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Copyright © 2022 Olívia Molinari

Capa e Diagramação: Designer Tenório / Olívia Molinari


Revisão: Barbara Pinheiro
Shutterstock, PNGTree

Molinari, Olívia – 1ª Edição – Publicação Independente, 2022.


Romance Contemporâneo

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança é mera coincidência

Todos os direitos reservados.


Proibida a cópia e reprodução, por quaisquer meios, sem a prévia
autorização por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Playlist
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Epílogo
Recadinho
Agradecimentos
Sobre a autora
Ouça as músicas que inspiraram essa história:

Spotify
Deezer
YouTube
Para Kelly,
Que está me ajudando a enxergar que
eu tenho asas e posso voar.
Não estou te pedindo que se apaixone
Vamos ser eternos só esta noite
Não estou te pedindo em namoro
Já que, sendo amigos, fazemos de tudo
Amigos Con Derechos – Reik ft. Maluma
Eu sou uma farsa.
E não estou dizendo isso porque uso unhas postiças ou
porque, simplesmente, uso sutiã de bojo para parecer que tenho
seios fartos. Ou porque, às vezes, uso lentes de contato azuis.
Não.
Sou uma farsa por sustentar diante das pessoas uma vida
que eu não sei levar. Uma vida que eu acho que nem quero
experimentar.
Principalmente, em momentos como este, como quando
estou diante de um cara bonito como... meu Deus, como é nome
dele mesmo? Acho que é Carlos Henrique ou Carlos Eduardo, não
me recordo direito.
A questão é que ele é dono de um sorriso sedutor e de
covinhas chamativas. Seus cabelos escuros fazem parte do charme
que combina com seus olhos verdes, um pacote arrebatador que
simplesmente não vai funcionar para mim.
Como de costume.
— Vem, gostosa. — Ele me puxa para si no ritmo da batida e
eu me esforço para não o afastar, contendo uma careta ao senti-lo
se esfregando em mim.
Não sei por que eu aceito esse tipo de coisa.
Onde está Gabriel?
Olho para os lados, procurando por Gabriel Albuquerque,
meu melhor amigo, que me trouxe a esta balada dos infernos, para
conseguirmos alguém para aliviar a nossa noite, mas é claro que
não o encontro.
Gabriel é o cara mais safado do estado de São Paulo e é
óbvio que a essa altura, ele já saiu daqui com alguma garota.
Quero contar uma coisa para vocês: Gabriel e eu somos
amigos de infância. Estudamos juntos e tivemos a oportunidade de
fazer faculdade juntos. E, por incrível que pareça, montamos uma
empresa juntos.
Só que, nem mesmo uma amizade tão forte como essa, foi
capaz de me impedir de mentir.
— Vamos sair daqui, gata. — O sujeito me puxa da pista de
dança e nós atravessamos o hall, esbarrando em várias pessoas
bêbadas.
Quero perguntar para onde vamos, mas o barulho é
ensurdecedor. Dou mais uma olhada em volta, na esperança de
encontrar Gabriel, mas não o encontro. É, já era. Agora está por
minha conta, como sempre.
Carlos Henrique ou Eduardo, não consigo me lembrar ainda,
entra em um espaço mais reservado e me encosta contra a parede.
Não tenho tempo para retrucar, nem perguntar o que diabos ele está
fazendo, porque sua boca vem direto para a minha. Ele me beija, ao
mesmo tempo que esfrega seu pau na minha barriga.
Fecho os olhos, pensando na probabilidade de conseguir
algo melhor esta noite. Não sei... Gabriel me disse que Carlos
alguma coisa era um cara legal. Acho que ele é irmão de uma das
meninas que Gabriel já ficou.
Neste caso, quero acreditar que ele seja legal. Não quero
acreditar que Gabriel ia me apresentar um cara que fosse um
completo babaca.
Abro a minha boca e tento corresponder ao beijo. Eu só
preciso relaxar...
Uma de suas mãos gruda na minha bunda, enquanto a outra
sobe para o meu peito.
É sério que ele vai tentar me comer aqui? Desse jeito?
Outra coisa que eu tenho que contar para vocês: sou virgem.
E é por isso que eu me sinto a maior fraude de todos os
tempos, porque ninguém, além de mim, sabe disso.
Sim.
Eu passei a vida toda mentindo para Gabriel que eu sou tão
“pegadora” quanto ele, quando, na verdade, sempre dou um jeito de
dispensar os caras na hora H.
Achei que com Carlos alguma coisa seria diferente. Lembro-
me de Gabriel ter dito que ele era um cara gentil, mas o que estou
vendo neste momento é que, mais uma vez, vou precisar usar dos
meus truques mais certeiros.
— Aiiii! — Empurro-o e levo as mãos à cabeça. — Minha
cabeça está doendo demais! Estou me sentindo mal!
Carlos alguma coisa me olha, atordoado.
— O quê? O que houve? — Ele se inclina em minha direção
e eu fecho os olhos com força.
— Eu vou vomitar. Estou me sentindo mal!
— Meu Deus, quer ajuda? Quer ir ao banheiro?
— Sim, banheiro. Preciso ir agora!
Carlos alguma coisa tenta me dar a mão, mas eu me afasto.
— Não precisa... vou sozinha. — Lanço um meio-sorriso. Ele
assente, ainda atordoado.
Por sorte, os banheiros ficam perto da saída. Carlos alguma
coisa já se virou para ir em direção ao bar, então aproveito para sair
da boate.
Argh...
Eu odeio ter que mentir dessa forma, mas não vou entregar
a minha virgindade a um cara como Carlos alguma coisa que trocou
apenas algumas palavras comigo e achou que já podia me comer
em pé dentro de uma boate.
Eu tenho meu orgulho.
E, no fundo, eu quero alguém especial.
Todo mundo quer... eu acho. Talvez não a minha irmã,
Isabella, que perdeu a virgindade aos 13 anos com um garoto
babaca do time de futsal da escola e que depois fingiu não a
conhecer. Eu teria ficado magoada, mas Isabella... nunca ligou para
isso, só queria perder a virgindade como se fosse uma grande pedra
em seu sapato.
O vento gelado bate contra o meu rosto assim que saio da
boate e eu me abraço para tentar me proteger. Apesar de ser
começo de agosto, ainda está frio. Que tempo louco o que temos
nesta cidade.
Maldição. Deixei meu casaco dentro da boate. Agora já era...
não vou arriscar voltar e dar de cara com Carlos alguma coisa e seu
pau sedento para se aliviar.
Se ao menos Gabriel estivesse aqui, ele teria percebido a
minha insatisfação e me ajudado a fugir. Bem, isso não quer dizer
que Gabriel se mete em meus relacionamentos. Até porque, eu
nunca tive um relacionamento de verdade. Sempre foram saídas
que nunca resultaram em nada. Mas eu continuo mentindo para
Gabriel, dizendo coisas como “Ah, a noite foi ótima”, “Uau, fizemos
sexo violento”, “Nossa, ele me deixou pendurada no teto”.
E ele sempre acredita.
Pobre ingênuo.
Pego meu celular e checo as horas. Quase duas da manhã.
Acho que Gabriel não vai se importar se eu for para o seu
apartamento. Geralmente, suas conquistas não são levadas para lá,
porque ele sempre diz que sua casa é o seu santuário e ele não
quer contaminar com pessoas que mal conhece.
É óbvio que isso não se aplica ao próprio corpo, mas enfim...
Abro o aplicativo da Uber e coloco o endereço do meu
amigo.
Agora só me resta esperar um pouco.

Eu amo o fato de o meu melhor amigo sempre deixar uma


chave reserva debaixo do tapete, para o caso de eu precisar entrar
em seu apartamento.
É claro que não invado sempre dessa forma, é raro, na
verdade. Já aconteceu, confesso. Mas foi em uma emergência, em
que ele era a única pessoa que podia me ajudar.
Mesmo assim, ele deixa a chave ali, como se pressentisse
que a qualquer momento vou precisar fazer isso.
Gabriel mora em um prédio luxuoso e eu gosto do cheiro de
lavanda que invade as minhas narinas toda vez que entro aqui. Seu
apartamento tem uma vista linda para a cidade, com vidraças que
vão do chão ao teto. Nem é preciso ligar a luz aqui, porque a própria
luz da cidade ilumina o local.
Bem, como eu havia previsto, ele não está aqui. Está tudo
escuro e o silêncio é a minha companhia do momento.
Deixo a minha bolsa em cima da poltrona e vou até a
cozinha, talvez um pouco de suco caia bem.
Gabriel é o tipo de cara organizado. Sua cozinha é
impecável, daquelas que aparecem nas revistas de decoração.
Bem, pudera, ele é um engenheiro e arquiteto formidável. Às vezes,
acho que ele é melhor que eu em vários assuntos.
Encho um copo de suco de laranja e coloco a jarra de volta
na geladeira. Algo peludo se enrosca na minha perna e eu poderia
me assustar, se não soubesse exatamente do que se trata.
— Bóris... quer me assustar, é?
O gato solta um miadinho carinhoso, como se pudesse me
responder.
— Você não tem jeito, garoto. — Abaixo-me e acaricio seu
pescoço com a ponta dos dedos.
Bóris se estica e ronrona.
Lembro-me de quando encontramos esse gato na rua.
Gabriel e eu estávamos voltando do trabalho e estava chovendo
muito. Passamos ao lado de uma lixeira e ouvimos um miadinho.
Gabriel correu na frente para averiguar do que se tratava e então
encontrou o pequeno bichinho tremendo de frio e morrendo de
fome. Não sei se os outros irmãozinhos foram adotados, porque ali
só estava ele. Pretinho, com os olhinhos verdes assustados.
— Vou levá-lo — Gabriel disse, acomodando o bichano
dentro de seu paletó.
E foi assim que Bóris, o gato preto, veio parar na casa de um
dos engenheiros mais requisitados de São Paulo.
— Bem, espero que o seu pai não fique bravo por eu ter
vindo para cá — digo, levantando-me. Bebo o suco em uma só
golada e deixo o copo sujo dentro da pia.
Gabriel odeia louça suja, mas desta vez ele vai ter que
deixar passar um copo.
Dou uma olhada na cozinha, depois me concentro na porta
da geladeira.
Há algumas fotos.
Gabriel com sua mãe, com sua irmã. Gabriel com alguns
amigos, da época da faculdade. Gabriel e eu em nossa viagem para
Bariloche, no ano passado... nenhuma outra mulher.
Ele nunca namorou sério. Seu caso mais longo durou
apenas três meses.
Não sei o que pensar sobre isso, mas sei que talvez ele
esteja na mesma situação que eu: esperando encontrar a pessoa
certa.
Volto para a sala e dou mais uma olhada ao redor. Eu
poderia ir para um dos quartos e dormir. Ele não se importaria. Mas
a verdade é que estou sem sono.
Saber que parte da minha vida é uma grande mentira está
me deixando frustrada.
Sento-me na poltrona preferida de Gabriel e respiro fundo.
Não sei o que fazer para mudar essa situação. Quero me
relacionar com alguém, pelo menos tentar. Mas parece que sou
muito seletiva com os homens que aparecem na minha frente. Não
consigo deixar de lado o sentimento de repulsa que a maioria deles
me causa.
Talvez eu seja lésbica.
Nunca tentei me relacionar com outra mulher, mas...
Ouço o barulho da chave girando na porta. Nossa, mas já?
A porta se abre e Gabriel entra. Ele está sem gravata, com
dois botões da camisa branca abertos e com o paletó... parece
exausto.
Não parece estar vindo de uma noitada boa.
Penso que ele irá acender a luz, mas não é isso o que faz.
Ele deixa as chaves em cima do aparador e tira os sapatos,
deixando-os na porta de entrada.
— A noite foi ruim?
Ele dá um pulo e esbarra no aparador, que só não vai ao
chão porque ele o segura a tempo.
— Porra, Ana Clara — ele xinga, acendendo a luz. — Quer
me matar de susto, é?
Abro um pequeno sorriso cansado.
— Desculpe. Achei que você ia passar a noite fora.
Ele respira fundo e passa as mãos pelos cabelos claros.
— Eu ia... — ele diz, vindo na direção do sofá. — Mas
desisti.
Gabriel se senta à minha frente, a alguns passos de
distância.
— Por quê? Não gostou dela?
— Ah... — Ele dá de ombros. — Não estava a fim.
Jogo a cabeça para trás em uma gargalhada.
— Você, Gabriel Roberto Albuquerque, não estava a fim? —
Ergo as sobrancelhas. — Conta outra.
Ele faz uma careta.
— Acha que sou uma espécie de maníaco? Eu também
tenho meus momentos de não querer transar com ninguém.
Ergo as mãos em minha defesa.
— Tudo bem, senhor pegador.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
O silêncio com Gabriel nunca é ruim, pelo contrário, é
confortável. Só falamos quando queremos e não há a cobrança de
sempre termos um assunto em pauta.
— E você? — Ele meneia a cabeça em minha direção. —
Por que está aqui? Não deveria estar em uma noite alucinante de
sexo suado com Carlos Henrique?
Ah, é Carlos Henrique, então.
— Eu deveria... — Giro a poltrona, fitando o mar de prédios
que preenche a paisagem da cidade. — Mas eu também não estava
a fim.
Meu amigo fica em silêncio e neste momento o peso da
minha mentira cai novamente em meus ombros.
Acho que eu já fui longe demais, tentando ser uma pessoa
que não sou.
Estou me sentindo sufocada.
E isso não é de agora, já faz algum tempo que venho
pensando nisso.
Acho que vou cometer a maior loucura da minha vida, mas
preciso colocar isso para fora antes que eu me sufoque com o peso
da mentira.
— Gabe? — chamo-o pelo apelido que coloquei logo que
nos conhecemos.
— Sim?
— Posso te contar uma coisa?
Ele não me encara, está fitando um ponto embaixo da minha
cadeira com o cenho franzido.
— Sim, claro.
Meu Deus, ele vai rir da minha cara eternamente.
— Promete que não vai rir do que vou te contar?
— Desde quando eu dou risada das coisas que você me
conta?
Bem, nisso ele tem razão.
Gabriel sempre leva a sério tudo o que lhe conto. Mas isso...
não sei qual será sua reação.
Respiro fundo, olho para cima e digo de uma só vez:
— Eu sou virgem.
Ana Clara é a minha melhor amiga desde que eu me
conheço por gente. E eu adoro isso, de verdade. Por mais que
algumas pessoas façam piadinhas — hoje em dia diminuiu bastante
—, sempre tivemos que lidar com o preconceito daqueles que dizem
não existir amizade verdadeira entre homem e mulher.
Nós somos a prova de que isso é possível.
Porque, além de amigos, somos sócios. E tudo sempre vai
tão bem entre nós, que dividimos praticamente todos os segredos
um com o outro. Ou, pelo menos, eu pensava que era assim.
Só que hoje é uma madrugada de sábado e, se não me
engano, não bebi muito além do que eu costumo beber quando saio
em busca de algum alívio carnal, o que não aconteceu esta noite,
porque a garota... acho que era Patrícia seu nome, era
simplesmente insuportável.
Mesmo assim, acho que não entendi o que Ana Clara
acabou de me dizer.
— Eu... — começo a dizer enquanto ela está me olhando
com os olhos castanhos apreensivos, esperando uma reação da
minha parte. — Você bebeu além da conta, foi isso?
Ela joga a cabeça para trás e bufa.
— Eu sabia que você não ia acreditar.
— Ana Clara, não sei que tipo de piada é essa, mas...
— Eu acabei de dizer que sou virgem, Gabriel! — Ela se
levanta, irritada, e começa a caminhar de um lado para o outro. —
Talvez fosse melhor você rir da minha cara. Seria menos
constrangedor.
— Você quer que eu dê risada do quê, Ana Clara? —
Levanto, começando a ficar irritado também. — Da sua tentativa de
fazer piada com a minha cara?
Ana Clara para de andar e se aproxima de mim, com aquele
olhar furioso que eu já vi algumas vezes em nossa longa jornada.
— Eu não estou brincando com a sua cara. — Ela enfia o
dedo indicador em meu peito. — Eu estou me abrindo com você.
Contando algo que eu nunca contei para ninguém e você
simplesmente não quer acreditar.
O rosto de Ana Clara oscila entre dor e mais algum outro
sentimento que não sei definir qual é. Ela se afasta, dando-me as
costas e se voltando para a parede de vidro. Ela cruza os braços.
— Eu sei que enganei você e a todos que me conhecem —
ela murmura. — Eu sei, vocês pensam que eu sou a pegadora, a
descolada. Eu criei essa fantasia, essa personagem... porque... —
ela respira fundo —... céus, eu nem sei por quê. Talvez porque eu
não queria que as pessoas soubessem que uma mulher de vinte e
sete anos ainda é virgem.
Estou tão atordoado com a intensidade de suas palavras que
eu simplesmente desabo no sofá.
Meu Deus, que porra é essa?
Tento encontrar motivos para Ana Clara estar pregando uma
peça em mim, mas não consigo encontrar. Ela nunca foi de fazer
essas coisas, ela sempre disse que o que fazemos com os outros
volta para nós. E sempre achei louvável de sua parte. Então, tirando
isso, não consigo entender por que ela está me dizendo isso agora,
depois de eu já tê-la visto saindo das boates com alguém nos
últimos dez anos.
— Ana Clara — digo, tentando manter a calma —, você me
disse que perdeu a sua virgindade quando tinha quinze anos com
aquele idiota da escola que eu nem lembro o nome.
— Chico.
— Esse mesmo. — Puxo as memórias uma a uma. — Você
disse que ele foi gentil e...
— Eu menti, Gabriel. — Ela se vira para mim. Seus olhos
estão tomados por lágrimas. — O Chico tentou mesmo tirar a minha
virgindade, mas ele foi tão grosseiro que eu apenas lhe dei um
chute no meio das pernas e saí correndo.
Olho atônito para ela.
— E por que diabos você me escondeu isso? Por tantos
anos?
Ela se senta na poltrona onde estava antes e respira fundo.
— Sabia que se eu contasse, você iria atrás dele. E eu não
queria nenhuma confusão, porque você estava vivendo bem a sua
vida. Não deveria se preocupar com os meus problemas. — Ela
suspira. — Então, cheguei a um acordo com Chico, que ninguém ia
dizer nada. As pessoas podiam pensar que ele tinha, de fato, ficado
comigo e eu iria deixar isso. Era melhor do que saberem que quase
matei todos seus espermatozoides naquele dia e que eu ainda era
virgem.
Minha cabeça está girando e a única coisa que eu penso
neste momento é que preciso de uma bebida bem forte. Então me
levanto e vou até a adega que tenho dentro de um armário.
— Mas e os outros? — pergunto, tentando assimilar o que
Ana Clara está me dizendo.
Ainda tenho esperança de que isso seja tudo uma grande
brincadeira de mau gosto.
Ela se levanta e vem até onde estou enchendo um copo com
a bebida mais forte que tenho.
— Eu também menti sobre eles.
— Isso é impossível, Ana Clara. — Balanço a cabeça
negativamente. — Eu já vi você saindo com outros caras. Eu já vi
você os beijando nas baladas que a gente frequenta! — Agora eu
estou praticamente gritando. — Você vai me dizer que foi mentira o
que eu vi?
Pois é, estou muito irritado.
Ela balança a cabeça negativamente.
— Foram apenas beijos e amassos. Nada mais.
E neste momento me dou conta de que Ana Clara, minha
melhor amiga, jamais brincaria com esse assunto. Se ela está me
dizendo isso, é porque realmente é verdade.
Entorno a bebida em minha garganta e ela desce rasgando.
Exatamente o que eu preciso para me acalmar.
— Tá bom, Gabriel — Ela fecha os olhos com força.
Algumas lágrimas caem pelo seu rosto. — Eu menti para você esse
tempo todo, fingindo ser alguém que não sou. Não queria que você
olhasse para mim e visse a pessoa patética que sou, que não
conseguiu nem perder a virgindade até hoje.
— Você não é patética. — Deixo a bebida de lado e me
aproximo dela. Puxo-a para meus braços. Ana Clara se desfaz.
Se tem uma coisa que odeio na vida é ver Ana Clara
chorando.
— Eu não aguentava mais esconder isso, Gabriel — ela diz,
chorando contra o meu peito. — E agora, estou me sentindo
aliviada. Você está com raiva de mim?
Faço círculos em suas costas com a ponta dos dedos.
Raiva? Não, claro que não.
— Não estou com raiva. — Afasto-a do meu peito e seguro
seu rosto entre as mãos. — Estou apenas surpreso. E assustado,
confesso.
— Assustado?
— Sim... — Dou um passo para trás e me sento na banqueta
do balcão. — Porque não sei como você conseguiu manter essa
fachada por tantos anos.
Ana Clara passa os dedos pelo rosto, secando as lágrimas.
— Tem certeza de que você é virgem? — pergunto.
Ela bufa.
— Eu não mentiria pra você.
— Mas você acabou de me dizer que mentiu todos esses
anos — retruco. Ela se encolhe. — Hey, desculpe... não quero que
se sinta mal. Desculpe o meu surto também, eu... sei lá. Sou
patético.
Puxo-a de volta para os meus braços e ficamos em silêncio
por bastante tempo.
Que loucura é essa que está acontecendo? Meu Deus.
Um pensamento me ocorre e eu a afasto, para olhar em seu
rosto.
— Então hoje... você saiu com Carlos Henrique para... —
Céus, não consigo nem terminar de dizer isso, porque de repente
parece tão... errado.
Ana Clara assente.
Algo dentro de mim rejeita essa possibilidade com todas as
forças.
— Eu não gostei dele. — Ela dá de ombros. — Muito
egocêntrico e tentou me pegar na boate mesmo.
Meus olhos se arregalam.
— O quê?
Ana Clara suspira.
— Tá vendo porque não te conto esse tipo de coisa? — Ela
toca meu ombro. — Você é superprotetor. Acho que agora vai ser
ainda mais.
— Eu não sou superprotetor — reclamo. — Só que se eu
soubesse que você é... — Meu Deus, essa palavra não sai. — Eu
jamais a teria apoiado a sair com Carlos Henrique. Eu só apoiei
porque achei que você queria apenas diversão.
— Você disse que ele era gentil.
— Eu disse, mas... — Respiro fundo. — Já vi você saindo
com caras piores que ele.
Ana Clara dá alguns passos para trás, afastando-se, então
se abaixa e pega sua bolsa na poltrona.
— Eu vou embora. Já está muito tarde.
— Espera, Ana — me coloco na sua frente —, você não veio
aqui para dormir?
Ela me encara por alguns instantes.
Espero que chamá-la pelo primeiro nome, como só eu faço
desde que nos conhecemos, ajude a tornar a situação menos
assustadora.
— Eu vim, mas acho que essa nossa conversa foi por um
rumo que eu não esperava. É melhor eu ir embora e esperar você
digerir tudo como um adulto normal faria.
— Você esperava que eu reagisse como, Ana Clara? —
Cruzo os braços. — Você vem aqui no meu apartamento, de
madrugada, e me diz que é virgem, sendo que todos esses anos
achei que você era a rainha do sexo e gostava de viver como eu
sempre vivi.
— Eu queria ser como você — ela diz, me olhando no fundo
dos olhos. — Eu tentei, juro. Mas nunca consegui. E acho que nem
vou conseguir... preciso aceitar o fato de que nunca vou encontrar
um cara legal que eu me sinta confortável para isso. Até porque,
todos os homens que se aproximaram de mim até hoje, sempre
foram babacas. Acho que tenho a sina de chamar esse tipo de
homem.
Passo as mãos pelos cabelos e respiro fundo.
Caramba.
Não sei nem o que dizer.
Ana Clara é a melhor pessoa que eu conheço e não me
conformo em saber que nenhum cara legal nunca se aproximou
dela.
É o tipo de coisa que a gente fica sem saber o que dizer,
porque minha amiga é linda. Ela tem cabelos castanhos longos e
lisos, maçãs do rosto acentuadas, lábios carnudos, e nem só
falando de sua beleza, seu interior também é a coisa mais bonita
que eu já vi na vida.
— Sinto muito, Ana — digo baixinho. — Me perdoe por ter
feito todo esse show e ter duvidado de você.
Ela abre um sorriso triste.
— Não o julgo. Acho que se você viesse me contar uma
coisa assim, eu também não acreditaria.
— Ainda bem que da minha parte, você não tem dúvidas. —
Tento brincar, ela dá uma pequena risada. O silêncio se instala
novamente e eu digo: — Ana, fique. Está muito tarde e eu não quero
você perambulando pelas ruas de São Paulo a essas horas. Sem
falar que não estou a fim de sair para acompanhá-la.
Ela ergue as sobrancelhas.
— Está dizendo isso só porque acabou de descobrir que sou
uma menina pura?
— Talvez... — Cruzo os braços. — Acho que agora entendi
por que você sempre atrai tantos homens. Claro, não os certos.
— Por quê? Vocês têm alguma espécie de faro para virgens,
é?
Dou risada.
— Não sei... pode ser que sim.
Ana Clara me encara por alguns instantes e toda a tensão
inicial da nossa conversa é deixada de lado.
— Minha mãe planejou um almoço de família hoje. E sabe
que ela gosta quando você vai.
Ana Clara suspira.
— Dona Lucinda adora a salada de maionese que eu faço —
ela diz, dando alguns passos para trás. Então ela tira a bolsa do
ombro e a coloca de volta no sofá. — Tá bom, Gabriel. Vou dormir
aqui. Mas antes de irmos na casa da sua mãe, preciso passar na
minha casa, para trocar de roupa, ok?
— Claro, sem problemas.
Ana Clara sorri e, então, como se fosse a dona da casa, tira
os sapatos de salto e os deixa no meio da sala.
Céus, eu odeio bagunça e Ana Clara sabe disso.
Só que devido às circunstâncias ou porque simplesmente
estou exausto e perplexo, não digo nada.
— Boa noite, Gabe.
— Boa noite, Ana.
Ela me lança uma piscadela e se vai pelo corredor para o
quarto que sabe que sempre está desocupado e pronto para quando
precisar.
Encho novamente o meu copo com a bebida e me sento na
poltrona.
Uau.
Que dia foi esse?
Ainda não sei bem como processar essa informação de que
a minha melhor amiga nunca teve uma experiência sexual, mas sei
que, de alguma forma, preciso protegê-la.
A era dos babacas se aproximando de Ana Clara,
definitivamente, chegou ao fim.
Acho que a melhor coisa de dormir na casa de Gabriel é o
colchão macio que ele fez questão de colocar até mesmo no quarto
de hóspedes. Talvez ele já tenha feito isso com a leve consciência
de que, vez ou outra, eu estaria por aqui.
Já passam das oito da manhã e minha barriga começou a
roncar. É melhor levantar e tentar esquecer a merda que eu falei
para Gabriel na madrugada.
Com um pouco de sorte, ele nem vai se lembrar ou, no
mínimo, vai achar que eu estava bêbada.
Levanto e vou até o banheiro, onde há um pequeno kit de
cuidados pessoais. Penteio os cabelos, escovo os dentes, lavo o
rosto e seco na toalhinha macia.
Peguei uma camiseta emprestada de Gabriel e a vesti, pois
seria muito desconfortável dormir com o vestido da balada. Espero
que ele não se importe.
Com a minha aparência em ordem, saio do quarto, tentando
não fazer barulho. Gabriel gosta de dormir, isso é fato. E, aos
sábados, ele dorme até meio-dia. É o seu dia de folga, então ele o
faz sem culpa. Não o julgo, porque eu também gostaria de dormir
bastante, se conseguisse.
Exatamente por esse motivo, a diarista não aparece aos
sábados, o que significa que tenho a cozinha hipermoderna de
Gabriel para usar o quanto eu quiser.
Bóris vem aos meus pés assim que entro na sala. Ele estava
deitado em cima do paletó de Gabriel, que deve ter esquecido ali
antes de ir para o seu quarto.
— Seu pai vai ficar bravo, você deve ter enchido o paletó de
pelos, mocinho.
O gato ronrona e se esfrega nas minhas pernas.
— O que você quer? Não sei falar a sua língua.
Ele mia e eu deduzo que quer comida. O problema é que
não sei onde Gabriel deixa a comida do pobre animal.
— Vamos olhar a sua vasilha.
A vasilha de Bóris está cheia, faltando apenas alguns
carocinhos no meio, mesmo assim, ele mia como se estivesse sem
comer desde o começo da semana.
— Sinto muito, seu pai deixa comida suficiente, é você quem
não come.
Ele mia em resposta e eu vou para a parte de trás da ilha.
Abro os armários, sem saber exatamente o que quero encontrar.
Não quero um café da manhã com muita coisa, apenas o básico...
Respiro fundo.
Abro a geladeira, pego ovos, presunto, queijo, leite e coloco
tudo em cima da ilha. Pego também a frigideira e inicio o processo
de preparação do meu café da manhã “simples”.
— Espero que também esteja preparando algo para mim. —
A voz de Gabriel me assusta assim que despejo os ovos batidos na
frigideira. Dou um pulo para trás.
— GABRIEL!
Usando uma camiseta branca velha e calça de moletom
cinza, ele dá uma risadinha e vem na direção da cozinha. Uma boa
visão em um sábado de manhã. Mas esse é o tipo de pensamento
que eu sempre afogo, porque, apesar de ser um homem bonito,
Gabriel não é para o meu bico.
— O que está fazendo acordado a essas horas? —
pergunto, um pouco frustrada. Ele está abrindo a geladeira e
pegando uma garrafa de água.
— Sei lá, perdi o sono. — Ele enche um copo e entorna tudo
de uma só vez. — E você, por que acordou tão cedo?
— Eu sempre acordo cedo. — Mexo os ovos com uma
espátula.
Ele fecha a garrafa e a devolve à geladeira. Depois, se
encosta na ilha, apoiando os antebraços e começa a me encarar do
jeito que só ele sabe fazer, com os olhos semicerrados, como se
pudesse analisar a minha alma.
— O que foi? — pergunto, desligando o fogo.
— Achei que você não tinha dormido direito, por causa da...
— Ele ergue uma sobrancelha. — Você sabe...
Viro de costas e vou até o armário pegar um prato. Droga,
não quero que ele mencione o que eu disse.
— Acho que fiz ovos demais, posso dividir com você — o
corto. — Você quer?
Ele fica em silêncio por alguns instantes, mas depois
assente.
— Vou preparar torradas para nós.
Gabriel se ocupa com as torradas e eu fico agradecida pelo
assunto ter morrido ali mesmo. Já foi humilhação suficiente admitir
que sou virgem e, pensando bem, nem sei por que fiz isso.
Arrumo a mesa colocando os copos, talheres e pratos em
cima. Gabriel vem com as torradas e a jarra de leite quente.
Nós nos sentamos como sempre fazemos quando durmo em
sua casa. Ele na ponta e eu, ao seu lado. Sempre foi assim e
confesso que me sinto à vontade, porque... é Gabriel, meu melhor
amigo. Aquele cara que me conhece como ninguém.
— E então, os planos de hoje envolvem o almoço na casa da
sua mãe? — pergunto, colocando um guardanapo no colo.
— Sim... — Ele bufa. — Meu primo acabou de voltar dos
Estados Unidos e você já deve imaginar como estão todos
alvoroçados por causa disso, não sabe?
Gabriel não vem de uma família rica e eles são muito
impressionáveis. Quando algum primo que mora no exterior vem
para o Brasil, ficam alvoroçados, mesmo que isso não seja grande
coisa. Gabriel também venceu na vida e não vejo as pessoas tão
entusiasmadas, tanto quanto com um primo que veio dos Estados
Unidos.
Blah.
— Qual primo?
— Robert — ele diz, dando uma golada no leite com Nescau.
— Você se lembra dele, não lembra?
Forço a minha memória, porém, ela é péssima para várias
coisas, incluindo, me lembrar de alguém que faz anos que não vejo.
— Ele foi para os Estados Unidos há muito tempo — Gabriel
diz. — Acho que você não se lembra.
Não mesmo.
— Hum... tem certeza de que quer que eu vá ao almoço? —
pergunto, porque, de repente, me vem a sensação de que não
preciso estar lá.
— Claro, por que não? — Gabriel me fita com seus olhos
extremamente azuis. — Já disse que minha mãe a quer lá. E Alicia
também, para ser sincero.
Alicia é irmã de Gabriel, também é minha amiga.
— Ok, eu vou, então.
— Você já disse isso durante a madrugada quando estava
me falando sobre...
— Pode me passar a geleia? — o corto, na tentativa de
encerrar o assunto.
Gabriel pega o pote de geleia, me entrega, mas abre um
sorrisinho.
— Não adianta fugir, Pocahontas... uma hora vamos ter que
falar sobre o segredinho que você compartilhou comigo, noite
passada.
— Eu nem lembro o que eu disse. — Empurro meus cabelos
para trás e me concentro em passar geleia na torrada.
— Quer que eu a lembre, dizendo em voz alta?
— Não, Gabriel, pare! — Olho suplicante para ele. — Poxa,
já estou me sentindo humilhada demais. Não precisa me torturar.
Ele dá uma risadinha e se recosta na cadeira.
— Humilhada por quê? Eu nem ri de você.
— É, mas... — Mordo o lábio. — Melhor deixarmos as coisas
do jeito que estão, ok?
Gabriel balança a cabeça negativamente.
— De jeito nenhum. Se acha que vou deixar você sair com
qualquer idiota, agora que eu sei que você nunca teve uma
experiência sexual, está muito enganada.
Olho diretamente nos olhos de Gabriel. O que diabos ele
quer dizer com isso?
— O quê? Vai virar minha babá agora?
— Chame do que quiser, mas você só vai sair com alguém
que eu ache que é digno de fazer isso. — Ele faz uma careta. —
Meu Deus, nunca achei que aos trinta anos, eu teria que cuidar da
virgindade da minha melhor amiga.
Dou um tapa com força em seu braço.
— Idiota.
— Ai, Ana Clara!
— Vá se ferrar, você vai sozinho na casa da sua mãe.
Gabriel dá uma risadinha porque sabe que sou incapaz de
cumprir com isso.
Faço uma careta e me concentro no meu café da manhã.
Ah, pronto.
Ele agora quer ser a minha babá.
Fiscal do sexo.
Eu, hein?!

Como eu disse antes, a família de Gabriel nunca foi rica,


entretanto, assim que ele enriqueceu, comprou um sítio para seus
pais que fica a uns 40 minutos da capital e é para lá que nós
estamos indo.
Claro que antes, Gabriel passou no meu apartamento e
esperou que eu tomasse um banho e me trocasse. Optei por um
vestido longo e com algumas listras verticais, que me deixa com a
silhueta marcada.
Gabriel nunca foi de me elogiar, só em algumas ocasiões,
mas quando cheguei à sala, ele me olhou da cabeça aos pés e
disse que eu estava muito bonita.
Já no carro, conversamos sobre amenidades e, em algum
momento, tive que assumir o controle do celular de Gabriel que não
parava de tocar. Um número desconhecido.
— Deve ser uma das garotas que você sai — digo, olhando
para a tela. — E ela é insistente. Já é a quinta chamada.
Gabriel bufa.
— Eu não passo o meu telefone. Não sei como elas
descobrem.
— Quer que eu atenda?
Ele dá de ombros, a atenção ainda na estrada.
Decido pregar uma peça em quem quer que esteja ligando.
— Alô?
— Alô? Esse é o telefone do Gabriel? — É uma voz fina e
um pouco arrogante.
Olho para Gabriel, mas ele ainda está concentrado no
volante.
— Quem quer falar com ele? — pergunto.
A pessoa bufa do outro lado.
— Olha, só passe o telefone, ok? — ela diz, impaciente. —
Eu preciso falar com ele.
Meu sangue ferve com a petulância dessa garota irritante e
eu assumo um tom que eu sei que Gabriel vai surtar, mas levo
adiante, mesmo assim:
— Olha, sinto muito, mas meu namorado está, digamos...
ocupado. Quer deixar recado?
Silêncio.
— Você disse namorado? — a pessoa pergunta, desta vez
com cautela.
— Sim, por quê?
— Mas... mas...
— Olha, não sei o que você quer com Gabriel, mas ele está
bem ocupado agora, divertindo-se entre as minhas pernas.
Gabriel arregala os olhos ao meu lado.
Quase não consigo segurar a vontade de rir.
A pessoa começa a tossir, pede desculpas e desliga.
Desta vez, eu começo a rir.
— Que porra é essa, Ana Clara? — Gabriel pergunta, tirando
o celular da minha mão.
— Acho que essa garota não vai te ligar tão cedo —
continuo, rindo. — Céus, Gabe. Você precisa ver a sua cara agora.
— Eu... eu... — Ele suspira. — Não brinque com essas
coisas.
Não é a primeira vez que Gabriel e eu brincamos para outras
pessoas que somos namorados, ainda mais quando é para
dispensar alguma garota que está enchendo o saco, só que desta
vez, sei lá, parece que ele está realmente assustado.
— Qual é, Gabriel? — Toco seu braço. — Não vou te pedir
para tirar a minha virgindade. Fique calmo.
Ele passa uma das mãos pelos cabelos e respira fundo.
— Estamos chegando — avisa, mudando de assunto.
Sossego no meu lugar e logo estamos subindo uma
pequena colina que leva até o sítio dos pais de Gabriel.
Já tem alguns carros parados no estacionamento e eu
respiro fundo.
— Achei que seria um almoço de família...
— E, é. — Estaciona o carro em uma vaga. — Toda a
família, pelo visto.
Seguro uma revirada de olhos.
Gabriel sai do carro, dá a volta e me ajuda a descer.
Ouço o grito de dona Lucinda assim que ajeito o meu
vestido.
— ANA CLARAAAAAAAAAAAAAAAA!
A mãe do meu amigo sai da casa e vem em nossa direção,
aparentemente mais feliz em me ver do que ao próprio filho. Mas
tudo bem, Gabriel já está acostumado a isso e nem liga mais.
Nós nos abraçamos e ela diz várias vezes o quanto está feliz
em me ver.
— Olá, mamãe — Gabriel a cumprimenta.
Ela o puxa para si e o beija nas bochechas.
— Você é tão lindo, meu filho. Venham, venham. Seu
priminho já chegou e está doido para vê-lo.
Acompanhamos dona Lucinda para dentro da casa e assim
que chegamos à sala, nos deparamos com três tios e tias; João, pai
de Gabriel e no canto há um rapaz alto, de pele marrom-clara, com
cabelos escuros espetados.
Seus olhos vêm diretamente em minha direção e eu sorrio,
um pouco tímida.
Cumprimento os outros, ouço vários “nossa, como você está
linda, menina”, mesmo eu não me lembrando da maioria deles e
quando chega a vez do rapaz, simplesmente esqueço de respirar.
Ele é absurdamente lindo.
— Então, você é a famosa Ana Clara? — pergunta,
depositando um beijo singelo em minha mão.
— Famosa? — Ergo uma sobrancelha.
Ele ri.
— Sim... acho que não se lembra de mim — diz, dando uma
piscada. — Mas eu me lembro de você.
— Hum, então você é o famoso Robert.
— Sim, Robert, às suas ordens.
Ele faz uma reverência e eu dou risada, mas quando olho
para o lado e vejo o rosto de Gabriel, percebo que algo está errado.
Robert mudou pouca coisa desde a última vez que nos
vimos, há uns 10 anos. Ok, ele parece mais trabalhado na academia
agora do que antes... e sei lá, seus olhos continuam com o mesmo
brilho malicioso de sempre.
E é quando ele coloca os olhos em Ana Clara, que eu
praticamente já sei o que está pensando.
— Robert, finalmente lembrou que tem família no Brasil? —
interrompo a interação de ambos, me colocando na frente de Ana
Clara.
Ele me olha surpreso por alguns instantes, então sorri e
estende a mão.
— Gabriel. Quanto tempo... — Ele aperta a minha mão. —
Estavam me falando que você se tornou um dos engenheiros mais
conceituados de São Paulo, é verdade?
Dou de ombros.
— É o que dizem.
Ana Clara está atrás de mim e é como se eu pudesse sentir
sua pequena frustração.
— Que ótimo — Robert diz, dando um passo para trás. — É
bom ver que minha família está vencendo na vida.
Meu tio Ricardo, pai de Robert, aparece segurando algumas
cervejas. Ele oferece uma para mim, que a pego, outra a Robert e à
Ana Clara.
— A verdade é que o sucesso é compartilhado entre Ana
Clara e eu — digo, abrindo a cerveja. — Somos sócios e se não
fosse por ela, acho que eu não teria ido muito longe.
— Aff, até parece — Ana Clara resmunga, atrapalhando-se
com sua cerveja.
Robert assente e depois entorna a bebida. Seu olhar ainda
está em Ana Clara e não estou gostando disso.
Viro-me para minha mãe e pergunto:
— Mãe, cadê a Alicia?
— Sua irmã está no quarto, lendo como sempre. — Mamãe
revira os olhos.
Está aí uma chance de tirar Ana Clara de perto do olhar
predatório de Robert.
— Ana, por que você não vai lá chamar a Alicia? — Viro-me
para ela.
Ela me olha como se dissesse “Está falando sério, cara?”
Ergo as sobrancelhas.
Ela bufa.
— A irmã é sua, seu idiota — ela diz, aproximando-se do
meu ouvido.
Abro um sorrisinho.
— Mas é sua amiga, também.
Ana Clara bufa, mas pede licença para os demais e segue
na direção das escadas. Logo, todos voltaram às suas conversas,
Robert me chama de canto e diz:
— Cara, estava mesmo ansioso para saber se você viria. —
Seu antebraço encosta em minha barriga e eu odeio isso. Por que
algumas pessoas não sabem falar sem tocar nas outras? — Não sei
se sua mãe falou, mas estou voltando para o Brasil, de vez.
— Sério? — Bebo um pouco da cerveja. — O que
aconteceu?
Ele bebe um pouco também e suspira.
— Ah, eu gosto de morar nos Estados Unidos, é verdade...
mas acho que já adquiri conhecimento suficiente para colocar meus
planos em ação por aqui. Sem falar que lá as coisas também não
estão nada fáceis.
— Entendo...
Ele suspira.
— Sei que não somos chegados, mas você sabe que sou
um ótimo engenheiro. Podemos, quem sabe, trabalhar juntos?
Não gosto da perspectiva de trabalhar com pessoas do
mesmo círculo social, exceto Ana Clara, lógico. As poucas
experiências que tive, fazendo algum trabalho ou ajudando alguém
próximo, sempre foram de lascar.
— Hum, quem sabe. No momento, eu...
— Podemos marcar uma reunião? — ele me interrompe. —
Eu tenho alguns projetos muito bons e acredito que podemos trazer
muitos métodos usados lá nos Estados Unidos para incrementar as
obras por aqui.
Respiro fundo.
Já sei que Robert não vai ser facilmente persuadido a me
deixar em paz.
Começo a pensar que minha querida mãe já sabia de tudo,
talvez por isso sua insistência para que eu viesse.
— É, vamos marcar uma reunião — digo, tentando encerrar
o assunto. — Vou pedir para a assistente de Ana Clara entrar em
contato com você.
— Ótimo.
Ele sorri e bebe o restante da cerveja.
Então, neste momento, Ana Clara desce as escadas atrás
de Alicia.
— Nossa, sua amiga está tão... gostosa — Robert comenta,
sem tirar os olhos dela. — Ela tem namorado?
— Não.
Ele sorri.
— Será que eu tenho chance?
Nem fodendo, quero responder, mas sou interrompido pela
minha irmã que se joga em meus braços.
— Gabrieeeeeeeeeeel — ela grita. — Eu te odeio. Faz dois
meses que você não vem me ver.
De repente, meu coração amolece porque é... simples
assim. Alicia é cinco anos mais nova que eu e a amo com todo o
meu coração. Porém a correria do dia a dia nos impede, muitas
vezes, de estarmos juntos.
— Eu falei para ele te visitar, Alicia. — Ana Clara se
aproxima de nós. — Mas você sabe como seu irmão é teimoso.
Troco olhares com Ana Clara e acho que ela percebeu que
tentei afastá-la de Robert. As mulheres sentem essas coisas, não?
— Então, Robert... se cansou dos Estados Unidos? — Ela se
vira para o meu primo e concentra todas as suas energias nele.
E é claro que Robert não perde tempo e, em questão de
segundos, passa um braço ao redor dos ombros de Ana Clara e a
leva para longe de nós.
— Que cara é essa, Gabriel? — Alicia pergunta, atraindo de
volta a minha atenção.
— O quê?
Ela olha para trás e depois para mim.
— Você está com ciúme da Ana Clara?
— O quê? Claro que não.
— E por que está com essa cara? — Ela cruza os braços e
um sorrisinho malicioso se apodera de seus lábios. — Você nunca
foi de ligar para com quem a Ana Clara conversa e tal...
Respiro fundo... essa coisa de novo.
Inferno.
— Não é isso, Alicia. — Como posso explicar o que está
acontecendo, sem revelar o grande segredo de Ana Clara? — É que
a Ana está passando por algumas coisas e... eu só não quero que
ela caia na lábia de qualquer um, entende?
Alicia assente, mas o sorrisinho malicioso ainda está lá.
— Então o primo Robert é qualquer um?
— Se ele ainda for o mesmo de dez anos atrás, é sim.
Alicia olha na direção deles e depois seus ombros relaxam.
— É, eu acho que você tem razão. Ele tem cara de ser o
mesmo babaca de antes.
— Você entende a minha preocupação, não entende? —
Ergo as sobrancelhas para minha irmã.
Ela empurra meu ombro de leve.
— Claro que entendo, eu estava brincando. Sei que você e a
Ana Clara são melhores amigos. — Ela olha de novo na direção
deles. — Só que se algo rolasse entre vocês, acho que seria legal.
— Não diga blasfêmias.
Ela ri.
— Não é blasfêmia. É que... enfim, vem comigo que eu
quero te contar algumas coisas sobre a faculdade à distância.
Alicia encaixa o braço no meu e me guia para o lado de fora
da casa, onde eu tento, com todas as minhas forças, me desligar do
que o safado do Robert pode estar dizendo para a minha amiga.

Ana Clara e Robert passaram o dia todo conversando.


Andaram para lá e para cá, trocaram risadas, conversas e
tudo o mais. Estavam tão ligados um ao outro que isso só acabou
quando eu levantei e disse que queria ir embora.
E agora, estamos no carro, voltando para a capital.
— Está tudo bem, Gabriel? — Ana Clara pergunta, me
olhando com incerteza.
— Sim, por que não estaria?
Ela dá de ombros.
— Achei que estivesse bravo comigo... sei lá.
— Eu? Bravo com você? Por quê?
Ela suspira.
— Não sei... parece que você não gostou de me ver
conversando com seu primo.
Fico em silêncio, não sei o que responder, na verdade. Por
um lado, Ana Clara está certa, mas por outro, não sei que diabos
me mordeu para estar me sentindo assim, tão superprotetor.
Talvez ela tenha razão em me chamar de superprotetor.
— Nada a ver.
— Hum... ele disse que você vai marcar uma reunião para
conhecer o trabalho dele, é verdade?
— É, sim. — Giro o volante, pegando o anel de acesso para
a capital. — Vou pedir para a Luciana marcar uma reunião com ele.
— Que legal. — Sorri. — Espero que dê certo. Ele me
parece ser bem... legal.
Ana Clara sempre foi do tipo de pessoa que acha as outras
legais, até ela, de fato, conhecê-las. Neste caso, prefiro poupá-la de
conhecer meu primo mais a fundo e se decepcionar.
— O que mais conversaram? — pergunto. — Vocês
passaram o dia todo grudados.
— Ah... ele me disse como era a vida nos Estados Unidos.
Mas que está feliz de ter voltado para o Brasil. Espera ter grandes
oportunidades por aqui.
Eu quase posso imaginar a grande oportunidade que ele
espera.
— Ele me chamou para tomar um café, qualquer dia
desses... — Ana Clara diz, devagar, como se estivesse testando a
minha opinião.
— Ah, é?
— Sim... você não se importa, não é?
— Por que eu me importaria? — retruco, mais azedo do que
de costume.
— Nossa, Gabriel... o que aconteceu? Está mal-humorado
desde que chegamos na casa dos seus pais e você não é assim,
principalmente, comigo!
Respiro fundo e esfrego meu rosto.
Ana Clara tem razão. Eu nem sei por que estou agindo
assim.
— Desculpe, Ana. — Tiro a mão do rosto e coloco sobre a
dela. — Eu só... sei lá, não gostei do jeito que Robert olhou para
você quando chegamos.
— Ué, por quê? Como assim, Gabriel?
Respiro fundo, mais uma vez.
— Ah, sei lá, Ana. Você não pode vir com uma bomba como
veio na noite passada e achar que vou simplesmente passar por
cima disso, como se não fosse nada — retruco, irritado. — Você é
minha amiga, quero o melhor para você.
Ana Clara está me encarando e eu queria muito poder ler
seus pensamentos. Seus olhos castanhos estão arregalados e sei
que ela está brava pela forma como suas mãos estão cerradas no
colo.
— Eu não te contei que sou virgem para você cuidar da
minha vida sexual — ela diz, calmamente. — Eu apenas desabafei
com você. Não espero que fique por aí tentando achar o cara certo
para mim.
— Não, claro que não.
— Então pare de fazer isso.
— Eu vou parar.
— Eu vou sair com seu primo, se ele quiser.
— Tá bom.
— E vou dar pra ele, se ele quiser.
— Chega, Ana Clara.
— Psiu — ela coloca o indicador nos lábios —, você só
precisa ser meu amigo e me ouvir. Nada mais.
— Amigos cuidam dos amigos, Ana Clara.
— Amigos ouvem os amigos, Gabriel.
Respiro fundo e aperto as mãos no volante, já com raiva
dessa conversa inútil e sem sentido.
— Eu não quero que meu primo idiota tenha o privilégio de
tirar sua virgindade — solto, mas logo depois me arrependo. — Ele
é um babaca, sempre foi, duvido que tenha mudado alguma coisa.
— Acho que quem tem que decidir isso sou eu, não acha?
— Tá bom, não vou falar mais nada. Que se foda, faça o que
quiser.
Ana Clara cruza os braços e fica emburrada ao meu lado e
eu nem sei por quê. Poxa, só estou tentando cuidar dela e ser o
melhor amigo que ela pode ter. Será que ela não consegue enxergar
isso?
— Quer ir ao boliche amanhã? — pergunto, depois de um
bom tempo em silêncio.
— E depois comer um Big Mac com fritas?
— Sim, o que você quiser.
Ana Clara sorri e toda a tensão de antes é deixada de lado.
— Tá bom, aceito. Mas só porque realmente amo um Big
Mac e não porque eu te desculpei por se meter na minha vida.
— Vou levar isso como uma reconciliação entre amigos.
Ana sorri e se aproxima, depositando um beijo em meu
rosto.
— Idiota.
— Chatona.
— Também te amo. Sua amizade é tudo para mim.
— A sua também, Ana. A sua também.
Alguns dias depois...

