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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA

EDSON XAVIER FERREIRA

CONVERSAS EM TORNO DE UMA MESA: AS IDEIAS DE REVOLUÇÃO EM


MARX E NO LIVRO DIDÁTICO E SUAS REPERCUSSÕES NO ENSINO BÁSICO.

CRATO-CEARÁ
2018
EDSON XAVIER FERREIRA

CONVERSAS EM TORNO DE UMA MESA: AS IDEIAS DE REVOLUÇÃO EM


MARX E NO LIVRO DIDÁTICO E SUAS REPERCUSSÕES NO ENSINO BÁSICO.

Dissertação apresentada à Universidade Regional do


Cariri - URCA, como parte das exigências do Mestrado
Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA),
para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Fábio José Cavalcanti de Queiroz

CRATO - CE
2018
Catalogação na fonte
Cícero Antônio Gomes Silva – CRB-3 n° /1385

F368c
Ferreira, Edson Xavier.
Conversas em Torno de Uma Mesa: As Ideias de Revolução
em Marx e no livro Didático e suas Repercussões no Ensino Básico./
Edson Xavier Ferreira – Crato-Ce, 2018,
123 f.: il.;30cm.
Dissertação (mestrado) Universidade Regional do Cariri– URCA /
Departamento de História / Mestrado Profissional em Ensino de
História - 2018.
Orientador: Prof.Dr. Fábio José Cavalcanti de Queiroz

1. Revolução . 2. Marxismo 3 .Ensino de história . I. Título

CDD:930
EDSON XAVIER FERREIRA

CONVERSAS EM TORNO DE UMA MESA: AS IDEIAS DE REVOLUÇÃO EM


MARX E NO LIVRO DIDÁTICO E SUAS REPERCUSSÕES NO ENSINO BÁSICO.

Dissertação apresentada à Universidade Regional do


Cariri - URCA, como parte das exigências do Mestrado
Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA),
para a obtenção do título de Mestre.

Aprovada em: ______/______/_______.

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Prof. Dr. Fábio José Cavalcanti de Queiroz (Orientador)
Universidade Regional do Cariri (URCA)

______________________________________________
Prof. Dr. Pereira (Membro interno)
Universidade Regional do Cariri (URCA)

______________________________________________
Prof. Dr. Frederico (Membro Externo)
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
DEDICATÓRIA

Aqueles e aquelas que ousam lutar.


AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais, que embora não tenham tido a oportunidade da


educação escolar, compreenderam a necessidade de educar os filhos, mesmo
diante das enormes carências dos tempos em que mesmo faltando pão, não me
faltava um caderno e uma caneta.
A minha companheira, Jusshara, pela paciência e a compreensão diante das
minhas ausências, pelo suporte constante e o apoio, sem o qual eu não poderia me
dedicar minimamente ao estudo.
A Petrônio Alencar, Reginaldo Farias, Victor Vladmir, Ricardo Campos, Débora
Rodrigues e Moises Leal, pela contribuição artística e técnica na elaboração desse
trabalho.
A Judson Jorge e Elandia Duarte, pelo exemplo e incentivo. Que a força esteja
conosco.
A Francisco Hélio, pelo auxílio precioso quanto a língua de William
Shakespeare e Jimmy Page.
A meus colegas do mestrado, pelos debates sempre fervorosos e pelo
constante apoio moral.
A meu orientador, Fábio José, com quem tenho tido inúmeras lições há tantos
anos, com quem tenho aprendido, na teoria e na prática, o que é ser marxista.
A meus companheiros de luta, dos sindicatos, dos movimentos sociais e aos
que hoje e sempre constroem a Resistência.
A todos aqueles e aquelas que lutam e que sonham com um mundo
melhor.
RESUMO

O presente trabalho cumpre o objetivo de analisar a forma como os livros didáticos


de História do Ensino Médio vão tratar as revoluções e como se dá seu diálogo ou
embate com a concepção marxiana de revolução. Para tanto, recorri a investigação
teórico-histórica nos escritos de Karl Marx entre 1844 e 1871, delimitado em
capítulos nos quais estariam substantificadas questões nodais sobre o tema em seu
desenvolvimento. Em um segundo momento, analisei como o Ensino de História se
relaciona com a ideia de revolução, notadamente a ideia de revolução de Karl Marx,
propiciando ou não a veiculação das concepções de História e práxis política ligadas
a essa concepção. De forma complementar, foi também produzido uma coleção de
histórias em quadrinhos diretamente relacionadas ao tema, com o intuito de
proporcionar uma possível utilização, como material didático, para auxiliar no debate
sobre o conceito de revolução em sala de aula.

Palavras-Chave: Revolução. Marxismo. Ensino de História. Livro didático de


História
ABSTRACT

The present work fulfills the objective of analyzing how the high school history
textbooks will deal with the revolutions and how his dialogue with the Marxist
conception of the revolution. For so much that it ran theoretical-historical
investigation in the writings by Karl Marx between 1844 and 1871,delimited in
chapters in which would be substantiated nodal questions on the subject and its
development. In a second moment I analyzed how history teaching relates to the
idea of revolution notably the idea of revolution by Karl Marx. Propitiating or not the
conveyance of conceptions of history and political praxis related to this conception. In
addition, a collection of comic books was produced directly related to the theme in
order to provide a possible use as didactic material to assist in the debate about the
concept of revolution in the classroom.

Keywords: Revolution - Marxism - Teaching history - History textbook


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8
Capítulo 1: Marx ou uma teoria histórica da revolução............................... 11
Capítulo 2: O conceito e a concepção de revolução: De Marx ao livro didático
......................................................................................................................... 41
2.1- “Todo coração é uma célula revolucionária. ” ......................................... 41
2.2- Um conceito: Consensos e dissensos ................................................... 44
2.3- O passado, o presente e o futuro das revoluções: o debate acerca das
revoluções burguesas ................................................................................... 52
2.4- Inglaterra e América. (Ser ou não ser, eis a questão) ............................ 54
2.5- França: Isto é uma revolução! ................................................................ 63
2.6- Revoluções na era dos extremos ........................................................... 67
3- CONSIDERAÇOES FINAIS ......................................................................... 79
4- FONTES ...................................................................................................... 83
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 84
6- APÊNDICE .................................................................................................. 88
8

INTRODUÇÃO

A queda do Muro de Berlim e a derrocada dos estados operários do leste


europeu resultaram em uma grande crise no campo das esquerdas, principalmente
na intelectualidade, ligada ou não à luta socialista. Com reverberações em âmbito
mundial, a vitória do capitalismo representava, aparentemente, senão o fim da
História, a impossibilidade imediata de projetos radicais emancipatórios. Era como
se a ideia de revolução e – todo o arcabouço teórico que lhe daria base – estivesse
relegada à lata de lixo da História.
A necessidade de se voltar a olhar cuidadosamente ao conceito de revolução e
suas implicações teóricas, em última análise, é a necessidade de rompermos com a
ideia – se não evidente e explícita, de certo modo subjacente nos constructos
teórico-práticos dos intelectuais de hoje – da impossibilidade de transformação
social.
O conceito de revolução surge com o sentido de movimento rotativo no espaço
e no tempo, aplicado, por vezes, na Astronomia, correspondendo ao movimento
cíclico dos astros. Em uma passagem de “De revolutionibus orbium coelestium”,
Nicolau Copérnico disse: “... deve-se admitir que os movimentos regulares do Sol,
da Lua e dos planetas nos parecem irregulares, seja devido às diferentes direções
de seus eixos de revolução, seja porque a terra não ocupa o centro dos círculos
que recorrem” (MARCONDES, 2016, p. 27). Em sua aplicação ao campo político,
teria tido primeiro o sentido de descrever um movimento de restauração da ordem.
Nas palavras de Raymond Willians, o sentido cíclico da palavra “... implicava uma
restauração ou uma renovação de uma autoridade legal anterior...” (WILLIANS,
2007, p. 359). Com a Revolução Francesa e, depois, com o movimento socialista, o
conceito moderno de derrocada violenta de uma ordem e estabelecimento de uma
nova ordem vai se impor. Então, sobre o desenvolvimento do conceito de revolução,
vemos que este, o qual designava o movimento cíclico dos astros, um retorno
constante dentro de uma determinada órbita, passa, tempos depois, a designar
principalmente a uma perspectiva de ruptura dentro de um conteúdo social e político.
O conceito, então, em um encadeamento dialético com a realidade histórica na
qual esteve inserido, tanto ajudou a compreender os fenômenos que ocorriam
quanto se modificavam em face desses. Quanto mais agudos os conflitos, mais
profundamente o conceito se modificou. Assim,
9

...na controvérsia política que surgiu a partir da história real dos levantes e
dos conflitos armados, revolução assumiu um significado especializado de
derrocada violenta e, por volta do final do século XIX, contrapôs-se a
evolução no sentido de nova ordem alcançada por meios pacíficos e
constitucionais. O sentido de revolução como instauração de uma ordem
social inteiramente nova fortaleceu-se em grande medida com o movimento
socialista... (WILLIANS, 2007, p. 360)

Walter Benjamin (1987, p. 230), em suas célebres teses “sobre o conceito da


história”, dá-nos o indicativo de uma interessante concepção de revolução. Essa
concepção nos remete ao próprio entendimento da História, colocando a
possibilidade de rompimento com o que ele chama de continuum da história,
dominado pelas classes dirigentes. A revolução seria o momento de ruptura que
possibilita trazer a luz às classes subalternas e às suas lutas, assim como pensar a
história sobre outro ângulo, possibilitando-nos “escovar a história a contrapelo”,
pensando-a, nesse horizonte, em contraposição às concepções dominantes. A
perspectiva da revolução nos possibilita outro olhar para o passado e nos possibilita,
igualmente, escapar do domínio da narrativa historiográfica dominante.
Karl Marx é, de longe, o teórico mais importante no tocante à ideia de
revolução. Depois dele, torna-se praticamente impossível fazer-se referência à tal
ideia sem dialogar de alguma forma com o Velho Mouro 1 ou com os marxistas. Por
sua vez, a ideia de revolução está ligada a determinadas concepções de História e
de uma perspectiva do estar e agir no mundo. Defendo a hipótese de que, no
tratamento dado às revoluções presente nos livros didáticos, há, de um modo ou de
outro, um diálogo ou um embate com a concepção marxiana de revolução.
A relação dos autores, professores e estudantes com o conceito de revolução
pode dizer muito sobre a veiculação de determinadas concepções de História e de
práxis política. Assim sendo, lançar um olhar sobre o uso da ideia de revolução nos
livros e nas práticas de ensino/aprendizagem pode favorecer uma compreensão
sobre a disseminação do conceito e das ideias de Marx, a contraposição a essas
ideias, e suas relações com a concepção de práxis humana.

1
Apelido de Marx. De fato, essa alcunha era familiar, especialmente, entre as pessoas mais
próximas do intelectual e militante alemão. Hoje, entretanto, qualquer pessoa minimamente
conhecedora da trajetória de Karl Marx não ignora essa alcunha e o quanto ela o define, em
particular, na restauração do seu traçado fisionômico.
10

Para organizar e desnudar este estudo, de cunho dissertativo, inicialmente,


pretendo dispor a exposição da pesquisa, composta de uma investigação teórico-
histórica e de ligeiras incursões empíricas, em capítulos nos quais tenciono trabalhar
as questões nodais do trabalho. No primeiro capítulo, procurarei fazer uma
análise da ideia de revolução, acompanhando o seu desenvolvimento nos
escritos de Karl Marx entre 1844 e 1871.
No segundo capítulo, analisarei como o ensino de História se relaciona
com a ideia de revolução, notadamente a ideia de revolução de Karl Marx,
estudada no primeiro capítulo, propiciando ou não a veiculação das
concepções de História e práxis política ligadas a essa ideia. Para isso,
utilizarei os dados levantados nos livros didáticos de História da seleção 2018
do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)2.
Por fim, tenho o intuito de produzir uma história em quadrinhos tratando
do conceito de revolução em Marx que possa ser utilizada como recurso
didático para o Ensino Médio.

2 Programa do governo federal que tem por objetivo avaliar e disponibilizar obras didáticas,
pedagógicas e literárias, para as escolas públicas ou conveniadas do ensino básico e médio.
11

Capítulo 1: Marx ou uma teoria histórica da revolução.

“As revoluções são a locomotiva da história” 3


(Karl Marx)

Ainda hoje, o nome mais associado, para o bem e para o mal, ao conceito de
revolução, indubitavelmente, é o de Karl Marx. O pensador alemão dedicou toda a
sua vida a pensar, escrever e agir no sentido de tornar possível uma revolução que
mudasse profundamente as relações sociais, possibilitando à humanidade sair do
que ele dizia ser a sua pré-história e, finalmente, adentrar o reino da História, onde
homens e mulheres poderiam desenvolver livremente suas potencialidades coletivas
e individuais: o comunismo. Talvez, nenhum outro pensador tenha tido tanta
importância na elaboração do conceito em tela quanto Marx. Suas reflexões foram
assimiladas e reelaboradas por um sem número de outros intelectuais e ativistas
sociais, seus escritos influenciaram diretamente um grande número de processos
revolucionários no século XX e serviram de base para a atuação de centenas de
partidos ao redor do mundo da segunda metade do século XIX até a atualidade. De
lá para cá, não se pode discutir seriamente sobre as elaborações acerca do conceito
político e social de revolução sem levar em consideração Marx e seus seguidores.
O pensamento de Marx se constituiu com base em um conjunto muito grande e
significativo de leituras e reelaborações que têm como base muito do que havia de
mais avançado no pensamento europeu da época. Lênin ressalta em seu pequeno
livro, As três fontes e três partes constitutivas do marxismo 4, a influência da filosofia
alemã, da economia política inglesa e do comunismo francês no arranjo que está no
início da teoria social marxiana. Embora esses sejam importantes pilares do
pensamento de Marx, não podemos restringir a constituição do Marxismo e de sua
concepção de revolução somente a essas influências teóricas. Além do mais,
podemos ressaltar a relação dialética entre a elaboração teórica e o movimento
revolucionário de seu tempo.

3
Citação retirada de “As lutas de classes na França de 1848 a 1850”, publicado por Marx pela
primeira vez em 1850.
4
Texto de V.I. Lenin, escrito em 1913, onde o autor expõe didaticamente o que seriam os
fundamentos do marxismo.
12

O jovem Marx poderia ter seguido carreira acadêmica e até mesmo ter sido
tragado pela inofensiva vida que se levava no interior das universidades alemãs. No
entanto, logo esses espaços se fecharam aos jovens que tivessem um pensamento
um pouco mais radical como os jovens hegelianos de esquerda, círculo do qual Marx
fazia parte. A universidade já não era uma opção, diante das escolhas ideológicas
que fizera até aquele momento. O jovem enveredou, então, na atividade de jornalista
tendo colaborado com diversos periódicos ao longo da sua vida. Essa atividade o
levou a enfrentamentos diversos com as autoridades prussianas e, depois, de outros
países por onde passou, e o levou também a estabelecer contato com pensadores
radicais da época e, finalmente, com o socialismo e com o movimento operário.
Na Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, texto de 1844, embora já
tenha ultrapassado seus posicionamentos simplesmente democrático-radicais e já
tenha colocado o proletariado como agente fundamental da necessária revolução
socialista, Marx ainda dá um destaque fundamental à filosofia como elemento motor
do processo revolucionário. Dizia ele: “O passado revolucionário da Alemanha é
teórico – é a reforma. Assim como outrora a revolução começou no cérebro de um
monge, agora ela começa no cérebro do filósofo” (MARX, 2010, p. 152). A filosofia,
segundo o pensamento de Karl Marx, deveria agir sobre o proletariado para que este
se tornasse, então, agente revolucionário: só depois da elaboração filosófica
produzida pelo “cérebro do filósofo” se apossar das massas proletárias é que elas
passariam a ser capazes de agir revolucionariamente. O proletariado, portanto, teria
a necessidade da faísca da “ignição” dada pela filosofia para adquirir a
potencialidade do fogo revolucionário. Nesse sentido, a seguinte passagem é
sintomática desse raciocínio:

Assim como a filosofia encontra suas armas materiais no proletariado, o


proletariado encontra na filosofia suas armas espirituais, e tão logo o
relâmpago do pensamento tenha penetrado profundamente nesse ingênuo
solo do povo, a emancipação dos alemães em homens se completará.
(MARX, 2010, p. 156)

Nesse momento de seu desenvolvimento teórico, Marx parte da ideia de que o


processo revolucionário se iniciaria na elaboração filosófica para, só depois,
desembocar na ação efetiva do proletariado. A primazia da filosofia ainda está
colocada, talvez, pela grande influência de Hegel e do idealismo alemão - embora
13

ambos sejam alvos das críticas do jovem Marx no texto citado. O autor ainda não
consegue superar definitivamente a ideia de supremacia do pensamento sobre a
ação, o que virá a ocorrer logo posteriormente.
O peso dado à filosofia, neste clássico texto, não está presente em textos
posteriores do autor. Naquele, porém, o papel desempenhado pela critica filosófica
seria fundamental. Deveria por seu turno se apossar das massas para que essas
pudessem, então, concretizar a emancipação humana a partir da emancipação do
proletariado. Nesse aspecto, apesar de fundamental, a crítica não é capaz de
transformar a realidade por si mesma, ela precisa se materializar tornando-se parte
efetiva da luta das massas. Assim, a passagem a seguir se mostra emblemática da
expressão mais genuína da reflexividade marxiana:

…o poder material tem de ser derrubado pelo poder material. A teoria


também se torna força material quando se apodera das massas. A teoria é
capaz de se apoderar das massas tão logo demonstra ad hominen e
demonstra ad hominen tão logo se torna radical. (MARX, 2010, p. 151)

Embora Marx parta da teoria, diferentemente dos jovens hegelianos, já


compreende que ela por si não pode modificar a realidade: é necessário que esta se
torne radical, que chegue à raiz dos problemas sociais mais amplos, sendo capaz de
dar respostas às necessidades das massas. É preciso que a teoria tome conta das
massas para, somente assim, se constituir em uma força capaz de transformação
social efetiva, para concretizar a revolução: “Uma revolução social só pode ser a
revolução das necessidades reais...” (MARX, 2010, p. 153). O jovem Marx, então, só
reconhece nas massas um “elemento passivo” sob o qual a teoria teria solo fértil
para se desenvolver e se efetivar. Nesse momento, ainda não chegara à conclusão
de que o proletariado em sua luta poderia se constituir em elemento ativo da
revolução. Para ele, “As revoluções precisam de um elemento passivo, de uma base
material. A teoria só se efetiva num povo na medida em que é a efetivação de suas
necessidades” (MARX, 2010, p. 152).
Em outro trecho, é colocado: “A emancipação do alemão é a emancipação do
homem. A cabeça dessa emancipação é a filosofia, o proletariado é seu coração”
(MARX, 2010, p. 157). Somente algum tempo depois, Marx altera o seu ponto de
vista em referência ao papel do proletariado no que concerne à revolução. Nesse
sentido, a filosofia perderá, em sua elaboração teórica, a atribuição fundamental que
14

antes tinha e o que ele vai chamar de práxis revolucionária adquire, nesse curso
reflexivo, um lugar fundamental na concepção marxiana de revolução.
O autor já havia encontrado no proletariado, na década de 40 do século XIX, a
única classe social capaz de, a partir de sua própria “natureza”, generalizando as
condições de sua própria emancipação, propiciar a emancipação humana de forma
geral. A revolução proletária é, então, para ele, a única capaz de avançar no sentido
de abolir a sociedade de classes e conduzir a sociedade a uma condição de
igualdade. No entanto, a ideia da autonomia do proletariado, de sua
autoemancipação só irá surgir ulteriormente.
Essa virada tem fundamentos não na simples evolução teórica, mas na relação
da teoria com a dinâmica da luta de classes em seu complexo andamento. O
movimento concreto do proletariado observado por Marx, naquele momento
histórico, fez com que ele visse que o proletariado no movimento real da luta de
classes não era simplesmente o “coração” necessitado de uma “cabeça” proveniente
da filosofia, mas que sua atuação no campo da luta de classes mostraria sua
tendência ao socialismo revolucionário.
Apesar do “problema” colocado, desse texto em especifico, em relação aos
escritos futuros de Marx, ele é um texto fundamental para a compreensão da obra
em seu conjunto e nos traz uma concepção sobre a revolução e, especificamente,
sobre a revolução proletária, que vai estar explícita ou implicitamente presente nas
obras de maturidade do autor.
Marx afirma que, na revolução, uma classe se põe como a representante dos
interesses universais e somente assim ela é capaz de mover a sociedade no sentido
de transformá-la. Apenas uma classe, na sociedade capitalista, porém, é capaz de,
por sua condição, encabeçando a revolução e transformando a sociedade de acordo
com sua posição dentro dela, representar efetivamente os interesses humanos
universais. Essa classe é o proletariado, pois este seria o extremo oposto da
propriedade privada, que seria a encarnação da desumanização expressa pela
sociedade de classes e da apropriação da riqueza socialmente produzida e
apropriada por poucos, assim como da sociedade burguesa de modo específico5.
Em 1844, Marx toma contato com o movimento dos tecelões da região
prussiana da Silésia. Trata-se de uma revolta na qual os tecelões, lutando contra a

5
Concepção presente na Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel e na Sagrada família.
15

exploração intensa e desumana a qual estavam submetidos, não somente destroem


máquinas como também o célebre movimento ludista, agindo conscientemente
contra a “sociedade da propriedade privada”. Podemos dizer que, em sua análise da
revolta dos tecelões da Silésia, a dissociação entre filosofia e prática é superada; é
como se os dois elementos se encontrassem dialeticamente na medula do
proletariado.

