Você está na página 1de 499

A CONCEPÇÃO DE UM

HIGHLANDER
Meia Noite na Escócia 1

Elisa Braden
SINOPSE

Nenhuma dama pode tentá-lo mais do que a costa


seguinte.
Todo mundo quer que o aventureiro John Huxley se
estabeleça ― família, amigos, a sociedade londrina. Todos,
exceto John. Ele evitou demasiadas intrigas de caçadoras de
títulos para confiar em “felizes para sempre”. Agora, um voto
feito a um amigo moribundo o mantém preso em uma disputa
de terras com um teimoso escocês que oferece apenas uma
saída: Vencer os Jogos das Terras Altas. John gosta de
desafios, mas este é impossível. Ainda assim, com o
treinamento da enteada do escocês, a vitória pode estar ao
seu alcance. Ele só tem que ensinar a moça impetuosa, de
boca suja e calção como conseguir um lorde. Parece que
“impossível” está apenas começando.
Ela não é uma dama ― ela é a Mad Annie Tulloch
Todo mundo a chama de Mad Annie. Verdade, seu
melhor amigo é um fantasma. E sim, seus maiores talentos
envolvem cozinhar para gigantes e insultar ingleses
ridiculamente bonitos. Mas ela não está brava ― ela está
desesperada. Para salvar sua amiga, Annie deve se casar com
um lorde. O problema é que nenhum cavalheiro olhará duas
vezes para uma garota como ela. Isso exige “Lady Lessons”, e
ela conhece o inglês certo para fornecê-las.
Quando uma simples barganha se tornou uma batalha
de desejo?
Em meio a castelos amaldiçoados, arremessos de cabos e
acompanhantes questionáveis, a atração ardente de John e
Annie ameaça transformar seus planos em chamas. E quando
a família de Annie é atingida por um inimigo perigoso, John é
tentado a ficar, lutar e ganhar o maior prêmio de todos: o
coração terno e leal de uma jovem ardente.
Capítulo 1

30 de Setembro de 1825
Glenscannadoo, Escócia

― Você usou entre seus seios como eu a instruí? ― Os


olhos cerrados da Sra. MacBean tinham uma acusação de
imbecilidade, uma que Annie Tulloch não apreciava.
Annie jogou a bolsa imunda na mesa da idosa.
― Poderia enfiar entre o meu traseiro, sua velha idiota, e
o resultado seria o mesmo. Não funciona. ― Ela plantou as
mãos em seus quadris e indicou o menino silencioso e pálido
ao seu lado. ― Ele não melhorou.
A Sra. MacBean balançou sua cabeça ruiva e franziu os
lábios.
― A sálvia pode não ter sido forte o bastante. É melhor
colher durante a lua nova.
― Isso cheira a guisado cozido no penico.
― Aye. Os cogumelos são um pouco pungentes. Talvez
tenha usado demais.
― Talvez tenha ingerido demais.
― Oh, não faço isso há anos, lass. A primeira vez que
você acorda pelada com um bode é uma vergonha do diabo. A
segunda? A vergonha é só sua.
― ‘Cê não tem a mínima noção do que está fazendo. Teria
mais sorte implorando um remédio para Ronnie Cleghorn.
― O rapaz néscio que rói corda quando o pai não está
olhando?
Annie ergueu uma sobrancelha.
Normalmente o olho esquerdo leitoso da Sra. MacBean
tendia a vagar. Agora, estava se contorcendo de irritação.
― Escute bem, lass. Eu vivi três de sua vida nas névoas
desta terra. ― Ela impeliu um braço ao redor de sua
choupana suja, cheia de livros velhos e sementes secas
espalhadas. Tirando uma teia de aranha da manga,
prosseguiu. ― O conhecimento antigo corre em meu sangue. A
mãe da mãe….
― Da sua mãe era vidente. ― Annie terminou virando os
olhos. ― Aye. Assim tem alegado. De novo e de novo…
Uma fungada.
― É a verdade.
― … E de novo até eu preferir comer qualquer uma de
suas substâncias nojentas que enfia naquela bolsa do que
ouvi esta história novamente. ― Annie a fitou zangadamente.
― Talvez após quatro gerações, o seu sangue seja mais fraco
do que o uísque do estalajadeiro. ― Ela olhou para Finlay que
se escondera atrás de seu quadril. Seus olhos azuis estavam
nublados. Sua mão pequenina apertava a barriga. A sua
própria barriga se retorcia quando o medo a apertava com
força. ― Mas está claro que ‘cê não pode ajudá-lo. Nem a mim.
Apenas admita isso.
O olhar da anciã suavizou em simpatia enquanto o olho
bom percorreu a expressão de Annie.
― Você não deve se preocupar, lass. Descobriremos a
causa da aflição do rapaz.
― Ele precisa de uma cura. Estou desperdiçando o meu
maldito tempo com você.
― E quem supõe que faria melhor, hein? ― Ela burlou e
assoou o nariz na manga de lã. ― Vá, então. Implore ao
cirurgião do laird. ― O sarcasmo da idosa queimou o já
mencionado traseiro de Annie. ― Veja quanto ele pode lhe
dizer sobre isso. Claro, ele terá que descobrir sobre a
existência do menino antes. Problema. Talvez o padre...
― Oh, pelo amor de Deus.
A fisionomia da anciã ficou obscura.
― Muito pouco o que aquele padre faz pelo amor a Deus,
lass.
Annie se virou e caminhou até a porta da frente da
choupana, o peito apertado. Havia algo errado com Finlay. Ele
ficou cada vez mais silencioso durante o último ano,
desatento, ausente e frágil. Annie tentara obter respostas
dele, mas ele não conseguia explicar o que estava errado. A
única que poderia saber como curá-lo era uma mulher cuja
sanidade era mais duvidosa do que a de Annie.
A anciã era uma pária. Foi forçada a sair da casa dela
pelo antigo laird para abrir vagas para os arrendatários mais
lucrativos, isto é, as ovelhas. Muitos anos atrás, em um fugaz
sentimento de generosidade o laird de Glenscannadoo, Gilbert
MacDonnell, dera boas-vindas aos rejeitados como a Sra.
MacBean.
O idiota presunçoso mal podia pagar por seu próprio
sustento e há anos vendera a maior parte das terras para
saldar suas dívidas. Mas o Laird de Glenscannadoo se
imaginava como o modelo da cortesia das Terras Altas, assim
convidara a Sra. MacBean a viver nos limites da vila em uma
choupana que ninguém queria, uma mulher rejeitada, em
uma casa rejeitada, oferecendo seus serviços de
curandeirismo e de parteira para os aldeões que a chamavam
de bruxa.
Aquela mulher era a última esperança de Finlay; a única.
O padrasto e dois dos meios-irmãos de Annie haviam
ajudado a consertar o telhado da Sra. MacBean, reconstruído
a lareira e fixado a porta. Em troca, a Sra. MacBean
corriqueiramente fazia pomadas para as dores nas juntas do
padrasto de Annie e bugigangas feias esculpidas que ela
jurava que trariam aos meios-irmãos de Annie “mulheres para
agradar a alma deles”.
A Sra. MacBean tinha uma dívida com a família de Annie
e os homens MacPhersons toleravam os gestos dela. Annie
não era uma MacPherson. A mulher não devia nada a ela. E
ainda assim era bondosa. Ela vira Finlay, tomara
conhecimento de Finlay, quando ninguém mais o fez.
Sentindo os cabelos frios e escuros do menino entre os
seus dedos, Annie suspirou e inclinou-se contra a porta
aberta, tentando sufocar o medo que a agarrou em um aperto
frio e implacável.
Ao meio dia o céu estava acinzentado. A garoa
recomeçara. Ela havia parado?
Ela apertou seu plaid em torno de si, cruzando os braços
em cima do peito e observando a lama aumentando ao longo
da via.
― Tem pão o suficiente até quarta, Sra. MacBean? ― Ela
perguntou por cima do ombro, observando a cesta de pães
que ela trouxe.
― Oh, aye. ― Veio uma resposta vaga. ― Eu lhe agradeço,
querida. ― A cadeira perto da lareira rangeu seu familiar
gemido enquanto a anciã sentava-se. ― O livro marrom com
uma noz na lombada deve dizer alguma coisa sobre aflições
espirituais. Agora, onde eu o enterrei?
Annie se virou para Finlay e trocaram olhares. Ele se
virou em direção à murmurante Sra. MacBean e sufocou uma
risada.
― Bem, voltaremos em alguns dias então. ― Annie
acrescentou tirando o chapéu do gancho.
A anciã coçou a cabeça. Depois a perna. Então o
cotovelo. Levantou-se e vasculhou embaixo de sua cadeira de
madeira que rangia.
Annie ergueu uma sobrancelha para Finlay que lhe
lançou um sorriso torto. Ela ficou feliz em vê-lo. Ele estava
tão mal ultimamente que começou a se desesperar para ver
aquele Fin Sorridente novamente.
Talvez esse fosse um dos dias bons dele.
Deixou a choupana e ele permaneceu ao seu lado.
Abaixou seu chapéu, amaldiçoando a chuva pesada e a aba
frouxa de seu chapéu. Ela herdara a coisa inútil de seu meio-
irmão Broderick, que o herdara do seu irmão mais velho,
Campbell.
Malditos MacPhersons que tinham as cabeças do
tamanho de tanques de lavar.
Bufando enquanto arrumava o chapéu nas costas da sua
cabeça, ela adicionou quatro robustos meios-irmãos à sua
ofensa silenciosa e caminhou pela lama que se aprofundava.
Descendo pela via que corria do sopé das colinas ao
longo do lago em direção à vila, duas mulheres MacDonnell
estavam paradas do lado de fora de uma cabana minúscula. A
mais jovem Sra. MacDonnell posicionou um bebê em seu
quadril largo e resmungou para a sogra:
― O primo Dougal disse que o trabalho nos campos de
alga acabou. Espero que logo ele volte a pensar sobre o
Canadá. Aquela mulher dele atrapalha, sem dúvida. Vadia de
Glasgow. ― O bebê se remexeu até a mão beliscar a perna
dele. Ele choramingou, mas parou de se retorcer.
Grisel MacDonnell era da idade de Annie, vinte e quatro
anos, e já tinha quatro pequeninos. Annie sentia pena
daquelas crianças. Grisel tinha um temperamento maldoso.
Duas das cicatrizes de Annie vieram dos dentes dela. Elas
eram duas garotinhas, não muito maiores que Finlay, quando
as feridas ocorreram, mas ainda existiam. Maldosa.
A Sra. MacDonnell mais velha olhou para cima em
direção à chuva.
― Alerte-o como eu fiz. Não sobrará nada na costa além
das gaivotas. O Canadá parece oferecer melhores
perspectivas.
Os lábios cheios de Grisel franziram.
― O tolo do meu marido diz o mesmo. Talvez devêssemos
todos embarcar em um navio. ― O olhar dela fixou-se sobre
Annie. ― Pelo sangue de Cristo. ― Ela falou entre os dentes,
levando o bebê para o outro quadril e recuando em direção ao
portão do jardim. ― A Louca Annie. Ela foi vista com a bruxa
MacBean novamente.
A sogra dela girou para lançar um olhar rápido e
cauteloso na direção de Annie.
― Melhor entrar. ― A mulher mais velha murmurou,
gesticulando nervosamente. ― Saia da chuva.
Um impulso diabólico tomou conta de Annie. Ela olhou
para Finlay.
Ah, lá estava aquele Fin Sorridente novamente.
Ela piscou e sussurrou.
― Observe. ― Dando meia volta, ela começou a andar
para trás quando passou pelas duas mulheres. Ela esticou os
braços, deixando as dobras de seu plaid caírem como asas. ―
Oh, esta é a chuva que entrega a maldição, Sra. MacDonnell.
― M-Maldição?
― Aye. Não está sentindo? ― Enquanto as duas mulheres
a fitavam com olhos arregalados, ela ergueu os braços acima
da cabeça enquanto invocava os poderes do céu. Sua voz
tamborilou. ― Quem quer que faça um filho chorar e gemer
sofrerá os mesmos sofrimentos, doze vezes pior. Cuidado.
Cuidado. Cuidado!
A pele rosada de Grisel ficou mais branca a cada
“cuidado”. Ela franziu o cenho para o bebê manchado de
lágrimas em seu quadril e depois encarou Annie com
descrença.
Annie não a culpava. Se fosse o tipo de mãe que Grisel
era, também não acreditaria em maldições de retorno.
Movendo os dedos para acrescentar efeito, Annie não
teve que pedir a Finlay que se unisse à diversão. Ele cruzou a
via e fez cócegas nas costas de Grisel. A mulher estremeceu e
empalideceu ainda mais. Finlay voltou para o lado de Annie,
cobrindo o riso.
A Sra. MacDonnell mais velha conduziu a sua nora
abalada pelo portão enquanto Grisel gaguejava:
― Não parece que esfriou de repente?
Enquanto as mulheres corriam para dentro da cabana,
Annie riu e bagunçou o cabelo de Finlay.
― Ah, este truque nunca perde o encanto, Fin. Muito
bem.
Eles seguiram até a praça da vila, uma descrição
bastante grandiosa para qualquer coisa em Glenscannadoo.
Na verdade, era uma faixa irregular de paralelepípedos
cercada pela única pousada, três tavernas e cinco lojas. No
centro erguia-se uma estátua do laird MacDonnell. Annie
acreditava que queria representar o pai de Gilbert
MacDonnell, mas a reprodução era muito mais bonita, e
certamente tinha melhor senso, do que o homem de quem ela
se lembrava. Ele estava orgulhosamente em pé usando um
kilt, chapéu, sporran e sapatos, olhando por cima dos
telhados irregulares em direção ao Lago Carrich. Uma mão
pousada sobre sua espada como se preparasse para uma
batalha ao lado do Príncipe Bonnie Charlie pela honra do
nome de sua família.
E ele foi um tolo, ela pensou, fungando, enquanto
passada por sua sombra.
Finlay se agarrou a ela ao entrarem no armarinho, mas
no instante em que o rapaz pôs os olhos em cima da
prateleira de tecidos xadrezes, ele se dirigiu aos rolos
coloridos de lã nos fundos da loja.
― Não vá muito longe. ― Ela murmurou.
Ele acenou distraidamente e seguiu em frente.
Atrás do balcão, o corpulento Sr. Cleghorn vasculhou
sua loja vazia e lhe lançou um olhar suspeito.
Ela o ignorou para examinar a confusão de novelos de
linhas. Pegando um belo marfim e um azul vivaz, ela se
abaixou para avaliar os verdes na prateleira de baixo.
― Você está molhando o meu chão, Anne Tulloch. ― O
Sr. Cleghorn grunhiu.
Annie olhou para baixo, onde o seu plaid terminava e
suas calças estavam enfiadas dentro de suas botas. Uma
cascada caiu da aba de seu chapéu.
― Estou? ― Ela falou fingindo surpresa. Ela deslizou um
dedo por uma das prateleiras e o ergueu, assim ele podia ver
a sujeira. ― Parece que alguém poderia apresentar a este
lugar um pouco de água de vez em quando.
― Você pretende comprar essa linha ou roubá-la?
Empurrando o chapéu para trás, ela respondeu:
― Bem, não havia considerado que você seria indulgente
ao roubo, Sr. Cleghorn. A generosidade de sua parte nos dar
uma opção. ― Ela fingiu pesar os rolos entre as mãos. ―
Pagar ou roubar? Pagar ou roubar? Um dilema puro.
― Pequena megera. Não roubará de mim.
Sorrindo, ela falou:
― Ouviu isso, Fin? ― Seu menino se virou. ― A Louca
Annie não é apenas louca, mas uma ladra negociando. ― Ela
olhou para as poças de água ao redor de suas botas. ― Uma
verdadeira tempestade veio inundar os armarinhos de
Glenscannadoo.
Cleghorn recuou, sua expressão margeada pelo medo.
― Com quem está falando, lass?
Enojada, ela pegou o novelo verde da prateleira mais
baixa e caminhou até o balcão.
― Ponha estes na conta de Angus MacPherson. ― Ela
alfinetou.
― Seu padrasto não aprova...
― Angus gosta de suas camisas remendadas. É toda a
aprovação que necessito.
Cleghorn franziu suas sobrancelhas bagunçadas e as
uniu, mas não discutiu. Momentos depois, a campainha
acima da porta soou. A próxima coisa que Annie sentiu foi a
colisão em suas pernas.
― Ooh! ― Ela se mexeu para ver braços sardentos
abraçando sua cintura e um arbusto marrom-avermelhado
contra seus quadris. Os cabelos do rapaz não eram tão
flamejantes quanto o dela, mas de uma cor de folhas de
outono. No entanto, o sorriso dele a aquecia melhor do que
qualquer lareira. Sorriu e secou a água da chuva das
bochechas dele. ― Ah, que prazer em vê-lo, Ronnie. Esta
manhã mesmo estava dizendo como um de seus sorrisos
poderia animar este dia maldito. ― Pelo canto dos olhos ela
viu Fin se aproximar. ― Não é mesmo, Fin? ― Ele assentiu e
Ronnie riu.
― Ronnie, vá. ― O Sr. Cleghorn resmungou para seu filho
enquanto rabiscava o pedido dela nas contas da loja. ― A
Srta. Tulloch deve seguir o caminho dela.
― Devo, agora?
Cleghorn levantou o rosto com olhos duros.
― Aye. Deve.
Os braços de Ronnie se afastaram com sua usual
relutância. Ela olhou para o pai dele por um momento antes
de beijar a cabeça avermelhada do menino. O sorriso dele se
desvaneceu em uma leve confusão. Finlay distraiu o menino
ao apontar em direção aos tecidos. Eles correram juntos
enquanto Annie se aproximava do dono da loja.
― Os jovens dessa vila espancam o seu filho por
brincadeira, Sr. Cleghorn. É de se admirar que ele não esteja
ralado do cotovelo ao joelho. Deveria considerar tais coisas
quando escolher os amigos para ele.
― Ele já tem problemas suficientes. ― Veio a resposta
acusatória. ― Ele não precisa dos seus.
Humilhante, mas verdade. O menino era néscio, um
puro deleite, com certeza, mas diferente, assim sendo,
desprezado. Ser amigo da Louca Annie Tulloch não ajudava.
―Vá embora, lass. ― Cleghorn incentivou. ― Seu
padrasto estará atrás de você.
― Atrás do jantar dele, talvez. ― Murmurou entre os
dentes. Ela criou um bolso em seu plaid ao prender um canto
solto da lã azul e verde no cinto. Guardou a linha dentro
enquanto Cleghorn desaparecia na área de armazenamento
atrás de uma cortina.
O sino soou novamente no mesmo instante que Finlay
fazia o truque favorito de Ronnie: fazer um pedaço de corda
aparecer na mão do menino. Como usual, Ronnie caiu na
gargalhada.
Um homem entrou, parando para vasculhar a loja. Com
barba. Alto. Vestido como um inglês.
Porque ele era um inglês: o único em Glenscannadoo.
Longas passadas o levaram além da primeira fileira de
prateleiras. Ele tirou o chapéu, um chapéu inglês, um dia
elegante e preto, agora cinza e esfarrapado, e passou a mão
pelos cabelos castanhos com mechas criadas pelo sol. A
névoa decorava os seus ombros, que eram, ao mesmo tempo,
magros e poderosos sob o casaco preto. Ele pegou um corte
de tecido, uma lata de botões e uma tesoura.
Os movimentos dele eram eficientes. Decididos. O inglês
frequentemente se movia com propósito, ela percebeu, como
se não se importasse em despender esforços até que achasse
o que desejava. Então, perseguia sua presa como se nada
mais existisse.
Um sorriso de diversão puxou os lábios dela enquanto
ele colocava as suas aquisições sobre o balcão.
― Seria melhor comprar tecidos com óleo, Inglês. ― ela o
aconselhou. ― Esse seu telhado não consegue protegê-lo nem
da merda rebelde de um pássaro, imagine da chuva. ― Ela
testou o tecido elegante com o dedo e olhou para ele de cima a
baixo. ― Anáguas embelezarão sua bonita figura, sem dúvida.
Mas elas são malditamente inúteis no inverno das Terras
Altas.
A boca dele se retorceu, não precisamente um sorriso.
Mas, então, eles não eram precisamente amigos.
Olhos avelãs brilharam sobre ela.
― Srta. Tulloch.
― Sr. Huxley.
― Como está o seu pai? Talvez mais amável?
Ela riu.
― Padrasto. E ‘cê sabe bem que Angus não é amável,
mesmo quando o céu está brilhando mais do que chovendo.
― Uma pena. ― A atenção dele vagou em direção a
Cleghorn que atravessava a cortina e ia tirar o pedaço de
corda da boca de Ronnie. ― Ele deveria ter aceitado a minha
última oferta.
As linhas ao redor dos olhos de John Huxley sugeriam
que ele já fora do tipo de gargalhar ou, pelo menos, o de rir,
mas raramente o fazia. Para qualquer inglês, estar preso nas
profundezas das Terras Altas escocesas, podia tirar isso, ela
supunha. Ele também passou o último ano em uma batalha
sobre direitos de propriedade com o escocês mais teimoso que
já usou um tartã. Isso podia deixar qualquer um de mau
humor. Ainda assim, esse era o mesmo olhar monótono e
cínico que Huxley usava desde que chegara ao vale no verão
retrasado.
Ele viera reclamar uma terra deixada para ele por um
amigo. A propriedade, que fazia fronteira com a terra
MacPherson, compartilhava os direitos comerciais do lago no
vale vizinho. Bosques densos, cervos em abundância, riachos
límpidos e acesso ao lago para nadar e pescar que tornavam a
terra do Huxley uma propriedade ideal para caça. Annie
imaginou que o inglês poderia conseguir uma fortuna de
algum lorde inglês se Angus concordasse em resolver as
questões. Mas ele não queria.
Como as coisas estavam, Huxley não poderia vender
legalmente até que a disputa sobre o compartilhamento das
terras estivesse acertado e Angus só aceitaria os termos se
Huxley concordasse em vender a propriedade para ele. Huxley
prometera ao seu amigo morto que não venderia a terra a
Angus MacPherson.
Um ano depois, o impasse ainda não terminara.
Ocasionalmente John Huxley visitava Angus, passava
seu chapéu a Annie com a mesma expressão calma e
cansada. Os dois homens discutiam um bocado antes de
Angus lhe dizer onde ele poderia enfiar sua oferta. Então
Huxley ia embora. Toda vez que o via, a barba dele estava um
pouco mais espessa e seu chapéu um pouco mais cinza.
No entanto, sua expressão nunca mudava. Às vezes ela
se perguntava o que o deixava tão exausto ― além do tempo
inóspito da Escócia.
Ela inclinou a cabeça e apoiou o quadril contra o balcão.
― ‘Cê é tão teimoso quanto ele. Por que não vender a
Angus, hein? Poderia voltar a Londres ou ao local de onde
veio. Ter um teto apropriado. Ter um chapéu apropriado. ―
Ela avaliou o rosto dele notando que a barba precisava ser
aparada. Já tendo visto o rosto do homem sem ela, perguntou
se ele a deixaria crescer com intenção de disfarçar seus traços
absurdamente bonitos. Os olhos deles permaneciam visíveis,
é claro, assim foi um esforço em vão.
Aqueles olhos avelãs voltaram a examiná-la.
― Eu não venderei a Angus MacPherson. ― Embora ele
tenha dito isso sem calor, ela sentiu o peso das montanhas
em suas palavras.
― Por quê?
― Eu jurei que não o faria.
Ela bufou.
― Você prometeu a um tolo velho e ciumento que queria
se vingar do homem que ‘roubou’ a noiva dele. Muita besteira
masculina, se quer saber.
― Acredito que não quero saber.
Suspirando, ela admitiu o ponto dele.
― Justo o bastante, Inglês. ― Ela bateu no corte de
tecido. ― Não esqueça a linha. ― Ela puxou um rolo marfim
do bolso criado e depois fingiu surpresa. ― Oh, não. Parece
que eu peguei o último. ― Estalou a língua. ― A mais pura
vergonha. Suas anáguas não ficarão tão boas afinal.
Os lábios dele se contraíram levemente sob a barba.
― Ficaria surpresa, Srta. Tulloch. Tenho jeito com as
anáguas. ― Ele olhou para as calças dela. ― Vejo que você
está desenvolvendo talentos similares.
Outras damas poderiam ficar insultadas, mas Annie
apenas alisou as dobras desordenadas de seu plaid e riu. Se
ela estivesse usando saias e o plaid de lã do tamanho certo,
seria um perfeito arasaid, como as outras mulheres vestiam.
Mas ela não tinha paciência para bainhas enlameadas e
dobras. Muita coisa para ser feita.
― Ah, diverte-me, Inglês. Devo ser justa, ‘cê me diverte.
Ele bufou ― quase uma risada ― e colocou o chapéu.
― Dê minhas lembranças ao MacPherson.
Cleghorn veio pegar as moedas de Huxley e Annie
aproveitou para partir, acenando para Fin pegar sua mão. Do
lado de fora, sob o beiral da loja, ela parou. Huxley saiu atrás
dela e cruzou a praça em direção à sua charrete. Os olhos
dela o seguiram e depois fixaram-se nos dois homens parados
perto da estátua do MacDonnell. Um usando um tartã
brilhante e o outro em refinadas roupas de montaria.
― Lorde. ― Veio um sussurro do seu lado.
O coração dela acelerou.
Finlay não falava há semanas. Era um sinal de que ele
estava melhorando?
Ela abaixou o olhar, apenas para descobrir que o esforço
de uma única palavra custara metade da cor dele. A
preocupação afundou suas garras ao redor de sua garganta.
― Aye, Fin. ― Ela conseguiu ultrapassar a dor. ― Este é o
Laird de Glenscannadoo, para todos os efeitos. Pode um
homem ser um laird quando ele não possui mais do que cinco
ou seis acres?
Finlay apontou o janota que gesticulava para a estátua
de seu pai.
Gilbert MacDonnell tinha bochechas mais redondas do
que normalmente se via em um homem perto dos vinte anos.
As sobrancelhas finas desapareciam em sua pele. O nariz era
pequeno, uma combinação perfeita à sua estatura. E sua fala
sugeria um balbucio. Ela diria que ele estava vestido com o
uniforme de um chefe de clã, se os chefes de clã se exibissem
como pequenos pavões xadrezes. A maioria tinha bom senso.
― Não laird.
Três palavras em um dia!
― Não um de verdade, com certeza. ― Ela murmurou,
tentando não atrair atenção indevida. ― Ele está vestido como
aquela estátua ridícula. ― O chapéu, o kilt e o sporran. Até
mesmo os sapatos e as meias. A única diferença era o padrão.
O vermelho não era traduzido em pedra.
Em contraste, o companheiro do janota de cabelo
dourado vestia um confortável casaco e calças bem ajustadas
de montaria. Ela admirou o traseiro do cavalheiro por um
momento antes de se perguntar quem deveria ser.
Calças elegantes, de fato.
A mão de Fin apertou a dela. Ela olhou para ele para vê-
lo murmurar:
― Devo ir.
― Em um minutinho, garoto. ― Empurrando o chapéu
mais alto sobre sua cabeça, ela entrecerrou os olhos em
direção à praça molhada de chuva para ver melhor. O homem
era razoavelmente alto ― pelo menos uns dez centímetros
mais alto que o laird. O laird era ainda menor do que Annie,
então não era uma grande medida. O inglês passaria o
estranho bem-vestido em vários centímetros. Ainda assim, ela
admirou a elegância esguia dos ombros dele, o corte elegante
do casaco. A firmeza do traseiro.
Ali perto, as duas mulheres MacDonnell saíram da loja
de roupas.
― Vê ali, Flora? Não disse que o laird tinha convidados de
Edimburgo?
― Edimburgo!
― Moradores das Terras Baixas. Intitulados.
Annie se esgueirou para a esquerda, puxando Finlay
para casa. Só quando ela passava pelo poste que ela
vislumbrou a terceira figura do trio. Uma mulher ― não, uma
dama ― aninhada ao homem de cabelos dourados. O olhar
dela era de tédio paciente. O pescoço parecia o de um cisne. O
vestido era de seda.
Seda. Na torrencial chuva de Glenscannadoo.
E não era qualquer seda, mas o mais fino azul que Annie
já vira. Brilhava como o lago em tarde de verão. O homem de
cabelo dourado segurava um guarda-chuva acima da cabeça
dela, os ombros dele curvados em uma postura que sugeria
que ela era delicada. Importante.
O estômago de Annie doeu de maneira estranha. Ele
parecia se importar com ela, quem quer que ela fosse. Annie
ainda não sabia.
― Você não disse que ele é algum tipo de sir? ―
Murmurou Flora MacDonnell para a irmã.
― Um Lorde do Parlamento. O Lorde… Agora, qual era
mesmo? Scott? Seton? ― A irmã de Flora estalou a língua. ―
Oh, todos esses nomes das Terras Baixas soam parecidos.
― Lockhart. ― Murmurou o marido de Flora ao sair da
loja atrás delas. ― Lorde Lockhart. Vocês duas acabaram com
a conversa fiada ou tenho que ficar aqui enquanto
inspecionam os dentes do homem?
Curiosa, Annie caminhou além do beiral, dando a volta
para ver melhor o homem de cabelos dourados. Lorde
Lockhart. Ela nunca conheceu um lorde antes. Mesmo o Laird
de Glenscannadoo não tinha mais do que um título de
cortesia de barão feudal. Certamente não era a mesma coisa.
A chuva batia nas abas do chapéu dela, pingando e
escurecendo a sua visão. Ela deveria levar Finlay para casa.
Não era hora de cobiçar estranhos. O aperto de seu menino se
afrouxou. Ela fechou as mãos em punhos.
Flora e a irmã se afastaram de Annie quando ela passou.
Inutilmente ela se perguntou se o rosto de Lorde Lockhart era
tão bonito quando seu traseiro. Talvez ele fosse casado. Talvez
sua esposa fosse a dama ao lado dele, tremendo na chuva
escocesa.
Nada disso importava, claro. Ele nunca olharia para a
Louca Annie Tulloch, nem ela quereria tal coisa.
Com certeza não.
Mas recém-chegados eram raros em Glenscannadoo. O
último fora John Huxley e ele era inglês. Aqueles dois eram
escoceses… de certa forma.
Atravessando a praça em direção à estrada para casa, ela
se aproximou do par de cabelos dourados. Ignorando os
sussurros de Flora sobre mulheres loucas que usavam calças
em vez de saias, ela esticou o pescoço para ter um vislumbre
do perfil de Lorde Lockhart.
Aye, ele era bonito. Nariz elegante, olhos verdes folhas e
uma boca curvada. Os lábios eram cheios como ela gostava:
similares à fruta madura. No geral, um rosto forte, um
traseiro esplêndido e, agora ela estava perto o bastante para
ouvir uma voz agradável, embora com sotaque das Terras
Baixas.
O vento soprou enterrando-se por baixo de seu plaid até
congelarem seus ossos.
Maldito tempo desagradável da Escócia.
Momentos depois, algo a atingiu por trás, fazendo-a
tropeçar.
O seu chapéu voou. Suas botas se emaranharam na
lama. Algo puxou seu plaid, desfazendo o bolso improvisado.
― Ronnie! ― Ela ouviu Cleghorn gritar. ― Venha aqui,
seu pequeno tolo!
Desajeitadamente ela se equilibrou e depois esticou a
mão para segurar o menino que a agarrava com toda a sua
força; os ruídos que ele fazia pareciam palavras, porém mal
formadas. Um, entretanto, ela reconheceu:
― In-lei. ― Ronnie murmurou. ― In-lei.
Só então ela percebeu o que estava faltando.
A mão pequenina e fria que sempre segurava a dela…
desapareceu.
Frenética ela se virou, arrastando Ronnie em círculos
enquanto procurava pelo outro menino ― o seu lad.
― Finlay. ― A palavra era nada além de ar. Tudo o que
ela via era lama, casais e vazio. Ela estava sufocando.
Assustada.
Pois ela não conseguia vê-lo. Não conseguia senti-lo.
Cleghorn saiu pisando duro na chuva para pegar seu
filho que chorava e se agarrava a ela.
― In-lei! In-lei foi ‘bola.
Cleghorn levantou o filho nos braços, carregando-o para
a loja e o repreendendo por ter fugido. Ronnie olhava para ela
por cima do ombro do pai. Lágrimas escorriam por suas
bochechas sardentas.
― In-lei foi ‘bola.
Luz e som giravam enquanto a chuva encharcou seu
cabelo e deslizava como dedos gelados em sua nuca.
In-lei foi ‘bola.
Finlay foi embora.
Oh, Deus. Finlay se fora. Ela sentia isso. A sua ausência.
A simples conexão entre eles…encerrada.
Ela cambaleou. Limpou um riacho que escorria por sua
testa. Um pouco escorreu pelo canto de seus olhos,
embaçando a sua visão.
Finlay foi embora.
Seu menino. Seu amigo. Sumiu.
Um rosto bonito apareceu em sua visão. Cabelos
dourados. Olhos verdes. Lábios cheios. Ele franziu o cenho
para ela por cima do ombro de uma mulher.
A dama estendeu o chapéu de Annie.
― … seu, senhorita?
Annie o pegou. Assentiu. Não conseguia falar.
― … devemos partir logo. ― O homem disse
apressadamente, lançando a Annie o mesmo olhar que Annie
daria a um rato em sua despensa.
― … parece um pouco confusa. ― A dama pegou o
guarda-chuva dele. Estendeu para frente para cobrir a cabeça
de Annie também. Ela possuía os mesmos olhos verdes folhas
e cabelos dourados que o homem atrás dela. Ainda que de
alguma forma diferente. Ela usava a bondade como seda ―
como se tivesse nascido para isso. ― Podemos oferecer ajuda?
Meu irmão e eu temos uma carruagem. Talvez possamos levá-
la até a sua casa em nosso caminho a Edimburgo?
A dor cresceu em sua garganta. Nenhum som conseguia
escapar da dor ardente.
Finlay foi embora.
Após mais de um ano, finalmente aconteceu. Ele se fora.
E ninguém sabia. Porque ninguém mais podia vê-lo,
além do menino néscio e uma mulher velha e tola.
― … não temos tempo para isso… penso que devemos
deixá-la ir, irmã. ― Disse o homem bonito, puxando a mulher
loira para longe. Lockhart. Ele era um lorde.
Annie não era capaz de fazer uma cortesia.
Uma carruagem entrou ruidosamente na praça. Os dois
moradores das Terras Baixas de cabelos dourados
murmuraram com Gilbert MacDonnell antes de entrar.
A chuva caía. O vento soprava. A praça ficou vazia,
exceto por ela.
Outra sombra surgiu ao lado da dela, mais alta uns
trinta centímetros e o dobro de largura. Dedos longos e
masculinos tiraram o chapéu de sua mão inerte e o pôs sobre
sua cabeça. Ombros largos se abaixaram para recolher as
linhas dela da lama.
― Aqui, Srta. Tulloch. ― A sombra disse em um tom claro
e inglês. ― Não esqueça disso. Ouvi dizer que é a última do
lote.
Algo na voz dele a fez procurar seus olhos. Avelãs:
marrom, verde e dourado ao mesmo tempo. Bonitos demais
para um homem, ainda mais emoldurados por cílios densos e
escuros.
E, estranhamente, eles não eram indulgentes. Nem
cautelosos como o do lorde de cabelos dourados ou gentis
como a irmã dele.
Estes olhos eram simplesmente calmos, como se tivesse
visto muitas tempestades para achar que uma era pior do que
a outra.
― E-ele se foi. ― Ela sussurrou, insegura do porque ela
se incomodar em contar isso ao inglês.
Um vinco se formou entre suas sobrancelhas castanhas.
― Quem?
Ela balançou a cabeça.
Profunda e irregular, a ferida que fora aberta minutos
antes se alargou dentro de suas costelas, naquele lugar onde
Finlay fora amarrado.
Acabou. Finlay se fora.
Doía muito que ela quase se dobrou.
Devia encontrar um jeito de trazê-lo de volta. Ela devia.
Mas como? Ela falhara em salvá-lo. Falhara em evitar seu
declínio. Falhara em segurá-lo com força.
O inglês continuou a franzir o cenho, mas ele não a
pressionou. Em vez disso, ele explorou ao redor da praça
vazia, olhou para o chapéu dela pingando, guardou no bolso a
linha enlameada dela e suspirou.
― Minha charrete está por aqui. ― Ele disse tocando-a no
cotovelo e a virando em direção à esquina.
― Não é necessário, Inglês. ― Sua voz soou fraca.
Sufocada. Ela engoliu e respirou, deu alguns passos para
acompanhar o ritmo dele. ― Posso caminhar do mesmo jeito
que eu vim.
Ele não desacelerou, não a soltou.
― A charrete é mais rápida. ― Olhos avelãs a avaliaram e
depois viraram para frente. ― Talvez o seu padrasto fique
mais amável depois de eu deixar a filha dele à sua porta.
Capítulo 2

Todos a chamavam de Louca Annie. Até agora, John


Huxley não havia entendido o porquê. Na verdade, ela
ocasionalmente falava consigo mesma. Mas sempre parecera
sã o bastante para ele: impetuosa, desbocada, impertinente e
totalmente despreocupada com as convenções.
Mas sã.
Agora, a guerreira ruiva estava em um silêncio mortal.
Sentada ao seu lado no banco da charrete, ensopada e pálida,
balançando-se sutilmente como uma enlutada ao lado do
túmulo.
Era malditamente perturbador.
Ele conversara com ela inúmeras vezes enquanto visitava
Angus MacPherson. Apesar de todo o fogo, ela era uma
coisinha pequena; o topo de sua cabeça não alcançava seu
queixo. Mas o tamanho dela era enganador.
Angus MacPherson e seus quatro filhos eram um poder
real naquelas águas selvagens e isoladas das Terras Altas.
Homens duros e implacáveis com todo o encanto de texugos
mal humorados, os MacPhersons eram, sem dúvida,
negociadores astutos.
E formidáveis oponentes.
Nenhum deles media menos do que um metro e oitenta.
Nenhum deles pesava menos do que cem quilos. Nenhum
deles era casado, embora Angus tivesse enviuvado duas
vezes. Obcecado em expandir o império deles em torno das
águas, passaram os últimos vinte anos acumulando terras
dos MacDonnell ao redor de Glenscannadoo e no vale vizinho,
Glendasheen. Os moradores da área ― incluindo o suposto
chefe do clã, Gilbert MacDonnell ― pareciam felizes em viver
sob as regras do MacPherson.
Entretanto, após uma única visita à casa dos
MacPhersons, John rapidamente percebeu quem mandava
nos homens MacPherson. E ela nem ao menos era uma
MacPherson. De acordo com o seu advogado, Anne Tulloch
fora levada até a residência de Angus com a mãe com cerca de
cinco anos. Um ano depois, sua mãe morreu, enviuvando
Angus e deixando Annie para ser criada por cinco rudes
escoceses.
Ela era a mulher mais estranha que ele já encontrara ― e
ele encontrara uma cota maior do que ele esperava. Mesmo
assim, John havia se acostumado com o jeito excêntrico de
Annie Tulloch. Frequentemente ela estava vestida
bizarramente em calças, botas de canos altos, túnica branca e
um plaid que a envolvia em lã azul e verde até que a única
forma de saber que ela era uma mulher era pelo cinto em sua
cintura.
Ele se acostumara ao brilho surpreendente do cabelo
dela, tosquiado selvagemente ao redor do rosto e trançado nas
costas. Às vezes ela o cobria com um chapéu grande e mole e,
outras, o deixava descoberto para brilhar como fogo.
Ele se acostumara a sua falta de saias apropriadas, seus
enervantes olhos brilhantes e suas provocações afiadas a
respeito de sua masculinidade.
Não fique tão sombrio, Inglês. Angus é um homem velho e
rabugento, seja ‘ocê bonito como uma dama coberta pelo
orvalho ou não.
‘Cê roubou essas botas de um escocês, Inglês? Elas
parecem um pouco grandes para seus pés pequenos e
delicados.
Da próxima vez, tente pestanejar esses cílios femininos
para ele, Inglês. Talvez ele lhe deixe servir o chá.
A maioria das mulheres o achava bonito, mas apenas
Annie Tulloch conseguia transformar isso em um insulto. E
Deus, como ela apreciava os insultos.
Mulher descarada e desbocada.
Ela dava ordens a seus irmãos como um tirânico capitão
marítimo. Blasfemava contra o seu gigantesco padrasto na
cara dele antes de acariciar o rosto dele e perguntar se ele
precisava de mais pomada.
Ela se vestia como um menino ou, mais precisamente,
um rufião desarrumado das Terras Altas que cortava os
cabelos com uma faca cega. Ela era destemida. Corajosa.
Desconsiderando com desafio e ignorância os modos básicos.
Três anos atrás, ele teria gostado dela. Inferno, há cinco
anos ele a teria seduzido por diversão.
Agora? Ele não sabia o que fazer com ela.
O que podia explicar a inquietação em seu intestino após
testemunhar ela se desfazer por nada.
― Não precisava se preocupar, Inglês. ― O tremor na voz
dela fez com que ele apertasse suas mãos nas rédeas. Ele
quase desejou outro insulto.
― Sem problema. A sua casa está no caminho para a
minha. ― indicando o caminho esburacado de charretes que
bifurcava com Glendasheen, ele olhou para as nuvens
pesadas acima, as colinas escuras de cada lado deles, a névoa
densa acariciando as bétulas amarelas e os pinheiros verdes.
― Jacqueline pode não ganhar nenhuma corrida, mas ela
economizará suas botas de serem gastas.
― Jacqueline?
― O cavalo.
Ela ficou em silêncio, balançando-se com o movimento
da charrete.
Ele olhou para as mãos dela que estavam espalmadas
protetoramente do lado direito da cintura dela como se
cobrisse uma ferida.
― O menino a machucou?
Olhos da cor da centáurea encontraram os dele.
― M-menino?
― O filho do Cleghorn. Quando ele a abordou pelas
costas na praça. Ele a machucou?
O desamparo encobriu os olhos dela antes que ela os
afastasse.
― Não. Ronnie é um bom menino.
Talvez ela fosse louca afinal.
Ele já conheceu homens que pareciam normais por dias
ou semanas seguidos apenas para caírem em um estado
repentino de confusão e agitação. A guerra podia produzir tal
praga na mente. Assim como perdas graves.
Certa vez ele fez amizade com um homem de uma tribo
na Colônia do Cabo na África. O homem falava inglês, então
John o contratara como tradutor e guia. Eles se deram muito
bem até a noite que ele confundiu John com um fantasma de
seu passado e tentou estripá-lo com o atiçador da fogueira do
acampamento deles.
Mais tarde John descobriu que dois irmãos, esposa e
cinco filhos do homem haviam sido massacrados por uma
tribo rival anos antes. Loucura. Tristeza. Tormento. Uma
década depois dos homens da tribo terem enterrado sua
família, as lembranças emergiram como um feitiço ancestral
para semear o caos na mente dele.
Agora John se perguntava se a Louca Annie Tulloch
sofria de algo parecido. Comportamento normal na maior
parte do tempo ― bem, o normal para ela ― depois uma
quebra repentina.
― Não sou maluca. ― Aqueles enervantes olhos azuis
encontraram os dele novamente. ― Eu sei o que está
pensando. Mas eu não sou. Então, feche a boca.
Como sempre, a forma desbocada dela o atingiu como
uma comichão. Ele quis rir e, ao mesmo tempo, calá-la. Em
vez disso, ele focou na estrada à frente e segurou a língua.
Pelo menos ela recuperara alguma cor.
― O que está levando para aquela decrépita pilha de
pedras velhas em que mora, Inglês? ― Ela olhou para trás em
direção a carga amontada e coberta por lonas. ― Mais do que
um pedaço de tecido para suas ceroulas, presumo.
― Materiais de reparo.
Um suspiro fumegante.
― Reparar o Castelo Glendasheen levará mais do que
esse lote. Precisará de um maldito milagre.
Ele franziu a testa.
― Eu progrediria mais rápido se seus colegas escoceses
concordassem em trabalhar para mim.
― Tem mais chances do Cristo em pessoa, cavalgando
seu unicórnio, descesse aqui para um gole de uísque e um
biscoito.
― Humm. Poderia usar um bom carpinteiro.
Outro suspiro.
― Engraçado, Inglês. ― Ela tirou o chapéu e sacudiu a
água da chuva da aba larga antes de devolvê-lo ao lugar. ―
Está amaldiçoado, sabia?
― Assim me disseram.
― Angus não mentiu sobre isso. Alguma coisa aconteceu
ali. O castelo não deixa ‘cê ir muito longe nas melhorias antes
de chutar seu traseiro.
― Até agora, o castelo provou ser mais amável do que os
MacPhersons. Talvez ele prefira as mãos de um inglês.
― As mãos de um inglês são mais macias que o bumbum
de um pequeno bebê, isso é certo.
Ele lhe lançou um olhar de soslaio.
― Examinou muitas mãos de ingleses, não foi?
― Nah. Apenas as suas.
Desta vez ele não conseguiu conter a comichão. Ele
passou as rédeas para ela, ignorando seu ar assustado,
depois removeu as luvas. Erguendo suas palmas para a
inspeção dela, ele inclinou a cabeça para atrair o olhar de
centáurea.
― Obviamente não, Srta. Tulloch.
Ela observou os calos nas palmas de sua mão e dedos
antes de erguer uma sobrancelha.
― Bem, agora, um homem com apenas ele mesmo como
companhia testará seu controle um pouco mais do que a
maioria. Cuidado para não ficar cego, Inglês.
Maldito inferno. Louca ou não, ela nunca perdia a
chance de insultá-lo com termos vulgares. Ele repôs as luvas
e puxou as rédeas dela.
― Tenha você cuidado para não incitar mais do que
pretende.
― Incitar?
― Humm. Tem sorte por eu ser um cavalheiro.
― E isso o que é? Me perguntei uma vez ou outra.
― Outro homem confundiria seus insultos com uma
provocação deliberada.
Ela bufou.
― Sem confusão, Inglês. Quando aquele músculo em sua
mandíbula treme, sinto-me brilhar um pouco por dentro.
― O que diabos seria isso?
Brilhantes olhos azuis vagaram por seu rosto.
― ‘Cê não sabe. ― Ela deu de ombros. ― Meus irmãos
dizem que eu sou obstinada.
― Quão perceptíveis. Eles também dizem que o lago é um
pouco frio para nadar no inverno?
― Não. Mas eles não são tão delicados como ‘ocê.
A comichão se intensificou e começou a queimar. Apesar
da admissão de que ela o provocava intencionalmente, ele se
viu cerrando a mandíbula.
Ela tocou seu cotovelo com o dela.
― Não fique magoado. ‘Cê é uma boa diversão. Isso é
tudo.
― Diversão do quê? ― Ele olhou para ela, mas ela virou o
rosto e encarou o arbusto pelo qual passavam. Embora o
chapéu escondesse sua expressão, ele ainda podia ver os
lábios. Normalmente eles estavam puxados em um meio
sorriso. Agora eles estavam virados para baixo. Trêmulos nos
cantos. Ele a observou engolir com dificuldade. Viu os ombros
se curvarem e as mãos apertarem seu lado direito.
Podia ser frio. Podia ser loucura.
Mas parecia tristeza.
Ele não sabia o que estava errado com ela. E mesmo se
soubesse, ela não era assunto dele.
Não, seu assunto era renovar o castelo, vender a terra e
sair da maldita Escócia. O único uso que ele tinha para a
Louca Annie Tulloch era como ferramenta para amansar o
coração negro de Angus MacPherson.
Quando a charrete rolou sobre as folhas amarelas e
passou pela cerca, puderam enxergar a Casa MacPherson. A
casa de fazenda de pedras antigas era larga para uma
cabana, pequena para uma mansão e surpreendentemente
acolhedora. Ele puxou Jacqueline para que ela parasse a
alguns metros da porta da frente.
Annie permaneceu imóvel, a respiração dela era fraca.
Franzindo a testa, John desceu da charrete e deu a volta
para o lado dela. Deste ângulo ele conseguiu ver o rosto dela.
A pressão fria e dura em seu peito a qual ele queria culpar o
tempo se intensificou.
Normalmente branca e cremosa, a pele dela agora tinha
uma cor mais próxima do cinza. Seu olhar estava vago. Ela
usava uma luva sem dedos e ele observou suas garras contra
as costelas, pressionando.
― Srta. Tulloch. ― Ele chamou com calma. ― Está em
casa agora.
Ela piscou. Olhou para ele. Os olhos dela estavam
opacos e tristes. E começaram a brilhar por causa das
lágrimas.
Ele estendeu sua mão.
― Venha. Me deixe ajudá-la a descer.
Ela apertou a mandíbula. Ergueu o queixo. Piscou até o
brilho desaparecer.
― Eu o terei de volta. ― Ela sussurrou.
― Quem?
― Não importa. Eu farei isso. Não pararei até encontrar
um jeito.
Ele assentiu como se o que ela falava fizesse todo
sentido. Interromper as divagações malucas de uma mulher
com racionalidade era um erro fatal. Como o único homem
entre cinco irmãs, ele aprendeu a lição bem cedo e aprendeu
bem.
― Certo, então. Vamos entrar, não vamos?
Ela pegou a mão dele com força e se inclinou para frente
até a aba de seu chapéu pingar no queixo dele. A outra mão
pousou em seu ombro. O rosto ficou a milímetros de
distância, sua respiração misturada com a dele.
Ele ficou aliviado ao ver a chama retornar àqueles olhos
azuis, mas ela estava perto demais. O que ela estava fazendo?
― ‘Cê entrará comigo, Inglês. Não o enviarei para o seu
lixo de castelo sem alguma substância.
Franzindo o cenho ele tentou manter uma distância
apropriada entre eles, mas ela não queria isso. Ela envolveu o
pescoço dele com um braço, entrelaçou as mãos deles na
altura da cintura e desceu da charrete deslizando seu corpo
desajeitadamente contra o dele.
Maldito inferno.
O coração dele disparou ao senti-la. O que diabos ela
escondia embaixo de toda aquela lã? Curvas suaves, macias e
voluptuosas. Automaticamente sua mão livre envolveu a
cintura dela, pequena comparada com o que havia acima.
As abas deles bateram. A coxa dela deslizou entre as
dele. Ele a pôs no chão com um golpe, desconcertado pela
reação de seu corpo.
Obviamente ele estava a tempo demais sem uma mulher.
Ele a soltou rapidamente, mas ela se segurou,
equilibrando-se contra ele.
Finalmente ela bateu no ombro dele. Depois em seu
queixo.
― Obrigada, Inglês. ‘Cê tem algum caminho a percorrer
antes que uma lass possa chamá-lo de gracioso, mas a sua
ajuda é apreciada.
― Algum homem já a ajudou a descer de uma charrete
antes?
― Aye, é claro. Meus irmãos me arrastam como um saco
de tatties.
― Eles a arrastam como um saco de batatas.
― De repente estou falando gaélico? Aye. Não o faço
desde que era uma menininha. ― Ela olhou para os ombros
dele e deu um tapinha nele novamente. ― Oh, não tive
intenção de ferir seus sentimentos, Inglês. Nem todos podem
ser tão fortes e bravos como um MacPherson. ‘Cê está bem. ―
Dando meia-volta ela cruzou a massiva porta de carvalho e a
deixou aberta, acenando para que ele avançasse. ― Entre,
agora. ― Ela ordenou removendo seu chapéu e varrendo a
chuva de seu plaid.
O movimento rápido das mãos dela sobre aquelas curvas
misteriosas atraíram seus olhos.
Malditamente perturbador.
― Eu deveria seguir meu caminho. ― Ele falou.
― Nah. ‘Cê deveria fazer o que eu digo. Além do mais, ‘cê
não terá nada para expor por seu problema, a não ser calças
encharcadas e um cavalo faminto. ― Ela se virou e gritou
ordens para um garoto que saiu correndo para cuidar de
Jacqueline.
Seu estômago escolheu aquele exato momento para
reclamar seu vazio. Ele suspirou. Talvez ela tivesse um ponto.
Tudo o que ele comera no último mês foi peixe do lago. O
pensamento de enfrentar a bagunça dele na cozinha seguida
pela bagunça de seu quarto o fizeram segui-la.
O calor o atingiu como uísque.
A casa de Angus MacPherson não se parecia em nada
com o homem. Era convidativa. Limpa. Até mesmo alegre. As
paredes eram de gesso branco e painéis de madeira, o chão de
tábuas enceradas, os tetos com vigas e excepcionalmente
altos. Todas as portas eram igualmente grandes. Mas então,
assim eram os MacPhersons.
― Annie! ― O rugido profundo e estrondoso viajou
através da porta aberta a sua esquerda. ― Onde maldito
inferno esteve? A carne de veado não se cozinhará sozinha!
Ela pegou o chapéu de John entre os dedos e rolou os
olhos.
― ‘Cê tentou acender o fogo para isso, velho? ― Ela
gritou. ― Ou ficou apenas com a sua bunda sentada e
bocejando sobre sua barriga vazia?
Passos pesados soaram antes que Angus MacPherson
aparecer no vão da porta ― todos os quase dois metros de
aspereza escocesa e obstinação. O homem tinha a cabeça
cheia de cabelos grisalhos e ombros que, apesar da idade,
quase eram equivalentes à extensão da porta. Os olhos dele
eram afiados, o nariz rude, sobrancelhas pesadas. Ele tinha
mais do que duas vezes o tamanho de Annie.
E no momento em que pôs os olhos sobre ela seu rosto
ficou feroz.
― O que há de errado?
Annie moveu para depositar o chapéu dela e o de John
nos ganchos perto da porta.
― Nada além do mau tempo.
Angus caminhou até ela, pairando protetoramente.
― Nah. Você está sem cor. Huxley propôs a você?
― Bom Deus, MacPherson. ― John esbravejou. ― É claro
que não.
― Eu não estou falando com você.
Annie plantou as mãos nos quadris e calmamente
encontrou os olhos desconfiados do padrasto.
― Ele me trouxe para casa quando a chuva aumentou.
Ele não precisava. Eu preferi, com alegria, esses elegantes
modos ingleses a um par de botas enlameadas. E assim ‘cê
também deveria, se não fosse malditamente mal humorado.
― Ele está tentando entrar embaixo de suas saias, lass.
― Não uso saias.
Angus grunhiu seu desprazer.
― Vá e ofereça uísque a ele, velho. Ele ficará para o
jantar.
O “não, não ficarei” de John coincidiu com a negação de
Angus.
A rara concordância entre eles pareceu divertir Annie.
― O jantar ficará pronto em uma hora. Mais do que
suficiente para negociar terras com um trago de uísque, hã?
Com isso, ela desapareceu através da porta em um
segundo, presumidamente em direção à cozinha.
Angus soltou um grunhido obstinado e se virou para
olhar para John.
― Ponha um dedo em minha filha, Huxley, e eu o
transformarei em uma mulher, completamente.
Recordando a sua prévia reação ao descobrir que ela era,
de fato, totalmente feminina, ele encolheu os ombros por
causa de uma pontada de desconforto.
― Não seja tolo, MacPherson. Eu pedi a sua cooperação
para vender a minha terra. Importunar a sua filha é a última
coisa que faria...
― Aye, você precisa vender sua terra. Para isso, precisa
que eu role como um sabujo esperando para ter a barriga
coçada, hein? Talvez acredite que ela será seduzida por
palavras bonitas e um rosto formoso. Talvez ache que ela
ficará do seu lado e eu lhe darei o que realmente busca, e não
é ela. Mas ela não perceberá o seu truque até que a tenha
deixado com nada além de um bebê no ventre.
Tudo dentro de John ficou quente e depois esfriou. Ele
olhou para o escocês gigante e abaixou a voz até ela ressoar
no vestíbulo vazio.
― Como cavalheiro, tomarei as suas presunções como
um grave insulto.
― Sem problemas com seus ouvidos, então.
― Eu também tenho cinco irmãs e uma mãe, seu maldito
idiota escocês.
― Aye. E você é um homem.
John olhou para si mesmo.
― Imagine só. Eu sou.
― Você não é um desses rapazes peculiares, é?
― O que diabos quer dizer?
― Annie parece com a mãe.
John franziu o cenho, perplexo pela certeza do homem de
que Annie era uma beldade irresistível em vez da moça
espevitada vestida em lã sem forma e calças rasgadas. Ele
sacudiu a cabeça. Como se explicar sem ofender?
― Tudo o que eu quero, ― ele cerrou os dentes ― é vender
a minha terra e deixar esse lugar. Não tenho planos acerca da
virtude da Srta. Tulloch, garanto-lhe.
O grunhido de Angus sugeria descrença.
― Preciso de uísque. ― Ele murmurou antes de dar meia
volta e desaparecer dentro da sala da qual saíra antes. Ele
não bateu a porta na cara de John, o que John encarou como
um convite. Era o melhor que provavelmente receberia.
Angus encheu um copo de uma garrafa escura e o
depositou na borda mais distante da mesa. Ele encheu outro
e o bebeu em um único gole antes de tornar a encher e
afundar-se em sua cadeira de couro.
O escritório era simples e sólido. Um fogo queimava na
lareira de pedra. Uma lamparina queimava na mesa. Um
relógio tiquetaqueava entre as prateleiras de livros.
John puxou uma cadeira debaixo da janela e sentou-se
em frente a Angus. Ele ergueu o copo da mesa e o inclinou em
direção à luz. Depois deu um gole.
Carvalho, mel e turfa deslizaram sedutoramente por sua
língua.
Por Deus, os MacPhersons podiam ser os bárbaros das
Terras Altas, mas eles produziam o melhor uísque que ele já
experimentara.
― Venda a sua terra para mim, Huxley. É a única forma
de se livrar dela.
John deu outro gole.
― Não posso.
Angus amaldiçoou.
― Maldito Ewan Wylie que me provoca da sepultura.
― Isso ele faz. ― E John não podia quebrar a sua palavra
para o velho escocês hostil que salvara a sua vida não uma,
mas três vezes. Apenas em imaginar aquele rosto cheio de
cicatrizes e envelhecido sentia uma pontada vazia em seu
peito. ― Deveria aceitar a minha última oferta. Eu já lhe disse
que garantiria que o proprietário fosse escocês. Até mesmo
um Highlander.
― Mas a terra nunca seria minha.
― Não.
― Nem pertenceria a meus filhos.
―Também não posso vender a eles.
Angus ficou em silêncio por um tempo. Então, inclinou-
se para a frente, apoiando os cotovelos na mesa e envolvendo
os dedos no copo enquanto ele observava John com olhos
brilhantes.
― O que estava fazendo com a minha filha, Huxley?
John bebeu novamente, reunindo paciência.
― Nos encontramos na loja do Cleghorn.
― Aquele sodomita gordo falou crueldades para ela? Eu o
alertei...
― Não que eu tenha ouvido. ― John manteve sua voz
neutra. Cuidadosa. ― Algo estranho ocorreu após ela deixar a
loja, entretanto.
― Estranho como?
― O filho do Cleghorn correu até a praça. Ele parecia
perturbado. Agarrou-se à cintura da Srta. Tulloch,
lamentando-se absurdamente. ― Ele deu outro gole,
recordando o pânico do menino, recordando como Annie ficou
cinza, quão vívidos os cabelos pareceram contra a pele
quando ela perdera o chapéu. O vermelho vivo se molhara e
escurecera com a chuva. Ela girou em círculo, sua mão
direita estendida, procurando por alguma coisa ― ou alguém
― que ela perdera. Mesmo após os convidados bem-vestidos
de Gilbert MacDonnell se aproximarem dela, ela ficara
parada, estranhamente silenciosa, balançando-se como se
tivesse sido esfaqueada no coração e tudo que conseguia fazer
era sangrar.
― Ela pareceu bastante... angustiada com o incidente. ―
Ele terminou. ― Achei melhor garantir que ela chegasse a
casa com segurança.
O punho de Angus se fechou ao redor de seu copo.
― Eu sabia que havia alguma coisa errada. A lass
escalda o diabo com a língua. Não é da natureza dela ser
gentil comigo.
―Gentil? ― A mulher gritava como uma peixeira.
― Aye. Agora com você, ela é educada.
John quase não conseguiu evitar ser sufocado com o
uísque.
― Você é inglês. Ela não deseja ofendê-lo.
Ele não queria rir. Por anos o desejo esteve ausente.
Agora, o atormentava como uma comichão cada vez que Anne
Tulloch atirava um insulto em sua direção. Suspirando para
afastar o absurdo, ele olhou para Angus e voltou a discussão
para uma direção mais produtiva.
― Os direitos sobre o lago devem ser acertados. Os
termos originais de venda do terreno...
― A venda original foi arquitetada por um idiota.
John passou uma mão sobre sua barba.
― Nós concordamos sobre isso.
O pai de Gilbert MacDonnell, aquele cuja estátua ergue-
se sobre a Rua Cross, havia sido um tremendo idiota. Mas,
como seu filho, ele também flertava com sua herança das
Terras Altas. Então, quando as dívidas dos MacDonnells
exigiram que o chefe do clã vendesse suas terras ancestrais,
ele rejeitara o caminho que a maioria dos lairds das Terras
Altas seguiam. Em vez de vender todo o lote para um inglês
rico ou algum intitulado das Terras Baixas, ele dividira as
terras MacDonnells em lotes menores e vendeu a escocesas
das Terras Altas ― e não os tipos nobres, mas homens como
Ewan Wylie, que herdara o seu dinheiro nos deques de
navios. Homens como Angus MacPherson que criara um
império no fim do mundo à base de suor, sujeira, gado e
cevada maltada.
MacDonnell havia incluído termos absurdos à escritura:
cada homem devia viver sobre a sua terra por dois anos
completos; se ele deixasse por mais de uma semana, ele
perderia seus direitos aos seus créditos e fundos. Para os
lotes com ofertas contestadas, a propriedade seria decidida
nos Jogos das Terras Altas de Glenscannadoo, uma reunião
de verão do clã nas quais os homens demonstravam proezas
de força, velocidade, resistência e musicabilidade.
Quase três décadas atrás, Angus MacPherson ganhou
seu primeiro lote da terra MacDonnell ao lançar o martelo
mais longe do que qualquer outro competidor. Ele conseguira
o seu segundo ao derrubar uma árvore com surpreendente
precisão e o terceiro ao nadar ao longo do Lago Carrich em
tempo recorde.
Ewan Wylie conseguira a sua terra perto do Castelo
Glendasheen ao ser um gaiteiro eficiente.
Com o passado deles de rivalidade por causa da primeira
esposa de Angus, as relações entre os dois vizinhos eram
repletas de amargura e furtos mútuos. Infelizmente para
John, essa longa rivalidade significava que ele estava preso ali
na Escócia, incapaz de sair por mais de alguns dias para que
a sua reivindicação não fosse contestada pelos advogados
vorazes dos MacPhersons. As batalhas legais continuavam. As
negociações com o ranzinza e velho escocês eram frustração
pura. E o seu castelo era um caos frio e úmido, apenas um
pouco mais acolhedor do que os próprios Highlanders.
Ele poderia estar navegando para a Antígua. Poderia
estar negociando preços de tapetes em um mercado em
Constantinopla. Poderia estar encontrando o doce alívio
dentro de uma cortesã espanhola ou uma amante francesa,
até mesmo uma amante inglesa serviria.
Para John Huxley, este tipo de privação não era normal.
E ele nem mesmo podia culpar a Escócia. Na verdade, a sua
busca por novos horizontes começara a murchar anos antes
de ele chegar ao vale. A morte de Ewan havia piorado o
estranho vazio dentro dele e um ano de tempo ruim e
isoladamente não melhoram as coisas. Mas o lugar não era o
problema. Ele era.
― A comida de Annie lhe dará ideia. ― Angus murmurou.
― Mas não vá cobiçar um segundo prato. Nós jantaremos.
Depois você irá embora. Entendeu?
A menção a Annie na mesma frase que cobiçar fez John
piscar. Ele reprimiu a sensação indesejada que serpenteava
de seu ventre até sua virilha e levantou seu copo em uma
saudação zombeteira.
― Devidamente anotado.
Uma hora depois ele entendeu o alerta de Angus. A carne
de veado de Anne Tulloch era tenra, cozida em um molho de
cebola temperada e muito melhor do que qualquer coisa que
ele comera em Paris ou na Toscana. Cada mordida fazia os
dedos de seus pés dobrarem dentro das botas.
O pão dela era ainda melhor. Macio. Quente. Fermentado
e leve. Ele quis chorar.
Ela sorriu para ele do outro lado da mesa de jantar
pesada e marcada e se serviu de uma caneca de sidra.
― Vá com calma, Inglês. Não tenho certeza se sua
constituição delicada tolerará apropriadamente a comida
escocesa.
Ela tinha um ponto de farinha em seu rosto, um avental
manchado amarrado sobre seu plaid e um lenço amarrado
sobre o cabelo. Ela parecia sem forma. Uma bagunça.
E ele não conseguia evitar roubar vislumbres. A cada
três mordidas ele sorrateiramente examinava a franja
irregular e flamejante que acariciava a testa dela. O nariz de
duende. As maçãs do rosto arredondadas e a pele de um tom
creme corado. Ela não era feia. Nem simples ― a sua cor era
muito vívida. Na verdade, as feições dela eram bastante
agradáveis se ignorassem a boca insolente e incendiária. No
geral, o rosto dela tinha a plenitude de um apetite robusto e
uma saúde vigorosa. O resto era igualmente belo. De fato, ele
supunha que a figura dela beirava a corpulência. Meramente
uma suposição. A mulher podia muito bem, estar usando
cortinas.
Outra mordida na carne de veado e ele ousou olhar para
os seios dela, disfarçados embaixo de camadas e dobras. Ele
não havia esquecido as proporções. A abundância.
Deus, ele estava perdendo sua maldita cabeça. Hora de
uma viagem a Glasgow. A viúva que ele ocasionalmente
visitava pararia essas reflexões estúpidas.
― Você não conseguirá o que procura, Huxley. ―
Grunhiu Angus a sua esquerda. O escocês mal humorado
cortou sua carne, a faca raspando no prato. ― É questão de
tempo antes que aquele castelo amaldiçoado lhe destrua.
Melhor vender a terra para mim e acabar com isso.
Antes de responder, John usou o pão para mergulhar no
resto de seu molho de cebola, ao mesmo tempo lamentando e
saboreando a mordida.
―Como já expliquei, não posso.
― Um homem de palavra, hein? ― Angus agitou a faca na
direção de John. ― Aye, bem, mais um inverno e essa rolha se
afrouxará um pouco, aposto.
― Talvez ‘cês dois devessem apostar. ― Annie disse. ―
Pelo menos, qualquer um que vença dará um fim a essa
besteira masculina. ― Ela bebeu a sidra e depois ergueu uma
sobrancelha sarcasticamente para os dois. ― Façam um cabo
de guerra. A corda está no estábulo.
― Oh, não desejo humilhar o rapaz.
Ignorando a provocação, John limpou a boca com o pano
sujo próximo ao seu prato, a versão MacPherson para um
guardanapo, ele acreditava.
― Embora eu aprecie a sugestão, Srta. Tulloch, meus
termos devem permanecer firmes.
A diversão a fez franzir os lábios. Ele notou que o
superior era mais fino que o inferior. Nenhum era carnudo.
Mas eles estavam sempre curvados ou movendo-se. Agora, ela
lambia uma gota de sidra no canto de sua boca e espetou:
― E em janeiro, quando suas ceroulas congelarem a sua
bunda até que seus pedaços tenros estejam todos dormentes
e congelados, provavelmente esses princípios elegantes e
cavalheirescos manterão seus fornos quentes, aye?
Por que ele estava encarando a boca de Annie Tulloch?
Deus, precisava visitar Glasgow. Precisava sair da Escócia. A
loucura dela era contagiante.
― A sua preocupação é aquecedora o bastante, ouso
dizer.
Ela franziu o cenho diante do seu tom seco.
― Alguém deveria ficar preocupado com ‘ocê, Inglês.
Nunca vi um homem tão malditamente cansado de sua
própria existência que corre em direção ao mau humor de
Angus como se ele estivesse implorando para acabar com a
sua miséria. ‘Cê não tem família para falar com bom senso?
O menino de antes adiantou-se para limpar o seu prato,
mas John o levantou acima da cabeça dele antes de se
levantar e servir-se de outra porção de carne de veado, pão e
sidra dos pratos no centro da mesa. Se os MacPhersons não
se importavam com as maneiras, ele não via porque controlar
o seu apetite.
― Sim. ― Ele respondeu após engolir suas três mordidas.
― Uma abundância de família, é o que acontece.
― Cinco irmãs. ― Angus interjeicionou, seu olhar
suspeito ricocheteando entre Annie e John. ― São casadas?
― Pelo último relatório, quatro estão. A mais jovem ainda
não arrumou um marido.
― Nem você uma esposa. ― Angus disse. ― Sua mãe pode
não estar feliz com isso.
― Todos ficariam mais felizes se eu pudesse partir
livremente da Escócia. Você e seus amigos escoceses. Minha
família. Eu. ― Ele lançou um olhar seco a Angus. ― Talvez eu
tivesse mais liberdade para arrumar uma esposa se não
estivesse preso a uma propriedade que pouco desejo.
Era tanto uma verdade como uma mentira. Todos
ficariam mais felizes se ele retornasse à Inglaterra, menos ele.
E em certos dias, quando o lago refletia o azul em vez do
cinza, ele considerava manter a terra selvagem e bela de
Ewan Wylie. Mas uma esposa? Ele tinha mais vontade de
casar agora do que quando seu pai recomendara há dez anos
ou quando sua mãe exigira cinco anos atrás.
Annie olhou para Angus antes de cruzar os braços sobre
o peito.
― Faça uma oferta, velho. Mesmo o Lorde da idiotice lhe
deu uma chance esportiva para barganhar esse lugar, embora
fossem tolas as condições dele.
Bufando aborrecidamente, Angus afastou-se da mesa.
― Você tem amolecido, lass. Mimando Huxley como o seu
cordeirinho favorito.
― Ele está aguentado as suas besteiras há muito tempo.
E tenho escutado os mesmos argumentos muitas vezes. ―
Arrastando sua cadeira, Annie se levantou, deu um longo gole
em sua sidra, inclinando a caneca para trás até John ver sua
garganta branca ondular. Depois ela bateu a caneca sobre a
mesa. ― Acabe com isso.
Angus ficou em silêncio, encarando a filha com uma
carranca preocupada.
― Isso não é como você...
― Estou perdendo a minha paciência. ― Ela também
havia perdido a cor e sua boca o sorriso. ― Ele foi bondoso
comigo hoje. Merece algo em retorno.
― Ele teve uma refeição saborosa...
― Faça uma oferta. Ou poderá, malditamente bem, fazer
o seu próprio molho a partir de agora.
― Por Cristo na cruz, lassie, não diga essa tolice...
― Vamos. ― O queixo dela elevou-se em desafio enquanto
ela devolvia o olhar furioso de Angus.
Angus deslizou a sua ira na direção de John.
― Muito bem. Aqui está uma aposta para o seu belo
cordeiro. Concordarei em dividir os direitos comerciais de
acordo com a última proposta de Huxley. ― Lentamente
Angus sorriu. Não foi uma visão agradável. ― Desde que ele
cumpra os termos da escritura original. Dois anos de
residência. ― Ele fez uma pausa, parecendo saborear o
momento. ― E ele deve vencer o evento de minha escolha nos
Jogos de Glenscannadoo, caso contrário, perderá a terra para
mim.
Quando Annie suspirou e deu a volta na mesa para dar
um tapinha de simpatia no ombro de John, ele soube que
estava enrascado.
― Bem, nós tentamos. Acredito que o inverno na
Inglaterra seja mais generoso com suas anáguas com babados
do que o da Escócia. Pode ficar agradecido por isso.
Lentamente John depositou o seu garfo ao lado do prato.
A porcelana lascada em dois lugares. O garfo estava
manchado e torto.
Seu intestino começou a queimar. Endurecer. A
comichão aumentou insuportavelmente.
― Talvez eu devesse. Mas não pretendo deixar a Escócia
antes do inverno.
Com as mãos nos quadris, ela se inclinou para frente e
fixou o olhar no dele.
― Não? ‘Cê assistiu os jogos do verão passado, aye?
― Sim.
― E ‘cê viu os MacPhersons derrotarem até o último
homem da mesma forma que eu corto as minhas cebolas para
o meu molho... até que eles estivessem macios e fracos.
De fato ele vira. Os filhos de Angus tinham problemas
para encontrarem competidores, já que poucos homens
desejavam sofrer tais humilhações. Eles dominavam todos os
eventos, desde a corrida até toca a gaita de foles.
Mas haviam proposto um desafio a John Huxley. Na
verdade, passara muito tempo desde que ele sentira o fogo da
aventura. E talvez esse fogo fosse momentâneo, um fulgor do
orgulho irritante no sorriso do MacPherson e o comentário de
Annie sobre anáguas. Mas ali estava.
Após período longo, frio e seco, o fogo estava ali.
― Nós temos uma aposta, MacPherson. ― Ele disse,
pegando sua faca para passar manteiga no pão. ― Que vença
o melhor.
Capítulo 3

Folhas amarelas eram trituradas sob as botas de Annie.


A última noite havia geado mais do que chovido, fazendo com
que a via de charretes através do vale estreito fosse um teste
para as botas e ao equilíbrio. Soltando o ar que saía branco
no frio, ela escalou um tronco caído e contemplou o lago.
Ele brilhava azul em meio aos pinheiros salpicados de
gelo. A bétula branca desfolhada dançava em seus reflexos.
Este lago era menor do que o Lago Carrich, embora ainda
longo e profundo, uma ranhura aquática no centro da curva
do vale que o enchia com todas as maravilhas.
Duas delas cruzavam a via dez metros a sua frente. Um
cervo e uma corça.
Ela parou. Esperou. Eles eram cautelosos ao seguir o
caminho até o lago para matar a sede, provavelmente. Após
uma pausa para piscar em sua direção, eles seguiram. Logo
atrás deles, um filhote deixou o arbusto onde estava
escondido e seguiu a mãe.
― Quer ver isso, Fin? ― Ela sussurrou. ― Uma família. ―
Sem pensar ela esticou a mão por Finlay. Seus dedos
fecharam-se em torno deles mesmos. Vazios.
Deus. Quase um mês sem ele. Ela engoliu em seco e se
forçou a prosseguir. A mover-se.
A dor não ajudava ninguém, muito menos Fin.
O dia de hoje era para ajudá-lo a encontrar seu caminho
de volta para ela. Ela escorregou pelo caminho coberto de
gelo. Bateu o cotovelo no tronco da bétula. Forçou-se a seguir
em frente. Amaldiçoou tudo e todos que haviam sido
malditamente inúteis.
A Sra. MacBean. Angus. E a si mesma afinal.
Ela havia se debruçado sobre os livros da Sra. MacBean.
A maioria deles era pura besteira. Descobrira um unguento
decente para as erupções na pele de seu irmão Broderick
após babear-se, mas fora isso, nada mais.
Dois dias atrás, ela explodiu na choupana da Sra.
MacBean quando a anciã não conseguiu recordar se o livro
desenterrado do vaso de flores era sobre fantasmas ou fadas.
No fim, era um guia das cervejarias e casas públicas de
Glasgow. Aparentemente, havia uma cerveja boa perto da
fábrica de cordas senão se importasse com o fedor.
Ontem, Annie voltara à choupana da Sra. MacBean com
cinco fornadas frescas de pães e exigiu:
― Não me diga o que tem lido. ― Espetou, derrubando a
cesta na mesa. ― Me conte o que sabe.
O olho bom da Sra. MacBean a olhou de cima a baixo.
― Sobre fantasmas? Não tanto quanto supõe.
Ela bufou.
― Não duvido disso. Apenas me conte o que descobriu.
Além dos locais para se tomar cerveja em Glasgow.
― Eles são escorregadios. Esperam até escurecer para
aparecer. Nunca ficam muito tempo para uma conversa.
Brincalhões antissociais, muitos deles.
― Finlay não é assim.
― Aye, lass. Ele não é.
― Ele gosta de um bom truque de vez em quando. ― Ela
recordou seu Fin Sorridente. O riso dele quando fazia a Sra.
MacDonnell sentir calafrios sem suspeitar. Ela engoliu um nó.
Piscou até que a névoa aquosa passasse. ― Mas ele é um
rapaz corajoso.
― Assim como você. ― Os dedos ossudos e manchados
da anciã tamborilaram nos braços da cadeira. ― Talvez ele
não seja como os outros fantasmas. ― O olhar da anciã recaiu
sobre o lugar onde a mão de Annie reflexivamente cobria as
costelas. ― O que sabe sobre o rapaz?
― Ele está comigo desde que eu era pequena.
― Desde que sua mãe morreu, aye?
Annie assentiu.
― A mãe dele morreu também, antes dele. Ele ficou para
trás para... encontrá-la, suponho. Depois não conseguiu mais
encontrar seu caminho.
― Provavelmente ele sentiu uma familiaridade, você
tendo uma idade próxima à dele. Perdeu a sua mãe. Deve ser
o motivo para ele se prender a você.
E ele estivera conectado a ela desde então. Até o ano
anterior, quando ela começou a perdê-lo, a corda deles se
deteriorando e Finlay lutando fortemente para mantê-la
intacta. Perdendo sua cor. Perdendo seu controle.
Desaparecendo.
Foi-se.
― Sinto muito, lass. Eu tinha certeza de que o amuleto
de cardo funcionaria.
― Eles não foram feitos para serem usados, sua velha
idiota. Tive que usar a pomada de Angus para parar a
irritação.
― Muitos clãs das Terras Altas usam com orgulho.
― Em seus estandartes. Pois é uma erva daninha
espinhosa que fere ‘ocê quando o pisa e é um emblema
adequado a este lugar. Eles não usam essas coisas vis em
seus pescoços.
A confusão entorpeceu as feições da mulher.
― Talvez um talho de cardo tivesse bastado. ― Ela deu de
ombros. ― Esses são mistérios profundos que estamos
escavando, lass. Forças obscuras e reinos ocultos. As
respostas não virão facilmente.
― Ou neste caso, não virão.
― Agora, se soubesse onde ele foi enterrado, poderia ser
alguma coisa.
Annie olhou feio para a anciã.
― Eu lhe disse onde ele foi enterrado um ano atrás, na
primeira vez que me perguntou.
A Sra. MacBean piscou, seu olho leitoso começou a
vagar. Ela coçou a cabeça.
― Você disse?
― No antigo cemitério, perto do castelo.
― Oh. Bem, por que não disse então?
Agora, na manhã após a sua conversa com a meio
maluca e totalmente confusa Sra. MacBean, Annie se
aventurava pelas terras dos MacPhersons em direção à de
John Huxley em uma missão idiota. O castelo ficava na parte
nordeste do lago, isolada na profundeza do vale, a meia hora
de caminhada da Casa MacPherson.
O que ela diria ao Huxley quando ela chegasse? Não
sabia. Ela não o via desde que ele devorou sua carne de veado
compulsivamente e depois aceitou a aposta ridícula de Angus.
Em seguida, ele pôs o chapéu, entregou-lhe os três novelos de
linha que ela derrubara na praça e foi embora na chuva
torrencial, dizendo apenas um conciso " boa noite, Srta.
Tulloch."
Ele era estranho, o Inglês. Teimoso. Reservado, embora
pudesse apostar as suas melhores botas que aquela reticência
ia contra sua verdadeira natureza. Ela zombava dele sobre ser
tão bonito que podia cegar uma moça, mas, na verdade, o
comportamento dele diminuía seu brilho. Se o homem alguma
vez desse um sorriso genuíno, Deus ajudasse qualquer
mulher e seus sistemas reprodutores.
Quando ela contornou no galho da bétula o castelo
entrou em sua visão. De pedra cinza irregular, projetava-se
para cima entre a costa do lago e um cenário de pinheiros
escuros. A névoa subia das águas como dedos se fechando. A
luz dançava em uma variedade de tons de branco e verde.
Deste ângulo, o Castelo Glendasheen parecia encantado.
A casa não era um castelo de verdade, claro, mas um
pavilhão de caça construído pelos ancestrais dos MacDonnell.
O telhado, recém-reparado com ardósia preta, tinha uma
série de frontões íngremes, incluindo uma torre hexagonal em
um dos cantos. As janelas eram todas estreitas, mas em um
bom número, e elas brilhavam com o vidro novo. O jardim ao
redor do piso térreo da casa foi limpo das amoreiras e das
pedras rejeitadas. Em seu lugar, agora existia um gramado
cortado, cercas baixas e vários pinheiros antigos.
Ela se perguntou se Huxley fizera um progresso
similarmente impressionante no interior. Fumaça rosa saia de
uma das chaminés, assim o lugar não o matara ainda.
Bom. Ela gostava do homem, embora ele estivesse louco
por aceitar a aposta de Angus. Ficar no vale durante o
inverno das terras Altas apenas para ser humilhado na frente
da vila inteira antes de perder a sua terra? Devia gostar de
sofrer.
Na hora em que chegou à porta pesada de carvalho do
castelo, seu nariz estava dormente e apertava os dentes para
eles não baterem. Ela ergueu a aldrava de ferro e a bateu sete
vezes.
Nenhuma resposta.
Mais sete vezes.
― Huxley! ― Ela gritou olhando para cima, para os três
andares de pedra cinza e elegantes arcos pontiagudos. ― ‘Cê
tem visita!
Nada.
Maldito homem, ela teria gostado de se aquecer perto do
fogo antes de se sujar entre os mortos.
― Inglês preguiçoso. ― Ela murmurou, seguindo o
caminho para os pinheiros além do jardim, onde o velho
cemitério estava. ― Não consegue nem mesmo arrastar o
traseiro para fora da cama para atender a maldita porta.
Passando pelo principal grupo de árvores que
flanqueavam o castelo, uma clareira cheia de ervas daninhas
pontilhadas por marcas de pedra decrépitas e mudas de
bétulas cercavam o esqueleto da velha igreja. Duas paredes
altas ainda estavam de pé, mas o resto era ruína. A cada
primavera, as ruínas eram cobertas por mais samambaias e
musgos. Pássaros faziam ninhos nas fendas e voavam sempre
que alguém se aproximava. Ela sempre sentiu que o lugar
tinha um pouco de magia. Mas enquanto o outono virava
inverno, ele ficava mais gelado.
Tremendo por causa de um arrepio, ela se abraçou
apertado e andou sobre as lápides dos MacDonnell em
direção à parte mais antiga do cemitério. Atrás de uma cerca
velha, perto da base de uma das paredes, um portão de ferro
enferrujado estava apoiado desajeitadamente onde ele caíra
quando suas dobradiças quebraram.
Ali era onde Finlay fora enterrado. Perto do portão. Do
canto nordeste da ruína da igreja. Sem marcas. Sem sinais de
que os ossos deles estavam deitados debaixo do solo. Ela
apenas sabia porque ele lhe mostrara o ponto anos atrás
quando perguntou onde era o descanso dele. Finlay não
gostava de visitar o lugar. Ele preferia não lidar com seu
passado.
Grama congelada farfalhou quando ela se agachou perto
do portão. O ferro enferrujado gemeu e picou suas mãos
quando ela o tirava do chão. Empurrando-o para o lado até
ele cair pesadamente, ela amaldiçoou.
― Maldita coisa sórdida. ― Ela murmurou tirando as
ervas daninhas que cobriam o túmulo de Fin. Uma vez que o
solo estava limpo, ela retirou uma pequena escultura de
madeira de dentro do plaid. Era para ser um cardo. Parecia
um cogumelo.
Suspirando, ela puxou a nota que a Sra. MacBean lhe
dera. Ela o leu silenciosamente antes de revirar os olhos.
― Idiotice. ― Ela murmurou.
Mas isso era por Finlay. Então ela ignorou todo o bom
senso e leu as palavras em voz alta.
― Espírito que jaz em solo alagado... ― Ela franziu o
cenho. ― Solo sagrado, não solo alagado, sua velha idiota.
Ela recomeçou.
― Espírito que jaz em solo sagrado, venha diante do
círculo onde meu regalo pode ser encontrado. ― Ela amassou o
papel. Olhou ao redor. ― ‘Cê não mencionou nenhum círculo,
sua velha idiota. ― Ela grunhiu. Perdendo a paciência, ela se
levantou para recolher algumas pedras e depois as arranjou
em um círculo. Ajoelhando-se, ela tentou novamente.
― Espírito que jaz em solo sagrado, venha diante do
círculo onde meu regalo pode ser encontrado. Pois, como a
semente que eu planto crescerá... ― Ela examinou a escultura
que tinha em mãos. ― Agora, suponho que quer que eu
enterre a coisa, sua velha idiota.
Os dedos dela arderam enquanto ela cavava a terra
gelada. Finalmente, ela largou o cardo-cogumelo no buraco
raso, raspou a terra de volta no lugar e leu a tagarelice
rimada da Sra. MacBean.
― Espírito que jaz em solo sagrado, venha diante do
círculo onde meu regalo pode ser encontrado. Pois, como a
semente que eu planto crescerá, uma ponte entre os reinos
surgirá.
Ela esperou. Prendeu a respiração em um momento de
esperança tola. Mas nada aconteceu.
Nem uma brisa. Nem uma cócega na palma de sua mão e
nem uma pequena centelha entre suas costelas.
Os dedos doíam de arranhar ervas daninhas, torcer e
cavar. Os joelhos estavam molhados e dormentes de ficar
ajoelhada. Ela provavelmente teria manchas para limpar em
suas calças.
Ela se balançou para frente, sua mão espalmada no
pequeno monte de terra onde enterrara o feitiço em forma de
cardo.
― Sinto muito, Fin. ― Ela sussurrou, mal respirando. ―
Encontrarei um jeito. Prometo. ― Ela bateu no solo. Deixou a
cabeça cair e se permitiu sofrer. Depois, cerrou os dentes e
levantou-se.
Seguindo o caminho de volta ao castelo, ela lutava contra
o desespero e buscava soluções. Talvez ela pudesse
acompanhar os homens MacPherson da próxima vez em que
eles fossem entregar uísque em Edimburgo. Provavelmente lá
teria mais fontes de conhecimento do que a Sra. MacBean em
uma cidade daquele tamanho. Não que ela fosse lá com
frequência. Ou já tivesse ido, de fato.
A quinze metros do castelo, ela parou quando algo
extraordinário atraiu sua atenção. Um martelo. Voando pelo
ar.
Ela arregalou os olhos quando a coisa passou em arco
sobre a sua cabeça. Ele bateu em um pinheiro atrás dela e
caiu no chão no meio de uma enxurrada de folhas verdes.
Ela fez uma careta para a coisa antes de se virar para
recolhê-lo. Maior e mais pesado do que um martelo normal,
parecia do tipo usado para bater os postes das cercas. Ela o
colocou sobre um ombro e murmurou:
― Espero que não tenha outro desses, Inglês. Eu gosto
da minha cabeça onde ela está.
Ela se aproximou do castelo, mantendo o olhar atento
para mais ferramentas voadoras.
― Huxley! ― Ela chamou enquanto se aproximava da
porta principal. ― Onde diabos está?
Quando ele apareceu, estava de mangas arregaçadas ― o
tecido molhado de suor, mangas roladas para cima expondo
antebraços polvilhados de pelos castanhos.
Os olhos dela se fixaram naqueles braços nus. A
espessura chocante dos músculos. A força que eles
implicavam.
― Srta. Tulloch?
Ela piscou. Percebeu que estava encarando como uma
ovelha sonhadora. Ele dobrou a esquina do estábulo a vinte
metros de distância, cruzando o espaço entre eles em passos
longos e precisos. Seu cabelo e a barba brilhavam castanhos
com reflexos dourados.
Braços nus. Engraçado, o Inglês usava apenas uma
camisa. O resto dele estava decentemente coberto. Calças
beges que já tinham visto dias melhores. Botas que
obviamente usava mais para trabalhar do que para passear.
Mas ele não estava em sua usual elegância.
Um casaco o deixaria mais bonito. Um chapéu o deixaria
mais refinado.
Então, por que o coração dela acelerou? Por que ela
podia ver os músculos dele? Que besteira.
Ela voltou a avançar, batendo um dedo contra o cabo do
martelo.
― Sua distância é muito curta, Inglês, mas, pelo menos,
seu objetivo é uma merda.
Ele fez uma carranca e se aproximou.
― O que está fazendo aqui?
Ela deu de ombros.
― Vim conferir se já rachou seu crânio com um martelo.
Parece que cheguei bem a tempo.
Ele arrancou o martelo da mão dela com uma facilidade
invejável.
― Estava reparando o estábulo. Ele escorregou.
― Certo. ― Ela cruzou os braços e olhou para a extensão
dos ombros dele. Impressionantes, tinha que admitir. Não nas
proporções MacPhersons, mas nada mal. ― Já fez algum
progresso no castelo, então?
― Um pouco.
― Os fornos parecem funcionar.
― Veio um pedreiro de Inverness. Ele foi um dos poucos
dispostos a viajar até aqui. ― A voz dele estava cheia de
sarcasmo. ― Se eu tivesse permissão para contratar os locais.
― Aye. Isso é um aborrecimento.
Ele esfregou uma mão sobre a barba e lhe lançou um
olhar hostil.
― Por que está aqui, Srta. Tulloch?
Lentamente ela sorriu.
― Bem, achei que nunca perguntaria. Vamos discutir
isso perto do fogo, ãh?
― Não posso convidá-la a entrar.
― Por quê ?
― Eu não tenho criados. Estamos sozinhos aqui.
― E?
Ele suspirou. Atirou o martelo uns dez metros para o
lado dele com o movimento do braço. Ele caiu com um baque
surdo dentro de um balde perto da porta do estábulo.
Impressionante.
― O MacPherson e eu temos uma aposta. Se ele deseja
mudar os termos, ele que venha aqui.
Ela riu.
― Angus planeja vencer, Inglês. Ele acha que os termos
são ótimos.
― Então por que ele enviou a filha para ser
comprometida?
Comprometida? Como em... Bom Deus. Era raro Annie
ficar sem palavras. Mas naquele exato momento, ela não
conseguia mover a boca, quanto mais falar.
― Acredita que não entendi o jogo? ― Os olhos brilhavam
dourados na luz da manhã. ― Você vem aqui sozinha,
convida-se a entrar. Angus ou algum dos seus irmãos vem
buscá-la e nos encontrará juntos. Et voilà. Seremos forçados a
casar e os MacPhersons terão minhas terras, mesmo que por
meio do casamento.
― Casamento.
― Vamos lá, Srta. Tulloch. Não pode ser ignorante do
significado de visitar a casa de um homem solteiro sem um
acompanhante.
Sua cabeça girava. Ele disse algo desconexo em meio a
suas estranhas divagações, mas ela entendeu o restante
muito bem. Ele pensava que ela era uma rameira. Pior, uma
rameira com intenção de prendê-lo como um cervo em uma
jaula particularmente grande.
Annie tinha Angus e quatro irmãos MacPhersons
gigantes para cuidar dela, assim como seu laddie, que ela
encontraria uma forma de trazê-lo de volta. Uma coisa que ela
não precisa era de outro homem por perto, sujando a sua
casa e resmungando sobre seu estômago vazio. E um marido?
Ele exigiria muito mais do que jantares e remendos. Ele iria
querer se deitar com ela. Despida, provavelmente. Ele iria
querer que ela lhe desse filhos.
Se a ideia de ela criar uma armadilha para conseguir um
marido fingindo ter sido comprometida não fosse tão tola, ela
gargalharia.
Em vez disso, ela olhou incisivamente para os arredores
e ergueu uma sobrancelha.
― Talvez não tenha notado, mas não estamos exatamente
reunindo um clã aqui. Além de eu e ‘ocê, dentro ou fora. A
única diferença é que, dentro do castelo, tenho uma pequena
chance de sentir todas as minhas partes dormentes
formigando antes de seguir a minha casa.
Ele piscou. Fez uma cara feia. O olhar dele caiu
rapidamente sobre o plaid dela antes de voar novamente para
seu rosto.
― Oh, o frio está deixando-o todo vermelho, homem. ―
Ela estalou a língua. ― Deveria vestir um casaco.
― Estava trabalhando. Sozinho. Agora, se não se
importa, gostaria de terminar a dita tarefa.
Ela zombou e se dirigiu ao castelo.
― Aonde pensa que vai?
― Para dentro. ― Ela gritou por cima do ombro. ― Onde
está quente e adequado.
― Srta. Tulloch...
― Fique ai, se preferir. ― Ela sorrir e empurrou a porta
pesada. ― ‘Cê não vai querer me comprometer, não é, Inglês?

