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Cinemática Relativı́stica

Sérgio F. Novaes

2009
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Índice

I. Relatividade Restrita 4
I.1. Transformação de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
I.1.1. Quadrivetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
I.1.2. Quadrimomento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
I.1.3. Transformações Angulares e Quadrimomentos . . . . . . 9
I.1.4. Rapidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
I.2. Sistemas de Referência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

II. Decaimento 20
II.1. Decaimento de Dois Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
II.2. Decaimento de Três Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

III.Espalhamento 2 → 2 23
III.1. Região Fı́sica em s, t e u . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

IV. Seção de Choque e Largura de Decaimento 27


IV.1. Seção de Choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
IV.2. Largura de Decaimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

V. Espaço de Fase 33
V.1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
V.2. Espaço de Fase de Uma Partı́cula . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
V.3. Espaço de Fase de Duas Partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
V.3.1. Seção de Choque 2 → 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
V.3.2. Largura de Decaimento 1 → 2 . . . . . . . . . . . . . . . 37
V.4. Espaço de Fase de Três Partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

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V.4.1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
V.4.2. Largura de Decaimento 1 → 3 e Dalitz Plot . . . . . . . . 38

VI. Variáveis e Reações Especı́ficas 41


VI.1. Reações Inclusivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
VI.1.1. Variáveis (p, θ) e (pk , p⊥ ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
VI.1.2. Variáveis (t, sx ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
VI.1.3. Variáveis (t, ν) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
VI.1.4. Variáveis (p⊥ , y) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
VI.2. Reações Hadrônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
VI.2.1. Variáveis (τ, y) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
VI.2.2. Variáveis (τ, xk ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
VI.2.3. Reações Hadrônicas Inclusivas . . . . . . . . . . . . . . . 49
VI.3. Reações de Dois Fótons em Colisões e+ e− . . . . . . . . . . . . . 49

Referências 50

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I. Relatividade Restrita

I.1. Transformação de Lorentz


Os postulados da Relatividade Restrita afirmam que a velocidade da luz
é a mesma em todos os sistemas de referência inerciais. Isso significa que se
(t, x, y, z) é a coordenada do espaço-tempo do sinal luminoso em um sistema de
referência S, e o mesmo sinal é encontrado em (t0 , x0 , y 0 , z 0 ) no outro sistema
inercial S 0 , o elemento de distância no espaço-tempo s deve ser invariante:

s2 = c2 t2 − x2 − y 2 − z 2 = c2 t02 − x02 − y 02 − z 02 = s02

A transformação linear que relaciona (t0 , x0 , y 0 , z 0 ) com (t, x, y, z), deixando o


elemento de distância no espaço-tempo invariante é a chamada transformação de
Lorentz.

Consideremos o sistema de referência S 0 se movendo com velocidade con-


stante β~s = ~vs /c em relação ao sistema S. Escolhendo z k z 0 k β~s e assumindo
que a origem de ambos os sistemas de coordenadas coincidiam em t = t0 = 0, a
transformação de Lorentz e sua inversa são dadas por:

t = γs (t0 + βs z 0 ) , x = x0 , y = y 0 , z = γs (z 0 + βs t0 )
t0 = γs (t − βs z) , x0 = x , y 0 = y , z 0 = γs (z − βs t) (I.1)

onde tomamos c = 1 e definimos o fator de Lorentz como:

γs = (1 − βs2 )−1/2

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I NTERL ÚDIO
Há duas constantes fundamentais da natureza que tradicionalmente são
formalmente fixadas iguais a 1, ou seja, tornam-se adimensionais.

c = 299.792.458 m/s → 1
h̄ = 6, 58211899 × 10−25 GeV s → 1 (I.2)

Lembrando que

[c] = [L].[T ]−1


[h̄] = [L].[P ] = [E].[T ] = [L]2 .[M ].[T ]−1

Há consequências na dimensão de outras grandezas. Vejamos

c = 1 =⇒ [L] = [T ]
h̄ = 1 =⇒ [E] = [T ]−1 = [L]−1 = [M ]

e portanto [E] = [p] = [m].


Teremos portanto as constantes de conversão:

h̄c = 1 = 0, 19732696 GeV fm


(h̄c)2 = 1 = 0, 3893793 GeV2 mbarn

com

1 GeV = 103 MeV = 106 keV = 109 eV


= 1, 6 × 10−10 J (= N m = kg m2 /s2 )
1 fm = 10−15 m
1 mbarn = 10−31 m2 = 0, 1 fm2 .

Obtemos a relação de GeV com as unidades de comprimento e tempo,


1 1
1GeV ' −16
'
2, 0 × 10 m 6, 6 × 10−25 s

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I.1.1. Quadrivetores
As equações da Relatividade Restrita e, em particular, da Fı́sica de Partı́cu-
las ficam bastante simplificadas se considerarmos o conceito de quadrivetores.
Para as coordenadas do espaço-tempo, escrevemos

xµ = (x0 , x1 , x2 , x3 ) = (x0 , ~x) = (t, x, y, z) (I.3)

Qualquer quadrivetor Aµ se transforma sob Lorentz como xµ , ou seja, sob a


transformação (I.1), e temos,

A0 = γs (A0 0 + βs A0 3 ) , A1 = A0 1 , A2 = A0 2 , A3 = γs (A0 3 + βs A0 0 )

Introduzimos o tensor métrico,


 
1 0 0 0
 
 0 −1 0 0 
µν  
gµν = g =  (I.4)
 0 0 −1 0 
 
0 0 0 −1

Cabe a ele levantar e abaixar o ı́ndice de Lorentz,

Aµ = gµν Aν

onde Aµ são chamadas de componentes contravariantes e Aµ covariantes, com:

A0 = A0 , A1 = −A1 , A2 = −A2 , A3 = −A3

em particular,

xµ = (x0 , x1 , x2 , x3 ) = (x0 , −~x) = (t, −x, −y, −z)

Um quadrivetor contravariante se transforma como ∂xµ /∂τ , onde xµ é a coorde-


nada de uma partı́cula e τ seu tempo próprio enquanto um quadrivetor covariante
se transforma como ∂φ/∂xµ .
Em espaços curvos ou em coordenadas curvas em espaço plano (coorde-
nadas cilı́ıdricas, esféricas, etc) dxµ é uma diferencial perfeita, cuja integral fornece
xµ . Por outro lado, dxµ não é uma diferencial perfeita, dependendo do caminho.

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Por exemplo, em coordenadas cilı́ndricas,

(x, y, z) = (r cos θ, r sin θ, z)

o elemento de linha é,


ds = dr r̂ + r dθ θ̂ + dz ẑ
portanto as componentes em r e z são as mesmas na forma covariante e con-
travariante mas a componente covariante do ângulo ao redor do eixo z é rdθ e sua
integral depende do caminho.
Da mesma forma ocorre em espaços curvos onde há duas bases possı́veis
para descrever um mesmo vetor. Note que os vetores da base covariante são pa-
ralelos às suas respectivas linhas coordenadas enquanto os vetores da base con-
travariante são ortogonais à direção das outras linhas coordenadas.

Dessa forma o vetor A ~ pode ser escrito em termos de suas componentes con-
travariantes ai ou covariantes ai .

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Definimos também o tensor unitário δνµ , tal que δνµ Aν = Aµ , com δµµ =
4. Além dos tensores g µν e δνµ , também o tensor totalmente antissimétrico ²µναβ
(²0123 = +1) possui as mesmas componentes em qualquer sistema de referência.1
Podemos escrever o produto escalar entre dois quadrivetores como:
3
X
A·B ≡ Aµ Bµ = gµν Aµ B ν
µ=0

= A B0 + A1 B1 + A2 B2 + A3 B3 = A0 B 0 − A1 B 1 − A2 B 2 − A3 B 3
0

~·B
= A0 B 0 − A ~ (I.5)

I.1.2. Quadrimomento
Podemos também definir o quadrimomento de uma partı́cula como:

pµ = (E, p~) (I.6)

onde,

E = mγ
p~ = mγ β~ (I.7)

sendo m a massa da partı́cula e β sua velocidade,

β~ = p~/E , e γ = (1 − β 2 )−1/2 = E/m

O quadrado do quadrimomento de uma partı́cula satisfaz:

p2 = pµ pµ = E 2 − |~p|2 = m2
1
Na realidade, ²µναβ é um pseudo-tensor uma vez que sob rotações ele se comporta como um
tensor mas a mudança de sinal de uma ou três coordenadas não acarreta na mudança de sinal de
suas coordenadas. Sob reflexão do sistema de coordenadas, i.e. sob a mudança de sinal de todas
as coordenadas: um escalar e um pseudo-vetor ou vetor axial (e.g. A~ × B)~ não mudam de sinal,
enquanto, um pseudo-escalar (e.g. A ~×B ~ · C)
~ e um vetor mudam. Ele possui ainda as seguintes
propriedades:

²µναβ ²ρσαβ = −2(δρµ δσν − δσµ δρν ) , ²µναβ ²ρναβ = −6δρµ e ²µναβ ²µναβ = −24

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Vamos escrever o momento de uma partı́cula em coordenadas esfericas:

p~ = (px , py , pz ) = |~p| (sin θ cos φ, sin θ sin φ, cos θ)

Como iremos tratar na maioria dos casos de transformações ao longo do


eixo z, é conveniente definir o momento longitudinal e transversal como:

pk = pz = |~p| cos θ
p⊥ = (p2x + p2y )1/2 = |~p| sin θ (I.8)

Desta forma, a energia e o momento (E 0 , p~ 0 ) de uma partı́cula vistos de um


sistema que se move com velocidade β~s na direção z são dados por:
    
E 0   γs −γs βs   E 

0
= , p0⊥ = p⊥ (I.9)
pk −γs βs γs pk

onde p⊥ (pk ) são as componentes de p~ perpendicular (paralela) à β~s . Esta última


expressão é apenas uma maneira mais conveniente de se escrever a Eq.(I.1).

E XERC ÍCIO 1.1 Mostre que o produto escalar de quaisquer dois


quadrivetores p1 · p2 = E1 E2 − p~1 · p~2 é invariante sob transformações
de Lorentz, ou seja, independente de sistema de referência.

I.1.3. Transformações Angulares e Quadrimomentos


A transformação de ângulos sob Lorentz pode ser facilmente extraı́da da
Eq.(I.9). Para o caso do ângulo azimutal φ, temos:
p0y py
tan φ0 = = = tan φ
p0x px
ou seja, o ângulo azimutal ao redor de um eixo é invariante sob transformações de
Lorentz ao longo deste eixo.
Para o ângulo polar, ou seja, o ângulo que o momento da partı́cula faz com
o eixo do “boost” visto do sistema S 0 é:
p0 p⊥
tan θ0 = ⊥0 = 0
pk pk
p⊥ 1 p⊥ /|~p|
= =
γs (pk − βs E) γs (pk /|~p| − βs E/|~p|)
1 sin θ
= (I.10)
γs (cos θ − βs /β)

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ou, equivalentemente:

1 sin θ0
tan θ =
γs (cos θ0 + βs /β 0 )

Vamos considerar em detalhes a transformação de Lorentz do quadrimo-


mento. A partir de (I.9), temos:

p0 sin θ0 = p sin θ
p0 cos θ0 = γs p cos θ − γs βs E
E 0 = −γs βs p cos θ + γs E (I.11)

onde βs é a velocidade do sistema S no sistema S 0 e β 0 é a velocidade na partı́cula


no sistema S 0 :
p0
β0 = 0
E
Note que E e p são independentes da orientação do momento p~0 já que:
0 0

p02 = |~p0 |2 = p02 02 02


x + py + pz = cte

e E 02 = p02 + m2 .
Aqui é mais fácil trabalhar em coordenadas cartezianas. As equações (I.11)
se escrevem como:

p02 02
x + py = p2x + p2y
p0z = γs pz − γs βs E
= γs pz − γs βs (γs βs p0z + γs E 0 )

Lembrando que 1 + γs2 βs2 = γs2 , temos:


1
p0z = pz − βs E 0
γs
E, finalmente:
 Ã !2 
1 02 1  2 pz
02
(px + p02 02 2
y + pz ) = 1 = 02 px + py + − βs E 0 
p p γs

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Portanto a esfera dos momentos no referencial S 0 se transforma em um


elipsóide no sistema S:
p2x + p2y (pz − γs βs E 0 )2
+ =1
p02 γs2 p02
com excentricidade ² = βs . As dimensões transversais da esfera se mantem inal-
teradas enquanto na direção longitudinal ela se dilata por um fator γs e se translada
por γs βs E 0 .
Dependendo da magnitude relativa de βs e β 0 temos diferentes posições da
origem do momento:

• βs < β 0 : dentro do elipsóide, podendo portanto inverter o sentido da veloci-


dade da partı́cula;

• βs = β 0 : no elipsóide, podendo no máximo atingir um ângulo de 90◦ ;

• βs > β 0 : fora do elipsóide, não alterando o sentido da velocidade da par-


tı́cula.

Nesse último caso existe um ângulo máximo que a partı́cula pode fazer com
a direção do “boost”:
|β 0 |
tan θmax = q
γs βs2 − β 02

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O ângulo no sistema S 0 , θ0 (θmax ), correspondente ao ângulo máximo no sistema


S (βs > β 0 ) pode ser obtido calculando-se dθ/dθ0 a partir de (I.10), obtendo-se:

0 β0
cos θmax =−
βs

I.1.4. Rapidez
Para introduzirmos o conceito de rapidez vamos escrever a transformação
Eq.(I.9) como:
    
E 0   cosh y − sinh y   E 

0
= , p0⊥ = p⊥ (I.12)
pk − sinh y cosh y pk

onde definimos o parametro y chamado de rapidez através de:

βs = tanh y , γs = cosh y , γs βs = sinh y (I.13)

ou, inversamente2 :

y = cosh−1 (γs ) = ln(γs + γs βs )


à !
−1 1 1 + βs
= tanh (βs ) = ln (I.14)
2 1 − βs

Supondo a partı́cula parada em S 0 , temos β = βs e, como:

E ± pk = mγ(1 ± β)

podemos escrever a rapidez de uma partı́cula como:


à !
1 E + pk
y = ln
2 E − pk

Definindo a massa transversal como

M⊥2 = p2⊥ + m2
2
Lembre que:
p p µ ¶
−1 −1 −1 1 1+z
sinh (z) = ln(z+ z2 + 1) , cosh (z) = ln(z+ z2 − 1) , e tanh (z) = ln
2 1−z

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a rapidez pode também ser escrita como


à !
E + pk
y = ln
M⊥
Enquanto a velocidade varia no intervalo −1 ≤ β ≤ 1, a rapidez varia −∞ ≤
y ≤ ∞.
Quando executamos duas transformações de Lorentz paralelas consecutivas
de parâmetros β1 e β2 o resultado combinado é expresso pelos parâmetros:
β1 + β2
β3 =
1 + β1 β2
γ3 = γ1 γ2 (1 + β1 β2 ) (I.15)

E XERC ÍCIO 1.2 Mostre as relações (I.15)

Desta forma, em termos da rapidez, temos:


tanh y1 + tanh y2
β3 = tanh y3 = ≡ tanh(y1 + y2 ) (I.16)
1 + tanh y1 tanh y2
ou seja, a rapidez é aditiva sob transformações de Lorentz paralelas i.e.:

y3 = y1 + y2 .

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Para um quadrivetor geral Aµ , escrevendo a transformação de Lorentz (I.1)


em função de y, temos:
    

A0   cosh y sinh y   A00 
=
A3 sinh y cosh y A03

Vemos que essa transformação corresponde a uma rotação com ângulo imaginário
já que sin(iy) = i sinh(y) e cos(iy) = cosh(y). Ela deixa a parábola (A0 )2 −
(A3 )2 = cte invariante.
No limite de altas energias, a rapidez é chamada de pseudo-rapidez (η) e
possui uma relação simples com o ângulo de espalhamento θ:
à !
1 1 + cos θ
η = ln = − ln tan θ/2
2 1 − cos θ

Note que a definição de η depende apenas de θ e, portanto, ela é útil como


uma aproximação para a rapidez quando o momento ou a massa de uma partı́cula
são desconhecidos. Ela é usada para parametrizar a cobertura dos detectores,
localizando por exemplo as células de um calorı́metro no plano (η, φ).