— Eu acho que o senhor Amaral vai gostar dessa


combinação de tons pastéis com o sofá branco — Luciana, minha
assistente diz. — Não que a minha opinião vale de alguma coisa,
mas...
— Sua opinião é sempre bem-vinda, Lucy. Você sabe disso.
Ela sorri.
Luciana está trabalhando comigo há dois anos, mais ou
menos. Ela foi indicação da minha ex-assistente que precisou sair,
após engravidar. Então ela disse que tinha uma prima que era tão
competente quanto ela e, bem, aqui está Luciana.
— Eu acho que você poderia colocar na cozinha móveis com
estilo escandinavo. — Ela pensa por alguns instantes. — Bem, eu
acho que vou calar a minha boca e...
— Com licença... — A porta se abre após uma batidinha e
Gabriel entra com um pequeno sorriso. — Estou interrompendo?
Luciana fica em pé imediatamente.
Não sei, mas acho que ela se sente atraída por ele, porque
sempre que Gabriel entra em algum ambiente onde estamos, seu
comportamento muda completamente.
Pode ser coisa da minha cabeça, já que ela nunca disse
nada, mas...
— Oi, Gabe — o cumprimento assim que ele vem em minha
direção, dando a volta na mesa e depositando um beijo em meu
rosto. — Tudo bem?
— Sim, tudo. — Ele olha para Luciana e assente. — Vocês
estão preparadas? A reunião vai começar em dez minutos.
Arregalo os olhos levemente porque eu tinha me esquecido
da reunião que Gabriel marcou com seu primo, Robert.
— Nossa, é verdade. — Fecho a pasta e a guardo em uma
das gavetas da minha mesa. — Eu tinha me esquecido.
— É, mas temos que ir.
— Claro, claro...
Gabriel olha para Luciana e diz:
— Luciana, poderia me dar um instante com a Ana?
Ela arregala levemente os olhos castanhos e assente
rapidamente.
— Sim, claro. Desculpe-me.
Luciana pega sua pasta e sai da sala como um trovão
irrompendo no horizonte.
— Ela sempre fica tão nervosa perto de você — comento,
arqueando uma sobrancelha. Gabriel está se sentando na cadeira
em frente à minha mesa. — Você já teve algo com ela?
— O quê? — Franze o cenho. — Lógico que não.
— Hum, mas você a acha bonita?
Ele me encara como se dissesse “é sério, isso?”
— Ué, só estou perguntando.
Gabriel bufa e passa as mãos pelos cabelos.
— Anda, diga o que você quer. — Acho melhor mudar o
rumo da conversa.
Ele pensa por alguns instantes e diz:
— Não quero fazer negócios com Robert.
Fito o rosto do meu amigo por longos instantes, tentando
entender por que disse isso. Mas não é preciso muito esforço,
porque ele continua:
— A pior coisa é fazer negócio com gente conhecida. Já me
ferrei muito com isso, família então? Eu prefiro nadar pelado no
Tietê.
Faço uma careta ao imaginar tamanha façanha. Não por
imaginar Gabriel nu, mas por imaginá-lo nadando no Tietê.
Enfim...
— É sério, Ana. — Ele se levanta e caminha até as janelas
da minha sala, atrás de mim. — Fico feliz que Robert decidiu voltar
para o Brasil, mas por que tenho a impressão de que ele quer se
apoiar no meu sucesso?
— Você acha que ele voltou só por saber que tem um primo
bem-sucedido na área que ele também trabalha?
— Talvez, por que não?
Respiro fundo e fico em silêncio por alguns instantes. Não
tiro a razão de Gabriel de estar com um pé atrás, mas acho que não
podemos julgar uma pessoa sem pelo menos conhecer sua
proposta.
— Ouça-o primeiro — digo. — Depois, você diz que vai
pensar e veja o que é melhor.
— Você sabe que se eu não ajudar Robert, minha mãe vai
surtar, não sabe? — Gabriel se vira para mim. — Isso tudo é uma
grande merda.
— Hey, calma. — Me levanto e puxo suas mãos,
entrelaçando-as com as minhas. — Não surta. Calma... você não é
obrigado a aturar seu primo só porque a sua família acha que é.
Gabriel fecha os olhos e respira fundo.
— Acho que você tem razão.
— É claro que eu tenho. — Sorrio. — Agora, vamos lá ver o
que ele tem a propor para nós. Não se esqueça que eu também
tenho parte nesta empresa, então todo tipo de negócio ou é
acordado entre nós ou é deixado de lado.
Gabriel abre os olhos azuis e me encara por alguns
instantes.
— É, isso é verdade.
— Então.
— O problema é que você ficou caidinha por ele. — Sua
expressão endurece e ele solta a minha mão, se afastando. —
Como vou poder confiar em seu julgamento?
Meu sangue ferve.
Isso me irrita profundamente.
— Gabriel, por que às vezes você é tão babaca?
Ele abre a porta da sala e me lança um sorrisinho.
— Às vezes, eu gosto de ser babaca.
Ergo o dedo do meio e ele me lança uma piscadela.
— Não se atrase. Vou começar em cinco minutos.

~
Robert está há uma hora falando sobre o desenvolvimento
da engenharia no Brasil e Gabriel já me lançou vários olhares
entediados. Tipo, eu também estou entediada, para ser sincera,
porque tudo o que ele está dizendo, nós já sabemos.
Luciana já me trouxe vários cafés e estou começando a ficar
com vontade de fazer xixi.
— Então, Robert — o interrompo. — Você disse que queria
nos mostrar alguns projetos inovadores... — Olho para Gabriel,
incerta se devo continuar. — Estamos bem curiosos.
— Ah, é claro. — Robert sorri e passa uma das mãos pelos
cabelos escuros. — Eu trouxe uma pasta com vários projetos que
realizei nos Estados Unidos, mas acho que vocês precisam analisar
com cuidado. E sei que já falei demais também.
Gabriel revira os olhos.
— Você quer deixar comigo, então? — pergunto, estendendo
a mão para pegar a pasta.
Robert sorri.
— Se Gabriel não ficar com ciúme...
Ele dá de ombros.
— Ana Clara é tão competente quanto eu. Pode analisar os
seus projetos antes de mim, sem problema algum.
Sorrio na direção de Gabriel e Robert levanta uma
sobrancelha, curioso.
É engraçado porque sempre fomos assim, para algumas
pessoas pode ser estranho, mas nunca tivemos problemas em um
passar na frente do outro.
— Se é assim. — Robert estende a pasta na minha direção.
— Fico lisonjeado que Ana Clara Aguilar será a primeira a analisar
os meus projetos. — Sua voz contém um tom malicioso que me
deixa um pouco sem graça.
Olho para Gabriel, mas ele está revirando os olhos, mais
uma vez.
Sei que ele não gosta da perspectiva de trabalhar com o
primo, mas precisamos dar uma chance ao rapaz e ver o que ele
realmente quer de nós.
— Vou olhar tudo com muito carinho.
Robert sorri.

Na saída da reunião, sou interceptada por Robert.


— Oi, Ana Clara. — Ele entra na minha frente.
— Oi, Robert — Sorrio de volta.
— Acha que falei muito na reunião? — pergunta, olhando
além de mim. Gabriel ainda ficou na sala conversando com outro
engenheiro que trabalha conosco.
Bem, sobre Robert falar muito, é óbvio que ele falou. Mas
não vou estragar a expectativa dele de que o primo tenha adorado
sua conversa sem sentido.
— Acho que você foi bem, depois vou conversar com
Gabriel. — Abro um meio-sorriso.
Robert dá um passo em minha direção e, por alguns
instantes, seguro a respiração. Seus olhos não desgrudam dos
meus.
— Sabe, você está me devendo um café. — Ele arrasta um
dedo sobre a minha mão.
Ah, céus.
— É... acho que sim.
— Está ocupada agora? Acho que tem uma cafeteria bem
legal aqui perto, vi na hora que estava vindo para cá.
Olho para trás, na esperança de Gabriel não estar
presenciando isso, porque não sei como pode reagir. Não quero que
ele misture as coisas e, mesmo eu tendo dito que ele não pode se
intrometer na minha vida pessoal, duvido que irá acatar isso.
— Na verdade, não. Estou livre agora...
Robert abre um sorriso de tirar o fôlego.
— Então aceita ir tomar um café comigo?
— Aceito, por que não?

Robert e eu adentramos a cafeteria e escolhemos um lugar


para nos sentarmos. Um café da tarde com um pedaço de bolo é
tudo o que preciso neste momento.
Fazemos nossos pedidos e quando a atendente vai embora,
Robert sorri para mim.
— Ana Clara... acho seu nome tão lindo, sabia?
Eu já ouvi esse tipo de cantada antes, mas...
— Eu adoro o meu nome. — Jogo meus cabelos para trás e
apoio os antebraços em cima da mesa. Posso ser uma virgem, mas
tenho experiência com esse tipo de cantada, porque não foram
poucas que já ouvi na vida.
— Sério... — Robert se aproxima um pouco. Seus olhos
passeiam pelo meu rosto. — Posso te fazer uma pergunta um pouco
indiscreta?
— Hummm, depende. O que você quer saber?
Ele se recosta na cadeira e diz:
— Gabriel e você já tiveram alguma coisa?
Sua pergunta me pega de surpresa e eu arregalo levemente
os olhos.
— Gabriel e eu? — repito a pergunta, com a voz um pouco
mais alta. — Não... de onde tirou isso?
Os ombros de Robert relaxam e ele suspira.
— Desculpe, é que... não sei, acho que ele é superprotetor
demais com você. É estranho.
Dou risada.
— Minha amizade com Gabriel sempre levantou esses
questionamentos — digo, olhando para a mesa. — Mas sempre
fomos assim. Amigos, sócios... quase irmãos, para ser sincera.
— Dizem que não existe amizade entre homem e mulher.
— As pessoas maldosas dizem isso — retruco, um pouco
irritada. Não vim aqui para ficar discutindo meu relacionamento com
Gabriel. — Enfim, você tem irmãos?
— Tenho uma irmã, mas ela está morando no Rio de Janeiro
— ele esclarece. — Acredito que semana que vem vou para lá
encontrá-la.
— Ah, que legal. — Sorrio. — Eu tenho uma irmã também,
ela é um ano mais nova que eu.
— E vocês se dão bem?
— Sim, muito bem. Só que nos vemos pouco, por causa da
correria do dia a dia — explico. — Além disso, minha irmã é...
diferente de mim.
— Diferente em que sentido?
Bem, na verdade, Isabella não é tão diferente assim para
quem não sabe que eu sou uma virgem que finge ser
superdescolada. Minha irmã não, ela é pegadora de verdade. Ela
gosta de destruir os corações dos homens por aí e depois dorme o
sono dos anjos.
— Ahn... acho que você não vai conseguir entender. — Dou
uma risadinha e, por sorte, nosso pedido chega. — Hummm, café e
bolo com esse friozinho é tudo o que eu preciso.
Robert sorri e eu me sinto mais à vontade.

A conversa com Robert fluiu tão bem que sequer percebi


que, praticamente, duas horas se passaram até chegar à empresa e
dar de cara com Gabriel sentado em minha cadeira, mexendo no
meu computador.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, fechando a porta.
— Não tem computador na sua sala?
— Duas horas para tomar um café da tarde com meu primo,
Ana Clara? — ele pergunta, sem me encarar. — E sim, eu tenho
computador na minha sala mas o Autocad1 deu problema e eu
preciso resolver uma coisa urgente.
Bufo, irritada, e me sento na cadeira em frente à mesa.
— E então, como foi? — ele pergunta, erguendo as
sobrancelhas.
— Foi o quê?
— Não se faça de idiota, Ana Clara.
— Não seja grosseiro, Gabriel Albuquerque.
Ele mantém os olhos na tela do computador.
— Você demorou duas horas. Ele deve ter tido muitos
argumentos para segurá-la por todo esse tempo. Quem sabe, tentar
convencê-la a aceitar seus projetos?
— Nem falamos sobre os projetos, se é isso o que quer
saber — retruco. — Gabriel, seu primo é legal. Não sei que
implicância é essa que você arrumou com ele.
— Não é implicância. Eu conheço meu primo, eu sei que ele
não presta. — Encara-me finalmente. — Não se iluda que ele é o
homem ideal pra você, porque ele não é.
— Nossa, você soa tão arrogante falando assim.
Gabriel volta a olhar para a tela.
— Eu vou sair com ele, no sábado — digo, colocando os
braços em cima da mesa. — E nem pense em meter o bedelho nas
minhas coisas, ou vou ficar muito irritada com você.
Ele não me encara, apenas respira fundo enquanto suas
sobrancelhas estão unidas em um claro “péssimo humor”.
— Bem, a escolha é sua. Depois não venha chorar quando
ele for idiota e magoá-la.
— Isso não vai acontecer.
— Tudo bem, então.
Meu sangue ferve por Gabriel estar agindo assim, tão
irracional.
Eu vou sair com Robert e se as coisas derem certo, espero
que Gabriel aceite. Não quero perder sua amizade por causa de
uma besteira.
— Quer comer uma pizza no Augustus hoje? — pergunto,
tentando quebrar o clima ruim. Gabriel adora pizza e nunca recusa
quando o convido.
— Não sei, acho que vou sair com uma garota.
— Nossa, você vai mesmo recusar sair comigo, só porque
está putinho por sei lá qual motivo?
Olha-me por alguns instantes e depois suspira.
— Tá bom, eu posso sair com ela no sábado.
Relaxo em meu assento.
Gabriel está muito estranho e eu só queria entender o
porquê.
Hoje é sábado e estou me preparando para encontrar uma
garota que conheci em um pub, esses tempos atrás.
Aline é o seu nome e ela é uma pessoa bem legal. Também
é muito bonita com cabelos ruivos que vão até a cintura, é alta,
esbelta e tem um pouco de sardas no nariz. Uma beleza sem
precedentes.
Pego meu terno em cima da cama e visto-o. Aproximo-me
do espelho e checo a minha aparência.
Nunca fui do tipo de homem que passa horas na frente do
espelho, mas é óbvio que gosto de andar bem-vestido, perfumado,
afinal, eu tenho ciência que a boa aparência aliada a esses
detalhes, fazem toda a diferença na hora da conquista.
A noite precisa ser boa, faz tempo que não fico com
ninguém.
Preciso me distrair.
Preciso esquecer que Ana Clara deve estar se arrumando
para sair com o idiota do meu primo.
Será que ela não percebe que Robert só quer persuadi-la
para aceitar seus projetos e, de quebra, conquistá-la para uma noite
que vai resultar em um belo pé na bunda?
Só de pensar que ele pode acabar fazendo sua cabeça e, no
final, conseguir levá-la para a cama sem merecer, meu sangue
começa a ferver nas veias.
Pego meu celular em cima da mesa de cabeceira para
checar a hora e percebo que há uma mensagem de Ana Clara no
WhatsApp.

“Vai me desejar boa sorte?”

Respiro fundo.
Escrevo:

“Nem foden...” não, melhor não ser grosseiro assim. Apago a


mensagem e digito: “Claro, Ana. Espero que se divirta”.
Envio.
Ela deve estar com o celular na mão, porque logo em
seguida envia um emoji de carinha mandando um beijo.
Apago a tela do celular e o enfio no bolso do meu terno.
Que droga, não sei o que está acontecendo comigo. Desde
que descobri que Ana Clara é virgem, estou me sentindo um maldito
ogro protetor. E é óbvio que ela não precisa da minha proteção.
Ana Clara é grandinha o suficiente para cuidar de si mesma.
Mas... por que estou me sentindo dessa forma?
Checo mais uma vez o horário no celular e decido que é
melhor ir buscar minha acompanhante e esquecer Ana Clara,
Robert, virgindade e tudo o mais.
Esta noite preciso focar em meu próprio prazer.

~
O Le Travetone é um restaurante de alto padrão em São
Paulo e é aqui que eu gosto de vir quando quero fugir das baladas e
curtir um jantar mais tranquilo e uma boa conversa que,
provavelmente, vai me render uma noite de prazer intenso.
Aline e eu somos recebidos pela filha do dono do
restaurante, que assumiu os negócios quando o pai faleceu, há dois
anos.
— Gabriel, que bom vê-lo — ela me cumprimenta como
sempre, com um beijo em cada lado do rosto. — Faz um tempo que
não o vejo por aqui.
Abro um pequeno sorriso e enfio as mãos no bolso.
— Pois, é... andei um pouco ocupado.
Ela sorri e então se vira para a minha acompanhante que,
diga-se de passagem, está deslumbrante em um vestido azul-
marinho que vai até metade das coxas.
— Olá, moça... seja bem-vinda.
Faço as apresentações e Carla nos guia até uma mesa que
nos dá uma vista dos chefs trabalhando sem parar na cozinha.
— Vou deixar o cardápio com vocês e volto logo para saber
o que vão pedir. — Ela nos entrega os cardápios e se afasta,
deixando-nos à vontade.
— Sempre tive vontade de vir aqui — Aline diz, folheando o
cardápio. — É bom saber que você é um cliente fiel, assim poderá
me trazer mais vezes.
Ela sorri de forma inocente e eu engulo em seco.
Não saio com a mesma mulher várias vezes.
Depois desta noite, vai existir mais uma e, quem sabe, até
outra... mas como posso deixar isso claro, sem que ela se ofenda?
— Eles servem uma entrada ótima de salada com
mascarpone — mudo de assunto. — Tem figos flambados em vinho
Sauterne e é uma delícia. Você devia experimentar.
Aline sorri, animada.
— É, acho que vou pedir isso mesmo.
Aline continua vasculhando o cardápio e, de repente, meus
pensamentos estão novamente em Ana Clara.
Diabos.
A essas horas, ela já deve ter encontrado Robert e devem
estar indo para seja lá onde que eles marcaram de se encontrar.
Espero que meu primo tenha tido a decência de ter ido buscá-la em
seu apartamento.
As coisas seriam tão mais fáceis se Ana Clara simplesmente
não tivesse me revelado seu grande segredo.
— Gabriel? Está me ouvindo? — Aline estala os dedos em
frente ao meu rosto e eu a fito, completamente perdido.
— Perdão, eu estava...
— Ah, sim... eu só estava dizendo que... veja, aquela não é
a sua amiga... que estava com você no pub, naquele dia? — Aline
aponta na direção da porta, atrás de mim.
Viro-me lentamente e meu coração quase pula do peito ao
vê-la.
Ana Clara e Robert.
Mas por que diabos eles estão aqui?
Viro-me para Aline, frustrado. Não quero que ela me veja,
senão vai pensar que estou seguindo-a, embora eu possa muito
bem exigir saber por que ela está aqui, sendo que este é o meu
restaurante favorito.
— Está tudo bem, Gabriel?
— Sim, claro. Aquela é, sim, minha amiga. Mas é melhor
deixá-la em paz.
Aline encara meu rosto por longos instantes e depois
assente.
— Ah, ok. Então vamos fazer nossos pedidos.
— Sim, por favor.

O jantar com Aline está fluindo bem.


Já conversamos um pouco sobre vários assuntos e achei
bem legal a forma como ela abordou algumas questões que a
maioria das pessoas não consegue discutir sem arrumar uma
verdadeira confusão.
Aline é inteligente.
É bonita.
E eu acho que já está na hora de sairmos daqui para o
próximo passo.
No salão adjacente estão Ana Clara e Robert, também
embrenhados em uma conversa. Eu já a vi rindo, bebendo,
comendo. Ela parece estar se divertindo e, bem, se está feliz com
isso, que seja então.
— Pode trazer a conta, por favor? — peço a um dos
garçons.
— Nossa, a comida estava ótima — Aline comenta,
passando as mãos pela barriga. — E esse mil folhas como
sobremesa? Com calda de frutas vermelhas, hummmm... — Ela
fecha os olhos, deliciando-se com a sobremesa que acabamos de
comer.
Sorrio.
— Este lugar serve o melhor mil folhas da cidade. E digo
isso sem medo de errar.
Aline sorri e o garçom se aproxima com a conta.
Faço o pagamento e nos levantamos. Antes de sair do
restaurante, dou uma última olhada em Ana Clara, que está com o
queixo apoiado no antebraço, ouvindo as histórias malucas do meu
primo.
— Tudo bem, Gabriel? — Aline segura o meu braço.
— Ah sim, tudo. Vamos.
Guio Aline para fora do restaurante, onde meu carro já está
nos esperando. Abro a porta do carona para ela e faço todo o ritual
de um bom cavalheiro.
— E, então? Vai me levar para onde agora? — Aline
pergunta, assim que entro no carro e coloco o cinto.
— Para onde quer ir? — Fito-a e neste momento já não resta
nem sinal daquela Aline comportada do restaurante, agora ela
claramente me dirige o olhar de quem veio para terminar a noite em
minha cama.
— Eu tenho uma garrafa de um uísque delicioso fechada.
Gostaria de compartilhar com você, se quiser, é claro.
Meus pensamentos me levam à Ana Clara se divertindo com
Robert. Uma diversão que pode levá-la para a cama dele, em
algumas horas.
Preciso tirar isso da cabeça, então digo:
— Claro, vamos lá.
~

O apartamento de Aline é luxuoso e bem-decorado. Claro,


digamos que é impossível um engenheiro e arquiteto entrar em um
lugar e não começar a reparar nos detalhes, na disposição dos
móveis, na cor das paredes, nas luminárias do teto...
Acho que essa é a nossa pequena maldição.
— O que acha da decoração? — Aline pergunta, indo na
direção do pequeno bar.
— Gostei, embora se eu tivesse pegado o seu projeto, teria
derrubado aquela parede e aumentado a sala.
Ela sorri enquanto abre a garrafa e despeja o líquido âmbar
em dois copos.
— É uma pena, eu não o conhecia na época em que me
mudei para cá. — Aline recolhe os copos e vem em minha direção,
entregando-me um. — Mas agora, se eu me mudar, já sei quem vai
tomar conta do meu projeto.
Lanço um pequeno sorriso antes de entornar a bebida em
minha garganta.
O apartamento é aconchegante, a bebida é ótima e a
companhia é excelente.
Mas por que diabos estou me sentindo inquieto?
No caminho para cá, Aline falou várias coisas que eu sequer
entendi. A todo momento, ela perguntava: Você está bem? Tem
certeza de que quer ir ao meu apartamento?
E bem, agora estou aqui. Pronto para aliviar a tensão e
mergulhar em uma noite cheia de prazeres.
O problema é que eu não consigo deixar de pensar em Ana
Clara.
Isso está me deixando maluco.
— Vem, sente-se aqui. — Aline puxa a minha mão e me leva
até o sofá branco.
Eu me sento, com o copo da bebida ainda em uma mão.
Aline não perde tempo e se senta no meu colo, com as pernas uma
de cada lado da minha cintura.
Porra, nem excitado estou.
— O que foi, Gabriel? — ela pergunta, fitando meu rosto de
forma preocupada. — Estou sendo invasiva demais?
— Não, claro que não. — Como posso dizer a ela que o
problema está na minha maldita cabeça? — Eu só estou...
preocupado com algumas coisas.
Ela ergue as sobrancelhas.
— Quer me contar?
Respiro fundo, pensativo.
Não posso expor o segredo da minha amiga, é claro. Mas
acho que posso colocar um pouco do que me atormenta para fora.
Quem sabe, eu consiga me concentrar no que preciso fazer.
— Ahn... estou preocupado com uma pessoa. — Desvio o
olhar para o resto de bebida em meu copo. — Só que eu não
deveria estar assim, porque a maldita já é bem grandinha e deveria
ter consciência do que está fazendo.
— Hum... e por que está preocupado com essa pessoa?
As mãos de Aline pousam em meus ombros.
— Porque ela vai cair na lábia de uma pessoa que eu sei
que não vale nada — digo, em um suspiro. — Ela quis sair com ele,
mesmo eu dizendo que ela merece coisa melhor.
Os olhos de Aline analisam meu rosto por vários segundos.
— Você está se referindo à sua amiga? Aquela que vimos no
restaurante com um rapaz?
— Sim. — Respiro fundo. — Aquele cara é meu primo e eu
sei que ele não presta.
Aline fica em silêncio por um tempo, depois ela aperta meus
ombros gentilmente.
— Você gosta dela?
— Gosto, é claro — respondo de imediato, mas então me
ocorre que talvez essa pergunta se refira a outro tipo de gostar. —
Não, espere. Você diz gostar... como amigos, não é?
— É? — ela devolve a pergunta. — Pode ser também como
um irmão. Até porque, você está agindo como um irmão mais velho
e ciumento.
Irmão? Não mesmo, pelo amor de Deus.
Fecho os olhos, respiro fundo e jogo a cabeça para trás.
Se nem eu entendo o que está acontecendo, duvido que
alguém de fora da minha cabeça vai conseguir.
— Eu acho melhor eu ir embora. — Puxo Aline gentilmente
para fora do meu colo.
Ela mantém um semblante neutro, mas não deve estar nem
um pouco feliz comigo.
— Vou mandar um novo uísque para você — digo, antes de
chegar até a porta.
— Não precisa, Gabriel. — Ela me lança um sorriso tímido.
— Eu adorei o jantar.
Sorrio de volta.
— Desculpe por isso.
Ela meneia a cabeça.
— Não se preocupe. Depois nos falamos.
Assinto mais uma vez e vou na direção da porta.
Quando entro em meu carro, enfio a cabeça contra o
volante, sem me importar com o barulho da buzina ecoando por
toda a rua.
Que inferno, Ana Clara Aguillar.
Ligo o carro e engato a marcha, ciente do único local aonde
eu quero ir no momento.
Faz uns quarenta minutos que Robert está falando sobre
como adorava morar nos Estados Unidos.
E, tudo bem, até acho legal ouvir as experiências de quem
viveu fora do país, mas quando a conversa toma um rumo que você
sequer é capaz de conseguir articular qualquer frase, torna-se
frustrante.
Quase solto a lendária frase: “se lá estava tão bom, por que
voltou, então?”
Só que seria desagradável demais.
— Nossa, mas acho que já falei demais sobre mim. —
Robert para e respira um pouco. — Conte-me mais sobre você, Ana.
— Ana Clara — o corrijo, sem ser grossa. Meu nome é Ana
Clara e só tem uma pessoa que me chama de Ana e isso não me
irrita. Gabriel. E ele sabe que é o único a me chamar assim, então
não posso permitir outra pessoa tomar essa liberdade.
— Sim, desculpe. Ana Clara... — Robert enfia a colher na
sobremesa. — Seu nome é muito lindo.
— Obrigada. — Ele já me disse isso na outra vez. A vez em
que ele estava menos chato e egocêntrico.
Abaixo a cabeça e concentro minhas forças em minha
própria sobremesa, um belo Petit Gateau acompanhado por uma
bola de sorvete de creme.
Clássico, mas eu adoro.
— E, então? Como começou essa sociedade com Gabriel?
— ele pergunta, curioso. — Desculpe, mas eu lembro poucas coisas
sobre você. Não me lembro de Gabriel ter dito que iria fazer uma
sociedade.
— Ele deve ter dito em algum momento. — A essa altura do
jantar, já estou completamente cansada. O homem falou tanto e
agora que está acabando, ele quer que eu comece a falar. — Ahn,
quando terminamos a faculdade, trabalhamos em algumas
empresas, até o dia que Gabriel resolveu montar o próprio negócio.
Eu embarquei em sua ideia e estamos aí, trabalhando juntos há
alguns anos.
Robert sorri.
— Quando Gabriel se casar, vocês vão continuar sócios?
A pergunta me pega desprevenida.
Gabriel se casando?
Sinto uma repentina vontade de dar risada.
— Acredito que sim... — respondo, incerta. — Qual seria o
problema? Sempre seremos amigos.
Robert se inclina na mesa, como se quisesse me contar um
segredo.
— Se eu me casasse com você, não iria gostar dessa
sociedade. Gabriel é muito controlador e você precisa ser livre para
fazer o que bem entende.
Encaro os olhos de Robert por longos instantes.
Que merda ele pensa que está dizendo?
Gabriel pode ser um pouco controlador, mas sempre nos
demos bem. Talvez eu até goste do seu jeito, assim me sinto
protegida.
— Não acho que alguém de fora possa influenciar em algo
que já está tão bem-definido — digo, um pouco irritada. — Sem falar
que Gabriel e eu somos amigos há muito tempo. Uma amizade
como a nossa não morre assim.
Robert dá risada.
— Bem, não fique irritada comigo. — Ele ergue as mãos em
rendição. — Eu só estou dando a minha opinião.
“Uma opinião que não estou pedindo”, quase deixo escapar.
E mais uma noite que eu pensei que poderia ser frutífera
para mim, acaba de se encerrar com o mais estranho dos diálogos.
Odeio que as pessoas se metam na minha amizade com
Gabriel.
E o pior de tudo, é saber que eu deveria tê-lo ouvido. Seu
primo realmente é um cara sem noção e... não, não dá. Eu quero ir
para casa.
— Bem, vou pedir a conta — digo, já erguendo o braço para
chamar o garçom. — Você quer pedir mais alguma coisa?
Robert seca a boca com o guardanapo e então se levanta.
— Eu... preciso ir ao banheiro. Já volto, pode ser?
— Tá bom.
Robert sai praticamente correndo na direção do banheiro.
Que cara louco.
— Deseja algo, senhorita? — o garçom pergunta.
— Pode trazer a conta, por favor?
— É pra já.
Olho mais uma vez na direção do banheiro.
Estranho.

Abro a porta do meu apartamento e a primeira coisa que


faço após ultrapassá-la é arrancar meus sapatos e deixá-los no local
apropriado. Tranco a fechadura e viro-me para arremessar a minha
bolsa em cima do sofá, porém, assim que eu concentro os olhos na
escuridão, meu coração quase sai pela boca.
— Oi, Ana.
— Porra, Gabriel! — grito e jogo a bolsa em sua direção. —
Quer me matar do coração?
Ele desvia com naturalidade e dá uma risadinha.
— Hummm, estamos quites agora, por aquele dia que você
fez a mesma coisa comigo.
Desgraçado.
Estou tão nervosa que simplesmente vou para a cozinha e
abro a geladeira. Preciso de água, suco, qualquer coisa gelada para
acalmar os meus nervos.
— Chegou cedo — ele murmura, aproximando-se da ilha. —
O que aconteceu?
Pego uma jarra com água, um copo e encho-o até a boca.
Viro o conteúdo em minha garganta de uma só vez, sentindo aquele
pequeno incômodo que parece uma geleira se estabelecendo em
minha garganta.
Gabriel sempre tem razão, em várias coisas. Inclusive, em
relação ao seu primo Robert. O problema é que não quero admitir a
minha derrota, mais uma vez.
— Hein, Ana?
Ele está parado ao lado da ilha que separa a cozinha da
sala. Está escuro, mas consigo sentir seu olhar questionador em
cima de mim.
— O que você acha que aconteceu? — pergunto com a voz
um pouco amarga.
Ele fica em silêncio alguns instantes, depois diz:
— Ele foi um babaca, não foi?
Respiro fundo e decido guardar a garrafa de água de volta
na geladeira.
— Ana Clara? — Gabriel dá um passo em minha direção. —
O que ele fez? Me conte.
Não quero falar sobre isso, porque só me faz pensar o
quanto sou patética e idiota.
— É melhor deixarmos isso pra lá, Gabriel. — Saio da
cozinha e vou para a sala. — Aliás, como conseguiu entrar aqui?
— A chave atrás do vaso de plantas.
— Ah, sim.
Eu também sempre deixo uma chave reserva do lado de fora
do apartamento, mas, no meu caso, é porque uma vez fiquei
trancada para fora e precisei esperar amanhecer para conseguir um
chaveiro.
— E o seu encontro? — pergunto, jogando-me no sofá. —
Achei que iria aproveitar a noite.
A sala está com as luzes apagadas, mas a luz que vem dos
prédios ao redor está fazendo o trabalho de nos iluminar. Menos
mal, assim Gabriel não precisa ver a minha cara de otária.
— Não deu certo... — Ele se senta na poltrona em frente à
minha. — Eu estava... preocupado.
— Preocupado com o quê? — Ergo as sobrancelhas,
confusa.
— Com você, oras. Quem mais?
Levo alguns segundos para entender. Dou uma risada e
coço a minha sobrancelha.
— Preocupado de eu perder a virgindade com seu primo?
Gabriel fica em silêncio alguns instantes, então diz:
— Preocupado de você perder a virgindade com um cara
idiota. Eu te falei que meu primo é só um babaca e você não quis
me ouvir. Aliás, o que diabos ele fez pra você estar com essa cara
de quem comeu e não gostou?
Não adianta esconder as coisas de Gabriel, porque ele
sempre vai dar um jeito de me fazer falar.
— Ele sumiu e eu precisei pagar toda a conta do jantar.
— O quê? — Gabriel endurece alguns tons. — Ele sabe
quanto custa um jantar no Le Travetone?
Então, eu paro e o encaro por longos instantes.
Ele fica em silêncio, como se tivesse acabado de pronunciar
algo errado.
— Como é que você sabe onde fomos?
Mais silêncio.
— Gabriel! — Levanto-me e vou até ele. Já não estou
gostando dessa história. — Como você sabe???
Gabriel respira fundo. Ele está olhando para baixo.
— Eu também estava lá. Mas não — ele me interrompe
assim que abro a boca, seu olhar encontra o meu —, não fui lá para
stalkear vocês, se é isso o que pensa. Aliás, por que levou Robert
ao restaurante que você sabe que é o meu favorito?
Balanço a cabeça negativamente e viro as costas. Caminho
até a porta da sacada e observo a lua minguante no céu.
— Você deveria estar preocupado em saber como estou e
não irritadinho porque levei o seu primo ao restaurante que você
gosta.
— Inferno, Ana Clara. Estou preocupado com você! Se não
me engano, eu já disse isso, não disse? — Sinto-o atrás de mim. —
Enfia uma coisa na sua cabeça, Ana Clara. — Ele segura meus
braços e me gira para si. — Você merece um cara legal, ok? Que
vai saber respeitar o seu tempo, que vai te levar em um restaurante
legal e pagar a maldita conta porque, uau, é o seu primeiro encontro
com ele. Porque podem dizer o que for, eu ainda acredito que os
homens devam pagar a conta no primeiro encontro. Dane-se quem
acha que é melhor dividir. Nesses casos, eu sou arcaico. E sabe do
que mais? Você precisa encontrar um cara que saiba te ouvir, que
seja o seu amigo e não apenas o seu amante.
As palavras de Gabriel atingem meu peito com força.
Ele está certo, é isso o que quero encontrar. Mas onde? Já
procurei tantos caras, já saí com inúmeras pessoas e até hoje,
nada.
Encaro os olhos azuis do meu melhor amigo, seu rosto
banhado pela luz natural do anoitecer, que lhe concedem um ar de
mistério e, de repente, um pensamento sinistro cruza a minha
cabeça.

“Você precisa encontrar um cara que saiba te ouvir, que seja o seu
amigo e não apenas o seu amante.”
É isso.
Céus, como nunca pensei nisso antes?
Meus olhos desviam para as mãos de Gabriel segurando
meus braços e, de repente, meu corpo se aquece com uma
sensação diferente.
Gabriel é um homem bonito, claro. Só que, até hoje, nunca
tinha pensado nele dessa forma e sempre achei engraçado as
outras mulheres que praticamente caíam aos seus pés assim que
ele passava.

“Que seja o seu amigo e não apenas o seu amante.”

Suas palavras ecoam novamente em minha cabeça.


Gabriel é meu amigo, é o cara em que eu mais confio na
vida. Por que nunca confiei de que ele pudesse ser o cara apto a me
preparar sexualmente?
— Ana Clara? — ele me chama, apertando levemente meus
braços. — Está me ouvindo?
Bem, eu não estava, mas agora ele me trouxe de volta a
mim.
— Gabriel, eu...
— Eu não quero você saindo com qualquer um — ele diz,
em tom de aviso. — Pode ficar com raiva de mim, mas eu quero
protegê-la dessas pessoas e eu sei que...
— Gabriel — o interrompo. — Você gosta de mim?
Ele paralisa no mesmo instante e suas mãos caem ao lado
de seu corpo.
— O quê?
— Estou perguntando se você gosta de mim? Tipo, se
importa mesmo com quem eu vou ficar e tal?
Ele vacila alguns instantes, talvez pensando em como
responder a isso.
— Claro que eu gosto de você. Se eu não gostasse, não
estaria aqui a essa hora e nem teria perdido o meu encontro por
causa da preocupação com você.
— Gabriel, eu sei que é loucura o que vou dizer, mas... —
Olho para baixo, tentando encontrar coragem para o que estou
prestes a dizer. Então ergo o olhar e encontro os seus, expectantes.
— Eu quero que você tire a minha virgindade.
— O quê?
Não sei se estou ouvindo coisas ou imaginando, mas o fato
é que as palavras de Ana Clara são como um raio caindo em minha
cabeça.
Dou um passo para trás.
Ela olha para baixo e se eu não a conhecesse bem, diria que
ela está tentando encontrar o que dizer. Na verdade, acho que ela
está envergonhada com o que disse.
Se é que ela disse isso mesmo e eu não estou levemente
embriagado.
Talvez tudo isso seja um sonho bizarro e estou prestes a
acordar em minha cama.
— Eu disse que quero que você tire a minha virgindade —
Ana Clara repete e aí eu percebo que não estou sonhando, muito
menos, bêbado. Ela realmente disse isso. — Gabriel — ela diz o
meu nome em forma de súplica, assim que dou mais um passo para
trás. — Eu sei que é loucura, mas...
— Loucura? — Ergo as sobrancelhas, assustado. — Você
ouviu o que acabou de dizer?
Ana Clara bufa e revira os olhos.
— Não precisa ser dramático. Eu só acho que você está
certo.
— Estou certo?
— Sim. — Ela cruza os braços. — Você não acabou de dizer
que eu preciso encontrar alguém que seja meu amigo, além de
amante?
— Eu disse, mas... — As palavras morrem em minha boca.
— Meu Deus, Ana Clara.
Minha mente está girando e eu preciso de uma bebida. Viro
as costas para ir até o pequeno bar que ela mantém em um armário
escondido, porém, estaco assim que ouço o primeiro soluço.
Ah, meu Deus...
Viro-me em sua direção e Ana Clara está de costas para
mim, olhando para a paisagem, mas o subir e descer de seus
ombros e o soluço baixo já denunciam o que está acontecendo.
E isso quebra o meu coração em vários pedacinhos.
— Ei... — Vou até ela e a puxo para meus braços. Ana Clara
enrola os braços em minha cintura e derrama as lágrimas com força.
Não consigo articular nenhuma frase.
— Eu te assustei, não é? — ela pergunta, em meio ao choro.
— Desculpe, Gabe. Eu só... céus, estou tão solitária. — Sua
bochecha gruda em meu peito, enquanto ela respira com dificuldade
por causa das lágrimas. — Estou triste, Gabriel.
— Não, não diga isso. — Abaixo a cabeça, encostando a
bochecha na divisa do seu ombro com o pescoço. Abraço-a com
força. — Não quero que se sinta solitária, meu Deus.
Eu só vi Ana Clara chorar desse jeito três vezes, desde que
nos conhecemos.
A primeira foi na escola, quando ela quase foi reprovada por
uma professora horrível. A segunda foi quando passamos no
vestibular para estudar na mesma faculdade. A terceira foi quando
seu avô faleceu. Eles eram muito próximos.
E agora... a quarta vez.
Só que agora mexe comigo muito mais do que das outras
vezes, porque, de certa forma, sinto-me incluído em seu segredo.
Um segredo que ela confiou a mim, depois de tanto carregá-lo
sozinha.
— Eu me sinto assim, Gabriel — ela diz. — Sempre fui uma
farsa. Fingi ser uma pessoa que não sou e estou cansada disso. —
Ela ergue a cabeça e se afasta só um pouco para encarar meu
rosto. Temos pouca diferença de altura e isso talvez ajude nesses
casos. — Por favor, estou te pedindo. Não quero morrer virgem. Sei
que é loucura uma coisa assim, mas não existe outra pessoa no
mundo capaz de fazer isso. Você é o único que me conhece de
verdade e sei que vai ser gentil.
O pedido de Ana Clara é tão absurdo, na mesma medida
que é tão sincero e isso me desestabiliza.
— Você não me acha atraente? — ela pergunta, passando
as mãos pelas lágrimas em seu rosto. — Eu sou feia? É uma
imagem perturbadora me imaginar nua?
Nunca achei a Ana Clara feia, pelo contrário. Só que eu
nunca deixei meus pensamentos fluírem por muito tempo, porque eu
sabia que eles podiam me levar a uma zona desconfortável. Tanto
para mim, quanto para ela.
O problema é que agora a sua pergunta mexe
automaticamente com a parte do meu cérebro que gosta de projetar
imagens e eu começo a me lembrar de algumas vezes que já a vi de
biquíni e...
Meus olhos percorrem Ana Clara da cabeça aos pés.
Ela está absurdamente linda usando um vestido preto que
vai até o meio das coxas. Sempre achei que ela é dona de pernas
lindas, mas nunca externei esse tipo de pensamento.
Inferno.
Por algum motivo, só de pensar em algo assim, meu pau
começa a dar sinais de vida.
Que merda é essa?
Passo as mãos pelo rosto, preocupado.
— Nem responder você consegue. — Ana Clara dá mais um
passo para trás, afastando-se de mim. — Por que não vai embora,
então? Veio aqui só para encher o meu saco? Vá se ferrar, Gabriel.
Eu não preciso de você.
Ela se vira para ir na direção do corredor, mas eu seguro seu
braço e a puxo de volta. Ela me encara um pouco assustada.
— Eu te acho linda pra caralho, Ana Clara — digo,
externando um pouco da minha preocupação e irritação. — Só que
você tem noção do que acabou de dizer? Você realmente acha que
podemos entrar em algo assim, como se fosse uma partida de
futebol?
— Você diz isso como se isso fosse estragar a nossa
amizade. — Ela bufa, puxando o braço do meu aperto. — Eu não
vou me apaixonar por você, se essa é sua preocupação. Eu só
quero ter uma experiência sexual e acho que você, como meu
melhor amigo, devia compreender e me ajudar.
Céus, isso é loucura.
Passo as mãos pelos cabelos.
— Ana Clara, isso... não pode acontecer.
Ela olha para cima, depois para baixo. As lágrimas começam
a rolar novamente.
— Então vai embora! — ela explode, apontando para a
porta. — Eu posso lidar com isso sozinha. Talvez eu consiga um
garoto de programa. Nossa, como não pensei nisso antes?
Ana Clara parece ter um estalo no cérebro e então se afasta
até sua bolsa, procurando por algo.
— O que você vai fazer? — pergunto, irritado. — Ana Clara?
Ela já está desbloqueando a tela do celular.
— Vou procurar um garoto de programa.
O quê?
Meu sangue se eleva em níveis absurdos e quando percebo,
já estou em cima dela, pegando o celular de sua mão e o jogando
longe.
— Você não vai fazer porra nenhuma! — explodo. — Tá
ficando maluca?
— Talvez! — ela grita de volta. — Mas vou encontrar um
cara que não tenha medo de fazer o que precisa fazer comigo.
— E o que você quer que façam com você? — Meu rosto
está a centímetros de distância de Ana Clara. Nossas respirações
estão praticamente misturadas, cheias de raiva e descontrole por
coisas que eu sequer sei.
— Você sabe o que eu quero — ela diz, mais baixo desta
vez.
Eu vou para o inferno, mas eu juro que a levo junto.
Minhas mãos se enroscam na cintura de Ana Clara e eu a
puxo em direção ao meu corpo.
— Você quer isso? — pergunto, mantendo o tom de voz
baixo, perigoso.
Ela fecha os olhos e sua respiração falha um segundo.
— Você não quer fazer isso, Gabriel.
— Eu disse que não quero? — pergunto, aproximando
minha boca de seu ouvido. — Eu usei as palavras “não quero”?
Ela suspira.
— Não.
Ficamos em silêncio alguns instantes, somente com o som
de nossas respirações. Ana Clara sobe as mãos pelo meu peito,
devagar, como se estivesse testando as sensações.
Ela já me tocou outras vezes, é claro. Nós já até dormimos
na mesma cama, mas agora... com essa coisa pendendo entre nós,
tudo parece tão diferente.
Fecho os olhos, sentindo seus dedos passeando pelo meu
peito. Dedos delicados, cheios de receio, mas também repletos de
vontade. Então quando menos espero, recebo um beijo em meu
maxilar. Um beijo doce que injeta em minhas veias sensações que
nunca experimentei antes.
Ainda tento me segurar, porque não é justo que as coisas
aconteçam assim, mas Ana Clara é insistente. O segundo beijo
parece ainda melhor e mais energizante.
Ah, meu Deus.
Meu corpo está pegando fogo e meu pau está latejante. Não
sei se ela consegue senti-lo, mas isso só serve para deixar claro
que, de jeito algum, eu a acho repulsiva.
— Gabriel... — Ela suspira o meu nome.
Afasto-me um pouco só para encontrar seus olhos.
Eles estão repletos de desejo.
E isso não podia ser combustível melhor para a fogueira que
começou a se acender dentro do meu peito.
Então eu faço a última coisa que deveria fazer: a beijo.
Ana Clara arfa, um pouco surpresa, quando nossos lábios se
encontram, mas em questão de segundos, ela já está entregue.
Movimento minha boca, capturando cada pedacinho de seus lábios
e uma sensação gloriosa se apodera do meu corpo.
Seguro-a com força contra o meu peito. Seus braços se
jogam ao redor do meu pescoço. Nossas bocas se movimentam
com precisão. Minha língua passeia pelo seu lábio inferior, depois
entra em sua boca e começa uma briga doce com a sua.
Ana Clara me aperta contra si conforme nosso beijo se
aprofunda.
Eu nunca senti isso.
Deixo sua cintura e a pego em meu colo, deitando-a no sofá.
Afasto-me só um pouco para observá-la.
Ela está me olhando com desejo, excitação, surpresa. Todos
os sentimentos misturados.
— Você é linda pra caralho, Ana.
Ela me puxa para si e recomeçamos o beijo.
Suas mãos desesperadas se infiltram em meu terno,
afastando-o pelos meus braços.
— Gabriel — ela geme, assim que deixo seus lábios e
percorro seu pescoço com minha boca sedenta. — Por favor,
Gabriel. Faça isso comigo.
É pecado, é abominável, mas eu a quero.
Quero como nunca quis alguém.
— Ana... — Percorro sua orelha com a minha boca. — Meu
Deus, Ana.
Ela arqueia o corpo contra o meu.
Só que mesmo eu estando malditamente excitado, sei que
isso não deve acontecer dessa forma.
Então eu paro e me afasto, pairando por cima de seu corpo.
Ela respira fundo, várias vezes. Seus olhos estão agora
cheios de medo, aterrorizados.
Preciso dizer algo.
— Ana, se vamos fazer isso, precisamos fazer do jeito certo.
— Coloco minha mão em seu maxilar e com o polegar acaricio seus
lábios inchados. Os lábios que eu acabei de beijar. Meu Deus do
céu.
— Do jeito certo? — ela pergunta, sem entender.
— Sim... — digo, tomando fôlego e me levantando. Me sento
no sofá, e ela se senta ao meu lado, puxando as pernas para si. —
Eu quero que seja a melhor experiência pra você. E não vai ser, se
fizermos isso aqui, no sofá.
Ela me olha com compreensão.
— Então devemos marcar um dia para isso? — ela pergunta.
— Não acha que vai ser pior do que simplesmente deixar
acontecer?
Jogo a cabeça para trás e olho para o teto.
Droga, preciso dar um jeito nessa ereção.
— Sim, acho que sim. — Suspiro. — O que temos que ter
em mente, Ana, é que isso não pode estragar a nossa amizade. —
Viro-me para encará-la. — Eu não sei o que faria da vida sem a sua
amizade.
Ela abre um sorriso discreto.
Uma de suas mãos pousa em cima da minha.
— Não vai estragar. Isso vai servir para termos um
segredinho a mais. — Ela dá uma risadinha.
O problema é que não consigo rir.
É tudo tão estranho. Minha mente está nublada pelo desejo
e pela concepção do que é certo ou errado.
— Se não quiser fazer isso, não precisa — ela diz,
abaixando o olhar para nossas mãos.
E vê-la perdendo a virgindade com outro babaca por aí?
Nem fodendo.
Agora que tive o vislumbre do que é tê-la nos braços, não
consigo sequer cogitar a hipótese de algo assim acontecer.
— Eu vou fazer o que você quiser fazer, Ana. — Mudo a
posição das nossas mãos e entrelaço nossos dedos. — Só quero
um tempo para preparar tudo, pode ser?
Ela me olha timidamente e sorri. Depois assente.
— Tudo bem. Eu posso esperar.
Levanto-me e pego o meu terno jogado no chão.
— Já vai? — ela pergunta, com a voz um pouco triste. —
Fique mais um pouco.
— Ué, se bem me lembro, você estava me expulsando,
alguns minutos atrás — digo, tentando fazer com que o deboche
restaure o clima suave entre nós.
Ela ri.
— É, desculpe. Você me irritou naquela hora.
— Tudo bem. — Abaixo-me e deposito um beijo em sua
cabeça. — Vá descansar.
Quando chego à porta, ela me chama novamente.
— Sim?
— Você não vai desistir, não é?
— Só vou desistir, se você disser que é para desistir — digo,
com o terno jogado em meus ombros.
O problema é que agora já não sei o que vou fazer se ela
desistir.
Ela sorri.
— E quando vamos fazer isso?
— Não seja ansiosa. Vai ser logo, eu prometo.
Até porque, não sei quanto tempo vou aguentar segurar o
meu pau dentro das calças depois de saber das possibilidades com
Ana Clara. Por algum motivo bizarro, a ideia de transar com a minha
melhor amiga está começando a soar muito interessante.
— Tá bom, garanhão. — Ela descansa o queixo no
antebraço. — Vai lá, tente não sonhar sacanagens comigo.
Pela primeira vez na noite, eu solto uma gargalhada.
— Vai ser difícil, mas vou tentar.
Então viro as costas e saio, antes que eu perca a decência e
faça de um jeito que possa me arrepender depois.
“— Promete que vai ser meu amigo, em qualquer
circunstância?
— Prometo.
— Mesmo se nós arrumarmos namorados chatos que
queiram nos separar?
— Eu nunca vou arrumar uma namorada que queira me
afastar de você, Ana Clara.
— Promete, Gabriel?
Ele suspira.
— Prometo.
Eu sorrio.
— Mas me promete também que você nunca vai virar as
costas para mim.
— Claro que prometo, Gabriel. — Jogo os braços ao redor
do seu pescoço e descanso a cabeça em seu peito. — Eu prometo.”