***
Seguir Annie Tulloch para dentro do castelo era um erro.
Primeiro, a mulher era pura frustração. Ela também era um
risco. Ele vinha sendo alvo de muitos esquemas
casamenteiros pelos mais sofisticados jogares para pensar o
contrário.
Ainda assim, quando ela entrou no saguão de entrada,
ele se viu em seu rastro. Observando-a. Antecipando a reação
dela com uma indesejável intensidade.
Ela girou em um círculo no centro do saguão,
observando as vigas restauradas e as pedras reparadas,
depois as três janelas estreitas acima da porta onde ele
instalara vitrais com representações do vale.
Ele aguardou.
Com as mãos nos quadris ela examinou o piso. Ele
comprara a pedra de uma pedreira próxima e a colocou
sozinho. Ela deslizou levemente a ponta da bota sobre a
superfície suave e escura.
Finalmente ela caminhou até o arco que levava ao
corredor principal. A luz que atravessava o vitral brincava
com os cabelos dela. Ela o usava trançado hoje, ele notou.
Sem chapéu. Apenas fogo.
― ‘Cê usou a mesma ardósia para o teto e o piso. Da
pedreira do Sr. Gillis, aye? Uma pedra elegante e aderente. ―
Ela murmurou, deslizando um dedo sobre a madeira que ele
escolheu para revestir o arco. ― Dispendioso.
Ele percebeu que ela usava luvas sem dedos e as pontas
estavam sujas, as unhas um pouco lascadas. O que ela
estivera cavando?
― O Sr. Gillis baixou o preço para irritar Angus? ― Ela
perguntou. ― Ou ele foi enfeitiçado por esses seus bonitos
olhos?
― Como sabe, seu pai dificultou para que eu obtivesse
materiais e contratasse trabalhadores.
― Padrasto.
― O Sr. Gillis concordou em me vender a pedra, apesar
da intimidação do MacPherson.
― Gillis vende ardósia para os moradores das Terras
Baixas construírem suas casas grandes e vistosas. Ele não
está preocupado em agradar os locais. ― Ela caminhou para
além do arco.
Ele a seguiu, esperando mais dela. Um reconhecimento.
Alguma coisa.
― Eu mesmo pus a pedra. Eu mesmo reparei o telhado.
Recoloquei muitas das janelas. ― A frustração do último ano
ressurgiu enquanto ele a seguia por sua casa semipronta. ―
Se não fosse pela interferência do MacPherson, eu já teria
acabado há meses.
―Aye. ― Ela disse, atravessando outro arco em direção à
sala de estar, onde ele começara a cobrir as paredes com
painéis, mas não havia restaurado a lareira. ― ‘Cê tem algum
trabalho a fazer, isto é certo.
Ele quis grunhir. A reação gutural se rastejou dentro de
seu peito, desconhecida e desconcertante. O que diabos havia
de errado com ele?
― Eu teria muito menos coisas a fazer se...
― Onde aprendeu essas habilidades, Inglês? ― Ela parou
perto de uma das janelas e virou-se para encará-lo, um
pequeno vinco entre suas sobrancelhas. ― ‘Cê parece um
bocado cavalheiro para colocar pedras e martelar postes.
― Você não sabe nada sobre mim, Srta. Tulloch.
A boca dela se retorceu.
― Eu sei que fala como se alimentasse de facas e vinagre.
― Facas e vinagres?
― Aye. Cada palavra é um corte limpo. Polido.
― É o que lhe ofende a meu respeito? Minha pronúncia?
Ela bufou.
― Não seja tolo. ― Cruzando os braços sobre o peito, ela
o olhou de cima a baixo. ― Isso me faz refletir. Isso é tudo.
― Refletir sobre o quê?
― Quem ‘cê é?
Ele fez uma pausa, mantendo sua expressão firme.
― Dificilmente um mistério. Você sabe o meu nome.
― Humm. John Huxley. ― Ela murmurou.
Ele inclinou a cabeça.
― Um cavalheiro.
― Sim.
As pontas dos dedos dela vagarosamente traçaram seu
painel inacabado. Enquanto a luz da manhã acariciava as
bochechas e os fios de fogo roçavam a mandíbula dela, ela
deslizava seu polegar por uma moldura de canto.
― E um artesão, pelo que parece.
Ele não conseguiu evitar o calor que correu através dele
naquele momento. A forma como ela tocava a madeira que ele
trabalhara. A forma com que os olhos azuis se demoraram em
seus antebraços. A leve abertura de lábios com seus
subterfúgios levemente tentadores.
A admiração dela foi algo sutil, uma mera amostra do
que alimentava esse desejo condenável. Mas ele queria mais.
Ela sabia?
Estaria Annie Tulloch o seduzindo deliberadamente?
Este estaria entre os métodos mais bizarros que ele já
encontrara. Porém efetivos. Malditamente efetivos.
Deus, isso era loucura. Procurar a aprovação dela.
Cobiçá-la, entre todas as pessoas. Ele havia passado tempo
demais sozinho neste lugar. Nem mesmo a viúva em Glasgow
o curara.
― Você nunca respondeu a minha pergunta. ― Ele disse
endurecendo o tom enquanto examinava as mãos dela. Mãos
sujas. Pequenas. ― O que veio fazer aqui?
― Me responda antes, Inglês. Como aprendeu a trabalhar
com madeira e pedras, ãh?
Ele hesitou sabendo que quanto mais informações lhe
desse, mais ele dava ao MacPherson. E quanto mais o
MacPherson soubesse, mais dura seria a tarefa de John.
― Aqui, agora. ― Ela disse, seu sorriso zombador, os
olhos azuis brilhantes. ― Se me contar um pouquinho, eu lhe
direi porque não consegue colocar a janela da torre sem
quebrar.
Maldito inferno. A moldura da janela já danificara três
painéis de vidro. O atual, instalado há apenas uma semana,
parecia uma teia de aranha.
―O que sabe sobre isso? ― Ele indagou.
Ela passou por ele e caminhou de volta ao corredor.
― Me fale sobre ‘ocê. Esse é o meu preço.
Ele a seguiu, vergonhosamente intrigado pelos estranhos
detalhes da figura dela: as panturrilhas bem torneadas, as
quais ele podia ver porque a mulher vestia calças e botas em
vez de saias. Suas mãos pequenas e sujas que secretamente
limpara em um canto do plaid. As manchas em seus joelhos.
O cabelo, que brilhavam como cobre e roçavam a base da
coluna dela.
As coxas não estavam visíveis porque estavam envolvidas
pelo tartã. Assim como os seios. Ele gostaria de vê-la sem o
plaid. Ele gostaria de vê-la sem a túnica. Afinal, sem nada.
― Vá em frente. Conte-me. ― Ela sugeriu por cima do
ombro enquanto caminhava da sala de jantar, pelo pequeno
corredor, que levava à cozinha. ― Prometo que não rirei.
Ele desviou da proteção temporária que ele colocara na
passagem e segurou o braço dela.
― Cuidado. Eu ainda estou arrumando esta parte da
casa.
Embora levemente iluminado pelas janelas da sala de
jantar e da cozinha, o corredor era escuro e apertado. Alguma
coisa suave e macia roçou suas costelas enquanto ela se
virava.
― Aye. ― Ela deu um tapinha na mão que a segurava. ―
Não se preocupe. O fogo está me guiando diretamente a ele.
Já sinto meu traseiro formigar. ― A risada rouca dela acordou
partes do corpo dele que nem deveriam se interessar.
O desejo era indesejável e exasperante, muito parecido
com a própria Annie.
Abruptamente ele recuou, apenas para bater a cabeça na
proteção.
― Droga. ― Ele falou entre os dentes.
― Oh, ‘cê é um desastrado, John Huxley. ― Ela o puxou
para frente. ― Vamos nos aquecer e trocar um pouquinho de
histórias, ãh?
Ele não queria trocar histórias. Ele não a queria ali de
jeito nenhum. Principalmente em sua cozinha. O local ainda
estava em ruínas, embora ele tenha removido os destroços,
construído uma nova bancada de trabalho e reparado o forno.
Era funcional. Mas muito pouco.
Ela parou com as mãos apoiadas nos quadris,
examinando o lugar com uma expressão preocupada.
― ‘Cê tem uma despensa?
― Desmoronou.
― Onde está estocando a sua comida?
― No porão. Há uma porta para o jardim que o torna
conveniente.
Ela assentiu. Estendeu as mãos em direção ao forno.
Virou-se para aquecer as costas. Mexeu os quadris de uma
forma inconveniente e extremamente hesitante.
― Conte-me um pouco sobre ‘ocê. ― Ela inclinou a
cabeça como se não fosse uma tentativa de sedução. ― De
onde vem?
Ele engoliu em seco e tentou ignorar o quanto os olhos
dela lhe lembravam as centáureas dançando em um campo
no verão.
― Nottinghamshire.
― Nunca estive lá. É agradável?
― Adorável.
― Tempo melhor, hein?
― Menos rabugento. Mas as colinas dificilmente podem
ser consideradas colinas afinal. ― Sem pensar, os olhos dele
recaíram sobre o colo dela. ― Na verdade, prefiro esta
paisagem.
― Onde aprendeu sobre tudo isso, Inglês?
― Eu construo barcos. Navego-os. Viajo para todos os
tipos de lugares. Comercializo com todos os tipos de pessoas.
Faço todo tipo de coisas.
Sobrancelhas ruivas se elevaram.
― Todo tipo? Soa aventuroso.
― Diriam que sim.
― Ainda assim ‘ocê sempre parece alquebrado, Inglês.
Ele franziu a testa intrigado.
― Exausto. ― Ela esclareceu. ― Toda essa aventura o
trouxe aqui?
― Em partes. Foi como conheci Ewan Wylie. Ele sabia
sobre barcos, melhor do que a maioria.
― Então, ‘cê e o velho Willie construíram barcos juntos.
― Sim. Eu vendi a exploração após a morte dele.
― Deve ter enchido totalmente os bolsos. É como pode se
dar ao luxo de tanta ardósia do Sr. Gillis? Ou dos mais
elegantes tecidos do Sr. Cleghorn para as suas ceroulas?
O seu intestino endureceu. Ele suspeitava que o
MacPherson a enviara ali, ou para obter informações ou com
propósitos desonestos. Agora ele sabia.
― Meus calções não são de sua conta, Srta. Tulloch. ―
Ele alertou suavemente enquanto contornava a mesa e se
juntava a ela ao lado do forno. O calor fez a barba dele
pinicar. ― Nem os meus bolsos.
Ela deu de ombros, mas o sorriso desvaneceu em
preocupação.
― Estou mais interessada em sua cozinha do que no seu
dinheiro, Inglês. Este lugar não serve para nada além de
ferver água. Como não está faminto?
― Explique sobre a janela. ― Olhando fixamente, ele se
aproximou.
Ela piscou. Recuou um passo antes que suas bochechas
ficassem em chamas e ergueu o queixo desafiadoramente.
― Eu lhe dei o que pediu, Srta. Tulloch. Ou, mas
precisamente, o que o MacPherson a enviou para descobrir.
Agora, explicará por que a janela da torre mantém-se
quebrando. Depois, partirá.
― Angus não me mandou aqui. Se ele soubesse que eu
vim, ele ficaria...
― Sim, sim. Negativa anotada. A janela, por favor.
Ela fez uma careta.
― Ela está amaldiçoada.
Com um suspiro forçado ele engoliu um palavrão.
― Pensei que soubesse alguma coisa útil.
― Como?
― O tempo úmido compromete a estrutura. Ou as pedras
devem ser realocadas. Ou o vidro deve ser mais grosso. ― Ele
inclinou a cabeça, fixando o olhar no dela. ― Nada como esta
superstição idiota.
― Uma família foi assassinada nesta casa. Um ramo
inteiro dos MacDonnells...
― Explore cada pedaço de terra na Grã-Bretanha e
descobrirá que a morte formou o solo sob nossos pés. Se este
lugar é amaldiçoado, todos nós estamos amaldiçoados.
Ela sacudiu a cabeça.
― Não assim. Sabe por que chamam esse lugar de
Glendasheen?
― Não tenho tempo para isso.
― Vem do gaélico, Gleann Taibhsean. A pronúncia
mudou um pouco com o tempo, admito.
― Tente sua sedução bizarra com outro homem.
― Vale dos fantasmas. Fantasmas. É esse o significado. ―
Ela parou. Piscou. Arregalou os olhos e franziu a testa. ―
Merda. ‘Cê disse ‘‘sedução’‘?
― Receio ter trabalho a fazer.
― Maldito inferno, Inglês. ― Ela gargalhou. ― Primeiro
comprometer-se, depois seduzir. Ainda acredita que estou
aqui para prendê-lo em casamento?
― Em minha experiência, uma mulher só pergunta sobre
a riqueza de um homem quando procura casamento. E uma
dama nunca pergunta.
Ela estendeu os braços para o lado e olhou para si
mesma.
― Bem, não tenho o tipo de relacionamento com damas
elegantes e cavalheiros decentes como ‘ocê, Inglês. E devo
admitir que é bonito como uma margarida miúda presa entre
os dentes de uma fadinha flutuando sobre uma cachoeirinha
feita de raios de sol. ― Ela sorriu para ele. ― Mas se isso é
sedução, morrerei solteirona.
Ele se recusou a se unir a diversão dela, apesar da
comichão profunda e agonizante que se espalhava por seu
corpo.
― Brinque de escocesa insolente se quiser. ― Ele cerou
os dentes. ― Eu conheço sedução quando a vejo.
― Evidentemente que não. ― Ela balançou a cabeça de
uma forma penalizada. ― Está muito sozinho. Aqui em cima
em seu castelo, sem ninguém com quem conversar, exceto os
fantasmas e a sua triste existência.
― É melhor que parta agora. ― Ele espetou. ― Antes que
o tempo mude.
Ela o cercou, esticando e apoiando uma mão sobre o
ombro dele. A posição colocava o seu corpo muito perto do
dele.
― ‘Cê deveria procurar uma mulher para fornicar de vez
em quando, Inglês. Limpar a sua mente.
A afirmação ultrajante, combinada com a proximidade
ultrajante, dispersou todos os pensamentos, exceto um,
aquele que ele não deveria ter.
Com um tapinha afetuoso, ela passou por ele e seguiu o
caminho para a porta da copa.
― Receio que não possa ser eu, embora seja tentador
com os meus muitos, muitos encantos.
A provocação dela o atingiu como um cervo que não
estava atento o bastante.
― Ah, Inglês. ― Ela falou, parando no vão da porta
enquanto a luz da manhã deixava o cabelo em chamas. ―
Quando praticar em atirar o martelo, solte os quadris. ― Ela
demonstrou movendo seus próprios quadris em círculos.
A boca dele ficou seca. Todo resto ficou duro.
― Depois anule o peso do martelo e o estenda o alcance
dele. ― Novamente ela demonstrou, alongando o braço direito
em oposição ao quadril esquerdo. ― Golpes longos. Apenas
naquele limite tênue entre segurar firme e perder o controle.
Esse é o segredo. ― Ela demonstrou o movimento sinuoso e a
liberação.
Foi a coisa mais erótica que ele já vira.
― Continue treinando, John Huxley. ― Ela lançou um
sorriso por cima do ombro. ― Se espera vencer os
Highlanders, precisaria de toda prática possível.
Capítulo 4

Ser içada a mais de dois metros no ar e depois carregada


como um saco de batatas não era o método favorito de Annie
para desembarcar da carroça da Destilaria MacPherson. Mas
isso parecia agradar seus irmãos, então ela o permitia.
No momento estava, para se equilibrar, agarrada ao
pescoço grosso de Campbell enquanto ele a abaixava. Seu
meio-irmão mais velho era também o mais alto, uns vinte
centímetros mais do que um metro e oitenta, então, parecia
que ela estava sobre um cavalo. Exceto que cavalos não
tinham a fisionomia soturna de Campbell MacPherson.
Ela deu um tapinha no queixo poderoso dele enquanto
ele a colocava gentilmente no chão em frente a Casa
MacPherson.
Ele grunhiu.
― De quem, então?
Três dos seus irmãos haviam retornado em segurança
após a entrega em Edimburgo. O quarto, Broderick, estava
em apuros. Atirar no cobrador de impostos não era um
assunto insignificante para ser resolvido com um bocado de
moedas. Broderick ficara detido a espera do julgamento,
mesmo depois que os MacPhersons terem aplicado pressão
máxima aos contatos deles dentro do governo.
― Skene. ― Grunhiu Alexander, carregando um barril de
sidra em seu ombro massivo. ― Maldita pilha de merda podre.
Apostaria que foi quem armou para ele.
Rannoch carregou um segundo barril para dentro. Seu
sorriso perverso de costume sumira e fora substituído por um
brilho mortal. ― Veremos quão certa é a evidência quando as
bolas de Skene estiverem entre suas botas.
― O dano está feito. ― Disse Campbell. ― Não é contra
Skene que estamos lutando agora, mas contra o sujeito que
pôs seus punhos na balança.
Annie seguiu seus irmãos através da porta e se ocupou
ao remover seu chapéu e colocando um avental. Era melhor
permanecer distraída, do contrário, ver-se-ia envolvida em um
pequeno nó de medo e dor.
Primeiro Finlay, agora Broderick. Perder um, foi
insuportável. Perder os dois, a mataria.
O terceiro de quatro irmãos, Broderick era o melhor
deles: generoso, charmoso, tranquilo para um MacPherson.
Quando Campbell estava quieto demais, Broderick tocava seu
violino fazendo pedra chorar. Quando Alexander entrava em
um de seus modos sombrios, Broderick lhe encontrava uma
tarefa que não envolvia matar. Quando Rannoch deitou-se
com a mulher errada, Broderick pacificou tudo.
E quando Annie falou de passagem sobre a necessidade
de uma nova chaleira, Broderick voltou com uma de cobre
brilhando.
― Oh, irmão, não deveria gastar seu dinheiro comigo.
― Você sempre cuida bem da gente, Annie. Se não posso
gastá-lo de vez em quando, então para que ter dinheiro afinal?
Ele era o rosto da Destilaria MacPherson, a
apresentação. E um bando rival de contrabandistas, o qual
Skene era líder, arrumou para que um coletor de impostos
fizesse uma visita inesperada durante a última entrega dos
MacPhersons. Broderick lidara com o homem com sua
maneira usual com um discreto pagamento. Mas quando ele
deixou o armazém, alguém atirara no coletor ― alguém que
não era Broderick.
Campbell, Alexander e Rannoch estavam convencidos
que foi David Skene, que desprezava todos os MacPhersons,
Broderick, em particular. Ele fora um rival por anos,
causando danos à destilaria por meio de brigas por território e
roubos. De vez em quando, os MacPhersons o golpeavam
como um inseto incômodo. A operação de contrabando de
Skene sempre ressurgia e as trapaças voltavam.
Mas nenhum dos ataques de Skene havia sido tão grave.
A menos que os MacPhersons encontrassem um jeito de se
livrar dele, Broderick poderia ser enforcado.
Angus fora a Edimburgo para encontrar com os seus
advogados e pensar juntos, esperando descobrir a identidade
do parceiro influente de Skene. A “pilha de merda podre”
obviamente tinha um. Skene era inteligente e cruel, mas os
problemas de Broderick pareciam bem orquestrado demais.
Skene tinha alguém poderoso em seu bolso. E este
homem estava pressionando as cortes para acusar Broderick
por uma morte, mesmo que o coletor de impostos ainda não
tenha morrido de sua ferida. Campbell garantira guardas
para o coletor e pagou um cirurgião para mantê-lo vivo.
Apenas Deus sabia se ele se recuperaria.
Ela se mantivera ocupada desde o retorno de seus
irmãos há alguns dias. Ela lavava e remendava suas calças e
plaids, preparou um pouco de pomada para as dores e
arranhões deles, os alimentou com tortas de cordeiros e
ensopado de lebre suficiente para dez MacPhersons e forçou
cada um deles a descontar suas frustrações aumentando a
ilha de madeira em vez de drenar o estoque de uísque.
Ocupar-se era melhor. Empurrava o desespero para
baixo do tapete.
Enquanto seguia os irmãos para dentro da cozinha, ela
ordenou que dois rapazes cuidassem dos cavalos. Depois ela
recolheu farinha da despensa e começou a fazer pão.
Enquanto Rannoch e Alexander carregavam a sidra para
o porão, Campbell sentou-se à mesa da cozinha com seus
braços enormes dobrados sobre o peito.
― Eu deveria voltar a Edimburgo.
Ela adicionou sal à sua tigela.
― Nah. ‘Cê deveria ficar aqui e lidar com o novo
carregamento, como Broderick pediu. Nós precisamos dos
fundos para lutar contra isso.
Como sempre, Campbell ruminou seus fardos com
menos palavras possíveis. Mas ela conhecia aquela
mandíbula. A tensão ali citava violência. Ele e Alexander
foram soldados ― na linha de frente do regimento das Terras
Altas. Campbell podia matar Skene cinco vezes antes do
jantar e não fazer bagunça. Alexander também, embora com
menos misericórdia e mais bagunça. Infelizmente, a morte de
Skene criaria mais problemas do que solução.
― Dê a Angus uma chance para fazer o que Angus faz. ―
Ela aconselhou, esticando-se para pegar outra tigela da
prateleira acima do aparador. Campbell se levantou e a pegou
para ela, atirando-a na mesa antes de voltar a sentar-se.
Seu silêncio era sua resposta.
Ela o deixou mexer um pouco enquanto mistura ovos,
manteiga e leite.
― Faça a entrega antes. ― Ela alertou. ― Enquanto os
advogados trabalham para soltar Broderick, vamos negar a
Skene o que ele procura.
Campbell semicerrou os olhos.
― Fechar a destilaria.
― Aye. ― Ela recolheu sua garrafa de levedo de cerveja e
misturou os ingredientes secos à farinha antes de misturá-los
com as mãos. ― Uma vez que a entrega tenha sido feita, pode
enviar Alexander para aplicar um pouco de persuasão.
― Por que esperar? Irei hoje à noite. ― Veio a resposta de
Alexander enquanto ele e Rannoch subiam do porão. Cada
um carregando uma garrafa de uísque.
―Oh, agora isso ― Ela repreendeu. ― Não antes do
jantar.
Rannoch foi o primeiro a protestar.
― Annie, é Halloween...
― Abaixem as garrafas. ― Ela vociferou, limpando as
mãos pegajosas em uma toalha antes de colocar um tecido
úmido sobre a massa. ― Venha bêbado à minha mesa e terá
que comer em outro lugar.
Alexander fez uma carranca, parecendo cada centímetro
o MacPherson implacável e de coração sombrio que ele era.
― Não ousaria.
Ela contornou a mesa para meter o dedo no peito de
coração sombrio dele.
― ‘Cê sabe que eu faria, Alexander MacPherson. Agora,
vá se lavar. ‘Cê fede a cavalo e fumaça de turfa.
Rannoch riu na direção do irmão.
― Do que está rindo? ― Ela disse. ― ‘Cê fede mais.
Seu irmão mais novo cheirou seu plaid e sorriu
amplamente, a beleza dele era uma coisa perversa.
― Ainda assim, as damas não podem resistir, ãh? ― Ele
se lançou para a frente e a ergueu antes que pudesse escapar.
Então a pôs sobre seu ombro como ele fazia quando eram
crianças. ― Se nós não podemos ter uísque, então você deve
fazer o molho de carne. ― Ele grunhiu divertidamente. ― De
uma forma ou de outra, eu ficarei bêbado até a meia-noite.
Rannoch era apenas dois centímetros menor do que
Campbell, ainda assim, sua posição sobre o ombro dele era
vertiginosa. Ela riu e deu um tapa na cabeça dele.
― Ponha-me no chão, seu idiota.
Ele sempre fora bom em distrações e suas travessuras
iluminaram seu coração por um momento.
― Ah, aí está um sorriso, irmã. ― Ele disse enquanto a
colocava no chão. ― Senti falta dele desde que chegamos a
casa.
Após enxotar os dois homens mais jovens para se
lavarem, ela voltou a preparar o jantar.
― Ele está certo. ― Disse Campbell. ― Você tem estado
melancólica.
Ela pegou as cebolas da cesta e começou a cortá-las.
― As notícias sobre Broderick não são exatamente
alegres.
― O Pai disse que não menciona seu menino há
semanas.
Os MacPhersons sabiam sobre Finlay e eles aceitavam
que ela tinha um amigo que eles não podiam ver. Ela nunca
tinha certeza se eles, assim como os aldeões, pensavam que
ela simplesmente imaginava o menino, ou se eles acreditavam
que ela realmente tinha um fantasma atado a ela. Mas eles
não se importavam com isso e ela não pressionava com o
assunto ao insistir que eles deviam acreditar nela.
― O que está errado, Annie?
Ela continuou a cortar, sua faca batendo na madeira.
― São as cebolas. Elas me fazem chorar.
― Nah. Você estava triste antes das cebolas. Antes de lhe
contarmos sobre Broderick.
A faca dela parou no meio do corte. As lágrimas
escorriam por suas bochechas e ela as secou com seu pulso.
― Ele se foi. ― Ela sussurrou.
― Seu menino?
Ela assentiu.
Silêncio.
― Você perguntou sobre isso a Sra. MacBean?
Campbell e Broderick haviam ajudado na reconstrução
da choupana da mulher, assim eles estavam familiares com a
‘‘experiência’‘ da Sra. MacBean em assuntos do outro mundo.
Ela assentiu novamente e voltou cortar em fatias
raivosamente.
― Aquela velha idiota não me ajudou em nada. Alguns
dias atrás, ela me fez enterrar encantos e ecoar feitiços no
cemitério do castelo. Eu não sei quem é mais tola, ela ou eu.
A expressão de Campbell ficou obscura.
― Você foi lá sozinha?
― Aye.
Uma pausa.
― Você viu Huxley?
Ela evitou responder, em vez disso jogou as cebolas na
tigela e começou a trabalhar as batatas. Os MacPhersons
eram um pouquinho protetores. Para o bem de Huxley, era
melhor que eles nunca tiverem ideias erradas sobre ela e o
inglês.
― Eu fiz tudo o que a Sra. MacBean instruiu, mas nada
aconteceu.
― Talvez a solução dela leve um tempo.
― Quantos encantos para noiva ela lhe deu?
― Uma dúzia ou mais.
― E ‘ocê tem uma noiva?
A resposta dele foi um grunhido.
Campbell era um homem forte e musculoso em seu auge.
Como todos os irmãos MacPhersons, ele tinha músculos
fortes, uma cabeça cheia de cabelos pretos, feições esculpidas
em pedra e uma mandíbula com o poder de movimentar um
moinho. Estava com trinta e cinco anos. Deveria estar casado
agora, com feitiço ou não.
Ela dividiu as batatas em quatro e as jogou na tigela.
― De acordo com a Sra. MacBean, o Halloween é a
melhor chance para Finlay retornar. Ela me disse que é
quando os reinos são mais fáceis de atravessar.
― Hoje à noite, então.
Ela assentiu, o seu estômago embrulhou-se. E se ele não
voltasse hoje à noite e nem em nenhuma outra? E se ela
nunca mais visse o Fin Sorridente ou segurasse a sua
pequenina mão outra vez?
― Quem dera eu pudesse recuperá-lo para você, Annie.
O coração dela se apertou com força, ela abaixou a faca e
inclinou-se contra a mesa. Ergueu a cabeça para encontrar o
olhar de Campbell que permanecia solene e firme. Ela quase
desmoronou. Suas mãos apertaram a superfície da mesa.
Seus olhos encheram-se de água. Por pura força de vontade,
ela conseguiu piscar para afastar as lágrimas antes que elas
se derramassem.
― Eu poderia agradecê-lo por isso, irmão.
Mais tarde naquela noite, após os seus irmãos terem ido
à aldeia para apreciar a queima de fogos, uísque e
provavelmente uma moça ou duas dispostas, Annie se
enrolou ao lado da lareira de seu quarto e lutou para ficar
acordada. O dia fora longo e, com toda a preocupação com
Broderick, seus olhos estavam pesados. Mas ela não queria
perder Finlay.
Ela viu a meia-noite chegar e passar antes que seu
menino finalmente encontrar o caminho até ela. Ele apareceu
perto da entrada do bosque além do Castelo Glendasheen. Ela
estava montando um cervo perto do lago.
Em sonho, obviamente. Cervos não se deixavam montar,
muito menos decorar seus chifres com margaridas. Mas esse
a levara até Finlay que emergiu de trás de uma árvore
segurando algo em sua mão fechada. Ela escorregou de sua
montaria, soluçando e com dor diante da visão dele.
Ele correu até ela, seus olhos azuis brilhando de alegria.
― Annie!
― Oh, graças a Deus. ― Ela ofegou, as lágrimas
escorrendo agora. ― Graças a Deus, graças a Deus. ― Ela
sentiu os joelhos sobre as folhas amarelas e abriu os braços
para pegá-lo.
Ele estava quente. Finlay nunca era quente, mas ali, de
alguma forma, ele estava.
Ela o abraçou bem forte que ele se contorceu.
― Sinto muito. ― Ela beijou as bochechas dele várias
vezes. Segurou seu rosto doce e adorável entre suas mãos.
Deslizou uma mão pelos cabelos dele. ― Finlay, está tudo
bem? Deus, como senti saudades, lad.
Sua mãozinha acariciou sua testa, suas bochechas. O
sorriso dele era amplo e um pouco torto. O Fin Sorridente.
― Não tanto quanto senti saudades de você, Annie.
Como sempre, a voz dele soava jovem, mas os olhos
falavam de séculos.
Ela mal conseguia manter-se firme. Vê-lo novamente ― o
menino que sempre estivera com ela ― era uma lembrança de
tudo o que ela perdeu quando ele desapareceu. Sua amizade.
Sua companhia inteligente. Seu confidente. Ele vira tudo o
que aconteceu com ela desde a morte de sua mãe.
Os ataques maldosos de Grisel MacDonnell.
As fofocas cruéis entre as moças da aldeia.
A solidão. Deus, a solidão.
Não toque na Louca Annie ou ficará louco também!
Finlay testemunhara tudo, segurando a mão dela e
emprestando-lhe coragem. Sem ele, ela estava realmente
sozinha.
A mão dele acariciou sua bochecha novamente, pequena
e quente.
― Não há muito tempo. ― Ele disse com gentileza. ― Eu
devo contar...
― Não Finlay. Não vá novamente. ― Ela o apertou com
mais força. ― Por favor.
Ele balançou a cabeça.
― Eu quero ficar. Mas eu... ― Ele ficou sem fôlego, como
se tivesse subido a colina correndo. ― Muito fraco. Não posso
permanecer com você da mesma forma que antes. O
cruzamento de um mundo para o outro...consome muito
poder. Mesmo aqui em Glendasheen.
Ela acariciava seu amado rosto que começou a ficar
pálida.
― O que eu devo fazer.
Ele manteve o olhar preso ao dela. Secou as lágrimas que
ela não conseguia impedir.
― Ficarei com você, Annie. Tanto quanto eu puder.
― Fique o máximo. ― Ela grunhiu. ― O que eu devo fazer
para mantê-lo comigo? Eu construirei um milhão de malditos
círculos. Recitarei rimas bobas até a minha voz ficar rouca.
Eu...
― Você deve casar.
A estranha sensação que costumava experimentar em
sonhos sumiu e foi substituída pela distinta sensação de ser
chutada no estômago.
― C-casar? Eu não quero um marido. Eu tenho uma
casa cheia de MacPhersons para cuidar. Além do mais, um
marido vai querer...fazer coisas. Talvez agradáveis. Talvez
não. Mas ele não gostará... bem, ‘cê não me entenderia,
pequenino como é. Confie em mim. Aos olhos da maioria dos
homens, eu sou...
― Deve ser casar com um lorde.
Outro chute. Outro momento para tomar fôlego.
― O qu... Fin. Que diabos ‘cê está...? Nah. É besteria
pura. O único laird que eu conheço é Gilbert MacDonnell. Ele
já tem uma esposa. Um pouco insignificante por nascimento,
aye, mas eles são casados, certeza. Além do mais, o título dele
não é nada além do que cerimonial. Não possui terras. Ele
tem sorte em ainda ter um rapaz para limpar os estábulos
depois que pagou as dívidas.
― Annie.
― Eu não posso me casar com um laird baixo e idiota
que não é um laird de fato, mas um pequeno pavão xadrez.
― Um lorde, não um laird. Não...MacDonnell.
― Lordes se casam com damas, Fin. Do tipo que veste
seda. Não uma mulher maluca nos cafundós da Escócia.
― Deve casar com um lorde. Deve gerar um filho.
Destino.
O ar deixou o seu peito em respirações rápidas.
― Um filho. Está me... Está me dizendo... ― Ela engoliu
com dificuldade, sua mente girando. ― ‘Cê deveria ter sido
laird, aye? Foi morto antes de completar o seu destino. É isso
o que quer dizer?
Ele fechou os olhos e apoiou a testa no ombro dela.
― Queria poder ficar com você, Annie.
Mesmo dentro do sonho, sentiu o coração acelerar.
― Ah, Deus, Fin. Deseja renascer para...para mim?
Ele não se moveu. Não falou. Não a corrigiu.
― Finlay. ― Ela recuou para olhar dentro dos olhos doces
dele. Céus, ele estava pálido. ― Precisa que eu me case com
um lorde, assim poderá renascer e tomar o seu lugar de
direito. É isso o que está me dizendo, laddie?
Tinha que ser. Por que mais ele faria uma exigência tão
bizarra? Por que mais ele falaria sobre destino?
Ele fechou outra vez os olhos.
―Não posso esperar muito, Annie. Dormirá agora.
Recuperar forças.
― Não. Por favor...
― Eu tenho que ir.
Ela o sentiu desaparecer e seu coração uivou de
desespero enquanto ela tentava mantê-lo próximo. Suas mãos
se moveram no ar.
― Case-se com um lorde, Annie. ― A voz dele desvaneceu
em um suspiro, ainda vibrando com um poder estranho. ― O
destino espera.
Seu Fin lutou para ficar com ela, e o esforço para mantê-
lo amarrado a ela por todos esses anos o esgotou. Agora era a
vez de ela lutar por ele.
E ela estava tremendo covardemente. Em suas batalhas
antigas, ela sabia como lutar, pois suas melhores armas
haviam sido aquelas usadas contra ela. Quando as batalhas
pioravam, ela tinha os MacPherson às suas costas e Fin ao
seu lado.
Isso era algo completamente diferente.
Em seu sonho, ela não podia mais segurá-lo, pois ele se
desvanecera em luz e névoa. Sentia apenas um bocado de frio
contra a sua bochecha. E em sua mão, onde ele sempre
oferecera conforto, sentia a sua ausência.
Mas desta vez ele lhe deixara um presente. Uma
recordação.
Quando ela despertou para a escuridão, seu rosto estava
molhado e seu peito doía. Ela abriu sua mão. E viu um cardo
de madeira.
Capítulo 5

Em pé em um andaime de três andares enquanto erguia


um painel de vidro de solo com uma corda e uma roldana,
John não podia se dar ao luxo de se distrair. No entanto, era
exatamente isso o que o brilho vermelho vivo se aproximando
do castelo pela estrada constituía ― uma distração perigosa.
Ele perdeu o foco tempo o bastante para seu aperto
afrouxar. A corda queimou em sua palma. O vidro que estava
segurando, balançou contra a parte baixa do andaime com
um baque.
Maldita Annie Tulloch, Angus MacPherson e cada
escocês já nascido.
John abaixou o agora inútil vidro até o chão, olhou para
a janela da torre que pretendia reparar pela quarta vez.
Então, amaldiçoou. Alto. Por vários minutos.
― É ‘ocê quem está sujando o ar com a sua língua vulgar,
Inglês?
― Este é o meu castelo. Quem mais poderia ser? ― Ele
sibilou encostando a mão no dito castelo e olhando para a
teia de rachaduras no último painel de vidro que ele instalou.
― Oh, posso ver razoavelmente as suas saias daqui. ― De
fato, a risada dela agora flutuava até ele vinda da base da
escada.
Ele nem se incomodou em olhar para baixo, como se
temesse o que podia fazer se ele tivesse um vislumbre do
sorriso malicioso dela novamente.
― Nós concordamos que não deveria vir aqui sozinha,
Srta. Tulloch.
― Nah. ‘Ocê concordou. Eu deixei que pensasse que
estava certo. Ás vezes um homem precisa de uma pequena
vitória entre tantas derrotas.
― O que quer?
― Agora há uma pergunta oportuna. Desça e vamos
conversar.
― Não.
― Algum lugar quente seria melhor. Está mais frio do
Grisel MacDonnell em três metros de neve. Estou respirando
gelo e mijando gelo aqui fora.
― Então, vire-se e volte à...
― Sua cozinha é uma desgraça de cozinha...
― ... terra MacPherson onde pertence. Não tenho tempo
para lidar com você hoje.
― ... mas o calor dela é de bom tamanho. É onde estarei
quando descer e parar de resmungar.
― Ninguém a convidou. Vá para casa, Srta. Tulloch.
― Tenho uma proposta para ‘ocê, Inglês. ― Ela disse, sua
voz viajando em direção à entrada. ― E alguns pães, se achá-
los mais tentadores.
Ele fechou os olhos. Cerrou os dentes. Reuniu controle.
No fim, ele não sabia ao certo o que o levou a segui-la ― o
pão ou a proposta. Ele queria que fosse o primeiro. Devia ser
o primeiro. Ela fazia o melhor pão que ele comeu desde que
saiu da França.
Mas suspeitava que não era o pão que o guiava.
Ao entrar na cozinha, seu corpo reagiu a déspota de
cabelos escarlates com uma fome que nada tinha a ver com o
seu estômago.
Ela estava inclinada para frente atiçando o fogo baixo.
Como sempre, o plaid dela a envolvia dos ombros ao joelho.
Hoje, ela adicionara um cachecol de tricô azul, prendendo seu
cabelo. Mechas cor de fogo fugiam em uma bagunça.
Ele franziu o cenho. O plaid era de lã grossa, então
providenciava algum calor, mas ela deveria usar um casaco.
Um com capuz forrado de pele, de preferência. E ela deveria
usar um vestido com camadas de lã elegante e linho macio,
assim como meias para isolar suas pernas e pés.
Além do mais, ela não deveria ir ao castelo dele no meio
de novembro sem um acompanhante.
Ela não deveria provocar um homem como ele.
E definitivamente, não deveria abaixar-se a sua frente.
Isso dava ideias indecentes a um homem.
Ele sacudiu a cabeça e forçou a afastar seu olhar dos
quadris dela. Ela tinha, de fato, trazido pão, ele notou. Pelo
menos dez pães transbordavam da cesta na mesa.
― Oh, ‘cê é rápido, Inglês. Eu apostava que ficaria de
mau humor por mais tempo. Faminto, hein?
Ela se virou e sorriu para ele com um brilho azul
zombeteiro.
Ele fechou as mãos antes de se forçar a relaxar. A
comichão iria embora quando ele relaxasse, tinha certeza. O
quanto antes ouvisse o que ela tinha a dizer, mais cedo ela
partiria.
― O pão é apreciado, Srta. Tulloch. ― Ele disse. ―
Entretanto, continuo a achar as suas visitas invasivas e
irritantes.
― Acha? Aye, suponho que sim. ― Ela vasculhou a sua
cozinha antes de pegar uma faca que ele deixara em uma
prateleira próxima. Depois ela começou a fatiar um dos pães.
― Veja, Inglês. ‘Ocê e eu não somos diferentes.
Ela removeu as luvas, ele notou. As mãos dela estavam
nuas em torno da faca. Pequena, embora forte. Os nós ela
quase...bonitos.
― Fez um acordo ruim com Angus. Se espera vencer,
precisará de ajuda.
― Está oferecendo ajuda?
― Vim aqui para isso.
― Fale logo, Srta. Tulloch. Eu sou tolerante, mas a
minha paciência está no limite.
Olhos de centáurea levantaram-se em sua direção. A faca
parou.
― Como eu disse. Não somos diferentes. ― Com uma
rapidez eficiente, ela pegou uma panela, um prato e uma jarra
de manteiga antes de prosseguir. ― Agora, Angus diz que ‘ocê
pode vencer um evento, assim há isso em seu favor. Mas
qual? O martelo? O arremesso de pedra? O arremesso de
tronco? Nah. Aquele que ele escolher. ― Ela estalou a língua.-
Péssimo acordo, Inglês. Ele tornará isso quase impossível de
adivinhar, o que quer dizer que deve ter habilidade suficiente
em todos eles para derrotar um MacPherson. ― Ela passou
manteiga nas fatias e as colocou na panela, em seguida
segurou a panela sobre o fogo até ouvir um chiado. ―
Impossível. ‘Cê não tem nada além de um amontoado de
impossibilidades esperando por ‘cê, seguido por carroças de
derrotas. Humilhação também. Não se esqueça disso. ― Ela
virou o pão com um movimento de pulso e lançou um sorriso
por cima do ombro. ― A menos que tenha uma arma secreta.
― Você. ― Ele disse secamente. ― Por que não estou
surpreso?
― Minha generosidade é um pouco extraordinária, eu sei.
― Não me casarei com ‘ocê, Srta. Tulloch.
Ela se afastou do forno enquanto conversavam, assim ele
teve o prazer de ver o queixo dela cair. Como ela estava no
meio do ato de deslizar o pão da panela para o prato, um
deles caiu sobre a mesa. Ela não percebeu, muito ocupada o
encarando.
― Não me recordo de pedir.
Ele se inclinou para frente e segurou o prato de pão
assado.
― Então, o que quer de mim?
― ‘Cê diz ser um cavalheiro, aye?
― Um fato que já estabelecemos. ― Ele mordeu o pão e
quase gemeu. Amanteigado. Quente. Uma pitada de crocância
sobre uma nuvem de maciez. Valeu cada segundo de sua
irritação.
― Estabelecemos?
― Você não está em minha cama, apesar de suas
repetidas tentativas de se deitar nela. ― Ele deu outra
mordida. ― Diria que estabelecemos minhas credenciais
cavalheirescas muito bem.
O vinco em sua testa sugeria confusão. Mas ela não
podia estar confusa. Ir até ali era uma provocação. Alimentá-
lo era um flerte. Conversar sobre “propostas” sorrir com
aquele humor secreto e compartilhado era pura sedução. Sem
mencionar todas as referências a seus ‘olhos bonitos‘ e seus
‘pedaços tenros‘.
Não, Annie Tulloch sabia o que estava fazendo. Era tão
gritante quanto o cabelo dela.
― Mulheres melhores tentaram tais táticas comigo. ― Ele
continuou. ― Mulheres que conheciam seus ofícios tão bem
quando você sabe sobre fazer pão. ― Ele fez uma saudação
com o pão. ― Delicioso, a propósito.
Olhos azuis se cerraram em fendas. O pão bateu na
mesa.
― Elas falharam. ― Ele manteve sua voz dura. Melhor
deixar claro. ― ‘Cê falhará. Pare de tentar.
― Eu quero me casar com ‘ocê...
Ele sorriu enquanto dava uma nova dentada.
― Sabia.
― ... como eu quereria uma doença que envolve pústulas
em lugares inomináveis.
Engolir quase o sufocou.
― Dado o tanto de ‘‘mulheres melhores’‘ que jogaram
suas saias para o céu pela honra de se deitarem em sua
cama, acredito que não posso ser uma, sem a outra. ― Ela
inclinou-se para frente, olhando feio por cima da mesa. ― Não
farei como nenhuma delas. Boa sorte pr’ocê, Sr. Huxley. ―
Com um aceno, ela abaixou-se para recolher as luvas do
canto onde ela as colocara, dando a ele outra espetacular
visão do seu traseiro.
Então, ela levantou o xale sobre o cabelo e deixou a
cozinha.
O deixou. Sozinho.
Ela o chamara de Sr. Huxley. Ele estava acostumado
com o ‘Inglês‘. Nos lábios dela, aquelas duas sílabas soavam
com diversão. O som era quase... afetivo.
Inexplicavelmente, ele quis ouvir novamente.
Olhando para sua torrada, depois para a cesta de pães
que ela fizera para ele, depois para a panela que ela usou
para cozinha para ele, ele descobriu que seu apetite
desaparecera com ela.
Maldito inferno.
― Srta. Tulloch! ― Ele chamou, abandonando seu prato.
Nenhuma resposta. Ele foi atrás dela, estendendo suas
passadas para cobrir mais terreno a um passo mais rápido.
Ela era pequena. Provavelmente não podia ter ido tão longe.
Do lado de fora, o vento enviou uma rajada fria e mordaz
através de seu casaco mais pesado.
― Srta. Tulloch! ― Ele vasculhou o gramado antes de
correr em direção à estrada do castelo. Além do segundo
bosque de bétula, ele a viu puxando o xale ao redor do rosto à
medida que se afastava dele.
Ele correu para alcançá-la.
― Pare. ― Ele ofegou. ― Pare, mulher. Bom Deus, você se
move rápido quando está zangada.
― ‘Cê queria que eu partisse. Não adianta se estender
nisso.
― Não quero que vá.
― Foi o que disse.
Ele segurou o cotovelo dela e a puxou para que parasse.
― Você mencionou uma proposta.
Os lábios dela estavam apertados, ele notou, apertados e
pálidos. Ela se recusou a olhar para ele, em vez disso, olhou
para o lago.
― Mudei de ideia.
― Besteira. Você não caminharia todo este caminho
nesta umidade gelada para abandonar o seu propósito.
Ela bufou.
― Meu propósito requer que ‘ocê seja um cavalheiro com
algum conhecimento de boas maneiras. Este foi meu erro.
Raramente John fora acusado de ter maus modos, mas o
desconforto que pinicava, assim como o aumento de calor em
seu pescoço, sugeria que a acusação de Annie tinha mérito.
Ele fora rude. Talvez uma reação natural aos modos atrevidos
dela. Ainda assim, ele não gostava da palidez dos lábios e da
impressão de mágoa no olhar dela.
― Talvez eu tenha sido...muito errado em minha fala. ―
Ele concedeu.
― Talvez tenha sido um idiota.
Ele sentiu seus lábios se retorcendo.
― Talvez eu tenha sido.
Ela suspirou e depois baixou os olhos para o local onde
ele ainda segurava seu cotovelo. Por alguma razão,
distraidamente a acariciava com o polegar.
― Meus ossos são puro gelo, John Huxley. Convide-me
para me aquecer em seu forno e considerarei perdoá-lo.
Ele a soltou, fez uma profunda mesura, e gesticulou em
direção ao castelo.
― Minha querida Srta. Tulloch, gostaria de se juntar a
mim perto do fogo?
O queixo dela subiu, assim como os cantos da boca.
― Muito bem, Inglês. Se insiste.
A hora em que eles voltaram à cozinha, ele começou a
questionar a sabedoria de seu convite. Se Annie queria tentá-
lo ou não, ele a achava estranhamente excitante. A forma
como os lábios dela enrugavam em torno de palavras simples
― sooobre, olheee e perdeeeendo. Ou a forma que ela o tocava
casualmente como se acariciasse um animal de estimação.
Ou aquela risada divertida após lançar um eficaz insulto.
Deus, talvez ele devesse nadar. O lago estava congelando
nesta época do ano.
― ... é por isso que precisa de mim, Inglês. O lançamento
de tronco é mais sobre pontaria do que distância. Eu sei que
acha que é apenas erguer o máximo que conseguir, mas esse
é só o começo.
Ele piscou, percebendo que a encarava da mesma forma
que um gato observava um pássaro distraído e suculento.
Enquanto isso, ela vagava por sua cozinha, rearranjando suas
panelas e louças enquanto fazia um sermão sobre como os
escoceses preferiam atirar os troncos.
Ele pigarreou.
― Então, está se oferecendo para me ensinar as técnicas
apropriadas para cada evento.
― Aye.
― Perdoe-me, mas os jogos não são um domínio
masculino?
― Aye. ― Ela sorriu por cima do ombro. ― E eles são um
espetáculo esplêndido.
Porque o comentário dela o fez querer ranger os dentes,
ele não podia dizer. Ele esfregou uma mão na barba e deu de
ombros para espantar o estranho ressentimento.
― Mas o que ‘ocê realmente está perguntando é como eu
sei o bastante para treiná-lo. Simples. Eu observei o treino
dos MacPhersons ― e vitórias ― por quase vinte anos.
Ele assentiu. Ao aplicar o conselho dela sobre atirar o
martelo, ele notara uma melhora tanto no controle quanto na
distância. Ela sabia muito sobre o assunto.
― O favor que quer em troca?
Ela não respondeu. Em vez disso, ela caminhou até a
despensa que ele limpara e expôs seu desprazer.
― Precisa de mais prateleiras aqui. Explica o porquê ‘cê é
tão delicado. Armazenamento insuficiente para manter os
ratos satisfeitos.
― Srta. Tulloch.
Ela apareceu sacudindo a cabeça e limpando as mãos.
― Falarei com Angus. Deve conseguir permissão para
contratar um rapaz ou dois. Talvez uma criada ou cozinheira.
― Qual a segunda metade da sua proposta?
Inicialmente ela evitou seu olhar. Mas, finalmente, ela
parou à sua frente. As bochechas dela estavam coradas. O
calor do fogo, talvez.
― Eu queria que me instruísse. ― Ela declarou.
Ele franziu a testa.
― No que?
― Como ser uma dama.
Por um momento, ele simplesmente a encarou. Uma
coisa era continuadamente chamá-lo de ‘‘belo’‘ ou ‘delicado‘ ―
o que, com quase dois metros de altura e noventa quilos,
decididamente ele não era ― ou reclamar sobre as suas
‘suaves mãos inglesas‘. Mas implicar que ele não era um
homem era ir longe demais.
― Basta. ― Ele proferiu. Antes que ela pudesse sorrir, ele
se moveu até ela, forçando-a a recurar. Então segurou na
parte baixa das costas dela e inverteu a posição deles até ele
poder prendê-la contra a mesa.
Os olhos dela brilharam na medida em que ele se
assomava. Inclinava-se em sua direção. Fez com que as bocas
deles ficassem a milímetros de distância e a fez perceber a
diferença entre o tamanho deles.
― Inglês? O... O que ‘ocê...
― Eu devo parecer bastante civilizado para você, Srta.
Tulloch. ― Ele manteve sua voz baixa e calma, embora até ele
pudesse ouvir a ameaça obscura nela.
Perplexa, ela franziu o cenho.
― Aye. ― Ela disse cautelosamente.
― Ser civilizado é útil. ― Lentamente ele sorriu. ― Até que
isso não sirva mais ao propósito de um homem.
― cê comeu muitos cogumelos de aparência estranha
ultimamente, Inglês?
Ele não conseguiu se segurar. Aproximando-se ainda
mais, até que as dobras do plaid dela estivessem encostando
em seu casaco, ele abaixou a cabeça e observou um brilho
rosa surgir nas bochechas dela.
―Eu sou um homem. ― Ele murmurou em seus ouvidos.
― A-aye.
― Diga isso.
― Por quê?
Ele esfregou os fios de fogo ao longo do rosto dela.
― Apenas diga isso.
― Bem, consigo sentir o seu bigode, com certeza. A
maioria das mulheres não tem barba. Exceto a mãe de Grisel
MacDonnell. Espero que Grisel herde isso. Ela é merecedora.
O xale de Annie enrolava o pescoço. O resto dela estava
envolto em lã. Mas ele queria beijá-la...definitivamente em
todos os lugares. A garganta, os seios, as coxas. Entre as
coxas. Ele queria deixá-la nua, bem ali na bagunça de sua
cozinha e depois carregá-la escadas acima, para a bagunça de
um quarto. Ele queria provar que ele era um homem e ela era
uma mulher e essa agonia do desejo era natural. Não
chocante, inapropriada ou indecente.
― Admita que eu sou um homem, Srta. Tulloch. Um
pedido simples.
As mãos dele se fecharam em cima da mesa. Deus, ela
era exasperante. E Deus, ele estava duro como pedra sentindo
aqueles seios exuberantes e macios roçando em seu peito.
― Tenha a cortesia de responder, se não se importa.
O suspiro irritado viajou sobre os lábios e mandíbula
dele.
― E chamam a mim de louca. ― A rouquidão da voz dela
mais a forma como ela arqueou contra ele contradiziam as
palavras dela. ― Muito bem, Inglês. ‘Cê é um homem. Feliz?
Sim e...Não. Se ela tivesse demorado mais, ele teria uma
desculpa para satisfazer seu desejo. Um erro, claro. Annie
Tulloch era a última mulher que ele deveria querer, muito
menos em sua cama.
Mas ele a queria.
Ele deveria se afastar. Ele deve se distanciar.
Ela segurou seu rosto, o toque era leve. Tentador. Então,
deslizou a mão para a lateral de seu pescoço e a espalmou em
seu peito.
A carícia inesperada quase o pôs de joelhos.
― ‘Cê sabe que eu quero apenas tripudiar um
pouquinho, Inglês. É evidente que não é uma mulher, embora
seja bonito o bastante para deixar uma com inveja.
Ele ficou rígido por um longo minuto, aspirando o aroma
limpo e doce dela e esperando que seu corpo o obedecesse.
Ela deslizou a mão para os quadris dele e lhe deu um
tapa no estômago.
― Um homem em forma, de fato. Nós teremos um bom
começo para seus treinos. Pronto. Sente-se melhor?
Seu controle foi destruído, assim ele não segurou a
risada que escapou. Ela emergiu como uma tosse enferrujada
enquanto ele se apoiava na mesa.
― Você lida muito bem com os homens, Srta. Tulloch.
― Tenho muita prática.
― Então, o que realmente quer de mim em troca da ajuda
para me ajudar a vencer a minha aposta?
Ela se retesou.
― Eu lhe disse.
― Eu achei que estava me insultando novamente.
― Não seja idiota. Eu preciso que alguém me ensine a ser
uma dama. ‘Cê é um cavalheiro. ― Ela parou. ― Na maioria
das vezes. E tem cinco irmãs. Provavelmente sabe o que é
necessário.
Lentamente, forçou-se a se afastar dela. Para olhá-la
dentro dos seus olhos. Para ter acesso à seriedade dela.
― Por que eu? Por que não a esposa do laird ou alguma
outra mulher?
Os olhos de Annie endureceram.
― Sem mulheres.
― É verdade que eu sei lidar bem com... damas. Mas
uma mulher educada terá conhecimentos que possivelmente
não posso...
― Eu não me dou bem com as outras mulheres. ― O
queixo dela se levantou naquele ângulo familiar e desafiante.
― É ‘ocê ou ninguém, Inglês. Tem boas maneiras quando não
está de mau humor. Apenas preciso que me ensine as partes
importantes.
― Com que propósito?
― Não importa.
― Importa. ― Ele fez uma cara feia para ela, frustrado
agora por um motivo diferente. Ela não fazia sentido. ― Você
pretende viajar a Londres? Edimburgo? Assistir a um sarau?
Ser apresentada à corte? Cada um desses requer uma
habilidade diferente...
― Pretendo me casar com um lorde.
Certa vez ele fora arremessado com força por um cavalo.
O árabe mal humorado rejeitou ser montado, jogando-o de
costas e quebrando duas de suas costelas para completar. A
declaração de Annie teve um efeito similar em seus pulmões.
O que explicava seu silêncio tenso e doloroso antes que
pudesse perguntar:
― Alguém em particular?
― Nah. Não conheço muitos homens intitulados. ― Ela
cruzou os braços e inclinou-se para trás, encontrando na
mesa e mordendo seu lábio inferior. ― Apenas Gilbert
MacDonnell, na verdade. Seu título é nada além de uma
piada. E ele é casado. E idiota. ― Ela franziu o nariz. ― O
amigo dele, talvez. O Lorde Lockhart. Nós conversamos
naquele dia na praça. Não estava no meu melhor, mas talvez
ele não se lembre.
O formigamento quente no peito de John deveria ter
morrido no momento em que ela mencionou Lockhart. Ele
deveria ficar feliz por ela querer a ajuda dele para perseguir
outro homem. Um lorde escocês.
Sim, o alívio deveria ser a resposta apropriada. Ela
dissera a verdade, não queria se casar com John. E ele não
tinha a intenção de se casar com ela. Então, eles
concordavam. Não havia razão para sentir-se...o que quer que
isso fosse.
― Eu pensei que preferiria um Highlander. ― Ele
murmurou.
― Oh, aye. Mas pedintes não podem fazer escolhas.
Poucos lairds das Terras Altas mantiveram seus títulos e
aqueles que o tem, comportam-se como londrinos, com
homens contratados para remover os homens de seu clã para
encher suas terras de ovelhas.
― Então pretende se casar por um título.
Ela suspirou.
― Aye. Eu devo.
― Por quê?
― Agora, isso é assunto meu.
Mulher exasperante.
― E quer que eu lhe treine para ser uma dama, assim
poderá atrair um desses homens ao altar.
O temperamento dela inflamou-se, resultando em um
empurrão forte em seu peito.
― Não pretendo roubar-lhes os bolsos, Inglês, então pode
guardar as suas suspeitas...
― Acalme-se. Eu não mencionei...
Ela levantou o queixo em desafio.
― Serei uma boa esposa.
Todos eles pensariam isso.
― Certamente.
― O alimentarei apropriadamente. ― Ela gesticulou para
a cesta de pães do outro lado da mesa. ― Eu o deixarei tocar e
deitar-se comigo do jeito que ele quiser.
Uma segunda onda de formigamento quente seguiu o
primeiro, mais forte desta vez. Ele piscou. Não conseguia
falar. Não sabia o que dizer ou o porquê, subitamente, querer
bater em um homem que ele nunca vira até não sobrar nada
além de um par de botas.
― Com quem quer que me case, ficará satisfeito como
uma vaca atolada em um depósito de aveia, pode ter certeza.
John não podia mais olhar para ela. Ele caminhou até o
forno e começou a remexer nos carvões com o ferro. Chamas
cresceram.
― Um lorde desejará se casar com uma dama. ― Annie
ficou quieta por segundo.Dois. ― Sou muitas coisas, Inglês,
mas isso não é o bastante para eles.
Alguma coisa dura se retorceu em seu peito. Ele pensou
em suas irmãs, particularmente na tímida Jane e na rebelde
Eugenia, que lutaram pra serem aceitas. Elas encontraram
maridos, e para ser claro, casaram-se bem. Mas antes disso,
elas sofreram por serem diferentes. E, ao contrário de Annie,
elas foram treinadas em boas maneiras desde o berço.
Devolvendo o ferro ao seu lugar, ele se virou para
examiná-la: o cabelo ruivo, bagunçado e brilhante como um
estandarte. Os olhos eram diretos, despojavam um homem de
sua força. Uma boca que queimava sem misericórdia. E as
roupas. Bom Deus, ela precisava de uma modista. Ela ao
menos usava um espartilho?
Ele afastou os olhos dos seios dela. Melhor não pensar
muito sobre eles.
― Não será fácil, você sabe. ― Ele alertou. ― Terá que
mudar... ― Ele balançou a cabeça e passou uma mão na
barba. ― ...Tudo. A forma como fala. A forma como se veste. A
forma como anda e se senta.
― Aye.
― Homens com títulos são caçados. ― Ele sabia. ― São
precavidos. Preconceituosos. O decoro apropriado é
meramente um começo ― todas as jovens damas dominam
isso. Para conseguir um lorde, precisará ser charmosa.
Adular, não insultar. Entende?
Ela engoliu em seco.
― Entendo.
Ele deu a volta na mesa para examiná-la mais de perto.
A mulher usava calças, pelo amor de Deus. Calças. As botas
estavam gastas e enlameadas, o cinto era simples e suas
luvas rasgadas. Tudo facilmente remediado por uma
costureira, claro. Mas a figura dela era mais roliça do que a
moda atual. Seus passos eram mais passadas largas do que
elegantes. E enquanto sua voz era melódica, o sotaque era
forte. Ela teria que suavizá-lo.
― Apreciando a vista, Inglês?
Quando ele levantou o olhar, manteve-o direto e duro.
― Você vai odiar isso. Será sufocada. ― Por algum
motivo, o pensamento doeu. ― Tem certeza que é isso o que
você quer?
Antes da resposta dela, ele notou sua mão direita
fechando-se e depois alisando a lateral de sua cintura.
― Aye. ― Ela disse, levantando o queixo. ― Torne-me
uma dama e eu o transformarei em um Highlander. Essa é a
minha oferta.
Seu primeiro instinto foi recusar. Mas John sempre
detestou perder. Se era uma partida de críquete, uma corrida
de cavalo ou uma negociação sobre preços de entregas, ele
jogava para ganhar.
Nas últimas duas semanas lançando martelos, erguendo
troncos e levantando pedras de treze quilos, uma coisa ficou
clara: sem ajuda, ele perderia a aposta para o MacPherson.
Terrivelmente.
O custo da ajuda de Annie seria alto. Ele conseguiria
passar horas todos os dias por meses sozinho com ela? Sim.
Ele podia fazer isso sem ceder à sua bizarra luxúria por
Annie? Já não tinha certeza.
Ela se aproximou, encarando-o com aqueles olhos da cor
da centáurea. Depois ela engoliu com dificuldade. Um vinco
pequeno e vulnerável apareceu entre as suas sobrancelhas.
― Ajudar-me-á, Inglês?
Sua decisão estalou em um lugar contra a sua vontade.
― Muito bem, Srta. Tulloch. ― Maldição, ele ia se
arrepender disso. Ele sabia, sentia, como uma tempestade
envolvendo seu navio. ― Quando começaremos?
Capítulo 6

― Que tronquinho ‘ocê tem aí, Inglês. Eu sei que é do


tipo delicado, mas certamente pode fazer melhor.
John cerrou os dentes e deixou o tronco de sessenta
quilos que estava segurando, tombar na grama. Ele caiu com
um baque ressonante.
― Quão grande você gostaria, Srta. Tulloch?
― Oh, quanto maior, melhor. Um homem não é um
Highlander até que ele saiba lidar com a madeira bem grande.
Ele lançou um olhar para trás, para a mulher desbocada
que pensava que era terrivelmente divertida. Ela usava sua
roupa habitual, seu sorriso habitual. E ela estava olhando
para seu traseiro.
― Está aqui para me treinar ou para gritar insultos? ―
Ele levantou a voz para ser ouvido além da cachoeira.
Olhos azuis brilhantes focaram-se em seu rosto. Sua
língua saiu da língua para umedecer seus lábios.
― Um pouco de ambos, suponho. ― Sorrindo, ela se
aventurou mais fundo na clareira onde ele estava praticando
a atirar troncos. As botas dela farfalhavam em meio a grama
congelada. Sua respiração saía branca em meio ao ar gelado.
O cabelo parecia cobre em meio a paisagem de fundo formada
por pinheiros escuros, rio cristalino, rochas cinzas e uma
cascata branca. ― Este é um grande lugar, Inglês. ― Ela
suspirou e girou. ― Estive aqui apenas no verão.
A cachoeira caía de uma encosta totalmente arborizada,
derramando-se em uma piscina de pedra profunda após uma
queda de seis metros. O pequeno riacho serpenteava por suas
terras, desembocando no vale até unir-se ao rio que
alimentava o lago.
― Tão pacífico no inverno. Apenas vento e água. Isso é
mágico. ― Annie murmurou, virando-se para encará-lo. Os
olhos dela estava intensamente azuis e brilhantes esta
manhã. Suas bochechas estavam rosadas, assim como a
ponta de seu nariz.
John já estava trabalhando há uma hora. Mesmo sem o
casaco, o frio não o incomodava. Mas ela era muito menor e
usava apenas um plaid para aquecê-la. Caminhando até onde
ele deixara seu casaco sobre uma reentrância larga, ele o
ofereceu a ela.
Sobrancelhas vermelhas arquearam em surpresa.
― Se quiser isso limpo, contrate uma criada.
Soltando o ar exasperadamente, ele o envolveu em torno
dos ombros dela.
― Você deveria ter um casaco. Um plaid não é suficiente
para este tempo.
Estranhamente ela não respondeu, mas sua respiração
acelerou saindo em baforadas brancas.
Enquanto ajustava os botões de seu casaco, perguntou-
se o que cheirava tão bem. Já notara antes quando ela estava
perto. Ela havia cozinhado algo antes de vir? Ela cheirava a...
doce. Puro. Ele franziu o cenho. Era maçã? Mel? Ele se
aproximou respirando profundamente. Açúcar? Não, mais
rico do que açúcar. Mais floral e glorioso. Caramelo?
O que quer que fosse, deixou-o faminto. Até mesmo
voraz. As mãos dele se apertaram na lã até fecharem em
punhos. Ele engoliu com dificuldade e depois viu que ela
estava olhando para a boca dele.
Imediatamente ele a soltou e recuou. Virando-se antes
que ela percebesse como seu aroma afetara o corpo dele, ele
ergueu o tronco e o apoiou no ombro.
― Venha me mostrar a forma apropriada de atirar essa
coisa, Srta. Tulloch.
Pela hora seguinte, ela o instruiu com paciência
metódica e seriedade.
Se ao menos sua mente fosse tão disciplinada.
― Entrelace os dedos, Inglês. Isso. Desliiiize-os pela base.
Agora, quando estiver pronto, use suas coxas da forma que eu
lhe disse. É mais uma elevação do que uma estocada. ‘Cê não
quer perder o controle do tronco ou isso acabará antes de
começar. Bom. Firme. Fiiiiiiiiirme. Aye, ‘cê o tem. Respire
fundo, Inglês. Fuuuuundo.
― Deus todo poderoso. ― Ele murmurou, perguntando-se
porque tudo o que ela dizia tinha implicação erótica assim
que entrava em seus ouvidos. Talvez tivesse enlouquecido.
Frustrado, certamente, mas nunca tivera esse problema
específico antes.
― Foco, agora. ― Ela aconselhou, posicionando-se a três
metros à sua direita e apontou para a extremidade oeste do
prado. ― Comece correndo. Mas lembre-se, não é a velocidade
que busca, mas um ângulo apropriado. Precisa de impulso,
Inglês. Um impulso bom e forte.
Maldito inferno. As mãos dele estavam suando.
Escorregando. Ele desejou poder culpar o peso do tronco ou a
fatiga de seus músculos. Mas não era isso. Era ela.
Ele começou a se movimentar. O tronco inclinou.
Começou a cair.
― Agora, Inglês! Atire-o agora!
Plantando os seus pés e levantando a coisa com toda a
sua força, ele assistiu como ela tombava de ponta cabeça
antes de cair com um baque oscilante.
Na posição de três horas. Deveria ser na de doze.
― Bem, agora foi bem, Inglês. Muito bem. ― Ela bufou
enquanto trotava para parar ao seu lado com as mãos nos
quadris. Depois, ela deu um tapa em seu ombro de uma
forma reconfortante. ― Se a distância fosse o objetivo, ‘cê
seria o campeão.
― A distância não é o objetivo.
― De fato, não.
Flexionando suas mãos machucadas, ele amaldiçoou.
― É mais difícil do que parece.
― Aye. A maioria das coisas é.
― O que fiz errado?
Ela acariciou seu braço ― carícias curtas e suaves com
os dedos.
― Nada que um milhão de escoceses já não fizeram um
milhão de vezes. Não se avexe.
Ele franziu o cenho. Ele não queria cometer os mesmos
erros que outros homens cometiam. Ele queria ser melhor.
Fazer melhor. Vencer.
― Explique. ― Ele exigiu. ― Se puder.
Suspirando, ela pegou a sua mão.
Os constantes toques dela eram um problema que ele
não sabia como resolver. Ele ansiava pela sensação de prazer
que ela causava. Ainda assim, ele devia manter uma distância
apropriada se quisesse manter sua luxúria controlada.
Equilibrar esses dois ímpetos era mais difícil do que atirar um
tronco na posição de doze horas.
― Quando luta contra o peso da madeira, ― ela disse ―
tudo o que fará é perder. Em vez disso, deve usá-la para criar
o impulso que precisa. Tudo começa com o seu aperto. ― Ela
abriu os dedos dele e demonstrou, segurando a mão dele.
Depois ela bateu os nós de seus dedos contra a barriga dele.
― Não segure o tronco muito alto em seu corpo. Não mais do
que o seu umbigo, sabe? Trabalhe com o peso, não contra ele.
― Ela bateu em seu ombro em seguida. ― Posicione aqui.
Encontre pontos que lhe dá mais controle. Entre estes dois
músculos, talvez, ou contra esse osso. ― Finalmente, ela
posicionou a mão sobre sua omoplata, o que, por
necessidade, queria dizer que o seio esquerdo se esfregava em
suas costelas. ― Está segurando com muita força no começo,
o que faz com que o tronco suba muito, fazendo com que ele
fique um pouco instável desde o início. Quando começou a
correr, estava esperando que tudo saísse perfeitamente, mas
não saiu, o que o fez entrar em pânico e correr demais. Na
hora de atirar o desgraçado, ele estava se inclinando para
todos os lados. Assim, acrescentou muito impulso na hora
errada, esperando fazer a diferença. Foi por isso que não teve
problemas para virá-lo, mas não conseguiu controlar o pouso
dele.
Muito do que ela disse era útil, prestativo e inteligente.
Ele sabia disso. Mas sua cabeça parecia ter um metro de
espessura.
― Esses erros são solucionáveis? ― Ele perguntou.
― Aye. A maioria, ‘cê deve praticar. É assim que todos
devem fazer, até mesmo os MacPhersons. Pratique até sentir
como se tivesse nascido com um tronco em seu pequeno
punho.
Deus, ela cheirava bem. E era tão malditamente macia. E
ele amava o som da voz dela, com “erres” vibrantes e “o”
longos e redondos. Ele queria plantar seu ombro no ventre
dela, erguê-la e carregá-la para algum lugar quente.
Talvez estivesse tempo demais nas Terras Altas. Era um
homem civilizado, pelo amor de Deus, não um bárbaro.
― Oh, está quente como deve ser, Inglês. ― Ela apertou
seu braço e bateu novamente, os dedos testando a rigidez. ―
Descanse um pouco. Praticaremos amanhã.
Droga. Ela estava certa, mas ele não queria que ela
partisse.
Ela se virou e se dirigiu para os seixos.
― Deixei um pouco de sopa pr’ocê no castelo. ― Ela
lançou por cima do ombro. ― Percebi que já comeu o pão. Eu
trouxe mais pães, mas deve contratar uma cozinheira.
Sua voz podia muito bem ser o som da cachoeira, pois foi
tudo o que ele ouviu. Sua atenção estava voltada aos quadris
dela. A forma como eles balançavam em um movimento
atraente. Seu sangue pulsou quente até ele senti-lo sob sua
pele.
Ela retirara o seu casaco e o deixara sobre a pedra.
Deslizou os dedos pelas dobras como se relutasse deixá-lo
para trás.
― Talvez eu devesse ter um casaco, hein? ― O sorriso
dela enfraqueceu seus joelhos.
― Você precisa de uma costureira. ― Ele gritou, sua voz
embaraçadoramente rouca.
― Nah. ― Ela levantou o queixo. ― Nada que uma
costureira faça que eu não faça mais barato.
Um pequeno sorriu puxou seus lábios.
― Se barato for o objetivo, Srta. Tulloch, tenho certeza
que seria a campeã.
Ela gargalhou. Não uma risada ou uma risadinha, mas
uma gargalhada plena e rica que soava em harmonia com a
água. ― Ah, ‘cê é engraçado, Inglês.
Ele caminhou até ela, pegando o seu casaco pelo
caminho.
― E se chover amanhã? Ou nevar?
― Então começaremos as minhas lições. ― Ela lançou-lhe
um longo olhar enquanto eles pegavam a trilha para o castelo.
― Damas são criaturas caseiras, não são?
O seu humor se obscureceu diante da recordação. Annie
Tulloch transformando a si mesma em uma aquarela
desbotada e indistinguível de qualquer outra mulher parecia
errado. As razões dela para fazer isso pareciam ainda piores,
como destruir uma pintura vívida de Goya para vender uma
moldura dourada comum.
Eles passaram pelo cemitério quando a trilha virava ao
sul. Annie diminuiu o passo.
― Pretende restaurar isso também, Inglês?
Ele franziu o cenho para a bagunça emaranhada e
desmoronada de ervas daninhas, lápides, arcos antigos e
portões derrubados.
― Não há muito o que restaurar, na verdade.
― Aye, suponho que é verdade. ― Ela farejou e pulou
uma raiz. Mas o olhar, ele notou, permanecia na igreja antiga.
― Isso é assombrado, de qualquer forma. Não desejaria
perturbar os espíritos.
Ele suspirou.
― Eu já lhe disse, Inglês. Esse vale está repleto de
fantasmas.
― Certo.
― Wylie não lhe contou sobre os morcegos?
― Sim, ele me contou.
― Aye, bem, eles são reais. E o dano é considerável. Me
dá arrepios.
― Sabia, morcegos ocasionalmente fixam residências em
velhas estruturas. Não necessariamente espíritos.
Ela lhe lançou um olhar afiado e azul.
― Está zombando de coisas que não entende.
Ele pôs o casaco sobre os ombros e ofereceu sua mão
para ajudá-la a passar por cima de um tronco caído.
Ela o ignorou e o transpôs sozinha.
― Srta. Tulloch, estive em muitos lugares.
Um bufo.
― Em todos os lugares que fui, as pessoas acreditavam
com grande certeza em coisas que ninguém podia ver, mas
que devia ser real. Reinos além da imaginação existem, eles
me disseram. Lugares onde criaturas místicas e mágicas
residem. Fantasmas e antepassados. Anjos e demônios.
Mulheres com corpos de mulas e duendes travessos que
limpam a sua roupa se lhes deixar uma tigela de fruta.
― Bem, isso soa idiota. Leite deve agradá-los mais.
― Quando você escuta um milhão dessas histórias sem
ver uma única lavadeira travessa ou, por falar nisso, o
fantasma de seu avô retornando do túmulo para revelar onde
ele escondia o melhor conhaque, alguém começa a questionar
se isso tudo não é um monte de besteira.
Ela ficou quieta.
Ele observava os quadris dela e notou como o pescoço
dela enrijeceu.
― Não quis insultar.
― Nah, claro que não.
― Meramente estou dizendo que cada cultura que
encontrei tem contos similares. E nenhum contém a mínima
prova ou racionalidade.
Virando-se para encará-lo, ela levantou o queixo e
respondeu:
― Já se perguntou por que ouviu os mesmos contos
repetidamente, John Huxley? Hein?
Ele franziu o cenho.
― As pessoas precisam de histórias para explicar coisas
que elas não entendem. Por qual motivo uma inundação
acontece, por exemplo. Ou o porquê de uma colheita falhar e
uma aldeia passar fome. Eles querem que o infortúnio faça
sentido. Mas não faz. Isso apenas...acontece.
Ela bufou e balançou a cabeça.
― Então, ‘cê sabe de tudo, e todas aquelas pessoas que
conheceu, em todos esses lugares, não sabem de nada. É
isso?
― Não. Não foi o que eu...
― Sim, nós, os tipos rústicos, não somos mais
inteligentes do que a terra que nós mexemos. ― Ela chutou
um monte da dita terra. Folhas meio congeladas voaram.
― Eu nunca disse...
Ela explodiu em sua direção, cutucando seu peito com
um dedo raivoso. ― Ou talvez somos todos doidos. ― Ela falou
entre os dentes. ― E ‘ocê é o único são.
Ele capturou a mão dela.
― Se eu lhe pedisse para acreditar em alguma coisa
bizarra que nunca viu, pela qual não há prova além da
superstição, você acreditaria? Pularia do topo da cachoeira se
eu prometesse que asas brotariam de seus ombros?
Ela piscou. Lentamente os olhos dela perderam seu fogo.
― Improvável.
― De fato. ― Ele murmurou, acariciando as costas da
mão dela. Ela realmente deveria ter um casaco. Os dedos dela
pareciam gelo. ― Isso não lhe torna certo ou errado.
Meramente sensato.
Ela abaixou os olhos até ele não conseguir mais ver o
azul, apenas cílios ruivos contra uma pele cremosa.
― Bastante claro, Inglês.
Ele franziu a testa ao notar que ela fora do desafio ao
silêncio em segundos. Ele não gostou disso. Pior, não gostou
de ser a causa.
Gentilmente ela puxou a mão e começou a descer a
trilha, parando um momento para olhar para o cemitério.
Depois ela passou as mãos pelas costelas e desapareceu em
meio aos pinheiros.
John seguiu lentamente examinando o cemitério que ele
frequentemente ignorava, tentando ver o que Annie via. Não
havia nada. Nada além de arcos para janelas que há muito
tempo haviam virado pó. Nada além de ervas daninhas,
pedras desintegradas e ferrugem. A decadência de uma fé
abandonada.
Annie via magia em meio às ruínas. John via apenas o
vazio.
Balançando a cabeça. Ele apressou o passo. Mas na
última curva da trilha, um pouco antes do cemitério
desaparecer atrás das árvores menores e pinhos pesados, ele
ouviu um grasnado estranho e triste. Ele parou. Retrocedeu
alguns passos. Espiou pela abertura de um dos arbustos.
Lá, em cima do arco mais alto, havia um corvo
empoleirado. Ou pelo menos, tinha um formato de um. Mas
suas penas não eram pretas. Eram brancas. O bico rosa. E
seus olhos eram claros ― talvez até mesmo azuis. Ele se
aproximou, curioso sobre o pássaro. Ele nunca havia visto
um daqueles antes, embora tenha ouvido contos um tanto
estranhos de um amigo naturalista de Oxford.
Um corvo branco. Que raro. Que extraordinário.
O pássaro chamou novamente, irregular e arrebatado,
como uma viúva soluçando por seu homem perdido. Várias
outras vezes: cuá, cuá, cuá. O pássaro branco virou sua
cabeça de um lado para o outro. Depois, pareceu olhar para
ele. Olhos azuis brilharam. Eram azuis? Sim, ele achava que
sim.
A chuva escorreu pelas bochechas de John. Ele levou a
mão para secar as gostas. Sentiu uma rajada súbita e gelada.
E quando olhou novamente para topo do arco mais alto, o
pássaro havia ido.
Capítulo 7