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I.2. Sistemas de Referência


Consideremos a colisão de duas partı́culas de quadrimomento (Ea , p~a ) e
(Eb , p~b ). Na descrição destas colisões, dois sistemas de referência são usualmente
utilizados:
(i) Sistema de Centro de Massa (CM): É definido como o sistema onde

p~a + p~b = 0

e, as quantidade referentes a este sistema serão denotadas a partir de agora por um


asterisco (∗).
(ii) Sistema de Laboratório (LAB): É o sistema no qual são feitas as medidas.
No caso de experimento de alvo fixo este sistema coincide com o sistema do alvo,
onde uma das partı́culas (e.g. b) encontra-se em repouso i.e. p~b = 0. Nos
experimentos de anéis de colisão, onde feixes de partı́culas idênticas colidem em
direções opostas, este sistema coincide com o CM.
Escolhendo o eixo z como a direção de movimento, os momentos das partı́
culas a e b podem ser escritos, no sistema de CM como:

p∗a = (Ea∗ , 0, 0, p∗a )


p∗b = (Eb∗ , 0, 0, −p∗a ) (I.17)

e, no sistema LAB (alvo fixo, b em repouso) como:

plab
a = (Ealab , 0, 0, plab
a )

plab
b = (mb , 0, 0, 0) (I.18)

A transformação de Lorentz entre os dois sistemas será dada por:

Ei∗ = γcm (Eilab − βcm plab


i )

p∗i = γcm (plab lab


i − βcm Ei ) (I.19)

onde i = a, b e βcm é a velocidade do CM no LAB.


Como p~∗a + p~∗b = 0 da Eq.(I.19) temos:

γcm [(plab lab lab lab


a + pb ) − βcm (Ea + Eb )] = 0

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e portanto βcm é dada por:

|~pa + p~b | plab


a
βcm = lab lab
(~
p b = 0) = lab
(I.20)
Ea + Eb Ea + mb

No caso de uma colisão de duas partı́culas de massa ma e mb a energia total


da colisão ou massa invariante é dada por:
q h i1/2
ET = (pa + pb )2 = (Ea + Eb )2 − (~pa + p~b )2
h i1/2
= m2a + m2b + 2Ea Eb (1 − βa βb cos θ) (I.21)

onde θ é o ângulo entre as duas partı́culas. Podemos ver que na definição de ET


aparecem apenas produtos escalares de quadrimomentos o que faz de ET uma
quantidade independente de sistema de referência. Em termos das variáveis de
CM e LAB onde a partı́cula b está em repouso temos:

ET = (Ea∗ + Eb∗ )
h i1/2 ³ ´1/2
= (Ealab + mb )2 − (~palab )2 = m2a + m2b + 2mb Ealab (I.22)

E XERC ÍCIO 1.3 Mostre que γcm = (Ealab + mb )/ET

Note que, usando Eq.(I.20), a rapidez do CM em relação ao laboratório será


dada por,
à !
1 1 + βcm
ycm/lab = ln
2 1 − βcm
" #
1 (Ealab + mb )2 − (plab
a )
2
= ln (I.23)
2 (Ealab + mb − plab
a )
2

No limite de altas energias temos:


à !
1 ET2
ηcm/lab = ln (I.24)
2 m2b

Portanto vale a relação entre a rapidez da partı́cula no laboratório e no centro de


massa: µ ¶
∗ ET
ηlab = ηcm + ηcm/lab = η + ln (I.25)
mb

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A quantidade ET pode ser considerada como a energia útil de um acelerador.


Para termos idéia de algumas ordens de magnitude consideremos prótons (mp ' 1
GeV) colidindo a uma energia de 1 TeV com outro próton em repouso. Neste caso:
q √
ET ' 2mp Eplab = 2000 GeV ' 45 GeV

Por outro lado se considerarmos dois prótons, a e b, em um anél de colisão


colidindo com 1 TeV, a energia total será:

ET = Ea∗ + Eb∗ = 2Ep = 2000 GeV

Da Eq.(I.19) podemos escrever as variáveis de CM em termos das do LAB:

m2a + mb Ealab
Ea∗ =
ET
mb (mb + Ealab )
Eb∗ =
ET
lab
mb pa
p∗a =
ET
−mb plab
a
p∗b = = −p∗a (I.26)
ET

E XERC ÍCIO 1.4 Confira as Eq.(I.26)

Apresentamos na Tabela (I..1) os valores da energia total (ET ) e do mo-


mento (p∗a ) no CM para a colisão de feixes de elétron (ma = me ' 0) e próton
(ma = mp ' 0.938 GeV) colidindo com um próton fixo em função do momento
do feixe (plab
a ).
Podemos escrever de maneira compacta as variáveis não invariantes (Ea,b e
pa,b ) em termos das invariantes (ET e ma,b ) nos diferentes sistemas de referência.
A quantidade ET2 é usualmente designada pela variável de Mandelstam s, que
será introduzida posteriormente. Passaremos portanto a utilizar esta notação para
o quadrado da massa invariante.
Vamos definir a função cinemática:

λ(x, y, z) = (x − y − z)2 − 4yz


= x2 + y 2 + z 2 − 2xy − 2yz − 2zx
h √ √ ih √ √ i
= x − ( y + z)2 x − ( y − z)2 (I.27)

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Tabela I..1: Energia e Momento CM versus Momento do Feixe de Prótons

plab
a (GeV ) ET (GeV ) p∗a (GeV )
ep pp ep pp
1 1.66 2.08 0.57 0.45
10 4.43 4.54 2.12 2.07
100 13.73 13.76 6.83 6.82
500 30.65 30.66 15.3 15.3
1000 43.33 43.34 21.7 21.6
10000 137.0 137.0 68.5 68.5

que, para alguns valores especiais fica:

λ(x, y, y) = x(x − 4y)


λ(x, y, 0) = (x − y)2 (I.28)

Utilizando a definição de λ(x, y, z) podemos reescrever Eq.(I.26). Como


p~∗a + p~∗b = 0 escrevemos:
|~p∗a | = |~p∗b | = p∗
e, conforme Eq.(I.22)

s = Ea∗ + Eb∗
ou seja:

s = [p∗2 + m2a ]1/2 + [p∗2 + m2b ]1/2 = Ea∗ + [Ea∗2 − m2a + m2b ]1/2

Obtemos portanto:
s + m2a − m2b
Ea∗ = √
2 s
√ s − m2a + m2b
Eb∗ = s − Ea∗ = √
2 s
λ1/2 (s, m2a , m2b )
p∗ = √ (I.29)
2 s
E, utilizando a Eq.(I.22), temos:
s − m2a − m2b
Ealab =
2mb

18
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

λ1/2 (s, m2a , m2b )


plab
a = [(Ealab )2 − m2a ]1/2 = (I.30)
2mb

E XERC ÍCIO 1.5 Obtenha as Eq.(I.29) e Eq.(I.30)

19
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

II. Decaimento

II.1. Decaimento de Dois Corpos


Consideremos uma partı́cula de massa M e quadrimomento P decaindo em
duas outras de quadrimomentos:

pi = (Ei , p~i ) , i = 1, 2

No sistema de repouso da partı́cula de massa M , os quadrimomentos se escrevem


com:

P ∗ = (M, 0, 0, 0)
p∗1 = (E1∗ , p~∗ )
p∗2 = (E2∗ , −~p∗ ) (II.1)

onde M = E1∗ + E2∗ e p~∗1 = −~p∗2 = p~∗ . Desta forma:

P ∗ 2 = M 2 = (p∗1 + p∗2 )2 = m21 + m22 + 2(E1∗ E2∗ + |~p∗ |2 )


= m21 + m22 + 2[E1∗ (M − E1∗ ) + (E1∗ 2 − m21 )] (II.2)

E podemos escrever as energias e momentos finais como:


M 2 + m21 − m22
E1∗ =
2M
∗ ∗ M 2 − m21 + m22
E2 = M − E1 =
2M
|~p∗1 | = |~p∗2 | = (E1∗ 2 − m21 )1/2
1/2
[(M 2 − (m1 + m2 )2 ) (M 2 − (m1 − m2 )2 )]
=
2M
1/2 2 2 2
λ (M , m1 , m2 )
= (II.3)
2M

II.2. Decaimento de Três Corpos


Consideremos uma partı́cula de massa M e quadrimomento P decaindo
agora em três outras de massas mi e quadrimomentos pi ; i = 1, 2, 3. Vamos

20
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

primeiramente definir:
pij = pi + pj , sij = p2ij
ou seja:

s12 = (p1 + p2 )2 = (P − p3 )2
s23 = (p2 + p3 )2 = (P − p1 )2
s31 = (p3 + p1 )2 = (P − p2 )2 (II.4)

desta forma, temos:

s12 + s23 + s31 = M 2 + m21 + m22 + m23

E XERC ÍCIO 2.1 Mostre a relação acima.