É preciso reconhecer como o proletariado alemão constitui o teórico do


proletariado europeu, assim como o proletariado inglês é seu economista
político e o proletariado francês seu político. É preciso reconhecer que a
Alemanha possui uma vocação clássica para a revolução social, que é do
tamanho da sua capacidade para a revolução política. (MARX, 2010, p. 45)

Se antes, para se mover em direção à revolução, o proletariado necessitava da


centelha da filosofia, a contar de então, o proletariado, à vista disso, passa a se
constituir como elemento ativo. Nesses termos, a classe proletária deixa de ser
somente o “coração” determinado pela filosofia, uma força externa, mas passa a ser
por completo o sujeito histórico da revolução.
Isso posto, podemos analisar a terceira das famosas Teses sobre Feuerbach,
na qual o autor afirma que “a coincidência entre a alteração das circunstâncias e a
atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente entendida como práxis
revolucionária” (MARX, 2012, pp. 42). Está, nesses termos, superada a dicotomia
entre o filósofo, do qual parte a concepção de revolução, e o proletariado, como
elemento receptor que se transforma na força material da filosofia. Nas teses, assim
como na análise feita em torno do levante dos tecelões da Silésia, a ideia de
primazia da teoria está superada. Marx encontra o sujeito revolucionário em sua
relação dialética de natureza teórico-prática. O proletariado se debruça sobre a
possibilidade de criar um mundo novo a partir de sua ação de enfrentamento com o
mundo em que vive. A reflexão teórica está indissociavelmente ligada à prática que
transforma a realidade e os sujeitos envolvidos nessas ações. A práxis
revolucionária passaria a ocupar um lugar central na teoria marxiana.
Nessa perspectiva, Michael Löwy (2012) entende que o momento fundante
para a concepção marxiana de revolução vai ser o do levante dos tecelões da
Silésia. Esse acontecimento histórico teria levado Marx a revisar sua perspectiva de
revolução. Seria, então, no que toca à sua concepção de mundo, algo que
16

corresponde a uma viragem teórico-prática de 180°. Assim, o Mouro abandona a


ideia de que a filosofia ocuparia um papel privilegiado na transformação radical da
realidade, ao tempo que assume a prospectiva de que o proletariado seria o agente
fundamental da revolução e que, com base em sua autoemancipação, seria possível
a emancipação humana universal.
É importante ressaltar que a teoria de Marx não foi gestada simplesmente no
frio e restrito espaço do seu gabinete ou das bibliotecas, mas, foi elaborada a
quente, em uma relação intrínseca com o movimento de massas, com as lutas em
andamento, com a dinâmica da luta de classes na Europa. Esse elemento é parte
fundamental do que vem a caracterizar a teoria marxiana. Nesse contexto, o contato
com a luta dos tecelões da Silésia fez com que Marx alterasse significativamente
sua teoria sobre a revolução. Essa foi, segundo Michael Löwy, a “demonstração
concreta e violenta do que ele já depreendia das suas leituras e contatos
parisienses, a tendência potencialmente revolucionária do proletariado” (LÖWY,
2012, p. 117). Sua ideia de revolução sofre uma guinada que irá repercutir
profundamente no conjunto de sua obra futura.

Recordemos, em primeiro lugar, a canção dos tecelões, esse arrojado grito


de guerra, na qual o fogão, a fábrica e o distrito nem sequer são
mencionados; ao contrário, o proletariado proclama de imediato a sua
contrariedade com a sociedade da propriedade privada, e isso de maneira
contundente, cortante, absoluta e violenta. A Revolta Silesiana começa
justamente no ponto em que as revoltas dos trabalhadores da França e da
Inglaterra terminam, ou seja, consciente da essência do proletariado.
(MARX, 2010, p. 44)

Nessa passagem, Marx enfatiza o caráter universal da Revolta Silesiana. Em


suas canções como em sua ação os operários vão à raiz do problema que os aflige:
a propriedade privada. Sua luta, assim, vai ao cerne da sociedade burguesa. A luta
dos operários silesianos, para Marx, tem um caráter universal por questionar a
propriedade privada partindo do ponto de vista da única classe capaz de superá-la e
redefinir a sociedade no sentido da emancipação humana. Nessa época, o
proletariado alemão ainda era pouco significativo se comparado aos grandes centros
do capitalismo, como Londres ou Paris, mas possuía uma ligação - como parte de
uma classe - com tendências a se estender e ter sua condição generalizada. Para
Marx, os elementos prenunciadores do papel do proletariado na luta de classes
contemporânea já estavam exteriorizados no movimento. Nas condições de vida e
17

de luta dos pobres tecelões, estavam expressos os sinais da possibilidade de


superação do capitalismo.
A Revolta Silesiana, bem como a crítica a ela tecida por Ruge6, faz com que
Marx levante uma questão de relevância naquele momento: a diferenciação entre
uma revolução de alma política e uma revolução de alma social. Para ele, a revolta
dos tecelões, embora não pudesse deixar de ter um caráter político, em primeiro
lugar tinha uma alma social e isso, para Marx, tinha um significado profundo. Para
ele, a restrição a um caráter meramente político seria algo que poderia desvirtuar a
revolução proletária, desviá-la de sua capacidade de transformação.

Por pensar na forma política, ele vislumbra a causa de todas as mazelas na


vontade e todos os meios de solucioná-las na violência e na derrubada de
uma determinada forma de governo. Prova: as primeiras rebeliões do
proletariado francês. Os trabalhadores de Lyon acreditavam estar
perseguindo apenas propósitos políticos, pensavam ser soldados da
república, quando na verdade, eram soldados do socialismo. Desse modo,
seu entendimento político toldou-lhes a visão para a raiz da penúria social;
desse modo, ele falsificou a compreensão do seu real propósito, de maneira
que seu entendimento político iludiu seu instinto social. (MARX, 2010, p. 49)

A distinção entre a revolução política e revolução social, incorporada nessa


passagem, já está presente na introdução de 1844 e se aprofunda nas Glosas
críticas. Na introdução de 1844, Marx já identifica o que seria uma revolução
“meramente política”

O sonho utópico da Alemanha não é uma revolução radical, a emancipação


humana universal, mas a revolução parcial, meramente política, a revolução
que deixa de pé os pilares do edifício. Em que se baseia uma revolução,
meramente política? No fato de que uma parte da sociedade civil se
emancipa e alcança o domínio universal; que uma determinada classe, a
partir de sua situação particular, realiza a emancipação universal da
sociedade. Tal classe liberta a sociedade inteira, mas somente sob o
pressuposto de que toda sociedade se encontre na situação de sua classe,
portanto, por exemplo, de que ela possua ou possa facilmente adquirir
dinheiro e cultura. (MARX, 2010, p. 154)

Certamente, essa passagem usa como exemplo a revolução burguesa, a


revolução que traz como elementos de privilégio de classe não mais a condição
estamental de nascimento, mas o “dinheiro e a cultura”. No essencial, porém, o autor

6
Filósofo e escritor político alemão ligado aos Jovens Hegelianos, jovens intelectuais, alunos e professores
universitários de Berlin que permaneceram ativos entre 1840 e 1845, utilizando o método de Hegel para tecer
críticas a religião e sociedade alemã.
18

coloca que uma revolução meramente política seria aquela que não atinge os
fundamentos da sociedade de classe. Ela eleva uma nova classe – ou uma fração
determinada de uma classe ou uma combinação de agrupamentos de classe - ao
poder e mantém intacta a divisão da sociedade em classes sociais. Nesse processo,
a classe que movimenta a sociedade no sentido da revolução faz com que as
massas se identifiquem “em exigências e direitos” com sua luta particular. A classe
que almeja o poder deve encarnar, nesse momento, os interesses universais; os
resultados objetivos de sua vitória, porém, se limitam à sua posição de classe.
Sob o ponto de vista do proletariado, o caráter social da revolução estaria
intimamente ligado aos seus interesses e necessidades mais profundos. A
radicalidade da revolução social estaria tão arraigada na constituição do proletariado
que possibilitariam ações instintivas dele no sentido de concretizá-la. Nesses termos
o entendimento político seria capaz de trair o instinto social.
Löwy cita como um elemento de relevância na composição da consciência do
proletariado certo instinto social desenvolvido pelas massas em luta. Ele afirma que
se desenvolve nelas uma

“consciência psicológica” constituída de um conjunto de aspirações e


desejos, um estado generalizado de revolta e insatisfação que se manifesta
numa forma conceitual rudimentar (canções, poemas, panfletos populares)
ou por explosões revolucionárias episódicas. (LOWY, 2012, p. 39)

Essas seriam manifestações do “instinto social” de que falava Marx, instinto o


qual, em determinados momentos, se oporia ao “entendimento político”, que poderia
levar as massas proletárias a interesses outros que não os de sua própria classe.
Nas Glosas críticas teremos um maior aprofundamento dessa questão, já com
nuances diferentes,

...uma revolução social encontra-se na perspectiva do todo – mesmo que


ocorra em um único distrito fabril – por ser um protesto do ser humano
contra a vida desumanizada, por partir da perspectiva de cada indivíduo
real, porque a comunidade contra cujo isolamento em relação a si o
indivíduo se insurge é a verdadeira comunidade dos humanos, a saber, a
condição humana. (MARX, 2010c, p. 50-51)

A revolução social atinge profundamente as bases da sociedade e, no caso


específico da revolução proletária, significa abalar a propriedade privada e o caráter
classista da sociedade. Na sociedade contemporânea, o seu significado tende a ser
19

o de uma revolução de caráter socialista. Ao contrário desta, uma revolução de


“alma política” seria uma revolução com caráter restrito, pois, segundo Marx, “... uma
revolução de alma política também organiza, em conformidade com a natureza
restrita e contraditória dessa alma, um círculo dominante na sociedade, à custa da
sociedade” (MARX, 2010c, p. 51). Não por acaso, Marx e Engels usam
constantemente o termo revolução social para se referirem à revolução proletária.
Nessa perspectiva, enquanto as revoluções burguesas esbarram no limite da classe
que a conduz sem ser capaz de generalizar as condições de existência da classe
burguesa a toda a sociedade, a revolução proletária só pode assumir um caráter
radical e, nesse sentido, possibilitar uma subversão extrema da ordem.
Em um contexto mais abrangente em relação aos termos, porém, Marx é
enfático: “Toda e qualquer revolução dissolve a antiga sociedade; nesse sentido, ela
é social. Toda e qualquer revolução derruba o antigo poder; nesse sentido ela é
política” (MARX, 2010c, p. 51).
Valeiro Arcary, seguindo a perspectiva de Marx, em seu livro “O martelo da
História” faz uma importante distinção entre revoluções políticas e revoluções
sociais; no enfoque do autor antes citado, “Revoluções sociais são aquelas nas
quais a derrubada do governo coincide com o deslocamento da classe dominante do
poder” (ARCARY, 2016, p. 23); enquanto uma revolução política:

...significa a queda abrupta dos governos odiados, e, simultaneamente, o


colapso do regime político, ou seja, da forma institucional que o Estado
assumia. Nada mais, mas também, nada menos: o poder não pode
continuar sendo exercido como antes. (ARCARY, 2016, p. 23)

Segundo as passagens vistas nas Glosas críticas, a revolução proletária teria


não somente um invólucro político mas também uma fibra essencialmente social.
Nenhum dos dois aspectos, porém, pode deixar de existir no avançar da luta do
proletariado no sentido da emancipação de sua classe e da humanidade.
Um aspecto da concepção marxiana de revolução que seria mostrado em mais
de um texto como um elemento de relevância é o caráter permanente da revolução.
A revolução proletária, por seus fundamentos, não poderia se restringir tanto em sua
caminhada rumo à tomada do poder por parte dos trabalhadores quanto em sua
extensão no sentido de abarcar os principais países desenvolvidos. A teoria da
revolução permanente, posteriormente acolhida e sistematizada por Leon Trotsky,
20

décadas depois de Marx, impulsiona a um dos debates mais importantes da


esquerda mundial. Na Mensagem do comitê central à liga dos comunistas 7, escrito
por Marx e Engels, essa questão já aparece com significativa relevância.

...é nossa tarefa tornar a revolução permanente até que todas as classes
proprietárias em maior ou menor grau tenham sido alijadas do poder, o
poder estatal tenha sido conquistado pelo proletariado e a associação dos
proletários tenha avançado, não só em um país, mas em todos os países
dominantes do mundo inteiro, em tal ponto que a concorrência entre os
proletários tenha cessado nesses países e que ao menos as forças
produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos dos proletários, para
nós, não se trata de modificar a propriedade privada, mas de aniquilá-la, não
se trata de camuflar as contradições de classe, mas de abolir as classes,
não se trata de melhorar a sociedade vigente, mas de fundar uma nova.”
(MARX, 2010c, p. 64)

As bases para a revolução proletária vitoriosa estariam no seu caráter


permanente. Marx liga o destino do proletariado alemão ao destino do proletariado
europeu e de seu mais desenvolvido protagonista: o proletariado francês. O destino
da revolução alemã não poderia se desvincular da superação das limitações da
burguesia nacional e das fronteiras que separavam seus trabalhadores dos
trabalhadores dos países mais desenvolvidos do continente. “Seu grito de guerra
deve ser: a revolução em permanência!” (MARX, 2010c, 75). Para Löwy, esse
documento traria

…a formulação mais explícita e coerente, na obra de Marx e Engels, da


ideia de revolução permanente, isto é, a instituição da possibilidade objetiva,
em um país “atrasado”, absolutista e “semifeudal” como a Alemanha, nessa
época, de uma articulação dialética das tarefas históricas da revolução
democrática e da revolução proletária, em um só processo histórico
ininterrupto. (LOWY 2010 apud MARX, 2010c, p. 18)

Embora a ideia de uma revolução em permanência esteja colocada de forma


muita enfática no documento em questão, e seja colocado novamente em outros
escritos, Löwy nos alerta de que existe no conjunto de escritos de Marx uma tensão

7
Documento interno da Liga dos Comunistas publicado em 1850. A Liga foi a Primeira organização
comunista internacional do proletariado, fundada em 1847 em Londres por Marx e Engels, a partir
da reorganização da Liga dos Justos, que fora uma associação de caráter secreto surgida na
década de 1830.
21

entre a ideia de revolução em permanência e etapismo 8. Para essa tensão, não


houve nos escritos marxianos uma resolução definitiva.
Em Luta de classes na França, livro que reúne escritos de 1849 a 1850, Marx
coloca novamente a identificação da revolução socialista como um processo
permanente. No referido livro, o socialismo revolucionário é referenciado da seguinte
forma:

Esse socialismo é a declaração da permanência da revolução, a ditadura


classista do proletariado como ponto de transição necessário para a
abolição de todas as diferenças de classe, para a abolição da totalidade das
relações de produção em que estão baseadas, para a abolição da totalidade
das relações sociais que correspondem a essas relações de produção, para
a convulsão da totalidade das ideias, que se originam dessas relações
sociais. (MARX, 2012, p. 138-139)

Sobre a questão, Löwy argumentaria que, nas ideias de Marx de 1848 a 1850,
estaria presente a ideia de revolução permanente como um processo dialético no
qual estariam ligadas as tarefas da revolução democrática e a revolução socialista
(LOWY 2010 apud MARX, 2010c, p. 18). Nesse momento, Marx parte da realidade da
Alemanha, que ainda estava longe de ser uma grande potência industrial e de ter
uma numerosa classe de trabalhadores industriais assalariados, mas não perde de
vista o desenvolvimento da Europa em seu conjunto e dos principais protagonistas
do processo de industrialização. A Alemanha de então não poderia ser vista de
forma isolada e, nesta perspectiva, o avançar do desenvolvimento da luta de classes
no solo alemão estava ligado ao desenvolvimento da luta no restante do continente.
Do mesmo modo o desenvolvimento político, econômico e social da Alemanha
poderia, de acordo com a ideia de Marx, encadear momentos distintos das
revoluções burguesa e proletária.
Esse seria basicamente o conceito que mais tarde seria defendido por Trotsky
e pelos trotskistas e que, aprofundado em alguns dos seus aspectos, foi um dos
polos da discussão com o estalinismo e os defensores do socialismo em só país.
Nesse momento, Marx expõe como uma necessidade que a revolução proletária
cumpra as tarefas postas pelo desenvolvimento de uma sociedade de caráter
burguês e se lancem de imediato, para além dela, em direção à concretização do

8
Etapismo seria a concepção de que, necessariamente, o processo revolucionário deveria passar
por determinadas etapas sucessivas e separadas enquanto fases distintas ou revoluções
distintas.
22

poder proletário e das tarefas históricas próprias do socialismo. Esse processo


também não pode se restringir ao terreno nacional, devendo estender-se, assumindo
o caráter de uma revolução global.
Nas palavras do teórico e revolucionário russo Leon Trotsky, em um de seus
mais conhecidos livros chamado A revolução permanente:

A revolução permanente, na acepção de Marx, significa uma revolução que


não transige com nenhuma forma de dominação de classe, que não se
detém no estágio democrático, e, sim, passa para as medidas socialistas e
a guerra contra a reação exterior, uma revolução para a qual cada etapa
está contida em germe na etapa precedente, e só termina com a liquidação
total da sociedade de classes. (TROTSKY, 2007, p. 62)

O filósofo e militante trotskista francês Daniel Bensaïd, debruçando-se sobre o


legado de Marx e a posterior contribuição de Trotsky em relação à revolução
permanente, afirmou:

A revolução é permanente em uma tripla acepção. Ela não reconhece


divisória entre seus objetivos políticos-democráticos e seus objetivos sociais
e não estagna a meio caminho entre a revolução burguesa e a proletária.
Não é um milagre surgido do nada, mas amadurece nas lutas cotidianas, na
acumulação de experiências vitoriosas ou derrotas, e se aprofunda, para
além da conquista do poder político, pela transformação radical das
relações de propriedade, organização e divisão do trabalho, das condições
de vida cotidiana. Enfim, iniciada no terreno nacional, não respeita fronteiras
e só se completa verdadeiramente ao se ampliar no espaço dos continentes
e do mundo. Ela é, ao mesmo tempo, ato, processo, ruptura e continuidade.
(BENSAÏD, 2013, p. 56)

Marx e Engels comparavam a burguesia, enquanto classe dominante, com a


figura de um “feiticeiro que não consegue controlar os poderes subterrâneos que ele
mesmo invocou” (MARX, 1997, p.13). A partir das revoluções burguesas, essa
classe colocou em movimento um conjunto de forças poderosas – técnicas,
tecnologias, novas formas de organização do trabalho, uso de novas fontes de
energia, ampliação do acesso à educação formal; no entanto, as forças sociais e
econômicas postas em movimento pela burguesia se tornam uma ameaça a ela
mesma e devem, por esse motivo, serem contidas, garantindo, dessa maneira, a
sobrevivência dessa sociedade. O desenvolvimento das forças que alimentam a
sociedade burguesa é o mesmo que, se incontido, segundo os autores, levariam à
destruição dessa sociedade. Para libertar essas forças represadas, que trazem
23

consigo tendências de superação do capitalismo enquanto modo de produção, é


necessária à ação revolucionária da classe proletária.
Assusta aos que não conhecem o modo como Marx trabalha a forma como ele
parece louvar o desenvolvimento capitalista logo na primeira parte do Manifesto do
Partido Comunista. É preciso que se compreenda, porém, que o capitalismo leva a
determinados extremos o desenvolvimento das forças e das relações de produção e,
pela primeira vez na história da sociedade de classes, abre a possibilidade da
emancipação humana e isso somente é possível a partir das bases dadas pelo
próprio desenvolvimento capitalista. Podemos afirmar que a substituição crescente
dos trabalhadores pela tecnologia, mudança na relação entre trabalho vivo e
trabalho morto, que se manifesta profundamente em nossos tempos, seria um
elemento importante, um indício da possibilidade de emancipação do trabalho; no
entanto, as relações de propriedade e as relações sociais engendradas pelo
capitalismo não permitem que a economia de tempo de trabalho gerado pelas
máquinas seja reapropriada pelos trabalhadores. Marx, em sua época, já captava o
germe dessas possibilidades em seu nascedouro e sabia que só poderiam ser
desenvolvidas plenamente em uma sociedade livre do jugo do capital.
A burguesia, como foi posto no Manifesto do Partido Comunista, não pode
sobreviver sem o desenvolvimento constante das forças de produção, contudo o
desenvolvimento dessas forças dentro do modo de produção e apropriação
capitalista tende a produzir crises econômicas recorrentes. A burguesia, então, para
dar vazão às necessidades crescente dessas forças, cria novos mercados, explora
mais intensamente os mercados mais antigos ou simplesmente destrói grande
quantidade das forças produtivas9, somente para que se abra espaço para de novo
recriá-las e manter então seu ciclo de produção/apropriação. Eis uma das grandes
contradições presentes no sistema capitalista: existe, por outro lado, as condições
para o desenvolvimento livre dessas forças produtivas. Existem tendências para a
manutenção de seu desenvolvimento para além do capitalismo; todavia, a
sobrevivência do modo de produção capitalista se equilibra entre o desenvolvimento
dessas forças e a destruição constante destas. Os mecanismos socioeconômicos
que possibilitariam amplamente o desenvolvimento dessas forças produtivas
colocam em cheque a existência da propriedade burguesa. A centralização dos

9
Manifesto do Partido Comunista.
24

meios de produção e a socialização do trabalho, por exemplo, são tendências dentro


do sistema capitalista que só podem ser destravadas com a queda da classe
burguesa e da tomada do poder por parte dos trabalhadores.
Em 1859, Marx escreve sua Contribuição à crítica da economia política, livro
em que ele aprofunda suas pesquisas no campo da economia, sendo este o escrito
precedente a O Capital. Em sua introdução, podemos encontrar uma passagem
muito conhecida que liga diretamente o contexto da revolução social ao
desenvolvimento das relações materiais de existência e suas contradições:

Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da


sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes,
ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade no seio das quais elas haviam se desenvolvido até então. De
formas evolutivas das forças produtivas que eram essas relações se
convertem em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social.
(MARX, 2008, p. 49)

O aguçamento das contradições inerentes à sociedade capitalista, uma


tendência dessa mesma sociedade, possibilitaria a abertura de uma época
revolucionária. Segundo o autor, no referido texto, a revolução social só se coloca
como horizonte quando existe uma possibilidade concreta dada pelo
amadurecimento das contradições da base material de existência: é o momento em
que as pessoas tomam consciência dessas contradições através das
transformações ocorridas nas “formas ideológicas” em que se expressam essas
mudanças. O próprio modo de produção capitalista engendra, dentro de si mesmo, o
embrião de uma nova sociedade, porém somente a revolução é capaz de destruir os
entraves para o livre desenvolvimento desta. Assim, as contradições internas do
sistema capitalista provocam o desenvolvimento de uma época de revoluções
sociais e estas, levadas a cabo e a termo, levam à destruição do sistema, libertando
as forças produtivas de seus entraves e fazendo surgir uma nova forma de
organização da sociedade. Nas palavras do autor, já em sua mais conhecida obra, O
capital, aponta-se essa tendência:

...aumenta a massa da miséria, opressão, servidão, degeneração,


exploração, mas também a revolta da classe trabalhadora, cada vez mais
numerosa, é instruída, unida e organizada pelo próprio mecanismo do
processo de produção capitalista. O monopólio do capital se converte num
entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sobre ele. A
centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem
25

um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista.