No meio da quarta rodada das Lições para Damas, Annie


concluiu que a barganha havia sido uma má ideia.
Reconhecidamente ela estava exausta por ter ficado acordada
a noite anterior. Angus chegara a casa com notícias ruins
sobre Broderick e ela não conseguiu dormir.
Mas o humor de Huxley estava ainda mais sombrio que o
dela. Parecia que quanto mais tempo eles passavam juntos,
pior ficava.
― Novamente, Srta. Tulloch. ― Ele ordenou de seu canto
escuro e autoritário da sala de estar. ― Desta vez, evite pisar
no chão como se ele estivesse infestado de aranhas.
Ela cerrou os dentes e foi até a lareira antes de deslizar
de volta para a única cadeira no outro lado da sala.
Ele suspirou.
― Nós discutimos isso. Quando se prepara para sentar,
faz um giro suave com os pés, não como se tivesse apressada
para visitar a latrina. Onde estão os slippers* que pedi que
trouxesse?
― Eu disse a ‘ocê
― Eu disse a você. Não ‘ocê. Você.
― Eu disse a você que nae tenho nenhum slipper .
― Não tenho nenhum.
― Aye. Foi o que eu disse.
Ele esfregou a mão na barba ― um claro sinal de
frustração ― antes de levar as mãos aos quadris.
― Todas as damas usam slippers, principalmente em
casa. Botas de cano baixo são aceitáveis com vestidos de
caminhada ou para cavalgar. Botas de canos altos são
inaceitáveis, no mínimo.
Por Deus, se ele não fosse o único homem em centenas
de quilômetros que sabia a diferença entre uma xícara de chá
e uma caneca, ela usaria as suas botas inaceitáveis para
pisar em sua irritante...
― Repita. ― Ele retrucou.
Ela começou andar, sua garganta queimando.
― Queixo paralelo ao chão. Abaixe seus olhos. Modéstia
durante todo o tempo, Srta. Tulloch.
Ela ergueu o queixo, abaixou os olhos e deu o seu
melhor para deslizar da forma como ele lhe mostrara ― como
se ela flutuasse. Ou carregasse um pinico cheio na cabeça.
― Não balance os braços.
Ela parou no meio do caminho. Deu meia-volta. Encarou
o homem que virou o seu pesadelo.
― Se não mover meus braços, parecerei como uma idiota.
― Bobagem. ― Ele diminuiu a distância entre eles em
duas passadas e esticou as mãos até seu pulso. O aperto dele
era quente e firme enquanto ele puxava seus braços e
dobrava suas mãos a frente de sua cintura. Os dedos dele
demoraram sobre os dela por alguns segundos para mostrar-
lhe precisamente a posição que ele queria.
John Huxley, ela descobriu, era um homem meticuloso.
― Assim. Finja que está carregando um passarinho.
Caminhe levemente, agora.
A proximidade dele enviou ondas perturbadoras de calor
sobre sua pele. A sensação era pior do que todas as vezes que
ele a tocava. Quase um arrepio. Ela percebia isso mais e mais
desde aquele dia na praça. Ás vezes como agora, sua mente se
enrolava como lã e ela não conseguia pensar em uma única
palavra para dizer. Outras vezes, tal como no dia que ele a
encurralou contra a mesa da cozinha e a prendeu entre
aqueles poderosos braços, ela se perguntou se estava louca,
afinal.
Apenas uma mulher louca ficava quente e zonza com os
aromas do ar outonal, pinhos frescos e suor masculino.
Apenas uma lunática pensaria que tocá-lo valia qualquer
risco ― e beijá-lo, poderia valer ainda mais.
Ela afastou a sensação de lã emaranhada enquanto se
movia até o canto.
― Prossiga.
Ela assentiu, seguindo adiante.
― Um passarinho. ― Sussurrou. ― E um pinico na
cabeça.
― Ombros para trás.
― Aye, ombros... ― Seus joelhos bateram na cadeira,
raspando-a ruidosamente no chão.
― Droga. Se usasse saias, isso não aconteceria.
― Se você me deixasse olhar para aonde estou indo em
vez de encarar o chão como uma completa idiota...
― Minhas instruções foram claras, Srta. Tulloch. Você
não deve encarar o chão, mas manter seus olhos
modestamente desviados...
Ela agarrou a cadeira e jogou-se sobre ela, enganchando
seus cotovelos nas costas.
― Por que as saias fariam diferença?
― As saias alertam. Elas estariam lá antes.
― Elas pegam fogo.
Agora, ele passava a mão pelo rosto inteiro, não apenas
na barba.
Ela sorriu.
― Sabe quantas mulheres boas morreram usando saias
decentes dentro da cozinha, Inglês?
― Deus, você é a mais irritante...
― Muitas. Não estarei entre esses números, garanto isso.
― Seu plaid podia pegar fogo.
― Aye. Mas não pegará.
Belos olhos de avelã com chamas douradas mudaram de
humor.
― E por quê?
Ela se debateu se contava a verdade. Mas, no fim, a
opinião dele não podia ficar pior. Honestidade é o que seria.
― Ele é mágico.
― Mágico.
― Dos reinos subterrâneos. Tenho um amigo que mora
lá. Ele abençoou esse plaid anos atrás. Disse que isso me
protegeria.
Outra vez a mão elegante varreu o rosto bonito e
exasperado.
― Você vai tentar uma distração ultrajante todas as vezes
que falhar em uma lição? Eu não tenho a maldita eternidade
para desperdiçar.
― Oh, Inglês. Sua vulgaridade queima meus pequenos e
virgens ouvidos.
― Suspeito que nenhuma parte sua combina com essa
descrição.
Primeiro, sua vontade de socar coçou. Depois, a deixou
zangada. Depois, ela percebeu que ele olhava para seus seios.
Ele fazia isso com muita frequência, na verdade.
Ele acreditava que por ter seios grandes ela se deitava
com qualquer um? Mesmo que ela quisesse ― e ela já tinha
visto muitos dos defeitos masculinos para saber ― os
MacPhersons castrariam cada homem do vale antes.
Então, havia Fin. Nenhum acompanhante poderia ser
melhor do que o seu sempre presente fantasma que olhava
como um rapaz doce e inocente.
Deus, ela tinha saudade dele.
Por isso ela precisou engolir sua raiva e frequentar as
Aulas para Dama.
Tinha que se lembrar do motivo pela qual estava fazendo
isso. Por Finlay.
Ainda assim, Huxley precisava ser posto no lugar.
― É assim que fala com as suas irmãs, John Huxley?
Olhos de avelã voltaram-se para seu rosto.
― Não.
― Bem, então, talvez não seja eu quem precise de aulas
sobre bons modos, ãh?
Um rubor avermelhado subiu por sua barba até suas
belas maçãs do rosto.
― Minhas irmãs têm mais senso do que provocar tal
comportamento. Elas não são espevitadas.
― E eu não sou uma vadia. ― Ela respondeu. ― Boas
maneiras ou não, não mereço ser chamada assim.
Os ombros dele se enrijeceram. Após um longo e duro
silêncio, ele assentiu.
― Correto. Peço desculpas, Srta. Tulloch. Meu
comentário foi impensado.
Impensado. Não errado, ela percebeu. Apenas um deslize
de língua.
À distância, ela ouviu uma batida na porta.
Huxley franziu a testa e olhou para as portas da sala de
estar em direção ao corredor da entrada.
― Esperando companhia? ― Ela perguntou.
Ele balançou a cabeça e foi atender a porta. Ela o seguiu,
curiosa se seus esforços em nome dele geraram frutos.
Aparentemente sim.
― Sr. Huxley? ― Perguntou o arrendatário baixo de
cabelos castanhos segurando um chapéu. ― Meu nome é
Dougal MacDonnell. Ouvi que pode ter algum trabalho para
mim.
― Aye, ele tem. ― Ela responde, passando por baixo do
braço de Huxley. ― O chão da cozinha está uma vergonha. E
a despensa precisa de prateleiras.
Uma mão grande segurou seu braço, empurrando-a para
trás, mas não antes de Dougal ficar boquiaberto e exclamar:
― Louca Annie. É você?
― Não a chame por esse nome novamente. ― O comando
de Huxley passou sobre sua cabeça enquanto ele puxava suas
costas contra o corpo dele.
― Oh, aye. ― Dougal abaixou a cabeça. ― Desculpe-me,
Annie. Apenas fiquei surpreso em vê-la aqui.
Ela começou a responder, mas Huxley a empurrou para
longe da porta e a prendeu atrás dele. Depois, ele retrucou:
― Ela é Srta. Tulloch.
― Calma, inglês. ― Ela bateu no braço dele notando quão
duro eram os músculos, de maneira incomum. ― Eu conheço
Dougal desde que éramos pequenos.
― Por que ele está aqui?
― Ele precisa de trabalho. Você precisa de trabalhadores.
― Seu pai...
― Angus concordou que deveria permitir que contratasse
quem quisesse.
Até agora, o olhar de Huxley havia feito um buraco na
testa de Dougal. Subitamente, virou-se para ela.
― O que o fez mudar de ideia?
Ela deu de ombros.
― Devo ter mencionado que seria para o benefício dele se
‘ocê restaurasse o castelo, assim ele não teria que fazer. ― Ela
sorriu. ― Assumindo que ele vença a aposta, claro.
O olhar dele se demorou sobre ela, avaliador e um
bocado confuso. Então, endureceu.
― Volte para a sala de estar. ― Ele murmurou,
empurrando-a naquela direção.
― Dougal tem dois irmãos e vários primos com filhos
para alimentar...
A posta rígida de Huxley e o queixo trêmulo sinalizou sua
raiva, embora ela achasse isso desconcertante. Ela fizera um
favor para ele.
― Srta. Tulloch. A sala de estar. Se fizer o favor.
Ela bufou.
― Certo. Apenas não deixe Dougal convencê-lo a
contratar os filhos dele para o seu estábulo. São os rapazes
mais preguiçosos que já vi.
Na sala de estar, ela praticou seu “deslizamento” de um
canto a outro da sala. Após sete ou oito voltas, ela descobriu
que exagerar nos movimentos os tornavam mais fáceis,
embora não menos idiotas.
― Passarinho e penico. ― Ela sussurrou repetidamente,
seu pescoço esticado como um ganso elegante. Depois,
quando ela se sentiu perfeitamente ridícula, ela deslizou até a
cadeira. ― Gire os pés, flutue sobre o assento. ― Ela girou e
afundou-se. Por causa da forma como as mãos estavam
posicionadas, elas caíram perfeitamente em seu colo.
Ela arregalou os olhos. Ela conseguira. Pelos céus, ela
dominou o ato de sentar. Ela riu alto.
― Você precisará de saias e slippers. ― O murmúrio
profundo e masculino veio do vão da porta.
Ela se levantou e girou, fazendo a cadeira arranhar o
piso novamente.
Os braços dele estavam cruzados, sua expressão obscura
e inelegível.
― Você já fez alguma prova antes?
Ela engoliu com dificuldade, seu coração acelerou com
mais força do que deveria por ter deslizado e sentado.
― Para as botas.
Ele a olhou para seus pés e balançou a cabeça.
― Devemos encontrar uma costureira.
― Eu posso costurar as minhas...
― Uma chapeleira, também. Inverness pode oferecer
alguém adequado. Edimburgo seria melhor.
Annie odiava essa sensação ― como se estivesse
naufragando em terra estrangeira onde nada era familiar,
mas que se esperava que ela falasse a língua.
― Não vejo porque não posso fazer minha própria...
― Porque seria ridicularizada. Deixe os vestidos para
aqueles que entendem da moda atual.
― Eu odeio fazer compras. É muito caro.
Ele franziu o cenho.
― Os MacPhersons estão muito longe da pobreza. Seu pai
não lhe dá uma mesada?
Ela ergueu o queixo.
― Padrasto. Angus paga as contas que eu envio para ele.
― Então ele pagará essa.
Um rubor envergonhado aqueceu seu rosto.
― Eu não quero que ele faça.
― Por quê? Ele sabe sobre a sua intenção de perseguir
um lorde, sim?
Ela olhou para as botas.
― Srta. Tulloch.
Depois olhou para as botas do inglês. Elas eram
superiores às suas, percebeu. Provavelmente feitas em
Londres.
― Srta. Tulloch. ― A voz dele estava baixa agora. Mais
próxima. As botas deles se moveram alguns centímetros mais
perto das dela. ― Você contou a ele, não foi?
― Não.
― Por que não?
Porque ele podia considerar uma rejeição por tudo que
ele lhe dera. E ela não podia aguentar machucar seu amado
velho.
O suspiro de Huxley bagunçou cabelo de sua testa.
― É compreensível que deseje minimizar despesas pelo
bem de sua família, mas não tem escolhido um
comportamento adequado. Você precisará do apoio dele.
Tenho certeza de que se ele soubesse que pretende se casar,
ele ficaria feliz...
― Sabe o que Angus disse a primeira vez que ele me viu?
Uma pausa.
― Conte-me.
― Um dia antes deles se casarem, a minha mãe me
explicou que nós partiríamos de Inverness para viver com
uma nova família. Disse que eu teria um pai e quatro irmãos.
― Ela estava nervosa, sua mãe. Os dedos tremiam
estranhamente, prendendo seu cabelo vermelho atrás das
orelhas e arrumando o colarinho da capa de Annie. ― Eu
sabia o motivo. Ela era uma viúva. Nós acabamos com a turfa
mais de uma vez.
Ela recordou sua mãe fazendo brincadeiras no frio,
enrolando Annie em vários cobertores e fingindo que elas
estavam em uma expedição através do deserto congelado. Oh,
Annie. Vê o urso? Talvez ele seja do tipo amigável. Talvez ele
tenha um filhotinho que poderemos embalar. Enquanto Annie
ria e brincava, sua mãe tentava freneticamente terminar sua
costura antes que a luz desaparecesse. No inverno, sem velas,
madeira ou turfa, as horas de Lillias Tulloch para ganhar a
vida eram menores. Ela não podia se dar ao luxo de
permanecer solteira.
― Ela conheceu Angus quando ele foi à cidade comprar
suprimentos. Ele ameaçou um lojista que estava reclamando
de uma conta que ela não pagara. Depois ele pagou. Em
seguida lhe ofereceu uma posição como preceptora dos filhos
dele. ― Annie sorriu. ― Quando ela explicou que tinha uma
filha, ele se ofereceu pra casar-se com ela. Tudo isso depois
uma hora após por os olhos nela. Ele nunca admitiu ― desde
esse dia ele diz que apenas se casou com ela porque seus
filhos precisavam ser educados ― mas acho que Angus se
apaixonou à primeira vista.
― E a sua mãe?
― Ela precisava de um marido.
― Humm. O que achou dele?
― Eu não o encontrei até o dia do casamento, do lado de
fora da capela. Angus e seus filhos chegaram andando pela
estrada, usando seus kilts e parecendo um bando de gigantes
de cabelos pretos de um livro de história. ― Ela riu da
lembrança. ― Estava com tanto medo que comecei a prantear.
― Prantear?
― Quer dizer chorar. Eu era pequena. ― Ela deu de
ombros. ― Nunca vi um homem daquele tamanho antes. Mas
Angus não se deteve por isso. Ele se ajoelhou ali na sujeira.
Ele me mostrou seus pulsos e disse: “Já viu um conjunto de
ossos como esses, lassie?” Claro que não tinha visto. Mas isso
me fez parar de chorar. Depois ele disse: “Sinta. Vamos,
sinta.” Minhas mãos eram tão pequenas, mesmo as duas não
cobriram metade do pulso dele. Então, ele disse: “De agora
em diante, sua mãe e você são uma parte minha, assim como
esses ossos. E nunca mais vai precisar ter medo novamente,
pois eu ficarei entre você e todo o perigo do mundo.”
A garganta dela se fechou e ela lutou contra as lágrimas
que sempre vinham quando ela deixava essas memórias virem
à superfície.
― Depois que a minha mãe morreu, ele não falou muito
por algum tempo. Quando finalmente fez, ele me disse: “Eu
me casei com sua mãe. Mas a minha primeira promessa foi
para você, Annie. E eu vou mantê-la.”
Nós de dedos quentes roçaram sua bochecha. Ela
levantou os olhos e colidiu com os dele. Castanho, verde e
dourado ― mais dourado. Bonitos demais para um homem.
― Por que você não lhe contou que está procurando um
marido? ― Ele perguntou.
― Ele não me deve nada, Inglês. Ele e minha mãe ficaram
casados por um ano. Ainda assim ele me deu um lar. Uma
família. Duradoura como deve ser. Eu deveria agradecê-lo
abandonando-o?
― Ele a ama. ― De alguma forma, os dedos dele ainda
acariciavam a bochecha dela. De alguma forma, as bocas
deles estavam a um sussurro de distância.
― Aye. E eu o amo.
Um vinco formou-se entre suas sobrancelhas.
― Por que insiste em chamá-lo de padrasto?
― O que quer dizer?
― Frequentemente me corrige. Ele a chama de filha, mas
você foge e o chama de padrasto.
Ela deixou o seu olhar cair para sua barba, depois focou
em seus lábios. Eles eram perfeitos. Definidos nas bordas,
mais finos do que cheios. A curva superior parecia ter sido
feita para sorrir, embora raramente ele fazia.
― Dois motivos. ― Ela respondeu. ― Primeiro, eu quero
que todos os aldeões idiotas que acreditam que eu sou
maluca lembrem-se que Angus e eu não temos o mesmo
sangue. Desta forma meus irmãos podem se organizarem o
suficiente para encontrarem esposas e gerarem filhos, não
haverá nenhuma dúvida.
― E o segundo?
― Para lembrar a mim mesma que ele não tinha que me
amar. Ele escolheu isso.
Outra carícia com os nós dos dedos sobre a bochecha
dela. Outro suspiro quente dos lábios dela.
― Eu aposto que foi menos do que uma escolha do que
supõe. ― Ele murmurou.
Pancadas altas e distantes, como pedras sendo partidas
por um martelo, soaram através do castelo. Ela piscou,
percebendo que eles estavam parados muito perto um do
outro. Huxley pareceu perceber também, visto quão
rapidamente ele abaixou sua mão e se afastou dela.
Parecia como se tivessem tirado seus cobertores em uma
manhã fria.
Recompondo-se, ela sinalizou em direção à porta.
― Dougal, presumo?
Ele pigarreou.
― Eu pedi que ele começasse imediatamente.
― Na cozinha?
― No dormitório.
― Nah. Deveria tê-lo posto para trabalhar na cozinha
primeiro.
Huxley franziu a testa.
― Contratarei homens suficiente para dirigir todos os
reparos necessários. Criados também. ― Ele fez uma pausa. ―
Isso me leva a um tópico que pretendo discutir com você.
― Bom. O piso da cozinha está uma desgraça. Qualquer
um pode tropeçar nas pedras soltas e cair no fogo.
― Você não deve voltar aqui sozinha.
― A despensa também. Cê precisa de prateleira, Inglês.
Uma vez que as construir, poderemos enchê-las. Não
demorará até que sua figura elegante esteja grande o bastante
para atirar troncos.
― Srta. Tulloch. Está me ouvindo?
― O bastante para saber que não tem sentido.
Ele passou a mão pela barba.
― Dougal MacDonnell já a viu. A notícia vai se espalhar
rapidamente.
― Não seja tolo, Inglês.
― Você me pediu para lhe ensinar como ser uma dama,
não foi?
― Aye.
― Bem, aqui vai a primeira regra: não é permitido às
damas comprometerem a si mesmas.
― Cê mesmo disse que eu não deitei na sua cama.
Os olhos dele brilharam estranhamente. Com as mãos
nos quadris ele andou até o vão da porta e depois voltou com
o queixo trêmulo.
― Estar sozinha comigo já é o bastante para manchá-la.
Quanto mais pessoas souberem, pior será.
― Que besteira. Todos em Glenscannadoo pensam em
mim como uma mulher louca. Eu já estou tão manchada
quanto o porco do Sr. Cleghorn depois que ele se meteu com a
porca de Flora MacDonnell. O porco, quero dizer. Não acho
que o Sr. Cleghorn goste de porcas.
― Bom Deus, você é mais irritante…
― Além do mais, você nem ao menos me beijou, Inglês.
Que tipo de mácula pode haver sem beijo? Nenhuma, eu diria.
Ele congelou. Fixou nele seu olhar avelã que queimava
dourado. Ele murmurou um epíteto sujo e depois balançou a
cabeça.
― Eu não a beijarei. ― Ele suspirou.
― Não estou pedindo. ― Era uma mentirinha, na
verdade. Ela não se importaria em descobrir como seriam
aqueles lábios perfeitos contra os dela.
― A próxima vez que vier aqui, traga uma acompanhante.
― Sua ordem, falada naquele tom inglês, preciso e conciso,
inflamou seu temperamento.
Ela cruzou a pouca distância entre eles e o olhou com o
queixo em riste.
― Ou o quê?
― Ou me recusarei a continuar instruindo-a.
― Humph. Sabe o que acho, Inglês?
― Não importa o que pensa. Irá obedecer ou nosso
acordo termina.
O fogo em seu ventre se intensificou.
― Acho que está com medo do que poderia acontecer se
você me beijasse.
O queixo dele se flexionou até ela pensar que os dentes
dele quebrariam.
Lentamente ela sorriu.
― Pobre e delicado inglês. Com medo da pequena Annie e
de seus não-tão-pequenos seios.
― Pare. ― A palavra foi nada além do que irritação. Ela
gostou do som, cru e um pouco arrastado. Ela queria mais.
― Não se avexe, Inglês. ― Ela sacudiu a lapela do casaco
dele. ― Serei gentil.
Com um movimento rápido ele segurou seus pulsos,
aproximando-a antes de envolver sua cintura e a achatar
contra ele.
― Acha isso divertido?
Divertido? Longe disso. A sensação de ser puxada com
força contra ele chocou seus sentidos. Roubou seu ar. Fez
sua visão embaçar. Ela nunca imaginou que sentir seus seios
pressionados contra o peito firme dele tanto a acalmaria
quanto inflamaria. Ela não previra como ele pareceria
poderoso quando todo aquele controle começasse a se
desfazer.
Os dedos da mão livre dele traçaram o topo de sua
orelha, fazendo sua pele se arrepiar.
― Acha que pode ignorar meus alertas, rir do risco e não
sofrer consequências. ― Ele abaixou a cabeça até ela sentir o
hálito quente e úmido em seu pescoço. ― Entendo o porquê. ―
Ele sussurrou.
― E- entende? ― Ela mal conseguiu sussurrar as
palavras. Nela, tudo formigava. Sua pele, seu couro cabeludo.
Seus seios e lábios. Suas coxas...até mesmo seus joelhos.
Céus, o que ele estava fazendo com ela?
― Sim. ― Ele esfregou a mecha de cabelo solta entre a
orelha e a bochecha dela. ― Um cavalheiro parece tão
inofensivo.
― Inglês. ― Ela sussurrou contra a barba dele. Foi tudo
que foi capaz de dizer, pois todos os outros pensamentos
fugiram. O corpo dela zunia desde os ombros até as coxas.
Cada respiração quente que ele soltava contra a sua pele
alimentava o calor em sua barriga. Ela ardia. Ardia por ele.
― Deixe esta ser a sua próxima lição, Srta. Tulloch. ―
Dentes mordiscaram o lóbulo de sua orelha. Lábios roçara
sua mandíbula. ― Preste muita atenção. ― A voz dele estava
totalmente rouca.
De alguma forma, ela amassou a lapela em sua mãos.
Agora a usava para puxá-lo para mais perto. Com mais força.
― Aye?
― Quando estiver sozinha com um homem, nada além da
honra dele impedirá que ele pegue o que deseja. ― A mão dele
subiu da cintura pra seu seio. ― Seja um toque.
Ela gemeu e arqueou em direção à carícia. Fechou os
olhos para digerir a sensação. A palma dele. Seu mamilo.
Pequenos pulsos vibrantes de prazer e a crescente dor de
necessidade.
― Ou um beijo. ― Ele roçou seus lábios perfeitos nos
dela.
Sua língua disparou para capturar o formigamento que
ele deixou para trás. As cócegas da barba dele contra a sua
pele desapareceram enquanto ele cuidadosamente se afastou.
Ela o seguiu cegamente, agarrando-se ao pescoço dele,
focando no retorno dos lábios dele nos dela.
Mas ele resistiu com facilidade.
― Ou uma intimidade que apenas seu marido deveria
apreciar.
Repentinamente ele agarrou a coxa dela e a ergueu ao
lado do corpo dele. Então, com um movimento experiente, ele
apertou seus quadris nos dela, o cume duro sob as calças
tomando as liberdades sobre a qual ele falava.
Calor e prazer surgiram onde a dureza se intrometia em
suas dobras suaves. Separado apenas pelas camadas de
roupas, o corpo dele pressionava o dela, guiando-se ao longo
dos nervos maduros e delicados. Ela ofegou com o prazer
disso. O calor a enfraqueceu até que ela apenas pudesse se
agarrar a ele, enterrando o nariz em sua gravata e ofegar.
Ofegar.
Ofegar mais.
Havia mais? A cabeça dela girava e seu estômago doía.
Ela o queria para...não sabia. Beijá-la, provavelmente.
Remover as barreiras entres eles, certamente. Então, o quê?
― Inglês? ― Ela ofegou, incerta do que ela estava pedindo
para ele fazer. Ela ergueu a boca ao queixo dele, procurando
seu beijo mais uma vez.
E ele resistiu outra vez.
Lentamente ela abriu os olhos para encontrá-lo a
encarando. Ela não tinha certeza do que esperava ver.
Luxúria, obviamente. Talvez uma medida do mesmo calor
vertiginoso que ela sentia.
Mas não assim. Isso era calculado. Ele estava a
avaliando. Assistindo a sua reação ao toque dele da forma que
um homem treinando um cavalo assistia o animal reagir à
mordida.
O frio infiltrou-se e substituiu o calor ― todo, exceto o do
rosto dela. Ali era o calor da humilhação. Ela tentou afastar-
se dele, mas ele a segurou rápido, apertando sua mão à sua
coxa.
― Saia. ― Ela cerrou os dentes, empurrou o peito dele.
Ele inclinou a cabeça.
― Eu irei. Porque eu sou um cavalheiro. Mas agora você
entende quão rápido você pode perder tudo. ― Os olhos dele
caíram sobre seus lábios. ― Um único momento de carícias e
a única peça que atuará para um lorde será de amante.
Ela o empurrou novamente, dessa vez cravando a palma
de sua mão no ombro dele.
― Você marcou seu ponto. Agora, saia.
― Devo? ― Ele murmurou. ― Pergunto-me.
Os braços dele se afastaram e ela imediatamente recuou
vários passos.
A forma com que ele olhava era estranha. Antes, ele
sempre parecia cansado, frustrado ou enfadado. Agora a
expressão dele luzia obscuramente, focado e alerta. Isso a
confundiu. A fez recuar outro passo antes de parar.
― Da próxima vez, traga um acompanhante. ― Ele disse,
calmamente arrumando suas lapelas. ― Uma mulher seria
melhor.
Como ele podia ser tão frio enquanto ela ainda sentia
como se seus ossos tivessem derretidos?
― Eu não conheço nenhuma mulher que…
― Encontre uma.
Ela o fitou com ar zangando.
― Não é assim tão fácil.
― Nunca disse que seria fácil, Srta. Tulloch.
― Aye. ― Precisando afastar o olhar dele, ela vasculhou a
sala. Ele havia terminado de instalar os painéis, mas a lareira
ainda exigia reparo. ― Coisas impossíveis nunca são.
O silêncio foi sua resposta.
Ela engoliu em seco e arriscou outra olhada na direção
dele. Uma mecha de cabelo castanho caía sobre a testa dele.
Era a única coisa nele que não estava perfeitamente
comportada.
Erguendo seu queixo, ela o desafiou.
― Apenas espere até ter que aprender a atirar um peso
sobre a barra sem se matar, Inglês. Então, verá o que
impossível realmente significa.
Um vislumbre evasivo ― quase um sorriso ― curvou um
canto da boca dele.
― Espero por sua instrução de especialista, Srta.
Tulloch. -Em seguida ele se dobrou na cintura e lhe fez uma
reverência zombeteira. ― Com ansiedade.
Capítulo 8

Uma semana depois, Annie levava sua nova


acompanhante pela estrada até o Castelo Glendasheen. As
besterias da anciã vinham em fluxo contantes por toda a
viagem desde a Casa MacPherson.
― Você ficará feliz, lass. Plantei outra sorveira do lado de
fora da casa de seu irmão. Ele terá uma boa sebe quando
voltar da prisão. Boa proteção essa.
Annie puxou Bill, o Burro, ao longo da costa do lago e
soltou um suspiro de impaciência.
― Broderick precisa de proteção agora, Sra. MacBean.
Depois do retorno dele será um pouquinho tarde.
A velha franziu o cenho. Depois vasculhou dentro da
bolsa de couro que ela carregava.
― Talvez eu possa amaldiçoar o homem que o pôs lá.
Batendo no pescoço de Bill enquanto eles contornavam
uma bétula, Annie engoliu sua preocupação e focou na água
batendo.
― Se nós soubéssemos quem é, uma maldição não seria
necessária. Os MacPhersons resolveriam o assunto.
― Oh, uma maldição funciona tão bem quanto matar.
Precisarei de quatro espelhos…
― Não se incomode, velha. Já lhe disse…
― ...e cinzas de uma árvore de teixo antiga.
― … nós não sabemos quem está por trás dos problemas
de Broderick.
― Oh, e um barril novo de uísque atingindo por um raio.
Não há necessidade de remover o uísque. Eu mesma o
drenarei.
Apesar de sua irritação, Annie bufou.
― Tenho pouca dúvida disso.
― Raios adicionam um ótimo sabor de fumaça.
Annie falou com Bill, que parecia mais lúcido do que as
duas criaturas atrás dela.
― Acredita que uma maldição é mais forte se você enfiar
um cardo em sua bunda?
As longas orelhas de Bill se contraíram. A Sra. MacBean.
aparentemente não escutou. Em vez disso, ela vasculhava
dentro de sua bolsa de couro, depois levantou um pedaço
velho de tecido xadrez.
― De qual clã disse que seu homem é?
― Eu já disse, ele não é meu homem.
― Aye, aye. Mas você pretende se casar com ele. Farei
um encanto que ele não vai resistir.
― Não tenho intenção de me casar com ele, sua velha
idiota. ― Mesmo o beijo dele transformando os ossos de uma
mulher em molho quente. Onde ele aprendera tais coisas?
― Não, claro que não. Agora, de que clã ele é? Dos
Brodies?
― Oh, pelo amor de Deus. Já lhe disse, o nome dele é
John Huxley. Ele não tem um clã. E ele não é meu homem.
Ele está me ensinando a ser uma dama.
― Você foi uma dama no ventre de sua mãe, lass.
― Bem, sou uma mulher, certo o bastante. ― Ela atirou
um olhar irônico para seus seios. ― Mas devo me casar com
um lorde. Lembra? Isso é sobre Finlay.
― Oh. Aye, agora me lembro. Tem certeza de que o
menino sabe sobre isso? Nunca ouvi falar de um fantasma
que renasceu, muito menos exigindo um título.
Não, Annie não tinha certeza de nada. Ela trabalhou até
a exaustação nas últimas semanas na esperança de outra
visita de Finlay, mas tudo o que restava dele era o cardo
enfeitiçado. Agora mesmo ela o sentia em seu bolso, o único
sinal de que seu sonho não tinha sido meramente um
pensamento ilusório.
― Devo acreditar que ele fala a verdade Sra. MacBean. ―
Ela engoliu com dificuldade, deixando o som das ondas
batendo acalmá-la. ― Essa é toda a esperança que tenho.
A anciã ficou em silêncio por um tempo. Depois, Annie
sentiu uma palmadinha em seu ombro. A Sra. MacBean se
inclinou sobre as costas de Bill, seu olho bom brilhante com
simpatia.
― Eu lhe farei um ótimo encanto. Não se preocupe. Esse
rapaz Huxley não será capaz de dizer exatamente o que
aconteceu, ele ficará tão apaixonado. ― Outro tapinha e ela
voltou a vasculhar a bolsa. Ela retirou outro pedaço de tecido
xadrez. ― Então, os Huxleys são um clã das Terras Baixas?
Annie suspirou.
― Ele é inglês. E de longe o que tem maior visão sobre
conveniência do que encontrar normalmente em
Glenscannadoo. ― Ela olhou para o arbusto de cabelo
encaracolado e as roupas esfarrapadas. ― Enquanto estiver
atuando como minha acompanhante, melhor manter esta
conversa sobre feitiços e encantos para si mesma.
A anciã assentiu sabiamente.
― Está certa. Ingleses não são como os escoceses.
Não, eles não eram. Um escocês nunca descartaria
feitiços e fantasmas como puro lixo. Um escocês não
acreditaria que os únicos olhos capazes de enxergar eram os
dele.
E outra coisa ― se um escocês gostasse de uma lass, ele
não a beijaria como um tipo de lição e agiria como se ela
estivesse arranhando suas botas. Apenas ingleses faziam isso.
Ingleses pomposos, superiores e exasperantes.
O castelo entrou em vista.
― Apenas prometa que fingirá ser sã. ― Annie disse. ―
Nós não queremos assustá-lo demais.
― Um pouco fraco, ele é?
― Nah. ― Annie respondeu após uma longa consideração.
― Nada sobre John Huxley é fraco.
O seu ponto foi provado quando eles chegaram às portas
do castelo. Annie puxou Bill para parar e observou enquanto
a Sra. MacBean murmurava.
― Vejo o que quer dizer, lass.
John Huxley estava novamente com os braços
descobertos. Desta vez, ele estava ajudando a erguer uma
mesa pesada de uma charrete longa. Dois primos MacDonnell
seguravam uma ponta. Huxley segurava a outra, sozinho.
Seus braços e ombros ondulavam com o esforço.
― Para a sala de jantar, cavalheiros. ― A voz dele era
calma. Autoritária. ― Vamos.
Ela já tinha visto força bruta antes. Obviamente. Os
MacPhersons normalmente carregavam barris de cidra de
cento e trinta quilos em seus ombros. Mas eles tinham
constituição para isso. Huxley era magro. Um cavalheiro.
Ainda assim, ele mal ofegava com o peso da mesa que tinha
uns cinco metros de extensão.
Enquanto os homens atravessavam as portas do castelo,
o perfil de Huxley entrou em visão e um calor correu de seu
ventre às pontas de seus dedos.
Deus do céu. Ele se barbeara.
― Vou dizer uma coisa, lass. Seu homem é um
espetáculo bruto de ser ver.
Annie engoliu com dificuldade.
― Ele não... não é meu homem. Já disse. ― Ela o assistiu
até ele desaparecer dentro do castelo. Apenas depois ela
respirou corretamente. O que havia de errado com ela? Ela já
o vira sem barba antes.
Recompondo-se, ela ajudou a Sra. MacBean a descer das
costas de Bill antes de levar o burro ao estábulo. Ela notou as
novas vigas e as estrebarias recém-construídas, a sala de
arreios organizada e a limpeza do piso. Dando uma palmada
no pescoço de Bill, ela olhou ao redor ao que um dia fora
pilhas ao ar livre de pedras antigas e madeira podre.
Mesmo antes de Huxley contratar homens, ele fizera
maravilhas com o Castelo Glendasheen. Ela sacudiu a cabeça
diante da transformação. Era mais do que admirável. Era
quase um milagre, considerando a maldição do castelo.
De alguma forma ele evitara as calamidades incomuns
dos donos anteriores do castelo. Um dos chefes MacDonnell
havia reconstruído a torre do castelo sete vezes antes de
admitir sua derrota. Outro tinha perdido o uso de sua perna
quando uma parte do telhado caiu sem alerta ou causa. Um
terceiro desistiu quando o castelo pegou fogo pela quarta vez.
A má sorte de Ewan Wylie fora menos violenta talvez, mas seu
contratempo não fora menos efetivo: uma invasão de
morcegos, fornos que se recusavam a ficarem acesos, uma
árvore caiu sobre o estábulo. Finalmente, a despesa e o
desconforto forçaram Wylie a abandonar o vale para se
empregar em outro lugar.
John Huxley, ao contrário, havia começado a ter
progresso em menos de um ano.
― Aparentemente os espíritos gostaram do seu homem. ―
A Sra. MacBean comentou da entrada. ― O castelo não o está
atrasando, com certeza.
Annie assentiu.
― Aye. ― Ela desistiu de corrigir a presunção da anciã de
que Huxley era dela. ― Percebi a mesma coisa. ― Ela deslizou
a mão sobre o portão da baia mais próxima. ― Por que você
acha que é isso?
― Não sei. Os espíritos têm nada além de tempo e
capricho pesando sobre eles. ― A velha tirou uma palha de
sua manga. ― Talvez eles gostem de olhar para a cara dele.
Não os culpo por isso.
Um bom ponto. Annie recordou aquelas feições belas e
refinadas. O queixo esculpido. O nariz aristocrata. Os olhos
cativantes.
Quando elas saíram no pátio do estábulo, o rosto bonito
dele estava carrancudo. Ele vinha na direção delas
carregando uma cesta de maçãs.
― Quando vocês chegaram?
― Alguns minutos atrás. ― Annie sorriu para disfarçar
sua fascinação com o queixo nu e lábios perfeitos dele. ― ‘Cê
parece um pouquinho angustiado, Inglês. Estirou um
músculo, ãh? Talvez devesse deixar as coisas pesadas para
serem levantadas pelos escoceses.
Ele a ignorou para apoiar suas maçãs ao lado da entrada
do estábulo. Depois, voltou-se para se dirigir à Sra. MacBean.
― Madame. ― Disse calmamente, dando-lhe um aceno
respeitoso. ― Acredito que não tive o prazer. Sou John
Huxley.
A anciã passou uma mão pelo seu arbusto selvagem de
cabelo.
― Mary MacBean, criadora de porções e curas por
unguentos de todos os tipos. ― Ela arqueou as sobrancelhas.
-E o prazer é meu, lad. Todo meu.
Os olhos de Huxley enrugaram-se nos cantos, embora ele
não tenha sorrido. Ele inclinou a cabeça antes de olhar para
Annie.
― Sua acompanhante, suponho.
Annie levantou o queixo, desafiando-o a reclamar.
― Aye.
― Receio que nossas aulas terão que esperar, Srta.
Tulloch. Hoje, viajarei para Inverness para comprar
suprimentos. Talvez na próxima semana...
― Nah. ‘Cê deveria ficar aqui e manter até o fim o acordo.
Ele levou as mãos aos quadris.
― A próxima semana ainda será perto o bastante...
O humor dela se inflamou. Se ele pensava que a evitaria
depois do beijo deles, teria que repensar. Eles tinham um
acordo. Ele lhe dera a sua palavra.
― Eu não arrastei Bill e a Sra. MacBean por todo esse
caminho para dar meia-volta e...
― Bill? ― Ele ficou tenso. ― Quem é Bill?
― Mais cavalheiro que ‘ocê, para dizer o mínimo.
― Ele trabalha para o seu pai?
― Padrasto. E aye, de alguma maneira.
Olhos avelã a avaliaram das botas até os ombros e o
caminho inverso.
― Não tenho tempo para isso. ― Ele murmurou, talvez
para si mesmo.
― Oh, Bill é um cara bom e grande. ― A Sra. MacBean
exclamou. ― As orelhas são um bocadinho maiores do que
seriam consideradas atraentes, e eu nunca encontrei uma
criatura tão flatulenta. Mas considerando tudo, ele me deu as
cavalgadas mais agradáveis.
Huxley piscou para a anciã. Parou por um momento.
Depois sua testa relaxou.
― Bill é um cavalo.
― Burro. ― Annie corrigiu. ― Agora, você pretende
manter a sua palavra ou não?
Imediatamente a carranca dele voltou.
― Eu sempre a mantenho.
― Bom. Nós teremos nossas lições hoje, então.
― Devo buscar suprimentos, Srta. Tulloch.
― Que suprimentos?
― Nenhum que precise de sua preocupação...
― Busque-os outro dia. Próxima semana, talvez.
Ele passou a mão sobre a boca e o queixo como se
sentisse falta da barba.
― Por Deus. Você é a mulher mais irritante.
― A Sra. MacBean é velha, Inglês. Metade dela não
funciona direito e o resto nem funciona.
A Sra. MacBean, que assistia a conversa deles com
interesse, assentiu sua concordância.
― Isso é verdade.
― Não pedi para ela vir todo o caminho até o Castelo
Glendasheen em um dia dreich, horrível, como hoje sem uma
maldita boa razão. Você exigiu que eu tivesse uma
acompanhante. ― Annie apontou para a anciã em questão. ―
Ela está aqui. Agora, faça a sua parte.
O queixo dele se flexionou de uma maneira familiar.
Como uma dose de uísque, isso enviou um jato de calor por
dentro dela.
― Muito bem. Nós teremos nossa lição. ― A voz baixa
dele soou mais como uma ameaça do que uma conciliação.
Ainda assim, ela teve a vitória.
Ela deslizou o braço através do da Sra. MacBean e a
puxou em direção ao castelo.
― Aonde estão indo? ― Ele perguntou enquanto elas
passavam.
Ela parou.
― Para a sala de estar.
Ele parou ao lado dela e abaixou a cabeça.
― Oh, mas nossa lição não será dentro do castelo.
Inquieta com o tom triunfante dele, ela lançou-lhe um
olhar de soslaio.
― Onde, então?
Um pequeno sorriso curvou um dos cantos da boca dele.
Ele sorria tão pouco que ela piscou para ter certeza.
Mas, aye. Estava ali. Como a piscada de uma estrela.
―Nós vamos fazer compras. ― Ele disse, aquele pequeno
sorriso aumentando enquanto observava a reação dela.
O que, naturalmente, envolvia medo e náusea.
―Não. ― Ela sussurrou.
― Oh, sim. Hoje, aprenderá todo o dever de uma dama. ―
Ele realmente lambeu os lábios ― lambeu como um gato que
tem um rato bem onde ele a queria. ― Como gastar
apropriadamente o dinheiro de um cavalheiro.
***

Finalmente John tinha a enlouquecedora Annie Tulloch


exatamente onde ele a queria. Bem, talvez não exatamente
onde ele queria. Sua cama estava no castelo.
Porém, do ponto de vista de um combate entre pontos de
vista, ele venceria. E isso era ainda mais satisfatório.
Bem, talvez não mais satisfatório.
― Está terrivelmente quieta ai atrás, Srta. Tulloch. ― Ele
comentou, olhando por cima do ombro para a moça
espevitada fumegando nos fundos de sua charrete longa. ―
Tem certeza de que não deseja adiar nossa lição? Próxima
semana, talvez?
Deus, como era bom ser aquele que estava provocando.
Ele não deveria apreciar. Mas estava.
Ela abraçou os joelhos perto do peito e lançou a ele um
olhar venenoso.
Ele sorriu. Não conseguia se segurar.
― Se preferir, posso levá-la até sua casa. Não seria
problema, garanto-lhe. ― Eles tinham acabado de entrar na
vila. Esperou que ela fosse mudar de ideia quando eles
passaram pela Casa MacPherson, mas ela era teimosa. Eles
pararam tempo o bastante para devolver seu burro ao
estábulo MacPherson e deixar uma nota a Angus.
― É muito solícito de sua parte, Sr. Huxley. ― Disse a
Sra. MacBean. ― De qual clã você disse que era?
A idosa meio cega estava sentada ao seu lado no banco
de direção da charrete. Annie insistira. Apesar de toda a
reclamação dela sobre a mulher ser idiota, ele notou o quanto
ela gostava de sua “acompanhante”.
― Os Huxleys são minha família. ― Ele respondeu
gentilmente. Era a quinta vez que ela perguntava. ― Somos de
Nottinghamshire.
― Tem um tartã, então?
―Receio que não.
― Bem, por que não disse? ― Ela voltou a vasculhar
dentro da bolsa de couro que carregava em seu colo. ― Não
tenho nada apropriado aqui. Se fosse um Brodie, teria alguma
coisa.
Ele começou a responder quando Annie o interrompeu.
― Apenas sorria e acene, Inglês. Corrigi-la não fará
nenhum bem afinal.
Na hora que ele puxou os cavalos para pará-los do lado
de fora dos Armarinhos Cleghorn, a Sra. MacBean, o chamava
de Sr. Brodie e relembrando de seu "forte" tio, com quem ela
aparentemente tivera um romance.
― Ah, ele tinha uma lábia, aquele John Brodie. Separou-
me da minha virtude mais de uma vez, se posso dizer isso.
Como uma mulher podia renunciar à sua virtude mais
de uma vez, ele não sabia ― e nem queria.
― Isso foi quando ele trouxe manteiga e um pote de mel,
eu disse: "oh, não, seu canalha. A décima sexta vez será a
última, pelos céus."
Ignorando as recordações alarmantes da Sra. MacBean,
ele desceu do assento e segurou os cavalos antes de ajudar a
mulher idosa a descer. Ele se moveu para ajudar Annie, mas
a mulher teimosa já tinha se virado sozinha. Ela se encostou
na lateral da charrete com os braços cruzados.
― Odeio fazer compras, Inglês. Eu já lhe disse.
Ele sorriu.
― É isso?
― ‘Cê sabe que é.
― Mas você precisa de vestidos Srta. Tulloch. ― Ele se
permitiu uma avaliação prolongada da forma exuberante dela
antes de prosseguir. ― Desesperadamente.
― Tenho uma boa mão com a agulha. Tudo o que preciso
é...
― Uma costureira. Nós começaremos aqui em
Glenscannadoo. Se as mulheres locais não forem suficiente,
você me acompanhará a Inverness.
Parecendo levemente mal, Annie se afastou da charrete.
― Tudo bem. ― Ela soltou. ― Vamos acabar com isso.
Ele indicou em direção à loja duas portas depois da de
Cleghorn.
― A encontrarei lá. Tenho algumas incumbências para
resolver antes.
Ela o olhou com suspeita, mas pegou a Sra. MacBean e
empurrou a anciã em direção à loja.
Ele se apressou com suas incumbências, ansioso para
ver a reação de Annie. Ela permitira que lhe tomassem as
medidas? Ela teria que remover o plaid. Ela se recusaria a
cooperar e voltaria correndo a casa? Ela teria que admitir que
ele vencera a disputa.
De qualquer forma, a aspiração acelerou seus passos
enquanto ele recolhia suas correspondências ― outro pacote
de cartas de sua família ― antes de fazer algumas compras
para facilitar sua viagem a Inverness.
Ele estava quase certo de que Annie desistiria antes de
sair de Glenscannadoo. Quase. Mas era melhor estar
preparado. A mulher estava longe de ser previsível.
Ao entrar na costureira, ele parou. A loja era estreita e
escura, assim levou um instante para localizá-la. E quando
ele fez, seu coração pulou tão forte e sentiu uma dor em seu
estômago.
Ela estava cercada pelas mulheres, quatro delas para ser
preciso. Ele reconheceu uma delas como a costureira, Flora
MacDonnell, uma loira com um nariz afiado e mente estreita.
A outra era a irmã de Flora. A terceira podia ser a esposa do
seleiro. A quarta era uma MacDonnell de cabelos
acinzentados e rosto de lua chamada Grisel.
As quatro estavam rindo.
E Annie não estava. Pelo contrário, a expressão dela era
tão dura quanto uma pedra.
Estranho. As mulheres pareciam apontar, cutucar e
rir...dela.
― Vocês acham que ela saberá o que fazer com saias? ―
Zombou Grisel. ― Poderia esperar que sua porca tocasse
violino.
― Ela é mais um rapaz do que uma moça, verdade. ― O
olhar de pena de Flora era a sua própria forma de
ridicularizar. Ela falava alto e lentamente, como se Annie
fosse incapacitada de entender. Ou louca. ― Você realmente
terá que um espartilho antes. Não posso tomar as suas
medidas propriamente sendo tão... ― A mulher agitou os
dedos para o colo de Annie. ― Indecente.
A segunda mulher fungou concordando. A terceira riu.
Grisel acrescentou:
― Melhor vestir luvas se for obrigada a se aproximar
dela, Flora. A Louca Annie pode morder.
Enquanto todas gargalhavam uma tempestade se formou
em seu peito.
― Srta. Tulloch.
Os olhos de Annie voaram até ele.
Eles o estriparam. Ela parecia caçada. Atormentada.
Ele não entendia como ela ainda não havia açoitado as
mulheres com sua língua afiada e desafiante. Ele não sabia
porque ela estava pálida e se abraçando protetoramente. Tudo
o que ele sabia é que ele devia retirá-la daquele lugar. Agora.
Ele a chamou com um aceno de mão.
― Estamos indo embora. ― Ele disse, usando cada grama
de autoridade que aprendera com o seu pai.
Ela acenou bruscamente e se dirigiu até ele. Grisel
segurou o braço dela e sussurrou algo enquanto ela passava.
Ela se encolheu e puxou o braço.
A fúria de John era normalmente do tipo que queima
lentamente. Mas não agora. O fogo incendiava as suas veias
até sua visão ficar vermelha. Ele avançou e pegou a mão de
Annie na sua. Ela pareceu assustada, mas não se afastou. De
fato, ela hesitou apenas um momento antes de devolver o
aperto.
― Acompanhe-me. ― Ele disse, direcionando seu tom
mais superior às mulheres que a insultara. ― Não há sentido
comprar vestidos de uma costureira que estará fora do
mercado.
Flora MacDonnell piscou, ficou boquiaberta e seu rosto
avermelhou-se. As outras, furtivamente, recuaram. Talvez
tivessem entendido seus erros. Talvez não. Mas logo
entenderiam. Ele se certificaria disso.
― S-sr. Huxley. ― Flora gaguejou. ― Acho que houve um
mal entendido...
― Acho que proprietárias que quisessem manter suas
lojas deveriam tratar suas clientes com mais cortesia. ― Ele
abaixou seu tom. ― Aposto que os MacPhersons concordam.
― Oh, não. Eu... Quero dizer, aye. ― Flora lançou olhares
para as outras mulheres, mas todas afastaram seus olhares.
― Estava tentando ser... útil.
Os dedos de Annie apertaram os dele novamente.
― Devemos ir. ― Ela murmurou.
Ele a pôs atrás dele e lançou às mulheres um último e
duro olhar. Essa não foi a primeira vez que elas
atormentaram Annie, estava muito claro. Cada uma delas
teriam que lidar com isso. Devia falar com Angus. Como os
MacPhersons haviam permitido isso?
Outro puxão em sua mão. Um toque gentil em suas
costas.
― Inglês.
O apelo sussurrado funcionou. Ele levou-a para fora da
loja, em direção à charrete.
― Onde está a Sra. MacBean? ― Ele perguntou, lutando
para impedir que sua raiva fervesse.
― No armarinho. Ela está procurando por tartãs e
conchas. Oh, e um botão de marfim. ― O pequeno e divertido
suspiro de Annie diminuiu um pouco a pressão em seu peito.
Ele a fez parar ao lado da roda da charrete.
― Conte-me o que aconteceu.
― Quem sabe que tipo de excentricidades ela tem em
mente? Aquela velha idiota.
― Não com a Sra. MacBean. Na costureira. Por que elas
estavam...
Os olhos dela deslizaram para longe dele.
― Já lhe disse, Inglês. Odeio fazer compras.
― Aquilo não foi fazer compras. Elas estavam... Droga,
elas a cercaram como uma matilha de cães selvagens.
― Pior. ― um pequeno sorriso puxou um dos lados da
boca dela. ― Vadias.
Outra pequena parte dele se acalmou. O espírito dela
não se foi, meramente estava escondido.
― Há quanto tempo isso acontece?
Ela não respondeu.
Seu intestino endureceu.
― Há muito tempo então.
― Não se preocupe. Só é ruim quando estão todas juntas.
A maior parte dos dias, sou capaz de evitá-las.
Exceto hoje, quando ele a forçou a entrar na loja de
tormento e solicitar os serviços da mulher. Nunca mais. Ele se
certificaria que aquilo nunca mais acontecesse.
― Pretendo falar com o seu pai sobre isso. ― Ele cerrou
os dentes.
Ela pôs uma mão no peito dele. Certo, ele estava usando
seu casaco mais pesado e outra camada de lã por baixo. Mas,
ainda assim, ele sentiu o toque dela.
― Padrasto. ― Ela murmurou, seu sorriso era caloroso. ―
Estou bem. Não precisa envolver os MacPhersons.
― Eles deveriam ter acabado com isso há muito tempo.
― Eles não sabem nada sobre isso.
― Por que diabos não?
Ela deu de ombros.
― Nunca contei.
Ele começou a perguntar, mas Ronnie Cleghorn veio
correndo ao redor da charrete. O menino de cabelos
avermelhados colidiu com o quadril de Annie e abraçou a
cintura dela.
― Nannee!
Imediatamente o rosto de Annie se iluminou. Ela
acariciou o cabelo do menino e depois agachou-se para
abraçá-lo com força.
― Ah, cê cheira a verão neste dia dreich, laddie. Seu pai
deixou que ficasse com o filhote que encontrou?
O menino assentiu enfaticamente.
― Moangu.
― O nomeou de Morango?
Outro aceno.
― Bem, já que é a sua fruta favorita, ele deve ser um bom
filhote, de fato.
A Sra. MacBean se uniu a eles informando a Ronnie que
o pai dele estava o procurando. Sorrindo o garoto deu uma
palmadinha nas bochechas de Annie.
― Saudade In-lei. ― Ele disse calmamente.
Os olhos de Annie brilharam e seu lábio inferior se
firmou como se ela lutasse contra a tristeza.
― Eu também, laddie. ― Ela sussurrou. Depois, ela
beijou a testa dele e o enviou de volta ao pai.
John não compreendeu a última parte da conversa, mas
quando ela se levantou, sua expressão era melancólica.
Mudou rapidamente quando encontrou o seu olhar.
― Poupe-me de sua pena, Inglês. ― Ela espetou pegando
seu chapéu do fundo da charrete e o puxando para baixo em
sua testa. ― Eu não a quero.
O que ele sentia não era pena. Era mais quente, mais
profundo e mais terno. Mas aprofundar-se demais no que
poderia ser apenas convidaria a mais complicações. Sua
conexão com Annie Tulloch já era complicada o bastante.
― Posso levá-la a casa, se quiser. ― Ele ofereceu. ― São
três horas até Inverness.
― Já disse que não. Qual é o problema, Inglês? Teme que
eu comece a chorar e molhe sua cravat com minhas lágrimas
femininas?
Ele examinou a inclinação desafiante do queixo dela, o
brilho de teimosia em seus olhos.
― O tópico de nossas lições não mudou. Iremos às
compras. Está preparada para isso?
― Ajude a Sra. MacBean a sentar-se. Um cavalheiro não
deixa uma dama esperando. ― Dando meia volta, ela marchou
até o fundo de sua charrete antes de subir nela com
surpreendente destreza.
A cada momento que passava seu sorriso aumentava.
― Muito bem. ― Ele puxou seu próprio chapéu com mais
força e estendeu sua mão à Sra. MacBean que os assistia com
grande interesse. ― É melhor que as lojas de Inverness
estejam preparadas.
― E por que isso? ― O tom de Annie era tão sombrio
quanto as nuvens baixas e cinzas acima.
Ele levantou a senhora na charrete e deu a volta para
tomar seu próprio assento antes de responder.
― Suspeito que elas nunca tiveram uma cliente tão
extraordinária quanto você.
Capítulo 9

― Vestido de ópera? ― A pergunta de Annie ecoou


nitidamente pelas paredes elegantes da loja. Não conseguiu
evitar. Oficialmente eles haviam entrado no reino do ridículo.
Ela ficou parada silenciosamente enquanto Huxley e a
costureira, a Sra. Baird, discutiam sobre mantos forrados
com "arminho" ― uma palavra chique para doninha. Ela
segurou a língua enquanto eles discutiam sobre vestidos de
passeio ― como se ela não pudesse passear a menos que
estivesse vestida de uma forma específica. Ela até mesmo
ficara quieta enquanto eles debatiam se fichus haviam
seguido seu curso. O que diabos era um fichu?
Evidentemente um lenço que as mulheres usavam para cobrir
seus seios. Por que os corpetes dos vestidos não faziam isso
apropriadamente? Ela não sabia. Nem ninguém sabia. Em vez
disso, as costureiras criavam corpetes indecentemente baixos,
exigindo que as mulheres enfiassem tecidos sobressalentes
em seus decotes para prevenir se expuserem.
Fichu. Soava como um espirro. De acordo com Huxley, a
palavra era francesa. Annie achava que as mulheres
francesas deviam gostar de exibir seus seios, e os homens
franceses eram bastante inteligentes para encorajar tal moda.
Ainda assim ela não tinha feito um único protesto
durante o debate do fichu, ou a discussão do arminho ou da
besteira de um vestido de passeio. Mas vestido de ópera? Isso
era demais.
Huxley se virou, piscando como se tivesse esquecido que
havia ancorado ao lado dele para “observar”.
― Eu nunca estive em uma ópera, Inglês. E não pretendo
ir. Por que deveria pagar por um vestido feito especialmente
para fazer algo que nunca farei?
― As damas em Londres...
― Não irei a Londres.
― Edimburgo, então. De qualquer modo, Londres
estabelece a moda.
Ela cruzou os braços e olhou feio para o homem que
sabia demais sobre roupas femininas.
― Pensei que fosse Paris.
Seu suspiro era pura exasperação.
― Não era de onde a sua amante era?
Uma cor vermelha manchou as bochechas dele.
― Ex-amante. Você perguntou como eu sabia tanto
sobre...
― A modesta, aye? ― Ela bufou.- Não soa tão modesta
para mim.
― Modista, srta. Tulloch. Ela era uma modista.
― Eu não preciso de um vestido de ópera.
A costureira de cabelos loiros, que ficou boquiaberta com
a conversa deles, decidiu acrescentar suas bobagens à
conversa.
― Você pode classificar o conjunto como vestido noturno,
se preferir, Srta. Tulloch. Um que não precisará vestir apenas
para o teatro. ― A Sra. Baird era agradável para uma dona de
loja. Tinha um rosto bonito que tornava difícil dizer a idade
dela. E ela falava com uma leve inflexão escocesa que Huxley
tinha sugerido que Annie adotasse.
Annie a odiava. O que não fazia sentido, já que a mulher
fora totalmente educada desde que entraram na loja em
Inverness uma hora atrás. Ela não zombou do cabelo de
Annie, tripudiou das calças de Annie ou implicou que Annie
era louca nem uma vez. Em vez disso, ela os acolhera dentro
da loja com um sorriso caloroso. A Sra. Baird tinha dentes
adoráveis.
Outra razão para Annie odiá-la.
A loja era um local agradável, larga e arejada, com
tapeçarias brancas em todos locais e janelas limpas
direcionas a High Street. Era o tipo de lugar onde a sua mãe
teria trabalhado, se não tivesse Annie para cuidar.
Annie imaginou que era o tipo de lugar que a não-tão-
modesta amante de Huxley dirigia em Paris.
Seu estômago queimou. Ela estreitou os olhos sobre o Sr.
Baird antes de responder.
― Vestido matutino. Vestido vespertino. Vestido de
jantar. Vestido de passeio. Que monte de merda.
As sobrancelhas amarelas da mulher se arquearam. A
mão de Huxley deslizou sobre seu queixo.
― Não trocarei meus vestidos cada vez que visitar a
latrina. Nunca conseguiria fazer nada.
O queixo de Huxley tremeu.
― Por favor, dê-nos licença, Sra. Baird. ― Ele segurou o
cotovelo de Annie. ― Só um momento.
A mulher de cabelos loiros, rosto bonito e dentes brancos
sorriu.
― Claro.
O estômago de Annie queimou enquanto Huxley a
empurrava para o lado oposto da loja, perto das janelas e do
pequeno sofá onde a Sra. MacBean parecia cochilar.
― Bem, parece que está se desenrolando bastante afeto
entre Cês, Inglês. Percebo que ‘ocê tem preferência pelas
costureiras. Talvez devesse torná-la sua amante. ― Ele a virou
para que lhe encarasse.
― O que diabos há de errado com você?
― Nada.
― Você quer ser uma dama ou não?
Ela ergueu o queixo.
― Aye.
― Então deve se vestir como uma.
― Um vestido ou dois estaria ótimo.
― Não. Não estaria. ― Ele soltou o braço dela para levar
as mãos aos quadris. Em seguida seu olhar voou para a
janela como se ele tivesse problema em olhar para ela sem
estrangulá-la. ― Você obviamente não compreendeu a tarefa
que assumiu.
― Está me chamando de idiota?
Olhos avelã brilhante fixaram-se nela.
― Estou dizendo que falhará. É isso o que quer?
Ela bufou.
― Agora, quem é idiota?
― Maldito inferno, mulher. ― Seu olhar se escureceu
como uma tempestade. ― Escute cuidadosamente. Damas não
se preocupam com suas saias pegando fogo nas cozinhas.
Sabe por quê?
Ela não se incomodou em responder. Normalmente era
melhor não interromper quando um homem estava tendo um
surto de raiva.
― Elas não cozinham. Em vez disso, elas ordenam que
seus cozinheiros cozinhem. Elas não limpam. Isso é o que os
criados fazem. Nem se preocupam demais em "ter as coisas
feitas". Porque a maioria de suas tarefas não tem um tempo
específico. Elas administram suas casas. Elas planejam
entretenimentos. Elas bordam. Quando o tempo está bom,
elas cavalgam ou dão um agradável passeio.
― Fascinante.
― Elas usam vestido matutino enquanto bebem chá e
escrevem fofocas para as suas primas. Elas usam vestidos de
passeio enquanto visitam lojas e gastam o dinheiro de seus
maridos. Elas usam vestidos de noite para jantar, vestidos de
baile para dançar e vestidos de ópera para ir ao teatro. As
damas se esforçam para serem agradáveis, modestas e
inofensivas. Elas não falam sobre visitas à latrina ou usam a
palavra "merda".
A queimação em seu estômago endureceu como uma
pedra. Ele lhe disse que seu empreendimento a sufocaria. De
repente, ela conseguiu sentir precisamente isso.
Os olhos dele se iluminaram.
― Ah, enfim, compreensão.
― Então, tenho que ser inútil. ― Ela tocou a cortina
branca ao lado da janela. ― Delicada e decorativa. Como
cortinas.
― Exatamente. ― Ele não pareceu feliz com isso. Se ela
não soubesse, pensaria que ele queria que ela abandonasse
seu objetivo. Mas isso queria dizer que ele a preferia do jeito
que ela era, o que não fazia sentindo nenhum.
Ela cruzou os braços.
― Bem, não sei se posso ser delicada, Inglês.
Desta vez, foi ele quem bufou.
― Mas decorativa. Talvez eu possa ser.
Aquele nariz reto e refinado inflou. Os olhos avelã
correram de sua testa a seus pés. Por alguma razão, ela
sentiu esse olhar como uma carícia.
― Concordo. Primeiro precisará ser... preparada.
Ela franziu a testa. Por que ele estava falando com seus
seios?
― Aye. Mas não posso permitir todos esses vestidos.
Angus terá uma maldita apoplexia.
― Não se preocupe com a despesa.
Ela riu.
― Ah, ‘cê é divertido, Inglês. Eu não me casei com um
lorde ainda. Receio que nós, os tipos rústicos e não
decorativos devemos ganhar as nossas vidas antes de gastar.
― Cuidarei disso.
Ele falou o absurdo tão calmamente que ela precisou de
um tempo para se recuperar. Mais um momento. Ou três.
― Não seja idiota.
― A temporada de caça marido começa na primavera.
Vestidos levam semanas ou meses para serem feitos. Você
não tem tempo para...
― Você não pagará por minhas roupas, Inglês.
― Oh, eu irei. Isso é parte do seu treinamento. ―
Lentamente ele sorriu. ― Como seu instrutor, insisto.
― Isso é ridículo.
A mistura de arrogância e satisfação no olhar dele a
confundiu. Ele parecia acreditar que teria uma vitória.
― Quando se casar, seu marido pagará por todos os seus
vestidos. Ele considerará uma despesa rotineira. ― Ele se
aproximou e abriu a mesma cortina que ela tocara antes. ―
Como comprar cortinas novas. ― O sorriso dele causou uma
pontada violenta em seu ventre. Inglês idiota e charmoso.
Ela entrecerrou os olhos para ele, balançando sua
cabeça.
― Quão rico é, Inglês?
― Rico o bastante.
― Bem, isso o enlouquecerá.
― Só você poderia reclamar disso, Srta. Tulloch. Só você.
Uma hora depois, Annie acordou a Sra. MacBean de seu
cochilo e eles saíram da loja da costureira e entraram na loja
de cortinas ao lado.
O comportamento estranho de Huxley continuava a
surpreendê-la. Ela lançou um olhar ao inglês excêntrico, que
tinha a mesma expressão triunfante desde que ela
tacitamente concordara em deixar que ele gastasse somas
ridículas em seus vestidos. O que ele achou que ganhou?
Assisti-lo discutir sobre uma seda roxa valiosa com um
cavalheiro atrás do balcão, ela balançou a cabeça novamente,
incapaz de desvendar a resposta. Não era apenas a
reivindicação dele pelas cotas de seus vestidos. Quando a Sra.
Baird começara a levar Annie para trás da área acortinada
para tomar suas medidas, ele tentou segui-las.
O seu brilho triunfante desvaneceu brevemente quando a
Sra. Baird o parou com um brilho desagradável e as cortinas
firmemente fechadas. Antes disso, seus olhos abriram um
buraco no plaid de Annie. O que ele supôs que ela escondia
sob ele ― barras de ouro?
Talvez fosse por isso que ele estava tão ansioso para
pagar por seus vestidos. Devia pensar que ela mantinha um
tesouro costurado em suas calças. Na verdade, tudo o que ela
tinha sob suas roupas eram anáguas e uma espartilho prático
de linho. O espartilho não tinha ossos, nem uma estrutura de
verdade. Ela o havia criado com laços na frente, então era
fácil para lidar sozinha e sustentar os seus seios o bastante
com conforto. Mas os olhares dúbios e cuidadosos que a Sra.
Baird lhe dera diziam que seria melhor encomendar novas
roupas de baixo se não quisesse passar vergonha.
Perguntou-se se Huxley pretendia pagar por seu
espartilho. Talvez por suas anáguas e meias também. O
pensamento a fez rir.
― Oh, lass. Está achando esse tartã amarelo divertido? ―
A Sra. MacBean perguntou. ― É uma escolha lamentável de
cor, garanto-lhe. Recorda-me leite depois de azedar.
Ela examinou a anciã que fora paciente e generosa em
acompanhar Annie até Inverness.
― De qual gosta, Sra. MacBean? ― Ela perguntou,
apontando para a longa parede forrada de lãs que variavam
do azul mais profundo ao vermelho mais ousado.
A Sra. MacBean deu às engrenagens uma boa olhada,
fazendo uma leitura cuidadosa. Depois, ela apontou para dois
deles, ambos com tantãs de tons marrons e verdes.
― Estes são bonitos. Talvez pudesse fazer um daqueles
vestidos elegantes com um deles.
Annie ergueu uma sobrancelha. Aparentemente, a Sra.
MacBean não estava dormindo como aparentava.
― Uma grande ideia. ― Ela murmurou, observando a
anciã se dirigir em direção ao mostruário de tecidos.
Olhando para trás para garantir que Huxley ainda
estivesse conversando com o vendedor de óculos, ela seguiu
ao longo da parede até chegar aos últimos tecidos. Ali, nas
sombras, ela encontrou um que ela queria.
Era uma lã de padrão simples de um azul meia-noite e
verde-pinheiro. Similar ao plaid dela, mas até mesmo mais
rico, a lã era elegante e suave. Ela esfregou entre os seus
dedos. Dobrado ficaria lindo. Annie esperou até Huxley ficar
distraído por mais contos indecentes da Sra. MacBean. sobre
o "tio" dele, então completou suas compras. Ela enfiou o
pacote embrulhado em papel embaixo dos braços no exato
momento que Huxley se aproximou.
― Escurece mais cedo essa época do ano. ― Ele
murmurou. ― É melhor partirmos logo.
Ela assentiu ignorando a curiosidade dele sobre a sua
compra e seguiu até a charrete dele. Ela já estava subindo na
traseira da charrete quando a Sra. MacBean. a chamou.
― Oh, lassie. Posso persuadi-la a trocar de lugar comigo?
Estou muito cansada após nossa longa viagem.
Annie franziu o cenho. Ela não parecia cansada. Passara
duas horas na costureira cochilando. Mas pessoas velhas se
cansavam rapidamente e não havia como reclamar, assim
Annie fez uma cama de cobertores e palha para a mulher e
depois subiu no banco. Huxley lhe passou outro cobertor
enquanto tomava seu assento e instigou os cavalos a se
moverem.
Estranho como ele parecia grande ao seu lado. As coxas
deles eram de tamanhos diferentes: as dele eram grossas.
Grossas e musculosas. A extensão entre o quadril e o joelho
dele era duas vezes maior do que a dela. Depois haviam seus
ombros. Estavam mais largos do que quando ela o conheceu?
Possivelmente. Ele estava trabalhando como um maldito
cavalo de carga todos os dias para restaurar o castelo. Além
do mais, ele estivera carregando troncos e pedras todos os
dias, como ela instruíra. Isso adicionaria músculos a
qualquer homem. Ela piscou ao perceber que estava olhando
para a mandíbula dele. Aquela que tremia quando ela o
irritava. Aquela que a fez incendiar.
Ela suspirou. Era tolice devanear com o inglês. O único
objetivo do homem era vender sua terra e partir. E o único
objetivo dela era se casar com outras pessoas. Além disso, ele
parecia um pouquinho cínico em relação às mulheres ―
especialmente com as damas. O que é estranho, considerando
o conhecimento que ele tem sobre elas.
Ainda assim, ele era o homem mais bonito que ela já
vira. Os cílios dele eram puro luxo. Os olhos, com aquele
brilho e tons mutáveis de dourado, a fazia pensar em um por
do sol na floresta. E os lábios ― bom Deus, eles eram....
― Pretende usar o cobertor? Ou apenas segurá-lo como
sua boneca favorita?
Ela franziu o cenho.
― Por que insistiu em pagar por meus vestidos, Inglês?
Ele lhe olhou de soslaio.
― Talvez eu goste de pensar que está em dívida comigo.
Talvez esteja apostando que isso garantirá que mantenha
nosso acordo até o fim.
Ela bufou.
―Desperdiçou suas moedas. Não precisa de tal dívida.
Eu lhe dei a minha palavra.
― Humm. Prefiro amarras mais tangíveis.
Por que ele olhava para as mãos dela daquela forma? Ela
não conseguia enxergar sentido nisso.
― Bem, o que quer que a costureira cobrar de você...
― O cortineiro também. ― Ele sorriu. Novamente, aquela
centelha de triunfo em sua expressão. ― Não o esqueça.
Inglês estranho e exasperante.
― Eu devolverei tudo que gastou.
― Não, não irá.
― Aye, irei.
Ele não respondeu, mas a resposta estava clara. Ele não
aceitaria a devolução.
― Olhe, Inglês. Como as coisas estão, você pagando por
minhas roupas faz parecer que eu sou sua...
A mandíbula dele endureceu. As coxas flexionaram. Ele
olhou para frente.
― Minha o que?
Amante. A amante dele. Mas ela não diria isso. Havia
muita coisa entre eles, muitas coisas que a tentavam a tirar a
mecha de cabelo da testa dele ou acariciar sua mandíbula
dura com a mão.
― Parente. ― Ela terminou. ― Talvez uma sexta irmã.
Aqueles olhos bonitos brilharam e queimaram.
― Ninguém a confundiria com minha irmã, Srta. Tulloch.
― Ele umedeceu os lábios olhando para ela, depois afastou o
olhar. ― Ninguém seria tão cego.
Ela engoliu em seco e deixou o silêncio cair entre eles
enquanto cruzavam a ponte e deixavam Inverness para trás.
O vento soprou umidade e frio. Ela tremeu e desdobrou o
cobertor que ele lhe dera antes. Um maço de cartas
amarradas com barbante caiu em seu colo.
― O que é isso? ― Ela as pegou para examinar.
― Minha correspondência, obviamente. ― Ele franziu a
testa e esticou a mão para o pacote. Mas vendo a ansiedade
dele, ela as segurou longe.
― São da sua família, Inglês? Esta do topo parece que foi
escrita por uma mulher. Uma dama, talvez. ― Ela sorriu a
medida que ele fazia cara feia. ― Ouvi dizer que as damas
gostam de escrever cartas com seus chás pela manhã.
― É da minha mãe.
Ela puxou os cantos das pilhas.
― E essa?
― Meu pai.
As últimas quatro eram de três de suas irmãs e seu
amigo, Robert.
Ela examinou o maço cuidadosamente.
― Papéis elegantes. Cada um deles. ― Ela envolveu o
maço em um segundo cobertor e o jogou no canto da
charrete, ao lado da Sra. MacBean. ― Suas irmãs se casaram
bem, então.
A tensão dele diminuiu uma vez que as cartas estavam
fora de vista.
― Pode dizer isso. ― Um pequeno sorriso puxou os lábios
dele. ― A mais velha, Annabelle, casou-se com o meu melhor
amigo.
― Robert?
O sorriso dele alargou enquanto assentia.
― Eles moram perto dos meus pais em Nottinghamshire.
O filho mais novo dele foi nomeado com meu nome.
― Eles o chamam de "Inglês" então? ― Ela zombou.
Ele riu. Era a primeira vez que ela o via fazer isso com
tanta facilidade.
― Só você tem permissão para usar o meu apelido
especial das Terras Altas, Srta. Tulloch.
O sorriso largo dele a deixou sem fala.
Ela engoliu com dificuldade, inclinando-se
vertiginosamente diante da visão. Deus querido, ele percebeu
o efeito que tinha causado apenas por sorrir? Ela esperava
que não. Era perigoso, um pouco como ficar cega pelo sol.
― Eles o chamam de John. ― Ele disse orgulhosamente,
o sorriso demorando-se enquanto ele virava para olhar para a
estrada. ― A última vez que o vi, ele cabia no meu bolso.
Annie passou as duas horas seguintes lhe fazendo
perguntas sobre sua família. Desconsiderando uma ocasional
e estranha hesitação e da cuidadosa evasiva, ele pareceu
ansioso para falar sobre eles. Primeiro ele compartilhou
histórias sobre sua infância em Nottinghamshire: pesca com
as mãos em rios cheios de pedras, andar de trenó com as
irmãs quando tinham uma neve boa, brincar de soldado com
Robert até depois de escurecer e jogar o faeton de seu vizinho
em uma cerca viva.
― Para ser sincero, eu tinha doze anos. ― Ele explicou. ―
Nunca tinha subido em uma faeton, quanto mais conduzir
um.
Em seguida ele descreveu seus pais. Sua mãe gostava de
abraços prolongados, planejar refeições estratégicas e gatos, o
que fazia seu pai espirrar. O pai, de acordo com Huxley, tinha
uma decidida disposição à tolerância.
― Minha família sempre foi um bocado incomum neste
aspecto. Mamãe e papai preferiram permitir que seus filhos
crescessem em suas próprias direções. ― Huxley deu uma
risadinha. ― Isso criou um número de excentricidades.
― Quais?
― De todos os tipos, na verdade. Kate é a mais nova. Ela
cita Shakespeare em conversas casuais e tenta cantar muito
frequentemente. Minha segunda irmã mais nova, Eugenia, é
obcecada por chapéus. Tanto que ela trabalhou como
chapeleira até ela se casar na primavera passada.
Apesar do frio do ar da tarde, a afeição dele pela família a
aqueceu. Ela quis ouvir mais.
― Como ela é?
― Eugenia? Encantadora. Obstinada, em particular
sobre penas. Nunca mede palavras. Você e ela se dariam bem,
acho.
Annie duvidava. Ela nunca se dera bem com outras
mulheres.
― Deixe-me ver. Minha terceira irmã mais nova,
Maureen, gosta de cozinhar mais do que você. Todo Natal ela
faz aqueles bolinhos. ― A tristeza encobriu o sorriso dele.
O Natal era dali a uma semana. Annie imaginou que ele
sentiria falta de passar com eles. Talvez ela o convidasse para
jantar com os MacPhersons. Eles não eram a família dele,
mas, pelo menos, não ficaria sozinho. Sim. Esta era a
solução. Ela insistiria para que ele se juntasse a eles no
jantar de Natal. E o Hogmanay1. E o Dia de reis. Ele se
incomodaria em celebrar o Dia de Reis?
Antes que ela pudesse perguntar, ele prosseguiu:
― Jane é a segunda mais velha. Ela e seu marido vivem
em Yorkshire com sua vasta ninhada de descendentes. Jane
colecionaria cada livro do reino se pudesse. Embora tenham
duas bibliotecas, ela insiste, na definição do marido, que
bastante nunca é bastante o suficiente.
Annie ergueu uma sobrancelha.
― Duas bibliotecas? Começo a entender porque a conta
da costureira em Inverness nem fez pestanejar esses bonitos
cílios que possui.
O sorriso dele sumiu. Flexionou a mandíbula. Demorou
até ele responder friamente.
― Qualquer riqueza que possuo foi conquistada, garanto-
lhe. Cada centavo.
Ela franziu o cenho. Obviamente ela tocou em uma
ferida.
― Não presumi outra coisa. Agora, quem afogou as
anáguas em amido de repente?
― Quando se vê tanto do mundo como eu, percebe que o
nascimento de um homem lhe diz muito pouco sobre sua
verdadeira substância. ― A voz dele rompeu como velas de
navios congeladas.
Homem confuso.
Annie olhou para trás, onde a Sra. MacBean dormia
profundamente. Ela puxou o cobertor da anciã mais para
cima para protegê-la do frio. A inquietação dela lhe deu mais
tempo para formular uma resposta.
―Se estiver pressupondo que estou um pouco curiosa
sobre quão rico é, então devo admitir, você me tem.
― Naturalmente. ― um leve sorriso curvou o canto da
boca dele. ― A maior parte das mulheres quer saber o que
você pode lhes dar, seja fortuna ou título.
Ah, voltaram aquilo, não foi? Ela deixou um momento
passar assim ele podia se escutar.
― Então, a sua mãe, aquela que ama gatos e implora
para que o filho volte a casa para uma visita, ela é um tipo
mercenária, ãh?
Ele franziu o cenho.
― Não.
― Talvez seja a sua irmã. Deixe-me adivinhar. Annabelle
casou-se com o seu melhor amigo pelo título dele.
O vinco aprofundou-se. Ele girou os ombros.
― Claro que não. Ela estava apaixonada por Robert desde
que eles eram crianças. Ele não tem título.
― Não suas irmãs, então. Humm. Talvez tenha sido a sua
amante modesta de Paris que o deixou amargo.
― Pela última vez, ela era uma modista. Nunca deveria
ter lhe contado sobre ela.
― E por que fez?
― Perguntou-me como aprendi sobre a moda feminina.
Foi assim.
― Certo. ― Ela bufou. ― E todas as modas femininas que
removeu neste tempo todo não tem nada a ver com isso, hein?
― Deu, você é a mais irritante...
― Quem foi que tentou prendê-lo como um cervo, John
Huxley?
Sua respiração pareceu parar. Os olhos brilharam em
sua direção e depois se afastaram. Ele não respondeu.
Apesar de sua rigidez, ela empurrou o ombro dele com o
dela.
― Esse é o motivo pelo qual não se casou, aye? Por que
você está prolongando sua estada aqui nos cafundós da
Escócia, reconstruindo um castelo que não tem intenção de
manter, fazendo apostas ruins com um velho rabugento,
desperdiçando o seu tempo ensinando uma moça espevitada
a ser uma dama.
― Você não é um desperdiço de tempo.
Ela deu um tapa no joelho dele.
― Aposto que uma mãe como a sua tem uma noiva ou
duas separadas para você. Quase como preparando um
banquete para dar-lhe as boas-vindas a casa, exceto que ‘ocê
é a pobre besta na travessa. É por isso que não respondeu às
orações dela e voltou a Nottinghamshire, onde pertence.
― Ewan Wylie me ajudou a construir a minha fortuna, já
que está tão curiosa sobre isso. Eu lhe devo muito, nada
menos do que a minha vida. Fiquei na Escócia para honrar as
vontades dele.
― Isso é pura merda.
Ele passou a mão sobre o queixo.
― Maldito inferno, mulher.
― Você poderia manter seu pedaço de Glendasheen sem
nem mesmo ter posto os pés em solo escocês. Com as
bobagens de Angus, seria melhor se manter longe e ficar com
a terra do que vendê-la, de qualquer forma. ― Ela bufou. Não
que precise de fundos. Pagar as contas da costureira para
moças que nem mesmo se deitou me diz muito.
― Eu tive que resolver assuntos com o seu pai...
― Nah. Você tinha que se esconder em algum lugar.
Glenscannadoo pode não ser o lugar mais hospitaleiro, mas é
uma viagem longa e miserável desde Nottinghamshire.
Nenhuma visita obrigatória com que se preocupar. Nenhum
esquema de damas conspirando para dar a luz aos seus filhos
e gastar o seu dinheiro.
Rígido como pedra e de cara feia, ele se recusou a olhar
para ela.
Aye, ela o tinha. Bonito como ele era, seu inglês
provavelmente havia sido perseguido desde o dia que vestiu
calças. E, dada a descrição da infância dele, ela acreditava
que a família era rica e bem conectada. Afinal faetons não
eram muito usados em campos de fazendas e nem em
pedreiras.
― Então, quem foi a megera dissimulada que tentou
roubar seu bolso e reivindicar pedaços de seus troféus
masculinos, ãh? Uma moça de Londres? Uma vizinha de
Nottinghamshire?
O olhar dele não saiu da estrada. Enquanto eles estavam
conversando, a escuridão começou a cair. Isso criava sombras
estranhas sobre os olhos dele.
Quando ele finalmente falou, a voz era clara. Calma.
Precisa.
― Você é a pessoa certa para fazer tais perguntas, Srta.
Tulloch, visto que procura casar-se por um título. ― Os olhos
dele voltaram-se para ela. Estavam mais frios que o inverno
das Terras Altas. ― Qualquer lorde servirá, hein?
― Percebi que não respondeu a minha pergunta.
― Por que deveria? Você evitou a minha desde que nosso
acordo foi firmado.
Ela franziu a testa. Ele tinha um ponto.
― Não é tanto que eu queira me casar com um lorde. É
que eu devo.
― Por quê? ― A palavra saiu baixa. Em ebulição.
― Para salvar um amigo.
― Que amigo?
― Você não o conhece.
O queixo dele tremeu.
― É complicado. ― Ela insistiu, alisando a borda do
cobertor.
― Então explique. ― Ele gesticulou para a estrada vazia e
escura e para as colinas meio arborizadas ao redor deles. ―
Temos tempo.
Ela suspirou.
― Você não acreditará em mim. E pensará que sou louca.
Todos acham.
― Explique de qualquer forma. ― Ele usou aquele tom de
comando ― um que era frustrante e estranhamente a
excitava.
Ela examinou as mãos dele, a forma como ele mantinha
as rédeas afrouxadas, nunca deixando a tensão afetar os
cavalos. A postura ereta dele e ainda assim confortável, os
movimentos controlados. Apesar de suas provocações, ele não
gritava ameaças e atirou insultos. Ele era um cavalheiro em
todos os sentidos. Mais do que isso, ele amava a família, com
excentricidades e tudo. Talvez ele entendesse. Ou, pelo
menos, ouviria.
― Muito bem, Inglês. ― Ela disse suavemente. ― O nome
dele é Finlay.
Enquanto a última luz do dia desvanecia no crepúsculo,
ela contou a John Huxley tudo sobre seu menino. Como ele
estivera com ela desde que ela era menininha. Como ele a
confortou quando a maldosa Grisel convencera todas as
outras garotas a cuspirem nela quando elas passavam,
dizendo que era a única forma de se protegerem de sua
loucura. Como ele abençoara seu plaid para mantê-la em
segurança ― o que tinha acontecido. Como seu rostinho
começara a ficar cinza, sua vozinha afinado e como ela ficara
aterrorizada diante do pensamento de perdê-lo.
Como ela chorou todos os dias desde que ele se fora.
Depois, ela explicou sobre a visita dele. Sobre como ele
implorou para que ela se casasse com um lorde, assim, como
seu filho, ele poderia reivindicar o seu destino de direito.
E todo o tempo, John Huxley escutou. Silêncio. Calma.
Ilegível.
― Aí está Inglês. ― Ela terminou. As mãos enroladas na
borda do cobertor. ― Agora sabe porque eles me chamam de
Louca Annie. E porque eu devo me casar com um lorde.
Um pequeno vinco se formou entre suas sobrancelhas.
Ele assentiu. Mas não falou.
Ela retorceu o cobertor com força.
O silêncio ficou mais pesado enquanto ele guiava os
cavalos por uma curva.
― Querer se casar por um título dificilmente é único. ―
Ele falou finalmente. ― Não há necessidade de inventar
histórias de outro mundo para justificar o seu objetivo.
Desta vez, quem ficou em silêncio foi ela. O seu estômago
queimou. Ela apertou a mandíbula com força.
Era óbvio que o inglês não acreditou nela. Por que ela
esperou que ele fosse diferente? Mesmo os escoceses que ela
conhecia desde a infância ― que haviam crescido acreditando
em contos sobre vales assombrados e castelos amaldiçoados
― pensavam que ela era louca.
Não é assim que os fantasmas se comportam, eles
diziam. A Louca Annie simplesmente inventou um amigo
porque ela não tem nenhum de verdade. Por isso que ela
conversava consigo mesma e se vestia de uma maneira tão
peculiar.
Ninguém considerou que ela podia estar dizendo a
verdade. Eles estavam muito ansiosos para jogá-la em uma
pilha de lixo.
Após um tempo, Huxley aventurou-se.
― Dougal mencionou o problema do seu irmão.
Ela observou a lua esconder atrás de uma nuvem.
― Calton Hill Bridewell é um lugar desagradável. ― Ele
continuou. ― Broderick está preso lá por, o que, dois meses?
Eu entendo que o julgamento dele foi deliberadamente
atrasado na esperança de acusá-lo por assassinato em vez de
agressão.
O vento soprou. Ela ajustou o cobertor um pouco mais
alto e puxou o plaid um pouco mais ao redor do pescoço.
― Alguém poderoso deve estar trabalhando contra ele. ―
Ele murmurou. ― Agressão resultaria em condução.
Assassinato será a forca.
Um dos cavalos resfolegou. Ela pensou ser Jacqueline.
Ela se perguntou se o cavalo havia sido nomeado por causa
da modesta amante francesa de Huxley. O animal tinha um
traseiro incomumente largo.
― Se está procurando uma conexão com influência
suficiente para ajudar o seu irmão, casar-se com um lorde é
uma forma bastante permanente para fazer isso.
Ela bufou. Balançou a cabeça. O inglês estava
desesperado para encaixá-la em uma estrutura que ele
entendia. Bem, ela não encaixava. E ele podia enfiar suas
suposições em seu...
― Srta. Tulloch.
Ela esfregou os braços e soprou suas mãos. A escuridão
total trouxe um frio mais forte. Eles tinham, pelo menos,
outros oito quilômetros antes de chegar a Glenscannadoo. Ela
se ocupou de acender a lamparina.
― Annie.
Ouvir seu nome naqueles lábios perfeitos a retorceu com
mais força do que uma corda. Ela se preparou mentalmente
para recordar a si mesma quem ele era. Recordar o que ele
pensava sobre ela.
― Aye, Inglês?
― Talvez haja outra forma. Talvez eu...
― Isso não é sobre Broderick.
― É compreensível que queira ajudá-lo. Se um membro
de minha família tivesse sido preso por atirar...
― Broderick não atirou em ninguém. -Ela segurou a
lamparina e manteve o olhar sobre o traseiro de Jacqueline.
Olhar para as feições perfeitas de Huxley apenas a deixaria
fraca. ― Os bastardos covardes que conspiraram contra ele
não tem a maldita ideia do inferno que eles levaram para cima
deles. ― Distraidamente ela esfregou suas costelas, desejando
que Finlay estivesse ali com ela. Toda vez que ela pensava em
Broderick, seu peito doía. ― Os MacPhersons protegem a si
mesmos.
― Isso a inclui?
― Aye.
― Já contou a eles sobre as suas intenções?
Annie podia sentir os olhos do inglês sobre ela.
Estudando-a. Pensando que entendia. Ele não entendia.
― Obviamente não. Olhe, casar-se por um título é... ―
Ele suspirou. ― É uma perspectiva ambiciosa para qualquer
um, Annie. Mesmo as filhas de famílias proeminentes,
aquelas preparadas durante todas as suas vidas para um
casamento vantajoso, têm poucas certezas de conseguir um
lorde. A maioria falha. Ou requer várias temporadas. Ou
ambos.
― Está desistindo do nosso acordo? ― Ela alfinetou.
Uma longa pausa.
― Não.
― Então cale-se. ‘Cê não sabe do que está falando.
― O mercado de casamento? ― O riso dele soou cínico. ―
Eu o conheço muito bem, receio.
O vento aumentou novamente, desta vez soprando
através das árvores espessas. Jacqueline relinchou e sacudiu
a cabeça. O bronze da lamparina iluminava em meio ao vasto
azul-escuro, mas não mais do que alguns metros.
Annie checou a Sra. MacBean, que parecia apreciar sua
cama confortável. Depois olhou para o inglês. Evidentemente
ele parou de sorrir a noite, sua boca agora estava apertada e
seus olhos cansados.
Um barulho estranho soou a frente deles. Uma série de
cliques. O rangido de uma roda velha. Annie se endireitou.
Apertou os olhos para enxergar melhor. Droga. Ela não
conseguia ver uma maldita coisa com as colinas íngremes e
as árvores densas bloqueando o luar.
― Ouviu isso, Ing...
Três figuras emergiram do arbusto grosso para parar em
frente a charrete deles. Dois tinham pistolas.
Um deles era David Skene.
Capítulo 10

