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Do Eter Ao Vacuo e de Volta Ao Eter
Do Eter Ao Vacuo e de Volta Ao Eter
experimentalmente a possibilidade de produção do vácuo. O tra- se encontra cheio de tal matéria invisível, que nele penetra atraves-
balho mais conhecido é o de Evangelista Torricelli (1608-1647), sando o vidro. Por causa disso, afirmou, era possível ver através
que, em 1643, produziu um espaço aparentemente vazio em um dele. Caso se tratasse de um espaço absolutamente vazio, a luz não
tubo de vidro contendo mercúrio. O experimento de Torricelli foi poderia atravessá-Io, pois Descartes considerava a luz uma pressão
repetido e modificado por vários outros pesquisadores da época, transmitida pela matéria. Nem Torricelli nem Pascal nem qualquer
inclusive Blaise Pascal (1623-1662), que defendeu a existência de outro pesquisador poderia provar que o espaço formado acima do
um vácuo absoluto na região superior do tubo. O desenvolvimento mercúrio era um vácuo absoluto. A única afirmação que se podia
das bombas de vácuo por pesquisadores como Robert Boyle e Otto fazer acerca dessa região é que ela se encontrava vazia de certas coi-
von Guericke permitiu retirar o ar de recipientes maiores e realizar sas conhecidas, como o mercúrio, a água e o ar. Mas não poderia
testes importantes, mostrando, por exemplo, que o som não se pro- conter coisas invisíveis e desconhecidas? É impossível excluir esse
paga nesses espaços vazios. tipo de possibilidade, qualquer que seja a forma de observação.
Pode-se pensar, ingenuamente, que, com esses experimentos,
tenha ficado estabelecida a possibilidade do vácuo. Mas os espaços Teoria corpuscular da luz
dos quais se retirava o ar estavam realmente vazios? Em outras Durante o século xvn, as opiniões ficaram divididas. Descartes foi
palavras, seria possível alcançar o vácuo absoluto? Vários pensa- extremamente influente, e uma legião de pensadores aceitou sua
dores, como René Descartes, responderam negativamente a essa afirmação de que o vácuo de Torricelli era apenas um vazio relati-
pergunta. Na época em que o experimento de Torricelli foi divul- vo. No entanto, o prestígio da filosofia atomista levou um cientista
gado, Descartes já havia desenvolvido sua teoria sobre o Universo, do calibre de Isaac Newton (1642-1727) a acreditar na possibilida-
que era bem diferente da aristotélica. Nela, não havia uma matéria de do vazio absoluto. A teoria corpuscular da luz, que ele defendeu,
celeste diferente da terrestre, mas um único tipo de matéria, forma- favorecia tal aceitação, pois permitia que a luz se propagasse do Sol
da por partículas de diferentes tamanhos. A matéria grosseira, que até a Terra sem a necessidade de um meio material. Além disso,
percebemos pelos sentidos, seria composta de partículas grandes. Newton argumentou que, se o espaço celeste estivesse cheio de éter,
Nos seus poros, porém, haveria partículas menores, como as que essa substância atrapalharia o movimento dos planetas.
preencheriam o espaço entre os astros. Descartes não chamou essa Ao mesmo tempo que lançava dúvidas sobre a existência do
matéria de éter, provavelmente porque não queria que suas idéias éter, Newton sustentou que o espaço possuía propriedades físicas.
fossem confundidas com as de Aristóteles. A Terra girava e, por causa de sua rotação, era achatada - um fato
Como as partículas dessa matéria sutil eram muito pequenas, que foi confirmado pouco depois da morte do cientista. Esse acha-
elas seriam capazes de atravessar a matéria grosseira, que teria es- tamento não era devido à rotação da Terra em relação ao Solou
trutura semelhante à de uma esponja. Segundo Descartes, no expe- a qualquer outro objeto material, mas simplesmente devido ao seu
rimento de Torricelli, quando o mercúrio desce e surge um espaço movimento no espaço absoluto. Assim, o espaço podia ser causa de
efeitos físicos. Mais do que isso: não era um nada, porém o lugar
ocupado por Deus e o seu órgão sensorial.
No século XIX, ocorre outra mudança importante: o desen-
volvimento da óptica e do eletromagnetismo implanta na física um
novo éter. Nas três primeiras décadas daquele século, a teoria cor-
puscular da luz vai sendo atacada e acaba substituída pela teoria on-
dulatória, principalmente graças aos trabalhos de Thomas Young
(1773-1829) e Augustin Fresnel (1788-1827). Esses pesquisadores
mostraram que certos fenômenos ópticos, como a interferência e
a difração, podiam ser explicados quantitativamente pela teoria
ondulatória, enquanto sua explicação com base no modelo cor-
puscular mostrava-se extremamente problemática. Conseguiram
também explicar a polarização da luz, assumindo que as ondas
luminosas são transversais, e não longitudinais, como as do som.
Por volta de 1830, a grande maioria dos físicos havia se convencido
de que essa era a teoria correta.
A nova teoria ondulatória da luz exigia a existência de um meio
que transportasse as ondas luminosas - o éter lurninífero. Esse éter
preencheria todo o espaço e também penetraria nos objetos. Para
explicar as ondas transversais, ele era considerado como um sólido
elástico, e não um fluido, o que trazia a dificuldade de compreender
como os objetos podiam se mover através dele. Muitos autores do
'5.
5 século XX ridicularizaram tal idéia, mas, no século XIX, conside-
~ rava-se que essa dificuldade poderia ser superada. Afinal, era uma
Wolfgang Pauli e Paul Dirac. Este Einstein and the ether. Ludwik Kostro. Apeiron, 2000.
o mostrou que é possível conceber Em busca do nada: considerações sobre os argumentos a favor e contra ovácuo.
'ium éter quântico compatível com Roberto de Andrade Martins. Trans/Fonn/Ação 16: págs. 7·27, 1993.
~ a teoria da relatividade especial.
~ Tal éter não pennite que se meça a OSTRIKER, Jeremiah Se STEINHARDT, Paul J. O universo quintessencial. Scientific
~ velocidade da Terra em relação a ele American Brasil 1 (7): 40-49, Dezembro 2002.