No sistema de repouso da partı́cula que decai temos P~ ∗ = p~∗1 + p~∗2 + p~∗3 = 0
e podemos obter as energias e momentos em termos de sij substituindo P =
(M, 0, 0, 0) em Eq.(II.4). Por exemplo:

s12 = (P ∗ − p∗3 )2 = M 2 + m23 − 2M E3∗ ,

de onde obtemos E3∗ e consequentemente p∗3 . Da mesma forma obtemos as demais


energias e momentos:
M 2 + m21 − s23
E1∗ =
2M
2
M + m22 − s31
E2∗ =
2M
2
M + m23 − s12
E3∗ =
2M
λ (M 2 , m21 , s23 )
1/2
p∗1 =
2M
λ (M 2 , m22 , s31 )
1/2
p∗2 =
2M
1/2 2
λ (M , m23 , s12 )
p∗3 = (II.5)
2M
Em geral é mais conveniente considerar um sistema no qual duas das três
partı́culas finais estão em repouso. Consideremos por exemplo o referencial (r)
no qual as partı́culas 2 e 3 encontram-se em repouso i.e.

pr2 + pr3 = ( s23 , 0, 0, 0) = P r − pr1

21
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Conseguimos as energias e momentos neste referencial substituindo esta relação


na Eq.(II.4), e.g. :

s23 = (P r − pr1 )2 = [( s23 + E1r , p~r1 ) − (E1r , p~r1 )]2
h √ i
= M 2 + m21 − 2 ( s23 + E1r )E1r − (E1r 2 − m21 )

= M 2 − m12 − 2 s23 E1r (II.6)

Assim, as energias e momentos neste referencial são dados por:

M 2 + s23 − m21
Er = √
2 s23
M 2 − s23 − m21
E1r = √
2 s23
s23 + m22 − m23
E2r = √
2 s23
s23 − m22 + m23
E3r = √
2 s23
r λ1/2 (M 2 , s23 , m21 )
P = pr1 = √
2 s23
λ1/2 (s23 , m22 , m23 )
pr2 = pr3 = √ (II.7)
2 s23

22
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

III. Espalhamento 2 → 2

Vamos definir as chamadas Variáveis de Mandelstam para o processo pa +


pb → p1 + p2 :

s = (pa + pb )2 = (p1 + p2 )2
= (Ea∗ + Eb∗ )2 = (E1∗ + E2∗ )2
= m2a + m2b + 2mb Ealab
t = (pa − p1 )2 = (pb − p2 )2
= m2a + m21 − 2Ea E1 + 2pa p1 cos θa1 , CM ou LAB
= m2b + m22 − 2mb E2lab
u = (pa − p2 )2 = (pb − p1 )2
= m2a + m22 − 2Ea E2 + 2pa p2 cos θa2 , CM ou LAB
= m2b + m21 − 2mb E1lab (III.1)

satisfazem,
s + t + u = m2a + m2b + m21 + m22 (III.2)

E XERC ÍCIO 3.1 Mostre a relação (III.2)

23
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

A energia e momento das partı́culas no CM em termos das variáveis de


Mandelstam são:
s + m2a − m2b
Ea∗ = √
2 s
s + m2b − m2a
Eb∗ = √
2 s
s + m21 − m22
E1∗ = √
2 s
s + m22 − m21
E2∗ = √
2 s
λ1/2 (s, m2a , m2b )
p∗a = p∗b = √
2 s
λ1/2 (s, m21 , m22 )
p∗1 = p∗2 = √ (III.3)
2 s

Introduzindo estes resultados na relação entre t e cos θa1 , Eq.(III.1), temos:
∗ t − m2a − m21 + 2Ea∗ E1∗
cos θa1 =
2p∗a p∗1
2s(t − m2a − m21 ) + (s + m2a − m2b )(s + m21 − m22 )
= (III.4)
λ1/2 (s, m2a , m2b )λ1/2 (s, m21 , m22 )
∗ ∗ ∗
a relação para θa2 pode ser obtida lembrando que θa2 = π − θa1
Agora, a energia e momento das partı́culas no LAB, em termos das variáveis
de Mandelstam se escrevem:
s − m2a − m2b
Ealab =
2mb
lab
Eb = mb
−u + m2b + m21
E1lab =
2mb
−t + m2b + m22
E2lab =
2mb
λ (s, m2a , m2b )
1/2
plab
a =
2mb
lab
pb = 0
λ1/2 (u, m2b , m21 )
plab
1 =
2mb
λ (t, m2b , m22 )
1/2
plab
2 = (III.5)
2mb

24
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

E, as relações para os ângulos são:

lab 2m2b (t − m2a − m21 ) + (s − m2a − m2b )(−u + m21 + m2b )


cos θa1 =
λ1/2 (s, m2a , m2b )λ1/2 (u, m2b , m21 )
lab 2m2b (u − m2a − m22 ) + (s − m2a − m2b )(−t + m22 + m2b )
cos θa2 = (III.6)
λ1/2 (s, m2a , m2b )λ1/2 (t, m2b , m22 )

E XERC ÍCIO 3.2 Verifique as Eq.(III.3),Eq.(III.4),Eq.(III.5),Eq.(III.6).

III.1. Região Fı́sica em s, t e u


Vamos determinar a região fisicamente aceitável no plano st para a reação
a + b → 1 + 2. Vamos assumir que ma = m1 = m e mb = m2 = M . As energias
e momentos são dados por:
s + m2 − M 2
Ea∗ = E1∗ = √
2 s
s + M 2 − m2
Eb∗ = E2∗ = √
2 s
λ1/2 (s, M 2 , m2 )
p∗a = p∗b = p∗1 = p∗2 ≡p = ∗
√ (III.7)
2 s

O ângulo θa1 é obtido da Eq.(III.4):

∗ 2st
cos θa1 =1+ (III.8)
λ(s, M 2 , m2 )
e, a variável t:
λ(s, M 2 , m2 ) ∗
t = − (1 − cos θa1 )
2s
= −2(p∗ )2 (1 − cos θa1

)
= −4(p∗ )2 sin2 (θa1

/2) (III.9)

Podemos obter a relação para u usando:

s + t + u = 2M 2 + 2m2

obtendo:
(M 2 − m2 )2 λ(s, M 2 , m2 ) ∗
u= − (1 + cos θa1 ) (III.10)
s 2s

25
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

E XERC ÍCIO 3.3 Mostre as Eq.(III.8), Eq.(III.9) e Eq.(III.10)

As fronteiras da região fı́sica podem ser obtidas da relação :



−1 ≤ cos θa1 ≤1

O limite superior de t é obtido quando cos θa1 =1

t = 0
u = 2(M 2 + m2 ) − s (III.11)

e o limite inferior de t é obtido quando cos θa1 = −1
−λ(s, M 2 , m2 )
t =
s
(M 2 − m2 )2
u = (III.12)
s
Desta forma os limites são dados pela reta III.11 e pela hiperbole III.12 que
possuem assı́ntotas:

s = 0
u = 0 ou t = −s + 2(M 2 + m2 ) (III.13)

26
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

As curvas Eq.(III.11) e Eq.(III.12) se interceptam em s = (M ± m)2 . O


sinal positivo corresponde ao limiar da reação.
Os valores máximos e mı́nimos de t para valores arbitrários das massas

podem ser obtidos da Eq.(III.4) impondo cos θa1 = ±1 e usando Eq.(III.3) para
escrever as energias e momentos em termos de s:

t± = m2a + m21 − 2Ea∗ E1∗ ± 2p∗a p∗1


1 h
= m2a + m21 − (s + m2a − m2b )(s + m21 − m22 )
2s i
± λ (s, ma , m2b )λ1/2 (s, m21 , m22 )
1/2 2
(III.14)

onde t− (t+ ) é o maior (menor) valor de t. Note que t+ é sempre negativo e


t− > t+

E XERC ÍCIO 3.4 Verifique a Eq.(III.14)

IV. Seção de Choque e Largura de Decaimento

IV.1. Seção de Choque


Seção de choque diferencial é definida como a probabilidade de se obser-
var uma partı́cula espalhada em um dado estado quântico, por unidade de ângulo
sólido, quando um alvo é atingido por um fluxo de uma partı́cula por unidade de
superfı́cie.
dσ ∆NE /∆t
=
dΩ (∆NI /∆t).(∆NA /∆A)
Note que [σ] = [A].

27
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Formalmente, a probabilidade de transição do estado inicial para o estado


final é definida pelo elemento de matrix,

M = h1, · · · , n|M|a, bi

A quantidade M é chamada de Amplitude Invariante. Ela contém toda a


fı́sica da reação, ou seja a dinâmica relacionada com o processo de espalhamento
propriamente dito e com a interação entre as partı́culas. O cálculo de M é feito
através das técnica da Teoria Quântica de Campos que envolve o emprego das
Regras de Feynman para um modelo especı́fico, e foge do escopo cinemático do
processo de espalhamento.

