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a a E E P o— wn gs A NOD REPENSANDO A HISTORIA Po oE—& oN gs A ND REFORMAS RELIGIOSAS o 0 LUTERO E CALVINO . A CONTRA-REFORMA E OS JESUITAS A CRISE DA MODERNIDADE FLAVIO LUIZETTO i ii : a = r Zee ' Digitalzado com CamScanner Copyright © 1989 Flavio Luizetto Projeto Grafico e de Capa: Sylvio de Uthoa Cintra Filho tragao de Delalhe de Matanga do dia de Sao Bartolome, wade oe dleo do século XVI de Francois Dubois, Composigao: Veredas Editorial Dados de Catalogacao na Publicacao (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) —_— to, Flavio, 1942— Reformas religiosas / Flavio Luizetto, - S40 Paulo : Contex- to, 1989. — (Repensando a histéria) Bibliograta, 1, Contra-teforma 2. Reforma |, Titulo. I, Série, ISBN 85-85134-49-6 CDD-270.6 89-0952 -940,23 Indices para catélogo sistematico: }, Contra-Reforma : Europa: Histéria 940,23 & Conira-Refoma: Igreja cist: Histria 270.6 3. Reforma, 1517-1648: Europa: Histéria 940,23 4: Reforma, 1517-1648: lgreja cist: Historia 970.6 1989 Proibida a reprodugao total ou parcial Todos os dieitos reservados 4 | EDITORA CONTEXTO (Editora Pinsky Lida), Rua Carlos Norberto de Souza Aranha, 316 05450 — So Paulo ~ SP — Fone: (011) 211-2654 Digitalzado com CamScanner O Autor no ContextO ..... see e cece eee reece ener 7 IntrodugdO eo eee cence eee eee eee nents 9 4. A Origem e a Difusao da Reforma . . 12 2. Aldéiada Reforma ....... 0s eee cece eee eee 25 3. Lutero — A Doutrina da Justificagao pelaFé .......... 35 4, Calvino — A Doutrina da Predestinagao ...........005 44 5. AContra-Reforma 26... eee e eee e nent eee e eens 53 6. CONCIUSAO 6. eee e eee eee eee eee eee eens 66 Sugestdes de Leitura 2.66.2... e eee eee eee eee eee 68 O Leitor no ContextO ....... eee e cece eee ene . ses 70 Digtalzado com CamScanner RRR ATONE ETE TR oO AUTOR NO CONTEX TO (TT TE RIT ET PEN SE MT Flavio Luizetto é paulistano. Fez os cursos primario e secun- dario em escolas de confissdo protestante e catélica. Graduou-se em historia pela Universidade de Sao Paulo. Lecionou em varias escolas secundarias oficiais e particula- tes. No ensino superior lecionou, entre outros, no Instituto de Psi- cologia, Letras e Histéria da UNESP. Atualmente é professor do Centro de Educago e Ciéncias Humanas da Universidade Federal de So Carlos. ‘ Sua pesquisa de mestrado versou sobre os trabalhos da As- sembléia Nacional Constituinte de 1934. A pesquisa de doutorado focalizou a presenga do pensamento anarquista no Brasil, no prin- cipio do século, em dois aspectos — na educagdo e na prosa de ficgao. autor de artigos publicados em varias revistas e do livro Utopias Anarquistas. A seguir, Flavio Luizetto responde a trés questdes: 1. Por que, depois de ter defendido uma tese e escrito um li- vro sobre 0 anarquismo, vocé estuda aqui as Reformas Religiosas do século XVI? R. A seqiiéncia da divulgacdo dos estudos nem sempre cor- responde a ordem em que esses estudos sao realizados. Casos desse tipo nao sao dificeis de acontecer. O meu interesse pelas doutrinas anarquistas é bem recente e ligou-se a uma pesquisa sobre a participagaéo de militantes e simpatizantes do movimento 7 Digitalzado com CamScanner | ‘em cortas manifostagdes culturals no Brasil, no Seja como for, as idéias na acepgfio de doutrinas, 80 lo, a minha atengdo, sobretudo quando se Manifestam pre Atralran, mais fascinante, isto 6, quando questionam, indagarn Sua ma As doutrinas, sejam elas religiosas, politicas oy ~ ee em raizes fortemente {ixadas no solo histérico; tém 80U8 fun eas én promissas e objetivos; néo séo meros “reflexos" da reali dae, parte da realidade; nao pretendem apenas “explicar" oy md 0 tar” 0 mundo, mas também almejam atuar nele, lerpre. PrINCIpIO dg «, 2. Vocé acredita que de alguma forma o mundo cristéo de hoje ainda esta polarizado entre catdlicos e pro como hé 400 anos atrds? R. A diviséo do mundo ocidental cristo em Teligides opostas e rivais nao tem, atualmente, 0 mesmo significado que tinha no Passado, ainda que, em certos lugares, como na Irlanda, por exemplo, ocorram conflitos envolvendo grupos pertencentes a dife- Tentes confissGes religiosas. No século XVI, principalmente, mas ainda nos séculos seguintes, a Teligiao oficial de um pais gerava efeitos de grande monta no campo das relagdes intemacionais, especialmente no terreno das Telagdes politicas e econdémicas. Até mesmo no campo das relagGes sociais a religido representava um destacado papel, pois de acordo com a filiagéo de um individuo a uma ou a outra confissdo crista, portas se abriam ou se fechavam para ele, tanto no aspecto cultural, social como no profissional. Hoje, a divisdo do “mundo ocidental cristao” da-se segundo crité- tios de outra espécie, sobretudo de natureza Politica ou socioldgi- ca: democracias ou ditaduras; liberalismo ou socialismo e assim por diante. OCidental testantes 3. O fato de sermos ‘o maior pais catélico do mundo” tem algo a ver com a crise politica e moral na qual o Brasil esta mer- gulhado hd décadas? R. N&o creio que se possa estabelecer uma relacao do tipo Causa-efeito entre a condigao teligiosa da populagao e a condicao sécio-econémica e Politica do pais, Seria preciso, para tanto, admi- tir previamente uma enorme capacidade de influéncia da religido Sobre a realidade, coisa que ndo me parece plausivel nos tempos atuais entre nés. O catolicismo nado provoca a miséria, assim como © protestantismo nao cria a riqueza. O catolicismo nao pode ser fesponsabilizado pelo subdesenvolvimento como também nao se Pode esperar que gere o desenvolvimento. Digitalzado com CamScanner No final da Idade Média e inicio dos Tempos Modemos, a cristandade viveu o impacto de dois importantes eventos: a Re- forma e a Contra-Reforma. Estudar esses assuntos significa, apa- rentemente, estudar matéria de natureza exclusivamente religiosa. Mas s6 aparentemente, porque a histéria espiritual da Europa no século XVI ndo pode ser examinada isoladamente da histéria so- cial, politica e econémica da época. Dessa forma, sem desprezar os aspectos propriamente religiosos daqueles movimentos, este texto pretende destacar as suas relagdes com a sociedade glo- balmente consideradas. Uma narrativa sobre a Reforma requer um esclarecimento prévio acerca das linhas de interpretagdo que esse evento hist6- rico admite. Sobre o assunto pode-se alinhar trés posicionamentos: um deles atribui demasiada importancia 4 ago individual dos refor- madores, superestimando, conseqlientemente, o papel de Lutero e de Calvino nos acontecimentos; um outro, que toma uma dire¢ao inversa, tende a minimizar a participagdo dos reformadores no mo- vimento e a superestimar o contexto histérico; finalmente, pode-se Considerar 0 posicionamento que pretende evitar os excessos co- metidos pelos anteriores e procura avaliar 0 peso relativo dos indi- 9 Digalzado com CamScanner ae Ys viduos @ 0 das circunstncias histétlcas no desenrolar dos cimentos, O ultimo procedimento parece o mais adequado, Com efeito, um movimento religioso téo complexo quanto o da Reforma nao pode ser visto apenas como resultado da acag isolada de individuos. Nao se trata de questionar a importancia de Lutero e de Calvino nos acontecimentos: eles apresentaram Solu- gdes religiosas as necessidades espirituais de uma Cristandade que ja nao satisfazia as suas dtividas nem com a liturgia nem corm os dogmas da Igreja romana. E preciso, portanto, observar a cang por inteiro, 0 que significa dirigir um foco de luz sobre 0 outro Par- ceiro dessa historia: 0 povo cristéo que, na época, experimentava uma crise de religiosidade sem precedentes. Esses assuntos sao desenvolvidos no Capitulo 1, “A origem € a difuséo da Reforma’, onde se procura evidenciar a convenién- cia de conduzir a andlise dos acontecimentos teligiosos do século XVI levando em conta que as tealizacdes individuais sao melhor compreendidas quando examinadas nas suas relagdes com certas condigées sociais, econémicas e politicas. aconta. A intervengao de Lutero e de Calvino no quadro da vida reli- giosa européia no século XVI promoveu uma inflexdo profunda na histdria do cristianismo. Com suas idéias, 0 movimento teformador em curso conheceu uma significativa alteragéo de natureza quali- tativa, na medida em que o centro das discussdes deixou de ser a renovagao do clero e da vida clerical, para se concentrar na ques- tao da reforma doutrinal. A idéia de que a vida religiosa da comunidade crista necessi- tava de uma reforma nao Surgiu, portanto, no século XVI. E possi- vel localizar nos séculos anteriores pessoas interessadas na maté- tia e identifica correntes religiosas agindo no sentido de sua con- cretizacao. Nao lograram, porém, sensibilizar os espiritos e con- quistar prosélitos na mesma Propor¢ao que mais tarde consegui- fiam Lutero e Calvino, Esse é 0 assunto abordado no Capitulo 2, “A Idéia de Reforma’. Os Capitulos 3 e 4 tratam especificamente das doutrinas teligiosas Protestantes, a luteranae a calvinista, respectivamente. Digalzado com CamScanner