente, se
espera de nós, que vivemos na era cristã e que possuímos a luz do
Novo Testamento. Também aqui existe “primeiro a haste, depois a
espiga, e por fim o grão maduro na espiga”. Muitas vezes surgem
mal-entendidos devido ao fracasso em distinguir entre o que as
Escrituras registram e o que elas sancionam.
Por exemplo, os problemas mais sérios surgem quando se
trata da destruição dos cananeus, dos salmos imprecatórios, da
doutrina da expiação substitutiva e da doutrina do castigo eterno. É
possível que as dificuldades relacionadas com estes problemas não
possam ser resolvidas, mas a objeção de que são moralmente
errados surge da suposição de uma justiça retributiva inexistente. É
preciso ter em mente que, se Deus é bom e recompensa a justiça,
também é justo e pune, com toda certeza, o pecado, e que o castigo
do pecado é para ele obrigatório, refletindo sua glória, do mesmo
modo que a recompensa da justiça o faz. Este é o ensino do Novo
Testamento, de forma tão clara como é o do Antigo Testamento; e
que está em sua base doutrinária o fato de que o castigo de nossos
pecados não poderia ser simplesmente cancelado, mas tem de ser
posto sobre Cristo, para nossa salvação. Além disso, o Antigo
Testamento mostra não apenas que certos indivíduos, mas que até
cidades inteiras eram tão depravadas, que vieram ser uma maldição
para a sociedade. Tais indivíduos, pois, eram indignos de viver. Até
mesmo a religião de alguns povos era corrupta, como, por exemplo,
os que seguiam o culto de Baal, culto que era acompanhado de ritos
imorais, de sacrifícios de crianças recém-nascidas atiradas ao fogo,
e do ósculo lançado às imagens de deuses pagãos.
A atitude do Antigo Testamento em relação à poligamia, o
divórcio e outros males semelhantes, é frequentemente
ridicularizada pelos críticos atuais; mas, analisada em seu próprio
ambiente, é em si um argumento a favor da autoridade divina da
Bíblia. No que diz respeito a quase todas estas questões,
verificamos que o objetivo da Bíblia é apresentar princípios básicos
aplicáveis a todos os povos, a todas as nações, a todas as raças e
em todas as épocas, e não estabelecer leis específicas que, embora
se adaptem a um tipo de pessoas sob certas condições diferentes,
podem não se aplicar a outros. A criação de leis específicas,
adaptáveis a certos problemas sociais ou políticos e a condições
locais, pertence aos corpos legislativos competentes. Portanto, as
leis da Bíblia não são tão específicas quanto muita gente gostaria
que fossem. A sabedoria que a Bíblia revela ao enfrentar tais males,
numa época primitiva, dando leis e princípios que os regulassem, de
forma a destruí-los, é em si uma forte evidência de que essas leis
são de origem sobre-humana.

AB
É evidente que a Bíblia não foi escrita do prisma científico.
Aquele que procurar usá-la como sendo um livro-texto, ficará
verdadeiramente desapontado. Foi escrita muitos anos antes do
aparecimento da ciência moderna e tendo em mente não cientistas
e intelectuais, e sim o povo comum. Sua linguagem é a do povo e
sua matéria é, acima de tudo, religiosa e espiritual. Se tivesse sido
escrita na linguagem científica ou filosófica, teria sido ininteligível ao
povo das épocas primitivas, e na realidade não seria compreendida
pelas massas de nossa própria época. Além disso, embora não
pretendamos rebaixar as realizações científicas modernas, e sim,
antes, aceitá-las e usá-las ao máximo, devemos dizer que os livros-
texto científicos têm de ser reescritos, pelo menos uma vez em cada
geração; e, ao progredirmos como sucede hoje nas investigações
científicas, dentro de dez anos a maioria dos livros científicos ora
em uso será obsoleta. Mas a Bíblia é um livro que não sofreu
qualquer revisão durante milhares de anos, e que atualmente apela
para o coração e para a inteligência do homem, com tanta força
como o fez no passado. Aqueles que buscam na Bíblia inspiração
espiritual e intelectual, encontram-na tão fresca e inspiradora, como
se tivesse sido escrita ainda ontem.
Uma das coisas mais maravilhosas a respeito da Bíblia é que,
embora escrita em épocas de ignorância e de superstição, ela não
contém os erros e falácias populares de seu tempo. Moisés, como
príncipe herdeiro do Egito, frequentou as melhores escolas e “foi
instruído em toda a sabedoria dos egípcios”, cuja maior parte seria
considerada hoje patética, porém não a usou na Bíblia. As teorias
inverossímeis e fantásticas defendidas pelos egípcios a respeito da
origem do mundo e do homem são completamente ignoradas; e no
primeiro capítulo do Gênesis, em linguagem majestosa nunca
ultrapassada até hoje, ele nos fornece um relato da criação do
mundo e do homem que não pode ser desmentido pela ciência
moderna. Os outros profetas que não tiveram contato com a ciência
de seu tempo, na Caldéia e em Babilônia, procederam da mesma
maneira; e, embora pessoalmente cressem em muitas coisas
errôneas, só escreveram o que estava de acordo com a verdade.
É provável que alguns dos profetas admitissem que o mundo
era plano. No entanto, em parte alguma de seus escritos ensinaram
tal coisa. Quando falam do nascer e do pôr-do-sol, dos quatro
cantos da terra ou dos confins da terra, não devemos tomar ao pé
da letra o que eles dizem. Atualmente, usamos as mesmas
expressões, porém não queremos com isso afirmar que o sol gira
em torno da terra, ou que a terra seja plana ou retangular. Em nossa
linguagem corrente, com frequência descrevemos as coisas como
nos parecem e não como bem sabemos são na realidade. E embora
os céticos, como um grupo, estejam sempre prontos a afirmar que a
Bíblia ensina que a terra é plana, quase não podemos encontrar um
que seja suficientemente honesto para citar um determinado
versículo em que a Bíblia faça tal declaração a respeito da forma da
terra. Ao descrever a grandeza e a majestade de Deus, Isaías diz
que “ele está assentado sobre a redondeza da terra” (40.22). A
palavra hebraica que se traduz por redondeza ou globo literalmente
significa redondo. Tampouco os céticos gostariam de citar as
palavras de Jó: “Estende o norte sobre o vazio; suspende a terra
sobre o nada” (Jó 26.7).
Em 1861, a Academia Francesa de Ciências publicou uma
lista de 51 fatos, denominados científicos, cada um dos quais, dizia-
se, refutava uma afirmação da Bíblia. Hoje, a Bíblia permanece
como então era, porém nenhum desses supostos fatos é defendido
pelos atuais homens de ciência.
Devíamos fazer sempre distinção entre especulação científica
e fatos demonstrados de forma inegável. As especulações
científicas são como as correntes movediças do oceano; enquanto
as Escrituras, qual rochedo de Gibraltar, lhes resistem há muito mais
de dois mil anos. Ainda não foi possível demonstrar que há
contradições entre a Bíblia e fatos científicos comprovados; pelo
contrário, a narrativa do mundo, em contraste com aquilo que se
encontra nos livros antigos, está de acordo com as descobertas da
ciência moderna, de maneira tão extraordinária que se torna
maravilhoso. O conflito que algumas pessoas supõem existir entre a
Bíblia e a Ciência na realidade não existe.
É possível que a principal razão por que há tanta confusão
acerca das relações entre a ciência e a religião seja o fracasso, por
parte de muita gente, em distinguir entre fatos e opiniões. A
verdadeira ciência lida com fatos comprovados; as opiniões podem
variar, com a pessoa que as formula. A evolução orgânica, por
exemplo, como tem sido apresentada, em geral não admite o
sobrenatural e está em contradição com a Bíblia. Devemos, porém,
lembrar-nos de que a evolução não é um fato científico, mas apenas
uma teoria, uma hipótese. Nem um só dos argumentos normalmente
apresentados para a sustentar é válido; e muitos cientistas de valor
não acreditam na teoria da evolução, mas na criação, como é
apresentada na Bíblia. Se um pastor não estudou ciências, não tem
o direito de invadir o domínio da ciência e falar com autoridade a
seu respeito. Tampouco um cientista que não teve qualquer
experiência do poder regenerador do Espírito Santo tem qualquer
direito de invadir o campo da religião e falar livremente a seu
respeito. Atualmente, certos cientistas de renome, mas sem
experiência religiosa, presunçosamente têm escrito ou falado,
emitindo sua opinião acerca de assuntos religiosos. Sua opinião,
porém, a respeito desses assuntos não tem mais valor que a de
qualquer outra pessoa, pela simples razão de que falam a respeito
de coisas que estão muito além de seu conhecimento. O simples
fato de um homem ser uma sumidade dentro de um campo, não lhe
confere o direito de falar, com autoridade, sobre questões fora desse
campo de conhecimento. A verdadeira religião e a verdadeira
ciência nunca se contradizem; mas ministros e cientistas podem
discordar, pessoalmente. Na verdade, a ciência tem feito coisas
maravilhosas. Mas seu domínio está estritamente limitado à parte
material da vida. Não tem autoridade para falar acerca de coisas
espirituais. Quando a ciência se torna um substituto da religião, em
geral se transforma em um falso Messias.
A relação entre a Bíblia e a ciência foi apresentada, de forma
bem clara, pelo Dr. Samuel G. Craig, da seguinte maneira: Uma
coisa é dizer que as Escrituras contêm declarações contrárias aos
ensinos da ciência e da filosofia modernas, e outra coisa totalmente
diferente é dizer que contêm erros comprovados. Estritamente
falando, não existem ciência e filosofia modernas — existem apenas
cientistas e filósofos modernos que divergem entre si. É apenas na
suposição de que as vozes discordantes dos cientistas e filósofos
modernos devem identificar-se com as vozes da ciência e da
filosofia, que alguém se justifica dizendo que a Bíblia contém erros e
isto em virtude de seus ensinos nem sempre estarem de acordo
com os ensinos desses cientistas e filósofos. Porventura alguém
admite que a ciência e a filosofia já atingiram sua forma final? Não
seria melhor afirmar que estão longe de a atingir e que, se os
ensinos da Bíblia estivessem em perfeita harmonia com a ciência e
a filosofia modernas, é quase certo que estariam em desacordo com
a ciência e filosofia do futuro? Por exemplo, se o anti-sobrenatural
da ciência e da filosofia dominantes de hoje for a característica das
mesmas em sua forma definitiva, então a Bíblia conteria, sem
dúvida, muitos erros. No entanto, quem possui competência
suficiente para afirmar que é esse o caso? E, a menos que se prove
que a ciência e a filosofia do futuro sejam essencialmente iguais à
filosofia e ciência do presente, estamos fora da evidência existente,
quando afirmamos que a Bíblia contém erros comprovados, apenas
porque seu ensino está em contradição com os ensinos de
cientistas e filósofos modernos.
5. Fidedignidade da Bíblia

Depois de um breve estudo sobre os pretensos erros e


discrepâncias, incluindo não só os que mencionamos, mas também
muitos outros, afirmamos, sem receio de sermos desmentidos, que
nenhum deles é autêntico. Como cristãos, damos ao livro de Deus o
título: “Bíblia Sagrada”. Caso se tratasse apenas de um livro
relativamente bem escrito, apresentando verdades morais e
espirituais valiosas, mas, ao mesmo tempo, contendo muitas coisas
duvidosas, não poderíamos aplicar-lhe o adjetivo “Sagrado”. Neste
caso, ele estaria no mesmo nível de outros livros, e a única
diferença seria não em qualidade mas em grau.
No entanto, quão diferente é nossa atitude quando nos
aproximamos da Bíblia e a consideramos como sendo a Palavra de
Deus, única regra de fé e prática, inspirada e infalível! Quão
prontamente aceitamos suas declarações e nos curvamos perante a
enumeração de nosso dever! Quão indistintamente trememos
perante suas ameaças da mesma forma que descansamos em suas
promessas!
Ao proclamarmos a Palavra da Vida, no púlpito ou em aula; ao
tentarmos dar conforto junto de um leito de dor ou em um lar
enlutado; ao vermos nossos companheiros lutando contra a
tentação, ou preocupados com problemas, e lhes injetamos
coragem e esperança, para este mundo e para o vindouro, quão
gratos somos por uma Bíblia absolutamente fidedigna! Em tais
casos, queremos salientar que possuímos não algo simplesmente
provável ou plausível, mas seguro e concreto.
Aquilo a que se dá o nome de “Lei de Documentos Antigos”,
em geral aceitos pelos estudiosos dos livros religiosos e seculares,
consiste em supor que “documentos aparentemente antigos, que
não tragam em si marcas de falsificação e encontrados sob guarda
conveniente, são verdadeiros até que existam provas,
suficientemente fortes, em contrário”. Ora, nós afirmamos que,
julgados por este princípio, os livros do Antigo e do Novo
Testamento são aquilo que dizem ser, e como tais deverão ser
aceitos. Estamos certos de que, quando os críticos forem vencidos,
quando a batalha terminar e a fumaça desaparecer, os livros da
Bíblia, se pudessem falar, diriam o que Paulo disse ao carcereiro de
Filipos: “Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos”. A
princípio parece muito difícil compreender por que tantas pessoas
se preocupam em apontar erros na Bíblia. Mas, ao examinarmos o
fato mais detalhadamente, verificamos que a razão está em que a
Bíblia julga os homens e aponta o pecado de seus corações. E os
homens não-convertidos não gostam disso e preferem ler um jornal
ou um romance. A descrição de um julgamento, no jornal, interessa-
lhes muito mais do que um capítulo do Novo Testamento. E já que
não gostam que a Bíblia diga a verdade a seu respeito e a respeito
do mundo em que vivem, tentam descobrir erros no Livro Santo. A
razão por que não podem deixar o Livro em paz é que ele de fato
não os deixa em paz. Em todas as épocas e em todas as classes
sociais, os incrédulos têm tentado tudo quanto lhes é possível para
encontrar erros que condenem a Bíblia como falsa. Não têm prazer
em apontar erros em Virgílio, em Cícero, em Shakespeare, mas não
podem suportar a Bíblia. E, infelizmente, os inimigos figadais da
Palavra não se encontram apenas entre as pessoas incultas, mas
também entre pessoas educadas e cultas. Realmente, muitos nada
têm em comum, e no entanto se unem em sua acirrada oposição à
Bíblia.