― Diga-me, Inglês. ― Annie falou alto enquanto John


fazia os cavalos pararem. ― Quais as chances de encontrar
três homens que poderiam ser confundidos com roedores no
mesmo trecho da estrada?
John rapidamente separou todas as formas de fazer calá-
la. O comentário dela foi imprudente, embora não fosse
errado. Os três homens eram todos magros, imundos e
usavam chapéus que já tinham visto dias melhores. Mas
todos eles compartilhavam características nocivas. Talve
fossem os olhos. Esbugalhados como todo o inferno.
― Louca Annie Tulloch. ― Disse o do centro ― o rato,
obviamente, com seu nariz pontudo e dentes longos. Ele era o
único sem uma pistola. John o julgou a maior ameaça. Os
outros dois ― uma toupeira e um ratinho do campo,
respectivamente ― seguravam suas pistolas de forma toda
errada. Estavam as armas carregadas? Estava muito escuro
para ter certeza.
John escolheu manter a sua postura relaxada. Ele fingiu
trocar de posição enquanto transferia as rédeas para sua mão
esquerda.
― Vocês, cavalheiros, perderam o caminho no escuro?
― Nah. ― Annie respondeu antes que John pudesse
silenciá-la. ― Eles estão aqui servindo sua merda de uísque
onde não deveriam estar. ― Aquele queixo tolo e desafiador se
projetou para frente. ― Não é assim, Skene? Ou isso ou está
procurando um punho para achatar esse nariz infeliz.
― Está oferecendo, lassie? ― O rato olhou para ela. ―
Gosto de uma lutadora.
O sangue de John esquentou até a vontade de fazer mais
do que achatar o nariz do homem batesse ritmicamente em
seus ouvidos. Mas ele precisava ficar calmo. Racional.
Precisava tirá-los dali com o mínimo derramamento de
sangue.
Annie não via tal necessidade.
― A única fornicação que provavelmente experimentou
foi com a lama na qual cai depois que a ovelha rejeita seus
avanços.
O ratinho da direita bufou. O rato golpeou a cabeça de
seu colega, derrubando seu chapéu no chão.
― Por que nos parou? ― John manteve a sua voz baixa e
calma. Se ele estivesse sozinho, aqueles homens
provavelmente já teriam sido despachados. Mas Annie estava
com ele.
Para John, Annie mudava todos cálculos.
O rato se aproximou e deu uma palmada no pescoço de
Jacqueline. O cavalo bufou. Ela sempre fora um tipo exigente.
― O pensamento de entregar uma mensagem é tudo. ―
Aqueles olhos esbugalhados focaram em John.
― Você é inglês.
John não se incomodou em afirmar a observação.
Annie, por outro lado, não resistiu.
― Brilhante como sempre. ― Ela sentou-se para frente,
atraindo o olhar do canalha de volta para ela. ― Um pequeno
conselho, Skene. Quando estiver operando com metade da
inteligência de todos outros, melhor aplicá-la em assuntos
úteis. Como mijar com as costas para o vento. Ou manter sua
rota de contrabando longe do território MacPherson.
Os lábios de Skene recuaram para revelar seus dentes
proeminentes.
― Como estamos trocando conselhos, lass, aqui vai o
meu: você não tem nada além de um inglês elegante ao seu
lado. Aposto que ele lhe serve uma ótima xícara de chá, mas
ele não é um MacPherson. ― O sorriso dele sumiu enquanto
ele inclinava sua cabeça em direção aos homens com pistolas.
― Melhor você controlar essa sua língua agressiva.
Annie começou a responder, mas John já tivera o
suficiente.
― Qual é a mensagem? ― Ele exigiu.
O olhar de Skene deslizou dele para voltar a Annie.
― Meus camaradas na Bridewell me disseram que as
coisas estão um pouquinho duras para o seu irmão lá.
John sentiu Annie se enrijecer.
― Maus como eles são, ― Skene continuou ― podem
sempre piorar. ― O rato sorriu. ― Poderia pedir para meus
camaradas cuidarem dele, desde que os MacPhersons não me
deem muitos problemas. Seria uma pena se algo acontecesse
antes de seu julgamento, ãh?
― Seu pedaço nojento de…
John agarrou o braço dela, apertou-o até ela se calar e a
manteve no lugar.
― Nós transmitiremos a mensagem. ― Ele disse. ― Agora,
temo que devemos seguir nosso caminho.
― Maldito inferno, Inglês. Cê simplesmente vai deixá-lo…
Ele lhe deu uma pequena sacudida e depois tocou no
chapéu.
― Cavalheiros. ― Os homens não se moveram, mas ele
sim, puxando as rédeas. Os cavalos começaram a se mover
adiante, mas Skene segurou o freio de Jacqueline e se
movimentou sorrateiramente para perto de Annie. Então, o
canalha cometeu o maior erro da noite.
Ele pôs uma mão no joelho de Annie e o segurou.
Em um instante John sacou sua própria pistola de
dentro do casaco, mirou a testa de Skene e apontou a arma.
― Remova a sua mão. ― Ordenou suavemente.
O choque congelou as feições do rato. Olhos redondos e
esbugalhados se cruzaram enquanto olhavam para o cano.
Skene engoliu em seco. Levantou as mãos. Recuou.
John manteve sua mira.
― Estradas remotas são perigosas à noite, cavalheiros.
Anos atrás, viajei em uma rota similar pelas montanhas da
Espanha. Os bandidos que me atacaram provavelmente os
alertariam do risco, se estivessem respirando. Aliás, eles
foram enterrados bem ali na beira estrada. ― Ele sorriu. ― O
que restou deles, de qualquer forma. ― Passou as rédeas para
Annie e retirou uma segunda pistola, apontando para os
amigos roedores de Skene. ― Nós seguiremos nosso caminho
agora. Foi um prazer.
Annie entendeu a dica e incitou os cavalos a avançarem
novamente. Os homens abaixaram suas pistolas e se
separaram.
Pelo próximo quarto de hora, John deixou que ela
conduzisse enquanto ele se mantinha vigilante. Finalmente,
eles fizeram uma curva e começaram a longa descida ao vale.
O lago brilhava pela luz da lua. As árvores suspiravam no
vento suave. O brilho fraco da vila tremulava a distância.
Annie ficou em silêncio enquanto ele guardava as
pistolas dentro de seu casaco. Quando ele esticou as mãos
para pegar as rédeas, no entanto, ela perguntou com a voz
rouca.
― Por que não disse que carregava armas com ‘cê?
― Em estradas remotas após o anoitecer, qualquer idiota
faria. ― Ele franziu a testa para ela. ― Por que presumiu que
eu faria o contrário?
A longa pausa dela não foi lisonjeira.
― Sobrevivi em vários locais muito mais perigosos do que
"os cafundós da Escócia", sabe. ― Ele observou a expressão
dela, tentando discernir se ela ficara abalada pelo encontro
com Skene. A rigidez nos ombros dela indicava que sim.
Talvez uma distração fosse necessária. ― Na África, um
homem descuidado pode se tornar um ótimo banquete.
― Banquete? Quer dizer...leões? ― Ela o encarou, olhos
redondos, como se nunca o tivesse visto antes.
― Humm. Ou leopardos. Ou rinocerontes. ― Ele
estremeceu teatralmente. ― Malditamente pesados quando
sentam em você.
O vinco na testa dela indicou a primeira centelha de
ceticismo, embora a curiosidade iluminasse aqueles enormes
olhos azuis.
―Inusitadamente, os predadores não foram as criaturas
que achei perturbadoras.
― Qual, então?
Ele se aproximou.
― Girafas.
― Elas são perigosas?
― Oh, não. A menos que você esteja no topo de uma
árvore. Comedoras de folhas, a maioria delas.
― Então, por que são perturbadoras?
― Muito desengonçadas. Pescoços terrivelmente longos.
É simplesmente incomum.
Ela olhou ao redor. Estreitou os olhos sobre ele. Depois
bateu no braço dele.
― Inglês descarado. Não ha necessidade de inventar
histórias de outro mundo. Tenho certeza que as girafas
tremiam diante da visão da sua pistolinha.
Ele riu, feliz em ver que sua distração funcionou.
Mantendo o tom ameno, ele fez uma observação.
― Skene pareceu um homem bastante desagradável.
Percebi que ele e os MacPhersons compartilham uma
antipatia mútua.
― Skene é um contrabandista. Alguns anos atrás, ele se
ofereceu para transportar o uísque MacPherson até Inverness
e depois a Glasgow. Broderick recusou. Skene o odeia. Até
agora, ele não era nada além de uma peste.
― Então suspeita que ele esteja por trás da prisão de
Broderick.
― Aye.
John franziu a testa.
― Ele tem um parceiro?
Ela bufou.
― Você pensa como eu. Aquele sujeito com cara de rato
certamente é odioso o bastante para fazer isso a Broderick.
Mas inteligente o bastante? ― Ela balançou a cabeça. ―
Provavelmente não.
― As cortes são surpreendentemente difíceis de
manipular. Se foi feito facilmente, eu teria resolvido minha
disputa de terras com Angus meses atrás.
Ela não respondeu.
― Annie. ― Ele murmurou. ― Quem que que esteja
ajudando Skene deve ter bastante controle sobre o judiciário.
― Eu sei. ― Ela fungou e alisou o cobertor.
― Ele está chantageando alguém ou exercendo uma
coerção significativa. O tipo de coerção que apenas um nobre
pode levar a cabo.
― Aye.
― Não se coloque entre esses homens.
― Broderick é meu irmão, Inglês. Farei o que tiver que
fazer.
Maldito inferno se ela faria. John falaria com o pai dela.
Os MacPhersons deveriam ser alertados. Eles deveriam
protegê-la de homens como Skene. E das harpias da vila. E de
sua própria imprudência infernal.
Atrás deles, cobertores e palha farfalharam quando a
Sra. MacBean despertou de seu longo cochilo.
― Já estamos perto, Sr. Brodie?
Ele desistira de corrigi-la com intuito de manter a
conversa deles breve. Como estava, ele nunca mais olharia
para manteiga e vegetais de raiz da mesma forma novamente.
― Agora não muito, Sra. MacBean. Felizmente, dormiu
durante a parte mais tediosa da nossa viagem.
― Humph. Era exatamente isso o que seu tio costumava
dizer.
― Deus. ― Grunhiu Annie. ― Isso de novo, não.
A anciã deu uma palmadinha no ombro dele
carinhosamente.
― Eu já lhe falei sobre o tamanho do tronco de John
Brodie, laddie? Aquela era uma visão para contemplar.

***

Desde o momento em que deixou Annie na Casa


MacPherson até o momento em que saiu pela porta, duvidava
poder sobreviver àquela noite. Por um lado, foi gratificante
saber que ele não era o único a quem Annie levava a gritos de
loucura. Por outro lado, enquanto ela finalmente cavava sua
própria cova, ela também cavava a dele.
Minutos depois de ela o levar para a pequena sala, três
irmãos MacPhersons gigantes flanquearam a porta com
braços cruzados, olhando ameaçadoramente na direção de
John enquanto Angus interrogava Annie.
― Eu deixei uma nota, velho. É minha culpa que não
tenha se incomodado a ler?
― Sua nota dizia que iria à costureira. ― A voz
retumbante de Angus alcançou um estrondo. ― Você não
disse na maldita Inverness!
― Eu não disse que era lá também.
― E você foi com ele!
― Nós tínhamos uma acompanhante.
― Ela é meio cega!
― Ela enxerga o suficiente pra fazer seus unguentos. ―
Annie deu de ombros. ― Na maioria dos dias.
Angus começou a ficar vermelho de raiva.
Annie, obviamente, não podia resistir e tornar aquilo
ainda pior.
― Cê está irritado só porque estou ajudando-o na aposta.
― Estou irritado porque agora você terá que se casar com
o sodomita…
― Bobagem.
― ...inglês, o que significa que eu nunca me livrarei dele.
John pigarreou, preparando-se para contestar ou, pelo
menos, corrigir as presunções de Angus.
Annie respondeu antes.
― Não me casarei com Huxley, seu velho rabugento.
Angus cercou a filha até que metade dela ficou em sua
sombra.
Ela apenas ergueu uma sobrancelha.
― Você se casará com ele se eu disser.
Ela franziu o nariz.
― Isso seria idiotice.
― Se ele a tocou, lass…
― Ele não tocou. Pelo amor de Deus, ele não está me
cortejando. Ele está me ensinando.
― A fazer o que? ― Angus grunhiu.
― A conseguir um lorde para mim! ― O silêncio assomou-
se espesso com a tensão entre pai e filha. ― Eu quero me
casar com um lorde.
Pela súbita imobilidade de Angus, John supôs que era a
primeira vez que ela lhe falava sobre o seu objetivo.
Internamente John estremeceu. Angus podia ser rico para um
Highlander, mas as suas origens eram humildes. Ele via
pouca utilidade para títulos e menos consideração pelo poder
imerecido deste. Ouvir que sua filha perseguia um marido da
nobreza devia fazê-lo sentir-se rejeitado.
Quando ele finalmente virou seu olhar escuro de fúria
sobre John, os olhos do homem estavam quase saltando. Sim,
de fato. Rejeição e fúria. E, porque Angus preferiria morrer a
lançar sua fúria sobre Annie, John tornou-se o alvo, único e
infeliz.
Ele tentou raciocinar primeiro.
― Acalme-se, MacPherson. Não precisa de violência. ―
John recuou em direção às janelas, dando espaço a si mesmo
enquanto se preparava para o ataque. Podia um homem se
preparar para quatro pares de punhos MacPhersons fazendo
dano máximo? Provavelmente não. ― Fui eu quem insistiu
que ela conseguisse uma acompanhante.
Respirando como um touro, Angus lançou um olhar
indagador na direção de Annie, que assentiu.
― A Srta. Tulloch busca se casar com um nobre. ― John
continuou. ― Eu tenho alguma...conexão com esse mundo.
Ela me pediu para lhe servir como tutor nas questões de
decoro. ― Inconscientemente, seus olhos voltaram-se a Annie,
cujos cabelos estavam úmidos por causa da névoa noturna e
cujo plaid precisava ser lavado. Ela entrecerrou o olhar como
se antecipasse duros julgamentos a respeito de sua
aparência. Se ela soubesse o que ele realmente pensava ― o
que ele realmente queria ― ela não estaria o olhando. Estaria
corando.
O pai dela era mais perceptivo.
― Huxley, eu já o alertei. ― Angus grunhiu. ― Mantenha
suas malditas mãos inglesas longe de minha filha ou não
importará se suas conexões incluam aquele seu rei gordo. ― O
homem avançou até John, inclinando-se e grunhindo
calmamente. ― Ou o filhote de um conde.
John congelou. Ele sabia?
John olhou para trás, na direção dos três irmãos
gigantes. Rannoch parecia se divertir. Alexander parecia
sanguinário. Campbell parecia ameaçador. Nada incomum ali.
Eles sabiam também?
Annie sabia? Ela estava fazendo uma cara feia para o
pai, braços cruzados, balançando a cabeça. Irritada, talvez.
Mas não. John achava que ela não sabia.
Angus continuou com as suas ameaças a um volume que
apenas John podia ouvir.
― A menos que isso signifique por o seu anel no dedo
dela, lad, é melhor você manter distância. Não importa quem
um homem é, castrado é castrado, aposto.
Seu anel? O frio inundou seu corpo. Não. Ele não queria
uma esposa. Especialmente não queria uma tão frustrante,
ardente e desbocada como…
Annie. Lá estava ela parada com o queixo erguido e olhos
de centáureas brilhando.
― Oh, está baixando suas ceroulas para nada, velho. ―
Ela provocou. ― Huxley é malditamente apropriado demais
para olhar na minha direção. ― Ela avançou e puxou o braço
de Angus, tentando afastá-lo de John e acalmá-lo ao mesmo
tempo. ― Não se preocupe.
Angus não se moveu.
― Ele a quer. Posso ver isso.
― Nah. Ele se casará com alguém como uma lass de
rosto branco como o leite que a mãe dele servirá na janta em
Nottinghamshire. ― Aqueles olhos de centáurea o pegou se
surpresa. Eles deveriam estar provocando. Divertidos. Não
estavam. Ao contrário, pareciam tão melancólicos como a lua.
― Não é assim, Inglês?
Alguma coisa estranha se moveu dentro dele. Não soube
nomeá-la; Não conseguia descrever. Tudo o que ele sabia era
que a nota melancólica na voz dela o fez querer uivar. E a
jogar sobre seus ombros. E carregá-la para fora da casa do
pai dela de volta a seu castelo. Depois, ele queria…
Ele ficou sem ar. Fechou as mãos em punhos.
Ele queria… Deus, ele queria…
Reivindicá-la.
Sim, era isso. A percepção surgiu. Arranhou. Levou tudo
o que ele tinha para ficar imóvel.
O que diabos havia de errado com ele? Ele não sabia,
mas havia algo óbvio. Ela estava determinada a casar-se por
um título ― qualquer título ― independente do homem que
viesse com ele. Ele passara sua vida evitando mulheres como
ela.
Além disso, o pai dela havia acabado de ameaçar
remover o que Annie chamava de "pedaços masculinos". E ele
escutou pelo menos dois dos irmãos dela grunhindo perto da
porta. E o cabelo dela era uma bagunça úmida e irregular. E
ela não conseguia terminar uma frase sem blasfemar e,
apesar de todos os seus esforços, suspeitava que ela nunca
ficaria confortável na mesa de sua mãe.
E a forma que ela falou com o menino sardento e néscio
sobre seu novo filhotinho tinha remexido algo dentro dele que
ele não entendia. Algo necessário. Perto do doloroso.
― Eu devo ir. ― Ele murmurou.
Ele não pertencia àquele lugar. Annie não pertencia a
ele. Ou com ele. Ou embaixo dele, gemendo seu nome. Ainda
assim, ele passou o dia lhe comprando vestidos, invejando
cada um deles. Fantasiando sobre como a seda azul pareceria
com aquele cabelo flamejante. Contemplando sobre o que um
espartilho apropriado poderia fazer com os seios exuberantes
dela. Ele havia perdido a sua maldita cabeça? Provavelmente.
― Inglês? ― A testa dela franziu de preocupação. ― Cê
ficou um pouco irritado.
― Eu devo ir. ― Ele repetiu, girando em direção à porta.
― Angus não quis dizer isso. Ele apenas está chateado,
pois se eu me casar com você, ele terá que pagar alguém para
cozinhar o jantar dele. ― Ela o seguiu até a porta onde seus
irmãos esperavam como sinistras sentinelas.
Do lado de dentro da sala, Angus falou. Sua voz estava
perceptivelmente calma e ameaçadora como aço.
― Você não vai mais vê-la, Huxley. Nem ensiná-la. Sem
mais visitas.
Annie virou para encarar o pai.
― Não seja ridícu…
― Feche a boca e escute, lass. ― Ele gritou. ― Se for atrás
dele novamente eu farei este rosto bonito ficar muito menos
bonito. É uma promessa. Entendeu?
― Mas eu…
― Não me tente, Annie. ― A voz dele era áspera.
Inflexível. ― Se quiser manter seu lugar em minha casa, faça
o que eu digo!
O choque a fez arregalar os olhos e abrir a boca. Ao
observar a fisionomia dela, John soube que Angus nunca
fizera tal ameaça.
― Papai. ― Ela sussurrou como se fosse a única palavra
que lhe sobrara.
John odiou a dor no rosto dela. Ele quis agarrá-la em um
abraço apertado até que a dor desaparecesse. Ele sentiu o
mesmo depois que aquelas mulheres na loja a
ridicularizaram.
Mas ela não era dele. Ele devia se lembrar disso. Ele
devia ter se enganado por um tempo, apreciando o jogo deles
mais do que fora inteligente. Ela pode ter feito ele se sentir
vivo após um longo período em um túmulo.
Mas ela não era malditamente dele. E ele a prejudicava
ao fingir o contrário.
Usando a distração dela como uma oportunidade, ele
assentiu sua compreensão a Angus, que parecia devastado
por ter ferido sua filha, mas determinado a não demonstrar
isso. Então John escorregou entre o mais alto dos dois irmãos
e seguiu ao vestíbulo.
Assim que ele saía pela porta da frente, Campbell o
chamou.
― Preciso conversar com você.
O silencioso e sério Campbell MacPherson era
intimidante em um dia bom. Agora no escuro congelante, o
homem parecia mais um monstro do que humano.
― Seu pai foi muito claro. -John puxou o chapéu. ―
Manterei distância. Nada mais a dizer.
― Annie mencionou que você topou com David Skene no
retorno de vocês de Inverness. ― A diversão estava presente
na voz do outro homem. ― Ela disse que você lidou com isso
de uma maneira bem divertida. Duas pistolas. Um conto
selvagem sobre bandidos espanhóis. ― Ele parou. ― Você a
manteve a salvo. Sou grato.
― Nunca houve nenhuma dúvida. ― John respondeu com
calma. ― E o conto selvagem é verdadeiro.
Desta vez a pausa foi mais longa.
― Meu pai acredita que usará Annie para conseguir uma
vantagem e depois a abandoná-la quando voltar à Inglaterra.
― Estou ciente.
― Um homem inclinado a tal esquema não teria usado
uma acompanhante. Ele teria o que queria porque pode.
― De fato.
Um aceno foi seguido de outro profundo e considerável
silêncio.
― O ataque de Skene foi mais ousado do que previ.
John fez uma cara feia diante da lembrança da mão de
Skene tocando Annie.
― Farão bem em despachar o problema mais cedo do que
tarde.
― Aye. Nós planejamos isso.
John hesitou, desejando que seu próximo aviso
permanecesse onde pertencia ― sua mente. Mas ele saiu,
sombrio e verdadeiro.
― Se ele se aproximar dela novamente, eu mesmo farei
isso.
Campbell parou e depois se aproximou. Na luz fraca das
janelas, John podia apenas ver a fisionomia dele. A
sobrancelha grossa estava franzida e a mandíbula dura, mas
não ameaçadoramente. Pelo menos, não com John.
― Você sabe com que lorde Annie planeja se casar?
― Não. ― Outra onda de ressentimento o fez cerrar os
dentes. Ele já sentiu isso antes. Foi mais forte agora. ― Minha
impressão é de que ela procura o título e não um homem
específico.
― É provável que Skene tenha um patrocinador. Nós não
sabemos quem, mas quase certeza de que ele tem um título.
― Concluí o mesmo.
― Broderick está em perigo. ― Um tremor ao redor dos
olhos do homem revelava a angústia cuidadosamente
disfarçada. ― A gangue de Skene domina uma parte de
Bridewell. Devemos encontrar um forma de soltá-lo. E logo.
John lançou um olhar para a sua charrete depois para
as janelas da Casa MacPherson. Em seguida olhou para o
homem diante dele e suspirou.
― A caça da Srta. Tulloch a um título pode ser bem-
sucedida, mas é improvável que dê frutos antes do verão. ―
Ele hesitou antes de fazer a oferta. Deus, ele era um idiota. ―
Quando esgotar as opções de libertar o seu irmão, venha me
ver. Tenho conexões as quais posso fazer uso.
Campbell assentiu.
John subiu em sua charrete e levantou as rédeas. Depois
parou.
― MacPherson.
― Aye?
Ele vacilou. Maldito inferno, ele não deveria fazer isso.
Ela não era dele. Apenas um idiota interviria onde
ninguém o queria.
Um idiota. Era o que ele era.
― A primeira costureira que sua irmã visitou hoje era
aqui em Glenscannadoo. As mulheres na loja fizeram coisas
extremamente desagradáveis com ela. Aposto que não foi a
primeira vez que tais abusos aconteceram.
Campbell não falou, mas o brilho em seus olhos
espelhavam a fúria de John. Deus. Ela deveria ter contado há
muito tempo à sua família.
John nomeou as mulheres envolvidas antes de
continuar.
― Eu planejo conversar com o homem que é dono do
prédio onde fica a loja. Práticas tão más de negócios não
devem ser toleradas em um lugar tão fino como aquele, não
concorda?
― Aye. ― Veio o grunhido baixo. ― Concordo.
Pela primeira vez desde que chegara a Casa MacPherson,
John sentiu a satisfação puxar os cantos de sua boca.
― Esplêndido. ― Ele tocou a aba de seu chapéu. ― Dê
lembranças aos seus irmãos.
― E minha irmã? ― A pergunta de Campbell estava
carregada de significado.
O sorriso dele desapareceu. Seu peito se apertou.
Ela não era dele.
A verdade é que ela nunca seria. Então, ele incitou as
rédeas, dirigiu -se para a escuridão e deixou o silêncio como
resposta.
Capítulo 11

Quando um homem contratava uma cozinheira, ele


esperava ― não, confiava ― reconhecer os pratos em sua mesa
como comida. John estivera em muitos lugares e comeu
muitas coisas incomuns. Mas a tigela de sopa acinzentada e
farinhenta diante dele era um mistério.
Ele colocou a carta de sua irmã mais nova na mesa e
perscrutou a bandeja que sua nova cozinheira havia deixado
a sua frente. Orgulhosamente, não menos.
― O que é isso? ― Ele perguntou.
Marjorie MacDonnell, a mãe de Dougal, sorriu até suas
angulares bochechas se arrendondassem. Ela usou o avental
para limpar as mãos.
― Lagarto, sir. Cozido como o encontraria em Moray.
Quanto estes escoceses o odiavam? O bastante para
envenená-lo?
Ele olhou para a tigela fumegante de o que quer que seja,
que cheirava a peixe velho e cinzas frias. Seu estômago se
revirou.
― Obrigado, Sra. MacDonnell. ― Ele empurrou a bandeja
para o outro lado da mesa.
― Você não vai experimentar o Finnan Haddie2?
Se ele soubesse o que era, talvez ele pudesse dizer uma
coisa ou outra. Mas a noite avançava e ele estava cansado.
― Receio não ter muito apetite.
Ela franziu a testa como a sua mãe costumava fazer.
Depois ela pôs uma mão áspera sobre sua testa.
― Não é febre. ― Ela o diagnosticou estalando a língua. ―
Seu apetite está ruim por quase um mês. Homem da sua
idade deveria comer o dobro do que faz. ― Ela deu um
tapinha em seu ombro. ― Eu sei do que precisa.
Ele duvidava.
― Alguma coisa um pouco mais doce, ãh? Meu
shortbread3 tentaria um homem morto a se levantar para o
desjejum.
Dado que o biscoito normal dela tinha uma crosta seca
por ele todo, suspeitou que apenas a única coisa faria um
homem se levantar era ser agredido pelo peso deles.
A mulher tamborilou o queixo.
― Um pouco tarde para começar ainda hoje.
Planejaremos para amanhã. ― Ela bateu no seu ombro
novamente antes de se mover para a porta do escritório. ― Se
tivesse me contratado antes do Hogmanay, eu teria feito para
você o meu clootie dumpling4.É um deleite raro.
O clootie dumplig soou mais próximo do que ele desejava
do que o lagarto cinza, mas ele achava que a Sra. MacDonnel
não tinha nenhuma solução para lhe oferecer.
Apenas uma mulher tinha. E Deus, ele sentia falta dela
mais do deveria. Crostas de pão duro escuro zombavam dele
na badeja perto de seu cotovelo.
O pão de Annie era uma coisa esplendorosa.
Ele desejou que isso fosse tudo o que ele sentia falta. Ele
desejou a ter beijado apropriadamente quando teve chance.
Passando a mão pelo rosto, ele se levantou da cadeira e
caminhou até a lareira. Antes que ele pudesse impedi-los, os
pensamentos sobre ela invadiram a sua mente como a névoa
sobre o lago.
Como ela estava se saindo? Ele quis saber. Estava
praticando o deslizamento? Havia conseguido controlar as
vulgaridades? Ainda ficava em silêncio de vez em quando
pensando no sofrimento de Broderick?
Ele não tinha como saber. Eles estavam mantendo
distância. As poucas vezes que ele a avistou foi cruzando a
praça da vila ou viajando ao lado dos irmãos na carroça
MacPherson e ela parecia a mesma. Mais magra, talvez. Mais
pálida. Aquele cabelo exuberante estava melhor cortado perto
das bochechas, ele notou.
O inverno tinha sido duro. Por duas vezes a neve tinha
caído com grande carga, demorando uma semana ou duas
para derreter e congelar novamente. A terceira nevasca do
vale atualmente soprava do lado de fora, uma rajada final
antes da primavera.
John estava acostumado a ficar sozinho.
Frequentemente ficara durante longas semanas no mar ou
cruzando cadeias de montanhas de um país a outro. Ele
nunca se importou de verdade. Nunca ansiou por companhia.
Pelo contrário, a própria terra o alimentou ― um sol laranja
mergulhando atrás de árvores com formas de guarda-chuv,a
um golfinho saltando de águas impossivelmente azuis, uma
tempestade quente com cheiro de jasmim.
Ele sentia falta desse sentimento: maravilhar-se com a
visão que ninguém mais vira. O problema real, claro, era que
ele parou de sentir isso muito antes de chegar a Escócia.
Muito antes de parar de procurar isso.
No fim de sua vida, Ewan Wylie lhe implorou para que
ele voltasse a casa antes de se matar. Agora, John queria rir.
Porque estar morto soava melhor do que esse maldito vazio.
Ele esfregou a sua barba que voltara a crescer. Isso fazia
seu rosto coçar, mas ele não se incomodava em barbear-se.
Ela o achava melhor sem, ele lembrou.
O pensamento o fez sorrir. Ultimamente ela era o único
pensamento que ele tinha.
O último dia que eles passaram juntos, a admiração a
iluminou cada vez que o olhava. Ele a imaginava agora,
parada dentro da loja de uma costureira, umedecendo
aqueles lábios insolentes e o enlouquecendo com seus
argumentos.
Bem, não sei se posso ser delicada, Inglês. Mas
decorativa. Talvez possa ser.
De fato, ela era tudo menos delicada. Ele tinha saudade
dela. Ansiava por ela da mesma forma que alguns homens
ansiavam por bebidas fortes ou fumaça de papoula.
À noite a ânsia se transformavam em sonhos eróticos, ele
ficara desesperado para terminá-los, e igualmente
desesperado para ter um retorno. No passado, encontrar uma
mulher disposta para administrar suas necessidades era
muito simples. As mulheres gostavam dele. Sempre tinham.
Um sorriso brincalhão, um pouco de lisonja. Fácil.
Agora, nada o fazia sorrir, além dela.
Nada o fazia ficar duro, além dela.
Nada parecia desejável, além dela.
Que loucura incompreensível. Era a pior coisa que já
acontecera com ele desde que o vazio começou sete anos
antes. Naquela época, ele se distraiu atravessando a África,
construindo navios em Sunderland e fazendo entregas para
as Índias Orientais com um meio-rabugento Ewan Wylie
gritando do mastro.
Depois, Ewan bebera até a morte. E o vazio alcançou
John. Agora, ali estava ele nos cafundós da Escócia ansiando
que uma moça espevitada de cabelo escarlate cruzasse sua
porta e o chamasse de Inglês.
Apenas isso. A voz dela. Um doce melodia divertida. Um
sabor irônico de provocação.
Ele esfregou o queixo observando o fogo dançar. Ele
parecia o cabelo dela. Blasfemando, ele voltou à sua mesa.
Talvez o uísque pudesse melhorar esse humor amaldiçoado.
Pelo menos permitira que ele dormisse.
Minuto depois soou uma batida na porta de seu
escritório.
― Entre. ― Ele falou com a voz rouca.
― Estou indo a casa, sir. ― Era Dougal, parecendo
cansado pelo dia de trabalho.
Eles estavam quase acabando o interior do castelo. Com
Dougal, o dois irmãos dele, três irmãs e a mãe trabalhando no
Castelo Glendasheen, o lugar estava ganhando vida,
transformando-se em uma casa decente, com criados
decentes e mobília real.
Quando a primavera chegasse, John poria Dougal e seus
homens para trabalhar na melhoria dos jardins e na estrada
ao longo do lago. Eles precisavam de estradas melhores se os
MacDonnels fossem viajar, ida e volta, em segurança para a
vila. Os visitantes também. Ele não queria que as visitas
chegassem ao castelo até a estrada estar reparada.
Uma breve visão de uma moça espevitada de cabelos
ruivos lutando para puxar um burro relutante através da
lama surgiu em sua mente. Ele balançou a cabeça. Não. Ele
não podia deixar isso acontecer? E se ela se machucasse? E
se ela caísse?
― Er, minha mãe disse que você não quis o seu lagarto.
― Dougal falou. Ele estava olhando para a bandeja intocada
de John e amassando seu chapéu entre as duas mãos. ―
Espero que não esteja pensando em demiti-la, Sr. Huxley. Ela
queima as batatas de vez em quando, mas não é por falta de
tentar acertar.
John franziu o cenho.
― É por isso que a sopa está cinza?
Assentindo timidamente, Dougal explicou.
― Normalmente é branca. Um ótimo prato, bem
preparado. Se gosta de arinca defumada, claro. ― Ele fez uma
pausa. ― Ela fez um ótimo shortbread, sir. Garanto que se a
mantiver, ela fará melhor.
Claramente o homem supervalorizava os talentos da
mãe. Mas John não sabia quanto mais ficaria na Escócia,
assim, não fazia sentido procurar uma substituta. A família
de Dougal precisava de emprego. Todos eles eram
trabalhadores incansáveis, respeitosos e confiáveis.
― Não se preocupe. ― John respondeu. ― A posição de
sua mãe está segura.
― Obrigado, sir. ― Dougal derrubou o olhar para as
mãos. ― Nós não podemos agradecê-lo o suficiente por tudo
que nos tem feito.
― Agradeça-me com shortbread, hein?
O outro homem sorriu agradecido e se virou para sair.
― Dougal.
―Aye, sir?
John vacilou.
― Ouviu alguma coisa sobre os MacPhersons?
Dougal ficou solene.
― Nada bom. Broderick MacPherson está sendo acusado
de assassinato. Seus parentes estão lutando na Alta Corte,
mas não tem um bom prenúncio.
Quando ele saiu, o frio se estabeleceu nas entranhas de
John. Durante todo o inverno, ele esperou que Campbell lhe
pedisse ajuda. Nenhum dos MacPherson o procurou. Ele
imaginou a dor de Annie enquanto esperava que o destino de
seu irmão fosse decidido. A vontade de vê-la, confortá-la era
uma comichão mais profunda e agonizante com nenhum
alívio em vista.
Ele não devia sentir isso. Ela não devia importar tanto.
Para se distrair, John pegou a carta de Kate pensando se
devia terminar de lê-la. Sua mãe insistia que sua irmã mais
nova precisava de "orientação fraternal", o que quer que isso
quisesse dizer. Ele tinha acabado de começar a segunda
página quando outra batida soou.
― Entre. ― Ele disse distraidamente, perguntando-se o
que diabo Kate queria dizer ao citar uma extensa passagem
do romance de Walter Scott, seguido por uma breve cena de
Macbeth. Ela parecia estar perguntado sobre tartã e clãs, mas
com Kate, a conversa frequentemente corria em círculos
absurdos.
Dougal pigarreou.
― Com licença, sir.
― Esqueceu algo, Dougal?
― Quando estava saindo, encontrei um cavalheiro do
lado de fora. Temo que o frio o tenha deixado um pouco
desorientado. Ele chamou por Lorde Huxley.
A cabeça de John se levantou. O homem que entrava
atrás de Dougal era quase da mesma altura de John, mas
tinha os ombros mais largos e o cabelo quase preto. Esse
cabelo caía sobre um rosto carrancudo. Apoiando-se em sua
bengala, o homem moveu-se rigidamente para a luz da
lamparina.
― Con? ― John piscou para se certificar. Mas, sim, era
Robert Conrad. Ali. Em seu castelo. Na maldita Escócia. John
se levantou e abraçou seu encharcado e cansado melhor
amigo. ― Bom Deus, homem. O que está fazendo aqui?
― Neste exato momento? Congelando até a morte.
Eles bateram nas costas um do outro antes que John
pedisse a Dougal para avisar a mãe dele para preparar chá e
convidou Robert para se sentar em frente ao fogo.
― Annabelle o enviou, entendi. ― John disse. Ele passou
a Robert um copo de uísque e deu um gole no seu. ― A última
carta dela soou maternal.
Suspirando, Robert relaxou em sua cadeira e apoiou sua
bengala ao lado do joelho.
― Ela foi mãe muitas vezes. Mas não, ela não me enviou.
― Os olhos azuis e taciturnos ficaram solenes. ― Vim por
conta própria. Suas cartas têm sido mais sombrias do que o
normal nestes últimos meses.
John olhou para seu copo.
― É o inverno. ― Ele deu um gole e depois apontou para
a janela. ― Como pode ver, sombrio é uma espécie de tema.
― Há mais do que o tempo, homem. ― Robert tirou o
casaco e se acomodou antes de dizer tranquilamente. ― Estou
aqui para lhe dizer que chegou sua hora.
― Hora para quê?
Robert deu um gole e passou a mão por seu cabelo
grosso e úmido.
― Para você parar de fugir.
O intestino de John comprimiu-se. Ele usou seu copo
para indicar os arredores.
― Tipo estranho de fuga. Estou aqui há dois anos.
― Você sabe o que quero dizer.
Ele sabia. Mas não tinha que gostar disso.
― Meu pai está com a saúde excelente. Há chances de
que ele sobreviva a todos nós.
― Gerar um herdeiro é importante, mas não é sobre isso
que estou falando, Hux. ― Robert olhou para seu copo,
girando o líquido dourado. ― Você acha que eu não percebo?
Você tem estado miserável há anos.
O frio estabeleceu-se profundamente. John despejou o
final de seu uísque esperando que a queimação ajudasse. Não
o fez.
― Miserável é uma palavra forte.
― É? ― Robert balançou a cabeça e suspirou. ― Não se
esqueça, passei sete anos da minha vida em um estado
parecido.
― Aquilo foi diferente.
Robert ergueu uma sobrancelha questionadoramente.
― Você sabia o que estava perdendo.
Um sorriso tocou os lábios de Robert.
― Annabelle. Sim. Mas saber disso não diminuía a dor. ―
O sorriso sumiu. ― Eu o compreendo, Hux. A necessidade de
provar o seu valor. A necessidade de distração. Preencher o
vazio com algo… ou nada. ― Ele girou o copo pensativo. ―
Funciona de vez em quando. Então, você continua. Mas, com
maior frequência, não funciona de maneira alguma. E mesmo
quando acontece, você fica com menos do que tinha antes. De
alguma forma, as coisas que faz para se distrair corroem os
espaços vazios, deixando nada além de uma fome esponjosa
que nunca se satisfará.
Sim. Era precisamente assim. John desejou que ouvir
Robert descrever seu problema ajudasse. Não o fez. Pelo
contrário, sentiu-se mais gelado.
― Vamos beber, velho amigo. ― Levantou o copo. ― Por
Annabelle. Graças a Deus ela é mais indulgente do que
merece.
Robert riu.
― Beberei a isso.
A Sra. MacDonnell entrou com chá e informou a John
que ela preparou um quarto para seu convidado. Quando eles
ficaram sozinho novamente, Robert o olhou com um brilho
especulativo.
― Você poderia ser feliz também você sabe. Talvez a
solução para você seja a mesma que a minha.
― Uma esposa? ― Ele bufou. ― Pela milésima vez, eu não
quero uma…
― Então ela era tão especial assim?
Peito dele se apertou. Ele deu outro gole.
― Quem?
― Você sabem quem.
Ele esfregou o queixo. Depois os olhos. Eles queimavam.
Deus, estava cansado.
― Especial? Não. Esse é o problema. Ela é totalmente
banal.
Ela era Jacqueline Marchand, um diamante de primeira
água meio-francesa, que como se viu, enlameara suas águas
completamente antes de sua primeira temporada em Londres.
Ele conheceu a bela estonteante no Almack’s sete anos antes.
John estava com vinte e sete anos quando decidiu
retornar de sua extensa Grand Tour para participar da
temporada. Naturalmente sua mãe e seu pai ficaram nas
nuvens.
― Estava na hora, filho. ― Seu pai havia aclamado com
os olhos avelã cintilando. ― Uma esposa é a única coisa que
assenta a inquietação de um homem. Não precisa procurar
esplendores fora quando se tem uma boa mulher em casa.
Mamãe havia arrulhado e se alvoroçado, insistindo em
contratar um alfaiate e um valete.
― Oh, você é a imagem de seu pai, querido. ― Ela
choramingara, dando tapinhas em sua lapela. ― Meu menino
doce e lindo. Um marido. E em breve pai também? ― Ela
agitou as mãos e pegou seu lenço, assoando com tanta força
que ele pensou que ela quebraria uma costela.
Por um momento ele deixou que a excitação deles
infectasse seu pensamento.
Ele entrou o Almack’s em uma noite fria de abril com um
estranho arrepio de ansiedade. Talvez ele encontrasse uma
mulher para amar da forma que Robert amava Annabelle, ele
pensara, ou da forma que seu pai amava a sua mãe. Ele
contemplou a multidão colorida de moças com seus olhares
tímidos atrás de leques. Poderia ser aquela de vestido rosa?
Ou aquela com uma faixa amarela que o faria ansiar voltar
para casa mais do que a próxima costa?
Ele não sabia. Mas a aventura já tinha virado a sua
cabeça.
Então, ela entrara na sala. O cabelo não tinha uma cor
extraordinária, apenas um tom escuro de loiro, caindo em
cachos elegantes ao longo de seu rosto e adornado com uma
tiara brilhante. Mas o rosto. O rosto dela era maravilhoso.
Lábios cheios que tremiam. Um nariz pequeno e longos cílios.
Ela era magra. Reservada. Graciosa. Uma ninfa ao luar
brilhando entre pretendentes desajeitados.
Ele a quis com todo o vigor e cegueira de um homem
servil. Ele persuadiu um conhecido a fazer a apresentação.
Como uma truta atrás de uma isca suculenta, ele a seguiu
pelo resto da noite, ignorando todas as outras jovens damas
que se colocavam em seu caminho. Quem notaria meras
mortais quando Jacqueline estava perto?
Após aquela noite, ela jogou o anzol de fato. Cada evento
que havia rumores que ela estaria ele obtinha um convite.
Cada valsa que a anfitriã propunha, ele se posicionava para
reivindicá-la. Em poucas semanas ele já estava planejando o
casamento deles. St. George, claro. Sua irmã, Jane, casara-se
lá. O desjejum seria servido na casa da família na cidade em
Grovesnor Street. Ele usaria seu elegante fraque noturno, um
que Eugenia e Kate concordaram que lhe caía muito bem.
Ele ainda se lembrava da voz de Jacqueline, como uma
seda macia. A pele, iluminada com um rubor que parecia
quase místico. Ele recordava a ter beijado na sala de estar da
casa do tio dela, o sabor de marmelada ainda em seus lábios,
doce com uma pitada de amargo. Lembrava-se do suspiro
dela enquanto insistia que deveriam esperar. Esperar até o
casamento. Ele não desejaria desonrá-la, desejaria?
Deus, sua cegueira fora entorpecente.
Ele estava indo implorar ao tio dela por sua mão,
estupidamente imaginando como seriam os bebês deles, com
os olhos dele e o nariz dela, quando a pegou nua e gemendo
embaixo de outro homem.
O pai do bebê que ela carregava, como descobriu.
Deitados dentro de uma baia do estábulo do tio dela, o
par não o ouvira entrar. Mas ele ouviu tudo. Jacqueline rindo
como nunca fizera com ele. Ofegando e grunhindo como
nunca faria com ele. Declarando ao homem entre suas pernas
o "amour" que nunca teria por ele.
Então, ele puniu-se ao se esconder. Demorar-se. Ouvir.
Ele ouvira o homem rir com a ideia de continuar como
amante dela.
Onde me porá quando for Lady Huxley, meu amor?
Perto. Um chalé, talvez. Oh, Gerard, devo tê-lo por perto,
pois não suportaria o pensamento de nosso bebê ficar longe do
pai.
E você? Provavelmente sofrerá com apenas Huxley para
satisfazer esse seu pequeno e ganancioso corpo.
Um gemido. Um suspiro.
Por isso que devo mantê-lo por perto, mon amour. Poderei
suportar o toque dele apenas se pensar em você.
Uma risada masculina.
E o pensamento na fortuna dele, n’est-ce pas?
A descoberta de John sobre a verdadeira natureza de
Jacqueline fora uma lição brutal, mas também havia sido
uma benção. Ele não ficara mais cego para a rara sorte de
homens como Robert e seu pai, que encontraram esposas
leais e amorosas para enlouquecê-los.
Mulheres ― a maioria delas, de qualquer forma ―
buscavam casar-se por razões práticas. Na verdade, ele não
podia culpá-las. Uma mulher sem um marido tinha poucas
opções. Algumas podiam contar com a família ou encontrar
um emprego firme. Algumas podiam se vender a homens de
formas mais diretas. Mas as restantes seriam deixadas para
definhar e envelhecerem até a morte chegar e as chamar ―
mulheres como a Sra. MacBean, por exemplo, cavando uma
existência míngua de alimentos e da caridade dos
MacPhersons.
Casar-se por amor era a exceção. A regra era negociar,
um título ou fortuna, em troca de acesso a um corpo macio e
um útero fértil. Jacqueline havia ferido seu orgulho, mas ele
escapou da armadilha dela antes que o dano real fosse feito.
A lição for valiosa. Além do mais, ele ficara atento a
sinais da avareza feminina ― o foco em posses materiais e
conexões sociais, excitação diante da perspectiva de vencer na
busca de casamento ― e ele nunca se desapontou.
Era tudo um jogo. No final da temporada, ele tivera o
bastante.
Desde então, ele pouco tinha mudado de ideia. Até
mesmo Annie queria se casar por um título.
Um maldito título sem valor.
Ela aceitaria um homem senil e desdentado? Um tolo
cruel e estúpido? Ele já vira mulheres se casarem mal para se
tornarem condessas, baronesas e marquesas. Quem Annie
permitiria que a tocasse? Quem ela deixaria se meter entre
suas coxas, grunhindo, ofegando e suando enquanto plantava
um herdeiro em seu ventre? Quem ela deixaria gordo com seu
pão e molho? Quem ela…
― Cuidado Hux. ― Murmurou Robert. ― Você vai quebrar
o copo. Então sangrará. Sua governanta foi para a cama e
estou muito cansado para limpar para você.
John piscou. De fato, sua mão estava branca com a
tensão.
― Não achei que a francesa ainda era importante o
bastante para irritá-lo.
Ele piscou novamente. Franziu o cenho.
― Quem?
Robert deu um gole e levantou uma sobrancelha.
John balançou a cabeça, esperando clareá-la.
― Não era nela que estava pensando.
― Humm. Intrigante. Prossiga.
John exalou. Olhou Robert cuidadosamente,
perguntando-se se seu velho amigo poderia oferecer algum
conselho. Deus sabia, quando tinha relação com Annie, ele
precisava. E Robert sempre fora muito sensato.
― Há...uma mulher.
― Naturalmente.
― Ela é diferente de todas as mulheres que já conheci.
As sobrancelhas pesadas de Robert arquearam.
― Incomum.
― Sim, ela é.
― Não, quis dizer que é incomum que você descubra uma
espécie que nunca viu antes. ― O amigo sorriu. ― Se me
lembro, você tinha amostras de cada variedade disponível, e
elas eram todas disponíveis para você.
John deu um leve sorriso.
― Meramente um esporte da juventude. Não, Annie é…
diferente. Não consigo explicar. ― Ele sentou-se para frente e
pôs seu copo no chão, inclinando-se em direção a Robert para
esclarecer seu ponto. ― Ela diz o que quer que esteja
pensando, seja vulgar, insultante ou descarado. Não importa.
Simplesmente sai.
― Humm. Quantos anos disse que ela tem?
― Vinte e quatro. A grosso modo. Não tenho certeza
quando é o aniversário dela. Perguntarei a Dougal amanhã.
Eles se conhecem desde crianças. Ou, como ela diz, "desde
que éramos pequenos."
― Pequenos. Então, ela é escocesa.
John apertou os lábios entre o polegar e o indicador.
― Ela faz o melhor pão que já comi, Con. Não tenho ideia
de como ela faz isso. Como nuvens. Nuvens quentes e
crocantes. E o molho. ― Ele fechou os olhos e gemeu. ― Bom
Deus, ela podia fazer exércitos caírem a seus pés pelo
privilégio de experimentá-lo.
― Ou um inglês apaixonar-se, parece.
Vagamente John soube que Robert dissera algo irritante.
Mas ele estava ocupado em encontrar uma forma de explicá-
la. Como alguém descrevia o indescritível?
― Eu a levei a Inverness. ― Ele murmurou. ― Fomos
fazer compras. Ela odeia fazer compras. Compreensível. As
mulheres na aldeia dela a tratam abominavelmente. ― Ele
sacudiu uma mão. -Não se preocupe. Eu cuidei disso.
― Você cuidou.
― Oh, sim. O trabalho de Flora MacDonnell como
costureira secou. Uma nova costureira mudou-se para a
antiga loja dela. A taxa de aluguel era mínima, mas eu fui
capaz de comprar o prédio por uma soma razoável.
― Você comprou um prédio, assim podia evitar a
locatária.
― Humm. E Grisel MacDonnell descobriu que
Glenscannaddo pode ser um local hostil desde que seu
marido pegou as crianças e partiu para o Canadá. Parecia que
tudo o que ele precisava era de um pouco de dinheiro para a
passagem dele. De acordo com Dougal, Grisel tem falado em
se mudar para Dingwall. ― Ele suspirou. ― Como punição, é o
suficiente, admito. Mas eu não posso expulsá-las. São
mulheres, afinal.
― De fato. Mas você sente que é necessário intervir em
benefício de...Annie?
― Eu tinha que fazer. Elas a atormentavam há anos.
Robert pigarreou.
― Ela tem família?
John assentiu.
― Um padrasto e quatro irmãos. Bons homens. Grandes.
Um bocado rudes. Um deles está com problemas. Considerei
intervir. Eles não me pediram ainda, assim, ainda estou
pensando sobre isso.
― Certo. E a mãe dela?
― Morta. ― John passou a mão pelo cabelo. ― Não me
espanta Annie ser tão selvagem. Criada por homens rudes.
Sem mãe.
O silêncio espessou-se na sala até o único som ser o do
fogo estalando.
― Hux.
John levantou o rosto.
― Ela é casada?
O intestino dele se apertou.
― Não ainda.
― Então por que ela não está sentada aqui no meu
lugar?
― Não seja ridículo. Não quero me casar com ela.
― Não, claro que não.
― Malditamente certo, claro que não. ― John fez uma
careta enquanto Robert bebia o uísque. ― Agora, onde estava?
Oh, sim. Eu a levei às compras.
― O que vocês dois foram comprar?
― Eram três de nós. Ela tinha uma acompanhante. Eu
insisti.
― Você insistiu.
― Nós fomos comprar vestidos para ela. A mulher usa
calças, pelo amor de Deus.
Robert sorriu, os olhos brilhando com diversão.
― Então é isso?
― Calças, botas e um plaid. Eu tive que fazer algo.
― Por "fazer algo" quer dizer…
― Comprar-lhe roupas novas. O que ela veste é uma
desgraça. Ela é capaz de encontrar a morte toda vez que
caminha da Casa MacPherson até o castelo. Ela precisa de
vestidos apropriados e um casaco.
― Então, você pagou pelos vestidos dela.
― Trinta e cinco vestidos? ― Ele bufou. ― Ela dificilmente
os teria comprado de outro modo. Não, se deixasse por conta
dela, ela teria costurado um ou dois vestidos e deixado por
isso. Duvido que ela teria se incomodado com meias de seda
ou anáguas, quanto mais slippers.
― Humm. Percebo o dilema.
John franziu a testa.
― Percebe?
Robert assentiu, pressionando a borda de seu copo
contra os lábios e abaixando suas sobrancelhas
pensativamente.
― Ela é uma mulher incomum, como diz.
― Sim. Extraordinariamente, de fato. ― Ele exalou,
perguntando-se por que o seu peito doía. ― Eu quero… toda
vez que a vejo, eu quero… e quando ela se vai, não consigo…
mas faz meses desde que nos falamos. ― Ele passou a mão
pelo rosto e murmurou. ― Parece malditos anos.
― Por que a separação?
― O pai dela ameaçou me castrar e jogá-la na rua se ela
se aproximar de mim novamente.
― Um bocado cruel.
― Ele está preocupado com ela, como deveria ser. A
mulher não faz ideia do que está fazendo. ― Seu peito se
apertou ainda mais, sua voz ficou mais alta. ― Sabia que ela
está planejando se casar com um lorde? ― Incapaz de ficar
parado, John se levantou de sua cadeira e abriu os braços
para falar. ― Qualquer lorde! Não um específico. Oh, não. Não
para Annie Tulloch. Apenas um título servirá, muito obrigada.
Velho. Jovem. Em forma. Gordo. Não importa! ― Ele bateu a
palma da mão na lareira. O golpe foi alto e satisfatório. ― Dê-
lhe um título e ela será sua esposa. Fácil assim.
Uma brasa saltou na lareira. O ventou uivou lá fora. Ele
queria uivar também.
―Você tem um título, Hux. ― Robert fez seu ponto
calmante, mas pareceu como um soco em seu estômago.
Ele cambaleou para trás.
― Não.
― Ela podia ser a sua esposa.
― Eu disse não. Não me casarei com uma mulher que me
quer apenas pela minha linhagem.
― Ela quer? Ela apenas o quer por sua linhagem, quis
dizer.
― Ela não sabe sobre isso. Não tenho usado o meu título
há anos. Prefiro ser mensurado por algo mais do que meu
nome.
― Então, você… aproximou-se de uma mulher que acha
extraordinária, apesar de ela não saber nada de seu pai ou…
― Nós fizemos um acordo. ― Ele esfregou a testa,
sentindo uma dor de cabeça começar atrás dos olhos.
Brevemente ele explicou sobre a aposta com Angus e a oferta
de Annie em lhe ensinar as técnicas das Terras Altas de atirar
coisas em troca das Lições para Damas. ― Nós chegamos a
um impasse, receio. Talvez ela tenha persuadido Angus a
ceder. Talvez ela não se importe com o irmão.
Uma lufada assobiou lá fora, onde o branco rodopiante
se juntava em pequenos montes no vidro da janela. O suspiro
de Robert misturou-se aos sons do inverno das terras Altas.
John olhou para seu amigo, cujos olhos estavam aguçados e
especulativos, apesar do cansaço.
― Acha que eu deveria conquistá-la, não é?
― Acho que se não ha nada o segurando aqui, já teria
deixado a Escócia há muito tempo. É o que você faz, Hux. Vai
embora. Então, por que ainda não foi?
John encarou o seu amigo desejando ter uma resposta.
Robert bebeu o resto de seu uísque e pousou o copo
vazio na mesa baixa. Ele esfregou sua perna ruim e soltou um
suspiro.
― Lembra-se quando eu lhe disse que um dia encontraria
uma mulher que faria da loucura um prazer?
John franziu a testa.
― Não estou apaixonado por Annie Tulloch, Con.
Robert riu.
― Não, claro que não. ― Ele pegou sua bengala e se
levantou. ― Certamente ficará feliz enquanto ela valsa nos
braços de algum outro homem usando os vestidos que
comprou para ela.
Imagens explodiram. Annie usando seda ameixa
enquanto jurava amar outro homem. A mão de Annie
iluminada com o anel de outro homem. O sorriso de Annie
oferecendo um fogo sedutor a outro homem. A fúria cresceu e
subiu como fumaça, enchendo seu peito e garganta. Ela não o
deixava falar. Queimou até ele grunhir. Feliz? Ele queria bater
com os pulsos em sua lareira. Ele queria cavalgar nesta
nevasca escura, encontrá-la e exigir que ela abandonasse o
esquema tolo. O mero pensamento dela com outro o deixou…
… louco.
Distraidamente sentiu Robert a seu lado. Sólido.
Paciente. A sombra de Robert uniu-se a sua enquanto a
verdade começou a desenrolar-se.
Ela era importante. Ele a queria. Não por uma hora. Não
por uma semana.
Para sempre.
Ele a queria em sua cozinha. Ele queria observar aquelas
mãos bonitas fazendo pão. Ele a queria em seu escritório,
zombando dele sobre suas maneiras elegantes e chás mais
elegantes ainda. Ele queria ouvir os gritos de prazer ecoando
pelos novos painéis de seu quarto. Sentir o cabelo dela sobre
sua pele. Observar aqueles olhos de centáureas suavizarem e
depois brilharem como fogo azul.
Ele queria seu filho no ventre dela.
O coração dele acelerou, pulsando em sua pele. Oh,
Deus. Sim, era isso.
Annie com a barriga protuberante com sua criança. O
seu anel no dedo bonito dela. Sua reivindicação completa.
Ela seria sua esposa.
Maldito inferno. Ela podia ser dele.
― É malditamente desorientador, eu sei. ― Robert disse
com calma. ― A primeira vez que percebe o que está
acontecendo, muda quem você é. ― Ele bateu no ombro de
John e mesmo aquele pequeno toque o desequilibrou. Talvez
fosse o uísque.
John teve que engolir duas vezes antes de conseguir
falar. Quando finalmente o fez, sua voz estava fraca e rouca.
― Se...se eu for conquistá-la, devo ter certeza de que ela
me quer. ― Ele atraiu o olhar de simpatia do seu amigo. ― A
mim, Con. Não meu nome. Nem a minha fortuna. Eu.
Robert assentiu. Ele sabia de tudo, claro. Eles eram
amigos desde que John o arrastara com ele para o pudim de
Natal aos seis anos. Robert sabia sobre Jacqueline. E antes
de Jacqueline, a governanta.
Eles nunca falaram sobre a governanta. Mas Robert
obviamente lembrava. A compreensão estava ali em seus
olhos.
John não podia se casar com uma mulher que apenas
queria o nome que ele pudesse lhe dar.
O que deixava apenas uma solução: ele devia fazer Annie
se apaixonar por ele sem lhe dizer sobre o seu título.
Como se lesse seus pensamentos, Robert apertou seu
ombro e lhe deu uma meio sorriso.
― Talvez eu devesse alertar a Srta. Tulloch. Parece mais
justo.
John ergueu uma sobrancelha questionadoramente.
― Quaisquer que sejam seus outros talentos, Hux, e a
muitos, seduzir mulheres até elas abandonarem todo o bom
senso é sua especialidade particular.
Verdade. Lentamente o sorriso de John aumentou. Ele
não tinha usado essa tarefa em muito tempo, mas ele sempre
fora excelente nela. E com Annie? A ansiedade surgiu,
inebriante como o uísque das Terras Altas.
Capítulo 12