A seção de choque será dada pela integração de |M|2 sobre o espaço de


fase das partı́culas 1, · · · , n tomando o cuidado de dividir pelo fluxo inicial das

28
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

partı́culas a, b. Portanto, a seção de choque para o processo a + b → 1 + · · · + n


é dada por:
1 1 1 d3 p1 d3 pn
dσ = |M|2 · · ·
|β~a − β~b | (2Ea ) (2Eb ) 2E1 (2π)3 2En (2π)3
·(2π)4 δ 4 [pa + pb − (p1 + · · · + pn )] S (IV.1)

ou seja,
1 1 1 S
dσ = |M|2
~ ~
|β a − β b | (2E a ) (2E b ) (2π)3n−4

n
à n
!
Y d3 pi 4 X
δ pa + pb − pn (IV.2)
i=1 2Ei i=1

onde S é o fator estatı́stico que leva em conta o fato de haver m partı́culas idênticas
no estado final, i.e. :
Y 1
S=
i mi !

Em um processo de espalhamento a + b → 1 + · · · + n temos que impor a


conservação do quadrimomento, ou seja,
n
X n
X
Ea + Eb = Ei e p~a + p~b = p~i
i=1 i=1

A conservação de energia-momento deve ser imposta nos estados assintóticos e é


responśavel pela função delta em Eq.(IV.1). Na região de interação estados virtu-
ais podem ser criados, “violando” por um lapso de tempo essa lei de conservação,
mas sempre respeitando a relação de incerteza de Heisenberg ∆E∆t ≥ h̄.
Uma vez que:
1 Ea Eb 2Ea Eb
= = 1/2 (IV.3)
~ ~
|βa − βb | 2 2 2
[(pa · pb ) − ma mb ]
1/2 λ (s, m2a , m2b )

Podemos definir o fator fluxo inicial por:

F = 2(2π)3n−4 λ1/2 (s, m2a , m2b ) (IV.4)

e o espaço de fase diferencial por:


n
à n
!
Y d3 pi 4
X
dRn = δ pa + pb − pn (IV.5)
i=1 2Ei i=1

29
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

podemos escrever1 :
S
dσ = |M|2 dRn (IV.6)
F
E XERC ÍCIO 4.1 Mostre as duas igualdades da Eq.(IV.3). Lembre
que θab = π
Podemos ver pelas Eq.(IV.4) e (IV.5) que

[F] = E 2 e [Rn ] = E 2n−4

Uma vez que [σ] = E −2 , podemos ver que [M] = E 2−n , ou seja, em um processo
2 → 2 a amplitude invariante é adimensional.
Quando a integral em (IV.6) é feita sobre todo o espaço de fase de dimensão
3n − 4 obtemos a seção de choque total da reação. Se a integração for restrita a
um sub-espaço do espaço de fase temos a seção de choque diferencial. Chamamos
de reação exclusiva aquela na qual a energia e momento de todas as partı́culas é
medido. Numa reação inclusiva apenas a energia e momento de algumas das
partı́culas finais são medidos.

IV.2. Largura de Decaimento


A Largura de Decaimento p → p1 + · · · + pn é dada por:
n n
à !
1 Y d3 pi X
dΓ = |M|2 3
(2π) 4 4
δ p − pn S
2M i=1 2Ei (2π) i=1
1 S
= |M|2 dRn (IV.7)
2M (2π)3n−4
Quando integramos sobre todo o espaço de fase obtemos a largura de de-
caimento que é o inverso da vida média da partı́cula. Podemos ver que o mesmo
espaço de fase diferencial Eq.(IV.5) aparece aqui ocorrendo apenas a troca pa +
pb → p onde pa,b são os quadrimomentos iniciais da colisão e p é o quadrimo-
mento da partı́cula que decai.
1
É importante notar que esta fórmula também é válida para férmions quando adotamos a
normalização do spinor de Dirac igual a 2m, ou seja:
X X
u(p, s)ū(p, s) =6 p + m e v(p, s)v̄(p, s) =6 p − m
±s ±s

30
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

I NTERL ÚDIO

31
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

A lei de decaimento radiativo é expressa pela equação

dN Γ
= − , N = N0 exp(−Γt)
dt N
onde N0 é o número de partı́culas iniciais e N é o número de partı́culas
que ainda não decairam em um dado instante. A quantidade Γ é o in-
verso da vida média da partı́cula (τ ) e é calculada através de IV.7.
A dependência temporal de um estado instável pode ser escrito na
forma, µ ¶
Γ
ψ(t) = ψ(0) exp(−iER t) exp − t
2
o último termo é responsável pela atenuação da amplitude, fazendo com
que
|ψ(t)|2 = |ψ(0)|2 exp(−Γt)

A amplitude como função da energia é dada pela transformada de


Fourier,
Z Z ½ · ¸ ¾
Γ
χ(E) = ψ(t) exp(iEt) dt = ψ(0) exp − i(ER − E) + t dt
2
1
∝ (IV.8)
(E − ER ) − i Γ/2

e a probabilidade dá origem à distribuição de Breit-Wigner,


1
|χ(E)|2 ∝
(E − ER )2 + Γ2 /4

O valor médio é a massa da ressonância (M = ER ) e Γ é a full width at


half maximum (FWHM) da distribuição.

32
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

V. Espaço de Fase

V.1. Introdução
Em uma reação 2 → n (i.e. a + b → 1 + 2 + · · · + n) devemos impor a
conservação de energia e momento:
n
X
Ea + Eb = Ei
i=1
Xn
p~a + p~b = p~i (V.1)
i=1

com,
Ej2 = |~pj |2 + m2j , j = a, b, 1, · · · , n
Chamamos de espaço dos momentos o espaço de 3n dimensões dos momen-
tos p~i . As condições (V.1) restringem o conjunto de p~i possı́veis e definem neste
espaço um sub-espaço de dimensão 3n − 4 chamado de espaço de fase.
Numa reação 2 → n existem 3n − 4 variáveis do estado final (3n compo-
nentes de momento menos 4 vı́nculos (V.1)). Porém, neste caso, o eixo do feixe
inicial define uma direção no espaço em relação à qual o processo possui sime-
tria levando a uma variável trivial φ. Assim temos 3n − 5 variáveis essenciais
no estado final. Se levarmos em conta o estado inicial, existe mais uma variável
essencial que é o quadrado da energia total s levando portanto a um total de 3n−4
variáveis essenciais (no processo 2 → 2 estas duas variáveis são s e t).
Vamos nos deter agora ao espaço de fase diferencial. Podemos ver que o
elemento de integração d3 p/2E é invariante de Lorentz. Supondo um “boost” na
direção de pz , temos:
E 0
dpz = γ(dp0z + βdE 0 ) = dp (V.2)
E0 z

E XERC ÍCIO 5.1 Verifique a Eq.(V.2). Lembre-se que E 0 2 = p0 2 + m2


e E = γ(E 0 + βp0z )
Desta forma,
d3 p dpx dpy dpz d3 p0
= =
2E 2E 2E 0

33
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Podemos também escrever o elemento de espaço de fase em forma integral


como:
d3 p Z 4
= d pδ(p2 − m2 )Θ(p0 ) (V.3)
2E
onde a integral é feita sobre todos os valores das componentes pµ e Θ(p0 ) = 0(1)
para p0 < (>)0.

E XERC ÍCIO 5.2 Escreva p2 = (p0 )2 − p~2 e E 2 = p~2 + m2 e use a


propriedade da função delta
1
δ[f (x)] = δ(x − x0 ) , f (x0 ) = 0
|f 0 (x 0 )|

para mostrar a Eq.(V.3)


Desta forma Rn Eq.(IV.5) pode ser escrito como:
Z Y
n
à n
!
X
4
Rn = d pi δ(p2i − m2i ) Θ(p0i ) δ 4
pa + pb − pn (V.4)
i=1 i=1

Em geral omite-se a função Θ(p0i ) que apenas denota o fato da energia ser uma
quantidade positiva.