reza © propssito 6 0 do expor, de modo breve © com a maior clal Possivel, os fundamentos religiosos da doutrina luterana da justifi- cagdo pela {6 © da doutrina calvinista da predestinagao. . As paginas finais do capitulo sobre a doutrina da predestina- 680 sao dedicadas a exposicdo de alguns aspectos da relagéo en- {re © ascetismo laico do calvinismo e o processo de desenvolvi- Mento da modema sociedade capitalista, nos termos propostos pelo historiador e socidlogo Max Weber em um dos seus mais po- 'émicos textos: A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo. A Igreja romana nao assistiu Passiva ao processo que tirava das suas mos 0 controle exclusivo da doutrina crista. O movimen- to da Contra-Reforma tentou reverter a situagdo, Para tanto, Roma utilizou-se de varios recursos: intolerancia, perseguigdes, suplicios; Persuasdo, educagao, evangelizagao. Paralelamente, a Igreja romana tratou também de confirmar € revigorar a sua propria doutrina, de reformar a vida clerical e de estimular a fundagao de novas ordens teligiosas, segundo novos critérios de organizagéo e funcionamento. A Contra-Reforma 6 o assunto desenvolvido no Capitulo 5, que focaliza especialmente duas manifestacdes tipicas desse movimento: a Companhia de Jesus e 0 Concilio de Trento. Digialzado com CamScanner nn A ORIGEM E A DIFUSAO p ee TENDENCIAS INTERPRETATIVAS Os trabalhos mais atualizados sobre a Refon em um importante aspecto interpretativo: nao é pos a tese segundo a qual um movimento que atingiu t Proporcdes resultou apenas da rebeldia de Lute formadores protestantes contra os tao famosos “ @ morais que marcavam a existéncia da Igreja nessa relacdo de excessos a das indulgéncias. ma concordam ssivel sustentar {G0 significativas 0 @ de outros re- “abusos” materiais na época, incluida Controvertida questao do comércio Interpretagdes baseadas em argumentos desse género so Pouco convincentes. E ndo convencem Pela simples razao de que a pratica de atos reprovaveis do Ponto de vista moral ou religioso nao era exatamente uma Novidade no século XVI: no tempo de Gregério Vil e de Sao Bemardo, Provavelmente aconteceram na Igreja tantos “abuso: I s" como na época da Reforma, e nem por 'SSo ocorreu uma ruptura Compardvel a que foi provocada pelo pio” testantismo, Os estudos Mais recentes, entre os quais conta-se 0 de De lumeau, sem deixar de Considerar o decisivo papel desempenha0 Pelos reformadores nos eventos da época, inclinam-se no sent de localizar a otigem desse acontecimento religioso do sécu 12 Digtalzado com CamScanner Xvi em uma série de circunstancias adversas que afetaram o conjunto da vida da cristandade da Europa Ocidental nos séculos precedentes. areca relacic Essa metodologia proporciona uma visdéo abrangente dos f particular de rebeldia de um monge agostiniano indignado cor a Igreja em geral e com os seus companheiros de habito em esp: cial, € passa a ser observada como uma resposta religiosa as ne- cessidades espirituais de uma cristandade que nao encontrav solugdes para as suas angiistias nem na liturgia nem na dogmaiti. ca da Igreja romana. - O enfoque de tipo estrutural da Reforma procura situé-la em Entretanto, 0 fato de estudar esse evento nas suas relagdes com as demais instancias da sociedade nao significa que 0 movi- mento protestante deva deixar de ser encarado como uma mani- festacdo fundamentalmente religiosa. A EPOCA DA REFORMA O periodo que antecedeu a Reforma — mais precisamente dos dois séculos que a precederam — costuma ser descrito pela historiografia como um periodo de crise. Os séculos XIV e XV fo- ram tempos agitados, tempos de dificuldades econémicas e de ruptura da paz social. Focalizando 0 século XIV observa-se que o fato mais impor- tante a ser retido desse tempo é a desorganizacao econdmico-so- cial da Europa. 13 Digtalzado com CamScanner A Trilogia de Catastrofes A série de dificuldades que atingiu a vida do mundo nessa Opoca manifestou-se de varias maneiras. Em primeira lugar 6 preciso recordar a trilogia de ‘catastrofes qué abalow de Modo tragico 0 cotidiano de amplos setores da populacéio CUM PSiang periodo: a fome, as epidemias e as guerras. Tendo em vista as condigées de vida da Europa medi deve-se, antes de tudo, levar em conta ajsituagaoidal agricultura, ia que esse setor da economia representava a maior parte da Produ- (a0 e era a principal fonte de sustentagaio da populagao. Até 0 século XIV, pode-se dizer que havia um certo equilibrio entre a producao de géneros alimenticios e as necessidades de consumo: os homens do século XiIll podiam acreditar que haviam alcangado um limite de seguranca tal, que os colocava ao abrigo dos assaltos de fome. Todavia, j4 na abertura do século XIV, 0 cendrio acima des- crito alterou-se de modo significativo, desencadeando uma onda de dificuldades. de todo_o género:_assistiu-se.em.toda a parte a uma acentuada queda da produtividade do: ‘solo;.a produgao de ce- Teais, especialmente do trigo, da cevada e da aveia, base da ali- mentagao, sofreu uma brusca queda; caiu também o indice de ar- rendamento das terras cultivaveis e em muitas Partes da Europa cessou por completo a abertura de novos campos de cultivo. Em sintese, a produgdo agricola européia retraiu-se sensivelmente ao longo do século XIV. Entrestantas_outras conseqliéncias da redugdo da produgdo agricola, vale lembrar que © fenémeno afetou a renda da popula- 40, prejudicou o abastecimento das cidades e gerou uma carestia dos géneros alimenticio, Aquele equilibrio ideal existente entre a Producao e o consumo fompeu-se. O resultado desse descompas- SO nao tardou a se manifestar: miséria, fome, doengas e toda a espécie de dificuldades correlatas, Os precos elevados e as epidemias sao fendmenos associa- dos: desde osinicio. do século-XIV. intensifica-se o ciclo recorente entre carestias e epidemias: uma Populacao debilitada pela suba- limentagao decorrente de um, dois ou trés anos de colheitas ruins oferece menos resisténcia aos ataques das enfermidades. A redu- Cristo ieval, 14 Digitalzado com CamScanner gao do ntimero de bragos disponiveis para o trabalho — sem a re- dugao, Na Mesma proporgdo, do ntimero de bocas a alimentar — aumenta a possibilidade de sucessivas carestias. Em resumo, a fome, as epidemias e as guerras so elos uma mesma cadeia tragica de catdstrofes que se sucederam ao longo dos séculos XIV e XV, gerando panico, terror e medo na po- pulacao. A mais conhecida guerra do periodo foi a Guerra do: Cem Anos (1339-1453). Também no foi a unica. E convém ler brar que as lutas do periodo ja nao tinham mais o carater de com- bates a moda feudal. Agora eram os reinos que se enfrentavam: por terra e por mar, com bloqueio econémico e expedigGes para destruir os recursos dos adversarios. A desorganizacao geral da economia européia manifestou-se também através do fendmeno do éxodo rural. A fome, as epide- mias e as guerras tiveram uma parcela de responsabilidade nesse acontecimento. E ela nao foi pequena: os camponeses e senhores morreram ou deixaram as suas terras, abandonando os trabalhos agricolas. Os campos deixaram de ser cultivados, ninguém conser- vava 0s caminhos, as cercas e os diques ao longo dos cursos dos rios e canais. Retornaram os matagais, os terrenos abandonados e Os pantanos insalubres. cenesUEEETetedeein pre o CaO ee es ee 4 Digtalzado com CamScanner ON foi decepcionante na medida em que a concentra contribuiu para agravar os problemas do abasteci higiene ja existentes, Estavam presentes, assim, as condigées propicias a favon’ cer o surto de revoltas © agitagdes populares quo Pontilharar historia do perfodo. Essas agitagdes costumam ser Classificadas em trés tipos, segundo seus objetivos e formas de Organizaciig, violéncias espontaneas, banditismo organizado e rebelioes cam. nesas, G40, Populaciona| Mento, carestig e Este quadro de Brueghel (1530-1570) desenvolve um tema bfblico que tocava de perto as camadas deslavorecidas da sociedade européia do século XVI: O Massacre dos Inocentes, As vezes a violéncia popular explodia de modo mais ou me- Nos espontaneo: sem qualquer plano Ppreviamente tragado, sem reivindicagdes bem definidas, sucediam-se assaltos, saques, mor- tes, sendo que a insatisfacao do povo voltava-se indiferentemente Contra a parte mais rica da populagao, as cidades ou os viajantes. Outras vezes as agitacdes ocorriam por meio do banditismo razoavelmente organizado: 0 descontentamento e as dificuldades 16 Digitalzado com CamScanner redundavam na formacao de bandos que circulavam pela Europa, espalhando 0 terror, 0 medo, promovendo assaltos nas mais co- nhecidas rotas de comércio, invadindo e apossando-se de aldeias. E ainda podem ser lembradas as rebeli6es camponesas mi lhor organizadas e dotadas de reivindicagdes sociais e econémica! definidas: melhoria das condigGes de trabalho, aumento dos sal: rios, cancelamento de impostos, etc. O quadro de dificuldades materiais nado engendrou apenas 0 surto de revoltas, motins e sublevagGes populares que marcaram oO periodo. Deve-se também