― Oooh! ― Annie olhou por cima do ombro da Sra. Baird,


que estava içando os seios de Annie ao apertar suas costelas.
― Isso não é um espartilho. Ergh. Isso é um… humm…
maldito torno.
― Quase pronto. ― A Sra. Baird bufou, dando aos laços
um firme puxão. ― Pronto. ― Os puxões pararam. A
costureira deu um suspiro de alívio.
Annie teria feito o mesmo se pudesse reunir mais de uma
colherada de ar. Ela olhou para baixo. Que diabos essa
engenhoca fizera com os seus seios? Eles estava enormes.
Empurrados de baixo para cima, eles pareciam grandes
montanhas de massa elevada.
Apalpando-se incredulamente, sentiu os ossos de baleia
ao longo de sua cintura e uma intrigante costura acolchoada
destacando-se sobre seus quadris.
― Pareço uma pomba estufada. O que fez?
A Sra. Baird riu, segurou seus ombros e virou seu rosto
para o espelho de corpo inteiro no canto do quarto de Annie.
Annie ofegou.
― O que nós fizemos, aye? ― A costureira sorria, os
adoráveis dentes brilhando na luz que vinha da janela.
― Por… por que eu… Essa não… ― Engolindo em seco,
Annie se aproximou. Ela moveu as mãos pelo centro, onde um
espartilho largo separava seus seios e desenhava uma linha
achatada por seu ventre. O espartilho era maravilhoso ―
algodão branco acetinado e suave com botões bordados
enfileirados. Ela traçou o padrão de linhas cuzadas sobre seu
quadril.
― O bordado é trapunto. Usei linha de seda para dar
robustez. ― A Sra. Baird virou-se para separar os vestidos que
ela trouxe com ela. ― Notará que o espartilho suavizará com o
tempo, mas a costura e os ossos garantirão que a estrutura se
mantenha. Agora onde pus meus alfinetes? Ah! Aqui.
Lentamente Annie balançou a cabeça. De alguma forma.
Observar seus próprios movimentos no espelho a assustou.
Essa mulher com cintura fina e seios volumosos com anáguas
elegantes não podia ser ela.
― Vamos começar com os vestidos matutinos.
A cabeça de Annie virou.
― Eu não quero.
Segurando alfinetes em uma mão e uma pilha de
babados brancos na outra, a costureira inclinou a cabeça e
lhe deu um sorriso gentil.
― Lembra-se do que conversamos? Estes são seus trajes.
Caber neles apropriadamente não quer dizer que deve vesti-
los. Mas eu devo terminar o meu trabalho.
Deus, Annie desejou poder odiar essa mulher. Mas desde
o momento em que a Sra. Baird chegara à Casa MacPherson
― após doze cartas implorando que Annie fosse a Inverness
para as provas finais ― a costureira foi nada além de
bondosa. Firme a ponto de parecer maternal, mas bondosa.
E ela era a costureira mais talentosa que Annie já
conhecera. Novamente, Annie traçou a costura curvilínea ao
longo de seu ventre. Ela se estendia até a entretela que cobria
seus seios, um pequeno painel entrecruzado.
― Trapunto. ― Sussurrou.
A Sra Baird cantarolou levemente.
― Levante os braços. ― Babados brancos desceram pelos
braços e cabeça de Annie, caindo em cascada por sua figura.
A costureira estalou a língua e deu uma palmadinha na
cintura de Annie. ― Você está um pouquinho menor do que
antes. Perdeu o apetite?
Ela tinha, mas não desejava discutir sobre isso.
― Se eu usar este vestido na cozinha, estarei queimada
em uma semana. ― Ela arregaçou as mangas. ― Laços e
babados. Humph. Poderia muito bem adicionar cera de
abelha e um pavio. Está tentando me matar?
A mulher arqueou uma sobrancelha loira.
― Com tanta comida, teria previsto que estaria maior,
não menor.
Annie apertou os lábios e segurou a língua.
― Como vai o Sr. Huxley?
Silêncio. Essa era a melhor defesa.
― Quando ele foi fazer o último pagamento, parecia não
saber que ainda não havia buscado os seus vestidos. ― A
costureira tocava, agitava e alfinetava. Quando parou, Annie
ousou encontrar seus olhos no espelho.
Céus, que par elas eram. A Sra. Baird bem cuidada com
seu rosto bonito e cabelo perfeito. Annie com seus cabelos
indisciplinados de fogo presos em um nó torto. Os
movimentos da Sra. Baird eram graciosos, como um veado
cruzando um rio. Os movimentos de Annie podiam ser
chamados caridosamente de eficientes. A linguagem da Sra.
Baird era clara e apropriada. Annie era grosseira e direta.
Annie era uma moça espevitada, como John Huxley
dizia. Ela não era uma dama. Certamente não o bastante para
alguém como ele.
― Surpreende-me que ele me mencionou, afinal. ― Ela
murmurou, abaixando os olhos para suas mãos. ― Não ouço
falar dele há algum tempo.
Novamente, a Sra. Baird cantarolou.
― É difícil não sentir falta de um rosto tão bonito, não?
Annie engoliu um nó enquanto a Sra. Baird amarrava
uma faixa de seda lavanda em torno de sua cintura. Sim, era
difícil não sentir saudade dele. Annie tentou. Ela ainda estava
tentando. Mas quando fechava os olhos, lá estava ele, um
inglês enlouquecedor, tentador e bonito com um sorriso pelo
qual ela tinha que trabalhar. Em algumas noites, acordava
ensopada por causa de sonhos meio lembrados das mãos,
lábios e da voz nítida e profunda dele.
Ela era uma tola por esperar por ele. Ele não era um
lorde. E, obviamente, não sentia falta dela. Do contrário, ele
teria se aproximado dela de alguma forma por meia dúzia de
vezes que ela o vira na vila nos últimos três meses. Ela deu
um suspiro trêmulo. Hora de mudar de assunto.
Entrecerrando os olhos para si mesma no espelho, Annie
perguntou:
― Como faço para o meu cabelo ficar como o seu?
A Sra. Baird sorriu calorosamente por cima de seu
ombro.
― Coopere enquanto termino de alfinetar o resto dos
vestidos e eu lhe mostrarei.
Annie examinou o vestido matutino que usava, como ele
finalmente caía apropriadamente sobre seus seios e quadris,
como a faixa fazia sua cintura parecer menor. Ou talvez fosse
o espartilho. Ela levantou os olhos para a costureira.
― Concordo. Apenas não me faça parecer idiota.
Duas horas e trinta e quatro vestidos depois, a Sra.
Baird enfiou o grampo final no cabelo de Annie. O arranjo
simples envolvia prender o comprimento na parte detrás da
cabeça e então bagunçar as partes mais curtas ao redor do
rosto até que parecessem propositais. Usar mechas como
leves franjas sobre a testa e emoldurar seu rosto
apropriadamente.
Por que ela não fizera aquilo antes? Nenhuma trança
longa para pegar fogo quando ela se virasse para pegar uma
tigela. E, pela primeira vez, seus cachos rebeldes estavam
suaves.
O cantarolar da Sra. Baird virava música enquanto ela
trabalhava. No começo, Annie pensou que se irritaria, mas ela
gostou. Gostou das mãos gentis da costureira e de seu sorriso
alegre. Ela gostava da Sra. Baird.
Também gostava do trabalho da Sra. Baird. Olhando
para o seu simples vestido diurno de lã verde e prata e
mangas longas, deslizou um dedo sobre o bordado delicado do
corpete cavado. Folhas prateadas, douradas e avermelhadas
enroladas como se elas tivessem acabado de cair de seus
galhos. Uma adição tão adorável não ocorreria a Annie. Mas a
Sra. Baird sabia como brincar com a vividez de seu cabelo e a
brancura de seu colo.
― Precisará de uma criada para ajudá-la com os vestidos
e o espartilho. ― A costureira murmurou. ― Uma eficiente
conhecerá outras formas de arrumar este adorável cabelo
ruivo.
Annie estava prestes a reclamar que ela não queria uma
criada quando um dos rapazes que contratara veio informar-
lhe que tinha visitas à porta. Franzindo o cenho, Annie deixou
a Sra. Baird trabalhando com os vestidos que precisavam de
alteração e o seguiu escadas abaixo. Enquanto descia, o par
de cavalheiros vestidos de preto entrou em sua visão. Ambos
estavam parados de costas, segurando seus chapéus
educadamente. Um se apoiava sobre uma bengala.
O outro fez a excitação surgir como dor em seu estômago
e cruzar sua pele em riachos cintilantes.
Tropeçando, ela parou no último degrau. Equilibrou-se
contra o corrimão. Tentou respirar.
Ele estava ali.
O que ele estava fazendo ali?
― Sr. Huxley. ― Ela conseguiu dizer, embora fracamente.
Os dois se viraram. Ah, Deus. Sem barba. Lábios
perfeitos. Mais magro e pálido do que antes, mas ainda
dolorosamente bonito. Vagamente ela notou o homem de
cabelos escuros de ombros largos e sobrancelha pesada. Ele
também era bonito, ela supôs. Mas não tão bonito quando
John Huxley.
Nada comparado com aqueles encantadores olhos avelãs,
estes que agora se arregalavam e a percorria das cabeças aos
pés antes de pousar em seus seios. Demorando. E
demorando. E acariciando. E demorando. O peito dele se
alargou com a respiração. Ele moveu sua gravata ao engolir
em seco.
Respirando profundamente, ela ordenou que seu coração
acelerado se acalmasse e se recordou de como eles se
separaram. Como ele partira sem um adeus apropriado.
― Depois que correu em direção à escuridão no primeiro
bocadinho de problema, supus que não ousaria provocar
Angus novamente. ― Ela ergueu o queixo. ― Aparentemente
os ingleses delicados requerem alguns meses para localizar
suas bolas, ãh? É bom saber, para a próxima vez.
Ele não respondeu. Apenas continuou a encarando como
se nunca a tivesse visto antes.
O seu acompanhante pigarreou e deu uma cutucada em
Huxley com o cotovelo.
Huxley continuou encarando, os olhos dourados e verdes
em chamas.
Annie estalou a língua e avançou para pegar o chapéu do
outro homem.
― Sou Annie Tulloch. Meu padrasto está na destilaria
esta manhã, senão eu o apresentaria. Parece que eu terei, já
que o Sr. Paspalho aqui não se incomoda em falar.
Um pequeno sorriso repuxou os lábios do homem. Seu
par de olhos profundos tinham um tom azul diferente do dela.
Mais escuro, mais solene.
― Um prazer, Srta. Tulloch. Sou Robert Conrad, um
velho amigo do Sr. Paspalho.
Surpresa e encantada, ela imediatamente sorriu.
― Robert? ‘Cê é O Robert?
― Er, não sei sobre O Robert, mas sim. Esse é o meu
nome.
Ela o golpeou com o chapéu dele.
― Oh, por que não disse antes? Depois de todas as
histórias de Huxley sobre ‘cês dois perseguindo problemas
juntos, pensei que o visitaria antes.
― De fato, eu deveria ter feito. ― Robert olhou
cautelosamente ao amigo. ― Não tinha certeza de quanto
tempo ele ficaria na Escócia. Mas as terras deles são
esplêndidas e as pessoas encantadoras. Compreensível que
ele tenha estendido sua estada.
― Bem, entrem na sala de estar e sentem-se, pelo amor
de Deus. ― Ela colocou o chapéu dele no gancho e os levou
para a sala adjacente. Enxotando um dos rapazes da limpeza
para buscar pão e sidra, ela resmungou. ― ‘Cê não veio de
Nottinghamshire para ficar tagarelando na minha porta. Ele
tem o alimentado direito? ― Ela apontou para um dos sofás. ―
Ouvi dizer que ele contratou Marjorie MacDonnell como
cozinheira. ― Estalando a língua, ela falou em direção à porta,
onde Huxley havia parado, ainda vagando, encarando-a como
um idiota completo. ― Eu o alertei que Dougal tentaria lhe
empurrar todo o clã dele, Inglês. Espero que não tenha
contratado aqueles filhos imprestáveis dele para limpar as
chaminés. O castelo inteiro queimaria antes que esses
meninos façam algo útil.
Ele entrou na sala. Flexionou as mãos. Engoliu com
dificuldade.
― O pão dela é horrível. ― Ele falou.
Diante do som da voz dele, nítida e profunda, o coração
dela começou a bater mais rápido.
Ele parou cerca de um passo de distância.
― Não se parece com o seu.
Deus, os olhos dele a queimavam viva. O peito doía. As
pontas dos dedos formigavam com a necessidade de tocá-lo.
― ‘Cê emagreceu.
― Estou passando fome.
― É… é sua própria culpa, ficar afastado de… minha
cozinha por tanto tempo. Isto não funcionará, se pretende
vencer a aposta.
― Não. Não funcionará.
― Eu lhe darei pães para levar com ‘cê.
A respiração dele acelerou.
― Isso é tudo?
― Talvez eu tenha alguma sobra de carne de veado da
noite passada.
Ele grunhiu.
― Sim.
Lentamente ela sorriu. Um calor estabeleceu-se em seu
estômago.
― Cê gosta disso, Inglês?
― Gosto.
― Talvez possa oferecer mais.
― Eu quero tudo. Tudo o que puder me dar.
Céus, ela estava quente. Sua pele estava pulsando. Os
seios pareciam inchados. Talvez fosse o vestido de lã ou o
espartilho. Talvez seus rapazes tenham acendido um fogo
muito largo na sala.
― Você parece… diferente. ― Ele sussurrou lambendo os
lábios.
― É o vestido.
― Humm.
― O cabelo também. ― Ela tocou nas mechas macias
perto das orelhas. ― E a Sra. Baird me fez espartilhos
apropriados.
Outro grunhido. Ele fechou os olhos brevemente,
movendo os lábios em um canto silencioso que ela não podia
decifrar.
― Ela ainda está lá em cima, trabalhando nas alterações.
Cê comprou vestidos demais, Inglês.
― Eu queria que você os tivesse. ― Ele abaixou a cabeça
e sua voz. ― Lembra-se de nosso acordo?
Ela piscou.
― Foi por isso que veio? Para uma aula?
― Angus e eu entramos em um… entendimento. Falei
com ele mais cedo na destilaria.
O alarme disparou dentro dela. Imediatamente ela
esticou as mãos na direção dele, tocando seus ombros e
inspecionando os braços, costelas e mãos. Finalmente ela
abaixou a cabeça dele e correu os dedos por seu couro
cabeludo.
― Annie. ― Veio uma resposta rouca e divertida. ― O que
exatamente está fazendo?
― Ele o machucou? ― Ela não sentiu nenhum caroço ou
inchaço, mas feridas na cabeça podiam enganar. ― É por isso
que está agindo como um paspalho?
Ele agarrou o pulso dela e as abaixou contra o peito dele.
― Estou bem.- Ele disse gentilmente. ― Campbell estava
lá. Ele manteve a paz enquanto seu pai e eu discutíamos
alguns assuntos. Angus não tem objeção a continuidade de
nossas aulas.
Ela se virou para Robert que estava parado
silenciosamente ao lado do fogo parecendo divertir-se.
― Ele não atirou em Angus, atirou? ― Ela olhou para
Huxley. ― Diga-me que ele não atirou nele com aquelas
pistolinhas.
― Obviamente não.
― Não há "obviamente" a respeito disso, Inglês. A última
vez que mencionei o seu nome, Angus ameaçou arrancar o
seu coração e alimentar Bill, o Burro, com ele, aveia e molho.
― Já faz três meses. O mau humor dele teve tempo de
esfriar.
― Isso foi ontem. ― Ela cruzou os braços e olhou para o
inglês, que usava o familiar triunfo em seu rosto bonito. ― O
que disse a papai para ele ficar tão agradável?
― Simplesmente conversei com o homem.
― Angus não conversa.
― Eu usei a razão.
― Angus não é razoável.
― Bem neste caso, ele foi persuadido. Desde que nossas
sessões tenham acompanhantes, você e eu poderemos
continuar como antes.
Ela bufou e olhou com suspeitas para Robert.
― É verdade, então?
Robert examinou as suas botas enquanto seus lábios
lutavam contra um sorriso. Depois olhou para cima.
― Seu pai concordou e permitiu.
Por que ela tinha a sensação de que ambos homens
estavam dançando ao redor de pedaços importantes? Ela
bufou novamente. Um rapaz entrou carregando uma bandeja
cheia de pão, queijo, carne de cordeiro cortada em fatias finas
e copos de sidra. Ele a depositou na mesa de centro e Annie
encorajou os homens a sentarem-se.
Eles se moveram até o sofá, mas continuaram em pé.
Huxley olhava ansiosamente para a comida.
Annie franziu o cenho.
― Bem, não sejam tímidos. Se já comeram o trabalho de
Marjorie McDonnell, provavelmente estão famintos.
Robert inclinou-se sobre sua bengala e pigarreou. Huxley
gesticulou em direção ao sofá.
― Você deve sentar-se primeiro. ― Disse gentilmente.
Ela piscou. Essa era uma das regras? Eles não haviam
chegado a esse assunto específico nas suas Aulas para Dama.
O calor pinicou em seu pescoço e bochechas.
― Oh. Ela caminhou até o sofá, recordando-se tarde
demais que deveria deslizar. Droga. Esforçando-se para salvar
a situação, ela deu meia-volta, dobrou as mãos como se
carregasse um passarinho e sentou-se.
Apenas para pular um instante depois diante da dor de
ser pinicada em sua nádega direita.
― Ai! Malditos alfinetes podem ir para o maldito inferno!
Em um instante, Huxley estava ao seu lado, passando as
mãos sobre os quadris e pernas.
― Onde se machucou? ― Ele perguntou.
Annie deu um tapa em suas mãos errantes.
― Até mesmo eu sei que não deve por seus dedos aí,
Inglês. ― Ela conseguiu puxar o alfinete de sua pele. ― Bolas
do Diabo, isso é malditamente doloroso.
Robert repentinamente teve um ataque de tosse. Huxley
olhou feio para o amigo.
― Oh, querida. ― Disse a Sra. Baird do vão da porta. ―
Devia ter lhe alertado sobre os alfinetes. ― A amável mulher
entrou na sala. ― Minhas mais profundas desculpas, Srta.
Tulloch. ― Ela sorriu para Huxley e Robert. ― Cavalheiros,
espero que perdoem a minha intrusão.
― Certamente. ― Huxley endireitou-se e fez uma vênia
antes de apresentar-lhe a Robert.
Annie notou que ele não tinha nenhum problema para
falar agora. Não de fato, ele estava todo polidamente educado.
O perfeito cavalheiro.
Ela o observou enquanto ele distribuía gentilezas,
explicando a Robert que a adorável loja da Sra. Baird estava
estabelecida em Inverness e o quanto a Sra. Baird era
notavelmente talentosa, e o quanto ele apreciou ter
encontrado tal recurso sem ter que viajar até Edimburgo.
Na hora em que ele terminou seus longos elogios e eles
tomaram seus assentos ― muito cuidadosamente, no caso de
Annie ― Annie decidiu outra vez que odiava a Sra. Baird.
Talvez até mais do que antes.
A Sra. Baird deslizava sem esforço. A fala da Sra. Baird
era suave e cadenciada, não enrolada como saca-rolhas. O
sorriso bondoso da Sra. Baird deixava todo mundo calmo. Até
mesmo Annie. Suas maneiras eram impecáveis. A conversa
dela fazia Huxley e Robert rirem e assentirem pensativos de
vez em quando. O cabelo dela era mais loiro do que um
absurdo tom de laranja.
E John Huxley não olhava para a Sra Baird como se ela
fosse algum problema louco, selvagem e confuso que ele devia
resolver. Ele não ficou em silêncio e boquiaberto diante da
Sra. Baird. Ele parecia totalmente encantado, totalmente
calmo.
Annie o observou enquanto o trio conversava e comia a
comida dela. Os olhos dele estavam mais vívidos do que ela
lembrava, quase brilhando de excitação. Em minutos, ele
devorou quatro pedaços de pães empilhados com carne de
cordeiro com queijo por cima. Surpreendentemente, ele o fez
organizada e educadamente, sem derrubar uma migalha nas
suas calças pretas de montaria. Ele conversava entre as
mordidas, encantando a todos com sua inteligência.
Principalmente a Sra. Baird.
Eram os cabelos macios, dentes brancos e maneiras
agradáveis que levavam a obter a admiração dele?
Aparentemente sim.
Deus, ela odiava aquela mulher.
― … a mãe do meu falecido marido era de
Nottinghamshire. ― A Sra. Baird cantarolou sua aprovação
enquanto delicadamente bebia a sidra de Annie. ― Onde
mora, Sr. Conrad?
― Ao norte de Nottingham. Um ponto adorável de floresta
e campos ao longo do rio Tisenby.
― Ah, é esplêndido. O Sr. Baird e eu passamos por esse
exato local muitos anos antes de ele morrer. Tem algum
parentesco com os Conrads de Rivermore Abbey?
Robert fez uma pausa.
― Algum parentesco, sim.
Então talvez conheça o Marquês de Mortlock. Um
cavalheiro tão nobre. Quando o cavalo do Sr. Baird ficou coxo,
ele nos emprestou um do seu estábulo.
Mais uma vez, Robert fez uma pausa antes de falar.
― Lorde Mortlock faleceu há alguns anos, receio.
― Aye, certamente. Entristeço-me ao ouvir isso. Nossa
última visita à Inglaterra foi há doze anos. Como o tempo
passa rápido. ― Enquanto a Sra. Baird se inclinava para
frente para encher sua caneca, Annie notou que o cabelo dela
não era todo loiro. Havia mechas brancas. ― Apenas
mencionei isso porque ele nos mostrou tanta bondade. ― A
Sra. Baird deu outro gole em sua sidra e olhou para Robert
por cima da borda. ― Assim como o neto dele, pelo que me
lembro.
A conversa ficou repentinamente estranha para Annie,
mas ela não teve oportunidade de se aprofundar. Huxley
escolheu aquele momento para se levantar e declarar que ele
e Robert deviam ir embora.
― Robert já está na Escócia há um mês. Está ansioso
para voltar à sua esposa e filhos.
Annie franziu o cenho, perguntando-se por que Huxley
não mencionara que a esposa de Robert era a irmã dele.
Estranho.
Antes que ela pudesse perguntar sobre isso, Huxley
virou-se para se dirigir a ela.
― Srta. Tulloch, obrigado pela refeição. Divina, como
sempre.
Tanto Robert como a Sra. Baird murmuraram
sentimentos similares, mas apressou-se para terminar.
― Devo ficar fora por um tempinho. Quando voltar,
retomaremos nossas aulas.
Ela piscou.
― Fora? ― Não! Ela já ficara sem ele por muito tempo.
Oh, céus. De onde aquele pensamento viera?
― Receio que sim. ― Ele pegou as mãos dela nas suas,
levantando-a ao mesmo tempo que causava arrepios por seu
braço. ― Retornarei tão rápido quanto possa. Conte com isso.
Os olhos dele pareciam prometer alguma coisa, mas
frustrantemente, ela não tinha a menor ideia do que era.
Novamente, antes que ela pudesse perguntar ou até mesmo
se despedir dele, ele e Robert já haviam partido.
Momentos depois, ela estava em pé, parada em sua sala,
seu traseiro doía, seu peito ardia ferozmente e se perguntou
onde ela errara.
Isso doía. Muito. E ela não conseguia explicar o porquê.
Uma mão gentil e competente pegou as suas.
Com medo, Annie encontrou o olhar da mulher ao seu
lado.
A costureira apertou.
― Um cavalheiro sempre mantém a sua palavra, você
sabe. Aposto que o seu Sr. Huxley correrá para voltar ao seu
lado.
― E- Ele não é meu.
A Sra. Baird cantarolou evasivamente.
― Não, ele não é. Aqueles vestidos são uma grande
mudança para você, suponho. São destinados a uma nova
vida? Com um marido, talvez?
Annie piscou.
― Eu… Eles são...- Ela engoliu em seco. ― Aye. Pretendo
me casar.
A costureira assentiu e lhe dirigiu um sorriso de
simpatia.
― Virar uma esposa pode ser uma alegria, mas também é
assustador. Estabelecer uma nova moradia, tornar-se
agradável para a família do seu marido. ― Ela fez uma pausa.
― Aprender novas habilidades, assim seu marido ficará
orgulhoso conforme você caminha na sociedade.
O coração de Annie afundou-se. A Sra. Baird notara
quão inepta ela era para ser uma dama.
― Se precisar de algum conselho de uma mulher com
alguma experiência em casamento, ficarei feliz em
compartilhar o que sei. ― Ela apertou novamente a mão de
Annie.
Agora que ela estava próxima, linhas tênues ao redor dos
olhos da Sra. Baird, manchas esbranquiçadas nas têmporas e
um pequeno vinco ao longo da testa eram visíveis.
Annie franziu o cenho.
― Quantos anos tem, Sra. Baird?
Sobrancelhas loiras arquearam.
― Por que pergunta?
― Você deve ter enviuvado jovem. ― Annie hesitou antes
de explicar. ― Minha mãe perdeu meu pai quando eu era um
bebezinho. Penso nisso às vezes. Como ela era mais nova que
eu quando foi deixada para criar sua filha sozinha.
A Sra. Baird assentiu, seus olhos ficando tristes.
― Meu James me deixou com duas filhas adoráveis,
embora elas já eram crescidas quando ele morreu. Estão
ambas casadas agora, com seus próprios pequeninos.
― Nah. Você não pode ter idade o bastante para…
― Tenho sessenta e quatro anos. ― O sorriso da
costureira ficou irônico. ― Mas a sua descrença é clara o
bastante para virar a minha cabeça.
Pela primeira vez desde que John Huxley atravessara a
porta, Annie riu.
― Não posso ter crédito nisso. Eu lhe dava trinta, no
máximo.
A Sra. Baird falou sobre suas filhas e dois netos, que
viviam em Edimburgo, de onde o Sr. Baird era. Quando Annie
perguntou se ela considerou mudar-se para perto delas, ela
disse:
― Oh, aye. Mas Inverness é onde me estabeleci com o Sr.
Baird. É onde tenho minha loja. Toda vez que penso em
partir, meu coração se recusa. Além do mais… ― Ela
continuou com um olhar afetuoso para o vestido de Annie. ―
Tenho muito amigos e clientes que sentiriam terrivelmente a
minha falta.
Mais uma vez, Annie se viu gostando as Sra. Baird. Ela
ofereceu ajuda com as alterações se a costureira pudesse
mostrar como deviam ser feitas. Talvez ela pudesse pedir
conselhos sobre se tornar uma dama enquanto elas
costuravam juntas. Afinal, se o objetivo era se comportar mais
como a Sra. Baird, Annie podia pensar em nenhuma
instrutora melhor que a Sra. Baird.
Elas estavam indo em direção à escada quando a porta
da frente foi aberta com uma rajada e foi fechada com igual
força, seguido de um estrondoso Angus MacPherson.
O pai de Annie usava um casaco preto e uma expressão
ainda mais escura. Ele virou-se para pendurar o chapéu no
gancho.
― Annie! ― Ele gritou antes de se incomodar em olhar na
sua direção. ― Onde diabos está?
― Se se incomodar em olhar em vez de berrar, seu velho
rabugento veria que estou bem aqui.
Ele se virou. Depois piscou. Depois ficou um pouco
vermelho.
― O que maldito diabo está vestindo?
Ela tinha a sensação de que ele teria gritado as palavras
se não estivesse tão chocado. Plantando suas mãos nos
quadris, ela olhou a si mesma e voltou a olhar para ele.
― Bem, posso estar errada, mas acredito que se chama
vestido.
― O que maldito inferno fez ao seu cabelo?
― Isso se chama escovar. É uma coisa nova. Acho que
deveria experimentar.
Ele avançou como um furacão até ela, pairando como
frequentemente fazia.
― O que maldito inferno está fazendo a si mesma?
Ela bufou.
― Muito menos do que está fazendo a meu piso, velho.
Agora, antes que dê outro passo, é melhor limpar suas botas.
Não tenho paciência para lama e suas grosserias.
Ele ignorou seu alerta, olhando duro e parecendo
ameaçador.
Embora irritada com a arrogância dele ela viu tensão em
torno dos olhos e boca que a preocupou. Aproximou-se,
pretendendo perguntar o que acontecera quando um delicado
"rum-rum" soou atrás dela.
O olhar de Angus voou para a Sra. Baird, estreitou-se e
brilhou.
― Oh, sou uma boba. ― Annie disse, esperando acalmar
a tensão repentina. ― Papai, essa é a minha costureira, Sra.
Baird. Sra. Baird, esse gigante rabugento é o meu padrasto,
Angus MacPherson.
Nenhum deles disse uma palavra. Annie olhou entre eles,
consternada com o nervosismo no rosto da Sra. Baird e a
fúria sombria no de Angus.
― Ela está aqui para terminar os meus vestidos. ― Annie
falou, esperando que um deles dissesse algo. ― Ela viajou
desde Inverness.
Angus sacudiu um dedo em direção à saia de Annie.
― Esta merda é trabalho dela, então?
Annie fez uma careta. Isso foi rude, mesmo para ele.
Uma Sra. Baird subitamente pálida apertou os dedos
com força em sua cintura.
― Este vestido é o meu trabalho, aye.
― Você transformou a minha lass em uma maldita vadia.
― Pai! ― Annie protestou. Por que ele estava mirando sua
ira em uma costureira tão gentil?
A Sra. Baird parecia aterrorizada, mas manteve o olhar
em Angus.
― Sua lass é uma jovem elegante. ― Respondeu com
calma. ― Deveria achar que ficaria feliz em vê-la tão adorável.
Estranhamente, isso pareceu irritá-lo ainda mais.
― Minha filha sempre foi linda. ― Ela grunhiu. ― Ela não
precisa de seus vestidos obscenos revelando …
― Isso é mais do que o suficiente, velho! ― Annie avançou
e pousou a mão no centro do peito de Angus. ― Sra. Baird,
imploro o seu perdão por esta grande besta que certamente
não foi treinada para nada além de sujar os móveis.
― Chega, escute aqui, lass…
Ela levantou um dedo pedindo silêncio e falou à
costureira.
― Estarei com você lá em cima em um minutinho.
Apenas me deixe ter um momento com Angus.
Uma longa pausa veio enquanto Angus fumegava.
― Se tiver certeza, Srta. Tulloch.
― Eu tenho. Não se preocupe. Já lidei com essa besta
muitas vezes. Ele é mais fumaça do que dentes.
Enquanto a Sra. Baird subia as ecadas, Annie olhou
para seu pai, que observava a costureira se retirar com algo
que se aproximava a ódio.
― O que diabos há com você? ― Ela exigiu.
Ele exalou um longo suspiro e tirou o casaco.
Annie moveu-se para ajudá-lo. Ele acenou seu
agradecimento.
― Muito coisa mudando, lass. Eu não gosto disso.
Primeiro aquele maldito inglês interrompe o meu trabalho
para barganhar comigo…
Ela cruzou os braços.
― Aye. E o que o fez mudar de ideia sobre ele, ãh?
Ele tossiu.
― O lad me fez uma oferta.
― Que tipo de oferta?
― Nada com que precise se preocupar. Treine-o como
quiser. Ele nunca ganhará contra os seus irmãos de qualquer
forma.
Annie olhou para seu mal-humorado e adorado pai por
sinais de senilidade. Olhos escuros brilhavam; o queixo
continuava teimoso; sobrancelhas grossas abaixadas. Não, ele
estava cansado e frustrado, mas são.
― Alguma coisa aconteceu. ― O estômago dela doeu
estranhamente. ― O que foi, papai?
Ele afastou o olhar e depois voltou.
Quando ela viu angústia nos olhos que nunca se
desesperavam, o seu peito murchou embaixo de um peso
esmagador. Ela esticou as mãos para ele. Imediatamente,
suas grandes mãos agarraram e seguraram as dela. Ele
sempre fazia isso. Sempre lhe emprestava sua força.
― Por favor. ― Ela sussurrou. ― Conte-me.
― Rannoch enviou uma mensagem. Broderick está… ―
Ele engoliu com dificuldade. ― Ele está perto da morte, lass.
Nós tentamos protegê-lo. Pagar para os guardas dentro da
prisão. Toda vez que fizemos, estes homens eram demitidos e
novos contratados. Os homens de Skene fizeram um grande
dano. É um milagre que ele tenha durado tanto.
A cabeça de Annie girou. Nos últimos três meses o caso
contra Broderick foi indo de mal a pior. Os MacPhersons
haviam designado médicos para manter o coletor de impostos
vivo. A um ponto, o homem até mesmo recuperou a
consciência por tempo suficiente para dar uma declaração aos
advogados dos MacPhersons. Ele declarou que Broderick
podia não ter sido o atirador porque o tiro viera do lado
oposto do armazém. Todos esperavam que isso seria
suficiente para exonerar Broderick e seus irmãos viajaram a
Edimburgo para pressionar por sua libertação.
Mas antes deles chegarem, alguém persuadiu o coletor a
refazer o seu depoimento original, dizendo que era produto da
pressão dos MacPhersons. Então, inexplicavelmente ele
assinou um segundo depoimento afirmando que Broderick, de
fato, tentara matá-lo.
Nada disso fez sentido até o coletor, apesar de estar se
recuperando, misteriosamente morreu. Foi quando Alexander
descobriu um grande esconderijo de moedas debaixo da cama
da viúva do coletor de impostos.
Alguém queria que Broderick sofresse. Alguém queria
que Broderick morresse. E, quem quer que fosse esse
"alguém", estava muito próximo de conseguir o que deseja.
A realidade de perder seu irmão fez seu coração entrar
em pânico.
― Não. Não, não, não, não. Devemos ir lá, pai. Devemos
tirá-lo…
― Aye. Iremos. Há um novo plano. Se funcionar ele será
solto dentro de quinze dias. Esteja pronta pra viajar a
Edimburgo. Empacote tudo que ele precisará. Curativos.
Roupas. Comida. Prepare-se também. Ele não… não é o
mesmo homem que era. ― Diante da sua reação inquieta, ele
a puxou para dentro de seus braços e abraçou e apertou
contra seu peito enorme. Beijando sua cabeça, ele sussurrou.
― Nós o traremos para casa, Annie. E quando fizermos isso,
ele precisará ainda mais do que nunca da gente.
Ela aspirou o cheiro do pai: lã, turfa e o ar selvagem das
Terras Altas. Agarrou-se ao colete de seu pai e se sentiu
novamente com sete anos. Perdendo sua mãe. Perguntado-se
sobre seu lugar. Sofrendo, sofrendo e sofrendo por uma vida
que nunca mais teria. Sua garganta fechou-se dolorosamente.
― Já é ruim o bastante você querer partir com algum
lorde sórdido. ― A voz dele era rouca. Contida. Feroz. ― Não
posso perder dois dos meus bebês, lass. Não suportaria isso.
Segurando sua respiração para evitar chorar, Annie
reuniu força para lhe dar o que ele sempre lhe dera:
segurança.
― Você nunca se livrará de mim, papai. ― Ela o abraçou
com mais força, rezando silenciosamente por Broderick e
fazendo um juramento. ― O que quer que aconteça, eu
sempre, sempre, serei a sua filha.
Capítulo 13

Annie conteve a vontade de bater em sua nova criada.


Pelo amor de Deus, no que estava pensando? A Louca Annie
Tulloch não deveria ter uma criada pessoal. Ela podia muito
bem amarrar fitas rosas aos chifres de uma vaca peluda.
Ridículo. Mas a Sra. Baird garantiu que ela precisaria de
uma, assim Annie empregara a única mulher na vila mais
desprezada, portanto mais desesperada, do que ela.
A esposa sardenta de cabelos castanhos de Dougal
MacDonnell podia ser uma ratinha tímida que raramente
levantava os olhos acima do umbigo de alguém, e sim, ela era
uma ex-prostituta de Glasgow. Mas, como o resto da família
de Dougal, ela precisava de emprego. Além do mais, seus
vestidos eram sempre simples, porém limpos, e seu cabelo
sempre bem cortado, então ela sabia mais coisas do que
Annie.
Agora, entretanto, Annie estava parada diante de três
vestidos esticados sobre sua cama, lembrando a si mesma
que não deveria gritar com Betty MacDonnell porque Betty
não fizera nada de errado. Ela não falara mais do que duas
palavras. De fato, as duas palavras haviam sido: "aye,
senhorita", sussurradas em direção ao chão. Mas gritar com
ela seria como chutar um gatinho.
Annie cerrou os dentes.
― O que acha desse lavanda, Betty?
Nenhuma resposta.
Ela lançou um olhar para a criada cujos olhos estavam
arregalados e esbugalhados.
Foi a gota d’água.
― Você tem me visto todo tempo durante todos os dias
pelos últimos sete. ― Annie espetou. ― Ninguém aqui é
melhor do que ninguém. Pare de agir como se estivesse
envergonhada por estar respirando.
A outra mulher estremeceu e se encolheu.
Maldito inferno. Com esforço, Annie suavizou o tom.
― Tudo o que quero dizer é que não precisa ficar nervosa
para falar o que pensa. Eu a contratei porque você tem um
pouquinho de talento para… ― Ela gesticulou para os vestidos
e depois girou as mãos ao redor da própria cabeça ― este tipo
de coisa.
― Sinto muito. ― Betty murmurou.
― Não se desculpe, pelo amor de… ― Annie segurou
diante da recordação e depois deu um tapinha no ombro
magro da mulher. Vamos experimentar o lavanda, ãh?
Betty assentiu. Depois hesitou. Depois moveu-se até o
vestido de passeio verde-grama.
― E-este é um tom bonito para a primavera.
Apesar da própria melancolia, Annie deu a Betty um
aceno encorajador.
― Está certa. Uma escolha muito melhor.
Betty sorriu e depois a ajudou a se vestir. Um tempinho
depois, enquanto a nova criada de Annie removia os pequenos
laços das mechas ao longo da têmpora de Annie, um de seus
rapazes correu para dentro do quarto para entregar uma nota
de Angus.
Enquanto lia seus rabiscos grosseiros e pesados, o
estômago de Annie se contraiu, agitou-se e doeu. Então, o
peito se expandiu até ela achar que explodiria. Cobriu os
lábios com os dedos trêmulos. Podia ser?
Betty sussurrou.
― Então as notícias são terríveis?
Annie balançou a cabeça encantada, lutando para se
conter.
― Não. ― Ela engasgou. ― Ah, Deus nos abençoe. As
acusações contra Broderick serão retiradas. O Lorde
Comissário aceitou o depoimento original do coletor de
impostos e Broderick será solto. ― Sem pensar, ela se
levantou e abraçou Betty, que pulou assustada com o gesto.
― Oh, sou um desastre total. ― Annie recuou, fungando e
esfregando as bochechas úmidas. ― Precisarei de sua ajuda
para empacotar as coisas. Angus vai querer partir direto para
Edimburgo. Cê deve ficar aqui.
Betty hesitou, piscando e movimentando a boca como se
quisesse falar.
Annie explicou.
― A saúde de Broderick está muito ruim e ele precisará
de muito cuidado quando o trouxermos para casa. Gostaria
que preparasse o quarto antigo dele no térreo. Ele tem uma
bela casa, isso é verdade. Mas por um tempo, ele deve ficar
onde nós cuidaremos dele apropriadamente.
― Certamente. ― Os olhos de Betty suavizaram-se com
simpatia. ― Nós o teremos bonito em pouco tempo.
Duas horas depois, Annie e os homens MacPhersons
deixaram o vale em direção ao sul. Enquanto ela se mantinha
seca dentro da enorme carruagem de viagem que seu pai
contratara, Campbell e Alexander cavalgavam em seus
cavalos, suas posturas intimidantes e vigilantes. Angus
viajava do lado de fora com o cocheiro, sue rifle de caça
favorito apoiado nos joelhos.
Afinal, David Skene não fora encontrado ainda.
Pelos próximos três dias, eles estabeleceram um ritmo
rápido pelas estradas enlameadas de março. As poucas vezes
que Annie havia viajado tal distância foi sentada entre os seus
irmãos em uma carroça rudimentar. Agora, estava vestida
como uma dama em um vestido apropriado e com um chapéu
de palha apropriado. Ela estava sentada sobre um assento
acolchoado e dormia contra a parede também acolchoada da
carruagem. Observava pela janela enquanto as belas
montanhas acentuadas e os vales verdes e íngremes das
Terras Altas gradualmente suavizavam em colinas,
ondulações e finalmente, pastos.
E ela odiou cada momento. A ociosidade a enlouquecia.
Ela passou os primeiros dias trabalhando em seus projetos de
costura. Aqueles estavam ficando esplêndidos, mas o
movimento da carruagem e a luz fraca tornava o trabalho
lento. Sem ninguém para conversar, ela dormia quando era
capaz. E praticou conversar da forma que a Sra. Baird fazia,
com “erres” suaves e “os” gentis. Na maior parte do tempo,
torturou-se com pensamentos de tudo o que ela podia perder.
Seu irmão.
Seu menino.
Seu… o que quer que John Huxley fosse.
De vez em quando o desespero tomava conta dela e ela
pegava o cardo enfeitiçado em sua pequena bolsa ― ou
retícula, como a Sra. Baird a chamava. A pequena escultura
estava se descolorindo e suavizando ao toque nos últimos
meses.
Ela esfregou o polegar sobre os contornos enquanto a
carruagem entrava no coração de Edimburgo.
― Está vendo isso, Fin? ― Ela sussurrou quando os
prédios altos e lotados da Lawnmarket abriam caminho para
os prédios altos e lotados da High Street. Eles passaram pela
Parliament Square, onde o destino de Broderick fora avaliado
e decidido. ― Este é o local onde todos os homens importantes
se reúnem.
Homens importantes. Ela veio a desprezar o pensamento
de se casar com um. A prisão de Broderick MacPherson por
cinco meses sem uma condenação, um homem precisava ter
um poder significativo. Mais do que qualquer um teria, em
sua opinião. E conseguir tal poder por acidente de
nascimento? A injustiça a fez ferver.
Mil lordes não equivaliam a um único Broderick
MacPherson. Ou a um único John Huxley, por exemplo. O
inglês construiu navios. Explorou terras onde girafas
mordiscavam os topos das árvores. Transformou um castelo
em ruínas em um lar adequado. Conseguira o respeito de
Angus MacPherson. Estes não eram conquistas acidentais,
mas resultados de um grande esforço, um coração forte e
uma mente aguçada.
John Huxley não tinha nenhum privilégio e poder de
lorde conquistado por seu vestido de batismo. Ele era um
homem. Bem, um inglês. Mas um homem digno de admiração,
não obstante.
Enquanto a carruagem parava no lado de fora da
pousada na High Street, ela apertou o cardo enfeitiçado pela
última vez e o guardou em sua retícula.
Ela queria que ele estivesse ali. Huxley saberia o que
dizer para afastar sua inquietação. Ele lhe contaria uma
história idiota sobre rinocerontes preguiçosos ou um tipo de
peixe que deixa que se faça cócegas em sua barriga. Ele a
faria rir.
Mas ele não estava ali. Então, ela alisou as mangas de
seu vestido de viagem azul-escuro e juntou coragem.
Primeiro, dentro da pousada, eles deveriam encontrar com os
advogados. Depois, deviam viajar a Calton Hill para buscar
Broderick vindo de Bridewell. Ela examinou o interior da
carruagem, esperando que fosse grande o bastante para
carregá-lo.
Campbell abriu a porta da carruagem. Por baixo da aba
de seu chapéu, os olhos estavam vermelhos e cansados. Ele
estendeu sua mão. Annie a tomou e desceu da carruagem
como uma dama. Eles haviam praticado durante a viagem e,
embora Campbell não tivesse ficado feliz com a mudança,
estava se adequando.
Ela segurou seu braço enquanto atravessavam o pátio da
pousada.
― Teremos que fazer uma maca para ele dentro da
carruagem.- Ela murmurou. ― Tenho cobertores o suficiente,
mas precisaremos de lençóis e madeiras. Não quero que ele
fique dobrado.
Campbell grunhiu.
― Talvez a carroça teria sido melhor afinal.
Ela não se incomodou em responder. Ela dissera a ele
antes de eles saírem de casa, mas os MacPhersons haviam
insistido que a carruagem era mais apropriada para uma
dama e uma proteção melhor a Broderick.
Angus e Alexander abriram a porta da pousada e a
empurraram para frente. Dentro, dois homens baixos e de
óculos e um magro com nariz longo levantaram-se da mesa.
Ela suspirou. Advogados eram um agravante.
― Encontrarei o estalajadeiro e arrumarei comida
adequada. ― Ela disse. ― Nós precisaremos de uma boa
quantidade para nossa viagem de volta a casa.
A meio passo, Alexander se virou e fez uma careta.
― Não vaguei por este lugar sozinha, Annie. Isso é um
problema desde o início.
Erguendo uma sobrancelha, ela respondeu.
― Você sabe muito sobre problemas, certeza. ― Ela deu
uma palmadinha no braço dele. ― Serei tão rápida quando
uma lass pestanejando quando está flertando com Rannoch.
― Falando em Rannoch, era suposto ele chegar… ah, ali
está ele. ― Alexander mudou o curso quando viu o irmão
deles entrar
Annie usou a distração para escapar e seguir na direção
da pequena seção com parede da sala principal, adjacente ao
bar. Ela entrou no espaço calmo, notando que os
frequentadores estavam melhor vestidos e alimentados do que
a ralé do outro lado da repartição.
Ela acabara de notar um homem que pensou ser o
estalajadeiro quando um vislumbre vermelho atraiu o seu
olhar. Vasculhando pelo interior escuro, piscou duas vezes
para ter certeza. Mas sim, era um pequeno tartã chamativo.
Gilbert McDonnell estava parado perto do bar em seu
brilhante kilt vermelho e um gorro com pompom no topo,
rindo ruidosamente da piada de um de seus acompanhantes.
Um segundo acompanhante rolou os olhos. O terceiro desviou
o olhar e bebeu sua cerveja.
O quarto tinha um excelente traseiro.
Annie piscou novamente. Cabelos dourados e um
excelente traseiro. Devia ser Lockhart. Ela não conseguia ver
o rosto dele, mas ele morava em Edimburgo e aquela pousada
era uma parada frequente para àqueles que tinham negócios
na Parliament Square. Lordes frequentemente tinham. Isso
ainda levantava a questão do que Gilbert MacDonnel estava
fazendo ali, mas talvez a presença de Lockhart fosse um golpe
de sorte.
Se ela tinha que se casar com um lorde, ele parecia
menos repulsivo do que a maioria. Claro, ela não o conhecia
afinal. E ele a tinha visto apenas uma vez no pior dia de sua
vida. Talvez ela devesse deixá-lo para lá. Ou talvez devesse se
aproximar, esperando que ele não a reconhecesse.
Droga. Perseguir um lorde era mais difícil do que soava.
Damas tinham que ser modestas e recatadas. Tinham que
planejar seus ataques cuidadosamente, assim capturariam o
interesse de um homem sem parecer agressiva.
Ela queria que John Huxley estivesse ali. Ele saberia o
que fazer. Mas então, quem quer que ele estava por perto, ela
apenas queria saber de provocá-lo até que seus olhos
ficassem dourados e que o pequeno músculo em sua
mandíbula tremesse. Ele era uma distração total, seu inglês.
Um rum rum baixo e feminino veio por trás dela.
― Com licença.
Annie virou-se. Cabelos dourados. Olhos verdes. Pescoço
de cisne.
A irmã de Lockhart sorria levemente.
― Posso passar?
― Oh! ― Annie moveu-se para o lado. ― Sinto muito.
Um aceno único e régio foi a resposta dela. Então, com a
graça de um cisne, a mulher deslizou em direção ao pequeno
grupo de acompanhantes do tartã chamativo. Ela passou seu
braço de cisne pelo de Lockhart e disse algo próximo ao
ouvido dele. Ele virou sua cabeça para escutá-la e franziu o
cenho. Depois concordou. Em seguida ficou zangado.
Annie assistiu a conversa com interesse, perguntando-se
o motivo de ela presumir que ser uma dama significava que
nunca podia discordar com seu irmão. Mas Lady Cisne estava
claramente chateada. As bochechas e a nuca ficaram
vermelhas até combinarem com o kilt de Gilbert MacDonnell.
Os ombros dela ficaram rígidos como pedras sob a seda rosa.
Ela retirou o braço dos do irmão, ou tentou.
Ele a segurou com uma firmeza que Annie não gostou.
Lady Cisne murmurou alguma coisa que pareceu um "deixe-
me ir". Ela empurrou o irmão. Ele torceu, causando uma leve
fisgada de dor em torno da boca de Lady Cisne.
Em toda a sua vida Annie tinha discutido com seus
irmão inúmeras vezes. Eles gritavam, berravam e
amaldiçoavam. Eles a erguiam e faziam cócegas nela sem
piedade. Mas no momento em que ela queria se soltar, eles a
soltavam. Sempre. Nem uma vez eles usaram suas forças
para machucá-la. Nem uma vez ela temeu que isso pudesse
acontecer.
Lorde Lockhart aparentemente não tinha os mesmos
escrúpulos.
Murmurando um "maldito inferno" entre os dentes,
Annie suspirou e avançou. Lady Cisne fora bondosa com ela
uma vez. Annie acreditava em pagar as suas dívidas.
― Ora, ora. ― Ela disse em um volume alegre que atraiu
a atenção do par de cabelos dourados. ― Srta. Lockhart, faz
tempo. ― Ela ignorou a expressão irritada de Lockhart e fixou-
se no olhar de Lady Cisne. ― A última vez que nos vimos,
usava seu vestido de seda azul. Recorda-se?
Pestanejando, Lady Cisne piscou várias vezes e depois
pareceu perceber o que Annie estava fazendo. Lentamente,
assentiu.
― Aye, uma obra de arte, ele era. Guarnição dourada.
Pequenas pregas nas mangas. ― Annie inclinou a cabeça de
uma maneria repreensiva. ― Agora, prometeu-me que quando
nos encontrássemos novamente, confessaria o nome da sua
costureira. ― Annie lhe estendeu uma mão. ― Venha. Pode me
contar tudo enquanto eu procuro pelo estalajadeiro. Ele
desapareceu quando me distraí pelo tartã brilhante do Laird
Glenscannadoo.
Um pequeno sorriso tocou os lábios de Lady Cisne. O
irmão dela achou menos divertido. Os lábios dele ― os quais
Annie notou, eram repulsivamente carnudos ― apertaram se
em um beicinho de desaprovação. No entanto, a outra mulher
deslizou sua mão nas de Annie. Por um momento Annie
temeu que ela e Lockhart pudesse entrar em um cabo de
guerra.
Mas ele soltou a irmã após uma longa hesitação.
― Não vá muito longe. ― Ele ordenou.
Enquanto Annie levava Lady Cisne em direção à entrada,
a mulher mais alta abaixou a cabeça e murmurou:
― Nem ao menos sei o seu nome.
― Anne Tulloch. Pode me chamar de Annie.
― Sou Sabella Lockhart. Perdoe-me, mas você me
parece... familiar.
― Nós nos encontramos em Glenscannadoo. Você
recolheu o meu chapéu.
Os olhos verdes arrendondaram-se.
― Oh! ― Ela examinou o vestido de viagem de lã azul de
Annie. ― Sinto muito. Eu… não a reconheci.
Annie acenou com a mão qualquer desdém.
― Adquiri vestidos novos desde então. Minha costureira é
a Sra. Baird de Inverness. Ela é muito habilidosa.
Lady Cisne manteve o ritmo até elas saírem ao pátio.
Depois ela puxou Annie até as sombras de um local próximo e
as fez parar.
― Sou muito grata, Srta. Tulloch.
― Não há necessidade disso. Você me ofereceu bondade
quando eu mais precisei. Simplesmente estou devolvendo o
favor.
Um pouco de orgulho ferido fez Lady Cisne, ou melhor,
Srta. Lockhart, retesar-se.
― Meu irmão… Ele normalmente não é tão…
― Aye?
― Ele teve alguns desapontamentos recentemente. De vez
em quando, seu temperamento pega o melhor dele. Espero
que não o julgue tão severamente.
Annie olhou ao redor do pátio, observando os cavalheiros
irem e virem. Alguns ainda usavam suas perucas do tribunal,
alguns eram viajantes cansados da estrada com recursos
escassos e outros apressadamente olhavam seus relógios que
só a riqueza poderia comprar. Um sujeito corpulento em um
surrado casaco cinza ajudou sua mãe idosa a descer da
carruagem. A mãe beijou o rosto do filho e ele beijou a mão
dela com um sorriso afetuoso.
Ela julgou Lorde Lockhart severamente? Annie achava
que o julgara muito bem.
― Não deveria deixar que ele a machuque. ― Ela alertou.
― Se ele fizer isso novamente, lembre-o que serve o chá na
casa de vocês.
Os olhos da Srta. Lockhart ficaram redondos novamente.
Annie deu um tapinha na mão enluvada que ainda
segurava a dela.
― Em seguida, quando ele começar a saber que é sério,
recorde-o de quem garante que os ratos na dispensa não
sejam um incômodo.
― S-Srta. Tulloch, não posso ameaçar…
― Oh, não é uma ameaça. Você deve querer dizer cada
palavra, sabe? ― Annie segurou o olhar verde da outra
mulher, pensando em quão jovem ela parecia. Quão muito
jovem e, apesar de sua posição elevada como irmã de um
lorde, facilmente ferida. ― Isso só funciona se quiser dizer
isso.
― Acho que você me assusta, Srta. Tulloch.
Annie riu.
― Já me disseram que tenho esse efeito.
A Srta. Lockhart puxou sua mão e abaixou o olhar.
― Devo retornar. Ele estará ansioso. Não deveria
preocupá-lo.
De súbito, Annie desejou poder ajudar a jovem um pouco
mais. Mas não havia jeito. Até que ela se casasse, Sabella
Lockart seria totalmente controlada pelo irmão. Annie
examinou o pescoço elegante e gracioso e o nariz estreito da
jovem. Notou como os lábios da lass pareciam pálidos, quão
oprimida e delicada ela parecia.
Droga. Annie tinha muitos problemas por si só para
resolver o dos outros.
A Srta. Lockart respirou irregularmente e deu outra
olhada amedrontada em direção à porta da pousada.
O coração de Annie se retorceu.
― Se alguma vez estiver em necessidade, pegue a
carruagem do correio para Glenscannaddo e pergunte por
mim. ― A oferta escapou de seus lábios antes que o bom
senso pudesse fechar as grades. ― Eu tenho uma ou duas
camas extras. E sirvo uma ótima carne de veado com molho
de cebolas.
A lass inclinou a cabeça e deu a Annie um sorriso
trêmulo
― Você é muito bondosa.
― Nah. Não me importaria pela companhia. ― Ela
sacudiu suas saias e fungou. ― E você me aconselharia como
manter as manchas de lama longe das minhas bainhas de
seda. É muito irritante, devo dizer-lhe.
A Srta. Lockhart abriu um belo sorriso, agradeceu-lhe e
relutantemente, voltou a entrar.
Annie tinha pena da moça. Quando ele torceu o braço
dela, uma centelha de satisfação ficou visível no rosto de
Lockhart. Ela conhecia aquela fisionomia. A vira em Grisel
MacDonnel muitas vezes. Felizmente, Grisel não tinha
nenhum poder sobre Annie da forma que Lockhart tinha
sobre sua irmã. Se os irmãos de Annie fossem igualmente
cruéis… Mas eles não eram. Eles eram homens bons. Os
melhores, de fato. Principalmente Broderick.
Precisando de um momento a sós, Annie dirigiu-se para
a sombra de uma rua estreita entre a pousada e uma loja de
chapéus. Ela segurou o cardo dentro de sua retícula, fechou
os olhos por um instante e lembrou do irmão e como ele
estava da última vez que se viram.
O sorriso de Broderick sempre a iluminava. O dia que ele
partiu para Edimburgo, ele zombou do cabelo dela.
― Talvez eu traga algumas tesouras adequadas para
você, Annie. ― Ele envolveu um braço longo e musculoso ao
redor dos ombros dela e afofou as mechas ao longo de sua
testa. ― Já tosei ovelhas com maior precisão.
― Cuidarei do meu cabelo quando barbear estes arbustos
grandes de seu rosto.
Rindo do seu jeito profundo e contagiante, Broderick
esfregou a barba pensativamente.
― Os mosquitos não parecem se importar.
Ela afastou os dedos dele e segurou o queixo de
brincadeira.
― Cê tem um rosto muito bonito para cobri-lo.
A resposta dele foi beijar seu rosto e puxá-la para um
abraço apertado. Broderick sempre foi afetuoso. Os olhos
dele, escuros como uma tempestade das Terras Altas,
dançavam e enrugavam nos cantos quando ele sorria. As
mãos, apesar de imensamente fortes, embalavam em vez de
amassar.
Esse simplesmente era Broderick.
Ele brincava em vez de vociferar. Ele acalmava em vez de
rugir. E, em seus piores momentos, ele cantava até o seu
coração cantar junto.
Como era fácil amá-lo. Que agonizante pensar nele…
Quebrado.
Sua garganta se apertou. Ela cobriu a boca com a mão
enluvada. Prendeu o fôlego. A luz do dia girou e ela se apoiou
contra a parede de pedra e se recordou que ele ainda estava
vivo.
Ele estaria diferente, sim. Ferido. Mas, contanto que
estivesse vivo, havia esperança.
Ela vasculhou dentro de sua retícula em busca de um
lenço para secar suas lágrimas estúpidas. Quando olhou para
cima, viu uma figura na outra extremidade da rua.
Mergulhando mais profundamente no beco escuro e
estreito, ela vagou em direção a ele, pensando se devia estar
imaginando coisas. Talvez ela precisasse tanto dele que estava
tendo visões. Oh, Deus. Estaria enlouquecendo?
Não. Ele estava ali, na outra extremidade do beco, onde a
luz do dia iluminava seus ombros magros e fortes e seu rosto
masculino e belo. Sob o chapéu, o cabelo castanho com
mechas de sol. Ao lado dele, um homem com uma bengala.
E reunido ao redor dele haviam dois homens com
perucas e outros dois vestidos em trajes ainda mais elegantes.
Um tinha o cabelo loiro e o outro com cabelo escuro com
mechas grisalhas nas têmporas. Ambos eram da altura de seu
inglês, diferença de um ou dois centímetros. Eles eram
bonitos de uma forma nobre e aristocrata.
Quem são eles? E por que John Huxley estava em
Edimburgo, perto da Parliament Square, conversando com
dois homens que pareciam Lordes Comissários do Judiciário
e mais dois homens que pareciam usar coroas?
Ela aumentou o ritmo. O que diabos Huxley estava
aprontando? Por que Robert ainda não deixara a Escócia?
Isso tinha alguma relação com Broderick?
Era parte do acordo que ele fizera com…
Seu dedo encontrou uma tábua áspera escondida em
uma pilha de lixo.
― Maldito inferno. ― Ela praguejou apoiando-se no outro
pé enquanto ondas de agonia pulsavam em seus dedos
machucados.
As vozes masculinas pararam. Ela colocou a mão na
parede de pedra e olhou para cima.
Oh, Deus. Ele a localizara. Olhos avelã iluminaram-se
diante do reconhecimento embaixo da aba de seu chapéu. Ele
disse algo a Robert e começou a avançar em um passo
cadenciado.
Ela tropeçou para trás, tentando evitar a pilha e
recuperar o equilíbrio.
― Pelo amor de… Droga.
― Annie? O que está fazendo aqui?
― Evitando os malditos advogados. E quebrando o meu
pé. ― Ela franzia o cenho na direção dele enquanto ele pairava
sobre ela. ― Já lhe disse por que prefiro botas de canos altos
do que slippers inúteis? ― Ela apontou para os ditos slippers.
― Bem, agora já sabe.
Os lábios perfeitos dele sorriram.
― Muito sensato.
― Que negócios tem aqui, de todos os lugares, Inglês? ―
Ela estreitou os olhos. ― Esta é uma coincidência estranha.
Ele olhou por cima do ombro antes de arrebanhá-la para
trás e levá-los através do portal. A súbita mudança de posição
― e a súbita aproximação dele ― fez sua cabeça girar. Ela se
segurou aos braços dele enquanto, sem esforços, ele a
arrastava pelo degrau e para dentro da passagem.
Céus, ele era forte. E bonito. E quente.
Empurrando-a no beco, ele a prendeu contra a pedra
fria. Em seguida, abaixou a cabeça ate aqueles olhos
esplêndidos e brilhantes nivelarem com os dela.
― Senti saudade. ― Ele sussurrou.
Ah, Deus. Ele acabara de ecoar o choro de lamento de
seu coração. Sem ar e quente, ela depositou uma mão
trêmula no peito dele. Se não estivesse usando um chapéu,
teria apoiado sua bochecha contra ele e implorado que ele a
abraçasse. Em vez disso, ela só conseguiu suspirar.
― Inglês.
― Seu vestido de viagem parece muito melhor do que
imaginei.
― Não pode nem vê-lo nesta escuridão.
― Posso. Eu a sinto também.
Ela grunhiu um protesto.
― Não use suas palavras doces comigo, John Huxley.
Tenho perguntas.
Com um sorriso sensual, ele traçou uma linha do lóbulo
de sua orelha até a garganta.
― Você cheira bem.
Ela bufou.
― Agora eu sei que está mentindo. O que quer que esteja
nesta pilha de lixo, não é perfume.
As mãos dele se moveram para sua cintura, apertando-a
enquanto acariciava seu queixo.
― O único cheiro que percebo é o da sua pele. Sempre
teve cheiro de limpeza para mim. Limpeza, dourada e doce,
como caramelo ou… ― Fungada. Cócegas. ― ...mel. ― Aquele
eram os lábios dele?
Suas mãos agarraram o casaco dele. Seus ossos
derreteram-se em caramelo e mel.
― Devo cheirar a distração.
― Cheira.
― Oportuno. Pois é tudo o que essa bela conversa é,
arrisco dizer. ― Talvez seu ponto tivesse mais impacto se ela
não ronronasse contra o queixo dele e nem esfregasse seus
seios contra o peito dele. Por outro lado, era celestial estar
nos braços dele.
Foco! Ela devia focar.
― Quem são esses com quem se encontrou, Inglês?
― Amigos.
― Que amigos?
Repentinamente ele segurou sua nuca com dedos finos e
fortes e a puxou com força contra seu corpo duro com um
braço ao redor de suas costas.
― Vou beijá-la. Adequadamente.
Uma dúzia de respostas passou por sua cabeça,
começando com “em tempo” e terminando com “que partes?”
Mas a voz e respiração dele com o seu rubor de corpo inteiro
aniquilaram sua inteligência.
― Isso soa… bom. ― Foi o melhor que conseguiu.
― Depois, eu vou embora e você voltará para dentro da
pousada com a sua família.
― Como ‘cê…
Lábios perfeitos roçaram os dela. Formigamentos
ganharam vida.
― Quando retornar a Glenscannaddo, faremos mais do
que beijar.
― N-nós…
― Muito mais.
― ‘C-cê…
― Mas por enquanto, terei isso, Annie. Um gostinho para
aguentar.
De repente, a boca dele se fundiu à sua. A língua,
escorregadia e quente, deslizou para dentro. E o mundo de
Annie virou do avesso. Nenhum homem ― inglês ou escocês ―
deveria ser capaz de roubar a alma de uma mulher como
John Huxley roubou a sua com um único beijo.

***
John usou cada truque que conhecia. Proximidade.
Elogios. O tipo certo de honestidade na hora certa. Depois, a
promessa. E finalmente, o beijo.
Deus, o beijo.
Pelos primeiros poucos segundos, ele manteve sua
cabeça. Uma pequena mordiscada. Uma língua deslizando
confiante.
Então ela gemeu. Murmurou contra seus lábios. E o
aroma de mel o envolveu em intoxicação.
Sua boca queria mais da dela. Seu coração martelava
contra seu peito. Ele contraiu os músculos, resistindo ao
desejo de empurrá-la mais alto contra o muro.
Não deveria.
Precisava manter o controle. Isso era distração. Era ela
quem deveria se esquecer de si mesma. Não ele. John Huxley
não perdia o controle. Não com mulheres. Nunca.
Ela deslizou os braços ao redor do pescoço dele. Inclinou
a boca. Abriu. Implorou por mais.
Melhor para todos se ele mantivesse o comando de si
mesmo. Quão difícil seria? Ele sempre conseguiu controlar
isso antes. Com outras mulheres. Outros beijos.
Ela se mexeu, assim sua coxa ficou entre as dele.
Esfregou e pressionou. O atirou ao céu. A suavidade dela
contra sua rigidez. Seios exuberantes e redondos
pressionaram-se até ele sentir os mamilos duros. Lábios
deliciosos se abriram como uma flor. A necessidade dela o
transformou em espirais de calor.
Ele a agarrou com mais força. Segurou o pescoço e
puxou a boca dela com mais força. A devorou como um
animal faminto. E ainda assim não foi o suficiente.
Lábios macios e doces. Não meramente dispostos, mas
ansiosos. Ela gemeu e impulsionou os quadris contra os dele.
Movendo-se em círculos. Apertando. Exigindo.
Alguém grunhiu, profunda e primitivamente. Ele pensou
que podia ter sido ele.
Quanto tempo ele viveu sem isso? Sem ela? Quão
faminto esteve? Tão faminto que não entendera sua vastidão.
Até agora.
Cego, quente e duro o bastante para tomá-la dez vezes
sem parar, ele levantou o corpo dela contra a parede. Segurou
as saias dela. Ergueu-as. Abandonou a boca dela para beijar
a garganta. Deus, o aroma dela o enlouquecia. Ele mentira
para ela sobre isso. Ela era o sol nascendo sobre o lago. Era o
orvalho sobre a urze. Era mel, açúcar e uísque quente
deslizando sobre sua língua. O desejo não era igual a nada
que ele conhecia ― um inferno. Seus pulmões não
conseguiam ar o suficiente.
Mas ele morreria feliz. Alegre. Por mais. Uma. Amostra.
― Ah, por Deus, Inglês. ― Veio um apelo rouco. ― Está
me queimando viva.
Sim. Sentiu o seu chapéu escorregar. Sentiu os dedos
dela agarrarem seus cabelos. Sentiu as pernas dela se
separando e seus dedos deslizando entre as dobras
escorregadias, úmidas e doces como mel.
Choramingando enquanto ela beijava sua mandíbula,
suas orelhas e testa, ela ofegou agudamente e finalmente
jogou a cabeça para trás com um gemido baixo.
A pele dela tinha o sabor igual ao pão dela, suave,
agridoce e complexo. Como nuvens formadas em luxúria.
Automaticamente os dedos dele começaram a trabalhar,
acariciando as pétalas maduras entre as coxas dela. Se
pudesse, desnudaria os seios. Os sugaria enquanto a levava
ao êxtase. Mas ele estava ocupado. Obcecado. Com a pele e
sua úmida e inchada...
― O que está fazendo comigo? Eu vou… Ah, Inglês. Por
favor. Com sua mão. Mas rápido. Deus. Aye. Assim.
Seu pênis injetou-se tão forte e duro que pensou que
gozaria. Bem ali nos braços dela, com seus dedos explorando
e deslizando, com os dedos dela agarrando seus cabelos, com
os gritos de prazer dela em seu ouvido.
Apertando cada músculo ― suas nádegas, ombros, coxas
e braços ― ele desejou não ceder. Custou tudo o que ele tinha.
Deixá-la ter um orgasmo para ele. Sentir o corpo dela dançar
e se contorcer contra ele. Sentir sua delicada protuberância
inchar e pulsar contra seus dedos enquanto ela gritava sua
euforia contra o seu pescoço.
Arfadas fortes ondularam o corpo dela, fazendo arquear-
se contra ele em um ritmo estremecido. Seus braços
passaram por baixo do traseiro e a ergueram, esperando
mais. Mais dessa vitória. Pois isso era uma vitória. Como
nenhum que ele já teve.
O prazer dela. Por causa dele.
O mera pensamento fez esticar sua pele sobre cada
músculo e osso. Tomou os lábios dela mais uma vez enquanto
ela segurava seu rosto e devolvia o beijo, suculenta e
lânguida. Ela gemeu enquanto suas coxas úmidas tremiam,
um pouco incerta, um pouco instável na onda de prazer.
A sua sanidade voltou gradualmente. Primeiro, ela
acariciou o seu rosto com movimentos ternos e beijou seu
queixo suavemente como faria com um homem com febre. Os
toques o acalmaram de maneira que ele não percebera
precisar. Ele estivera muito tempo sem ela. Muito tempo
faminto por alguma coisa que não conseguia achar.
Mas a pele dela, a respiração, lábios e sussurros o
afastaram da beira do precipício.
― Inglês. ― Ela suspirou, acariciando sua testa com os
polegares. Ela beijou seus lábios. Suavemente. Castamente.
Depois, encontrou seu olhar e sorriu, os olhos tão azuis
quanto as centáureas dançando em um canto de verão. ― Eu
senti mais a sua falta.
E exatamente assim, seu coração abriu-se. Ele não
soube o que dizer.
Ele a queria tanto. Oportunamente ele decidira
reivindicá-la. Torná-la sua esposa. Isso era sensato. Ela seria
uma boa mãe. Ela protegeria seus filhos ferozmente e o
alimentaria com pão regularmente e lhe daria ordens com
aquela boca flamejante. Ele sabia que casar-se com ela era a
escolha certa.
Mas até agora, ele não sabia que a amava. A amava. Do
jeito que seu pai amava sua mãe e Robert amava Annabelle.
Da forma que fazia da loucura um prazer.
Ele a abaixou, incapaz de falar. Com grande relutância
ele retirou a mão do meio das coxas dela. Ele a mantivera lá,
esperando tanto quanto possível, assim ele poderia sentir
cada doce pulsar. Enquanto ele abaixava as saias dela, os
sons retornaram ― carruagens, cavalos e vozes distantes de
pedestres de ambos lados do beco longo e estreito.
Deus, no que ele estava pensando? O beco permanecia
vazio e o portal estava totalmente nas sombras, assim não
teve medo que alguém tivesse os visto. Mas ele quisera
apenas beijá-la. Uma distração. Isso era tudo.
Ele pôs as mãos embaixo das saias dela, pelo amor de
Deus. Ele a fizera chegar ao clímax. Ele próprio, quase
chegara. Na verdade, perdera sua maldita mente. E seu pênis
ainda doía como uma ferida, exigindo terminar o que
começara.
― Não se preocupe. ― Ela sussurrou. As bochechas dela
coraram escarlates quando ela começou a amarrar a cravat e
o casaco dele. ― Você não foi longe demais.
― Annie. ― Sua voz saiu trêmula.
― Hã?
― Sinto muito por tê-la beijado aqui. ― Ela riu
secamente. ― Próximo a uma pilha de lixo.
― Aye. Uma bem desagradável. Meu dedo ainda dói.
― Mas não sinto por ter lhe beijado.
Ela arqueou a sobrancelha.
― Bem, agora, isso faz dois de nós.
― Quando voltarmos ao vale, talvez possamos testar
alguns locais. Ver o que funciona.
Ela riu e alisou sua lapela.
― Fico feliz que esteja aqui, Inglês. Mesmo que não me
diga o porquê. ― Quando ela levantou os olhos, eles
brilhavam. ― Hoje vamos tirar Broderick de Bridewell. Revê-lo
promete tirar o coração do meu corpo.
Ele começou a falar, mas ela pressionou os dedos sobre
seus lábios.
― Acontecerá. Eu percebo a dor chegar. Mas, durante
todo o caminho até Edimburgo, fiquei pensando em como ‘cê
apenas deixaria isso um pouquinho melhor. Ver seu rosto
bonito. Ouvir essa voz forte e clara como uma manhã nas
Terras Altas. ― Ela sorriu, os olhos iluminados pelas
lágrimas. Elas se derramaram. ― E você tornou isso melhor,
Inglês. Você o fez.

Ela o puxou para um beijo e ele a apertou em seus


braços. A manteve perto o bastante para torná-los um só
corpo. Desejou com toda força dentro dele poder fazer mais.
Quando eles se separaram para respirar, ele ofereceu:
― Irei com você. Deixe-me ir com você.
― Não. Isso é um assunto dos MacPhersons. ― Ela
segurou seu rosto. ― Mas se estiver em casa da próxima vez
que eu visitar o castelo, se me convidar para entrar e me
aquecer em sua lareira, não direi não. ― Beijando-o pela
última vez, ela se afastou, dirigindo-se à pousada.
John apoiou-se na parede e respirou para acalmar a dor
em seu peito. Por algum motivo, ela demorou mais para se
dissipar do que a dor em sua virilha. De fato, ao recolher seu
chapéu e encontrar Robert e os outros na taverna onde ele
sugerira que se encontrassem, começou a se perguntar se o
aperto de torno ao redor de seu coração retorceria com tanta
força apenas até o momento em que pudesse segurar Annie
Tulloch em seus braços novamente.
Ele sentou-se à mesa reservada onde seus amigos
esperavam.
― Está tudo certo? ― Robert perguntou.
John assentiu.
― Ficará. ― Ele encontrou o olhar dos outros homens na
mesa. ― Tão logo eu descubra quem pôs o alvo na família da
minha futura esposa e fazê-lo pagar um preço muito caro.
Capítulo 14

Havia alguma coisa perversa sobre uma prisão


construída para parecer um palácio. No que dizia respeito a
Annie, a Bridewell deveria ser uma monstruosidade. Em vez
disso, era um castelo de quatro andares com quatro asas
simétricas encimadas com cruzes brilhantes. Atrás havia uma
terceira asa em formato semicircular. Era cercado por paredes
altas e portão de ferro, mas para ser justa, o portão principal
era uma obra-prima com torres.
Annie ofegou quando a carruagem atravessou e entrou
no pátio interno.
Como ela desejou ter aceitado a oferta de Huxley. A mão
dela reflexivamente agarrou o cardo enfeitiçado, mas não era
igual a segurar a mão forte de seu inglês.
Ela apoiou a bochecha na parede da carruagem para ter
uma visão melhor pela janela. Campbell e o advogado mais
alto entregaram a um carcereiro os papéis ordenando a
libertação de Broderick. O carcereiro era sombrio e baixo,
suas roupas bem-arrumadas. Ele assentiu a algo que o
advogado dissera e acenou para um grupo de outros
carcereiros.
― Quantos malditos de Cês são necessário para lerem
uma ordem?- Ela murmurou. O cardo cravou em sua mão. A
outra mão foi para a maçaneta da porta. Angus e seus irmãos
lhe alertaram para não sair da carruagem. Mas, por Deus, se
aqueles malditos não trouxessem seu irmão naquele exato
momento, ela entraria na prisão e o pegaria ela mesma.
O segundo e o terceiro carcereiro assentiram e eles
acenaram para que Campbell e Alexander atravessassem o
segundo conjunto de portas.
A porta da carruagem foi aberta.
Angus grunhiu de desgosto e entrou, curvando-se para
sentar no assento a frente de Annie. Ele parecia abatido e
envelhecido.
― Não falta muito agora, lassie.
Ela olhou para a maca improvisada que eles instalaram
diagonalmente sobre os assentos. Feita de elásticos de lona e
preenchida com cobertores e palha, deveria ser confortável
para um homem normal. Mas ela não sabia a extensão dos
ferimentos de Broderick. Quando ela perguntara, Rannoch
ficara mortalmente sombrio.
― Ruim, Annie. ― Seu irmão mais novo passara a mão
nos olhos. ― Muito ruim.
Agora, ela via seu próprio medo refletido no rosto de
Angus.
― Pai.
Ele levantou o rosto.
― Nós o temos de volta. Ele está livre. Eles não podem
prendê-lo novamente, podem?
Seu pai não respondeu imediatamente. Em vez disso, ele
inclinou-se para frente com os cotovelos sobre os joelhos e
deu um tapinha na cama que ela montara.
― Fez um bom trabalho.
― Pai…
― Você cuidará bem dele, Annie. Não duvido disso.
― Certamente…
Olhos escuros encontraram os delas.
― A verdade é que não sabemos quem o odeia o bastante
para fazer isso.
― E Skene?
Angus balançou a cabeça.
― Apenas a mão que puxou o gatilho. Ele desapareceu.
Nem mesmo Alexander foi capaz de rastreá-lo.
O coração dela afundou-se. Se eles não localizasse
Skene, não descobririam o homem por trás dele. Aquele com
poder real. Ela esticou a mão para Angus.
― Nós descobriremos quem fez isso, Pai. Devemos.
Ele apertou os dedos dela e abriu a porta da carruagem.
―Aye, lass. Devemos.
Longos minutos passaram-se. Uma chuva pesada
começou a cair.
Ela assistiu Rannoch e Angus andando pelo pátio,
avistou carcereiros passando em rondas, viu mulheres e
homens além dos portões internos trabalhando, conversando
e olhando para eles.
Prisoneiros. Eles moviam-se como se nada estivesse
errado. Mulheres carregavam cestas e homens empurravam
carrinhos de mão. Mesmo crianças passavam como se ali
fosse um castelo normal habitado por criados ocupados.
Parecia um absurdo para Annie. Ela fechou os olhos e
tentou pensar em algo mais agradável. O aroma de sua
cozinha quando o jantar estava quase pronto. A cachoeira ao
norte do Castelo Glendasheen.
O beijo de John Huxley. Oh, céus.
Ela suspirou e afundou-se no assento, recordando os
lábios dele. As mãos. Os dedos e as coisas maravilhosas que
ele a fez sentir. E o peito dela doeu. Pois, tão prazeroso
quanto os beijos foram, o que ela mais desejou foram os
momentos seguintes, quando os olhos dele queimaram sobre
ela com uma fixação arrebatadora. Ver John Huxley tão
enredado quanto ela foi glorioso. Saber o quanto ele a queria,
quão ansioso ele estivera para esquecer seu próprio prazer
por ela, e como ela o acalmara com seu toque ― estas eram as
razões que a levou a perder sua alma para ele.
Totalmente idiota. E totalmente verdadeiro.
Ela riu baixinho diante do pensamento, imaginando-o
corado e belo, o cabelo completamente despenteado, os lábios
perfeitos um pouco inchados. Abraçando a si mesma agora,
ela tentou segurar a lembrança. Deixá-la aquecê-la enquanto
a chuva batia e caía.
Lentamente o frio se intrometeu. Assim pareceu. Ela quis
bloqueá-lo. Apertando os olhos com mais força, ela rezou para
que o rosnado furioso que ela ouviu em meio a chuva não
fosse o lamento furioso de um pai.
Ela abriu os olhos.
Era.
Oh, Deus.
Oh, Cristo.
Ele era um cadáver. Dois de seus irmãos carregavam o
terceiro. Braços longos esticados sobre seus ombros.
Nada além de longos ossos cobertos por uma pele cinza.
O rosto dele. Irreconhecível.
Um de seus olhos…
A garganta de Annie fechou. Ela ia vomitar. Maldito
inferno, ela não. Devia. Vomitar.
Não! Sua cabeça se desconectou do corpo, flutuando em
direção ao teto da carruagem. Mas suas mãos sabiam o que
fazer. Elas abriram a porta. Seus pés desceram e correram em
direção ao irmão.
Sua boca chorou uma negativa. Seu coração gritou que
ela mataria quem havia feito aquilo. Ela os mataria e os
serviria seus corações no jantar.
Aparentemente ela gritou essas coisas em sua cabeça,
pois ninguém ouviu. Em vez disso, ela estava cambaleando
em direção a Broderick quando Rannoch a agarrou. Ele a
segurou firmemente com um braço cruzado em frente a seus
ombros.
― Ele se recuperá, Annie. ― Ele murmurou. ― Nós o
ajudaremos. Não chore, irmã.
Ela se apoiou nele, seus joelhos dobraram-se.
― Ah, Deus, Rannoch.
― Eu sei. Eu sei.
Campbell e Alexander passaram por ela carregando o
irmão deles e ela pode finalmente ver o que Bridewell havia
feito.
Cada detalhe horrível. Aquele maxilar MacPherson, forte
e quadrado, lacerado e inchado. Os ossos de suas bochechas
distorcidas como se tivessem sido quebrados e despedaçados.
O nariz que ela sempre zombava que devia ter vindo da mãe
dele, pois o nariz de Angus nunca seria tão bonito, aquele
nariz estava em um ângulo estranho e achatado. E seus olhos
― aqueles olhos escuros como tempestade a partiu no meio. O
que ficara intacto estava fixo e distante. Não piscou em
reconhecimento. Não olhou em sua direção. O outro olho
estava… não havia mais olho.
Ela queria tocá-lo. Tentou tocá-lo.
Rannoch a segurou.
― Espere, Annie. ― Ele murmurou. ― Ele está ferido em
todos lugares. Deve ser cuidadosa, sabe?
Respirando rápido, ela se apoiou em Rannoch e se forçou
a ouvir.
― Aye, você sabe. ― Rannoch a abraçou, levando-a para
perto e a embalando um pouco. ― Vamos colocá-lo na
carruagem. Depois o levaremos para casa.
Ela assentiu. Rannoch se afastou para ajudar do lado
oposto.
Ela balançou no lugar enquanto assistia Campbell e
Alexander carregarem Broderick igual a um bebê. Observou
como Angus pairava perto da roda traseira, cambaleando e se
recompondo.
― Pai. ― Ela soluçou.
Ele se virou para ela, os olhos queimando uma dor
paternal. Então ele abriu os braços.
E ela correu para dentro deles. Não para ser confortada,
embora a força dele normalmente fizesse isso.
Mas para confortar o homem que havia escolhido ser seu
pai.
E que acabara de perder seu filho.

***

Dois meses se passaram antes que eles pudessem


considerar deixar Edimburgo. Na casa que Rannoch alugara,
Annie assumiu o comando e preparou um quarto para
Broderick. Preparou um caldo fortificante para Broderick.
Contratou quatro rapazes para limpar, carregar água e lavar
as roupas de Broderick. Ela mal dormia. Quando os médicos
não estavam costurando, dosando ou murmurando suas
dúvidas, ela cuidava das feridas de um homem vazio e febril e
sentava-se ao seu lado na cama, em vigília.
Ela não tinha tempo para lamentações. Cada segundo
era preciso para manter o que sobrara de seu irmão junto.
Os outros MacPhersons faziam todo o resto. Eles
interrogaram os carcereiros na prisão. Subornaram e
coagiram àqueles que trabalhavam na enfermaria. Eles se
encontraram com homens que se recusaram a nomear em
partes da cidade que ela não sabia existir. Eles ficavam fora
até a madrugada e quando finalmente atravessavam a porta
no fim do dia, pareciam tão exaustos e sem esperanças
quanto ela. Às vezes, eles voltavam com os nós dos dedos
ensanguentados.
Ela sabia porque estava acordada. Alguém devia manter-
se alerta, ela pensava, no caso de Broderick decidir deixá-los.
Após várias semanas de cuidado, Broderick tomara sua
decisão. Sua respiração estabilizou. Sua febre cedeu. O seu
olho começou a segui-la ao redor do quarto enquanto ela
arrumava, conversava e lia para ele. Os médicos o declararam
"em recuperação".
Apesar da estadia deles em Edimburgo, eles recebiam
visitas de John Huxley. O foco de Annie sobre Broderick se
dissipava como uma névoa grossa em um vento revigorante
toda vez que escutava sua voz nítida e inglesa à porta. Ela
descia as escadas, atordoada, cansada em uma pura
bagunça. Ele abria os braços para ela. Ela deixava que ele a
envolvesse com sua força e calor, sentido alívio que não
conseguia falar. Nenhum dos dois falava, de fato. Ela não
perguntou por que ele ainda estava ali, por que ele mantinha
as visitas todos os dias. Ela apenas agradecia a Deus por
aqueles poucos e preciosos minutos até Angus mandá-lo
embora para que ela pudesse dormir ― o que raramente fazia.
Finalmente, os médicos decidiram que Broderick poderia
suportar viajar, assim ela arrumou para que a casa fosse
limpa e arrumada, preparou uma nova maca para a
carruagem e esperou pela próxima visita de John Huxley. Em
vez disso, Angus lhe informara que Huxley já havia voltado ao
vale. Seu coração ficou pesado, embora compreendesse. Ela
ainda não entendia o motivo para ele ter ficado tanto tempo
em Edimburgo.
Agora, cinco dias depois, ela saía da carruagem,
observando Rannoch e Alexander carregarem Broderick para
a Casa MacPherson. A longa viagem para casa foi árdua.
Tempestades de verão haviam deixado as estradas
enlameadas e o movimento da carruagem perturbou
Broderick. Ele não falou, claro. Ele não fazia nenhum som.
Mas Annie aprendera a reconhecer cada minúscula contração
em seu rosto.
Quando podia, ela o confortava com pilhas de lençóis, o
láudano dos médicos e a sopa que ele mais gostava, aquela
com alho-poró e batatas. Como sua voz parecia ajudá-lo a se
acalmar, lia em voz alta os jornais e tagarelando sobre coisas
que aconteceram enquanto ele estava fora.
Ela lhe contou sobre Flora MacDonnel perder sua loja de
vestidos. Sobre Grisel MacDonnell mudar-se para Dingwall.
Sobre contratar Betty MacDonnell para ser sua criada
pessoal.
Mais importante, ela lhe contou sobre John Huxley ―
mais do que deveria, talvez, mas Broderick era um bom
ouvinte.
Agora, parada na passagem do lado de fora de sua casa,
Annie observou seus rapazes correrem para descarregar a
carruagem e cuidar dos cavalos. Em sua mente, ela estava
listando tudo o que devia fazer ― juntar seus rapazes da
cozinha para esquentar água e preparar o jantar, garantir que
o quarto de Broderick estava propriamente arejado e o fogo
aceso ― quando os músculos de seu abdome e coxas
começaram a tremer. Ela começou a piscar fora do ritmo.
Então a luz começou a ficar turva.
Ela franziu o cenho, a tarde estava clara para uma
mudança de tempo, sem nuvens a vista. Por que estava
escurecendo? Sua próxima piscada demorou demais. Os
pássaros cantavam nas bétulas frondosas, além do som das
ondas indo e vindo na costa. As pedras de sua casam
desfocaram estranhamente. A porta oscilava. Balançando a
cabeça, sentiu-se inclinar. Ou foi o chão?
― Annie?
Fraca. Ela estava malditamente fraca.
Suas pernas viraram água. Dobraram-se.
― Oh, minha doce lass.
Lã, turfa e ar das Terras Altas. Braços fortes que nunca
falharam com ela. Erguida. Carregada.
― Você tem se desgastado até os ossos, filha. Hora de
dormir.
Um beijo em sua testa. Depois a luz se foi.