O fim de semana foi muito estranho.


Pela primeira vez, em tantos anos que Gabriel e eu somos
amigos, esse fim de semana não nos falamos. Nem trocamos
mensagem, ligação, fumaça... qualquer tipo de contato.
E isso só me deixa mais nervosa.
Sei que foi loucura pedir o que eu pedi ao Gabriel, mas não
vejo outra solução.
— Bom dia, Ana Clara — João, o garoto novato do Design,
me cumprimenta assim que saio do elevador.
— Bom dia, João.
Tento exalar a confiança de sempre, mas é óbvio que não
estou completamente certa de que as coisas estão bem.
Como vou encarar Gabriel agora?
A lembrança do beijo que trocamos invade os meus
pensamentos enquanto atravesso os corredores da empresa em
direção à minha sala e é óbvio que minhas bochechas começam a
queimar.
Eu nunca fui beijada daquela forma antes.
Não sei se devo me sentir envergonhada, mas o fato é que
eu gostei e, para ser bem sincera, eu queria que Gabriel tivesse
aparecido no fim de semana para que eu pudesse testar se nossas
bocas encaixam mesmo com tanta perfeição ou se foi apenas coisa
do calor do momento.
— Bom dia, Ana Clara — Luciana me cumprimenta assim
que levo minha mão à maçaneta da porta. Céus, eu nem tinha
percebido que ela já estava ali.
— Bom dia, Lu. Desculpe, eu não a vi.
Ela abre um pequeno sorriso.
— Percebi. Eu falei com você três vezes e só agora me
ouviu.
Respiro fundo e me aproximo de sua mesa. Coloco minha
bolsa em cima do tampo de madeira e passo uma mão pelo cabelo.
— Ahn... você sabe se o Gabriel já chegou?
— Ainda não — ela diz, desviando o olhar na direção da sala
de Gabriel. — Achei que vocês viriam juntos.
Porque é isso o que fazemos geralmente.
Nós temos uma pequena tradição às segundas-feiras: tomar
café com Nutella em uma padaria que fez parte da nossa infância.
Só que eu sequer tive coragem de ligar para Gabriel, quanto mais
para pedir que ele passasse para me buscar.
— Ah, não... — Respiro fundo. — Eu vou... ahn, quando ele
chegar, me avise, por favor?
— Aviso, claro.
— Obrigada. — Abro um sorrisinho fingido e pego a minha
bolsa. Quando me viro, Luciana pergunta:
— Está tudo bem, Ana Clara? Você está... diferente.
— Ah, tudo ótimo. — Abro a porta da minha sala. — Só
estou... com fome.
— Quer que eu busque um café para você?
— Ah, sim. Por favor.
Café é bom, café vai me ajudar.
Entro na minha sala, fecho a porta e me recosto nela por
algum tempo.
Que droga, o clima não pode ficar assim por causa de um
beijo. Imagine quando chegarmos às vias de fato. Gabriel vai sumir
por um ano?
Preciso ligar para ele.
Preciso mostrar que... apesar de termos trocado um beijo
magnífico, está tudo bem. Ainda somos amigos, ainda podemos agir
como adultos civilizados que trabalham juntos.
Claro que não vou mencionar os sonhos quentes que eu tive
com ele.
Céus, estou tão ferrada.
Ouço duas batidinhas na porta e eu dou um pulo. Vou
correndo para a minha cadeira e então a porta se abre, revelando
Luciana com o meu café.
— Nossa, Ana Clara, você está bem estranha hoje. — Ela
coloca o café em cima da minha mesa. — Gabriel acabou de
chegar. Quer que eu diga a ele que você quer vê-lo?
Arregalo os olhos.
— Não. Não precisa. Eu... vou até a sala dele.
Luciana me encara por alguns instantes e eu tenho a leve
impressão de que ela sabe que algo, no mínimo, estranho está
acontecendo.
— Eu vou trazer os projetos da Calvin Harris para você
analisar — ela diz, enquanto eu beberico o café. — Vai fazer a visita
à obra do Paulo Henrique hoje?
Ahn, tinha me esquecido completamente que preciso fazer
uma visita a uma das obras que estamos cuidando.
E o problema nem é tanto visitar a obra, mas sim lidar com
Paulo Henrique, que é um cliente que não sabe os limites do bom
senso quando se trata de lidar com uma mulher.
— Talvez fosse melhor Gabriel ir — resmungo.
— Ele precisa visitar o edifício Boulevard Hall. As obras lá
estão atrasadas.
Reviro os olhos.
— Vou ver com ele, talvez possamos ir juntos.
Luciana assente.
— Vou buscar os projetos, você precisa de algo, além disso?
Meus olhos estão concentrados em um dos quadros
pendurados em minha sala.
Não consigo deixar de pensar no beijo e nas mãos de
Gabriel em meu corpo.
— Ana Clara?
— Não, não preciso. — Levanto-me. — Deixe-os aqui. Vou
falar com Gabriel.
Não adianta evitá-lo, porque é questão de tempo para isso
acontecer, afinal, trabalhamos na mesma empresa. Somos sócios.
Sem falar que se ficarmos distantes, as pessoas vão perceber que
algo está acontecendo. Sempre fomos grudados.
Ajeito meu vestido e passo as mãos pelos meus cabelos,
ajeitando-os. Por alguma razão que desconheço, quero que Gabriel
me ache bonita, embora suas palavras tenham cantarolado em
minha mente por todo o fim de semana.

— Eu te acho linda pra caralho, Ana Clara.

Será que ele falou sério?


Respiro fundo e atravesso o corredor em direção à sala de
Gabriel.
Estou nervosa.
Dou duas batidinhas na porta e entro, como sempre faço.
Gabriel ergue os olhos em minha direção e é como se uma
linha invisível se conectasse entre nós. Seus olhos percorrem meu
corpo subindo das minhas pernas até chegarem ao meu rosto.
E isso faz ondas de excitação percorrem meu corpo.
Ele está sentado em sua cadeira e, nossa, nunca me
pareceu tão bonito quanto hoje. A claridade da sala faz seus
cabelos castanho-claros terem um tom de dourado e eu adoro isso.
— Bom dia? — Fecho a porta e me recosto nela, ainda
incerta se me aproximo ou não. Sinto vontade de perguntar:
estamos bem ou vamos ficar estranhos por causa de um beijo e de
propostas indecentes?
— Bom dia, Ana. — Ele sorri e eu sinto um alívio percorrer
meu corpo ao ver que ele é o mesmo Gabriel de sempre. —
Desculpe não ter ido até sua sala, lembrei que eu tinha que fazer
uma ligação urgente para o Douglas, da engenharia, só que eu...
— Tudo bem, Gabe — o interrompo e me aproximo de sua
mesa. — Eu só achei estranho você sumir por todo o fim de
semana. E hoje não me ligou para irmos tomar café com Nutella.
— Ah, minha mãe surtou no sábado e teve uma briga feia
com minha irmã. Eu tive que ir para lá acalmar os ânimos. Na
realidade, eu cheguei hoje. Fui em casa apenas tomar um banho e
me trocar — ele explica. — Desculpe, eu devia ter te avisado.
— Mas elas estão bem?
— Agora, sim. — Ele respira fundo. — E, bem, não quis
incomodá-la com os problemas da minha família maluca.
— Você sabe que nunca incomoda.
Gabriel e eu ficamos um tempo apenas nos encarando.
Será que ele também sente que a nossa conexão está um
pouco mais forte que antes?
Sinto-me inebriada com essa sensação.
— Como você passou o fim de semana? — ele pergunta,
desviando o olhar para a tela do computador.
— Ah, bem. Dormi bastante. Comecei uma série nova da
HBO Max... — Dou uma risadinha. — Ontem, dei uma passada no
shopping para comprar alguns cremes que estavam acabando.
— Hummm... — Suas sobrancelhas erguem enquanto ele
digita algumas coisas no teclado.
As coisas só vão ficar estranhas se eu permitir que elas
fiquem.
Respiro fundo e digo:
— Preciso fazer uma visita na obra do Paulo Henrique,
pensei que talvez pudéssemos ir juntos. O que acha?
Gabriel me encara novamente.
— Hum, eu preciso passar no Boulevard antes.
— Tudo bem, não tem problema. É que... — Olho para o
teto. — Eu não gosto de ir lá sozinha. Paulo Henrique é meio sem
noção.
Neste momento, duas batidinhas na porta nos interrompem.
Luciana abre a porta e sorri timidamente.
— Desculpe atrapalhar, mas é que chegou algumas
correspondências para o Gabriel.
Ele se recosta na cadeira e estende a mão.
— Obrigado, Luciana.
Ela entrega o pacote de cartas para ele, mas observo cada
um de seus movimentos. Ela se retrai quando ele pega o pacote de
suas mãos, e depois morde os lábios quando Gabriel abaixa a
cabeça para averiguar. Suas bochechas ficam um pouco vermelhas.
Então ela me olha e percebe que estou analisando-a.
Luciana gosta de Gabriel.
Cacete.
— Tem algo mais para entregar, Luciana? — pergunto, de
repente me sentindo irritada.
Ela me fita sem entender, porque acho que nunca usei esse
tom com ela antes.
— Ahn, não... ahn... Gabriel, precisa de algo?
— Ah, uma xícara de café com adoçante, por favor — ele
diz, antes que eu tenha a oportunidade de mandá-la sair.
— Eu vou buscar para já. — Ela sorri, mais animada do que
deveria, e então se vira e sai da sala.
Eu bufo.
Era só essa que me faltava.
— Você está irritada com a Luciana? — Gabriel pergunta,
ainda com a atenção voltada para os papéis em sua mão.
— Não, por quê?
— Você nunca a chama de Luciana, é sempre “Lu”.
Ele tem razão, mas eu não sei se foi o fato de perceber que
ela é atraída pelo meu melhor amigo que me deixou irritada.
A porta se abre novamente antes que eu tenha a chance de
responder. Não sei por que estou assim, talvez seja pelo estresse
de pensar que Gabriel estava bravo ou chateado comigo por todo o
fim de semana.
— Um café com adoçante... — Luciana coloca a xícara em
cima da mesa e Gabriel agradece e abre um sorriso lindo para ela,
que a deixa com as bochechas ainda mais vermelhas.
— Os projetos já estão na minha mesa, Lu? — pergunto,
tentando esconder a irritação.
— Ah, sim. Eu vou lá buscar o último que faltou.
— Ótimo.
Ela sorri e sai da sala, não sem antes dar uma última olhada
em Gabriel.
Caramba!
— Então... a que horas você vai ao Boulevard? — pergunto,
desviando a minha atenção para o trabalho, isso deve me acalmar.
Ele olha no relógio de pulso.
— Daqui a uma hora, pode ser?
— Sim, ótimo. — Levanto-me. Já que as coisas estão tudo
bem, preciso dar o fora desta sala e focar no meu trabalho, quem
sabe, assim, a minha mente sossega um pouco.
— Ana? — Gabriel me chama assim que levo a mão até a
maçaneta da porta.
— Sim?
Ele me encara por longos instantes.
— Precisamos... huh... — Ele mexe na gravata como se ela
o estivesse sufocando. — Conversar. Você sabe, sobre sexta.
Droga, Gabriel vai desistir.
Fecho os olhos e respiro fundo várias vezes. Eu já devia ter
pressentido que ele iria desistir, porque, se pensarmos bem, ele está
certo. Nós somos amigos e isso pode dar muito errado.
— Ai, Gabriel... nem precisa falar, eu entendo. — Abro os
olhos e ele está parado na minha frente, com seus olhos azuis
preocupados.
— Entende? — Ele franze o cenho.
— Sim... — Afasto-me da porta, vou até a janela e cruzo os
braços. A vista da cidade é linda, mas eu bem que poderia me jogar
daqui neste momento, tamanha a humilhação que estou sentindo.
— Eu entendo o seu lado. Sei que vai ser difícil.
— Não estou entendendo, Ana Clara.
Fico em silêncio por alguns instantes.
A esperança em meu peito murcha como uma flor que não
foi regada há mais de uma semana.
— Não vai rolar, não é? — Viro-me para ele, com os braços
abraçando meu próprio corpo. — Bem, não precisa dizer nada, eu
sei que você é o mais sensato entre nós. Sempre foi.
Dou um passo para sair da sala, mas Gabriel segura o meu
braço.
A eletricidade percorre meu corpo e eu me viro para encará-
lo.
— Eu só queria dizer que... acho que podemos fazer isso no
final de semana.
Levo vários segundos para entender o que ele disse.
Ergo as sobrancelhas, surpresa.
— Você não queria dizer que eu sou uma louca psicótica que
precisa ser internada por cogitar fazer sexo com o melhor amigo?
Gabriel dá uma risadinha e me puxa para si, prendendo meu
corpo contra o seu.
— É, talvez você seja uma louca psicótica, mas eu pensei
muito sobre o assunto e acho que podemos fazer isso sem estragar
a nossa amizade — ele diz, encarando-me a poucos centímetros de
distância. — Só que você precisa me prometer uma coisa.
— O quê?
— Se as coisas saírem do controle, você será a voz da
razão para nos trazer de volta aos eixos.
Descanso as mãos em seu peito e respiro fundo.
Nunca seu perfume pareceu tão gostoso quanto agora,
preenchendo cada espaço das minhas narinas.
— Vou tentar. — Abro um meio-sorriso. — Mas você diz isso
por quê? Não vai ser apenas uma vez?
Gabriel suspira.
— A primeira vez de uma mulher não é algo bom, Ana Clara
— ele explica, com a voz paciente. — Eu acho que para você ter
uma experiência... ahn, completa... vai precisar de, pelo menos,
mais duas vezes.
Arregalo os olhos.
Não esperava por isso.
— Então... tem certeza de que quer fazer isso? — ele
pergunta, observando meu rosto.
Eu tenho?
Bem, não sei. A única certeza que tenho é que não quero
morrer virgem e não quero que outro homem me toque.
Gabriel é bom, bonito, sabe o que precisa fazer porque é
bem experiente no assunto. Ele é a pessoa certa a me guiar nesse
caminho.
— Sim, eu quero.
Seus olhos se acendem com algo que eu poderia descrever
como uma chama feroz.
Ele encosta a testa na minha e suspira.
— Nós vamos para o inferno, Ana.
— Mas vamos juntos.
Ele dá uma risadinha, então o clima tenso que se instala
entre nós é apenas o precursor para o que realmente queremos
fazer.
Gabriel encosta seus lábios nos meus e eu deixo que ele me
beije.
Uma de suas mãos se infiltra em meus cabelos e a outra
segura o meu maxilar enquanto seus lábios se movimentam com os
meus. Nossas línguas apressadas se encontram e, por incrível que
pareça, o beijo é ainda melhor do que eu me lembrava.
Estou me sentindo a porra de um adolescente.
Amanhã vai fazer uma semana desde que Ana Clara me fez
a oferta absurda de irmos para a cama. A oferta de que, quem deve
ser o homem privilegiado para ser o seu primeiro, seja eu.
A semana passou rápido com o montante de trabalho que
tivemos, mas o fato é que as coisas entre nós mudaram. Não a
forma de nos comunicarmos ou nossa parceria de sempre, mas sim
a nossa nova amizade que recorre a beijos excêntricos — e
escondidos — no meio do expediente.
Não posso dizer que não estou adorando isso.
É sempre engraçado pegar Ana Clara de surpresa, entrando
em sua sala enquanto ela está cheia de trabalho. É mais engraçado
ainda vê-la preocupada de sua assistente entrar sem bater e nos
pegar nessa situação.
O problema é que eu disse a ela que deveríamos fazer isso
no fim de semana e... o fim de semana está realmente chegando. A
cada dia sinto uma espécie de ansiedade misturada à angústia e,
céus, acho que posso enlouquecer a cada segundo que se passa.
Ainda mais, porque, por algum motivo, não consigo deixar de
beijá-la.
Seus lábios são macios e a forma como suas mãos se
infiltram em meus cabelos enquanto nossos lábios estão se
movimentando, são uma coisa de louco.
— Gabriel? — Sua voz interrompe os meus pensamentos e
eu abro um pequeno sorriso. Será que vai ser assim agora? Talvez
pensar em Ana Clara seja benéfico em vários níveis como, por
exemplo: trazê-la à minha sala. — Que cara é essa? — pergunta,
fechando a porta e aproximando-se da minha mesa.
— Ahn, nada... eu... estava pensando em um trabalho.
Ela pousa as palmas das mãos na mesa e me fita com
aquele famoso olhar de “não minta para mim”.
Eu suspiro.
— Ok. Eu estava pensando que hoje já é quinta-feira e
amanhã faz uma semana que você me... disse aquilo.
Suas bochechas ficam vermelhas e ela olha para baixo.
— A semana voou.
— Realmente.
Ficamos em silêncio, constrangidos pelas coisas que não
conseguimos dizer.
Ana Clara ri.
— Estamos parecendo adolescentes, Gabriel.
— Também acho.
Ela me encara com um sorriso.
— Você está... ansioso?
Como posso dizer a ela que passei todas as últimas noites
imaginando como será ter seu contra o meu? Não quero assustá-la,
é claro. Mas a verdade é que eu mesmo estou um pouco assustado
com o quanto eu estou desejando que isso aconteça.
— Você está? — devolvo a pergunta.
Ela se afasta da mesa e se vira para a parede. Seus dedos
vão para um dos quadros pendurados.
— Você sabe que sim — ela diz.
Bem, eu sinto um pouco de alívio de ouvir de seus lábios
que ela está ansiosa. Algumas vezes, cheguei a cogitar que ela ia
entrar em minha sala de repente e dizer que estamos loucos e que
precisamos parar com isso.
Eu ia ficar chateado, mas compreenderia.
— Acho que é bom — digo lentamente.
Ela se vira para mim.
— Recebi um convite para almoçar no restaurante novo que
Paulo Henrique comprou. Tudo por conta da casa. — Ao ouvir o
nome de Paulo Henrique, meu sangue esquenta alguns graus. Ele é
nosso cliente, mas é atrevido. Na segunda-feira, se eu não tivesse
ido com Ana Clara visitar a obra, ele certamente teria se aproveitado
da situação. Precisei me intrometer várias vezes quando ele tentou
levar Ana para os cantos. — Vamos comigo?
— Por que ele te convidou? — pergunto, soando um pouco
irritado.
— Ele não me convidou. Quer dizer, ele mandou um recado
que posso ir a hora que eu desejar. Mas é claro que não quero ir
sozinha. — Ela se aproxima da mesa novamente. — Vamos?
Respiro fundo.
— Ok, estou com fome mesmo. Vamos falir aquela porra de
restaurante. — Levanto e pego meu terno, vestindo-o.
Ana Clara ri, então ela dá a volta na mesa e se aproxima de
mim.
Seu perfume adocicado invade as minhas narinas,
inebriando meus sentidos. Por alguns segundos, fico paralisado,
esperando para ver o que ela irá fazer.
Ana Clara leva os dedos finos até a minha gravata,
ajeitando-a.
Seus olhos castanhos se encontram com os meus.
— Você é muito bonito, Gabriel — ela diz baixinho. — Acho
que eu nunca reparei em sua beleza antes. Digo, reparar de
verdade, sabe.
Suas palavras aquecem meu coração de uma forma que não
sei explicar.
— Se tivesse reparado, teria feito a oferta antes? — solto a
pergunta.
Ela dá uma risadinha e se afasta.
— Talvez, quem sabe.
Abro a boca para retrucar, mas Ana Clara já está abrindo a
porta.
— Vamos, garanhão. Estou morrendo de fome.

O restaurante é um grande complexo rústico. O chão é de


madeira, o teto é de madeira e até o balcão onde as pessoas se
servem é de madeira. Este é um daqueles restaurantes self-service
chiques, e apesar de não ir com a cara de Paulo Henrique, acho que
ele fez um bom negócio aqui.
Ana Clara e eu entramos na fila para nos servirmos e é
impossível não me recordar de alguns restaurantes nesse estilo que
frequentamos em algumas viagens para fora do Brasil.
Com a comida em nossos pratos, nos sentamos em uma
mesa ao ar livre. Há algumas árvores e o tempo está ótimo. Nem
tão frio nem tão quente, perfeito.
— Gostei daqui — ela diz, olhando ao redor. — Só não gosto
do dono.
— Eu também não vou com a cara dele. — Faço uma
careta. — Mas... se é por conta da casa, então que se dane ele.
— É assim que se fala.
Um garçom — um dos poucos — se aproxima e anota as
nossas bebidas. Ana Clara pede uma H2O e eu, uma Coca Zero.
Depois que ele se vai, ela pergunta:
— E, então... você disse que estava pensando sobre o quão
próximo está a nossa... — Ela olha para baixo, mexe na salada. —
A minha primeira vez. — Suas bochechas ficam vermelhas. — Mas
não me disse nada ainda sobre o que está planejando.
A verdade é que eu não consegui planejar nada. A semana
foi tão corrida no trabalho e o tempo que me resta não consigo
pensar em outra coisa a não ser no ato consumado.
Eu sou um idiota.
— Bem, acho que poderíamos planejar juntos. O que acha?
— pergunto, incerto se isso é uma coisa legal ou não.
Os olhos de Ana Clara brilham.
— Sério? Eu posso... ajudar?
— Se você quiser. — Coloco uma mão sobre a dela. — A
não ser que você queira que tudo seja uma surpresa, aí vai ter que
deixar nas minhas mãos mesmo.
— Não, não — ela diz, animada. — Eu acho que é legal
poder planejar isso com você. — Suas bochechas ficam vermelhas
novamente. — Bem, somos amigos, acho que planejar as coisas
sempre fez parte da nossa amizade. De quem nós somos.
— Sim, claro.
Ana Clara e eu sempre fomos mestres em planejar coisas.
Viagens, trabalhos, não é à toa que trabalhamos juntos no setor de
Engenharia e Arquitetura. As coisas se encaixam com perfeição.
Ela mastiga a comida enquanto sua mente trabalha. Parece
até que consigo enxergar os mecanismos de seu cérebro se
movimentando, pensando em todas as possibilidades do que vamos
fazer.
Céus.
A minha mente não pode começar a fazer isso agora. Não,
não dá para ficar excitado em um restaurante em plena luz do dia.
— Vai ser na minha casa ou na sua? — Ela aponta o garfo
em minha direção.
— Hum... na sua? — Talvez seja mais cômodo para ela estar
em um ambiente familiar.
— É, acho que é melhor. — Ela mastiga um pouco de
salada. — Na sua casa tem o Bóris e não quero ele me olhando de
forma acusadora depois.
Dou risada.
— Meu gato não vai te olhar de forma acusadora.
— Claro que vai. Todos os gatos olham de forma acusadora
para nós.
— Ok, na sua casa. — Só Ana Clara para cismar com meu
gato. — Vamos jantar fora ou quer que eu prepare algo?
Ela pensa por alguns instantes.
— Acho que... hum, eu adoro a comida que você faz — ela
diz, bebendo um pouco de H2O. — Jantar em casa, então.
— Ok...
O silêncio se instala enquanto almoçamos. No final das
contas, Ana Clara pede um Petit Gateau. Sua sobremesa favorita.
— Espere — a interrompo, quando ela está prestes a enfiar
a colher no bolinho. Ela me olha sem entender e eu levanto do meu
lugar e me sento no banco ao seu lado.
— O que foi, Gabriel? — ela pergunta, me olhando com
curiosidade.
— Quero te mostrar uma coisa — digo, pegando a colher de
sua mão. Meu braço esquerdo está em seu assento, contornando
seus ombros. — Sabe que a ansiedade torna as coisas melhores,
não sabe?
— Nem sempre... — ela diz, baixinho. Eu enfio a colher no
bolinho e o chocolate se espalha no prato.
— Mas no nosso caso, sim. — Pego um pedaço do bolinho e
um pedaço do sorvete, ergo a colher e levo em direção à sua boca.
— Que isso, Gabriel? — Ela se afasta um pouco.
— Não se afaste. Aprecie o momento — digo baixinho em
seu ouvido. — Eu quero que você abra a boca, coma o seu bolinho
favorito e solte um gemido.
Ela arregala levemente os olhos, olha ao redor e de volta
para mim.
— Gabriel, estamos em um restaurante e...
— Foda-se. Faça o que estou dizendo. Quero um som para
poder fantasiar durante as noites que ainda faltam.
Ela arregala os olhos.
Está envergonhada.
E os meus planos de não ficar excitado em um restaurante
no meio dia vão por água abaixo.
Ana Clara abre a boca e eu a alimento com delicadeza. Ela
fecha os olhos e um gemido sai de seus lábios, ecoando
diretamente no meu pau.
— Hummmm...
Não sei se isso foi uma boa ideia, mas... meu Deus.
— Mais um pedaço — anuncio, levando a colher de volta ao
prato e pegando uma porção generosa. — Abra a boquinha.
Ela obedece e, mais uma vez, o seu gemido me faz
visualizá-la nua na minha cama. Na cama dela, não sei. Tanto faz.
Caramba, faltam dois dias ainda.
— Alimentar o outro é um ato muito erótico, sabia? — digo,
roçando a minha boca em sua orelha. Ana Clara se retrai um pouco,
mas logo relaxa. Ela abre os olhos e após engolir, sorri
maliciosamente.
— É mesmo? Você vai me alimentar também no sábado?
— Com certeza... — Meus olhos descem para o seu
pescoço e de repente para a sua camisa branca, que me dá um leve
vislumbre do sutiã preto rendado que ela está usando.
— Nossa, Gabriel. — Ela ri. — Acho que essa é a melhor
coisa que vamos fazer nas nossas vidas.
Abro a boca para responder, mas seu celular começa a
tocar, quebrando totalmente o clima.
— Aff, é minha mãe — ela diz, olhando a tela. — Desculpe.
— Tudo bem.
Afasto-me só um pouco enquanto ela leva o aparelho até o
ouvido. Enquanto isso, vasculho ao redor para ver se não tem
nenhum curioso nos observando.
— Oi, mãe. Aconteceu algo?
Dona Marília é como uma segunda mãe para mim, assim
como a minha mãe é para Ana Clara. Por sorte, nossas famílias
sempre foram bastante unidas.
— Nossa, mãe. Não brinca com isso. — Seu tom se torna
sério. — Não, não dá. Por que não pede à Isabella?
Observo seu rosto em busca de uma explicação, mas tudo o
que vejo é preocupação e raiva.
— Mãe! Eu tenho planos com Gabriel. Não dá, neste fim de
semana, não.
Meu sangue gela de repente.
— O que foi? — pergunto baixinho. Ela me encara e então
vejo que nossos planos acabaram de ir por água abaixo.
— Tá, tá. Eu vou, né. Fazer o quê. — Ela bufa. — Também
te amo. Tá, eu digo a ele. Beijos.
Ana Clara desliga e coloca o aparelho com raiva sobre a
mesa.
— O que houve, Ana?
— Nossos planos acabaram de ser arruinados.
Não sei o que dizer. Frustração é algo que odeio sentir.
— Mamãe está organizando uma festa para a Clarice neste
fim de semana e quer que eu vá ajudá-la no sábado. — Ela morde o
lábio. — E... você sabe como a dona Marília é quando quer algo.
Suspiro pesadamente.
— Sei, sim.
Desvio o olhar porque não quero que ela veja o quanto isso
me irritou.
— Você também vai, né?
— Sim, claro. — Dou um meio-sorriso e volto para o meu
lugar. — Termine a sobremesa. Precisamos voltar ao escritório.
Ana Clara assente e termina de comer enquanto eu fico me
remoendo se o que acabou de acontecer não é um aviso de Deus,
dizendo: “parem essa loucura antes que seja tarde demais”.
Não sei, sinceramente não sei.
“— Aqueles idiotas não vão mais mexer com você. — Um
garoto de olhos azuis se abaixa para me ajudar a recolher os meus
livros que caíram quando alguns imbecis tentaram me passar uma
rasteira.
— Obrigada — digo, recolhendo o último livro de sua mão.
Levanto-me bem devagar, um pouco envergonhada. Não
queria que meu primeiro dia de aula do terceiro ano fosse assim.
Seria mais fácil se eu tivesse amigas... só que elas passam
bem distante de mim e minha irmã está em outra turma, então
sempre fico sozinha.
— Não foi nada — o garoto diz e então encaro seu rosto. Ele
tem olhos extremamente azuis e cabelos claros. Seu sorriso é
bonito também. — Como é o seu nome?
— Ana Clara — digo, abraçando com força meus livros. — E
o seu?
— Gabriel.
— Legal. — Olho para os lados. — Eu preciso ir para a aula.
— De que turma você é? — ele pergunta.
— Do 3º B.
Ele coça a cabeça.
— Ah, eu também sou.
Olho para ele por alguns instantes. Ele parece mais alto e
mais velho.
Antes que eu faça qualquer pergunta, suas bochechas
coram um pouco.
— Eu repeti o terceiro ano — ele diz, sentindo-se um pouco
derrotado. — Duas vezes.
Arregalo os olhos.
— Nossa, duas vezes?
— Sim, mas... prometi para minha mãe que vou estudar pra
valer agora. Quero ser engenheiro e arquiteto quando crescer.
— Eu também quero ser arquiteta. Gosto de planejar coisas
igual a minha mãe.
Ele sorri.
— Hum, bom saber, Ana Clara. Quem sabe quando a gente
crescer, não vamos trabalhar juntos?
Dou risada e sigo-o na direção da nossa sala de aula.
— É, quem sabe.”

— Uma moeda por seus pensamentos? — A voz de Gabriel


me traz de volta ao presente. Estamos dentro do carro, seguindo
viagem em direção ao sítio onde minha mãe vai fazer a festa.
Estou um pouco mal-humorada porque eu realmente não
queria ir para essa maldita festa. Minha mãe assumiu o
compromisso de realizar uma festa de noivado para a minha prima e
agora quer nos envolver, e sequer gostamos dela.
Clarice sempre foi muito metida, arrogante. Não sei o que
minha mãe tinha na cabeça de querer ajudá-la com uma festa de
noivado. Até porque, eu sei que ela vai querer esfregar na nossa
cara o namorado rico.
Grande coisa.
— Nada, eu estava me lembrando do dia em que nos
conhecemos — digo, apertando a mão de Gabriel, que está
entrelaçada à minha no console do carro. — Você era um repetente
do terceiro ano.
— É... mas ainda bem que eu tive você para me ajudar.
Consegui passar de ano e nunca mais repeti nenhum outro.
Sorrio.
— Quer dizer que eu fui peça fundamental para você ser
quem é?
Ele me fita de relance e sorri de volta.
— Claro que sim.
Quando Gabriel diz essas coisas, sinto meu peito inflar com
algo que não sei explicar o que é.
Nossa amizade sempre ultrapassou níveis que é difícil ver
por aí. Exceto por eu ter guardado um segredo íntimo, de resto,
Gabriel sempre esteve por dentro de tudo.
E agora, estamos um passo à frente na nossa amizade. E
era para estarmos ainda mais, se minha mãe não tivesse inventado
moda.
— Quando vamos remarcar a data? — pergunto, focando no
ponto em que estou mais ansiosa para saber. Desde quinta-feira,
quando recebi o telefonema, Gabriel não disse mais nada. Nem me
beijou mais também. Estou começando a ficar preocupada.
— Ahn... — Ele solta sua mão da minha e passa pelos
cabelos. — Não sei.
— Como não sabe, Gabriel? — pergunto, cruzando os
braços. — Você já desistiu, é?
Ele suspira.
— Já pensou no fato de que talvez o telefonema da sua
mãe, essa festa de noivado, tenha sido um sinal de Cristo para
pararmos antes que seja tarde demais?
— Você só pode estar de brincadeira. — Abaixo-me e pego
a minha bolsa, abrindo-a com raiva. Pego meu batom e o espelho e
começo a aplicar para tentar desviar a raiva que estou sentindo.
— Ana, não fique brava comigo.
— Não estou brava com você, seu bundão — retruco, então
aplico o batom na outra parte da boca.
— Bundão é o cacete — ele retruca. — Ana Clara, você
precisa entender os meus momentos de lucidez.
Não digo nada. Estou tão furiosa que se o carro não
estivesse em alta velocidade, eu abriria a porta e me jogaria daqui.
— Eu não vou desistir, ok? — ele diz, frustrado. — Eu só...
às vezes fico confuso, porra. Eu tenho medo de perder nossa
amizade, essa é a verdade. Você precisa me entender.
— Eu entendo que você é capaz de enfiar o seu pau em
uma desconhecida, mas não é capaz de fazer isso por mim, que sou
sua amiga desde a infância. — Minha voz está cheia de amargura.
— Poxa, já nos beijamos. Você estava me tentando no restaurante,
até minha mãe fazer essa maldita ligação. — Respiro fundo. —
Duvido que não esteja curioso para saber como vai ser a coisa entre
nós.
Gabriel respira fundo, então gira o volante, pegando a última
saída da rodovia.
— Eu estou — ele confessa. — Muito. E ansioso também.
Giro a cabeça para encará-lo e o pego corando um
pouquinho.
Tão lindo.
O breve pensamento me faz estremecer e eu volto o olhar
para a rodovia.
— Não quero esperar até semana que vem — determino.
Ele suspira.
— Eu também não, mas não vou te deflorar na casa dos
seus pais.
— Deflorar? — pergunto, virando-me para ele com um meio-
sorriso. — Que palavrinha mais... antiquada.
— Você quer que eu diga o quê? Te comer? Te fod...
— Eu sei o que os homens dizem, Gabriel — o corto. — Só
achei engraçado você usar essa palavra...
— Estava tentando ser um pouco gentil, afinal, o que vamos
fazer não é nada gentil.
— Nada gentil é o soco que vou enfiar na cara da minha
prima por ter inventado essa porcaria de noivado — resmungo,
enterrando-me no assento. — Falta muito para chegarmos?
Ele olha no GPS e suspira.
— Meia hora, mais ou menos.
— Inferno.

— Gabriel! Sempre tão lindo e elegante — mamãe diz com


um sorriso enorme ao abraçar meu amigo.
— Que isso, dona Marília. A senhora é quem continua linda
e elegante. Arrasando corações. — Ele se separa dela e minha mãe
se enche de orgulho ao ouvir suas palavras.
— Meu Deus, garoto, sortuda vai ser a mulher que
conquistar seu coração.
Meu sorriso morre ao ouvir essas palavras, porque não
quero nem pensar nas próximas mulheres que virão na vida de
Gabriel.
— Cadê o papai? — pergunto, atraindo um pouco da
atenção da minha mãe.
— Ah, filha, ele está na sala, conversando com o pai da
Clarice.
— Ótimo, vou vê-lo. — Lanço um sorriso para os dois e me
afasto na direção da sala.
A televisão de cinquenta polegadas está ligada em um canal
de esportes e eu interrompo meus passos quando ouço o pai de
Clarice dizendo o meu nome.
— Ana Clara já passou da idade de se casar, não passou?
— ele pergunta, cutucando meu pai com um braço. — Minha Clarice
fez vinte e três e já conquistou um partidão.
— Sorte da sua filha... — responde meu pai. — Já não
posso dizer o mesmo da Aninha. Ela, tadinha, nunca dá certo com
ninguém. Mas eu acho que o problema é o trabalho dela. Ela é
muito focada nisso e não se preocupa com relacionamentos.
— Só que alguém precisa lembrá-la que a idade chega para
todas. Daqui a pouco, nenhum homem vai querê-la — diz meu tio
Alberto.
Não sei por que, mas essas palavras doem mais do que
deveriam.
Será que eles não percebem que eu não me casei porque
não encontrei o cara certo?
Perco a vontade de falar com eles e viro-me para sair da
sala, mas dou de cara com uma parede humana, que me segura
antes que eu caia.
— Ana? Desculpe — Gabriel diz, segurando meus ombros.
— O que foi? — Seus olhos vasculham meu rosto e neste momento
percebe que não estou nada bem. — O que houve?
— Ana Clara? — papai pergunta, levantando-se do sofá
junto com tio Alberto. — Nossa, não a vimos aí.
Gabriel me solta, mas seu olhar diz claramente “depois
vamos conversar”. Viro-me para os homens, tentando manter o
semblante sereno enquanto digo:
— Olá, não quis interrompê-los. — Olho para o meu pai, que
já está coçando a cabeça, constrangido, como se tivesse sido pego
se masturbando. — Oi, papai, estava com saudade de você.
Então o restante é só cumprimentos, abraços e sorrisos
fingidos. Faço um tremendo esforço para manter-me tranquila,
enquanto o tio Alberto tagarela o quanto está feliz por Clarice e seu
noivado repentino.
Então, ouço a voz de Clarice.
— Ana Clara! — ela grita e vem correndo em minha direção.
— Que bom ver você, prima. — Seu abraço é um pouco
entusiasmado demais e eu fico confusa se ela está sendo sincera
ou não. — Fico tão feliz que você está aqui.
Clarice se afasta e direciona seu olhar a Gabriel.
— Oi, Gabriel — Ela dá um passo em sua direção e ele,
como o cavalheiro que sempre foi, cumprimenta-a com um beijo no
rosto. — Faz tempo que não o vejo. Você está ainda mais lindo.
Gabriel sorri timidamente e eu me seguro para não revirar os
olhos.
Não é segredo para ninguém que Clarice sempre teve
segundas intenções com meu amigo. A questão é que ele nunca
quis e isso a deixou frustrada, de certa forma.
— Obrigado — ele agradece. — Você também está muito
bonita.
Ela sorri.
— Imagina. Tudo bem que era para eu estar mais radiante
se fosse você o noivo, mas...
Tio Alberto tosse.
— Clarice, sua tia está te chamando na cozinha, você não
ouviu?
Ela olha confusa para o meu tio.
— Hã?
Além de tudo, é burra.
Novamente me seguro para não revirar os olhos.
Talvez esse seja um dos motivos que Gabriel nunca quis se
envolver com minha prima, apesar de ela ser uma mulher bonita.
Ela tem cabelos loiros naturais e olhos verdes, uma combinação
poderosa que coloca homens de joelhos em um estalar de dedos.
— Onde está seu noivo? — pergunto, antes que ela se vá.
— Ahhh, Andrei precisou passar na empresa para resolver
umas questões antes de vir para cá. Mas ele está ansioso para
ajudar a preparar tudo, você precisa ver como meu noivo é
atencioso. — Ela suspira, se esforçando para parecer apaixonada.
— Andrei é tudo o que eu pedi a Deus.
Gabriel e eu trocamos olhares do tipo “que patética”, mas
nos mantemos em silêncio enquanto ela exala romantismo barato
pelos poros.
— A ingrata da sua irmã não quis nos ajudar — Clarice
acusa. — Disse que só vai vir na hora da festa e nada mais.
Seguro uma risada.
Bem típico de Isabella fazer algo assim.
Minha irmã não gosta de festas em família, muito menos,
ajudar a preparar tais festas. Ela gosta apenas de chegar,
causando, de preferência, e se esbaldar nas bebidas até o dia raiar.
— Sorte a sua que eu vim, então — digo, cruzando os
braços.
— É, sorte a minha. — Seu olhar desliza novamente para
Gabriel e o silêncio se estabelece na sala.
Além de tudo, é safada.
— Clarice, sua tia... — tio Alberto diz, quebrando o clima
estranho.
— Ah, verdade. — Ela dá um pulinho. — Bem, fiquem à
vontade, meus amores, vou precisar sair depois, vou passar o dia
na cabeleireira, mas à noite estarei de volta.
— Ok, vai lá — digo quando ela passa por nós como um
foguete em direção à cozinha. Então viro-me para o meu pai e digo:
— Em que quarto vou dormir? O de sempre?
— Sim, querida. Sua mãe já deixou preparado — ele
responde. — E o quarto de Gabriel, também ao lado.
Sorrio em agradecimento e me viro para sair da sala.
O dia vai ser longo.
E eu não sei se estou preparada para isso.
O dia foi exaustivo.
Passamos toda a parte da tarde arrumando as coisas para o
noivado de Clarice. Fiquei ajudando na decoração, mesa, toalhas
etc. Gabriel ficou com os homens, cuidando das bebidas e de outros
detalhes que só eles conseguiam fazer.
À noite, meu pai pediu pizzas e nos sentamos na mesa perto
da piscina para comer e conversar. Falei pouco, afinal, ainda estava
chateada com as coisas que ouvi meu pai e tio Alberto falando
quando chegamos.
Então quando terminei de comer, pedi licença a todos e me
retirei para descansar. Precisava me preparar mentalmente para o
dia de amanhã.
E agora, são quase duas da manhã e eu, simplesmente, não
consigo dormir.
Não era para eu estar aqui.
Se meus planos tivessem dado certo, a essa hora eu já seria
uma mulher realizada sexualmente.
Que inferno.
Enfio a cabeça no travesseiro e sufoco um grito.
Ouço um barulho na porta e levanto a cabeça
imediatamente. Está tudo escuro, mas consigo visualizar a silhueta
entrando no meu quarto, tentando fazer o mínimo de barulho.
— Gabriel?
— Psiu... — Ele fecha a porta com cuidado, passa a chave e
vem em minha direção. — Dá um espaço aí.
Encolho-me na parede, fazendo o máximo de esforço para
deixar um espaço para ele se deitar comigo na minha cama de
solteiro. A cama faz um rangido assim que ele se deita e puxa o
cobertor para nos cobrir.
— Oi. — Ele me fita. — Você não está com cara de quem
estava dormindo.
— Não... estou sem sono — digo, abaixando o olhar. Coloco
minha mão sobre o seu peito coberto por uma camiseta branca
velha. — E você, pelo visto, também está na mesma situação.
Gabriel suspira.
— Sim, sem sono.
Quero perguntar se ele perdeu o sono por ficar pensando na
mesma coisa que eu, mas perco a coragem.
Então prefiro desenhar círculos em seu peito musculoso.
Eu já vi Gabriel vestido assim, pelo menos um milhão de
vezes, mas acho que nunca me senti tão afetada quanto agora.
Quero passar minha mão em seu ventre. Quero sentir o
calor de sua pele. Quero sentir sua rigidez. Quero descobrir por que,
desde que lhe fiz essa oferta, não consigo deixar de pensar em
como vai ser quando nossos corpos estiverem unidos.
Desço os dedos lentamente pela sua barriga esculpida na
academia e sinto-o prender a respiração.
— Gosta disso? — pergunto.
— Gosto.
Apesar da penumbra, a luz que entra pela janela me permite
enxergar o rosto de Gabriel. Seus olhos estão escuros.
— O que aconteceu hoje mais cedo? — ele pergunta,
quebrando o clima.
Fecho o semblante e me deito em seu braço. Passo um
braço ao redor de sua cintura.
— Nada.
— Não minta para mim, Ana Clara.
Respiro fundo.
— Meu pai e tio Alberto estavam falando merda... sobre
mim.
— O que eles falaram? — Sua mão esquerda começa a
alisar meu braço, enquanto a direita brinca com mechas do meu
cabelo.
— Coisas machistas — digo baixinho. — Do tipo que eu só
me preocupo com meu trabalho e é por isso que nunca vou
encontrar alguém para me casar. — Faço uma pausa. — Estavam
enaltecendo Clarice por estar se casando aos vinte e três anos.
Gabriel bufa.
— Sabe que não pode ligar para o que eles dizem, não
sabe?
— Sei, mas... machuca, mesmo assim.
Gabriel me puxa um pouco para cima e nossos rostos ficam
a centímetros de distância.
— Você está preocupada com essa coisa de... casamento?
— ele pergunta.
— Não, claro que não — digo, rápido demais. — Bom, às
vezes eu penso, sim. Tenho vinte e sete anos, Gabriel. Quando é
que vai aparecer o cara certo?
Ele fica em silêncio.
— Mas não é algo que me deixa maluca, sabe. Acho que
existem outras questões na minha vida que me deixam mais
preocupada. — Dou uma risadinha para aliviar o clima.
Gabriel respira fundo.
— Vem aqui. — Ele me puxa para cima de seu peito. Suas
mãos afastam meus cabelos e depois alisam meu rosto. — Você é
linda, vai encontrar o cara certo logo.
Reviro os olhos.
— Está dizendo isso só para me acalmar.
— Estou dizendo porque é a verdade. — Ele segura meu
queixo com delicadeza. — Sabe por que não consegui dormir? —
ele pergunta, fitando meus lábios.
— Por quê?
Gabriel segura minha cintura e, em questão de segundos, já
estou com as costas no colchão e ele está por cima de mim.
— Porque a essa hora, eu estaria dentro de você — ele diz
baixinho, então se abaixa, encostando seu quadril em meu ventre e
eu arregalo os olhos ao sentir seu pau duro contra a minha barriga.
Ele sorri.
— Isso mesmo.
— Gabriel... você está tão safado. — Encaixo as mãos em
seu pescoço e ele dá uma risadinha. — O que aconteceu com o
cara que estava se cagando de medo dentro do carro de pegar a
melhor amiga?
Ele suspira.
— Sei lá, acho que foi embora. Talvez eu seja igual àquele
cara daquele filme que tem umas vinte personalidades dentro de si.
Essa que está falando com você, neste momento, é a de um cara
superexcitado em pegar a melhor amiga. — Ele se abaixa
novamente e eu não consigo sufocar um gemido. — Droga, Ana. Eu
já disse que nós vamos para o inferno?
— Disse e eu acho que vamos mesmo.
— Então é bom irmos pelos motivos certos — ele diz, antes
de descer a cabeça e capturar os meus lábios em um beijo ardente.
Entrego-me, abrindo meus lábios, procurando a sua língua
com a minha. Nunca pensei que beijar meu melhor amigo seria tão
excitante, mas desde que começamos essa pequena aventura, vejo
que foi a melhor coisa que eu podia ter ofertado a ele em tantos
anos.
Gabriel e eu somos solteiros. Desimpedidos. Somos amigos,
nos entendemos como ninguém. Não sei como nunca pensei nessa
possibilidade antes, afinal, repito: Gabriel é o tipo de homem que faz
mulheres rastejarem aos seus pés.
Uma de suas mãos se infiltra em meus cabelos e a outra
segura o meu rosto, enquanto sua boca devora a minha, beijando-
me como se não houvesse amanhã.
Esse beijo faz percorrer ondas de excitação pelo meu corpo
inteiro. Arqueio um pouco, desejando que não estivéssemos aqui,
mas sim em meu apartamento. Sem essas roupas, aproveitando o
que a noite pode nos dar de melhor.
Minhas mãos descolam de seus ombros e eu arrasto meus
dedos por suas costas, sentindo cada músculo estremecer assim
que o toco.
— Eu tive uma ideia — Gabriel diz, se afastando. Sua voz
está ofegante, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
— Ah, é? Qual?
Ele deposita um beijo demorado em meu pescoço.
— Vou te dar um pouco de prazer, para você esquecer o que
aconteceu hoje — ele diz perto do meu ouvido.
Prazer?
O que Gabriel vai fazer?
Seus lábios voltam para os meus e nos beijamos com mais
força do que antes.
Céus, eu quero tanto experimentar todos os tipos de
prazeres com ele. Isso está me deixando maluca.
Ele se afasta, me observando com atenção.
Uma de suas mãos passeia do meu pescoço, descendo pela
lateral do meu seio. Estremeço ao senti-lo ali. Gabriel sorri e
continua seu percurso malvado, descendo pela minha cintura.
— Sempre gostei da sua cintura — ele confessa baixinho.
— Hummm...
Sua mão desce mais um pouco e ele toca a minha
intimidade por cima do meu short de dormir.
Estremeço e arregalo os olhos.
Gabriel sorri maliciosamente.
— Quero você relaxada.
Deito a cabeça novamente no travesseiro e espero.
Ele movimenta os dedos mais algumas vezes e eu solto um
gemido alto.
— Psiuuu... — Ele ri, encostando sua testa na minha. — Não
quer que nos ouçam, quer?
Balanço a cabeça negativamente.
Não posso nem pensar nas pessoas descobrindo o que
estamos fazendo. Sempre levantamos a bandeira de que existe
amizade entre homem e mulher, sem incluir desejo sexual.
Suas mãos se infiltram em meu short e ele percebe que
estou sem calcinha. Adoro dormir assim.
Seus olhos brilham.
— Mas olha só... — Seus dedos tocam em meu ponto
sensível e eu solto outro gemido. Caramba, vai ser difícil me
controlar desse jeito. — Tão molhadinha... — ele sussurra em meu
ouvido. — Nossa, Ana. Que delícia.
Ah. Meu. Deus.
— Sim...
Gabriel massageia meu ponto sensível e isso me leva à
loucura. O pior de tudo é ter que sufocar meus gemidos porque
ninguém pode nem sonhar que estamos fazendo isso.
Dizem que o proibido é mais gostoso. Estou inclinada a
levantar essa bandeira a partir de agora.
— Gabriel! — digo seu nome em um gemido quando estou
quase alcançando o orgasmo. Eu sou virgem de penetração, mas
isso não significa que já não brinquei com outras coisas antes.
Sozinha, no chuveiro... — Gabriel, eu vou gozar.
— Vai, é? — Ele dá uma risadinha safada. — Então acho
que vou parar por aqui.
O quê?
Ele ri, tirando a sua mão, então se afasta e, quando estou
prestes a mandá-lo para o quinto dos infernos, Gabriel puxa o meu
short, sem cerimônias.
Ahn, ok. Por essa, eu não esperava.
Ele me beija novamente, desfazendo toda a tensão que eu
estava carregando em meu rosto.
— Calma, linda. Fiquei o dia todo pensando em como seria o
seu gosto. Não vou conseguir esperar até, sei lá. Não sei que dia
vamos terminar isso, mas sei que quero prová-la agora.
Fecho os olhos e jogo minha cabeça no travesseiro.
Gabriel Roberto Albuquerque quer me matar. É isso.
Gabriel se afasta e sua boca percorre a minha barriga. Suas
mãos fortes seguram meu quadril e eu me abro para ele. Acho que
eu deveria me sentir tímida com isso, mas não. Tudo o que consigo
pensar é que quero isso como nunca quis nada na vida.
Fecho os olhos no momento que sua língua encosta em
minha intimidade. Ondas de prazer percorrem meu corpo e toda a
frustração de antes vai embora quando Gabriel chupa o meu ponto
sensível.
— Você é deliciosa, Ana — ele diz. — Caralho, devíamos ter
feito isso antes.
É difícil controlar meus gemidos. Quero gritar, quero
extravasar, quero que todo mundo saiba que eu posso não ter um
noivo agora, mas tenho o melhor amigo do mundo, que está aqui
me dando algo que nunca vou esquecer.
O melhor orgasmo da minha vida.
Gabriel mergulha em minha intimidade, chupando,
mordiscando, lambendo e eu me abro um pouco mais, dando-lhe
acesso completo ao meu corpo. Arqueio as costas, deixo que ele
me leve ao topo do monte. Deixo que me empurre no meio dessa
adrenalina do que é certo ou errado. A linha tênue que separa a
nossa amizade do prazer carnal.
— Gabriel! — gemo um pouco mais alto. — Você vai me
matar.
Ele solta uma risadinha.
Um dedo me penetra enquanto sua língua brinca com meu
ponto sensível.
Acho que já nem sei como é o meu nome. Nem sei onde
estamos.
Seguro com força o lençol e tenho certeza de que neste
momento nenhuma corrente sanguínea está passando pelos meus
dedos.
Seu dedo entra e sai enquanto sua língua brinca com meus
grandes e pequenos lábios.
O prazer vem como um soco. Inesperado, forte, intenso.
Derreto-me conforme as ondas me levam como se eu
estivesse em um grande mar, cercada pela maré do prazer.
Gabriel beija minhas coxas, minha barriga exposta e, por fim,
beija meus lábios. Há um erotismo excêntrico ao sentir meu gosto
em seus lábios e eu sinceramente não sei como vou fazer para
esquecer isso.
— Você é muito gostosa — ele diz, deitando-se ao meu lado
e me puxando para si.
Relaxo contra o peito forte, na mesma medida que meus
olhos começam a pesar.
— Quer que eu faça algo por você? — pergunto, afinal, sei
bem como os homens se sentem. Gabriel deve estar prestes a
explodir.
— Não, linda. — Ele deposita um beijo em minha têmpora.
— Eu dou um jeito. Descanse. Amanhã ainda temos que ter forças
para aguentar a chata da sua prima.
Dou uma risadinha.
Eu amo como Gabriel compra as minhas brigas. Como ele
se importa com as coisas que eu gosto ou deixo de gostar.
— Obrigada, Gabe. Você é o melhor — sussurro,
depositando um beijo em seu queixo.
Ele sorri.
— Não foi nada. Descanse.
Fecho os olhos e relaxo com seus braços ao meu redor e o
calor de seu corpo contra o meu.
Acho que nunca me senti tão acolhida quanto agora.
A parte mais difícil foi, sem dúvidas, sair da cama de Ana
Clara e voltar para a minha, na solidão da noite.
Não foi a primeira vez que nos deitamos na mesma cama,
nem a primeira que Ana Clara dormiu abraçada a mim, mas foi a
primeira vez para várias outras coisas, dentre elas: o desejo
desenfreado que estou sentindo.
Céus, eu senti seu gosto. Eu a levei a ter um orgasmo louco
e gemer meu nome enquanto me segurava para não a possuir ali
mesmo, em sua antiga cama de infância.
Claro que ao chegar em meu quarto usei minha mão para
aliviar a dor que estava sentindo ao privar meu amigo de ter o que
ele desejava. O que nós desejávamos.
Sei que isso é tudo uma grande loucura, mas acho que não
consigo mais parar. Só de pensar que vou ser o primeiro de Ana
Clara, me faz sentir algo muito estranho. Algo que nunca senti
antes. Só que preciso me lembrar a todo momento que ela é minha
amiga. Não é como se eu estivesse transando com uma mulher
experiente, que sabe todos os toques e magias da sedução.
Eu sei lá, acho que estou muito ferrado.
— Caiu da cama, Gabriel? — Dona Marília me assusta ao
entrar na cozinha enquanto estou tomando um gole de café preto.
— É, acho que sim. — Abro um meio-sorriso. — Não
consegui dormir direito.
Ela suspira e vai até a máquina de café.
— Nem me fale. Eu também não. — Por um momento, meu
coração gela de receio de que alguém tenha ouvido minha
brincadeira com Ana Clara. — Fiquei pensando se está tudo em
ordem para a festa de noivado — ela explica e eu relaxo. — Sabe
como é, né. Clarice é como uma filha para mim e eu quero que tudo
seja perfeito.
— Vai ser, sim. A senhora sempre organiza as melhores
festas.
Ela sorri e então seu café fica pronto. Ela se junta a mim no
balcão.
— Não tivemos muito tempo para conversar ontem — diz,
assoprando dentro da xícara. — Como você está? Já arrumou uma
namorada?
Dou uma risada.
— Estou bem e não, não arrumei uma namorada.
— Por quê? — Ela me olha assustada. — Vocês jovens,
meu Deus. Eu não entendo... você e Ana Clara estão bem-
sucedidos na vida, por que não encontram alguém para compartilhar
esses momentos bons?
Beberico meu café para não ter que explicar à dona Marília
que eu não quero encontrar ninguém por enquanto. Sinto-me bem
sendo solteiro, fazendo o que eu quero da vida, ficando com quem
eu quero.
Acho que não me sentiria confortável com alguém ditando a
minha vida e colocando regras em tudo o que eu faço.
A menos que... eu estivesse verdadeiramente apaixonado.
E isso não aconteceu até hoje.
— Estou preocupada com Ana Clara — diz, suspirando. —
Veja só, Clarice já vai se casar e com um bom homem. E minha
filha? Sempre com a cara enfiada no trabalho e...
Não estou gostando do rumo que a conversa está tomando.
— Dona Marília, me perdoe, mas Ana Clara é a pessoa mais
competente que eu conheço — a corto. — E não acho que ela
precise de alguém na vida para fazê-la sentir-se completa. Ana
Clara é suficiente por si própria.
— Sim, ela é. Mas...
— Ouça, dona Marília — a corto novamente, porque eu
jamais vou deixar que menosprezem minha melhor amiga. — Ana
Clara precisa de alguém especial ao lado dela. Se for para ficar com
qualquer um, é melhor ficar sozinha.
Dona Marília olha para o próprio café e suspira.
— Eu entendo o que quer dizer, Gabriel — ela diz. — O
problema é que eu tenho medo da minha filha ficar sozinha no
mundo. Meu marido e eu não vamos durar a vida toda. Quero que
ela encontre alguém que a complete.
— Ela não vai ficar sozinha, ela tem a mim.
Dona Marília ri e me fita como se eu fosse um idiota.
— Você logo vai encontrar alguém, Gabriel. Essa amizade
de vocês não vai durar para sempre. Já pensou nisso? Quando
você encontrar uma mulher legal e se apaixonar, Ana Clara vai
precisar se afastar... a mesma coisa ela, quando encontrar um cara
legal, você vai precisar se afastar. É assim que as coisas funcionam,
querido. Amizades não sobrevivem a relacionamentos.
Fico em silêncio, absorvendo as palavras de dona Marília e
um nó se forma em minha garganta.
Nunca parei para pensar a fundo sobre o rumo que a minha
amizade com Ana Clara vai tomar. Nós já prometemos que nunca
vamos nos afastar um do outro, mesmo que encontremos pessoas
para compartilhar a vida, mesmo assim, isso pode acontecer. Não
dá para prever o futuro.
— Nossa, já vieram tomar café? — A voz de Ana Clara
interrompe meus pensamentos e eu ergo a cabeça para fitá-la.
Ela está usando uma camiseta larga com um short cinza de
academia. Seus cabelos castanhos estão um pouco bagunçados,
mas assim que nossos olhares se cruzam, ela sorri timidamente e
suas bochechas coram um pouco.
Caramba, que linda.
— Oi, querida, junte-se a nós. — Dona Marília se levanta do
banquinho. — Quer que eu prepare um café para você?
— Quero, por favor. — Ela vem até onde estou e se senta no
banquinho deixado por dona Marília, ao meu lado.
Inclino-me até ela, encostando nossos ombros.
— Como foi a sua noite?
Precisamos agir como sempre. Só assim as coisas não vão
se perder entre nós.
Ela não me olha, apenas sorri. Suas bochechas coram ainda
mais.
— Perfeita. E a sua?
— Deliciosa.
Ana Clara ergue os olhos arregalados em minha direção e
eu não aguento e solto uma risada. Ela olha para trás para ver se
sua mãe está prestando a atenção em nós e depois sussurra:
— Gabriel, não me faça sentir vergonha.
— Vergonha do quê? — pergunto próximo ao seu ouvido. —
De ter provado de um excêntrico orgasmo provocado pela boca do
seu melhor amigo?
Ela dá um tapa em meu braço e eu dou risada.
— Você vai me pagar.
— Espero que sim.
Nossos olhares ficam presos um no outro por longos
instantes, até que a voz de dona Marília nos interrompe, dizendo:
— Crianças, vocês querem pão na chapa ou pão de queijo?
— Pão de queijo — Ana Clara e eu respondemos juntos.
Então sorrimos.
E neste momento os temores vão embora e sinto como se
eu estivesse em meu próprio lar.