considerar um outro aspecto da crise eu- ropéia, ligado origem do movimento reformador — tema central deste capitulo. Vivia-se, com efeito, em permanente sobressalto: a qualquer hora um povoado poderia ser ocupado e saqueado; a qualquer momento uma doenga poderia dizimar a populagdo de uma comu- nidade; a qualquer instante uma familia poderia desagregar-se sob os efeitos da morte provocada pelo banditismo, pela epidemia ou pela miséria. cana pe aera “Mias s40 sempre tempos de rancores, era preciso achar os culpa- 17 Digitalzado com CamScanner dos'pelas desgracas e, assim, surgiram preconceitos, ddios e ag conseqlientes perseguicdes chacinas. A desagregagao dos valo- res" sociais»e»morais_favoreceu. amplamente as explosées incon. troladas de terror. OS forasteiros-eram acusados de disseminar epidemia. Com isso, acusavam-se OS judeus, que, de acordo com a crenga popular, queriam exterminar 0 povo cristao. desalento geral nao produziu efeitos desastrosos O clima de t u_ social, também» repercutiu.no plano reii- apenas no plano moral 1 7 I racteristicas do periodo abalaram.as pes gioso. As calamidades cal 4 J soas. Os sentimentos de incerteza & de insegurang¢a_nao.afetaram somente a vida terrena; atingiram igualmente a questao da vida apés a morte. E evidente que, na época, as epidemias, guerras € fome; as sublevagées, revoltas, motins e todos os demais acontecimentos adversos e funestos nao foram percebidos como manifestacdes da desorganizacao geral da sociedade. A mentalidade popular — mas nao sé ela — ndo poderia avaliar os fatos como resultantes do que se convencionou chamar de “crise da sociedade feudal”. ‘A @xplicagao_para.as_dificuldades, adversidades e calamida- desde toda a espécie_fundamentou-sesemsoutros critérios, de acordo»com™os valores, habitose costumes correntes na época, fortemente arraigados namentalidade da populagao em geral. Nao, surpreende, assim, que as causas das dificuldades tenham sido atribuidas a fatores extra-sociais, ou, antes, extraterrenos. Era na- tural, tendo em vista os padres culturais da época, que assim se interpretasse a vida, pois a a¢éo do Senhor nao se manifestava apenas nos bons acontecimentos, mas também nos negativos. A mentalidade da época, formada segundo os critérios difun- didos pela Igreja, estava habituada a explicar os acontecimentos histéricos a partir de uma “interpretagdo teolégica” dos fatos. Por isso, as catdstrofes que assolavam a cristandade foram percebidas como um sinal divino a reprovar a vida pecaminosa, os habitos desregrados, a corrup¢do dos costumes, o relaxamento geral da vida. Os individuos e as sociedades sentiram-se culpados e atribui- fam a seus pecados a causa de tantas desgragas. Por esse tempo, quando a vida apés a morte interessava © preocupava os individuos tanto quanto a vida neste mundo, as calamidades e desgracas terrenas pareciam estar prenunciando 18 Digalzado com CamScanner um iminente desastre semelhante para a alma. Essa foi a fonte das inquietacdes e angustias espirituais do periodo, Era preciso reverter a situagéio, @ 0 povo cristéo conhecia — ‘ou pelo menos supunha conhecer - os meios mais adequados @ eficazes para tanto: aplacar a ira divina aumentando o indice de boas obras, isto é, de obras agradaveis aos olhos de Deus, corno cumprir rigorosamente os mandamentos, seguir atentamente os ensinamentos da Igreja, praticar a caridade, intensificar as oragdes, as peregrinagdes, e freqiientar o santo oficio da missa com maior regularidade Emvirtude,dessa_peculiar maneira de _interpretar/a vida, as- sistiu-se, no final da Idade Média, a'uma exacerbacao dos atos re- ligiosos, praticados com uma intensidade antes desconhecida. A vida individual e social, em todas as suas manifestacées, estava saturada de concepgées de fé. Nao havia objeto nem agao que nao estivesse constantemente relacionado com Cristo ou a salva- ¢40. Todo o pensamento tendia para a interpretagdo religiosa das coisas individuais. Era enorme a presenga da religiao na vida dia- fia. As atengGes gerais estavam voltadas, principalmente, para a quantidade de boas obras realizadas: construgao de capelas, doa- Digitalzado com CamScanner SS : , peregrinagdes, oracéas gao de bens e herancas, ea I cei a Wee Hlageto, Vigilias, jejuns, Os sinais da gra nu Plicavam-se jn inj. tamente @ um exército de bénedos especiais jorrava ag jag, ra sacramentos, Ao lado das reliquias aie) 98 amuletog ea bizarra galeria dos santos tomou-se cada = mals numeroga » Ya riada, € fécil imaginar nesse quadro O valor que era dado indulgéncia que podia ser comprada sem muita dificuldade, Nem sempre, todavia, a pratica intensa de atos Feligioggs significava que os fiéis levavam uma vida espiritual mais Crista, em muitos casos, tudo isso revestia-se de um certo automatism A rotinizacao das praticas fazia com que Perdessem © Seu Sentidg religioso profundo e, na tentativa de Conrigir a falha, ocorriam fre. qientemente explosdes de piedade e devocao exageradas, As vezes, as intengdes aparentemente piedosas €ncobriam o relaxamento dos costumes. Em dias de festa, as péssoas iam de visita as igrejas distantes, ndo s6 para pagar uma promessa de pe. regrinagao. As festas eram ocasides para toda a espécie de liberti- nagem. Um quadro que tenha a pretensdo de retratar as praticas reli- giosas no periodo deve, certamente, considerar essas improprie- dades, ambigtiidades e contradigdes. No conjunto, porém, a vida no final da Idade Média estava tao impregnada de religido que 0 Povo corria constantemente o risco de perder de vista a distingéo entre o espiritual e 0 temporal. Essa confusdo entre as esferas do sagrado e do profano, se, de uma parte, podia ser expressao de uma profunda e sincera de- vorao, provocava, de outra, a perda do significado mistico dos atos religiosos; com efeito, se os acontecimentos cotidianos podiam adquirir uma aura “sagrada”, praticas religiosas propriamente ditas tendiam a se “banalizar’ na medida em que se tomava dificil dizer onde terminavam uns e comec¢avam as outras. Dessa maneira, os assuntos teligiosos, de to corriqueiros que se tornaram, deixaram de ser sentidos em profundidade. Na tentativa de compensar o fenémeno, os fiéis pediam mais sacta- Mentos, mais santos, mais misticismo, de sorte que a Igreja, 8” brecarregada, N40 conseguia mais atender as necessidades espitr Tee ristéos e, pior, no Conseguia mais conter a vida espl"" ntro dos limites de uma teligiosidade sa e vigorosa. a uma an Digialzado com CamScanner Tudo contribuiu, enfim, para tomar sempre mais diffceis as relagdes entre os fiéis e a doutrina da Igreja. Esta ensinava que as boas obras tinham a virtude de aplacar a ira divina, outorgar a gra- ga e corrigir as imperfeigdes do mundo. Obediente a esses ensinamentos e ponderagdes, a comuni- dade cristé passou a praticar boas obras com uma intensidade inusitada, e nem por isso as condigdes materiais adversas se alte- ravam e OS espiritos aflitos encontravam a paz tao procurada. E sé havia uma explicacéo disponivel para o fenémeno: as boas obras no eram, na verdade, praticadas na quantidade e intensidade ne- cessérias. Vivia-se, assim, sob a permanente tensao de um circulo vicioso. Na época que precedeu a Reforma, eram cada vez mais re- motas as chances de se reconciliar a cristandade com Deus por in- termédio da doutrina da Igreja. Esta néo conseguia mais atender as necessidades espirituais dos fiéis e reverter 0 quadro de medo, desespero, angustia e certeza que tomava conta das consciéncias. O povo cristéo estava a deriva. Lutero, por sinal, era parte desse povo, e achava-se tao desesperado e desorientado como qualquer cristéo devoto do seu tempo. Encontra-se aqui o sentido mais geral do movimento religioso reformador e a Reforma protes- tante primeiro, e a Contra-Reforma catdlica, depois, esforcaram-se, cada uma a sua maneira, em responder a essa necessidade. A DIFUSAO DA REFORMA O éxito alcancado pela Reforma é de facil comprovagao. Basta observar, por exemplo, a rapida propagacgao do luteranismo e do calvinismo que se efetivou por intermédio dos diversos credos derivados dessas correntes protestantes, como o metodismo, o pietismo e o puritanismo. A populacao de extensos territérios da Europa converteu-se a0 protestantismo: o luteranismo firmou-se, como era de se espe- far, na Alemanha, mas a sua presenga também se fez sentir, de modo vigoroso, na Suécia, Noruega e Dinamarca, lugares em que 21 Digitalzado com CamScanner se tomou a teligiao oficial, O dominio do calvinismo, que se con. cretizou por meio de varias Igrejas, entre as quais se destacam a Anglicana e a Presbiteriana, estendeu-se pela Inglaterra, Escécia, Irlanda, Franga, Pafses Baixos e Suiga. Ki Esse processo de expanséo do protestantismo ih sempre {oi trangiiilo, como demonstram, por exemplo, as chama et ne ras religiosas ocoridas na Franga. Ao longo de Tish le trinta anos, a existéncia simultanea de adeptos da Igreia at = ef da \greja protestante viu-se envolvida na acirrada ne arlaes ® van politico entre facgdes da nobreza. Os