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Foram alguns discípulos de Galileu que procuraram mostrar aparentemente vazio na parte superior do tubo, este, na verdade,

experimentalmente a possibilidade de produção do vácuo. O tra- se encontra cheio de tal matéria invisível, que nele penetra atraves-
balho mais conhecido é o de Evangelista Torricelli (1608-1647), sando o vidro. Por causa disso, afirmou, era possível ver através
que, em 1643, produziu um espaço aparentemente vazio em um dele. Caso se tratasse de um espaço absolutamente vazio, a luz não
tubo de vidro contendo mercúrio. O experimento de Torricelli foi poderia atravessá-Io, pois Descartes considerava a luz uma pressão
repetido e modificado por vários outros pesquisadores da época, transmitida pela matéria. Nem Torricelli nem Pascal nem qualquer
inclusive Blaise Pascal (1623-1662), que defendeu a existência de outro pesquisador poderia provar que o espaço formado acima do
um vácuo absoluto na região superior do tubo. O desenvolvimento mercúrio era um vácuo absoluto. A única afirmação que se podia
das bombas de vácuo por pesquisadores como Robert Boyle e Otto fazer acerca dessa região é que ela se encontrava vazia de certas coi-
von Guericke permitiu retirar o ar de recipientes maiores e realizar sas conhecidas, como o mercúrio, a água e o ar. Mas não poderia
testes importantes, mostrando, por exemplo, que o som não se pro- conter coisas invisíveis e desconhecidas? É impossível excluir esse
paga nesses espaços vazios. tipo de possibilidade, qualquer que seja a forma de observação.
Pode-se pensar, ingenuamente, que, com esses experimentos,
tenha ficado estabelecida a possibilidade do vácuo. Mas os espaços Teoria corpuscular da luz
dos quais se retirava o ar estavam realmente vazios? Em outras Durante o século xvn, as opiniões ficaram divididas. Descartes foi
palavras, seria possível alcançar o vácuo absoluto? Vários pensa- extremamente influente, e uma legião de pensadores aceitou sua
dores, como René Descartes, responderam negativamente a essa afirmação de que o vácuo de Torricelli era apenas um vazio relati-
pergunta. Na época em que o experimento de Torricelli foi divul- vo. No entanto, o prestígio da filosofia atomista levou um cientista
gado, Descartes já havia desenvolvido sua teoria sobre o Universo, do calibre de Isaac Newton (1642-1727) a acreditar na possibilida-
que era bem diferente da aristotélica. Nela, não havia uma matéria de do vazio absoluto. A teoria corpuscular da luz, que ele defendeu,
celeste diferente da terrestre, mas um único tipo de matéria, forma- favorecia tal aceitação, pois permitia que a luz se propagasse do Sol
da por partículas de diferentes tamanhos. A matéria grosseira, que até a Terra sem a necessidade de um meio material. Além disso,
percebemos pelos sentidos, seria composta de partículas grandes. Newton argumentou que, se o espaço celeste estivesse cheio de éter,
Nos seus poros, porém, haveria partículas menores, como as que essa substância atrapalharia o movimento dos planetas.
preencheriam o espaço entre os astros. Descartes não chamou essa Ao mesmo tempo que lançava dúvidas sobre a existência do
matéria de éter, provavelmente porque não queria que suas idéias éter, Newton sustentou que o espaço possuía propriedades físicas.
fossem confundidas com as de Aristóteles. A Terra girava e, por causa de sua rotação, era achatada - um fato
Como as partículas dessa matéria sutil eram muito pequenas, que foi confirmado pouco depois da morte do cientista. Esse acha-
elas seriam capazes de atravessar a matéria grosseira, que teria es- tamento não era devido à rotação da Terra em relação ao Solou
trutura semelhante à de uma esponja. Segundo Descartes, no expe- a qualquer outro objeto material, mas simplesmente devido ao seu
rimento de Torricelli, quando o mercúrio desce e surge um espaço movimento no espaço absoluto. Assim, o espaço podia ser causa de
efeitos físicos. Mais do que isso: não era um nada, porém o lugar
ocupado por Deus e o seu órgão sensorial.