***

O som penetrou na consciência de Annie através de uma


névoa cinza e grossa. Suas pálpebras pesavam uma tonelada,
ela tentou, mas não conseguiu abri-las.
― … não posso pressioná-la a tomar uma decisão até ela
melhorar.
― Já esperei meses, Angus. Malditos meses.
― Aye.
― … continuar minha busca… após Annie… minha
esposa… recuso a ficar separado dela… pertence a mim…
Para sua grande frustração, a voz dele subia e abaixava.
Mas ela reconheceu seu inglês. Ela o queria perto.
― … aprecio tudo o que tem feito, lad.
― Então, deixe-me… Deus, apenas me deixe…
― Não está pensando direito. Ela está acabada. Dê-lhe
um dia ou dois.
Annie quis protestar. Ela nunca estava cansada demais
para ele. Reunindo cada grama de teimosia, ela forçou seus
olhos a abrirem. A luz estava um pouco borrada, um bocado
cinza. Era a janela de seu quarto, supunha. Reconheceu o
xadrez azul das cortinas que ela mesmo costurou. Com outro
grande e duro esforço, ela conseguiu respirar e murmurar
“Inglês”. Seu travesseiro meio que amorteceu a palavra.
Mas ele ouviu.
A próxima coisa que apareceu foi o rosto dele. Ah, Deus,
aquele rosto bonito. Olhos avelã estavam cercados de rugas
de cansaço e linhas vermelhas.
Ela piscou. Tentou mover o braço. Pesava mais do que as
pálpebras.
Seu inglês ajoelhou-se ao seu lado. Depois, a manta
moveu-se e ele deitou ao seu lado, o rosto a centímetros do
dela, os braços levando o corpo dela até o dele.
― Huxley. ― Angus avisou do vão da porta. ― Comporte-
se.
Ela ignorou o grunhido de seu pai para suspirar e sorrir.
― Inglês.
Lábios perfeitos tocaram sua bochecha. Um queixo com
barba friccionou contra sua boca.
― Bom dia, amor.
De repente ela quis chorar. Seus olhos não queriam ficar
abertos. Ela sentia como se estivesse sido dobrada em si
mesma.
― Inglês. ― Ela choramingou.
Ele a segurou com mais força, os braços apertando o
corpo dela contra o dele.
― Shhh, Annie. Descanse. Você ficou exausta, precisa
dormir.
Sua respiração tremeu.
― B-Broderick?
― Acomodado. Betty está cuidando dele, assim como o
cirurgião de Inverness. Marjorie MacDonnell tem ajudado a
administrar as coisas aqui enquanto se recupera. Tudo está
bem.
O mundo escureceu em cinza novamente. Ela não sabia
quanto tempo ela ficou à deriva, mas quando abriu os olhos,
ele ainda estava ali. Uma mão quente e elegante acariciava
suas costas. Dedos gentis brincavam com seus cabelos.
― Q-quanto tempo… desde que voltamos a casa?
― Alguns dias.
― Quantos?
― Três.
Ela lutou para levantar a mão de onde estava aninhada
no peito dele. Conseguiu apenas traçar a mandíbula dele
antes de desistir.
― Cê… ficou comigo, Inglês?
― Sim.
― Aqui?
― Sim. ― Lábios quentes acariciaram suas pálpebras, as
quais tinham um grande trabalho para permanecerem
abertas. ― Angus não está feliz com isso. Mas ele pode
esperar. Onde quer que esteja, é onde eu pertenço.
Ela quis agradecê-lo. Ela quis lhe dizer quão
profundamente ela o desejava todos os dias. Todas as horas.
Cada segundo que ele não estava a seu lado. Mas o sono que
ela perdeu nas últimas semanas roubaram suas forças.
Com as sobras, ela sussurrou para o seu inglês.
― Não deixe Marjorie MacDonnell se aproximar da minha
cozinha.
Uma risada profunda e surpresa soou do peito dele,
movendo-se por seu ouvido e bochecha.
― Não, amor, não ousaria.
E desta vez, ela caiu no sono com um sorriso.
Capítulo 15

Annie puxou Bill, o Burro pela estrada recém-construída,


pensando em como seria adorável se todos os dias pudessem
ser tão bons. A água do lago tremeluzia com a leve brisa de
verão. Tudo ao redor, luzes dançando, folhas rindo e pássaros
cantando uma canção feliz.
John Huxley ficara com ela por quatro dias e quatro
noites antes que ela ordenasse que ele voltasse a casa,
trocasse sua camisa e se barbeasse.
Isso tinha sido ontem. Hoje, ela o veria novamente. Ela
brilhava como o lago, dançava como a luz, ria como as folhas
e antava como os pássaros.
Ela resplandecia tão reluzente quanto o bonito sol. Por
causa dele.
― Cuidado para não flutuar, lass.- Disse a Sra. MacBean
com um afeto irônico.
Annie sorriu por cima do ombro. A anciã parecia bem
bonita em seu novo vestido xadrez. Quando Annie dera o
presente à Sra. MacBean mais cedo naquela mesma manhã,
insistira em ajudar com os cabelos selvagens da mulher.
Tirando um olho leitoso e uma expressão vagamente confusa,
a Sra. MacBean agora parecia uma acompanhante
apropriada.
Exceto pelo avental. Um avental velho, não muito branco
que não combinava com a adorável lã.
― Ficaria mais feliz se não cobrisse esse vestido elegante
que lhe fiz com panos velhos e feios.
― Não sujarei um vestido tão lindo.
Annie virou os olhos.
― É uma capa protetora. ― A Sra. MacBean insistiu. ―
Parecido com os dos livros. ― Uma pausa. ― Talvez eu devesse
ter um avental de couro.
Annie riu. Depois suspirou. Em seguida acariciou o nariz
de Bill. Beijou o nariz de Bill. Ele bufou como se dissesse que
ela era maluca.
Talvez fosse. Totalmente maluca por um certo inglês.
― Agora, o seu vestido, esse foi feito para ser visto.
Annie olhou para o seu próprio vestido, um simples de
seda azul acetinada. Ela deslizou a mão sobre o quadril e
sentiu a pele aquecida diante do pensamente do rosto de seu
inglês. Como os olhos dele se iluminariam. Como seu maxilar
tremia. Ela levantou a bainha. Seria muito melhor se ela não
manchasse a seda com lama antes de sequer perceber.
Felizmente, a estrada até o Castelo Glendasheen estava
muito melhor do que a última vez que ela fizera essa viagem.
Dougal e os irmãos fizeram um bom trabalho, alargaram a via
para acomodar melhor uma carroça ou uma carruagem e
reforçaram as margens com pedras maiores.
Huxley tinha realmente transformado um castelo
amaldiçoado em um abençoado.
Elas chegaram no pátio e encontraram Dougal
mandando seus filhos voltarem aos estábulos, como se eles
não tivessem terminado suas tarefas. Annie virou os olhos.
― Dougal, é melhor parar de estragar esses laddies. ―
Ela falou. ― Assim, você os alimentará até que eles tenham
cinquenta anos.
O sorriso de Dougal se alargou. Ele tirou o chapéu e o
reposicionou em sua cabeça.
― Srta. Tulloch, parece bonita como um dia de verão.
― Como as lasses saem nestes vestidos sem se
preocuparem com cada pingo de chuva? Está além do meu
alcance.
Ele riu.
― Não se preocupe. Minha Betty cuidará de você.
― Aye, isso ela faz. ― Annie olhou ao redor do pátio
enquanto Dougal ajudava a Sra. MacBean a descer das costas
de Bill e pegava as rédeas do burro.- Onde está o Sr. Huxley?
― Ela tentou soar casual enquanto pegava o presente de
Huxley de seu alforje.
Dougal as indicou a cachoeira.
― Acho que ele quer pescar um pouco.
Annie assentiu em agradecimento e depois uniu o braço
com o da Sra. MacBean e foram em direção à trilha norte. Ela
respirou irregularmente, sentindo o cheiro de pinheiros
quentes e grama úmida.
A Sra. MacBean deu um tapinha afetuoso em sua mão.
― Não fique nervosa. ― Ela acalmou. ― Se o lad tiver
alguma coisa entre aquelas belas orelhas, ele amará isso.
Annie deu um sorriso incerto.
― Espero que sim.
Quando elas passaram pela igreja antiga, Annie
diminuiu o passo. Seu coração se apertou. Uma brisa gelada
passou por ela e ela deslizou a mão por suas costelas.
― Viu aluma coisa, lass?
― Não.
― Então por que sua luz foi embora de repente?
A garganta de Annie fechou-se dolorida. Ela olhou para o
pacote em sua mão. Depois olhou novamente para o portão
enferrujado e para os arcos vazios. As lápides que estava se
desgastando com o tempo.
Ela esquecera. Verdade, houve inúmeras distrações ― As
Lições para Damas, os novos vestidos e o problema com
Broderick. Mas ela o esquecera. Como podia ter feito isso?
― Oh, não deixe esses espíritos antigos e mortos
escurecerem o seu dia. ― A Sra. MacBean a repreendeu. Ela
sacudiu levemente o braço de Annie, fazendo Annie retornar o
olhar para o rosto caolho e enrugado pela idade.- Você tem
um homem forte e bonito lhe esperando. E se ele for igual ao
tio, você é uma lass muito sortuda.
Ela tentou sorrir, mas saiu trêmulo até desvanecer.
― Aye. Está certa.
Elas voltaram a andar. Ao se aproximarem da clareira, a
Sra. MacBean estava puxando samambaias do cabelo e
reclamando sobre o calor.
― Eu falei, velha, não deveria ter colocado esse avental
pesado sobre um vestido de passeio de lã. Pelo amor de Deus,
é verão.
― Aye, e os mosquitos estão abundantes. ― A Sra.
MacBean deu um tapa no pescoço. Depois deu um tapa em
Annie.
Annie puxou sua mão e puxou para o lado um longo
galho de amora que crescia pelo caminho. Esquivando-se e
levantando a voz para ser ouvida acima do barulho da queda
d’água, ela falou:
― Não adianta matar as pequenas bestas. Elas são
apenas…
Ela tropeçou quando a cachoeira entrou em sua visão.
Todo ar e cada pensamento abandonaram o seu corpo. Depois
o fogo correu.
― Por Cristo e todos unicórnios dele, lass. Aquele é…?
Annie tentou engolir, mas sua garganta estava seca
demais. Todo resto estava molhado.
Especialmente...ele.
Ele estava em pé na piscina na base da cachoeira, as
mãos passando pelos cabelos enquanto a água cascateava
pelo peito. Pelo peito nu. Aquele com músculos definidos e
duros e um bocado de pelos castanhos nos lugares certos. A
maioria nos músculos.
― Tenho algumas ervas e afins para coletar na margem
do rio. ― Disse a Sra. MacBean. ― E em outros lugares.
Pervinca do pântano para os mosquitos. Também cogumelos.
Oh, tantas coisas para procurar. Ficarei fora por uma hora.
Talvez duas. ― Ela bateu no ombro de Annie antes de
sussurrar. ― Aproveite, lass.
A acompanhante de Annie desapareceu e ela mal
percebeu. Como malditamente se importar com outra pessoa
com um John Huxley praticamente nu.
Certamente não ela.
Ela se aproximou sem se importar com a grama
arranhando suas saias ou os mosquitos picando seus braços.
Pequenos arrepios viajaram por sua pele. Seu coração
acelerado pulsou e inchou entre seus ossos.
Ela cruzou o campo lentamente, saboreando a visão dele.
A linha de água espirrando sobre os músculos ondulados de
seu abdômen. Ele estava completamente nu? Ela gostaria de
ver. Pura curiosidade.
― Inglês. ― Deus, sua voz estava trêmula. E não é de se
admirar. Seu sangue estava quente, mamilos endurecidos,
seu ventre doía. Tudo doía. ― Inglês. ― Ela chamou mais alto.
Ele virou a cabeça. Seus olhos se encontraram. Ele
piscou e, então, fixou-se nela. Olhos de avelã começaram a
brilhar.
― Annie?
Ela assentiu.
Lentamente ele veio até ela, nadando nas águas
profundas com braçadas fortes e depois parando. E
levantando-se. E ― oh, céus ― tudo o que ele usava eram seus
calções. Provavelmente o tecido mais fino do Cleghorn. O tipo
que alguém poderia ver através dele quando estivesse
molhado. O que era o caso. Muito molhado.
Ela tentou respirar. Depois tentou afastar o olhar. Então
decidiu que seria tolice, já que ele não se importava em
esconder nada. Assim, ela olhou. E arquejou. E se perguntou
se um tronco daquele tamanho tornaria a cavalgada mais
difícil.
― Apreciando a vista, não é?
Aye, ela estava. Quando finalmente forçou seus olhos a
se levantarem para o rosto dele, ele sorria. Sem pudor, sem
vergonha, sem hesitação. Ele se comportava como se ficasse
quase nu diante das moças todos os dias de sua vida.
Inglês arrogante e sedutor.
― Eu… Eu trouxe algo para você.
Ele olhou para si mesmo enquanto recolhia suas calças e
blusa de uma pilha na margem.
― Eu também.
O calor flui por suas bochechas. Seu rosto inteiro
formigou como se tivesse sendo picado por mosquitos.
― Um presente, seu diabo. Eu lhe trouxe um presente.
O sorriso dele era uma provocação perversa.
― Seus presentes são sempre bem-vindos. ― Ele olhou
para os seios dela e deslizou uma mão nos cabelos antes de
vestir sua camisa. Quando ele vestiu as calças, uma pequena
parte dela lamentou.
― Não estou falando dos meus seios.
― Uma pena.
― Fiz algo para você.
― Pão?
― Não.
Ele deu um passo mais para perto, em seu ritmo,
olhando para ela como se ela fosse a refeição favorita dele.
― Manteiga?
Ela corou ainda mais.
― Não.
Ele parou a um fio de cabelo de distância, tanto quente
como frio pela água.
― Mel?
― Deus, Inglês.
― Senti saudade.
― Viu-me ontem.
O sorriso dele era a coisa mais fascinante e sensual que
ela já vira.
― Muito tempo. ― Ele murmurou. ― Onde está a sua
acompanhante, amor?
― Ela está caminhando para recolher ervas e afins.
― Já mencionei o quanto eu gosto da Sra. MacBean?
Annie bufou.
― Bem, ela também gosta de você, com certeza.
Ele lançou um olhar ao redor deles antes de se encostar
a ela e abaixar a cabeça.
― Quanto tempo eu tenho?
Ela engoliu em seco.
― Uma hora ou mais. ― Céus, a boca dele estava
próxima. E tão, tão tentadora. ― Mas eu devo… Devo dar-lhe
o presente.
Ele suspirou e acariciou gentilmente com os nós dos
dedos a lateral de seu pescoço. Arrepios a sacudiram.
― Muito bem. ― Ele falou, nariz inflando. ― O que me
trouxe?
Ela fechou os olhos e descansou sua mão livre no peito
dele. Ele estava úmido, quente e forte. Reunindo sua força,
ela recuou e estendeu-lhe o pacote.
Ele deu um sorriso intrigado antes de desembrulhar o
papel marrom que ela usou para cobrir. Dentro, um tecido em
padrão azul e verde dobrado cuidadosamente embaixo de um
cinto bonito que ela pedira para Rannoch comprar para ela
em Edimburgo. Ele tinha um bom olho para peças de couro
elegantes. Angus ajudou a escolher o porran, é claro, que era
preto com enfeites prateados, pelica branca e franjas. Era
decorado com uma orgulhosa cabeça de veado que parecia
com aquela das novas janelas o Castelo Glendasheenn.
Campbell escolheu um punhal com desenho semelhante
gravado na lâmina e Alexander havia modelado um sgian-
dubh5 com o cabo de chifre de veado.
O kilt era uma criação totalmente de Annie. Ela agonizou
a cada ponto. O medira de memória, imaginando seu inglês
repetidamente enquanto media a lã e costurava as pregas. Só
esperava que servisse adequadamente. E que ele gostasse. E
que dissesse alguma coisa.
Em vez disso, ele analisava os itens como se ele não
soubesse o que fazer com eles.
― É um kilt. ― Ela disse esperançosa.
Ele soltou o ar. Assentiu. Deslizou uma mão sobre o
queixo.
Oh, droga. Ele odiara? Deve ter odiado.
― ‘Cê...’cê precisará de um se ainda quiser competir. Nos
Jogos de Glenscannaddoo, quero dizer. ― O estômago dela
afundou-se quando ele nem mesmo olhou para ela. ― Não
precisa ser esse, claro. Apenas pensei que poderia…
As mãos dele envolveram sua nuca e levaram sua boca
até a dele. O beijo era um clamor feroz em vez da carícia
gentil ou da sedução sensual dos encontros anteriores.
Quando ele terminou, estava reduzida a pouco mais do que
manteiga, mel e desejo.
― Eu amei. ― Ele deu batidinhas nos lábios dela.
― Mesmo?
― É o melhor presente que alguém já me deu, Annie.
Ela sorriu como uma tola completa.
― Aye? Bem, vamos pôr em você, então.
Explicando cada peça do conjunto enquanto as esticava
sobre uma pedra achatada, finalmente sacudiu o kilt e
estendeu para ele.
― Nós vamos por isso sobre suas calças por enquanto,
mas quando usá-lo nos jogos não deve ter nada embaixo,
sabia?
O brilho nos olhos dele era diabólico.
― Eu sei, amor.
― Pare de me olhar dessa forma.
― Não posso evitar. Você é deslumbrante. Sabia que seus
cabelos parecem fogo?
Ela tocou as mechas perto das bochechas.
― E seus olhos. Eles são da cor das centáureas.
A respiração dela acelerou.
― Um...um monte de besteira. É o que isso é. Cê é o
bonito aqui.
O sorriso dele alargou, os olhos enrugaram nos cantos.
― Agora, pare de me distrair. ― Ela falou com o olhar
cravado naquele sorriso. ― Devemos ver se o kilt lhe serve.
Erguendo os braços para os lados, arqueou uma
sobrancelha.
― Estou a seus serviços, Srta. Tulloch.
Enquanto ela envolvia a lã ao redor da cintura dele,
tentou não respirar. Não tocar. Não deixar seus seios roçarem
nele. Falhou miseravelmente em tudo. Na hora em que
prendeu os botões escondidos dentro da cintura e posicionou
corretamente o sinto, muito toques haviam ocorrido. De fato,
partes inusitadamente sensíveis dela haviam roçado em
partes inusitadamente duras dele pelo menos oito vezes. Na
última, ele pode ter gemido.
― Pronto. ― Ela ofegou, recusando-se a olhar nos olhos
dele. ― Cê é perfeito. Hã… suas proporções… serviu
perfeitamente.
― Serviram.
Ela se virou para mexer no sporran e na binha da adaga
dele.
― Não há necessidade de adicionar tudo hoje. Quando
chegar a hora…
― Precisarei de você lá comigo.
Oh, Deus. Ele parou bem em sua frente, seu hálito
quente em seu pescoço, sua sombra misturando-se a dela.
Depois, os lábios tocaram sua pele, exatamente no ponto
onde seu ombro encontrava a garganta. Ela sentiu o cabelo
frio e úmido dele, a mandíbula recém-barbeada e uma massa
de sensações formigantes que queimavam através dela todas
as vezes que ele estava perto.
― Preciso de você comigo, amor.
Ela apoiou-se no corpo dele. Fraca e derretida. Como ela
precisava dele também. A dor era enlouquecedora.
Ele começou a puxar os alfinetes do cabelo dela, beijando
todo o caminho desde seu ombro até a garganta. Os braços
envolveram a sua cintura e puxaram seus quadris contra os
dele.
Sua visão ficou tão brilhante que ela teve que fechar os
olhos.
― Case-se comigo, Annie.
A princípio, ela pensou ter imaginado o murmúrio rouco.
Assim, ela simplesmente ergueu a mão para acariciar o rosto
dele enquanto ele mordiscava seu pescoço e levava uma
daquelas mãos finas e talentosas ao seu seio.
Ela gemeu quando ele começou a acariciar seu mamilo
por cima da seda de seu vestido e do algodão de seu
espartilho.
Depois, ele repetiu. Com mais insistência dessa vez.
― Case-se comigo. ― Ele mordiscou o lóbulo de sua
orelha e apertou seu mamilo com uma pressão não-sufiente-
o-bastante. ― Seja minha esposa.
Envolvida pelo calor e pelo desejo, Annie quase
respondeu com a palavra que estava batendo junto com seu
coração. Sim. Sim, sim, sim. Mas exatamente quando seus
lábios se abriram para falar, um pequeno calafrio de sanidade
a atingiu. Ela deslizou as mãos pelo torso dele. Abraçou-o tão
forte quanto podia.
E recordando do porquê ela pensar em se casar em
primeiro lugar.
Finlay. Para tê-lo em sua vida novamente, teria que se
casar com um lorde.
John Huxley era um cavalheiro. John Huxley roubara
seu coração. John Huxley devia ser e o único homem que ela
devia realmente querer. Mas, ele não era um lorde.
Então, chegou a isso; deveria escolher entre um e outro.
Seu laddie. Ou seu amor.
Sua garganta fechou-se. A percepção a sufocou e ela
enfiou as pontas dos dedos nas mãos fortes de seu inglês.
Ela sentiu o corpo se retesar, e agora, ele fazer o mesmo.
― Pretende responder? ― Quieto. Frio. Os braços dele se
afastaram.
Ela tentou segurá-lo, mas ele estava distante agora ― um
navio zarpando para a escuridão. Seu peito ficou tão apertado
que não conseguia respirar. Suas costelas ardiam. Tudo doía.
Finlay. Ela apertou os olhos, respirando rapidamente e
abraçando a si mesma.
Finlay.
― Talvez nenhuma resposta seja resposta suficiente,
hein? ― Gelado, seu inglês. Retraído. Abandonando-a.
Ela devia dizer algo. Ou, pelo menos, olhar para ele. Ela
conseguiria olhar para ele? Não sem se desafazer.
― Inglês… ― Ela se virou. E se desfez.
Ele estava balançando a cabeça, os lábios retorcidos
amargamente. O que quer que brilhava em seus olhos se fora.
O que ficou era a simples aceitação e um mínimo indício de
dor.
― Não se preocupe, Srta. Tulloch. Foi erro meu. Um
pouco de pensamento positivo, como você diria.
Cada centímetro dela tremeu. Alguma coisa estava
rasgando seu abdômen. Ela tropeçou em direção a ele. Queria
explicar.
― Não, Inglês…
Mas ele se virou. Recolheu os itens que ela lhe trouxera.
Ergue-os no ar.
― Muito obrigado pelas lembranças. Quando voltar à
Inglaterra, será uma boa recordação de algo que eu nunca
esquecerei.
― Por favor. ― Ela implorou.
Ele se afastou, ignorando-a. Passos largos o levaram
pelas margens do rio, para as árvores e então, para fora de
sua visão.
O vento soprou de repente, jogando seus cabelos nos
olhos. Ela mal percebeu. Tudo malditamente doía. Tanto que
ela se dobrou, tentando desesperadamente manter-se junta.
Mas suas costelas pareciam ter sido golpeadas e esmagadas.
Seus pulmões não funcionavam bem.
Deveria segui-lo. Deveria explicar-se, mesmo que ele não
tivesse acreditado nela da primeira vez. Mesmo que ele não
acreditasse nela agora.
Mas a escolha era impossível. Como ela se permitiu a se
apaixonar tão profundamente por ele? Como ela fora tão
descuidada que a ausência de Finlay a fez se esquecer?
― Lass? ― Mãos velhas e nodosas apareceram.
Seguraram suas bochechas e levantaram seu rosto. ― Não
está me ouvindo? ― O único e leitoso olho parecia
estranhamente penetrante. A voz baixa e áspera
estranhamente ressonante. ― O que está acontecendo com
você, Annie?
Foi tudo o que precisou para ela desmoronar. Ela caiu de
joelhos, ali na grama. E por um longo tempo, a Sra. MacBean
a segurou enquanto a embalava para frente e para trás.
Finalmente ela conseguiu sussurrar:
― Ele quer se casar comigo.
A anciã de um tapinha nas costas e continuou a
balançar.
― Aye.
― Eu não respondi.
― Por causa do seu menino.
Annie assentiu.
― E você deseja se casar com o homem?
Outra aceno de concordância.
― Aye, claro que quer. ― Um suspiro profundo. Então, a
anciã se pôs de pé e inclinou-se para ajudar Annie a fazer o
mesmo. ― Venha.
Aturdida como estava, Annie não discutiu. Permitiu que
a Sra. MacBean a levasse pela trilha em direção ao castelo. Ao
chegarem no cemitério, a mulher a empurrou em direção ao
ponto onde o portão uma vez estivera em pé.
Lá, sendo ultrapassado pela grama e por um punhado de
cardos, estava o pequenino anel de pedras que Annie fizera
por causa de Finlay.
― Não consigo suportar isso. ― Sussurrou, a confissão
rasgando seu coração. ― Não posso suportar que ele se vá.
A Sra. MacBean apertou a sua mão.
― A qual "ele" está se referindo, lass?
O mundo se afogou em água. A luz ficou desfocada e as
lágrimas caíram no solo. Outra rajada forte soprou sobre ela,
quase a derrubando. Ela apoiou-se à anciã e engasgou ao
tentar segurar um soluço de choro.
― John Huxley. ― Com raiva, secou o rosto. ― Eu amo
aquele maldito inglês a ponto de não enxergar claramente.
― Aye. ― A Sra. MacBean deu um tapinha em seu braço.
― Eu sei.
― Mas como posso abandonar Finlay?
― Talvez isso sempre foi para acabar aqui. ― Ela
gesticulou para o túmulo não identificado, o pequeno círculo
de pedras com um emaranhado de ervas daninhas. ― Talvez
algumas amizades não sejam para durar para sempre, mas
apenas até que não precisa tanto mais delas.
Annie cobriu seus olhos. Imaginou o rosto doce de
Finlay. Sua voz inteligente ― a voz de um lad que carregava
séculos dentro dele. Como ela conseguiria dizer adeus? Ela
prometera fazer qualquer coisa que fosse necessária para
trazê-lo de volta para ela.
Mas ela não pensou que isso significasse cortar o seu
próprio coração.
Tentou imaginar alimentar outro marido. Beijar outro
marido. Conceber um filho com outro marido. Até mesmo se
seu filho fosse Finlay, tudo dentro dela gritava que era errado.
Annie deveria ser a esposa de John. Ela deveria alimentá-lo,
amá-lo e fazê-lo rir, pois ninguém mais parecia capaz de fazê-
lo tão bem.
Então, deveria deixar Finlay ir. Ele nasceria para outra
pessoa. A lacuna onde uma vez ele estivera conectado nunca
se recuperaria completamente. E ela sentiria falta dele. Deus,
como ela sentiria falta.
Outra rajada a atingiu, mais gelada desta vez. Um
pássaro chamou, alto e próximo. Annie piscou. Abaixou a
mão. Ergueu os olhos.
E lá, no arco mais alto, havia um pássaro branco.
Parecia um corvo. Ela nunca vira nada como aquilo.
― V-vê aquilo?
A Sra. MacBean não respondeu. O pássaro chamou
novamente. Era um grasnado um pouco áspero e distorcido.
Ele levantou voo e desapareceu dentro da igreja. Um
momento depois, pousou no arco novamente, desta vez com
algo em seu bico.
Um pedaço de tecido, pensou, embora fosse difícil
enxergar.
O pássaro olhou diretamente para Annie e, por um
momento, ela teria jurado que os olhos dele eram da mesma
cor dos de Fin. Depois, ele voou para longe.
Mas o pedaço de tecido flutuou, girando e dançando no
vento vigoroso. Ele caiu no centro das pedras.
Um tartã azul e verde. Igual ao que ela usara para fazer o
kilt do seu inglês.
― Oh, aquele pássaro inteligente deve ter puxado isso da
minha bolsa mais cedo quando estava recolhendo pervinca do
pântano. ― A Sra. MacBean abaixou-se e pegou o pequeno
pedaço de lã. ― Eu usei isso para o seu feitiço de casamento.
Annie piscou para a velha que sempre pareceu tão tola.
A Sra. MacBean sorriu e enfiou o pedaço de tecido na
bolsa que ela usava em seu quadril
― Parece que ainda tenho um pouco de magia neste
sangue antigo, hein?
― O-o pássaro era… ― Annie apontou para o arco, agora
vazio. ― Era…
Uma palmadinha em sua mão. Um empurrão em direção
à trilha.
― Estes são mistérios profundos que procuramos sondar,
lass. Forças sombrias e reinos escondidos.
― Aye. Já disse isso antes. Por que suspeito que sabe
muito mais do que está contando?
Ignorando a pergunta, a anciã abaixou-se para recolher
um punhado de musgo de uma pedra próxima e a enfiou em
sua bolsa.
― Acredita que o tio do Sr. Brodie virá ao casamento,
lass? ― Um suspiro tolo. ― Ah, seria uma grande surpresa.
Há muitos anos que não aprecio um bom arremesso de
tronco.
Capítulo 16

Annie esperou para colocar o seu vestido lilás até que


Betty ter ido embora. Ela se sentou com Broderick até sentir
que ele se acalmava e dormia e esperou até a porta de Angus
fechar para calçar suas botas de cano curto. Esperou até a
casa ficar silenciosa, exceto pelos insetos noturnos e corujas
lá fora.
Então ela fez seu movimento, deslizando para fora da
porta para a noite luminosa e prateada. Pegou a estrada norte
até Glendasheen, apreciando o cascalho triturado, o cheiro de
verde e o ar de verão sedoso em sua pele. Logo, ela estava
dando a volta no lago e se aproximando do castelo.
Em seguida, abriu a porta.
Perto da meia-noite, o castelo parecia quieto e escuro. Os
MacDonnells já tinham ido todos embora ou ido as suas
camas. Agora, parada na porta de entrada do vestíbulo de
John Huxley com a luz da lua banhando através das janelas
novas, ela se perguntou se o encontraria em seu quarto,
acordado em sua biblioteca ou vagando pela cozinha em
busca de comida que Marjorie MacDonnell não arruinara.
Ela se perguntou se o encontraria sozinho.
Deus, ela esperava encontrá-lo sozinho.
Seu corpo tremia. Suas mãos suavam. Sua garganta
estava seca.
Não havia nada para isso agora. Ela viera ali com um
objetivo e ela o cumpriria. Lentamente, ela escolheu seu
caminho pelas pedras de ardósia que seu cavalheiro inglês
havia posto com suas próprias mãos. Ela cruzou o corredor
até as escadas e sentiu seu coração bater três vezes mais a
cada passo que dava.
Ela começaria pelo quarto dele, decidiu. Se ele estivesse
sozinho, ela diria o que tinha a dizer, e seria isso. Se ele não
estivesse sozinho… Bem, ela não sabia o que faria.
Provavelmente alguma coisa grosseira ― insultos sobre
copular com animais de fazendas seguidos por surras súbitas
e violentas em partes sensíveis do corpo. Se ele estivesse em
qualquer outro lugar, procuraria até encontrá-lo, pois ela não
pretendia partir até que tivesse se esclarecido com o seu
inglês. A dor nos olhos dele enquanto ele se afastava a
assombrava.
Ela parou ao chegar ao piso superior. A porta dele, feita
com uma placa de carvalho que ele reparara e refinara ele
mesmo, era a última à esquerda. Seu coração se apertou. Ela
respirou. Encontrou o puxador. E entrou.
O quarto estaria escuro se não fosse a luz da lua que
atravessava a janela de três arcos na parede sul. As tábuas
sob seus pés rangeram um pouco enquanto ela se aproximava
do centro, onde ela sabia que encontraria a cama dele ― a
cama com drapeado verde que ela vira ser puxada no ano
anterior da carroça longa, assim como um tapete grosso,
várias mesas e duas grandes cadeiras de couro. Ambas
estavam agora viradas para a lareia na parede oeste. Era
verão, então não tinha fogo. Nem lamparina. Nenhuma luz,
exceto a da lua.
Ela conseguia ouvir seu próprio coração, sua respiração,
clamando com velocidade frenética.
Afastando-se da porta, moveu-se alguns passos mais
para o interior do quarto. Foi quando ela ouviu um tilintar.
Um copo sendo apoiado na mesa.
― I-Inglês? ― Ela perguntou suavemente.
O couro rangeu, assim ela soube que ele estava em uma
das cadeiras. Mas ele não se levantou.
― Está… ― ela engoliu em seco. ― Está sozinho?
Uma risada profunda e cínica flutuou pelo quarto vazio.
― Estava. ― Um gole e depois outro tilintar. ― Até uma
escocesa espevitada decidir que queria outro sabor.
Seu coração se retorceu.
― Não é isso o que eu…
― Por que está aqui? ― Ele espetou. ― Ansiosa para ir
para a cama,não é?
― Não, não é isso…
Ele se levantou da cadeira, uma presença sombria e
sinistra.
― Talvez deseje uma boa trepada antes de se vender por
uma linhagem.
― Eu não pretendo…
― Um título não oferece segurança, sabia. Homens com
títulos tomam amantes com alguma regularidade. Mulheres
com títulos têm suas diversões também. ― Ele inclinou o copo
antes de apoiá-lo na mesa. ― Talvez gostaria de me manter,
heim? Um bocado de esporte quando o homem com quem se
casou falhar em satisfazê-la. ― Com passadas lentas e longas,
ele chegou até ela. Segurou a bainha de sua camisa e a
puxou. Depois, a puxou por cima da cabeça, atirando o tecido
amassado pelo quarto.
Quando o rosto dele apareceu em um raio de luz da luz,
a fúria ferida ali rachou o coração dela em dois.
― Inglês. Escute-me.
Ele não queria ouvir. Ele queria se zangar.
― Talvez goste da ideia de sangrar a sua presa antes de
devorá-la.
― Não. Deus não. Eu nunca…
― Mas não sou uma presa fácil, pois já sobrevivi à caça
antes. ― Ele se aproximou ainda mais. Centímetros de
distância. Em seguida, abaixou a cabeça até ela sentir uísque,
pinheiro e a seu amado inglês. ― Este cervo tem chifres,
amor.
― Eu sei que está zangado.
― Não estou zangado.
― Aye. Está. ― Ela quis tocá-lo, mas temeu a reação dele,
assim ela enlaçou os dedos a frente de sua cintura. ― Inglês,
por favor. Apenas escute-me.
Ele levantou a cabeça.
― Não me chame assim. Meu nome é John Huxley.
― Muito bem, John.
Algo pareceu tê-lo perturbado, mas ele apenas ficou ali
em pé, o rosto estava tão profundamente nas sombras que ela
podia apenas ver o brilho fraco de seus olhos. Eles não
estavam dourados nesta luz. Estava gelados.
― Conte-me porque está aqui.
― Cê me entendeu errado esta manhã. Quando
pediu...quando disse… quando disse…
― Que eu a queria como minha esposa. ― A afirmação foi
tão monótona que ela piscou.
― Aye.
Um canto da boca dele se torceu em um grasnado.
― Diga isso.
― Quando pediu para que eu me casasse com você.
― E reagiu como se eu tivesse cravado uma faca em seu
ventre.
― Você não entendeu e eu não podia explicar.
― Isso, como eles dizem aqui no vale, é pura merda. ―
Ele inclinou a cabeça. ― Entendi perfeitamente. Você não
buscava se casar por um título para salvar o seu irmão.
Ela piscou. Franziu a testa.
― Eu lhe disse que não era essa a razão.
― Você me contou contos ultrajantes sobre devoção a um
fantasma.
― Aye. Essa é a verdade.
― Não. A verdade não tem relação com devoção e tudo a
ver com linhagem.
― Cê está pescando em águas perigosas, Inglês. Melhor
puxar sua vara antes que ela seja mordida.
Ele não estava ouvindo. Não parecia ciente de sua
crescente raiva. Muito cego por si mesmo, ela apostou.
― Admitia, Annie. Você busca casar-se com um lorde
porque, como a maioria das mulheres, você deseja elevar sua
posição. Qual a melhor forma de garantir que seus bebês
nunca tenham que transportar uísque ou limpar estábulos?
Que você não precise…
― Falando em pura merda.
― …contentar-se com um homem oferecendo apenas
mãos calejadas e uma cozinha decente.
― Seu maldito inglês arrogante!
A carranca dele se aprofundou em um esgar ameaçador.
― Acha que apreciará ter algum velho enrugado como
ameixa em cima de você? Desde que ele consiga tal façanha, é
claro. A idade faz coisas infelizes com o tronco de um homem.
― Eu não quero me casar com outro homem, seu idiota,
insultante, arrogante…
O escárnio dele desapareceu enquanto a voz se
aprofundava para um ressoar ferido.
― Então por que, em nome de Deus, não me respondeu!
― Eu teria se tivesse me agraciado com um maldito
minuto para pensar!
― É onde diferimos. ― Os olhos dele brilharam. O nariz
inflou. ― Sempre que estou perto de você, todos os
pensamentos somem. Talvez esse seja o problema.
― Não há um maldito problema, seu furúnculo inglês,
bárbaro, arrogante e insultante do traseiro de um burro
inútil!
Ele a encarou por longos segundos. Lentamente, seus
lábios se curvaram novamente e sua língua saiu para
umedecer sua boca. A respiração dele agora combinava com o
ritmo acelerado da dela. Os olhos não estavam mais opacos,
nem frios. Eles brilhavam como uma febre estranha.
― Arrogante. Eu?
― Aye. ― Ela gaguejou.
― O que mais?
― Todas as coisas que mencionei. E impaciente, além do
mais.
― Isso é tudo?
― Um imbecil impaciente que não escuta quando uma
lass tenta lhe dizer…
― Não deveria ter vindo aqui.
― … que ela alegremente seria a esposa dele se ele lhe
desse…
― Pois um homem impaciente e arrogante não tem
motivos para engolir sua fome.
― … um maldito minuto para ela dizer o quanto…
De repente, ela estava dobrada ao meio com seu ventre
sobre o ombro dele. Ele a ergueu e a arrastou em quatro
passos até a cama, depois a jogou como um saco de batatas
sobre o colchão. Ela quicou e resfolegou.
― Case-se comigo. ― Ele murmurou.
Ela se apoiou sobre seus cotovelos e olhou para o peito
nu dele.
― Eu já disse "aye". ― Ela arqueou as costas. Umedeceu
os lábios. ― Ou talvez esteja ansioso para me convencer.
― Po Deus, você me enlouquece, Annie Tulloch. ― Ele
estava abrindo sua calça. Encarando-a como um inglês
conquistador e desabotoando as suas malditas calças.
Ela mal conseguia acreditar na mudança dos eventos.
Não foi assim que ela imaginou que as coisas seriam. Pior, ela
estava tão excitada que sua pele formigava.
Os músculos do peito e ventre dele estavam mais
pronunciados ao luar. Os contornos do rosto dele
permaneciam na sombra, mas os músculos de sua mandíbula
estavam flexionadas e trêmulas.
Os seus seios pesaram em aprovação. Suas pernas
deslizaram pela colcha e suas coxas se apertaram contra o
choque de prazer.
― Está louco por mim, Inglês? ― Ela provocou. ― Uma
lass escocesa, pequena e gananciosa que o enerva, ãh?
Retirando o restante da roupa, ele passou uma mão pelo
rosto como se o fim de sua corda fosse uma memória
desgastada. Com movimento descuidado e experiente, ele
encontrou a bainha de suas saias e as subiu acima de seu
joelho.
― Sim. E eu quero reivindicá-la.
Isso a deixou sem ar. Os seus mamilos se ergueram até
criarem uma silhueta na seda lilás sob a luz da lua. Até eles
ansiavam para serem acariciados.
― Casar-me-ei com você. E dormirá aqui em minha
cama. Cozinhará para mim, mulher.
Sua voz saiu baixa e rouca.
― E o que cozinharei, hein?
O joelho dele exigiu o espaço no cobertor entre suas
pernas. Enquanto ele rastejava sobre ela, teve um vislumbre
de seu pênis.
Oh, céus. Seu ventre apertou-se de necessidade. Seu
coração bateu mais rápido.
― Pão. ― Ele murmurou. ― Você vai torrá-lo com
manteiga e me alimentar com os pedaços usando suas mãos.
Ela umedeceu os lábios virando a cabeça para os dois
lados, onde braços longos e musculosos agora seguravam o
corpo dele acima dela. Ele ainda nem a tocara, não de
verdade. E ela já estava úmida e pronta.
― Quando eu me satisfizer com isso. ― Continuou. ― A
carregarei até aqui e plantarei o meu bebê em seu ventre.
Todo corpo dela estremeceu com a excitação que
explodiu dentro dela.
― Ah, mas bebês não acontecem simplesmente, Inglês.
Acredito que o acasalamento seja necessário.
― Um monte disso. ― Ele grunhiu. ― Você disse que
deixaria o seu marido acasalar e tocá-la tanto quanto ele
quisesse.
― Aye.
― Eu malditamente quero, Annie.
Ela olhou para eles, para a prova de intimidade de sua
afirmação.
― Assim como eu.
― Então, casar-se-á comigo. Cozinhará para mim. E rirá
para mim. E me deixará tocá-la...
― Aye.
―… em todos lugares. E nunca pensará em deixar outro
homem se aproximar de você. Intitulado ou não.
Ela estendeu a mão e acariciou seu queixo trêmulo.
― Por que eu quereria outro homem quando tenho o meu
belo inglês?
Ele passou os braços por baixo de suas costas e a
levantou para um beijo. Enquanto a língua dele deslizava
para brincar com a sua, ela agarrou o pescoço dele e se
apertou contra ele onde pudesse: lábios, seios, quadris. Nada
importava além de se aproximar.
Ela não sabia como ele conseguiu, mas entre um beijo e
outro, ele removeu seu vestido. Lá pelo terceiro beijo, ela
estava totalmente nua, meio esparramada embaixo dele e
meio na lateral do corpo dele. Como John Huxley sabia tanto
sobre remover roupas femininas, preferia não saber. Tudo o
que ela queria era ele. Mas dar tudo a um homem sem exigir
nada em troca era a certeza de um caminho para a desgraça.
Então, ela agarrou seu cabelo espesso e o empurrou até ele
olhar dentro de seus olhos.
― Ouça, Inglês. Cê disse o que farei para você. E o que
fará para mim?
― Dar-lhe-ei filhos.
Ela bufou, fingindo escárnio.
― Mais bocas para alimentar.
― Dar-lhe-ei um castelo e uma cozinha.
― Um castelo para ser limpo e uma cozinha para
cozinhar suas refeições, ãh?
Os olhos dele queimaram com a luz prateada. Eles pelos
seus seios, ventre e desceram para a sua parte mais faminta.
― Dar-lhe-ei prazer, mulher. Um prazer torturante e sem
fim.
― Humm. Um bom começo. Continue.
― Dar-lhe-ei mais vestidos para usar, assim poderei tirá-
los desse corpo deleitável.
Ela engoliu com dificuldade.
― Gosto de vestidos, Inglês.
― No inverno, a levarei a lugares que nem pode imaginar,
onde a chuva é quente em vez de fria. Onde poderá dormir
nua na areia quente e olhar o céu sem nuvens.
― E se eu quiser ficar aqui, onde não há nada além de
neve e escuridão?
― Então farei um fogo na lareira que rivalizará com
Hades.
Para onde o ar dela foi? Não para seus pulmões, com
certeza.
― Suspeito que não terá problemas nesta área.
― Quando o verão chegar, eu a tomarei em pé debaixo da
cachoeira.
Ela grunhiu.
― E no outono?
― Eu envolverei seu corpo nu em um plaid. Depois a
segurarei enquanto me conta histórias ultrajantes sobre
morcegos e janelas que não se encaixam perfeitamente.
― E na primavera?
― Estação do acasalamento.
― Pensei que isso era em todas as estações.
― E é.
Ela riu baixo e rouca. Como qualquer lass podia resistir
a esse homem?
― Deus, você é bonita. ― Ele traçou os ossos da base de
sua garganta antes de escorregar a mão para seu seio
esquerdo.
― Estes são… uma maravilha incomparável. ― Ele os
segurou, pesou, apertou. ― Devo alertá-la, sou um pouco
obcecado.
Ela não teve que responder, pois ele começou a arrastar
a palma da mão sobre o mamilo em um ritmo constante e
fascinante.
― Vou querer sugá-los com bastante vigor, sabe. Poderá
deixá-los um pouco sensíveis.
― Oh, Deus. ― Ela arqueou os quadris em cima da cama.
― É melhor tratar logo disso, Inglês. Toda essa conversa me
deixa pronta para…
A boca dele envolveu seu mamilo direito ao mesmo
tempo que os dedos apertavam o outro que ele estivera
acariciando.
O prazer explodiu de seus seios e ondulou em todas as
direções. Ela ofegou, afundou os calcanhares na cama e
procurou o pênis dele com a coxa. Ele estava quente, duro e
tão pronto para ela que ela não sabia se ele duraria.
Claro, tudo o que ela sabia sobre o processo aprendera
ao ouvir homens se vangloriarem, gracejarem e conversarem
um monte de besteira quando achavam que ela não estava
escutando.
Ninguém nunca lhe dissera como deveria se sentir. O
quanto ela iri querer aproximar a cabeça dele mais perto,
afundar os dedos no pescoço dele e implorar tanto para ele
parar quanto para nunca parar porque o prazer era como
uma bebida alcoólica e demais para sua sanidade.
Seus mamilos queriam mais da boca dele, dos dentes e
da língua. Eles reclamaram quando ele trocou, abandonando
um para a solidão de seus dedos. Eles incharam e cresceram
e ficaram quase insuportavelmente sensíveis a cada carícia.
Ela se contorceu. Praguejou. Chamou-o com nomes vis e
prometeu que cozinharia carne de veado com molho todos os
abençoados dias se ele terminasse o que começara.
― Oh, amor. ― Ele grunhiu com um sorriso em sua voz.
― Mel é tudo o que desejo.
Ele começou a sugar com mais força. Os ofegos dela
ficaram mais agudos. Ele se recusou a tocar entre suas coxas,
embora ali fosse exatamente onde ela mais precisava dele.
Desesperadamente, desesperadamente precisava dele. Ele
nem ao menos permitir que ela esmagasse seu centro
necessitado contra as pernas dele e seu pênis.
― O que está tentando fazer comigo, seu belo diabo?
― Fazê-la chegar ao orgasmo.
― Então toque-me aqui…
― Não. Aqui primeiro. Já esperei demais. Sonhava em
fazê-la chegar ao clímax apenas com isso.
Ele abaixou-se sobre ela novamente. Boca, mamilos,
dedos e… Ah, Deus. Apenas a voz dele. Apenas isso. O desejo
tornava aquela voz inglesa, nítida e culta em crua e rouca.
O puro prazer que ele extraia dela, e o pensamento de ele
fantasiar sobre fazer isso agruparam-se na parte de baixo de
seu ventre. Quente entre suas coxas. Um pulso profundo
dentro de seu núcleo. Ela grunhiu e arqueou na direção dele,
deixando a boca e as mãos dele a levarem mais alto. Deixou
as ondas de prazer ficarem mais fortes e apertadas. As deixou
explodir, em seguida prendeu, depois explodir mais
brilhantes. Mais altas. Girando com alegria.
Depois, estava flutuando, enfiando os dedos pelos
cabelos dele enquanto ele beijava um caminho para baixo em
seu corpo.
― Inglês? ― Ela murmurou. Sua voz estava em
frangalhos. Ela estivera gritando?
― Levará apenas um momento.
Ela piscou confusa.
Ele mordiscava seu ventre. Depois mais embaixo. Depois
ele agarrou seus quadris e a levantou até suas coxas ficarem
separadas. Ele as abriu mais. O ar soprou frio pela umidade
do interior de suas coxas e dobras inchadas. Ele se
posicionou com os ombros entre os joelhos dela e a cabeça
entre suas pernas.
Bem ali. A boca dele estava...bem ali.
― Er...Inglês?
― Você não acredita que possa ficar excitada o bastante
novamente, mas lhe mostrarei. Não se preocupe. ― Os dedos
dele acariciaram para baixo em um movimento longo e
descuidado que fez seus olhos arregalarem e seu corpo inteiro
estremecer. ― Shh, amor. Acalme-se. Está bem inchada aqui.
― Ele tocou seu centro com as pontas dos dedos.
Ela choramingou.
Ele pôs um pouco de pressão.
Ela arqueou e afundou os quadris contra o colchão.
Alguma coisa úmida e escorregadia a tocou ali. Bem ali.
Bem ali onde todo o prazer do universo residia. Cintilou e
dançou como luz sobre um lago ondulante. Levou-a para
cima, na mesma vertente de antes. Mas rápida desta vez,
como se o corpo dela soubesse o caminho de cor.
Um dedo longo deslizou para dentro de seu centro.
Depois um segundo. Em seguida ele a esticou. E ela se desfez.
Voou em mil pedaços de partículas brilhantes e se reagrupou
para partir-se novamente.
Ela pensou que ele sussurrou algo sobre uma pequena
dor, mas sua mente rugia como o oceano golpeando. Seus
músculos estremeceram e amoleceram. A mão dele correu ao
longo de sua coxa, agarrando, erguendo e finalmente
enganchando as pernas dela ao redor da cintura dele.
Em seguida, uma pressão brusca e quente começou a
abrir sua vagina. Exigia entrar, o que ela autorizou de bom
grado. O caminho foi facilitado por sua imensa excitação, e
ela estava feliz por isso, pois pelo tamanho dele, seria difícil
acomodar.
Ela supôs que era porque ela era inexperiente. E ele era
grande. E… Droga, por que essa dilatação não terminava
nunca? Ela moveu os quadris e os ergueu. Ele a segurou com
força, mantendo-a imóvel.
Os músculos do pescoço dele estavam tenso e sua
mandíbula tensionada.
― Maldito inferno. ― Ele praguejou. ― Fique comigo,
Annie.
Ela tentou relaxar. Ajudou um pouco. Mas então, ele
empurrou e a dor aguda se intensificou até atingir um pico.
Ele empurrou novamente e deslizou mais fundo. Novamente
mais fundo. A dor aguda diminuía a medida que a pressão
aumentava. Ele se movia com facilidade, ou pelo menos,
assim parecia. Ela agarrou os quadris dele com suas coxas
para encorajá-lo.
O homem obviamente estava tentando impressioná-la
com sua resistência. Mas ela já alcançara o pico duas vezes.
Ele devia tomar seu prazer, assim eles poderia dormir.
Ela acariciou o cabelo e beijou a boca dele enquanto ele
tentava se mover. Então, ela tomou uma decisão. O homem
precisava de uma boa trepada, e ela ia lhe dar uma. Então,
ela colocou sua boca na orelha dele, mordiscou um pouco e
depois sussurrou.
― Isso é tudo o que tem, Inglês?
Ele disse uma maldição infame. Grunhiu o nome dela.
Empurrou mais fundo e com força perversa. Depois martelou
como se ela fosse um poste que precisava ser fincado.
Deveria ter doído. Mas, por mais estranho que fosse, a
fricção, a pressão e o prazer nos gemidos dele eram
estimulantes. Indução de calor. Coração irregular. Seus seios
deslizavam contra o peito dele, os mamilos sensíveis roçando
a pele e os pelos dele a cada estocada contundente. O
surpreendente renascimento do fogo que ela pensou ter
apagado a fez se perguntar se John Huxley não era algum
tipo de mago.
Quaisquer que fossem as fontes de seu poder, quando ele
mudou levemente o ângulo de seus quadris, ela pegou fogo
nas estocadas finais. O que ela conseguia ver era o rosto dele
parecendo vermelho, louco e desesperado.
― Mais uma vez. ― Ele grunhiu. ― Entregue-se a mim
novamente.
Ela deslizou o polegar pelo lábio inferior e perfeito dele.
Lá embaixo, onde eles estavam unidos, sua vagina ondulava
um alerta enquanto seu botão inchado arrastava com cada
impulso longo e martelador de seu pênis.
Ele passou as mãos por baixo dela, segurou suas
nádegas e levantou seus quadris. Pôs mais força. Então ele
fez a última coisa que ela esperava. Parou. Os quadris dele
pararam no topo de uma estocada e, em vez de se retirar, ele
se segurou imóvel dentro dela, pressionado a cabeça de seu
pênis duro contra a boca de seu útero.
― Mais uma vez, amor. ― O peito dele arfava como um
fole. O suor deslizava pela pele. Ele a beijou quase
castamente. ― Sente isso? Quão apertada está ao meu redor?
Ela balançou a cabeça, não em negação, mas
simplesmente porque todos os seus pensamentos
evaporaram. Ela girava dentro de um redemoinho.
― Sim. ― Ele insistiu. ― Apertada porque está dizendo
que é só minha. Molhada porque seus mamilos precisam da
minha boca. Faremos isso novamente esta noite se não estiver
muito dolorida. Quer que eu me mova?
Ela assentiu. Choramingou.
― Inglês.
O pênis dele deslizou mais profundamente, a pressão
intensificando.
― Assim. Melhor?
A resposta dela foi arquear suas costas e buscar ar. Ou a
maldita sanidade.
― Aí está. ― Ele soava totalmente agradado. ― Deste
jeito. Seu corpo anseia por ser preenchido, amor. Deixe-se
servir. É para isso que nasci. ― Os olhos dele queimaram,
seus braços estremeceram e os músculos ficaram duros como
pedra. ― Você é o motivo para eu ter nascido.
Seu prazer explodiu. Seu corpo agarrou-se ao dele com
uma força gritante. As ondas de implacáveis o ordenhava,
exigindo precisamente o que ele prometera: preenchê-la
completamente. E assim ele o fez. Com um gemido duro e
agonizante, ele se aplicou à tarefa, tomando-a e tomando-a e
tomando-a. Estocando, estocando e estocando. O calor
girando. A fricção acendendo. Mas alguns impulsos violentos
e ela se alegrou quando o êxtase a consumiu em chamas. Ele
grunhiu com isso. Ele sacudiu a cama. O corpo dele se
esticou e se contorceu neste aperto, preenchendo-a com sua
semente. Sua necessidade. Seu prazer e força. Enterrando o
rosto no seu pescoço, ele caiu sobre ela, os músculos
lentamente relaxando, mas suas respirações quentes e
úmidas pulsavam o restante do prazer. Enfim, ele aliviou seu
peso deslizando para o lado, mas levando-a para cima,
recusando-se a soltá-la.
Felizmente repleta, ela deitou-se, meio em cima dele,
ainda unidos, deslizando os dedos sobre seus braços notáveis
e saboreando o pensamento de deitar-se assim todas as
noites. De tocá-lo onde quer que o impulso a levasse.
Carregar os filhos dele dentro de seu ventre. Assisti-lo rir,
comer a sua comida e tornar-se pai.
Ele seria um bom, pensou. Depois, tentou mover-se um
pouco e riu quando ele sonolento a puxou para mais perto,
recusando-se a deixá-la afastar-se um centímetro. John
Huxley seria bom em muitas coisas. A melhor de todas, seria
um marido espetacular.
― Case-se comigo, Annie. ― Ele murmurou contra a
garganta dela, as palavras arrastadas e sonolentas. ― Diga
que irá.
― Aye, Inglês. Não quero nada mais. ― Ela acariciou sua
mandíbula com toda a ternura que doía dentro dela ― e
lamentou a dor que lhe causara. ― Sinto muito por ter levado
tanto tempo para dizer isso.
Uma respiração longa foi solta, como se ele estive
segurando-a por anos. Ele a abraçou com mais força.
Envolveu-se ao seu redor. Depois, quando seus músculos
pesados relaxaram completamente até quase o sono, ele
murmurou:
― Desculpe-me por demorar tanto para encontrá-la.
Capítulo 17

Por que ela acusara John Huxley de ser delicado? O


homem pesava uma tonelada. E ele dormia mais pesado do
que uma maldita rocha.
Annie conseguiu levantar a mão dele de seu seio, mas a
outra imediatamente apertou o seu traseiro e a aproximou
ainda mais para baixo dele. Ela ficaria feliz de acomodá-lo se
a luz do dia já não estivesse atravessando a janela. Mas ela
devia retornar à Casa MacPherson antes que Angus enviasse
seus irmãos para atar o homem a quem amava.
― Pelas bolas do Diabo, Inglês. ― Ela ofegou, embalando
a cabeça de seu futuro marido, que estava deitada entre seus
seios. Era impossível acordá-lo. Ela deu um tapinha no rosto
dele. Sem reação. ― Apostaria que subiu e morreu em cima de
mim se seu pênis não tivesse decidido desejar-me um bom-
dia. ― Ela acariciou a extensão das costas em forma e fortes e
estendeu a carícia para seu igualmente traseiro em forma. ―
Um bom dia muito bom, de fato.
Ela desejava ficar. Por mais dolorida que estivesse, ela
queria permanecer com ele até ele acordar. Ela queria
observar os olhos dele queimarem dourados por ela na luz do
alvorecer. Mas ela tinha que ir.
Com um grande suspiro, ela empurrou o ombro dele.
Precisou de mais quatro empurrões adicionais e muitos
deslizamentos para alcançar seu objetivo. Ele virou sobre
suas costas, mas o seu aperto em suas costas a fez rolar com
ele até seu corpo cobrisse o dele. Nessa posição,
repentinamente suas pernas foram abertas sobre os quadris
dele e aninhou seu pênis na abertura entre suas coxas.
Ela apoiou sua testa no ombro dele e gargalhou.
― Mesmo dormindo como um defunto, está pronto para
outra trepada. ― Ela se levantou para beijar seus bonitos
cílios e lábios perfeitos. ― Se não o conhecesse, pensaria que
era escocês.
Céus, ele estava excitado. Cada centímetro duro e
delicioso dele. Mas ela tinha que ir.
De verdade.
Ela suspirou. De verdade, ela deveria…
Ela o beijou de novo. Acariciou o queixo dele e traçou o
nariz belo e aristocrata com as pontas de seus dedos.
― Tem alguma ideia de quanto eu sentirei sua falta,
Inglês? ― Ela sussurrou. ― Mesmo uma hora parece tortura.
Mas ela devia ir. Então, ela apoiou as mãos sobre os
ombros dele e sentou-se.
Ele pestanejou. Depois abriu-se. O corpo dele se retesou
e não de uma maneira luxuriosa. Em vez disso, ele parecia
assustado e ameaçador, como uma presa caçada.
Em um momento, ela estava sentada sobre o homem a
quem amava.
No seguinte, ela foi empurrada e presa na cama com um
homem louco sobre ela.
― O que está fazendo? ― Ele grunhiu, as mãos apertando
seus pulsos com pressão forte. ― O que diabos acha que está
fazendo?
Todos os tons dos olhos dele, verde, marrom e dourado,
estavam visíveis porque suas pupilas estavam contraídas.
Mas, embora tão lindos como estavam, eles não a
enxergavam.
― Inglês? ― Ela manteve sua voz calma e baixa, já que
ele a segurava com mais força do que costumava fazer se não
estivesse preso em alguma coisa feroz. ― Estava dormindo,
mas agora acordou.
Ele sacudiu a cabeça.
― Você estava em cima de mim.
― Aye. ― Ela estremeceu. ― Não quis te dar esse começo.
― Apesar do desconforto de estar presa à cama, ela tentou
elevar o humor. ― Oh, você tem o sono pesado, Inglês. Em
mais de uma forma. Tive que me esforçar para rolar seu peso
morto de cima de mim. E ainda assim, recusou-se a soltar o
meu traseiro. Foi assim que acabamos brincando de cavaleiro
e montaria. Não que me oponha a novas posições, veja. Ficar
de ponta cabeça pode ficar fora de questão. Mas a maioria das
outras coisas, estou disposta a ser persuadida.
Ele vincou a testa. Piscou. A respiração tranquilizou-se
de uma ofegante para um ritmo cadenciado.
― Annie?
― Bom dia, Inglês. ― Ela disse com um sorriso gentil.
Ele olhou para onde a mantinha. Ficou um bocado
irritado. Depois, instantaneamente, a soltou e se afastou.
― Deus. Desculpe-me. Eu… a machuquei?
― Nah. Já tive brigas piores com uma perna de cordeiro.
Quase me arrancou um olho uma vez. ― Cuidadosamente, ela
sentou-se. Seus pulsos estavam um pouco vermelhos, mas
não doíam. ― Foi um pesadelo?
Ele não respondeu. Meramente deslizou uma mão pelo
rosto e depois puxou as dela para examinar seus pulsos.
Ela se aproximou.
― Pode me dizer o que acontece?
Franzindo a testa, ele balançou a cabeça e depositou
beijos gentis na parte interna de cada pulso.
― Tenho o sono pesado. Ás vezes quando acordo, ficou
um pouco… desorientado. ― Mais beijos. Uma carícia ou duas
com o nariz. ― Estou terrivelmente desolado, amor. ― Ele
sussurrou.
Ela deslizou para o colo dele e envolveu seus braços ao
redor do pescoço dele.
― Parece que pensou que estava sendo atacado, hã?
Novamente ele não respondeu.
Suspirando, ela pegou o rosto dele, beijou a boca e
acariciou a bochecha com o polegar.
― Eu sei que nunca me machucaria, Inglês.
― Morreria antes. ― Os olhos dourados brilhantes
ergueram-se para ela. ― E eu mataria alguém que tentasse.
Inglês encantador e feroz. Ela sorriu.
― Aye, certamente. Agora, não preciso de ninguém morto
hoje, mas poderia usar um pouquinho da sua ajuda com meu
vestido.
― Por quê? Está arrebatadora assim. ― Ele acariciou o
cabelo solto dela e arrastou seus lábios ao longo do ombro
descoberto dela.
― Devo me vestir, assim posso voltar à Casa
MacPherson. ― Ela o beijou e saiu do colo dele. ― Antes que
Angus chegue com seu rifle de caça.
― Irei com você.
Ela saiu da cama e começou a recolher seu vestido e
roupas de baixo.
― Nah. Deve ficar aqui. ― Após passar sua camisa pela
cabeça, ela abaixou-se e pegou uma meia debaixo de uma das
cadeiras de couro. ― Eu gosto mais do que um pouquinho
desse seu rosto bonito.
― Irei com você. Fim da discussão.
Olhando para ele por cima do ombro, ela arqueou uma
sobrancelha.
― Ah, é divertido, Inglês. Venha aqui e me ajude com
meu espartilho.
Uma hora depois, Annie estava sentada com seu vestido
lilás sobre as costas de Jacqueline com os braços de seu
divertido inglês ao seu redor. Ela não sabia qual deles vencera
a discussão. Uma vez que ele começara a ajudá-la a por seus
seios dentro do espartilho, perdeu completamente a linha de
raciocínio.
Mas quando a Casa MacPherson entrou em sua visão
através das folhas da bétula, ela começou a se preocupar com
a reação de Angus.
― Melhor me deixar falar. ― Ela alertou.
― Seu pai e eu temos um entendimento.
O pai dela não era o tipo compreensivo.
― Está tudo bem.
Ela bufou.
― Talvez aprecie a ter seus dentes removidos pelos nós
de outro homem, mas eu preferiria alimentar o meu marido
com mais do que tatties macias.
― Humm. ― O peito dele retumbou com uma risada
profunda. ― Batatas macias parecem… deliciosas.
― Leve a sério, Inglês.
― Haverá molho nas batatas?
― Bom Deus.
― E manteiga?
Ela golpeou o braço dele e depois cruzou os dedos.
― Teremos que nos casar imediatamente. Angus
insistirá. Sabe disso, certo?
Ele roçou a orelha dela com o nariz. Apertou o abraço em
torno dela. Depois sussurrou:
― Conto com isso, lass.

***

Em raras ocasiões quando John imaginou a mulher que


um dia seria a sua esposa, ele imaginou alguém agradável.
Simpática. Talvez até enfadonha. Imaginou uma rosa inglesa
de boa família, uma dama gentil que tomaria seu chá em
goles delicados e elogiaria o novo sofá e lenços bordados de
sua mãe com um entusiasmo contido.
Talvez isso explique o porquê ele resistir ao casamento
por tanto tempo. Ele não sabia que Annie Tulloch existia.
Porque nenhuma outra mulher chegava perto de se
igualar a sua lass escocesa.
Enquanto ela a descia das costas de Jacqueline, lutou
para conter-se. Nada o preparara contra seus ossos, exigindo
tomá-la de novo e de novo. Exigindo que ele gritasse seu
clamor para todos no vale. Todos neste maldito mundo.
Ela era dele. Dele.
Esta mulher impetuosa, desbocada, grosseira e
inaceitável era dele.
Esta mulher persistentemente leal, ternamente doce,
ferozmente passional era dele.
― O que está olhando, Inglês. ― Ela franziu a testa para
ele, alisando as laterais de seu cabelo preso às pressas. ―
Pareço uma bagunça apropriada?
Pareçu uma baguuunça apropriada? Aqueles lábios
atraentes franziam ao longo das vogais arredondadas e dos
"erres" vibrantes enquanto uma pitada de vulnerabilidade
criava um vinco entre suas sobrancelhas vermelhas.
Deus, como ele a amava. Ilimitadamente.
Inexplicavelmente. E, porque ele a amava, devia lhe contar a
verdade.
― Annie.
Olhos azuis centáurea levantaram-se
questionadoramente.
Um berro profundo soou do vão da porta da Casa
MacPherson.
― Onde diabos esteve? ― Angus rompeu até o caminho e
levantou a mão. ― Não pergunte. Já comi.
Annie virou-se, tropeçando ao encarar o pai.
John a equilibrou e encontrou o olhar feio do homem.
― Angus, devo falar com…
― Cale-se, lad. Annie, seu irmão está acordado e
reclamando sobre seu estômago. Disse alguma coisa sobre ter
ovos, para variar.
Annie franziu a testa.
― Rannoch nunca quis ovos. Ele não gosta deles.
― Não Rannoch. Broderick.
Segurando a mão de John, ela apertou e o olhou com
olhos esperançosos e arregalados antes de voltar-se para o
pai.
― B-Broderick? Ele acordou? ― Sua voz ficou fina pela
emoção. ― Ele está pedindo o desjejum?
Angus sorriu tão abertamente que John pensou que sua
mandíbula fosse quebrar.
― Aye, lass. ― Os olhos do homem brilhavam com uma
umidade suspeita. ― Ele está perguntando por você também.
Com a visão turva pelas lágrimas, ela levou os dedos de
John aos lábios, beijou os nós, depois voou para os braços do
pai.
― Graças aos céus, Pai. ― Ela chorou. ― Ah, graças a
Deus.
Assim que Angus lhe deu um tapinha nas costas ela se
afastou e correu para dentro da casa.
O sorriso de Angus desapareceu logo que ele pegou o
olhar de John.
― Você se casará com ela hoje.
― Sim, eu…
― Não me importa uma merda se planejava uma grande
cerimônia em uma igreja de Londres com todo seu clã ali para
julgar.
― Não, eu…
― Casar-se-á com minha filha hoje, Huxley, e nós nunca
falaremos novamente sobre onde ela esteve ontem à noite.
Entende?
John passou uma mão sobre o queixo, depois olhou para
o chão, depois para Angus. Então, gargalhou. Provavelmente
um erro, mas não conseguiu evitar.
― O que diabos é tão divertido, lad?
― Você sabe muito bem que estou desesperado para me
casar com ela. Ninguém me forçou.
Angus cruzou os braços e se aproximou, tentando
intimidar com seu peso superior.
― Bem, você tem desgraçadamente me forçado, não tem?
John deu de ombros.
― Um homem faz o que deve.
Angus bufou.
― E quando planeja contar a ela quem você é?
― Como sabe que não contei?
― Porque ela ainda lhe trata como o cordeirinho favorito
dela. Uma vez que sentir o lado puro do temperamento de
Annie, terá sorte se encontrar -se apenas dentro na panela de
ensopado dela.
Uma sensação gelada fixou-se em suas entranhas.
― Estava esperando que ela ficasse feliz diante da
notícia. O objetivo dela era casar-se com um lorde.
Um menino correu da parte traseira da casa para pegar o
cavalo de John. Querendo privacidade, Angus assentiu em
direção a um canto ao sul, em frente do jardim, convidando
John para segui-lo. Quando eles pararam embaixo de um
salgueiro alto, Angus soltou o ar e balançou a cabeça.
― Annie não tolera mentira. Tenho andando nu entre um
espinheiro ao manter seus segredos como tenho feito.
Piscando diante da imagem, John franziu a testa.
― Há espinhos arrancando pedaços tenros, entende?
Ele reprimiu um sorriso.
― Sim, entendo o que quer dizer.
― Minha pequena lass é um pouco orgulhosa.
― Não havia percebido.
― Ela não se importará se estiver carregando seu filho.
Se cutucar seu temperamento, ela o fará pagar.
John considerou suas opções.
― Acha que ela me recusará, então?
― Por um tempo, aye. Para sempre? Não sei. ― Angus
coçou o queixo. ― Quando ela tinha treze anos, menti a ela
sobre um bezerro ao qual ela se apegou. Ela deu nome a
besta, o alimentava na mão, o adorava. Eu lhe disse que não
deveria se apegar, já que ele viraria carne. Mas ela era
teimosa. O tempo passou e eu lhe disse que o vendi para um
homem na feira que tinha uma fazenda na Ilha de Skye. Uma
fazenda grande com acres e acres de pastagens para a
pequena besta virar um touro que criaria os rebanhos dele.
― Qual foi a sua mentira?
― O bezerro dela não foi vendido. Ele se afastou do
rebanho e foi dilacerado por cães selvagens. Alexander
rastreou os cães e os matou. Eu enterrei o bezerro. Troquei de
camisa. Então fui a casa e menti para a minha filha. ― Angu
balançou a cabeça. ― Lass de coração mole. Percebeu
imediatamente. Forçou-me a contar a verdade. ― Ele
suspirou. ― Não falou comigo durante quinze dias. Não é
quando ela grita a ponto de derrubar o teto sobre sua cabeça
que deve temer, lad. É quando ela fica calada.
Este não era um bom presságio.
― Devemos nos casar imediatamente, Angus. Depois da
noite passada…
― Aye. Entendo.
― Eu posso esperar para lhe contar sobre o meu título
depois que estivermos casados, suponho.
― Melhor opção. Sem dúvida.
John removeu o chapéu e passou as mãos pelos cabelos.
Girou o chapéu nas mãos, ponderando sobre o que lhe
esperava após ela descobrir. Quando ela percebesse que ele
lhe dava tudo o que ela dizia querer. Talvez ela ficasse
zangada por um curto tempo e depois o perdoasse
rapidamente.
― Aye, ela o odiará pura e efetivamente. Não sei quanto
tempo levará. Um ano, talvez. Dois. Annie é uma lass de
emoções fortes. ― Angus passou a mão pelo ombro de John. ―
Mas é melhor ela ter o seu nome antes, ãh? Depois, mesmo
que ela o mate, a sua reputação estará a salvo.
Jon grunhiu e esfregou a mandíbula.
― Recomendo presentes, lad. Nada pode sair errado com
presentes.
― Maldito desastre. ― John murmurou.
― Aye. Mas tenha coragem. ― O homem mais velho lhe
deu um tapa de apoio. ― O que tem feito por essa família não
é pouco. Meu filho estaria morto ― morto ― se você não tivesse
intervido.- Os olhos escuros de Angus brilharam, primeiro
com pesar depois em gratidão. ― Não me esquecerei disso. E
nem ela irá. Uma vez que ela descubra, claro.
John assentiu um reconhecimento pelo agradecimento
do homem. Os esforços dele não foram pelo bem de Angus e
nem mesmo de Broderick. Tudo o que ele fizera havia sido por
Annie.
― Eu realmente me alegro pela forma como Broderick
tem melhorado. Tudo o que falta é descobrir quem pode ser o
responsável pelas atrocidades que ele sofreu.
― Ouviu alguma coisa dos seus parentes?
― Nada ainda. Dunston me prometeu enviar notícias em
breve.
Angus grunhiu e apertou o ombro de John antes de
voltar o seu olhar para o campo de flores silvestres.
― Sou muito grato a você, filho. Foi uma boa sorte você
ter vindo até aqui. Eu sabia que um filhote de conde teria
conexões. Só não achei que estaria relacionado a toda maldita
aristocracia.
John riu.
― Admito. Ser filho de um conde tem suas vantagens.
As abelhas zumbiam entre as flores silvestres. À
distância, um trio de vacas mugia e mastigava. Um vento
preguiçoso e quente ganhou velocidade. De repente, uma
brisa forte explodiu, rodopiando através das folhas do
salgueiro. Ele carregava o cheiro de… mel.
Ele congelou.
― Filho...de conde?
Lentamente ele se virou.
― Inglês? ― O rosto dela estava branco como nuvem. ―
Diga-me que estava falando de outra pessoa.
― Annie. ― Ele a alcançou em três passadas.
Ela não tentou pará-lo. Apenas implorava com aqueles
olhos azuis arredondados, como se simplesmente não
entendesse o motivo pelo qual ele a magoaria.
O chapéu dele caiu na grama quando ele pegou as mãos
flácidas dela.
― Eu pretendia lhe contar. Juro. ― Ele acariciou os nós
das mãos dela alarmado pela palidez dela. Pelo silêncio. ―
Amor, nada mudou.
― Nada. ― A palavra foi um sussurro.
― Meu pai é um conde, sim.
― Um conde.
― O Conde de Berne. Mas eu sou John Huxley. Apenas
um homem. O homem que a ama.
― Cê é filho dele.
― Sim.
― Cê tem apenas irmãs. ― A voz dela estava fraca, a
respiração rasa. ― Isso o torna o herdeiro dele, Inglês. Cê é o
herdeiro dele.
Ele assentiu.
― Nós teremos muitos anos antes…
― Então, você é um lorde.
Ele contraiu a mandíbula.
― Tenho um título de cortesia.
― Tem? Agora?
Ele podia muito bem por tudo para fora.
― Visconde Huxley. Não o uso há alguns anos.
Várias respirações se passaram.
― Lorde Huxley.
― Isso não quer dizer nada. ― Ele falou entre os dentes.
As unhas dela penetrara nas mãos dele até suas palmas
doerem.
― Tem ideia do que eu sacrifiquei para me casar com ‘cê,
John Huxley? ― Ela puxou suas mãos. Tropeçou para trás.
Tropeçou e tropeçou novamente.
Ele esticou a mão para ela, mas ela desviou em direção à
casa.
Então, virou-se e gritou:
― Tem ideia?
A garganta dele se apertou até mal conseguir respirar. A
dor emanava dela e ele foi acatado no meio daquele vendaval.
― Nah! ― Ela gritou. ― Porque você nunca. Malditamente.
Acreditou em mim!
Ela apenas podia estar se referindo ao conto absurdo
sobre o menino fantasma. Qual era o nome dele. Fraser? Não.
Finlay. Era isso. Ele assumira que ela inventara a história.
Mas e se não tivesse?
E se o menino fosse real, pelo menos para ela? Então ao
concordar em se casar com John, ela acreditaria que estava
abandonando um amigo, tirando dela a mesma esperança de
ver seu "laddie" novamente.
Ele ficou gelado. Doente.
― Annie.
Ela balançou a cabeça. Cobriu os olhos. A garganta dela
ondulou devido o esforço para abafar os arquejos. Masalguns
deles emergiam como pequenos gemidos.
Os sons o dividiram em dois.
― Ninguém acredita em mim. ― Ela murmurou
finalmente, derrubando as mãos. O rosto estava molhado, o
nariz era o único ponto de cor. ― Sou idiota por esperar por
isso. Sei disso. ― Olhos azuis angustiados fixaram-se nos
seus. ― Mas eu pensei que podia confiar em você para me
dizer quem é. Pelo menos isso.
Por puro instinto, ele avançou até ela.
― Sou o mesmo homem que conhece. Prometo, Annie.
Ela se encolheu quando ele a alcançou.
― Não me toque.
― Sinto muito. Por favor, escute-me. Desculpe-me.
Ela enrugou o rosto. As mãos subiram para cobri-lo
novamente e ele não suportou a distância entre eles.
Ele a envolveu em seus braços. A segurou enquanto ela
soluçava contra ele.
― Você pode tê-lo de volta, amor. ― Ele sussurrou. ― Nos
casaremos e você o terá de volta. Tudo ficará do jeito que
queria.
Ela se afastou e se retirou em direção à casa.
― Annie!
Ela não respondeu. Em vez disso, desapareceu lá dentro,
deixando-o vazio e desesperado.
Ele sussurrou o nome dela mais uma vez.
― Vá para casa, lad. ― Aconselhou Angus atrás dele. ―
Conversarei com ela quando ela se acalmar um pouco.
Ele não queria ir. Ele queria persegui-la lá dentro e exigir
que ela mantivesse a palavra e se casasse com ele.
Ele queria segurá-la até ela parar de sofrer.
Em vez disso, ele assentiu.
Angus apoiou uma mão sobre o ombro dele antes de
seguir a filha para dentro da casa.
E John pode apenas ficar parado ali e escutar as
abelhas, as vacas, as folhas e o vento. E o silêncio que agora
era sua punição.
Capítulo 18

Annie tomou um banho. Um quente na banheira funda


que raramente tinha tempo para usar. Depois bebeu dois
copos de vinho e uma grande dose de uísque. Em seguida,
vestiu-se com uma camisa limpa, envolveu-se em seu plaid,
enrolou-se em sua cama e se perguntou sobre o que ia fazer.
Além de chorar e seguir em frente como um dos pobres bebês
de Grisel MacDonnell.
Ele mentiu para ela por meses. Até mesmo anos.
Ela poderia entender ele esconder seu parentesco assim
que ele chegou á Escócia. Os ingleses não eram
particularmente bem recebidos nas Terras Altas. Um inglês
intitulado apenas acrescentaria problemas.
Mas ele não lhe dissera a verdade quando ela lhe serviu
um jantar. Ele não lhe dissera quando ela o visitara no
castelo dele ou barganhava pelas Lições para uma Dama ou
treiná-lo para atirar seu tronco. Ele não lhe contara na longa
viagem a Inverness quando conversaram sobre a família dele.
As irmãs dele. O melhor amigo. O pai e a mãe, que o faziam
sorrir com tanta afeição que ela o quis beijar até sentir a
felicidade dele contra ela.
Em vez disso, ele cuidadosamente evitou dar qualquer
dica que a família dele estava entre a maior elite da Inglaterra.
O Conde de Berne. Ela já ouvira o título antes, mas sabia
pouco sobre a família. Agora, ela conhecia John como um
visconde que um dia seria um conde.
Até mesmo o homem que, brevemente, cogitou casar-se,
Lorde Lockhart, estava um nível abaixo. Laird Glenscannadoo
ainda mais abaixo.
Ela fungou e sentou-se para servir-se de outra dose. O
uísque queimou agradavelmente, aquecendo seu estômago.
Ele mentiu para ela. A seduziu com olhares inflamáveis.
Deitou-se com ela naquela mesma cama. A beijou, fez amor
com ela e insistiu que ela se tornasse sua esposa. E,
enquanto isso, mentia, mentia e mentia. Ela não perguntou o
porquê, mas podia adivinhar.
Uma mulher. Talvez a modista modesta de Paris. Talvez
outra. De qualquer forma, John Huxley era amargamente
cínico em relação às mulheres. Ele interpretara errado seus
motivos desde o começo, acusando-a de todas as maneiras de
sedução quando ela não tinha feito nada além de elogiar os
olhos do homem de vez em quando. Pura besteira. Ele era tão
bonito quanto a alvorada, pelo amor de Deus. Ela tinha que
ignorar isso? E a risada dele resultava em ondas de prazer
por sua espinha. E o amor dele pela família derretia seu
coração. E...bem, Jon Huxley era um pedaço bonito do céu
quando não a acusava de ser uma conspiradora gananciosa.
Bebendo a sua dose, olhou para o outro lado do quarto,
para o vestido de seda lilás que ele lhe comprara dobrado
sobre as costas de uma cadeira. Uma seda adorável de um
homem encantador.
Não, ele obviamente já fora um alvo antes. E queria uma
esposa que o quisesse sem um título atado. O que era o
motivo pelo qual ele ficara tão ferido pela indecisão dela
quando ele fez a proposta.
Ela desejou que isso tornasse tudo melhor. Desejou que
entender os motivos dele significasse que ela podia confiar
nele novamente. Mas ela tinha suas próprias feridas, e não
acreditarem nela era a maior de todas.
Soou uma batida à porta.
― Estou entrando, lass. ― Angus anunciou com sua voz
profunda e ressonante. ― Está decente?
Ela deu outro gole, encostando-se contra seus
travesseiros e apreciando o fogo quente do uísque
MacPherson.
Sua porta abriu-se um centímetro. A cabeça ferro-
acinzentada de Angus surgiu.
― Annie?
― Este é um bom produto. ― Ela ergueu o copo
admirando a cor dourada. ― Melhor do que o lote dos últimos
anos.
Ele entrou e fechou a porta antes de sentar-se
cautelosamente nos pés de sua cama.
― Aye. Tome cuidado para não afogar nele.
A sua cabeça estava flutuando, mas achou que Angus
soou mais quieto do que o normal. Hesitante. Angus nunca
hesitava.
― O que eu faço, Papai? ― Ela sussurrou.
Ele estendeu a mão. Ela deslizou a sua na dele. Aquela
mão grande e forte fechou-se ao redor de seus dedos
enquanto ela o olhava nos olhos.
― Case-se com o lad.
Com o copo na outra mão, ela esfregou o ponto que doía
em seu peito. O deslizou contra o plaid, mas a dor não
cessava.
― Não consigo confiar nele.
― Acha que não consegue. Mas ele a ama. ― Angus fez
uma pausa. ― Eu a amo também.
O rosto dele ficou turvo. Ela baixou o olhar para as mãos
deles.
― Então por que escondeu a verdade de mim?
Um suspiro profundo.
― Fazia parte do acordo. Ele veio me ver na destilaria. ―
Em tom baixo e profundo, Angus descreveu como John
Huxley deixou de ser a maldição nos lábios de seu pai para
virar um amigo e aliado digno da mão de Annie.
Meses atrás, John se aproximou de Angus e Campbell
com Robert Conrad ao seu lado. Ele imediatamente garantiu a
Angus suas intenções de se casar com Annie, apresentou
Roberto, seu cunhado, como testemunha de sua conversa.
Aquilo acalmara as preocupações de Angus o bastante para
sentarem-se e conversar entre umas doses.
A oferta de Huxley, ao que parecia, havia sido cortejar
Annie como convinha à sua futura condessa, atraí-la
gentilmente na esperança de conseguir a admiração dela e
sua concordância em se tornar a esposa dele. Angus quisera
garantias de que Huxley não usaria medidas coercitivas e
nem abandonaria seu pedido de casamento se ocorressem
impropriedades. Huxley concordara. Angus exigiu que Huxley
mantivesse a posse de suas terras escocesas e a
transformasse em seu lar permanente com Annie no vale.
Huxley concordou. Seu único pedido havia sido que Angus
evitasse revelar o título de John, dizendo que preferia
conquistar o coração de Annie sem a tentação de ser um
lorde.
Em seguida, Huxley ofereceu sua ajuda. Explicou que ele
e sua família eram conectados com homens muito poderosos.
― Quais homens poderosos? ― Annie perguntou.
― Estou chegando aí.
― Bem, prossiga com isso.
Um pequeno sorriso repuxou a boca de seu pai.
― Impaciente. Sempre foi. Aye, então. Lembra que
Broderick estava preso naquele tempo. ― Ele balançou a
cabeça. ― Nós não tínhamos opções, lass. Nós precisávamos
de um maldito milagre. Huxley ofereceu um em uma bandeja
dourada.
Sua mente estava um pouco lenta, graças à bebida, mas,
mesmo meio bêbada, ela percebeu qual fora a oferta. Huxley
fora até Edimburgo porque ele esperava ajudar a libertar
Broderick. Ele conversava com juízes quando ela o avistara.
Depois, ele a beijara e roubara sua alma ali no beco escuro e
estreito, pois ele não queria que ela descobrisse o que ele
estava fazendo. Pois então, ela teria perguntado como um
inglês simples e bonito conseguira tal coisa.
― Antes que ele se aproximasse de você, ― Angus
continuou ― ele escreveu a seus parentes pedindo por ajuda.
Quando veio à destilaria, ele já tinha colocado seu plano em
ação. ― O dedo de Angus tocou seu queixo, levantando seus
olhos para ele. ― Huxley disse que qualquer que fosse a
minha decisão, ele planejava ajudar o seu irmão. Ele queria
nos ajudar, Annie. Porque ele a ama.
Ela apertou a mão dele com força.
― E você acreditou nele?
― Um homem não traz uma testemunha para uma
proposta de casamento a menos que ele esteja falando sério,
lass. ― Angus sussurrou. ― Huxley trouxe um futuro
marquês.
Piscando, ela franziu o cenho.
― Está falando de… Robert?
― Aye. Acontece que o pai dele é o Marquês de …
― Mortlock. ― Ela disse fracamente, recordando a
conversa estranha entre Robert e a Sra. Baird, que deve tê-lo
reconhecido.
― Conrad disse que seu pai está à beira da morte e seu
irmão mais velho é estéril e doente. Não deve demorar muito
até o título chegue a ele.
― Um marquês. Bom Deus.
Angus grunhiu.
― Isso não é nem a metade.
Annie piscou novamente, sentindo-se como se tivesse
levado uma surra.
― Qual é a outra metade?
― Lembra-se de como Huxley disse que suas irmãs
fizeram bons casamentos?
― Aye.
Angus pareceu desconfortável.
― Pai?
― Você disse que queria se casar com um lorde.
― Pai!
― Uma das irmãs dele é esposa do Duque de Blackmore.
O ar a deixou em um sopro. Blackmore era uma figura
enormemente poderosa na Inglaterra. Ele também tinha laços
familiares com figuras influentes em Edimburgo, incluindo
dois homens da Alta Corte do Judiciário. ― A irmã de H-
huxley é uma duquesa?
― Aye. A irmã mais velha será uma marquesa em breve,
como eu disse. Duas outras, são condessas. ― Angus
suspirou. ― E essa é apenas a família dele. Nem mencionei os
amigos.
Ela estava com medo de perguntar.
Angus respondeu de qualquer forma.
― A Marquesa de Wallingam. A família deles é amiga
desde antes de ele nascer.
Wallingham. Outro nome quase mítico cuja influência se
estendia por toda Bretanha. O estômago dela queimou e deu
uma virada doentia. Ela deslizou o copo vazio pela mesa.
― Pai? ― Respirou. ― Acho que não consigo fazer isso.
Ele deu uma palmadinha em sua mão.
― Ficará bem.
Não, não ficaria. A mentira de John lhe cortara em
pedaços precisamente porque ela nunca pensou em uma
ferida causada pelas mãos dele. Ela poderia perdoá-lo?
Talvez. Confiar que ele não a magoasse novamente? Incerto.
Mas a maldita questão agora era discutível, pois a família
dele nunca a aceitaria. Uma moça espevitada, vulgar,
atrevida, vestindo lixo dos cafundós da Escócia? A mãe dele
desmaiaria, com toda razão.
Ele até mesmo a alertara que seu objetivo de ser tornar
uma dama era quase impossível. Na costureira, ele lhe
explicara como as damas reais são, ilustrando quão diferente
Annie estava da descrição. Ela garantira a si mesma naquele
tempo, ao imaginar qualquer lorde humilde e com título
menor, talvez um viúvo bondoso precisando de boas refeições
e uma casa organizada. Dissera a si mesma que tal
casamento seria um meio termo para ser uma governanta, e
provavelmente, conseguiria administrar ser educada e vestir
bem por alguns meses enquanto procurava por um lorde
desesperado o bastante para casar-se com ela.
Que tola fora. O fracasso a esperava. Um fracasso
miserável e humilhante. Mesmo se ela achasse algum lorde
desesperado e obscuro desejando tomá-la, ela não seria capaz
de fazer isso.
Já havia perdido seu coração para o bonito inglês. Casar-
se com outro homem? Não. Nem mesmo para ter Finlay com
ela novamente. O que a deixava com apenas uma escola:
casar-se com John.
Exceto que a irmã de John Huxley era a Duquesa de
Blackmore. Seu pai era Lorde Berne. O resto de seus
familiares, todos intitulados. E, um dia, sua esposa seria uma
condessa.
Uma condessa.
Aquele pensamente fez o quarto mover-se ao seu redor.
Ela deslizou a mão para seu ventre quando ele se agitou.
― Não posso ser a esposa dele. ― Sussurrou, a percepção
a esmagando.
― Eh? Por que diabos não?
― Olhe para mim, Pai. Pareço uma condessa para você?
Sua mandíbula endureceu.
― Parece como minha filha. E Huxley é malditamente
sortudo por ter capturado sua atenção.
Balançando a cabeça, ela sussurrou.
― Não é sobre isso.
Angus esticou uma das suas mãos e envolveu os dedos
dela ao redor do pulso dele.
― Sente estes ossos, lass?
Os olhos dela encheram-se de lágrimas até o amado
rosto dele mexer. Ela assentiu.
― Você é parte de mim tanto quanto eles são. Tem sido
desde que a avistei sua pequenina cabeça vermelha do lado
de fora da capela. ― Ele tirou uma mecha de cabelo do rosto
dela. ― Somos como os cardos das Terras Altas, você e eu.
Resistentes e teimosos. Um pouco hostis quando devemos
ser. Nossa natureza não serve para todo mundo. Mas
crescemos onde somos plantados. Mantemos nossa posição. E
nós não recuamos diante de uma briga, mesmo quando
somos pisoteados. Entendeu?
Ela secou as lágrimas que se derramara. Fungou e
assentiu.
― Boa lass. Agora, aqui é o que vai acontecer. ― A voz
dele ficou preocupada como as rochas pontiagudas do vale. ―
Irá até o Huxley e lhe dirá que está pronta para se casar com
ele.
― Não. Não posso...
― Sabe como os bebês veem, aye?
Ela engoliu em seco. As mãos apertaram sobre seu
ventre.
― Claro, eu…
― E você teve suas chances de qualquer forma.
Ela sentiu suas bochechas ficarem rubras.
― Pai.
― Então, casar-se-á com Huxley. Puna-o tanto quanto
lhe agradar. Uma vez que ele seja seu marido, será fácil. ―
Sobrancelhas pesadas abaixaram sobre olhos sombrios e
proibitivos. ― Mas se casara com ele antes. Viverá no Castelo
Glendasheen. Dará a luz aos filhos dele e os trará aqui para
ver o vovô. E cozinhará a sua carne de veado com molho para
mim. Um velho precisa de seus confortos.
Um sorriso tremeu em seus lábios.
― Suponho que tudo isso acontecerá apenas porque diz.
O queixo dele inclinou-se em um ângulo familiar e
obstinado.
― Sou seu pai, lass.
― Aye, Papai. ― Ela apertou o pulso dele, sentindo o peso
dos ossos das Terras Altas. ― É isso o que é.