hugueno! fo aaa am chamados os protestantes franceses, enfrentaram for a marcada pela intolerancia religiosa € por tragicas perseguic a tes de conseguirem, pelo Edito de Nantes (1898), uma relativa Ii a uaree vat a solugao encontrada pelos protestantes para a livre pratica do culto foi a emigragao em massa: assim aconte- ceu com os puritanos ingleses que, perseguidos por razoes ao mesmo tempo politicas e religiosas pela Igreja anglicana, busca- ram refigio nas colénias inglesas da América do Norte. . Seja como for, a répida propagagao das idéias da Reforma é um dos mais interessantes aspectos do movimento e isso porque o fenémeno permite reconhecer os estreitos lagos existentes entre as raz6es propriamente religiosas e os motivos extra-religiosos que estimularam a conversao de muita gente as novas Igrejas. Com efeito, 0 sucesso do protestantismo foi provocado, natu- ralmente, por razGes de ordem espiritual; mas os fatos revelam que essas raz6es nao foram, absolutamente, as Unicas capazes de explicar 0 éxito das correntes reformistas. Da mesma maneira que na origem da Reforma motivos religiosos achavam-se mesclados a causas sociais, politicas e econémicas, no processo de conversao ao protestantismo também 6 possivel identificar motivos da mes- ma espécie. A €poca da Reforma coincidiu com o periodo da formagao e consolidacao dos Estados Nacionais e em nao poucos casos 0 éxi- to dos dois fendmenos esteve associado. Os governantes, por esse tempo, achavam-se empenhados no fortalecimento do seu poder e no desenvolvimento dos seus 22 Digitalzado com CamScanner | Estados. Entre outras providéncias tomadas nesse sentido, duas relacionavam-se de perto com o movimento religioso reformador. a ampliagao dos dominios territoriais e a proibigaéo da saida de re- cursos que terminavam nos cofres de Roma. A tradicional teoria segundo a qual a Igreja detinha o poder egpiritual @€ 0 temporal nao convinha aos planos das novas nagées, ja que isso significava uma indesejavel divisao do poder. O Estado desejava submeter a Igreja, confiscar as terras que ela possuia e impedir que se apoderasse dos recursos da nagao. Assim sendo, ‘os monarcas entenderam que apoiar o movimento protestante (ou alguma das suas seitas) em determinados momentos seria um ex- celente pretexto para limitar ou mesmo anular a forga politica re- presentada pela Igreja. As liderangas representativas do movimento protestante cedo perceberam, por sua vez, que em alguns casos a sorte da causa na qual se encontravam comprometidos estava ligada ao apoio dos poderosos, de sorte que a Reforma as vezes colaborou efeti- vamente para 0 aumento e a consolidagao do poder das monar- quias nacionais. Entre amplos setores da nobreza européia a Reforma encon- trou campo favoravel para a sua propagagao. A ruptura com a Igreja romana, possuidora de vastos dominios territoriais, possibili- taria o confisco dos bens do clero, com o que os nobres acrescen- tariam os seus préprios dominios, superando, assim, as dificulda- des decorrentes da crise do sistema feudal que Ihe causava enor- mes contratempos. Também nos setores populares, como aconteceu com os camponeses em varias regides, 0 protestantismo alcangou boa re- ceptividade. Sobretudo na Alemanha, o luteranismo encontrou, pelo menos no inicio, eco entre os trabalhadores do campo, sub- metidos ao regime da serviddo praticado nas terras da prépria Igreja, O objetivo maior da massa dos camponeses era a sua liber- taco do sistema de exploragao servil. Lutero nao aprovava as re Voltas camponesas, jA que desejavam muito mais do que a liber- dade da tutela espiritual de Roma. Se essa atitude Ihe custou a Perda de alguma simpatia entre as camadas populares, trouxe-lhe, 23 Digitalzado com CamScanner ee em contrapartida, 0 apoio dos principes alemées, interessados em se apoderar das terras da Igreja, mas nao em assistir a alguma transformagao social mais ptofunda. A A época da Reforma também coincidiu com o processo de desenvolvimento da burguesia e foi precisamente nessa categoria social que o protestantismo encontrou decisiva aceitagdo. Essa camada social conhecia a verdadeira riqueza, aquela traduzida em abundancia, dinheiro, jdias. Além disso, a burguesia orgulha- va-se da sua importancia social, do seu poder material e da sua independéncia. ~ A atividade dessa classe social resumia-se em duas pala- vras: ganhar dinheiro. E para quem a fortuna sorria, pareciam ino- portunas e hostis as tradig¢des de um mundo que nao lhes reserva- va um lugar de destaque e os principios de uma moral feita para os pobres. Essa “moral de pobres” que a burguesia desprezava era justamente a moral defendida pela Igreja romana que censurava as atividades financeiras em geral e condenava o proveito pessoal obtido por intermédio dos negécios. Essa interdigdo moral ao lucro em geral contrariava, eviden- temente, os projetos de natureza econémica da burguesia. A ex- pansao dos seus negécios encontrava-se, portanto, dificultada por raz6es religiosas e esse inconveniente foi definitivamente removi- do com 0 protestantismo, sobretudo com o seu ramo calvinista que liberou o cristo dessas amarras de carater moral. Digalzado com CamScanner >!" § 2 A IDEIA DE REFORMA eee Nao data do século XVI a idéia de que a vida religiosa da cristandade devia passar por uma renovagao geral e profunda. O inicio de uma agao em favor de uma reforma religiosa nao preci- sou esperar pela fixacéo das 95 “teses” de Lutero na porta lateral da capela do castelo de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517. A exemplo do que sucede com tantas outras datas, essa também tem um certo simbolismo: trata-se, efetivamente, de um marco referencial para-a histéria do cristianismo. E isso acontece nao porque ela assinala 0 inicio de um movimento religioso refor- mador, mas porque indica o instante em que a discussao ampla e publica sobre a reforma da religido crista enveredou por um cami- nho completamente diferente daquele até entao trilhado. REFORMA DOUTRINAL OU CLERICAL? Muito tempo antes de Lutero ganhar uma formidavel proje- Gao no cenério religioso europeu, era relativamente comum, sobre- tudo entre pessoas dotadas de certa cultura, pertencentes ou nao A alta hierarquia eclesidstica, a idéia de que a Igreja precisava passar por mudangas. 25 Digalzado com CamScanner = A expressio reforma ja era corrente na época. E corn tuma acontecer a uma idéia adotada por muita gente, nao coincidéncia de pontos de vista a respeito do seu significado, Na falta de um acordo geral sobre a questao de como Telor. mar e 0 que reformar, era mais facil definir 0 que nao se Pretendia fazer ao reclamar a necessidade de uma reforma religiosa; na ver. dade, ninguém desejava ver o cristianismo dividido em religides ¢ seitas diferentes e rivais. Alias, nem mesmo Lutero, no inicio, ima, ginava um gesto tao extremado. Eram muitas, portanto, as vozes que demonstravam inquie- taco e insatisfagdo com os rumos da vida religiosa e que clama- vam por uma reforma. Algumas delas entendiam que as manifes- tacdes de espiritualidade e de devogdo dos fiéis estavam em completo desacordo com os ideais do cristianismo primitivo e que- tiam colocar em pratica medidas capazes de devolver a vida reli- giosa a simplicidade dominante na época dos Apéstolos. Também ouviam-se vozes reclamando providéncias capazes de coibir certos excessos praticados pelo clero, assim como outras queixando-se de que a maquina burocratica da Igreja crescera em demasia e que, por isso, achava-se muito comprometida com as- suntos no propriamente religiosos. E assim por diante, de varias maneiras e de varios pontos de vista, a vida religiosa da época era questionada. Nao havia nem indiferenca nem siléncio sobre o assunto. Moderadas ou ousadas, essas vozes nao chegaram, porém, a sensibilizar os fiéis em mas- sa e a atrair adeptos em grande ntimero, pelo menos nado com a mesma forga e intensidade mais tarde conseguidas por um Lutero ou por um Calvino, 0 cos, havia Quando se afirma que antes do século XVI muita gente liga- da ou nao a hierarquia eclesiastica j4 reclamava uma renovacao da vida religiosa, nao se esté contestando a importancia pessoal desses reformadores no movimento; esté sendo feita simplesmen- te uma constatagdo. A intengo, portanto, nao é, absolutamente, a de minimizar 0 papel de Lutero e de outros reformadores protestantes e muito menos deseja-se com isso negar o significado e a originalidade das suas propostas em matéria teoldégica. ne Digitalzado com CamScanner _— © teor das idéias roligiosas expostas & defendidas por Lutero e Calvino constitui, sem dtivida, um marco na histéria do cristia- nismo, porque elas conseguiram dolimitar com clareza um antes e um depois na vida teligiosa do Ocidente. Nao 6 0 caso de sair a procura de eventuais “precursores” de Lutero, Calvino e demais reformadores; a questéo do movimento protestante deve ser examinada de uma perspectiva muito diferen- te. Trata-se, desde logo, de reconhecer que a atuacéo dos refor- madores do