No século XIX, ocorre outra mudança importante: o desen-
volvimento da óptica e do eletromagnetismo implanta na física um
novo éter. Nas três primeiras décadas daquele século, a teoria cor-
puscular da luz vai sendo atacada e acaba substituída pela teoria on-
dulatória, principalmente graças aos trabalhos de Thomas Young
(1773-1829) e Augustin Fresnel (1788-1827). Esses pesquisadores
mostraram que certos fenômenos ópticos, como a interferência e
a difração, podiam ser explicados quantitativamente pela teoria
ondulatória, enquanto sua explicação com base no modelo cor-
puscular mostrava-se extremamente problemática. Conseguiram
também explicar a polarização da luz, assumindo que as ondas
luminosas são transversais, e não longitudinais, como as do som.
Por volta de 1830, a grande maioria dos físicos havia se convencido
de que essa era a teoria correta.
A nova teoria ondulatória da luz exigia a existência de um meio
que transportasse as ondas luminosas - o éter lurninífero. Esse éter
preencheria todo o espaço e também penetraria nos objetos. Para
explicar as ondas transversais, ele era considerado como um sólido
elástico, e não um fluido, o que trazia a dificuldade de compreender
como os objetos podiam se mover através dele. Muitos autores do
'5.
5 século XX ridicularizaram tal idéia, mas, no século XIX, conside-
~ rava-se que essa dificuldade poderia ser superada. Afinal, era uma

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concepção menos contraditória do que a No século XVII, Evangelista Torricelli produziu
um espaço vazio em um tubo de vidro contendo
dualidade partícula-onda da luz, que acei-
mercúrio. Houve fortes controvérsias a respeito
tamos atualmente. desse espaço, que poderia ser um vácuo absoluto
O estudo dos fenômenos eletromag- ou estar apenas "vazio" de matéria grosseira
néticos foi a outra porta de reentrada
do éter na física. Alguns pesquisadores, pode estabelecer a velocidade de um na-
como Charles Augustin Coulomb (1736- vio em relação à água e de um avião em
1806), André-Marie Ampêre (1775- relação ao ar. Porém, várias tentativas de
1836), Franz Neumann (1798-1895), detecção da velocidade da Terra em re-
Wilhelm Weber (1804-1890) e Georg lação ao éter, por meio de experimentos
Friedrich Bernhard Riemann (1826- ópticos ou eletromagnéticos, falharam.
1866), interpretavam esses fenômenos Em 1895, Henri Poincaré (1854-
como forças exercidas a distância entre 1912) interpretou a situação afirmando:
as cargas elétricas. Outros, como Hans "É impossível medir o movimento ab-
Christian 0rsted (1777-1851), Michael soluto da matéria, ou melhor, o movi-
Faraday (1791-1867), William Thom- mento relativo da matéria em relação ao
son (1824-1907) e James Clerk Maxwell éter, Só se pode evidenciar o movimento
(1831-1879), adotaram uma postura di- da matéria em relação à matéria". Em
ferente, assumindo a existência de algu- 1899, Poincaré deu a essa hipótese o
ma coisa que servia como intermediária nome de "lei da relatividade". E, nos
nas interações eletromagnéticas. anos seguintes, intitulou-a "princípio
As teorias de ação a distância e a teoria do movimento relativo" e "princípio da
do éter de Maxwell coexistiram durante relatividade". Essa idéia guiou as pesqui-
algum tempo, sem que fosse possível es- sas de Hendrik Antoon Lorentz (1853-
colher entre elas. Seus estilos eram muito 1928), do próprio Poincaré e, mais tarde,
diferentes, mas levavam praticamente aos de Albert Einstein (1879-1955), levando
mesmos resultados experimentais. Surgiu à construção daquilo que chamamos de
uma possibilidade de diferenciá-Ias, no teoria da relatividade.