A festa de noivado de Clarice está uma chatice, como eu já


havia previsto.
Ela anda para lá e para cá arrastando o noivo, exibindo-o
como se fosse um troféu que recebeu por ser a pessoa mais
especial do mundo. E nós sabemos que isso está bem longe da
verdade.
O que está me salvando é a cerveja, que é de ótima
qualidade e a visão privilegiada que tenho de Ana Clara
conversando com alguns convidados, rindo e exibindo suas lindas
pernas através de um vestido cor creme que cai perfeitamente em
seu corpo, delineando suas curvas.
Acho que a ideia de preparar uma noite romântica está
ficando em segundo plano. Já estou ciente que quero ser o primeiro
homem de Ana Clara, mas não sei até quando vou aguentar segurar
as coisas.
O problema é que às vezes sinto que ela merece muito mais.
Às vezes, sinto como se eu não fosse o homem certo para fazer
isso. Talvez ela devesse encontrar outro...
Não.
Só de imaginar algo assim, minha cabeça começa a girar e
nem é por causa da bebida.
O que está acontecendo comigo?
Sempre fui meio protetor com Ana Clara, mas isso era em
outros assuntos. Nunca me meti em seus relacionamentos e até
íamos para os mesmos bares para escolher parceiros.
Até aquele dia em que ela me disse que é virgem.
Céus.
Que confusão dos diabos.
— Hey, vai ficar sentado aí, bebendo a tarde toda? — Ana
Clara se aproxima com seu sorriso lindo. — Vem dançar comigo. —
Ela estende a mão.
Deixo a cerveja de lado e seguro em sua mão. Ela me puxa
rindo e me arrasta até onde alguns convidados estão dançando.
— Meu Deus, Ana Clara, é sério que você quer que eu
dance Barões da Pisadinha? — pergunto, desgostoso.
Ela ri e se coloca na minha frente.
— Sua irmã vai trocar. Ela já foi lá colocar outra.
Olho na direção das caixas de som e vejo Alicia mexendo no
celular. De repente, uma música lenta se inicia.
Ana Clara joga os braços ao redor do meu pescoço e eu
seguro sua cintura.
— Meu Deus, sua irmã é maluca — Ana Clara diz,
balançando a cabeça negativamente.
— Por quê?
— Preste atenção na letra da música.

“Dizemos que somos amigos, mas eu estou te olhando do outro lado


da sala
Não faz sentido, porque estamos brigando por causa do que
fazemos
E não tem como eu acabar ficando com você
Mas amigos não olham para amigos desse jeito
Amigos não olham para amigos desse jeito.”
That Way – Tate McRae

— Interessante — digo, enquanto nossos corpos balançam


devagar.
Ela suspira e encosta a cabeça em meu peito.
— Você passou o dia todo olhando em minha direção — ela
diz.
Hum, pego em flagrante.
— Como sabe?
— Eu te conheço, Gabriel. — Ela se afasta e me encara. —
Você dá mais bandeira que não sei o quê.
Dou uma risadinha e desvio meu olhar para o chão.
— É que você está muito linda nesse vestido.
Ana Clara enrijece um pouco em meus braços e eu a
encaro.
Não sei bem definir o que está se passando em sua mente,
até que ela pergunta:
— Está dizendo isso como meu melhor amigo diria ou
porque você realmente acha isso?
Sua pergunta me deixa um pouco confuso, mas trato de
explicar:
— Estou dizendo, porque eu realmente acho. — Então
minha boca vai até sua orelha e eu continuo: — Acha que eu
consegui dormir depois de ter provado seu gosto?
— Gabriel... — Ela suspira o meu nome e isso é mais
excitante do que qualquer outra coisa que eu já presenciei. — Isso é
tão errado.
— Por quê? — Afasto-me para encarar seus olhos.
Ela olha para os lados e, depois, de volta para mim.
— Você sabe que não precisa fazer isso se não quiser. Sei
que forcei a barra, mas... no fundo, eu tenho medo de estragar tudo
o que temos.
— Hey, nós não vamos estragar a amizade com isso.
Ela suspira, olha para cima, respira fundo e depois, a Ana
Clara de antes, empolgada e cheia de si, retorna com tudo.
— Claro que não. — Ela dá um meio-sorriso. — Nós vamos
fazer isso funcionar. Eu sempre vou ser sua amiga, Gabriel.
— E eu sempre vou ser seu amigo.
Nós sorrimos um para o outro.
— Ah, esqueci de te contar — ela diz. — Lembra que mês
passado eu te falei que tinha aberto um processo seletivo para um
mestrado na França?
Tento me lembrar das coisas que aconteceram antes dessa
loucura entre Ana Clara e eu começar e... sim, acho que ela
comentou algo sobre isso.
— O que tem?
Ela sorri.
— Ontem, depois do que meu pai falou, percebi que tanto
faz o que pensam de mim, o que importa é o que eu acho. E eu
acho que gosto de estudar e se eu conseguir essa bolsa, é uma
oportunidade e tanto. Então enviei a minha inscrição.
— Que ótimo, Ana — a giro mais uma vez —, você vai
conseguir, sim, tenho certeza.
Ela suspira e então encosta a cabeça em meu peito
novamente.
— Tomara. Vai ser bom para a minha carreira, para os
negócios.
— Vai sim, não ligue para o que os outros falam. Já falei que
te admiro demais, não falei?
Sinto seu sorriso em meu pescoço.
— Falou. Você é um fofo, Gabriel, sortuda vai ser a mulher
que conquistar o seu coração.
Abro um meio-sorriso, mas suas palavras me perturbam de
repente.
Lembro-me das palavras de dona Marília.

“Essa amizade de vocês não vai durar para sempre. Já pensou


nisso? Quando você encontrar uma mulher legal e se apaixonar,
Ana Clara vai precisar se afastar... a mesma coisa ela, quando
encontrar um cara legal, você vai precisar se afastar.”
Não quero que ninguém se apaixone por mim.
Não quero perder o que nós temos por causa de uma
terceira pessoa.
Não mesmo.
— Nossa, o Gabriel tá cada vez mais gostoso, hein —
Isabella comenta antes de levar a lata de cerveja até a boca.
Estamos sentadas em espreguiçadeiras dispostas do outro
lado da piscina, enquanto observamos algumas pessoas
aproveitando a noite fresca.
Gabriel, no entanto, está em pé na beira da piscina bebendo
cerveja e conversando com um cara que eu não conheço. Ele está
usando uma camiseta regata, deixando uma visão privilegiada de
seus bíceps para as mulheres presentes e eu sei que minha irmã é
mais uma das afetadas.
— Sabe, irmãzinha... — ela continua, abrindo um sorrisinho
traiçoeiro. — Não sei como você consegue ser “amiga” dele. — Ela
frisa a palavra como se fosse algo ruim. — Se eu estivesse no seu
lugar...
— Só que você não está — retruco, começando a ficar
irritada.
Isabella me lança um olhar maroto.
— Nunca pensou em fazer umas sacanagens com ele?
Diante do meu silêncio, Isabella joga a cabeça para trás,
rindo.
— Do que está rindo, idiota? — Cruzo os braços. — Gabriel
e eu somos apenas amigos. Você sabe disso, sempre foi assim.
— Eu sei, desculpe. — Ela ainda está rindo. — Mas acho
legal você ser sincera, porque eu também já teria cogitado fazer
muitas sacanagens com um homem como ele, fosse meu amigo ou
não.
Isabella sempre foi mais descolada que eu e, talvez, ela
entenda um pouco mais dessas coisas.
— Isa, se você estivesse no meu lugar, arriscaria uma
amizade de tantos anos por uma noite de prazer?
Isabella se derrete no lugar, com o olhar ainda fixo em
Gabriel.
— Depende. Se o amigo em questão fosse tão gostoso
quanto o Gabriel é, eu arriscaria, sim.
Fico em silêncio, meditando em suas palavras, então meu
olhar encontra o de Gabriel e ele sorri.
Caramba, ele é muito lindo.
Como eu nunca tinha percebido isso antes?
Então, antes que eu diga qualquer coisa, ele dá a volta na
piscina, cumprimenta Isabella e se senta comigo na
espreguiçadeira.
— Você pretende ficar aqui até que horas? — ele pergunta,
mas estou absorta no calor que emana de seu corpo contra o meu.
— Não sei... já quer ir embora?
— Amanhã precisamos chegar cedo à empresa — ele
lembra. — Reunião com o grupo Toledo.
— Aff, verdade. — Respiro fundo e me levanto. — Ok, eu só
vou pegar minhas coisas e já volto para nos despedirmos de todos,
pode ser?
— Claro.
Viro as costas para sair dali, então ouço a voz da minha
irmã, mais melodiosa do que de costume:
— E aí, Gabriel... como estão as coisas?
Reviro os olhos e me obrigo a sair dali, antes que eu brigue
com a minha irmã por motivos que eu mesma desconheço.

— Hey, acorde. Chegamos. — Sinto as mãos de Gabriel em


meu rosto.
Abro os olhos lentamente. Estamos dentro do carro, está
tudo escuro, mesmo assim, consigo visualizar os traços de seu lindo
rosto.
— Nossa, não acredito que dormi a viagem toda. — Me
espreguiço no assento enquanto Gabriel dá uma risadinha e se
encosta na porta ao seu lado.
— É, você dormiu. E eu não quis acordá-la, porque sei o
sacrifício enorme que foi aguentar a chata da sua prima.
Dou risada. É, Gabriel sabe.
Desvio o olhar para a janela do carro. Estamos do lado de
fora do meu edifício e eu nem sei que horas são, só sei que, na
verdade, não importa. Depois que ouvi a opinião de Isabella, mesmo
sem revelar toda a minha pretensão com aquela pergunta, tive mais
certeza do que quero.
— Por que parou aqui? — pergunto, olhando de volta para
Gabriel. — Por que não entrou na vaga lá dentro?
— Eu, ahn...
— Você não vai subir comigo? — Minha pergunta está cheia
de segundas e terceiras intenções, que Gabriel entende direitinho.
Seu olhar está vidrado em meu rosto.
— Eu... — Ele suspira, aproximando-se novamente. Seu
rosto fica a centímetros do meu. — Você sabe que se eu subir,
provavelmente, não terei forças para ir embora.
— Eu não quero que você vá embora — digo de uma só vez.
Ele abre um meio-sorriso.
— Quero que seja perfeito, Ana. — Sua mão vem até meu
rosto e o acaricia com o polegar. Fecho os olhos e suspiro.
— Só de ser com você, eu sei que vai ser perfeito — digo,
aconchegando meu rosto em sua mão. — Por favor, Gabriel. Não
me faça esperar mais.
Ele fica em silêncio e eu abro os olhos para tentar adivinhar
o que está pensando.
Seus olhos estão passeando pelo meu rosto de uma forma
como nunca vi. Quer dizer, eu vi na noite passada, quando ele me
beijou de formas ousadas e depois me fez ter o melhor orgasmo da
minha vida.
— Tem certeza, Ana Clara? — ele pergunta, com sua voz
um pouco mais grossa que me lembra todas as vezes que o vi
tomando sérias decisões.
— Tenho. — Aproximo-me e deposito um selinho em seus
lábios. — Eu quero isso. Quero esta noite.
Gabriel suspira. Sua cabeça desce um pouco e ele aspira o
meu perfume, então deposita um beijo em minha clavícula.
— Não vai ter jantar à luz de velas — ele diz, como se
estivesse me lembrando das coisas que compõem um encontro
perfeito. — Nem Petit Gateau.
— Não importa. — Fecho os olhos. Seus lábios estão
depositando beijos em meu pescoço.
Enrosco os dedos em seus cabelos macios.
— Nem vai ter dança romântica após o jantar.
— Não importa. — Dou uma risadinha quando ele alcança
uma região sensível. — Gabriel, vamos subir. Eu vou enlouquecer
se isso não acontecer logo.
Ele se afasta e me encara nos olhos por um longo instante.
— Tudo bem, vamos lá.

Acho que nunca me senti tão nervosa ao entrar em meu


apartamento.
Por sorte, a mão de Gabriel está tão gelada e trêmula quanto
a minha. Por isso, acabamos rindo quando nos atrapalhamos ao
procurar a chave para abrir a porta.
Já passa da meia-noite quando atravesso a soleira da porta
e coloco minha bolsa em cima do sofá. Não perco tempo acendendo
a luz, porque a claridade que vem da rua me dá uma boa visão aqui
dentro.
Então eu arfo, surpresa, quando duas mãos puxam a minha
cintura para si e lábios famintos vêm de encontro ao meu pescoço.
Minha reação é instintiva ao jogar a cabeça para trás, encostando
em seu ombro.
— Sabia que eu fiquei imaginando meios de tirar esse
vestido de você enquanto estava dirigindo? — Gabriel pergunta,
suas mãos passeando pela minha cintura, subindo bem lentamente
aos meus seios.
— Sério? — Arfo novamente quando suas mãos ficam
preenchidas com o peso dos meus seios.
— Aham.
Viro-me um pouco para Gabriel e seus lábios capturam os
meus em um beijo sedento. Sua língua não perde tempo e invade a
minha boca, devorando-me sem pudor.
Meu corpo está em chamas, sedento. Gabriel massageia
meus seios, concentrando-se nos bicos intumescidos.
Sua boca deixa a minha e ele deposita beijos no meu
maxilar.
Por sorte, nós temos quase a mesma altura, então não é
difícil quando ele me pega pelas pernas e me coloca sentada no
encosto do sofá. Ficamos frente a frente, ambos tomados por um
desejo descontrolado.
Nunca imaginei que isso fosse possível.
Meus olhos descem pela cintura de Gabriel e eu consigo ver
seu pau lutando contra o aperto da calça.
— Você realmente quer isso — digo baixinho.
Ele olha para o próprio pau e, depois, de volta para mim.
— Quero, sim.
Ergo as mãos até seu pescoço e desço lentamente,
concentrando-me em seus braços fortes. Não gosto de lembrar que
as mulheres ficaram babando em seu físico durante a festa.
— Gosta dos meus braços? — ele pergunta, sua respiração
acelerada.
— Gosto muito.
Ele sorri, seus braços me envolvem e seus lábios vêm de
encontro aos meus em um beijo feroz. Então Gabriel se afasta para
respirarmos. Nossas peles já estão pegando fogo, mas eu vejo em
seus olhos que, apesar do desejo, ele não quer apressar as coisas.
— Vamos para o meu quarto? — pergunto baixinho.
— Pode ser... — Sua respiração está ofegante.
Pulo do sofá, então o puxo pela mão, guiando-o pelo
corredor.
Não preparei nada, sequer estou usando uma lingerie nova,
apesar de a minha ter sido usada poucas vezes. Mas espero que
Gabriel não ligue para esses detalhes. Espero que ele aprecie o
momento tanto quanto eu estou certa de que vou apreciar.
— Vou acender a luz — digo, soltando a mão de Gabriel.
Acendo o abajur na mesinha ao lado da minha cama e me
viro para encará-lo. Ele está me olhando como um leão prestes a
atacar sua presa.
Gabriel fecha a porta do quarto e dá alguns passos em
minha direção. Seu olhar vagueia pela cama e depois volta para
mim.
— Vou perguntar pela última vez — ele diz baixinho. — Tem
certeza de que quer fazer isso comigo? — Suas sobrancelhas se
erguem um pouco. — Tenho certeza de que há outros homens que
talvez você...
— Psiu! — Dou um passo em sua direção e jogo os braços
ao redor de seus ombros. — Eu disse que quero isso com você.
Falei sério. Por favor, não faça mais perguntas. Sei que é loucura,
mas estamos juntos nessa.
Gabriel me encara por alguns segundos com seus olhos
azuis. Então seus lábios voltam a capturar os meus e eu relaxo em
seus braços, com sua boca me devorando bem lentamente.
O beijo mais apaixonado que eu já troquei.
O pensamento me faz estremecer. Será que Gabriel e eu
podemos alcançar um nível entre a amizade e o amor? Aliás, será
que isso existe? Um sentimento mais forte que uma amizade, mas
não tão intenso quanto uma paixão?
Não sei, apenas sei que os lábios de Gabriel estão em meu
pescoço e suas mãos estão trabalhando no zíper do meu vestido.
Até alguns dias atrás, nunca pensei que chegaríamos a esse
ponto.
Eu sempre soube da fama de bom de cama que Gabriel
conquistou entre as mulheres, mas nunca achei que eu mesma
quisesse provar alguma vez.
Bloqueio os pensamentos que envolvem as mulheres que já
passaram em sua vida assim que meu vestido chega ao chão. Ele
se afasta um pouco para me olhar de cima a baixo.
— Não é uma lingerie nova, desculpe... — digo, um pouco
envergonhada.
Ele apoia as mãos em minha cintura e encosta sua testa na
minha.
— Não importa. Você é linda com lingerie, mas é ainda mais
sem.
Sorrio, então suas mãos saltam da minha cintura e se
concentram no fecho do meu sutiã. Ele arrasta as alças pelos meus
ombros sem nunca deixar de encarar meus seios.
— Linda — ele diz, olhando novamente para os meus olhos.
Gabriel joga o sutiã em um canto e depois se ajoelha na
minha frente.
Experimento um milhão de sensações em apenas um único
momento.
Estou ficando completamente nua para o meu melhor amigo.
Aquele que já conhece a maior parte dos meus
pensamentos e sentimentos, agora vai conhecer todo o meu corpo.
Suas mãos abaixam a minha calcinha com extrema lentidão.
Quando ela chega ao chão, Gabriel deposita um beijo em minha
barriga.
E assim eu fico, completamente nua.
— Meu Deus, Ana Clara. — Ele suspira, se levantando. —
Não me canso de olhá-la.
Não sei se ele está dizendo isso apenas para me agradar,
mas a verdade é que eu gosto dos elogios de Gabriel. Ele nunca os
verbalizou tanto quanto nos últimos dias e eu acho que gosto mais
desse jeito.
Sempre tive problemas com meu corpo, achando-me magra
demais. Sem atributos, diferente do corpo das outras mulheres. Só
que com Gabriel, tudo isso fica no esquecimento, porque a brasa
em seu olhar, faz com que eu me sinta a mulher mais linda do
universo.
— Eu quero ver você. — Seguro suas mãos. — Você já me
viu antes.
— Vi uma parte — ele corrige. — Agora estou tendo o
privilégio de ver o pacote completo.
Dou risada para tentar aliviar o meu nervosismo.
— Hey, eu não sou um pacote.
— Você é o meu pacote. — Ele me empurra levemente na
cama e eu me deito de lado, observando-o.
Gabriel tira primeiro a camisa, revelando seu peitoral que eu
já vi em várias ocasiões. Seu peito tem poucos pelos que descem
pela sua barriga trincada e se conectam ao V na sua cintura.
Acho que agora é a parte mais emocionante. Nunca pensei
que um dia estaria vendo Gabriel completamente nu.
Quando sua calça cai no chão, acompanhada pela cueca, eu
arregalo os olhos ao ver sua ereção saltando em minha direção.
Ele é... grande e... grosso e...
Ah, meu Deus.
— Surpresa? — Gabriel se abaixa, juntando-se a mim na
cama. Seus lábios me beijam com preguiça enquanto sinto o calor
de seu corpo unindo-se ao meu.
— Bastante. — Dou uma risadinha quando ele se afasta.
— Você nunca ouviu sobre a fama do seu melhor amigo? —
Ele me fita, com as sobrancelhas erguidas.
— Já ouvi alguma coisa, mas achei que era mentira... sabe
como é, né? Poderia ser invenção e...
— Eu não invento coisas. — Ele abaixa o quadril,
encostando seu pau em minha intimidade, e eu solto um gemido. —
Ver sua cara assustada me deixou bem animado, sabia?
— Você é louco — murmuro, deslizando os dedos pelo seu
peito.
Gabriel ri.
— Talvez eu seja. — Ele me beija, depois se afasta. —
Transar com a melhor amiga se encaixa em loucura?
— Talvez — murmuro. — E se gostarmos disso, Gabriel? —
pergunto, um fio de tensão percorrendo a minha voz.
Ele me encara por longos instantes.
— A intenção é gostar.
Mordo o lábio.
— E se eu quiser isso mais vezes do que planejamos? —
Sei que as perguntas são idiotas, mas eu preciso saber ou, pelo
menos, tentar entender o que ele está pensando.
— Vamos fazer quantas vezes você quiser.
Assinto lentamente e Gabriel afunda seu rosto em meu
pescoço, beijando-me de uma forma que me faz esquecer todas as
preocupações, questionamentos e coisas que tiram o meu foco do
que está acontecendo neste momento.
Sua boca desce pelo meu peito e sua língua circula meus
seios. Ele suga um mamilo enquanto acaricia o outro com o
indicador e o polegar.
Fecho os olhos e entrego-me às suas carícias ousadas.
Gabriel sabe como me levar à loucura. Nunca pensei que
seria assim, meu corpo está em chamas e nem começamos direito.
— Quero sentir seu gosto novamente — ele diz, descendo
sua boca pela minha barriga, indo até a minha intimidade. —
Entregue-se para mim, Ana Clara.
Abro as pernas e solto um suspiro quando a língua quente
de Gabriel encosta em meus grandes lábios. Suas carícias me tiram
da órbita, me levam até o céu e me trazem à Terra em uma fração
de segundos.
Sensações, desejo, luxúria...
Nunca permiti homem algum chegar a esse ponto comigo.
Nunca achei um que fosse interessante o suficiente para me fazer
entregar-me desse jeito, sem reservas.
Mas Gabriel...
— Ahhh, Gabriel... — Aperto o lençol entre os dedos.
Suas mãos apertam as minhas coxas, depois ele levanta o
meu quadril para ter um maior acesso ao meu corpo.
— Tão gostosa — ele murmura antes de se afogar
novamente em mim.
Sua língua me acaricia, me chupa, brinca com minha
intimidade como um beijo apaixonado. Eu ergo meu quadril mais
ainda. Gemidos saem dos meus lábios e aqui eu não preciso me
controlar.
— Gabriel...
O orgasmo chega fazendo meu corpo estremecer. Minha
respiração está acelerada, meu coração batendo como um louco,
nunca pensei que fosse capaz de sentir coisas tão excêntricas.
Isso me faz perceber que um orgasmo solo nunca é tão bom
quanto um proporcionado por um parceiro tão dedicado quanto
Gabriel.
Que sorte a minha.
— Por favor, Gabriel — puxo sua cabeça em minha direção
—, eu preciso de você.
Ele me beija nos lábios. Tento aprofundar o beijo, mas ele se
afasta.
— Deixa eu colocar a camisinha. — Faz menção de se
levantar, mas o seguro. Ele me encara sem entender, então digo:
— Eu tomo anticoncepcional.
Gabriel ergue as sobrancelhas, surpreso.
— Sempre tomei — esclareço. — Desde que eu fiz dezoito
anos. Ajuda a controlar meu fluxo e a TPM.
Ele assente.
— Tem certeza de que quer fazer isso comigo sem
preservativo? —pergunta. — Eu sou limpo, você sabe. Sempre faço
meus exames, também nunca fico com nenhuma mulher sem
proteção.
Levo minhas mãos ao seu rosto e o acaricio.
— Eu confio em você.
Gabriel fecha os olhos e suspira.
Saber que Gabriel nunca fez isso sem proteção com outra
mulher e que comigo vai ser diferente, me traz uma animação que
eu sequer sabia que podia sentir. Por algum motivo, eu estava
procurando algo que pudesse ser o nosso diferencial. Talvez isso
seja absurdo, mas sou absurda em todos os modos possíveis.
Gabriel se ajeita entre as minhas pernas. Ele encosta sua
testa na minha.
— Quero você bem-preparada. — Seus dedos vão para a
minha intimidade e começam a massagear. Arqueio as costas e
todas aquelas sensações de antes, retornam com força.
— Meu Deus, Gabriel. — Seguro seus ombros com força.
Ele se abaixa, captura um dos meus seios e o chupa.
— Gostosa pra caralho.
Sei que outra onda de prazer me atinge e eu me desfaço
embaixo do seu corpo.
Gabriel arrasta os dedos pela lateral da minha cintura e diz:
— Vai doer, querida. Eu quero que me diga o que está
sentindo, ok? Se quiser que eu pare, é só dizer.
Assinto lentamente, embora duvide que vou mandá-lo parar.
Gabriel me encara por longos instantes.
Queria ter o poder de ler sua mente.
Ele se encaixa na minha entrada e fecha os olhos enquanto
empurra lentamente para dentro de mim. Eu arfo com a sensação
de tê-lo me preenchendo. Fecho os olhos, sentindo a ardência do
meu corpo, tentando me acostumar com seu tamanho.
— Tudo bem, Ana? — ele pergunta, preocupado.
— Sim, tudo.
— Quer que eu saia?
— Não. — Mordo o lábio. Está doendo para um cacete, mas
digo: — Continue.
— Não entrei todo ainda.
Dou uma risadinha. Claro que não.
Gabriel investe mais um pouco.
— Ana? — Sua voz está preocupada demais.
— Continue, Gabriel. — Abro os olhos e encaro os seus
azuis intensos.
Seu cheiro inebria os meus sentidos. A dor de início já não
incomoda tanto e me esqueço completamente de quem somos
quando Gabriel começa a entrar e sair do meu corpo.
— Meu Deus, Ana Clara. Você é tão apertada — ele geme
em meu ouvido.
— Gabriel...
Ele não faz investidas fortes, mas as que faz são suficientes
para que eu me entregue sem reservas, deixando que leve tudo de
mim.
Imaginei minha primeira vez de várias formas, com vários
homens, mas nunca imaginei que seria com Gabriel, meu melhor
amigo. Aquele que sempre está ao meu lado quando mais preciso.
— Posso continuar? — Sua pergunta me faz sorrir.
— Pode, claro.
Gabriel não deve estar confiando muito na minha palavra,
porque seus olhos estão cheios de receio.
Seguro seu rosto e o beijo com todo o meu coração. Ele me
beija da mesma forma, então sinto que a ardência foi deixada de
lado, dando espaço para o prazer de tê-lo dentro de mim.
Gabriel começa a acelerar o ritmo e eu solto vários gemidos.
Seu corpo entra e sai do meu, levando-me a experimentar
sensações que nunca imaginei serem possíveis.
Está tão entregue quanto eu.
Eu tive medo de perdê-lo, mas agora tenho certeza de que
isso apenas vai nos deixar mais próximos.
Segredinhos entre amigos.
Amigos com benefícios.
Seja lá qual nome seja empregado para o que estamos
fazendo, o que importa é que essa é a melhor coisa que já vivenciei
até hoje.
Os dedos de Gabriel se entrelaçam aos meus e ele os ergue
acima da minha cabeça. Seus olhos se conectam aos meus
enquanto ele entra e sai em um ritmo vagaroso.
— Gabriel... — gemo seu nome pela milésima vez.
— Ana. — Ele suspira. — Eu não vou aguentar muito tempo.
Você é tão apertada.
Não sei se isso é um elogio, mesmo assim, eu sorrio.
— Não aguente.
Gabriel se retira do meu corpo, deita-se na cama e me puxa
para cima de seu corpo.
— Quero ver você gozando mais uma vez — ele diz,
ajeitando seu pau na minha entrada.
Fecho os olhos quando sou preenchida.
— Dói, assim? — ele pergunta.
— Não.
Minhas mãos encostam em seu peito. Suas mãos seguram a
minha bunda e me movimentam para cima e para baixo, no ritmo
que ele quer.
Nossa, a sensação é deliciosa.
Então deixo que ele me guie e logo sou assaltada pelas
sensações que antecipam o orgasmo. Meu quadril sobe e desce,
respiro com dificuldade enquanto digo seu nome atrelado aos
gemidos altos e incontidos. Gabriel também geme o meu nome e eu
me sinto poderosa quando explodo em um poderoso orgasmo que
acaba com as minhas forças.
Ele me deita na cama novamente e alcança o seu próprio
prazer em estocadas profundas e deliciosas.
Ver seu rosto se contorcer enquanto está gozando dentro de
mim é uma das coisas que eu nunca vou esquecer.
Gabriel se retira depois de alguns instantes e me puxa para
o seu peito.
Nossas respirações estão aceleradas. Estamos suados.
Estou cansada, mas feliz.
— Foi o que você esperava? — pergunta, depois de um
tempo de silêncio.
— Foi muito mais — digo baixinho, antes que a escuridão
tome conta dos meus sentidos.
Sinto lábios vagarosos subindo pelo meu peito.
Não faço ideia de que horas são, apenas sei que já
amanheceu, porque o quarto está completamente preenchido pela
luz do dia.
— Que ótima maneira de ser acordado em uma segunda-
feira. — Enfio minhas mãos entre os cabelos castanhos e puxo a
cabeça de Ana Clara em minha direção. Ela sorri envergonhada e
eu lhe dou um beijo na boca. — Bom dia, Ana.
Seu corpo nu relaxa contra o meu.
— Bom dia, Gabe.
Se eu não estivesse bem consciente de tudo o que
aconteceu na noite passada, diria que não passou de um sonho.
Coisa projetada por nossa mente maluca.
Só que as provas estão bem aqui.
Nossos corpos nus colados um ao outro com apenas o
edredom nos cobrindo. Nossas roupas espalhadas pelo chão, o
sorriso envergonhado de Ana Clara e a minha excitação que parece
nunca passar.
— Você me disse que a primeira vez de uma mulher não é
agradável — Ana Clara diz, arrastando os dedos em meu peito. —
Mas eu acho que você mentiu.
— Eu menti? — Ergo uma sobrancelha.
— Sim... porque para mim foi maravilhoso.
Alívio me preenche de uma forma que Ana Clara sequer
pode imaginar.
É claro que eu queria ter oferecido tudo de melhor para ela
ter a noite dos sonhos, porque às vezes não basta apenas ter a
conexão corporal. Não para uma mulher como Ana Clara. Ela
merecia muito mais. Ela merecia mais do que eu.
Mesmo assim, ela está feliz pelo que aconteceu. Da forma
como aconteceu.
— E isso me leva à outra questão — ela continua, erguendo
os olhos até os meus. — Você disse que pelo fato da primeira vez
não ser tão boa, eu iria querer fazer mais umas duas ou três vezes,
lembra-se disso?
— Lembro.
Suas bochechas coram e ela desvia o olhar.
— Eu acho que quero fazer de novo.
Abraço seu corpo e a puxo um pouco mais para cima, até
nossas cabeças estarem alinhadas.
— Então é por isso que estava me acordando com beijos?
— Sim... eu tive vontade de te beijar.
Dou uma risadinha e a beijo nos lábios, saciando a vontade
que me assolou desde que abri os olhos e vi sua boca perfeita
deslizando em meu corpo.
— Nem precisa de muito esforço — digo ao separar nossos
lábios, então viro Ana Clara de costas na cama e me coloco por
cima de seu corpo. — Já acordei pronto para você.
Ela ri e solta um gemido assim que meu pau encosta em sua
boceta.
— E pelo jeito... — meus dedos deslizam por suas coxas até
sentir sua umidade —... você também está pronta para mim.
— Estou. — Ela arfa, jogando a cabeça para trás.
Que visão absurdamente perfeita.
Nunca pensei que um dia teria Ana Clara totalmente
entregue em meus braços. Aliás, até alguns dias atrás, nunca
imaginei que seria possível algo assim acontecer entre nós.
Apesar de sempre achá-la uma mulher linda, nunca cogitei
levá-la para a cama.
Ela é minha amiga.
Minha melhor amiga.
Mas agora também é minha amante.
Meu Deus, que confusão dos infernos que nos metemos.
Afasto esses pensamentos e me ocupo em chupar seu
mamilo com vontade. Ana Clara se desfaz em meus braços, com
gemidos e pedidos para que eu continue. Mas é claro que vou
continuar, isso ela nem precisa pedir.
Suas mãos se enterram em meus cabelos e depois eu me
ocupo com seu outro peito.
— Você é tão deliciosa, Ana.
Espalho beijos em sua barriga lisa e depois subo quando ela
me puxa de volta para si e a beijo nos lábios, envolvendo nossas
línguas em um duelo de paixão aterradora.
— Eu quero sentir você, Gabriel — Ana Clara diz quando
nos separamos para tomarmos fôlego. — Por favor.
— É claro, linda.
Acaricio-a com os dedos até tê-la se retorcendo, gemendo e
completamente pronta para mim.
Penetro-a bem devagar, uma tortura leve e adocicada tanto
para ela quanto para mim que estou bem consciente da sensação
de suas paredes ao meu redor.
— Meu Deus, Ana.
Gememos juntos.
Caramba, nunca me senti dessa forma, tão completo. Claro
que já tive experiências ótimas com outras mulheres, mas isso está
tão... diferente. Tão... nosso.
Ana Clara abre mais as pernas e eu não consigo evitar um
gemido alto.
— Você vai me matar — digo, abrindo os olhos para encará-
la. Ela está com um sorriso satisfeito.
— Vamos nos matar juntos, então. — Ela investe o quadril
contra o meu pau e, caramba! Ela já sabe que isso vai me levar à
loucura.
— Porra, Ana. Ontem eu fui devagar porque foi sua primeira
vez, agora você vai ver — aviso e então começo a investir com força
contra o seu corpo. Ana Clara tenta me abraçar, mas eu seguro
seus braços acima de sua cabeça enquanto entro e saio em um
ritmo perfeito.
Ela geme o meu nome repetidas vezes, e eu gosto disso.
Gosto de saber que meu nome sempre vai trazer uma memória
fogosa em seus pensamentos.
Retiro meu pau e antes que ela reclame, viro-a de bruços.
Seguro sua cintura e a levanto um pouco, empinando a sua
bunda perfeita em minha direção.
— Vou te viciar nisso, minha querida — digo próximo de sua
orelha.
Meu pau roça em sua entrada e eu contenho um gemido.
Porém Ana Clara não consegue controlar as sensações.
— Gabriel... — Ela suspira.
— Você vai gostar disso. — Empurro com força para dentro
de si. — Consegue perceber isso?
Ela solta um gemido alto.
— Sim, Gabriel... meu Deus.
— Você não vai querer fazer isso com mais ninguém — digo,
empurrando com força mais uma vez. — Com ninguém, além de
mim.
— Sim, Gabriel...
Sorrio ao ouvir que ela concorda com essa loucura que
estou dizendo. Mas quem é que se importa? Nunca pensei que o
sexo com minha melhor amiga se tornasse o melhor sexo que já fiz
na minha vida.
Invisto contra seu corpo, levando-a à loucura. Seu corpo
estremece contra o meu, sua boceta pulsa contra o meu pau e só
depois de vê-la se retorcendo pelo prazer do orgasmo eu me
permito gozar.
É o paraíso.
Meu corpo estremece com a força e eu me jogo na cama,
puxando-a para o meu peito.
Ana Clara está corada, suada, com os cabelos bagunçados,
mas é uma das melhores visões que eu já tive dela em todos esses
anos. Se não, a melhor.
Não posso acreditar nisso, mas acho que já estou
completamente viciado na minha melhor amiga.