T
Evidentemente, atualmente há muitos sábios que, por várias
razões, tentam lançar o descrédito sobre a Palavra de Deus. Em
geral começam atacando o Antigo Testamento, e levam esse ataque
até o Novo Testamento. Temos, porém, a alegria de dizer que há
muitos sábios, de sabedoria pelo menos igual, que declaram ser a
Bíblia absolutamente digna de confiança. O falecido Dr. Benjamin B.
Warfield, professor de Teologia Sistemática em Princeton durante 35
anos, cremos que o maior teólogo e estudante de grego que jamais
houve na América, depois de examinar a evidência com base na
qual todos os críticos baseavam suas conclusões, não teve qualquer
escrúpulo em declarar que essa evidência era destituída de
qualquer valor, e disse que a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, é
aquilo que pretende ser: a Palavra de Deus. Seu livro, Revelação e
inspiração, sem dúvida é o melhor livro sobre o assunto. A revista
“Sunday School Times” tem absoluta razão em afirmar que ele
“constitui a defesa mais erudita, exaustiva e convincente da
inspiração da Bíblia jamais escrita, nos últimos tempos”.
Em relação ao Antigo Testamento, nos sentimos em terreno
seguro afirmando que não surgiu até hoje maior autoridade do que
Robert Dick Wilson. Conhecendo perfeitamente 45 línguas e
dialetos, e conhecendo mais acerca do Antigo Testamento do que
qualquer homem atual, apresentou suas conclusões nos seguintes
termos: Dediquei-me constantemente, há quarenta e cinco anos, ao
estudo do Antigo Testamento em todas as línguas, em toda sua
arqueologia, em todas suas traduções e, tanto quanto possível, em
tudo quanto diz respeito a seu texto e a sua história ... A evidência
que possuímos me convence de que Deus falou muitas vezes e de
muitas maneiras pelos profetas e pelo Filho (Hb 1.1), e de que o
Antigo Testamento em hebraico, sendo inspirado diretamente por
Deus, foi conservado puro por sua providência e cuidado.
O mundo continua esperando por uma teoria que forneça um
relato adequado da origem e da autoridade da Bíblia, baseado em
outras hipóteses que não tenham sua origem em Deus. Uma após
outra, as teorias apresentadas caem automaticamente ou são
desmentidas por outros esquemas igualmente destrutivos. Até hoje
nenhuma outra hipótese, com exceção daquela da origem divina,
conseguiu manter-se mais de meio século. Isto, por si só, é uma
prova de que não se pode atribuir a origem do Livro a outros meios
além dos que nos foram apresentados pelos próprios profetas.
Tampouco temos razão para admitir que apareça, no futuro, outra
teoria com possibilidade de êxito. Assim, o único curso racional a
seguir é aceitando aquilo que a Bíblia afirma ser, até que possamos
mudar de opinião.
É interessante demonstrar que através dos séculos a fé cristã
ortodoxa tem se desenvolvido e se defendido mediante esforços
reverentes e ansiosos de Orígenes, de Agostinho, de Erasmo, de
Lutero, de Calvino, de Hodge e de Warfield, os quais acreditavam
na plena inspiração da Bíblia, e não pelos pelagianos, socinianos,
wellhausens[1] e fosdicks[2] com suas dúvidas sobre se Moisés,
Paulo, ou até mesmo Cristo, acreditavam naquilo que disseram.
Nosso desejo é que não haja oportunidade para se dizer de nós o
que se disse daqueles que viveram em épocas passadas: “que
recebemos a Palavra de Deus, tal como foi anunciada pelos anjos, e
não a guardamos”.

R B
Quando afirmamos que a Bíblia é absolutamente fidedigna
quanto a sua apresentação de fatos doutrinários ou éticos, com isso
não queremos dizer que examinamos pessoalmente cada uma de
suas declarações tão cuidadosamente, que nos sentimos
justificados em afirmar que são todas verdadeiras, nem tampouco
queremos dizer com isso que somos oniscientes. Chegamos a esta
conclusão, em primeiro lugar, notando as reivindicações feitas na
Bíblia acerca de sua própria inspiração e fidedignidade; e em
seguida comparamos essa reivindicação com os fatos fornecidos
pela crítica e pela exegese bíblica. Em virtude da muita evidência
que consubstancia esta reivindicação da Bíblia, como, por exemplo,
o alto nível moral e espiritual que existe ao longo de todo o Livro, a
prometida diretriz do Espírito Santo, as muitas profecias feitas em
determinadas épocas, e que no devido tempo tiveram seu
cumprimento, até nos mais insignificantes pormenores, a inerente
unidade do Livro, a forma simples e sem preconceitos com que se
descrevem acontecimentos, etc., e, portanto, na ausência de
quaisquer erros comprovados, concluímos que a Bíblia é aquilo que
pretende ser: um livro inteiramente inspirado. Esta parece ser a
única maneira lógica e compreensível de encarar o problema. Se
rejeitarmos este método para chegarmos a uma conclusão, teremos
de fazer um exame exaustivo de cada parte das Escrituras,
versículo por versículo, declaração por declaração, e provar sua
veracidade ou falsidade. Ao tentarmos este processo, logo
esbarraremos com coisas difíceis de serem discernidas,
declarações sobre as quais não temos informação adequada, e
profecias ainda sem cumprimento. Então descobriremos que
estamos a lutar contra as Escrituras, para nossa própria destruição
espiritual.
A posição dos conservadores sobre este assunto foi
apresentada, de forma bem clara, pelo Dr. Samuel Craig. Depois de
afirmar que “a Bíblia dá testemunho acerca de sua própria
veracidade”, acrescenta: “Se não fosse assim, o máximo que
poderíamos dizer é que a Bíblia não possui erros comprovados. Tal
fato é bem óbvio, se lembrarmos que as partes mais recentes da
Bíblia foram escritas há cerca de dois mil anos; que a Bíblia, como
um todo, trata de períodos de história dos quais, na melhor das
hipóteses, temos apenas informações incompletas; que relata as
crenças e experiências de muitos indivíduos acerca dos quais pouco
sabemos, e que contêm representações que se supõem foram
reveladas de forma sobrenatural, incluindo muitas predições ainda
não cumpridas — para não enumerar outros assuntos. Ninguém,
nem mesmo os sábios mais famosos, possui o mínimo de
conhecimento que seria necessário para poder afirmar, com base
apenas em seu próprio conhecimento, que a Bíblia contém algum
erro. Somos, porém, de opinião que o problema é absolutamente
diferente, se o testemunho de sua veracidade absoluta é em si parte
do fenômeno bíblico. Neste caso, o caminho está aberto para
afirmar sua completa veracidade, sem necessidade de provar uma
negativa universal. Evidentemente, não pretendemos que sejamos
julgados como se afirmássemos que o mero fato de a Bíblia
pretender possuir infalibilidade nos inibe da responsabilidade de
examinar suas passagens e afirmar que parte de seu conteúdo está
de acordo com suas reivindicações. No entanto, se a Bíblia
apresenta tal reivindicação, e se o exame mais cuidadoso nada
revela que a faça contradizer-se, então é possível que essa
reivindicação seja válida. Se, ao examinarmos a Bíblia, verificamos
que todas suas declarações são verídicas, nos sentimos mais
inclinados a crer que as declarações impossíveis de averiguação
são igualmente verídicas. Em suma, nossa defesa, ao afirmarmos a
infalibilidade da Bíblia, baseia-se: 1. Na ausência de erros
comprovados; e 2. No testemunho que a Bíblia apresenta de sua
plena fidedignidade. Nossa confiança na fidedignidade dos
escritores bíblicos é tal que nos sentimos absolutamente
fundamentados ao aceitarmos suas declarações como verdadeiras,
mesmo quando não tenhamos possibilidade de as averiguar”.
Em outro lugar: “Dependemos das Escrituras para nosso
conhecimento de todos os fatos e doutrinas distintos do cristianismo.
Se não podemos confiar nelas, quando falam de si mesmas, como
poderemos confiar nelas quando nos falam acerca da divindade de
Cristo, da redenção por seu sangue, da justificação mediante a fé,
da regeneração efetuada pelo Espírito Santo, da ressurreição dos
mortos e da vida eterna?”.
Além disso, não podemos ver inteiramente a importância do
testemunho a respeito de sua própria veracidade, a menos que
consideremos o fato de que a fidedignidade de Cristo está também
envolvida. Pelas expressões: “A Escritura não pode ser anulada”, e
“até que os céus e a terra passem, nem um jota, nem um til se
omitirá da lei, sem que tudo se cumpra”, ele atribui plena autoridade
ao Antigo Testamento, como um todo orgânico, e faz dele a regra de
vida. Nestes pontos não existe qualquer dúvida a respeito da pureza
do texto grego. Assim, a autoridade das Escrituras e a autoridade de
Cristo estão ambas ligadas inseparavelmente. Infelizmente há quem
se incline perante ele e se regozije nele, como o Mestre e Senhor, e
simultaneamente impute às Escrituras erros, não só históricos, mas
também morais. No entanto, não é possível manter uma atitude tão
inconsistente. Parece-nos absurdo que sejamos a um só tempo
seus adoradores e seus críticos. Só a ignorância ou a falta de
reflexão torna possível que alguém pense que pode continuar a ser
ortodoxo em sua concepção acerca de Jesus, aceitando,
igualmente, muitos pontos de vista de críticos destrutivos. Quando
dizemos: “Jesus, ensina-me isto ou aquilo, mas a verdade é esta ou
aquela”, já não lhe prestamos culto como Senhor e Mestre. Deste
modo, a pergunta “Que pensais vós de Cristo; de quem é ele Filho?”
é perfeitamente paralela à pergunta: “Que pensais vós da Bíblia; de
que fonte vem este Livro?”. A investigação nos convence de que a
Bíblia, e bem assim o Cristo por ela apresentado, é verdadeiramente
humana e verdadeiramente divina. Do mesmo modo que ele era
verdadeiro homem, tentado em tudo como nós o somos, mas sem
pecado, porquanto era divino, também a Bíblia na verdade é um
livro humano, escrito por homens como nós, porém sem erros,
porquanto é também divina.
Quando dizemos que a inspiração abrange todas as partes da
Bíblia, com isso não queremos dizer que todas suas partes são
igualmente importantes. Admite-se, de boa vontade, que Gênesis,
Mateus ou Apocalipse, por exemplo, têm muito mais significância do
que 2 Crônicas, Ageu ou Judas. Como Paulo diz: “Uma estrela
difere, em glória, de outra estrela” — e no entanto Deus a todas elas
criou. No corpo humano, alguns órgãos têm muito mais valor do que
outros: os olhos, por exemplo, ou o coração, são mais valiosos que
os dedos ou o cabelo. De fato, quase podemos viver prescindindo
de certos órgãos, embora um corpo completo seja muito mais
desejável e saudável. O mesmo se pode dizer da Bíblia: nem todas
suas partes têm o mesmo valor, mas todas são igualmente
verdadeiras.
Além disso, não pretendemos dizer que, se não houvesse
inspiração, não haveria cristianismo. De bom grado admitimos que,
se os escritores bíblicos dependessem apenas de suas faculdades,
como se fossem historiadores e mestres ordinários, a despeito disso
poderiam fornecer-nos relatos precisos das mensagens que
tivessem recebido e dos acontecimentos que ocorreram, e que o
cristianismo assim mesmo teria prosseguido, ainda que de uma
forma muito mais pobre. Mesmo que a Bíblia, como livro, se tivesse
perdido por completo, as verdades essenciais a respeito do caminho
da salvação nos teriam sido transmitidas, relativamente puras. Mas,
a quantas incertezas, dúvidas e erros, gerando constantemente
erros piores, estaríamos expostos! Não se pode negar que assim
teríamos somente uma forma de cristianismo, muito fraca e pobre.
Para podermos apreciar o que nos aconteceria, basta-nos olhar
para certos grupos, tais como a igreja romana, a igreja ortodoxa, as
igrejas nestoriana e copta, e para os modernistas de nossos dias,
com sua Bíblia indigna de confiança e sua confusão sem fronteiras.
Nas duas primeiras igrejas citadas, negou-se ao povo o acesso às
Escrituras; as outras duas possuem as Escrituras, porém mescladas
com muito erro. Portanto, sem a Bíblia talvez tivéssemos alguma
forma de cristianismo, porém quão pobre seria! Que privilégio é
possuirmos um Livro, cada linha do qual nos sendo transmitida por
inspiração divina! Quem pode medir o valor exato de um privilégio
como este? Na verdade, a prática tem demonstrado que o fator que
mais solidamente tem contribuído para a conservação do verdadeiro
cristianismo, através dos séculos, tem sido uma Bíblia digna de
confiança nas mãos do povo.
Cremos que a Bíblia, tal como a conhecemos, está completa e
nenhum outro livro se lhe deve acrescentar. Cremos assim porque a
Bíblia nos dá um relato suficientemente claro da relação existente
entre Deus e os homens, e do plano divino de redenção, tal como foi
realizado por Cristo, e que está sendo aplicado agora a seu povo
pelo Espírito Santo. É isto que a Confissão de fé Westminster
apresenta, quando diz: “Todo o conselho de Deus acerca das coisas
necessárias para sua própria glória, salvação, fé e vida do homem é
expressamente apresentado nas Escrituras, ou pode ser deduzido
delas, como consequência boa e necessária, à qual nada se pode
acrescentar, em tempo algum, seja por novas revelações do
Espírito, ou por tradição do homem”.
Devemos ter em mente que a doutrina protestante da
inspiração e autoridade das Escrituras difere fundamentalmente da
que é sustentada pela igreja romana. O Concílio de Trento, que
reuniu-se na cidade italiana do mesmo nome, e cujas sessões
terminaram em 1653, fixou as regras que a Igreja Romana tem
desde então defendido consistentemente. Afirmam a inspiração
divina e a autoridade das Escrituras, porém com algumas reservas.
Declaram que a Vulgata, tradução latina da Bíblia feita por
Jerônimo, terminada em 405, é o texto autêntico das Escrituras, e
que “ninguém deve atrever-se ou pretender rejeitá-lo sob qualquer
pretexto”. Além disso, e o que é mais importante, introduzem uma
estimativa fundamentalmente diferente do lugar das Escrituras na
religião, e da religião em si, quando colocam, juntamente com as
Escrituras e como possuindo igual autoridade, certas tradições da
Igreja que em geral consistem de decretos papais e dos concílios da
Igreja, e declaram que se deve reconhecer unicamente a Igreja
como o único juiz do significado e interpretação das Sagradas
Escrituras”. Isto coloca a autoridade final da interpretação das
Escrituras nas mãos de homens falíveis e pecadores, e abre de par
em par a porta a toda espécie de erro.
6. Posição inconsistente dos modernistas