Arrebenta-se o entrave. Soa a hora derradeira da propriedade privada
capitalista, e os expropriadores são expropriados. (MARX, 2013, p. 832)

As próprias contradições do capital geram de um lado uma enorme riqueza


social que é apropriada por poucos, os donos dos meios de produção, por outro
lado, produzem uma grande miséria material e “espiritual” que toma conta da maioria
dos homens e mulheres, as grandes massas trabalhadoras. Em seu processo de
desenvolvimento, essas contradições produzem tanto as condições para a
superação do capitalismo como a classe capaz de efetivar o processo revolucionário
que pode derrubar pela base toda a sociedade de classes. Marx ainda afirma a
diferença profunda entre todas as revoluções anteriores - e especificamente as
revoluções burguesas - e a revolução social proletária: “Tratava-se ali da
expropriação da massa do povo por poucos usurpadores; aqui trata-se da
expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo” (MARX, 2013, p. 833).
Pela primeira vez, dar-se-ia uma revolução capaz de destituir poucos em benefício
de muitos e, em última instância, em benefício da humanidade.
Voltando à citação anterior, podemos destacar um importante elemento que
rendeu fervorosos debates acerca do desenvolvimento do capitalismo e da abertura
de uma era de revoluções sociais: a perspectiva do aumento progressivo da
exploração e empobrecimento dos trabalhadores sob o capitalismo. Essa seria uma
tendência apontada por Marx em vários textos e especialmente em O capital, o que,
segundo vários de seus críticos, não se confirmaria diante de conquistas
conseguidas pelo proletariado em uma parte do mundo industrializado e mesmo pela
desigualdade que permite vantagens em países "centrais" em detrimento do alto
grau de exploração e pauperismo nos países periféricos, por exemplo. Aqui cabe um
parêntese. As contradições apontadas por Marx dizem respeito à história de longo
prazo, correspondem a toda uma época histórica na qual o capitalismo, como modo
de produção, mostra-se em toda a sua incongruência histórica, em toda a sua
incompatibilidade social e em todas as suas convulsões. Isso não quer dizer que o
capitalismo, em determinados setores e por um determinado tempo, não possa
apresentar patamares de crescimento. Acontece que esses patamares de
crescimento não invertem o curso histórico geral do sistema. Do mesmo modo, as
concessões que, momentaneamente, certas economias podem propiciar aos
trabalhadores não alteram a massa de miséria geral na qual se encontra a classe
26

trabalhadora como um todo. O mais importante é entender que o capitalismo não se


inclina e cai de maduro. Ele precisa ser derrubado. Só uma revolução social pode
fazer tombar esse modo de produção, malgrado as suas dificuldades e contradições.
As condições históricas da revolução não significam o mesmo que triunfo histórico
da revolução. Os levantes promovidos pelos trabalhadores, em meio ao aumento da
miséria, da opressão, da degeneração e da exploração do capital sobre o trabalho,
não raro, são derrotados, e ressurgem depois, e continuarão ressurgindo enquanto a
história humana estiver assentada no antagonismo mortal entre capitalistas e
proletários. Em sentido geral, esse é o ponto de vista marxiano.
Desenvolvendo esse raciocínio, ainda em O capital, Marx Afirma: "De todas as
classes que, hoje em dia, defrontam a burguesia, só o proletariado é uma classe
realmente revolucionária" (MARX, O capital). Não é, então, que os únicos confrontos
da luta de classes em curso dentro do capitalismo sejam as lutas do proletariado
contra a burguesia. Diversas classes se colocam em luta contra a classe dominante:
a própria classe dominante tem lutas intestinas; do que se trata, é que a única classe
com um potencial revolucionário em nossa época, seguramente, é o proletariado.
Ele é a única classe capaz de lançar pelos ares as bases da sociedade de classes
pela própria posição que ocupa na sociedade capitalista. Esse é um elemento
fundamental na concepção de revolução em Marx. Desse modo,

...Nas condições de vida do proletariado encontram-se condensadas todas


as condições de vida da sociedade atual naquilo que elas podem ter de
mais desumano. No proletariado, o homem perdeu a si mesmo; mas
adquiriu ao mesmo tempo a consciência teórica dessa perda; ademais a
miséria que ele não pode mais evitar nem disfarçar, a miséria que lhe é
imposta inevitavelmente – expressão prática da necessidade – obrigando-o
a se revoltar diretamente contra tal desumanidade; é por isso que o
proletariado pode, e deve, necessariamente, libertar-se a si mesmo. Ora,
ele não pode libertar-se a si mesmo sem abolir suas próprias condições de
vida, sem abolir todas as condições de vida desumanas da sociedade atual,
resumidas pela sua própria situação. (MARX; ENGELS, 2001, p. 38)

A condição tendencial de sujeito revolucionário atribuída ao proletariado é fruto


da sua posição e condição de existência dentro da sociedade capitalista. O
proletariado somente existe como classe destituída de propriedade - dos meios de
produção e de si mesmo em determinada medida - já que tem de se colocar à
disposição do capitalista na condição de trabalhador assalariado, perdendo o
domínio de sua própria força de trabalho, propriedade do empregador. Ele é a
27

oposição materializada da propriedade privada. Sua emancipação depende,


necessariamente, da destruição das bases da sociedade burguesa e da sociedade
de classes.
Na segunda metade do século XIX, um acontecimento radical abala as
relações políticas e sociais de um dos países capitalistas mais poderosos da
Europa: a França, a qual vê surgir - diante do olhar estarrecido de sua burguesia - a
Comuna de Paris. Este veio a ser um dos acontecimentos mais significativos da luta
de classes daquele século, no velho mundo. A Comuna é reconhecida como o
primeiro governo operário da História e, fundada em março de 1871, durou cerca de
setenta dias (18 de março a 28 de maio). Foi estabelecida com base na resistência
dos operários parisienses ante a invasão prussiana e a capitulação do governo
francês à Prússia.
A população parisiense havia sido armada para defender o país da invasão,
mas a vitória prussiana e a vergonhosa postura do governo e da classe dominante
diante do desfecho da guerra fizeram com que se exacerbasse a animosidade
rebelde da população parisiense em armas. Como disse Marx: “Paris não podia ser
defendida sem armar sua classe trabalhadora, organizando-a em uma força efetiva e
treinando suas fileiras na própria guerra. Mas Paris armada era a revolução armada”
(MARX, 2011, p. 35). Os communards assumiram então o controle da cidade e
organizaram a resistência à Prússia e ao governo francês e estabeleceram a
administração de um governo de trabalhadores livres. Pela primeira vez, a classe
trabalhadora assumia diretamente o controle do Estado, tomando medidas no
sentido de garantir a emancipação da classe produtora.

...a revolução é feita em nome e assumidamente para as massas populares,


isto é, para as massas produtoras, essa é uma característica que diferencia
essa revolução de todas as suas predecessoras. O novo elemento é que o
povo, após o primeiro levante, não desarmou a si mesmo e entregou seu
poder nas mãos dos velhacos republicanos das classes dominantes; ao
constituir a comuna, tomaram o comando de sua revolução em suas
próprias mãos e, ao mesmo tempo, encontraram, em caso de sucesso, os
meios para mantê-lo nas mãos do próprio povo, substituindo a máquina
estatal, a maquinaria governamental das classes dominantes, por uma
maquinaria estatal própria. (MARX, 2010, p. 138).

Embora não tivesse tido tempo de aprofundar medidas necessárias para o


avanço progressivo da revolução, as medidas iniciais da Comuna foram
extremamente significativas:
28

A forma finalmente encontrada do poder político próprio da revolução


proletária rompe os limites da forma republicana burguesa em vários
pontos. Os trabalhadores assumem o controle das oficinas e de toda a vida
na cidade, abolindo a propriedade privada; os salários são todos
equiparados ao salário médio de um operário; o voto se universaliza,
inclusive com a participação ativa das mulheres, é organizado por distritos e
os representantes eleitos formam a Comuna. Esta não é um órgão apenas
“legislativo”, mas cada comunardo, ao discutir e deliberar sobre um
problema, tem que se organizar para resolvê-lo, superando a velha e
aparente insolúvel contradição entre poderes legislativos e executivos. Os
mandatos eram todos, a qualquer momento, revogáveis pelos distritos que
os elegeram. Arma-se todo o povo, eliminando a separação entre população
e um corpo armado. (IASI, 2010, p. 33)

A Comuna de Paris foi o experimento mais próximo de uma revolução


proletária vitoriosa que Marx chegou a conhecer e isso imprimiu na teoria marxiana
da revolução conclusões importantíssimas. Até então, Marx não teria efetivamente
formulado ideias consistentes sobre a questão do Estado. Esse acontecimento
histórico possibilitou uma demonstração prática dos problemas concretos do
proletariado revolucionário diante do Estado burguês e as necessidades e
possibilidades de sua superação. Segundo Lênin, o contato com a Comuna teria
levado Marx e Engels a propor uma “modificação essencial” no Manifesto do Partido
Comunista, embora o documento fosse caracterizado pelos dois como um
documento histórico e que, no seu conjunto, devesse ser mantido como na
formulação original. Como consta no prefácio escrito pelos dois autores pouco
tempo depois da derrota dos communards em 1872,

Em certos pontos, esse programa está antiquado, levando-se em conta o


desenvolvimento colossal da indústria moderna desde 1848, os processos
correspondentes da organização da classe operária, a experiência prática
adquirida, primeiramente na revolução de fevereiro e, mais ainda, na
Comuna de Paris, na qual coube ao proletariado, pela primeira vez, a posse
do poder político durante quase dois meses. A Comuna demonstrou,
especialmente, que “não basta que a classe trabalhadora se apodere da
máquina estatal para fazê-la servir aos seus próprios fins”. (MARX, 2010, p.
72)

A afirmação posta no prefácio de 1872 é enfática: Não é possível ao


proletariado utilizar das estruturas erguidas pela burguesia para sua dominação
classista: ele deve destruir essa estrutura e construir algo em seu lugar, e, dessa
maneira, o poder político do proletariado somente pode consolidar-se com a
destruição da máquina burguesa e a constituição de um novo aparato de Estado que
reflita seus interesses de classe.
29

Lênin, em seu O Estado e a Revolução, afirma que as lições da Comuna de


Paris foram fundamentais para o pensamento de Marx.

Marx não se contentou em entusiasmar-se com o heroísmo dos


comunardos, "tomando o céu de assalto” segundo a sua expressão. Muito
embora o movimento revolucionário das massas falhasse ao seu objetivo,
Marx viu nele uma experiência histórica de enorme importância, um passo
para a frente na revolução proletária universal, uma tentativa prática mais
importante do que centenas de programas e argumentos. Analisar essa
experiência, colher nela lições de tática e submeter à prova a sua teoria, eis
a tarefa que Marx se impôs. (LENIN, 2010, p. 58)

A comuna foi uma experiência que teve efeitos profundos sobre o que Marx
teorizava acerca da concretização da revolução social proletária. Por meio da
Associação Internacional dos Trabalhadores, ele teve contato com os
acontecimentos parisienses; afinal, a Internacional teve muitos de seus membros
como participantes ativos na vanguarda do movimento da Comuna. Como membro
da internacional, Marx voltou-se para o que se desenrolava em Paris, incidiu sobre o
movimento por meio da internacional e dele tirou importantes lições quanto às
necessidades da luta dos trabalhadores no sentido da concretização de sua
emancipação política e social. Acompanhando a movimentação dos communards,
Marx colocava à prova muito do que havia escrito até aquele momento e, mediante a
experiência da Comuna, ele pode compreender mais profundamente o papel do
Estado diante da luta de classes, assim como o papel dos revolucionários diante do
Estado. Se, até então, não havia uma experiência concreta que pudesse fazer com
que Marx desse uma definição quanto ao que fazer em relação à máquina de Estado
quando esta houvesse de cair nas mãos do proletariado, agora os communards
possibilitaram o surgimento dessa referência. Sem utopismos, como afirmara Lênin,
Marx recolheu do movimento real do proletariado as reflexões necessárias à sua
teoria.
Se, na pouco expressiva revolta dos tecelões silesianos, Marx conseguiu
enxergar tendências profundas do movimento revolucionário do proletariado, na
experiência da Comuna, ele foi capaz de observar, no calor dos acontecimentos, a
confirmação de várias de suas assertivas e o desenvolvimento da luta revolucionária
contra o Estado burguês. É na práxis revolucionária que Marx coloca em teste sua
teoria. Desta, ele aponta para possibilidades futuras da luta, mas somente a partir do
momento em que estas já, de alguma forma, estão colocadas no plano da luta de
30

classes. Os communards colocam na ordem do dia a destruição do Estado burguês


e a substituição de suas instituições por novas instituições representativas das
necessidades de organização e poder do proletariado. No calor da luta, os
revolucionários demonstraram que os trabalhadores eram capazes de administrar e
fazer funcionar a cidade. Mais que isso: deram sinais da possibilidade de novos
tempos, que alguns poucos, como Marx, mostraram-se capazes de compreender.
Seguindo o que o autor escreveu antes, durante e depois dos acontecimentos
da Comuna, resolutamente, podemos reconhecer, na atuação dos revolucionários
franceses, a tentativa de concretização da autoemancipação do proletariado e a
construção do sujeito e do projeto revolucionário na própria luta. Como afirmara
Marx,

Os trabalhadores não têm nenhuma utopia já pronta para introduzir par


décret du peuple. Sabem que, para atingir sua própria emancipação, e com
ela essa forma superior de vida para a qual a sociedade atual, por seu
próprio desenvolvimento econômico, tende irresistivelmente, terão de
passar por longas lutas, por uma série de processos históricos que
transformarão as circunstâncias e os homens. Eles não têm nenhum ideal a
realizar, mas sim querem libertar os elementos da nova sociedade dos quais
a velha e agonizante sociedade burguesa está grávida. (MARX, 2011, p. 60)

Nessa passagem, Marx retoma o que já há muito havia afirmado nas teses
sobre Feuerbach: a transformação dos “homens” e das circunstâncias que o formam
não estão de maneira alguma dissociadas ou colocadas em momentos separados e
estanques; na realidade, são partes de um mesmo processo complementar e
dialético. Os seres humanos e as circunstâncias transformam-se conjuntamente. A
práxis revolucionária compõe-se na integração da transformação do ser humano que
age no sentido de transformar sua realidade e da realidade transformada que incide,
por sua vez, na transformação do ser humano.
É importante enfatizarmos dois elementos supostamente contraditórios nessa
passagem: a tendência irresistível do desenvolvimento histórico e a necessária luta
dos trabalhadores para destruir a velha sociedade e possibilitar o desenvolvimento
de uma nova sociedade. Marx volta a colocar que, dentro da sociedade burguesa de
sua época, já se desenvolvem os elementos necessários para o surgimento do
comunismo; porém somente o que pode libertar essas forças sociais e econômicas é
a ação revolucionária do proletariado. Sobre essa tensão entre ideia de
inelutabilidade da vitória do socialismo e da possibilidade de vitória a partir da luta e
31

da ação consciente - o socialismo como possibilidade e não como uma certeza -


muito se debateu e continua sendo debatido no campo do marxismo. A obra e a vida
de Marx, no entanto, foi voltada para a concretização da revolução do proletariado e
para a emancipação humana. Teria sentido tamanho esforço diante do inevitável?
Quanto mais nos aproximamos das obras marxianas de caráter histórico, mais
vemos o elemento da atividade humana consciente como elemento de primeira
ordem nos escritos do autor. Obras como O 18 de Brumário de Luís Bonaparte e A
guerra civil na França são exemplares nesse sentido.
A Comuna demonstra, na prática, o que Marx havia elaborado já há algum
tempo, no campo da teoria e aponta para elementos que ele não ousaria postular
antes de uma confirmação objetiva, sob o risco de cair no utopismo. As massas de
trabalhadores parisienses assumiram o controle do Estado e das próprias vidas
como trabalhadores e membros da sociedade. Estiveram durante pouco mais de
dois meses gerindo Paris de uma forma que a burguesia, até então, não imaginava
ser possível. Os membros da Comuna, diante das necessidades e possibilidades
colocadas, lançaram-se a uma experiência que os levou a constituir alternativas para
a superação de diversos entraves colocados pela sociedade capitalista. Marx
encontrou na Comuna uma fórmula simples para a consolidação da emancipação
social:

Eis o verdadeiro segredo da Comuna: era essencialmente um governo da


classe operária, o produto da luta de classe produtora contra a classe
apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito a
emancipação econômica do trabalho. (MARX, 2011, p. 59)

A Comuna, em sua própria existência, colocava uma questão fundamental da


luta de classes, a questão da tomada do poder de Estado. Até então, “Todas as
reações e todas as revoluções serviram tão somente para transferir esse poder
organizado – essa força organizada da escravização do trabalho – de uma mão para
outra, de uma fração das classes dominantes para outra” (MARX, 2011, p. 127).
Essa experiência, até então ímpar, no entanto, foi

Uma revolução, não contra essa ou aquela forma de poder estatal, seja ela
legítima, constitucional, republicana ou imperial. Foi uma revolução contra o
Estado mesmo, este aborto sobrenatural da sociedade, uma reassunção,
pelo povo e para o povo da sua própria vida social. Não foi uma revolução
feita para transferi-lo de uma fração das classes dominantes para outra,
32

mas para destruir essa horrenda maquinaria da dominação de classe ela


mesma. (MARX, 2011, p. 127)

A singularidade/universalidade desse movimento apontava para um fato


fundamental: ele demonstrou que não era possível ao proletariado apenas se
apossar da máquina do Estado constituído, pois esta fundamentalmente existia para
a dominação classista, uma vez que foi construída em sua performance histórica e
aperfeiçoada no decorrer da luta de classes para a manutenção da escravidão do
trabalho assalariado. Assim sendo, a máquina de dominação burguesa deveria ser
destruída e, de seus escombros, criados os mecanismos de poder dos
trabalhadores. Se, sob o modo de produção capitalista, a alienação do trabalho
chegou a seu ponto mais alto, a revolução proletária anunciada pela Comuna seria,
então, um modo de a sociedade se reapropriar das suas forças, retomar o controle e
o usufruto destas em benefício da classe trabalhadora e em benefício de toda a
humanidade. A tomada de poder por parte dos trabalhadores da Comuna
possibilitou, por um lado, o controle dos trabalhadores das forças econômicas e
sociais produzidas por seu próprio trabalho; por outro lado, possibilitou, também, que
o Estado burguês com sua grande estrutura parasitária fosse interinamente vencido.
Essas forças seriam então colocadas a serviço da sociedade, daqueles que as
produzem. A comuna representou

…a reabsorção, pela sociedade, pelas próprias massas populares, do poder


estatal como suas próprias forças vitais em vez de forças que as controlam
e subjugam, constituindo sua própria força em vez de força organizada de
sua supressão. (MARX, 2011, p. 129)

Atentando para a análise e as conclusões de Marx acerca da Comuna de Paris,


Lênin afirmou:

Não há a menor parcela de utopismo em Marx. Ele não inventa, não


imagina, já prontinha, uma sociedade “nova”. Não, ele estuda, como um
processo de história natural, a gênese da nova sociedade saída da antiga,
as forças intermediárias entre uma e outra. Baseia-se na experiência do
movimento proletário e esforça-se por tirar delas lições práticas. “Vai à
escola” da Comuna, como todos os grandes pensadores revolucionários
que não hesitaram em entrar na escola dos grandes acontecimentos da
classe oprimida... (LÊNIN, 2007, p. 69)
33

Nessa passagem de seu livro O Estado e a revolução, Lênin coloca em relevo


a relação da teoria marxiana com o movimento objetivo do proletariado, pois Marx
apreende com o movimento real dos trabalhadores, observa as tendências e
possibilidades colocadas por tal movimento, mas não cai na armadilha do
utopismos: não cria projeções para a sociedade futura, para a possível sociedade
advinda da revolução proletária. Defendendo uma visão científica da História, Marx
não poderia simplesmente imaginar uma nova Icária ou uma nova Utopia10; era
necessário aprender com o movimento real da luta de classes, com o
desenvolvimento da luta dos trabalhadores, suas derrotas e suas vitórias. De tudo
isso emergia tendências que poderiam ser confirmadas ou descartadas pelo
desenvolvimento histórico. Era necessário o estudo minucioso dessas tendências
para poder agir no sentido de potencializar o desenvolvimento da sociedade e da
luta dos trabalhadores.
No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels ainda não haviam
encontrado a experiência histórica que definiria suas ideias quanto ao papel do
proletariado diante da máquina estatal. Segundo Lênin, antes de 1871 essas
formulações aparecem vagas, ganhando contornos mais claros somente no
desenvolvimento da luta parisiense. Quando Marx se depara com a Comuna de
Paris, ele se depara com a necessidade da luta do proletariado de, para avançar no
sentido de garantir seu poder e conquistar a emancipação do trabalho, destruir o
aparato de Estado burguês, um processo que a Comuna somente inicia; mas que
não pode aprofundar por conta de seu curto tempo de vida. Os direcionamentos
dados à política da efêmera República Social de Paris, porém, vão nesse sentido.
“Paris hasteou a bandeira do gênero humano!”
As revoluções que Marx, em seu tempo, viu se desenvolverem e, uma após
outra, serem derrotadas tiveram um importante papel para o proletariado europeu no
sentido de fazer avançar a experiência da classe trabalhadora. As jornadas de junho
de 184811 na França são exemplos das lições que a luta de classes impôs ao
proletariado,