V.2. Espaço de Fase de Uma Partı́cula


O espaço de fase de uma partı́cula é trivial. Utilizando a Eq.(IV.5) e Eq.(V.3)
o espaço de fase para a reação pa + pb → p, fica:
Z
dR1 = d4 pδ(p2 − m2 ) δ 4 (pa + pb − p)

ou, integrando em d4 p usando a função δ 4 :

R1 = δ[(pa + pb )2 − m2 ] = δ(s − m2 ) (V.5)

V.3. Espaço de Fase de Duas Partı́culas


Vamos agora considerar a integral do espaço de fase de duas partı́culas:
Z
R2 = d4 p1 d4 p2 δ(p21 − m21 ) δ(p22 − m22 ) δ 4 (p − p1 − p2 ) (V.6)

34
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

No caso do espalhamento 2 → 2 temos p = pa + pb e no caso do decaimento de


uma partı́cula, p é o seu momento.
Integrando em d4 p2 usando a δ 4 obtendo:
Z
R2 = d4 p1 δ(p21 − m21 ) δ[(p − p1 )2 − m22 )]

Lembrando que Rn é invariante de Lorentz podemos escolher o referencial onde



p = ( s, 0, 0, 0) ou seja o CM das partı́culas iniciais ou o sistema de repouso da

partı́cula que decai ( s = M ):
Z √
R2 = d4 p1 δ(p21 − m21 ) δ(s − 2 sE1∗ + m21 − m22 )

Usando a Eq.(V.3) temos:


Z √
d3 p1
R2 = ∗
δ(s − 2 sE1∗ + m21 − m22 )
2E1

Note que não mencionamos a função Θ(p0 ) = Θ( s − m1 − m2 ) que
aparece na Eq.(V.3). Ela neste caso apenas garante que R2 seja nulo abaixo do

limiar de produção das partı́culas 1 e 2 em repouso i.e. s < m1 + m2 . Como

d3 p = p2 dpdΩ = pEdEdΩ

temos: Z
p∗1 dE1∗ dΩ∗1 √
R2 = δ(s − 2 sE1∗ + m21 − m22 )
2
∗ ∗ ∗
onde, dΩ1 = sin θdθ1 dφ1 descreve a orientação do momento p~1 no sistema CM
(repouso) de p. A função δ fixa o o valor de E1∗ e consequentemente o modulo do
momento p∗1 (ver Eq.(III.3)), i.e. :
λ1/2 (s, m21 , m22 )
p∗1 = p∗2 = [(E1∗ )2 − (m1 )2 ]1/2 = √
2 s
Desta forma, integrando a função δ, lembrando que δ(ax) = (1/a)δ(x) temos:
p∗1 Z ∗ λ1/2 (s, m21 , m22 ) Z
R2 = √ dΩ1 = dΩ∗1 (V.7)
4 s 8s
Em geral a Amplitude Invariante depende do ângulo θ∗ . No entanto, se M
R
independe de θ∗ , chegamos ao resultado final com dΩ∗1 = 4π:
πp∗ πλ1/2 (s, m21 , m22 )
R2 = √ 1 =
s 2s

35
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

V.3.1. Seção de Choque 2 → 2


Utilizando as Eq.(IV.6,V.7), a seção de choque de um processo a+b → 1+2
fica:
S
dσ = |M|2 dR2
2(2π)2 λ1/2 (s, m2a , m2b )
1/2
S 2 λ (s, m21 , m22 ) ∗
= |M| dΩ1 (V.8)
2(2π)2 λ1/2 (s, m2a , m2b ) 8s
Portanto:
dσ S λ1/2 (s, m21 , m22 )
= |M|2
dΩ∗1 64π 2 s λ1/2 (s, m2a , m2b )
S p∗1
= |M|2 (V.9)
64π 2 s p∗a
onde p∗a(1) são os momentos iniciais (finais) no CM, dados pela Eq.(III.3).
Em geral é mais interessante termos uma expressão invariante para a seção
de choque diferencial. Isto pode ser feito usando a definição de t Eq.(III.1):
1 ∗ ∗ ∗
dt = 2p∗a p∗1 d(cos θa1

)= p p dΩ
π a 1 1
Desta forma:
dσ dσ dΩ∗1 π dσ
= ∗
= ∗ ∗ ∗
dt dΩ1 dt pa p1 dΩ1
ou seja:
dσ S 1
= |M|2
dt 64πs (p∗a )2
S 1
= 2 2
|M|2 (V.10)
16π λ(s, ma , mb )
Devemos lembrar que a integral em dt é feita levando em conta os limites
(III.14), ou seja Z t−

σ=
t+ dt

E XERC ÍCIO 5.3 Suponha que |M|2 = −t/s. Calcule a seção de


choque total neste caso utilizando Eq.(V.9). Compare o resultado
obtido quando se utiliza a Eq.(V.10). Considere ma = m1 = 0 e
mb = m2 = m

36
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

V.3.2. Largura de Decaimento 1 → 2


Podemos também computar a largura de decaimento Eq.(IV.7) de uma par-
tı́cula de massa M , em repouso, em duas outras i.e. P → p1 + p2 :
1 S
dΓ = |M|2 dR2
2M (2π)2
1/2
1 S 2λ (M 2 , m21 , m22 ) ∗
= |M| dΩ1
2M (2π)2 8M 2
S
= λ1/2 (M 2 , m21 , m22 )|M|2 dΩ∗1
64π 2 M 3
S
= p∗ |M|2 dΩ1∗ (V.11)
32π 2 M 2 1

V.4. Espaço de Fase de Três Partı́culas


V.4.1. Introdução
O espaço de fase para três partı́culas é:
Z Y
3
d3 pi
R3 = δ 3 (~p − p~1 − p~2 − p~3 ) δ(E − E1 − E2 − E3 )
i=1 2Ei

Vamos escolher o referencial onde p~ = 0 e integrar sobre p~2 usando a função


3
δ : Z
d3 p1 d3 p3 √
R3 = δ( s − E1 − E2 − E3 )
8E1 E2 E3
sendo E2 dado por:
E22 = |~p1 + p~3 |2 + m22
Escrevendo o elemento de integração como:

d3 p1 d3 p3 = (p21 dp1 dΩ1 )(p23 dp3 dΩ3 ) = (p1 E1 dE1 dΩ1 )[p3 E3 dE3 (d cos θ13 dφ3 )]

onde Ω3 descreve a orientação de p~3 em relação a p~1 e Ω1 a orientação de p~1 em


relação a algum eixo.
Podemos assim usar a função δ para integrar em d cos θ13 usando:
dE2 p1 p3
=
d cos θ13 E2

37
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

obtendo,
1Z
R3 = dE1 dE3 dΩ1 dφ3
8
Podemos também escrever R3 em função de s12 e s23 , definidos anterior-
mente na Eq.(II.4) (s = M 2 ), usando o Jacobiano:
∂(E1 , E3 ) 1
=
∂(s12 , s23 ) 4s
obtendo:
1 Z
R3 = ds12 ds23 dΩ1 dφ3 (V.12)
32s
Devemos notar que no caso da colisão de duas partı́culas (i.e. p = pa + pb )
Ω1 descreve a orientação de p~1 no CM e φ3 a rotação da configuração de todos
os momentos em torno de um eixo. Para o caso do decaimento como não existe
um eixo preferencial (imagine a partı́cula em repouso) podemos integrar em dΩ1
e dφ3 obtendo:
Z
2 π2 Z
R3 = π dE1 dE3 = ds12 ds23
4s

V.4.2. Largura de Decaimento 1 → 3 e Dalitz Plot


Desta forma a largura de decaimento Eq.(IV.7) fica:
S 1 Z
Γ = 3
|M|2 dE1 dE3
(2π) 8M
S 1 Z
= |M|2 ds12 ds23 (V.13)
(2π)3 32M 3
Podemos notar que a distribuição de espaço de fase:

dR3 π2
=
ds12 ds23 4s
é constante para s fixo. Desta forma se os dados de um experimento de decaimento
forem “plotados” no plano s12 × s23 a densidade de pontos será proporcional ao
modulo ao quadrado da amplitude invariante. Ou, dito de outra maneira, a não
uniformidade no “plot” fornece informação sobre a dinâmica do processo.
Por exemplo, no caso do decaimento Ds+ → K − K + π + , o aparecimento de
bandas quando m(Kπ) = mK 0∗ , reflete o aparecimento do canal de decaimento
Ds+ → K 0∗ K + → (K − π + ) + K − . O mesmo ocorre para m(KK) = mφ devido à

38
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

existência do canal Ds+ → φ+π + → (K − K + )+π + . Esta distribuição é chamada


de Dalitz Plot.

Outro exemplo de Dalitz Plot é representado pela reação p+p̄ → π 0 +π 0 +π 0


onde diversos canais intermediários de decaimento ficam evidenciados.

