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4 Cartografia - Digital - para - Historiadores - A
4 Cartografia - Digital - para - Historiadores - A
Este texto visa àqueles historiadores que querem incrementar a variável “espaço”
em suas análises, ou simplesmente, como muitos dizem, “mostrar alguma coisa no mapa”.
Muita coisa pode parecer óbvia ou já conhecida, mas a proposta aqui é permitir que qualquer
historiador possa cartografar suas pesquisas e, para isso, precisamos começar com um
vocabulário comum. Antes de tudo, é preciso fazer uma advertência: não vamos analisar
mapas históricos, não diretamente. Eles podem ser importantes no que vamos fazer, mas não
são a única fonte. Nosso propósito aqui é a produção de mapas que vão representar
informações fruto de pesquisa ou, por outro lado, que ajudarão eles mesmos na pesquisa,
apresentando novos dados para análise. Entendo, assim, que este texto não vai falar de
cartografia histórica, entendida aqui como o estudo sistemático de mapas “históricos”
(independente do nosso critério de “histórico”). Vamos falar de cartografia digital para
historiadores. E isso significa atribuir lugares na superfície terrestre para as informações
históricas.
1
Esta pesquisa contou com apoio da CAPES e do CNPq.
2
Professor do Departamento de História da Universidade de Brasília, UnB, onde desenvolve pesquisas sobre
economia do Brasil colonial, história e bancos de dados, coordenando também o projeto “Atlas Digital da
América Lusa”. Email: tiagoluisgil@gmail.com.
Em 1958, Fernand Braudel, sobre o qual não pairam dúvidas de seu interesse por
geografia (especialmente pelo célebre “Mediterrâneo”) já percebia uma mudança nas relações
entre as duas disciplinas: "Mas quem é que está preparado para transpor fronteiras e prestar-se
a reagrupamentos, no momento em que a geografia e a história se encontram à beira do
divórcio?"(BRAUDEL, 1972 p. 8) Em 1988, outro célebre historiador, Georges Duby, falava de
uma época na qual história e geografia eram irmãs, coisa que no seu entender já não
eram.(DUBY, 1993) Tomando apenas os temas dos artigos da revista “Annales” entre 1929 e
1999, Sarah Resende percebeu uma mudança ao longo dos anos 1960.(SANTOS, 2012)
Segundo seu levantamento, temas como geografia, espaço e região (agrupados no conjunto
“geografia”) foram sendo lentamente esquecidos ao longo do período, enquanto temas como
cultura, antropologia e política foram ganhando lugar.
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Figura 1 - Gráfico de temas encontrados em títulos de artigos da Revista "Annales", entre 1930 e 1999, agrupados por
década (ex.: 193 = 1930)
3
Spatial History Project. http://www.stanford.edu/group/spatialhistory.
4
EHESS/LaDeHis. Des villages de Cassini aux communes d’aujourd’hui.
http://cassini.ehess.fr/cassini/fr/html/1_navigation.php
Não é possível fazer um mapa sem usar escalas. Possível até é, mas seria inútil ter
um mapa do tamanho real do mundo. A utilidade dos mapas está em representar
esquematicamente algo maior, permitindo o conhecimento. E a problematização deste mundo,
vai depender da escala de observação. Escala é relação entre o tamanho do objeto
representado com sua representação. Para análises de história no espaço é muito importante
entender isso, pois diferentes problemas de pesquisa vão demandar diferentes escalas de
análise. Comércio internacional demanda uma escala, a ocupação agrícola de um vale, outra,
apenas para exemplificar. Na produção de mapas em escalas diferentes, será preciso adaptar
as representações. Para isso há o que chamamos de generalizações. Trata-se da simplificação
do desenho. Por exemplo, a costa brasileira é feita com esmero em escalas locais, mas
simplificada (generalizada) no mapa-mundi. Nem sempre este problema se coloca, mas saber
disso ajuda na leitura dos mapas e é relevante ter isso em conta na hora da sua produção.