entanto, quando Maxwell previu a pos- Poincaré e Lorentz aceitavam o prin-
sibilidade de produção de ondas eletro- 'i cípio da relatividade, mas continuavam
magnéticas no espaço "vazio". ~ a admitir o éter. Einstein, pelo contrário,
Todas os modelos da época eram propôs excluir o éter da física, já que era
compatíveis com ondas eletromagnéticas em meios matenais, impossível detectá-lo. Quanto às previsões experimentais, as duas
como os sinais telegráficos que se propagavam nos fios. Porém, abordagens levavam às mesmas equações. Era impossível escolher
numa teoria de ação à distância, uma carga elétrica não interage entre elas mediante qualquer experimento.
com o espaço vazio e não pode emitir energia sem que esta seja Mas como seria possível jogar fora o éter, se este era a base
recebida por outra carga. Na visão de Maxwell, no entanto, uma da óptica e do eletromagnetismo? Einstein pensou em abandonar
carga elétrica que oscila produz ondas no éter. E estas transportam junto a teoria ondulatória da luz, retomando ao modelo corpuscu-
a energia para longe, mesmo se não houver outra carga elétrica lar. Porém, fazendo isso, era impossível explicar os fenômenos de
próxima capaz de receber tal energia. interferência e difração luminosas. Os próprios conceitos de freqü-
ência e comprimento de onda perderiam seu significado. E o que
Ondas hertzianas fazer com os campos elétrico e magnético? Se não existia o éter,
EM r887, HEINRICH HER'IZ (1857-1894) conseguiu produzir esses campos, espalhados pelo espaço, não poderiam ter realidade
ondas eletromagnéticas, medir sua velocidade, analisar suas pro- física. As próprias ondas eletromagnéticas não existiriam e seria
priedades e confirmar a previsão de Maxwell. Esse resultado foi necessário retomar a uma teoria de ação a distância. O preço a ser
decisivo para a aceitação do éter. As concepções de ação direta a pago pelo abandono do éter era alto demais - a menos que Einstein
distância foram abandonadas rapidamente, enquanto as "ondas fizesse alguma mágica. E ele fez.
hertzianas" adquiriam grande importância tecnológica, sendo apli- Descartou o éter que suportava os campos elétrico e magnético,
cadas ao telégrafo sem fio e, depois, à transmissão de rádio. Na considerando que estes poderiam existir no vácuo absoluto. As on-
década de 1890, a teoria eletromagnética de Maxwell já era aceita das eletromagnéticas eram assim conservadas. Em vez de estar ar-
por quase todos. E, com ela, o éter eletromagnético, que incluía os mazenada no éter, a energia das ondas seria suportada pelo nada.
fenômenos ópticos, passou a ser considerado uma realidade. A maioria dos físicos atuais diria, sem piscar, que não há nada
Apesar dessas conquistas, a hipótese do éter enfrentava seus de errado nisso. Em vez de falar no éter, podemos falar apenas no
problemas. Se o éter realmente existia, deveria ser possível deter- espaço. Mas os que assim argumentam raramente se dão conta
minar a velocidade da Terra através do meio etéreo, assim como se de que existe uma grande diferença entre o espaço matemático e

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I~

o espaço do qual estão falando. O espaço


matemático só pode ter propriedades geo-
métricas, não tem propriedades físicas. O
nada, o vazio absoluto, não pode ter cons-
tante dielétrica, não pode ter permeabilida-
de magnética, não pode ter propriedades
que definam uma velocidade fundamental.
Ao contrário do que usualmente se afir-
ma, nem Einstein nem qualquer outro cien-
tista provou que o éter não existe. Nunca
se pode provar que não existe algo em uma
certa região. Pelo simples motivo que, ali,
poderiam existir entes físicos ainda desco-
nhecidos, que não sabemos detectar.
Mas, apesar da resistência de vários fí-
sicos, a abordagem de Einstein foi sendo
aceita pela comunidade científica. Dois
fatores principais contribuíram para o seu
sucesso. Primeiro, sua teoria era mais sim-
ples do que a de Lorentz e Poincaré. Se-
gundo, ela estava ancorada em uma abor-
.6-
dagem epistemológica em moda na época, 5
o empirismo, que defendia a eliminação de ~
tudo o que não pudesse ser observado.
