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DANDISMO NEGRO – Parte 3:“Zoot suits jazzistas


e Ternos brancos do samba"
GvCult - Uol
07/04/2021 09h25

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Imagem: mosaico de fotos da rede social Pinterest | Arte de Hélio Rainho

Por Hélio Rainho

"Eu sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma


como aqueles que assombravam Edgar Allan Poe; nem sou
um de seus ectoplasmas de filmes de Hollywood. Eu sou um
homem de substância, de carne e osso, fibra e líquidos – e
pode-se até dizer que possuo uma mente. Sou invisível,
entenda, simplesmente porque as pessoas se recusam a
me ver. […] Quando eles se aproximam de mim, vêem
apenas o que me rodeia, eles próprios ou produtos da sua
imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, exceto eu."

Ralph Elisson, O Homem Invisível.

No ano de 1952, o escritor afro-americano Ralph Waldo


Ellison escreveu, na obra-prima citada acima, o primeiro
manifesto a expressar uma questão tal qual vem sendo hoje
bastante debatida nas pautas sobre ativismo negro das
sociedades contemporâneas: a invisibilidade. A obra (não
confundir com o outro Homem Invisível da ficção científica,
do autor H. G. Wells) relatava as agruras de um protagonista
negro desprezado por uma sociedade branca que não o
enxergava e não o legitimava, o que vinha a ser desde
sempre um dilema dos negros dos Estados Unidos e de
todos os lugares do mundo, espalhados ou não pela
diáspora. Historicamente é fato que as populações negras
em diversos lugares do mundo tiveram imensa dificuldade
em serem reconhecidas e se estabelecerem socialmente
mesmo a partir do fim da escravização que as subjugava
abaixo de condições humanas.

Uma das estratégias mais efetivas de inclusão dos


elementos negros nas sociedades que os refutavam era a
reconstrução de uma identidade que, de alguma forma, os
permitisse transitar entre os grupos social e
economicamente dominantes (os brancos). Para atingirem
esse fim, um importante caminho foi o uso da elegância
expressa por esses agentes.

Mais especificamente no início do século XX, a partir das


décadas de 20 e 30, percebe-se em manifestações
musicais diretamente ligadas ao universo afro-atlântico o
uso de uma peça de vestuário clássico do guarda-roupa
masculino – o terno – como um importante elemento para
inclusão social. Negros americanos jazzistas e negros
brasileiros sambistas ressignificaram o traje como elemento
afirmativo de suas culturas, sendo por ele também
ressignificados, reafirmando suas identidades a partir de
seus usos. É que pretendemos abordar neste capitulo desta
série.

Paulo da Portela: ícone da elegância no samba | Fonte: Rede social


Pinterest

"Sambistas de pés e pescoço ocupados!" – apregoava a


máxima aforística do compositor carioca Paulo Benjamin de
Oliveira, o Paulo da Portela. Consagrado para a historia
como o "Príncipe Negro do samba", ostentando seu tipo
esguio, alto e elegante, Paulo é considerado pioneiro no
dandismo negro no samba. Contrariando sua origem
proletária e sua formação com baixa escolaridade, exibia
fala articulada e era um mestre nos discursos de improviso,
o que lhe conferiu o apelido de professor. Foi elo
fundamental na luta de afirmação dos sambistas contra a
perseguição policial e a marginalização de seus executores
na década de 20 do século passado, acenando para o uso
dos sapatos lustrosos e das gravatas ou lenços de seda
como complementos do traje que era exatamente o terno,
adotado como uniforme na escola de samba do subúrbio de
Oswaldo Cruz e assimilado consensualmente como traje
dos negros batuqueiros das demais agremiações. A
proposta de Paulo era distanciar definitivamente o arquétipo
dos malandros e vagabundos da época dos componentes
de sua escola, utilizando os códigos de elegância do terno,
chapéu, gravata e bengala como forma contestatória do
preconceito com que a policia prendia e agredia os
sambistas de seu tempo. Contam que o garbo de tamanha
elegância teria feito com que Walt Disney, após uma visita
feita por sua comitiva à quadra da Portela nos anos 40, se
inspirasse em Paulo da Portela para criar o tipo carioca de
fraque e chapéu do personagem Zé Carioca.

Paulo da Portela, ao centro, entre dois sambistas da Portela de terno | Fonte: Blog
Compositores da Portela

Vem dessa influencia de Paulo da Portela o uso, ainda hoje


muito comum, dos ternos de mestres-sala, passistas,
intérpretes, compositores e integrantes das Velhas Guardas
das escolas de samba. O forte calor do Rio de Janeiro foi
fator determinante para que o terno dos sambistas adotasse
um padrão bastante característico: o uso do linho, um tecido
sofisticado e macio, de origem nobre e mais leve por possuir
fibras naturais que arejam a peça; e a cor branca, também
mais indicada para as altas temperaturas.

