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STONEWALL: A VIOLÊNCIA POLICIAL E OS
Procissão de Iemanjá, Ilha de Itaparica, Bahia (Foto: Christian Cravo) APAGAMENTOS
O PENSAMENTO FILOSÓFICO-FEMINISTA
DE SIMONE DE BEAUVOIR
Comecei a desenvolver o conceito de “culturas de síncope” a partir de uma psquisa
para um livro sobre a Portela, que publiquei em 2012 (Tantas páginas belas: histórias da
Portela). A necessidade de pensar o conceito surgiu de uma constatação: os estudos A INVENÇÃO DA MATERNIDADE
sobre o samba simplesmente não viam o próprio samba como manancial para a
elaboração de conceitos capazes de dialogar com o complexo cultural que circula em A DEMOCRACIA É POSSÍVEL?
torno do gênero que, saído dos batuques do Congo, espraiou-se na diáspora.
Mas que diabos é a síncope? Ela é uma alteração inesperada no ritmo, causada pelo UM BALANÇO HISTÓRICO E
MEMORIALÍSTICO DO MOVIMENTO LGBT
prolongamento de uma nota emitida em tempo fraco sobre um tempo forte. Na
NO BRASIL
prática, a síncope rompe com a constância, quebra a sequência previsível e
proporciona uma sensação de vazio que logo é preenchida com fraseados inesperados.
A síncope opera bordando de sutilezas o vazio entre as duas marcações do ritmo. É ali
que ela mora.
TV CULT
A síncope subverte a normatização, busca caminhos que não são os do enfrentamento,
joga com o tempo e o contratempo no deslocamento do jogo rítmico, traz o segredo da
polirritmia típica da música africana: o bailado sonoro de padrões rítmicos complexos,
geralmente envolvendo um ritmo tocado contra o outro, que na contraposição se
O que é fascismo, com Vla…
complementam para dar conta das sutilezas, mais que do som, da vida.
As culturas de síncope, por sua vez, dialogam com o drible, já que são capazes de
“garrinchar” tempo e espaço. E aí penso mesmo no futebol. O jogo inventado pelos
britânicos consistia na tentativa de evitar o adversário por meio de lançamentos
longos, bolas alçadas em direção ao arco inimigo – o famoso “chuveirinho”, na
linguagem dos boleiros.
Falo de Garrincha e lembro que o futebol se espalhou no Brasil com notável rapidez e
se impôs como um elemento catalisador das paixões brasileiras. O jogo se consolidou,
ao longo do século 20, como elemento protagonista na produção de certo imaginário
da brasilidade.
A versão mais famosa para a criação da umbanda do Rio de Janeiro – uma espécie de
mito de origem que não exclui os sentidos de diversos outros – remete ao dia em que
no distrito de Neves, na cidade de São Gonçalo, em 1908, o jovem Zélio Fernandino de
Moraes sofreu uma paralisia inexplicável. Depois de certo tempo sem andar, Zélio
teria se levantado e anunciado a própria cura. No dia seguinte, saiu andando como se
nada tivesse acontecido. A mãe de Zélio, Leonor de Moraes, tomou um susto e levou o
filho a uma rezadeira chamada Dona Cândida, conhecida na região, que incorporava o
espírito do preto velho Tio Antônio.
Tio Antônio baixou em Dona Cândida e disse que Zélio era médium e deveria trabalhar
com caridade. Em 15 de novembro, por sugestão de um amigo do pai, Zélio foi levado à
Federação Espírita de Niterói, difusora do kardecismo francês no Brasil. Chegando lá,
o rapaz e o pai sentaram-se à mesa. Subvertendo as normas do culto kardecista, Zélio
levantou-se subitamente e disse que ali faltava uma flor, deixando a turma do centro
espírita sem reação. Foi até o jardim, apanhou uma rosa branca e colocou-a, com um
copo de água, no centro da mesa de trabalho.
Ainda segundo a versão mais famosa para o acontecido, Zélio incorporou um espírito
que batia no peito e dava flechadas imaginárias. Simultaneamente diversos médiuns
presentes receberam caboclos, índios e pretos velhos. Instaurou-se, na visão dos
membros da Federação Espírita, um furdunço inadmissível. Advertido pelo dirigente
da Federação, o espírito incorporado em Zélio perguntou por que os kardecistas
evitavam a presença dos pretos e caboclos do Brasil, pois nem sequer se dignavam a
ouvir suas mensagens.
Um membro da Federação argumentou com o espírito que Zélio recebia, dizendo que
pretos velhos, índios e caboclos eram culturalmente atrasados e não podiam, dessa
forma, ser espíritos de luz. E perguntou o nome da entidade. O espírito encarnado em
Zélio respondeu que daria início a um culto em que os pretos, índios e caboclos do
Brasil poderiam difundir suas mensagens e cumprir missões espirituais. Disse ser o
Caboclo das Sete Encruzilhadas, aquele capaz de percorrer todos os caminhos.
O futebol brasileiro popularizado está para o futebol inglês como certa umbanda para
o kardecismo e o cristianismo institucionalizado. O futebol praticado aqui começava a
ser visto como um jogo inglês subvertido, reinventado e encantado pelos modos
brasileiros de jogar bola. O gramado/terreiro em que só dançavam na gira do jogo os
jovens das elites e os trabalhadores europeus residentes no Brasil começava também a
ser ocupado pelos descendentes de escravizados e de índios, pelos subalternizados no
violento processo de formação do país e por quem mais resolvesse baixar na gira.
Em que medida está na umbanda a chave para entender nossos modos sincopados de
pensar e de jogar bola?
D E I X E O S E U CO M E N TÁ R I O
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