século XVI foi qualitativamente diferente daquela dos reformadores dos séculos anteriores. No século XVI 0 debate religioso mudou radicalmente de teor e de sentido. Por esse tempo, a ténica do movimento incidiu so- bretudo na questao doutrinal. Nos séculos anteriores as reivindica- odes reformistas eram geralmente de outra natureza: algumas fa- lavam em reforma clerical, enquanto outras reclamavam uma re- forma abrangente da Igreja, incluindo varios aspectos: o adminis- trativo, o legal, o moral e o intelectual. Posta a questo nesses termos, verifica-se com nitidez a enorme distancia que separa as idéias sobre a reforma religiosa de uma e de outra época. Na condi¢ao de um obediente monge agos- tiniano, Lutero também estava indignado com os chamados “abu- sos” morais e materiais praticados pelo clero. No entanto, esse as- sunto colaborou muito pouco, ou nada mesmo, para a formulagao da sua critica doutrinal a Igreja romana. Com Lutero e depois dele, a discussdo sobre a renovacao da vida religiosa cristé mudou de teor e de direc: tratava-se, agora, de tomar posigao contra ou a favor da doutrina luterana da justificacao pela fé. Enquanto Lutero procurava demonstrar que a doutrina das boas obras, ensinada pela Igreja romana, era totalmente inctil para a obtencdo da graca, Calvino aprofundava a discussao pro- pondo a idéia da predestinacao, distanciando-se com essa formu- lagdo tanto do catolicismo como do luteranismo. A completa elimi- Nagao da salvagao através da Igreja e dos Sacramentos (que no luteranismo nao foi de modo algum desenvolvida até suas conclu- Sées finais) constituia a diferenca decisiva entre o calvinismo © 0 catolicismo. 27 Digtalzado com CamScanner IDEIAS DE REFORMA RELIGIOSA ; A Igreja Romana Entre as vozes que pediam uma reforma religiosa antes do advento do protestantismo cabe lembrar, em primeiro lugar, aque, las que pertenciam a alta hierarquia da propria Igreja romana, Nesse contexto existia uma concordancia prévia a respeity de alguns pontos: nao seriam objeto de discussao ou exame de. terminadas questées, tais como a legitimidade da doutrina, a inte. libilidade papal em matéria de religido e a divisdo religiosa da cris. tandade. A excego desses pontos considerados intocdveis, mes- mo entre os membros mais graduados da Igreja nao havia unani- midade de posicionamento quando se tratava de definir a natureza das providéncias reformadoras a serem tomadas. Algumas dignidades do clero advogavam a necessidade de uma urgente reforma administrativa da Instituigdo. Nao era possi- vel, de acordo com os representantes dessa corrente, um bispo re- sidir longe ou fora de sua diocese e, ao mesmo tempo, conduzir com bons resultados 0 rebanho de fiéis sob a sua jurisdigao. Outros representantes da Igreja estavam convencidos de que a enorme diferenca de poder existente entre os cardeais e os bis- pos, por exemplo, era a causa de uma série de dificuldades e de- sencontros no plano da vida religiosa pratica. Esses pediam uma reforma legal da \greja. Muitos eram os religiosos que exigiam uma imediata reforma moral do clero, pois estavam assustados, por exemplo, com 0 fato de um padre manter publicamente uma concubina e nao ser ad- moestado por isso. Finalmente, havia aqueles que, além da refor- ma moral do clero, reclamavam por sua reforma intelectual, porque estavam preocupados com a fraca ou até mesmo inexistente for- magao religiosa e cultural dos padres. Quando os homens pertencentes 4 Igreja pediam reformas, efa quase sempre em algum dos aspectos acima indicados qué pensavam, e nao em uma reforma doutrinal. Eram miltiplos 0S problemas existentes na vida religiosa que prejudicavam a boa en 1 Digalzado com CamScanner condugdo dos Assuntos gg, i eee Pitituaig: g gociatas, negligéncia Pastoral, ot , 0 ios te co gido, desde We climinada 7 ia facilmey SS'88, NA ODiNIAO das autoridanes®, 88 Cau i ‘ feituoso sistema legal @ admi i ' ) 9 inistrativo igi imperteita Preparagao Teligiosa @ intelectual do ci oo 7 e : lero, tea eens Cardeal Cisneros, Primaz da Espanh; a >17, exemplifica bem a neira Pela qual a an es Igreja Procurava Conduzir a Teforma Conizada : a tantes, Ele implantou a Pobreza entre Monges e fj fe casas religiosas que nao se Conformaram ate entregou seus rendi co Mentos para hospitai Forgou os beneficiados a Te oat os Seus beneficios, ios, a " u , i ~ © Criou a universida- nada @ treinar tedlogos &Scolasticos e o clero e 0 era estimulado, Wyclif Enquanto a Sani ita Sé, através de al tantes, mostrava uma certa disposicao O pensamento de Wyclif ilustra bem as diretrizes dessa ten- déncia. O tedlogo inglés viveu em um Momento em que muitos diante da Constatagao de que a Igrej ja, tal como se achava Constituida, nao era exatamente um modelo genuinamente cristao de vida eligiosa, acusavam o Conjunto do clero como o grande fesponsavel pela situagao. / Wyclif foi um dos que percebeu a enorme distancia que ba fava a Igreja como um corpo mistico e a Igreja como oA organ Zagao humana radicalmente distinta daquilo que havia sido de ai to pelos Apéstolos. Nao apreciava, especialmente, um oo Cee de devogao popular marcada por crendices e superstc late Seu ver, nao correspondiam a uma vida crista, mas que, 29 Digitalzado com CamScanner mesmo, eram aprovadas @ até mesmo estimuladas Pelo clero, p. dres e ordens religiosas monopolizavam a direcao da vida tual e faziam isso de modo equivocado. Dai a sua tendéng; camente anticlerical, A sua doutrina parece-se, dessa forma, com um Manifest 4, acusagées contra o sistema eclesidstico. Segundo o teblogn, 5 comunidade cristé poderia viver perfeitamente bem & Margem «, hierarquia eclesidstica e da atuagéo dos padres © monges, Per, sando assim, concluiu que talvez fosse até mais saudével p; vida espiritual dos cristéos se nao existissem papas e cardeais . se 08 fiéis pudessem ficar longe das bulas papais e das decisies conciliares. Para ele, a orientagdo religiosa de que a cristandade neces). tava estava inteiramente contida no Evangelho. A Palavra de Deus é perfeita, completa e, portanto, nao precisa ser explicada pelos padres nem ser acrescida. de interpretagdes da Igreja. Diante de tao enérgicas proposigdes, h4 quem observe que Wyclif nao foi, na realidade, um precursor do protestantismo, mas o primeiro dos seus pensadores, 5p, 2 fray ‘A “Devogao Moderna” Entre outras manifestagdes em favor da renovagéo da vida religiosa, cabe mencionar a participagdo da “devogao modema’. Os partidérios dessa corente encontraram na figura do holandés Gerard Groote um dos seus mais expressivos representantes. Apés completar seus estudos religiosos e apesar de contar com uma série de beneficios que Ihe garantiriam fartos rendimen- tos, Groote decidiu ndo se ordenar sacerdote. Todavia, ele nao abandonou 0 objetivo de pregar 0 Evangelho. Aliés, assim que Passou a expor a Biblia, descobriu-se por que nao quis vestir o hd- bito: suas pregagdes eram caracterizadas por violentos ataques a0s vicios do clero .. Proibido de fazer sermées e sentindo-se ameacado pela Igreja, deixou de se ocupar com o comportamento do clero e deci- diu levar uma vida crista de acordo com as diretrizes ditadas pela sua consciéncia, segundo os ensinamentos que aprendera no Evangelho. 30 Digalzado com CamScanner Para tanto, resolveu fundar com tiihavam as Mesmas idéias uma Congregagiio a qual, tempo, foMOU-Se UM Modelo para muitos Cristéos que a seed novas formas de vivéncia religosa a imandade da Won eo A diregao da vida religiosa nao Poderia, n; man méos da congregacao, ficar sob o Controle exclusivo da | reja dos padres, que nem sempre comportavam: aa coretamente crista. Os irmaos nao Pensavam em fomper com a Igreja: queriam tao-somente viver uma experiéncia de vida religio- sa longe da hierarquia eclesiastica, mais pro padrées do cristianismo primitivo. Queriam, enfim, praticar uma devogdo crista em termos mo- demos: nao adotar a vida monéstica, N&O tomar votos, nao viver em Clausura, Os adeptos da Congregacao néo valorizavam a con- templagéo mistica e desprezavam aS especulagées de natureza teolégica. A vida crista auténtica nao Necessitava de complicados Tituais @ de pomposas ceriménias: por essa Taza0, Os irmaos da Vida Comum contentavam-se com oragdes, meditagdes, leitura do Evangelho e a ascese. Algumas simples virtudes bastavam Para fazer uma vida cris- te a primeira dessas virtudes era a de obter 0 sustento com o proprio trabalho: os irmaos da Congregagao ganhavam a vida dedi- cando-se principalmente a copiar manuscritos. Ao se ocuparem com a pratica da caridade, com 0 trabalho e com a divulgagao da Biblia, queriam dar um exemplo de como o homem pode conduzir @ vida de acordo com a Palavra de Deus. Muitas outras congregagées, irmandades, fraternidades surgi- fam na poca, organizadas segundo o modelo dos irmaos da Vida Comum. Entre elas destacou-se a congregacao dos cénegos de Windesheim, também localizada na Holanda, a que pertenceu To- mas de Kempis, monge agostiniano, de origem alema como Lute- 0, € apontado como um dos autores