***

John saiu da pequena mansão de Gilbert MacDonnell


com uma compreensão melhor do desdém de Annie pelo
homem. O laird de Glenscannadoo era um idiota minúsculo e
estufado como um pavão. Convidou John para tomar chá com
sua esposa pálida e bêbada em uma sala com móveis
enfeitados que cheiravam a cera e perfume pesado. Após
exaltar o valor da educação em Oxford para homens em
posições de liderança, o Laird de Glenscannadoo o alimentara
com biscoitos medíocres e se vangloriou do heroísmo de sua
família em sustentar as tradições do clã.
A esposa cochilara no meio da conversa. Só então
Glenscannadoo levou John para sua biblioteca minúscula e
ornamentada onde a cabeça de um veado estava presa à
parede. Até mesmo ela era pequena. E, John notara, os
chifres tinham uma costura perto do crânio do animal, como
se uma maior tivesse sido adicionada. Compensação para
incompetências, sem dúvida.
Tudo no homem irritava John, desde sua lisonjeira e
pomposidade nasal até sua adaga ornamente a ouro. Ele não
deveria ter ido lá afinal, e certamente não teria usado seu
título para ter acesso. Mas Gilbert MacDonnell tinha uma
coisa que John precisava, um registro dos ancestrais
MacDonnell.
― Finlay Macdonnel? Não, não posso dizer que me
lembro de tal nome. ― Ele respondeu à pergunta de John. ―
Mas certamente é bem-vindo a dar uma olhada pela história
de nosso clã. ― Ele apontou para um livro grande com letras
douradas empoleirados em uma prateleira de mármore entre
duas estantes. ― Nós mantemos excelentes registros.
Orgulhoso como o homem era de sua herança ― ou, pelo
menos, de sua pompa ― John não duvidou disso. Entretanto,
após uma longa busca, página por página de MacDonnells,
ele não encontrou nenhum traço do nome que buscava.
― É possível que algum nome tenha sido deixado de fora?
― John perguntou. ― O ramo que morreu no castelo, talvez?
Glenscannadoo se retesou, parecendo ofendido, depois
folheou até uma página em aproximadamente um terço do
livro.
― Aqui. O ramo que falsamente tentou reivindicar o
título. Mesmo aqueles que não sobreviveram à infância estão
anotados. ― Ele apontou para os nomes, nenhum deles era
Finlay. ― O fogo não poupou ninguém, receio. ― Ele bebeu
seu conhaque e fungou. -Trágico.
Agora John esperava na pequena via do lado de fora de
Glenscannaddo Manor para que um dos rapazes trouxesse
seu cavalo. Preocupado com os pensamentos sobre Annie, ele
falhou ao notar o burro andando vagarosamente pela estrada
até que ele virou para a via e se dirigiu diretamente até ele.
Quando ergueu a cabeça seu coração quase parou.
Mechas escarlates brilhavam à luz irregular do sol. Eles
sobressaiam-se por baixo de um bonnet de palha com uma
fita de seda azul que combinava com o vestido.
O mesmo vestido que ela usou no dia em que ele lhe
fizera a proposta.
A reação repentina de seu corpo era previsível, mas vê-la
tão inesperadamente a intensificou dez vezes. Depois ele
notou os seios dela. O movimento do burro não era como uma
caminhada, nem um trote. E isso deixava tudo...saltitando.
A luxúria o atingiu tão forte que ele quase se dobrou ao
meio.
Ela deveria estar usando um traje de montaria, claro.
Mas Annie não era como as outras mulheres. Naquele
momento, suas sobrancelhas estavam contraídas em
consternação enquanto tentava cavalgar um burro em um
traje de passeio.
Deus, como ele a amava.
E apesar da dor de sua ereção e da necessidade aguda
que ela invocou sobre ele, ele sorriu. Seu sorriso tornou-se
uma risada quando ela o alcançou.
― Você está ótimo, para estar rindo, John Huxley. ― Ela
espetou. ― Gostaria de ver tentar cavalgar usando saia.
Ele não conseguiu parar. Estava tão malditamente feliz
por vê-la. Os últimos três dias foram uma agonia.
― Usarei qualquer coisa que quiser, amor. Cavalgar
consigo é uma das minhas diversões favoritas.
― Pare com as suas besteiras e me ajude a descer. Bill
está um pouco irritado. Nós cavalgamos todo o caminho até o
seu castelo apenas para Dougal dizer que ‘cê viera visitar esse
pequeno pavão xadrez.
Ele olhou para o burro de orelhas grandes. O animal
piscou preguiçosamente.
― Suspeito que Bill não é aquele que está irritado. ― Ele
observou antes de segurar a cintura dela e a descer.
Admitidamente, ele a segurou contra ele por mais tempo
do que o necessário. E segurou o traseiro dela com mais
firmeza do que o necessário. E, muito bem, ele comeu os seios
dela com os olhos por muito mais tempo do que o necessário.
Mas ela era irresistível. Uma feiticeira de suas mais
profundas fantasias.
― Se quiser manter este seu nariz bonito intacto, Inglês é
melhor tirar suas mãos nobres do meu traseiro.
Com grande relutância, ele levantou o rosto da luminosa
generosidade que eram os seios dela. Os lábios dela estavam
rosas e suas bochechas coradas pelo calor do verão. Olhos de
centáurea o espetavam com ira. Ele desejou que a raiva dela
diminuísse sua ereção.
Fez o oposto.
― Por que está me procurando? ― Ele perguntou
roucamente.
― A melhor pergunta é por que está aqui? ― Ela apontou
em direção à mansão. ― Nunca pensei que teria muito uso
para o pequeno pavão xadrez.
Ele considerou não contar a ela. Por longos minutos ele
pesou a probabilidade de ela o odiar ainda mais. Mas,
esconder as coisas de Annie era um erro que ele não repetiria.
Então, contou-lhe a verdade:
― Vim ver os ancestrais MacDonnell.
Ela o encarou silenciosamente por vários segundos,
afastou o olhar e depois disse em voz baixa:
― Está procurando provas da existência de Finlay. ―
Uma brisa soprou o belo cabelo dela. ― Pois não acredita em
mim.
O coração dele doeu diante dos sinais de dor ao redor
dos olhos dela.
― Eu apenas queria algo tangível.
― E encontrou?
― Não.
Ela assentiu. Respirou profundamente e expirou.
― Aye. ― Os olhos dela voltaram para ele, feridos, mas
decididos. ― Eu vim atrás de você hoje porque temos um
assunto para resolver.
Sim, eles tinham. Ela o perdoando ou não, ele devia
convencê-la a tornar-se sua esposa, e logo. Mesmo agora, ela
podia estar carrregando o filho dele.
Atrás dele, o rapaz chegou com seu cavalo. John pegou
as rédeas de Jacqueline e acenou em direção à estrada.
― Caminharia comigo?
Annie concordou e, juntos eles levaram suas montarias
pela pequena via e ao longo da estrada da vila.
Glenscannadoo Manor ficava a quatrocentos metros da praça
do mercado em meio a alguns acres de paisagens agradáveis
acima do lago. Em torno dos jardins bem cuidados do laird
haviam pequenas fazendas cheias de ovelhas. A maior parte
das árvores havia sido cortadas para pasto. Mas a estrada era
cercada de jovens carvalhos plantados em pequenas fileiras,
uma tentativa óbvia de acrescentar grandeza à aproximação
da mansão.
― Então, como eles o chamam, Inglês? Quando está
usando o seu título? ― Ela perguntou preguiçosamente, como
se eles estivessem em uma conversa amigável.
A culpa o assaltou.
― Annie, sinto muito por não ter lhe contado…
― Lorde Huxley, aye? ― Ela não olhou na direção dele,
apenas manteve os olhos a frente enquanto caminhavam, o
bonnet escondendo suas feições. ― E sua esposa seria Lady
Huxley. Uma viscondessa. Estou certa?
O peito dele doeu.
― Sim. Você seria Lady Huxley.
Ela assentiu, o pescoço duro, os lábios apertados.
― E um dia, seu filho teria um título também.
― Nosso filho mais velho tornar-se-ia Lorde Huxley, sim,
quando eu me tornasse o Conde de Berne. O que não será,
como já disse anteriormente, por alguns anos. Meu pai tem
uma saúde excelente, excluindo qualquer coabitação com
gatos. Nunca se sabe quando minha mãe fará outra tentativa
desastrosa de levar um para casa. Mas, no geral, nós Huxleys
temos uma confiável vida longa. ― Ele sorriu ironicamente. ―
Prolíficos também. Mas esse é um assunto para outro dia.
Não gostaria de assustá-la.
Os lábios dela se apertaram como se ela reprimisse um
sorriso.
A visão o deixou duro. Mas então tudo nela o deixava
duro. Ele pigarreou e , disfarçadamente, arrumou seu casaco.
― Tem responsabilidades com seu título? Negócios do
parlamento ou alguma coisa assim que requeira que viva na
Inglaterra?
― Não. Apenas visito a Inglaterra para ver a minha
família. Meu pai tem um assento na Casa dos Lordes. Ele e
minha mãe visitam Londres toda primavera quando o
Parlamento tem sessões. Mas quando o verão chega, eles
estão ansiosos para voltar para a casa em Nottinghamshire.
Ela respirou irregularmente.
― Mas seu pai é saudável, ‘cê disse.
― Sim.
― E levará alguns anos antes que ‘cê e sua esposa
tenham que viajar a Londres para seus deveres de nobres.
Ele franziu a testa.
― Sim.
Ela assentiu. Sussurrou algo para ela mesma. Depois
parou no meio da estrada. Finalmente virou para encará-lo.
Os olhos dela queimavam com um desafio estranho.
― Cê vai se casar comigo, John Huxley.
Ele congelou, preso no lugar como se um raio o tivesse
atravessado. Ela tinha acabado de dizer…?
― Amanhã. ― Especificou. ― Subornei o padre para nos
casar no cemitério antigo perto do castelo. Ele não queria
fazer isso lá. Mas seu bolso está vazio e ele está desesperado.
Aposta é um hábito pecaminoso. Supõe-se que é ainda mais
pecaminosos por apostar com os fundos da igreja? ― Ela
estalou a língua. ― Eu diria que sim, mas talvez Deus não se
importe com o contexto.
― Annie. ― Ele respirou.
― Fornicar. Este sim, um pecado com contexto, aye?
Fora do casamento, pecado. Dentro do casamento,
encorajador. ― Ela deu de ombros. ― De qualquer forma nós
faremos isso também, Inglês. Um monte disso.
― Maldito inferno. ― Ele grunhiu.
― Não há sentido reclamar sobre isso. Não podemos fazer
filhos sem fornicar.
― Excelente ponto. Aplicar-me-ei na tarefa com
considerável vigor. ― Ele murmurou, mal sendo capaz de
formar uma sentença.
― Isso não quer dizer que o perdoei. Pois eu odeio
mentirosos, John Hhuxley. ― O lábio inferior dela firmou-se e
ela ergueu o queixo. ― Não se pode confiar neles.
― Annie, sinto muito. Deveria ter lhe dito.
― Aye, deveria. Talvez o perdão venha, mas nós não
podemos esperar demais. Quero dizer, para ter meu laddie de
volta. E ‘cê é aquele que fará isso acontecer.
Ele ficou surpreso ao vê-la concordar tão prontamente às
mesmas conclusões que ele. Annie era uma mulher sensata
com uma abordagem pragmática para a maioria das coisas.
Mas ele a magoara profundamente. Conseguia perceber pela
forma com que ela o olhava, aquele raio de admiração
diminuíra e fora manchado pela dor que ele lhe causara.
― Eu irei conquistar o seu perdão, amor. ― Ele se
aproximou, mas parou quando ela se enrijeceu. ― Uma vez
que nos casarmos…
― Amanhã.
― Sim, amanhã.
― No cemitério antigo.
― Sim. Pedirei a Dougal para limpá-lo um pouco, sim?
Ela concordou.
― Angus e meus irmãos estarão lá. Broderick também, se
ele conseguir. A Sra. MacBean. A Sra. Baird.
― Sua costureira? Não odiava a mulher?
― Vista seu casaco azul. Fica ótima em você.
Lentamente ele sorriu, percebendo que a tensão embaixo
do desafio dela era nervosismo. Ela estava nervosa. Por causa
dele? Isso pedia por garantias.
― Não posso esperar para torná-la minha esposa, Annie.
Nada no mundo poderia me dar mais prazer. Além de
fornicar, claro. ― Ele esperava fazê-la sorrir, mas ela não o
fez.
Em vez disso, ela engoliu em seco olhando para a boca
dele.
―Devemos esperar até amanhã? ― Ele perguntou.
― Aye. E uma última coisa, Inglês.
― Qualquer coisa.
― Não poderá contar a sua família. Nem mesmo a Robert.
Não ainda.
Ele franziu a testa.
― Por quê?
― Esta é a minha condição. Não poderá contar a eles que
estamos casados até que eu diga que sim.
Maldição ele odiou a condição. Ele queria proclamar seu
casamento por toda a Escócia, Inglaterra e por todo maldito
mundo. Queria que sua mãe chorasse de alegria e envolvesse
Annie em um abraço longo e aliviador. Queria que seu pai
batesse em seu ombro e cumprimentasse John por uma
escolha tão boa. Queria que Annie conhecesse todas as suas
irmãs, os maridos delas e todos seus sobrinhos e sobrinhas
que, sem dúvida, a adorariam tanto quanto Ronnie Cleghorn
fazia.
Tanto quanto ele fazia.
Mas ela queria esperar para contar para eles. Ele
concordaria com qualquer coisa para tê-la, assim ele
corresponderia aos desejos dela. Entretanto, se ela estava
pensando em escapar do casamento depois através de uma
anulação ou divórcio, ela teria que pensar novamente.
― Uma vez que for minha, ― Ele observou. ― Você é
minha. Nosso casamento não será desfeito.
Ela zombou.
― Não seja tolo. Claro que não. Não há sentido em se
casar em primeiro lugar se vai ser fraco sobre isso.
― Bom.
― Certo.
― Nos casaremos amanhã, então.
― Dez da manhã. Espero que não chova.
― Annie?
Ela piscou para ele.
― Eu te amo.
Ela segurou o olhar dele por um momento depois
abaixou. Uma brisa jogou mechas do cabelo dela sobre o
rosto. Um sorriso fraco e amargo curvou os lábios dela.
― Eu também te amo, Inglês.
As palavras dela eram precisamente o que ele esperava.
Apenas desejou que ela não as tivesse falado com tanta
tristeza.
Capítulo 19

Quando a Sra. Baird chegou um pouquinho atrasada de


Inverness, Angus estava andando de um lado para o outro no
vestíbulo com uma carranca.
― O que a levou tão longe, mulher? ― Ele gritou no
momento que Annie abriu a porta. ― Temos um casamento
para começar.
Annie estremeceu quando a leal Sra. Baird olhou para
Angus como se ele estivesse prestes a saltar sobre ela e
morder. E não era de se admirar. Ele era meio metro mais
alto do que a costureira, pelo menos duas vezes mais largo e
dez vezes mais forte. Ele pode levantá-la sobre sua cabeça e
atirá-la no forno da cozinha se ele quisesse. Obviamente ele
prefereria mergulhar a própria cabeça no forno do que
machucar uma mulher, mas a Sra. Baird não sabia disso.
Annie deu um passo e ficou entre eles e pôs em práticas
suas boas maneiras.
― Sra. Baird, que bondade a sua fazer essa viagem.
Entre e beba um pouco de chá enquanto termino de me
vestir.
― Aye. ― O sorriso dela era fraco e trêmulo. Ela
pestanejava com precaução para o gigante que se erguia atrás
do ombro de Annie.
― Eu trouxe os itens que mencionou.
Angus olhou para o lado de fora, para o carro de um
cavalo parado na entrada.
― É aquela bugiganga na qual viajou?
Annie suspirou e revirou os olhos.
― Pai, nós não temos tempo para as suas reclamações
sobre transportes. ― Ela olhou para a Sra. Baird, que ainda
tinha uma expressão de um desânimo cauteloso. ― Desculpe-
me por… bem, ele.
― É um maldito milagre que não tenha partido uma
daquelas rodas finas no meio, com os buracos naquela
estrada. ― Ele virou sua feição carrancuda para a pobre Sra.
Baird. ― No que estava pensando, mulher: Não têm veículos
apropriados em Inverness?
Antes que Annie pudesse alertá-la sobre isso, a Sra.
Baird pigarreou e respondeu.
― Preferi o cabriolé, de fato. Está claro e é conduzível.
― É um convite a ser roubada e deixada para morrer.
Annie fechou os olhos, respirou e rezou por paciência.
― Pelo amor de Deus, Pai.
― Primeira coisa que acontece é sua roda passar por
uma pedrinha e crac! Não mais roda. A próxima coisa que
acontece é você ser jogada para fora do seu assento no chão.
Suas saias sobre a cabeça, sua bugiganga quebrada e você
sozinha no meio de um maldito lugar nenhum enquanto…
― Eu pensaria que cavalgar meu cavalo até a vila mais
próxima seria o passo três, Sr. MacPherson.
A Sra. Baird não estava mais pálida. Na verdade, as
bochechas dela estavam um bocado rosadas.
― Eu consegui evitar tais catástrofes com habilidade até
agora. Mas agradeço pela sua preocupação.
― Annie percebeu que a fala da Sra. Baird ficava mais
empertigado quando ela estava irritada.
Angus por outro lado, falava mais alto.
― Bem você não conseguiu chegar na hora, conseguiu?
Era isso. Annie não tinha mais paciência para aquilo.
― Pare com a sua gritaria velho! É o dia do meu
casamento!
Angus emitiu um meio-rosnado-meio-grunhido e
murmurou alguma coisa sobre uísque antes de caminhar até
seu escritório e bater a porta.
Suspirando, Annie gentilmente passou o braço pelo
frouxo da Sra. Baird e a levou em direção à sala.
― Ele está bastante rabugento esta manhã. Angus nunca
reagiu bem às grandes mudanças.
― Aye. Evidentemente.
Ambas deixaram o incidente de lado quando a Sra. Baird
mostrou a Annie os itens que ela trouxera: um longo véu de
renda, uma faixa do mesmo tartã que ela usara no kilt de
John e um par de slippers de seda azul-céu que combinava
com seu vestido. John nunca vira aquele vestido, já que ela o
guardara para o dia do casamento. A saia não tinha babados,
apenas uma cobertura de tule diáfano. O corpete era de
manga longa e caprichosamente ajustado, decorado com
fileiras de fitas brancas e um padrão em "V" na cintura. Não
tinha lantejoulas e nada que brilhasse. Em vez disso, imitava
o céu de verão das Terras Altas com poucas nuvens.
Deslizando as mãos pelos quadris, ela estremeceu ao
imaginar a expressão de seu inglês. Ele focaria no decote
profundo, sem dúvida. Seus seios pareciam enormes.
A Sra. MacBean e Betty MacDonnell entraram na sala
alguns minutos depois com o colar que Annie pedira e a bolsa
que costuraria em suas anáguas. A criada tímida e sardenta
arrumou o cabelo de Annie com os cachos mais soltos que o
normal formando uma adorável pilha caindo de sua cabeça.
Depois adicionou duas pequenas tranças da cada lado,
unindo-as e as prendendo com grampos no lugar. Delicadas
flores brancas que a Sra. MacBean trouxera de seu jardim
acrescentaram o toque final.
Annie olhou para a anciã pelo pequeno espelho.
― É melhor que isso não me dê brotoejas, velha.
― Oh, não. A aquileia é tão inofensiva quanto um recém-
nascido. Agora, as amarelas, aquelas são venenosas. Não
toque nelas.
O olhar de Annie recaiu sobre o buquê que a Sra.
MacBean arrumou e estava ao lado da mão de Annie. Entre
as rosas brancas e as centáureas azuis haviam flores
parecidas com margaridas amarelas com o centro parecendo
ferrugem.
A Sra. MacBean bateu no ombro dela.
― Eu não quis dizer esses amarelos. Elas são seguras o
bastante, desde que não as coma.
Quando Betty terminou de colocar o último grampo, a
Sra. Baird adiantou-se para colocar o longo véu de renda no
cabelo de Annie. As duas mulheres trabalharam juntas e, no
fim, Annie pensou que o efeito era bastante etéreo.
― Oh, Sra. Tulloch. ― Betty suspirou.
― Verdade. ― A Sra. Baird concordou. ― Você está um
verdadeiro anjo.
Annie sorriu para as duas mulheres através do espelho
e, por um instante ela quase acreditou. Ela nunca seria
bonita, claro. John Huxley teria que se resignar com o fato.
Os olhos dela eram de um azul muito estranho. Os lábios não
tinham nada de especial. Seu cabelo era brilhante demais, as
maçãs do rosto muito largas, o queixo teimoso e a pele pálida
demais. Mas hoje, talvez, ela pudesse ficar bonita para ele.
Ela levantou o colar de sua mãe da caixa. Era o mesmo
que Lillias usara no dia de seus dois casamentos. A pequena
cruz de prata era simples e singela. Enquanto Betty se
apressou para colocá-lo ao redor de seu pescoço, Annie
recordou brincar com ele quando criança enquanto ficava
sentada no colo da mão ouvindo-a ler. Hoje, ela teria sua mãe
com ela enquanto se tornava uma esposa.
Depois, acrescentou a faixa xadrez e deslizou os pés
dentro dos slippers.
Por último, colocou o pequeno cardo enfeitiçado dentro
da bolsa em sua anágua e deu uma tapinha. Finlay estaria
com ela também.
Finalmente, ela agradeceu às três mulheres que haviam
virado suas amigas, abraçou cada em delas e pediu que elas a
encontrassem na carruagem após ela checar Broderick. Ela
entrou no quarto dele uns minutos depois com uma batida
suave.
― Broderick?
A cama rangeu.
― Annie? ― A voz dele era uma versão grave e distorcida
do que um dia fora. Mas, pelo menos, ele estava falando. Por
meses ele não dissera uma única palavra. Agora, virou-se do
local que estava sentado em sua cama, encarando a sua mão
danificada. Eles a quebraram repetidamente até os dedos
ficarem dobrados em ângulos estranhos. Ele piscou. Depois
piscou novamente. Sua bochecha com cicatrizes se esticou. ―
Ah, está linda, irmã.
A garganta dela se apertou. Moveu-se até o lado dele e
acariciou o cabelo perto da testa.
― Tem certeza de que está bem o bastante para vir? Eu o
quero tanto lá que temo ter lhe pressionado em demasia.
Ele inclinou sua bochecha sobre a mão dela por um
segundo antes de se afastar.
― Aye. Nunca perderia isso.
Ela dobrou as mãos na frente de sua cintura.
― Rannoch o levará até a carroça. Alexander e Campbell
estão trazendo sidra e comida. Papai irá comigo.
Ele não respondeu, apenas ficou olhando para sua mão.
― Broderick. ― Ela sussurrou.
Ele levantou sus olhos escuros.
― Eu o visitarei todos os dias. Sempre que precisar de
mim. Eu…
― Nah, não irá. ― Lentamente, dolorosamente ele
desdobrou o longo corpo e se levantou até ficar em pé diante
dela. De alguma forma, ela se esquecera quão alto ele era. ―
O seu lugar é com o seu marido.
― Não posso deixá-lo...
― Annie. Você fez a sua parte. O resto é comigo. ― Ele
esticou a mão pegou a dela e apertou brevemente antes de se
afastar.- Agora, vá. Papai está esperando.
Meia hora depois, Annie descia da carruagem e tomava o
braço do pai. A Sra. Baird, a Sra. MacBean e Betty
MacDonnell haviam terminado de arrumar seu vestido e lhe
passar o buquê e agora se encaminhavam pela trilha até o
cemitério antigo. Lá, os arcos estavam decorados com com
videira e flores. O quintal havia sido limpo das ervas daninhas
e detritos e uma trilha entre as pedras foi pavimentada com
cascalho e alinhada com tábuas. O cascalho rangeu sob seus
sapatos enquanto ela caminhava em direção aos degraus,
atravessou as desaparecidas portas do local, onde um dia,
fora uma igreja, e onde sua família estava reunida. Rannoch
com seu sorriso perverso. Alexander com seu rosto sombrio.
Campbell com sua solidez. E Broderick, cheio de cicatrizes e
quebrado, mas em pé.
Seus olhos viraram-se para o padre, esquelético e
suando. Observou suas três amigas encontrarem seus lugares
paradas do lado esquerdo do "corredor", uma faixa de grama
cortada no centro da ruína antiga. Finalmente, ele respirou
fundo e o encontrou.
Seu inglês.
Ele fez seu coração parar, depois acelerar, inchar e
então, doer. A luz intermitente do sol tocava as mechas
douradas de seus cabelos. Aqueles olhos avelãs dilataram-se
à medida que ele a avaliava de sua cabeça florida a seus pés
calçados. Ela sentiu o estômago aquecer enquanto a
mandíbula dele tremia.
Ele usava o casaco azul. E o kilt que ela fizera para ele.
Quando começou sua jornada em direção ao homem
mais bonito que já vira, flutuava como a relva em uma brisa.
Não havia música, apenas o vento farfalhando as árvores,
carregando o cheiro de pinheiro quente. Então os pássaros
começaram. O som começou como um gorjeio. Aumentou. E
logo o grasnido e o gorjeio de dúzias de pássaros se
misturaram em uma estranha sinfonia. Ela sentiu mais do
que viu, um bando inteiro lançando-se em direção ao céu de
cima dos arcos. A agitação branca flutuante desapareceu
assim que ela parou diante de seu inglês.
Olhou para baixo e teve um vislumbre do anel que
piscava diante dela. Azul. Era uma safira da cor das flores do
seu buquê. A cor de seus olhos. E era cercado por pequenos
diamantes reluzentes. Arregalou os olhos ao olhar para John.
Ele ergueu uma sobrancelha e lhe deu um sorriso
arrogante como se dissesse: “estava esperando algo barato?”
Então, finalmente, o suado padre os declarou marido e
mulher, e os olhos de John eram ouro puro e derretido. Suas
narinas estavam dilatadas, a mandíbula tremia e as maças do
rosto estava corada.
Por um momento, temeu que pudesse saltar sobre ele na
frente de todo mundo. Havia chances, ele não usava nada
embaixo do kilt, afinal. Felizmente Angus resmungou sobre
ter perdido o desjejum e ela se recompôs. Enquanto ela e
John se retiraram pelo corredor de grama, avistou algo
branco pelo canto do olho um segundo antes de voar e sumir.
No cemitério, Dougal começou a tocar a gaita de foles e
seus irmãos se uniram com seus violinos. Annie afastou o
momento esquisito e, ao lado de John, liderou a procissão
pela trilha em direção ao castelo.
Por várias horas após a cerimônia de casamento, os
MacPhersons e MacDonnells festejaram, riram, dançaram e
contaram histórias engraçadas. Annie dançou duas reels6
com seu novo marido, apreciando o rubor dele quando ele a
olhava com fome fervente. Juntos, comeram um
surpreendente e delicioso bolo feito por Marjorie MacDonnell e
beberam do uísque MacPherson de uma caneca
compartilhada até que ambos ficaram levemente tontos.
Com o tempo, John ficou impaciente e a empurrou pelo
corredor, escadas acima e até a última porta à esquerda.
Dentro do quarto dele, a música estava fraca e a luz suave.
Ela se recostou contra a porta de carvalho, a cabeça girando
após tanta sidra e uísque.
John imediatamente começou o trabalho de desabotoar
seu casaco e tirar sua cravat. Ele foi um pouco mais
cuidadoso em remover seu sporran, as adagas e o cinto,
embora tenha sido rápido com eles também.
― Já lhe disse o quão bonita está? ― Ele perguntou.
Não, não falara, mas os olhos a haviam devorado desde
que ela pôs os pés no corredor de grama.
Sem fôlego e queimando, ela umedeceu os lábios
enquanto o assistia desabotoar seu colete.
― Não tem falado muito desde nossos votos, Inglês. ― Ela
pontuou.
― Todos os meus pensamentos eram um bocado
obscenos, receio. Não queria embaraçá-la.
― ‘Cê é um cavalheiro.
― Seu vestido é maravilhoso.
Ela olhou para baixo, para o topo de seus seios, ao qual
ele não tirara os olhos desde que entrara no quarto.
― Você acha que ele melhora a minha figura?
Ele inclinou a cabeça em um ângulo predador. Os olhos
avelã eram um pouco mais do que anéis âmbares ao redor de
pupilas grandes e escuras. Ele umedeceu os lábios e exalou
uma respiração aguda e irregular.
― Sim.
Levou um tempo para ela reagir. Outro. E mais outro.
― Como nosso casamento é puramente com o propósito
de procriação, fico feliz que me ache agradável, esposo.
― Mais do que agradável. ― Ele balançou a cabeça como
se despertasse a si mesmo e passou uma mão pelo maxilar.
Então, tirou o colete e se aproximou. Com cara feia. ― Quem
disse que nossa união é unicamente para procriação?
― Eu digo. É o que nosso casamento é, Inglês. Um meio
para procriação. Eu quero um bebê. Quanto antes, melhor.
Os olhos dele incendiaram-se. Apoiou a mão na madeira,
de cada lado de sua cabeça.
― Oh, amor. Acabou de me desafiar?
Por um momento, ela pode ter tido um pequeno desmaio.
Seu marido era uma chama potente no poder de sedução.
Felizmente, ela foi capaz de recobrar seus sentidos e o colocar
no lugar.
― Nah. ― Ela respondeu, sua voz um pouco rouca. ―
Meramente falei a verdade. Talvez ‘cê devesse tentar isso.
O corpo dele, envolvendo-a em calor, dureza e luxúria
com cheiro de pinheiro, continuou imóvel. Ele ignorou sua
provocação.
― Um bebê, você disse?
― Aye.
― Então, o prazer não é importante.
― Bem, não diria isso. ― Ela safou-se, embora seu corpo
quisesse gritar uma negação.
― Mas a ideia é plantar a semente, por assim dizer.
― Aye. ― Deus, sua garganta estava seca. E os joelhos
fracos. E os mamilos estavam tão duros que doíam. E a pele
formigava a cada respiração.
― Sem beijos, então. ― Os lábios dele roçaram nos dela
com um simples deslizamento. ― Ou toques desnecessários. ―
Os nós dos dedos dele acariciaram a topo dos seios dela antes
de descerem para girarem em torno de seu mamilo. ― Apenas
meu pênis profundamente enfiando em você com a maior
frequência possível.
Ela choramigou. Derreteu-se contra a porta. Fungou a
mandíbula dele como uma gata no cio e arqueou a coluna,
implorando por mais.
― Acho que está me desafiando. ― Ele sussurrou nos
seus ouvidos. ― E aqui vai minha resposta, amor. ― Com uma
rápida eficiência, ele levantou as saias dela até que
estivessem amontoadas ao redor de sua cintura, deixando-a
nua a seu toque. Depois, usando o pulso para manter a saia
levantada, deslizou o nó de um dedo diretamente sobre seu
ponto molhado, com a sensação de inchaço e desejo por ele.
Seu ofego de choque virou um fraco gemido.
Apenas então ele lhe deu sua resposta.
― Eu aceito.

***

Esta mulher o enlouquecia. Seu queixo desafiante. A


língua briguenta. O sorriso zombeteiro.
Ele a queria até seus dentes doerem.
E ela queria um bebê.
Longe dele recuar diante de um desafio.
― Vamos começar pelo começo. ― Ele murmurou,
saboreando a pele macia e cremosa da garganta dela. Entre
as coxas, ele desdobrou o dedo e, gentilmente, o deslizou por
toda extensão entre suas pétalas maduras. Quando ele
alcançou a abertura apertada que procurava, fez círculo.
Invadiu. Depois mergulho seu dedo mais longo dentro dela. ―
Devo assegurar que esteja confortável, ãh?
A cabeça dela caiu para trás, suas paredes internas
apertando seu dedo enquanto suas coxas úmidas apertavam
seu pulso. A única resposta dela foi um gemido profundo e
gutural e um pouco mais ofegante. Todos bons sinais.
Ele somou um segundo dedo.
― Tão apertada aqui, amor. Precisará ficar muito
molhada. ― Ele mordiscou a orelha dela ― ela amou ― e
reposicionou seu corpo, assim seu peito esfregava nas pontas
dos seios dela. ― Meu pênis é significantemente maior do que
os meus dedos.
Um gemido longo e feminino.
― Ah, bolas do Diabo, inglês.
Ele sorriu e trabalhou em seu botão inchado com o
polegar.
― Estas também são substanciais.
― Se quer dizer que é o diabo, acredito. ― Ela tentou
levar a boca dele para a dela. ― Beije-me. Por favor.
― Oh, não deveria desperdiçar os meus esforços... ― Ele
começou a movimentar seus dedos para dentro e para fora de
sua vagina pulsante. ― em prazeres desnecessários. ― Ele
mordiscou o ombro dela. ― Temos uma tarefa a cumprir,
afinal.
As mãos dela fecharam se em seus cabelos enquanto ela
lutava para puxá-lo para mais perto.
― Mudei de ideia. Pode me beijar. Tenho certeza que tem
bastante energia para todas as formas de prazer. Com
grandes bolas e tudo mais.
Apesar de sentir como se a sua pele estivesse muito
esticada e seu pênis pudesse explodir a qualquer momento,
ele riu.
― Não, não, amor. Apenas garantirei que esteja molhada
o bastante para me receber, certo? ― Ele moveu os dedos em
um ritmo deliberado, dando-lhe apenas um pouco mais de
pressão com o polegar. ― Foco, agora.
A vagina dela apertou-se como um torno. Ela mordeu o
lábio, gemeu e mexeu os quadris contra a mão dele.
― Isso. ― Ele encorajou, observando os laços em seu
pescoço e desejando desnudar seus seios. Mais tarde. Quando
ela estivesse totalmente rendida, ele daria a si mesmo
algumas horas. ― Quase lá.
A paciência dela terminou com um rosnado. Punhos
pequenos agarraram sua camisa. Ele pensou ter ouvido uma
costurar rasgar.
― Agora. ― Ela exigiu com respiradas agudas e rápidas.
― Tome-me, maldito.
Seu comando rude o atingiu como uma flecha em
chamas através de sua armadura, diretamente em um ponto
que ele não suspeitava ser vulnerável ― o lugar que coçava
quando ela o insultava. Onde sua necessidade por reclamá-la
vivia.
Ele planejava prolongar isso. Fazê-la chegar ao clímax e
depois fingir decepção. Dar-lhe prazer com sua boca até ela
admitir que ele era para ela muito mais do que um marido
para ser o pai dos filhos dela. Mais do que um título ou uma
conveniência.
Mas ela cheirava como açúcar aquecido e frutas de verão
maduras. Ela acolhia o seu toque com ânsia exuberante,
arqueando suas costas e abrindo as pernas para deixá-lo
tomá-la. Ela ousou ordenar que ele a tomasse.
Todos seus pensamentos se foram. Seu controle
escorregou. Seus músculos se apertaram. Seu pênis era nada
além de uma pulsação dolorida.
― Annie. ― Ele sussurrou, tentando manter-se em meio à
inundação escura e chocante da necessidade negada.
Ela abriu os olhos, escuros como a meia-noite por causa
de sua excitação. Os lábios dela estavam cheios e luxuriosos,
molhados pela língua. Eles deveriam ser molhados pelos
deles.
E ele perdeu o comando de si mesmo. Malditamente
perdido.
A luz se infiltrava pela janela e pintava a pele com um
brilho dourado. Seu cabelo era pura chama. Ela era tudo o
que ele via. Traçou a garganta dela com sua mão livre.
Segurou o pescoço. Retirou os dedos da vagina dela, apenas
para agarrar a coxa dela e abri-la sobre seu quadril. Depois
levantou seu kilt. Levantou sua esposa contra a porta.
Olhos azuis iluminaram-se e dedos femininos cavaram
em sua nuca enquanto ele posicionava seu pênis diante da
abertura dela.
― Inglês?
Sua primeira estocada foi dura, fazendo um ofego ficar
preso na garganta dela. Ele deveria ter sido mais gentil.
Provavelmente sua luxúria o tornava maior do que o normal.
E ela era tão pequena. Apertada.
Tão malditamente apertada.
Ela gemeu quando ele estocou novamente. Mais
profundamente. Ele precisava estar mais fundo. No aperto
quente, molhado e sedoso. Mulher macia e de aroma doce. Os
dedos dele seguraram as coxas nuas com mais força. Mais
afastadas. Puxou seus quadris para cima, assim ela podia
recebê-lo com mais força.
Mais. Ele empurrou. Mais.
― … malditamente massivo assim. ― Ela estava
arquejando. ― Mas eu necessito de você. É bom. Mova-se,
Inglês, mover. Assim.
Mais forte e mais forte. A porta batia a cada estocada,
mas ele não se importava. Enterrou o rosto na garganta dela,
finalmente ele mergulhou o mais fundo que conseguia,
sentindo a carne macia dela acariciando a raiz dele. Seu
coração acelerou e acelerou, abafando tudo, exceto a voz dela.
Um doce arranhado escocês o chamando de Inglês. Dizendo-
lhe o tanto que ela queria tudo o que ele pudesse lhe dar.
E o prazer que ele pensou adiar, serpenteou por sua
espinha. Eletrizado e aceso. Conduzia seu ritmo a uma
martelada frenética.
― Annie. ― Ele grunhiu, empurrando, empurrando e
empurrando. Necessitava tanto dela, seu prazer era doloroso,
seu prazer enlouquecido.
Ela grudou-se a ele, sua vagina agarrando, dando e
ondulando em alerta. Os dedos dela seguraram seus cabelos
enquanto os quadris se contorciam contra o dele, cavalgando
seu pênis com gritos indefesos de prazer. Então, ela caiu
sobre ele. Gritou e agarrou-se enquanto seu corpo naufragava
no êxtase fulminante.
Para ele, a explosão veio quando ela pôs os lábios nos
ouvidos dele e murmurou em um ronronar incerto.
― Eu o terei inteiro, Inglês. É meu, ouviu? Pertence-me.
Ele rosnou quando o clímax chegou para ele. Subiu até o
céu e abriu-se até desvanecer em pó. Cintilou como estrelas.
Enquanto seu corpo trabalhava para preencher
totalmente o dela, ele respirou com dificuldade sobre a pele do
pescoço dela, sentindo a doçura, experimentando o sal,
sentindo a excitação das mãos dela segurando sua cabeça e
massageando seus ombros. Os espasmos violentos de seu
clímax lentamente diminuíram. Os lábios dela encontraram
sua testa, bochecha, mandíbula e, finalmente, seus lábios.
Aqueles que ela reivindicou com doce paixão e uma língua
determinada.
Ele respondeu com um golpe sensual com a língua dele,
embora estivesse totalmente esgotado de todas as suas forças
e o beijo ficou lindamente preguiçoso. Eles ficaram assim,
enfraquecidos um pelo outro e inclinados um sobre o outro,
até que ele reuniu força o suficiente para carregá-la até a
cama. Mesmo enquanto sentava com ela montada nele, ele se
recusou a abandonar o corpo dela. Aliás, ele já estava se
preparando novamente.
Uma risada rouca soou em seus ouvidos.
― Tem certeza de que não tem um pedacinho escocês,
John Huxley?
Ele sorriu enquanto ela continuava a beijar seu pescoço
e mandíbula com minúsculas mordidas.
― Descobri que o kilt tem significantes vantagens.
― Humm. Rápido acesso. Pretende tentar novamente?
A sua resposta parou quando ela puxou usa camisa e
passou por cima da cabeça dele. Olhos azuis dançavam
enquanto a língua rosa saia para umedecer os lábios. Ela
começou a retirar os grampos do cabelo. Retirou seu véu e o
deitou gentilmente ao lado da mesa de cabeceira.
― Você gosta do meu traseiro, Inglês?
As mãos dele apertaram suas nádegas firmes, mas
macias, instintivamente prendendo-a no lugar.
― Sim. ― Ele disse.
Ela sorriu e brilhou, uma rainha sensual de cabelos
inflamantes.
― Gosto do seu também. ― As mãos dela acariciaram o
peito dele, parando aqui e ali para examinar cuidadosamente
o bocado de pelos ou brincar com os mamilos dele. ― Esta
feliz com os seios da sua esposa?
― Você sabe que sim. ― Sua voz saiu cortada.
Ela inclinou-se para frente e esfregou seus seios envoltos
em seda contra ele. Quando ela se sentou, suas bochechas
estavam em chamas, os olhos derretidos com desejo. Ela
traçou com as mãos a mandíbula e os lábios. Um pequeno
vinco apareceu.
― Meu belo inglês. Não sou o tipo de esposa adorável que
deveria ter, não é? ― Ela sussurrou.
― O que quer dizer com isso?
― Nunca serei bonita.
Ele franziu a testa totalmente confuso.
― Você é.
― Nah. ― O olhar dela caiu sobre os ombros e desceu
para o peito dele. ― Nem bonita e nem elegante como você. ―
Levantou o rosto que tinha um brilho igual a chama. ― Mas
lutarei por ‘ocê, Inglês. ― Ela apertou o corpo contra o dele,
onde estavam unidos. ― Lutarei para lhe dar prazer até que
seus delicados dedos se curvem e esses olhos encantadores
virem.
― Deus, Annie.
Ela se inclinou para frente e pegou a boca dele. O beijou
apaixonadamente, acariciando seu rosto e depois envolvendo
seus braços ao redor do pescoço dele.
― Lutarei para que tenha orgulho de mim.
― Amor, eu tenho…
Ela tocou a testa dele com a dela e lhe roubou o fôlego ao
mexer os quadris.
― Irá me ensinar a lhe agradar.
― Você me agrada. Você.
Ela começou a tomá-lo. Carícia por carícia, ela o
cavalgou.
Eles respiraram e gemeram juntos. Beijaram, tocaram e
suspiraram juntos.
― E outra coisa. Vai me contar quem lhe machucou,
John Huxley. ― Ela disse enquanto grudava-se a ele e o
levava mais alto com uma cavalgada lenta e rítmica. ― Vai me
contar porque mentiu.
Ele não queria lhe contar. Ele queria deitá-la de costas e
empurrar com força até ambos chegarem juntos ao orgasmo.
Ele queria deixar o passado onde ele pertencia.
Ele a beijou para silenciá-la. Beijou-a porque ele
precisava do prazer dela tanto quanto do dele. Ele passou as
mãos pelos cabelos sedosos dela e manteve a boca dela para
seu próprio prazer. Depois, ele recuou para irritar.
― Eu irei socar em você até que não possa andar. É isso
o que vou fazer.
― É assim? ― Ela sorriu sem fôlego. ― Acredito que terá
que me carregar. Cuidado para não machucar esses pulsos
pequenos e delicados.
― Deus, você é a mulher mais irritante.
― Acendo seu temperamento?
― Sim. ― Ele cerrou os dentes ao mesmo tempo que
soltava os laços das costas do corpete dela.
Ela deslizou a ponta de seu pequeno dedo pelo lábio
inferior dele enquanto ele finalmente soltou a seda e a
abaixou por seus ombros. Movimentando-se para se livrar de
seu corpete e mangas, ela passou as mãos pelas linhas do
espartilho, segurando seus próprios seios por baixo.
― Gostaria de prová-los, Inglês?
Ele pensou que demoraria a alcançar este estado, aquele
onde a pele parecia chamuscada e totalmente sensível. Após
seu clímax explosivo anterior, ele presumiu que poderia
explorar sem pressa.
Mas isso foi antes de ela começar a provocá-lo. Acariciá-
lo. Despertá-lo.
― Ponha-os para fora. ― Ele grunhiu olhando para os
montes cremosos e tentadores. Quando ela hesitou, ele puxou
o laços das costas dela para soltar o espartilho. ― Agora.
Por ele estar enterrado dentro do calor apertado e doce
dela, sentiu como seus comandos a afetaram. Uma onda da
excitação dela banhou seu pênis e os músculos suaves
apertaram-se e vibraram.
― Aye, esposo. ― Ela deslizou os dedos para dentro do
espartilho e levantou os seios, deixando-os apoiados nas
bordas do tecido.
Mamilos de um rosa profundo estavam quase vermelhos
nas pontas. Aqueles doces botões, ele sabia, poderiam
escurecer e inchar quando ele cuidasse deles
apropriadamente. Por enquanto, eles estavam altamente
excitados e duros como diamantes. Ele salivou. Seu pênis
endureceu. Pronto.
Ele precisava dela, mas não assim.
Em segundos, ele reverteu as posições, deitando-a de
costas espalhando os cabelos sobre os travesseiros e envolveu
as pernas dela ao redor de seus quadris. Depois, acomodou-
se.
Sua esposa certamente apreciava as mãos dele, a forma
como ele apertava, acariciava, beliscava e dedilhava. Mas ela
reservava sua aprovação mais alta e entusiasmada para sua
boca.
Ele a sugou por longos e lascivos minutos enquanto a
agradava lá embaixo com estocadas lentas e deliberadas com
seu pênis. A cada puxão com sua boca e carícia com a língua,
ele a levava mais longe, cientes dos sinais de que o pico dela
estava próximo. Quando finalmente sentiu as unhas afiadas
marcarem seus ombros, aumentou o ritmo. A tomou cada vez
com mais força até seus golpes chocaram até mesmo ele.
Mas ela amou. Ela arranhou, grunhiu e exigiu mais. Os
calcanhares dela afundaram-se em seu traseiro e a boca
comeu a dele.
― Doce Cristo e todos seus unicórnios, Inglês. ― Ela
murmurou , grunhindo quando ele empurrava mais fundo. ―
‘Cê é um maldito mágico. Ah, eu não posso… Estou prestes a
... Ahh!

Ela soou tão surpresa quando o clímax veio que ele


quase riu triunfante. Depois seu próprio pico veio forte no
rastro do dela, inundando-a com sua semente enquanto seu
corpo se comprimia até secar.
Nos ternos momentos seguintes, ela o abraçou e o
acariciou provocando cócegas em suas costas. Ele deitou com
a orelha sobre o coração dela, ouvindo as batidas firmes.
Deslizou a palma da mão das coxas para a cintura dele.
Depois, ele tocou seu ventre macio a aveludado.
E se deixou imaginar quão lindos seriam os bebês deles.
Capítulo 20

O marido de precisamente sete dias de Annie flexionou o


queixo e encarava através da janela da biblioteca com visível
frustração.
― Eu já lhe contei sobre a minha família. ― Ele
argumentou, jogando a carta que segurava sobre a mesa. ―
Todas as partes importantes, pelo menos.
Pela última semana, ela se suavizara em relação a ele.
Como não poderia? O homem era incansável. Ela não havia
rido tanto, ou soltado tantos suspiros como uma tola em toda
a sua vida. E acima de tudo, ele movera céus e terra para
ajudar Broderick.
A carta de Dunston era mais uma prova disso.
E John se arrependera de tê-la machucado, isto estava
claro. Ele demonstrou seu remorso várias vezes, fazendo tudo
o que ela pedia. Ele até mesmo prometera nomear o filho
deles de Finlay.
Ele também explicou seu cinismo em relação às
mulheres “caça-títulos”
Eles haviam ficado deitados na cama no dia após o
casamento, exaustos pelas atividades e apreciando a brisa
vinda do lago. Diante da insistência dela, ele finalmente
confessou sobre a vadia meio francesa que tentara enganá-lo
anos antes.
― Eu tive uma temporada em Londres onde pareceu…
prudente buscar uma esposa. ― Ele dissera. ― naquele
tempo, não sabia da sua existência ou teria entendido como
ela não era perfeita para mim.
― Ela era uma beleza de pele leitosa?
― Bonita, sim. Adorável de olhar. O encanto dela estava
no flerte recatado. Ela fingia estar atraída por mim contra a
própria vontade.
― Ah, muito sedutora. ― Annie pensou que colocar fogo
no cabelo da mulher tornaria o flerte recatado mais difícil.
Talvez um dia, ela tivesse a chance de testar essa teoria.
― Isso foi há sete anos. ― Ele esboçou um meio sorriso
irônico. ― Estava muito ansioso para ter o que eu via nos
bons casamentos. Isso me tornou um tolo. Cego.
― Nah. ― Ela murmurou, traçando os músculos do
ventre dele com o polegar. ― Apenas esperançoso, Inglês,
― Eu a persegui por tempo suficiente para começar a
planejar nosso berçário e imaginar nossos invernos em
Marselha.
Ela franziu o cenho.
― Marsae?
― Marselha. Na França. Ela era meio francesa.
― As francesas parecem acender o seu pavio. O nome por
um acaso não seria Jacqueline, seria?
― Talvez.
Ele estremeceu quando as pontas dos dedos dela
enfiaram-se em suas costelas.
― Calma, amor.
― Amante modesta francesa. Vadia meio francesa com
cabelo chamuscado. Um padrão é um padrão, John Huxley.
― Pelo amor de Deus, Annie. Eu a encontrei brincando
no estábulo do tio dela com outro homem. Um francês, aliás.
Ela já estava grávida. Planejava se casar comigo pelo meu
título, fingir que a criança era minha e manter o amante por
diversão. ― Franzindo a testa, ele prendeu a mão dela na dele.
― Por que acha que nomeei um cavalo com o nome dela?
Provavelmente um insulto de recordação para ele
mesmo. Ainda assim, ela não gostava disso. Eles teriam que
mudar o nome do cavalo.
― Então ela te enganou antes de se casar com ela?
― Sim.
― Então a visão dela era muito ruim? Talvez muito
vaidosa para usar óculos?
Um vinco formou-se.
― Não.
― Tem certeza? Porque a única outra explicação é que ela
sofreu uma pancada na cabeça quando era uma pequena
lass. Acontece de vez em quando. As pobres crianças crescem
néscias. Não conseguem fazer julgamentos adequados. Como
quando é apropriado mastigar um pedaço de corda. Ou
manter as pernas fechadas quando tem o homem mais bonito
que já existiu oferecendo-se para torná-la a mulher mais
sortuda que já pôs os olhos nele.
Os olhos dele ficaram brilhantes como o âmbar banhado
pelo sol.
― Eu sou o sortudo, amor.
As lembranças dele a ajudaram a compreender do
porquê ele ter mentido, do porquê ele precisava que Annie
escolhesse ele sem o título.
Mas algumas das feridas que ele lhe fizera permaneciam
abertas. Esta manhã, quando ele relutantemente
compartilhara com ela a carta de seu cunhado, aquelas
feridas se reabriram.
Agora, Annie jogou sua tentativa de bordado de lado e se
levantou, parando ao lado da cadeira dele. Cruzou os braços e
se encostou na mesa.
― ‘Cê me disse que Jane gosta de ler. Não me disse que
ela era a Duquesa de Blackmore.
― Quando a conhecer, entenderá a razão disso não
importar.
― Nem disse que Maureen é casada com o Conde de
Dunston.
Ele suspirou.
Ela bateu na carta que estava próxima a seu quadril.
― Que por acaso trabalha para o maldito Ministério do
Interior.
A perna esquerda de John começou a se movimentar, um
claro sinal de inquietação.
― Isso não é precisamente…
― Ou que Eugenia ― a chapeleira, veja ― é realmente a
esposa de um dos homens mais ricos da Inglaterra. Outro
conde, não menos.
― O casamento dela é recente…
― Ou que Robert em breve será um marquês, dando-lhe
um conjunto compatível. Uma variedade de títulos
empoleirada na árvore de sua família.
Ele passou uma mão entre os cabelos.
― Eu já me desculpei de cada maneira imaginável.
Implorei o seu perdão, prometi restaurar o cemitério, comprei
uma carruagem, ― ele apontou para a carruagem parada na
via abaixo ― especialmente para você poder visitar a Casa
MacPherson em um dilúvio nesse fim de mundo escocês.
Ela olhou para o verdadeiro aguaceiro.
― Está um pouquinho úmido.
― Você me quer de joelhos, mulher? ― Ele soou
totalmente rabugento.
― Oh, eu apreciaria isso, devo lhe dizer, Inglês. Parece
que é onde faz seu melhor trabalho.
― Deus, Annie. ― Ele deu uma risada exasperada,
encaixou ao quadris dela entre os joelhos dele e a puxou para
que ela ficasse entre os seus joelhos. As emoções naqueles
encantadores olhos avelã eram tão complexas quanto suas
cores: adoração, frustração, arrependimento e luxúria. ― Você
está tão aborrecida por eu não ter lhe informado sobre a
minha família, mas, ainda assim, impediu que eu contasse a
eles sobre nosso casamento.
― Por enquanto.
― Por quê?
Ela hesitou.
― Eles esperarão que tenha se casado com uma dama.
― Você é uma dama.
― Nah. Sou uma espevitada, Inglês. ― Ela alisou a saia.
A leve lã marrom era muito elegante. Mas a mulher que a
usava? Uma impostora. ― Eu precisarei de muitas Aulas para
uma Dama antes que eu possa me adequar a ser parente de
uma duquesa.
Silêncio. Quando ela ousou olhar para o rosto dele, a
fúria contida ali a surpreendeu.
Cautelosamente, ela prosseguiu:
― Talvez em um ano ou mais…
― Absolutamente não. ― Ele falou entre os dentes. ―
Agora ou mais tarde, eles a amarão. Se mais Lições para uma
Dama a deixarão mais calma, por todos os meios, continue
treinando. Mas eu não esperarei um ano. Nós poderemos ter
um filho até lá, pelo amor de Deus.
Cruzando os braços, ela estreitou os olhos e hesitou por
um momento. A família de John era importante para ele.
Talvez eles pudessem chegar a um acordo.
― Muito bem. Você pode lhe contar antes do nosso filho
nascer.
― Eu lhe darei até o baile do Festival de Glenscannadoo.
― Maldito inferno, Inglês. É daqui a um mês!
― Nós iremos juntos e você pode demonstrar todas as
suas habilidades para o laird e os arrendatários dele. Depois
disso, convidarei a minha família para uma visita. Setembro
faz um tempo agradável aqui no vale.
A ansiedade corroeu seu estômago.
― Certo. Concordarei em tê-los aqui para uma pequena
visita.
― Esplêndido.
― Se vencer um dos eventos nos Jogos das Terras Altas.
O sorriso arrogante dele foi a primeira dica de que talvez
ela tivesse apostado errado. John Huxley florescia diante de
um desafio.
― Feito.
― Não perguntou qual evento.
― Não é importante. ― Ele inclinou para frente, trazendo-
a para perto até sua boca pairar perto da dela. ― Se isso quer
dizer que finalmente eu possa lhe apresentar para a minha
família, eu vencerei. ― Ele a beijou e deu aquele sorriso
confiante que ela achava irresistível. ― Conte com isso.
Como ela ia dominar o deslizamento em apenas um mês?
E dançar! Ela teria que dançar em um baile. E falar como
uma moradora das Terras baixas. E aprender a servir
refeições com vários pratos para uma mesa cheia de
condessas, condes e afins. Oh, Deus. Ela precisava de muito
suprimentos. Um bule de chá adequado. Pratos, copos, pires
e roupas de cama. Ela desejava que a família de John a
amasse enquanto ele repetidamente dizia que eles o fariam.
Mas Annie tinha que se preparar para não desgraçar a si
mesma e a seu marido.
Ela olhou para o sofá onde ela descartou seu bordado,
um resultado mediano, na melhor das hipóteses. Damas de
verdade bordavam muito melhor. Damas de verdade tinham
guardanapos limpos e porcelanas com florzinhas nelas.
― Inglês.
― Humm?
― Devemos ir a Inverness.
― Estou planejando viajar na semana que vem para
conversar com o policial…
― Hoje. Preciso visitar a Sra. Baird. E comprar um bule
adequado.
Ele suspirou e a puxou para mais perto para acariciar o
pescoço dela.
― Sério? Agora? Quando está chovendo e nossa cama
está tão próxima?
― Aye, agora. Não há tempo a perder. Temos muito coisa
a comprar.
― Pensei que odiava comprar.
― Não desse tipo. ― Ela pegou o rosto dele e ergueu os
olhos dele para encontrar os dela. ― Já está pronto para que
eu gaste o seu dinheiro, esposo?
Ele suspirou. Olhou para a chuva intensa que caía e
arqueou a sobrancelha.
― Acredito que fará as várias horas em uma carruagem
valer a pena, não deveria estar muito preocupado com isso.
― É um desafio, seu inglês atrevido?
Ele deu um sorriso e apertou o traseiro dela.
― Talvez.
Ela se inclinou para a frente e sussurrou contra os lábios
dele.
― Aceito.

***

Três horas depois, o cotovelo de Annie estava preso no


canto entre o assento da carruagem e a parede forrada. Seu
calcanhar direito descansava no traseiro nu do marido. O
direito, no chão. E a sua cabeça pendia metade para fora do
banco.
― Estou uma bagunça total, Inglês. ― Ela ofegou, o corpo
ainda pulsando com a recordação do prazer. Ela assoprou
uma mecha vermelha de seus olhos e riu. ― Ahh, Deus. ‘Cê
fez isso comigo.
A carruagem passou por um buraco, fazendo os dois
gemerem.
― Peço desculpas por arrebatá-la, amor, mas eu não
lamento.
De fato, ambos estavam uma bagunça. Ela amassou as
saias ao se ajoelhar entre os joelhos dele. Então, amassou as
calças dele quando pegou sua grande extensão em sua boca,
um tratamento especial que ela apreciava quando queria
enlouquecê-lo. Mas mal teve tempo de provocá-lo antes que
ele enfiasse os dedos em seus cabelos, soltando-os dos
grampos. Depois ele segurou seus braços e a puxou para um
beijo. Ansiosa por ele, imediatamente montou nos quadris
dele e empalou a si mesma sobre o pênis enquanto ele
rasgava suas anáguas, puxava seu corpete para forçar os
mamilos livres em sua boca. Seu corpete certamente estava
amassado. Talvez até mesmo um pouco rasgado.
Enquanto ela o cavalgava, agarrou a cravat dele, a qual
agora estava caída no piso da carruagem. Ela franziu o cenho,
recordando como o humor dele escurecera a um estado
primitivo. Ele grunhira entre os dentes cerrados, os olhos
enlouquecidos. Depois ele a levantou, levando-a ao assento
oposto, aparentemente irritado por tê-la em qualquer lugar,
menos sob ele. Ele enrolou suas saias descuidadamente ao
redor da cintura dela ― mais amassos, naturalmente. Depois
abriu as pernas dela, levando os joelhos dobrados em direção
aos ombros dele, assim ele podia ir mais fundo e mais duro. O
pico dela veio com tal intensidade que ela mordeu o colarinho
da lã delicada para conter seus gritos de êxtase.
Agora, olhando ao redor deles ― os assentos pretos e
acolchoados e as cortinas de veludo prateadas.
― Esta e uma boa carruagem. ― Ela murmurou.
Ele deitou pesadamente sobre ela, respirações quentes
assoprando em seu pescoço.
― Feliz por ter gostado.
― Acho que posso ter danificado seu casaco.
― Tenho outros casacos. Você pode danificá-los depois.
Ela passou os dedos pelos cabelos dele. Virou a cabeça
para beijar a testa.
― Parece que não gosta que eu me sente sobre você por
muito tempo, Inglês. ― Ela sussurrou ternamente. ― Por que
isso?
Ele ficou imóvel. Os músculos tensionaram. Levantou a
rosto e desviou dela, a expressão fechada. Pelos minutos
seguintes, ele não falou. Em vez disso, ocupou-se em arrumar
suas roupas e ajudá-la a fazer o mesmo.
Ela fez uma tentativa de rearranjar seu cabelo, mas seus
braços estavam moles como repolhos cozidos demais.
― Deixe-me ajudá-la. ― Ele murmurou, virando-a
gentilmente até que ela ficasse de costas para ele. Em seguida
ela sentiu os dedos dele em seu couro cabeludo, deslizando
pelas mechas e acariciando a extensão antes de enrolá-lo e
prendê-lo na nuca. Cada momento enviou ondas de arrepios
por sua pele.
Ela suspirou e estendeu a mão para ele, levando a mão
dele à sua boca e assim poder beijar sua palma. Depois a
manteve entre as mãos dela.
― Vai enlouquece um bocadinho quando acordar comigo
por cima de ‘ocê. Já aconteceu duas vezes. E está claro que
prefere ser o cavaleiro a montaria. Pode me contar o motivo,
Inglês?
Ele se recolheu. Ela se virou, assim conseguiria ver o
rosto dele, mas ele se mexeu para observar a chuva.
― Eu lhe contei tudo sobre a minha vida. ― Ela disse. ―
As partes que eu amo, as partes que odeio, até mesmo as
partes que acho que não acreditaria. Como Finlay e eu
aplicávamos truques fantasmagóricos nos aldeões, como
Broderick cantava para mim em gaélico quando ficava doente.
Como Grisel me fez querer me rastejar para a sepultura da
minha mãe mais de uma vez.
Ela observou a garganta dele ondular os músculos
tensionarem. Ele estava lutando contra a mesma raiva que
mostrou na primeira vez que lhe contou sobre as cuspidas e
provocações e todas as pequenas crueldades que suportara
até aprender como evitá-las.
― Acha que não as entenderei?
― Acho que me verá de forma diferente.
― Nah. Eu sei quem ‘cê é, John Huxley. Até mesmo se
mentisse sobre ser um lorde.
Lentamente, enquanto a chuva batia no teto e os
arredores de Inverness se transformava na cidade de
Inverness, seus ombros perderam a tensão. Os punhos se
afrouxaram. A mão dele deslizou entre as dela. A outra mão
ele passou pelos cabelos.
― Você realmente deseja escutar sobre isso, não é?
― Desejo.
― Certo. ― Os lábios empalideceram com a tensão. ― Ela
era uma preceptora. Vinha de uma linhagem antiga, mas
empobrecida. Meus pais a contrataram para instruir as
minhas irmãs quando eu tinha dezesseis anos. ― A mão
direita dele, ela notou, estava segurando o assento ao lado da
perna como se ele quisesse se controlar. ― Estava em casa de
Eton. Na primeira semana ela tentou flertar comigo, mas
meus interesses estavam em outro lugar naquele tempo.
― Então ela era feia.
― Não, ela era bonita o bastante. Meramente menos
atraente do que a criada da taverna da vila, que capturou a
minha atenção.
― A criada tinha peitos grandes?
― Não desejo discutir isso.
― Aye, ela tinha. Isso explica muita coisa, Inglês. Talvez
aprecie se eu usar um vestido de criada, hein? ― Ela mexeu
as sobrancelhas atrevidamente. ― Poderia lhe servir uísque e
‘ocê agir como lorde.
Ele não riu, mas a tensão ao redor da boca e olhos
diminuíram, o que havia sido seu objetivo.
― A preceptora me seguiu inúmeras vezes, aproximava-
se em corredores vazios e fingia me encontrar acidentalmente
sozinho na biblioteca. Ela deu a entender que tinha intenção
de ter uma posição alta na vida e que me deixaria fazer o que
quisesse com ela se ela soubesse que nos casaríamos. Esse
tipo de coisa.
Annie sentiu aonde isso se encaminharia e teve que
imaginar cachoeiras serenas para manter seu temperamento
tranquilo.
― Ousado da parte dela. Mas ‘cê não tava interessado.
― Não.
― E ela não ficou feliz com a resposta.
Várias respirações passaram enquanto ele olhava para
ela com uma expressão sombria.
― Não.
Annie não queria perguntar.
― O que ela fez?
― Eu estava dormindo. Quando acordei, ela estava...em
cima de mim. Tentando engravidar a si mesma.
Ela engoliu com dificuldade, a náusea e a fúria
crescendo.
― Sem a sua ciência.
Ele assentiu.
― No mínimo ela esperou que eu me sentiria obrigado a
apoiar a ela e a criança pelo resto da vida. Mas ela conhecia a
minha família. Sabia que havia uma boa chance de eu ser
forçado a me casar pela honra dela. Felizmente, uma de
nossas mais leal criada descobriu o esquema da preceptora e
alertou o meu pai. Papai e a criada entraram no quarto antes
que a semente fosse...Finalizada. Eu acordei com a preceptora
em cima de mim e os gritos do meu pai.
Annie disse a si mesma para respirar, embora fosse
difícil quando seu peito doía de tão apertado.
― Ela tentou tomar o que não quis lhe dar
voluntariamente. Assim, ela podia elevar sua posição. Por um
título.
Ele torceu a boca.
― Alguns poderiam sugerir que um homem jovem
encontrasse prazer em tal cenário.
Seu temperamento, já à beira da combustão,
obscureceu.
― E eu sugeriria a estes bastardos idiotas que fechassem
as malditas bocas ignorantes deles.
As sobrancelhas dele arquearam em surpresa.
Ela não conseguiu mais se segurar. Apoiando a mão no
ombro dele, ela se levantou, girou e se ajoelhou ao lado dele
no assento, envolvendo os braços ao redor do pescoço dele e o
abraçando com toda a força que podia.
― Ela tentou forçá-lo enquanto dormia. Pelo amor de
Deus, você tinha dezesseis anos. Não mais do que um lad. ―
Seus olhos começaram a umedecer e ela piscou rápido para
evitar que se derramassem. ― quantos anos ela tinha?
Ele acariciou as costas dela.
― Vinte e seis.
― Eu quero matá-la. Diga-me o nome dela.
― Não é importante.
Ela segurou os ombros dele e depois o afastou para olhar
dentro dos olhos dele e sussurrar ferozmente.
― É malditamente importante para mim, Inglês.
Olhos multicoloridos que haviam ficado duros enquanto
contava sua história lentamente aqueceram-se e suavizaram.
― Só falei disso com duas pessoas, sabe. Meu pai, que
demitiu a preceptora naquela mesma noite. E Robert. ― As
mãos dele percorreram a cintura e quadris dela antes de
subir para acariciar as bochechas, como se ele precisasse do
contato para se confortar. ― Sempre presumi que minha
reação foi...estranha. O corpo de um homem naquela idade é
um pouco desgovernado, seus desejos longe de serem
descritos. Mas quando eu acordei e a vi… ― Ele suspirou e a
aproximou dele. ― Não consigo explicar. Minha pele começou
a formigar. Senti-me sufocado e enjoado. ― O olhar dele caiu
brevemente enquanto ela acariciava a mandíbula dele com os
nós dos dedos. ― Depois que meu pai a jogou para fora,
quando eu percebi o que ela pretendia, eu… vomitei. ― Ele
olhou para ela e, por um momento, ela pôde ver a dor dele. ―
Eu não queria que ela tivesse feito o que fez, Annie.
― Eu sei. ― Ela respondeu segurando o rosto dele entre
suas mãos. ― Eu sei bem.
Uma respiração estremeceu o peito dele e, em seguida,
saiu em um suspiro.
― De qualquer forma, alguns anos depois, aconteceu de
eu encontrar um primo dela. Ele me disse que ela havia
morrido. Aparentemente, após ser demitida, voltou a Londres,
onde fez tentativas similares para amarrar o herdeiro com
uma fortuna do comércio de carvão. O herdeiro tinha quinze
anos na época. O pai dele a espancou e a jogou na rua. Ela foi
amante de um baronês por um tempo. Depois caiu na
prostituição e finalmente pereceu enquanto tentava se livrar
da sífilis bebendo arsênico.
― Eu a odeio. ― Annie cerrou os dentes. ― Fico feliz por
ela estar morta. Ela merecia algo pior.
Um sorriso tocou os lábios dele.
― Pior do que a sífilis e o arsênico?
― Ela matou algo inocente em você. Algo ao qual ela não
tinha direito de tocar. Então, aye. Pior.
O sorriso dele aumentou.
― Minha lass feroz das Terras Altas.
Ela o beijou com ternura.
― Se não estivéssemos quase perto da loja da Sra. Baird,
eu mostraria quão feroz eu posso ser. ― Outro beijo. ― Aliás,
nós temos que brincar de lorde e criada um pouquinho mais
tarde.
Muitas horas e uma grande compra depois, a carruagem
seguiu para o escritório do policial. Seu marido olhou para a
tempestade antes de abrir a porta da carruagem. Ele a
aconselhou a esperar lá dentro.
― Posso ser uma lass, John Huxley, mas não serei
deixada para trás enquanto vai ter conversas masculinas. ―
Ela disse afiadamente. ― Broderick é meu irmão e eu conheço
as rotas de contrabando melhor do que a maioria.
O sorriso dele se tornou irônico enquanto ele pegava um
guarda-chuva do piso da carruagem e o abria.
― De fato. Mas eu pensei que poderia preferir esperar até
que eu tivesse isso aqui aberto. ― Ele bateu no cabo do
guarda-chuva e segurou acima da porta. ― Ou talvez aprecie
ficar ensopada.
Ela parou. Olhou para seu marido. Ele sempre a tratou
como uma dama, percebeu. Mesmo quando ela era uma
perfeita espevitada usando calças e lançando insultos, ele
insistiu em uma acompanhante e resistiu a impropriedades
que poderiam comprometê-la. John Huxley a tratava como se
ela fosse delicada. Preciosa.
Entretanto, ele também lhe dava o respeito para tomar
suas próprias decisões. Quando ela esteve exausta por cuidar
de Broderick, ele entendeu isso como algo que ela tinha que
fazer. Então, em vez de proibir ou assumir o comando, ele
estendera seus braços como um abrigo. Sem a necessidade de
ela pedir, ele usou cada conexão a seu dispor para ajudar o
seu irmão, não para ganhar seu favor, mas porque ele sabia o
quanto o sofrimento de Broderick partia o coração dela.
Verdade que ele não acreditou sobre Finlay. Isso ainda
doía. Ele falhara em ouvir quando deveria ter feito. E ele não
confiou que ela o amasse além do título. Mas ela compreendia
os motivos dele melhor do que antes. Ele não era perfeito, seu
inglês, mas a forma como ele a amava era…
Mesmo agora, ele lhe oferecia a mão com uma expressão
divertida e ansiosa. Ela a pegou e desceu para o abrigo que
ele oferecia. A chuva batia e espirrava. Os ombros dele já
estavam molhados.
― Eu te amo, Inglês. ― Ela disse suavemente.
Olhos avelãs, calorosos e dourados, iluminaram-se. Um
sorriso lento e lindamente devastador surgiu.
― E eu a você. ― Por um momento ela pensou que ele a
beijaria, mas ele lhe ofereceu o braço e gesticulou em direção
à porta de um prédio de dois andares em frente a eles. ―
Vamos?
Ela assentiu, oprimida pela luz dentro dela.
― Quando acabarmos aqui, terá uma boa noite. ― Ela
disse casualmente, enlaçando o braço no dele. ― Muito boa.
Ele riu, baixo e sensual.
― Humm. Isso soa esplêndido, lady Huxley. Isso quer
dizer que fui perdoado?
Arqueando uma sobrancelha enquanto ele abria a porta,
ela respondeu:
― Isso quer dizer que estará feliz por ter se casado com
uma pequena espevitada escocesa.
Ele fechou o guarda-chuva e tocou levemente em sua
cintura antes de murmurar em seu ouvido:
― Muito tarde, amor. Se eu ficar mais feliz, nunca parará
de corar.
Capítulo 21

Constable Neil Munro era um homem com o peito do


tamanho de um barril, altura mediana, bigodes laterias
longos e cinzas e um comportamento de aço. Seu escritório
era espartano, pequeno e organizado. Uma carta de
recomendação emoldurada e pendurada na parede. Um
chapéu simples, mas limpo, pendurado em um cabide no
canto. E um esboço de David Skene na mesa.
― Queria poder ajudá-lo, meu lorde. ― Munro disse. Ele
estava em pé, ereto, as mãos entrelaçadas às suas costas em
uma posição militar. ― é meu mais puro desejo desmantelar a
operação de Skene e colocar o canalha onde ele merece. Se
tivesse os recursos disponíveis para isso.
Dada a luz fanática nos olhos de Munro, John acreditou
nele.
― Temos razão para acreditar que Skene continua na
Escócia. Você o perseguiu no passado. Há algum lugar que
ele poderia considerar um santuário? Seus parentes, talvez?
― Ele não tem nenhum além de um irmão que o odeia. O
irmão ajudou a fechar sua destilaria no verão passado.
John franziu o cenho e olhou para Annie. Ela balançou a
cabeça como se fosse a primeira vez que ouvia isso.
― A gangue de Skene não depende de destilaria própria,
então foi uma vitória temporária. ― Munro explicou. ―
Transporte é o jogo dele. Ele tem toda uma aldeia em dívida
com ele. Aliados que o protege, isso faz pegar o rato quase
impossível.
Acenando, John perguntou.
― Sabe quem são os patrocinadores dele?
Novamente, o leve fervor fanático entrou nos olhos do
policial.
― Tenho uma ideia.
Annie apertou o braço de John com mais força.
― Quem? ― Ela perguntou.
O olhar de Munro deslizou sobre ela com desdém antes
de voltar a se endereçar a John.
― Angus MacPherson.
A cabeça de Annie foi jogada para trás.
― Está louco?
John a confortou com uma carícia na cintura.
― Sr. Munro.
― Sargento Munro, meu lorde.
― Certo. Sargento. Eu… conheço Angus MacPherson e
posso assegurar, ele tem aversão a David Skene.
O homem eriçou-se.
― Os MacPhersons ficaram à margem da lei com a
destilaria deles por muito e muitos anos. Apesar das minhas
extenuantes objeções, eles receberam a licença no mês
passado.
De fato, John ajudara a facilitar isso. Ele não podia
deixar a família de Annie, agora, sua própria família, correr o
risco de ser presa pelo funcionamento de uma destilaria
ilegal. Mas os MacPhersons operaram fora da lei dos impostos
de consumo por um longo tempo, ganhando a antipatia do
Sargento Munro, o motivo pelo qual eram John e Annie que o
visitavam. Se Annie pudesse se conter de revelar que eles
eram sua família, John provavelmente conseguiria repostas
mais úteis do que o pai e os irmãos dela.
O oficial prosseguiu.
― Não tenho provas da participação deles, apenas uma
suspeita. Mas o controle do MacPherson em Glenscannadoo é
absoluto. E eu sei que o apoio de Skene é centrado ali.
― Em Glenscannadoo? Como sabe disso?
― No ano passado nós interceptamos os homens dele
transportando uma carga de conhaque francês entre
Inverness e Glasgow. Um dos homens que fazia o
carregamento tinha uma nota de Skene para alguém em
Glenscannadoo. Não sei quem. Mas cada homem, mulher e
criança daquela vila protege o MacPherson de todas as
maneiras. Os fiscais chegam, a destilaria deles está vazia.
Meus homens e eu fazemos perguntas, ninguém sabe de
nada. Os MacPhersons são os únicos poderosos no vale.
― O que a nota dizia?
Munro lançou a John um olhar duro antes de contornar
a mesa e puxou um pedaço de papel debaixo do esboço de
Skene. Ele estendeu a John.
A nota continha poucas frases, sem cumprimento e
assinado apenas com um “S”. Enquanto John lia, seu sangue
esfriou.
― Quando conseguiu isso?
― Setembro.
Annie a arrancou de seus dedos. Seus olhos se
arregalaram horrorizados.
― Bom Deus, Inglês. Isso é…
Ele segurou o pulso dela com gentileza e devolveu a nota
a Munro.
― Você tem certeza de que isso será entregue em
Glenscannadoo.
Munro franziu a testa.
― Aye. A rota deles bifurcou para oeste quando deveria ir
para o sul. Um dos novos rapazes de Skene disse que eles
deviam parar no vale. Ele não sabia onde.
Annie ficou pálida, então John agradeceu Munro e a
guiou de volta à carruagem. Enquanto dava instruções ao
cocheiro e subia atrás dela, ela murmurou.
― Alguém que conhecemos fez isso a Broderick, Inglês.
Alguém que conhecemos.
― Nós descobriremos quem é, amor. ― Ele ofereceu sua
mão e instantaneamente, ela enlaçou os dedos dela.
― Devo falar com Papai.
― Obviamente. Falaremos com toda a família.
― Aquele pedaço de merda com cara de rato pôs seus
homens em Bridewell para matar o meu irmão. ― Uma
lágrima caiu pelas bochechas dela antes que ela as secasse
com raiva. ― E alguém com quem falei, talvez alguém a quem
alimentei em minha mesa, pagou para isso ser feito.
A nota era assustadora.
Mais vinte naquele lugar em Calton Hill. Pagamento
recebido. Entrega iminente. Melhor evitar Glenscannadoo até
que as estradas estejam livres.
Há muito tempo que os MacPhersons suspeitavam de
Skene, claro, eles passaram os últimos meses rastreando
cada homem que fizera parte das surras que Broderick
sofrera. Eles fizeram os homens pagarem caro. Depois, eles
sistematicamente destruíram as operações de contrabando de
Skene. Pedaço por pedaço, rota por rota, cidade por cidade,
eles tiravam todos os recursos que ele tinha e depois os
reduzia a pó. Eles até haviam descoberto um rico estoque de
conhaque que Skene planejava vender em Edimburgo,
obviamente destinado a financiar a fuga do rato.
Era por isso que John e os MacPhersons sabiam que
Skene ainda estava na Escócia. Ele não tinha fundos para ir a
qualquer outro lugar.
John segurou gentilmente sua esposa em seus braços.
Imediatamente ela virou o rosto para o seu pescoço, envolveu
os braços em torno dele e soltou um grande suspiro.
― Nós encontraremos quem fez isso. ― Ele garantiu a ela.
― Aye. Depois eu o matarei.
Ele sorriu e beijou a testa dela.
― Lass feroz das Terras Altas.
Ela se aconchegou.
― Eu não entendo. A carta de Dunston dizia que o
patrocinador devia estar em Edimburgo na época que as
acusações contra Broderick foram feitas.
― Verdade. A resistência veio muito rápido para ser o
contrário.
― E para ter a influência necessária na Alta Corte, ele
tinha que ter uma posição alta.
― Um par, sim.
― Não há muitos pares em Glenscannadoo.
John franziu a testa, olhando pela janela para as ruas
molhadas de Inverness.
― E o laird? Não um par, mais intitulado. Talvez tenha
inveja dos MacPhersons terem mais terras e um vasto
respeito no vale.
Ela bufou.
― O laird é nada além de uma piada. A melhor coisa que
ele oferece ao povo dele é o Festival e só porque ele pode
convidar todos os amigos das terras Baixas para admirar… ―
Ela interrompeu e sentou-se ereta. ― Inglês.
― O que foi?
― O pequeno pavão xadrez esteve em Edimburgo.
Um arrepio serpenteou pela espinha dele.
― Quando?
― Eu o vi na pousada. No mesmo dia em que me beijou
perto da pilha de lixo. ― Ela deslizou a mão para dentro do
casaco dele e retirou a carta de Dunston. Rapidamente
avaliou a primeira página. ― Aye, aqui. Por meu contato em
Edimburgo, três homens em tempos diferentes defenderam
acusações mais severas e processos mais rápidos. Nenhum
íntimo ao MacPherson e nem os advogados deles tiveram
medidas tão severas em casos anteriores. ― Ela parou, moveu
os lábios enquanto os dedos traçavam pela página. ― Aqui. É
isso. A única semelhança que observei entre os homens acima
mencionados ― além da associação deles com a Alta Corte ― é
que há rumores de que cada um deles foi membro de um
certo clube clandestino onde atos de natureza escandalosa
são perfomados. ― Annie franziu o cenho. ― Ele quer dizer
sexo?
John pigarreou.
― Suspeito que é um pouco mais do que isso. Dunston
está longe de ser pudico.
― E se Glenscannadoo é membro deste clube? E se ele os
chantageia?
― É possível, suponho. ― Recordando suas impressões
sobre Gilbert MacDonnel, ele lutou para fazer a possibilidade
encaixar. ― Ele me serviu conhaque quando o visitei. Teria
esperado uísque.
Ela mordeu o lábio inferior.
― E conhaque estava na carga que Munro interceptou.
― Sim.
O silêncio caiu entre eles enquanto os dois trabalhavam
naquele quebra-cabeça. Finalmente Annie balançou a cabeça.
― Nah. Não pode ser o pequeno pavão xadrez.
A boca dele se torceu.
― Por que diz isso?
― Ele é um tolo completo. Vem de um estoque de tolos. ―
Ela soltou um suspiro de escárnio. ― O homem gastou uma
maldita fortuna para por aquela estátua ridícula no meio da
vila. Ele vendeu dez nobres acres para Angus para custeá-la.
― Ele parece orgulhoso de sua herança.
Ela rolou os olhos.
― Apenas a aparência disso.
― Humm. Conhaque em vez de uísque.
― Ovelha em vez de gado. Aye. Ele não forçou os
arrendatários de suas fazendas como outros. Mas suspeito
que é porque ele tenha poucos. Mesmo a choupana que ele
ofereceu à Sra. MacBean fica nas terras MacPherson. ― Ela
balançou a cabeça. ― Nah, ele é um idiota. Mas ele não é mal,
entendeu? Para fazer o que fizeram a Broderick, um homem
precisaria encontrar satisfação na crueldade. Não vejo isso
nele.
John assentiu.
― Concordo. Mas isso ainda nos deixa com a pergunta
sobre quem possuíu tal maldade.
Ela virou o olhar para a janela e depois voltou para ele.
― Eu tenho uma suspeita. Sem provas. Apenas uma
sensação.
― Muito bem. De quem suspeita?
Ela mordeu o lábio.
― Não vai fazer sentido para você. Ele não tem nenhum
vínculo com o vale, com Skene ou com os MacPhersons. E
Broderick nunca o encontrou, até onde eu sei.
― Annie.
― Não espero que acredite em mim. É apenas uma…
― Amor, conte-me.
Ela apertou os lábios e inclinou o queixo.
― Lockhart. ― Ela desviou os olhos dele, empurrou a
carta de Dunston de volta ao seu bolso e depois alisou a
lapela. Finalmente, ela remexeu sua saia. ― Acho que é Lorde
Lockhart.
John se recostou. Ela esperava que ele a contrariasse?
Observando-a nervosamente inquieta, ele viu que sim. Pois
ele não acreditou nela sobre Finlay, o que, ele entendia agora,
havia sido seu maior erro. Assim, com a sua vontade de ter
provas em vez de histórias fantásticas, a fazia duvidar dele.
Ele cobriu a mão dela quando ela começou a separar o
material de bordado.
― Eu acredito em você.
Ela se retesou.
― ‘Cê...Cê acredita?
― Sim.
― Não me perguntou porque eu suspeito dele.
Ele inclinou a cabeça para olhar nos olhos dela.
― É o bastante para mim a sua suspeita.
― Não acha que enlouqueci?
Um pequeno fio de dúvida nos olhos dela retorceram seu
coração em um no doloroso.
― Annie Huxley, você é tão sensata quando uma guarda-
chuva em um temporal.
Ela passou o dedo sobre o ponto em seu colarinho onde
os dentes dela haviam mordido a lã.
― Então, não sou louca.
― Não é louca. Sei disso do mesmo jeito que sei que a
água das Terras Altas faz o melhor uísque e uma lass das
Terras Altas a melhor esposa. Pois só tolos acreditam no
contrário.
O sorriso dela cresceu.
― Inglês bonito e charmoso. Não está dizendo isso
apenas para entrar embaixo das minhas saias, está?
― Bem, não é a única razão. -Ele zombou. ― Embora
certamente não recusaria a oferta.
Ela riu. Então o beijou. Depois demonstrou como uma
lass das Terras Altas fazia de seu marido inglês um homem
extremamente feliz.