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Experimento de Guericke. Pascal e Guericke realizaram muitas pesquisas produzindo e estudando os efeitos do
Este poderia ser o final da história. E é, vácuo. No entanto, Descartes afirmou que os "vácuos" assim criados não eram totalmente vazios e sim cheios de
de fato, neste ponto que se encerra o his- uma substância invisível, responsável pela transmissão da luz
tórico da maior parte dos livros didáticos.
O éter era uma tolice e foi rejeitado. A rejeição do éter ocorreu deixasse clara sua posição. E a oportunidade escolhida por Einstein
durante o desenvolvimento daquilo que chamamos de teoria da surgiu em 1920, quando, a convite de Ehrenfest, visitou a Holanda
relatividade especial, intimamente ligada ao eletromagnetismo. e apresentou uma conferência na Universidade de Leyden sobre
Alguns anos depois, porém, Einstein se dedicou à construção de o éter e a teoria da relatividade. O texto completo dessa palestra
outra teoria, a relatividade geral, que estuda a gravitação. Segun- foi publicado no mesmo ano em alemão, e, logo depois, traduzido
do a relatividade geral, quando existe um campo gravitacional, a para o francês e o inglês. Infelizmente, é um trabalho pouco lido.
métrica do espaço-tempo varia de um ponto a outro. Nessa conferência, Einstein faz um longo histórico das idéias a
Nessa teoria, a Terra não atrai a Lua: ela apenas produz uma respeito do éter e do surgimento da teoria da relatividade especial e
deformação no espaço-tempo à sua volta, e tal deformação chega comenta: "A posição que poderia ser assumida em seguida parecia
até a região onde está a Lua, fazendo com que esta desvie seu a seguinte: o éter não existe; os campos eletromagnéticos não são
movimento. A matéria e a energia atuam sobre o espaço-tempo, estados de um meio e não estão ligados a qualquer transportador,
e este, por sua vez, atua sobre a matéria e a energia. O próprio mas são realidades independentes que não podem ser reduzidas a
movimento da luz é alterado por ele. Quando medida por um nenhuma outra coisa, exatamente como os átomos da matéria".
observador distante, a velocidade da luz pode ter diferentes ve- Esta é exatamente a opinião que se costuma atribuir a Einstein. Po-
locidades em diversas regiões do campo gravitacional, como se rém, adiante, ele afirma: "Uma reflexão mais cuidadosa nos ensina,
o espaço tivesse um índice de refração variável. Isso produz um no entanto, que a teoria especial da relatividade não nos obriga a
retardamento mensurável e o encurvamento dos sinais luminosos negar o éter. Podemos assumir a existência de um éter; apenas deve-
que passam perto de corpos de grande massa. mos desistir de lhe atribuir um estado definido de movimento".
Em sua palestra, Einstein apresenta um argumento de peso a
A volta atrás de Einstein favor do éter: "negar o éter é, em última instância, assumir que o
À MEDIDA QUE IA DESENVOLVENDO ESSA TEORIA, Einstein co- espaço vazio não tem nenhuma qualidade física;os fatos fundamen-
meçou a mudar sua atitude em relação ao espaço. Embora isso tais da mecânica não se harmonizam com essa visão". Ele relembra
não transpareça nos artigos que publicou, ele comentou a questão que as propriedades mecânicas de um sistema físico dependem de
em algumas cartas. Em 1916, escreveu a Lorentz: "Eu concordo seu estado de rotação, e isso confere uma realidade objetiva ao es-
com você que a teoria da relatividade geral admite uma hipóte- paço. E afirma: "Newton poderia ter chamado seu espaço absoluto
se do éter, assim como a teoria da relatividade especial". Um de de 'éter'; o essencial é apenas que, além dos objetos observáveis, há
seus amigos, Paul Ehrenfest, chegou a ficar confuso, pois já não outra coisa, não perceptível, que deve ser considerada real, para
sabia se Einstein aceitava ou não o éter. Ehrenfest pediu-lhe que podermos considerar a aceleração ou a rotação como algo real".