— Ótimo, mas estou morrendo de fome e você prometeu


que passaríamos na padaria para tomar o nosso sagrado café com
Nutella — Ana Clara diz assim que entro no carro.
Ok, depois do sexo matinal maravilhoso, nós tomamos
banho e confesso que nos divertimos um pouco debaixo do chuveiro
também. Eu disse que ela iria ficar viciada e, acho que nem foi
preciso tanto esforço para isso. Ana Clara e eu percebemos que se
não saíssemos logo, chegaríamos atrasados à empresa. Então
prometi que passaria em casa para me trocar o mais rápido que eu
conseguisse e, bem, aqui estou, completamente vestido para o
trabalho, mas com um buraco no estômago.
— Claro que vamos comer. — Coloco uma mecha de seu
cabelo atrás da orelha. — Café com Nutella é nossa tradição e não
dá para deixar isso de lado.
Ela sorri. Seus olhos castanhos estão com um brilho intenso.
Está resplandecendo como uma mulher que acabou de ter
um orgasmo intenso.
Linda.
Instintivamente meu pau começa a reagir.
— Vai ficar me olhando? — ela pergunta e eu volto a mim. —
Minha barriga está roncando.
— Verdade, desculpe. — Ligo o carro e tento disfarçar que
eu estava perdido em sua beleza. — Vamos lá.
Dirijo até a nossa padaria favorita.
Vamos ali desde que éramos crianças, todas as segundas-
feiras, para tomar o clássico café com Nutella. Isso virou tradição.
Claro que às vezes furamos por causa da correria do dia a dia, mas
na maioria, estamos lá.
Estaciono em frente e pulo do carro para abrir a porta para
Ana Clara. Ela sorri e agradece, mas seu rosto traz as memórias
das coisas que fizemos durante a noite e algumas horas atrás.
Caralho, acho que a quero comer aqui, em cima do capô do
maldito carro.
— Vamos? — ela me chama e eu volto a mim, mais uma
vez.
Nossa, realmente estou distraído.
Entramos na padaria e, por um impulso, puxo a mão de Ana
Clara, entrelaçando nossos dedos. Ela me olha surpresa, mas então
sorri e relaxa enquanto nos encaminhamos até o balcão.
— Mas olha se não são os meus clientes preferidos —
Gonzáles, o dono da padaria nos cumprimenta com um sorriso
animado. — Como estão, meus amigos?
Ana Clara e eu nos sentamos na banqueta de sempre e
sorrimos para o homem.
— Estamos bem, Gonzáles — Ana Clara diz, dando uma
olhadinha para mim. — E você? Não deveria estar no caixa
enquanto seus funcionários atendem aqui?
Ele seca a mão em um pano de prato.
— Ah, você sabe que eu gosto de atender meus clientes.
Ainda mais aqueles que são tão fiéis quanto vocês — ele diz, então
me encara. — Gabriel, andei pensando em fazer uma reforma na
padaria, depois quero conversar com vocês sobre isso. Fazermos
um projeto, algo bem legal, bonito e diferente.
— Claro, podemos marcar uma reunião. É só me avisar.
Gonzáles sorri.
— Ótimo. Mas, vamos lá. Vocês estão com uma cara de que
estão morrendo de fome. O de sempre?
Assentimos e ele começa a preparar nosso café da manhã
que basicamente se resume em café com leite e Nutella e pão
francês na chapa com bastante manteiga.
É a nossa perdição.
— Como está se sentindo? — pergunto, aproximando meu
rosto do de Ana Clara.
— Estou ótima e você?
Sorrio.
— Ótimo.
Ela sorri também.
— As coisas não vão ficar estranhas entre nós, não é? — ela
pergunta com um temor na voz.
— Claro que não. — Puxo sua mão e deposito um beijo nos
nós de seus dedos. — As coisas só vão ficar estranhas se
permitirmos.
Ela suspira e nós mantemos nossos olhos conectados por
algum tempo, até que...
— Dois cafés com Nutella saindo! — A voz de Gonzáles nos
assusta e nos afastamos rapidamente, como se um raio acabasse
de cair perto de nós.
— Hummm, meu favorito — Ana Clara diz, olhando para a
xícara.
Gonzáles olha de Ana Clara para mim. Ele deve ter
percebido o que está acontecendo. Semicerra os olhos e eu ergo as
sobrancelhas como se dissesse “não ouse fazer nenhuma piadinha”.
Acho que ele entende, porque dá de ombros e vai atrás do nosso
pão.
— Ahn, tem alguma reunião importante hoje? — Ana Clara
pergunta antes de dar um gole no café. É melhor mesmo mudarmos
de assunto e focarmos em nosso trabalho.
— Às dez horas, temos uma reunião com o grupo Toledo —
lembro-a no minuto em que González coloca os pães à nossa
frente.
— Ah, verdade. Você comentou ontem. — Ana Clara dá uma
mordida no pão, mastiga com vontade e engole. — Estou com muita
fome. Não sabia que sexo dava tanta fome.
Arregalo os olhos.
A padaria está cheia de gente.
Ela parece perceber o que acabou de dizer, porque começa
a tossir como uma doida enquanto ri.
— Meu Deus, Ana Clara. — Inclino-me para ajudá-la, mas
ela se afasta, ainda rindo.
— Desculpe. — Ela volta a si e se abana com as mãos.
Suas bochechas estão vermelhas. — Céus, que loucura.
Não consigo segurar a risada, porque é isso. É uma
verdadeira loucura o que estamos fazendo.
Seu celular começa a tocar em cima do balcão.
Ela franze o cenho ao visualizar o número.
Então, vejo na tela o nome da última pessoa que eu gostaria
que ligasse para ela no momento.
Robert.
O que é que esse filho da puta quer agora?
— Ahn... meu Deus, o que seu primo quer? — Ana Clara
está pensando se atende ou não.
Eu me concentro em meu café porque a vontade de pegar o
aparelho e jogá-lo na lata do lixo é maior que tudo.
— Posso atender? — Ela me fita com preocupação.
— E por que, não? — Minha voz sai mais ríspida do que eu
gostaria.
Ana Clara atende a ligação e tenta ser o mais educada
possível, mas eu sei que ela quer mandá-lo ao inferno, ainda mais
depois do jantar em que o babaca fugiu.
Não sei o que ele está dizendo, mas ela se mexe
desconfortável no assento. Ela olha para mim, revira os olhos e diz
“sim, tudo bem. Não, eu entendo... fiquei chateada, mas passou”.
Desta vez, eu reviro os olhos. Robert deve estar fazendo
aqueles discursos ridículos de quem tenta se desculpar por algo que
não tem desculpa.
— O quê? Ahn, não sei, Robert... — ela diz, mordendo o
lábio. Seus olhos encontram os meus em um silencioso “o que eu
faço?” — Eu estarei livre a semana toda, quer dizer — ela repensa
assim que eu lanço um olhar de “que porra está acontecendo?” —
Podemos nos ver na empresa. Não sei, ok, tá bom... eu acho que
posso na quinta-feira.
Ela se despede de Robert e desliga. Então a bomba vem de
uma só vez:
— Robert quer sair comigo na quinta. Disse que precisa se
desculpar pelo que fez no último jantar.
Meu sangue ferve e, de repente, todo o bom humor que eu
estava cultivando dentro de mim já foi para o inferno.
— E você vai sair com ele, mesmo depois do que ele fez?
Ana Clara faz uma careta entediada.
— Ele disse que ia pessoalmente fazer o pedido. É melhor
eu ver o que ele quer e acabar com isso de uma vez por todas.
A fome evapora em questão de segundos e eu me levanto.
— Você ainda vai demorar? Tenho chegar à empresa logo,
esqueci que preciso resolver umas coisas.
— Nossa, Gabriel. Espere um pouco. Só quero pegar uma
tortinha de morango.
Passo as mãos pelo cabelo, irritado.
— Ok, mas coma logo. Já estamos atrasados.
Maldito seja Robert por estragar a manhã mais importante
que já tive em tantos anos.
— Nossa, aconteceu alguma coisa com o Gabriel? —
Luciana faz uma careta ao entrar em minha sala.
Aconteceu várias coisas com Gabriel, incluindo transar com
a melhor amiga, quero dizer à Luciana, mas sei que isso jamais
pode vir à tona. Ainda mais para a minha assistente.
Respiro fundo.
Gabriel está irritado desde que recebi a ligação de seu primo
e aceitei sair com ele. Eu entendo um pouco da sua frustração, mas
acho que está exagerando.
— Acho que ele está um pouco irritado hoje — digo, abrindo
um leve sorriso.
Luciana ergue as sobrancelhas e se aproxima da minha
mesa com alguns projetos em mãos.
— Além de mudar a reunião com os Toledo para às 15h, ele
acabou de mandar o João refazer todo o design daquela construção
do Boulevard, porque ele simplesmente esqueceu de colocar as
cores que foram pedidas.
— Bem, mas Gabriel está certo, não está? — Inclino-me
pegando os projetos e abrindo-os sobre a mesa.
— Estaria, se ele não tivesse chamado o pobre rapaz de
incompetente.
Dou risada.
Depois que saímos da padaria, Gabriel e eu não trocamos
muitas palavras. Chegamos à empresa e cada um foi para a sua
sala, envolver-nos com nosso trabalho.
Quero falar com ele, saber por que está tão irritado com a
ligação de Robert, mas acho que se eu for até sua sala,
provavelmente não sairei de lá tão cedo.
“Vou fazer você ficar viciada nisso.”
Suas palavras ecoam em meus ouvidos até agora. Não
consigo esquecer a noite maravilhosa que tivemos e...
— Você está com um sorriso tão lindo, Ana Clara — Luciana
observa e eu tento me concentrar no que tenho à frente. —
Encontrou alguém especial no fim de semana?
— Ahn, digamos que sim. — Não consigo controlar meu
sorriso.
— Ai, meu Deus. — Luciana arregala os olhos. — É sério?
Quem é o bonitão?
— Ahn, não é nada sério. — Mordo o lábio. As coisas entre
Gabriel e eu não são sérias. Não desse jeito. — Foi apenas uma
noite maravilhosa.
Luciana dá pulinhos e gritinhos.
— Que legal, Ana Clara! Fico feliz por você. — De repente,
seu sorriso se torna morno. — Enquanto eu, estou aqui... sozinha. O
cara que eu gosto é muita areia para o meu caminhãozinho. Acho
que ele nunca vai olhar para mim desse jeito.
Suas palavras tomam a minha atenção.
Ai, meu Deus, será que ela está se referindo ao Gabriel?
— Ele sabe que você gosta dele? — pergunto, tentando
descobrir um pouco mais.
— Não. Acho que não. Ele é muito ocupado... trabalha
bastante. — Ela suspira, então seu olhar encontra o meu. — Sem
falar que ele tem uma melhor amiga que não sai do pé dele.
De repente, o meu mundo congela.
Claro que ela está falando de Gabriel.
Puxo minha cadeira e me sento para processar essa
informação, porque corro o sério risco de cair no chão.
— Você está falando de Gabriel? — pergunto, com a voz e
as mãos trêmulas.
Luciana se senta e assente. Suas bochechas coram
violentamente.
— Já faz um tempo que eu quero te contar isso, mas nunca
tive coragem. Talvez a sua animação por ter encontrado alguém
legal me fez soltar o que eu sinto. — Ela suspira. — Ana Clara, você
está bem?
Não, não estou nada bem.
Eu tinha minhas suspeitas, mas ouvir a confirmação de seus
lábios é assustador.
— Ana Clara? — Ela se aproxima, desesperada. Acho que
estou hiperventilando. — Meu Deus, socorro! Alguém! AJUDE-NOS!
Estou tentando respirar, mas estou falhando
miseravelmente. Minhas mãos estão frias e eu acho que vou morrer.
A porta se abre violentamente e eu vejo Gabriel vindo em
minha direção como um vulto em seu terno cinza-claro.
Acho que Luciana dá espaço para ele. Ele se ajoelha na
minha frente e segura meu rosto, me fazendo encará-lo.
— Ana! Ana! Olhe para mim! O que houve? — ele pergunta,
preocupado. — Hey, olhe para mim! Respire, respire devagar.
Vamos lá...
Começo a imitá-lo com os movimentos de respiração guiada.
A primeira coisa a voltar é o foco e eu mergulho em seus olhos
azuis preocupados. Depois a respiração começa a voltar ao normal
assim que me situo sobre o que está acontecendo.
— Está me ouvindo? — ele pergunta.
Eu assinto.
Gabriel manda todos os curiosos que vieram na porta
voltarem ao trabalho, incluindo Luciana.
Ela sai da sala, não sem antes me lançar um olhar com um
pedido de desculpas e um desesperado “não conte a ele”.
Mas é claro que não vou contar.
Meu Deus, que loucura.
Gabriel abre uma das minhas janelas e eu respiro com mais
força o ar fresco. Ele anda de um lado para o outro e depois se
ajoelha novamente à minha frente. Suas mãos vêm para as minhas
e seu calor me inebria.
— O que houve, querida? — Sua voz é doce.
Não, não posso contar que minha assistente está
apaixonada por ele. Gabriel é bem capaz de querer sair com ela e
eu não sei se quero isso, pelo menos, não tão rápido.
Isso me faz refletir sobre o que Gabriel sentiu quando eu
aceitei sair com Robert.
Será que ele também não quer me ver saindo com outra
pessoa, assim... tão rápido?
— Eu não sei. — Abaixo a cabeça, olhando para nossas
mãos unidas. — Acho que o café da manhã não caiu bem.
Ele suspira.
Fico em silêncio alguns segundos, então digo:
— Gabriel, você ficou irritado por eu aceitar sair com seu
primo, não ficou?
Ergo a cabeça e encaro seus olhos. Ele desvia o olhar e se
levanta, afastando-se de mim.
— Acho que é melhor não falarmos sobre isso aqui na
empresa — ele diz, com a voz fria. — Não quero que a gente
misture as coisas aqui também.
Suas palavras me magoam de certa forma.
Só que ele está certo. Não dá para envolver o nosso
trabalho nessa confusão.
— Tudo bem, desculpe — me recomponho —, mas a gente
precisa conversar sobre isso, uma hora ou outra.
Gabriel está parado de frente para a janela. Vejo o
movimento de seu tronco subindo e descendo com a respiração
lenta.
— Vamos conversar, na sua casa ou na minha... um dia
desses. — Ele se vira para mim. — Pode ser?
Balanço a cabeça afirmativamente.
Ele vem em minha direção novamente, se abaixa e pega
minhas mãos.
— Você está bem?
— Estou, foi só... coisa de momento — digo, sem conseguir
encará-lo. — Acho que já vou sair para almoçar.
— Quer que eu vá junto?
— Eu vou no japonês — minto. — Você não gosta de comer
lá.
Gabriel respira fundo e se levanta.
— Não gosto mesmo.
Dou uma risadinha e me levanto em seguida, puxando a
minha bolsa do encosto do sofá.
— Qualquer coisa me ligue.
Ele assente.
Ficamos parados frente a frente por vários segundos.
Quero beijá-lo mais uma vez.
Quero fazer as coisas que fizemos na noite passada.
— Eu já vou. — Dou um passo para me afastar, antes que
eu faça uma loucura em minha própria sala de trabalho, mas seu
braço envolve a minha cintura e me puxa para si.
Fecho os olhos quando sua boca vem até a minha orelha e
diz:
— Vai ao meu apartamento hoje? — Sua voz está rouca,
carregada de desejo.
Meu coração se aquece e as palavras de antes são deixadas
de lado.
— Vou, claro.
Ele me solta.
— Boa garota.
Dou uma olhadinha rápida para Gabriel, mas seu semblante
se mantém neutro. Viro as costas e vou até a porta, mas sinto seus
olhos queimando a minha pele através da minha roupa.
Ai, ai Gabriel...

— Gabriel, você tem noção de que implantar esse tipo de


estratégia vai encarecer os custos da obra? — Flávio, o
consultor/advogado de Fernando Toledo, diz.
Meu sócio me lança um olhar entediado, daqueles que diz
“consegue fazer esse idiota calar a boca?”
Estamos há mais de uma hora explicando para Fernando
Toledo sobre nossos novos projetos de economia de água nas
obras. É uma estratégia que, além de ser ótima para o meio
ambiente, também é ótima para reduzir os gastos de uma obra.
Só que disso, Flávio não entende nada. Mesmo assim, ele
quer dar uma de entendido.
— Essas estratégias já são usadas em países
desenvolvidos, Flávio — digo, tomando a iniciativa. — Reduz gasto,
reduz desperdício de água e, no final, ficamos todos felizes. Você
não adota medidas de economia de água em sua casa?
Flávio faz uma careta.
— Algumas.
— Então, o princípio é o mesmo e isso não vai encarecer a
obra. Além dos canteiros de coleta de água da chuva, que já é algo
que fazemos, também operamos com menos concreto. Vocês ainda
não perceberam, mas estamos avançando com essas medidas. O
que propomos aqui, é usar as lajes nervuradas. Se você pesquisar a
fundo sobre o assunto, Flávio, vai perceber que esse material usa
30% a menos de água, representando uma economia significativa,
no final das contas. — Ergo uma sobrancelha. — Enfim, Fernando,
você está de acordo com as mudanças que fizemos em seu último
projeto?
— Sim, claro — ele responde, ajeitando a gravata. — Desde
que isso não fuja muito do orçamento proposto.
— Não vai fugir — Gabriel toma a frente. — Acredito que por
hoje é isso, senhores. Se tiverem mais alguma dúvida, podemos
marcar outra reunião.
— Não é necessário, Gabriel — Fernando diz, se
levantando. Em seguida o seu capacho/advogado se levanta
também. — Eu confio no seu trabalho. Sei que vai ficar perfeito.
— Obrigado pela confiança.
Gabriel cumprimenta os homens e eles se despedem de
mim também com um aperto de mãos.
Luciana os acompanha para fora da sala de reunião e depois
que eles se vão, Gabriel afrouxa a gravata e se senta na cadeira,
respirando fundo.
— Eu odeio esse advogadinho de merda — ele diz, irritado.
— Ele não conhece uma porra sequer sobre engenharia e quer dar
pitaco onde não deve.
— Calma, Gabe. — Vou até ele e me coloco atrás de si.
Minhas mãos vão para os seus ombros e começo uma série de
massagens para tentar acalmá-lo. — Ele só quer se aparecer.
— Que vá se aparecer em outro lugar. Não aqui.
Abaixo o tronco até que minha boca esteja ao lado de seu
ouvido e digo:
— Vou ter que te ajudar a tirar o estresse desse jeito.
Ele se retrai no mesmo instante.
— Qual é a probabilidade de a Luciana voltar aqui em alguns
minutos? — pergunta.
— Acho que quase zero. Eu pedi que ela acompanhasse os
homens até lá embaixo.
E isso é tudo o que eu preciso dizer para que Gabriel se vire
com a cadeira e me puxe para o seu colo.
Seus lábios vão direto para os meus e começamos um beijo
quente, daqueles que fazem as borboletas no estômago voarem.
Daqueles que fazem a gente querer tirar a roupa e terminar isso de
outra maneira. Talvez deitada em cima da nossa mesa da reunião,
talvez prensada contra a porta...
— Que droga, Ana — Gabriel resmunga, separando nossos
lábios. Sua mão passeia pela minha coxa com possessividade. —
Não vou conseguir esperar para te foder só em casa.
— Então faça isso aqui.
— É perigoso.
— Podemos trancar a porta.
— Vai ser suspeito.
Beijo-o novamente. Meus braços descansam em seus
ombros enquanto eu sinto a pressão macia e gostosa dos seus
lábios contra os meus e o volume de suas calças contra a minha
coxa.
— A gente não vai fazer nada enquanto não conversar
melhor sobre isso. — Separo nossos lábios, então me levanto, o
que deixa Gabriel completamente frustrado.
— Tudo bem, mas eu acho que... — E é interrompido com o
toque do meu celular.
Só que desta vez eu respiro aliviada ao ver que não é
Robert, mas sim Madalena, uma amiga de longa data.
— Madá??? — atendo, animada, jogando-me na cadeira ao
lado de Gabriel. — Que honra é receber sua ligação? Esqueceu os
pobres, não é?
Madá ri alto.
— Pobres? Você está tentando ser modesta? Isso não lhe
cai bem, Ana Clara. — Ela suspira. — Como você está, minha
linda? Acho que já faz um mês desde que nos falamos pela última
vez, não é?
Dou um suspiro.
— É, faz sim. Você se esqueceu de mim. Isso é um fato.
Gabriel está me encarando e eu ergo uma perna,
descansando-a em seu colo.
Ele sorri maliciosamente e se abaixa, depositando um beijo
na parte da frente da minha panturrilha.
— Não é isso, o Cris estava com muito trabalho nos últimos
tempos e eu estava tendo que dar conta de tudo — ela diz. — E
como estão as coisas por aí?
Gabriel arranca meu sapato e massageia o meu pé.
Ai, meu Deus.
— Tudo ótimo — consigo dizer. — E por aí? Como vai o
Arthur?
Madá mora em Portugal com o marido e o filho de um ano.
Sempre tento paparicá-lo pelo Skype, mas acho que ele deve
pensar que sou apenas uma louca dentro de uma caixa que brilha.
— Tudo bem, Arthur está cada dia mais levado. Mas
também, né, puxou ao pai. — Ela suspira, desanimada. — Amiga,
eu liguei para contar uma novidade.
Eu quase solto um grito quando Gabriel morde a minha
panturrilha.
Olho para ele com os olhos arregalados.
Ele sorri como se fosse inocente.
— Ana Clara? — Madalena me chama.
— Hummm, você disse novidades? Conte-me então. Você
sabe que eu adoro novidades.
— Ah, disso eu sei — quase posso vê-la sorrindo —, estou
voltando para o Brasil. Vamos chegar no fim de semana!
Salto rapidamente da cadeira.
— O quê? Como assim? Vocês vão voltar a morar aqui?
— Mais ou menos. — Ela ri. — A empresa quer que o Cris
volte para fazer um treinamento e vamos ficar por três meses. Isso
não é demais? Estou ansiosa para sairmos novamente e jogarmos
conversa fora o dia todo.
Meu coração se enche de alegria porque, depois de Gabriel,
Madá é a pessoa mais próxima que eu tenho e mesmo que não
conversemos todos os dias, nossa amizade é assim, simples e
verdadeira.
Madalena e Cristiano eram nossos amigos na faculdade e a
amizade deles evoluiu para um romance. Logo se casaram e
Gabriel e eu fomos seus padrinhos.
Tenho muito orgulho da família que eles formaram.
— Ai, Madá, mal posso esperar para ter vocês aqui — digo,
sentindo as lágrimas pinicarem meus olhos. — Eu vou mimar tanto o
Arthur, você vai ver.
Ela ri.
— Disso, não tenho dúvidas.
Gabriel está me fitando com interesse.
— Madá e o Cris estão voltando — digo, cutucando-o.
— Sério? Falei com aquele desgraçado no sábado e ele não
me disse nada!
Madá ouve e dá risada.
— Diga para o Gabriel que no sábado ele ainda não tinha
certeza.
Mas nem é preciso, porque Gabriel ouve.
— Diga para ele que estou ansioso para levá-lo até aquela
boate famosa na Augusta.
— Ah, mas só por cima do meu cadáver Gabriel Roberto
Albuquerque!
Nós rimos.
Acho que Madá e sua família eram a peça que faltava para
eu me sentir ainda mais feliz.
— Não sei se é uma boa ideia eu estar aqui — Ana Clara diz
assim que entramos no meu apartamento com várias sacolas de
mercado nas mãos.
— Por quê?
— Porque o Bóris vai ficar me olhando daquele jeito que
gatos olham quando querem julgar uma pessoa.
Uma risada me escapa enquanto levo as coisas para a
cozinha.
Hoje vou fazer o bendito jantar que eu deveria ter feito
ontem.
— Bóris gosta de você. Não vai te julgar.
Falando no gato, ele aparece com seus olhos verdes
inquisidores.
— E aí, amigão. — Abaixo-me e aliso seus pelos pretos
brilhantes.
— Bóris! — Ana Clara se abaixa ao meu lado e o gato traidor
vai para o seu lado, se esquecendo completamente de mim. —
Como você está, bichano?
O gato ronrona e se enrosca na perna de Ana Clara.
— Acho que você já sabe o que ele pensa de você — digo
ao me levantar. Começo a tirar as coisas das sacolas.
— É, acho que ele gosta de mim. — Sorri e se levanta. —
Gabe, você se importa se eu usar o seu chuveiro?
— Claro que não. — Sorrio. — Se você quiser, posso
mostrar como usá-lo em todo o seu esplendor e...
Ana Clara me dá um tapa no braço.
— Engraçadinho. Esse jantar nunca vai sair se entrarmos
juntos no chuveiro. Você sabe disso.
E ela tem toda a razão.
— Tudo bem, vai lá. Vou preparar tudo, deixar no forno e
quando você voltar, vai ficar de olho para mim enquanto vou para o
banho, ok?
— Ok.
Ela se afasta pelo corredor com um sorriso e eu só consigo
respirar direito quando Ana Clara fecha a porta.
Meu Deus, o que diabos está acontecendo comigo?
Apesar de estar cansado, afinal o dia foi longo, quero estar
com Ana Clara. Quero apreciar o jantar com ela, depois sentarmos
para assistirmos um pouco de TV e, então, vou levá-la para a minha
cama e fodê-la até que ela perca os sentidos.
Eu nunca fiquei assim tão ansioso com outra mulher.
Só que Ana Clara não é qualquer mulher. É minha melhor
amiga e acho que as coisas podem sair um pouco do controle,
desde que isso não interfira em nossa amizade.
Só Deus sabe o que seria de mim se eu a perdesse...
Estou um pouco aliviado com a notícia de que Madalena e
Cristiano vão voltar ao Brasil. Depois de Ana Clara, Cristiano é o
único com quem consigo me abrir. Aqueles tipos de assuntos que
não conseguiria me abrir com uma mulher. Aquelas coisas que só
homens entendem.
Pego a tábua, uma faca e começo a cortar os legumes e os
cogumelos para colocá-los na assadeira.
Meu celular vibra em cima do balcão e eu me inclino um
pouco para ver quem é.
Aline...
O que será que ela quer?
Bem, de qualquer maneira, estou ocupado. Não vou
respondê-la agora, enquanto preparo um jantar para Ana Clara.
Continuo concentrado na preparação dos alimentos. Coloco-
os na assadeira e os levo para o forno. Aproveito para temperar as
postas de atum que serão a nossa proteína de hoje.
Aproveito para ajeitar outras coisas. Logo sinto dois braços
circundando a minha cintura e o cheiro do meu xampu inebriando
meus sentidos.
Não sei por que estou me sentindo assim, mas o simples
toque de Ana Clara está me deixando maluco. Será que isso vai
passar rápido? Será que daqui a alguns dias vai restar apenas
resquícios desse desejo desenfreado?
— Que sexy ver você cozinhando — ela diz, dando uma
risadinha. — Quer ajuda em alguma coisa?
Lavo a mão e a enxugo em um pano de prato. Viro-me para
Ana Clara e seu rosto está a centímetros do meu.
— Você usou meu xampu — acuso.
— Usei... seu sabonete, seu xampu, sua toalha. — Ela dá
uma piscadinha. — Algum problema? Eu sempre fiz isso.
Ana Clara tem razão. Ela sempre usou meu chuveiro,
sempre usou as minhas coisas, mas nunca isso pareceu tão sexual
quanto agora.
— Nenhum problema. — Sorrio. — Vou tomar banho
enquanto você fica de olho no forno, ok?
Ela me dá um selinho e se afasta.
— Ok, vai lá. Prometo que não vou deixar nada queimar.
Pego o pano de prato, enrolo-o e o uso como se fosse um
chicote na bunda perfeita de Ana Clara. Ela ri.
— Não bote fogo na minha cozinha. Foi o projeto que mais
demorei e eu a adoro.
Ana Clara passa a mão pelo balcão.
— Pode deixar. Vou cuidar dela como se fosse minha.
Não sei se posso confiar no que diz, porque ela não é tão
cuidadosa quanto eu, mas... viro as costas e a deixo olhando o que
será o nosso jantar.
Entro no chuveiro e deixo a água quente cair sobre os meus
ombros para levar embora toda a tensão.
Meu pau está duro como pedra.
Para ser sincero, acho que fiquei duro quase o dia todo.
Sempre quando fechava os olhos e me lembrava do que aconteceu
na noite anterior e hoje cedo, meu pau já endurecia.
Ana Clara... você vai me matar.
Fecho os olhos e seu rosto vem em minha memória, tão
vívida. Tão perfeita, assim como suas curvas, seu corpo macio,
delicado e feito para o pecado.
Minha mão desliza até o meu pau e arfo assim que faço o
primeiro movimento.
Eu deveria arrastá-la até aqui para resolvermos esse
pequeno problema.
Porém teremos a noite inteira.
Faço o segundo movimento, arrastando minha pele e o
prazer é intenso. Deixo escapar um gemido.
Nossa, não vou deixar Ana Clara sair da minha cama tão
cedo.
Faço o terceiro movimento, porém, um grito feminino irrompe
do lado de fora e eu abro os olhos, assustado.
Mas que merda foi essa agora?

Ana Clara está em cima do sofá, olhando assustada para o


chão.
— Meu Deus, o que houve? — Estou pingando água porque
só tive tempo para enrolar a toalha e sair do chuveiro para ver o que
aconteceu.
— O Bóris pegou uma barata! Está correndo pela casa com
ela na boca!
Santo Deus.
— E você deu esse grito por causa disso?
Ela me olha como se eu fosse um idiota.
— É claro! Achou o quê? Que eu tinha botado fogo na
cozinha?
— Sim, pensei. — Vou até ela e a puxo pelas pernas,
colocando-a no chão. Ana Clara morre de medo de baratas. — Ele
já pegou, não sei por que você está com medo.
— Porque pensei que ele poderia soltá-la em cima de mim.
— Seus olhos castanhos amedrontados encontram os meus. — Seu
gato é louco, você sabe disso.
A frustração de não ter terminado o banho é deixada de lado
e eu solto uma risada.
— Vou jogá-la fora, ok?
Ela assente.
Respiro fundo e vou até onde o gato está, atrás do sofá,
brincando com a barata já praticamente morta. Vou até a lavanderia,
pego vassoura e uma pá e me livro do inseto, jogando-o no lixo.
Volto à sala e Ana Clara está com a mão na cintura. Assim
que me vê, ela se aproxima, colocando as mãos em meu peito.
— Desculpe atrapalhar seu banho.
Quero lhe dizer que atrapalhou também outra coisa, mas é
melhor deixar isso quieto.
Ana Clara me encara por longos instantes.
— Você está cheiroso.
— É, eu estava tomando banho.
— Muito cheiroso. — Ela inclina a cabeça e começa a farejar
meu pescoço. — Cheiroso demais.
Esqueço que eu ia para o quarto me trocar. Esqueço
completamente do porquê estou aqui só de toalha, segurando a
cintura de Ana Clara de forma possessiva.
Seus lábios encostam em meu pescoço e eu me perco de
vez. Sua língua desliza pelas gotículas em minha pele e, meu Deus
do céu, é exatamente disso que eu preciso.
— Ana... — Solto um suspiro.
As mãos dela já estão na borda da minha toalha.
— Eu acho que podemos adiantar um pouco as coisas —
diz, afastando-se um pouco. Seu rosto se abaixa e ela sorri assim
que puxa a minha toalha, deixando-me completamente nu.
Que garota safada.
— Você estava demorando no banho — reclama,
aproximando-se novamente. Uma de suas mãos vai até o meu pau
e eu arfo, surpreso. — O que você estava fazendo lá?
— Você nem vai querer saber — consigo dizer.
— Acho que quero sim. — Ela sorri ainda mais.
Encaro seus olhos castanhos e neles não contêm nenhum
tipo de brincadeira. Acho que gosto assim. Ana Clara sempre foi o
tipo de pessoa direta, que sabe o que quer. Não é à toa que de
todos os homens com quem saiu, nenhum foi suficiente para fazê-la
se entregar.
— Então eu vou te mostrar. — Empurro-a até o sofá, mas
antes que ela caia sentada, puxo a camiseta que está usando,
deixando-a somente de calcinha e sutiã.
Hoje é um conjunto vinho.
— Gosta dessa cor? — ela pergunta ao ver que estou
observando-a.
— Eu gosto de qualquer cor que você usar. — Levo minhas
mãos até o fecho do sutiã e o abro. A peça cai aos seus pés com
facilidade.
— Você está dizendo isso só para eu me sentir confortável,
não é?
— Se sentir confortável? — Dou risada, então levo minhas
mãos até seus seios e com a ponta do polegar, acaricio os bicos. —
Você sempre está confortável comigo.
Ana Clara fecha os olhos. Sua cabeça tomba levemente
para trás.
— Acho que você tem razão.
— Eu costumo ter razão em várias coisas. — Abaixo minha
cabeça e no lugar dos meus dedos, dou lugar à minha boca.
Ana Clara suspira quando minha língua contorna seus
mamilos perfeitos.
— Gabriel... — Suas mãos pressionam meus ombros.
— Gosta que eu chupe os seus peitos? — pergunto.
— Gosto muito.
Afasto-me um pouco, assopro-os e depois os chupo com
mais força.
Ana Clara se desfaz, exatamente do jeito que eu quero.
Aproveito o seu deslumbre para me livrar de sua calcinha.
Abaixo-me e a deslizo lentamente pelas pernas torneadas.
— Sente-se.
Ana Clara faz exatamente o que eu pedi.
— Agora, você vai colocar suas pernas em cima dos meus
ombros. — Minha voz sai como a de um professor ensinando ao
aluno o que fazer.
Ana Clara mantém seus olhos presos aos meus. Tenho
certeza de que ela já está molhada, a julgar pelos movimentos
nervosos de suas mãos e sua pele que parece adquirir um brilho
especial sempre que está excitada.
Primeiro, ela coloca uma perna e depois a outra. Eu
aproveito para beijar cada centímetro de sua pele, passando pelas
coxas. Então me aproximo e deslizo minha língua pela carne quente
e úmida, assim como eu havia previsto.
— Gabriel... — Ana Clara geme, jogando a cabeça para trás.
— O que foi? — pergunto com a voz calma, doce e
torturante. — Quer que eu faça isso mais uma vez?
Ela assente.
Eu a chupo como tive vontade de fazer durante todo o
maldito dia.
Ana Clara se rende, soltando gemidos que aos meus
ouvidos são como música, me deixando cada vez mais duro. Suas
mãos se infiltram em meus cabelos e ela se abre mais e mais.
— Gabriel! — choraminga. — Você vai me matar.
— Só quero que você goze, minha querida — digo, antes de
me deliciar novamente entre as suas pernas.
Enquanto minha língua brinca com seu clitóris, deslizo um
dedo para dentro dela e a acaricio de outra forma, intensificando
tudo.
Ana Clara se entrega, o peito subindo e descendo com a
respiração acelerada.
Ela é muito gostosa e está me deixando viciado.
Só paro quando ela grita e me puxa para si. Nossos lábios
se encontram em um beijo feroz, com nossas línguas duelando.
Depois ela se afasta e diz:
— Eu quero você dentro de mim, agora.
— Ok... seu desejo é uma ordem. — Solto uma risada.
Sento-me no sofá e a puxo para o meu colo.
— Vai ser desse jeito agora — digo, posicionando meu pau
em sua entrada. — Uma sentada bem gostosa...
Ana Clara está quente, úmida, mais que preparada. Ela
desce o quadril e eu jogo a cabeça para trás, meu corpo
completamente entregue ao prazer de tê-la ao meu redor com sua
quentura, sua maciez.
— É assim que você gosta? — pergunta, jogando os braços
ao redor do meu pescoço, seu quadril subindo e descendo
lentamente.
— Desse jeito — consigo dizer. — Meu Deus, Ana Clara.
Abro os olhos para flagrá-la sorrindo.
— Eu também gosto assim — ela diz. — Gosto muito.
Seguro sua bunda deliciosa e a guio no ritmo que eu gosto.
Nossos gemidos se misturam, viram música e eu sei que
isso é absurdo, mas não consigo pensar que outra coisa possa ser
melhor que estar dentro de Ana Clara.
— Gabriel... — ela geme quando eu aumento o seu ritmo.
— Você é gostosa demais, Ana — digo, só para vê-la ficar
vermelha.
Ela sorri.
— Olhe nos meus olhos — peço. — Enquanto nossos
corpos estão conectados.
Ela me encara.
Algo dentro de mim toma forma.
— Você é minha — solto sem nem mesmo pensar no que
isso quer dizer.
Ela dá um meio-sorriso.
— E você é meu.
Meu coração se aquece e eu quero dizer mais coisas, mas
de repente uma fumaça vem da cozinha, tomando a minha atenção.
Só que não há tempo de dizer nada, porque o sistema contra
incêndio do apartamento ativa e tudo vai por água abaixo.
Literalmente.
Hoje é sábado e faz quase duas semanas que Gabriel está
morando comigo.
Bem, sim... a coisa toda se complicou quando nós
estávamos no meio de um orgasmo intenso e o teto de sua casa
simplesmente achou que a cozinha estava pegando fogo. Sei que o
prejuízo foi enorme.
É claro que enquanto dão um jeito de arrumar tudo
novamente, o convidei para ficar em minha casa. E isso tem sido
muito satisfatório porque, apesar de estarmos dormindo pouco,
temos aproveitado ao extremo o corpo um do outro.
Ergo meu nariz ao sentir o cheiro delicioso de café vindo da
cozinha.
Adoro ter Gabriel por perto porque ele realmente gosta de
cozinhar. E de fazer café. E o seu café é maravilhoso.
— Ah, você já acordou. — Gabriel entra no quarto e vem
para cima da cama, prensando seu corpo já vestido ao meu que
ainda está nu por baixo do edredom. — Achei que teria que acordá-
la de alguma forma muito travessa.
— Eu adoraria.
Gabriel deposita um beijo demorado em meus lábios.
— Precisa se levantar. Você não disse que quer a minha
ajuda para limpar a casa? — Ele ergue as sobrancelhas. — Que
horas a Madá e o Cris vão vir para cá?
— Falei para eles virem jantar. Pelo menos, é um bom tempo
para eles descansarem, já que chegaram ontem.
— Tem razão. — Gabriel se afasta e levanta da cama. Pega
o seu celular e começa a checar as coisas.
Faço o mesmo. Pego meu celular, mas assim que vejo uma
mensagem de Robert, eu bufo.
— O que foi? — Gabriel pergunta.
— Seu primo — digo, jogando o celular de lado. — Está
atrás de mim e quer sair de novo, a todo custo.
A feição de Gabriel se fecha.
— Quer que eu tenha uma palavrinha com ele?
— Não, Gabe. — Ajoelho na cama e me aproximo dele.
Seus olhos vêm direto para os meus seios, mas eu já não sinto mais
nenhuma timidez quando estamos assim, tão ligados um ao outro.
— Ele ficou meio assim por eu ter desmarcado naquele dia, mas ah,
que espere. Ele quer falar de negócios.
Gabriel respira fundo.
— Ele não quer apenas negócios, Ana Clara.
— Hummm, você está com ciúme? — brinco, jogando-me
em seu colo. — Não sou sua propriedade, Gabriel.
Embora ele tenha dito que eu sou dele, na noite que o
apartamento alagou, Gabriel e eu sabemos que isso é apenas uma
figura de linguagem. Daqui a pouco, cada um vai ter que começar a
pensar em sair com outras pessoas.
— Eu me importo com você — ele diz, olhando fundo em
meus olhos. — Me importo com seus sentimentos.
— Eu sei e agradeço por isso. — Seguro seu rosto entre as
minhas mãos. — Mas não vamos esquecer que daqui a pouco
nossa vida vai voltar ao normal. Você vai voltar a sair com seus
contatinhos e eu preciso arrumar novos contatinhos.
Gabriel fica em silêncio e então ele me segura e me arrasta
de volta para a cama.
— Quer pão na chapa? — pergunta, mudando de assunto.
Vasculho seu rosto em busca de alguma coisa que delate
quais são seus pensamentos, porém, não encontro nada, então
respondo:
— Sim, claro.
Gabriel deposita um beijo demorado em meus lábios e
depois se levanta, saindo do quarto.
Fico por algum tempo olhando para a porta.
Ele está um pouco diferente desde que começamos a
transar e eu só consigo pensar em uma coisa que me disse
enquanto aceitava a minha proposta maluca:

“Se as coisas saírem do controle, você será a voz da razão para nos
trazer de volta aos eixos.”

Será que as coisas estão começando a sair do controle?

— Uau, você está linda.


Olho para Gabriel pelo espelho onde estou checando a
minha aparência e abro um pequeno sorriso.
Ele também está muito lindo em um terno escuro bem-
ajustado ao seu corpo. Sem gravata, com a camisa branca com os
primeiros botões abertos. Parece tranquilo. Gostoso.
— Você também não está nada mal.
Gabriel sorri.
Escolhi um vestido verde-musgo que vai até os joelhos. Ele
é em modelo tubinho e não tem mangas. É elegante, bonito e eu
gosto muito dessa cor.
Gabriel continua me olhando de onde está parado, com as
mãos enfiadas nos bolsos da calça.
— Está pensando em maneiras de arrancar este vestido? —
pergunto, tentando soar provocativa.
Ele sorri maliciosamente.
— Eu sempre penso isso. Até mesmo quando você estava
usando aquele moletom ridículo da Minnie para limpar a casa.
Dou risada.
Gabriel e eu passamos o dia fazendo uma faxina para
receber nossos amigos. Foi divertido, rimos muito, jogamos água
um no outro, nos secamos, nos beijamos, transamos no chão da
cozinha... uma loucura só.
Pelo menos, o clima pesado que estava durante o café da
manhã foi embora e conseguimos voltar ao normal.
O problema é que nós ainda não conseguimos conversar
sobre a nossa situação. E acho que essa conversa precisa
acontecer o mais rápido possível. Às vezes, sinto que as coisas
estão fugindo do controle.
E a nossa amizade vem sempre em primeiro lugar.
— Acho que eles chegaram. — Gabriel se desencosta da
porta assim que o barulho do interfone toca. — Vou recebê-los.
— Ok.
Gabriel vira as costas e se vai.
Respiro fundo várias vezes. Será que Madalena vai
conseguir entender o que está acontecendo entre Gabriel e eu?
Apesar de ter ficado feliz com a notícia de que ela estaria de volta,
não sei mais se quero que ela saiba.
Saio do quarto ostentando o meu melhor sorriso e assim que
coloco os olhos em Madá e Cris, meu coração se desmancha de
prazer e eu me jogo em cada um deles com um abraço apertado.
— Meu Deus, você está linda, Ana Clara — Madá diz,
animada.
— Você é quem está um arraso, Madá. — Separo-me dela e
a olho de cima a baixo. Madalena é uma negra muito linda. Cabelos
pretos cacheados que dão inveja em qualquer mulher. Corpo com
cintura de violão. — Cristiano é um filho da puta sortudo.
— Eu sou mesmo. — Cris dá risada enquanto puxa a esposa
em seus braços.
Cristiano é branco como leite e eles são perfeitos um para o
outro. Um verdadeiro yin-yang2.
— Cadê o Arthur? — pergunto, já preocupada.
— Deixei com a minha mãe — Madá responde. — Eu sei,
não me olhe assim. Você quer vê-lo. Você vai vê-lo, mas amanhã ou
outro dia. Hoje eu achei que teríamos uma noite tranquila, sem
choro de criança e essas coisas.
— Meu Deus, Madá. Você sempre é tão racional — Gabriel
brinca.
Nós rimos.
A campainha toca novamente e eu olho na direção da porta.
Ué, não estamos esperando mais ninguém.
— Ah, desculpe, Ana, é meu irmão — Madá responde, indo
na direção da porta para abri-la. — Não tem problema eu ter trazido
ele, tem? Você sabe que meu irmão é seu fã número 1. Ele queria te
ver.
Dou risada, mas Gabriel parece não achar divertido.
— Claro que não tem problema. Vou colocar um prato a
mais.
Madalena abre a porta para o irmão e assim que ele entra na
sala, eu arregalo os olhos.
Meu Deus, quanto tempo faz que não vejo esse garoto?
Aliás, garoto... Carlinhos parece ter tomado uma injeção de
músculos e testosterona, além de ter crescido uns cinquenta metros
no período que não o vi.
O neném não é mais neném.
Meu Deus.
Ele cumprimenta Gabriel, que apenas aperta sua mão com
pouca vontade. Carlinhos vem em minha direção com seu jeito bad
boy e diz um “Oi, Ana” antes de depositar um beijo em meu rosto.
— Meu Deus, Carlinhos. — Seguro seus braços para ver se
eles são de verdade. — O que aconteceu com você? Entrou
naquela máquina que transformou o capitão América?
Ele ri e seu sorriso lindo faz minhas pernas derreterem um
pouquinho.
— Imagina. — Até sua voz engrossou. — Só andei um
pouco ocupado na academia.
Dou risada, até que desvio o olhar para Gabriel e o pego me
encarando como se eu fosse uma tarada de meninos mais novos.
Poxa, Carlinhos é só cinco anos mais novo que eu.
— Nossa, que bom estar aqui... temos tantas coisas para
conversar. — Madalena me puxa na direção do sofá e os homens
ficam para trás, embolando uma conversa que só eles conseguem
entender.
— Temos mesmo — concordo. — Quer beber algo? Tenho
aquele uísque que você gosta.
— Eu aceito.
Vou até o bar e sirvo um pouco de bebida para cada um.
— Carlinhos, na última vez que nos vimos, você não podia
beber — censuro-o antes de entregar o copo em suas mãos.
— Mas agora, eu posso — ele diz, abrindo um sorriso. —
Posso fazer várias coisas agora.
Seu tom safado não me passa despercebido, mas eu dou
uma risadinha para disfarçar.
Ai, meu Deus.
Sento-me ao lado de Madalena e começamos a conversar
sobre como foi a chegada deles no Brasil. Ela fala também sobre o
que espera dos próximos três meses e eu me ofereço para ajudá-la
no que precisar.
Em um momento, Gabriel nos chama para ir até a mesa,
antes que a comida esfrie. Ele se senta na ponta e eu ao seu lado.
Madalena e Cris do outro lado e Carlinhos ao meu lado esquerdo.
— Então os negócios vão bem, Gabriel? — Cristiano
pergunta.
— Sim, tudo bem — Gabriel responde, servindo-se de arroz
de forno. — Mesmo com o momento difícil que o país está,
conseguimos nos manter firmes e fortes.
— Isso é ótimo — Madá diz. — Tantas empresas fechando,
falindo. Vocês têm muita sorte.
Gabriel coloca uma mão sobre a minha e nossos olhares se
encontram, quando ele diz:
— Eu realmente tenho sorte. Encontrei a parceira ideal.
A frase de Gabriel parece conter algo que vai além de
“parceira de negócios”.
E isso me faz estremecer.
Então sorrio para ele, mas quando meus olhos encontram o
rosto de Madalena, seu olhar está preso em nossas mãos unidas.
Quando ela levanta o olhar, eu já sei que descobriu nosso
segredinho.
— Acho que temos muita conversa para colocar em dia, Ana
Clara.
Sorrio, mas minhas bochechas já estão pegando fogo.
— É, temos sim.

— O jantar foi ótimo, não acha? — pergunto a Gabriel,


enquanto ele me ajuda passando os pratos para o lava-louças.
— Foi, sim.
Gabriel está quieto desde que Madá, Cris e Carlinhos foram
embora. Ele não consegue me encarar e eu não faço ideia do
porquê está assim.
— Nossa, o Carlinhos cresceu tanto — comento.
— Cresceu... — Gabriel concorda. — Assim como os seus
olhos em cima do moleque.
Dou risada e me recosto no balcão da cozinha.
— Qual é, Gabriel? O garoto está um gatinho. Qualquer uma
vai ficar olhando para ele.
Gabriel não diz nada, apenas fecha a porta do lava-louças e
se concentra em outra coisa na pia.
— Você vai querer sair com ele também? — ele pergunta,
ácido.
— Como assim “também”?
Gabriel dá uma risada sombria.
— Agora que você não é mais virgem, parece que quer sair
com todos os caras que entram na sua frente.
Arregalo os olhos e o humor que eu estava tentando
sustentar vai para o inferno.
— O que você disse, Gabriel? — Minha voz endurece vários
tons. — Acho que não entendi.
Ele fica em silêncio, ainda concentrado na pia.
Não sei que diabo mordeu Gabriel hoje, mas ele está
insuportável durante todo o dia.
Ele bufa e se vira na minha direção. Suas mãos vêm até
meu rosto.
— Desculpe, eu não quis dizer nada para te ofender.
— Mas você me ofendeu — retruco.
Seu rosto está a centímetros do meu.
— Eu só... acho que não estou bem hoje. — Ele se afasta.
— Se importa se eu for embora?
— Você quer ir embora? Por quê?
Gabriel respira fundo.
— Não sei, Ana Clara. Eu acho que preciso de um tempo
sozinho. Desde que começamos isso, nós ficamos mais tempo
juntos e...
Suas palavras me deixam magoada, mas tento não
transparecer.
— Tudo bem, vá embora. Eu também preciso ficar sozinha.
Ele me encara por longos instantes.
Quero pedir que fique, não quero passar o fim de semana
sozinha. Ou pior, não quero dormir sozinha. Meio que me acostumei
a tê-lo ao meu lado. Só que eu sei que precisamos de distância, se
queremos que nossa amizade continue funcionando.
Gabriel dá um passo em minha direção, deposita um beijo
em minha testa e se afasta.
— Boa noite, Ana.
Abro a boca para responder, mas ele já se foi.
E aqui estou, mais uma vez, sozinha em um apartamento,
com nada além dos meus pensamentos e das memórias dos
momentos intensos que vivi com meu melhor amigo.
Eu acho que essa é a minha cruz.
No final das contas, sempre acabar sozinha.
O elevador parece mais lento que o normal e isso me irrita.
Claro que estou irritado por outros motivos, incluindo que hoje é
segunda-feira e, mais uma vez, Ana Clara quebrou a nossa tradição
de tomar café com Nutella na padaria da nossa infância.
Já tentei ligar inúmeras vezes para ela, mas só cai na caixa
postal. Seu WhatsApp não recebe as minhas mensagens e eu estou
começando a achar que ela decidiu ligar o botão de “foda-se o idiota
do Gabriel”.
Bem, talvez eu mereça mesmo ser ignorado.
Respiro fundo quando o elevador faz uma pausa no primeiro
andar.
— Bom dia, Gabriel — Luciana, a assistente de Ana Clara,
me cumprimenta com um sorriso animado. Pelos céus, quem é que
fica animado na porra de uma segunda-feira?
— Bom dia, Luciana — a cumprimento de forma polida.
Ela se coloca ao meu lado e aperta o botão do nosso andar.
— Achei que Ana Clara estaria com você — ela diz, me
olhando de esguelha.
— Pois é, ela não veio desta vez.
Sei que estou um porre de ser humano, mas não preciso ser
desagradável com quem não tem nada a ver com a situação. Então
digo:
— Como passou o fim de semana?
Luciana cora um pouco e sorri.
— Foi tranquilo. Limpei a casa, fui ao cinema, descansei no
domingo...
— Eu gosto de ir ao cinema também — comento, assim que
o elevador para em nosso andar. Estendo a mão para ela sair na
frente.
— Você já assistiu ao novo filme do Homem-Aranha? — ela
pergunta, animada.
— Ainda não. — Dou um meio-sorriso. — Minha vida está
um pouco agitada e não consegui arrumar tempo para isso.
Luciana assente.
Cumprimento algumas pessoas que passam por nós.
— Bem, se quiser companhia, estou disponível a semana
toda.
Suas palavras me pegam de surpresa e eu a encaro. Ela
sorri.
— Ah sim, claro — me perco nas palavras —, vou ver um dia
e te aviso.
Luciana para na minha frente assim que chegamos perto da
sua mesa. Ela olha para os lados e depois fixa sua atenção em meu
rosto.
— Sabe, Gabriel... eu estava pensando. Acho que você tem
trabalhado muito. Precisa sair, se divertir um pouco. Por que não
aceita sair comigo e... com alguns amigos meus? Eles são artistas,
acredito que podem acrescentar ideias maravilhosas aos nossos
trabalhos.
Não sei muito bem interpretar o que Luciana realmente quer,
mas eu apenas balanço a cabeça afirmativamente.
— E então? — Ela me olha com expectativa. — Aceita sair
com a gente um dia?
— Ahn... eu... sim, por que não? — Abro um sorriso sem
graça. — Já falou com a Ana Clara sobre isso?
Ela respira fundo.
— Não, achei que seria melhor falar diretamente com você.
Na quinta-feira, o que acha?
Busco na minha memória algum compromisso, mas não
tenho nenhum.
— Vamos, vai ser bem legal. — Luciana segura a minha mão
e, por um instante, acho isso tão errado que dou um passo para
trás.
Como vou me livrar sem ofendê-la?
— Tudo bem — digo, já virando-me para ir na direção da
minha sala. — A gente combina durante a semana.
Luciana sorri mais animada que antes.
O telefone de sua mesa toca e eu acho que é o momento
ideal para eu cair fora. Porém, assim que ela atende e o nome “Ana
Clara” surge, esqueço completamente por que eu estava fugindo.
— Deixe eu falar com ela, por favor — peço, já estendendo a
mão para pegar o telefone.
Luciana dá um passo para trás e eu seguro o telefone no
ouvido.
— Ana Clara? O que diabos aconteceu? Por que não atende
ao telefone?
Ela dá um espirro.
— Eu tô mal, Gabriel. Acho que peguei uma gripe muito
forte.
— Ahn... — Agora entendo por que ela sumiu. Alívio me
consome no mesmo instante. — Eu tentei te ligar inúmeras vezes.
Hoje é segunda-feira.
— Eu sei, Gabe. Desculpe. Eu tomei um remédio ontem e
capotei. Acordei agora e decidi ligar primeiro para a Luciana. Eu já
ia retornar suas mensagens.
Meu coração salta como um louco.
— Quer que eu vá para aí? — pergunto, um pouco mais
baixo.
— Não. Não quero que você fique gripado também. — Ela
dá outro espirro.
— Mas quem é que vai cuidar de você?
Sei que no sábado agi como um idiota, mas apesar de tudo,
Ana Clara é minha melhor amiga. Se ela não está bem, preciso
estar ao seu lado.
— Eu dou um jeito. — Ela suspira. — Se eu não melhorar,
vou ao médico.
— Ok, descanse. Você precisa ficar bem... temos...
assuntos... pendentes.
Ela fica em silêncio por um bom tempo, até que solta uma
risadinha.
— Tá bom, safado, vá trabalhar. Depois nos falamos.
Nós nos despedimos e eu entrego o telefone à Luciana que
me olha de uma forma estranha. Como se eu tivesse dito a coisa
errada.
Afasto-me e vou para a minha sala.
Vai ser uma merda trabalhar sem ter Ana Clara na empresa.
Mas, pelo menos, eu sei que ela não está com raiva de mim
e isso me alivia de uma forma que não sei nem explicar.