da Imitacao de Cristo, 0 livro Mais lido no mundo cristo depois da Biblia. © texto aconselha a vida simples e virtuosa inspirada em Cristo, desestimula as atividades de natureza especulativa @ re- Prova as manifestagdes de devogao baseadas em meros atos _ teriores; expressa, enfim, os ideais que norteavam a concepcao de Vida teligiosa dos adeptos da “devogdo moderna’: alguns amigos que compar. Ri Digialzado com CamScanner nao anda em trevas” diz 9 Senhor "Quem me segue | . og ww . tas as palavras de Cristo quo nos exortam a ima 12), a ns go verdadairamente quisermos sor ity, 1a vida @ oe do. Seja, pois, Sea de toda a ceguelra de ae pois, no: a ar ida de Jesus Cristo; bre a vida pi ate, nO so palavras sublimes que fazer ¢ horn ‘0 st éa vida virluosa que 0 lorna agradavel a Deys, Pretrg santo e justo; inigdo: , tir compungao a saber-Ihe @ defini¢: ; sentir comp! uca monta S40 0 hdbito e a tonsura; sao a Mudneg 17.2 - a ¢ a perteta morificagao das paixdes que fazem, dos costul igiosO; . | see re aventrada a simplicidade que deixa as veredas das we ces acai, para caminhar na estrada plana e segura dog que , amin! : mandamentos de Deus (Imitagao de Cristo). Mina, 550 pricing Diirer, contemporéneo, compatriota e admirador de Lutero, mostra aqui O Filho Prédigo numa figura angustiada, cercado de porcos e num ambiente desolado, retrato das inquietudes da época. Digalzado com CamScanner = Sie... _| © Humanismo Enquanto a “devocao Modema" colaborou na fon vida espiritual sem se importar com questées do ralure yerindo, a0 contrario, instaurar formas piradas na pratica da oragao, do trabalho @ da caridade, a cor humanista, a mais alta expresso da vi meena ‘i ida intelectual it troduziu 0 Método critico nas ciéncias teligiosas, 148 época, in Os humanistas nao permaneceram a mai sobre os problemas que afetavam a vida Teligios Média. oO humanismo foi muito mais religioso do que geralmente se supe. Seus representantes foram severos criticos da vida reli- giosa do seu tempo, mas nao deixaram, por isso, de ser cristaos, Nem pensavam em abandonar a Igreja. Queriam, como tantos ou- tros espiritos Ilicidos da época, corrigir os seus defeitos, Cultos, eruditos, criticos, profundamente hostis aos métodos da escolastica, os humanistas ndo admitiam, como aconteceu a Erasmo de Rotterdam, certas atitudes tomadas ou apoiadas pela Igreja: a ignorancia, a superstigao, 0 obscurantismo, que caracteri- zavam n&o s6 0 povo cristéo em geral, mas também boa parcela do proprio clero. Alids, vale lembrar que Erasmo, o nome mais ilus- tre da corrente, foi, durante algum tempo, discipulo dos irmaos da Vida Comum. Formados na tradigéo do pensamento renascentista, os no- mes representativos da corrente mais envolvidos com os proble- mas da vida espiritual da cristandade aplicaram ao exame dos as- suntos religiosos os principios e critérios de andlise prdprios da educacdo humanistica. A retomada dos textos classicos significou, Nesse caso, o exame atento das fontes do cristianismo, a revisao dos textos biblicos e a critica a certas versdes e interpretagdes cor- fentes a respeito da Palavra de Deus. O estudo do Evangelho favoreceu 0 confronto entre o texto Sagrado, a realidade dos ensinamentos da lgreja e as praticas reli Slosas recomendadas pela doutrina oficial. Nem sempre 0S huma- nistas puderam dar razéo a Igreja, jA que em certos casos era us grante a disparidade existente entre o texto biblico ¢ a dogmatica a Igreja, lovagio da de (02a tedrica, de vivéncia Teligiosa ins- gem dos debates ‘a NO final da Idade 33 Digitalzado com CamScanner Percorrendo caminhos diferentes e baseados em uma mets. dologia muito diversa, as conclus6es dos humanistas se assere. tharam muito as dos adeptos da “devogao moderna”: a auténtics religiao crista deve ser praticada de modo mais simples, deve ser mais evangélica, despojada de dogmas misteriosos e de liturgias incompreensiveis. As ceriménias pomposas deveriam ser subsi- tuidas por um culto simplificado e mais Prdéximo dos costumes re ligiosos da Igreja primitiva. Em sintese, pode-se dizer que o humanismo Preparou a Re forma em dois sentidos: contribui Digalzado com CamScanner : ee ireR0 A DOUTRINA DA JUSTIFICACAO PELA FE ee a ee © quadro de inquietagdo espiritual que caracterizava a cena européia, esbagado no capitulo primeiro, 6 de fundamental impor- tancia para se compreender 0 itinerario religioso percorrido por Lu- teroe a formulagao das trés doutrinas que constituem a espinha dorsal da confissao luterana: a doutrina da justificagdo pela 16, a doutrina do sacerdécio universal e a doutrina da infalibilidade Gni- ca da Biblia. INQUIETAGAO RELIGIOSA ‘Ao tomar a iniciativa de ingressar no convento que oS agosti- nianos mantinham em Erfurt, o jovem Lutero, nascido em Eisle- ben, Alemanha, em 1483, ndo deixava para tras apenas um recém- conquistado titulo de doutor em Filosofia, os planos de prosseguir seus estudos freqtientando um curso de Direito e as chances de uma promissora carreira profissional; ele estava se livrando — pelo pene supunha — de uma profunda inquietacao religiosa derivada angustia a respeito da salvagao de sua alma. ati ee de buscar no isolamento de um mosteiro a tran religiosa tao almejada foi extrema, mas para a 6poca Is 35 Digalzado com CamScanner i. | so no representou um gesto inusitado. Lutero, entao com 22 anos de idade, experimentava a mesma sensagado de desconsolo espir. tual que afligia 0 mundo cristéo daquele tempo, provocada pela qj. ficuldade de sentir a graga divina. _ Por esse tempo, a preocupagao com a salvacao da alma era um tema que ocupava a atengao geral. O monasticismo, por sua vez, era estimulado pela Igreja, pols o individuo manter-se afasta. do das preocupagées e das tentagoes mundanas era considerado a forma mais perfeita de vida religiosa e, portanto, o caminho se- guro para a certeza da graca. | | - De nada valeram os protestos dos amigos e do pai (entao um pequeno proprietario de uma mina de cobre em Eisleben), Manteve-se firme na decisdo de aplacar 0 seU espirito atormenta- do da maneira que, no seu entender, era a mais correta e também ura: conciliando a pratica intensa de boas obras, con- a mais seg : Je forme ensinava a doutrina da Igreja, com a vida monastica, um re- fugio perfeito das tentagdes do século. Lutero ndo desejava outra coisa naquele momento, e ao lon- go dos dez primeiros anos de vida mondstica empenhou-se zelosa e sinceramente nesse propésito. Mais tarde confessaria: posso afirmar que fui um monge piedoso. Observei a regra tao seve- ramente que posso dizer: se algum monge chegou ao céu por sua conduta no convento, eu também o teria alcangado. Todos os meus companheiros de claustro que me conheceram podem testemunhar isso. Se essa situagdo se prolongasse mais algum tempo, teria mor- rido em virtude das vigilias, preces, leituras e outros trabalhos. Durante esses primeiros anos nao pensou em promover uma reforma religiosa e tampouco preocupou-se com uma reforma eclesidstica para corrigir os chamados “abusos” materiais e morais que estigmatizavam o clero na época — como é o caso do comér- cio das indulgéncias — tantas vezes apontados como a causa prin- cipal da Reforma. Mais adiante esse problema desempenharia um importante papel no processo de ruptura com a Igreja romana, mas desde logo vale lembrar que esses assuntos nao ocuparam, em qualquer momento, uma posicao central na teologia luterana. Digalzado com CamScanner muito tempo, Por ower faire como um pantO» membro da Igreja: aca- jar mea, a autoridade do 1a 8 Ge tradigoes que compu- oso © “ida religiosa da época. | naif esse tempo sgnifica que POT Pp ss sit rreu questionar a dou- nso oe boas obras como um erumento necessario para al- ceancat o estado de graca. Ao con- rio, esmeravarse na sua pratica e fazia ISSO com confianga e per- Afinal, 0 que interes- severanga- 5 sava mesmo ao contrito monge oe momento era, ele proprio, Lulero ~ detalhe do 6le0 de Lucas Cranach, 0 Velho, 1530. isto 6, sua alma @ salvagao. Apesar de demonstrar diligéncia na observancia dos regula- mentos da Ordem e exemplar cumprimento da doutrina da Igreja, nao conseguia encontrar a tao procurada paz de espirito. As ligdes que recebia, a leitura dos textos doutrinarios, os sermdes dos seus superiores revelavam-Ihe um Deus terrivel, vingador, um juiz seve- ro e disposto a ser implacdvel com os pecadores. Ele era um de- les, e por mais que Se esforcasse, néo se sentia merecedor da jus- tiga de Deus. Para compensar a sua deses na, exagerava a pratica de vigilias, pois as suas angustias espirituais c! que intensificava as peniténcias, mo! sorte de privacdes. Chegou a afirmar: peragdo e receber a justiga divi- flagelos, oragdes. Tudo em vao, resciam na mesma proporcao rtificagdes, preces & toda a | tentei quanto possivel conformar-me a Regra. Era contrito e fazia uma lista dos meus pecados. Confessava-os repetidamente. Cum- Sint © maior escripulo as -peniténcias que me eram impostas. E me: nfo to minha consciéncia continuava @ perseguir-me, dizendo- cut