Já dissemos que os assim chamados modernistas ou liberais


não têm uma opinião consistente. Ou têm de abraçar
deliberadamente o racionalismo e negar a autoridade da revelação,
ou então regressar ao conceito das Escrituras, possuidoras de toda
a autoridade. A história do protestantismo liberal nos revela
claramente sua imensa dificuldade em se manter na mesma
plataforma do deísmo, para não dizer do cristianismo. De fato sua
tendência tem sido em direção ao pleno repúdio de todos os
fundamentos da fé cristã. O modernista, se seguir logicamente na
direção em que suas premissas o levam, em primeiro lugar nega a
inspiração das Escrituras, os milagres, a divindade de Cristo, a
expiação, a ressurreição; e, se for até o fim, acaba no completo
ceticismo. Por muito estranho que pareça, em alguns meios
religiosos se ouve falar hoje de ateísmo da teologia moderna.
Infelizmente para alguns, há uma inconsistência nos processos
racionais que conduzem os vários sistemas filosóficos e religiosos a
suas conclusões lógicas.
Praticamente, todas as igrejas evangélicas exigem que
aqueles que são ordenados para o ministério, façam uma confissão
pública de sua aceitação da Bíblia como a Palavra de Deus. Por
isso, ao modernista não lhe assiste o mínimo direito de ser ministro,
presbítero ou diácono de uma igreja evangélica, porquanto não
possui boa moral, como não tem, aliás, nenhuma teologia.
Confessar uma coisa quando se acredita o contrário não é indício de
se possuir o caráter de um homem honesto. Os votos de ordenação
podem ser profundamente evangélicos, porém o fato é que há
muitas igrejas cujos ministros negam ou omitem a verdade cristã da
infalibilidade da Bíblia!
Os que defendem a inspiração de um ponto de vista inferior
defrontam problemas dos quais tentam fugir, afirmando que a Bíblia
simplesmente contém a Palavra de Deus. Esta fórmula difusa,
porém, praticamente nada afirma. Um rio da índia, que “corre por
sobre areias douradas”, sem dúvida contém ouro. Mas deve ser
muito difícil calcular a proporção relativa entre a areia e o ouro. Se a
Bíblia apenas contém a Palavra de Deus, como até os modernistas
sem escrúpulos o afirmam, sem dúvida lhe falta muito para ser
infalível; e, nesse caso, ficamos à mercê da crítica ou de suas
opiniões pessoais, para determinar sobre quais serão os elementos
que constituem a Palavra de Deus e aqueles que são apenas a
palavra de homem.
O Dr. Clarence E. Macartney disse recentemente: “Aqueles
que se afastaram da fé numa Bíblia infalível fazem esforços
desesperados, porém inteiramente vãos, para conseguir um
substituto adequado e outro terreno em que possam apoiar-se. Mas,
com o decorrer do tempo, o patético desespero desse esforço se
torna cada vez mais evidente. A ‘revelação progressiva’, a
‘experiência pessoal’, a ‘devoção pela verdade’, etc. têm sido
descartadas uma após outra. O modernismo e o liberalismo, como
seus próprios adeptos confessam, estão em bancarrota e já não
passam de ‘cisternas rotas’, nas quais os homens lançam, em vão,
seus baldes para conseguir a Água da Vida. Não existe nenhum
substituto possível para a Bíblia inspirada. Ninguém pode pregar
com o poder e a influência daquele que usa uma espada plena do
céu, e que vai para o púlpito fortalecido com o ‘assim diz o Senhor’.
Quando enfrentamos os fatos terríveis do pecado, da paixão, da dor,
do luto, da morte e do além-túmulo, as frases ocas e fáceis do
modernismo não passam de uma planta quebrada. Portanto, aquele
que prega o cristianismo histórico e defende a revelação divina tem,
no meio da tempestade, da confusão e das trevas da hora que
passa, uma posição incomparável ... Já se avistam os sinais de que
os homens regressarão às Sagradas Escrituras para beber de novo
a Palavra da Vida, e que a igreja pródiga, farta das bolotas de um
país remoto, regressará à casa paterna”.
Os que rejeitam a doutrina da igreja a respeito da inspiração,
em favor de qualquer outra doutrina, jamais poderão estar de acordo
entre si acerca das partes da Bíblia que são inspiradas, e das que
não o são, ou até que ponto elas são inspiradas. Se a doutrina tão
elevada da inspiração verbal for rejeitada, pouco faltará para se
dizer que os escritores sagrados foram tão inspirados como
Shakespeare, Milton ou Tennyson. De fato, partindo de suas
premissas, alguns dentre os críticos têm chegado a esta dolorosa
conclusão. Afirmamos, porém, que se os milagres registrados nas
Escrituras são aceitos, não há razão suficientemente forte para
rejeitar o milagre da inspiração, porque a inspiração não é mais que
um milagre no reino da palavra ou da composição. A maioria das
objeções que hoje subsistem contra a doutrina pode ser traçada,
mais ou menos claramente, partindo da suposição de que o
sobrenatural é impossível.

C B P D
Surge agora, naturalmente, a seguinte questão: Como
podemos saber que a Bíblia é a Palavra de Deus? Eis nossa
resposta: Pelo testemunho do Espírito Santo em nossos corações,
ao examiná-la. Quando o crente lê a Bíblia, instintivamente sente
que Deus lhe está falando. O Espírito Santo testifica com seu
espírito que essas coisas são como dizem ser; as bases primordiais
para sua convicção são internas, e não externas. Aos que são
espirituais, a Palavra autentica-se a si própria. Na verdade, o crente
encontra muita segurança adicional ao verificar as muitas
excelências das Escrituras, como sejam as sublimes verdades
espirituais e morais que ela apresenta; a unidade das várias partes;
a magnificência de seu estilo; sua influência benéfica, onde quer
que ela chegue; o apelo que faz tanto ao erudito quanto ao
camponês; suas declarações da verdade, em linguagem tão simples
que até uma criança pode entender seu significado; enquanto que,
por outro lado, o homem mais sábio não é capaz de esgotar sua
profundidade, o cumprimento detalhado de suas profecias, séculos
depois de terem sido proferidas, etc. Eis, na verdade, algumas
provas que obrigam sua aceitação, e que podem ser usadas, com
êxito, para calar a boca dos opositores. A despeito de tudo, elas não
têm senão um valor relativo. Fora da iluminação do Espírito Santo,
jamais poderão convencer o incrédulo, por mais lógica e habilmente
sejam elas apresentadas.
Tentar provar a origem divina da Bíblia por meio de provas
externas equivale pretender provar a existência de Deus através do
mundo exterior. Podemos citar os argumentos ontológicos,
teleológicos, cosmológicos ou morais, o que bastará ao crente.
Apesar disso, esses argumentos não são demonstrativos e
coercivos, e os incrédulos não se darão por convencidos. Se
consentirmos em fortalecer a autoridade da Bíblia por meios
exteriores, estaremos permitindo o combate no terreno do
adversário, e nesse caso temos de aproveitar ao máximo possível
nossos argumentos. Em si, esses argumentos são de tal natureza
que suscitam dúvida na alma não-regenerada, e não podem
resolver o assunto definitivamente. Se sairmos ao combate nesse
terreno, faremos uma concessão ao racionalismo que pressupõe ser
a razão humana capaz de julgar e de apreciar todas as experiências
humanas, e nega a necessidade da revelação divina, não importa
qual seja.
No íntimo de nosso ser, somos regenerados ou não-
regenerados. Paulo diz que “o homem natural não compreende as
coisas do Espírito de Deus, porque elas lhe parecem loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co
2.14). E, em outro lugar, diz que o evangelho de Cristo crucificado é
“escândalo para os judeus e loucura para os gregos; mas para os
que são chamados, quer judeus, quer gregos, é o poder de Deus e
a sabedoria de Deus” para a salvação (1Co 1.24). Por conseguinte,
o homem não-regenerado tem uma atitude antagônica, e não se
deixará convencer mesmo que lhe seja apresentado todo o
testemunho externo de que se possa lançar mão. Todas as pessoas
têm de escolher entre a voz de Deus e a voz do mundo; e a decisão
de sua escolha, do que para eles possui maior autoridade, depende
de serem ou não regenerados. É impossível à alma humana, sem
qualquer auxílio, compreender as coisas profundas do Espírito,
como é para o psicanalista comum dar explicação adequada do
processo da salvação. Todos os esforços que tendem a convencer a
alma não-regenerada da origem divina da Bíblia, por meio de provas
eruditas ou históricas, só podem resultar em fracasso e têm de ser
abandonados, de forma tão completa, como fez Jesus quando
desistiu de convencer os membros do Sinédrio de que ele não era
culpado de blasfêmia, já que tinham resolvido, em seu íntimo, o
contrário. Foi este o princípio que fez com que a igreja protestante
resistisse, no tempo da Reforma, à igreja romana. Enquanto os
romanistas reconheciam a igreja como a fonte de autoridade, e os
humanistas admitiam a razão humana, o princípio protestante de
que a Confissão de fé Westminster é um princípio típico, era de que
a voz de Deus, falando à alma, é a fonte de autoridade. “A
autoridade das Sagradas Escrituras, nas quais devemos crer e às
quais obedecer, não depende do testemunho de nenhum homem,
nem de nenhuma Igreja, mas sim inteiramente de Deus, que é a
Verdade e seu Autor; e portanto deve ser recebida, porquanto é a
Palavra de Deus ... Nossa convicção e segurança profundas na
verdade infalível e em sua autoridade divina está na razão da
operação interior do Espírito Santo que dá testemunho por meio da
Palavra e com a Palavra em nossos corações” (I, IV, V). Está fora de
dúvida que alcançaríamos muito maior progresso nas discussões,
atualmente, se nos lembrássemos sempre deste princípio.
Em suma, a fé do crente não depende de provas externas,
mas da experiência interior. O crente vive pelas Escrituras e se
deleita em sua luz. Tem segurança consciente e íntima — chamem-
lhe misticismo ou outro título qualquer — de que é filho de Deus, e
de que as Escrituras são a Palavra de Deus. As provas externas
servem para classificar e fortalecer sua fé, mas a prova absoluta e
infalível de que o sistema cristão é, sem dúvida, o verdadeiro
sistema procede do testemunho do Espírito Santo em seu coração,
quando as lê, e em sua experiência como crente. Mesmo que não
possua o conhecimento de todas as evidências eruditas e
científicas, que lhe permitiriam defrontar os críticos destrutivos em
seu próprio terreno, o crente repele todas suas dúvidas da mesma
maneira como fez o cego curado pelo Salvador, que replicava a
todos os argumentos dos fariseus, com sua convicção inabalável:
“Se é pecador, não sei; de uma coisa eu sei: eu era cego, e agora
vejo”. O crente não pede autorização ao crítico para crer, da mesma
forma que não pede autorização ao médico para respirar, pois
ambas as coisas são para ele absolutamente naturais e
espontâneas. Na verdade julga que o estudo científico e erudito
fornece uma diretriz mais clara da Palavra, e que lhe permite
sistematizá-la e compreendê-la melhor. Mas a autoridade suprema
de sua crença vem do coração e não do processo racional de sua
própria cabeça.
Isto não significa que ele menospreza a sabedoria e a ciência.
Em parte alguma se encontra o princípio da ciência sadia e de
investigação científica em condições mais puras do que entre os
verdadeiros e leais crentes das igrejas evangélicas. De fato,
estamos convencidos de que, se não fora o auxílio prestado pela
sabedoria, a fé cristã estaria praticamente indefesa perante os
ataques do inimigo. Desejamos uma base sólida para nossa fé, e
nossa investigação mostra que a possuímos. Reconhecemos que as
provas externas, ao serem apresentadas ao incrédulo, de forma
racional, apontam o caminho para Deus e muitas vezes preparam o
coração para a obra do Espírito Santo. Desejamos, no entanto,
mostrar que estas provas em que alguns tanto confiam são
destituídas de valor, a menos que sejam suplementadas pelo
Espírito Santo nos corações.
É possível que nossos adversários se queixem de que este
método à discussão seja um aspecto demasiadamente dogmático.
Esquecem, porém, que agem exatamente do mesmo modo: partem
também de premissas que são axiomáticas, ainda que pretendam
que estão sujeitos, de forma absoluta, à razão. Sua proposição é
que a razão humana é competente para julgar todas as coisas, até
mesmo as coisas profundas de Deus. Ainda que reconheçamos ser
seu ponto de partida errado, não nos queixamos disso, pois eles
não podem fazer outra coisa: a mente que não é iluminada pelo
Espírito Santo não pode discernir as coisas do Espírito. Como disse
Thornwall, e muito bem: “A realidade da evidência é uma coisa; o
poder para percebê-la é outra muito diferente. Não é válida uma
objeção contra o brilho do sol, se não pode dar luz aos cegos”. Cada
um de nós determina seus métodos. O mais que podemos pedir é
que esses princípios sejam postos à prova, e que se nos dê a
oportunidade de verificar qual deles se enquadra melhor nas
realidades da vida.
Conclusão

Concluindo, desejamos que o povo de Deus se radique e


baseie solidamente, de forma completa e absoluta, na grande
doutrina da inspiração plenária das Escrituras; e que, depois de
haver examinado as evidências, se convença de que a Bíblia é a
Palavra de Deus. Visto que todas as outras grandes doutrinas
cristãs se derivam da Bíblia, e estão baseadas em sua autoridade,
esta doutrina é, por assim dizer, a mãe e a guardiã de todas as
demais. Cremos que as declarações que fizemos são fatos que
resistirão à prova da investigação científica e histórica, e que não
poderão ser negadas por uma pessoa bem informada e honesta.
Embora hoje a Bíblia seja negligenciada em muitas igrejas,
cremos que virá o tempo em que ela ocupará o devido lugar na
igreja e nos negócios humanos. Seja como for, temos a plena
confiança de que, quando o tumulto passar, quando a presente
tempestade de incredulidade houver desaparecido, de novo surgirão
os picos, altos e sagrados, do Sinai e do Calvário, e que no meio
das ruínas de tronos, de nações desaparecidas e de princípios
morais que já não mais existem, a humanidade, provada por tantos
desgostos, purificada por tantos sofrimentos e tornada sábia por
tantas e extraordinárias experiências, de novo se curvará perante o
Deus onipotente e misericordioso, como ele mesmo se revela em
uma Bíblia infalível.
CONCEITO BÍBLICO DE INSPIRAÇÃO

Benjamin B. Warfield
1. O significado dos termos

O termo inspirar, assim como seus derivados, parece ter sido


sempre usado com diversos significados, físicos e metafóricos,
seculares e religiosos. As palavras derivadas se multiplicaram, e sua
aplicação foi se alargando com o correr do tempo até alcançar um
uso relativamente lato e variado. Fundamental a seu uso, porém,
existe a constante implicação de uma influência exterior, que
produz, em seu objeto, movimentos e resultados para além de seu
poder nativo, ou, pelo menos, normal.
O termo inspiração, ainda que já existisse antes do século 14,
só no encerramento do século 16 é que parece ter adquirido um
significado não-teológico. O significado especificamente teológico de
todos esses termos, evidentemente é orientado por seu uso na
teologia latina; e esse uso se baseia, em última análise, em seu
emprego na Bíblia latina. Na Vulgata, o verbo inspiro (Gn 2.7;
Sabedoria 15.11; Eclesiástico 4.12; 2Tm 3.16; 2Pe 1.21), e o
substantivo inspiratio (2Sm 22.16; Jó 32.8; Sl 17.16; At 17.25)
ocorrem quatro ou cinco vezes, com aplicações diversas. No
desenvolvimento de uma terminologia teológica, porém, adquiriram
(juntamente com outras aplicações menos frequentes) um sentido
técnico, no que se refere aos escritores e aos livros da Bíblia.
Os livros bíblicos são tidos como inspirados por serem eles o
produto, divinamente determinado, de homens inspirados; os
escritores bíblicos são tidos como inspirados por terem eles
recebido o sopro do Espírito Santo, de maneira que o produto de
suas atividades transcende a capacidade humana e recebe
autoridade divina. Portanto, a inspiração em geral é definida como
sendo uma influência sobrenatural exercida nos escritores sagrados,
pelo Espírito de Deus, em virtude da qual seus escritos recebem
fidedignidade divina.
2. A ideia fundamental de inspiração