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=
~
Vemos portanto que, em 1920, Einstein aceitava os argumen- lugares, surgem e desaparecem continuamente fótons dotados, em
tos de Newron a favor do espaço absoluto e os associava à hipótese princípio, de todos os valores de energia. Os de menor energia du-
do éter. Mais do que isso: a estrutura da relatividade geral também ram mais tempo, os de maior energia desaparecem muito depressa.
o levava a abandonar a idéia de que o espaço era fisicamente vazio. Há, no entanto, um detalhe importante. As partículas de grande
Em seguida, comparou o éter da relatividade geral com o éter de energia podem surgir em qualquer lugar; mas nem todas as regiões
Lorentz, esclarecendo que a diferença era que o éter da relatividade do espaço permitem o surgimento de fótons de pequena energia.
geral dependia das influências da matéria e do éter em pontos pró-
ximos, ao passo que o éter de Lorentz era igual em todos os pontos. o efeito Casimir
"Assim", afirmou, "penso que podemos dizer que o éter da relati- DAi DECORRE UMA CONSEQÜÊNCIA física importante, que foi de-
vidade geral é o produto da relativização do éter de Lorentz." senvolvida pela primeira vez pelo físico holandês Hendrik Casirnir
O último parágrafo da conferência de Einstein apresenta de (1909-2000), em 1948. Quando duas placas metálicas sem carga
forma muito clara sua posição: "Recapitulando, podemos dizer elétrica são colocadas muito próximas, ocorre uma redução da den-
que, de acordo com a teoria geral da relatividade, o espaço é do- sidade de fótons virtuais entre elas, e os fótons externos, em maior
tado de qualidades físicas; neste sentido, portanto, existe um éter, quantidade, as empurram, uma em direção à outra. Tudo se passa
De acordo com a teoria da relatividade geral, espaço sem éter é como se as placas estivessem se atraindo, com uma força que não é
impensável; pois, em tal espaço, não haveria propagação de luz, gravitacional nem elétrica. Trata-se de um efeito quântico, produ-
nem possibilidade de padrões de espaço e tempo (réguas e relógios), zido pelos fótons virtuais do vácuo. Casirnir previu que essa força
nem intervalos de espaço-tempo no sentido físico. Mas esse éter deveria ser proporcional à área das placas e inversamente propor-
não pode ser pensado como dotado da qualidade dos meios pon- cional à quarta potência da distância. Ou seja: se a distância fosse
deráveis, que consistem em partes que podem ser seguidas ao longo reduzida à metade, a força aumentaria 16 vezes. Portanto, a força
do tempo. A idéia de movimento não pode ser aplicada a ele". de Casirnir aumenta muito rapidamente para pequenas distâncias
É curioso. Em parte, Einstein retomou ao éter por causa da teo- e diminui para distâncias maiores, tomando-se insignificante para
ria da relatividade geral. Porém, alguns dos argumentos que apre- distâncias de um milímetro. Para distâncias de um milésimo de mi-
sentou eram mais antigos, como o associado à rotação dos corpos. límetro, no entanto, embora pequena, ela já pode ser medida.
Maxwell e muitos outros físicos do século XIX assinariam embai- Estamos acostumados a pensar que a mecânica quântica se
xo da frase "sem éter, não poderia haver propagação de luz". aplica apenas a fenômenos de escala atômica ou subatômica.