— Caramba, Gabriel. — Cristiano suspira. — Sua sala é


demais. Que vista, hein!
Dou risada.
Cristiano está em êxtase desde que chegou. Não para de
olhar tudo, de mexer em tudo.
— Não é a vista do Porto que você tem, mas eu gosto.
Ele solta um suspiro resignado e se senta na cadeira em
frente à minha mesa.
— Você sabe que eu gosto de morar no Brasil. Só estou em
Portugal por causa do trabalho.
— Eu sei, você já disse isso um milhão de vezes.
Cristiano assente.
— E então, por que me chamou aqui? — Franze o cenho. —
Você está com cara de quem passou o domingo bebendo e
remoendo a própria vida.
Respiro fundo.
Eu sei que não deveria falar sobre esse assunto com
ninguém, mas Cristiano já esteve na minha pele. Ele se apaixonou
pela melhor amiga e eu preciso saber como isso aconteceu para
poder levar meu relacionamento com Ana Clara pelo caminho certo.
— Talvez eu tenha feito isso — admito, olhando para um
bloco de anotações em cima da mesa.
— Bem, seu amigo está de volta. Fale o que está te
afligindo.
Bato com os dedos no tampo da mesa. Como falar sobre
isso?
— Quando foi que você descobriu que estava apaixonado
pela Madalena?
Cristiano me encara por alguns segundos.
— Está apaixonado por quem?
— Eu não estou apaixonado.
— Está sim.
— Não estou — digo, irritado. — Eu apenas quero me
prevenir para isso não acontecer.
Cristiano relaxa no assento.
— Paixão é algo que a gente nunca sabe explicar, Gabriel.
Ela acontece e pronto. Um dia você percebe que está preocupado e
neurótico com aquela pessoa, depois percebe que você já não
consegue mais viver sem ela. Todo lugar que você olha, ela está.
Todo maldito dia só faz sentido se ela estiver perto de você. Foi
assim que aconteceu. — Ele beberica o café que Luciana nos
trouxe, minutos atrás. — Madalena e eu tivemos o benefício de já
termos uma amizade antes, que se materializou em paixão. E as
coisas são assim.
Suas palavras me deixam mais confuso do que antes.
Sempre me importei com Ana Clara, sempre fui meio
possessivo com ela, mas ultimamente parece que tudo está dez mil
vezes pior. No sábado, quando a vi admirando os músculos do
irmão de Madalena, eu quis fazer picadinho do moleque.
— Eu... me envolvi com uma pessoa — digo, tentando não
revelar demais. — Só que não quero deixar isso evoluir.
— Então pare de sair com ela, simples assim.
— Não é simples. Conosco nada é simples assim. — Movo
minha cadeira, aproximando-me da mesa. — Eu gosto de sair com
ela. Gosto de estar com ela, nunca pensei que fosse gostar desse
jeito, mas...
Cristiano beberica novamente o café.
— Você já sente algo por ela.
— Sinto, mas... é só amizade.
Os olhos de Cristiano quase saltam da órbita enquanto a
xícara de café para a centímetros de sua boca.
E aí eu percebo que falei a palavra-chave.
Amizade.
— O quê? — Ele joga a cabeça para trás, rindo. — Gabriel,
você está saindo com a Ana Clara? É isso?
E eu já não consigo mais mentir. E nem adianta, porque ele
já captou tudo e já entendeu o que está acontecendo.
Cristiano ri, enquanto eu controlo a minha vontade de socá-
lo.
— Isso não é piada, Cristiano.
— Não mesmo. — Ele para de rir e coloca a xícara em cima
da mesa. — Cara, você está fodido, desculpe a palavra.
— E você acha que eu não sei disso? — Recosto-me na
cadeira e respiro fundo, passando as mãos pelo meu cabelo. — Às
vezes, sinto que estou perdendo o controle e já não sei onde
começa a nossa amizade e termina o desejo. Eu estou louco por
ela, essa é a verdade.
Cristiano balança a cabeça negativamente.
— Não dá para fugir de coisas assim. Veja só o que
aconteceu comigo e a Madalena. Mas, no meu caso, eu não tentei
controlar nada. Nos apaixonamos e nunca questionamos se era
melhor ter ficado só na amizade ou não.
— Não posso me apaixonar por Ana Clara.
— Por que, não? — Cristiano franze o cenho. — Ana Clara é
bonita, sexy, é inteligente, sabe ter uma boa conversa... vocês são
amigos de infância, já conhecem os defeitos um do outro e isso
facilita muito as coisas.
— Não posso me apaixonar por Ana Clara — repito, desta
vez mais convicto. — Ela não quer um namorado. Ela não quer se
apaixonar. Ela quer apenas uma aventura, uma diversão. Entende?
Já deixou isso claro para mim várias vezes. Logo, cada um de nós
vai voltar a sair com outras pessoas e as coisas vão ser como
sempre foram.
Cristiano me olha com pena.
— Você está preparado para vê-la saindo com outro cara?
— Neste momento, não.
— Então é melhor você preparar a sua mente e parar de
fazer o que vocês estão fazendo, antes que esse sentimento aí —
ele aponta para o meu coração — cresça ainda mais.
Sei que Cristiano tem razão, mas no momento não consigo
pensar em parar de transar com Ana Clara.
Acho que nunca tive uma amante tão intensa, tão receptiva,
tão... meu Deus, mesmo perdendo a virgindade há poucos dias, ela
consegue ser a melhor foda que eu já tive em tantos anos.
— Não conte isso à Madalena, por favor.
— Não vou contar, mas ela não é idiota. No sábado, ela
percebeu que algo estranho está rolando entre vocês. Eu disse que
ela estava ficando louca, mas agora vou precisar me desculpar de
alguma forma sem que ela saiba que está certa.
Dou risada.
— Casamento é sempre assim?
— Como?
— O cara falando merda e tendo que se desculpar com a
esposa que tinha razão a todo momento?
Cristiano ri.
— Pode crer, meu caro. É bem pior que isso.

Pego a chave que ela deixa escondida atrás do vaso de


planta e a enfio na fechadura.
O apartamento está escuro, como ela costuma deixar. Mas
da porta consigo ver a luz de seu abajur no quarto acesa.
Fecho a porta e coloco a sacola de mercado com algumas
bobeiras que Ana Clara ama comer quando está doente em cima do
balcão da cozinha.
Eu não devia ter vindo.
Depois da conversa com Cristiano, refleti de que deveríamos
dar um tempo nessa coisa toda, mas quando saí da empresa, fiquei
pensando em como ela estaria. Um amigo de verdade iria ajudá-la.
E eu sou esse amigo, mesmo que em noventa por cento do tempo
esteja pensando em formas de despi-la de suas roupas.
Sigo pelo corredor até seu quarto e dou uma batidinha na
porta. Ana Clara está deitada na cama, enrolada em uma toalha de
banho. A TV está ligada em um programa da Discovery Home and
Health. Os gêmeos que constroem casas. Ela ama esse programa.
Aproximo-me da cama e vê-la tão frágil me desfaz em vários
pedaços.
Meu instinto protetor se revela maior do que sempre foi.
Que inferno, eu não sou assim nem com a minha própria
irmã.
Tiro meu terno e o coloco em cima de uma poltrona. Tiro os
sapatos e me deito ao seu lado na cama, puxando-a para os meus
braços.
Seus cabelos são tão cheirosos. Tão sedosos. Quero
mergulhar neles.
— Gabe? — Ana Clara diz ao despertar, com a voz rouca.
— Oi, linda.
Ela levanta a cabeça um pouco e olha ao redor.
— Que horas são?
— Deve ser 21h.
Ela suspira, abaixa a cabeça e se aconchega novamente em
meu corpo.
— Eu tomei remédio às 17h e caí no sono.
— Imaginei... — Passo os nós dos meus dedos pelo seu
rosto. — Você precisa descansar.
— Eu tive febre.
— Foi ao médico?
— Não. Mal consegui ir até o banheiro.
— Então amanhã cedo vou levá-la — digo.
Ela dá um espirro.
— Eu falei pra você não vir, Gabriel. Não quero que fique
gripado também.
— Não vou ficar gripado. Meu histórico de atleta é dos bons.
— Dou uma risadinha.
Ana Clara me cutuca, rindo.
— Idiota.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
— Vou tomar um banho e preparar uma sopa para você, ok?
Ela suspira.
— Tá bom.
Levanto e a observo, iluminada apenas pela luz do abajur.
Como que até doente e descabelada, Ana Clara consegue
ser a mulher mais linda que eu já vi em minha vida?
Eu não posso me apaixonar por ela.
Não posso.
— Hey, feche isso! — Enfio a cabeça no travesseiro para
não ter que lidar com a claridade entrando pela janela.
— Não vou fechar nada — Gabriel diz. — E vamos, levante-
se. Você precisa de ar fresco ou então vai ficar nessa cama pra
sempre.
Hoje faz oito dias que estou com uma gripe dos infernos.
Gabriel foi comigo ao médico na semana passada e eles
passaram alguns remédios, que eu já estou tomando. Mesmo
assim, parece que um caminhão passou em cima do meu corpo e
eu não tenho forças para nada.
— Você não deveria estar em alguma reunião a essas
horas? — resmungo, levantando um pouco a cabeça.
Gabriel se senta ao meu lado na cama.
— Cancelei as reuniões de hoje.
— Você já fez isso ontem.
Ele passa a mão pelo meu rosto.
— Não gosto de participar dessas reuniões sem você.
Suas palavras aquecem meu coração, mas eu trato de
afastar esse sentimento.
Gabriel tem sido tão prestativo, tão acolhedor. Tem cuidado
de mim como nunca. E às vezes, fico me perguntando se ele está
fazendo isso por causa da nossa amizade ou por estarmos
transando.
Acho que prefiro não saber a resposta.
— Não pode fazer isso, Gabriel. — Coloco uma mão em sua
coxa e a aperto levemente. — Os compromissos vêm em primeiro
lugar.
— A saúde vem em primeiro lugar — ele me corrige,
colocando sua mão sobre a minha.
Dou um meio-sorriso.
— Luciana está cuidando de tudo, não está?
— Está — ele admite. — Falando em Luciana... na segunda-
feira passada, ela veio com um papo estranho. Acho que me
chamou para sair. — Ele dá uma risada. — Digo, ela disse que
alguns amigos artistas iam junto, mas sei lá.
Meu coração dá um salto e eu me sento na cama no mesmo
instante.
— Como é?
Gabriel me encara.
— É... ela estava mais aberta. Não sei explicar. Parecia estar
flertando.
Isso me irrita por algum motivo, mas acho que Gabriel deve
saber da verdade.
— Ela gosta de você — solto.
— Sério? — Ele arqueia as sobrancelhas e dá risada. —
Desde quando?
— Sei lá. — Puxo o travesseiro e me deito novamente. —
Ela confirmou isso esses dias. Naquele dia que eu passei mal.
Gabriel analisa meu rosto por alguns instantes e eu percebo
que falei demais.
— E esse foi o motivo de você passar mal naquele dia?
Ah, céus, por que minha boca tem que ser tão grande?
— Ai, Gabriel, sei lá. — Viro de costas para ele. — Não
quero falar sobre isso.
Ele dá risada, mas então sinto seu peso afundando o
colchão. Gabriel encosta seu corpo ao meu e sua boca vem até o
meu ouvido.
— Ficou com ciúme?
— Não, idiota — lhe dou uma cotovelada de leve —, eu só...
fui pega de surpresa.
— Vou fingir que acredito. — Ele deposita um beijo em meu
ouvido. — Então, se eu aceitar sair com ela, você vai ficar brava?
— Não. Você é solteiro, livre para fazer o que quer —
retruco, irritada. — Sai de perto de mim, Gabriel. Ainda estou
doente.
Ele não se afasta, pelo contrário, me prende com mais força
ao seu corpo.
— Estou com saudade. Quando você vai melhorar?
Respiro com dificuldade porque meu coração está batendo
como louco. Esses dias doente, sem poder aproveitar as facilidades
de ter o meu melhor amigo/amante dentro de casa, foram horríveis.
— Não sei.
Gabriel suspira. Sua boca encosta em meu pescoço.
— Não vou sair com a Luciana... pelo menos, não nesta
sexta.
Quero socá-lo por deixar subentendido que qualquer dia
desses ele vai sair com a minha assistente, mas o que eu posso
fazer? Não somos namorados, não somos nada. Apenas amigos
que estão aproveitando o corpo um do outro.
— E por quê?
Ele me vira, fazendo com que fiquemos cara a cara.
Seus olhos são tão lindos, seu rosto é tão perfeito. Gabriel é
todo perfeito.
— Porque mamãe me ligou e disse que vai dar uma festinha
no fim de semana. Ela quer a nossa presença.
Fecho os olhos e solto um gemido frustrado.
— Pois é, mas não podemos decepcionar minha mãe. — Ele
se levanta e eu quase solto outro gemido frustrado por tê-lo longe
de mim. — Agora, levante-se, vista uma roupa, vamos caminhar no
parque. Você precisa melhorar até sexta à noite.
— Você não vai desistir, não é?
— Não mesmo.

A semana passou voando.


Por incrível que pareça, os esforços de Gabriel em me levar
para caminhar todos os dias no parque surtiram efeito e estou me
sentindo bem melhor.
Estou enfiando algumas roupas na mala, tomando cuidado
para levar um pouco de cada coisa. São Paulo e seu clima maluco,
onde estamos nas Bahamas e nas geleiras do Hemisfério Sul tudo
em um mesmo dia.
Gabriel vem me buscar em alguns minutos e, para ser
sincera, estou animada com o fim de semana. Acho que preciso
mesmo de uns dias para colocar minha cabeça em ordem, depois
dessas duas semanas malucas em que eu só conseguia pensar em
dormir e tomar analgésicos.
Ouço o barulho da porta abrindo e, logo depois, a voz
poderosa de Gabriel ecoando pelo corredor:
— Espero que esteja pronta.
— Estarei em uns dez minutos, assim que conseguir
terminar de enfiar as roupas na mala.
— Meu Deus, você não está pronta ainda? — Gabriel entra
no quarto e seus olhos azuis estão arregalados.
— Não sabia o que levar.
Gabriel coça a sobrancelha enquanto suspira.
— Sinceramente, não sei o que fazer com você e a sua
enrolação — Gabriel me puxa para si e eu arfo assim que nossos
corpos se colidem. Estou sentindo uma saudade imensa desse
homem. — Vamos chegar tarde desse jeito.
— E qual é o problema? — Ergo uma sobrancelha e então
aponto para a minha cama onde roupas estão espalhadas. — Achei
que eu iria atrasar, de qualquer maneira.
Os olhos azuis de Gabriel se conectam aos meus e é como
se alguém tivesse jogado gasolina, acendido um fósforo e jogado
em cima de nossos sentimentos.
Meu Deus, eu quero tanto que Gabriel me tome em seus
braços.
— E por que você achou que iria atrasar, de qualquer
maneira? — Sua voz é lenta, hipnotizante.
— Algo me dizia isso... — Não consigo controlar minhas
mãos que sobem pelo peitoral de Gabriel coberto pela camisa de
seda azul. Seguro as lapelas de seu terno. — Eu gosto que você
use azul. Combina com seus olhos.
Ele fecha os olhos.
— Você gosta de me torturar.
— Eu? — Desço minhas mãos pela sua cintura e então
agarro seu pau, que já está duro sob as calças. Gabriel geme. — Eu
não torturo ninguém. Só constato fatos.
— Ana Clara... — ele diz o meu nome entre um suspiro.
— Uns minutos a mais, uns a menos... — digo baixinho,
colando meu corpo ao dele sem nenhum pudor. — Ninguém vai
perceber.
Gabriel resmunga um palavrão e então me empurra na
cama, dou um gritinho assim que ele se coloca por cima de mim.
Seus lábios devoram os meus como se estivesse faminto.
Como se há tempos estivesse precisando disso.
E eu o beijo na mesma proporção.
Minhas mãos percorrem suas costas e depois passam pelos
seus cabelos, apreciando cada pedacinho que me fez tanta falta
nesses dias de doença.
— Você é uma menina malvada, Ana Clara. — Gabriel se
afasta para abrir o botão da minha calça jeans velha. — Tem noção
de que minha mãe está nos esperando para o jantar?
— Sério? Que pena. — Minha voz sai em um tom de
lamento fingido. Gabriel balança a cabeça negativamente e após
puxar a minha calça, ele volta para mim e ergue a minha blusa.
— E é debochada ainda por cima.
Dou risada e então sua boca se concentra em minha cintura
e depois vai subindo. Fecho os olhos quando ele encontra meus
seios e os suga, um de cada vez, em uma doce tortura.
— Eu acho que é você quem gosta de torturar os outros —
digo, tomando fôlego. A essa altura, já estou completamente
encharcada e Gabriel sabe disso, pois não perde tempo em levar
uma mão até lá e me acariciar por cima do tecido fino da calcinha.
— Olha só, completamente molhada.
— Sim, estou. — Arfo, arqueando meu corpo.
Gabriel dá uma risadinha e então puxa a minha calcinha,
jogando-a em um canto do quarto. Seus dedos se concentram em
meu clitóris e eu jogo a cabeça para trás, tremendo com os
espasmos que acometem meu corpo.
— Quero ouvir seus gemidos, querida — Gabriel sussurra
em meu ouvido. — Vamos lá goze para mim.
Gabriel intensifica os movimentos de sua mão e eu levanto
meu quadril, dando a ele acesso a cada parte de mim. Seus dedos
são mágicos, são poderosos. São a melhor coisa que eu poderia
querer no momento.
Ele me penetra com um dedo e eu grito seu nome, pedindo
por mais. Perco a noção quando meu corpo entra em combustão e o
orgasmo me atinge, levando embora toda a minha sanidade.
Gabriel se afasta e eu abro os olhos somente para vê-lo
tirando suas próprias roupas.
Ele é tão lindo.
Já nu, Gabriel volta para cima de mim e posiciona seu pau
em minha entrada. Seus olhos se conectam aos meus e ele sorri.
— Senti sua falta também.
— Que bom. — Apoio as mãos em seus ombros. — Porque
acho que essa é a última vez que vamos fazer isso. — Seus olhos
se tornam escuros, então percebo que talvez eu tenha dito a coisa
errada. — Digo, neste fim de semana. Não vamos fazer isso na
casa dos seus pais, não é?
Gabriel relaxa um pouco, mas sei que a incerteza já o
tomou.
— Hey, olhe para mim — peço, puxando seu rosto para o
meu. — Gabriel, me beije.
Ele faz o que pedi e conforme sua língua percorre meus
lábios reacendendo o que há entre nós, ele me penetra fundo.
Abro bem as pernas e deixo que ele leve tudo de mim.
Gabriel entra e sai em um ritmo acelerado e os sons em
nossos lábios são impossíveis de controlar.
Eu amo que ele esteja descontrolado.
— Porra, você me enlouquece — ele diz, se retirando. Então
me puxa pela cintura, virando-me de costas para ele. — Levanta
essa bunda gostosa, quero te comer por trás.
Eu faço o que ele disse, completamente absorta em como a
voz de Gabriel muda quando ele está sob o domínio da nossa
pequena brincadeira erótica.
Ele me penetra por trás sem cerimônias e é tudo tão intenso.
Agarro o lençol com força. Ele segura a minha cintura e
entra e sai em um ritmo forte.
Gabriel dá um tapa em minha bunda ao mesmo tempo que
diz:
— Sabia que eu passei os últimos dias sonhando em te
foder desse jeito?
— Meu Deus, Gabriel.
Eu amo a forma como ele consegue ser fofo, romântico, mas
também um animal na cama. Amo quando ele diz sacanagens em
meu ouvido, quando me faz sentir a única, porque, veja bem, ele é o
único homem em minha vida.
Alcanço o orgasmo, mais uma vez, um pouco antes de
Gabriel estremecer de prazer e derramar seu líquido dentro de mim.
Quando tudo acaba, nos jogamos na cama, nos braços um
do outro. Nossas respirações aceleradas.
— Isso foi demais — digo lentamente.
Gabriel sorri.
— Foi mesmo.
Fecho os olhos e me aconchego ainda mais em seus braços.
Seu calor faz a minha mente relaxar e, em pouco tempo, a
escuridão nos toma.
“— GABRIEL! ME DEVOLVA ESSA DROGA DE CADERNO!
— Ana Clara grita enquanto pula, tentando alcançar o objeto em
minhas mãos erguidas no ar. — GABRIEL!!!
— Não vou devolver. — Dou risada. — Quero ver o que você
tanto escreve neste caderno.
Afasto-me correndo até o centro da quadra de futsal de
nossa escola. Quero muito descobrir o que tanto Ana Clara escreve
neste caderninho azul com detalhes cor-de-rosa.
Ela está furiosa, os olhos carregados de ódio.
Abro o caderno e a primeira coisa que eu vejo me choca.
Há o nome de um garoto. “Allan” e ao lado um pequeno
coração pintado de canetinha vermelha.
— Me devolva essa porra! — Ana Clara puxa o caderno de
minha mão, mas a essa altura eu já nem sei mais o que dizer. —
Que droga, Gabriel. Não faça mais isso.
Lágrimas começam a escorrer de seus olhos. Lágrimas de
humilhação, de vergonha, eu não sei.
De repente, a brincadeira perde a graça e eu olho para os
lados para me certificar de que ninguém está nos vendo. Ana Clara
e eu aprontamos e a diretora nos deixou de castigo para limpar a
quadra todo final de aula.
Então eu me aproveitei de um momento de distração dela.
Mas acho que agora estou arrependido.
— Você gosta do Allan? — pergunto, dando um passo em
sua direção.
Ana Clara respira fundo. Seus olhos estão fixos no caderno
em sua mão.
— E daí se eu gostar? — Ela me encara. — Ele nunca vai
olhar para mim.
Não sei se eu estava preparado para ver minha melhor
amiga gostando de outro garoto, mas isso me deixa um pouco
desconcertado.
Allan é o garoto mais famoso do colégio.
Ele tem uma legião de fãs, é sedutor e gosta de se
aproveitar disso. O pior de tudo é que ele é um ótimo jogador de
futsal, o que o faz se tornar ainda mais popular.
— O Allan é um babaca, Ana — dou mais um passo em sua
direção —, e eu sei que ele chifra a namorada dele com várias
meninas.
Ana Clara abaixa o rosto e funga.
Meu coração se aperta mais um pouco.
— Você vai contar pra ele?
— Claro que não. Eu apenas queria te zoar, mas... — Puxo-
a para os meus braços e a envolvo como se pudesse protegê-la. —
Exagerei. Me desculpe.
Ana Clara me abraça de volta, encostando sua cabeça em
meu peito.
— Tudo bem, desde que você prometa que vai manter isso
em segredo.
— Eu prometo.
— Então eu vou guardar o seu segredo, de que você gosta
da Gabriela.
Congelo no mesmo instante.
— Eu não gosto dela, não desse jeito.
Ana Clara se afasta e abre um sorriso malicioso.
— Vamos fazer de conta que não.
Dou risada, mas não adianta. Eu nunca consigo esconder
nada de Ana Clara.”

— Dá pra você ir devagar?


Tiro um pouco o pé do acelerador e lanço um sorriso de
desculpas.
— A culpa é sua, que fez a gente se atrasar.
— Ah, a culpa é minha? — Ela cruza os braços. — Quem
não aguentou foi você. Se tivesse dito “hoje não, Ana Clara”, já
estaríamos chegando ao sítio dos seus pais.
Ana Clara tem razão. Depois do nosso sexo maluco,
dormimos por duas horas e acordamos desesperados para pegar a
estrada.
Só que, mesmo assim, não me arrependo de nenhum
segundo.
— Já estamos chegando — digo, tentando aliviar a tensão.
— Minha mãe vai nos perdoar.
— Ah, claro. Só que vamos dormir com a barriga vazia.
— Até parece. Sempre sobra comida.
Ana Clara fica em silêncio, mas eu não resisto e compartilho
com ela a minha última lembrança:
— Lembra quando peguei seu caderno e descobri que você
gostava do Allan?
Ana Clara vira a cabeça em minha direção.
— Eu te odiei tanto naquele dia.
— Você me odiou mais quando eu deixei escapar em uma
das nossas brigas e todo mundo da escola ficou sabendo.
Ana Clara choraminga, afundando-se no assento.
— Nem me fale. Você era tão idiota, Gabriel.
Abro um meio-sorriso.
— Mas você se vingou, falando para todo mundo que eu
estava com gonorreia.
Sua risada preenche o ambiente.
— É, nós éramos malvados um com o outro. — De repente,
sua mão encontra a minha em cima do câmbio. — Não sei como
ficamos amigos por tanto tempo.
— Amizades sem fortes emoções não têm graça.
Ela sorri.
— Isso inclui o momento que estamos vivendo?
— Podemos dizer que sim.
Ana Clara encosta a cabeça em meu braço e algo reverbera
em meu peito. Uma sensação de paz, de aconchego. Aquele
sentimento de que tudo está certo, dentro dos eixos.
As palavras de Cristiano ecoam em meus ouvidos:

“— Você está preparado para vê-la saindo com outro cara?


— Neste momento, não.
— Então é melhor você preparar a sua mente e parar de
fazer o que vocês estão fazendo, antes que esse sentimento aí —
ele aponta para o meu coração — cresça ainda mais.”

A verdade é que não sei o que estou sentindo.


Sei que a desejo como nunca desejei alguém. Sei que não
posso perder sua amizade, eu enlouqueceria. Sei também que
quero que ela seja feliz, em todos os aspectos.
E sei que, talvez, eu devesse colocar um ponto final no que
estamos fazendo, antes que isso vá por lugares estranhos, mas sou
egoísta pra caralho e não a quero deixar. Pelo menos, ainda não.
Estou viciado em Ana Clara Aguillar.
Quando chegamos ao sítio, ajudo-a pegando sua mala e a
levando para dentro. Somos recebidos pelo abraço caloroso dos
meus pais, que não perdem a chance de reclamar da nossa
demora.
— Nossos vizinhos já foram embora — mamãe diz. — Eles
esperaram até agora há pouco. Mas achamos que vocês iam
demorar mais.
— Desculpe, mãe. — Jogo um braço ao redor dos ombros
de Ana Clara e a puxo para mim. — Nos atrasamos por culpa da
Ana Clara.
Ela vira a cabeça em minha direção como a menina do filme
exorcista o faria.
— É mentira, tia. Foi culpa do Gabriel que não sabe dizer
não.
Nossos pais sequer imaginam o que está acontecendo, eles
estão acostumados com esse tipo de interação entre nós.
— Vocês, garotos, não têm jeito. — Mamãe balança a
cabeça negativamente. — Anda logo, vão guardar as malas e
desçam, vou esquentar a comida para vocês.
Ana Clara não perde tempo e vai na direção das escadas.
Sigo-a, mas assim que subimos alguns lances, eu aproveito
e aperto sua bunda.
— Gabriel! — Ela me encara, irritada.
— É força do hábito, desculpe.
Ela bufa, mas sua irritação dura só até chegarmos ao
corredor, porque abro a porta de um quarto e a puxo para dentro,
colando minha boca na dela.
— Estou com fome — diz, quando já estou erguendo-a pelas
pernas.
— Eu também, mas a comida pode esperar.
Abro minha calça em tempo recorde. Afasto sua calcinha,
dando espaço para o meu pau penetrá-la e mordisco seu pescoço.
Ela fecha os olhos e eu suspiro quando deslizo para dentro
de si.
— Isso é loucura — ela diz, fechando os olhos.
Eu sei que é, mas não consigo parar.
Estou completamente viciado em Ana Clara.

Não faço ideia de que horas são quando sinto um corpo


encostando-se ao meu.
— Ana? — pergunto, ainda sonolento.
— Posso ficar aqui? — ela sussurra.
Não é uma boa ideia dividirmos a mesma cama, não neste
momento. Mas o que eu posso fazer?
— O que houve? — pergunto, aconchegando-me aos seus
cabelos sedosos e cheirosos.
— Tem um grilo maldito embaixo da minha janela. Não
consigo dormir.
Abro um meio-sorriso.
— E veio aqui para dormir? Comigo?
Seu silêncio me faz dar uma risadinha.
— Eu posso tentar me comportar. — Abraço sua cintura,
puxando-a mais para perto de mim, como se pudesse fundir seu
corpo ao meu. — Mas não sei se quero.
— Gabriel... — Ela suspira.
É incrível como as coisas pegam fogo tão rapidamente entre
nós.
Enfio minha cabeça em seu pescoço e aspiro seu perfume
adocicado.
— Não podemos fazer isso aqui, de novo — ela diz,
tentando manter a voz baixinha. — Alguém pode acordar e
descobrir.
Isso quase aconteceu quando eu estava pegando Ana Clara
na porta de um quarto antigo da casa. Mamãe veio atrás de nós
para saber por que estávamos demorando para descer e eu tive que
inventar uma desculpa que Ana Clara tinha perdido um brinco e
estávamos procurando.
Foi assustador, mas engraçado ao mesmo tempo.
— Fale a verdade, duvido que você tenha vindo aqui porque
tem um grilo na sua janela. — Coloco-me por cima de seu corpo e
puxo minha camiseta. Ela analisa o meu peito e seus dedos sobem,
fazendo minha pele estremecer com cada toque.
— Tá bom, não tem grilo nenhum — ela admite. — Eu queria
ficar aqui com você.
— Eu sabia. — Abaixo meu corpo, então nossos rostos
ficam a centímetros de distância. — Você não me engana mais.
Ana Clara sorri.
Meu quarto está escuro, mas a lua toma conta da
iluminação, conferindo-nos um tom sombrio. Sua pele reluz e eu não
consigo pensar em outra coisa a não ser tocá-la, beijá-la.
Apesar de todo egoísmo em querer possuí-la de uma vez, eu
pergunto:
— Você quer isso, Ana?
Seus olhos se concentram nos meus. Ela está pensando,
provavelmente, avaliando o nível que as coisas estão entre nós.
— Acha que devemos?
— Não sei — respondo com sinceridade. Fecho os olhos e
encosto minha testa na dela. — Você me quer?
— Quero. — Suas mãos percorrem as minhas costas e eu
preciso me lembrar de manter o controle. — E você, me quer?
— Quero. — Mergulho em seu pescoço, depositando um
beijo demorado. — Eu estou tão... viciado. — As palavras começam
a sair sem que eu consiga controlá-las. — Não consigo pensar em
outra coisa a não ser ter você colada ao meu corpo.
Ana Clara suspira.
— Me beija, Gabriel.
Não perco tempo e a beijo com toda a força do desejo que
estou nutrindo em meu coração.
Ana Clara se entrega como em todas as outras vezes, mas
desta vez algo maior que a chama do desejo começa a se acender
entre nós. Ou talvez já esteja acesa faz tempo. Não sei, não quero
parar para pensar nisso agora, não quando estou tão necessitado
de seu corpo, não quando quero ouvir seus gemidos.
Suas mãos delicadas passeiam pelas minhas costas e meu
corpo reage a cada toque. Estou completamente excitado e não
tenho certeza se algum dia vou enjoar da sensação de ter as mãos
de Ana Clara em cada parte de mim.
Ergo sua camiseta e sorrio ao ver que ela está sem sutiã.
— Já veio preparada, não é?
Ela abre um meio-sorriso.
— Talvez.
— Garota safada. — Abaixo a cabeça e capturo seu mamilo
com a boca. Chupo-o com força e com a outra mão livre aperto o
outro seio.
Ana Clara se retorce embaixo de mim.
Minha língua faz círculos preguiçosos envolta dos seus
mamilos. Experimento-os um de cada vez. Torturando-a com
lentidão. Suas mãos se infiltram em meus cabelos, mas logo depois
suas unhas estão descendo pelas minhas costas.
— Algum dia você vai se cansar de mim? — Ana Clara
pergunta quando desço minha boca pela barriga lisa.
— Acho que não. — Puxo o seu short junto com a calcinha e
arremesso longe. — Acho que nunca.
Ana Clara joga a cabeça para trás e solta um gemido
quando minha boca suga seus grandes lábios. Ela se abre ainda
mais e eu mergulho com o meu melhor para que ela tenha o melhor
orgasmo da vida.
— Meu Deus, Gabriel! — ela geme.
Faço círculos com minha língua e ela pede por mais.
Estimulo-a, enfiando meu dedo em sua boceta e isso a faz se revirar
na cama.
Só paro quando ela estremece com um orgasmo violento.
Já faz quase um mês que começamos a transar e a cada dia
as coisas se tornam mais naturais, mais intensas. É a coisa mais
louca que eu já vivi em minha vida.
— Eu quero você, Gabriel — Ana Clara segura o meu rosto.
— Por favor.
Vasculho o seu rosto por vários segundos. Podem ser
minutos ou horas, não sei. Parece que quando estamos juntos o
tempo para. Parece que esse é um mundo criado por nós, apenas
para nós.
Pensar que eu posso perder isso a qualquer momento, me
enlouquece.
Fecho os olhos, meto em Ana Clara sem cerimônias.
Suas unhas se arrastam pelas minhas costas.
O silêncio é a nossa companhia até que eu começo a me
movimentar, entrando e saindo lentamente. Uma tortura para mim,
mas também para ela.
Às vezes, acho que quero puni-la por ter me trazido para
esse jogo. Às vezes, quero punir-me por ter entrado nesse jogo.
Perco a noção do tempo, do local onde estamos,
simplesmente porque a sensação dos nossos corpos conectados é
a melhor coisa que eu já senti a minha vida inteira.
Eu a quero hoje, a quero amanhã. A quero para sempre,
essa é a verdade.
De repente, apenas o meu corpo entrando e saindo do dela
não é suficiente para fazê-la entender o que está acontecendo
dentro de mim. Eu a encaro e digo:
— Meu Deus, Ana Clara... eu... não posso te perder. Não
posso nunca. Você é tudo pra mim. — Minha voz sai carregada de
desespero enquanto meto com força. — Eu estou apaixonado por
você.
E então, tudo congela.
Ana Clara arregala os olhos, assim como eu. Seu corpo
endurece sob o meu e eu percebo a gravidade das palavras que
acabei de dizer.
— O que você disse? — Suas palavras soam baixas,
carregadas de algo que se assemelha a medo, pavor.
Ana Clara não quer isso, ela não quer um maldito maluco
apaixonado por ela. Como eu pude pensar que em algum momento
essa confusão daria certo? Como fui idiota para não perceber que
nossa ligação sempre foi intensa e começar algo íntimo só faria
essa coisa aumentar dez vezes mais.
Eu sou estúpido, idiota.
E acabei de falar em voz alta a última coisa que Ana Clara
gostaria de ouvir.
Saio de seu corpo e me sento na cama.
Ana Clara está atordoada.
Ela olha para mim, olha para baixo, olha para a janela. Então
ela pula da cama, com o lençol enrolado em si.
— Eu... eu... — ela gagueja, procurando pelas suas roupas.
— Vou para o meu quarto.
Ela se veste rapidamente e eu sei que preciso dizer alguma
coisa.
— Ana, espere. — Tento segurá-la, mas nem olhar em meu
rosto ela consegue.
— Me deixe, Gabriel. Eu... acho que as coisas saíram do
controle.
Solto-a e ela simplesmente se vai, sem dizer nenhuma
palavra.
Quando fecha a porta, me jogo na cama e respiro fundo.
Meu coração está doendo. Minha respiração está acelerada.
Sei que foi maluquice da minha parte dizer isso tão alto em
um momento tão inapropriado, mas a reação de desgosto que vi no
rosto de Ana Clara me magoou mais do que se ela tivesse me dado
um tapa.
Será que saber que eu me apaixonei por ela é uma coisa tão
ruim assim?
Não consegui dormir, só remoendo as palavras de Gabriel.

“Estou apaixonado por você.”

Será que ele realmente quis dizer isso ou foi apenas o calor
do momento?
Sei que as coisas entre nós sempre foram muito fortes, uma
ligação que não é para qualquer um, mas nunca pensei que
poderíamos chegar a esse ponto. Se é que chegamos a ele.
Estou confusa.
Eu amo Gabriel, ele é o meu melhor amigo, meu porto
seguro em praticamente toda a minha vida, mas sinceramente não
sei o que pensar sobre o que aconteceu.
Não quero pensar que o forcei a fazer coisas que não queria,
e agora está confuso sobre seus próprios sentimentos. Também não
quero pensar que ele pode estar confundindo nossa amizade com
paixão.
Preciso conversar com Madalena. O problema é que ela
realmente se apaixonou pelo melhor amigo e se casou com ele.
Teve um filho com ele.
Ah, céus.
Eu nunca me apaixonei por ninguém.
Houve alguns meninos, no tempo de escola, que eu gostei.
Achava-os lindos e queria-os, mas eu nunca fui boa o suficiente
para eles. Então não acredito que cheguei a me apaixonar por
ninguém.
Rolo para fora da cama e vou até o banheiro fazer a minha
higiene pessoal. Já não dá para enrolar mais, minha barriga está
começando a doer de fome e já está tarde também.
Visto uma camiseta cinza com desenho da Minnie que
comprei em Orlando, anos atrás, quando Gabriel e eu conseguimos
fechar nosso primeiro contrato grande. Visto uma calça de moletom
e dou uma olhada no espelho.
Meu rosto praticamente grita “você não dormiu nada”.
Preciso de café.
Saio do quarto e assim que fecho a porta, olho na direção do
quarto de Gabriel.
Talvez eu devesse ir falar com ele. Resolver essa situação,
afinal, ele sempre me colocou como responsável para voltarmos aos
eixos, caso saíssemos dele.
O problema é que não tenho coragem de encará-lo no
momento.
Meu coração é uma verdadeira confusão de sentimentos e
não posso lidar com isso agora. Não aqui, no sítio de seus pais, que
sequer sonham com o que está acontecendo entre nós.
— Ana Clara? — A voz de Alicia me traz de volta e eu fecho
a porta. — Tudo bem?
— Tudo sim... — Dou alguns passos em sua direção, me
afastando do quarto.
— Ahn, achei que você queria falar com o Gabriel. — Ela
abre um meio-sorriso.
— Não... quer dizer, quero, mas não agora.
— Ele não está. Saiu com o papai — ela explica enquanto
começamos a caminhar até as escadas. — Eles foram procurar um
lugar para comprar mais gelo.
— Entendo.
Respiro um pouco aliviada de saber que não preciso lidar
com Gabriel por enquanto.
Talvez ele já nem se lembre do que aconteceu. Talvez as
coisas não estejam estranhas. Talvez tudo esteja dentro da
normalidade e eu estou paranoica à toa.
— Vem, vamos tomar café. Sua barriga está gritando.
Nem reparei que minha barriga estava fazendo barulhos,
mas dou risada e sigo Alicia escada abaixo.
A casa está silenciosa, então vamos direto para a cozinha.
— Os convidados vão começar a chegar só no final da tarde
— ela explica, pegando uma xícara no armário e me entregando. —
Como estão as coisas com Robert?
— Robert? — Estranho a pergunta, mas me concentro em
encher minha xícara de café.
— Sim, ele disse que ia convidar você para sair. Achei que
estavam ficando ou algo assim.
— Ah... É uma longa história. Estou devendo um encontro
para ele, na verdade. Ele foi convidado para a festa?
— Foi...
Solto um gemido frustrado.
Alicia sorri.
Misturo um pouco de leite no café e bebo.
— E com Gabriel?
Sua pergunta me faz engasgar.
Começo a tossir como louca e Alicia dá tapinhas em minhas
costas.
— Nossa, desculpe. Mamãe já disse que não devo
conversar enquanto as pessoas comem, mas não resisto.
Apoio minha mão no balcão e respiro fundo várias vezes.
— Não, tudo bem — digo devagar. Meus olhos estão
lacrimejando. Uma cena linda de se acompanhar. — Só não entendi
sua pergunta.
Alicia suspira.
— Só perguntei se estava tudo bem entre vocês. Meu irmão
estava com uma cara de quem foi a um velório hoje de manhã.
Achei que talvez tivessem brigado.
Meus temores se concretizam.
Gabriel está remoendo o que aconteceu e isso o deixou de
mau humor.
Ah, meu Deus.
— Não sei... — Respiro fundo. — Acho que pode ser algo de
trabalho.
Alicia me encara por longos instantes.
— Se você diz. — Ela dá de ombros. — Quer comer pão de
queijo? Tem no forno.
— Quero.
Alicia se vira, mas fico com a sensação de que ela sabe de
algo.
Será que me viu indo até o quarto de Gabriel?
Meu Deus, não posso nem pensar em uma possibilidade
dessas.

Quando Gabriel voltou, eu estava ajudando sua mãe a


preparar o almoço. Ele deu um beijo no rosto dela e quando nossos
olhares se encontraram, logo desviou e disse que tinha muita coisa
para fazer.
Fiquei com o coração apertado e tive vontade de ir até ele
para conversarmos sobre o que aconteceu, mas a coragem morreu
quando vi Alicia estudando nossos movimentos.
Com isso, as horas se passaram e agora estou em frente ao
espelho, analisando o vestido que escolhi para a noite. Ele é cor de
creme, com detalhes em paetês e vai até os joelhos. Estou usando
uma sandália de salto médio e deixei meus cabelos soltos para
completar o look clean.
Quando chego ao andar de baixo, dou de cara com algumas
pessoas que não conheço. São convidados dos pais de Gabriel.
Reconheço um de seus tios, mas suspiro de alívio quando vejo que
Robert e seus pais não chegaram ainda.
Viro-me para ir na direção da cozinha para beliscar alguma
coisa, mas dou de cara com uma muralha humana.
— Ai, meu Deus!
— Opa! — O homem segura meus braços e quero morrer ao
ver que é a última pessoa que eu queria dar de cara neste
momento. — Oi, Ana Clara, que surpresa boa vê-la aqui.
— Oi, Robert. — Afasto-me de suas mãos e ajeito meu
vestido.
— Você está linda. — Ele me olha da cabeça aos pés e abre
um sorriso convencido. — Acho que hoje você não escapa.
Abro um sorriso entediado, porque a última coisa que quero
é a atenção de Robert.
— Eu... preciso encontrar o Gabriel — digo, olhando para os
lados.
Robert dá uma risadinha.
— Gabriel está ocupado, Ana. Acho que hoje ele não vai ter
tempo para interromper nossa conversa.
Suas palavras me deixam em alerta.
— Como assim?
— Gabriel está conversando com uma pessoa. — Ele segura
meu braço e me arrasta na direção do jardim. — Uma mulher muito
bonita.
Algo dentro de mim se revira, mas tento não demonstrar
minhas emoções.
— Sério? Acho que preciso de algo para beber.
— Vou pegar uma cerveja para você. — Robert vai até um
dos freezers e volta com uma Heineken. — Aqui, gatinha.
Pego a cerveja e a entorno dando um bom gole.
— Opa, vamos com calma. — Robert se coloca na minha
frente. — Eu quero conversar com você. Será que podemos ir até a
piscina? Lá está mais tranquilo.
— Vamos.
Passamos novamente por dentro da casa, então quando
meus olhos se direcionam para o sofá, vejo que Robert não mentiu.
Gabriel está sentado, conversando com...
Espere aí.
— Luciana? — Arregalo os olhos.
Ela vira a cabeça em minha direção e seus olhos se deleitam
ao me ver.
Que merda Luciana está fazendo aqui?
Direciono meu olhar para Gabriel, mas ele não está olhando
para mim. Está concentrado na mão de Robert em minha cintura.
— Oi, Ana Clara! — Ela dá um pulo do sofá e vem em minha
direção, dando-me um abraço. — Que bom te ver.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, curiosa.
— Ah, veja só que mundo pequeno. — Ela dá uma risadinha.
— Meu pai é amigo do pai de Gabriel. Aconteceu que estava
visitando-os e eles me trouxeram. — Ela se vira para Gabriel. —
Não é uma surpresa e tanto?
— Com certeza...
Quero fuzilar Gabriel, porque ele sabe que Luciana gosta
dele.
Será que agora ele ficou interessado nela?
— Eu me lembro de você — Luciana se direciona para
Robert.
— Sim, eu fui até a empresa há algumas semanas — ele
explica. — Você era a assistente que me atendeu superbem, não
era?
As bochechas de Luciana coram.
Seguro-me para não revirar os olhos.
— Eu mesma. — Ela estende a mão e ele se inclina,
depositando um beijo como se estivéssemos presos em um
romance medieval.
— Se vocês não se importam, preciso roubar a Ana por
alguns instantes — diz Robert.
E é neste momento que Gabriel parece voltar de Marte.
— O que você disse? — ele pergunta, aproximando-se.
Robert abre um meio-sorriso.
— Disse que preciso roubar a Ana por alguns instantes.
Ninguém, além de Gabriel, tem a liberdade de me chamar de
Ana. Sempre fui Ana Clara, para todos.
Gabriel respira fundo. Consigo sentir a tensão inalando por
todos os seus poros.
— Ana Clara é o nome dela — Gabriel diz, ríspido. — A não
ser que ela prefira ser chamada por “Ana” agora. — Seus olhos
pousam em mim, questionadores.
Santo Deus.
— Vem, Robert. — Puxo-o pelo braço, afastando-o da
tensão que cresce ali. — Vamos.
Robert dá uma última olhada em Gabriel, talvez pensando
por que o primo está tão estranho. E não me surpreendo quando ele
pergunta assim que chegamos do lado de fora:
— Que demônio mordeu o Gabriel?
— Não é nada... — Tento apagar o incêndio. — Ele só está
estressado.
— Hum... achei que ele ia implicar com o jeito que eu falo
com você, como se fosse seu namorado... — Estremeço com suas
palavras. Robert relaxa. — Então, eu quero te pedir perdão, por
aquele dia. Sei que fui um cretino com você.
Cruzo os braços.
— Ainda bem que você sabe, não é?
Robert faz uma carinha de cachorro abandonado.
— Me perdoa? Aquele dia, eu não imaginava que a conta
ficaria tão alta e eu não estava preparado. — Suspira, levando uma
mão ao rosto. — Estou tão envergonhado.
— Tudo bem, Robert. Já foi. Esquece.
Ele dá um passo em minha direção, sua mão vem para a
minha bochecha.
— Vai ficar brava se eu disser que quero sair de novo com
você, porque não consigo deixar de pensar em seu sorriso?
Não sei se Robert está sendo sincero ou se é apenas
interesse para que eu ajude com seus projetos, mas não consigo
evitar uma risada.
— Não diga isso.
— Digo sim... você é linda e está assombrando a minha vida.
— Deve ser culpa.
— É, pode ser. — Ele dá uma risada. — E então, aceita sair
comigo mais uma vez? Desta vez, sem furos.
Meu olhar vai na direção da janela e encontro Gabriel rindo
de alguma coisa que Luciana disse.
Acho que ele se arrependeu do que disse ontem à noite e
agora está mostrando que quer seguir em frente. Afinal, essa é a
única explicação para o fato de ele ter me ignorado o dia inteiro e
agora estar todo aberto com uma pessoa que ele sabe que tem uma
queda gigantesca por ele.
Se Gabriel pode seguir em frente, eu também posso.
E devo.
Essa loucura de ficar com o melhor amigo já foi longe
demais.
— Tá bom, Robert. Eu aceito sair com você. Sem furos.
Estou sentada na beira da piscina, olhando para as luzes
coloridas do fundo enquanto as poucas pessoas que sobraram da
festa estão se despedindo da família Albuquerque.
Robert e eu ficamos conversando por horas.
Não sei o que aconteceu, mas o cara chato que não parava
de falar o quanto os americanos são melhores que os brasileiros
simplesmente não apareceu hoje. Robert foi educado, engraçado,
gentil... e me entreteve durante toda a noite, enquanto Gabriel se
mantinha ocupado entretendo Luciana.
Bem, eu devia estar feliz por isso, mas não consigo afastar a
sensação ruim que há em meu peito.
Levanto a cabeça e dou uma espiada dentro da casa.
Gabriel está falando com seus pais. Ele olha na minha direção e
depois diz mais alguma coisa. Seus pais assentem, dão um beijo
em sua cabeça e sobem as escadas que levam para o segundo
andar.
Gabriel vai vir falar comigo, pela primeira vez no dia de hoje.
É claro que minhas mãos começam a tremer e a sensação
ruim só aumenta enquanto o homem magnífico que ele é, abre a
porta dos fundos e vem em minha direção com um rosto
indecifrável.
Ele parece cansado.
Não há nenhum som além do motor da piscina e dos grilos
ao nosso redor. O céu está escuro, mas dá para ver algumas
estrelas. O tempo está ameno, bem gostoso para uma noite de
setembro.
— Já despachou todo mundo? — Sou a primeira a falar,
talvez por causa do nervosismo.
— Já, sim. — Gabriel vem para o meu lado, tira os sapatos,
as meias e dobra a calça até quase perto dos joelhos. Então se
senta ao meu lado, molhando os pés na água gelada. — Hum... isso
é bom.
— É, sim.
Desvio o olhar para os meus próprios pés, balançando-os
para que o clima pesado não me faça surtar.
— Você ficou a noite toda conversando com a Luciana —
solto, mas logo me arrependo. Gabriel vai pensar que estou com
ciúme.
O que é um pouco verdade, mas nunca vou admitir isso em
voz alta.
— E você com Robert — diz, ácido. — Desta vez ele
conseguiu te iludir?
— Hey, Robert não é tão mala assim.
— Ah, não. Ele apenas te enrolou para não pagar uma conta
de um restaurante.
— Ele me pediu desculpas.
Gabriel dá uma risada estranha.
— Você é ingênua, Ana Clara.
— Eu sou ingênua? — Arregalo os olhos em sua direção. —
Pelo menos, eu sei o que ele quer comigo.
Ele vira a cabeça e seus olhos encontram os meus. O calor
de antes dá lugar a uma escuridão que eu não consigo interpretar.
— Ah, você sabe? Será que realmente sabe o que ele quer
com você? — Inclina um pouco a cabeça. — Então você está
disposta a dar o que ele quer?
Gabriel está soando como um verdadeiro babaca insensível,
uma atitude completamente esquisita de um cara que disse estar
apaixonado por mim na noite anterior.
— Gabriel. — Toco a manga de sua camisa, mas ele se
retrai e seu olhar desvia do meu.
— Não me toque, Ana Clara.
— O quê? Que porra é essa, Gabriel? — Minha voz sobe
alguns tons. — O que está acontecendo com você?
Ele inspira fundo e depois solta o ar como se ele fosse uma
bomba.
— Eu... estou confuso.
— Confuso com o quê? — quero saber. — Você está agindo
como um verdadeiro idiota durante o dia todo. O que foi que eu fiz?
— Puxo seu rosto para que me encare. — Vamos, me diga. O que
eu fiz de tão mal para me tratar assim?
Os olhos de Gabriel são uma verdadeira confusão, mas eu
quero que ele se abra, diga o que está acontecendo. Não suporto
que me trate dessa maneira.
— Você acha repulsivo que eu esteja apaixonado por você.
O quê?
Solto o seu rosto e me levanto da piscina como num salto.
— Ana Clara, espere! — Ouço Gabriel se levantar também e
ele vem em minha direção. — Espere, porra!
Sou puxada em direção ao seu peito, mas eu quero sair
correndo.
— Você me perguntou o que fez e eu vou te responder. —
Ele segura os meus braços e me faz encará-lo. — Eu não consigo
deixar de pensar em você só um minuto da minha maldita vida. Não
consigo pensar em ver você nos braços de outro sujeito que não
seja eu. E o problema disso tudo é que eu estou morrendo por
dentro, porque sei que não adianta o que eu fizer, você nunca vai
conseguir retribuir tudo o que estou sentindo, para você eu fui
apenas um meio de chegar ao seu fim. Acha que não vi no seu rosto
a rejeição quando abri meus sentimentos para você?
Suas palavras são um soco em meu estômago.
Afasto-me de Gabriel, assustada, atordoada. As lágrimas
começam a queimar em meus olhos.
— O que... o que você disse ontem — tento dizer em voz
alta, mas minha vontade de chorar está começando a vencer —, era
verdade?
Gabriel olha para cima, respira fundo e depois volta a me
encarar.
— Você quer que eu diga novamente para poder pisar em
meu coração com mais força? É isso?
Seus olhos estão tomados por raiva, mágoa, não sei.
Não, não, não. As coisas não podem ser assim. Gabriel e eu
somos amigos de infância. Nos conhecemos como ninguém.
Estávamos felizes até ontem. Até o momento que ele disse que
estava apaixonado por mim. Talvez esse sentimento seja apenas
uma ramificação da nossa amizade. Talvez não seja amor de
verdade.
Ele precisa enxergar isso.
— Nós somos amigos, Gabriel.
— Esse é o problema, Ana Clara! — ele diz, raivoso. — Eu
não posso ser seu amigo e seu amante. Não dá, as coisas não se
encaixam. É loucura, tudo isso. Desde o começo. — Ele leva as
mãos à cabeça, como se estivesse atordoado. — Não era para ser
assim. Meu Deus.
Deixo as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Como foi que
chegamos a isso? Quando foi que eu perdi o controle da situação?
— Você quer que a gente pare? — pergunto, secando
minhas lágrimas com a ponta dos dedos.
Gabriel me encara.
— É isso o que você quer?
Não, não quero, sinto vontade de gritar, mas no fundo,
também sei que não podemos continuar levando as coisas desse
jeito.
— Eu não quero perder sua amizade.
Gabriel fixa o olhar em algum ponto no chão por vários
instantes.
O silêncio é aterrador.
— Tudo bem — ele diz, depois de algum tempo. — Vamos
esquecer o que aconteceu e seguir com nossas vidas. — Ele veste
sua máscara de frieza e me encara. — Se é assim que você quer.
— Tenta passar por mim, mas eu o seguro e o abraço. Não quero
perdê-lo, mas também não quero perder sua amizade. Ele é tudo o
que eu sempre tive de mais próximo, até mais do que a minha
própria família.
— Você disse que se saíssemos dos trilhos, eu deveria ser a
voz da razão — digo contra o seu pescoço. — Estou tentando fazer
isso.
Gabriel não retribui o abraço.
— Eu preferia que um trem passasse por cima de mim neste
momento.
Ele se afasta e eu deixo mais lágrimas rolarem.
— Gabriel, não faz assim, por favor. — Tento chamá-lo, mas
ele já abriu a porta e se foi para dentro da casa.
Meus joelhos cedem e as lágrimas rolam com mais força.
O que foi que eu fiz?
Será que eu perdi a única pessoa que já me completou em
todos os sentidos?