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,


para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça”
(2Tm 3.16). A palavra grega usada nesta passagem, —
theópneustos, de modo algum significa “inspirado de Deus”. Ao
contrário, esta frase é a tradução latina da Vulgata, divinitus
inspirata. A palavra grega nem sequer significa, como Almeida a
traduz, “divinamente inspirada”, ainda que esta tradução seja, por
assim dizer, uma paráfrase rude, embora não enganadora, do termo
grego, na linguagem teológica corrente daquele tempo. A expressão
grega, porém, nada diz a respeito de inspiração ou de inspirar; fala
apenas de respirar ou de respiração. Diz, sim, que é “exalado por
Deus”, sendo, pois, o produto do sopro criador de Deus, e não que
seja “inspirado por Deus”, isto é, que seja o produto da inspiração
divina em seus autores humanos. Numa palavra, o que se declara
nesta passagem fundamental é simplesmente que as Escrituras são
um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus
operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra
expressão que afirmasse, com maior saliência, a produção divina
das Escrituras, como esta o faz.
Nas Escrituras, o “sopro de Deus” é o símbolo de seu poder
onipotente, o portador de sua palavra criadora. Em Salmos 33.6,
lemos que “pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo seu
exército pelo espírito de sua boca”. É precisamente onde as
operações de Deus são ativas que esta expressão hebraica, ruah,
ou neshamah, é usada para designar essas operações — o sopro
de Deus é o fluxo irresistível de seu poder. Quando Paulo declara
que “toda a Escritura”, ou “cada Escritura”, é o produto do sopro
divino, é “exalada por Deus”, afirma, com toda a energia possível,
que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente
divina.
3. Passagens importantes

2 Timóteo 3.16, 17: Na passagem em que o apóstolo Paulo


faz esta afirmação tão enérgica da origem divina das Escrituras, ele
está empenhado em explicar a grandeza das vantagens que
Timóteo desfrutava por haver aprendido a verdade salvífica de
Deus. Ele tivera bons mestres e se tornara, desde sua infância, com
seu conhecimento das Escrituras, sábio para a salvação, pela fé em
Jesus Cristo. A expressão “Sagradas Letras”, usada aqui no
versículo 15, é de caráter técnico, que não se encontra em qualquer
outra parte do Novo Testamento, mas que ocorre correntemente em
Filo e em Josefo para designar o conjunto de livros canônicos que
constituíam a Lei judaica. Aparece aqui desarticulada por estar
posta em contraste com o ensino oral que Timóteo recebera, como
algo ainda melhor: não só tivera ele bons mestres, mas tivera
também, sempre, o que chamamos uma Bíblia aberta em suas
mãos. Para enaltecer ainda mais a grande vantagem da posse
destas Sagradas Letras, o apóstolo acrescenta ainda uma frase que
demonstra, vigorosamente, sua natureza. Elas têm origem divina, e
portanto possuem um valor extraordinário para todos os fins sacros.
Há lugar para certa divergência de opiniões, no que diz
respeito à construção exata desta declaração. Traduziremos toda a
Escritura, ou todas as Escrituras? Traduziremos “toda a Escritura é
divinamente inspirada, e portanto é proveitosa”, ou “toda a Escritura,
visto ser divinamente inspirada, é igualmente proveitosa”? Não há
dúvida de que estes problemas são interessantes, mas para o
objetivo que ora temos em vista não interessam. Pouco importa que
Paulo, relembrando as “Sagradas Letras” que acabara de
mencionar, afirme o que segue, em relação a cada uma
separadamente, ou todas coletivamente; dizer que cada parte
destas Sagradas Letras é inspirada por Deus, e dizer que o todo é
inspirado por Deus, afinal equivale a mesma coisa. Tampouco é
grande a diferença entre dizer que são, cada uma delas ou todas
elas, exaladas por Deus, e portanto proveitosas, ou dizer que são
igualmente proveitosas, em todas suas partes componentes, ou em
toda sua extensão, por serem inspiradas por Deus. Em ambos os
casos se declara que estas Sagradas Letras devem seu valor à
origem divina; e em ambos os casos se afirma, de forma enérgica,
em relação ao todo, esta origem divina. Em suma, a construção
preferível parece ser: “cada Escritura, visto ser inspirada por Deus, é
igualmente proveitosa”. Neste caso, aquilo que o apóstolo afirma é
que as Sagradas Escrituras, em cada uma de suas passagens —
pois é somente “passagem das Escrituras” que significa Escritura
neste uso distributivo dessa palavra — é o produto do sopro criador
de Deus, e por causa desta sua origem divina possui um valor
supremo para todos os fins sacros.
Devemos notar que o apóstolo não pára aqui, nem mesmo
para nos dizer que livros fazem parte da coleção a que chama as
“Sagradas Letras”, nem para nos dizer por qual processo Deus os
produziu. Nenhum destes assuntos dizia respeito ao assunto de que
ele tratava naquele momento. Era o valor das Escrituras, e a causa
desse valor, na proveniência divina das mesmas, que naquele
momento lhe interessava afirmar; e é isso que ele afirma, deixando
para outras ocasiões qualquer outro fato a seu respeito, que fosse
conveniente salientar. Devemos também observar que aqui o
apóstolo não nos informa que todas as coisas são essas para as
quais as Escrituras se tornam proveitosas, devido a sua procedência
divina. Ele apenas fala do problema que naquele momento estava
tratando, e lembra a Timóteo o valor que essas Escrituras possuem,
por virtude de sua origem divina, para o “homem de Deus”. Seu
valor espiritual, visto serem elas exaladas por Deus, é todo o motivo
que ele tem aqui para mencionar. Qualquer outra qualidade
inerente, em razão de sua origem divina, deixaremos para tratar em
ocasião mais oportuna.
2 Pedro 1.19-21: O que Paulo diz supra a respeito da origem
divina das Escrituras é reforçado e ampliado numa passagem muito
significativa na Segunda Epístola de Pedro (1.19-21). Pedro está
assegurando a seus leitores que aquilo que lhes fizera saber da
“virtude e vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”, não tinha como
fundamento “fábulas engenhosamente compostas”. Ele lhes oferece
o depoimento de testemunhas oculares da glória de Cristo. Diz ele:
“Temos a palavra profética” (Almeida traduz “a palavra dos
profetas”), e isto, diz ele, é “mais sólido”, razão por que devem estar
atentos. Evidentemente, ele se refere às Escrituras. De que outra
“palavra profética” poderia ele falar, mais sólida do que o
testemunho daqueles que viram a “magnífica glória” de Cristo, que a
“temos”, ou, seja, que está em nossas mãos? E passa
imediatamente a falar dela, abertamente, como “profecia das
Escrituras”.
“Fazeis bem”, diz ele, “em prestar atenção à palavra profética,
porquanto sabemos primeiramente isto: que nenhuma profecia da
Escritura...”. No entanto, há a possibilidade de dúvida se com esta
frase ele tem em mente a Escritura, como um todo, designada de
acordo com seu caráter, como profética, ou, seja, como tendo uma
origem divina, ou apenas as partes das Escrituras que
consideramos como especialmente proféticas, as revelações diretas
que existem nas Escrituras. O primeiro ponto de vista é o mais
provável, visto que as Escrituras, como um todo, são consideradas,
em outro lugar, como sendo proféticas, e descritas como tais. Neste
caso, o que Pedro tem a dizer de “toda a profecia das Escrituras” —
equivalente exato de “toda a Escritura” de Paulo (2Tm 3.16) — se
aplica a todas suas partes componentes. O que ele tem a dizer é
que elas não vêm de “particular interpretação”, ou, seja, não são o
resultado de investigação humana sobre a natureza das coisas, o
produto do pensamento pessoal do que a escreve. Equivale dizer
que são dadas por Deus. Por isso, ele prossegue imediatamente a
fim de tornar isto bem claro, numa oração de apoio que contém
tanto a afirmação positiva quanto a negativa: “Porque nunca jamais
qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens
[santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”.
Há nesta afirmação várias coisas que devem ser consideradas
cuidadosamente, já que essa profecia é tão precisa e importante.
Em primeiro lugar há a negação positiva de que a profecia, ou, seja,
segundo a hipótese que aqui seguimos, a Escritura, deva sua
origem à iniciativa humana: “jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana.” Em seguida há a afirmação, igualmente positiva,
de que sua origem está em Deus: de fato foi enunciada por homens,
mas esses homens “falaram da parte de Deus”. Há uma frase
realmente extraordinária inserida aqui na oração, de forma enfática,
a qual nos informa como é possível que homens, ao falarem, não
fizeram isso com base em sua própria autoridade, mas da parte de
Deus: eles falaram “como que movidos” (sendo esta a mesma
palavra supra-traduzida por “foi trazida”, e aqui podia ser assim
traduzida), “pelo Espírito Santo”. Falando assim, sob a influência
determinativa do Espírito Santo, aquilo que eles falaram não se
originou deles, mas de Deus.
Aqui está uma afirmação da origem divina das Escrituras, tão
direta como a de 2 Timóteo 3.16. Há, porém, mais do que uma
simples afirmação da origem divina da Bíblia. Temos feito alguns
progressos na compreensão de como Deus produziu as Escrituras:
foi por meio da instrumentalidade de homens que falaram de sua
parte. Mais especificamente, foi por meio de uma operação do
Espírito Santo nesses homens, a qual é descrita como movendo-os.
O termo movendo, aqui empregado, é bastante específico. Não se
deve confundir com guiando, ou dirigindo, ou controlando, ou
mesmo conduzindo, no sentido completo desta palavra. Ultrapassa
todas estas expressões, atribuir o efeito produzido, especificamente,
ao agente ativo. O que é movido é tomado pelo portador e
transportado pelo poder do portador, e não propriamente pelo seu,
para o destino do portador, e não propriamente o seu. Aqui se
declara que os homens que falaram da parte de Deus foram
tomados pelo Espírito Santo e levados [movidos], por seu poder,
rumo ao alvo por ele designado. As palavras que eles disseram, sob
esta operação do Espírito Santo, eram deste, e não deles. E essa é
a razão por que se afirma que a “palavra profética” é tão sólida.
Embora seja falada pela instrumentalidade de homens, em virtude
do fato de esses homens terem falado, “movidos pelo Espírito
Santo”, é uma palavra diretamente de Deus.
Devemos notar que aqui se enfatiza não o valor espiritual das
Escrituras (embora no fundo isso seja percebido), e sim a
fidedignidade divina das Escrituras. Como esta é a maneira como
toda a profecia das Escrituras “foi trazida”, fornece uma base mais
sólida de confiança do que mesmo o depoimento de testemunhas
oculares humanas. Evidentemente, se não entendermos que
“palavra profética” aqui expressa a totalidade das Escrituras
descritas, de acordo com seu caráter, como revelação, mas apenas
aqueles elementos das Escrituras a que chamamos especificidade
da profecia, então apenas diretamente com referência a esses
elementos das Escrituras é que se fazem estas grandes
declarações. Seja como for, elas são feitas em relação a todo o
elemento profético que se encontra nas Escrituras e a única forma
em que os leitores desta Epístola o possuíam, sendo isto o que se
dá a entender, especificamente, com a expressão “toda a profecia
da Escritura”. Portanto, estas declarações são feitas pelo menos em
referência às grandes porções das Escrituras; e se a totalidade
delas for o que se entende com a expressão “toda a palavra
profética”, então são feitas em referência a toda a Escritura.
João 10.34, 35. A extensão que atinge a fidelidade suprema
das Escrituras, assim declarada, nos é explicada por uma
passagem, em um dos discursos de nosso Senhor, a qual João
registra (Jo 10.34, 35). Os judeus, ofendidos por Jesus “fazer-se a si
mesmo Deus”, iam apedrejá-lo, quando ele se defendeu da seguinte
maneira: “Não está escrito em vossa lei: Eu disse: sois deuses? Se
ele chamou deuses àqueles a quem a Palavra de Deus foi dirigida, e
a Escritura não pode falhar, então, daquele a quem o Pai santificou
e enviou ao mundo, vós dizeis: Tu blasfemas; porque declarei: Sou
Filho de Deus?”. Podemos concluir que esta defesa é insuficiente.
Sem dúvida, ela é incompleta: Jesus a si mesmo se fizera Deus (Jo
10.33) em um grau muitíssimo mais elevado do que dizendo “vós
sois deuses”, daqueles “a quem a Palavra de Deus foi dirigida”: ele
acabara de afirmar, em termos inequívocos, “Eu e o Pai somos um”.
Era suficiente, porém, para o fim imediatamente em vista, rejeitar a
acusação técnica de blasfêmia baseada no fato de ele fazer-se
Deus: não é blasfêmia afirmar que alguém é Deus em qualquer
sentido em que possa, apropriadamente, receber tal designação, e
sem dúvida, se não é blasfêmia dizer que homens, tais como aquele
de quem fala esta passagem, são, por assim dizer, deuses em
virtude de suas funções oficiais, então não pode ser blasfêmia
afirmar ser Deus aquele a quem o Pai consagrou e enviou ao
mundo.
No entanto, o ponto que devemos salientar aqui é
simplesmente que a defesa de Jesus toma a forma de um apelo
para as Escrituras; e é importante observar a maneira como ele faz
esse apelo. Em primeiro lugar, ele apresenta as Escrituras como lei.
Ele indaga: “Não está escrito em vossa lei?”. A passagem das
Escrituras que Jesus cita não está registrada na parte das Escrituras
designada, mais especificamente, a Lei, isto é, o Pentateuco; nem
em qualquer outra parte das Escrituras de conteúdo formalmente
legal. Encontra-se escrita no livro dos Salmos; e precisamente em
um salmo cujas características exteriores estão bem longe de ser as
de determinações legais (Sl 82.6).
Então, quando Jesus apresenta esta passagem, como estando
escrita na lei dos judeus, ele o faz não porque ela se encontra no
referido salmo, mas por ser parte das Escrituras, em geral. À luz de
outras palavras, ele atribui autoridade legal à totalidade das
Escrituras de acordo com uma opinião bastante comum entre os
judeus (cf. Jo 12.34), e que encontra expressão, ocasionalmente, no
Novo Testamento, tanto nos lábios de Jesus, como nos escritos dos
apóstolos. Assim, posteriormente (cf. Jo 15.25), Jesus declara que
está escrito na lei dos Judeus: “Aborreceram-me sem causa”,
expressão essa que se encontra em Salmos 35.19. E Paulo
apresenta passagens, tanto dos Salmos como de Isaías, como
pertencentes à lei (1Co 14.21; Rm 3.19), e pôde escrever frases
como esta: “Dizei-me, os que quereis estar debaixo da lei,
porventura não ouvis a lei? Porque está escrito ...”, citando o livro do
Gênesis. Já vimos que toda a Escritura é considerada como
profecia; já vimos também que toda a Escritura é considerada como
lei: estas três expressões, Lei, Profecia e Escritura na verdade eram
materialmente sinônimas, estritamente falando, como a passagem
que estamos estudando no-lo mostra, fazendo variar a fórmula de
citação em versículos próximos, de lei para escritura. E o que assim
implica no versículo citado, lemos logo a seguir, em linguagem mais
explícita, porquanto forma um elemento essencial na defesa de
nosso Senhor. Talvez fosse deficiente dizer simplesmente, “não está
escrito em vossa lei?” Mas nosso Senhor, decidido a fazer com que
seu apelo para as Escrituras atingisse seu objetivo, aguça ao
máximo o sentido e alvo de seu argumento, acrescentando com
ênfase máxima: “e a Escritura não pode falhar”. Eis a razão por que
vale a pena apelar para o que está “escrito na lei”, porque “a
Escritura não pode falhar”.
A expressão falhar, ou ser anulada, geralmente é usada em
relação à quebra da lei, ou de coisas semelhantes (cf. Jo 5.18; 7.23;
Mt 5.19), e o significado da declaração é que é impossível anular as
Escrituras, resistir a sua autoridade, ou negá-la. O avanço do
pensamento tem em vista o efeito de que é impossível resistir à
Escritura — o termo é absolutamente geral e testifica a respeito do
caráter unitário das Escrituras (que, para o fim em vista, forma um
todo) — e por isso a Escritura citada aqui deve ser considerada
como de autoridade irrefutável. Portanto, o que temos aqui é a
afirmação mais forte a respeito da autoridade infalível das
Escrituras; o que, precisamente, é verdadeiro a respeito da Escritura
é que ela “não pode ser anulada”.
Então, qual é o problema especial na Bíblia, para cuja
confirmação se evoca assim a autoridade infalível das Escrituras? É
uma das frases mais casuais — mais do que isso, a própria forma
de sua expressão —, é uma das frases mais inesperadas. Isto
significa, evidentemente, que na opinião do Salvador a autoridade
infalível das Escrituras está ligada inclusive à forma de expressão
de suas orações mais inesperadas. Uma das características mais
absolutas das Escrituras, até nos pormenores mais diminutos, é que
ela possui autoridade infalível. É verdade que às vezes há quem
sugira que o argumento de nosso Senhor, aqui, é um argumentum
ad hominem, e que, portanto, suas palavras não representam sua
opinião pessoal a respeito da autoridade das Escrituras, mas a de
seus adversários judaicos. De fato não podemos negar que, na
defesa, o Senhor expressa uma certa nota satírica, ou, seja, que os
judeus consentiam com tanta facilidade que juízes corruptos fossem
chamados deuses, no entanto não podiam suportar que ele, a quem
o Pai consagrou e enviou ao mundo, se denominasse de Filho de
Deus, era um fato verdadeiramente pungente, para ser posto em
relevo perante tão forte luz. Não obstante, o argumento das
Escrituras não é ad hominem, mas e concessu; as Escrituras eram o
terreno comum a Jesus e a seus adversários. Caso se exijam
provas para tão evidente fato, estas seriam o fato de esta não ser
uma passagem isolada, mas uma bem representativa.
O conceito de Escritura, aqui apresentado tão claramente,
fornece a base de todos os apelos para a Escritura, feitos não só
por Jesus, mas também por todos os escritores do Novo
Testamento. Por toda parte, não só em relação a ele, mas em
relação a todos os outros, um apelo para as Escrituras equivale a
um apelo para uma autoridade infalível, cuja decisão é final; tanto
ele, como todos os escritores, fazem, indiferentemente, apelo a toda
e qualquer porção das Escrituras, e a cada elemento nelas, tanto a
suas frases mais casuais, como a seus princípios mais
fundamentais, e até à própria forma de sua expressão. Esta atitude
para com as Escrituras como documento autoritativo, na verdade já
se deu a entender pela designação constante que lhe é dada pelo
título Escritura, Escrituras, ou, seja, o Documento por excelência;
bem como pela citação costumeira das Escrituras com a fórmula
despretensiosa “Está escrito”. O que está escrito neste documento
admite tão poucas dúvidas, que sua autoridade não necessita de ser
asseverada, podendo com confiança ter-se como aceito. Ambos os
modos de expressão fazem parte dos hábitos constantemente
ilustrativos da maneira de falar de nosso Senhor.
As primeiras palavras atribuídas a Cristo, proferidas após sua
manifestação a Israel, formam um apelo para a autoridade infalível
das Escrituras; a única arma de defesa que ele apresentou contra a
tentação de Satanás foi o decisivo “Está escrito” (cf. Mt 4.4, 7, 10; Lc
4.4, 8). E, entre as últimas palavras que ele proferiu, ao falar com
seus discípulos antes de sua ascensão, se encontra uma
repreensão, por não terem compreendido tudo o “que estava escrito
a seu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” — ou,
seja, em toda a Escritura (v. 45) — “convinha [repare-se na grande
ênfase posta no verbo] que se cumprisse” (Lc 24.44). “Assim está
escrito”, disse ele (v. 46), como se isso tornasse absurda qualquer
dúvida. Pois, como ele explicara previamente, neste mesmo dia (cf.
Lc 24.25-27), apenas mostra que alguém é “néscio e tardo de
coração”, se não “crê” [se sua fé não tem por base, seguramente,
como que num sólido fundamento] “tudo” [sem limite de assunto] “o
que os profetas” [que se explica no v. 27 como sendo equivalente a
“todas as Escrituras”] “disseram”.
4. O cumprimento indispensável das Escrituras