Latitude e longitude todo mundo conhece, mas convém ver algo voltado para
nosso trabalho. Não é preciso saber o fundamento matemático sobre ambas para fazer mapas,
mas é importante saber que isso ajuda a posicionar um lugar no mundo e que regiões podem
ser compostas por séries de pontos. Importante também saber que o mundo precisa ter um
formato perfeito para que as coordenadas funcionem. Como ele não tem, trata-se de um
geoide com um formato muito estranho, longe mesmo da esfera, precisamos inventar um
modelo matemático para “fazer de conta” que ele é perfeito. O nome disso é “datum”. Sempre
que usamos coordenadas, elas fazem sentido dentro de um certo “datum”. Não precisa
entender isso profundamente, mas é importante saber que existe e que pode atrapalhar nosso
trabalho. Para facilitar, use sempre o mesmo, tal como já fez com a projeção.
Para finalizar, vamos apresentar uma última informação, que por ora não será tão
importante. Trata-se dos conceitos de raster e vetor, atribuídos às imagens que se usam na
cartografia. Raster ou matricial é a imagem obtida por sensoriamento remoto, ou seja, por
fotografia aérea ou de satélite. Contudo, uma foto não é um mapa. É preciso usar a foto como
referência do nosso objeto e, para tanto, podemos “desenhar por cima” da foto linhas, pontos
e polígonos que vão compor nosso mapa. Para isso é preciso saber reconhecer as imagens das
fotos. Dizemos que as fotos têm formato matricial pois elas realmente são matrizes. Se você
tomar uma imagem digital e aproximar (zoom) muito, mas muito mesmo, você verá que a foto
é composta de milhares (ou milhões) de quadradinhos com cores ou tons diferentes que, no
conjunto, à distância, criam uma imagem que faz sentido. O formato vetorial esquematiza
estes pontinhos em uma imagem simplificada, porém, com as informações relevantes para o
estudo.
A geografia mudou completamente com o uso das novas tecnologias, muito mais
do que a história. E com isso ela ocupou espaços antes não imaginados ou então inacessíveis.
Os sistemas de informação geográfica, ou Geographic Information Systems (GIS), tiveram
um peso fundamental nesta mudança. Trata-se da aplicação das novas tecnologias da
informação para a análise do espaço, resultando daí o que se chama de “geoprocessamento”.
É passar a cartografia do papel para o computador, permitindo algumas inovações, como o
cruzamento automático dos mapas com bancos de dados e com imagens, de satélite ou
fotografias aéreas, dando grande velocidade ao processo e permitindo intensificar a produção
de novos dados.
Em boa medida, o aprendizado sobre este tipo de sistema passa pelo aprendizado
de certos softwares, geralmente comerciais.5 Sendo uma atividade extremamente específica,
não há como avançar neste campo sem aprender algumas coisas destes programas. Em geral,
eles são bastante parecidos, ainda que a quantidade de recursos seja muito variável, assim
como o tempo de aprendizado. Da mesma forma que geralmente usamos processadores de
texto, como o Microsoft Word e o Open Office, que correspondem aos formatos de arquivo
DOC e ODT, há também certos programas e certos arquivos mais populares no
geoprocessamento. O mais difundido é o formato SHP, criado pela empresa ESRI, que
desenvolveu o programa ArcGis. Outro formato bastante conhecido é o KML, muito
empregado pela Google no Google Earth. Contudo, outros programas, igualmente úteis, como
Quantum Gis e Diva Gis também são capazes de trabalhar com estes arquivos. Cada arquivo
destes corresponde a um lugar, digamos assim. Podemos dispor de um arquivo KML com o
desenho da América do Sul, como podemos ter o mapa mundi dentro de um arquivo SHP.
Qualquer um dos dois pode ter apenas o ponto que localiza uma cidade, ou um conjunto delas.