A região fı́sica do Dalitz Plot pode ser determinada considerando s12 para o
caso em que p~1 é paralelo ou antiparalelo a p~2 , ou seja:

s± 2 2 r r
pr1 ||~pr2 |)
12 = m1 + m2 + 2(E1 E2 ± |~

39
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

1 h 2
= m21 + m22 + (M − s23 − m21 )(s23 + m22 − m23 )
2s23
i
± λ1/2 (M 2 , s23 , m21 )λ1/2 (s23 , m22 , m23 ) (V.14)

No caso em que apenas m2 é diferente de zero a Eq.(V.14) impõe os limites:

M 2 m22
≤ s12 ≤ M 2 + m22 − s23
s23
e, no caso em que todas as massas são nulas, temos:

0 ≤ s12 ≤ M 2 − s23

As igualdades determinam as fronteiras do Dalitz Plot. No primeiro caso


temos:
M 2 m22
s23 = e s23 = M 2 + m22 − s12 (V.15)
s12
e para o caso de todas as massas nulas:

s12 = 0 , s23 = 0 e s23 = M 2 − s12 (V.16)

E XERC ÍCIO 5.4 Mostre que quando m2 = m3 = 0 o contorno do


Dalitz Plot é dado pela última das figuras acima.

40
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

VI. Variáveis e Reações Especı́ficas

VI.1. Reações Inclusivas


Vamos considerar a reação pa + pb → p + X, onde X é um sistema de
partı́culas desconhecido, ou seja não é medido na experiência. Em geral, neste
caso, medimos a seção de choque invariante de uma partı́cula:

d3 σ
E 3 (VI.1)
dp
Em experimentos com feixes não polarizados a distribuição Eq.(VI.1) não
depende da rotação em torno do eixo do feixe. Ela é função de três variáveis

essenciais que podemos escolher como sendo a energia total ( s) e:
(1) o módulo do momento p~ e seu ângulo polar θ,
(2) as componentes longitudinal (pk ) e tranversal (p⊥ ) do momento,
(3) o momento invariante transferido (t = (pa − p)2 ) e o quadrado da massa
invariante do sistema não observado (sx = (pa + pb − p)2 ),
(4) o momento invariante transferido (t) e a energia da partı́cula trocada no
canal t no LAB (ν = Ealab − E lab ), ou
(5) o momento transversal (p⊥ ) e a rapidez (y).
Para definir estas variáveis vamos escolher o eixo z como a direção do feixe
de partı́culas. Neste caso a energia e o momento de uma partı́cula podem ser
escritos:

E = m⊥ cosh y
pk = pz = m⊥ sinh y , px , py (VI.2)

onde definimos a massa transversal:

m2⊥ = m2 + p2⊥ = m2 + p2x + p2y = E 2 − p2z

e a rapidez y como:
à ! à !
1 E + pk 1 E + pz
y = ln = ln
2 E − pk 2 E − pz

41
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

µ ¶ Ã !
E + pz m⊥
= ln = ln
m⊥ E − pz
µ ¶
pz
= tanh−1 (VI.3)
E
A seguir consideraremos cada um dos casos acima separadamente.

VI.1.1. Variáveis (p, θ) e (pk , p⊥ )


Em qualquer sistema de referência, temos:
d3 p p2 dpd(cos θ)
= 2π
E E
p⊥ dp⊥ dpk
= 2π
E
dp2⊥ dpk
= π (VI.4)
E
e temos:
d3 σ E d2 σ
E =
d3 p p2 dpdΩ
E d2 σ
=
2πp2 dpd(cos θ)
E d2 σ
=
2πp⊥ dp⊥ dpk
E d2 σ
= (VI.5)
π dp2⊥ dpk
No sistema CM os valores máximos de p e E (vide Eq.(I.29)) são:
λ1/2 (s, m2 , smin )
p∗max = √ x
2 s
s + m2 − smin

Emax = √ x (VI.6)
2 s
onde smin
x = min(m1 + · · · + mn )2 é o valor mı́nimo da massa invariante do
conjunto X, i.e. quando cada constituinte está em repouso em relação aos demais.
As regiões fı́sicas, onde o processo pode ocorrer, são:

0 ≤ p∗ ≤ p∗max e 0 ≤ θ∗ ≤ π
(p∗k )2 + (p⊥ )2 ≤ (p∗max )2 (VI.7)

42
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

VI.1.2. Variáveis (t, sx )


Das definições de t e sx , temos:

t = m2a + m2 − 2Ea∗ E ∗ + 2p∗a p∗ cos θ∗



sx = s + m2 − 2 sE ∗ (VI.8)

Portanto: √
∂(sx , t) 4 s(p∗ )2 p∗a
=
∂(p∗ , cos θ∗ ) E∗
e,
d3 p π
= √ ∗ dtdsx = πλ−1/2 (s, m2a , m2b )dtdsx
E 2 spa
e, finalmente:
d3 σ 1 1/2 2 2 d σ
2
E = λ (s, m a , m b )
d3 p π dtdsx
Neste caso a região fı́sica é dada por:

G(s, t, sx , m2a , m2b , m2 ) ≤ 0 e sx ≥ smin


x

onde função G pode ser expressa como o determinante de Cayley:


¯ ¯
¯ 0 1 1 1 1 ¯
¯ ¯
¯ ¯
¯ 1 0 e a c ¯
¯ ¯
1 ¯¯ ¯
¯
G(a, b, c, d, e, f ) = − ¯ 1 e 0 d b ¯ (VI.9)
2¯ ¯
¯ 1 a d 0 f ¯
¯ ¯
¯ ¯
¯ 1 c b f 0 ¯

VI.1.3. Variáveis (t, ν)


Uma vez que:

sx − t − m2b
ν = Ealab − E lab =
2mb
aqui a transformação é trivial:

d3 σ 1 1/2 2 2 d σ
2
E 3 = λ (s, ma , mb )
dp 2πmb dtdν

43
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Estas variáveis são comumente usadas no tratamento do espalhamento inelástico


profundo lepton-nucleon. Supondo a massa dos leptons desprezı́veis, i.e. ma =
m = 0. Neste caso ν é a perda de energia do lepton no LAB.
A região fı́sica:

G(s, t, sx , 0, m2b , 0) = t[s(s + t − sx ) − m2b (s − sx )] ≤ 0 e sx ≥ smin


x = m2b

onde sx = t + m2b + 2mb ν. Desta forma as curvas que delimitam a fronteira da


região fı́sica são:

−t = 0
−t = 4Ealab (Ealab − ν)
−t = 2mb ν (VI.10)

onde Ealab = (s − m2b )/(2mb ) é a energia da partı́cula incidente no LAB. Em geral


chamamos −t = Q2 . Da definição de t, temos:

t = m2a + m2 − 2Ealab E lab + 2plab


a p
lab
cos θlab ' −2Ealab E lab (1 − cos θlab )

Portanto:

Q2 = 2Ealab E lab (1 − cos θlab ) = 4Ealab (Ealab − ν) sin2 (θlab /2)

onde θ é o ângulo de espalhamento do lepton no LAB. As curvas correspondentes


a sx =constante no plano Q2 ν são dadas pelas retas:

Q2 = 2mb ν − sx + m2b

Usualmente define-se também a fração do momento do alvo (nucleon) car-


regada pelo parton espalhado (x) e a fração da perda de energia do lepton no LAB
(y) por:

Q2
x =
2mb ν
ν
y = (VI.11)
E lab
Como
Q2
s = (pa + pb )2 = + m2b
xy

44
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

temos:
d2 σ d2 σ 2πmb ν d2 σ
= ν(s − m2b ) =
dxdy dνdQ2 E lab dΩlab dE lab
d2 σ
= x(s − m2b ) (VI.12)
dxdQ2

VI.1.4. Variáveis (p⊥ , y)


Em termos de p⊥ e y temos:

d3 p d2 p⊥ dpz
= = d2 p⊥ dy = 2πp⊥ dp⊥ dy
E E
e, portanto,
d3 σ d3 σ 1 d2 σ 1 d2 σ
E = = =
d3 p d2 p⊥ dy 2πp⊥ dp⊥ dy π dp2⊥ dy
Sob o efeito de um “boost” na direção z para um sistema de referência com
velocidade βs , usando Eq.(I.9)
 
1  E 0 + p0k 
y0 = ln
2 E 0 − p0k
à !
1 1 + βs
= y − ln = y − ln(γs + γs βs )
2 1 − βs
= y − tanh−1 βs = y − cosh−1 γs (VI.13)