A necessidade do cumprimento de tudo o que está escrito nas


Escrituras, tão fortemente asseverado nestas últimas instruções a
seus discípulos, é frequentemente referido pelo Senhor. Ele explica,
reiteradamente, fatos que aconteceram “para que se cumpram as
Escrituras” (cf. Mc 14.49; Jo 13.18; 17.12). Portanto, baseado em
declarações das Escrituras, ele anuncia, com plena confiança, que
ocorrerão determinados fatos, com toda certeza: “Esta noite, todos
vós vos escandalizareis em mim; porque está escrito...” (Mt 26.31;
Mc 14.27; Lc 20.17). Embora tivesse a seu alcance todos os meios
de fuga, ele aceita as calamidades que sobreviriam, porquanto,
indaga: “Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que dizem que
assim convém que aconteça?” (Mt 26.54). Ele repreende não só aos
dois discípulos, com quem falou na estrada para Emaús (Lc 24.25),
por não terem confiado mais plenamente no ensino das Escrituras.
“Examinais as Escrituras”, disse ele aos judeus, na passagem
clássica (Jo 5.39), “porque pensais ter nelas a vida eterna; e são
elas mesmas que testificam de mim; e não quereis vir a mim, para
terdes vida”.
Sem dúvida, o que provocou estas palavras foi mais tristeza
do que ironia: não implicam censura, quer por examinarem as
Escrituras, quer por julgarem que a vida eterna se encontra nelas;
ao contrário, há aprovação. O que ele censura nos judeus é que, ao
lerem, o faziam com um véu cobrindo seus corações, o qual ele
desejava remover (2Co 3.15-18). “Examinais as Escrituras” — o que
está certo: e “vós mesmos” [enfático] “julgais ter nelas a vida eterna”
— o que também está certo. Mas, “são estas mesmas Escrituras,
que examinais com tanto cuidado [forte ênfase] “que estão
testificando” [processo contínuo] “de mim, e [o que é de espantar]
não quereis vir a mim para terdes vida” — para que possais ter, isto
é, alcançar precisamente o objetivo que tendes tão apropriadamente
em vista ao examinardes as Escrituras. A falha não está nas
Escrituras, mas neles mesmos, pois as leem com tão pouco
proveito.
5. O testemunho de Cristo acerca da autoria divina

Do mesmo modo, com frequência nosso Senhor tinha ocasião


de sentir-se surpreso pelo efeito insignificante produzido pela leitura
das Escrituras, não porque foram examinadas com demasiada
curiosidade, mas porque não foram examinadas com suficiente
solicitude e com uma confiança suficientemente simples e forte, em
cada declaração que elas contêm. “Ainda não lestes sequer esta
Escritura”? pergunta citando o salmo 118, a fim de mostrar que a
rejeição do Messias já fora predita nas Escrituras (cf. Mc 12.10; Mt
21.42 altera a expressão para o equivalente, e diz: “Nunca lestes
nas Escrituras?”). E quando os judeus, indignados, se chegaram a
ele e se queixaram dos hosanas com que as crianças no templo o
aclamavam, e lhe perguntaram: “Ouves o que estes dizem?”, Jesus
apenas lhes replicou (Mt 21.16): “Sim, nunca lestes: Pela boca de
pequeninos e crianças de peito tiraste o perfeito louvor?”.
O pensamento em que estão baseadas as passagens
supracitadas é apresentado abertamente, quando ele dá a entender
que a origem de todos os erros a respeito das coisas divinas se
radica justamente na ignorância das Escrituras. Ele declarou a seus
inquiridores, numa ocasião tão determinante: “Errais não
conhecendo as Escrituras” (Mt 22.29); ou, como se encontra,
possivelmente ainda com mais vigor, na forma interrogativa, na
passagem paralela, em outro Evangelho: “Porventura vosso erro
não está justamente em não conhecerdes as Escrituras?” (Mc
12.24). É evidente que, aquele que conhece bem as Escrituras, não
comete erro tão crasso.
A confiança com que Jesus se baseava nas Escrituras, em
todas as declarações que elas fazem, é ainda ilustrada na
passagem de Mateus 19.4-6. Alguns fariseus se aproximaram dele
com indagação acerca do divórcio, e ele replicou-lhes da seguinte
maneira: “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez
homem e mulher, e disse: Por esta causa deixará o homem pai e
mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De
modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o
que Deus ajuntou não o separe o homem”. O ponto a salientar aqui
é a referência explicita a Gênesis 2.24, tendo Deus como seu autor.
“Aquele que os fez ... disse.” “Portanto, o que Deus ajuntou.” No
entanto, esta passagem não nos transmite uma sentença de Deus,
registrada na Bíblia, mas apenas a palavra da própria Escritura, e só
pode ser tratada como uma declaração de Deus na hipótese de que
toda a Escritura seja uma declaração de Deus. A passagem paralela
em Marcos 10.5-9, do mesmo modo, ainda que não tão
explicitamente, apresenta esta passagem como sendo da autoria de
Deus, citando-a como lei autoritativa e falando de sua determinação
como um ato de Deus. É interessante notar, de passagem, que
Paulo, tendo oportunidade de citar a mesma Escritura (cf. 1Co 6.16),
a cita também explicitamente como palavra divina: “Porque, como
se disse, serão os dois uma só carne” — aqui o disse, de acordo
com um uso que mais adiante veremos, se refere a Deus.
Portanto, é evidente que Jesus, citando ocasionalmente as
Escrituras como sendo um documento autoritativo, atribui a Deus
sua autoria como base de sua citação. Seu testemunho é que tudo
quanto está escrito nas Escrituras é Palavra de Deus. Tampouco
podemos retirar deste testemunho sua força, alegando que ele
representa Jesus meramente nos dias de sua carne, quando se
poderia presumir que ele só refletia a opinião de seu tempo e de sua
geração. O ponto de vista que ele apresenta a respeito das
Escrituras era também, sem a menor sombra de dúvida, o ponto de
vista de seu tempo e de sua geração, além de ser igualmente o seu
próprio. Mas não há nenhuma razão para se duvidar que ele o
mantinha, não por ser o ponto de vista corrente, mas porque, em
seu conhecimento divino-humano, bem sabia ser o verdadeiro; pois,
até mesmo em sua humilhação, ele é testemunha fiel e verdadeira.
Em todo caso, devemos ter em mente que era este o ponto de
vista do Cristo redivivo e exaltado, como fora o do Cristo humilhado.
Foi depois de ele haver sofrido e ressuscitado, no poder de sua vida
divina, é que declarou “néscios e tardos de coração” àqueles que
não crerem em tudo aquilo que está escrito nas Escrituras (Lc
24.25); e que apresentou o simples “está escrito” como base
suficiente para uma fé confiante (Lc 24.46). Tampouco podemos
diminuir o testemunho de Jesus em relação à fidedignidade das
Escrituras, interpretando-o como sendo não propriamente o seu,
mas o de seus discípulos, que o colocaram em sua boca, ao
relatarem suas palavras. Tudo isso é não só constante, minucioso,
íntimo e, em parte, incidental, e por isso encoberto, por assim dizer,
para admitir tal interpretação, mas de tal forma penetra todas
nossas fontes de informação a respeito dos ensinos de Jesus, que
comunica a certeza de que na verdade vem dele mesmo. Não só
pertence ao Jesus apresentado nos relatos evangélicos, como
também ao Jesus das fontes mais antigas, que concordam com os
relatos evangélicos, como se pode averiguar, observando os
incidentes nos quais Jesus cita as Escrituras, como divinamente
autoritativas, registradas em mais de um Evangelho (p.ex., “Está
escrito” — Mt 4.4, 7, 10; Lc 4.4, 8, 10; Mt 11.10; Lc 7.27; Mt 21.13;
Lc 19.46; Mc 11.17; Mt 26.31; Mc 14.21; “a Escritura” ou “as
Escrituras”: Mt 19.4; Mc 10.9; Mt 21.42; Mc 12.10; Lc 20.17; Mt
22.29; Mc 12.24; Lc 20.37; Mt 26.56; Mc 14.49; Lc 24.44). Estas
passagens bastariam para pôr em evidência o testemunho de Jesus
acerca das Escrituras, como sendo em todas suas partes e em tudo
o que diz divinamente infalível.
6. O testemunho dos apóstolos

As tentativas para se atribuir o testemunho de Jesus a seus


discípulos, só tem em seu favor o fato inegável de que o testemunho
dos escritores do Novo Testamento tem precisamente o mesmo
efeito que o testemunho dele. Eles também falam rapidamente das
Escrituras, usando esse tão significativo título, e as citam com um
simples “Está escrito”; significando que tudo quanto se acha escrito
nelas é divinamente autoritativo. Do mesmo modo que a vida
pública de Jesus começa com este “Está escrito” (Mt 4.4), também a
proclamação evangélica começa com um “Como está escrito” (Mc
1.12); e do mesmo modo que Jesus procurou justificar sua obra com
um solene “Assim está escrito que o Cristo padecesse, e ao terceiro
dia ressuscitasse” (Lc 24.46), também os apóstolos solenemente
justificaram o evangelho que pregavam, em todos seus pormenores,
com um apelo às Escrituras, “Que Cristo morreu por nossos
pecados, segundo as Escrituras” e “Que ressuscitou ao terceiro dia,
segundo as Escrituras” (1Co 15.3, 4; cf. também At 8.35; 17.3;
26.22; Rm 1.17; 3.4, 10; 4.17; 11.26; 14.11; 1Co 1.19; 2.9; 3.19;
15.45; Gl 3.10, 13; 4.22, 27).
Onde quer que levassem o evangelho, o que proclamavam era
um evangelho baseado nas Escrituras (At 17.2; 18.24, 28); e se
animavam reciprocamente a fim de provar a veracidade da
mensagem com as Escrituras (cf. At 17.11). A santidade de vida que
inculcavam, a baseavam em exigências das Escrituras (cf. 1Pe
1.16), e recomendavam a lei real do amor, que ensinavam com
sanção divina (Tg 2.8). Todos os detalhes do dever cristão os
sustentavam com um apelo para as Escrituras (cf. At 23.5; Rm
12.19). Vão buscar nas Escrituras a explicação de circunstâncias
em suas vidas e dos acontecimentos ao redor deles (cf. Rm 2.26;
8.36; 9.33; 11.8; 15.9, 21; 2Co 4.13). Do mesmo modo que o Senhor
declarou que tudo quanto estava escrito nas Escrituras havia de se
cumprir (cf. Mt 26.54; Lc 22.37; 24.44), assim também seus
discípulos explicavam um dos acontecimentos mais espantosos que
ocorreram em suas experiências pessoais, mostrando que
“convinha que se cumprisse a Escritura, que o Espírito Santo
predisse pela boca de Davi” (At 1.16).
Aqui se afirma, mui claramente, a razão para este constante
apelo para as Escrituras, de forma a ser suficiente que algo esteja
contido nas Escrituras (cf. 1Pe 2.6) para que o mesmo tenha
autoridade infalível. A Escritura tem de se cumprir, porquanto o que
ela contém é a declaração exata feita pelo Espírito Santo, através
do autor humano. O que as Escrituras dizem, é Deus quem o diz; e
assim lemos afirmações tão notáveis como as seguintes: “Porque
diz a Escritura a faraó: Para isto mesmo te levantei” (Rm 9.17); “Ora,
tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar os gentios
mediante a fé, primeiramente anunciou o evangelho a Abraão,
dizendo: Em ti todas as nações serão benditas” (Gl 3.8). Estas
citações não são apenas exemplos da simples personificação das
Escrituras, o que, aliás, em si é um uso bastante notável (cf. Mc
15.28; Jo 7.38, 42; 19.37; Rm 4.3; 10.11; 11.2; Gl 4.30; 1Tm 5.18;
Tg 2.23; 4.5, 6), vocal, com a convicção expressa por Tiago (4.5) de
que a Escritura não pode falar em vão. Elas mostram certa
confusão, na linguagem corrente, entre Escritura e Deus, resultado
de uma convicção profundamente arraigada de que a palavra da
Escritura é a Palavra de Deus. Não foi a Escritura que falou a Faraó,
ou transmitiu sua grande promessa a Abraão, e sim Deus. No
entanto, a Escritura e Deus estavam tão intimamente ligados na
mente dos escritores do Novo Testamento, que podiam falar
naturalmente da Escritura operando aquilo que ela mesma diz ter
sido Deus quem o operou. No entanto, para eles era ainda mais
natural falarem casualmente e atribuírem a Deus aquilo que as
Escrituras dizem; e assim encontramos formas de expressão como
estas: “Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje sua
voz”, etc. (Hb 3.7, citando Sl 95.7); “Tu, Soberano Senhor ... que
disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, teu
servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram
coisas vãs?” (At 4.25, 26, citando Sl 2.1). “E, que Deus o ressuscitou
dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta
maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis
promessas feitas a Davi. Por isso diz também em outro salmo” (At
13.34, citando Is 55.3 e Sl 16.10), etc. As palavras postas na boca
de Deus, nestes casos, não são palavras de Deus registradas nas
Escrituras, mas simplesmente palavras das Escrituras. Quando
comparamos as duas espécies de passagens, em uma das quais
lemos que a Escritura é Deus, enquanto na outra se fala de Deus
como se ele fosse a Escritura, podemos verificar quão íntima era a
identificação de ambas nas mentes dos escritores do Novo
Testamento.
7. A identificação de Deus com as Escrituras