10
Icária foi uma comunidade socialista cristã imaginaria descrita por Étienne Cabet em seu livro
Viagem à Icária. Utopia foi a sociedade ideal criada por Thomas Morus em seu livro de mesmo
nome.
11
Em 1848, ocorreu na Europa central e oriental uma série de movimentos revolucionários
colocando-se contra os vestígios do absolutismo. O Conjunto desses movimentos ficou conhecido
como Primavera dos povos.
34

…só a derrota o convenceu da verdade de que uma melhoria de sua


situação, por menor que fosse, permaneceria uma utopia dentro da
republica burguesa, uma utopia que se converteria em crime assim que
fizesse menção de se tornar realidade. As exigências exuberantes quanto à
forma, mesquinhas e até mesmo burguesas quanto ao conteúdo, que o
proletariado quis espremer da república de fevereiro deram lugar à ousadia
da palavra de ordem revolucionária: Derrubar a burguesia! Ditadura da
classe operária! (MARX, 2012, p. 64)

As lutas travadas pelo proletariado, assim como suas derrotas, abriram


caminho para se colocar a questão da revolução social. Na França, Marx diria que a
bandeira tricolor, banhada no sangue do proletariado teria se transformado na
bandeira vermelha da revolução. A morte da revolução de junho de 1848, colocava a
necessidade de uma nova revolução que se espalhasse para além do território
francês, transformando-se em uma revolução proletária de caráter continental.
Conclamaria Marx: “A revolução está morta! - Viva a revolução! ”. 12
Apesar dos erros táticos, dos equívocos diversos que podem ter contribuído
para essas derrotas, uma questão levantada pelo autor mostra-se de extrema
relevância e vai pesar sobre diversas das revoluções posteriores, sendo, inclusive,
um eixo dos debates que pautaram a ação dos revolucionários russos no início do
século XX. Estariam as condições objetivas maduras para o advento da revolução?
Sobre o período revolucionário situado entre 1848 e 1851, Marx diria que não.
Quando os revolucionários franceses desse período chegaram próximos do poder,
acabaram por ser derrotados pela classe dominante e pelas condições objetivas da
luta: o ímpeto da classe trabalhadora não foi suficiente, como explicita nessa
passagem do 18 de Brumário de Luiz Bonaparte quanto ao estabelecimento da
segunda república francesa:

…Tendo-a conquistado de armas na mão, o proletariado imprimiu-lhe sua


chancela e proclamou-a uma república social. Indicava-se, assim, o
conteúdo geral da revolução moderna, conteúdo esse que estava na mais
singular contradição com tudo o que, com o material disponível, com o grau
de educação atingido pelas massas, dadas as circunstâncias e condições
existentes, poderia ser imediatamente realizado na prática. (MARX, 1997, p.
28)

As tentativas foram muitas, mas em contextos em que não se fazia possível o


estabelecimento de uma revolução vitoriosa: as vitórias das revoluções proletárias
somente se fazem possíveis diante das condições objetivas amadurecidas. Todas as

12 Karl Marx, As lutas de classes na França (São Paulo: Boitempo Editorial, 2012).
35

experiências anteriores do proletariado encontram, além de todos os empecilhos


possíveis à sua vitória, a impossibilidade de se concretizarem antes que essa
possibilidade estivesse dada pelo próprio desenvolvimento da economia, da
sociedade e da luta de classes. Esse é um poderoso argumento que foi posto em
questão em meio a vários debates, assim como diante de processos revolucionários
que avançaram em regiões que ainda não tinham um desenvolvimento a nível dos
países europeus mais avançados. O marxista sardo, Antônio Gramsci, por exemplo,
tratando da Revolução Russa de 1917 irá afirmar que essa seria uma revolução
contra O Capital, pois estaria em desacordo com os prognósticos mais gerais de
Marx em sua obra máxima. Gramsci chegou a aventar a hipótese de que a
revolução que conduziu o proletariado ao poder na Rússia deu-se contra as
previsões de Marx e contra toda a lógica de O capital.
Aqui devemos levar em conta a genialidade da hipótese gramsciana, e, ao
mesmo tempo, o seu pouco conhecimento, à época, seja da obra O capital, seja do
conjunto da obra marxiana. A genialidade da hipótese gramsciana está na admissão
da aplicação criativa e aberta do legado marxiano, arquitetada por Lênin, Trotsky e
pelos bolcheviques.
Em seu texto dizia Antônio Gramsci:

Os fatos superaram as ideologias. Os fatos fizeram explodir os esquemas


críticos dentro dos quais a história da Rússia deveria se desenvolver
segundo os cânones do materialismo histórico. Os Bolcheviques renegam
Karl Marx: afirmam – e com testemunho da ação explícita, das conquistas
realizadas – que os cânones do materialismo histórico não são tão férreos
como poderia se pensar e se pensou. (GRAMSCI, 2012, p. 252)

Gramsci, com fundamento em sua análise da revolução russa, afirma que os


bolcheviques teriam renegado aos elementos deterministas de O Capital, quando
ousaram concretizar uma revolução proletária em um país semifeudal, um país que
ainda não havia sequer concretizado sua revolução burguesa. Gramsci faz nesse
momento a crítica ao esquema pensado como necessário ao desenvolvimento das
sociedades. Para ele, a “vontade”, a iniciativa bolchevique, refutou o que se pensava
ser a linha de desenvolvimento obrigatória das sociedades rumo à superação do
capitalismo. Apesar desse fato, os revolucionários russos viveram o pensamento
“imanente” e “vivificador” de Marx e do marxismo que colocava em primeiro plano a
ação humana consciente,
36

...esse pensamento põe sempre como fator da história, não os fatos


econômicos, brutos, mas o homem, a sociedade dos homens, dos homens
que se aproximam uns dos outros, entendem-se entre si, desenvolvem por
meio desses contatos (civilização) uma vontade social, coletiva, e
compreendem os fatos econômicos, e os julgam, e os adequam a sua
vontade, até que essa vontade se torne o motor da economia, a plasmadora
da realidade objetiva, a qual vive, e se move, e adquire o caráter de matéria
telúrica, que pode ser dirigida para onde a vontade quiser, de modo como a
vontade quiser. (GRAMSCI, 2012, p. 252)

Diante da tensão existente entre a determinação econômica e o peso da ação


consciente dos sujeitos revolucionários, Gramsci enxerga na atuação humana o
elemento decisivo da revolução e vê isso virtualmente em oposição ao conteúdo de
O Capital.
Voltando ao que Marx escreveu, podemos ver, no entanto, um encadeamento
complexo entre o desenvolvimento econômico e suas consequências e a atuação
humana em relação ao seu próprio destino. O desenvolvimento das forças
produtivas, da dominação de classes e da própria luta, em alguns momentos, parece
lançar um desafio: as possibilidades se abrem, tendências se colocam, mas
somente a atuação do sujeito seria decisiva para a concretização da ruptura com a
sociedade vigente.

As revoluções proletárias, como as do século XIX, se criticam


constantemente a si próprias, interrompem continuamente seu curso, voltam
ao que parecia resolvido para começá-lo outra vez, escarnecem com
impiedosa consciência as deficiências, fraquezas e misérias de seus
primeiros esforços, parecem derrubar seu adversário apenas para que esse
possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado,
diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus
próprios objetivos até que se cria a situação que torna impossível qualquer
retrocesso e na qual as próprias condições gritam: Hic hodes, hic salta! Aqui
está Rodes, salta aqui! (MARX, 1997, p. 28)

As condições gritam! O que fazer diante do desafio colocado pelas próprias


condições, no entanto, não está dado: é algo a ser definido pela luta de classes e
pelo movimento concreto de homens e mulheres. Todos os textos históricos de Marx,
nos quais podemos observar mais de perto o desenvolvimento das perspectivas
teóricas do autor diante dos fatos, denotam a importância do desenvolvimento da
luta política a partir da ação consciente em relação à concretização da revolução:
“Aqui está Rodes, salta aqui!”. Pode-se saltá-lo ou não, uma vez que as
possibilidades se oferecem na dinâmica do desenvolvimento histórico. O que serão
feitas das possibilidades é algo que, de antemão, não se pode definir.
37

Em uma das mais conhecidas passagens de Marx, ele reafirma que

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua própria escolha e sim com aqueles que
se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição
de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos. (MARX, 1997, p. 21)

Essa é a mais emblemática passagem dos textos de Marx no que se refere ao


papel da ação consciente do ser humano diante dos desafios da História. Ela aponta
para uma relação dinâmica entre o “determinismo” e a liberdade humana de agir
diante dos elementos determinados da realidade no qual está inserida. Nem
determinismo econômico-social, nem liberdade absoluta: os seres humanos, suas
classes ou indivíduos estariam colocados numa condição de tensão entre um e
outro.
O passado se apresenta ao ser humano, agente histórico, dando a este os
parâmetros sobre os quais se desenvolve a vida cotidiana e a luta de classes. Marx
afirmara que todas as revoluções que antecederam a maturação do movimento
operário europeu utilizaram de importantes referências pretéritas para pautar sua
luta. Cada uma das revoluções passadas utilizou dessas referências. Até aí as
revoluções se remeteram às revoltas ou revoluções do passado para, ironicamente,
se guiarem em relação ao futuro.

...justamente quando parecem estar empenhados em revolucionar-se a si


mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas
épocas de crise revolucionária, os homens conjuram temerosamente a
ajuda dos espíritos do passado, tomando emprestados os seus nomes, as
suas palavras de ordem, seu figurino, a fim de representar, com essa
venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo,
as novas cenas da história mundial. (MARX, 2012, p. 59)

Para o autor, drasticamente, as revoluções burguesas “tomaram de


empréstimo” referências da Antiga Roma; assim como as revoluções proletárias, em
seu período de imaturidade, pegaram de empréstimo as referências das revoluções
burguesas. Com o amadurecimento do proletariado revolucionário e das próprias
condições objetivas da luta essas referências se mostrariam não serem as mais
adequadas: o proletariado que “retirou sua poesia do passado” deveria, a partir de
então, “retirar sua poesia do futuro”. As projeções dadas, a começar das tendências
já postas pelo desenvolvimento da sociedade, seriam então suficientes para que os
38

trabalhadores pudessem abandonar suas referências nas revoluções passadas e


pudessem se lançar rumo ao futuro, para a constituição de uma nova sociedade em
relação à qual as revoluções do passado e, principalmente, a revolução burguesa,
não seriam uma referência adequada.
A radicalidade da revolução proletária a coloca em um patamar diferente das
revoluções ocorridas até então, até mesmo das revoluções burguesas, que, como
descreveram Marx e Engels, foram capazes de gerar mudanças jamais vistas,
tremendamente potentes em profundidade e extensão. A revolução proletária seria
ainda mais radical, posto que teria como finalidade a abolição da dominação de
classes em si. Se as revoluções até então haviam provocado quedas de governos,
destituição do poder de determinadas classes sociais ou as mudanças dos modos
de produção; a revolução proletária poria fim à divisão da sociedade em classes
sociais. Nisso, a dominação de classes, que sobreviveu às revoluções precedentes,
posta abaixo, descortinaria a historicidade de relações sociais e as relações que
apareceriam até então como naturais diante da sua longa permanência na historia
da humanidade seriam desveladas e compreendidas não mais como parte na
“natureza humana”, mas, de relações históricas concretas, assim sendo, passiveis
de transformação.
Marx e Engels afirmam que existem ideias que aparentam ser eternas,
perpassando várias épocas, mantendo-se de pé diante dos períodos de
transformação da sociedade. Essas ideias, no entanto, estão ligadas à continuidade
do caráter classista da sociedade e da exploração de uma classe pela outra. A
eliminação do antagonismo de classe seria, então, capaz de abolir, também, essas
ideias que se apresentam em nossa sociedade como “verdades eternas”.

A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações de


propriedade remanescentes. Não é de se espantar que, em seu
desenvolvimento, rompa-se, de modo mais radical com as ideias do
passado. (MARX, 1997, p. 27)

A radicalidade da revolução proletária, ao pôr abaixo a divisão da sociedade


em classes sociais, seria capaz de abalar tão profundamente as relações
econômicas e sociais que, em consequência disso, poderiam as ideias tidas como
verdades absolutas, ideias vistas até então como desprovidas de historicidade, ou
saírem de cena ou simplesmente desmoronarem como castelos de carta. Para Marx
39

e Engels, estas ideias vigoram durante tanto tempo por terem raízes profundas no
caráter de classes das sociedades que se sucederam na história. Uma vez
eliminada a exploração de uma classe por outra, eliminadas também as próprias
classes sociais, essas representações da realidade material objetiva
desapareceriam: haveria uma “convulsão da totalidade das ideias”. Essas ideias
aparentemente eternas, nesse sentido, não são mais do que o fruto dos elementos
mais gerais e profundos das relações classistas de exploração, dos elementos de
uma temporalidade histórica de longa duração, para usar um conceito braudeliano.
Para transformar-se tão radicalmente a sociedade, o proletariado, como outras
classes antes dele, não pode prescindir do uso da violência. Nenhuma classe
abandona o palco da luta de classes por vontade própria. Uma classe dominante só
sai de cena quando derrubada pelo ato de força de seus antagonistas. Dessa forma,
o proletariado, para se alçar ao poder se constituindo em classe dominante, não tem
alternativa a não ser o uso da violência revolucionária, da violência das grandes
massas contra seus opressores. Marx, longe de ser um pacifista, compreendia a
necessidade do uso da força para concretizar as tarefas históricas do proletariado:
este “... por meio de uma revolução se converte em classe dominante e, como tal,
suprime violentamente as velhas relações de produção...” (MARX, 1997, p. 29).
Para Queiroz

A virtude da História é a de não prescindir de nenhum método, por mais


inodoro e violento que ele pareça ser. Se isso é certo, o destino do capital
não pode estar separado da violência, seja aquela que o absolve, seja
aquela que o pune. A violência revolucionária é aquela que o pune. É aquela
que nasce da pressão das massas. É a única que pode emancipá--las da
violência do capital. (QUEIROZ, 2016)

Para se estabelecer enquanto classe dominante, a burguesia utilizou da


violência, derrubando as aristocracias, usurpando as riquezas de terras longínquas,
escravizando, devorando homens e mulheres em todo o mundo e submetendo os
trabalhadores de suas “pátrias” à escravidão do trabalho assalariado. Do mesmo
modo, o proletariado deverá, para estabelecer-se no poder, utilizar da violência
revolucionária, embora esta seja de outra ordem, tenha um caráter essencialmente
diferente. Em uma revolução proletária, esta seria colocada a serviço dos
trabalhadores contra a burguesia, da maioria contra o pequeno grupo de
exploradores. A violência estaria posta em proveito da expropriação dos
40

expropriadores, embora Lênin não tenha deixado de ressaltar que mais importante
do que a violência é a organização.
41

Capítulo 2: O conceito e a concepção de revolução: De Marx ao livro didático.

2.1. “Todo coração é uma célula revolucionária. ”13

Durante o meu percurso no Ensino Médio e no intervalo que se passou entre


este e a minha entrada como aluno na universidade, quando eu começava a me
interessar pelos livros e pela História, alguns acontecimentos e processos históricos
relatados nos livros me chamaram a atenção: as revoltas, as rebeliões e as
revoluções. Fascinava-me encontrar nos livros acontecimentos tão dramáticos.
Esses fatos e processos históricos exerciam sobre mim uma força atrativa sem igual.
A internet ainda não tinha se disseminado, meu acesso a livros era mínimo, e o
principal meio pelo qual eu tinha acesso ao conhecimento histórico sistematizado
era o livro didático e foi através dele que eu cheguei até o mais poderoso mito do
século XX: a Revolução.
Embora sem nenhuma formação política que me desse as ferramentas
necessárias à compreensão e à ação, tocava-me profundamente a revolta dos
oprimidos contra os opressores, e me doía profundamente saber dos inúmeros
fracassos afogados em sangue que aqueles sofreram no decorrer da História do
Brasil e do restante do mundo. Mesmo tendo assistido a aulas e lido (pouco ainda)
sobre esses assuntos, não saberia, ainda que minimamente, distinguir
conceitualmente esses movimentos e, somente mais tarde, fosse compreendê-los
satisfatoriamente, essa história dos movimentos que subvertiam radicalmente as
relações de poder me atraía poderosamente. Esse interesse aprofundou-se depois
de eu ter deixado o Ensino Médio e ter me dedicado a roer alguns dos títulos da
Biblioteca Pública Municipal de Juazeiro do Norte. Nesse encontro, a Revolução
Russa e a Revolução Cubana mostraram-se a meus olhos como acontecimentos
magníficos; e personagens como Che Guevara, Lenin, Trotsky, em algum tempo,
substituíram os personagens das historias em quadrinhos como meus heróis.
Somente mais tarde eu compreenderia, de forma mais acertada, o papel desses
personagens e o papel dos indivíduos na História e, especificamente, na história das
revoluções.

13
Citação extraída do filme alemão de 2004, “Die Fetten Jahre sind vorbei” (no Brasil, Os
edukadores) de Hans Weingartner.
42

A partir do livro didático e das aulas que tive durante o Ensino Médio, não me
foi possível chegar à compreensão teórica dos processos revolucionários. Estes me
tocavam, “apenas”, pelas suas “manifestações superficiais”: acreditava, como ainda
acredito, na possibilidade de virar o jogo em uma sociedade de desigualdades. E,
embora não compreendesse suas engrenagens, sentia na pele, como filho de
operário/agricultor e de uma empregada doméstica, e como jovem negro da
periferia, os efeitos da exploração, da opressão e da exclusão. Antes do conceito, a
revolução me chegou pelo ódio às condições em que as pessoas como eu viviam e
pela esperança de transformação social.
Nasci, e passei minha infância e adolescência em um período de sérias e
profundas transformações sociais as quais ocorriam no Brasil e no mundo. Passei os
primeiros anos de vida entre o fim da Ditadura Militar e a Redemocratização. Ainda
criança, vi noticiados na TV, sem entender muito bem o que estava acontecendo, a
queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. A realidade
transformava-se e as balizas com as quais as pessoas mediam o mundo também.
O fim da União Soviética em 1991 iria pôr abaixo a grande referência da
perspectiva socialista, do Marxismo e da própria ideia de revolução. A referência viva
da revolução que teria abalado o mundo, como a havia definido John Reed 14 no
início do século, chegava ao fim: a revolução enquanto horizonte e perspectiva
perdia uma parte significativa de seu poder de mobilizar corações e mentes. Como
afirmou sobre o período pós-soviético Emília Viotti da Costa:

Há quem diga que a era das revoluções está encerrada, que o mito da
Revolução que governou a vida dos homens desde o século XVIII já não
serve como guia no presente. Até mesmo entre pessoas de esquerda, que
tem sido ao longo do tempo os defensores das ideias revolucionárias, ouve-
-se dizer que os movimentos sociais vieram substituir as revoluções. Diante
do monopólio da violência pelos governos e do custo crescente dos
armamentos bélicos, parece a muitos ser quase impossível repetir os feitos
da era das barricadas. (VIOTTI DA COSTA, 2009, p. 5)

Compreendo que Emilia Viotti fale do “mito”, não enquanto algo ilusório,
fantasmagórico ou falso, mas como uma ideia-força do campo político-ideológico
que, longe de ser ilusória, é expressão concreta da relação dialética entre projeto e
ação política. Nesse sentido, o “mito da revolução”, que, entre o final do século XVIII

14
John Reed foi um jornalista estadunidense que escreveu o mais conhecido relato sobre a
Revolução Russa, Dez dias que abalaram o mundo, publicado pela primeira vez em 1919.
43

e a segunda metade do século XX, mobilizaram importantes forças políticas e visões


de mundo, passam a se tornar extremamente marginais a partir do final do século
XX. Enquanto se impunha o domínio do neoliberalismo no campo político e
econômico, no campo progressista emergiam com determinada força os movimentos
identitários e entre os intelectuais passa a reinar perspectivas teóricas refratárias ao
engajamento político voltado à transformação radical da realidade.
No Brasil, a Redemocratização possibilitou um florescimento de um movimento
de crítica ao ensino tradicional de História. Entre o final da década de 1970 e a
década de 1980, o Marxismo foi uma importante força na crítica ao modelo de
ensino de História definido durante o Regime Militar e deu base a uma boa parte das
alternativas ao ensino conservador criado e alimentado pela Ditadura.