Organizamos e guardamos estes arquivos como quem coleciona selos, colocando em pastas
diferentes arquivos de lugares diferentes. E montamos mapas sobrepondo as imagens destes
arquivos como quem empilha figurinhas. Quase todos os programas tem um botão com um
sinal de “ + ”. Clicando neste botão, podemos abrir os arquivos e colocá-los na ordem, do
mais fundo para o mais raso, digamos assim, colocando primeiro o leito do oceano, para
assentar nele os continentes e, nestes, os dados que temos das coisas que ocorrem dentro
deles, como as cidades, as estradas, etc. Como os arquivos estão todos “georreferenciados”,
5
Uma pequena nota informativa sobre alguns termos que serão aqui utilizados: por software comercial, entende-
se aquele desenvolvido para fins de venda, como o nome já indica, em alguns casos, com o pagamento anual de
licenças. Em oposição, há os softwares gratuitos, que não cobram nada pelo recurso. Por outro ponto de vista, há
os softwares “proprietários” e os “open source”. Proprietários são programas “fechados”, do qual não se conhece
o código, geralmente comerciais. Open source são softwares de código aberto, de modo que qualquer pessoa
pode tomá-los, usá-los, melhorá-los ou o que quiser. Geralmente são gratuitos, mas seguem critérios de uso
GNU (impedindo, por exemplo, o uso comecial de alguma parte do código.
eles encaixam perfeitamente, desde que tenham o
mesmo datum, a mesma projeção e o mesmo
sistema de coordenadas. Convém ver isso antes de
“importá-los” para nosso mapa.
Repare que temos apenas uma coluna, que separa os valores em ordem, por
vírgula. O primeiro dado, chamado de “ID” é apenas um identificador, seguido pelo nome e
outros dados que desejamos, como o país, latitude e longitude. Podemos acrescentar outras
informações, como o total da população destas localidades, por exemplo, ou alguma outra
variável que queremos estudar. Se as colunas latitude e longitude vão colocar o ponto
exatamente onde quero, a coluna com alguma variável, vai me permitir diferenciar os pontos
entre tipos diferentes, atribuindo cores e formatos para facilitar a leitura do mapa, quando
estiver pronto.
Onde posso conseguir informação sobre a latitude e longitude dos lugares? Basta
ter um aparelho de GPS que indique estes dados e ir até o local que você deseja. Se achar
mais prático, basta usar sites como o Open Street Maps e o Google Maps, além de programas
como o Google Earth. É o caso de anotar e organizar cada uma destas informações, uma por
uma. É trabalhoso, mas os dados poderão ser utilizados diversas vezes. Feito isso tudo,
podemos “importar” o arquivo CSV para nosso mapa. Quase todos os programas fazem isso,
certamente Quantum Gis e ArcGis fazem. Isso varia de programa para programa, mas
geralmente haverá um botão de “importar dados de texto” para o mapa. Os pontos vão
aparecer na tela e poderão ser alterados (cores, tamanho, formato). Linhas e polígonos podem,
igualmente, ser alterados em sua apresentação.
Isso tudo preparado, já podemos preparar nossos próprios mapas. Mas isso, claro,
se já soubermos de antemão todos os dados que precisamos para uma pesquisa em história.
Por outro lado, o fato de certos problemas sociais não encontrarem respostas com
o auxílio de mapas euclidianos não invalida a tentativa de responder aos problemas que
efetivamente podem ser respondidos com o uso destes mapas. Problemas agrários como
concentração fundiária, demográficos, como concentração urbana e migração, encontram nas
análises baseadas no espaço euclidiano um bom auxílio. Mas há outras possibilidades, como o
estudo de rotas de viajantes, de peregrinações, de remodelamento urbano, de intensidade
comercial entre regiões que também podem obter boas respostas desta abordagem, tudo isso
dentro de uma perspectiva de história baseada na problematização de objetos e fontes. Há
outros problemas que afetam uma tentativa de geoprocessamento em história. A inclusão da
variável “tempo” a um lugar no espaço não é tarefa fácil. Ou mesmo a inclusão da variável
“espaço” a um lugar ou processo no tempo. Como disseram Gregory e Ell:
GIS originated in disciplines that use quantitative and scientific approaches in a data-rich
environment. Historical geography is rarely data-rich; in fact, data are frequently incomplete and
error-prone.7
6
Euclidiano faz referência ao grego Euclides, considerado o pai de geometria.