Por exemplo, é possível observar esta identificação de


maneira notável em certas cadeias de citações, em que se reúnem
várias passagens das Escrituras que são estreitamente ligadas
umas às outras. O primeiro capítulo da Epístola aos Hebreus nos
fornece um exemplo disto. Podemos começar com o versículo 5:
“Porque, a qual dos anjos disse jamais” — sendo o sujeito
necessariamente Deus: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei?” —
sendo uma citação de Salmos 2.7, e bem na boca de Deus — “E,
outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho?” — de 2
Samuel 7.14; sendo esta também uma declaração do próprio Deus
— “E, outra vez, quando introduzir no mundo o primogênito, diz: E
todos os anjos de Deus o adorem” — de Deuteronômio 32.43,
versão Septuaginta, ou Salmos 97.7, em nenhuma das quais é Deus
quem fala — “E, quanto aos anjos, diz: O que de seus anjos faz
ventos, e de seus ministros labareda de fogo” — de Salmos 104.4,
onde de novo não é Deus quem fala, mas é referido na terceira
pessoa — “Mas, do Filho, diz: Ó Deus, teu trono”, etc. — de Salmos
45.6, 7, onde de novo não é Deus quem fala, mas a pessoa a quem
se fala — “E tu, ó Senhor, no princípio”, etc. — de Salmos 102.25-
27, onde novamente não é Deus quem fala, mas a quem se dirige a
palavra — “E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te a minha
direita até que eu ponha teus inimigos debaixo de teus pés” — de
Salmos 110.1, onde é Deus quem fala. Temos aqui passagens nas
quais Deus fala, e passagens nas quais não é Deus quem fala, mas
aquele a quem se fala ou de quem se fala, atribuídas
indistintamente a Deus como aquele que fala, porque todas têm em
comum o serem palavras das Escrituras e, como tais, são palavras
de Deus.
Do mesmo modo, em Romanos 15.9-12, temos uma série de
citações, a primeira das quais é introduzida por “Como está escrito”,
e as duas seguintes por “E outra vez diz” e “Outra vez”, e a última
por “E outra vez diz Isaías”, sendo a primeira destas citações de
Salmos 18.49, a segunda de Deuteronômio 32.43, a terceira de
Salmos 117.1 e a última de Isaías 11.10. Só a última (aqui a única
atribuída a seu autor humano) é uma palavra direta de Deus, no
texto do Antigo Testamento.
8. Os oráculos de Deus

Este aspecto das Escrituras, com uma massa compacta de


palavras de Deus, provocou a formação de uma designação pela
qual seu caráter era explicitamente expresso. Esta designação é
conhecida como “oráculos santos”, ou “oráculos de Deus”. Ocorre
com extraordinária frequência em Filo, que muitas vezes se refere
às Escrituras como “oráculos sagrados” e cita várias passagens,
cada uma delas como um oráculo. Compartilhando da concepção de
Filo a respeito das Escrituras, como sendo, em sua totalidade, a
palavra de Deus, os escritores do Novo Testamento falam também
delas da mesma maneira. A passagem clássica é Romanos 3.2 (cf.
também Hb 5.12 e At 7.38). [Em todas elas Almeida traduz por
palavras, em vez de oráculo.] Aqui Paulo começa a enumerar as
vantagens especiais pertinentes ao povo eleito, que não foram
dadas às demais nações; e, depois de declarar que essas
vantagens foram grandes e numerosas, coloca sobre todas o fato de
possuírem eles as Escrituras: “Então, qual é a vantagem do judeu?
Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, de todas as formas,
porque primeiramente os oráculos de Deus lhe foram confiados.”
Que por “oráculos de Deus” ele tem em mente precisamente as
Escrituras em sua totalidade, consideradas como revelação direita
de Deus, e não apenas porções delas ou aqueles elementos que
nelas são considerados como sendo reveladores, é absolutamente
claro pelo amplo uso contemporâneo, feito por Filo, desta
designação, com esse sentido, e sem a menor sombra de dúvida,
pela presença no Novo Testamento de hábitos de expressão que se
baseiam e se derivam do conceito da Escritura incorporado nesta
expressão.
Do ponto de vista desta designação, as Escrituras são
consideradas como sendo a viva voz de fórmulas, a saber: “Dito
está”, “assim se diz”, “fora dito”, e esta maneira de citar as
Escrituras ocorre regularmente como uma alternativa para o “está
escrito” (cf. Lc 4.12, substituindo o “está escrito” de Mateus; cf. Hb
3.15; Rm 4.18). É também devido a este ponto de vista que as
Escrituras são citadas, não como o que Deus ou o Espírito Santo
disse, mas como o que ele diz, o tempo presente dando realce à voz
viva de Deus falando ao indivíduo, através das Escrituras (cf. Hb
3.7; At 13.35; Hb 1.7, 8; Rm 15.10). Há especialmente, em resultado
disso, o uso incomum com que as Escrituras são citadas, com um
simples diz, sem sujeito expresso, pois se subentende tão
plenamente quem é o sujeito quando as Escrituras são citadas, que
é desnecessário fazer-lhe referência expressa; pois, quem poderia
ditar as palavras das Escrituras, senão unicamente Deus? (cf. Rm
15.10; 1Co 6.16; 2Co 6.2; Gl 3.16; Ef 4.8; 5.14). As analogias deste
disse sem sujeito, tão cheio de significado, estão muito espalhadas.
Era com ele que os antigos pitagoreanos e platonistas, assim como
os aristotelianos medievais, citavam os ensinos de seus respectivos
mestres; era com ele que, em determinados círculos, se citavam as
sentenças do grande jurista de Adriano, Salvius Julianus; certos
estilistas africanos estavam inclusive habituados a referir-se com ele
a Sallust, seu grande modelo.
Transparece de vez em quando, no Antigo Testamento, a
tendência de omitir o nome de Deus, considerando-o supérfluo,
quando, sendo ele o grande sujeito lógico sempre presente, poderia
subentender-se facilmente (cf. Jó 20.23; 21.17; Sl 114.2; Lm 4.22).
Da mesma forma também, quando os escritores do Novo
Testamento citavam as Escrituras, não era necessário dizer de
quem eram as palavras, pois isso estava fora de toda e qualquer
dúvida no pensamento de todos eles. E assim este uso constitui
uma advertência especialmente importante do sentido vivo que os
escritores do Novo Testamento possuíam da origem divina das
Escrituras, e significa que, ao citá-las, estavam vividamente
cônscios de que citavam as próprias palavras de Deus.
Que para eles as Escrituras eram absolutamente a Palavra do
próprio Deus, é possível perceber claramente na passagem aos
Gálatas 3.16: “Não diz: E aos descendentes, como se falando de
muitos, mas como de um só: E a teu descendente, que é Cristo.” Já
vimos quando o Senhor faz um argumento depender das palavras
exatas das Escrituras (cf. Jo 10.34); em outro lugar, seu raciocínio
depende do tempo do verbo usado (cf. Mt 22.32); ou da palavra
empregada (Mt 22.43) nas Escrituras. Aqui, o argumento de Paulo
se baseia igualmente em uma forma gramatical. Não há dúvida de
que o que está em pauta é a forma gramatical da palavra, estando
escrito que Deus falou a Abraão. Paulo, porém, só conhece a forma
gramatical usada por Deus, na medida em que as Escrituras a
transmitiram; e, como vimos, ao citar as palavras de Deus e as
palavras das Escrituras, ele não estava habituado a fazer alguma
distinção entre elas. Portanto, o que ele tem mente aqui
provavelmente seja a palavra da Escritura como tal, ainda que seja
possível que aquilo de que aqui testifica se refira mais à
fidedignidade do relato das Escrituras do que a sua origem divina
direta, se é possível distinguir entre duas coisas que aparentemente
não estavam distintas na mente de Paulo.
Entretanto, podemos dizer, pelo menos sem exagero, que a
designação das Escrituras como Escritura, e sua citação com a
fórmula “Está escrito”, acima de tudo atesta sua autoridade infalível;
a designação que ela recebe como sendo um oráculo, e sua citação
com a fórmula diz, acima de tudo atesta sua divindade imediata. A
autoridade dela se baseia na divindade dele, e a divindade dela se
expressa na fidedignidade dele; e os escritores do Novo
Testamento, sempre que fazem uso dela, a tratam como sendo
aquilo que ela declara ser — um documento soprado por Deus; e,
por ser assim, como absolutamente fidedigno em todas suas
afirmações, autoritativa em todas suas declarações, e nos mínimos
detalhes a verdadeira Palavra de Deus, seus oráculos.
9. O elemento humano nas Escrituras

Que as Escrituras são, em sua totalidade, um livro divino,


criado pela energia divina, e que fala, em todas suas partes, com
autoridade divina, diretamente aos corações dos leitores, constitui o
fato fundamental a seu respeito, testificado por Cristo e pelos
escritores sacros a quem devemos o Novo Testamento. Mas a força
e a persistência com que testificam a respeito deste fato primordial
não impede que reconheçam, ao mesmo tempo, que as Escrituras
vieram à existência através da ação humana. Seria inexato dizer
que reconheciam um elemento humano nas Escrituras: eles não
dividem as Escrituras, atribuindo certas porções, ou elementos
delas, respectivamente, a Deus e ao homem. Em sua opinião, a
totalidade das Escrituras, em todas suas partes e elementos, até o
mínimo detalhe, tanto no que diz respeito à forma de expressão,
quanto à substância de ensino, vem de Deus; Deus, porém, no-la
deu em sua totalidade, por meio da instrumentalidade humana.
Portanto, em sua opinião não há nas Escrituras nenhum
elemento ou ingrediente humano, e muito menos divisões ou seções
das Escrituras que sejam humanas, e sim um lado ou aspecto
humano das Escrituras; e não deixam de fornecer seu pleno
reconhecimento a esta faceta ou aspecto humano das Escrituras.
Numa das principais passagens que já consideramos, dá-se
expressão muito clara a sua concepção, ainda que de forma
relativamente simples e sucinta. Pedro nos escreve: “Porque nunca
jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto,
homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito
Santo” (2Pe 1.21). Aqui se atribui a Deus toda a iniciativa e um
controle tal dos agentes humanos, que o produto resultante na
verdade é obra de Deus. Os homens que falam nesta “profecia da
Escritura” não falam da parte de si próprios, ou do produto de seus
pensamentos, mas da parte de Deus: só falam na medida em que
são transportados pelo Espírito Santo. Todavia, são eles mesmos
que falam. As Escrituras são o produto de homens, porém de
homens que falavam da parte de Deus e sob um controle tal do
Espírito Santo, que naquilo que falavam eram levados [ou movidos]
por este. Obviamente, a ideia que subjaz é que as Escrituras nos
foram dadas pela instrumentalidade de homens; e esta ideia
encontra expressão, reiterada e incidentalmente, por toda parte do
Novo Testamento.
É esta ideia que se acha expressa, por exemplo, quando o
Senhor, citando o Salmo 110, declara a respeito das palavras
citadas, que “o próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (Mc 12.36).
Há aqui um certo realce no fato de as palavras serem de Davi, o que
é necessário para o argumento que o Senhor estava apresentando,
mas que, ao mesmo tempo, não deixa de representar o conceito do
Senhor quanto a sua origem. Portanto, o que temos no Salmo 110
são as palavras do próprio Davi, porém são palavras de Davi que
foram ditas não meramente por sua própria ação, mas “no Espírito
Santo”, ou, seja — não poderíamos parafraseá-lo melhor – “movido
pelo Espírito Santo”. Em outros termos, são palavras “sopradas por
Deus”, sendo, portanto, autoritativas num sentido em que nenhuma
outra palavra de Davi, falada sem ser pelo Espírito Santo, pode ser
autoritativa.
Para generalizar, podemos dizer que as palavras das
Escrituras são consideradas por nosso Senhor, e pelos escritores
neotestamentários, como sendo palavras de seus autores humanos
falando “no Espírito Santo”, ou, seja, por sua iniciativa e sob sua
diretriz controladora. É provável que esta opinião encontre
expressão, de forma ainda mais precisa, em declaração como a que
lemos em Atos 1.16. É Pedro quem fala, e aqui também temos um
Salmo sendo citado: “O Espírito Santo predisse por boca de Davi”.
Aqui, evidentemente, o Espírito Santo é apresentado como sendo o
verdadeiro autor do que foi dito (e daí a certeza de Pedro de que o
que fora dito se cumpriria); mas a boca de Davi é designada,
expressamente, como o instrumento (aqui se emprega a preposição
instrumental) por meio do qual o Espírito Santo dita a referida
escritura. Ele não fala senão por intermédio da boca de Davi. Do
mesmo modo, lemos em Atos 4.24, 25 que “o Senhor, que fez a
terra e o mar, e tudo o que neles há, agindo através de seu Espírito
Santo ditou outro Salmo por boca de Davi seu servo”; e, em Mateus
13.35, cita-se ainda outro Salmo como “o que fora dito pelo profeta”
(cf. Mt 2.5). É na própria afirmação categórica da autoria divina da
Bíblia que se reconhece constantemente a instrumentalidade
humana, por meio da qual ela é transmitida.
Portanto, os escritores neotestamentários não têm nenhuma
dificuldade em designar as Escrituras através de seus autores
humanos, nem em descobrir nelas características que são devidas a
essa autoria. Citam-nas livremente, usando fórmulas simples, como:
“Moisés disse” (Rm 10.19; Mt 22.24; Mc 7.10; At 3.22); “Moisés
descreve” (Rm 10.5); “Moisés escreve” (Mc 12.19; Lc 20.28); “Isaías
diz” (Rm 10.20); “Isaías disse” (Jo 12.39); “Isaías clamava” (Rm
9.27); “Como antes disse Isaías” (Rm 9.29); “Como disse o profeta
Isaías” (Jo 1.23); “Profetizou Isaías” (Mc 12.6; Mt 15.7); “Davi disse”
(Lc 20.42; At 2.25; Rm 11.9; Mc 12.36). Devemos notar que, quando
as Escrituras são citadas nesses termos, pelos nomes de seus
autores humanos, é totalmente indiferente se as palavras citadas
são comentários feitos pelos mesmos autores, ou são palavras
diretas de Deus por eles relatadas. Da mesma maneira como as
palavras mais claras dos autores humanos são citadas como sendo
da autoria de Deus, assim as palavras expressamente citadas que
Deus disse, repetidas pelos escritores da Bíblia, são designadas
pelos nomes desses escritores humanos (Mt 15.7; Mc 7.6; Rm 10.5,
19, 20; cf. Mc 7.10, do Decálogo). Afirmar que Moisés ou Davi disse,
evidentemente é apenas uma maneira de dizer que “As Escrituras
dizem”, o que equivale dizer que “Deus diz”. Desse modo, estas
formas de citar as Escrituras pouco mais fazem do que ligar o nome,
ou, talvez diríamos melhor, a individualidade dos vários escritores
com as porções das Escrituras que foram dadas por seu intermédio.
No entanto, fica sem explicação, porém de forma implícita, a
maneira como ela foi dada por seu intermédio. Só podemos inferir
com certeza, isto: que a dádiva das Escrituras, através de seus
autores humanos, ocorreu mediante um processo muito mais íntimo
do que se poderia expressar pela palavra ditado, e que o controle do
Espírito Santo era completo e empolgante demais para permitir que
as qualidades humanas dos autores condicionassem, de algum
modo, a pureza do produto, como palavra de Deus. Em outros
termos, os autores neotestamentários consideram as Escrituras, do
início ao fim, como sendo o Livro de Deus, que em toda parte
expressa sua mente, através de homens, e de tal forma que não
violenta sua natureza como seres humanos, e assim constituindo o
Livro, tanto o livro de homens, quanto “o Livro de Deus”,
expressando também, em todas suas partes, o pensamento de seus
autores humanos.
10. Os processos divinos para a elaboração das
Escrituras