Um mês depois...

— Então, esse projeto está lindo, sem dúvidas, mas você


não acha que precisa de algo... hum... Ana Clara? Está me
ouvindo?
Olho na direção de Luciana, que está tagarelando desde às
9h da manhã sobre o último projeto que eu trabalhei pesado nesses
últimos dias.
— Desculpe, me distraí.
Luciana ergue as sobrancelhas.
— Você está tão esquisita nos últimos tempos. Está tudo
bem? Aconteceu alguma coisa?
Meus olhos marejam, mas não tenho forças para dizer o que
está acontecendo.
Gabriel e eu nos afastamos de uma maneira como nunca
imaginei ser possível. Mal nos falamos, não andamos mais juntos, e
eu sei que ele está saindo com Luciana.
E isso está doendo demais, embora eu não tenha ficado
para trás e saí algumas vezes com Robert, me divertindo até o
ponto em que eu me lembrava dos abraços de Gabriel, de suas
risadas e então tudo ia por água abaixo.
— Não aconteceu nada. — Me endireito na cadeira e volto a
atenção ao projeto.
E é neste momento que a porta da minha sala se abre.
— Ah, você está aqui... — Gabriel olha sorridente para
Luciana. — Queria saber se quer almoçar comigo em um
restaurante novo que abriu esses dias, aqui perto.
Luciana olha para mim, depois para Gabriel, que ainda
mantém os olhos em cima dela.
— Está me convidando para almoçar com você? É sério?
Sinto vontade de socar o rosto de Gabriel, mas me controlo.
Às vezes, parece que ele está fazendo isso para me punir.
— É sério... por quê?
Ela ri.
— É que você e Ana Clara costumam almoçar juntos.
Costumávamos, até tudo dar errado e nossa amizade
acabar.
Ele finalmente me encara.
— Ana Clara deve ter planos com meu primo, não é?
— Sim, tenho planos — retruco, não querendo dar o braço a
torcer.
Gabriel ainda me encara por alguns segundos, então desvia
para Luciana.
— E então?
Ela se levanta, animada, como se uma dose de serotonina
tivesse sido injetada em suas veias.
— Ah, claro. Deixa só eu pegar minha bolsa.
Luciana sai da sala completamente afoita e eu controlo uma
revirada de olhos.
— Como você está? — Gabriel pergunta, totalmente
desprovido de sentimentos.
— Estou ótima. — Abro um sorriso falso. — E você?
— Estou bem também. Muito bem, na verdade.
— Que ótimo.
— Ótimo mesmo.
Ficamos em uma batalha silenciosa de olhares, até que
Luciana volta e quebra o nosso contato visual.
— Vamos?
— Sim, vamos.
Gabriel fecha a porta da minha sala e eu respiro fundo,
várias vezes.
Que droga.
Maldição.
Inferno.
Por que estou me sentindo assim? Por que não consigo
aceitar o fato de que Gabriel vai seguir em frente, aliás, já está
seguindo, e que eu não posso fazer nada além de torcer para que
ele seja feliz?
Meu celular começa a tocar e, por sorte, não é Robert.
Apesar de estarmos nos dando muito bem, não estou com saco
para ser sorridente e falar amenidades com o primo do homem que
me tira o sono.
— Oi, Madá. — Levo o celular ao ouvido. — Como você
está?
— Estou ótima. Estava passando aqui perto da empresa e
pensei em te chamar para a gente almoçar junto. O que acha?
— Acho que é a melhor coisa que eu ouvi hoje. — Abro um
sorriso enquanto me levanto e pego minha bolsa. — Onde te
encontro?
— Estou aqui no térreo.
— Ok, já chego aí.

Madá e eu escolhemos um restaurante árabe porque é o


único lugar em que eu tenho certeza de que não encontrarei
Gabriel.
Ele odeia comida árabe.
— E então, amiga... como estão as coisas? — Madalena
pergunta, assim que nos sentamos em uma mesa longe da porta. —
Faz semanas que não nos falamos. Isso porque eu disse que
quando voltasse para o Brasil, teríamos mais tempo para nos ver.
— Pois é, sempre fazemos promessas que não
conseguimos cumprir. — O garçom entrega o cardápio e fazemos
nossas escolhas. — As coisas não estão muito boas, para ser
sincera.
— O que está havendo?
Madalena não sabe o que está acontecendo, nunca
consegui levar essa conversa até o fim, ainda mais depois que
Gabriel e eu paramos de dormir juntos.
Mas talvez seja uma boa ideia colocar tudo para fora e
receber a opinião de alguém que já viveu isso.
— Gabriel e eu... estamos meio brigados.
— Sério? Por quê? Vocês sempre são tão unidos e...
— Eu fiz merda dessa vez. — Abaixo a cabeça e encaro
minhas mãos. — Acho que ferrei com a nossa amizade. Acho que o
perdi, sabe.
Meus olhos se enchem de lágrimas novamente, mas desta
vez eu não as seguro.
— Eu perdi Gabriel, Madalena — digo com a pior voz
possível. As lágrimas caindo uma atrás da outra. — O perdi em
todos os sentidos.
Madalena tira um lenço da bolsa e me entrega.
— Acho que você precisa me contar o que está
acontecendo. Não estou entendendo por que você diz que perdeu
Gabriel — ela diz, me encarando. — Tem a ver com o fato de vocês
estarem dormindo juntos?
Arregalo os olhos no mesmo instante que as palavras saem
de sua boca.
— O quê? Meu Deus, como você sabe?
Madalena abre um sorriso triste.
— Vocês não são bons em esconder as coisas. Naquele
jantar, eu percebi que algo muito sério estava acontecendo. E agora,
você está dizendo essas coisas. — Ela respira fundo. — É como se
eu tivesse um déjà vu.
Abro a boca e conto toda a nossa história para Madalena,
afinal, confio nela e sei que essa história nunca vai sair daqui. Ela
me ouve atenta, aperta a minha mão quando eu choro e
compreende o que estou dizendo.
— Você se apaixonou por ele? — pergunta, quando
finalmente termino minha história.
— Eu... eu amo Gabriel. — Olho para cima. — Sinto falta
dele, mas nunca me apaixonei por ninguém antes. Como vou saber
se isso é amor? Que eu saiba, sempre foi amizade.
— Eu acho que vocês sempre se amaram, só que nunca
conseguiram enxergar isso porque colocaram o nome de amizade
em algo que é mais forte do que isso — Madalena diz. — A questão
é, por que você não se abre com Gabriel e não diz o que está
sentindo?
— Agora não adianta mais... — Seco os olhos com o lenço.
— Ele está saindo com a minha assistente.
Madalena assente.
— Sinto muito.
Nossos pratos chegam e o garçom atencioso os coloca em
cima da mesa. Primeiro ele serve Madalena e depois a mim, só que
quando coloco os olhos na comida, meu estômago embrulha de
uma forma muito louca e antes que eu consiga me levantar para ir
ao banheiro, todo o meu café da manhã vai parar no chão.
— Ana Clara? — Madalena corre em meu auxílio. — Você
está bem?
Não, acho que não.
E então uma nova onda de enjoo me atinge, só que desta
vez, não há nada em meu estômago.
Luciana pede um prato de macarronada à bolonhesa e eu
decido seguir o mesmo caminho, embora não esteja com tanta fome
assim.
O último mês foi péssimo e comer tem entrado no hall de
“obrigações”. E eu sou daqueles que odeia fazer coisas porque é
obrigado. Acho que com isso, já perdi alguns quilos.
— Nossa, está delicioso — Luciana diz, atraindo a minha
atenção. — Esse restaurante é novo, então?
— É, sim.
— Ah, que legal... — Ela abre um meio-sorriso. — Já trouxe
a Ana Clara aqui?
Abaixo o olhar para o meu prato, enquanto enrolo o
espaguete no garfo.
— Não.
Luciana fica em silêncio por alguns instantes, então ela
muda de assunto. Melhor, não quero falar de Ana Clara, não quero
pensar em Ana Clara. Sei que estou sendo egoísta e o pior tipo de
amigo que alguém poderia querer, mas a questão é que as coisas
mudaram.
Eu não quero apenas a amizade de Ana Clara.
Eu quero tudo.
Ou queria...
Este último mês nos afastamos como nunca aconteceu.
Nossos cafés da manhã de segunda-feira não existem mais. As
ligações no meio da noite para contar alguma fofoca ou comentar
sobre um filme ou série que assistimos, também não existem mais.
Os abraços apertados, os beijos...
Pensando bem, é melhor assim. Se Ana Clara não consegue
nutrir sentimentos por mim além de uma amizade, é melhor que nos
afastemos um pouco. Já estou com trinta anos e acho que chegou a
hora de procurar alguém para dividir a vida. E como a mãe de Ana
Clara disse uma vez, quando isso acontecesse, seria natural que a
nossa amizade esfriasse.
Então, talvez tudo esteja acontecendo da maneira que deve
acontecer.
Não foi intencional começar a sair com Luciana e, apesar de
não ter acontecido nada entre nós, eu gosto de sua companhia. Ela
é engraçada, tem sonhos muito loucos, como, por exemplo, casar-
se em Las Vegas com um Elvis Presley como celebrante, é
inteligente, bonita, sexy...
Eu acho que isso pode dar certo.
Depois do almoço, chamo-a para ir até uma sorveteria que
há nos arredores. A mesma sorveteria que Ana Clara e eu
frequentávamos de vez em quando.
Será que ela também trouxe Robert até aqui?
Pensar em Ana Clara e Robert juntos me deixa enjoado,
frustrado, irritado e com vontade de enfiar um soco na cara de
qualquer um que cruzar o meu caminho. Meu priminho parece
realmente ter mudado ou apenas está encenando algo e Ana Clara
está caindo. Não sei, mas também não me interessa mais.
Quando voltamos para o carro, Luciana segura a minha mão
antes que eu vire a chave e meu olhar vai diretamente para o seu
rosto.
— Gabriel, o que está rolando entre a gente? — Sua
pergunta me pega desprevenido e eu preciso de vários segundos
para formular uma resposta.
— Rolando? Entre a gente?
— Sim. — Ela abre um meio-sorriso. — Já estamos saindo
há quase um mês e, bem... não aconteceu nada ainda. Não sei,
mas... não acho que você está saindo comigo porque quer ser meu
amigo. É isso?
Dou uma risada ao pensar o quão patético eu me tornei
depois de Ana Clara. Até um tempo atrás, não teria perdido tempo
com uma mulher como Luciana.
— Claro que não... — respondo, então meus olhos vão para
o câmbio do carro, onde sua mão está descansando em cima da
minha. — Eu...
Essa mesma mão se levanta e vem até o meu rosto,
puxando-o delicadamente.
— Então me beija...
Fico parado por alguns instantes, sem saber o que fazer.
Luciana tem razão. Por que eu estou perdendo tempo? Ela
pode ser uma boa transa, além de me ajudar a esquecer Ana Clara.
Ela fecha os olhos, esperando que eu tome uma atitude.
Solto um suspiro, fecho os olhos e me aproximo lentamente de seus
lábios. É só um beijo... eu sei como beijar. Ana Clara não pode ter
me estragado a esse ponto.
Ana Clara.
Esse nome é como um tapa em meu rosto e eu me afasto de
Luciana, como se ela fosse um fantasma.
Ela abre os olhos, assustada.
— O que foi, Gabriel?
— Eu... eu...
Seus olhos já estão marejados.
— Você não quer me beijar? É isso?
— Não, Luciana. — Seguro seus ombros, desesperado. —
Não é isso. Eu quero te beijar.
— Então por que não beija? Estou há tempos esperando
isso.
Neste momento, percebo que não adianta, não vou
conseguir esquecer Ana Clara da noite para o dia.
— Eu, ahn... é complicado. — Tiro as mãos de seus ombros
e olho para a frente do carro.
Luciana fica em silêncio por vários instantes, então ela solta
uma risadinha sem graça e diz:
— Eu achei que era loucura da minha cabeça, mas agora
percebo que é verdade o que dizem na empresa.
Meus olhos voam em sua direção.
— O que dizem na empresa?
Ela me encara.
— Que você e Ana Clara são apaixonados um pelo outro.
Não tenho nem palavras para retrucar, porque eu sei que é
verdade. Pelo menos, da minha parte. A questão é, como as
pessoas chegaram a essa conclusão?
— Uau... — Luciana seca uma lágrima que escorre em seu
rosto. — Você nem desmentiu.
— Há quanto tempo falam isso? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Desde que eu comecei a trabalhar aqui. Vocês sempre
foram muito grudados, uma amizade muito estranha. — Ela balança
a cabeça negativamente. — Achei que era loucura, mas comecei a
observar o comportamento de Ana Clara nos últimos tempos. E o
seu também. Não sei o que houve entre vocês, prefiro nem saber,
mas eu acho que rolou algo muito sério.
Encosto a cabeça no encosto do carro e esfrego o rosto.
Ótimo, Gabriel. Era só ter beijado a garota, ela não teria
juntado todas as peças do seu maldito quebra-cabeça.
— O que havia entre Ana Clara e eu acabou — digo,
olhando novamente para Luciana. — Só há uma amizade agora. A
amizade que deveria ter continuado assim desde o começo.
Luciana morde o lábio e me olha com incerteza.
— Você quer esquecê-la?
— Quero.
Seus olhos analisam meu rosto por vários segundos. Ela
respira fundo e sua mão segura a minha.
— Então posso te ajudar. Eu sei ser paciente.
— Não me entenda mal, Luciana... eu quero esquecer o que
estou sentindo por Ana Clara. Mas sei que a minha amizade com
ela, apesar de estar um pouco abalada, nunca será esquecida.
Entende?
— É claro que entendo, Gabriel. E acho que isso é
superválido. Há inúmeros casais que, após terminarem algo
romântico, ficam só na amizade. Nada impede de isso acontecer
com vocês.
Respiro fundo e assinto.
Melhor encerrar essa conversa por aqui.
— Bem, vamos voltar à empresa. Já passamos do horário.
Luciana não diz nada, apenas se ajeita no assento e eu ligo
o carro.
Será que Ana Clara e eu vamos conseguir resgatar a nossa
amizade?
— Não precisa disso, Madáaaa — reclamo, enquanto
Madalena me puxa para fora do carro.
— Precisa, sim! — ela diz, irritada. — Já faz três dias que
você não come direito por causa desses enjoos. E você mesma me
disse que sua menstruação está atrasada.
— Minha menstruação sempre foi atrasada — justifico,
enquanto ela me arrasta para dentro da farmácia. — Não é isso,
Madalena. Não estou grávida. Acho que é por causa do estresse
dos últimos dias, sei lá.
Madalena não dá bola para o que eu digo e segue até o
balcão.
Ela está louca, se acha que vou fazer xixi em um teste de
farmácia. Eu sei que não estou grávida.
Se bem que...
Levo uma mão até o ventre e meu peito se aperta. Será que
é possível?
Apesar de não usar camisinha, sempre tomei
anticoncepcional. Sempre fui muito certinha com meus remédios e,
meu Deus... isso não pode acontecer.
— Vem, vamos ao caixa pagar. — Madalena passa por mim
e eu a sigo até o caixa para pagar pelos testes. Ela pegou três de
diferentes marcas.
— Sério isso, Madá?
— Você quer ter certeza, não quer?
Fico em silêncio.
Um rapaz, que deve ter uns dezoito anos, digitaliza minha
compra. Digito a senha do meu cartão na maquininha e depois de
pago, nos despedimos do atendente. Entro no carro de Madalena e
respiro fundo, sentindo-me a pior das pessoas.
— Vamos para a minha casa ou para a sua?
— A minha. Não quero deixar um teste de gravidez no seu
lixo para que o Cris pense que é seu.
Madalena dá uma risadinha.
— É, você tem razão.
Madalena dirige em silêncio enquanto eu mergulho em meus
pensamentos. Vez ou outra minha mão vai até minha barriga e
começo a imaginar um serzinho se formando ali. Ao mesmo tempo,
horrorizo-me ao pensar na possibilidade de algo assim acontecer.
Não por mim, porque eu adoraria ter um filho, mas por causa de
toda a situação com Gabriel.
Chegamos ao meu apartamento e assim que entramos,
Madalena me entrega a sacolinha.
— Vá logo, estou curiosa demais.
— Eu vou, mas vai dar negativo, você vai ver.
Madalena se joga no sofá.
— Já vou começar a pensar em maneiras para você contar
ao Gabriel que ele vai ser papai.
— Cale a boca, Madalena! — ralho. — Isso não pode
acontecer. Não mesmo.
— Por que a ideia de vocês terem um filho é tão absurda? —
Ela ergue a sobrancelha. — Vocês se gostam e...
— Gabriel está saindo com outra pessoa! Não quero
atrapalhar sua vida agora.
Madalena respira fundo.
— Vá fazer o teste, Ana Clara. Vou esperar aqui.
Respiro fundo e viro as costas, seguindo pelo corredor até o
banheiro.
Consigo fazer xixi o suficiente para os três testes.
Deixo-os em cima da bancada, enquanto meu coração bate
como um louco.
Olho meu reflexo no espelho. Acho que emagreci alguns
quilos durante este mês.
Sinto falta de Gabriel.
Sinto falta das nossas conversas, dos abraços, dos beijos.
Do calor de nossos corpos unidos.
Sinto falta de tudo o que ele representa na minha vida.
Olho para os testes em cima da bancada e meu coração
congela ao ver o resultado.
Positivo.
Nos três exames.

— Beba isso. — Madalena me entrega o copo de água


enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto com força. — É água
com açúcar. Vai te acalmar.
Estou sentada na minha poltrona favorita, mas nem isso me
acalma.
Meu mundo parou de girar no momento que olhei para os
testes e vi que eram positivos.
— Tem que haver um erro. Não é possível — digo, após
beber uma golada de água. — Eu sempre tomei meu remédio
direitinho.
— Nenhum método contraceptivo é cem por cento, Ana
Clara. Você deveria saber disso.
— Eu sei, mas... — Então eu congelo. — Antibióticos. Eles
cortam o efeito do remédio, não cortam?
— Você tomou antibióticos?
— Sim, quando fiquei doente — As lágrimas escorrem pelo
meu rosto com mais força. — Madá, o que eu vou fazer?
Madalena se ajoelha na minha frente e suas mãos envolvem
as minhas.
— Você precisa se acalmar, em primeiro lugar. Depois,
precisa ir a um médico para fazer exames e, bem, precisa contar ao
Gabriel.
Não consigo parar de chorar.
— E se Gabriel odiar a notícia? Ele está tão frio comigo, tão
afastado...
— Ana Clara, eu conheço Gabriel há anos. Ele não é
nenhum insensível. — Seus olhos se concentram em meu rosto. —
Ele vai ficar feliz e tenho certeza de que vai te apoiar como sempre
fez.
Enfio meu rosto entre as mãos e respiro fundo várias vezes.
O que é que vou fazer da vida agora?
~

Por sorte, consegui uma consulta com o ginecologista no


outro dia. Inventei uma desculpa para Gabriel, dizendo que não iria
trabalhar, pois precisava resolver um assunto. Ele não perguntou o
que era e eu não me dei ao trabalho de revelar também.
O resultado saiu mais rápido do que eu previa e assim como
nos testes de farmácia, meu exame de sangue também apontou que
eu realmente estou grávida.
Não fui trabalhar no outro dia também.
Precisava colocar a minha cabeça em ordem.
Hoje é quinta-feira e eu me arrasto até a empresa. Sei que
deveria estar feliz pela notícia que estou carregando um bebê, uma
vida dentro de mim. O problema é que não consigo deixar de pensar
no que vai acontecer assim que Gabriel souber da notícia.
Não quero que ele surte e queira se casar comigo porque
estou grávida de um filho seu. E isso é o que provavelmente vai
acontecer. Se um dia Gabriel e eu chegássemos a nos casar, eu
gostaria que fosse por não conseguir viver um sem o outro.
E isso poderia ter acontecido, se eu tivesse dito as palavras
corretas há um mês.
— Bom dia, senhorita Aguillar — João me cumprimenta
como faz a maioria dos dias, assim que saio do elevador.
— Bom dia, João. — Abro um pequeno sorriso.
Cumprimento alguns outros funcionários e quando chego
perto da minha sala, surpreendo-me ao ver que Luciana não está lá.
E isso é estranho, porque ela sempre chega primeiro que eu.
— Ahn, Cristina — chamo a estagiária que Gabriel contratou,
tempo atrás. Ela me cumprimenta e me olha com expectativa. —
Você sabe da minha assistente?
Ela olha para a mesa e, depois, de volta para mim.
— Ah, acho que ela está na sala do Gabriel. Todas as
manhãs ela se encarrega do café dele agora.
Um nó se forma em meu estômago e o semblante animado
que eu tentava sustentar vai para o quinto dos infernos.
— Ah, tudo bem. Obrigada.
Abro a porta da minha sala e jogo a minha bolsa em um
canto qualquer.
Nossa, que ódio.
Luciana está mudando muito desde que começou a sair com
Gabriel. Está mais falante, mais confiante de si, mais relaxada com
o trabalho e, algumas vezes, até ignora o que eu digo.
Não estou gostando nada disso.
— Oi, Ana Clara. — A porta se abre e Luciana aparece, com
aquele maldito sorriso feliz. — A Cristina disse que você perguntou
de mim, eu estava só...
— Servindo o café de Gabriel, ela me disse — a corto, com
certa rispidez. — Quero saber se o relatório que pedi a você já está
pronto?
— Sobre os projetos de Robert?
— Sim.
Luciana morde o lábio.
— Ahn, eu... não consegui fazer.
— Sério? Por que, não? — Ergo as sobrancelhas. — Já te
pedi isso faz dias.
— Eu, ahn... esqueci, me perdoe.
Luciana está um pouco vermelha, mas isso não impede que
meu sangue ferva de ódio. Se ela quer sair com Gabriel, tudo bem,
eu consigo lidar com essa dor maldita em meu peito, mas isso não
lhe dá o direito de trabalhar relaxadamente.
A questão é que preciso falar com Gabriel e colocar os
pingos nos is.
— Eu já volto. — Levanto-me em um salto e vou na direção
da porta.
— Não quer que eu lhe traga seu café?
— Não, se você não quiser limpar o meu vômito — deixo
escapar.
Luciana me olha como se eu tivesse dito que sou um
extraterrestre.
— Você está mesmo pálida. Está tudo bem?
Respiro fundo, enquanto minha mão segura a maçaneta da
porta.
— Não sei, mas acho que vai ficar. — Suspiro. — Eu já volto,
ok?
Ela assente e eu saio da sala, ignorando os olhares curiosos
enquanto marcho até a sala de Gabriel.
Eu deveria bater em sua porta, mas ignoro a educação e
abro-a com tudo.
— Não, cara... você está maluco — Gabriel está
conversando animadamente com alguém ao telefone. Seus olhos
vêm em minha direção e sua postura muda no mesmo instante. —
Não sei, pode ser que sim. Precisamos marcar um chope e
conversar mais sobre isso. Claro, acho que amanhã estarei livre.
Sim, eu te aviso.
Fico encostada na porta com os braços cruzados olhando
para cada detalhe de sua sala impecável, enquanto ele se despede
de seja lá quem for.
— Ana Clara — ele diz o meu nome como se eu fosse
alguém que ele acabou de conhecer. — O que você quer?
Seu jeito de falar me deixa ainda mais irritada e eu caminho
até a sua mesa, colocando as mãos espalmadas enquanto aproximo
meu rosto do dele.
— Quero saber o que está rolando de verdade entre você e
a Luciana.
O olhar de Gabriel desce para o meu decote sem nenhum
pudor.
— Por que quer saber?
Seus olhos ainda estão no meu decote, mas antes que eu
responda, Gabriel ergue a cabeça e volta a encarar o meu rosto. A
luxúria que perpassou seu rosto já o deixou como em um passe de
mágica.
— Nós somos amigos, ué. — Ele se recosta na cadeira,
totalmente relaxado.
— Como nós éramos? — Ergo as sobrancelhas.
Gabriel me analisa por alguns instantes.
— Depende de como você define a nossa amizade.
Respiro fundo, desviando o olhar.
— Vocês estão ficando?
Gabriel dá uma risadinha desgostosa.
— Não sei por que isso é relevante para você.
— É relevante porque... — Encaro Gabriel mas as palavras
morrem na minha boca. É agora que eu deveria falar a verdade,
contar que estou grávida, com medo e me sentindo sozinha, mas eu
não consigo. — Eu só... você me contava esse tipo de coisa antes.
Gabriel nunca escondeu os casos que teve. Era até
engraçado porque eu o ajudava a escolher as garotas mais bonitas,
mais acessíveis. Fingia situações para poder vê-lo se dando bem na
noite.
E agora estou aqui, me sentindo patética e triste por perder
tudo o que nós tínhamos.
— As coisas mudaram, Ana Clara.
— O que mudou? — Ergo o tom de voz e me afasto de sua
mesa, dando passos para trás. — Nossa amizade morreu, é isso?
Gabriel se levanta, dá a volta na mesa e se aproxima de
mim. Acho que o mais próximo desde que tivemos aquela briga no
sítio.
— O que você quer que eu diga? — Seus olhos estão
tomados de fúria. — Eu disse para você que não podia ser seu
amigo e seu amante. Eu simplesmente não consigo.
— E mesmo eu tendo dito que não queria perder a sua
amizade, você tem me afastado como nunca fez! — Minhas mãos
batem em seu peito emoldurado por um lindo terno preto. — Será
que não percebe que eu sinto sua falta?
Gabriel segura as minhas mãos e neste momento minhas
costas encontram a porta. Ele fecha os olhos e sua testa encontra a
minha.
— Foi você quem disse que eu deveria voltar aos trilhos se
nós saíssemos dele, Gabriel — lembro-o.
Ele respira fundo.
— Está doendo, Ana Clara.
Não sei se ele diz isso referente à nossa amizade ou se é
por tudo o que está envolvido.
— Eu só preciso de um tempo para colocar minha cabeça no
lugar. — Seus olhos azuis encontram os meus. — Por favor, me dê
isso. Eu juro que as coisas vão voltar ao que eram.
Meus olhos se enchem de lágrimas, mas não quero chorar
na sua frente.
Algo dentro de mim diz que as coisas nunca voltarão a ser o
que eram.
— E Luciana é quem vai te ajudar com isso? — pergunto
baixinho.
— Sim, talvez — ele responde, se afastando de mim.
Gabriel volta até sua cadeira, se senta e olha para os
inúmeros papéis em sua mesa.
A conversa acabou, sei disso.
Só que o meu coração em frangalhos quer gritar e
extravasar o quanto Gabriel está me machucando. Só que sei que
eu também o estou machucando.
— Tudo bem. Se você quer sair com ela, sem problemas. —
Empino o nariz. — Só quero que ela mantenha a cabeça no lugar,
porque não vou admitir que ela se ache a rainha da empresa só
porque está trepando com o chefe.
— Eu não estou trepando com ela! — Gabriel soca a mesa,
me fazendo dar um pulo. Ele esfrega o rosto e respira fundo. — Por
que diabos está dizendo isso?
— Porque ela anda com a cabeça nas nuvens! — retruco,
irritada. — Faz dias que pedi um relatório sobre os projetos de
Robert e ela disse que esqueceu. Aí pensei, por que será que
esqueceu? Talvez estivesse pensando nas noites em claro com
você.
Gabriel me olha de forma perigosa.
— O seu problema então é por causa dos malditos projetos
do meu primo? — Sua voz está carregada do que parece ser
incredulidade, raiva. — Pois bem, eu vou dar prosseguimento com o
negócio, se isso vai te fazer feliz e melhorar suas noites com ele.
— Eu não estou trepando com Robert! — disparo, elevando
vários tons a minha voz. — Que droga, Gabriel. Será que não
percebe que estamos nos magoando agindo assim?
Ele esfrega o rosto, levanta novamente e vem na minha
direção.
Encolho-me como se pudesse entrar no lugar da porta. Suas
mãos seguram o meu rosto.
— Desculpe, eu sei que estou sendo um babaca.
Olho dentro de seus olhos por vários segundos, tentando
resgatar o meu Gabriel, mas não consigo encontrá-lo.
— É melhor eu sair daqui. — Afasto suas mãos e abro a
porta. — É melhor você fazer bom uso do tempo que estou lhe
dando.
Saio de sua sala, mas ao invés de ir para a minha, vou direto
ao banheiro e lá descarrego toda a carga emocional que segurei
bravamente nos últimos minutos.
Ana Clara sai da sala pisando duro e eu já sei que ela está
furiosa comigo. Talvez tenha ido reclamar de mim para Gabriel, mas
espero que ele veja que é apenas ciúme de uma pessoa que deixou
escapar pelos dedos um homem maravilhoso como ele.
Gabriel é tudo o que eu sonhei desde que o conheci e nunca
pensei que um dia eu teria a oportunidade de me aproximar tanto
quanto no último mês.
Afinal, sempre foi Ana Clara, Ana Clara, Ana Clara.
Era assustador ver o quanto os dois eram ligados um ao
outro. Era mais assustador ainda saber que eles poderiam ter um
caso.
E isso foi confirmado pelo próprio Gabriel, dias atrás.
Confesso que fiquei triste, porque... céus, como eu poderia
competir com uma mulher como Ana Clara? Ela é linda, inteligente e
rica. E conhece Gabriel há tantos anos.
Mas saber que ele quer esquecer o que viveu com ela, me
deu forças para não desistir ainda. Mesmo que ele nunca tenha me
beijado, mesmo que nunca tenha me olhado como olha para Ana
Clara, eu posso ajudá-lo a mudar isso com paciência,
perseverança...
Ana Clara será apenas a amiga esquecida daqui um tempo.
E isso já está acontecendo.
Viro as costas para sair de sua sala, quando o barulho de
algo caindo me chama a atenção.
Não sei se Ana Clara estava furiosa quando entrou, mas
deixou sua bolsa em cima de um armário e ela caiu, derrubando
parte do que havia dentro.
Aff.
Abaixo-me para pegar as coisas e enfiar na bolsa, quando
um envelope me chama a atenção.
Hospital São Benedito.
Ana Clara estava pálida e ainda mencionou algo sobre
vomitar.
A curiosidade fala mais alto e eu abro o envelope antes que
ela volte e me pegue bisbilhotando.
Meus olhos correm pelo exame e, de repente, sinto um gelo
em meu estômago.
Não, não pode ser.
Vasculho melhor entre as coisas caídas no chão e vejo um
teste de gravidez que só confirma o que está no papel em minhas
mãos.
Meu Deus.
Isso não pode estar acontecendo.
Minha mente quer gritar dizendo que esse filho não é de
Gabriel, pode ser de Robert. Ela começou a sair com ele... mas eu
sei que não é bem assim que as coisas funcionam.
Balanço a cabeça negativamente e enfio tudo dentro da
bolsa, colocando-a de volta no lugar.
Isso não é problema meu. Não vou me meter em uma
história que não é minha.
Só que eu sei que se Ana Clara disser que esse filho é de
Gabriel, eu o terei perdido para sempre.
Eu preciso dar um jeito.
Talvez paciência seja uma palavra que terei que riscar do
meu vocabulário a partir de agora.
— Vou fazer um jantar hoje à noite e quero convidar você e
Gabriel — Madalena diz, enquanto mexe com uma colher de pau a
comida no fogo.
— Para quê?
Estou debruçada no balcão de sua cozinha, observando-a
cozinhar. Madalena sempre fez comidas maravilhosas e burlar o
trabalho para almoçar com ela é uma das minhas atividades
favoritas nos últimos dias. Principalmente depois da última
discussão com Gabriel.
— Para vocês se reaproximarem, ué.
Reviro os olhos.
— Não precisa disso. Gabriel está tentando voltar a ser meu
amigo. Ontem ele até me trouxe um pedaço do bolo de chocolate
que eu amo.
— Trouxe, é? — Sua voz é sugestiva.
— Não me olhe assim. Ele só está tentando resgatar nossa
amizade. Nada mais. — Respiro fundo. — Acho que ele está
tentando levar adiante alguma coisa com a minha assistente.
— Eu acho a sua assistente uma grande imbecil, se acha
que ele vai se apaixonar por ela. — Madalena experimenta a
comida. — Gabriel não vai esquecer o que vocês vivenciaram tão
cedo. Não se apaga uma vida de sentimentos como o de vocês da
noite para o dia.
Isso acende um alerta em minha cabeça.
— Por que diz isso?
Madalena percebe que falou demais. Ela olha na direção do
corredor, onde Cristiano está trancafiado em seu escritório
improvisado em um quarto e depois olha de volta para mim.
Ela se aproxima, adorável, com um pano de prato no ombro.
— Cristiano me disse que ele ainda está melancólico com
tudo — ela diz, olhando-me nos olhos. — E ele confessou para o
Cris que não conseguiu sequer beijar a sua assistente.
Essa revelação me surpreende e é como se tivessem
acendido um rojão dentro de mim.
— Sério? Tipo... não rolou nada entre eles?
— Não — ela balança a cabeça negativamente —, mas não
sei até quando isso vai durar. Você sabe, Gabriel é homem e...
— Eu sei — a corto. — Você contou ao Cris sobre a minha
gravidez?
Os olhos de Madalena vão direto para a minha mão
descansando em cima da barriga.
— Não. Mas não posso esconder por muito tempo. — Ela
suspira. — Já decidiu quando vai contar a verdade ao Gabriel?
A verdade é que eu teria contado dias atrás, na nossa última
discussão. O problema é que fui covarde e agora continuo sendo
covarde com medo do que ele vai dizer.
— Vou contar logo. — Estendo a mão e pego uma banana
de sua fruteira. — Eu demorei mais de dez anos para contar a ele
que eu era virgem. Isso pode esperar um pouquinho.
— Isso é uma gravidez, Ana Clara! — Madalena arregala os
olhos. — Céus, vocês são tão infantis. Acho que se merecem
mesmo.
Mostro o dedo do meio e peço para ela continuar fazendo o
almoço. Madalena volta para o fogão e eu digo:
— Alimente-me. Eu estou grávida, estou comendo por dois
agora.
— O quê???? — O grito masculino atrás de mim me faz dar
um pulo do banquinho. Madalena vira, também assustada, e nos
deparamos com o olhar assustado de Cristiano. — Eu estou em
uma espécie de sonho bizarro ou você disse que está grávida?
Ok, agora sim estou ferrada.
— Vou ligar agora mesmo para o Gabriel. — Cristiano voa
para o celular que está em cima do rack da sala, e então Madalena
e eu pulamos em cima dele, afastando-o.
— Cristiano!
— Amor!
Madalena segura Cristiano por um braço e eu pelo outro. A
cena seria engraçada, se eu realmente não estivesse desesperada.
— Não adianta me segurarem. Gabriel é meu amigo e se ele
não sabe disso, vai ficar sabendo agora!
— Cristiano, por favor! — Lágrimas começam a escorrer
pelo meu rosto. — Não é assim que eu quero que Gabriel saiba que
é o pai do meu filho!
Isso parece mexer com alguma coisa na cabeça de
Cristiano, que para de se debater.
Ele gira a cabeça e me encara.
— Por que está escondendo isso dele?
Olho para Madalena, pedindo por auxílio. Não estou em
condições de explicar tudo, sendo que não consigo fazer outra coisa
a não ser chorar como uma maluca.
— Isso é coisa deles, amor — Madalena diz, soltando-o
devagar. — Não podemos nos meter. Além do mais, esse escândalo
vai acordar o Arthur.
Cristiano vira a cabeça na direção dela.
— Desde quando você sabe disso?
— Alguns dias. Ela passou mal na última vez que fomos a
um restaurante e aí fizemos os testes.
Cristiano se solta do meu aperto e passa uma mão pelo
rosto. Ele parece estar lidando com uma criança birrenta.
— E quando você pretende contar isso a ele? — A pergunta
é direcionada a mim.
Respiro fundo.
— Esta semana ainda, eu prometo.
Cristiano me fulmina com o olhar por vários segundos, até
que assente e se afasta na direção do corredor, porém, antes de ir
de vez, ele se vira e diz:
— Acho bom você dizer a verdade logo, Ana Clara. Eu não
gosto de esconder as coisas de um amigo como o Gabriel. Se você
não contar, eu conto. Fique ciente disso.
Balanço a cabeça afirmativamente e Cristiano se vai.
Quando ouço a porta de seu escritório bater, respiro de verdade.
— Estou ferrada.
— Sim, você está — Madalena concorda. — Vem, vamos
alimentar essa coisinha linda dentro de você.
Pensar no bebê crescendo dentro de mim é a única coisa
que me consola neste momento.

— Fico tão feliz de proporcionar esse jantar a vocês —


Madalena diz, animada. — Não pensei que eu ia conseguir isso tão
cedo, claro, a menos que vocês fossem me visitar em Portugal.
— E isso não ia ser tão cedo — Gabriel diz, com o garfo e a
faca cada um em uma mão. — Mas fico feliz que vocês puderam
voltar. Cristiano não tem cara de quem se dava bem com os
portugueses.
Cristiano não responde, seu olhar está me fuzilando de onde
ele está sentado, na ponta da mesa.
O jantar já começou há um tempo e ele está calado desde
hoje à tarde, quando descobriu sobre a minha gravidez. Cristiano
me acha patética e eu não posso discordar dele, afinal, ele está me
ajudando a ocultar uma informação muito importante de um grande
amigo.
Ah, céus.
— Cris? — Gabriel o chama e ele o encara. — Tudo bem,
cara? Você está calado desde que cheguei.
— Tudo bem. Só estou preocupado com uma coisa. — Ele
me encara novamente. — E você, Ana Clara? Está tudo bem? Você
está pálida ultimamente e Madalena me disse que você passou mal
na última vez que almoçaram juntas.
Os olhos de Gabriel grudam em meu rosto.
Filho da puta de Cristiano desgraçado.
Forço um sorriso.
— Estou bem, melhor que nunca.
A mão de Gabriel vem na direção da minha e pousa sobre
ela, como fazíamos antes de tudo ir por água abaixo.
Será que ele também faz isso com Luciana?
O pensamento me deixa enjoada.
— Também notei que você está pálida. Já foi ao médico?
Sua voz transmite a preocupação que ele sempre teve
comigo durante os anos.
Ah, Gabriel...
— Não é nada de mais — respondo, afastando minha mão.
— Eu estou bem, saudável como nunca. — Cravo meu olhar em
Cristiano, que revira os olhos e volta a comer.
Acho que Gabriel não percebeu nada ou se percebeu,
preferiu não levar o assunto adiante.
Mergulhamos em uma conversa sobre trabalho e eu consigo
relaxar um pouco. Mesmo que, vez ou outra, os olhares de Cristiano
me irritam profundamente.
As horas se passam e eu começo a me sentir cansada. Mais
cansada que o normal.
— Eu acho que já vou — digo, levantando-me do sofá onde
estamos jogando conversa fora. — Estou cansada e amanhã ainda
tenho trabalho.
— Eu também já vou. — Gabriel se levanta. — Posso
acompanhá-la.
— Obrigada.
Despeço-me de Madalena com um abraço e, na vez de
Cristiano, apenas apertamos as mãos. Deixo para paparicar Arthur
no outro dia, porque a criança está em um sono profundo desde o
jantar.
Depois vou pedir dicas de como educar uma criança com
Madalena.
Gabriel me segue até o elevador e quando entramos,
ficamos em silêncio. Não um silêncio desconfortável. Um silêncio no
qual estamos acostumados e sempre nos demos bem.
— Quer ir de carro? — Gabriel pergunta, assim que
chegamos ao térreo.
— Não, Gabe. Eu moro a cinco minutos a pé. Dá para ir
andando.
— Eu vou com você, então. Depois eu volto e pego meu
carro.
Não tento dissuadi-lo, pelo contrário, até me sinto mais
tranquila em relação a isso. São Paulo não é como uma cidadezinha
do interior que você pode andar tarde da noite como se não tivesse
com o que se preocupar.
A noite está um pouco mais gelada que o normal, então
estremeço assim que saímos do edifício.
— Quer o meu casaco? — Gabriel pergunta, solícito.
Não quero, na verdade, não preciso, mas acho que quero
sentir o cheiro de Gabriel perto mais uma vez.
— Sim, por favor.
Ele tira o casaco e se aproxima. Seus olhos não encaram os
meus. Ele tenta olhar em todas as direções do meu rosto, enquanto
coloca o casaco sobre os meus ombros.
Seguro-o com as mãos e é impossível controlar a vontade
de cheirá-lo.
Seu cheiro de perfume amadeirado preenche as minhas
narinas. Me faz lembrar dos momentos intensos que vivemos.
— Melhor? — ele pergunta baixinho.
— Sim, obrigada.
Ele se afasta como se lembrasse que ficar perto de mim o
machuca.
Nós começamos a caminhar pela calçada.
— O jantar estava ótimo, não estava? — ele pergunta,
tentando puxar assunto.
— Sim... Madalena é a melhor cozinheira que eu conheço.
— Olha, só fica atrás da minha mãe.
Dou uma risadinha.
— Claro, sua mãe também cozinha muito. Falando nisso,
você podia pedir para ela fazer aquela lasanha que eu adoro. Não
sei o que ela faz, fica maravilhosa.
— Eu vou pedir. — Gabriel abre um meio-sorriso. — Mas ela
não vai trazer aqui. Vai querer que nós vamos até lá.
— Eu vou, claro. — De repente, me lembro que talvez eu
não possa mais ter essa liberdade como antes. — Quer dizer, se
você quiser me levar lá.
Gabriel para de andar e eu me viro para ele.
Seus olhos estão me queimando.
— Você sabe que é da família.
— Não sei, Gabriel... — Respiro fundo. — Realmente não
sei.
Não quero tocar no assunto de como está a nossa relação,
porque isso vai trazer à tona a última discussão e acabar com o
clima de trégua, é a última coisa que quero nesse momento.
Gabriel se aproxima e eu fecho os olhos quando suas mãos
vão para o meu rosto.
Seus dedos acariciam minhas bochechas.
Nossa, como senti falta disso.
Quero que ele me beije, quero que ele faça comigo tudo o
que tiver vontade de fazer.
— Achei que ia trazer Robert no jantar. — De repente, suas
mãos soltam o meu rosto e ele se afasta.
Inferno.
— Não sei por que eu o traria. Ele não é nada meu.
Gabriel vasculha meu rosto em busca de alguma informação
complementar. Então eu jogo:
— E você, por que não trouxe sua namorada?
— Luciana não é minha namorada.
— Bem, ela age na empresa como se fosse.
Gabriel suspira.
— Você está de implicância com ela.
— Eu não estou de implicância! — retruco, irritada. — E
você não respondeu a minha pergunta. Por que não a trouxe?
Gabriel respira fundo.
— Porque Madalena disse que era um jantar entre amigos.
Imaginei que ela se referia somente a nós. Como sempre foi.
Pensar que Gabriel ainda considera a nossa amizade como
algo precioso, me faz relaxar um pouco. Porém, essa sensação se
vai logo que me recordo da cara de Cristiano querendo me fuzilar
durante todo o jantar.
— Gabriel, eu tenho que te contar uma coisa.
Ele me encara da mesma forma que me encarou naquela
noite quando lhe revelei o maior segredo da minha vida.
E novamente aquele formigamento, aquele nervoso me
atinge.
Só que eu preciso ser forte.
Ele precisa saber o que está acontecendo.
— Sim?
Respiro fundo antes de dizer:
— Gabriel, eu estou...
— GABRIEL! — Sou interrompida quando uma voz feminina
vem ao nosso encontro. — Gabriel! — Luciana se joga em cima de
Gabriel e sua boca vai direto para a dele, deixando-me
completamente estagnada.
De onde essa desgraçada apareceu?
O beijo não dura nada, porque Gabriel está petrificado.
Talvez ele esteja tão assustado quanto eu, mas o sorriso que
Luciana me lança quando se separa dele, me faz perceber que eu
sou aquela que está sobrando aqui.
— Oi, Ana Clara... que coincidência te encontrar por aqui —
ela diz, encostando as mãos e a cabeça no peito de Gabriel. — Eu
estava saindo da casa de uma amiga e vi vocês.
As lágrimas vêm com força aos meus olhos, mas eu as
seguro. Não adianta fazer uma cena aqui, porque Luciana não é
idiota e vai descobrir o que está acontecendo.
— Eu estava indo para casa — consigo dizer, então olho
para Gabriel e tiro seu casaco dos meus ombros. — Obrigada,
Gabe. Eu vou sozinha daqui.
— Não, espere, eu...
— Não, é melhor você acompanhar a Luciana — digo, já
dando alguns passos para longe. — Amanhã nos falamos.
Gabriel quer dizer algo, mas Luciana o interrompe falando
sobre jantar e eu viro as costas, sem querer ouvir mais nada do que
aquela desgraçada está dizendo.
E, mais uma vez, o meu grande segredo vai ficar para
depois.
Ou nunca.
Vejo Ana Clara se afastando e meu coração se aperta, mais
uma vez.
Você está perdendo-a, seu imbecil.
Agora que as coisas estavam voltando ao normal, quer dizer,
ao normal elas nunca voltariam, porque eu simplesmente não
consigo apagar o que eu vivi com Ana Clara. Ainda assim,
estávamos começando a nos entender e agora Luciana está falando
sobre algum maldito jantar que pouco me interessa.
— Por que você fez isso? — pergunto em um tom ríspido,
olhando firmemente em seus olhos.
— Fiz o quê? — ela pergunta, desentendida.
— Me beijar. — Pode soar patético, mas não gostei disso. —
Eu disse que as coisas precisavam ir devagar.
Luciana arregala levemente os olhos.
— Nossa, me desculpe, Gabriel, mas eu achei que...
Semicerro os olhos.
— Você fez isso para provocar Ana Clara?
Ela dá um passo para trás.
— Claro que não! Ana Clara nem sabe que eu sei sobre
vocês.
Levo uma mão ao rosto e esfrego-o, frustrado.
— Não faça mais isso, ok? — digo, em um tom de aviso. —
Eu odeio ser pressionado.
Luciana respira fundo e eu sei que minhas palavras a
magoaram, mas eu somente disse a verdade. Minha cabeça ainda
está muito confusa, não quero viver longe de Ana Clara, mas
também não suporto a ideia de ser chutado por ela.
— Tudo bem, me desculpe. — Ela suspira. — Está indo
embora? Poderia me levar em casa?
Quero dizer um “não” gigantesco, mas sei que isso seria
ainda mais grosseiro.
— Tudo bem, meu carro está a duas quadras daqui.
Luciana assente e nós caminhamos em silêncio até o local.