7
“GIS [é] originado em disciplinas que usam abordagens quantitativas e científicas em um ambiente rico em
dados. Geografia histórica raramente é rica em dados; de fato, os dados são geralmente incompletos e propensos
a erros.”
para a regularidade deste problema. Mas é possível fazer um pouco mais do que isso. Há
formas, trabalhosas, de melhorar nosso desempenho no geoprocessamento em história. Vou
argumentar que:
1. É mais fácil achar todos os pontos (locais no passado) do que apenas um;
Vejamos agora, em parte, cada uma destas afirmações. Em primeiro lugar, apesar
de não parecer, faz sentido pensar que é mais fácil achar todos os lugares do passado do que
apenas um, uma vez que podemos localizar as coisas na relação que elas têm com as outras,
na vizinhança delas. Se uma sesmaria, unidade agrária do período colonial, diz ficar na
fronteira com outra, podemos não saber onde ficam as duas, mas já sabemos que são vizinhas.
É o princípio exato do quebra-cabeça. Tendo apenas uma peça na mão, não tenho muita ideia
de onde ela ficaria no conjunto da obra, mas tendo todas consigo montar completamente. É
claro que nosso trabalho não tem a precisão de um quebra-cabeça, lembrando, antes, um vaso
quebrado que deve ser restaurado, pela usar uma metáfora usada por Ian Gregory. Mas a
dificuldade de saber o local de uma única peça é igual e, por isso, é preciso ter em conta a
posição relativa dos lugares na hora de encontrá-los.
Para viabilizar isso tudo, é preciso cruzar todas estas informações de toponímia
com as fontes históricas, não apenas mapas históricos, como muitos gostam de relacionar com
8
Topônimo significa “nome de um lugar”. No mapa, são os nomes de lugares que apresentados na carta.
a cartografia digital em história, mas igualmente com documentos textuais, dados de
patrimônio histórico e registros arqueológicos. Para tanto, é recomendável criar um bom
banco de dados que faça isso tudo dialogar de modo organizado e fácil de recuperar. Podemos
inclusive fazer o banco de dados exportar arquivos CSV para que os programas de GIS
possam criar os mapas.
Por fim, é preciso ter clareza de que nunca acabaremos de montar este quebra-
cabeça, ou o vaso quebrado de Gregory. Mas podemos ir testando peças e o simples estudo de
localização deste passado pode ser importante na proposição de novos problemas e novos
objetos, afastando completamente este trabalho da sua aparente relação com o positivismo.
Por fim, seria importante retomar algumas das vantagens destacadas por Gregory no trabalho
de HGIS. Para ele, poderíamos dividir os benefícios desta metodologia em três categorias: a
organização das fontes, a facilidade para visualizar as fontes (no mapa) e os resultados
advindos da análise destas fontes e a facilidade de fazer análises espacial com os dados (com
recursos estatísticos, por exemplo). Ainda nos resta pensar como organizar uma pesquisa em
história com os olhos voltados para o espaço. Já temos algumas dicas, os nossos “princípios”
acima expostos, mas vejamos isso na prática.
Convencido o leitor de que a dimensão espacial será pertinente para resolver seu
problema de pesquisa, ele pode começar a tomar algumas providências. A primeira dela é
encontrar obras, artigos, capítulos e livros, que falem sobre o recorte espacial escolhido para o
problema. Nem sempre isso é fácil e ainda não estou falando da dificuldade de encontrar estes
9
Sabendo que papel velho é uma metáfora para os vestígios do passado, que podem ser orais, imagéticos, dentre
outros.
textos. A definição do recorte espacial nunca é simples e deve ser entendida como um
problema adicional de pesquisa. Nos anos 1950, 60 e 70, no meio acadêmico europeu, estava
em voga fazer pesquisas sobre casos regionais. Neste contexto, saíram os clássicos de Pierre
Goubert(GOUBERT, 1968), Pierre Vilar(VILAR, 1988) e Edoardo Grendi(GRENDI, 1976),
apenas para dar três exemplos, e todos os três, como era normal na época, se detém ao longo
de páginas para definir os recortes espaciais de suas obras, já que um dos resultados da
pesquisa era a imprecisão do recorte originalmente pensado e a necessidade de estabelecer
limites para a pesquisa diante de regiões nada naturais.