Se tentarmos ir além desta simples afirmação, e procurarmos


obter uma ideia mais detalhada das atividades por meio das quais
Deus elaborou as Escrituras, nos limitaremos a fazer
generalizações, sustentadas pela analogia das formas pelas quais
Deus opera em outras esferas de sua ação. É de grande
conveniência que nos desvencilhemos, logo de início, das
influências derivadas do uso corrente do termo inspiração, para
designar tal processo. Não é um termo bíblico, e suas implicações
etimológicas não estão perfeitamente de acordo com o conceito
bíblico das formas da operação divina para elaborar as Escrituras.
Os escritores bíblicos não consideram as Escrituras como sendo um
produto humano que recebe inspiração do Espírito Santo, e desse
modo exaltado em suas qualidades ou dotado com novas
qualidades; e sim como um produto divino produzido por meio da
instrumentalidade de homens. Não consideram tais homens, por
cuja instrumentalidade as Escrituras foram produzidas, como que
trabalhando por sua própria iniciativa, ainda que fortalecidos por
Deus para um maior esforço e uma obra mais completa, mas como
que movidos pela iniciativa divina e levados pelo poder irresistível
do Espírito de Deus, por meios que ele mesmo escolheu com o
objetivo de sua própria determinação.
É possível que a diferença entre estes dois pontos de vista
não pareça muito grande, quando observamos exclusivamente a
natureza do produto resultante. Mas constituem opiniões
divergentes e consideram a produção das Escrituras de dois
prismas distintos — o humano e o divino —, e as atitudes mentais
complexas, em relação à origem das Escrituras, são muito
diferentes. O termo inspiração não pode ser substituído, visto estar
estabelecido tão solidamente, tanto no uso popular quanto no
teológico, como designação técnica da ação divina para elaborar as
Escrituras; e deveríamos dar graças pelo fato de suas implicações
peculiares estarem tão próximas, como de fato estão, do conceito
bíblico. No entanto, podemos igualmente insistir que receba sua
definição das representações bíblicas, e não lhe seja permitido que
imponha sobre nosso pensamento ideias a respeito da origem das
Escrituras derivadas da análise de suas próprias implicações, tanto
etimológicas quanto históricas. O ponto de vista bíblico, da relação
do Espírito divino com os autores humanos, na produção das
Escrituras, se exprime melhor pela figura de mover do que pela de
inspirar; e quando os autores bíblicos falam da ação do Espírito de
Deus nesta relação, como um sopro, representam isto como uma
exalação das Escrituras pelo Espírito e não uma inspiração nas
Escrituras pelo Espírito.
11. O problema da origem: a parte que Deus assumiu

No entanto, logo que tentamos formar um conceito claro,


propriamente nosso, da natureza precisa da ação divina nesta
exalação das Escrituras — este transporte dos escritores das
Escrituras para o objetivo proposto de produzir um livro com
fidedignidade divina e autoridade indefectível, pressentimos de
forma penetrante outro problema que subjaz bem no fundo, e é bem
mais amplo, fora do qual o da inspiração, tecnicamente assim
chamado, não pode ser considerado com o devido proveito. É o
problema geral da origem das Escrituras e a parte de Deus em todo
este complexo de processos, por cuja combinação surgiram estes
livros a que chamamos Sagradas Escrituras, com todas suas
particularidades e todas suas qualidades, quaisquer que sejam.
Porque, evidentemente, estes livros não foram produzidos
instantaneamente, mediante um ato miraculoso, e entregues, por
assim dizer, completos, descendo do céu, mas, como todos os
demais produtos do tempo, são o resultado final de vários
processos, cooperando durante longos períodos.
É preciso levar em conta certos fatores; por exemplo, a
preparação do material que forma o assunto básico destes livros,
como se dá numa história sagrada que se conta, ou no relato de
uma experiência religiosa que sirva de norma a registrar; ou numa
elaboração 1ógica do conteúdo da revelação que se possa colocar
ao serviço do povo de Deus, ou, ainda, na revelação progressiva da
própria verdade divina, a qual fornece os elementos culminantes da
Bíblia. E é preciso levar em conta ainda a preparação dos homens
que haviam de escrever estes livros, uma preparação física,
intelectual e espiritual que os teria acompanhado durante a vida
inteira, e que, na verdade, teria partido de seus antepassados mais
remotos, que teria o efeito de colocar os homens apropriados nos
lugares necessários e nas ocasiões oportunas, com as qualidades,
impulsos e conhecimentos adequados para que escrevessem com
precisão os livros que Deus lhes destinara.
Quando se acrescenta inspiração, tecnicamente assim
designada, às linhas de preparação como estas, então assume um
aspecto totalmente diferente daquilo que possui quando se pensa
ser uma ação isolada do Espírito Divino, operando sem qualquer
relação com os processos históricos. Com frequência se fazem
representações como se Deus, planejando a produção de livros
sacros que incorporassem sua vontade — por exemplo, uma série
de epístolas como as de Paulo —, se viu obrigado a descer à terra e
a perscrutar exaustivamente os homens que ali encontrasse,
buscando solicitamente aquele que lhe parecesse, de modo geral,
mais habilitado para o fim em vista; e então forçasse violentamente
o material que queria apresentar por meio desse homem, contra
suas próprias tendências e com o mínimo possível de prejuízo em
razão de suas características recalcitrantes. Evidentemente, não foi
isso o que aconteceu. Se ele quis dar a seu povo uma série de
epístolas como as de Paulo, o preparou para as escrever, e o Paulo
que ele suscitou para esta tarefa foi um Paulo que escreveu
precisamente essas epístolas, espontaneamente.
12. O efeito das características humanas: preparação
providencial

Se tivermos isto em mente, saberemos que valor havemos de


dar à representação vulgar, de maneira que as características
humanas dos escritores devem, e assim acontece, condicionar e
qualificar os escritos por ele produzidos; portanto, a implicação disto
é que não podemos ter, de um homem, a palavra pura de Deus. Do
mesmo modo por que sabemos que a luz que passa pelo vitral
colorido da janela de uma catedral é a luz do céu, porém colorida
pelas cores do vitral pelo qual ela passa, assim a Palavra de Deus,
ao passar pela mente e alma de uma pessoa, tem de vir descolorida
pela personalidade através da qual nos é dada, e portanto, até certo
ponto, deixa de ser a palavra pura de Deus. Que diremos se essa
personalidade foi formada por Deus, de forma a ser a personalidade
que é, com o objetivo único de comunicar à palavra que profere o
colorido que ela deve ter? Que diremos também se as cores do
vitral colorido foram pintadas pelo arquiteto com o fim expresso de
dar, à luz que inunda a catedral, precisamente a tonalidade e a
qualidade que recebe delas? E que diremos se a Palavra de Deus,
que vem a seu povo, é estruturada por Deus de forma a ser a
Palavra de Deus que é, precisamente por meio das qualidades dos
homens formados por ele com esse objetivo, e por intermédio dos
quais a recebemos? Quando pensamos em Deus, o Senhor, dando,
mediante seu Santo Espírito, um corpo de Escrituras autoritativas
para seu povo, devemos lembrar que ele é o Deus da providência e
da graça, e não só da revelação e da inspiração, que segura todas
as linhas de preparação tão completamente sob sua diretriz, como o
faz com a operação específica a que podemos chamar,
tecnicamente falando, no sentido estrito, inspiração.
A produção das Escrituras de fato constitui um longo processo,
em cujo decurso entram atividades divinas, numerosas e mui
variadas, providenciais, graciosas, miraculosas, e é necessário levar
em conta cada uma delas em qualquer tentativa de explicar a
relação de Deus com a produção das Escrituras. Quando
consideramos todos estes fatores, deixamos de ficar admirados com
o fato de que se fala das Escrituras que deles resultam como sendo
a Palavra de Deus, pura e verdadeira. Pelo contrário, ficamos
maravilhados ante a operação adicional de Deus — a que
chamamos, especificamente, inspiração, em seu sentido técnico,
fosse considerada necessária.
Consideremos, por exemplo, como foi escrita uma parte da
história sagrada — digamos, o livro de Crônicas, ou a grande obra
histórica de Lucas — o Evangelho com seu nome, e o Livro dos
Atos dos Apóstolos. Antes de tudo há a preparação da história a
escrever: Deus, o Senhor, dirige a sequência dos acontecimentos
pelo desenvolvimento que ele determinou, de forma que estes
transmitam a seu povo as respectivas lições: existe um caráter
teleológico ou aeteológico inerente ao decorrer dos acontecimentos.
Depois, prepara um homem, em seu nascimento, treinamento,
experiência, dons e, se necessário, revelação, capazes de apreciar
este desenvolvimento histórico, e desejoso de o investigar, pulsando
com todo seu ser pelas lições apresentadas e decidindo torná-las
claras e eficazes para outros. Portanto, quando, por sua
providência, Deus dá a este homem a tarefa de escrever essa
história, não escreveria ele, espontaneamente, a história que estava
divinamente destinada a ser escrita?
Ou consideremos como um salmista teria sido preparado a pôr
em verso dramático um fragmento de experiência religiosa normal:
como ele teria nascido precisamente com as qualidades devidas de
sensibilidade religiosa, de cujos pais receberia a necessária
tendência hereditária, e precisamente o exemplo e o treinamento
religiosos devidos, em circunstâncias de vida em que suas
tendências religiosas deveriam ser desenvolvidas exatamente na
direção devida; como ele teria sido obrigado a atravessar as
experiências necessárias para despertar, precisamente, as emoções
que lhe seria requerido que exprimisse, e, finalmente, como seria
colocado precisamente dentro das circunstâncias que fariam surgir
sua expressão.
Ou consideremos a preparação providencial do escritor de
uma epístola didática, por meio da qual lhe seriam dadas a
dimensão e a perspicácia intelectuais. Seria treinado em hábitos de
raciocínio e colocado nas situações que provocariam, precisamente,
a apresentação argumentativa da verdade cristã que era necessário
que ele apresentasse. Quando damos, em nosso pensamento, o
devido lugar à universalidade do governo providencial de Deus, à
minúcia e perfeição de domínio, assim como à eficácia imutável
desse governo, podemos sentir-nos levados a perguntar o que será
necessário além deste mero governo providencial para assegurar a
produção dos Livros Sagrados, que tinham que estar, em todos seus
pormenores, em completo acordo com a vontade divina.
13. Inspiração: mais que providência