***

Quando Annie parou diante de seu pai e de seus quatro


irmãos, tentando explicar porque um Lorde do Parlamento
que nenhum deles conhecia poderia ser considerado um
grande suspeito, seu estômago agitou-se. Ela não sentia esse
nervosismo com os MacPhersons desde que ela era pequena.
― Você o viu na pousada com Glenscannadoo. ― Angus
disse com uma cara feia. ― Também tinham outros homens
presentes?
Assentindo, Annie apertou a mão de John e enlaçou os
dedos. O aperto firme dele lhe deu conforto.
― Alguns. Mas se visse a forma como Lockhart lidava
com a irmã, Pai...Não sei explicar. Ele parecia feliz consigo.
Campbell e Rannoch, ambos parados com os braços
cruzados perto da lareira, lançando olhares um ao outro.
Lendo o ceticismo deles, Annie franziu o cenho.
― Duvidem de mim se quiserem, mas o fato é que
Lockhart esteve aqui no vale em setembro passado visitando o
laird para uma caçada. A irmã também. Eu os vi na praça.
Alexander, esparramado ao lado de Broderick no sofá,
esfregou a ponte de seu nariz com o polegar.
― Broderick não o conhece, Annie. Nenhum de nós. Que
motivos teria Lockhart para querer a morte dele?
Era uma resposta que simplesmente ela não tinha. Ela
estava prestes a dizer quando seu marido falou.
― O que quer que seja, pode garantir que os instintos de
Annie estejam corretos. Ela não acusaria ninguém sem
motivo. ― Olhos avelã calorosos encontraram os dela antes de
voltarem aos MacPhersons. ― Lockhart é bem posicionado na
sociedade de Edimburgo e seus movimentos combinam com o
que sabemos sobre o apoiador de Skene. Ele esteve aqui em
setembro. Ele estava na pousada. Ele exibiu comportamento
cruel em relação a irmã.
― Tem certeza de que a irmã dele não fez rebuliço por
nada? ― Alexander perguntou.
Annie o encarou.
― Você lidaria comigo de tal forma, Alexander
MacPherson?
― Nah. ― Ele sorriu para ela. ― Eu enlouqueceria ao
perder o meu cérebro com uma panela de ferro.
― Exatamente. ― Ela rebateu. ― Eu conheço um
tratamento rude quando vejo um.
John apertou a mão dela.
― O homem que tem Broderick como alvo quer que ele
sofra, seu ódio queima, então, muito provavelmente, essa seja
uma natureza pessoal. Ciúmes de uma mulher, talvez. Ou
uma transação que Lockhart considerou pessoal. Não tenho
dúvidas de que o canalha vai fazer outra tentativa.
― Nunca me encontrei com Lockhart. ― Broderick disse,
sua voz mais forte do que há semanas, embora ainda grave. ―
Skene foi o único nome que mencionado em Bridewell.
― E nós teremos uma armadilha apropriada para o rato.
― Rannoch falou. ― É apenas uma questão de tempo antes
que ele caia.
De fato, Campbell explicou como eles guardaram o
conhaque em um armazém próximo a Inverness, plantaram
rumores entre o bando desbandado do rato e colocaram
homens para vigiá-los. Era um bom plano, desde que ele se
comportasse como previsto.
― Talvez devemos esperar até termos Skene nas mãos,
irmã. ― Campbell sugeriu.
Annie olhou para Angus.
― Papai?
Angus olhou para cada um dos seus filhos, demorando-
se em Broderick. Depois olhou para John e finalmente voltou-
se para Annie.
― Nada está certo. Não temos prova.
Seu coração começou a murchar.
― Mas se Annie acredita que ele é uma ameaça, ele é
uma ameaça.
E, apenas com isso, o coração dela voltou a sua
capacidade. A primeira vez que Angus MacPherson a
levantara e a carregara para a capela, sentiu o mesmo.
Segurança. Amor.
― Obrigada, Papai. ― Ela sussurrou.
Ele assentiu.
― Infelizmente não podemos agir contra um lorde sem
evidências dos crimes dele. Nós precisamos de provas.
John falou:
― Nós temos uma ideia sobre isso. Mas antes, devemos
garantir que ele venha até aqui. ― John explicou o plano que
ele e Annie discutiram no caminho de volta de Inverness.
Primeiro, John se aproximaria do Laird Glenscannadoo para
garantir que ele convidasse Lockhart para a Festival de
Glenscannadoo. Depois, Annie escreveria para Sabella
Lockhart para encorajar ela e o irmão a participar.
― Se Lockhart for o homem que penso que é, ― Annie
disse suavemente, atraindo o olhar de Broderick ― ele quererá
ver o dano que ele causou.
Metade do rosto de Broderick consistia em um olho
remendado e uma massa elevada de cicatrizes. A boca
apertada em um canto, deixando com uma carranca
permanente. O nariz fora achatado ao longo da ponte e
quebrado no meio. A outra metade do rosto também tinha
cicatrizes, com longos cortes na testa, bochechas e na
mandíbula forte e quadrada. Seu bom olho tinha voltado ao
normal, escuro e bonito com cílios grossos. Ela apenas
desejava que seu irmão ainda vivesse ali. Mas em vez disso, o
olhar dele quebrava seu coração mais do que as cicatrizes
fariam.
Ele pareceu sentir o que ela ainda estava por pedir antes
de falar, pois aquele olho ardia com violência.
― Eu não pediria isso a ‘ocê…
― Farei isso. ― Ele proferiu, baixo e rouco.
Ela engoliu em seco. Assentiu.
Sentindo sua angústia, John a puxou para seu lado.
― Vamos começar pelo começo. ― Ele disse com calma. ―
Vamos atrair o canalha até aqui. Depois veremos como o
diabo apreciará de ser pego em sua própria armadilha.
Capítulo 22

Annie fez uma vênia para a Sra. Baird pela quarta vez,
perguntando-se porque era tão mais difícil do que parecia. ―
Vossa Graça. ― Ela disse, mantendo sua voz suave e digna. ―
É uma honra conhecê-lo.
― Muito bom, Annie. Muito melhor.
Annie lançou um sorriso irônico.
― Aye. Pelo menos dessa vez eu não caí.
― Seu tom foi perfeito também. ― Os bonitos cabelos
loiros da Sra. Baird brilhavam à luz da janela da sala. ―
Respeitoso sem ser subserviente. Excelente.
Gargalhando, Annie soprou para cima para tirar a mecha
de cabelo de seus olhos.
― É bom que a subserviência não ser exigida ou nossas
Lições para uma Dama estariam terminadas antes de
começarem.
Pelos últimos três domingos, a Sra. Baird, ou Eleonora
como encorajou Annie a chamá-la, viajara bondosamente de
Inverness à Casa MacPherson para dar aulas a Annie sobre
tudo, desde servir chá até escrever cartas. Ela mostrara a
Annie como fazer cortesias sem perder o equilíbrio, como
priorizar saudações aos convidados, como organizar uma
mesa com o número apropriado de colheres e como planejar
entretenimentos que não seriam estragados pela chuva. Ela
aconselhou Annie com seu cabelo, postura e fala. Explicou os
mistérios da conversa educada, dando conselhos como: “Se o
tópico for uma parte do corpo que normalmente cobre ou uma
função corporal que recusaria a performar em praça pública,
melhor considerá-la impronunciável.” Isso descartava muitas
coisas. Mas, pelo menos, era franca.
Annie apreciava franqueza. Havia regras demais. A
confusão a deixou tonta.
A Sra. Baird esticou a mão para arrumar o cabelo de
Annie de um jeito maternal.
― Lembre-se, você deve ter uma posição inferior, mas
não é inferior. Um dia será uma condessa. Não será ótimo?
― Nah. ― Annie disse, seu estômago embrulhou. ― Não
diria ótimo. Embora agradeça sua bondade, Sra. Baird.
― Eleonora. ― Ela a corrigiu novamente. ― Ou apenas
Nora, se preferir.
Annie suspirou e concordou.
― Nora, então.
O sorriso de Nora Baird irradiou.
― Agora, já pensou nos planos sobre os assentos…
― Annie! ― Angus gritou de seu escritório.
Annie abriu a boca para gritar uma resposta, mas diante
da expressão de desagrado da Sra. Baird, ou melhor, Nora, ela
decidiu não gritar.
O que trouxe Angus pisando duro até a sala segundos
depois.
― Pretende me responder, lass? ― Ele resmungou.
― Aye, Papai. A um volume razoável.
Ele grunhiu, fez uma careta de desagrado, depois ergueu
um frasco quase vazio de linimento.
― A velha prometeu me entregar um novo lote.
― A Sra. MacBean estará aqui em breve. Seus joelhos
estão doendo?
Outro grunhido. A atenção de Angus vagou para trás do
ombro de Annie, para Nora Baird.
― Teve a preocupação de trocar aquele cabriolé inútil que
conduz, mulher?
― Não. ― Veio a resposta afetada da costureira. ― Nem
pretendo fazê-lo.
Angus entrou mais na sala, escurecendo-a como uma
nuvem.
― Se pretende vir a minha casa todos os domingos, terá
que encontrar uma forma segura para chegar aqui, ou…
― Agradeço a sua preocupação, Sr. MacPherson…
― … eu malditamente irei a Inverness e a trarei aqui eu
mesmo.
― … mas a sua opinião sobre o meu veículo é de pouca
importância.
Quando um raio iluminou os olhos de Angus, Annie
arqueou as sobrancelhas. Oh, Deus. Ela olhou para trás, para
Nora, que parecia surpreendentemente desafiadora. E
surpreendentemente corada.
― Er, Papai? Talvez devêssemos…
― O que me diz, mulher?
― Digo que sua opinião não me importa. ― Nora
respondeu rispidamente, aprofundando a trincheira que
parecia determinada a cavar ela mesma. ― Minhas visitas
aqui não tem nenhuma relação com você.
― É assim?
― Aye.
Alarmada pela tensão espessa e inexplicável entre seu
pai e sua costureira, Annie pigarreou e usou o que Nora lhe
ensinara sobre manter as conversas educadas.
O primeiro passo: chá.
― Pai, por que não toma um pouquinho de chá, hein? ―
Ela gesticulou para a bandeja que a nova governanta de
Angus colocara sobre a mesa. ― Aposto que há um bocadinho
de láudano em algum lugar. Colocarei uma gota ou duas. E
um pouco de uísque. Talvez isso melhore seus joelhos e seu
humor.
― Vai ficar para jantar? ― Ele resmungou.
Annie presumiu que ele estava falando com Nora, já que
ele não olhava para nenhum lugar.
― Annie me convidou, aye.
Ele olhou com uma carranca furiosa.
― Maldito inferno. Terei que segui-la até em casa então.
Movendo seu olhar entre os dois, Annie piscou, ficou
boquiaberta.
― Ah, Papai?
― Faça como quiser, Sr. MacPherson. ― Nora respondeu
com a expressão um pouco contraída. ― Não posso impedi-lo.
Annie estava prestes a perguntar o diabo estava errado
com eles quando a nova governanta introduziu a Sra.
MacBean à sala. A exausta anciã usava um dos vestidos de
tartã verde que Annie lhe fizera, junto com o avental. Ela deu
a Angus o linimento dele.
Angus agarrou o frasco resmungando que já era hora,
depois saiu explodindo da sala.
― Oh, Nora. ― A Sra. MacBean disse vasculhando no
bolso de seu avental. ― Posso ter um pouquinho de sálvia
para queimadura de sol. Deveria usar chapéu neste tempo.
Está escaldante.
― Não precisa, Mary. Estou bem. ― Uma Nora de
bochechas vermelhas se virou para servir-se de chá.
Annie estreitou os olhos sobre a costureira e depois em
direção ao vão da porta que Angus deixara vago. Ela abriu a
boca para confirmar as suas suspeitas, mas a Sra. MacBean
sacudiu um pedaço de madeira em formato estranho na
frente dos olhos de Annie.
― Este é um encanto para fertilidade, lass. ― A coisa
estava amarrada em uma corda de couro e se parecia
rudemente a um polegar. ― Vá. Coloque-o.
― O que se supõe que devo fazer com isso? ― Annie tinha
suas suspeitas e nenhuma delas era boa.
― Use-o ao redor do pescoço. O que pensou?
Não aquilo, mas ficou aliviada.
― É um coelhinho.
Annie apertou os olhos, virou o encanto de um lado para
o outro. Ela acreditava que as duas linhas que pareciam
nádegas podiam ser orelhas. Se o afastasse. E fechasse os
olhos.
― Isso é para me ajudar a conceber um lad?
― Não pode especificar um homem. ― A Sra. MacBean
aceitou a xícara que Nora ofereceu com um aceno de gratidão.
Ela deu um gole e depois perguntou. ― Já tentou brincar um
pouquinho de carneiro e ovelha, lass?
Nora engasgou e derramou o chá em sua saia.
― Veado e corça? Fazendeiro e carrinho de mão? Dizem
que melhoram as suas chances. ― A Sra. MacBean continuou
calmamente. ― Embora, não tenha encontrado
particularmente eficaz a não ser para colocar um sorriso no
rosto de um homem.
Annie cruzou os braços e a encarou.
― ‘Cê sabe que eu desejo ter um filho. E sabe o porquê.
O olho bom da anciã afastou-se. Ela deu outro gole no
chá.
― O que não está me dizendo? ― Annie exigiu.
― Nada.
― Nah, há alguma coisa.
― Apenas uma suspeita.
Annie encarou a Sra. MacBean até ela terminar o gole.
― Diga-me do que suspeita ou aqueles pães que trouxe
para você irão a Inverness com a Sra. Baird.
A anciã suspirou.
― Fantasmas não podem renascer.
― Por… Por que diria isso…
― Comecei a suspeitar que faltava algo quando nenhum
dos meus remédios ajudaram ao rapazinho.
Annie engoliu em seco em sua, repentina, garganta
apertada. Não. A velha devia estar errada. Ou sem juízo. Sim,
sem juízo.
― Mas você o viu. Disse que ajudaria.
― Aye.
― E ele… Ele me disse quem ele era.
― Ele lhe deu um nome, aye.
― Ele disse que ele… ― A mão de Annie automaticamente
pegou o cardo enfeitiçado no pequeno bolso que ela costurara
em suas anáguas. ― Ele queria voltar. Era o destino dele.
― Isso foi o que ele disse ou foi o que você ouviu?
Oh, Deus. Freneticamente, Annie vasculhou sua
memória apertando o cardo com mais força.
A simpatia brilhou nos olhos da Sra. MacBean. Ela
apoiou sua xícara na mesa e pegou a mão de Annie.
― Eu não quero magoá-la, Annie. Nunca quis isso.
A respiração dela ficou rasa.
― Não. ‘Cê tá errada.
― Fantasmas não têm destino. Por isso eles são
fantasmas. Eles estão presos nas fendas entre os reinos.
Annie balançou a cabeça.
― Ouça, lass. Nenhum fantasma é capaz de se ligar a
uma pessoa viva por mais de vinte anos. É simplesmente
impossível. A maioria deles nem pode viajar para muito longe
do local onde morreram, senão desaparecem. Fantasmas são
vítimas, sabia? São capazes de provocar um pouco de
confusão de vez em quando. Sacudir uma lamparina. Bater
na janela. Jogar um livro para fora de uma estante. ― Ela
bufou. ― Por que supõe que enterrei o meu, ãh? Eles são
travessos. Isso é tudo o que eles têm, os pequenos malucos.
Mas não é um poder real. Não do tipo que o seu laddie tinha.
Ela apertou as costelas e segurou a mão da Sra.
MacBean.
― Q-quem ele é então? O que ele é?
― Não sei. Ele não é como qualquer criatura que já ouvi
falar.
A boca de Annie abriu e fechou antes de ela conseguir
forçar-se a sussurrar uma pergunta através de sua garganta.
― Estou louca?
Repentinamente a luz da sala mudou e, por um
momento, o olho leitoso da Sra. MacBean ganhou um brilho
misterioso.
― Não, lass. ― Ela disse com a voz soando estranha,
como se estivesse misturada com outras vozes. ― Você está
protegida.
― P-pelo quê?
Uma respiração longa e lenta saiu do peito da Sra.
MacBean.
― O que muda de forma para atender às próprias
necessidades?
Annie balançou a cabeça.
― Kelpies, selkies.7 ― Ela fez uma pausa. ― Fadas.
Nora Baird com a saia manchada de chá entrou em sua
visão.
― Espíritos guardiões, talvez. ― Ela disse suavemente. Os
olhos dela estavam arregalados e brilhantes. ― Eu vi um, eu
acho. Na noite em que meu marido morreu. Estive doente
com a mesma febre que ele. ― Ela se aproximou quando
Annie virou-se para ela. ― Achei que era um sonho. Na
manhã seguinte eu acordei e minha febre se fora. Havia um
pássaro empoleirado no parapeito da minha janela. Uma
coruja. Iluminada pelo sol. Totalmente branca.
Engolindo com dificuldade, Annie perguntou.
― Acredita que era seu marido?
― Não. Um anjo enviado para buscá-lo, talvez. ― Um
sorriso incerto tocou os lábios dela. ― Tudo o que sei é que
era um espírito que me vigiou durante a noite.
― Aye. ― Disse a Sra. MacBean, sua voz mais fraca
agora, a mão mais pesada dentro das de Annie. ― Ele ficou
para vigiá-la.
Annie esperou que o olhar da anciã focasse em Nora.
Mas não estava. Ela olhava diretamente para Annie.
― F-Finlay? ― Ele havia aparecido para ela um dia depois
da morte da mãe dela. Ele viera exatamente quando ela mais
precisou.
― Ele ficou tanto quanto pôde. ― A Sra. MacBean
murmurou.
O coração dela se apertou até ela engasgar. Eu fiquei, ―
ele dissera ― tanto quanto pude.
― Ele ficou porque ele a ama, lass. Ele a deixou porque
devia.
Eu parto, ― ele disse ― porque eu devo.
Case-se com um lorde, Annie. O destino espera.
Não o destino dele. Não o de Finlay. O dela.
John Huxley. Seu marido. O pai dos filhos dela.
O olho leitoso da Sra. MacBean brevemente ficou mais
brilhante, capturado por um raio de luz vindo da janela. Ela
apertou os dedos de Annie até doerem. Depois, ela a puxou
para perto, sua voz irregular e em camadas ásperas.
E o que ela disse enviou arrepios pela espinha de Annie.
― A escuridão está aqui, Annie. O dia ainda não chegou.

***

John ergueu o tronco monstruoso com todas as suas


forças. Ele tombou de ponta a ponta, parando brevemente e
pousando às onze horas. Não estava perfeito. Mas também
não estava terrível. Descansando as mãos nos quadris, John
tentou recuperar o fôlego no calor denso. Ele vinha até a
clareia da cachoeira todos os dias desde que ele e Annie
fizeram a acordo. Ele atirava o tronco, atirava o martelo,
levantava pedras, corria, nadava e lutava contra os
mosquitos. Mas cada pequena miséria valeria a pena quando
Annie conhecesse a sua família. Ele sorriu imaginando a
expressão dela quando Meredith Huxley finalmente tivesse a
chance de abraçar a sua nova nora. Mamãe ficaria nas
nuvens e Annie teria que conceder que ele esteve certo o
tempo todo.
Sua mulher trabalhava duro, ele sabia. Ela começara a
comprar quantidades inebriantes de coisas de casa em
Inverness. Tinha enchido sua despensa além da capacidade.
Ela contratara criadas adicionais e mais três primos de
Dougal. Todos os domingos ela saía cedo para a casa de seu
pai para as Lições para uma Dama. Ele dissera mais de mil
vezes que elas não eram necessárias, mas ela estava
irredutível. E orgulhosa. E determinada a “não desgraçá-lo na
frente de sua mãe, John Huxley.”
Ele também a ensinara algumas danças novas para o
baile que estava por vir. Ela estivera nervosa sobre isso
também.
As cartas dela para Sabella Lockhart e suas visitas a
Gilbert MacDonnell pareciam colher frutos. Lockhart e a irmã
planejavam vir ao Festival de Glenscannadoo. Broderick havia
se recuperado o bastante para mudar-se para sua própria
casa. Os MacPhersons estavam aumentando a produção na
destilaria. Em breve, eles teriam que contratar mais homens.
O treinamento de John para os jogos estava progredindo
firmemente. E, apesar da janela quebrada da torre e do
problema persistente com rato no porão, os reparos no castelo
estavam quase terminados. Quase tudo estava no lugar.
Ele deslizou a mão pelo rosto. Deus, ele estava
malditamente cansado. Eram os sonhos, ele pensou. Eles
estavam perturbando seu sono há várias noites seguidas,
sempre o igual: ele acordava no escuro com uma avassaladora
sensação de morte. Ele procurava por Annie na cama, mas ela
havia sumido. Frenético, ele se levantava da cama e quase
caía pelas laterais enquanto o quarto girava. Então ele via o
pássaro, um corvo branco empoleirado aos pés da estrutura
da cama. Ele o encarava até ele caminhar em sua direção.
Então, ele puxava o plaid de Annie da cama e jogava a coisa
aos pés de John. John se enrolava nele. Observava o pássaro
voar até a cômoda onde estava a sua adaga. Pegou a adaga. O
pássaro saiu voando do quarto,e John o seguiu. Todo o tempo
palavras eram ecoadas em seus ouvidos. A escuridão está
aqui. A escuridão está aqui. A escuridão está aqui.
O sonho era um autêntico pânico de acelerar o coração.
Confuso. Sua sensação de perda e urgência se enrolava em
um nó, mas ele não sabia o que deveria fazer. Às vezes, o
pássaro o levava à torre e depois o mostrava a janela incapaz
de ser reparada. Estava sempre destruída. Sempre pingava
sangue do vidro estilhaçado. E ele sempre se virava para
Annie caída atrás dele, o peito imóvel, olhos em branco,
sangue empoçado no chão saindo das feridas do ventre dela.
A poça escorria e alcançava seus pés descalços e ele caía de
joelhos com um grito de angústia.
Aí era onde o sonho sempre acabava. Pelas últimas cinco
manhãs ele acordou suado e a encontrou deitada a seu lado.
Ele a envolvia em seus braços até ela protestar
sonolentamente que precisava respirar. Então ele a amava até
seu coração ser capaz de deixá-la sair de sua visão.
O treino dele com tronco, martelo e pedras ajudava a
liberar um pouco da tensão, mas ele não dormia bem há dias.
Agora, sentia-se exausto e seus músculos estavam doloridos.
Ele tirou o kilt ― um segundo e mais leve que Annie fizera
para seus treinos ― e entrou na piscina embaixo da queda
d’água. A água estava gloriosamente fria sobre sua pele, a
cascada batia rápida e necessária em seus ombros cansados.
Através da cortina de água, ele teve o vislumbre de uma
figura em tons de vermelho, creme e lilás. Ela vinha em sua
direção cruzando a grama e as flores silvestres, a princípio
vagarosamente. Depois caminhando. Então correndo.
Ele vagou em direção a ela, o corpo ficando
previsivelmente duro. Na hora que a água estava na altura da
cintura, ela alcançou a beira da piscina e mergulho em sua
direção. Ele parou.
― Amor, espere. Seu vestido…
Ela parecia não se importar. A musselina lilás formou
um balão ao redor dela enquanto ela se esforçava a afundar.
― Preciso de ‘ocê, Inglês.
Ele conseguia ver que ela precisava. Os olhos de
centáurea estavam fixos nele, famintos e quase desesperados.
Sua esposa normalmente se preocupava se uma gota de
chuva caísse em suas saias. Ele se moveu rapidamente antes
que ela chegasse mais fundo do que os seus joelhos, abraçou-
a e segurou sua nuca enquanto ela se agarrava a ela em torno
de suas costelas, os dedos enfiados em suas costas e a
bochecha pousando sobre seu coração. Ela estava tremendo,
sua pele estava quente e a respiração irregular.
Acariciando as costas dela, apoiou seu rosto nos cabelos
dela.
― O que há de errado, Annie?
― Eu preciso d’ocê. ― Ela repetiu.
― Você me tem.
Todo corpo dela começou a tremer.
Ele a pegou em seus braços e a levantou da água, indo
para onde seu kilt estava, sobre a rocha achatada e se sentou
lá com ela em seu colo. Metodicamente ele deslizou as mãos
pelas curvas suaves dela, assegurando-se de que ela não
estava ferida.
― Pode me dizer o que aconteceu?
Por um longo tempo ela não disse nada. Em seguida, ela
explicou o que a chateara: as revelações da Sra. Macbean
sobre Finlay, como ele enganara Annie fazendo-a acreditar
que ele era um fantasma. Como ela se enganou em acreditar
que eles podiam ficar juntos novamente se se apenas se
casasse com um lorde.
― Eu não sei mais o que é real, Inglês.
― Nós somos reais, amor. Você e eu.
― Eu o perdi. E sinto a falta dele. E não tem meio de
trazê-lo de volta para mim.
― Eu sei. ― Ele a beijou. Acariciou as bochechas.
Acariciou os cabelos.
― Isso não quer dizer que está absolvido de sua tarefa. ―
Ela deslizou a mão para o centro do peito dele. ― Eu quero
dizer sobre seus bebês, Inglês. Ainda deve se aplicar.
Ele sorriu.
― Obviamente, amor.
Uma fungada.
― Está nu agora.
― De fato.
― Eu arruinei meu vestido.
― Está apenas um pouco molhado.
Ela brincou com os pelos de seu peito. Mordiscou a pele
de sua garganta.
― Nah. Eu tenho que removê-lo.
Ele puxou a saia dela e deslizou as mãos pelas pernas e
coxas. Depois entre as coxas, e mais alto.
― E se eu fizesse isso?
Ela suspirou e puxou a boca dele para a dela para um
beijo longo e doce.
― Inglês esperto. ― Ela murmurou. ― Sabia que havia
uma razão para eu ter me casado com você.
Capítulo 23

O sonho veio de novo, como viera antes. O corvo branco


apareceu para levá-lo até a torre. Mas o final foi diferente
dessa vez.
Desta vez, quando John subiu as escadas para o andar
mais alto, um menino de aproximadamente uns seis anos
estava parado em um raio de luar. Ele tinha cabelos pretos e
olhos azuis. O rosto era doce e macio. Vestia roupas simples
uma camisa branca e calças pretas. Sem sapatos. O menino
esticou a mão quando John chegou ao último degrau e parou.
― A escuridão chegou. ― O menino disse. Ele se virou e
apontou em direção à janela na qual havia uma teia de
rachaduras, mas sem sangue ou vidro estilhaçado. ― Ela
precisa de você.
Franzindo o cenho, John avançou, atraído pelo rosto
familiar do menino. As feições dele eram pequenas, mas
sugeriam força. Porém, ele não conseguia dizer com exatidão.
Uma onda de choque atravessou seu corpo.
― Eu o vi. ― Ele engoliu em seco, sua respiração curta e
apertada. ― Naquele dia nos armarinhos. Você estava
brincando com o menino do Cleghorn. Eu o vi.
Olhos azuis voltaram-se para ele. Por um instante eles se
iluminaram com o mesmo brilho caloroso e brincalhão que ele
vira então. Um sorriso torto apareceu.
O coração de John virou do avesso. Ele se abaixou no
nível do menino, olhando-o em encantamento.
― Finlay.
O menino inclinou a cabeça.
John acariciou a bochecha macia com as pontas dos
dedos.
― Mal posso acreditar nisso.
O sorriso de Finlay se suavizou em compreensão. Depois,
aqueles olhos azuis ficaram solenes.
― Deve acordar, John. Deve salvá-la.
― Annie?
Finlay agarrou os dedos de John e os apertou. Ele virou
a palma de sua mão, erguendo-a para que a palma de John
ficou aberta. Um cardo apareceu ali. De madeira, mas
reconhecível. John vira Annie apertá-lo entre os dedos
quando sentia saudade do seu rapaz. Finlay se ajoelhou e
recuperou algo das sombras. Era a adaga de John, a que
tinha o cabo de veado. O menino a estendeu com o cabo
virado.
Relutante, John o pegou.
― O que devo fazer com isso?
― Proteger.
― Do quê?
Diante dos seus olhos, o menino virou um pássaro. O
corvo branco bateu as asas e pousou no parapeito da janela.
― Finlay. O que isso quer dizer? O que devo fazer?
Olhos azuis brilharam novamente, desta vez tornando-se
tão brancos quanto a lua. E em sua mente ele ouviu uma
única palavra em milhares de vozes.
― Acorde.

***

A cabeça de Annie não doía tanto desde que ela deixou


Rannock encher sua caneca de uísque muitas vezes, tropeçou
em uma caixa de nabos e bateu o nariz no aparador.
Atualmente, o som entrava e saía em ruídos altos enquanto a
dor ameaçava partir seu crânio. Alguma coisa estava
remexendo em seu estômago. Alguma coisa estava grunhido e
não a deixava respirar.
Ou mais precisamente, alguém.
Ela estava sendo carregada sobre o ombro de um
homem, pensou. Cada passo empurrava a sua cabeça e
esvaziava seus pulmões. Com esforço, ela forçou seus olhos a
se abrirem. Escuridão. Lã áspera. Fedor. Ecos fracos de
passos na madeira. Ela piscou. Outro empurrão violento e ela
sentiu que faziam uma curva. Seu cabelo estava solto, assim
a leve luz das janelas pelas quais passavam brilhava através
de uma cortina vermelha.
Mais grunhidos. Ofego áspero. As suas mãos estavam
dormentes e agora que ela enxergava, viu que estavam
amarradas com um barbante semelhante ao que ela usava na
cozinha.
Pontos cinzas flutuaram diante de seus olhos. O som
desapareceu.
Eles estava se movendo em direção a um conjunto de
escadas agora, ela pensou. As escadas da torre.
Por que as escadas da torre? Elas apenas levavam
apenas até a cozinha e ao porão. Ela engoliu em seco,
perguntando-se se vomitaria. Outra curva. Começaram a
descer.
O porão tinha uma porta para o jardim, ela recordou.
Alguém estava levando-a ao porão. Sua cabeça estava
pesada, a luz era fraca e sua boca estava seca.
Alguém estava tentando levá-la de seu marido. De sua
casa.
Ele cambaleou e se apoiou contra a parede. Praguejou
em gaélico. Ela reconheceu a voz. Skene. Embora sua cabela
latejasse tornasse o ato de pensar quase impossível, ela
tentou raciocinar.
Skene estava na casa dela. Carregando-a pelas escadas
da torre. Ele estivera nas redondezas todo este tempo? O que
ele queria? Ela recordou que os MacPhersons armaram uma
armadilha para ele. Ele a levava para usá-la contra seus
irmãos?
Não sabia. Tudo que sabia é que devia se libertar.
Outro empurrão causou uma pontada atrás de seus
olhos.
Rapidamente ela balançou. Mãos atadas. Pernas
sacudindo. Skene as segurava ao redor dos seus joelhos, mas
ele parecia distraído e desequilibrado, assim o aperto estava
frouxo.
Sem tempo. Ela tinha que se livrar agora. Tinha que
encontrar John. Tinha que correr.
Na última curva, assim que ela sentiu que ele começava
a descer um novo lance, ela se ergueu e atingiu seus punhos
atados na orelha dele. Ele uivou e cambaleou. Os dedos
arranharam dolorosamente a coxa dela, mas ela balançou o
corpo como um peixe, forçando o peso deles em conjunto em
uma oscilação ampla.
A tábua de madeira aproximou-se dela, atingindo a parte
superior de seu corpo. Sua visão ficou escura. O som abafado.
Respirar ficou difícil. Tudo doía, principalmente a cabeça.
Mas ela tinha que correr.
Sem tempo, sem tempo, sem tempo.
Freneticamente, ela rolou, afastando-se do aperto
doloroso de Skene, chutando cegamente e golpeando a carne.
Usou a parede para apoiar o ombro. Usou seu medo para por-
se de pé.
Sem tempo. Tinha que correr.
Ela correu. Usou suas mãos atadas e dormentes para
agarrar-se em seu caminho para subir as escadas. Gritou por
seu marido:
― Inglês! ― Repetidamente ela gritou, embora alguma
coisa lhe dissesse que não era alto o bastante. Seus pulmões
estavam vazios e inúteis. E ele tinha o sono pesado. Mas,
Deus, ela precisava dele. Agora. Malditamente agora.
Se ela apenas pudesse voltar para o primeiro piso,
correria para o quarto principal.
Skene ofegava atrás dela. Ela arriscou uma olhada por
cima do ombro. Olhos de rato redondos e malévolos giravam
em uma raiva enlouquecida. Sangue escorria do nariz do rato.
Ele o secou com a manga. Ele estava bem atrás dela.
Ela subiu, chutando para trás. Ele agarrou seu
tornozelo, puxando-a para ele. Mas ela agitou as mãos em
direção ao nariz machucado dele e ficou livre. Depois se
afastou. Subiu e subiu. Os pés escorregando. Tropeçando no
tecido. Subiu e subiu.
Olhando para trás o viu perto.
E na mão dele havia uma lâmina brilhando à fraca luz da
lua.
Apenas então percebeu que, em seu pânico, passava pela
porta do primeiro andar.
Uma onda de enjoo aterrorizante a pegou com força. Não
havia como passar por ele. Ela poderia apenas subir. A torre
não era nada além de escadas em espirais e uma série de
quartos vazios. As escadas não levavam a nenhum lugar, mas
ela não tinha escolha.
Para cima ela foi. Cada passo era mais lento, quase como
um sonho. Sua camisa enrolou-se em suas pernas, seus
dedos cavavam nas pedras. Em seus ouvidos, sangue e ar
pulsavam.
― Inglês! ― Ela gritou mais uma vez, ouvindo o eco
rodopiar. Sua voz era fraca. Muito fraca. Ele nunca a ouviria
do final do outro lado da casa no meio da noite.
Subiu e subir. Ela dava passos em um ritmo frenético
que ainda pareciam fracos e desajeitados, contornando cada
patamar com um olhar desesperado para trás. Skene estava
ali, seguindo com a espreita lenta de um predador que sabia
que sua presa estava encurralada.
O sorriso dele apreciava a perseguição.
Doce Cristo. Ele a tinha encurralado. E sabia disso.
Mesmo se ela chegasse ao topo da escada, não havia
para aonde ir. Uma janela e um quarto vazio. Sem armas.
Sem passagem para outra parte da casa.
Sem forma de sair.
― Inglês! ― Ela gritou novamente, esperando que alguém
pudesse ouvi-la. Se não John, algum dos MacDonnells. Mas
eles também dormiam em partes diferentes do castelo. Eles
provavelmente também não a ouviriam.
Seus pés escorregaram e o ombro bateu na parede. Ela
impeliu com toda sua força e se forçou a se levantar do chão.
Mais escadas. A últimas delas.
Ela chegou ao terceiro piso e procurou por algo, qualquer
coisa, que pudesse usar como arma. Mas haviam apenas uma
janela baixa e longa e quebrada, e nada mais.
A luz da lua atravessava o vidro, criando um prisma no
meio das rachaduras. Ela expirou em busca de mais ar, o
bastante para gritar mais alto e pedir por ajuda.
― Inglês!
A cabeça do rato apareceu no patamar abaixo. Ele ainda
sorria.
― Está desperdiçando seu fôlego. ― Ele zombou. ― Estão
todos dormindo profundamente. Um pouco de encorajamento
adicionado aos tonéis de sidra cuidaram disso.
Ele os drogara. Deve ter sido por isso que ela acordara
quando ele a levara de sua cama. Por isso ela se sentia fraca,
zonza, enjoada e sentindo como se sua cabeça fosse explodir.
O terror enrolava como uma serpente, apertando até que
ela quis choramingar. Mas ela se recusou em mostrar àquele
vilão pestilento seu medo.
― Eles o matarão, Skene. ― Ela cuspiu com a voz mais
arrastada e trêmula do que ela gostaria. ― Eles arrancarão
sua cabeça feia de seus ombros e a derrubará ao lado de suas
bolas insignificantes.
O olhar dele nivelou-se em maldade.
― Não, lass. Eles devolverão o que me pertence. E, se eu
me sentir generoso, devolverei a irmã deles. ― O sorriso dele
alargou-se. Ele secou o nariz com o pulso. ― Um pouco pior
para usar, concedo-lhe. Recompensa por meu problema, ãh?
― Ele subiu mais dois degraus lentamente. ― Os
MacPhersons têm me causado um grande problema. O preço
por isso será alto.
Ela recuou, o cotovelo bateu em uma pedra.
Oh, Deus. Ela precisava de uma arma. Qualquer coisa.
Uma luz piscou no canto de seus olhos. A janela.
Rachaduras. Normalmente ela precisaria de uma pedra ou
um martelo para quebrar o vidro daquela espessura. Mas não
agora.
Agora podia usar seus braços fortificados pelo trabalho
na cozinha e as mãos dormentes e inúteis.
No mesmo instante que ela teve o pensamento, recuou
para ter um golpe amplo com as duas mãos. O primeiro golpe
foi forte e aumentou as rachaduras.
Mas não o bastante.
O segundo golpe quebrou o vidro em fragmentos. Um
deles caiu no peitoril salpicado com seu sangue. Ela forçou os
dedos a trabalharem. Para pegá-lo.
Com um grunhido desagradável, o rato a alcançou,
jogando-a de costas contra a parede. Eles lutaram pelo
controle do fragmentos. Skene era mais forte, mas Annie,
mais determinada.
― Eu o matarei! ― Ela gritou, mirando chutes nas bolas
dele e mordendo a mão que tentava segurar seu rosto. A faca
dele voou, deslizando pelo chão até a porta da sala. Ela o
cortou e o espetou com o vidro, feliz com o gemidos de dor.
Mas ela não conseguiu mantê-lo. Ele conseguiu agarrar os
pulsos dela e torcê-los. Uma agonia torturante enfraqueceu
seu aperto e forçou o fragmento a cair de seus dedos. Ele a
empurrou com mais força contra a parede, empurrando o
corpo dele contra o dela até ela se sentir esmagada.
Depois a coisa mais estranha aconteceu. Ele cambaleou
para trás, gritando. Soltando-a. Asas brancas batiam em cada
lado de seu pescoço.
Annie piscou e tentou compreender aquilo. Um pássaro
tinha voado pela janela quebrada. Enfiou as garras na nuca
de Skene e agora usava o bico para cortar a orelha de Skene.
Ele agitou as mãos, uivou e rompeu em direção ao pássaro.
Um corvo branco.
Ela não devia deixar Skene machucar o corvo. Ela se
lançou para recuperar a faca, mas suas mãos estavam
escorregadias e dormentes, então não as segurou com
firmeza. Ao se virar, Skene atirava o pássaro para longe. A
bonita criatura branca caiu dura perto das escadas com uma
asa estendida.
― Não. ― Ela lamentou. ― ‘Cê o matou!
― Farei o mesmo a você. ― Ele espetou. ― Vadia
MacPherson!
Ela agarrou a faca com mais força, recordando do que ele
fizera a Broderick. A dor desapareceu. A luz ficou mais aguda.
O sangue pulsava e pulsava.
― Meu nome é Huxley, sua pilha de merda pútrida! E se
acha que os MacPhersons já lhe fizeram dano, espere até o
meu inglês lhe pegar!
Ela sabia que estava gritando besteiras, mas não lhe
sobrara nada. A faca escorregava. Suas mãos estavam fracas.
Os cortes em seus braços e pulsos gotejavam sangue em
fluxos constantes. Ele a tinha encurralado e ambos sabiam
disso.
O ar frio entrou pela janela estilhaçada. Um onda de
tontura a assaltou. Ela caiu contra a parede, os braços
trêmulos.
Skene avançou em sua direção.
E foi quando ela ouviu um rugido primitivo.
― Annie!
Como um bárbaro das Terras Altas, seu amado inglês
apareceu no topo da escada usando nada além do plaid ao
redor da cintura. Ele parecia ensandecido. Feroz.
Celestial.
Ele atacou Skene, que se virou para encará-lo. Os dois
homens lutaram por um momento antes de Skene abaixar-se
e pegar outra faca de sua bota.
Rapidamente Annie escorregou pela parede e colocou a
lâmina que ela segurava entre os joelhos. Depois, ela a usou
para cortar suas amarras. Se John precisasse dela, queria ter
as mãos livres. Após um longe e frustrante tempo, o barbante
cedeu. As picadas agudas do retorno da sensação a fizeram
estremecer, mas ela não tinha tempo a perder.
John tinha um corte em seu ventre onde Skene tivera
sorte. Mas Skene estava muito pior. O ombro do rato tinha
dois cortes e sua bochecha pingava de um longo corte. Os
dois homens andavam em cículos, ambos um pouco
desequilibrados.
Ela percebeu que John ainda sentia os efeitos do que
quer que seja que Skene usara para drogá-los. Como ele
conseguira acordar e encontrá-la, ela não sabia.
Repentinamente, Skene avançou, sua faca apontada
para a coxa de John. Com outro rugido profundo, John levou
sua adaga para o ventre do rato. Skene deu um chiado
ofegante e cambaleou para os outros. Ele tentou novamente
atacar a perna de John, mas sua faca deslizou pelo plaid de lã
como se não tivesse nada embaixo dele.
John levou Skene a recuar. O rato ofegou e sacudiu a
cabeça enquanto John atacava mais uma vez, desta vez entre
as costelas do rato. Com um último e desesperado golpe,
Skene conseguiu cortar o antebraço de John.
Annie ofegou, afastando-se dos dois homens e segurando
sua própria lâmina aprontando-se.
Mas ela não precisava ter se preocupado. No instante
seguinte, seu inglês sussurrou algo para Skene e lhe deu um
poderoso empurrão. Skene tropeçou para trás atravessando a
janela quebrada, incapaz de se equilibrar. Seu ímpeto,
estranhamente, pareceu aumentar enquanto ele se agarrava à
moldura da janela. Então, como se tivesse sido empurrado
novamente por uma mão invisível, ele caiu. Logo depois,
Annie ouviu um baque no chão lá embaixo. Depois silêncio.
O ar entrava e saía de seu peito. Ela cambaleou em
direção ao marido que cambaleava em sua direção. Ele a
abraçou apertado, sussurrando seu nome.
― Inglês. ― Ela sussurrou roucamente. ― Ah, Deus. ‘Cê
veio.
― Sempre, amor.
Por longos minutos, eles ficaram abraçados apenas
respirando. Depois, eles começaram a procurar um no outro
por feridas sérias. Ambos tiveram sorte, pois todos os cortes
eram finos e superficiais. Ela explicou o porquê Skene tinha
vindo atrás dela, como ele planejara usá-la contra os
MacPhersons. Gentilmente, John perguntou o que o canalha
tinha conseguido fazer com ela antes de ele chegar. Ela
organizou sua mente para acalmar-se e então explicou como
ela escapara. Como ela lutara. Como quebrara a janela para
ter uma arma. Então ela se lembrou. Ela se afastou e correu
para o canto onde ela vira o pássaro cair imóvel.
Ele se fora.
Freneticamente ela procurou pelas sombras, ajoelhando-
se e correndo as mãos pelo piso de madeira.
― H-Havia um pássaro. ― Ela murmurou. ― Eu juro,
Inglês. Ele voou pela janela. Atacou Skene.
― Um corvo branco.
Ela congelou. Levantou-se e girou para encará-lo.
― Era Finlay, amor.
― C-Como ‘cê…
― Eu sonhei com ele. Ele sabia que eu tinha que vir aqui.
― John olhou para si mesmo e depois esfregou a mão na
adaga que ele enfiara entre sua cintura e o plaid.- Foi como
eu soube que precisava de mim.
Ela se aproximou até parar a centímetros de seu marido.
― ‘Cê falou com ele?
Ele assentiu.
― Percebi que eu já o vira antes, Annie. No ano passado,
no dia em que você e eu estávamos nos armarinhos. Ele
estava em um canto da loja perto dos tartãs, brincando com o
menino Cleghorn.
Uma lágrima escorreu pela bochecha dela.
― Ele amava tartãs. E o pequeno Ronnie Cleghorn. ― Ela
soltou uma risada molhada. ― Não acredito que o viu.
― Achei que era um dos meninos da vila. Não tinha
ideia…
Ela se enrolou nele, descansando sua bochecha sobre o
coração dele.
Ele a acalmou com longas carícias em seus cabelos.
― Sinto muito por ter descartado suas histórias sobre
ele, amor. Mas deixe-me dizer novamente o quanto eu
lamento a ferida que devo ter lhe causado.
― Não se preocupe, meu belo inglês. Tudo o que importa
é que saber que ele é real, assim como eu. ― Ela esticou a
mão e acariciou a mandíbula dele. ― Depois de tantos anos
sendo a louca, é um imenso prazer ter companhia.
Capítulo 24

A tempestade antes do amanhecer seguida pela calor


abrasante de Agosto tornava o campo oeste da vila em um
guisado abafado. John desejou poder culpar o tempo por seu
mau humor.
Deus, ele odiava perder.
― Então você perdeu o arremesso de martelo. ― Rannoch
bateu com sua mão gigante no ombro de John. ― Segundo
lugar não é tão ruim.
― Este foi o meu melhor lance. ― John respondeu
sombriamente, olhando para o cunhado mais novo. ― O seu
arremesso foi uns três metros mais longe.
― Aye. ― Rannoch sorriu. ― Foi um bom dia.
John bufou. Ele já havia perdido o torneio de peso sobre
a barra e o nado no lago para Alexander, o carregamento de
pedra para Campbell e a corrida para Rannoch. Sobrara
apenas o arremesso de tronco e, dada a sua performance até
então, ele tinha poucas chances de vencer sua aposta contra
Annie.
― Maldito inferno. ― Ele murmurou.
Ele já havia escrito uma carta convidando a sua família
para uma visita, embora tenha esperado para enviá-la após os
Jogos de Glenscannadoo. Provavelmente ele esperaria mais
um bom tempo. Possivelmente meses. Um ano, até.
John examinou o vasto campo verde para o local onde os
espectadores estavam reunidos, locais, visitantes das cidades
vizinhas e convidados do laird estavam parados em grupos ou
sentados sobre cobertores apreciando suas refeições. Ele
vasculhou a multidão em busca de uma cabeça familiar com
cabelos brilhantes como uma bandeira.
― À esquerda, perto dos tocadores de gaita. ― Rannoch
disse. ― Ela está conversando com a irmã de Lockhart.
Ele a encontrou. Sua gloriosa lass das Terras Altas. Ela
usava um vestido verde de mangas longas hoje com sua faixa
xadrez sobre a cintura e um chapéu de palha com fitas de
seda azuis. As mangas e luvas escondiam os cortes que ainda
estavam se curando.
Graças a Deus nenhum deles fora profundo. Graças a
Deus sua esposa era tão forte.
Ele a observou rir e conversar com a Srta. Lockhart como
se fossem amigas do peito.
― Ela é bastante convincente. ― John murmurou,
deslizando seu olhar vários metros adiante, onde Lorde
Lockhart estava parado com o Laird Glenscannadoo.
― Ela está motivada. ― Rannoch respondeu. ― Se for por
força de vontade, não apostaria contra Annie.
John sorriu.
― De fato não.
Uma semana havia se passado desde que David Skene
tentara levar Annie. O policial Munro fizera algumas
perguntas sobre a morte do homem, mas não tantas quanto
John esperou. Munro parecera feliz em se livrar do rato e
todos os problemas que ele trouxera para o condado.
Desde então, John, Annie e os MacPhersons se
prepararam para o Festival. Várias vezes Annie se aventurara
até a casa de Broderick à oeste das colinas das terras
MacPhersons. Ela sempre voltava a casa mais triste e
necessitada do conforto de John.
As feridas de Broderick haviam se curado muito bem,
pelo menos o tanto que era possível. Mas ele estava fervendo
em ódio sem fim e seu isolamento não ajudava. Annie não
sabia o que fazer. Ela frequentemente questionava a
prudência de envolver Broderick nos planos deles para
confrontar Lockhart.
― Como pudemos pedir isso a ele, Inglês? ― Ela
sussurrou na noite passada.
Eles tinham poucas escolhas. Se Lockhart fosse o
homem que contratara Skene para prender e matar
Broderick, ele devia ser levado à justiça. Ele devia pagar.
Agora, Rannoch tirava o olhar de Lockhart com outro
tapa nas costas de John.
― Melhor focar no arremesso de tronco, Huxley.
Campbell não foi derrotado desde que era um pequeno laddie.
Duas horas depois, Campbell ainda não tinha sido
derrotado. Mas ainda não acabara. Os dois primeiros
arremessos de John foram surpreendentemente bons. Os de
Campbell foram melhores, claro. O homem era um maldito
monstro feito de puro músculo e ossos. Ele erguia um tronco
de noventa quilos como se fosse um galho.
Agora, ele atirava a coisa capotando em seu terceiro
arremesso. Ele caiu em um grau quase para meio-dia. Todos
os arremessos do homem foram igualmente excelentes.
Os músculos do ombro de John doía. O calor era
sufocante. E os mosquitos implacáveis. Ele olhou para o local
onde vira Annie anteriormente. Ela estava lá, olhos azuis
centáurea dançando como flores em um campo no meio do
verão. Ele protegeu os olhos do sol para enxergá-la melhor.
Ela murmurava alguma coisa. Ele pensou que fosse eu te
amo, mas podia ter sido facilmente um eu tô ganhando.
Provavelmente era o primeiro. Annie não era tão competitiva
quando ele.
Finalmente chegou a hora de seu terceiro arremesso. Ele
se aproximou do tronco que Campbell mantinha apoiado e
pronto para ele.
― Boa sorte, Huxley. ― Disse Campbell em um retumbar
profundo e calmo. ― Perdendo ou ganhando, você será uma
boa adição para o time de cabo de força dos MacPhersons.
John riu, reconhecendo o cumprimento de seu cunhado
com um tapa naquele ombro monstruoso antes de aceitar o
controle do tronco. Uma brisa rolou através do vale, esfriando
seu suor e clareando sua mente. Ele apoiou o tronco contra o
ombro, sentindo-o deslizar pelo ponto antigo e familiar ao
longo de seu ombro. O oficial MacDonnel para o evento ― um
dos primo de Dougal ― sinalizou que ele podia começar e
recuou para lhe dar espaço.
John respirou. Deslizou as mãos para baixo da madeira,
até o fim. Depois agarrou e ergueu. Primeiro, ele pensou que o
tinha. Mas o peso mudou enquanto ele ajustava os dedos
entrelaçados. Levou um segundo para recuperar o aperto.
Outra brisa, fresca e calmante.
Ele se acalmou, recordando tudo o que Annie lhe
ensinara. Firmeza. Firmeza. Ele começou a avançar em sua
corrida. Mais rápido. Isso. Ele plantou seus pés. Ergue-se
para o céu com um golpe massivo de seus braços e um rugido
bárbaro.
O tronco girou em um arco perfeito e vertical. A parte
mais larga plantada. A parte afunilada tombou para frente.
Ele caiu com um bum.
John piscou. Uma brisa soprou forte, brincando com as
pregas de seu kilt. Campbell e o juiz do evento caminharam
até o local onde o tronco caíra, as mãos nos quadris enquanto
examinavam a posição. E juiz do evento lhe fez um sinal e
Campbell balançou a cabeça.
John também não conseguia acreditar.
Doze horas. Um arremesso perfeito.
Um sorriso tomou conta dele. Depois uma explosão de
puro triunfo. Maldito inferno. Ele conseguira.
O único alerta que teve foi um vislumbre vermelho pelo
canto dos olhos. No momento seguinte, sua esposa estava em
seus braços, agarrada ao seu pescoço como um macaco,
gritando:
― ‘Cê conseguiu, John Huxley! ― Ela o beijou
loucamente. O apertou com mais força. Não parecia se
importar nem um pouco em estar fazendo um espetáculo ou
que o suor dele mancharia seu vestido. Rindo, ele a ergueu e
a girou enquanto ela depositava beijos por todo seu rosto.
― Eu consegui, Annie. ― Ele disse.
― Aye, Inglês. ― Os olhos dela molharam-se ternamente.
― Sabia que conseguiria. ― Ela o beijou como a moça
espevitada que ele amava. ― Eu sempre soube.

***

Mais tarde naquela noite, enquanto uma banda de


MacDonnels tocava no terraço, Annie entrou no baile do Laird
Glenscannadoo nos braços do marido. A sala não era
particularmente grande, mas era adorável, espaços enfeitados
com paredes creme, ornamentos de gesso branco no teto, três
lustres e cortinas douradas. Dois conjuntos de portas de vidro
estavam abertas. Os locais dançavam do lado de fora
enquanto no interior, enxames de donos de terra e um
punhado de aristocratas das Terras Baixas fungavam e riam
em tons educados.
Annie pigarreou duas vezes, tentando desalojar o nó em
sua garganta. Não funcionou.
― Amor, deve parar de alisar seu vestido.
Ela olhou para baixo, onde seus dedos alisavam
compulsivamente. A elegante seda roxa coberta com uma
sobressaia de tule rosa brilhante não precisava de ajustes,
mas seus nervos estavam tão agitadas quanto as cordas de
um violino das Terras Altas. Ela ajustou o leve xale tartã e
enfiou os dedos nos braços de John.
― Você está deslumbrante. ― Ele disse suavemente. ―
Está tudo certo. Estou aqui com você. Sempre.
Ela assentiu e respirou irregularmente.
Enquanto eles se moviam para a multidão, ela deu
sorrisos educados e acenos para aqueles que olhavam na
direção deles. O que parecia ser todo mundo. E todos
pareciam sofrer por ter um limão enfiado em seus…
― Já mencionei quão magníficos seus seios ficam neste
vestido?
Ela enfiou o cotovelo no flanco de seu marido até ouvir
um ai.
― Já mencionei o quão pouco verá deles se não parar de
dizer coisas assim neste exato momento?
― Você está muito tensa. Relaxe. ― Ele murmurou,
calmamente pegando copos de uísque de uma bandeja
próxima. ― Pegue uma bebida.
Ela aceitou alegremente, bebendo a dose em um único
gole.
― Pegue outro, Inglês. Estou com sede.
Ele riu e lhe deu o próprio copo antes de guiá-los em
direção a Angus.
― Seu pai parece bastante elegante em suas roupas
finas, não acha?
― É incomum. Angus não veste coisas finas.
Exceto naquela noite, ele vestia. Seu espesso cabelo
ferrugem meio prateado à luz das velas. Ele usava seu melhor
kilt, um bonito casaco preto, um colete azul e o sporran que
ela só o vira usar duas vezes: no casamento com a mãe dela e
no funeral de um amigo.
Angus fez uma careta quando eles se aproximara.
― Huxley, terá bastante trabalho com o Glenscannadoo.
O pequeno pavão xadrez já está bêbado e falando todo tipo de
besteira.
Annie rolou os olhos.
― A dança novamente.
― Aye.
John franziu o cenho.
― O que tem a dança?
― Ele diz que as lasses não deveriam ter permissão para
entrar na competição de dança dos Jogos. ― Annie
respondeu. ― Ele tenta transformá-la apenas para lads há
uns cinco anos. Diz que é a tradição. ― Ela bufou. ― Ele não
saberia as tradições das Terras Altas nem se ela saltasse do
seu copo de conhaque e o esfaqueasse com aquela faca de
manteiga que ele chama de adaga.
Seu marido riu, baixo e forte. O som a aqueceu e ela lhe
deu um sorriso. Inglês bonito e delicioso. Ele vestia seu kilt
bom nesta noite, junto com todos os acessórios, até mesmo a
adaga que ele usara contra Skene. Como podia um pedaço de
tecido xadrez, couro, aço e prata deixá-lo ainda mais bonito?
Ela não pensou que seria possível, mas era. Ele abaixou a
cabeça para beijá-la e o nó em seu estômago se desfez.
Angus pigarreou.
― Lockhart está aqui. Vou reunir os rapazes. ― Ele
deslizou pelas portas de vidro em direção ao jardim.
Exatamente por causa disso, o nó voltou.
― Acalme-se, amor. ― John sussurrou, acariciando suas
costas enquanto os levava até Lockhart e a irmã que
entravam em vista.
O lorde usava um casaco de tecido azul-céu e um colete
dourado com calças bege. Ele era bonito, ela acreditava, se
alguém gostasse de uma boca de carpa, mãos pequenas e
presunção. Sabella parecia esplêndida, claro, em um cetim
verde-mar. Aquelas eram esmeraldas de verdade?
Ela esfregou sua própria garganta nua e ajustou seu
xale. Tentou beber o uísque, mas não havia mais nada.
John pegou o copo de suas mãos e o pôs em uma mesa.
― Apenas mantenha o foco dele em você. Precisamos de
apenas dez minutos.
Ela engoliu em seco.
― Aye.
― Tente controlar seu temperamento.
― Eu sei.
― Não o ataque.
― Não sou idiota, John Huxley.
― Eu te amo mais do que amei qualquer coisa ou alguém
em toda a minha vida, Annie Huxley.
Aquilo roubo todo seu ar. Ela não ousou olhar para ele.
Em vez disso, ficou ali parada com arrepios quentes correndo
por suas veias em pequenos riachos brilhantes.
― Eu, suspeito, que se me fosse agraciado com outra,
outra e outra vida, um milhão de vidas em milhões de lugares
diferentes, eu ainda diria o mesmo.
― Deus todo poderoso, Inglês. ― Levou algumas
respirações profundas para ela acalmar seus sentidos
aquecidos para responder. ― Após acabarmos aqui, vamos ter
uma noite muito boa.
― Humm. É assim?
― Aye. Agora, pare de me distrair. Tenho um trabalho a
fazer.
As mãos dele acariciaram seus braços com toques leves e
formigantes. Ele sussurrou em seu ouvido.
― Ninguém o faria melhor.
Ela assentiu.
― Estou pronta.
Eles voltaram se seguir no meio da multidão até onde os
Lockharts estavam entre um vaso e um sofá espalhafatoso.
O sorriso largo e brilhante de Sabella sugeria alívio.
― Lady Huxley! E Lorde Huxley. ― Ela fez uma vênia
perfeitamente graciosa. ― Que ótimo vê-los.
Annie pegou as mãos dela segurando-as calorosamente.
Ela não guardava rancor contra Sabella, que parecia cega
para a natureza vil do irmão. Na verdade, Annie tinha pena
dela. Nenhuma mulher deveria estar presa sobre o domínio de
um homem como Lockhart.
― É ótimo vê-la também.
Sabella assumiu educadamente o comando da conversa,
apresentando o irmão e John.
O olhar de Lockhart afiou-se.
― Lorde Huxley. Estou certo em pensar que seu pai é o
Conde de Berne?
John assentiu.
― De fato.
Os olhos do lorde loiro descansou brevemente sobre o
vestido de Annie.
― Aqui pela caça, certo?
Os braços de John ficaram tensos sob os dedos de Annie,
mas a única resposta foi:
― Algo assim.
Annie decidiu que agora era o momento para testar as
suas habilidades de conversa. Primeiro passo: chá. Sem chá?
Pergunte sobra as atividades cotidianas.
― Então, Lorde Lockhart. ― Aventurou-se. ― Apreciou os
Jogos de Glenscannadoo?
Lockhart riu.
― Muito divertido, devo dizer. Embora, receio que é um
pouco rústico para Sabella. ― Ele deu um sorriso
condescendente à sua irmã. ― Ela tem uma constituição
delicada.
― Oh, não diria isso. ― Sabella contestou. ― Alguns
desses eventos foram bastante impressionantes. Eu gostei
muito da gaita de foles. E da corrida.
Annie estivera ao lado dela durante os eventos mais
pesados. Acontece que ela sabia que Sabella apreciara muito
mais do que música e corrida.
― Já experimentou dançar um pouco? ― Ela perguntou.
― Os MacDonnells tocam uma boa reel.
O terceiro passo das Lições para uma Dama era guiar
uma conversa educada: apresentar novos tópicos ao ambiente
atual. A Sra. Baird usara exemplos de cumprimentar o
vestido de uma convidada ou comentar sobre o tempo.
Mas Annie tinha uma missão e ela precisava levar a
conversa a um passo a frente.
Sabella respondeu antes.
― Não, receio que não. ― Ela olhou na direção do terraço,
sua expressão levemente melancólica. ― Chegamos a pouco
tempo.
John pegou a diga, inclinou-se e fez uma oferta:
― Srta. Lockhart, ficaria honrado se se juntasse a mim. A
reel é uma das minhas danças favoritas.
Antes que Lockhart pudesse dizer alguma coisa, Sabella
aceitou e John a levou embora.
Como Annie esperava, Lockhart focou sua atenção nele e
depois de um momento franzindo a testa para o cabelo de
Annie, ele grunhiu:
― Talvez devêssemos dançar também.
― Oh, não, milorde. ― Ela rebateu. ― Por que eu, uma
viscondessa, deveria dançar com alguém como ‘ocê?
Olhos verdes-folha focaram sobre ela com um súbito
alerta de intensidade.
― Perdão?
Ela deu uma fungada imperiosa e passou por ele para
abaixar-se graciosamente no sofá. Assim que ele se virou para
encará-la, ela ergueu uma sobrancelha.
― Na Inglaterra, ‘cê não seria mais do que um barão. Mal
considero um título.
Um músculo tremeu próximo aos olhos dele.
― Incrível. ― Ele murmurou. ― Você acabou de ser
retirada de uma cozinha das Terras Altas e sugere que eu sou
o inferior aqui.
― Não sugerindo. Afirmando. ― Ela lhe lançou um
sorriso. ― Sabe o que eles dizem. ― Os olhos dela recaíram
sobre as luvas dele. ― Mãos pequenas, homem… pequeno.
Sua boca de carpa se retorceu.
― Sua vulgaridade deveria ser chocante, suponho, exceto
por uma coisa. ― Ele inclinou a cabeça. ― Não espero nada
vindo de um MacPherson.
O triunfo surgiu como um raio. Ela o tinha. Por Deus, ela
o tinha! Mas não totalmente. Havia muito mais a ser feito.
Ela fingiu confusão.
― Está falando dos meus irmãos?
― Preferiria não falar.
Mas ela precisava que ele falasse.
― Aye. Natural. Eles são tão maiores. ― Novamente ela
olhou para as mãos dele. ― Uma vergonha. Alguns homens
carregam troncos. Outros lutam para levantar suas xícaras de
chá.
― Acho que esta conversa acabou.
― Então algum MacPherson roubou sua mulher? ― Era
uma suposição e das impetuosas. Annie questionara
Broderick extensivamente sobre qualquer relação que podia
ter com Lockhart e ele jurara que não tinha nenhuma. Mas o
ódio de Lockhart era um fogo profundo e pessoal. O que
queria dizer que o homem era um bocado peculiar e queria a
afeição que Broderick se recusava oferecer. Ou Lockhart tinha
perdido uma mulher para Broderick.
Lockhart ficou totalmente imóvel, os olhos
estranhamente sinuosos.
― Qualquer mulher que eu considerei minha
permaneceria assim até eu dizer o contrário.
Sim, era isso. Hora de fechar a armadilha. Ela sorriu.
― A menos que ela não fosse. O que aconteceu? Algum
problema para levantar seu chá? ― Ela lançou um olhar
agudo para as calças dele. ― Ou talvez ela simplesmente
preferiu o uísque das Terras Altas a um chá fraco das Terras
Baixas.
Um lâmpejo de veneno explodiu como um rosnado.
― Está entrando em chão perigoso, Lady Huxley.
― Como Broderick fez? ― Ela se inclinou para frente e
segurou o olhar dele. ― Aposto que descobriu que a sua lass o
preferia. Aposto que não ficou muito feliz pela preferência
dela.
― Aposto que o seu irmão não é mais o tipo de homem
que uma mulher prefira.
As palavras baixas e frias deveriam significar sua vitória.
Ele tinha admitido que o dano a Broderick fora por ciúmes.
Mas uma onda de fúria a tomava. O sangue rugia em suas
orelhas. Arrepios corriam por seus braços. A necessidade de
se levantar e arrancar os olhos do canalha queimavam seus
músculos.
Ela lutou contra isso. Repetiu o conselho de John: tente
controlar seu temperamento. Não o ataque.
Não. Ataque. Lockhart.
Com esforço ela focou em manter-se no lugar e continuar
com sua expressão provocadora. Ele ainda estava muito
composto. Após algumas conversas cuidadosas com Sabella,
Annie descobrira mais sobre a natureza dele: a maior parte
em como ele prezava o próprio orgulho acima de todas as
coisas. Então, cutucar esse orgulho deveria enfurecê-lo.
Ela precisava gerar mais calor.
― Oh, ficaria surpreso. ― Ela disse. ― às vezes uma lass
prefere estar em segurança do que um título.
Nem uma centelha. Então não era uma provável noiva.
Tentou novamente.
― Ou o luxo de uma fortuna.
Uma pequena chama.
Ela a perseguiu, adicionando combustível.
― Outras vezes, uma lass quer mais. Ser a amante de
um lorde parece uma boa escolha até ela ter algo com que
comparar.
As narinas finas inflaram.
Ah, sim. A chama acendeu. Agora para ser alimentada.
― Como soube que a perdeu, hein? Ela parou de se
incomodar em agradá-lo? Parou de fazer aquele pequeno
truque com o sorriso que o fazia acreditar que ela o
idolatrava?
Os olhos dele se estreitaram enquanto a boca de carpa se
apertou. Aye, ele queria calá-la. Ela podia ver isso.
Hora de pressionar mais.
― Aqui está a verdade, Lockhart. Serei direta, assim
compreenderá. Uma mulher pode fingir amar um saco vazio e
sem valor por muito tempo. Quando ela acha um homem de
verdade com substância de verdade, ela sabe o que está
perdendo. E nenhum título ou fortuna poderá segurá-la.
Olhos verdes incendiaram-se com uma fúria louca. Ele
se inclinou para trás e apoiou seu braço nas costas do sofá. A
posição colocava o rosto dele a milímetros do dela.
― Ela não se foi.
― Aye, ela se foi. Talvez você ainda a mantenha com
você. Talvez ela ainda o deixe molhar sua xícara de chá de vez
em quando, Mas ‘cê sabe quem ela escolheria se tivesse uma
escolha para fazer. ― Annie se aproximou até os narizes quase
se tocarem. ― E não seria você.
A respiração dele acelerou. A mão formou uma garra e
depois um punho.
― Seria eu.
― Nah. Seria Broderick.
Ele flexionou os braços perto da orelha dela enquanto
apertava o sofá com mais força.
― Não.
― Foi por isso ‘cê fez Skene armar para ele levar a culpa
pela morte do coletor de impostos. É por isso, que tem certeza
de que ele morreria em Bridewell.
Sua respiração ficou irregular, a pele avermelhada.
― Ele mereceu a punição.
― ‘Cê não conseguiu suportar a comparação. Não
conseguiu suportar pensar como ela sempre o quereria mais.
― Feche sua boca.
― Um homenzinho vazio que não pode esconder suas
deficiências quando é comparado a um gigante.
― Maldita megera.
― Sua única esperança era derrubar o gigante.
A raiva explodiu. Ele bateu nas costas do sofá não
atingindo o ombro dela por pouco.
― E ele caiu. ― Lockhart espetou. ― Como uma torre
grande e maldita amassada em malditas ruínas.
Fingindo estar intimidada, ela olhou por cima do ombro
dele.
― Foi um plano inteligente. ― Ela ofertou. ― Muito
efetivo.
A satisfação brilhou.
― Aye. Foi.
― Não deseja ver essas ruínas, Lorde Lockhart?
Provavelmente quer.
Um murmúrio estranho e faminto emergiu da garganta
do homem.
― Aye.
― Então vire-se.
Ele se endireitou, os primeiros indícios da armadilha que
ele caíra apareceram em seu rosto. Ele se virou.
Atrás dele estavam parados cinco MacPhersons e um
bonito inglês. Broderick estava no centro. E de seus lados,
dois Lordes Comissários do Judiciário, um duque escocês e
um magistrado local como boa medida. Eles ouviram tudo.
Annie se levantou e se moveu para o lado de John, onde
ele a puxou para perto.
Mas Lockhart quase não notou. Ele estava congelado no
lugar, tremendo com uma satisfação selvagem enquanto
examinava Broderick das cabeças aos pés.
De sua parte, Broderick devolveu o favor. Ele parecia
totalmente letal.
― Eu o matarei, Lockhart. ― Ele prometeu, sua voz grave
estava fria como o aço. ― De uma forma ou de outra, verei
isso terminado.
Lockhart sorriu.
― Talvez. Mas eu já o matei, não foi? Ela nunca o
desejará como está. Nunca mais.
Angus gesticulou para os dois policiais que vieram levar
Lockhart. O homem não se incomodou em lutar até perder
Broderick de vista. Então, virou-se e se contorceu para
manter seu olhar fixo sobre ele.
Sobre a torre que ele derrubou em ruínas.
Ela pegou a mão de Broderick, mas ela já tivera o
bastante. Ele girou e caminhou pelo salão de baile para a
noite.
John a segurou pela cintura e beijou sua têmpora.
― Deixe-o ir, amor.
O coração dela doía.
― Ele...ele precisa de mim.
― Ele precisa de tempo. Esta é uma batalha que não
pode lutar por ele.
Enquanto ela conversava, John e os MacPhersons
haviam silenciosamente limpado o salão de baile, deixando
apenas os homens que haviam trazido para serem
testemunhas. John havia convidado dois juízes da Alta Corte.
Angus havia convidado o magistrado. E chocantemente, o
pequeno pavão xadrez tinha conseguido atrair um duque das
Terras Baixas com a promessa de que o festival oferecia uma
“verdadeira experiência das Terras Altas”. Aparentemente tais
coisas atraíam a atenção da aristocracia.
Levou algum tempo após Lockhart ser levado para
explicar tudo às testemunhas, mas uma vez que eles
entenderam o que ouviram, havia pouca dúvida de que
Lockhart seria acusado por conspirar pela morte do coletor de
impostos.
Enquanto isso, Annie saiu para contar a Sabella o que
acontecera. Após ouvir sobre o que o irmão fizera, a mulher
ficou tão branca quando a lua a sacudiu a cabeça em
descrença.
― Não pode ser verdade. ― Sabella sussurrou. ― Ele...Ele
não…
― Ele confessou. ― Annie disse gentilmente. ― Não há
duvida. Sinto muito, Sabella. ― Ela ofereceu à jovem um lugar
no Castelo Glendasheen até o destino do irmão ser decidido.
Entretanto Sabella enrijeceu e seu rosto virou uma
concha insegura.
― Não. Não posso… Deverei encerrar a minha visita à
mansão. Amanhã retornarei a Edimburgo. ― Os olhos dela,
aturdidos e agitados, caíram sobre suas delicadas mãos. ―
Meu irmão precisará de um advogado imediatamente.
Annie tento confortá-la, mas Sabella se afastou. Ela não
a culpava. Annie era a razão da detenção de Lockhart. E,
tanto quanto lamentava a dor de Sabella e desejava ajudá-la,
Annie não se sentia nem um pouquinho por tê-lo exposto.
Lockhart fizera aquele dano. Ele merecia todas as
humilhações que o esperava, e muito piores.
Quando ela retornou ao salão de balão, Angus e seus
irmãos remanescentes vieram abracá-la em turnos.
― Você foi muito bem. ― Disse Campbell, depositando
um beijo na testa dela.
― Aye. ― Disse Alexander, apertando os ombros. ― Eu
sabia que conseguiria.
Annie ergueu uma sobrancelha ironicamente.
― Acreditou? Recordo-me de uma afirmação levemente
diferente vindo de sua direção, Alexander MacPherson.
― Nah. ― Ele disse. ― Quando a ocasião exige pura
irritação, não pode achar ninguém melhor do que Annie
Tulloch MacPherson Huxley.
Rannoch riu e depois beijou a bochecha dela, levantou-a
e a girou antes de deixá-la em pé.
― Aye, se precisar de alguém para acabar com o orgulho
de um homem ou cozinhar uma refeição divina, Annie é a sua
lass.
Ela deu um tapa em cada uma de seus irmãos pelas
gargalhadas deles e então gargalhou junto.
― Bem, apreciei um pouco falar sobre as mãos dele, devo
admitir. Desnecessário, talvez. Mas divertido.
Angus passou o braço em torno dos ombros dela e beijou
o topo de sua cabeça.
― Estou orgulhoso de você, lass.
Ela abraçou a cintura dele e fechou os olhos por um
momento.
― Obrigada, Papai.
Pouco tempo depois, os MacPhersons se juntaram à festa
no terraço. John a empurrou para lá também, embora ela
realmente quisesse ir a casa, assim poderia mostrar a seu
inglês o tanto que ela o adorava.
Ele a levou além dos adoráveis violinistas e dançarinos
entusiasmados. Ele a puxou para fora da mansão, através
das profundas sombras e raios de lua.
― Aonde está me levando? ― Ela perguntou sem fôlego.
― Você verá. ― Ele sorriu por cima do ombro e a
conduziu pela estrada e depois para uma via menor. Logo,
eles estavam perto do lago, embaixo de um pinheiro alto. Ele
parou à sua frente e apontou para um galho a seis metros de
altura. ― Olhe, amor.
Ela apertou os olhos. Estava difícil enxergar na
escuridão. Mas alguma coisa agitou-se. Alguma coisa branca.
Ela perdeu o ar. Outra agitação e uma pena branca caiu,
girando e girando na brisa suave. Ela caiu em sua palma
aberta.
― Ah, Deus, Inglês. Como sabia? ― Ela olhou para o
marido que a observava com o brilho mais surpreendente. ―
Como sabia que ele estaria aqui?
Ele a beijou suavemente. Docemente.
― Do mesmo jeito que sei que a chuva das Terras Altas
faz o melhor uísque e as lasses das Terras Altas são as
melhores esposas.
Ela se virou em seus braços e segurou seu rosto,
trazendo-o para sussurrar sobre seus lábios.
― E não poderia ter melhor marido nas Terras Altas do
que um belo inglês.
Epílogo

14 de setembro, 1826

Annie limpou as mão pegajosas no avental e ordenou a


criada de cozinha que parasse de chorar.
― São cebolas, pelo amor de Deus. Use seu lenço e
continue cortando!
Muito molho. Muitos convidados. Ela estava tonta e um
pouco nauseada, mas, pelo menos, tinha pão suficiente de
ontem. Eles não haviam comido todos os vinte e quatro pães
ainda. Por isso, estava grata.
Um rapaz entrou derrapando na cozinha.
― A Sra. MacDonnell pediu para lhe dizer que os pães
acabaram. ― Ele anunciou.
Annie grunhiu.
― Busque a farinha. ― Ela o enxotou para a despensa. ―
E encontre sua senhoria. Quero dizer, Huxley. Meu marido. ―
No momento tinham tantas ‘senhorias’ no castelo. E tantos
Huxleys. Tantos que ela estava com problemas para lembrar
os nomes dos pequeninos.
Eles chegaram ao Castelo Glendasheen no dia anterior.
Os pais de John, Meredith e Stanton. Suas cinco irmãs. Os
maridos delas. Os filhos delas. Tantas crianças.
Annie parou.
― Alguém abra a maldita janela! Está sufocante aqui!
O forno estava aceso, seu novo fogão trabalhando para
cozinhar a carne de veado. Outra onda de náusea começou
quando o cheiro de cebolas passou por seu nariz. Ela se
inclinou contra a mesa, fechou os olhos e esperou que
passasse.
― Posso ajudá-la?
Ela arregalou os olhos. Virou-se. Era Maureen, a mulher
bonita e de feições suaves, com doces olhos castanhos-
dourado e cabelo parecido com os de John.
Oh, Deus. Annie olhou para seu avental manchado e
mãos pegajosas.
― L-Lady Dunston. ― O que ela estava fazendo ali?
Maureen acenou com uma mão e entrou na cozinha,
olhando ao redor com óbvia curiosidade.
― Bem, bem, Maureen, por favor. ― Ela sorriu, as
bochechas mostrando as mais charmosas covinhas. ― Muitos
títulos por aqui. Deixam-me zonza.
Annie piscou quando Maureen pegou outro avental do
gancho perto da bancada e amarrou sobre seu adorável
vestido amarelo.
― Er, Lady D… Maureen. Há algo que eu possa fazer por
‘ocê?
― Humm. Não. Estou apenas me familiarizando, posso?
― Ela pegou uma panela da bancada e vagou até a despensa.
― Oh! Que arranjo maravilho das prateleiras. ― Ela entrou. ―
E você tem canela! Esplêndido.
Lutando para entender o que estava acontecendo, Annie
foi em direção à despensa.
― Bem, esta é uma cozinha apropriada.
Annie congelou. Meredith Huxley atravessa a porta. A
sogra rechonchuda de rosto redondo e bondoso lançou um
olhar pelas meia-dúzia de criadas que cozinhavam o jantar. ―
É um prazer ver uma casa bem administrada, querida.
― Eu… minha senhora, eu…
― Meredith. ― Ela insistiu. ― Ou Mamãe, quando estiver
confortável.
A porta da cozinha abriu-se novamente e mais três
Huxleys de cabelos castanhos entraram: a alegre e adorável
Kate, a maternal Annabelle, a amante de chapéus e sincera
Eugenia. Elas cercaram a mesa de Annie, conversando e
discutindo sobre penas, flores, peças de Shakespeare,
refeições elaboradas para agradar ou desagradar os maridos e
se as fitas xadrezes eram suficientemente escocesas para um
chapéu usado nas Terras Altas.
Maureen uniu-se a elas e disse que gostaria de provar o
haggis enquanto estivesse visitando. Todas as outras
gemeram.
― Tem alguma noção do que eles põe ali, Maureen? ―
Perguntou Eugenia. ― Todas as partes que eles deveriam
atirar ao lixo, é isso.
Maureen fungou e ergueu o queixo.
― Escutei dizer que é bastante gostoso, de fato.
Annie pigarreou e sentiu o peso de cinco pares de olhos
Huxley sobre ela.
― Haggis podem ser bons, aye. Quando são bem feitos.
A quinta irmã Huxley entrou, atravessando a porta com
óculos redondos. Um sorriso caloroso envolvia o rosto,
criando covinhas que Annie começava a associar às mulheres
Huxleys.
― Meu Deus, este parece ser o ponto para chá e fofocas.
― Jane disse. A Duquesa de Blackmore não era nada do que
Annie imaginara. Apesar das muitas garantias de John ao
contrário, Annie imaginara Jane tão esguia quanto um cisne e
com um tipo remoto de altivez inerente às damas que viravam
duquesas.
Ela nunca esteve tão errada. Jane era ainda menor que
ela, rechonchuda e um bocado simples, com uma franja
escura e cabelo liso que roçava nas bordas de seus óculos
prateados. E ela era tímida. Na noite passada, Annie ficara
frenética ao pensar que a duquesa não havia gostado dela.
Então John teve que, gentilmente, explicar-lhe: “Jane é
tímida. Ela melhorou um pouco ao longo dos anos desde que se
casou, mas leva um tempo para ela se sentir confortável com
pessoas novas. Espere até amanhã. ― Ele dissera. ― Ela a
entendiará sobre o livro preferido dela. Acho que posso recitar
a maldita coisa de memória.”
Agora a duquesa veio para o lado de Annie, cobriu sua
mão e a apertou.
― Você já decidiu qual quarto transformará em berçário?
Annie olhou ao redor, para todas as outras mulheres
Huxley, que tinha expressões curiosas parecidas.
― Ah, eu… Eu não pensei muito sobre isso, não.
― Bem, é melhor começar a planejar. ― Comentou
Annabelle. ― Você tem… o que diria, Mamãe? Oito meses?
― Sete. ― Meredith respondeu. ― Os primeiros bebês
chegam antes, mas eu diria sete.
Annie olhou para seu ventre depois de volta para a sua
sogra.
― Você diz que estou…
Maureen riu.
― Do jeito que ficou branca como papel quando sentiu o
cheiro daquelas cebolas? Oh, sim.
― Meus espartilhos estão um pouquinho apertados. ―
Annie murmurou. ― Pensei que talvez, mas então, não tinha
certeza… Tem sido tempos angustiantes.
Jane deu uma palmadinha em sua mão.
― Melhor escolher um quarto espaçoso para o berçário,
minha querida.
Meredith, Maureen, Annabelle e Eugenia todas
concordaram.
Kate, cujas feições elegantes eram mais parecidas com as
de John do que a da mãe, franziu os lábios e virou os olhos.
― Isso de novo?- A moça mais jovem murmurou
cruzando os lábios. ― Devemos alarmá-la? Pode nunca
acontecer?
― É melhor que ela esteja ciente, querida. ― Meredith
respondeu. ― Uma pessoa prevenida vale por duas.
A inquietação subiu em uma pequena espiral por sua
espinha.
― Uma pessoa prevenida para...quê?
Todas riram. Meredith respondeu:
― Os Huxleys são prolíficos, querida.
― Somos absurdamente férteis. ― Disse Annabelle. ― Um
dos primos de Papai teve oito filhos com sua primeira esposa
e doze com a segunda.
― Para sermos justas, ― disse Jane, ― quatro dos vinte
eram gêmeos.
― G-gêmeos?
― Nós nem mencionamos o tio Alfred.
Annie apertou seu estômago.
― Oh, Deus. Quantos? Dez?
Todas lançaram olhares de simpatia.
― Doze?
― Catorze, na última contagem. ― Respondeu Eugenia. ―
A tia Phillis parecia exausta da última vez que a vimos.
Talvez, uma vez que esse bebê nasça, finalmente ela ponha os
pés no chão.
Meredith fungou.
― Eu disse a ela como conseguir uma trégua. Ela
simplesmente se recusa.
Annie franziu a testa enquanto todas assentiam.
― Como?
― Alimente-os de seus seios, querida. ― Annabelle
esclareceu. ― Evita a concepção por um tempo.
― E de que outra forma eu alimentaria um bebê?
― Uma ama de leite. ― Esclareceu Jane. ― Muitas damas
as têm. Mamãe se recusou. Assim como nós.
― Doce Cristo e todos seus unicórnios. ― Annie
murmurou. ― Querem dizer que a prole de ‘ocês são as
menores entre o clã Huxley?
O sorriso de Maureen provavelmente era uma tentativa
de confortar.
― Bem, sim. Mas também somos todas mulheres, não
homens, então...isso ajuda.
Os homens Huxleys eram mais férteis? Oh, Deus.
Kate, que estava ouvindo com ocasionais viradas de
olhos, anunciou:
― Bem, posso ser uma Huxley, mas isso não quer dizer
que eu darei a luz a um exército. E nem Annie.
Meredith deu um tapinha no braço da filha mais jovem.
― Claro que não, querida.
― Eu pretendo ser a exceção. Um ou dois filhos é mais do
que suficiente. Não é assim, Annie?
Annie olhou para Meredith, hesitante em apoiar uma
ideia que a mãe de Kate não pudesse apreciar.
― Ou até mesmo nenhum. ― A jovem continuou
alegremente.
Eugenia bufou.
― Que tipo de eunuco pretende se casar, Kate?
― Talvez não esteja planejando me casar com ninguém.
― Não seja tola, querida. Claro que irá. ― Respondeu a
mãe dela. ― Simplesmente ainda não encontrou o parceiro
certo.
― Por que ele não existe, Mamãe. Além disso, tornar-me-
ei uma dramaturga.
Outro bufo de Eugenia.
― Ou talvez, uma romancista.
Desta vez quem bufou foi Jane.
― Zombe se quiser, Jane. Mas sua escritora favorita é
uma dama.
― Minha escritora favorita é extraordinariamente rara. O
porquê de ela ser a minha favorita.
Meredith interveio com um tom maternal.
― Kate, não há razão para não poder ser tanto uma
escritora quanto uma esposa. Olhe para Annie.
Todas fizeram, e Annie se perguntou se tinha farinha no
rosto.
― Annie tem muito de seus próprios interesses, incluindo
cozinhar e bordar.
Annie encolheu-se um pouco ao lembrar a fronha de gato
que ela bordou para Meredith. A mulher a abraçou por, pelo
menos, uns cinco minutos.
Meredith continuou.
― Ainda assim ela já começou sua própria família.
Começar cedo é melhor. Tem-se mais energia quando se é
jovem.
As mulheres Huxley continuaram a conversa, mas tudo
no que Annie podia pensar era nos catorze bebês pequeninos,
todos parecidos com seu inglês. Sorrindo como seu inglês.
Encantadores e risonhos como seu inglês.
Sua mão pousou sobre seu ventre. De repente, até
mesmo vinte pareciam um número insignificante.
Como se o tivesse invocado com seus pensamentos, ele
entrou na cozinha parecendo tão bonito que ela quis pular
nele e exigir que ele a tomasse.
― Mamãe, espero que não esteja assustando a minha
esposa com as histórias das excentricidades dos Huxleys. ―
Ele disse com uma piscadinha.
A mãe dele imediatamente foi abraçar o filho. Ela o
beijou e deu um tapinha em seu ombro.
― Não, meu docinho. Apenas as histórias da fecundidade
dos Huxleys.
Suas sobrancelhas se ergueram. Ele olhou para Annie.
Depois sua fisionomia ficou envergonhada.
― Elas mencionaram o tio Alfred?
― E a tia Phillis. Aye.
― Olhe, amor. Eu sei que catorze parece um número
terrivelmente grande.
― É um número enorme, Inglês. Muito, muito grande.
― Mas nada diz que devemos ter tantos.
― O irmão do seu pai teve.
― Bem, sim.
― E o primo do seu pai teve.
― Certo. ― Ele exalou. ― Vinte. Isso é bastante.
Ela cruzou os braços e lhe lançou um olhar estreitado.
― Está me provocando.
Um sorriso que evidentemente esteve disfarçando se
abriu. Olhos avelãs dançaram enquanto ele ria.
― Juro, é tudo verdade. Tio Alfred. Primo George. Cada
palavra.
― Aye, mas você está feliz com isso.
Enquanto ele vinha até ela, aqueles olhos iluminaram-se
novamente, dessa vez com menos diversão e mais com uma
ânsia ardente.
― Sou feliz por você ser minha esposa. Sou feliz que
nossos bebês, não importa o número, a terão como mãe.
Seis Huxleys suspiraram em uníssono. Annie suspirou
com elas. Supostamente ela era uma Huxley também.
Ela sorriu para seu marido que corretamente previra que
a família dele gostaria dela, e ela os adorava, e tudo ficaria
bem. Que escolheu uma espevitada escocesa entre todas as
damas que ele poderia ter escolhido para ser mãe de sua
prole. Que a amava e continuaria a amá-la com tudo o que ele
tinha.
― E eu estou feliz que ‘ocê é meu, John Huxley. Nada em
milhões de vidas poderia me agradar mais.
Notas

[←1]
Hogmanay é a palavra escocesa para o último dia do ano antigo e é sinônimo de
celebração do ano novo à maneira escocesa.
[←2]
Finnan haddie é arinca defumada a frio, representativa de um método regional de
fumar madeira verde e turfa no nordeste da Escócia.
[←3]
Shortbread é um biscoito escocês tradicional sem fermento, geralmente feito de
uma parte de açúcar branco, duas partes de manteiga e três partes de farinha de aveia
ou quatro partes de farinha de trigo simples.
[←4]
Clootie Dumpling é um pudim de farinha de aveia com frutas secas e especiarias,
cozido dentro dum pano ou “cloot”, tradicional na culinária da Escócia
[←5]
O sgian-dubh é uma faca pequena, de um único fio, usada como parte do traje
tradicional das Terras Altas, inserido no topo da meia.
[←6]
Reels é uma dança escocesa
[←7]
Kelpies e selkies são criaturas da mitologia celta. Os kelpies são belos cavalos
pretos (ou brancos) que atraem crianças e viajantes para dentro do rio. Suas vítimas
são afogadas e devoradas, exceto o fígado ou coração, de acordo com a versão. Já os
Selkies são focas marinhas que se tornam em forma humana para seduzir os
humanos.

Você também pode gostar