Isso pode ser feito com qualquer fonte. Em geral, quando se fala em análise
cartográfica, quase sempre se pensa no uso de mapas históricos. Vou salientar aqui o uso de
fontes escritas, sem ignorar os velhos mapas. Se tomarmos, por exemplo, uma carta, podemos
ter de antemão pelo menos dois locais, o do remetente e do destinatário. Algumas vezes, as
cartas podem fazer referências, no seu interior, a outros locais. Convém anotar todas estas
informações, uma por uma. O mesmo vale para um conjunto de cartas. Por exemplo, em
1961, foram compiladas e publicadas uma série de cartas de Luiz Adolfo de Varnhagen, sua
correspondência ativa.(VARNHAGEN, 1961) Com esta metodologia, poderíamos apresentar
em um mapa, ano por ano, as cidades e as pessoas para quem Varnhagen escreveu ou, por
outro lado, as regiões que foram assunto na correspondência. Em geral, Varnhagen falava de
obras, de autores e de textos que estaria fazendo.(CARVALHO, 2012b) Poderíamos, assim,
relacionar as obras com certas preocupações regionais de Varnhagen ou com certos contatos
que mantinha, obtendo dados que não estavam colocados de modo direto na fonte. De resto a
carta (ou cartas) poderá ser analisada com o auxílio de outras metodologias, sem perda
alguma para a pesquisa.
Uma fonte escrita para a qual o trabalho de geoprocessamento é bastante aplicável
são as crônicas e notícias de viagem. Boa parte delas permite um tratamento tão apurado que
poderíamos criar uma série de mapas ou uma animação que indicasse ao caminho percorrido
ao longo de dias,
semanas ou meses. Um
exemplo pode ser a
narrativa “Verdadeira
História...” de Hans
Staden, que esteve na
costa brasileira em
meados do século XVI.
No Laboratório de
História Social da UnB,
criamos uma animação
com a narrativa,
permitindo a visualização Figura 3 - Lugares mencionados na obra "Verdadeira História..." de Hans Staden, e
foram produzidos por David de Carvalho.
das andanças de Staden
pelo Atlântico ao longo do tempo entre suas duas viagens.(CARVALHO, 2012a)
Lamentavelmente, um artigo impresso não comporta animações e deixo apenas uma amostra
do trabalho.
10
Para usar uma termo de Jaime Cortesão, aliás, alguém que soube usar a erudição para desmontar mapas.
Podemos passar para uma outra etapa de análise destas obras, com o seu
tratamento espacial. Me parece que há pelo menos duas formas de se trabalhar com este
material: a análise de distorção e a vetorização. A análise de distorção é uma técnica indicada
para avaliar a correlação entre os pontos apresentados no velho mapa com seus
correspondentes na cartografia atual. Isso ajuda a verificar se o mapa teve distorções e em que
lugar da carta, permitindo, por exemplo, verificar se o autor procurou alargar uma região, com
o objetivo de fazê-la parecer maior, dentro de uma política expansionista. Por outro lado, esta
técnica permite verificar algumas questões da própria produção do mapa, se houve um erro de
cálculo, de projeção ou algum outro. Há vários programas para isso, mas certamente o mais
simples de usar é o MapAnalyst, no site do qual há vasta documentação sobre seu uso.11
Isso tudo depende ainda de uma postura comparativa. É melhor trabalhar séries de
mapas do que apenas um, especialmente se forem de cartógrafos diferentes. Na comparação,
as opções do cartógrafo ficam menos naturais e podemos perceber com maior facilidade as
diferenças artísticas, de ênfase no traçado, de levantamento topográfico, dentre outras. Da
mesma forma, podemos comparar os topônimos presentes nos mapas que indicam os mesmos
11
MapAnalyst. Disponível em: http://mapanalyst.org/. Consultado em 02/11/2013.