Se o samba é o gênero representativo da música brasileira,


nos Estados Unidos é o jazz o ritmo que representa as mais
profundas tradições da musicalidade americana. Os
músicos negros desse gênero também buscavam a
construção de uma expressão artística que identificasse
seus lamentos, suas lutas, sua historia de afirmação e
sobrevivência, além de construírem um padrão de elegância
que representasse sua ascensão de uma situação de
subordinação a um momento de luta pela igualdade social.

O jazz era uma música vibrante e contagiosa, de


movimentos bruscos que desafiavam a cadência e o
gingado sobretudo das pernas. A busca de um traje que
fosse ao mesmo tempo elegante e que tivesse um corte
confortável e espaçoso para favorecer as danças levaram
os homens a adoção do uso de calças largas e paletós em
formato plus size. Assim surge o uso dos chamados zoot
suits como peça característica dos apreciadores de jazz.

As formas soltas e espaçosas dos zoot suits favoreciam a mobilidade dos dançarinos
do jazz| Fonte: Rede social Pinterest

A origem dos zoot suits é controversa, uma vez que ela


também se relaciona com os chamados pachucos dos
mexicanos, de certa forma ressignificados e absorvidos
pelos frequentadores das casas noturnas onde se ouvia e
se dançava o jazz. No entanto, a exemplo dos negros, os
mexicanos também eram vistos como minorias dentro da
sociedade branca americana, o que de alguma forma criava
uma conexão entre esses grupos discriminados. A grande
popularidade dos zoot suits entre jovens negros americanos
nas décadas de 30 e 40 significava, porém, que esse traje
era uma versão dos ternos muito importante não só para a
expressão cultural dos homens negros, mas também para
sua afirmação e para a construção de sua identidade.

O modelo desse terno de corte exagerado definitivamente


influenciou o estilo de muitas personalidades da música,
geraram tendências de moda. "Os músicos de jazz se
tornaram os supermodelos da época" – afirmou o estilista e
pesquisador Lloyd Boston.
Adolescentes de zoot suits em um
restaurante em Nova York em 1943 | Fonte:
Digital Wall Street Journal

Havia um dado curioso, porém, diferenciando as


expectativas dos usos desses ternos por negros sambistas
no Brasil e negros jazzistas americanos. Muito embora em
ambos os casos houvesse uma afirmação de suas
identidades culturais e de sua cidadania em sociedades
que os repeliam, a estratégia de afastar uma impressão
marginal e uma atitude persecutória por policiais brancos
teve melhor êxito no Brasil do que nos Estados Unidos. Isso
ocorria porque a grande adesão de jovens americanos das
classes mais baixas ao uso dos zoot suits inevitavelmente
também os associou a gangues de delinquentes da época.
O historiador americano Stuart Cosgrove vai lembrar que
durante a Segunda Guerra Mundial, quando os pais
passaram a trabalhar em horários fora do convencional,
"tornou-se possível que muito mais jovens se reunissem
tarde da noite nos principais centros urbanos ou
simplesmente nas esquinas". Como esses jovens também
usavam os zoot suits, entende-se a confusão. Por isso,
enquanto os sambistas conseguiam parecer
"trabalhadores"diante da polícia, na América essa distinção
acabou se tornando mais dificil de ser processada pelas
autoridades policiais. Além disso, um certo elemento
oriundo de Detroit, considerado transgressor por conta de
alguns motins realizados no Harlem, começava a ganhar
vulto utilizando zoot suits: era o jovem de cabelos vermelhos
conhecido como Detroit Red, que mais tarde
se transformaria no líder negro radical Malcolm X.
Detroit Red – o jovem Malcolm X de
cabelos vermelhos – só vestia zoot suits |
Fonte: Rede social Pinterest

É interessante percebermos que, sob um olhar da cultura


material, o que parecia restringir-se a um simples uso de
moda acaba adquirindo um importante papel sociológico na
representação e na afirmação de agentes então ameaçados
por lógicas de apagamento. Para além de seu uso funcional
enquanto traje ou de sua lógica de consumo enquanto
tendência, o uso do terno por negros americanos e
brasileiros retrata uma pagina importante em suas
conquistas e confrontamentos sociais.

LEIA TAMBÉM:

DANDISMO NEGRO – Parte 1: "Origens" –


https://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2021/01/29/dandismo-
negro-parte-1-origens/

DANDISMO NEGRO – Parte 2: "O Harlem Renaissance" –


https://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2021/02/24/dandismo-
negro-parte-2-o-harlem-renaissance/

Edição Final: Guilherme Mazzeo

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