No interior da desintegração do Regime Militar e da crise do capitalismo


mundial, tem-se à frente condições concretas e possibilidades de retomar a
discussão sobre a importância do conteúdo histórico. Nesse universo, as
duas vertentes teóricas que se propuseram a realizar a tarefa foram: o
Materialismo Histórico e a Nouvelle histoire. (TOLEDO, 2000, p. 152)

A força que o Marxismo manifestou no ensino de História no Brasil durante o


período de desintegração do Regime Militar e nos anos posteriores arrefeceu-se
durante a década de 1990. Mundialmente, reinava um clima de desilusão quanto à
possibilidade de transformação da realidade a partir da luta política e ideológica e
disseminava-se, com grande força, a ideia de que o capitalismo liberal tivera uma
vitória definitiva. Começava a se impor a ideia de que o capitalismo e a democracia
burguesa eram os limites intransponíveis de nossas sociedades e que qualquer
mudança seria uma mudança limitada e situada dentro desses marcos.
O meu encantamento e minha aproximação com a disciplina de História e com
a história dos processos revolucionários se deu em um momento em que o grande
defensor da perspectiva histórica da revolução era amplamente questionado no
espaço acadêmico. Os adeptos da Nova História apontavam novas abordagens
teóricas e metodológicas, chegando alguns de seus ramos à fragmentação
extremada do campo do historiador: os seguidores de Foucault alardeavam um
deslocamento do olhar sobre os poderes, do macro para o micro; outros
pensadores, de matriz distinta, chegavam ao cúmulo de propagandear o fim da
História, como o fez Fukuyama (1992).
44

Meu ingresso na universidade coincidiu com o início da minha militância política


na esquerda revolucionária. Foi nesse momento que a perspectiva da revolução se
tornou mais distinta para mim. Nas salas de aula da universidade, estudavam-se
principalmente os historiadores e as correntes historiográficas da moda naquele
momento, em sua maioria ligados à Nova História. O pensamento pós-moderno, que
aos poucos ia tomando corpo dentro do meio, só mais à frente iria ganhar grande
peso e influência. Meus estudos, minhas discussões e minha prática enquanto
militante entravam em visível contradição com o pensamento dominante na
universidade. O apaixonante “mito da revolução” destoava do desencanto de uma
geração de intelectuais que se fechava cada vez mais sobre si mesmos,
distanciando-se das lutas travadas nas ruas, no campo, no chão das fábricas. Essas
lutas, no entanto, alimentavam em mim o desejo de transformação social. Nesse
sentido, uma teoria da História só faria sentido se me permitisse, não somente
compreender o mundo, mas também ser usada como uma ferramenta para
transformá-lo. Assim, o Marxismo e a Teoria da Revolução, para mim, eram
fundamentais.
Ombro a ombro com pessoas que tinham como objetivo a construção de um
projeto revolucionário, fui construindo e fortalecendo minha visão de mundo, tendo
como referências teóricas “autores malditos”, como: Lênin, Trotsky, Rosa
Luxemburgo, Nahuel Moreno e o próprio Marx - atacado de todos os lados na
academia. Como trabalhador da Educação e militante socialista, cada enfrentamento
me mostrava o quão viva estava a luta de classes e a necessidade de superá-la. A
revolução social mostrava-se ainda mais necessária diante da acomodação
generalizada em relação à barbárie das relações sociais capitalistas.
Desde Marx, o Marxismo e a História das Revoluções estão intrinsecamente
ligados. As transformações que abalaram a perspectiva de revolução também
abalaram o Marxismo. No entanto, nem um nem outro desapareceram. Ambos
continuam a assombrar conservadores e reacionários, ambos continuam a
questionar o presente e apontar para um futuro mais justo e humano. Olhar, a partir
da perspectiva da revolução social, é necessário.

2.2. Um conceito: Consensos e dissensos.


45

Poucos dos livros estudados trazem a discussão teórica específica e manifesta


sobre o conceito de revolução, e um número ainda mais reduzido responde à
pergunta: “O que é uma revolução?”. Seis coleções, das treze analisadas por mim
ao longo da pesquisa, fazem esse debate com mais ou menos profundidade,
tentando dar bases para os estudantes compreenderem os acontecimentos e
processos históricos estudados no livro. A maior parte situa essa discussão nos
capítulos referentes à Revolução Francesa ou na introdução a esse capítulo.
Em seu estudo sobre o livro didático, ao abordar o conceito de revolução, José
Alberto Baldissera (1993), na década de noventa, já afirmava:

Um dos conceitos mais importantes da “ciência” histórica é o de “revolução”.


Alguns autores de obras didáticas, às vezes, esboçam algo a respeito. Mas
nenhum, dos aqui analisados, (quanto à Revolução Francesa) desenvolve a
contento o conceito de “Revolução”. Isso significa que, ao final do estudo, o
aluno pode “saber” listas, nomes, datas, realizações (quando consegue),
mas não fica sabendo realmente por que foi uma “Revolução”.
(BALDISSERA, 1993, p. 117)

De lá para cá, houve alguma mudança no sentido de se ter uma preocupação


um pouco maior com o uso dos conceitos históricos nos livros didáticos. Ainda
assim, quanto ao conceito de revolução, na maioria dos livros, não houve uma
mudança que, qualitativamente, alterasse esse quadro, isto é, poucas obras dão
uma compreensão mais profunda sobre conceitos fundamentais para o saber
histórico e particularmente sobre o conceito de revolução.
A coleção dos conhecidos autores de livros didáticos, Claudio Vicentino e
Bruno Vicentino, Olhares da História: Brasil e Mundo, traz, em uma página inteira,
em uma seção chamada “construindo conceitos”, o debate sobre o conceito de
revolução. Nessa seção, já de início, os autores apresentam, de modo superficial, o
conceito: “De modo geral, revolução refere-se a uma mudança brusca e profunda”
(VICENTINO, v. 2, p. 156). Uma definição simples e recorrente. Os irmãos Vicentino
partem, então, para a visão passada pelo cinema acerca das transformações
históricas para, em seguida, buscar situar a compreensão dos leitores em relação à
abordagem de historiadores e cientistas sociais quanto à formulação do conceito de
revolução:

Diferentemente dos filmes, as transformações das sociedades humanas


ocorrem em ritmos e intensidade diferenciados e contam com a participação
46

direta ou indireta de sujeitos sociais muito diversos. Os historiadores e


cientistas sociais utilizam certos conceitos que sintetizam e tentam explicar
essas diferentes mudanças. Um dos mais importantes é o conceito de
revolução. (VICENTINO, 2016, v. 2, p. 156)

Apesar de dedicar uma página inteira a discutir o uso do conceito, os autores


deixam lacunas ou tratam muito marginalmente a questão dos usos do conceito na
perspectiva de sua aplicação nos assuntos tratados em vários capítulos do livro. E,
embora citem sucintamente a distinção entre revolução política e revolução social,
não as definem ou aprofundam a compreensão dos seus significados, passando a
outros usos e sentidos do conceito em pauta: “Utilizamos o conceito de revolução
para explicar também transformações econômicas e técnicas que tiveram grande
impacto sobre a humanidade ou determinadas sociedades humanas” (VICENTINO,
2016, v. 2, p. 156). Desse modo, o espaço dedicado às explicações referentes ao
conceito não ajuda muito a defini-lo quanto ao uso corrente no livro: seu significado
e sentido, no que diz respeito ao uso dos autores, somente podem ser
compreendidos a partir de uma leitura mais atenta de seu tratamento em relação às
revoluções como processos históricos concretos. Nesse caso, a revolução segue
como um fenômeno em busca de um sentido, um significado, um conceito, uma vez
que ela aparece mais como uma alusão ou um simples anúncio ou menção, sem o
necessário desenvolvimento ou elucidação. Dir-se-ia que o ensino de História pasta
no campo vazio, ou com pouca relva, e morre de inanição ante à mesa pouco farta
do material didático no que diz respeito às circunstâncias revolucionárias e à sua
necessária compreensão.
Na coleção Oficina de História, Já na introdução do capítulo um, do segundo
volume dos livros de autoria de Flávio Campos e Regina Clara, os autores
historicizam e delimitam o conceito de revolução, definindo-o a partir de sua origem
na Astronomia e descrevem suas transformações diante dos acontecimentos
ingleses e franceses dos séculos XVII e XVIII. Para os autores,

A palavra revolução começou a ser usada no século XVI para descrever o


movimento regular das estrelas, estudado por Nicolau Copérnico no seu
livro Das revoluções das esferas celestes. Nessa obra, publicada no ano de
sua morte, em 1543, Copérnico defende a concepção heliocêntrica e afirma
que o planeta Terra cumpria uma revolução em torno do sol, ou seja, um
movimento orbital de retorno periódico em volta desse astro. Rompia, dessa
forma, com a visão geocêntrica, sustentada durante séculos. (CAMPOS;
CLARA, 2013, v. 2, p. 33)
47

Os autores afirmam então que, durante os processos revolucionários ingleses,


a palavra ganhou nova aplicação. Diante das transformações sociais em andamento
e do próprio processo histórico, o conceito se transformava:

A partir do século XVII, com as revoluções inglesas, a palavra “revolução”


passa a ser utilizada para caracterizar determinados acontecimentos
políticos. Ainda nesse período, referia-se à ideia de retorno a um estado de
coisas que havia sido modificado por abusos e desmandos de um
determinado governante. Ou seja: uma restauração, um movimento de
retomada de uma situação do passado. (CAMPOS; CLARA, Vol. 2, p. 33)

No Iluminismo e durante a Revolução Francesa é que o termo ganharia o


sentido de “mudança drástica e ruptura”. Aqui, contudo, os autores não se debruçam
em maiores explicações, restringindo-se a apontar as abordagens equivocadas e
confusões referentes aos usos do conceito de revolução e de alguns conceitos
correlatos:

Entre revoluções e restaurações, os movimentos sociais passaram a ser


nomeados de muitas maneiras: revoltas, rebeliões, levantes, insurreições,
conjurações, inconfidências, golpes de Estado. A história dos movimentos
sociais foi marcada por tais denominações, muitas vezes imprecisas.
(CAMPOS; CLARA, 2013, v. 2, p. 33)

Na bibliografia dos livros da coleção Cenas da História, as referências a


autores marxistas são mínimas, se comparadas a outras obras; no entanto, as
estruturas explicativas dos movimentos revolucionários são, no seu conjunto, parte
do modelo de explicação marxista. As Revoluções Americana, Inglesa e Francesa
são tratadas como revoluções burguesas nas quais, além das mudanças políticas, a
ênfase em transformações quanto às relações econômicas e sociais são patentes. O
livro do autor, Cândido Grangeiro utiliza-se de um box para tratar especificamente do
conceito de revolução e faz sua distinção com outros conceitos que, por vezes,
devido a equívocos, geram confusões interpretativas. Assim ele delimita a
concepção corrente do conceito:

O termo revolução indica um movimento diferente de rebelião ou golpe de


Estado. Enquanto a revolução tem por objetivo alterar de forma significativa
a ordem social e política, os demais procuram reformular a condição vigente
e podem ser contidos com medidas que satisfaçam ou punam os rebelados.
(GRANGEIRO, 2016, v. 2, p. 164)
48

Segundo a concepção do autor, as revoluções, além de ter o objetivo de


transformar radicalmente a ordem, não podem ser contidas por punições ou
reformas pontuais. As revoluções, então, teriam uma radicalidade capaz de distingui-
las de demais movimentos que se coloquem contra a ordem. A revolução traria “... a
possibilidade de criar uma nova ordem, de romper com o passado e estabelecer um
novo início, nesse caso pautado pela liberdade” (GRANGEIRO, 2016, v. 2, p. 164). A
liberdade que aparece na citação do autor como finalidade fundamental das
revoluções, embora realmente esteja presente de maneira basilar em todos as
pautas dos movimentos revolucionários, assume diferentes sentidos em diferentes
contextos. A liberdade sobre a qual a poetisa Cecília Meireles diria que “não há
ninguém que explique e não há ninguém que não entenda”, na verdade, no contexto
do que estudamos, pode assumir diferentes sentidos de acordo com necessidades
mais profundas das classes que lutam pela transformação radical de sua realidade:
é uma necessidade historicamente determinada.
Na coleção Conexões com a História de Alexandre Alves e Letícia Fagundes de
Oliveira, o tema é tratado com determinados cuidados, com certas reticências. Dois
capítulos podem ser vistos como centrais no tratamento do conceito de revolução e
de suas implicações: o capítulo oito do volume dois, A Revolução Francesa e o
império napoleônico, e o capítulo quatro do volume três, Revolução e
contrarrevolução em um mundo instável. Este último tratando da Rússia e do
México. O conceito é apresentado expressamente em um box sob o título de
vocabulário histórico, presente no capítulo que trata da Revolução Francesa. Esse é
um problema de parte dos livros didáticos, haja vista que prefere tratar e definir a
revolução em um box, como se esta se tratasse de um fenômeno histórico do qual
definições curtas e à margem do texto principal pudessem dele dar conta. A
revolução, não obstante, é um fenômeno histórico complexo. Em Marx, seu conceito
é tão dinâmico quanto dinâmica é a luta de classes: “os conceitos que tentam captar
o real em movimento estão eles próprios em movimento”. 15 Para os autores do livro
didático em questão, Alves e Oliveira:

15
Concepção tomada a Mauro Iasi como parte da aula A teoria da revolução em Marx, parte do
curso “A Teoria da Revolução” organizado pela Editora Boitempo. In:
<https://www.youtube.com/watch?v=Vdy7NXLwRU0>. Acessado em 10 de agosto de 2018.
49

Palavra originária da Astronomia, indica o movimento dos planetas em


órbitas circulares. No século XVII, a palavra revolução foi utilizada para se
referir a acontecimentos políticos. Significava o retorno a uma situação
anterior, que teria sido desvirtuada por um poder tirânico. Com a Revolução
Francesa, a palavra passou a significar a instauração de uma nova ordem e
a ruptura com o passado por meio de um processo de luta radical. (ALVES;
OLIVEIRA, 2013, v. 2, p. 157)

Aqui está o eixo do conceito, como definido pelos autores: por meio da luta
radicalizada, rompe-se com a antiga ordem social e política, instaurando-se uma
nova ordem, eis a Revolução. Mas os autores não se restringem à definição do
termo. Em alguns momentos, como no início de cada um dos capítulos em que se
concentra o tratamento dos movimentos revolucionários, podemos perceber o alerta:
a era das revoluções ficou para trás e foi substituída pelos movimentos sociais e
pelos processos democráticos burgueses de decisão política. Vejamos:

Atualmente, quando um governo vai contra os interesses da maioria das


pessoas, a população não precisa, na maioria dos estados democráticos
que respeitam as instituições levantar-se em armas. As revoluções deram
lugar aos processos eleitorais e as destituições legais. (ALVES; OLIVEIRA,
2013, v. 3, p. 58)

Essa mesma ideia se repete no texto dos autores quando estes lidam com o
processo revolucionário francês do século XVIII ou com os movimentos
contestatórios da década de 1960. Quando os autores relacionam tais movimentos
ao tempo presente, procuram refutar a possibilidade ou necessidade de movimentos
revolucionários em nossa época. Os autores cometem o erro de universalizar e
perenizar o período histórico em que vivem, deixando à margem as possibilidades
da dinâmica histórica. A ideia que deixam é a de que havia história e já não há.
Santiago, Cerqueira e Pontes apontam para um elemento importante na
distinção dada a um movimento revolucionário:

Nem só de exércitos se faz uma revolução. Ela depende da aceitação e da


mobilização popular. Caso contrário, vira movimento golpista, comandado
por setores restritos da população, sem transformações sociais
significativas. (SANTIAGO; CERQUEIRA; PONTES, 2013, v. 2, p. 32)

A definição dos autores quanto ao conceito está estritamente ligada à


“mobilização popular”. Embora convenhamos que boa parte dos autores deve
concordar, ao menos, com uma delimitação como essa, não deixa perceptível em
50

seus textos essa característica quanto às revoluções. Alguns, embora ainda poucos,
nem mesmo levam em conta a mobilização das massas em relação à caracterização
de um movimento enquanto movimento revolucionário. Sobre isso, falar-nos-ia
Barros (2016) em seu livro, Os conceitos: seus usos nas ciências humanas:

O intensivo, nas revoluções, interage com o extensivo. Dito de outro modo,


as revoluções apresentam sempre uma expressiva “extensividade”. Com
isso, quero dizer que as revoluções – sejam os movimentos sociais, sejam
as revoluções transversais – precisam apresentar um impacto e um fazer-
se extensivos, relativos a parcelas realmente amplas da população, para
que, de fato, possam ser chamadas legitimamente de revoluções.
(BARROS, 2016, p. 135)

Essa caracterização, para os autores, colocaria o movimento de independência


das colônias inglesas da América como um movimento revolucionário; para eles,
entre outras características do movimento, o fato de ele ter tido uma expressiva
participação popular seria uma caraterística que o colocaria entre as revoluções
burguesas. É importante lembrar que uma boa parte dos autores estudados não
nomeia ou trata o movimento de independência das colônias inglesas como uma
revolução, fato que discutiremos mais à frente.
Marques e Berutti fazem uma relativamente extensa explanação sobre os usos
contemporâneos do conceito de revolução: começam por afirmar que “... a palavra
revolução pode designar mudanças de natureza radical, que nem sempre ocorrem
de modo súbito e violento” (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p.12). No entanto,
chegam a uma restrição maior quanto ao conceito em sua aplicação no tocante aos
movimentos estudados no decorrer dos livros. Nesse sentido, revolução seria uma
“Transformação súbita e radical nas estruturas sociais e políticas, isto é, algo que
provoca uma substituição geralmente brusca e violenta de um governo até então
legalmente constituído” (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p. 12).
Os autores dão uma definição que, apesar de sucinta, é muito significativa:
uma revolução é uma mudança profunda e violenta que causa “... uma substituição
de um governo até então legalmente constituído”. A revolução provoca uma
mudança nos parâmetros de legalidade como em vários outros aspectos da
organização social. Ainda assim, caem em um equívoco que é constante entre os
autores dos livros didáticos: tomam a insurreição, que é um momento da revolução,
51

como se fosse a própria revolução. Quanto a essa questão nos explicam Varela,
Arcary e Demier (2015):

É necessário recordar que uma revolução política não se deve confundir


com o triunfo de uma insurreição. Uma revolução política não é o mesmo
que um golpe de Estado, quartelada ou putsch, embora a hora da
insurreição militar possa precipitar ou decidir, no início ou no final, o destino
de um processo revolucionário. (VARELA; ARCARY; DEMIER, 2015, p.19)

Uma revolução é então um processo mais profundo e mais extenso do que o


momento da insurreição que marca a derrubada de um governo. Pode se estender
por anos ou décadas, e deve ter a capacidade de mobilizar parcelas significativas da
sociedade. Caso contrário, pode ser um golpe ou uma rebelião, mas não uma
revolução.
Na introdução do capítulo referente à Revolução Francesa, os autores Alves e
Oliveira (2013) fazem questão de conectar o movimento radical de ruptura que foi a
revolução com o estabelecimento dos direitos e garantias postos nas sociedades
burguesas ocidentais hoje.

É comum as pessoas exigirem o cumprimento de seus direitos. Criminosos


reclamam por um julgamento justo, jornalistas reivindicam liberdade de
expressão, fiéis esperam ser respeitados em sua crença, homens e
mulheres não permitem que suas casas e seus bens lhes sejam retirados
pelo Estado de forma arbitrária. Todos esses direitos não existem desde
sempre e não nasceram da noite para o dia. (ALVES; OLIVEIRA, 2013, v. 2,
p. 157)

A passagem aponta para o fato de que a ação política organizada e a atuação


radical do povo possibilitaram a mudança radical nas bases da sociedade. Os
autores também nos deixam uma questão extremamente relevante: as coisas nem
sempre foram como são e, nesse sentido, podem ser alteradas pela ação humana.
Essa ideia, aparentemente simples, é na verdade uma das características mais
relevantes da relação entre revolução e História. Por outro lado, os autores
estabelecem limites dentro da ordem vigente: para eles, a possibilidade de
transformação social não parece ir para além das conquistas da democracia
burguesa contemporânea.
O conceito e a concepção de revolução dos autores dos livros didáticos em
pauta, não podem ser compreendidos apenas à luz das delimitações que em
algumas das coleções aparecem em termos de uma definição enciclopédica, em
52

algum glossário ou box à margem do texto central. As concepções acerca do


conceito estão colocadas nas linhas e entrelinhas nas quais os acontecimentos e
processos são abordados. É preciso buscar essas concepções onde elas mais se
aproximam do concreto.

2.3. O passado, o presente e o futuro das revoluções: o debate acerca das


revoluções burguesas.

Em sua maioria, as coleções estudadas tratam as Revoluções Francesa e


Inglesa como revoluções burguesas. Poucas coleções, como a encabeçada por
Ronaldo Vainfas (2016), questionam essa perspectiva e esse caráter de tais
revoluções, assim como poucas apontam para o debate teórico sobre o tema, como
a coleção Caminhos do Homem de Adhemar e Berutti (2013). Embora seja, em sua
raiz, uma concepção herdada dos historiadores liberais franceses, como Guizot e
Thierry, a interpretação das citadas revoluções, a partir do prisma da luta de classes
e do desenvolvimento da sociedade burguesa, passou ao domínio do Marxismo,
reinterpretada por Marx e aprofundada posteriormente por vários historiadores
marxistas. Sob a bandeira do revisionismo histórico, durante as comemorações do
bicentenário da Revolução Francesa, essa interpretação foi posta em questão por
vários historiadores franceses no final do século XX. Um dos maiores expoentes
dessa corrente revisionista foi François Furet (revisionista reacionário, diga-se de
passagem). Esse debate tem pouco eco na produção historiográfica dos livros
didáticos de História no Brasil, sendo exposto em algumas linhas diretamente por
dois dos autores que estudamos.
Como demonstram o historiador britânico Eric Hobsbawn (1990) e filósofo
italiano Domenico Losurdo (2017), o alvo dos revisionistas não era somente a
Revolução Francesa e sua interpretação marxista, ou supostamente marxista: sua
revisão se estende à Revolução Russa, às revoluções socialistas e à própria
concepção de revolução enquanto um processo e projeto de transformação social.
As batalhas mais fervorosas travadas no campo da interpretação histórica, como
sempre, indicam disputas políticas referentes a questões do tempo presente. Em
seu Ecos da Marselhesa, Hobsbawn dizia que “A revisão liberal da história
revolucionária francesa é inteiramente dirigida, via 1789, para 1917” (HOBSBAWN,
53

1990, p. 110). Em um mesmo sentido, afirma Losurdo que a releitura do mundo


promovida pelos revisionistas pretende “a liquidação da tradição revolucionária, de
1789 até os dias de hoje” (LOSURDO, 2017, p. 15).
Embora o debate acerca do conceito de revolução burguesa possa ficar
subentendido em uma parte dos livros pesquisados, somente um trata da questão
diretamente: o Livro de Adhemar Marques e Flavio Berutti, Caminhos do homem.
Nesse livro, faz-se tanto uma discussão sobre o conceito de Revolução, quanto um
longo texto sobre o conceito de revolução burguesa, situando e definindo as
Revoluções Inglesa e Francesa dento dessa perspectiva. Para os autores

Uma “revolução burguesa” seria aquela na qual a burguesia teve expressiva


participação desde os primeiros momentos, liderou o movimento e assumiu
o poder, impondo o seu projeto político, econômico e social ao país.
(MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p.12)

Para além dessa definição, os autores procuram responder questões postas


em relação às criticas apresentadas em torno do caráter burguês das revoluções,
revoluções nas quais, embora a consciência de classe da burguesia ainda não
estivesse totalmente consolidada de fato, ela adquire forma no curso dos
acontecimentos: “...no decorrer dos processos revolucionários, segmentos da
burguesia entenderam que alguns de seus interesses e preocupações não eram os
mesmos da nobreza e da monarquia. As contradições eram evidentes” (MARQUES;
BERUTTI, 2013, v. 2, p. 13).
O caráter “antifeudal e burguês” é, segundo os autores, colocado em relevo
pelos marxistas. O que vemos é que, no conjunto das coleções de livros didáticos,
essas características são enfatizadas, principalmente, mas não só no que diz
respeito à Revolução Francesa: a maioria dos autores passa ao largo dessa
discussão no tratamento dos processos como da independência das colônias
inglesas na América ou até mesmo da Revolução Inglesa.
A falta de uma compreensão mais profunda em relação ao conceito de
revolução burguesa, em geral, é acompanhada por uma interpretação superficial
acerca dos processos ocorridos na Inglaterra e nas colônias inglesas na América.
Grande parte dos autores procura, nos processos revolucionários em tela, um
projeto consciente e um alinhamento visível das classes sociais para, somente
assim, caracterizá-los como uma revolução de caráter burguês. É importante que se
54

diga que nada nos processos históricos concretos é tão simples: as classes se
desenvolvem no andamento das lutas travadas, e, no correr das mesmas, cria uma
consciência de si e dos seus interesses concretos. O alinhamento das classes, ou
de frações de uma classe social, é dinâmico; nesse sentido, mudam no decorrer dos
processos históricos. É preciso, diante da dinâmica dos processos revolucionários,
não perder de vista o aspecto da totalidade. É necessário atentar para as diversas
conexões do todo social e, essencialmente, o que preside essas conexões.