12
Inkscape. Disponível em: http://inkscape.org. Consultado em 02/11/2013.
lugares, o que vai contribuir para nossa
erudição cartográfica. Assim como fizemos
com os textos, anotando os nomes dos
lugares que aparecem, devemos fazer o
mesmo com os mapas. Para localizar os
pontos dentro do mapa, basta dividi-lo em
quadrantes (A1, A2, B1, B2), o que
facilitará a identificação. Se o mapa tiver
sido vetorizado, podemos comparar os
traçados sobrepondo um sobre o outro e
verificando as diferenças.(BORGES;
MARTINS, 2013; NASCIMENTO, 2012)
conhecimentos adicionais que não teremos tempo de ver nestas páginas. Independente da sua
habilidade com estes recursos, a imagem (Figura 5 - Esquema de preparação para
geoprocessamento em história) apresenta um esquema de como proceder para sistematizar
seus esforços de modo claro. Tendo as fontes, é preciso criar um repositório (uma tabela, um
arquivo de processador de texto) para receber a lista organizada dos lugares ainda não
georreferenciados. Feito isso, procuramos fazer uma busca dentro deste conjunto de modo que
as informações obtidas em uma fonte (primária ou secundária) complementem ou coloquem
em dúvida as outras, de modo a dar rigor para a informação. A fase seguinte é uma busca por
coordenadas, orientada pelas informações complementares resultantes da fase de cruzamento.
Por fim, temos uma tabela georreferenciada, que pode ser transformada em mapa da forma
como vimos no início do texto.
Para finalizar, gostaria de citar um exemplo muito bem sucedido deste tipo de
trabalho. Trata-se da obra do pesquisador Levy Pereira, publicada no Atlas Digital da
América Lusa. Foram mais de cinco anos de trabalho para identificar mais de 1200 elementos
geográficos que ele encontrou no famoso “Mapa de Marcgrave”, de 1653, que retratava o
Brasil holandês.13 Ele isolou cada um dos elementos existentes no mapa histórico e procedeu
uma varredura exaustiva de cada um deles, gerando um relatório na forma de texto que
ultrapassava 500 páginas e permitia a localização dos entes no espaço euclidiano. A lista de
fontes primárias e secundárias utilizadas é igualmente extensa e o mesmo pesquisador foi
pessoalmente investigar diversos locais sobre os quais havia dúvidas, no rastro de indícios
arqueológicos e vestígios que pudessem melhorar as informações já obtidas.
É certo que o trabalho de Pereira é exemplar não apenas pelas dimensões, mas
também pelo volume de trabalho associado. Não se espera de ninguém semelhante
empreitada, ainda mais em um trabalho acadêmico, que varia entre meses de trabalho
(monografia) e anos (mestrado e doutorado). Mas esta obra é uma prova mais do que cabal
das possibilidades do uso de cartografia digital para historiadores. De qualquer forma, cada
vez mais estão disponíveis formas colaborativas de construção de conhecimento e esta pode
ser uma saída para vencer o desafio de reconstruir espacialmente os mundos passados, tarefa
hercúlea, digna de gigantes como Atlas, que sustentava o mundo em seus braços.
Bibliografia
BRAUDEL, F. A longa duração. In: História e ciências sociais. Lisboa: Editorial Presença,
1972.
13
Detalhes sobre a obra monumental podem ser vistos no link, inclusive indicações para textos do autor:
http://lhs.unb.br/biblioatlas/ Coleção_Levy_Pereira
BURKE, P. A escola dos Annales 1929-1989. A revolução francesa da historiografia. São
Paulo: Editora UNESP, 1991.
CORTESÃO, J. História do Brasil nos Velhos Mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco,
1969.
COSTA, A. G. Dos roteiros de todos os sinais até a carta geral: um projeto de cartografia e os
mapas da América Portuguesa e do Brasil Império. In: COSTA, A. G. (Ed.). Roteiro prático
de cartografia: da América Portuguesa ao Brasil Império. Belo Horizonte: EdUFMG,
2007a.
GRENDI, E. Introduzione alla storia moderna della repubblica di Genova. Genova: Bozzi
Editore, 1976.