E XERC ÍCIO 6.1 Faça todas as passagens envolvidas na obtenção


da Eq.(VI.13)

Desta forma obtemos as transformações de Lorentz da rapidez entre o CM


e o LAB:
à !
Ealab + mb + plab
a
y lab = y ∗ + ln √
s
à !
2 2
∗ −1 s − ma + mb
= y + cosh √
2mb s
Ã√ !
∗ s
' y + ln (VI.14)
mb

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Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

O intervalo de variação de y é:


Ã√ ! Ã√ !
s ∗ s
− ln ≤ y ≤ + ln
m m
µ ¶ µ ¶
m s
ln ≤ y lab ≤ ln (VI.15)
mb mmb
Note que, como seria de se esperar, ∆y ∗ = ∆y lab = ln(s/m2 )

E XERC ÍCIO 6.2 Calcule os intervalos de variação da rapidez no



CM e LAB para a reação p + p̄ → π + X para s = 2TeV. Discuta o
resultado.
Podemos expandir a definição de rapidez Eq.(VI.3) para altas energias, ob-
tendo:
à !
1 cos2 (θ/2) + m2 /4p2 + · · ·
y = ln
2 sin2 (θ/2) + m2 /4p2 + · · ·
' − ln [tan(θ/2)] ≡ η (VI.16)

onde θ é o ângulo que o momento de uma partı́cula faz como o eixo z.


A grandeza η é chamada de pseudo-rapidez e é uma boa aproximação para a
rapidez quando p À m e θ À 1/γ. Note que a definição de η depende apenas de
θ, assim, a pseudo-rapidez é útil como uma aproximação para a rapidez quando o
momento ou a massa de uma partı́cula são desconhecidos.
Da Eq.(VI.16) podemos obter as relações :

sinh η = cot θ , cosh η = 1/ sin θ , tanh η = cos θ

Outra variável cinemática útil é a chamada variável de Feynman:


pz
xF = (VI.17)
pz max
ou, no CM,
2p∗ 2m⊥ sinh y ∗
xF ≈ √ z ≈ √
s s

Para y ∗ tal que e−2y ¿ 1,
m⊥ ∗
xF ≈ √ e y
s
e, "√ #
∗ s
ymax = ln
m

46
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

VI.2. Reações Hadrônicas


As colisão entre dois hádrons (e.g. próton-próton, próton-antipróton, etc) é
descrita através do chamado Mecanismo de Drell-Yan. Os hádron são considera-
dos objetos compostos de partons (quarks, antiquarks e gluons) que carregam um
certa fração x de seu momento longitudinal (o momento transversal é desprezı́vel).
A seção de choque do processo A + B → 1 + 2 + X é dada por:
X 1 Z
σAB (s) = dxa dxb [Fa/A (xa )Fb/B (xb ) + (a ↔ b)]σ̂ab (ŝ) (VI.18)
a,b 1 + δab

onde Fi/H (x) é a função de distribuição do parton i no hádron H. Ela é obtida


experimentalmente através da análise de dados de espalhamentos inelásticos pro-
fundos lépton-hádron. A quantidade σ̂ab (ŝ) é a seção de choque total do processo
elementar a + b → 1 + 2 calculada no quadrado da energia total do sub-processo
ŝ. Uma vez que pi = xi pH , temos

ŝ = (pa + pb )2 = (xa pA + xb pB )2 ' 2xa xb pA pB = xa xb s

onde desprezamos as massas dos hádrons. Podemos definir τ por:



τ = xa xb =
s
√ √
onde ŝ é a massa invariante do sistema ab e s é a massa invariante do sistema
AB. Mudando a variável para xa e τ , Eq.(VI.18) fica:
X 1 Z1 Z 1
dxa
σAB (s) = dτ [Fa/A (xa )Fb/B (τ /xa ) + (a ↔ b)]σ̂ab (τ s)
a,b 1 + δab τmin τ xa
(VI.19)
onde τmin é dado pelo limite cinemático do processo elementar i.e. :
ŝmin (m1 + m2 )2
τmin = =
s s
Podemos também escrever:
σAB (s) X dLab
= σ̂ab (τ s) (VI.20)
dτ a,b dτ

onde,
dLab 1 Z 1 dxa
= [Fa/A (xa )Fb/B (τ /xa ) + (a ↔ b)]
dτ 1 + δab τ xa

47
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

é chamada de Luminosidade dos Partons. A seção de choque do processo A +


B → 1 + 2 + X pode também ser descrita em termos de diversas variáveis:
(1) a fração das massas invariantes τ e a rapidez y
(2) a fração das massas invariantes τ e a fração de momento longitudinal xk

VI.2.1. Variáveis (τ, y)


A rapidez do sistema ab no CM do sistema AB pode ser escrita como:
à !
1 Ea + Eb + (pa )k + (pb )k
y = ln
2 Ea + Eb − (pa )k − (pb )k
Como Ea = (pa )k e Eb = −(pb )k , temos:
µ ¶
1 xa
ln
2 xb
Desta forma a transformação das variáveis (xa , xb ) para (τ, y) será:
√ √
xa = τ exp(y) , xb = τ exp(−y)
Como o Jacobiano desta transformação é 1 temos:
σAB σAB
=
dxa dxb dτ dy
X 1
= [Fa/A (xa )Fb/B (xb ) + (a ↔ b)]σ̂ab (ŝ) (VI.21)
a,b 1 + δ ab

VI.2.2. Variáveis (τ, xk )


O momento longitudinal pk do sistema ab no CM de AB é dado por:

s
pk = (pa )k + (pb )k = (xa − xb )
2
Portanto a fração de momento longitudinal é
xk = xa − xb
e a relação entre (xa , xb ) e (τ, xk ) fica:
1h 2 i 1h 2 i
xa = (xk + 4τ )1/2 + xk , xb = (xk − 4τ )1/2 + xk
2 2
O Jacobiano desta transformação fornece:
σAB σAB
= (dx2k + 4τ )1/2
dxa dxb dτ dxk

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Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

VI.2.3. Reações Hadrônicas Inclusivas


Como vimos anteriormente, a seção de choque inclusiva para a produção de
uma partı́cula pode ser escrita em função da rapidez e do momento transversal à
direção do feixe com:
d3 σ d3 σ
E 3 = 2
dp d p⊥ dy
Podemos então escrever para a colisão de dois hádrons a seção de choque
inclusiva para a produção de uma partı́cula como:
d3 σAB X 1 Z
= [Fa/A (xa )Fb/B (xb ) + (a ↔ b)]
d2 p⊥ dy a,b 1 + δab
" #
dσ̂ab
ŝ dx1 dx2 δ(ŝ + t̂ + û) (VI.22)
dt̂ ab

VI.3. Reações de Dois Fótons em Colisões e+e−


Na aproximação de Weizäcker-Williams ou Aproximação do Fóton Equiv-
alente a reação e+ e− → e+ e− + X se relaciona com a seção de choque elementar
γγ → X por:
XZ
σe+ e− (s) = dxa dxb [Fγ/e (xa )Fγ/e (xb )]σ̂γγ (ŝ)
a,b

onde Fγ/e (x) é a função de distribuição de fótons no elétron ou pósitron que é


dada por: Ã !
α [1 + (1 − x)2 ] E2
Fγ/e (x) = . ln
2π x m2

onde m é a massa do elétron e E = ŝ/2, sua energia. Em termos da Luminosi-
dade:
Z 1
dLγγ dxa
= [Fγ/e (xa )Fγ/e (τ /xa )]
dτ τ xa
" Ã !#2
α ŝ
= ln
2π 4m2
1h i
× (2 + τ )2 ln(1/τ ) − 2(1 − τ )(3 + τ ) (VI.23)
τ

E XERC ÍCIO 6.3 Mostre a Eq.(VI.23)

49
Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Podemos então escrever,


σe+ e− (s) dLγγ
= σ̂γγ (τ s) (VI.24)
dτ dτ

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Cinemática Relativı́stica S. F. Novaes

Referências

[1] L.D. Landau e E.M. Lifshitz, “The Classical Theory of Fields”, (Pergamon
Press, 1975)

[2] E. Byckling e K. Kajantie, “Particle Kinematics”, (John Wiley & Sons,


1973)

[3] Kenneth Österberg, Relativistic Kinematics,

http://www.helsinki.fi/˜www_sefo/kinematics/

[4] J.D. Bjorken e S.D. Drell, “Relativistic Quantum Mechanics” (McGraw-


Hill, 1964)

[5] C. Amsler et al. (Particle Data Group), Physics Letters B667, 1 (2008).

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