2.4. Inglaterra e América. (Ser ou não ser, eis a questão)

As Revoluções Inglesa e Americana podem trazer consigo alguns


questionamentos importantes acerca do conceito de revolução. Vários dos autores
pesquisados tratam apenas marginalmente do processo revolucionário inglês.
Alguns nem mesmo o classificam como revolução, ou não lhe atribuem
características de transformação radical no sentido de efetuar mudanças profundas
na sociedade inglesa ou de ter influências para além da Inglaterra. Esse fato é ainda
mais notório quanto ao processo de independência das colônias inglesas na
América.
Um dos maiores pesquisadores da Revolução Inglesa é o marxista Cristopher
Hill. Não obstante, ele é também o mais citado pelos autores dos livros didáticos no
Brasil no que diz respeito ao tema. Nome recorrente em praticamente todas as
bibliografias de tais livros, Hill é comumente lembrado por sua obra O mundo de
ponta-cabeça, tida como grande exemplo da perspectiva de uma “História vista de
baixo”, a qual, não deixando de reconhecer seu aspecto renovador dentro do que
ficou conhecido como História Social Inglesa, parte do arcabouço e da perspectiva
do Marxismo. Os conceitos marxianos de revolução e revolução burguesa são
basilares na obra do referido autor.
Podemos, sem grandes destoâncias, comparar a maioria dos esquemas
explicativos dos livros didáticos brasileiros com a explicação de Hill sobre a
Revolução Inglesa:

...a Revolução Inglesa de 1640-1660 foi um grande movimento social como


a Revolução Francesa de 1789. O poder de Estado que protegia uma velha
ordem essencialmente feudal foi derrubado, passando o poder às mãos de
uma nova classe, e tornando possível o livre desenvolvimento do
55

capitalismo. A guerra civil foi uma guerra de classes, em que o despotismo


de Carlos I foi defendido por forças reacionárias da igreja vigente e dos
proprietários de terra conservadores. O parlamento venceu o rei porque
pôde apelar para o apoio entusiástico das classes mercantis e industriais da
cidade e do campo, para os pequenos proprietários rurais e a pequena
nobreza progressista e para as massas mais vastas da população. (HILL,
1983, p. 11)

Quanto à Revolução Inglesa, essa parece ser a linha mestra sobre a qual se
desenvolvem os esquemas explicativos dos livros didáticos, mesmo com todos os
seus problemas, omissões ou desvios.
Gilberto Cotrim é autor de uma das obras mais utilizadas entre os livros
didáticos de História no Brasil já há muitos anos. Em sua obra, História Global,
podemos observar o enquadramento das Revoluções Inglesa e Francesa dentro da
perspectiva clássica das revoluções burguesas. Embora não faça citações dos
autores marxistas, seu esquema de interpretação reproduz, concisa e
simplificadamente, a interpretação marxista do processo revolucionário.
Quanto à Revolução Inglesa, o autor afirma: “Foi na Inglaterra que surgiram as
primeiras grandes transformações nas estruturas políticas e sociais que
caracterizam as sociedades europeias na idade moderna. Essas transformações
integram o longo processo conhecido como Revolução Inglesa (1642-1689)”
(COTRIM, 2016, v.2 , p. 103). A passagem aponta para o tom empregado pelo autor
e para a relevância dada ao processo revolucionário inglês em seu desenvolvimento
e em seus resultados. A revolução é pensada como um processo que durou
décadas, e que está, indissociavelmente, ligado ao desenvolvimento do capitalismo
na Inglaterra, concepção que se reproduz em diversas das obras que analisamos.
Podemos ver isso mais nitidamente na seguinte passagem:

A Inglaterra rompeu definitivamente com o sistema feudal e abriu espaço


para o avanço do capitalismo, promovendo medidas como a transformação
da estrutura agrária, a modificação das relações trabalhistas no campo e o
aperfeiçoamento das técnicas de produção. Estabeleceu-se um acordo
político entre a burguesia das cidades e a nobreza rural, o que promoveu o
crescimento econômico inglês. O pais tornou-se a maior potência comercial
da época, lançando bases para o desenvolvimento do capitalismo industrial.
(COTRIM, 2016, v. 2, p. 106)

O autor caracteriza a Revolução Inglesa como um momento de ruptura em


relação ao sistema feudal, no qual os entraves para o desenvolvimento do
capitalismo são desarranjados e, de larga medida, demolidos. Abre-se espaço para
56

o desenvolvimento do capitalismo industrial com base no fim das relações feudais e


do estabelecimento de novas relações com o trabalho, com a terra e com a técnica.
Alfredo Boulos Júnior em seu História e Cidadania tece um argumento similar, dando
ao processo inglês um caráter classista e entrelaçado com o desenvolvimento do
capitalismo:

“A revolução favoreceu o desenvolvimento do capitalismo e,


consequentemente, a expansão dos negócios do gentry e da burguesia
manufatureira e mercantil, o que ajuda a compreender o pioneirismo da
Revolução Industrial.” (BOULOS, 2016, v. 2, p. 141)

Para Boulos, estão intrinsecamente ligados aos interesses da gentry (pequena


nobreza rural), da burguesia manufatureira e mercantil o desenvolvimento do
processo revolucionário inglês. Mesmo quando enfatiza o elemento religioso,
inerente à Revolução Inglesa, na qual os puritanos tiveram papel de destaque, não
deixa de alertar o leitor para a sua vinculação com o caráter classista que perpassa
todo o processo revolucionário: “O puritanismo se desenvolveu, sobretudo, entre a
burguesia e a pequena nobreza rural, ou seja, entre o empresariado inglês do
campo e das cidades” (BOULOS, 2016, v. 2, p. 121). Esse ponto de vista está em
conformidade com o de Hill: “... cada classe criava e procurava impor a perspectiva
religiosa que mais condizia com suas próprias necessidades e interesses” (HILL,
1984, p. 22).
Mocellin e Camargo, na coleção História em Debate, tratam sucintamente da
Revolução Inglesa, relacionando-a à Declaração dos Direitos16. A abordagem dos
autores dá ênfase aos aspectos ligados ao Direito e à cidadania, ainda assim, suas
explicações em relação à Revolução Inglesa se baseiam na oposição classista,
colocando a polarização entre os representantes da velha ordem e do capitalismo
nascente. Nas palavras dos autores na Revolução Inglesa:

...consolidava-se uma rica camada de produtores rurais ligada à produção


de lã e a agricultura comercial. Esse grupo, aliado à burguesia urbana,
opunha-se ao absolutismo, defendido pelo clero anglicano e também pelos
nobres aristocratas. (MOCELLIN; CAMARGO, 2016, v. 2, p. 16)

16
Bill of Rights de 1689, documento que restringia o poder do rei e o submetia ao parlamento inglês
em vários aspectos.
57

Já Campos e Clara destacam como resultado da revolução os aspectos


econômicos que possibilitaram a ascensão da burguesia e o desenvolvimento do
capitalismo:

...a república consolidou as conquistas de uma revolução burguesa. Os


privilégios feudais foram abolidos. Houve uma intensa circulação de joias,
peças de ouro e bens de valor para custear os exércitos que se enfrentaram
durante a guerra civil, ampliando o capital em circulação e estimulando o
comércio e a produção artesanal. (CAMPOS; CLARA, 2013, v. 2, p. 39)

Os autores há pouco citados, além de reafirmarem alguns dos argumentos


recorrentes nos autores de livro didáticos, ligando diretamente o processo
revolucionário ao fim dos privilégios feudais, ainda destacam como a própria guerra
civil propiciou estímulos à produção e ao consumo, necessários para a manutenção
das forças em conflito.
Braick e Mota (História: das cavernas ao terceiro milênio, 2013) aprofundam-se
ainda mais no mesmo sentido dos autores citados anteriormente, embora a
Revolução Inglesa, para estes, apareça como fruto de uma aliança entre a nobreza
fundiária e a burguesia: para eles, a burguesia aparece como principal agente, o que
reforça a ideia de uma revolução de caráter burguês:

A industrialização na Inglaterra deve ser compreendida no contexto das


transformações políticas ocorridas no século XVII, que levaram a burguesia
a controlar o poder por meio do parlamento, transformado no principal órgão
de governo na Inglaterra. Dominado pela burguesia, o governo passou a
aprovar medidas que estimulavam o crescimento industrial e comercial do
país. (BRAICK; MOTA, 2013, v. 2, p. 97)

E ainda:

Com a consolidação da monarquia parlamentar, após a Revolução Gloriosa


de 1688, o lucro privado e o desenvolvimento industrial tornaram-se
prioridades para as iniciativas governamentais, dominadas, a partir de
então, pela burguesia. (BRAICK; MOTA, 2013, v. 2, p. 102)
Não existe, em Braick e Mota, um destaque para a aliança entre a burguesia e
a gentry, apesar de ainda citá-la em passagens de seu texto, o que coloca em relevo
ainda maior o papel da burguesia no processo revolucionário. O Estado inglês, com
a revolução, logo se transforma em uma ferramenta útil aos interesses da burguesia.
Em Caminhos do Homem, há uma definição explícita e peremptória da
Revolução Inglesa como uma revolução burguesa que, decerto, se afina com os
58

constructos teóricos do Marxismo. Segundo os autores da obra em comento, a


Revolução Puritana e a Revolução Gloriosa

...fizeram parte de um mesmo processo revolucionário, que assinalou a


superação, em definitivo, do modo de produção feudal, do Antigo Regime e
de suas instituições, possibilitando mais rapidamente a consolidação de
uma sociedade burguesa e a emergência da produção plenamente
capitalista no país. (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p. 14)

E continua afirmando a posição do Marxismo quanto à Revolução Inglesa:

De acordo com essa corrente, a primeira teria eliminado os entraves feudais


que obstaculizavam as forças produtivas capitalistas, acelerando o processo
de expropriação do campesinato, liberando mão de obra das áreas rurais
para os centros urbanos, liquidando as antigas corporações e seus
monopólios e criando condições para o processo histórico conhecido como
Revolução Industrial. (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p. 14)

Os referidos autores, Marques e Beirutti, entre os autores que pesquisamos,


são os que mais profundamente lidam com as questões teóricas colocadas pelos
usos dos conceitos de revolução e revolução burguesa, fazendo-o nitidamente sob o
prisma do Marxismo. Tais autores associam aspectos importantes da concepção
marxiana de revolução: a relação dialética entre os fatores políticos, econômicos e
sociais.

Para historiadores marxistas, como Christopher Hill e Eric Hobsbawm, o


processo revolucionário deve ser entendido como resultado das
contradições entre a aceleração da transição feudal/capitalista e a
permanência de instituições políticas e jurídicas cada vez mais arcaicas em
vista das transformações pelas quais passava a sociedade inglesa durante
a época moderna. (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 2, p. 14)

No livro de Vainfas (et al) é onde encontramos uma contraposição mais efetiva
em relação à abordagem da Revolução Inglesa que se tornou clássica pelas mãos
dos historiadores marxistas. Existe um debate teórico situado à parte do texto
principal que explica vários dos posicionamentos dos autores em relação à sua
concepção de revolução, e, a partir desse debate, é possível compreender os usos
do conceito pelos autores no decorrer do livro, assim como é possível notar um
diálogo/debate com o Marxismo e sua concepção de revolução política e social.

Alguns historiadores interpretam a Revolução Inglesa como a primeira


revolução burguesa, na medida em que derrubou a monarquia absolutista e
59

abriu caminho para a ascensão política da burguesia. No entanto, se


analisarmos o perfil social dos exércitos que combateram na guerra civil,
nota-se que havia muitas semelhanças dos dois lados. (VAINFAS et al.
2016, v. 2, p. 228)

Os autores continuam:

Houve nobres que combateram a favor do rei, assim como nobres


contrários a ele, a exemplo de Lorde Fairfax. Se a chamada gentry apoiou
o exército parlamentar; a burguesia comercial ligada aos grandes
monopólios ficou de lado de Carlos I. Quanto ao campesinato, participou de
ambos os exércitos, embora tenha predominado entre os rebeldes.
(VAINFAS et al. 2016, v. 2, p. 228)

A visão do Vainfas (et al) é formal, não dialética, e toma os agrupamentos


sociais como se eles tivessem que atuar coesamente para definir o caráter dos
acontecimentos. O critério aqui deve ser o da totalidade. No campo da totalidade, o
que é determinante? Em um texto escrito como resposta a questões como as
colocadas pelos referidos autores, Hill teria afirmado:

A Revolução Inglesa não foi feita ao talante de ninguém: aconteceu. Mas, se


olharmos seus resultados, quando os idealistas, homens de vontade
consciente de ambos os lados foram derrotados, o que emergiu foi um
Estado onde os órgãos administrativos que mais impediam o
desenvolvimento do capitalismo haviam sido abolidos... (HILL, s.d, p. 30)

As classes não gritaram em uníssono contra ou a favor da ordem vigente,


inclusive podemos dizer que a própria burguesia se constituía enquanto classe no
desenvolvimento da luta. As divisões no seio das classes sociais foi uma realidade.
Essas frações de classe, no entanto, movimentaram-se no decorrer desse longo
processo que foi a Revolução Inglesa. Ainda assim, quanto mais se radicalizava o
processo, maior a tendência ao “alinhamento de classe”, maior a tendência de os
indivíduos se alinharem aos interesses específicos de sua classe social.
Embora não deixe isso muito explícito e compreensível, nesse momento do
livro, os autores da coleção História, Vainfas e os demais, fazem um debate com os
marxistas os quais defendem que a Revolução Inglesa foi uma revolução “que
exprimiu a luta de classes” e não somente o que os autores denominam enquanto
um movimento político, ou uma revolução política contra o absolutismo monárquico.
Os autores aparentemente abraçam uma visão oposta ao Marxismo afirmando que
“... o principal resultado da revolução foi a instituição, em 1688, de uma monarquia
60

parlamentarista na Inglaterra” (VAINFAS, 2016, v. 2, p. 228). Os referidos autores,


então, isolam o político do conjunto de elementos que compõem o processo
revolucionário, perdendo a compreensão da totalidade e dos fatores determinantes
dessa totalidade. Essa afirmação se repete dando ênfase ao caráter político da
Revolução Inglesa em detrimento das suas consequências econômicas e sociais
enfatizadas por outros autores. Assim, colocam de lado a ideia recorrente na maioria
dos autores de que esse processo histórico seria fruto da luta de classes. Nesse
sentido, chegam, no máximo, a dar relevo ao elemento religioso enquanto agregador
em relação aos participantes do movimento assim como ao fim do absolutismo e do
estabelecimento de uma monarquia constitucional como resultado do processo
revolucionário.
Iniciando o capítulo A Inglaterra revolucionária, os autores já demonstram uma
confusão entre os conceitos de guerra civil e revolução. Enquanto a maioria dos
seus pares, tanto os estudiosos do processo revolucionário quanto os autores dos
livros didáticos, restringem a guerra civil inglesa à década de 1640, com variações
pequenas dentro desse espaço de tempo, Vainfas estende ao conjunto do processo
revolucionário confundindo um e outro:

O movimento político mais importante do século XVII foi a Guerra Civil


inglesa, deflagrada em 1640 e só concluída em 1688. Ao desafiar o
absolutismo, a revolução levou a uma sangrenta guerra civil, cujo resultado,
a médio prazo, foi o reordenamento institucional da monarquia em bases
liberais. (VAINFAS et al. 2016, v. 1, p. 220)

O processo que vai de 1640 a 1688 é comumente compreendido como um


conjunto de revoluções ou como um processo revolucionário o qual reúne
movimentos de caráter distintos que atravessaram décadas. Alguns historiadores
demarcam seu final na década de 1660, outros a década de 1680, podendo-se
chegar a incluir a chamada Revolução Gloriosa como parte do processo
revolucionário inglês. Vainfas, no entanto, confunde guerra civil e revolução: em seu
texto, os dois processos se estendem entre 1640 e 1688. Essa compreensão não é
recorrente entre os autores dos livros didáticos.
Essas controvérsias que perpassam as discussões em torno dos episódios
históricos que equivalem ao que, de conjunto, denominamos de Revolução Inglesa,
não se restringem a esse capítulo da História ocidental moderna. Aliás, a
61

Modernidade, no que toca a essa temática, está eivada de contendas e litígios no


campo historiográfico. Ilustra bem esse cenário de polêmicas e altercações diversas,
sem dúvida, o que Wood (2013) denomina olimpicamente de “A Revolução
Americana”.
Poucos são os livros que vão tentar nomear o processo de independência das
colônias inglesas na América como uma revolução. Dois fatores talvez possam
explicar esse fato. Primeiro, existe um questionamento sobre a profundidade das
transformações dadas a partir da independência das treze colônias: ela não teria
afetado significativamente as relações sociais e econômicas internas, mantendo as
estruturas anteriores ao processo de emancipação política em relação à Inglaterra.
Segundo, as interpretações sobre a revolução burguesa, tornadas clássicas,
concentraram-se em analisar a Europa, principalmente a França e a Inglaterra.
O processo de emancipação das colônias inglesas na América não é
apresentado pela maioria dos autores vistos como um processo revolucionário: sua
denominação e o tratamento recebido lhe dão apenas o caráter de um processo de
emancipação política que, por não ter maiores e mais profundas mudanças, não é
visto como uma revolução. Três coleções de livros didáticos vão destoando das
demais, ou seja, apontam para o caráter revolucionário desse processo, História
(Vainfas et al.), História em Debate e Por Dentro da História.
A abordagem de Renato Mocellin e Rosiane de Camargo (2016) quanto à
Revolução Americana assim como a Francesa colocam-se no marco da construção
dos direitos humanos. Apoiados nesse parâmetro, os autores classificam o
movimento “americano” como um movimento revolucionário.

A Revolução Americana não foi apenas uma luta pela independência, pois
implicou mudanças sociais e políticas. No período em que ocorreu,
significou um grande avanço, pois trazia uma concepção política e uma
abordagem inovadoras para os conceitos de liberdade e cidadania. A
revolução representou não só a libertação das colônias inglesas na América
como também a afirmação de alguns direitos básicos... (MOCELLIN;
CAMARGO, 2016, v. 2, p. 19)

No início da citação, os autores procuram justificar o enquadramento da


“independência americana” como uma revolução, o que podemos ver como uma
necessidade diante do fato de que grande parte dos autores não a enxergam ou, ao
menos, não a nomeiam dessa forma. Para Mocellin e Camargo, a Revolução
62

Americana teria provocado mudanças sociais e políticas para além de sua


emancipação em relação à Inglaterra: os avanços quanto às concepções dos
direitos que se disseminaram posteriormente pelo mundo ocidental, aparentemente,
seriam justificativas suficientes para classificá-la como um movimento revolucionário.
Retomando o tema da Revolução Americana, em outro capítulo, afirmam os
citados autores: “A revolução Americana de 1776 foi a primeira rebelião bem-
sucedida do mundo colonial. O processo emancipador foi pautado em diversos
ideais iluministas, como liberdade, justiça e combate à opressão” (MOCELLIN;
CAMARGO, 2016, v. 2, p. 97). Os autores concentram-se no surgimento dos valores
de liberdade, justiça, cidadania e combate à opressão que se propagaram a partir da
Revolução Americana, aprofundando--se com a Revolução Francesa. A abordagem
dos autores minimiza o papel da violência como parteira da revolução e faz sempre
uma ponte entre esse processo e o estabelecimento de uma ordem atual sobre a
qual não pesam mais a possibilidade de uma transformação baseada na ação
radicalizada das classes subalternas. Qualquer alternativa se coloca dentro da
ordem burguesa.
Já Santiago, Cerqueira e Pontes têm uma abordagem diferente. Embora os
autores também destaquem a emergência de princípios do Iluminismo, alinhando-se,
nesse sentido, com Mocellin e Camargo, os autores consideram, também, o
movimento em sua incidência sobre a derrocada do absolutismo.