Eis a solução: além da mera providência, nada mais é


necessário para a obtenção desses livros – desde que o objetivo
divino não seja que esses livros possuam qualidades acima das
capacidades humanas para os produzir, mesmo sob a mais plena
diretriz divina. Na verdade, providência é diretriz; e diretriz só pode
conduzir aquele que é dirigido até onde suas capacidades o possam
levar. Se há cumes a serem escalados para além do alcance do
poder inato do homem, então é necessário algo mais do que mera
diretriz, por mais eficaz que esta seja. E esta é a razão para a
adição, no final do longo processo da produção das Escrituras, da
operação divina suplementar, a que chamamos, tecnicamente,
inspiração. Por meio dela, o Espírito de Deus foi muito além da obra
dos homens, providencial e graciosamente determinada, e produziu
espontaneamente, sob a diretriz divina, os escritos que lhes foram
indicados, deu ao produto uma qualidade divina, impossível de ser
alcançada simplesmente com as capacidades humanas. Assim,
estes livros não só se tornam palavra de homens devotos, mas a
palavra exata do próprio Deus, enunciada diretamente, como tal, à
mente e ao coração de cada leitor.
Portanto, a inspiração vem à existência com um duplo valor.
Ela dá aos livros escritos sob o impulso do Espírito uma qualidade
que na verdade é sobre-humana, uma fidedignidade, uma
autoridade, um poder de esquadrinhar, uma profundidade, um
proveito que são inteiramente divinos. E ela comunica esta Palavra
divina diretamente ao coração e à consciência de cada leitor, de
maneira que estes não precisam buscar o caminho para Deus,
dolorosa e incertamente, por meio da palavra de seus servos, os
instrumentos humanos para a composição das Escrituras, mas
podem ouvir a própria voz de Deus diretamente, lhes falando
pessoalmente nas Escrituras.
Torna-se claro que os próprios escritores neotestamentários
eram de opinião que as Escrituras foram assim produzidas, por
diversas operações divinas, através das diferentes dispensações e
abrangendo grande número de múltiplas atividades, se prestarmos
atenção às referências ocasionais que eles fazem a este ou àquele
passo no processo total. Por exemplo, na superfície de suas
exposições fica em evidência o fato de que consideravam a história
bíblica como sendo teleológica. Não só afirmam que “tudo o que
outrora foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que, pela
paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Rm
15.4; cf. Rm 4.23, 24); falam também do curso dos próprios
acontecimentos históricos como sendo dirigidos para nosso próprio
benefício: “Ora, tudo isso lhes sobreveio como figura” — de tal
forma que, enquanto se realizavam, ficou impresso neles um caráter
típico, uma referência predicativa: em suma, significa que o curso da
História veio à concretização da forma como aconteceu para nos
transmitir uma mensagem — “e foram escritas para advertência
nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado”
(1Co 10.11; cf. v. 6).
De acordo com isto, torna-se expressão corrente da exposição
bíblica que “a própria história da redenção é tipicamente
progressiva” (Kuyper), e “está impregnada, até certo ponto, com o
elemento profético”, que forma “parte de um grande plano que se
estende desde a queda do homem até o início da consumação de
todas as coisas na glória; e até onde revela o pensamento de Deus
em relação ao homem, traz consigo um aspecto sobre o futuro, não
menos sobre o presente” (P. Fairbain).
É igualmente evidente, mediante as alusões ao assunto no
Novo Testamento, que seus autores compreendiam que a
preparação humana para se tornar o veículo da mensagem de Deus
ao homem não é só de ontem, mas teve seu início na própria origem
de seu ser. Por exemplo, a vocação, pela qual Paulo se tornou
apóstolo de Jesus Cristo, foi repentina, e aparentemente sem
antecedentes; mas é precisamente o mesmo Paulo que considera
esta vocação como sendo apenas um passo em um longo processo,
cujo início antedata sua própria existência: “mas quando aprouve a
Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou
por sua graça, revelar seu Filho em mim” (Gl 1.15, 16; cf. Jr 1.5; Is
49.1, 5).
É a este ato final na produção das Escrituras que
denominamos, tecnicamente, inspiração; e a inspiração nos é
apresentada como sendo, nas mentes dos escritores
neotestamentários, aquela operação específica de Deus, na
produção das Escrituras, que se realiza, precisamente, na ocasião
de sua redação — entendendo-se aqui a expressão redação como
que englobando todos os processos da composição das Escrituras,
a investigação de documentos, a coleção de fatos, a expressão de
conclusões, a adaptação de exortações como um meio para
determinado fim, etc. — de forma que as Escrituras resultantes
recebessem um caráter especificamente sobrenatural e formassem
um livro, não só divino, mas também obviamente humano, sendo
que o modo de operação desta atividade divina, movendo-se na
direção deste objetivo, é concebida de pleno acordo com a analogia
das operações divinas em outras esferas de sua atividade, tanto na
providência, como na graça, como convergente com as atividades
humanas, neste caso em operação; como sendo, em uma palavra,
da natureza daquilo que se tornou conhecido por ação imanente.
Portanto, não há dúvida de que os escritores
neotestamentários, ao declararem que as Escrituras são o produto
do sopro divino (o que explicam no sentido de que seus autores só
as escreveram na medida em que foram movidos pelo Espírito
Santo, e de tal modo que falaram, não de si mesmos, mas “da parte
de Deus”), consideram esta operação do Espírito apenas como o
ato final de Deus, na produção das Escrituras, acrescentando a uma
longa série de processos providenciais, grandiosos e miraculosos,
pelos quais o conteúdo das Escrituras foi preparado para ser escrito,
os homens preparados para o escreverem e, finalmente, a redação
sendo concluída.
14. Inspiração e revelação

Dessa forma não podemos deixar de notar que a inspiração


vem a ser uma forma de revelação. Com freqüência somos
exortados a distinguir, cuidadosamente, entre inspiração e
revelação; e a exortação está certa quando considerarmos
revelação em um de seus sentidos restritos; por exemplo, de uma
manifestação exterior de Deus, ou de uma comunicação direta da
parte de Deus, por meio de palavras. Mas inspiração não difere de
revelação neste sentido restrito, como um gênero de outro gênero,
mas como uma espécie de um gênero difere de outra. Esta
operação divina a que chamamos inspiração, ou, seja, a operação
do Espírito de Deus por meio da qual ele move os homens no
processo da composição das Escrituras, de forma tal que eles
escrevem, não de si mesmos, mas “da parte de Deus”, é uma das
formas pelas quais Deus faz conhecido aos homens seu Ser, sua
vontade, suas operações e seus objetivos. É tão nitidamente uma
forma de revelação, como qualquer outra forma de revelação possa
ser, e portanto tem a mesma função de qualquer outra revelação, o
que nas palavras de Paulo significa tornar os homens sábios,
tornando-os sábios para a salvação. Toda a revelação especial ou
sobrenatural (que é redentora em sua própria intenção e ocupa um
lugar como elemento substancial nos processos redentivos de
Deus) tem precisamente este objetivo; e as Escrituras, como forma
da revelação redentiva de Deus, encontram seu objetivo
fundamental precisamente nisto: se a inspiração, por meio da qual
as Escrituras são produzidas, as torna fidedignas e autoritativas
para melhor servir, a fim de fazer os homens sábios para a
salvação.
As Escrituras são consideradas, do prisma dos escritores
neotestamentários, não apenas como o registro de revelações, mas
como sendo, por si mesmos, parte da revelação redentiva de Deus;
não só como o registro dos atos redentivos, com um papel próprio a
desempenhar na grande tarefa de estabelecer e erigir o reino de
Deus, mas o que lhes dá um lugar entre os atos redentivos de Deus
é sua origem divina, em seu sentido mais lato, considerada como a
súmula de todas as operações divinas, providenciais, graciosas, e
expressamente sobrenaturais por meio das quais foi eleito aquilo
que realmente é um corpo de escritos com poder para fazer os
homens sábios para a salvação e proveitoso para aperfeiçoar o
homem de Deus. No entanto, o que lhes dá o lugar que ocupam
entre todas as formas de revelação é, especificamente, a ação
culminante destas operações divinas, a que chamamos inspiração,
ou, seja, a ação do próprio Espírito de Deus em mover de tal forma
os autores humanos em sua obra de produzir as Escrituras, de
maneira que eles falam nas Escrituras, não de si mesmos, mas “da
parte de Deus”. Esta é a ação em virtude da qual podemos dizer
que as Escrituras podem ser, com propriedade, chamadas sopro
divino.
15. As Escrituras serão um livro divino-humano

Em determinada escola de escritores, tornou-se costume falar


das Escrituras, por serem assim inspiradas, como sendo um livro
divino-humano, e apelar para a analogia da personalidade divino-
humana de nosso Senhor com o intuito de explicar as qualidades
particulares desse livro como tal. A expressão, em si, chama a
atenção para um fato muito importante, e até certo ponto a analogia
está certa. Há nas Escrituras facetas humanas e divinas; e,
examinando-as superficialmente, podemos ver nelas,
alternadamente, características que pressupõem ora um, ora o outro
fator de sua origem. No entanto, podemos levar ao exagero a
analogia com a personalidade divino-humana do Senhor. Não existe
nas Escrituras nenhuma união hipostática entre o divino e o
humano; e não podemos fazer um paralelo entre a “inspiração das
Escrituras” efetuada pelo Espírito Santo e a encarnação do Filho de
Deus. As Escrituras são o mero resultado de forças divinas e
humanas, operando em conjunto a fim de fornecer um produto em
cuja realização as forças humanas trabalham sob a iniciativa e
diretriz prevalecente das divinas: a pessoa de nosso Senhor reúne
em si as naturezas divina e humana, cada uma delas conservando
sua própria distinção, só operando uma em relação à outra.
Entre coisas tão diversas só pode existir uma analogia remota;
e de fato a analogia, no presente caso, não é mais que o fato de, em
ambos os casos, haver fatores divinos e humanos envolvidos,
embora de forma muito diferente. Em um dos casos, unem-se para
constituir uma pessoa divino-humana, e no outro cooperam para
realizar uma obra divino-humana. Mas, uma analogia tão remota
pode fornecer-nos a possibilidade do seguinte reconhecimento: do
mesmo modo que, como no caso da pessoa de nosso Senhor, a
natureza humana permanece verdadeiramente humana, ainda que
nunca caia em pecado ou erro, porquanto nunca pode agir fora da
relação com a natureza divina, com a qual ficou em conjunção,
assim também, no caso da produção das Escrituras, pela ação
conjunta de fatores divinos e humanos, os fatores humanos agiram
como tais e deixaram sua marca no produto resultante, sem contudo
cair no erro em que se diz ser humano cair, porque não agiram
independentemente dos fatores divinos, de iniciativa própria, mas
somente sob sua diretriz infalível.
16. As Escrituras que os escritores neotestamentários
possuíam

O testemunho do Novo Testamento é favorável à origem e às


qualidades divinas das Escrituras; e, evidentemente, para os
escritores neotestamentários, as Escrituras eram o Antigo
Testamento. Na passagem mais importante em que lemos que toda
ou cada uma das Escrituras é soprada por Deus, uma referência
direta às sagradas letras que Timóteo conhecera desde sua
infância, e naturalmente estas constituem os livros sagrados dos
judeus (cf. 2Tm 3.16). O que aqui está explícito, jaz implícito em
todas as alusões que o Novo ‘Testamento faz às Escrituras
inspiradas. Do mesmo modo, afirma-se com freqüência que todo
nosso testemunho acerca da inspiração das Escrituras se relaciona
tão-somente com o Antigo Testamento. No entanto, em vários
sentidos isto constitui um exagerado.
No momento, o que nos interessa não é a extensão das
Escrituras, mas sua natureza. Não podemos apresentar aqui as
considerações que justificam a extensão, ao Novo Testamento, da
inspiração atribuída por seus escritores, ao Antigo Testamento. No
entanto, não fica fora de propósito indicar simplesmente que
próprios os escritores neotestamentários obviamente fizeram esta
extensão. Como ministros de um novo pacto, não se julgaram na
posse do Espírito de Deus, em menor escala que a dos ministros do
antigo pacto; de fato reconheceram francamente que não tinham
auto-suficiência, mas sabiam que Deus os capacitara (cf. 2Cor. 3.5,
6). Portanto, prosseguiram em sua tarefa de proclamar o evangelho,
com plena confiança de que falavam “pelo Espírito Santo” (1Pe
1.12), a quem atribuíam não só o conteúdo, mas também a forma de
seu ensino (1Co 2.3). Por isso em seu ensino falaram com a
máxima confiança (Gl 1.7, 8); e enunciavam mandamentos com a
mais plena autoridade (1Ts 4.2, 14; 2Ts 3.6, 12), de fato provando
que possuíam o Espírito, levando os ouvintes a reconhecerem como
mandamento de Deus aquilo que exigiam (1Co 14.37). Seria
realmente estranho se estas tão elevadas pretensões fossem feitas
exclusivamente em prol de seu ensino e mandamentos verbais. Na
verdade foram feitas também, explicitamente, em prol de suas
ordenações escritas.
Era o reconhecimento das coisas que Paulo escrevia, como
mandamento do Senhor, que ele transforma na pedra de toque do
homem guiado pelo Espírito (1Co 14.37). É a obediência a sua
“palavra, por meio desta carta”, que ele transforma na condição
essencial para a comunhão cristã (2Ts 3.14). Parece estar envolvida
nesta atitude para com seu próprio ensino, oral e escrito, uma
pretensão da parte dos escritores neotestamentários, algo muito
semelhante à inspiração que atribuíam aos escritores
veterotestamentários.
17. O termo Escrituras abrange o Novo Testamento

E todas as dúvidas desaparecem quando vemos os escritores


neotestamentários colocarem os escritos uns dos outros na mesma
categoria de Escrituras, lado a lado com os livros
veterotestamentários. O mesmo Paulo que em 2 Timóteo 3.16
declara que “toda a Escritura é soprada por Deus”, escrevera em 1
Timóteo 5.18: “Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi
quando pisa o grão. E ainda: O trabalhador é digno de seu salário.”
A primeira oração é tomada de Deuteronômio, e a segunda, do
Evangelho segundo Lucas, embora ambas sejam citadas como
igualmente constituindo, ou, melhor, formando parte das Escrituras
que Paulo cita como tendo tanta autoridade que sua simples citação
era suficiente para pôr um ponto final a toda contenda.
Quem dirá que na declaração da Epístola posterior toda e
cada Escritura é soprada por Deus, Paulo não teria Lucas, e, com
Lucas, todo e qualquer novo livro em mente, que ele classificava
com os antigos como Escritura, juntamente com livros antigos que
Timóteo tivera em mãos, desde sua juventude? E o próprio Pedro
que declarou que “toda profecia da Escritura” era o produto de
homens, falando “da parte de Deus”, quando “movidos pelo Espírito
Santo” (2Pe 1.21), coloca, na mesma carta (3.16), as epístolas de
Paulo na categoria de Escritura, juntamente outros livros dignos
desse título. Porquanto ele diz que Paulo escreveu estas epístolas,
não de sua própria sabedoria, “mas pela sabedoria que lhe foi
dada”, e embora haja nelas coisas difíceis de entender, não só os
“indoutos e inconstantes” torcem essas passagens difíceis — como
não se podia esperar outra coisa de homens que torcem
“igualmente as demais Escrituras” (aqui, obviamente, subentende-se
o Antigo Testamento) — “para sua própria destruição”. É possível
afirmar-se que Pedro não tivesse também essas epístolas de Paulo
em mente, juntamente com “as demais Escrituras”, quando diz a
seus leitores que todas as “profecias da Escritura” devem sua
origem à prevalecente operação do Espírito Santo.
O que devemos compreender, ao avaliar o testemunho dos
escritores neotestamentários, em relacão à inspiração das
Escrituras, é que as Escrituras estavam em suas mentes como o
título de um corpo unitário de livros, todo ele sendo dádiva de Deus,
por meio de seu Espírito, a seu povo; mas que esse conjunto de
livros era, ao mesmo tempo, considerado como uma coletânea em
pleno crescimento, de modo que, aquilo que se diz deles se aplica
também àqueles livros que estavam para ser-lhe acrescentados,
conforme o Espírito Santo os ia dando, tão completa e perfeitamente
como os velhos livros que lhes tinham sido entregues no passado. É
uma simples questão de pormenores determinar, precisamente, que
novos livros deveriam ser incluídos na categoria de Escrituras. Eles
próprios nos dizem quais são alguns deles. Os que os receberam de
suas mãos nos falam de outros. E quando unimos esses dois
testemunhos, verificamos que eles constituem precisamente nosso
Novo Testamento.
Portanto, não força o testemunho dos escritores
neotestamentários, em relação à inspiração das Escrituras,
considerá-lo como abrangendo todo o corpo das Escrituras, os
novos livros que eles mesmos estavam acrescentando a esta
coleção, bem como os velhos livros que tinham recebido de seus
antepassados como Escrituras. Tudo aquilo que demanda, por
direito próprio, ser chamado Escrituras, como aqueles escritores
empregaram o termo, em seu significado proeminente, com igual
justiça pode demandar a atribuição de inspiração que estes dão a
estas Escrituras.

[1] Referência a Julius Wellhausen (1844-1918), estudioso alemão famoso por suas
investigações críticas do Antigo Testamento. [N. do R.]
[2] Referência a Harry Emerson Fosdick (1878-1969), ministro batista liberal. [N. do R.]

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