Não foi apenas pela teoria da relatividade geral que o éter retor- Mas um átomo tem dimensões da ordem do Ângstrõm, e um
nou à física. A teoria quântica introdu- milésimo de milímetro é 10 mil ve-
ziu um conceito denominado "vácuo zes maior do que isso. Como a força
quântico", que pode ser tudo, menos de Casimir é relevante em distâncias
vazio. O princípio proposto por Wemer dessa ordem, devemos concluir que
Heisenberg (1901-1976), em 1927, es- tal efeito quântico não está limitado
tabelece que existe uma indeterminação às dimensões atômicas. Recentemen-
mínima de certas grandezas físicas rela- te, observou-se que essas forças pre-
cionadas entre si. Não podem existir, cisam ser levadas em consideração
simultaneamente, valores exatos para quando se trabalha com nanotecno-
a posição e o momentum (massa vezes logia, pois, para distâncias de 10 na-
velocidade) de uma partícula; nem para nômetros, elas produzem uma força
o tempo e a energia. Por causa disso, de equivalente à pressão atmosférica.
acordo com a teoria quântica, em qual- O efeito Casimir foi confirmado por
quer região do espaço aparentemente meio de vários experimentos.
vazia, estão continuamente surgindo Outros efeitos do vácuo quântico
e desaparecendo "partículas virtuais", também foram medidos. É o caso do
que podem ser elétrons, fótons, mé- desvio de Lamb, uma variação dos
sons ou mesmo elefantes. Esses entes níveis atômicos devida à interação
surgem sem nenhuma causa aparente, dos elétrons com o vácuo quântico;
existem durante um intervalo de tem- da polarização do vácuo; da força de
po muito curto (limitado pelo princípio Casimir-Polder; do fator girornagné-
de Heisenberg), e depois desaparecem. tico anômalo do elétron; da emissão
Esse "vácuo quântico" é extremamen- espontânea de luz por átomos etc.
te dinâmico e repleto de "coisas", cujo
único "defeito" é não durarem muito. Ao propor sua teoria da relatividade especial,
Tal idéia foi desenvolvida de forma Einstein {esquerda} negou a existência do
quantitativa, para o caso dos fótons, na
'5. éter. Depois, admitiu que a teoria do éter,
~ defendida por Lorentz {direita}, era compatível
eletrodinâmica quântica. Em todos os ~ com a relatividade

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A densidade de energia dos fótons no vácuo quântico é imensa posta da quintessência é uma tentativa de explicar esse fenômeno.
- talvez infinita - e há pesquisadores, como Harold E. Puthoff, in- De forma intuitiva, podemos entender que a aceleração da ex-
vestigando a possibilidade de utilizar essa energia para fins práticos. pansão do Universo só pode acontecer se existir alguma força repul-
A Nasa tem patrocinado estudos a respeito do uso do vácuo quân- siva que suplante a atração gravitacional. Na teoria da relatividade
tico para a propulsão de veículos espaciais de longa distância. geral, que é uma das bases da cosmologia, há duas únicas formas
Assim, de acordo com a teoria quântica, o espaço não está de introduzit essa repulsão: através do ajuste daquilo que se chama
vazio, mas cheio de partículas virtuais capazes de produzit efeitos "constante cosmológica"; ou por meio de matéria que tenha uma
observáveis. Poderíamos, então, medit a velocidade da Terra em "pressão negativa" - o contrário do que observamos em qualquer
relação ao vácuo quântico? Poderia esse novo éter derrubar a rela- gás conhecido. A teoria da quintessência explora a segunda dessas
tividade? Como Einstein enfatizou, há uma diferença entre o éter alternativas, introduzindo no Universo uma nova matéria, que não
compatível com a teoria da relatividade e o éter clássico: deve ser tem qualquer semelhança com aquilo que a teoria de partículas ele-
impossível associar ao éter relativístico um estado de repouso ou mentares já desvendou. Para poder funcionar de forma adequada, é
movimento. Ou seja: quando dois observadores se movem, um em necessário supor que essa matéria seja uma espécie de éter, que man-
relação a outro, ambos devem observar tudo exatamente igual. É tém densidade constante durante a expansão do Universo, em vez
muito difícil imaginar alguma coisa real que obedeça a essa regra. de ficar cada vez mais diluído à medida que ocupa maior espaço.