A Revolução Americana pode ser considerada um dos acontecimentos que


abalaram os alicerces do absolutismo na Europa. Afinal, os norte-
americanos foram os primeiros a romper com os vínculos coloniais, fonte de
renda dos governos absolutistas, e a incentivar movimentos baseados nos
princípios iluministas. (SANTIAGO; CERQUEIRA; PONTES; 2013, v. 2, p.
32)

Para os autores em tela, as Revoluções Inglesa e Americana foram


movimentos caracterizados por uma ação radical e capaz de mobilizar grandes
contingentes de pessoas. Uma revolução burguesa que rompeu com os vínculos
coloniais na América e pôs fim ao absolutismo na Inglaterra ao mesmo tempo em
que punha nas mãos da burguesia o poder de Estado. Os autores justificam o
enquadramento do processo de emancipação das colônias inglesas na América
como uma revolução pelo impacto sobre o absolutismo, pelo impacto gerado nas
demais colônias americanas e, principalmente, pela “aceitação e mobilização
63

popular”, elemento sem o qual, segundo os autores, poder-se-ia falar em golpe,


rebelião, revolta, mas não em revolução.
Há formas mais “puras” nas quais se manifestam os processos revolucionários.
Esse é o caso da Revolução Francesa. Ao não se encontrar essa forma “pura” em
outros movimentos revolucionários, tende-se a desprezá-los como insurgentes e
profundamente renovadores. Decorre dessa compreensão não entender o conteúdo
mais profundo de processos como o da Revolução Inglesa e o da Revolução
Americana.

2.5. França: Isto é uma revolução!

Em 14 de julho de 1789, Luís XVI recebeu do Duque de La Rochefoucauld-


Liancourt a notícia da queda da Bastilha e do levante popular que tomava as ruas de
Paris. Nesse famoso diálogo, o rei teria afirmado: "Isto é uma revolta", tendo como
resposta de Liancourt: "Não, Senhor, isto é uma revolução". 17 Embora possivelmente
o conceito não tenha, ainda naquele momento, adquirido o sentido que veio a
adquirir posteriormente, o diálogo é emblemático quanto ao caráter distinto dos
movimentos revolucionários, dos quais a Revolução Francesa é um dos principais
exemplos.
A Revolução Francesa concentra o núcleo duro do debate sobre o conceito de
revolução nos livros didáticos. Na verdade, é o momento histórico em que o próprio
conceito de revolução se definiu como o compreendemos hoje. O processo
revolucionário francês erigiu as bases para sua própria interpretação e definiu as
interpretações de movimentos anteriores e posteriores. Ele se tornou um farol para
os movimentos diversos lançando sua influência por várias partes do globo.
Gilberto Cotrim (2016), no início do capítulo 13, do segundo volume de sua
coleção, denominado simplesmente Revolução Francesa, apresenta sua definição
conceitual, a qual, essencialmente, apresenta muitos dos elementos centrais das
definições recorrentes nos demais livros didáticos:

Denomina-se Revolução Francesa o movimento político que se


desenvolveu entre 1789 e 1799 na França e provocou grandes
transformações políticas e sociais nesse país. Contou com a participação de

17
Episódio narrado por Hanna Arendt em “Sobre a revolução”.
64

vários grupos sociais, desde burgueses até populações pobres das cidades,
pequenos produtores e comerciantes e camponeses explorados pela
servidão. (COTRIM, 2016, v. 2, p. 146)

E continua:

Ao final de um longo processo, a arcaica estrutura do Antigo Regime foi


destruída, e os privilégios da nobreza por nascimento, extintos. O lugar dos
nobres passou a ser ocupado, então, pela burguesia, que adquiriu
privilégios por meio do poder econômico. (COTRIM, 2016, v. 2, p. 146)

Fica patente na definição inicial dada pelo autor seu alinhamento com a
definição marxista clássica para a Revolução Francesa e de seu enquadramento
como uma revolução de caráter burguês, uma revolução que acaba com o domínio
da nobreza, estabelecendo a burguesia no poder e substituindo os privilégios
hereditários pelos privilégios determinados pelo dinheiro. Mesmo a composição do
movimento, formado por vários grupos sociais distintos, não impede que o
movimento seja compreendido como uma revolução burguesa, já que, na
interpretação dos autores, postas abaixo as estruturas do antigo regime, essa classe
assume o lugar da nobreza no comando da sociedade.
Cândido Grangeiro, destaca tanto o impacto da revolução sobre a própria
França como sua influência que se espalhou mundo afora, dando bases para o
surgimento do mundo contemporâneo.

O movimento revolucionário francês de 1789 é considerado um


momento de profunda ruptura na História, ao oferecer parâmetros
políticos e ideológicos que nas décadas seguintes se irradiaram e
inflamaram revolucionários por todo o mundo, dando novas
configurações a diferentes povos, fazendo surgir as sociedades
contemporâneas. (GRANGEIRO, 2016, v.2, p.231)
O autor destaca a participação popular no movimento revolucionário francês, e
aponta, igualmente, para o que seria, “segundo os historiadores”, a estreia do
“povo”18 como sujeito histórico. “Segundo os historiadores, com o movimento
francês, o povo fazia sua estreia na História, tornando-se, a partir de então, um dos
principais protagonistas dos rumos a serem tomados por toda a sociedade” 19
(GRANGEIRO, 2016, v. 2, p. 237). É importante lembrar, todavia, que, embora o

18
O Autor define “povo” como a “grande massa de trabalhadores pobres urbanos, que viviam da
força de seus braços.” (GRANGEIRO, 2016, v.2, p.236)
19
O autor toma a conceituação de “povo” como trabalhadores urbanos, estes iriam dos artesãos
detentores de ferramentas e técnicas de produção aos trabalhadores despossuídos.
65

conceito de povo seja variável e ambíguo, as camadas subalternas da sociedade


nunca deixaram de desempenhar papel na História; inclusive, antes, durante e
depois da Revolução Francesa. O Marxismo sempre esteve atento a elas e algumas
correntes historiográficas relativamente recentes fizeram dessas camadas
subalternas da sociedade seu objeto privilegiado de estudo. Nesse sentido, é
emblemática a produção de historiadores como George Rudé e Christopher Hill, que
praticaram o que foi chamada de “História vista de baixo” procurando escrever a
partir do ponto de vista dos explorados e oprimidos.
Santiago, Cerqueira e Pontes, ao tratar da Revolução Francesa, utilizam uma
concepção parecida quanto à participação do “povo” no movimento revolucionário
francês e na História. “O povo no centro da História” é o nome de um dos tópicos
utilizados pelos autores, no qual afirmam: “A Revolução Francesa foi sustentada
pelas massas. Pelos campos, nas ruas de Paris e de outras cidades da França,
contou com intensa participação popular. O povo, definitivamente entrava para a
História” (SANTIAGO; CERQUEIRA; PONTES, 2016, v. 2, p. 38). Para os autores,
os franceses “substituíram os governos de origem divina por outro, cujo poder
emanava de um sujeito coletivo, o povo” (SANTIAGO; CERQUEIRA; PONTES,
2016, v. 2, p. 38). Os dois livros coincidem no sentido de definir a Revolução
Francesa como um momento de emergência da soberania popular, nesse momento.
Assim, divergem da posição do Marxismo, o qual define o poder surgido com a
revolução não como um poder “popular”, mas sim como a emergência do domínio da
classe burguesa.
Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi, em seu História: passado e presente,
tratam muito rapidamente da Revolução Inglesa, sem nem mesmo nomeá-la
enquanto revolução. Dessa forma, em poucos parágrafos, traçam a transição da
Inglaterra entre monarquia absolutista, república e monarquia constitucional; mas,
quanto à Revolução Francesa, os autores, logo de início, reproduzem uma citação
de Hobsbawm retirada do livro Ecos da Marselhesa, afirmando que a Revolução
Francesa:

Foi um conjunto de acontecimentos que criou a noção de que a História


pode ser transformada pela ação dos povos. Ainda, segundo ele, também
foi a Revolução Francesa que deixou como herança os preceitos
democráticos da liberdade, igualdade e da fraternidade. (AZEVEDO;
SERIACOPI, 2016, v. 2, p. 147)
66

Essa definição reforça a ideia recorrente em alguns dos livros de que a


Revolução Francesa tanto foi um momento de transformação social radical, como
gerou a possibilidade de o “povo” refletir sobre sua própria capacidade de agir na
História. Deu às pessoas a noção de que podem definir os rumos da sociedade
através da ação política. Ou seja: a realidade pode ser transformada.
Boulos (2016), em um tópico chamado “O significado da Revolução Francesa”,
sintetiza o que, a seu ver, são as mais significativas mudanças provocadas pela
revolução, chegando ao fim desta com o golpe de 18 Brumário desfechado por
Napoleão Bonaparte. Dos pontos destacados pelo autor, podemos ressaltar: 1. A
sociedade de ordens cedeu lugar à sociedade de classes; 2. As leis que
estabeleciam distinções baseadas no nascimento foram eliminadas; 3. O número de
camponeses proprietários aumentou; 4. As regulamentações mercantilistas e as
relações servis foram suprimidas20. Dada ênfase a esses elementos, o sentido da
Revolução Francesa desemboca na consolidação do capitalismo na França.
Marques e Berutti parte do debate marxista, claramente colocado pelos
autores, para definir os parâmetros sobre os quais refletem sobre a Revolução
Francesa: “... ao se estudar a Revolução Francesa, seu caráter antifeudal e burguês
é normalmente considerado relevante, pelo menos por boa parte dos historiadores,
notadamente aqueles vinculados à historiografia marxista” (MARQUES; BERUTTI,
2013, v. 2, p. 12). E seguem

De acordo com essa concepção, a revolução foi um movimento liderado por


uma burguesia emergente, a qual forneceu os principais quadros
revolucionários, assim como a ideologia dominante e que, ao fim do período
revolucionário pela superação dos entraves feudais, conseguiu abrir o
caminho à consolidação do capitalismo na França. (MARQUES; BERUTTI,
2013, v. 2, p. 12)

Embora seja notória a liderança da burguesia no movimento revolucionário


francês, como o que é evidenciado e realçado por todos os autores estudados,
Marques e Beritti apontam para a substancial participação de outros grupos sociais.
Ainda que o processo revolucionário francês não tenha sido exclusivamente
burguês, compreendem este como sendo “uma revolução essencialmente burguesa”
ao qual se somaram os movimentos populares e camponeses.

20
BOULOS, volume 2, página 174.
67

Cláudio e Bruno Vicentino, mesmo que de passagem, colocam em pauta o


fervoroso debate que se estabeleceu quando do bicentenário da Revolução
Francesa, no qual um grupo de historiadores revisionistas escreveu diversos livros
que tinham como intuito repensar a revolução e seu legado:

...um grupo de historiadores passou a relativizar a importância da


Revolução Francesa, afirmando que, em linhas gerais, a França teria tido o
mesmo desenvolvimento político caso não tivesse passado pela revolução,
o que contradizia completamente a opinião de outros estudiosos, incluindo
os teóricos marxistas. (VICENTINO, 2016, v. 2, p. 150)

Apesar de pautar o fervoroso debate posto pelos historiadores revisionistas, os


autores, aparentemente, baseiam-se na historiografia marxista e no conceito de
revolução burguesa em sua abordagem sobre o processo francês do século XVIII e
inglês do século XVII. Neles, como em vários outros autores dos livros didáticos, as
referências diretas ou indiretas são de Eric Hobsbawn, Christopher Hill, Michel
Volvelle, Albert Soboul. Os modelos explicativos se baseiam, então, nos esquemas
de compreensão da historiografia marxista.

2.6. Revoluções na era dos extremos.

Hobsbawm denominou o século XX como uma era de extremos. Para o velho


historiador, esse período histórico estaria concentrado entre 1914 e 1991 e seria
marcado por guerras brutais, crises profundas e revoluções, assim como por
esperanças que se depositavam no progresso e/ou na transformação radical da
sociedade.
Esse período histórico é marcado por um pico dos movimentos revolucionários,
alguns deles de repercussão global; assim como seu término é definido pelo declínio
da perspectiva da revolução como um guia da ação política e da interpretação
histórica.
Importantes processos revolucionários ocorreram durante esse período; entre
eles, destacamos as Revoluções Russa e Cubana. A interpretação do movimento do
Maio Francês, não obstante, pode nos apontar uma crítica à concepção de
revolução, e o movimento brasileiro denominado de Revolução de 30, por sua vez,
concentra a discussão sobre o conceito em nosso país.
68

Quanto à Revolução Russa, os irmãos Vicentino apontam uma concepção que


poderia, sem destoância grave, estar presente em qualquer um dos livros
estudados.

Em novembro de 1917, eclodiu a Revolução Socialista, também conhecida


como Revolução Russa, que implantou uma nova forma de organização
social e política, inspirada nas ideias socialistas surgidas no século XIX.
Além da novidade de forçarem uma ruptura social e política inédita,
fundando o primeiro país socialista do mundo, os desdobramentos dessa
revolução se refletiram internacionalmente por todo o século XX.
(VICENTINO, 2016, v. 3, p. 33)

Todavia, como os autores citados há pouco, na maioria dos livros didáticos, as


questões fundamentais que caracterizam a revolução socialista e, especificamente,
a Revolução Russa não estão aprofundadas a contento. Suas análises superficiais
não permitem chegar ao cerne das questões postas pela revolução.
Dentre os autores que estudamos, Campos e Clara foram os que mais se
aprofundam quanto ao sentido da Revolução Russa uma vez que os autores dão
início ao assunto pondo em pauta um importante debate há muito feito entre os
revolucionários marxistas: a revolução socialista, colocada costumeiramente como
uma possibilidade nos países europeus com grande grau de industrialização, seria
possível em um país de bases agrárias? A própria Revolução Russa,
posteriormente, se pôs e respondeu a essa questão. Os autores relatam um diálogo
de Engels, Marx e Vera Ivanovna Zasulitch:

…em 1881, Marx recebeu uma carta de uma jovem russa perguntando-lhe
se a Rússia agrária teria que se industrializar antes de fazer uma revolução.
Sua resposta foi curta e cautelosa. Dava a entender que camponeses
analfabetos pudessem se rebelar e fazer a revolução. No entanto, pareciam
não saber bem “o que fazer”. (CAMPOS; CLARA, 2013, v. 3, p. 33)

Os autores são os únicos entre os estudados que chegam a apresentar as


transformações concretas dadas pela revolução socialista na Rússia: desde a
promoção do acesso às artes, antes restritas à elite, para toda a população até a
expropriação de latifundiários e industriais. Os autores ainda enfatizam:

Na Rússia, os bolcheviques separam Igreja e Estado de forma mais


profunda do que havia feito a Europa Ocidental durante séculos;
simplificaram o alfabeto; modificaram o calendário para o sistema
gregoriano predominante no ocidente capitalista; levaram o teatro e as artes
69

até então reservadas à elite para toda a população e, acima de tudo,


eliminaram – pela expropriação, discriminação, expulsão e execução – as
elites de burocratas, latifundiários, profissionais liberais e
industriais.(CAMPOS; CLARA, 2013, v. 3, p. 34)

E ainda:

Os bolcheviques enfatizaram a redistribuição de recursos, como habitação,


alimentos e roupas, tomando-os dos ricos e dando-os aos pobres. Eles não
se opunham a todas as formas de propriedade privada; permitiam os artigos
de uso pessoal, desde que estivessem de acordo com padrões populares.
Mas, ao nacionalizarem a indústria e as finanças, proibiram a propriedade
privada produtora de rendimentos. (CAMPOS; CLARA, 2013, v. 3, p. 34).

Justificamos a longa citação pelo fato de que, em nenhum outro dos livros
estudados, o leitor se depara com um relato tão extenso das transformações
provocadas pela Revolução Russa. Tendo em vista a própria natureza de um
processo revolucionário, compreender o conjunto das transformações que tal
processo provoca é fundamental. No entanto, a maioria dos autores restringe muito
as referências ao conjunto de mudanças radicais provocadas na sociedade russa a
partir de 1917. Esse fato é de grande relevância se temos em conta que uma
revolução não é apenas o acontecimento da tomada de poder, mas um processo
que pode se estender por anos ou décadas. Campos e Clara, embora não se
aprofundem em explicações acerca das mudanças provocadas pela Revolução
Russa, apontam para fatos que demonstram o quão radicais foram as mudanças
que tocaram, desde questões aparentemente triviais, como a mudança do alfabeto
até as questões centrais da revolução socialista, como a expropriação dos
industriais e latifundiários e a redistribuição de recursos.
Cândido Grangeiro usa um conceito pouco utilizado entre outros autores dos
livros didáticos: o conceito de revolução social. Tal conceito aparece
recorrentemente na coleção de livros do autor ao tratar da Revolução Russa,
Mexicana e Espanhola. Para Marx e Engels, a revolução social é aquela que
derruba o antigo poder e dissolve a antiga sociedade 21. Ao contrário de uma
revolução meramente política, a revolução social, além de mudar o regime político,
alteraria a ordem econômica e social e as relações de propriedade.
Para o autor, a era das revoluções sociais começa com o que seria um grande
ensaio: a Comuna de Paris, em 1871, “o primeiro governo de origem popular

21
Como definiram Marx e Engels em “Luta de Classes na França”. (Boitempo, 2010)
70

inspirado em ideologias comunistas” (GRANGEIRO, 2016, v. 3, p. 146). O governo


operário da Comuna de Paris, em seus 72 dias de vida, foi uma experiência que
tanto serviu de farol a outras experiências quanto serviu como matéria para as
elaborações teóricas de Marx quanto à revolução socialista, tomada pelo Velho
Mouro, por vezes, simplesmente como “a revolução social”. O movimento que se
inicia na Rússia em 1917, como uma revolução social, seria então “um movimento
capaz de provocar ruptura significativa no mundo capitalista e transferir o poder para
os grupos populares” (GRANGEIRO, 2016, v. 3, p. 160).
Camargo e Mocellin (2016) - diferentemente da maioria dos autores de livros
didáticos - liga diretamente a construção do processo revolucionário russo com o
desenvolvimento do Stalinismo. Na verdade, a narrativa referente à revolução serve
tão somente para introduzir os estudantes ao tema do Stalinismo: o assunto então é
tratado em um capítulo dedicado aos regimes totalitários europeus.
As definições dadas ao processo revolucionário russo, assim como seu
enquadramento, dão-nos claramente a ideia da concepção dos autores: “Esse
período ficou conhecido como Revolução Russa, e caracterizou-se por uma série de
conflitos liderados por manifestantes contrários a autocracia russa” (MOCELLIN;
CAMARGO, 2016, v. 3, p. 56). Os autores não se propõem a fazer uma análise
sobre o processo revolucionário e sua natureza e de forma alguma esclarecem
quanto ao tipo de revolução teria se concretizado na Rússia do início do século XX.
A revolução não seria mais do que um abrir de portas para o totalitarismo de Stalin.
Na coleção “História: Passado e presente”, a forma como separam a tomada
do poder por parte dos bolcheviques, com o desenvolvimento posterior da
sociedade, aparenta indicar que a revolução tem seu término com a tomada do
poder: os processos de transformação pelos quais a sociedade russa teria passado
depois disso, nesse sentido, não fariam parte do processo revolucionário.

Depois da Revolução de Outubro, o novo governo, comandado por Lenin,


estatizou as fábricas, estradas de ferro e bancos e confiscou os bens da
Igreja. As grandes propriedades foram expropriadas e distribuídas aos
camponeses. (AZEVEDO; SERIACOPI, 2016, v. 3, p. 39)

Embora se fale, dentro da própria tradição interpretativa dos revolucionários


russos, em uma revolução de 1905, uma revolução de fevereiro de 1917 e uma
revolução de outubro de 1917, a tradição marxista compreende esses momentos
71

como parte de um mesmo processo; ao contrário dos autores Azevedo e Seriacopi


(2016). A ideia da revolução enquanto um movimento de tomada do poder e não
como um processo que inclui a tomada do poder, mas que vai além, mostra-se
comum em vários dos livros estudados. Isso demonstra pouca reflexão sobre o
conceito de revolução ou a sua aceitação enquanto um simples golpe de força que
derruba um governo erigindo outro em seu lugar.
Cotrim (2016), ao contrário dos autores anteriormente citados, compreende a
revolução como um processo que se desenvolveu durante anos. Para o autor, o
processo revolucionário russo se inicia em 1917 e se conclui em 1920, com o fim da
guerra civil. Gilberto Cotrim, ao contrário da tradição da literatura revolucionária 22,
trata o movimento de 1905 na Rússia como uma revolta e não uma revolução ou
como parte constitutiva do processo revolucionário que culmina em 1917. Trotsky e
Lenin, entre outros, diriam ser a Revolução de 1905 o grande ensaio geral da
revolução de 1917.
Em Gilberto Cotrim, o processo revolucionário iniciado em março de 1917
estaria dividido em Revolução Branca, Revolução Vermelha e Guerra Civil e
encerrar-se-ia em 1920. Embora tenha pensado em um processo mais longo que a
maioria dos autores, ainda assim, a revolução se restringiria ao período de conflito
armado.
O cuidado com a distinção e o aprofundamento acerca dos conceitos de
revolução, revolução social ou revolução socialista em relação ao processo
revolucionário russo é muito pouco entre os autores estudados. Alfredo Boulos, por
exemplo, em uma seção chamada Para saber mais, apresenta suscintamente em
seus desenvolvimentos históricos as correntes socialistas e anarquistas como
correntes políticas que tiveram influência sobre a Revolução Russa. No entanto, em
nenhum momento dessa discussão, toca na questão da centralidade da revolução,
questão tão cara tanto para os socialistas quanto para os anarquistas. 23
Dentro de um capítulo intitulado Direitos na América Latina: lutas e conquistas,
Mocellin e Camargo desenvolvem um tópico sob o título de Revoluções. Neste, são
analisados os movimentos do México e de Cuba como sendo revoluções que têm
como pano de fundo a luta por emancipação política e econômica em face às

22
Lenin, Trotsky, por exemplo, denominam a revolução de 1905 como o Ensaio Geral da revolução
de 1917.
23
BOULOS, Alfredo, História: Sociedade e cidadania, Volume 3, p. 37-38.
72

classes dirigentes locais e também ao imperialismo. Quanto à Revolução Mexicana,


afirmam:

… o movimento revolucionário não reivindicava apenas mudanças


políticas superficiais, mas também transformações econômicas e
sociais que tivessem efeito positivo sobre a vida da população pobre
e trabalhadora – rural e urbana – do México. (MOCELLIN;
CAMARGO, 2016, v. 2, p. 139)

Da mesma forma, em Por dentro da história, os autores enfatizam a


participação das massas camponesas lideradas por Zapata e Villa em torno da
questão da propriedade de terra e também as consequências da revolução que
tiveram repercussão tanto no campo quanto na cidade, somando a reforma agrária e
o desenvolvimento de uma legislação trabalhista, por exemplo.