foste completo aqui; nao te arrependeste 0 bastante; nao In- iste tal pecado na tua lista. do claustro com 0 ob- Em sf ; sintese, tendo procurado 0 reftigio Lutero apenas conse istivo de senti Sulu Ver sentir a garantia da sua salvacao, aumentado o seu desespero. Digitalzado com CamScanner FONE TILL IN LITT RIGOR E METODO ROR TENOR eer Neste interim, concluiu seus estudos religiosos e fecebey ¢ titulo de doutor em Teologia. Por determinagao da Ordem, deveria assumir novas missdes, entre elas a de professar cursos Sobre ¢ Evangelho na Universidade de Wittenberg, tarefa nem um Pog complicada para um graduado em Teologia. De qualquer modo, a exposigao publica de matéria tO rele. vante requeria uma preparacdo cuidadosa que nao dispensava al. gum rigor e método. Esse fato foi decisivo para a‘evolugao do sey pensamento religioso. O estudo sistematico do Evangelho, em par. ticular da Epistola de Sd0 Paulo aos Romanos, objeto de ‘UM Curso ministrado nos anos de 1515 e 1516, exerceria grande influéncia sobre 0 seu espirito. Ele proprio recorda que certas passagens do texto biblico o impressionaram vivamente: “A justiga de Deus esta revelada no Evangelho”; “O justo vivera pela fé"; “O homem esta justificado pela f6, independentemente das obras”. Essas sentengas biblicas forneceram a Lutero a chave para a solucdo das suas inquietagdes. Com efeito, era flagrante, para ele, 0 contraste entre o que ensinava a Palavra de Deus, a Biblia, eo que era pregado pela tradicao religiosa através do papa, dos con- cilios e dos textos canénicos. A tradigao religiosa valorizava a pratica das boas obras e su- perestimava a sua eficdcia no processo de perdao dos pecados e obtengdo do estado de graga. Coisa muito diferente do que lia no texto do Evangelho. Era preciso decidir com quem estava a Ver- dade. O momento era muito delicado, sobretudo para um monge acostumado a obedecer aos mandamentos da Igreja. Lutero, po- rém, nao vacilou: em matéria religiosa, a Biblia era a Unica fonte para se conhecer a Palavra de Deus. Estava, assim, langada a doutrina da infalibilidade Unica da Biblia. Essa foi a sua “descoberta”: a Biblia nao tem apenas preva: léncia sobre as tradigées da Igreja, mas 6 a Unica fonte legitima para se conhecer a vontade de Deus. Pode-se dizer que ness momento Lutero transformou-se em um luterano: para todos 0S efeitos, a Reforma estava virtualmente consumada, Digitalzado com CamScanner A partir dessa “descoberta”, pode compreender a origem da sua angustia & desesperacao: “estava a tentar curar as dividas e escripulos da consciéncia com remédios humanos, as tradigdes dos homens. Quanto mais experimentava estes remédios mais perturbada ficava a minha consciéncia” Em outros termos, a justi- ga de Deus nao se alcanga com os “remédios humanos” a que se refere Lutero, ou seja, com as boas obras e outras praticas ensina- das pela Igreja, mas, como Ihe ensinou a Epistola aos Romanos, a justi¢a de Deus alcanga-se por intermédio da {6. Desse modo, ao mesmo tempo em que encontrou a paz espiritual tao desejada, lancou aquela que seria a pedra angular da fé luterana: a doutrina da justificagao pela fé. Mais tarde, confessaria o impacto dessa “descoberta” no seu espirito: “neste momento senti que realmente havia nascido outra vez e que consegui entrar no paraiso através de suas portas aber- tas de par em par’. No momento em que Lutero identificou a Biblia como deposi- téria exclusiva da Palavra de Deus e definiu a f6 como o meio pa- ra a obten¢ao do estado de graga, abriu caminho para a definigao de outra doutrina que caracteriza o credo protestante: a doutrina do sacerdécio universal. Nesse ponto, também, ele fundamentou-se no Evangelho, mais precisamente, na Primeira Epistola de Sao Pedro: “vés sois uma linhagem escolhida, um real sacerdécio, uma nago santa”. Admitida a idéia de que todos os fiéis constituem um “real sacerdécio”, nao fazia sentido, de acordo com Lutero, sustentar uma divisdo da “nacao santa”, isto é, da cristandade, em “sacerdo- tes” e “nao sacerdotes”, em “clero” e “leigos”. Mais uma vez prefe- riu ficar com o texto do Evangelho e nao com a tradigao da Igreja. Para esta, a distingac entre clero e fiéis era essencial na medida em que o sacerdote realizava a comunicagao entre o cristao e Deus. Lutero, com base no Evangelho, nao via mais nenhuma uti- lidade nisso que chamava de “estamento clerical”. E evidente que Roma jamais admitiria essa idéia, nem sequer discuti-la. CRITICA DOUTRINAL A IGREJA O ponto de partida da reforma luterana nado se acha, portan- to, na reprovagao da conduta do clero, mas na critica doutrinal & 39 Digitalzado com CamScanner de Lutero sobre 0 comportamento do reprovagéo pura e simples do: a matéria a sua opinido coinci Cler “ 9 ‘abusy SSE Cor, Igreja. As observacdes nunca se limitaram & muito embora sobre ess : de muitos outros contemporaneos: jantos escAndalos, ess; gird: quantos crimes, qu + 885 lotnic, alguém me bedeiras, essa paixo desenfreada pelo jogo, to. s bel gées, essa: Grandes escandalos, devo contessar, ¢ sses vicios do clerol... 0s, dev cesalsio denuncié-los, € necessario corrigi-los: porém, os vicios apontados sao visfveis para todos, S40 grosseiramente materiais, so percebidos pelos sentidos de todos, perturbam, pois, os esp. tos. (...) Infelizmente, esse mal, essa peste incomparavelmente pior ¢ mais cruel, 0 siléncio organizado sobre a Palavra de Verdade ou a sua falsificagdo, esse mal que ndo & grosseiramente material, nem sequer pode ser visto, no incomoda, nao se percebe o seu horror, a Dessa forma, de nada adiantaria um corpo clerical aparente- mente bem comportado, virtuoso, ilibado, sem vicios nem depra- vagdes, se o problema maior estava, na verdade, na falsificacao, consciente ou no, pouco importa, da Palavra de Deus. Era contra essa adulteragaéo do Evangelho que Lutero lancava toda a sua in- dignagao: os comissarios e subcomissarios encarregados de pregar as indul- géncias nao fazem nunca outra coisa sendo elogiar as suas virtudes a0 povo e provoca-lo para que as comprem. Nunca explicam para 0 seu auditério o que é, na verdade, a indulgéncia, a que se aplica e quais sao seus efeitos, Pouco lhes importa que os cristéos engana- ke imaginem que, ao comprar um pedago de pergaminho, estejam salvos. Era impossivel deixar de tratar do problema das indulgéncias, uma pratica que assumira enormes proporcdes na época. Mas uma coisa era reprovar o trafico da salvagao propriamente dito e outra, bem diferente, questionar o seu efeito religioso a luz dos ensinamentos do Evangelho, a Era Preciso apresentar o problema aos fiéis e discutir com eles eigees indulgéncias da perspectiva da sua suposta eficdcia ian Ss cristaos, de acordo com Lutero, eram induzidos ao ef fae comeaa aes de uma indulgéncia provocava apenas uma as oui 740 de Seguranga, pois essa boa obra era, como todas » absolutamente indtil de acordo com o texto sagrado. 40 Digalzado com CamScanner = Sendo assim, a Igreja se equivocava na interpretacéo da Bi- blia e esse lapso foi apontado nas suas 95 “teses”: “deve-se exor- tar os cristéos a seguir Cristo, seu chefe (...) @ ndo a confiar na se- guranga de uma falsa paz”, Seja como for, antes do dia 31 de outubro de 1517, quando Lutero divulgou as suas famosas 95 “teses” em Wittenberg, a dou- trina da justificagao pela {é jé havia sido formulada. Isso quer dizer que todos os atos externos praticados pelos fiéis com o objetivo de alcangar 0 perdao dos pecados, a diminuigao das penas e 0 es- tado de graca, ainda que realizados com a melhor e a mais santa das intengdes, nada mais significavam para ele. Lutero no chegou a doutrina da justificagao pela fé depois de questionar 0 caso do comércio das indulgéncias; bem ao con- trario, valeu-se do principio geral da justificacao pela fé para julgar uma questo especifica. y REFORMADOR DA “VIDA INTERIOR” Convencido de que a sua leitura do Evangelho era a leitura correta, entendeu que a sua tarefa maior era a de comunicar a sua “descoberta” a um circulo mais amplo de ouvintes, até entéo restrito aos seus alunos e aos fiéis que acompanhavam os seus sermoes. Os seus superiores, inclusive os da Sede Apostdlica, também deveriam conhecer 0 seu pensamento. Nao imaginava que a sua missdo fosse a de questionar a autoridade da Igreja, da qual se considerava, alias, membro fiel e obediente; desejava chamar a atencdo de Roma para a necessidade de refletir sobre a doutrina e corrigir um equivoco de interpretagao do Evangelho. Queria, sobre- tudo, a regeneragao espiritual e moral da cristandade. Era um re- formador, mas um reformador da “vida interior’. N&o desejava, portanto, dividir 0 mundo cristéo em religides opostas e rivais. Estava interessado, especialmente, em comunicar a sua descoberta aos cristéos que ainda sofriam as angustias que ele havia experimentado durante tanto tempo e com tanta afligao. a Digitalzado com CamScanner Digitalzado com CamScanner > Lutero participou de um debate publico rea- szaso e7 Leipzig. Nele néo so defendeu as suas ja conhecidas