No entanto, em 1951, Paul Adrien Ditac (1902-1984) provou ser
possível construit um éter obedecendo a essa propriedade. Se tiver- Matéria escura
mos no espaço radiação se movendo para todos os lados, isotropi- ALÉM DE PODER EXPLICARA ACELERAÇÃOda expansão do Uni-
camente, e se a densidade de fótons de cada tipo for proporcional verso, a quintessência poderia também solucionar outro problema
à terceita potência da freqüência, então esse gás de fótons terá a cosmológico: o da "matéria escura". Há cerca de 20 anos já se sabe
mesma aparência para todos os observadores. Esse éter quântico é que o Universo deve conter cerca de dez vezes mais massa do que
compatível com a teoria da relatividade especial e não permite que tudo o que constitui as galáxias e estrelas que conhecemos. Houve
se meça a velocidade da Terra em relação a ele. várias propostas para resolver essa dificuldade, e a teoria da quin-
Os proponentes do vácuo quântico, exceto Ditac, jamais uti- tessência é uma delas. Sua vantagem sobre outras tentativas é que
lizaram a palavra "éter" em seus trabalhos científicos. Pareciam ela mata dois coelhos com uma só cajadada.
envergonhados de empregar um termo tido como obsoleto, talvez Os exemplos apresentados acima mostram que, na física atual,
por não saberem que Einstein, desde 1920, reabilitara o éter. o espaço "vazio" está cheio de entes físicos. O modelo de éter do
O modelo cosmológico padrão assume que o Universo está se século XIX foi abandonado, mas o avanço científico exigiu a intro-
expandindo, e que esse processo se iniciou há mais de 15 bilhões dução de novos conceitos, semelhantes ao antigo. Pode-se dizer que
de anos, a partir de um o éter está bem vivo e forte, embora o nome "éter" ainda seja um
estado de imensa tempera- tabu e muitos cientistas, contrariando aquilo que os filósofos já nos
tura e densidade. A força ensinaram há dois mil anos, prefitam dizer que estão falando sobre
gravitacional, que atrai os as propriedades do espaço vazio. O éter passou por várias mortes e
corpos entre si, se opõe a ressurreições. Em algumas épocas, os pesquisadores tinham certeza
esse processo expansivo. de que ele existia, em outros momentos tinham certeza de que não
Por isso, imaginou-se que existia. Houve, sim, uma sucessão de erros. Se Einstein esteve certo
a velocidade de expansão em 1905, deve ter estado errado em 1920. E vice-versa.
do Universo diminuiria Podemos dizer que, atualmente, há pelo menos dois tipos de
gradualmente, poden- éter bastante confiáveis, o da relatividade geral e o vácuo quân-
do até mesmo cessar e se tico. Essas teorias, como outras, são provisórias. Sabemos, em
transformar em contração particular, que não se encontrou ainda uma unificação total entre
em um futuro remoto. Em a relatividade e a mecânica quântica, e isso sugere que nenhuma
1998, no entanto, novas delas pode ser definitiva. Não sabemos como será a física no ano
medidas da velocidade 2100 ou nos séculos seguintes. Pode ser que estes ou algum outro
de expansão, utilizando éter perdurem por muito tempo. Mas ignoramos se eles não serão
como marcadores estre- futuramente rejeitados por cientistas que, novamente, terão certe-
las supernovas distantes, za de que o éter não existe. ~
levaram a um resultado
inesperado: a expansão Para C011lecer mais
está se acelerando! A pro- Sidelights on relativity. Albert Einstein. Sidelights on relativity. Dover, 1983.

Wolfgang Pauli e Paul Dirac. Este Einstein and the ether. Ludwik Kostro. Apeiron, 2000.
o mostrou que é possível conceber Em busca do nada: considerações sobre os argumentos a favor e contra ovácuo.
'ium éter quântico compatível com Roberto de Andrade Martins. Trans/Fonn/Ação 16: págs. 7·27, 1993.
~ a teoria da relatividade especial.
~ Tal éter não pennite que se meça a OSTRIKER, Jeremiah Se STEINHARDT, Paul J. O universo quintessencial. Scientific
~ velocidade da Terra em relação a ele American Brasil 1 (7): 40-49, Dezembro 2002.

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