Não estava animado quando cheguei à empresa e por isso


fui para a minha sala tentando ser o mais discreto possível. Luciana
pegou a mania de me servir café todos os dias e isso está
começando a me irritar.
Porém, minha alegria acaba assim que eu levo a mão à
maçaneta da porta e ouço sua voz alegre demais.
— Bom dia, Gabriel! Como passou a noite?
— Passei bem, obrigado. — Abro a porta e entro
rapidamente.
Não conversamos muito na noite anterior, porque eu estava
irritado com o beijo roubado.
Na verdade, ainda estou.
— Vou trazer seu café — ela anuncia e se vira para sair da
sala, mas então eu pergunto:
— Ana Clara já chegou?
Seu semblante muda como da água para o vinho.
— Já, sim. Quer que eu dê algum recado a ela?
Passei a noite inteira pensando em Ana Clara e várias vezes
quase peguei o carro e fui ao seu apartamento.
— Não, eu vou até a sala dela. Não precisa trazer meu café.
Luciana não diz nada, então eu saio da minha sala e vou
para a de Ana Clara.
Dou duas batidinhas e abro a porta, encontrando-a atrás da
mesa concentrada em seu trabalho. Ana Clara me olha com certa
surpresa. Acho que depois da nossa briga, essa é a primeira vez
que a procuro.
— Estou atrapalhando? — pergunto.
— Claro que não — ela diz, soando como uma profissional.
Isso me deixa um pouco frustrado. Talvez eu preferisse que
ela estivesse com raiva de mim.
— Ana Clara, quer que eu lhe traga um café? — Luciana
aparece logo atrás de mim e eu me seguro para não ser mal-
educado e mandá-la sumir.
Ana Clara olha para Luciana, depois para mim e de volta
para ela.
— Sim, por favor.
Luciana fecha a porta, não sem antes me lançar um olhar
cheio de cinismo.
— Como você está? — pergunto, aproximando-me de sua
mesa.
— Bem... e você?
— Bem também.
Ana Clara digita alguma coisa no computador e eu me sinto
um idiota.
Eu sei que disse para ela que se as coisas saíssem dos
trilhos, ela deveria nos trazer de volta, mas talvez eu também tenha
que fazer alguma coisa.
— Estive pensando se você gostaria de...
— Com licença! Café chegando... — Luciana me interrompe,
abrindo a maldita porta. Ela entra com um sorriso fingido e, meu
Deus, estou começando a me arrepender profundamente de ter
dado a entender que eu poderia ter alguma coisa com ela.
— Obrigada, Lu. — Ana Clara pega a xícara de café e a leva
até os lábios.
Porém, assim que o café chega perto de seu rosto, faz uma
careta e empalidece como em um passe de mágica. Ela deixa a
xícara de café em cima da mesa e sai correndo da sala.
— Ana Clara? — Sigo-a, mas ela entra correndo no
banheiro, no final do corredor.
— Deixa ela. — Luciana me puxa pela manga do meu terno.
— Deve ter se sentido mal.
Então lembro-me do que Cristiano disse no jantar de ontem
à noite.
Céus, que diabos está acontecendo com Ana Clara?
— Eu vou ver o que está acontecendo. — Solto-me do
aperto de Luciana e vou na direção do banheiro, porém, ela já está
saindo. — Hey, o que houve? — Seguro seus ombros.
Ela abaixa a cabeça e respira fundo.
— Eu fiquei enjoada, é isso.
— Quer ir ao médico?
Ana Clara levanta a cabeça e me encara por longos
instantes.
— Não, estou melhor já.
Não sei se acredito em suas palavras, mas sei que estou
muito preocupado agora.
— Vem, vou preparar um chá para o seu estômago. — Puxo-
a pela mão na direção da cozinha e, por um instante, Ana Clara
resiste, mas quando entrelaço nossos dedos, ela relaxa e me segue.
E eu acho que as coisas podem, sim, voltarem a ser como
eram.

O dia de trabalho está terminando em um pub na região da


Vila Madalena, onde Cristiano me espera para assistirmos a uma
partida de futebol entre São Paulo e Palmeiras.
— E aí, cara — Cristiano me cumprimenta assim que me
aproximo de onde ele está sentado, no balcão. — Que cara é essa?
— Cara de quem trabalhou pra cacete. — Sento-me ao seu
lado e peço uma cerveja para o barman. — Estou com alguns
projetos parados e tive que fazer duas visitas hoje.
— Nossa, imagino o quanto está cansado — Cristiano diz. —
Fora isso, está tudo bem?
Respiro fundo.
— Não sei.
— Não sabe?
— Não. — O barman deixa a minha cerveja em cima do
balcão e eu dou um gole. — Minha vida está estranha.
— Ainda está bolado por causa da situação com a Ana
Clara?
— Sim...
Cristiano respira fundo.
— É uma situação complicada.
— Demais. — Dou outro gole na cerveja. O jogo está
rolando e uma galera vibra quando o São Paulo quase marca um
gol. — Luciana está me pressionando também. Ontem, ela se jogou
em cima de mim e roubou um beijo, na frente de Ana Clara.
Cristiano dá uma risadinha.
— Você está ferrado, irmão.
— É, eu sei disso. — Respiro fundo e me concentro no
pouco de cerveja que resta em meu copo. Nem com vontade de
assistir ao jogo eu estou. — Queria poder voltar no tempo e
desfazer algumas coisas.
— Seu envolvimento com Ana Clara?
— Sim, quer dizer, não sei. Eu a amo, mas eu sabia que era
burrice se envolver dessa forma. Não queria ter estragado também
a nossa amizade. — Passo uma mão pelos cabelos. — Se
estivéssemos bem, ela estaria aqui comigo, bebendo e torcendo
pelo nosso time.
Cristiano está com os olhos na TV quando diz:
— Ah, duvido. Na condição em que ela está, não pode tomar
uma gelada com você, como eu posso.
E então, de repente, não ouço mais nada.
Na condição em que ela está, não pode tomar uma gelada
com você, como eu posso.
Suas palavras ficam girando em minha mente.
— O que você disse, Cristiano?
Ele me encara, mas seus olhos estão confusos com o meu
tom.
— O quê? Eu disse?
— Sim, você acabou de dizer que na condição em que Ana
Clara está, não poderia beber comigo.
Cristiano empalidece.
E eu já sei que algo muito estranho está acontecendo.
— Não, cara, eu disse que... olha, perdeu mais um gol! —
Cristiano desconversa, voltando o foco para a TV.
— Cristiano, o que está acontecendo? — Levanto da
banqueta e não é preciso nem fazer muito esforço para que ele
perceba que estou irritado.
— Nada, cara. Senta aí. — Ele tenta tocar o meu ombro,
mas eu dou um tapa em sua mão.
— Não vou sentar porra nenhuma. Quero que você me diga
o que está acontecendo!
Cristiano sabe que eu sou maluco e pegá-lo pelo colarinho
não seria nenhum sacrifício. Ele respira fundo e mesmo quando um
gol de seu time sai, ele não comemora, porque meus olhos
continuam fuzilando-o.
— Cara, eu não posso falar. Não é um segredo meu.
Ah, então realmente temos um segredo aqui!
Céus, meu sangue começa a ferver e, em questão de
segundos, já estou com Cristiano prensado contra o balcão
enquanto seguro-o pelas lapelas do terno.
— Tá bom! Tá bom! — Cristiano se desespera e eu o solto.
— Ana Clara está grávida! Ela está passando mal esses dias porque
está grávida!
As palavras de Cristiano me atingem como um soco.
Dou um passo para trás.
Ana Clara está grávida! Ela está passando mal esses dias
porque está grávida!
Grávida.
— Eu não queria dizer nada, mas você já me bateu uma vez
na época da faculdade e eu não quero isso de novo — Cristiano
ajeita o terno, mas estou tão atordoado que simplesmente preciso
sair daqui.
Pego minha carteira dentro do terno e coloco uma nota em
cima do balcão.
— Aonde você vai? — Cristiano tenta me puxar, mas eu me
solto.
— Eu vou encontrar Ana Clara e fazer ela me explicar que
porra está acontecendo!
Então eu viro as costas e deixo Cristiano para trás.
Saio da lavanderia com um cesto cheio de roupas limpas
que jogo em cima do sofá, enquanto ouço e canto uma música da
Demi Lovato que eu adoro, Give Your a Heart a Break.
Está chovendo forte em São Paulo e neste momento dou
graças a Deus por ter escolhido vir para casa em vez de ir à casa de
Madalena, que não queria ficar sozinha com Arthur. Pelo que ela
disse, Cristiano e Gabriel iriam se encontrar em um pub para assistir
a um jogo do São Paulo e Palmeiras.
Começo a dobrar roupa por roupa, separando-as em um
canto do sofá.
Gosto de como as coisas estão voltando ao normal entre
Gabriel e eu. De manhã, após o enjoo forte que senti, ele me levou
até a cozinha, me colocou sentada no balcão e fez chá de camomila
para o meu estômago.
Bebi o chá sem desviar o olhar de seu lindo rosto que me
encarava do outro lado da pequena cozinha.
Eu devia ter contado a ele sobre a gravidez. Sei que quanto
mais tempo eu protelar, mais difícil vai ser.
A campainha do apartamento toca, trazendo-me de volta dos
meus pensamentos e eu ergo a cabeça para a porta.
Não recebi nenhum chamado da portaria dizendo que tenho
visitas e não acho que seja Gabriel. Pode ser Madalena, mas com
essa chuva, duvido que ela iria sair de casa, ainda mais com uma
criança.
A campainha toca novamente e eu me aproximo da porta.
Espio pelo olho mágico e meu coração quase sai pela boca ao ver
Gabriel completamente ensopado.
— Abra a porta, Ana Clara! Eu sei que você está aí! — Ele
força a fechadura e eu destranco a porta, que ele abre, invadindo
meu espaço.
— Meu Deus, você está ensopado! O que aconteceu? —
pergunto, mas logo me arrependo. O semblante de Gabriel é de
quem acabou de cometer um assassinato. — Eu vou... pegar uma
toalha pra você.
Viro as costas para sair correndo da sala, mas ele me segura
pelo braço e me puxa, prensando-me contra a parede oposta.
— Eu não vou perguntar duas vezes, Ana Clara. — Sua voz
soa baixa e perigosa. Gotas de água escorrem do seu cabelo, mas
ele não parece preocupado com isso. — O que é que você está
escondendo de mim?
De repente, sinto um gelo que sobe do meu estômago até a
minha cabeça.
— Não sei do que você está falando. — Consigo escapar do
seu aperto, mas ele é mais rápido e me segura pela cintura,
puxando-me contra o seu peito.
— Acho que sabe, sim. — Suas mãos começam a percorrer
meu abdômen e eu fecho os olhos com a sensação boa de senti-lo
tocando meu corpo, apesar de ele estar ensopado, apesar de estar
encharcando a minha roupa. Seus lábios encostam em meu ouvido
e ele diz: — É verdade que vamos ter um bebê?
Não sei como Gabriel descobriu, mas pouco importa. Não
consigo raciocinar direito quando suas mãos estão em meu corpo,
tocando-me de forma possessiva, como se ele fosse o único a ter o
direito de fazer isso.
E talvez ele seja mesmo.
Gabriel foi o meu único homem. E provavelmente será.
— Eu fiz uma pergunta, Ana Clara. — Gabriel mordisca a
minha orelha e eu já nem sinto mais as minhas pernas. Pouco
importa se estou me encharcando por causa de suas roupas
molhadas.
Ele precisa saber a verdade.
Solto um suspiro tenso.
— Sim, é verdade.
De repente, o encanto se desfaz e ele me solta. Dá passos
para trás, afastando-se de mim. Viro-me em sua direção e seus
olhos azuis estão chocados, para dizer o mínimo.
— Gabriel...
Ele ergue a mão e eu me calo.
Gabriel respira fundo várias vezes e quando me encara, vejo
a mágoa em seu olhar.
— Por que não me disse a verdade? Quando descobriu? —
E de repente vejo algo que eu nunca vi em seus olhos. Lágrimas. —
Por que escondeu algo tão importante de mim, Ana Clara?
Sinto lágrimas também em meus olhos.
— Eu não sei, Gabriel... eu fiquei com medo. Descobri faz
pouco tempo e eu ia te contar, mas você estava tão animado com
Luciana e...
— Animado? — Ele faz uma careta de desgosto. — Pelo
amor de Deus, Ana Clara. Achei que você me conhecia, achei que
você soubesse que esconder algo tão importante de mim me
magoaria mais do que receber migalhas do seu amor, quando eu
estou disposto a dar o mundo inteiro pra você.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Gabriel está certo, eu não deveria ter escondido essa
informação tão importante.
Meu Deus, eu estou grávida de um filho de Gabriel.
Ficamos em silêncio por vários instantes, apenas com a
nossa respiração e o barulho da chuva.
— Eu não sabia como te contar. — Passo os dedos pelo
meu rosto, afastando as lágrimas, enquanto me aproximo de seu
corpo. — Eu errei, sei disso. Eu acho que estou errando desde o
começo. — Paro a poucos centímetros de Gabriel e neste momento
dou graças a Deus por termos quase a mesma altura, porque
consigo-o encará-lo face a face. — Eu não sabia como contar a
você que estou esperando um filho seu. Não sabia como contar que
eu me apaixonei por você e só me dei conta disso depois que o
perdi. — Derramo mais algumas lágrimas. — Tive medo de você me
rejeitar. Medo de me desprezar como estava fazendo no último mês.
— Seus olhos não desviam dos meus enquanto solto tudo o que
segurei durante este último mês. — Tive medo de que você me
enxergasse apenas como uma obrigação.
— Eu nunca a enxergaria como uma obrigação — ele diz.
— Sim, você enxergaria.
Viro as costas para me afastar, mas Gabriel segura a minha
cintura e me puxa para si. Fecho os olhos quando nossos corpos se
encontram e ele beija a minha orelha.
— Quantas vezes vou ter que dizer que eu estou
desesperadamente apaixonado por você? — Sua voz rouca faz
percorrer arrepios pelo meu corpo e eu suspiro. — Céus, quantas
noites eu tive vontade de pegar o carro, vir até aqui, invadir o seu
apartamento e implorar para que você me desse pelo menos 1% do
seu coração. Mesmo que isso me fizesse o mais fraco dos homens.
Meu Deus, me perdoe, Ana Clara. Sei que fui um babaca... eu errei.
Meu Deus, eu errei com a gente. Eu quase joguei no lixo uma vida
inteira de amizade.
Viro-me de frente para Gabriel e jogo os braços ao redor de
seus ombros. Encosto minha testa na dele.
— Mas você quer continuar sendo meu amigo?
— Eu quero ser o que você quiser que eu seja — ele diz. —
Eu a amo e nunca mais vou me afastar de você nem do nosso bebê.
— Gabriel abre um sorriso bobo. — Um bebê... céus, isso parece
surreal. Diga que não estou louco?
— Você não está louco. Eu te amo tanto, Gabriel. — Encosto
meus lábios nos dele em um beijo casto. — Eu te amo como meu
melhor amigo, mas também o amo como meu amante. Amo que
você seja o dono de todo o meu coração.
Os olhos azuis de Gabriel se enchem de algo que eu só
posso deduzir que seja felicidade. Ele me dá outro beijo, dá uma
risadinha e diz:
— Tem certeza, Ana Clara? Não está brincando comigo?
— Não gosto de brincar com coisas sérias. Você deveria me
conhecer.
Ele respira fundo e assente.
— Tem razão. É que parece tão surreal que isso esteja
acontecendo.
— Eu acho que sempre nos amamos, Gabe. Só que só
descobrimos isso agora.
Gabriel não me dá tempo para dizer mais nada, porque seus
lábios tomam os meus em um beijo apaixonado.
Em questão de segundos, me pega no colo e, ainda me
beijando, me leva na direção do meu quarto. Ele me coloca em pé
perto da cama e se afasta para fechar a porta.
Somente a luz do abajur está acesa, criando um clima
confortável. Quando Gabriel se volta para mim, eu vejo a extensão
do seu desejo que começa em seus olhos e termina em sua rigidez
dentro das calças.
Ah, como senti falta disso!
— Eu quero te beijar... — Aproxima-se com os olhos
famintos. Suas mãos vão até a minha blusa e a puxam para cima.
— E quero ter essa visão todos os dias da minha vida. — Suspira ao
ver que estou sem sutiã. — Quero te venerar... — Ajoelha-se,
puxando a calça de moletom pelas minhas pernas. — Até o meu
último suspiro.
— Gabriel... — Suspiro seu nome.
Ele segura o meu quadril e beija o meu ventre com carinho.
— Nosso bebê... dá para acreditar nisso? — Gabriel dá uma
risadinha e se levanta.
Sorrio de volta.
— Sim, isso é real.
Ele tira suas roupas molhadas de uma só vez e quando
finalmente está nu, me abraça e me beija como se esse fosse o
último dia de nossas vidas.
Minhas costas alcançam o colchão quando ele se coloca por
cima de mim. Sua boca brinca com cada parte do meu corpo e eu
preciso me lembrar a todo momento que isso é real. Que eu não vou
acordar daqui a pouco e descobrir que era apenas um sonho.
Sua língua circula meus mamilos, me fazendo gemer em
resposta. Seus dedos ágeis se infiltram em minha intimidade e me
estimulam a alcançar o orgasmo e gritar pelo seu nome, exigindo
mais.
E quando isso acontece, Gabriel me penetra olhando dentro
dos meus olhos.
— Uma vez, eu disse que você era minha — ele diz,
deslizando seu pau para dentro de mim. — E eu vou dizer mais uma
vez: você é minha, Ana Clara.
— Sim, eu sou sua!
Gabriel me beija com voracidade e eu abro minhas pernas
para que ele me penetre fundo. Ele entra e sai em um ritmo gostoso.
Nós gememos o nome um do outro, nós nos beijamos ainda mais.
Suas mãos apertam minha bunda, minhas coxas. Seus dedos
revezam com sua boca ao brincar com meus mamilos...
E diante de tudo isso, só consigo pensar que nunca mais
quero-o longe de mim.
— Quero ouvir o meu nome na sua boca deliciosa — Gabriel
diz em meu ouvido.
— Sim, Gabriel — digo, rendida ao sentimento explosivo
dentro do meu peito. — Eu te amo, Gabriel. Te amo com todo o meu
coração.
Seus olhos azuis encontram os meus e o sorriso que ele me
lança, torna tudo isso ainda melhor.
— Eu também te amo, Ana Clara. — Ele segura a minha
cintura e muda nossas posições, colocando-me por cima de seu
corpo. — Você é linda demais. Você é o amor da minha vida.
Fecho os olhos, espalmo as mãos em seu peito e começo o
movimento de cavalgá-lo. Gabriel guia o meu ritmo com as mãos em
minha bunda.
O prazer é inevitável.
Como a onda do mar que nos atinge e nos leva para o
oceano.
Quando tudo acaba e ambos estamos satisfeitos, deito-me
em seu braço e fico em silêncio, apreciando o calor de nossos
corpos e a nossa respiração acelerada.
Não sei se o sexo com outras pessoas também é assim,
afinal, Gabriel é o único homem que me tocou. Porém não me
arrependo de ter rejeitado outros e esperado tanto tempo.
Gabriel é o homem pelo qual eu procurava.
Meu amigo, mas também o meu amante.

— Você acha que a nossa família vai surtar quando souber o


que está acontecendo? — pergunto, deslizando os dedos pelo
peitoral de Gabriel.
— Acho — ele diz, dando uma risadinha. — Mas acho que
vão ficar felizes.
— É, também acho. — Ergo a cabeça e deposito um beijo
em seus lábios. — Ainda bem que nossas famílias se gostam. Já
pensou se fosse que nem Romeu e Julieta?
— Seria um desastre. — Ele se coloca sobre mim e seus
lábios vêm para o meu pescoço. — Céus, eu senti tanta saudade
disso. Vamos ter que passar uma semana trancados no quarto.
Dou risada.
— Não podemos, infelizmente.
Sua boca desliza do meu colo, desce para os meus seios e
depois se concentra em meu ventre.
— Nosso bebê. Meu Deus, isso parece mentira.
— Você ainda está em choque — digo, dando uma risada.
Gabriel me encara, sorridente. — Está feliz com a notícia?
— Feliz é pouco. — Ele deposita mais um beijo em minha
barriga. — Quando vamos fazer o anúncio para nossas famílias?
— Hum... podemos fazer no casamento de Clarice, que vai
ser na semana que vem.
Gabriel sorri maliciosamente.
— Vamos roubar a atenção da sua prima, então?
— Só um pouquinho. Acho que ela merece por ter sido
babaca comigo a vida inteira.
Gabriel ri e então seus lábios voltam aos meus em um beijo
apaixonado.
— Seremos um casal terrível. Daqueles que as pessoas
nunca vão pensar em se meter conosco porque sabem que somos
malvados.
— Com certeza. — Seguro seu rosto lindo entre as mãos. —
Eu te amo, Gabe.
— Eu também te amo, Ana.
Ouvir novamente o jeito que só ele me chama faz o meu
coração derreter pela milésima vez. Agora, só precisamos resolver
os pequenos percalços que encontramos nesse meio tempo para
que tudo esteja finalmente completo.
— Você não acha melhor conversar com ela primeiro? —
Ana Clara pergunta assim que entrelaço nossas mãos dentro do
elevador.
— Eu nunca prometi nada a ela.
— Talvez, mas...
— Não estou preocupado com isso, Ana. Nós nunca fomos
além em nenhum aspecto. Inclusive, eu fiquei muito puto com
aquele beijo roubado — digo, lembrando-me da situação. — E você
é a mãe do meu filho, a mulher que eu amo. Acha que estou
preocupado com o que vão dizer ao nos verem de mãos dadas?
Ana Clara abre um meio-sorriso e seus olhos vão para baixo,
analisando a ponta de seu sapato.
— Pode ser uma menina.
Sorrio de volta.
Na verdade, ainda estou digerindo a notícia da gravidez,
mas não posso dizer que não estou feliz. Eu estou feliz pra
caramba! Nunca imaginei o dia que eu receberia uma notícia assim,
mas acho que as coisas finalmente se alinharam.
— Que horas você marcou com Robert? — pergunto.
— Hora do almoço — ela responde e o elevador se abre em
nosso andar. Saímos juntos.
Não gosto da ideia de ver Ana Clara saindo para almoçar
com meu primo, mas não tem jeito. No dia anterior, combinamos
que cada um de nós resolveria a situação com as pessoas que
estão esperando uma chance conosco.
Enquanto caminhamos pela empresa, alguns olhares se
arregalam ao ver nossas mãos entrelaçadas. Já sei que seremos o
assunto por hoje e talvez pela semana inteira.
Cumprimentamos alguns funcionários, até que nos
aproximamos da sala de Ana Clara.
Luciana não está sentada em sua mesa, o que me traz um
certo alívio. Só que esse alívio não dura nem dois segundos,
quando a sua voz nos interrompe.
— Bom di... — suas palavras, assim como seu sorriso,
morrem assim que nos viramos em sua direção, ainda de mãos
dadas. Seus olhos descem para as nossas mãos e ela engole em
seco.
Ana Clara solta a minha mão e respira fundo.
— Bom dia, Luciana. Gabriel, vou estar na minha sala, caso
precise de mim.
Ela abre a porta e some dentro da sala, me deixando lidar
com o climão sozinho.
Filha da mãe.
Os olhos de Luciana vão para o meu rosto e um pouco do
sorriso de antes, retorna.
— Vou buscar o seu café e...
— Luciana, preciso que venha comigo. Quero falar com
você.
Ela assente e me segue até a minha sala.
Caramba, não sei nem por onde começar. Talvez eu devesse
falar que Ana Clara está grávida, mas isso daria a entender que
estou com ela apenas por causa da gravidez. Nossa, Ana Clara
realmente me estragou para todas as outras mulheres.
— Você ainda está bravo por causa do beijo, não é? —
Luciana pergunta, assim que dou a volta na mesa e coloco a minha
maleta no armário baixo.
— Não, não é isso. — Estendo a mão para a cadeira, para
que ela se sente.
Luciana me olha com temor, mas se senta com cuidado.
— Você está me assustando, Gabriel.
Talvez eu devesse relaxar um pouco minha postura.
Respiro fundo.
— Desculpe, acho que é força do hábito. — Tento soar
descontraído. — Ahn, como você está? — Talvez começar com uma
pergunta assim quebre o gelo.
— Estou bem... — Ela me encara. — E você? Percebi que
você e Ana Clara voltaram a se falar e...
— É sobre isso que quero te falar — a corto. Não adianta
enrolar. — A questão é que... Ana Clara e eu estamos juntos
novamente — digo de uma vez. — Quero deixar claro que nunca foi
minha intenção iludir você e brincar com seus sentimentos.
Inclusive, se isso aconteceu, eu quero pedir desculpas.
Luciana abaixa o olhar e balança a cabeça minimamente.
Talvez esteja digerindo o que eu acabei de dizer. Talvez ela se
levante, me xingue de algum palavrão ou, quem sabe, até jogue a
cadeira em cima de mim. Ou talvez ela simplesmente aceite isso e
as coisas voltem a ser como eram.
— Eu entendo... — ela diz, me encarando. — Acho nobre da
sua parte assumir a gravidez de uma mulher, sendo que você nem
sabe se o filho é realmente seu.
Levo vários segundos para assimilar o ataque.
— O que disse? — Minhas sobrancelhas se levantam.
— É isso o que você ouviu. — Luciana se levanta, irritada. —
Já pensou que o filho de Ana Clara pode ser de Robert? Afinal, ela
estava saindo com ele!
— Você sabia que ela está grávida? — pergunto em um tom
baixo, perigoso.
As lágrimas começam a rolar pelo seu rosto.
— Sabia!
— Então por que não me contou? — Levanto-me da minha
cadeira com tudo.
Agora quem está irritado sou eu.
— Porque eu sabia que você ia cair na história de Ana Clara
— Luciana grita. — Mas tudo bem, não importa. Sejam felizes.
Vocês se merecem. Seus pervertidos!
Ela abre a porta da minha sala e sai como um raio. Vou atrás
dela, gritando seu nome. A conversa não acabou. Ela não pode
difamar Ana Clara e sair assim.
Porém, assim que chego ao corredor, Ana Clara está vindo
em minha direção com os olhos assustados.
— Meu Deus, foi tão ruim assim?
— Foi péssimo — digo, esfregando meu rosto. — Vem,
vamos entrar.
Ana Clara fecha a porta e eu me recosto na borda da minha
mesa. Ela vem ao meu encontro, colocando as mãos em meus
ombros.
Só o seu cheiro adocicado já consegue levar embora um
pouco da minha irritação.
— Ela foi embora — diz. — Não sei se vai voltar.
— Espero que não volte.
— Por quê?
Encaro os olhos castanhos que eu amo.
— Porque ela ofendeu a sua moral e isso eu não vou tolerar.
— Ergo as sobrancelhas.
Ela arregala os olhos e dá um passo para trás.
— O que ela disse?
Abaixo a cabeça e começo a bater pelos de gato na minha
calça.
— Que o bebê é de Robert e que você está usando isso
para me enganar.
Ana Clara fica em silêncio por vários segundos, até que ela
diz:
— Isso passou pela sua cabeça?
Encaro seus olhos.
— Nunca.
Alívio toma o seu rosto e ela se aproxima de mim.
— Eu meio que esperava você ter essa dúvida — ela diz, um
pouco envergonhada. Seu corpo encosta no meu. — Talvez, por
isso, eu não tenha revelado também sobre a gravidez.
Abraço a sua cintura e deposito um beijo em seu rosto.
— Você me disse, em uma das nossas últimas brigas, que
não tinha dormido com ele. Eu acreditei. Nunca duvidaria das suas
palavras.
Ana Clara segura meu rosto entre as mãos e seus lábios se
aproximam dos meus em um beijo doce e calmo.
— Eu te amo — ela diz.
— Eu te amo mais.
Nosso beijo começa a se aprofundar e eu sei que se não
pararmos agora, as coisas vão ficar intensas por aqui.
— Sabe. — Ela se afasta bem a tempo. — Acho que
deveríamos fazer uma reunião e conversar com nossos
funcionários. Só para não correr burburinhos desnecessários por aí.
O que você acha?
Seguro a sua mão.
— Acho ótimo. Tudo o que você quiser.
Ana Clara sorri.
— Ah, lembrei o que eu estava vindo lhe dizer, antes de
presenciar o surto de Luciana.
— E o que é? — Arrumo o pingente do colar que ela está
usando.
— Lembra que eu disse que tinha me inscrito em uma bolsa
de mestrado na França?
— Lembro...
— Eles me chamaram — ela diz, um pouco animada demais
para o meu gosto. — Eu fui aceita!
De repente, um gelo se instala em meu estômago.
Abro a boca para dizer algo, porém, Ana Clara começa a rir.
— Calma, Gabriel. Não precisa ficar pálido assim... — Seus
dedos pressionam meus ombros. — Eu não vou aceitar. Até parece
que eu vou deixar você aqui... e agora a nossa nova missão é cuidar
desse pequeno que está vindo ao mundo.
Deslizo uma mão em seu ventre e algo muito bonito e
verdadeiro aquece meu coração, mais uma vez.
— Eu não sou estúpido, Ana Clara. Sei o quanto sua carreira
é importante e, mesmo sendo egoísta pra caralho, se você me
disser que quer ir para a França, você irá para a França e nós
vamos fazer isso funcionar.
— Eu não quero ir para a França. — Ela segura o meu rosto
e me faz encará-la. — Não quero ir para lugar nenhum onde você
não esteja. Você é o meu mundo. Você e o nosso bebê.
Cara, eu amo essa mulher.
— Eu já disse que te amo hoje? — pergunto, abrindo um
sorrisinho.
— Já, mas pode dizer de novo.
Abraço-a com força enquanto deposito beijos e mais beijos e
faço cócegas nas áreas que só eu conheço desde que éramos
crianças.
— Te amo, te amo, te amo. Aliás — paro de fazer cócegas e
a encaro —, eu amo vocês dois.
E recomeço as cócegas antes que Ana Clara tenha a chance
de dizer qualquer coisa.

— Tem certeza de que você quer fazer isso? — Cristiano


pergunta, enquanto caminhamos pelo shopping em busca da loja
que preciso.
— Desde quando eu já fiz algo que não tinha certeza? —
retruco.
— Não foi isso o que eu quis dizer. — Cristiano bufa. — Eu
perguntei no sentido de “você realmente vai pedir Ana Clara em
casamento na festa de casamento da prima dela”?
Dou uma risadinha.
— Clarice vai superar.
— Ela vai surtar.
— Como todo mundo, provavelmente. — Ultrapasso a porta
da loja e uma vendedora atenciosa e sorridente já vem em nossa
direção.
— No que posso ajudar os senhores? — ela pergunta,
olhando de um para o outro.
— Meu amigo aqui quer o anel de noivado mais bonito que
você tiver... — Cristiano joga um braço em meu ombro. — E o mais
caro também.
A vendedora sorri largamente.
— Isso não será nenhum problema!

Como já devíamos ter previsto, a festa de casamento de


Clarice e Andrei está um verdadeiro porre.
A comida é horrível.
A música é de péssimo gosto.
A decoração brega.
E a única coisa que me salva desse circo de horrores é a
presença de Ana Clara, que não saiu de perto de mim em nenhum
momento. O que é até engraçado, porque as pessoas estão olhando
em nossa direção, talvez se perguntando por que diabos estamos
de mãos dadas o tempo todo.
— Ana Clara! — A irmã dela se aproxima com um sorriso um
pouco largo demais em minha direção. — Vem, a Cla vai jogar o
buquê.
Ana Clara olha para mim e eu a incentivo a ir.
Está na hora de animar as coisas por aqui.
Ela se levanta e acompanha um monte de mulheres
animadas com uma cerimônia que eu sempre achei estranha. O que
acontece com as que não pegam o buquê? Significa que elas não
vão se casar?
Ah, grande balela.
Levanto-me e vou até onde a banda está, do outro lado do
jardim. As mulheres se acumulam perto e nós homens, apenas
ficamos assistindo.
Clarice se atrapalha com seu véu que é tão longo quanto a
cauda do vestido e quase cai de cara no chão.
Teria sido hilário.
— Eu vou jogar, hein! — ela grita, tentando animar as
mulheres.
Só que ela não precisa disso, já estão todas gritando e
empurrando umas às outras.
Pego o microfone que o baterista já tinha separado para mim
e me preparo.
Clarice vira de costas para o grupo e começa a contagem
enquanto balança o buquê na direção oposta.
É quando ela chega no um, que eu grito:
— NÃO!!! NÃO!!! NÃO FAÇA ISSO! — Clarice me encara
assustada e eu entro na brincadeira. — Me dê o buquê, por favor.
— O quê? Gabriel, eu...
Ergo as sobrancelhas como se dissesse “me entregue a
porra desse buquê agora”.
Clarice me entrega sem tecer mais nenhum comentário e eu
me viro na direção de onde Ana Clara está, no meio das mulheres
perplexas.
Aliás, todo mundo parece perplexo pelo silêncio que se
iniciou desde que eu entrei no meio da brincadeira.
Oras, espero que essas pessoas não sejam burras. Elas
sabem o que vai acontecer.
— Me desculpem, meninas... — digo, tentando soar triste. —
Só que este buquê já tem dona.
E eu me ajoelho na frente de Ana Clara.
Ela está ainda mais perplexa, porque, francamente, por essa
ela não esperava.
— Gabriel...
— Ai, meu Deus! — alguém grita.
— Isso está mesmo acontecendo? — acho que foi um dos
homens que gritou agora.
Meus olhos não desgrudam do rosto de Ana Clara quando
digo:
— Ana Clara Aguillar, nós temos sido amigos desde que nos
conhecemos, há mais de 20 anos. Nós já nos vimos bêbados,
tristes, felizes. Já curtimos viagens juntos, temos gostos parecidos...
e até desafetos... — Lanço um olhar na direção de Clarice, que está
com os olhos arregalados. — Eu acho que nascemos para
compartilhar a vida, então cheguei à conclusão de que para nós a
palavra “amizade” é apenas o começo do que ela realmente
significa. Eu te amo desde a primeira vez que a vi e é com você que
eu quero passar o resto dos meus dias. — Minha voz dá uma
pequena embargada, mas isso não me preocupa, porque Ana Clara
está tão afetada quanto eu. — Ana Clara Aguillar, aceita ser minha
esposa?
As lágrimas estão escorrendo pelo seu rosto, mas ela
balança a cabeça afirmativamente, várias vezes.
— É claro que sim, Gabriel.
As pessoas começam a gritar como loucas e a baterem
palmas.
Levanto-me e tiro o anel da caixinha, enfiando em seu dedo.
Ana Clara se joga em meus braços e me beija, tão
emocionada quanto eu.
Quando a euforia dos convidados cessa, nós ouvimos
alguém gritar:
— AH, TÁ VENDO! — É Alicia, minha irmã. — Isabella, você
me deve cem reais, tá?
— Eu não devo nada! Eu apostei que eles se pegavam, mas
não que iriam se casar.
Ana Clara e eu arregalamos os olhos, mas depois rimos.
Sei que neste momento muitas pessoas, incluindo nossos
familiares, vêm nos abraçar.
— Fico tão feliz que seja você — dona Marília diz,
emocionada. — Eu sempre torci por isso.
— Eu também! — minha mãe nos interrompe. — Vocês são
perfeitos um para o outro. Eu sempre acreditei nisso. Só faltava um
empurrãozinho do destino!
— Genro, hein? — O pai de Ana Clara me cumprimenta. —
Nem vou dizer “seja bem-vindo à família”, porque você claramente
já é da família.
E assim cumprimentamos a todos.
Até que Ana Clara me lança aquele olhar de “temos que
contar o restante”.
E eu entrego o microfone para ela.
— É sério que você quer que eu conte?
— Eu já fiz a parte do casamento... — Ergo um ombro. Ela
me dá um tapa e ri.
— Ok, vamos lá.
Ana Clara respira fundo, leva o microfone até a boca e diz:
— Então pessoal, para completar a notícia, preciso dizer que
Gabriel e eu estamos grávidos!
Há um silêncio geral.
De repente, ouvimos um baque alto o suficiente para nos
fazer virar para trás.
— Meu Deus, a Clarice desmaiou! — mamãe grita.
E então o nosso plano de roubar a atenção de Clarice
acabou de ir por água abaixo.
Todo mundo se volta para ela, preocupados, tentando trazê-
la de volta.
Ana Clara e eu apenas ficamos de camarote, assistindo ao
desespero das pessoas por alguém que abriu os olhos e os fechou
rapidamente ao ver que estavam indo acudi-la.
— Ela finge muito bem — Ana Clara diz, enfiando seu braço
no meu.
— É, mas pouco importa. Este casamento precisava mesmo
de emoção.
Ana Clara ri e eu só tenho cada vez mais certeza de que
estamos no caminho certo.
Não sei se todas as amizades se transformam em amor, mas
sei que, no nosso caso, nunca foi só “amizade”.
Sempre teve algo mais.
E eu fico extremamente feliz por isso.
— Mamãe! Coloca essa bolinha na árvore. — Julieta, minha
pequena que aprendeu a falar há pouco tempo, me entrega uma
bola vermelha brilhante para colocar na nossa árvore de Natal.
— Mas é claro, meu amor. — Levo a bolinha até uma parte
baixa na árvore, porém...
— Não, mamãe. Lá em cima! — Julieta aponta o dedinho
para o alto da árvore.
— Hummm, isso vai ter que ficar para o papai, então.
— Ouvi a palavra “papai”? — Gabriel entra na sala com
aquela voz que eu tanto amo.
Julieta se levanta e vai correndo para os braços do pai, que
a ergue e a gira várias vezes, enquanto ela ri e dá gritinhos.
Quando me casei com Gabriel, há três anos, achei que
teríamos uma vida tranquila, feliz. Afinal, nos conhecemos desde
crianças e sabemos exatamente como conviver. Só que fui pega de
surpresa ao ver que a vida com Gabriel e nossa filha é melhor ainda
do que eu podia sonhar.
Claro, Julieta é uma caixinha de surpresas.
Suponho que puxou o gênio de Gabriel, que gosta de
arquitetar planos mirabolantes e deixou um espacinho para o meu
lado de fazer acontecer, sem pensar nas consequências.
— Oi, amor, como você está? — Gabriel se aproxima, após
deixar Julieta no chão, brincando com as bolinhas. Ele estende a
mão e me ajuda a levantar, então me beija com o mesmo ardor de
sempre.
— Estou melhor agora.
Ele sorri.
— Julieta está dando muito trabalho? — Ele dá uma
olhadinha na bagunça ao nosso redor.
— Um pouco. Ela quer que coloque essa bolinha — Levanto
o objeto na mão — lá em cima.
— Hum... serviço para o papai, então. — Gabriel sorri.
— Com certeza.
Gabriel pega a bolinha da minha mão, porém, se inclina e
me beija mais uma vez.
— Antes, eu quero te levar a um lugar.
— O quê? Agora?
— Agora... — Ele se vira para Julieta. — Ju, vamos sair com
a mamãe e o papai?
— Ebaaaaa!!!
Gabriel a pega no colo e se afasta na direção do quarto,
para, provavelmente, trocá-la.
Ahn, céus. Será que até o fim do dia vou conseguir terminar
de enfeitar a árvore de Natal?

— Gabriel, aonde vamos? — pergunto, incomodada com o


sol queimando as minhas coxas dentro do carro.
— Já estamos chegando.
— Estamos indo à casa da Madá?
— Ahn, não.
Madalena e Cristiano ficaram de vez no Brasil, desde aquela
época. Houve um problema na empresa e Cristiano pediu demissão,
porém, conseguiu trabalho imediato em outra. Isso me fez muito
feliz, porque eu tive a minha amiga por perto quando me casei,
quando entrei em trabalho de parto e tudo o mais.
Eles compraram uma casa na região de Alphaville e eu
confesso que estou namorando algumas casas nessa região já tem
um tempo. O problema é que com a correria do dia a dia, nunca
consigo parar e trazer Gabriel para vê-las comigo.
Gabriel entra em um condomínio, mesmo assim, não faço
ideia de onde ele está me levando.
Julieta está no banco traseiro, brincando com uma boneca
Barbie.
— Então... chegamos.
Ele desce do carro e vem abrir a minha porta. Depois se
encarrega de pegar Julieta nos braços.
Estamos em frente a uma mansão, porque só posso
denominá-la assim de tão grande que é. Há muitos vidros
compondo a decoração da frente e eu não faço ideia de quem é que
mora aqui. Só sei que a pessoa é muito sortuda, porque é
claramente o tipo de casa que eu gostaria de viver.
— Se você tivesse me dito que viríamos visitar algum cliente
chique, eu teria vindo com uma roupa melhor.
Gabriel ri.
— Vem, amor, vamos lá dentro. Estão nos esperando.
Respiro fundo, mas encaixo minha mão na de Gabriel.
Entramos na casa e eu fico cada vez mais maravilhada com
a decoração. É perfeita, do jeito que eu faria, se a casa fosse minha.
— Que bom que chegaram! — Uma mulher usando um
vestido cor creme se aproxima com uma pasta preta nas mãos. —
Espero que tenha gostado, Ana Clara. Meu nome é Vilma, aliás.
— Prazer, Vilma. — Lanço um pequeno sorriso ao
cumprimentá-la. — E... sim, a casa é linda — concordo, ainda
olhando ao redor. — Parabéns.
Ela olha para Gabriel e eles dão uma risadinha. Então ela
me olha novamente e diz:
— Acho que sou eu quem devo te parabenizar. — Ela
estende a pasta em minha direção. — A sua casa é perfeita.
Fico em choque por vários segundos, até que pego a pasta e
olho na direção de Gabriel.
Claro que seria assim...
Gabriel sempre me conheceu, sempre soube dos meus
gostos. É claro que ele acertaria em cheio ao escolher uma casa e
decorá-la exatamente como eu faria.
— É sério isso?
Ele assente, todo sorridente.
— Eu te amo, Gabriel — consigo dizer, antes das lágrimas
descerem pelo meu rosto.
Ele me puxa para os seus braços.
— Eu te amo muito mais.
Afasto-me dele com as lágrimas ainda rolando pelo meu
rosto.
— Está prontinha? Nada para que eu tenha que projetar?
— Só se você quiser. — Sorri. — Mas eu tentei deixá-la
pronta para fazermos nosso trabalho.
— Trabalho? — Franzo o cenho.
— De povoar esta casa — Ele sorri maliciosamente.
Jogo a cabeça para trás, rindo e secando as lágrimas ao
mesmo tempo.
— Meu Deus, Gabriel. Só você mesmo.
Ele se aproxima e deposita um beijo em minha orelha.
— Eu disse que quero fazer mais uns dez filhos com você.
— Isso é uma meta?
— Pode crer que sim.
Dou risada, ao mesmo tempo que beijo meu marido pela
milésima vez.
Nunca pensei que nossa amizade se transformaria em um
sentimento tão forte, tão violento. Acho que nunca vou me cansar de
admirá-lo, de querê-lo para mim. Todos os dias, até que a morte nos
separe.
— Ahhhhh, desculpe interromper o casalzinho!
A voz de Madalena nos interrompe e eu sorrio para ela, que
vem na nossa direção com seu pequeno — nem tão pequeno assim
— Arthur.
— Caramba, que casão, hein, Gabriel. — Cristiano vem logo
atrás. — Olá, Ana Clara. Vilma.
Trocamos cumprimentos animados e eu não quero perder
tempo em rodar toda a casa, mesmo sabendo que ela vai estar
perfeita, porque foram as mãos e a imaginação de Gabriel que
tomaram conta de tudo.
— Gabe, deixa a Julieta com o Arthur — sugiro.
— Hum, verdade... — Gabriel solta Julieta, que vai correndo
na direção do amiguinho e se joga nos braços dele.
— Hum... será que essa amizade vai dar em algo quando
eles crescerem? — Cristiano brinca.
— Se depender do exemplo dos pais, o casamento já é algo
certo. — Dou risada.
— É bom que fica todo mundo em família — Madalena
concorda e nós rimos.
Os homens se afastam, conversando e analisando a casa.
Madalena me segue e a cada cômodo fico maravilhada de como eu
acertei em vários aspectos na minha vida:
1 – Virei melhor amiga do garoto mais legal e mais bonito da
escola;
2 – Apaixonei-me por esse cara;
3 – Casei-me e tive uma filha com ele.
O que mais eu posso querer da vida?
Olá, leitoras!
Quero agradecer se você chegou até o final desta história.
Gabriel e Ana Clara surgiram na minha vida quando eu estava
passando por um turbilhão de problemas. Eles foram alívio, foram
risadas, foram lágrimas também.
Eu amo todas as minhas histórias, mas alguns personagens
conseguem tocar com mais força em meu coração e eu fico feliz que
isso aconteceu com esse casal muito doido.
Não se esqueçam de apoiar o meu trabalho, avaliando este
livro na Amazon e compartilhando com algum(a) amiga(o) que gosta
de ler um bom romance cheio de risadas, lágrimas e safadezas.
Obrigada e até o próximo!
São muitas pessoas que preciso agradecer aqui, mas em
primeiro lugar: a Deus, que é o meu amor maior. Quem me dá
forças nos momentos de tristeza e desânimo. Depois, às minhas
leitoras que gostam e apoiam o meu trabalho. Eu amo todas vocês.
Bah Pinheiro, minha revisora e amiga para todos os momentos.
Crys Carvalho, amiga surtada que me incentivou a escrever todas
essas cenas hot sem medo. À Kelly, minha psicóloga que está me
ajudando a encontrar o meu caminho. Aos meus pais e,
principalmente ao meu marido, que não mede esforços para me ver
feliz.
Muito obrigada!
Nascida e criada em Jacareí, interior do Estado de São Paulo, Olívia
é casada e mamãe de um gato laranja. Desde criança sempre foi
apaixonada por livros, gastando horas dentro da biblioteca da
escola. Aos quinze anos começou a escrever fanfics que
conquistaram leitoras em sites como Nyah! Fanfiction. Sempre
gostou de criar personagens femininas fortes, que apesar de seus
conflitos interiores, lutam pelos seus sonhos. Acredita que os livros
transformam as pessoas.

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Notas

[←1]
AutoCAD é um so ware do po CAD — computer aided design ou desenho
auxiliado por computador - criado e comercializado pela Autodesk, Inc. desde 1982.
É u lizado principalmente para a elaboração de peças de desenho técnico em duas
dimensões e para criação de modelos tridimensionais.
[←2]
Yin e Yang são conceitos do taoismo que expõem a dualidade de tudo que existe no
universo. Descrevem as duas forças fundamentais opostas e complementares que se
encontram em todas as coisas: o yin é o princípio da noite, Lua, a passividade,
absorção. O yang é o princípio do Sol, dia, a luz e a vidade

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