J gs como argumentou a respeito de duas outras proposicdes ipitaram & definitiva ruptura com a Igreja: questionou a au- spadade religiosa dos concilios e negou a infalibilidade do papa em assuntos religiosos. As relagdes com a Igreja ficaram ainda mais tensas apds es- se acontecimento. Em julho de 4520, Roma declarou heréticas 44 das 95 “teses”, ordenou aos figis a queima dos textos lute- ranos e fixou O prazo de dois meses para Lutero arrepender-se. A essa altura dos acontecimentos, as idéias luteranas ja circula- yam entre o povo com algum sucesso. Sentindo-se seguro, Lute- fo queimou publicamente, em dezembro de 4520, uma copia da bula papal que condenava suas idéias, livros de direito canénico e decretos papais. O desfecho do conflito nao tardou: em 4521 foi excomungado. ) esse tempos Digalzado com CamScanner Enquanto o credo luterano atraia adeptos por toda a Europa e provocava a ireconcilidvel divisao da cristandade em igrejas te vais, no préprio territério do protestantismo surgiram correntes di- vergentes, entre as quais destacou-se a calvinista. Calvino nasceu em Noyon, Franca, no ano de 1509. Perten- ceu, portanto, a geragdo seguinte 4 de Lutero. Seu pai ocupava cargos de importancia no governo da cidade, gozava de algum prestigio social e a familia mantinha estreitas relagées com a Igreja local. Em virtude desse fato, 0 bispo de Noyon, com o apoio da familia de Calvino, estava dispoto a favorecer a carreira teligiosa do jover, tanto que, a titulo de estimulo, ainda menino (12 anos), ganhou um cargo eclesiastico, renovado ao completar 18 anos. Desde cedo, portanto, a sua formagao obedeceu a esse plano. Sua educagao transcorreu, conseqtientemente, em um am- biente austero e ortodoxo, marcado Por uma profunda oposigao ao luteranismo. A sua formacao superior seguiu as mesmas diretrizes: estudou Latim e Teologia com professores reconhecidamente adeptos da escoléstica. Completou seus estudos superiores, di- Plomando-se em Direito, 1 a il is rapa Catdlica rigorosa e dos incentivos que dessa reviravetta Ta erwerteuse 20 protestantismo, Os detalhes vida ndo sao conhecidos. A sua biografia 44 Digitalzado com CamScanner eee informa que j4 em 1533 declarava-se um luterano e que, um ano depois, aos 25 anos de idade, renunciava a todos os beneficios eclesidsticos obtidos por intermédio do bispo de Noyon e que ha- viam servido de fonte de renda para sustentar os seus estudos. Assumir a condicaéo de protestante naquele mo- mento, na Franga, impli- cava grandes e incalcula- veis riscos. Para escapar as previsiveis persegui- Ges, buscou refligio pri- meiro na Basiléia, e em seguida em Genebra, ci- dade que aderira ao pro- testantismo. Nesta cidade recebeu 0 convite — pron- tamente aceito — para exercer as fungdes de Leitor das Sagradas Es- crituras. Calvino fixou residéncia em Genebra em 1536. Nesse mesmo ano, al guns meses antes de se P instalar na cidade, publi- Retrato de Joao Calvino, dleo, 1564. cou Instituigéo da Reli- giao Crista, onde se acha exposta a sua teologia. A doutrina da predestinacao é a marca distintiva do pensa- mento religioso de Calvino. Também é 0 ponto em que as suas idéias mais se distanciam tanto da doutrina catdlica das boas ‘obras como da doutrina da justificagao pela fé do luteranismo. Nas paginas da Instituigado da Religiao Crista define nestes termos a nogao de predestinagao: trata-se do “eterno decreto de Deus com o qual sua Majestade determinou o que deseja fazer com cada um dos homems’. Na seqUéncia do texto, esclarece que todos os homens sao criados “em uma mesma condigao e estado”; no entanto, o “eter- 45 Digalzado com CamScanner no decreto de Deus” estabelece que alguns homens conhecerag bem-aventuranga etema enquanto que outros sofrerao a cong na. cho etema. Portanto, “de acordo com a finalidade com que um é criado, dizemos que é predestinado ou a vida ou 4 morte”, ONISCIENCIA DIVINA Sua concepgdo de predestinagaéo fundamenta-se no dogma cristao da onisciéncia divina. Antes de examinar mais detidamente esse assunto, convém abordar dois aspectos basicos da doutrina da predestinacdo: 0 do mistério e o da imutabilidade do eterno de- creto de Deus. Acha-se absolutamente interditado 4 razéo humana conhecer as razées da divina decisao de predestinar uma parcela da huma- nidade a vida eterna e outra a condenacao eterna. O cristao deve se contentar, de acordo com Calvino, em saber que os designios de Deus fundam-se “sobre a gratuita misericérdia divina, sem qualquer consideracao da dignidade do homem”. A Confissao de Westminster, preparada por mais de uma centena de pastores de confissao calvinista, em 1547, com o pro- A imprensa surgida em tins do século XIV ne gragas a Gutemberg foi um fator poderoso despontar da Reforma Protestante, ao possibilitar a um niimero bem maior de pessoas acesso a Biblia e as obras dos tedlogos reformistas, (Xilografia do século XV). Digitalzado com CamScanner pdsito de expor as proposigdes da doutrina de modo sisterndtico, sancionou, NOS Seguintes termos, a prolissio de 16 calvinista da predestinagao: Poy alo de Dous A a) Por decreto de Deus, para manifestagao de sua gléria, alguns homens € anjos so predestinados & vida eterna e outros 540 pre- destinados & morte eterna; : b) Aqueles do género humano que estado predestinados a vida, fo- tam escolhidos para a gloria com Cristo por Deus (...) segundo sua finalidade eterna e imutavel, e secreta deliberacao e arbitrio de sua vontade, por manifestagao de sua livre graga e amor louvor de sua gloriosa graga: c) Foi do agrado de Deus que, de acordo com o insondavel designio de Sua propria vontade, pela qual Ele distribui ou nega mercés, como the apraz, para a gléria de Seu soberano poder sobre as suas criatu- tas, dispensar 0 resto da humanidade, condend-la & desonra e a ira Por seu pecado, para louvor de Sua gloriosa justica. (...) @ tudo para Da mesma forma que o individuo nao é capaz de compreen- der o “insondavel designio” divino pelo qual uma parte da humani- dade foi escolhida para a salvacao e outra para a condenacdo eterna, também nao pode conhecer se foi do agrado de Deus co- locé-lo entre os bem-aventurados ou entre os condenados. Seus designios somente podem ser entendidos, e mesmo conhecidos, na medida em que seja de agrado divino revela-los. Tudo o mais, inclusive o significado do destino individual, esta envolto em tene- broso mistério, cuja penetragao seria impossivel e cujo questiona- mento seria presungoso. A respeito desse assunto, Calvino ensinava ao cristéo ser necessério reconhecer que, em qualquer circunstancia, os propési- tos de Deus séo sempre justos e irrepreensiveis. Tentar aplicar padrdes de justiga terrenas aos designios divinos 6 desprovido de sentido e um insulto a Deus. Além de estar envolto em um absoluto mistério, o “decreto” de Deus 6, para o calvinismo, impossivel de ser modificado por qualquer meio, isto é, esteja um individuo predestinado a bem- aventuranca ou a condenagao, essa condigao é eterna para ele, 0 que equivale a dizer, é imutavel. Ao tratar desse assunto, Weber esclarece que “a graca de Deus, uma vez que seus designios nao podem mudar, é tao im- possivel ser perdida por aqueles a quem Ele a concedeu como é 47 Digitalzado com CamScanner oN inatingivel para aqueles aos quais Ele a negou". E Precisamenty nesse ponto decisivo que a doutrina da predestinagéo alcanga a maxima diferenciagdo tanto da doutrina da Igreja romana como da doutrina luterana, De fato, catdlicos e luteranos, apesar de se acharem divigi. dos no tocante a doutrina, estao de pleno acordo em um importan. te aspecto: ambas as religides admitem a Possibilidade de que » individuo seja capaz de, por um ato voluntario de sua parte, “administrar’ as suas relagdes com Deus e, assim, de obter 2 sua Salvagao. A formula de que o homem se vale para conseguir isso pode- ' variar dependendo da sua confissao ser a catélica ou a luterana: se for um catdlico, devera se esmerar na pratica de boas obras; se for um luterano, devera intensificar a sua f6 no Senhor. Seja como for, tanto em um caso como no outro, o homem dispde de recursos Para livremente decidir pela salvacao ou nao da sua alma. E sufi- ciente para isso conciliar 0 seu comportamento com os ensina- mentos da sua religiao. Em outros termos, Para 0 catolicismo e para o luteranismo as Coisas se passam como se Deus, pelo fato de nao conhecer as ati- tudes que o homem tomara ao longo de sua vida, devesse aguar- dar a morte do individuo Para, nesse momento, na condigao de juiz terrivel e implacavel, julgar os seus atos , ent&o, decidir sobre o destino de sua alma. tinagéo € um decreto eterno e j Portanto, iludir 0 cristao, acenando-Ihe com um poder de decisd0 que ele nao tem nem pode ter, Assim, para o calvinismo Pressupor que o mérito ou a culpa participam da determinacao do destino humano equivale a dizer que Os projetos divinos podem Ser alterados pela ago humana. E isso 6 uma contradigao, 48 sie Digtalzado com CamScanner

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