No sul, Zapata comandava uma vitoriosa experiência de reorganização das


terras comunais, enquanto no norte, Villa se dedicava a uma incômoda
guerra de guerrilhas, com amplo apoio popular. Em 1917, o governo
promulgou uma nova constituição para o México. Avançada, incorporava
inúmeras conquistas sociais, como a reforma agrária e a legislação
trabalhista. Criou condições ainda para uma reestruturação do Estado.
(SANTIAGO; CERQUEIRA; POSTES, 2013, v. 3, p. 133)

Campos e Clara (2013) fazem uma interessante análise, dando à Revolução


Mexicana um caráter duplo. Primeiro, estaria colocado um retorno a uma
determinada origem, a um passado em que a relação com a terra era baseada nos
laços comunais indígenas: “A revolução Mexicana veio romper com essa negação
do passado e buscar as origens do “ser mexicano”, em uma tentativa de
reintegração das tradições indígenas” (CAMPOS; CLARA, 2013, v. 3, p. 39). A outra
face da revolução estava em seu caráter progressista que se firmava em relação às
camadas urbanas e às estruturas de Estado: “A força da revolução havia alterado as
estruturas sociais do México. O programa de reformas não era radical, mas estava
carregado de avanços sociais” (CAMPOS; CLARA, 2013, v. 3, p. 39).
Braik e Mota (2013), também afirmam uma duplicidade em relação ao caráter
da revolução. Chegam até mesmo a falar em duas revoluções: uma liberal, outra
popular; acentuam, porém, dois aspectos diferentes dos autores anteriormente
citados:
73

A revolução dos liberais […] propunha diversificação econômica e


aceleração do desenvolvimento capitalista do México. A revolução popular,
sob o comando de Villa e Zapata, desejava a reforma agrária, o
reestabelecimento das comunidades indígenas e a reformulação nas
relações de trabalho. (BRAIK; MOTA, 2013, v. 3, p. 232)

A Revolução Mexicana, nas coleções em que se faz presente, demonstra uma


relativa profundidade de análise não vista quanto a alguns dos outros processos
revolucionários, como notadamente a Revolução Russa. Inexiste, quanto à
Revolução Mexicana, a tensão política que está presente no tratamento da
Revolução Cubana e, principalmente, no estudo da Revolução Soviética.
Tradicionalmente, o estudo de tais processos nos livros didáticos, como na
historiografia de forma geral, está marcado por questões políticas de um debate vivo
e caloroso: a crítica à propriedade privada, por exemplo, é um elemento central
dentro desses processos revolucionários, e o cerne de polêmicas que, na maioria
dos livros, não são levadas às últimas consequências.
A Revolução Cubana abalou todo o continente, tornando-se, inclusive, um
símbolo da resistência ao imperialismo e da possibilidade de transformação radical
das sociedades do chamado terceiro mundo. As figuras de Fidel Castro e,
principalmente, Che Guevara tornaram-se sinônimos de revolução e atraíam
milhares de pessoas ao redor do mundo. Apesar da potência histórica que teve o
movimento e as polêmicas que, ainda hoje, giram ao redor de Cuba e de sua
revolução, o assunto é tratado timidamente na maioria das coleções de livros
didáticos de História.
Em seu História e Debate (2016), Camargo e Mocellin passam muito
sucintamente sobre o tema da Revolução Cubana ao tratar da Guerra Fria: esse tipo
de abordagem se reproduz em outros livros que, da mesma forma, tratam o tema de
forma superficial.
Para os autores citados, “A revolução Cubana teve um caráter democrático-
popular e contou com o apoio de diversos setores da sociedade” (MOCELLIN;
CAMARGO, 2016, v. 2, p. 141). A análise do processo revolucionário cubano,
todavia, não vai muito além dessa afirmativa: denota a expropriação das empresas
estadunidenses, o choque com essa superpotência e a repressão aos opositores; no
entanto, perdem-se os elementos definidores da revolução.
74

O processo que opôs o governo revolucionário cubano e os EUA, levando o


primeiro a se alinhar à URSS e ao socialismo é omitido em alguns dos livros
estudados, o que deixa a falsa ideia de que a natureza da revolução cubana é,
desde o início, socialista. A impressão dada é a de que existia, por parte dos
revolucionários, um projeto de caráter socialista antes da tomada do poder, o que é
negado pela maioria da bibliografia especializada: essa ideia deixa de lado a
dinâmica das relações políticas em jogo. Afirmam, por exemplo, Azevedo e
Seriacopi:

Liderado por Fidel Castro, o governo revolucionário desapropriou grandes


latifúndios, distribuiu terras entre os camponeses e nacionalizou as grandes
empresas, muitas delas de origem estadunidense. Em 1962, Fidel Castro
reconheceu publicamente o caráter socialista da revolução. (AZEVEDO;
SERIACOPI, 2016, v. 3, p. 147)

É como se o caráter socialista da revolução, omitido até então, fosse revelado


em 1962, sem compreender que as medidas tomadas pelo governo revolucionário
cubano, naquele momento, não se distanciavam de uma demanda democrática-
nacionalista, ainda sem o caráter sociopolítico que vai adquirir mais tarde, fruto das
tensões políticas e das necessidades de sobrevivência da revolução.
Gilberto Cotrim (2016) não foge à regra da superficialidade quanto ao processo
revolucionário cubano: embora destaque elementos centrais da revolução, não
avança em relação à análise da constituição do processo histórico e das
transformações inerentes a este.
Afirma o autor em seu conhecido livro, História Global:

Após a tomada do poder, a Revolução Cubana caminhou rumo ao


socialismo. Entre suas primeiras medidas, destacou-se a reforma agrária,
pela qual o uso da terra por estrangeiros e latifundiários cubanos foi proibido
e as propriedades foram confiscadas pelo Estado. (COTRIM, 2016, v. 2, p.
163).

O desenvolvimento da Revolução Cubana é marcado pelo conflito com os


EUA, o qual leva o governo revolucionário a se aproximar da URSS e assumir um
caráter socialista.

Na história latino-americana, a Revolução Cubana distinguiu-se por romper,


pela primeira vez, com a tradicional influência dos Estados Unidos sobre a
América Central. Além disso, seus líderes construíram o primeiro Estado
75

Socialista do continente, baseado no modelo soviético. (COTRIM, 2016, v. 2,


p. 164).

Em Gilberto Cotrim, o conflito entre Cuba e EUA torna-se o centro da narrativa


sobre a revolução; porém o processo que levou à tomada de poder assim como o
processo de transformações profundas pelos quais passou a sociedade cubana são
tratados sem significativa acuidade. A revolução, nesse sentido, perde sua força
enquanto processo de ruptura e de irrupção do novo.
Clara e Campos resumem boa parte de seu texto sobre a Revolução Cubana
na análise dos personagens e no mito criado em torno de Fidel e Guevara. Sobre a
morte desse último, os autores afirmam que “Guevara morreu num instante em que
o mundo, a sociedade e a política pareciam passíveis de transformação” (CAMPOS;
CLARA, 2013, v. 3, p. 182). A ideia que a referida passagem nos dá é a de que uma
transformação radical, como almejada por Guevara, uma revolução social, é algo
que não é mais possível em nossa época. A transformação radical da sociedade foi
possível, ou parecia ser possível; mas já não mais o seria. Essa é uma ideia
recorrente, a qual aparece explícita ou implicitamente nos livros de didáticos de
História, sendo que os autores, nesse sentido, demonstram um compromisso com a
ordem vigente e a ausência de uma perspectiva que vá para além dos limites dessa
ordem. Assim, a História, que deveria ser parteira de possibilidades diante da ação
humana em sociedade, é apresentada como que presa a um presente que tende a
se repetir indefinidamente, sem mudanças significativas.

Em Por dentro da história

...o movimento se alastrou, ganhando amplo apoio da população, sobretudo


de camponeses e trabalhadores urbanos. Aos poucos foi avançando no
território, formando cidades até chegar a Havana, a capital do país, no dia
1º de janeiro de 1959. O ditador já havia fugido. A revolução tornava-se
vitoriosa. Instaurado no poder, o novo governo, sob a liderança de Fidel
Castro tomou rápidas medidas para contornar os problemas sociais, entre
eles a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras.
(SANTIAGO; CERQUEIRA; PONTES, 2013, v. 3, p. 134)

A proximidade física e temporal e o impacto ideológico da Revolução Cubana


em relação ao Brasil fez com que esse movimento tivesse, e ainda hoje tenha, um
grande peso nos embates políticos e ideológicos. Cuba e sua revolução são alvos
de duras críticas à direita e à esquerda, fato que poderia enriquecer o debate sobre
76

o processo revolucionário e sobre a revolução em termos conceituais e teóricos mais


amplos nos livros didáticos. No entanto, o debate sobre o processo revolucionário
cubano, ao invés de ser enriquecido por essa contenda, é minimizado por receios
quanto ao tratamento de uma polêmica tão viva e tão próxima de nós. Em alguns
dos livros, a Revolução Cubana não passa de um efeito colateral da Guerra Fria,
tratada sem a profundidade de um processo revolucionário que, não só alterou
profundamente a realidade da “Ilha de Fidel”, mas repercutiu internacionalmente de
forma pujante.
Com relação ao Brasil, torna-se relevante a abordagem dada ao Movimento de
1930, o qual levou Vargas ao poder e causou a derrocada da oligarquia paulista:
grande parte dos autores utiliza o termo Revolução de 30 sem que se faça uma
mínima reflexão sobre o conceito e sua aplicação. Poucos autores de livros didáticos
problematizam o uso desse conceito para o movimento encabeçado por Vargas,
ainda que se tenham dadas, em importantes obras, reflexões extremamente
pertinentes, muitas delas partindo das concepções de Marx e do Marxismo.
A coleção História, encabeçada por Vainfas, é um caso à parte, já que sua
concepção de revolução faz com que o conceito abarque uma gama vasta de
movimentos. Nessa coleção, o Movimento de 1930 é enquadrado concretamente
como uma revolução, sem maiores problemas teóricos: para os autores, é um
movimento de ruptura que, embora não, necessariamente, tenha trazido em seu
bojo profundas transformações sociais, modificou as relações políticas no Brasil, o
que, em sua compreensão, é suficiente para caracterizá-lo como um movimento
revolucionário.
Diferentemente, os irmãos Vicentinos, diante da chamada “Revolução de 30”,
no Brasil, enfatizam as diferentes interpretações históricas e colocam em relevo a
crítica ao uso do termo para classificar o movimento.

Os acontecimentos de 1930 deram origem a diversas interpretações


historiográficas. As mais tradicionais acreditam que o ano da Revolução foi o
fim do poder das oligarquias. Outras análises, entretanto, afirmam que a
chegada de Vargas ao poder não representou uma ruptura histórica e sim
um reordenamento das elites em oposição aos movimentos sociais e aos
interesses da população, que se mostrava cada vez mais exigente. A frase
“faça-se a revolução antes que o povo a faça”, atribuída ao governante de
Minas Gerais e “revolucionário” de 1930. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
dá sustentação a essa visão. (VICENTINO, 2016, v. 3, p. 119)
77

Apesar de apontar para diferentes interpretações sobre o movimento que o


caracterizariam ou não como uma revolução, os autores reforçam sua perspectiva
no sentido de que não houve mudança relevante nem mesmo nas estruturas
políticas; consequentemente, os autores se alinham a uma segunda linha
interpretativa: “Segundo outra interpretação, a revolução não passou de um golpe
composto por civis e militares que não representavam um rompimento radical”
(VICENTINO, 2013, v. 3, p. 119-120).
Em Caminhos do Homem, o uso do conceito de revolução aplicado ao
movimento de 1930 é refutado, ao mesmo tempo em que os autores explicam o
motivo de se ter convencionado tal uso na historiografia brasileira.

…as lideranças civis e militares que estiveram à frente do movimento


político de 1930 é que o denominaram de “Revolução de 1930”. Essa
expressão, embora inadequada, foi consagrada a partir da construção de
uma memória oficial sobre os acontecimentos daquele ano que levaram ao
poder um representante da oligarquia rio-grandense, Getúlio Vargas. Afinal
não ocorreram mudanças revolucionárias no contexto do movimento de
1930. (MARQUES; BERUTTI, 2013, v. 3, p. 203)

Para autores como Marques e Berutti e Claudio Vicentino, a utilização


indiscriminada do conceito de revolução para o Movimento de 1930 é corrente entre
uma gama significativa de autores. O uso do conceito para o acontecimento em
questão, porém, teria se tornado convencional pela imposição da memória histórica
dos vencedores que, buscando legitimar seu movimento, o denominavam enquanto
revolucionário. Em relação ao Golpe Militar de 1964, um esforço no sentido de dar a
conotação de revolucionário para o movimento foi patente. No entanto, a força do
movimento de oposição ao Regime Militar, a produção historiográfica especializada
que se fez no esteio desse movimento e a renovação na elaboração dos livros
didáticos ocorrida na década de 1980 permitiu que se generalizasse a
caracterização correta do movimento de 1964 enquanto golpe de Estado. Quanto ao
movimento de 1930, porém, a confusão perdura.
No capítulo dez do volume três da coleção Conexões com a História, chamado
Revolução e protesto nos anos 1960, os autores tratam da revolução enquanto
conceito e prática a partir do Maio Francês. Esse momento histórico seria uma
virada significativa na concepção de revolução e nos objetivos de mobilização dos
sujeitos históricos em ação.
78

A própria ideia de revolução também foi transformada. Os movimentos


estudantis ainda adotavam o vocabulário e as referências ideológicas do
pensamento marxista. O objetivo, contudo, não era realizar uma revolução
violenta, como a Revolução Russa ou a Revolução Chinesa. (ALVES;
OLIVEIRA, 2013, v. 3, p. 195)

Continua:

Os estudantes não estavam interessados em tomar o poder por meios


violentos. Tratava-se muito mais de recusar, por meio do comportamento,
do vestuário e dos protestos, o modo de vida massificado e padronizado
imposto pela sociedade de consumo, buscando-se um modo de vida mais
significativo e autêntico. (ALVES; OLIVEIRA, 2013, v. 2, p.157)

As duas passagens demonstram aspectos importantes a respeito da


concepção do autor sobre revolução e sobre a ação política das massas. Embora o
autor procure desvincular as referências político-ideológicas dos estudantes de seu
objetivo de transformação radical da sociedade, em relação ao qual estaria ligada a
violência revolucionária, os próprios enfrentamentos de estudantes e trabalhadores
contra as forças repressivas do Estado francês desmentem o suposto pacifismo do
movimento. Quanto à ideia de revolução do autor, as passagens indicam uma
aversão ao uso da violência por parte dos dominados. Podemos, nesse sentido,
remetermo-nos à ênfase dada por Alves e Oliveira aos movimentos sociais
identitários e à ação política dentro da ordem social. Se há espaço ainda para a
revolução, ela não necessariamente utilizaria da força ou abalaria as estruturas
vigentes da sociedade capitalista burguesa.
79

3. CONSIDERAÇOES FINAIS

Apesar de ser um conceito central em Marx e no Marxismo, não podemos


esperar encontrar no autor ou em seus seguidores um conceito fechado e monolítico
de revolução. Marx busca captar os processos históricos em seu movimento, e,
nisso, os próprios conceitos estão postos em movimento, em uma relação dialética
com a realidade estudada. Em Marx, o conceito aparece no desenvolvimento de
suas análises e, para compreendê-lo, devemos surpreendê-lo em seu “salto dialético
sob o céu livre da História”, como afirmou Walter Benjamin. O conjunto da obra
marxiana, em sua relação com o movimento do proletariado, sujeito histórico da
revolução, possibilita-nos, como em nenhum outro teórico, como em nenhuma outra
corrente, uma análise pujante do conceito em sua efetivação diante dos processos
históricos.
Não há como, seriamente, analisar o tema da revolução sem que se referencie,
de algum modo, Marx e o Marxismo. Embora não tenha criado o conceito de luta de
classes, na verdade surgido entre os historiadores liberais, esse conceito tornou-se
notavelmente um “conceito marxista”. Da mesma forma, o conceito de revolução,
embora longe de ter se originado entre os marxistas, guarda com essa corrente
teórico-prática uma relação indissolúvel. Passar ao largo dessa relação, quando se
trata do tema, é uma tarefa quase impossível de ser realizada.
No decorrer da leitura de seus livros, “perguntamos a Marx”: o que é
revolução? A resposta em nenhum momento teve a objetividade da pergunta feita.
Marx responde a questão sempre procurando alcançar a concretude do movimento
de massas. Tendo em vista diferentes contextos, respostas são dadas, marcadas
pela dinâmica da luta de classes. Nesse sentido, poderíamos procurar formar uma
colcha de retalhos com as inúmeras passagens que tratam do tema ou com as
pistas deixadas pelo Velho Mouro em seu caminho. O resultado, no entanto, não
seria satisfatório e não expressaria o que a teoria tem para nos oferecer.
Acompanhar o movimento da teoria que, por sua vez, acompanha os processos
históricos de sua época parece ser o melhor caminho.
No Brasil, nos livros didáticos de História, o conceito de revolução está, de uma
forma ou de outra, intrinsecamente ligado ao legado do Marxismo. Explicitamente ou
nas entrelinhas, podem-se ver presentes as concepções do Marxismo reafirmadas
80

ou confrontadas pelos autores de tais livros. Marx e os mais importantes nomes de


historiadores marxistas, estudiosos dos processos revolucionários são recorrentes
dentro das bibliografias dos livros didáticos. Os modelos interpretativos, derivados
diretamente de Marx, fazem-se presentes, embora se possa dizer, de modo geral,
que se encontram nos livros didáticos de maneira muito pouco clara ou em um alto
grau de empobrecimento teórico.
Nos capítulos referentes à Revolução Francesa, encontra-se o centro do
debate sobre o conceito de revolução. Não por coincidência, é o momento em que o
conceito, como mais comumente aceito, é consolidado. É, geralmente, nessa altura
dos livros didáticos de História que se colocam os elementos que caracterizam para
cada autor o debate sobre o conceito de revolução, mesmo entre os que
compreendem a Revolução Inglesa como uma revolução burguesa de fundamental
importância para a consolidação do capitalismo e do poder político da burguesia
mundo afora. Ainda assim, o momento em que se discute o conceito é durante o
tratamento do movimento francês.
Em grande parte dos livros estudados, o esquema explicativo da Revolução
Francesa e Inglesa são os esquemas de explicação do Marxismo: as referências
bibliográficas se repetem constantemente, na verdade, fruto da posição do Marxismo
quanto às explicações acerca dos processos revolucionários. Hobsbawm, Vovelle,
Hill, são os autores mais citados, podendo-se encontrá-los na maior parte da
bibliografia estudada. O velho Marx, apesar de aparecer em poucos momentos da
bibliografia, e em poucas citações, está presente de forma indireta na maior parte
dos livros didáticos no que diz respeito ao estudo das revoluções.
Alguns poucos autores dos quais estudamos põem explicitamente em questão
as interpretações marxistas em torno das Revoluções Inglesa e Francesa. Quanto
ao processo revolucionário francês, o contraponto geralmente colocado é o dos
revisionistas, os quais se lançaram contra o domínio da vertente marxista,
procurando colocá-la em cheque, tanto à França do século XVIII assim como ao
mundo contemporâneo. Uma grande quantidade de livros foi lançada no segundo
centenário da Revolução Francesa, procurando uma reinterpretação que diminuísse
o papel da luta de classes e do impacto da revolução; muito pouco desse debate
aparece explicitamente nos livros didáticos brasileiros, porém. François Furet, o
81

grande representante dessa vertente, figura em não mais de dois dos livros didáticos
do atual Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
Existe uma linha que liga a crítica do revisionismo da Revolução Francesa à
Revolução Russa. Uma parte desses revisionistas retroage até o Iluminismo. Assim
sendo, a razão iluminista seria a raiz da violência revolucionária, tendência maléfica
a ser extirpada das sociedades contemporâneas, segundo a perspectiva política
liberal ou teórico-revisionista. Essa ideia, embora não esteja claramente presente na
maioria dos livros didáticos de História, teve repercussão no universo intelectual
ocidental e possui determinado peso sobre as elaborações que condenam qualquer
possibilidade de ação revolucionária no mundo contemporâneo.
Os livros se aprofundam quanto às Revoluções Francesa e Inglesa e mostram-
se um tanto superficiais quanto aos processos revolucionários que estão mais
próximos de nós ou quanto mais são impactantes sobre a nossa realidade e às lutas
políticas e sociais travadas na contemporaneidade. Quanto mais vivo é o debate
para o nosso tempo, maior é a dificuldade que os autores têm para analisar mais
profundamente os movimentos revolucionários, fruto óbvio das pressões ideológicas
que aparentam se aprofundar em um próximo ciclo de produção de livros didáticos
de História.
Marx, como ele mesmo afirmou, não descobriu a luta de classes: os autores
franceses que escreveram os clássicos contemporâneos da revolução já utilizavam
o termo. No entanto, Marx e os marxistas se apropriaram desse conceito e lhe
deram um maior peso em suas análises. A luta de classes e a perspectiva da
revolução, embora tenha sido abandonada por muitos, continua a ser uma força
viva, cuja simples pronúncia pode instigar ódio ou paixão.
82

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