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U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S TA D O D O R I O D E J A N E I R O
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
Monografia
2018
2
Rio de Janeiro
2018
3
Aprovado por:
_________________________________________
Prof.ª Ma. Cínthia Annie de Paula Ferreira (UFRRJ)
_____________________________________
Rio de Janeiro
2018
4
Agradecimentos
Caminhos árduos foram percorridos para que este ponto fosse alcançado. Não foi fácil
chegar até aqui. Certamente, algumas pessoas foram fundamentais em minha vida, das quais
sem as palavras, a força, a cobrança e o incentivo, tudo seria ainda mais martirizante.
Aos meus pais, Fernando e Maria Madalena Storck, por terem me proporcionado força
e incentivo para a conclusão deste sonho. Não há palavras para exprimir o meu agradecimento
a estes dois seres divinos. Também agraço aos meus irmãos Flávia e Fernando, por terem
compartilhado excelentes momentos comigo, uma amizade sincera e protetora.
Aos meus mentores, professores e amigos, Ronald Lopes e Mateus Barradas Teixeira,
os luzeiros em minha vida acadêmica, presentes antes mesmo de minha entrada na
Universidade. O meu muito obrigado por todos os incentivos, todos os ensinamentos e puxões
de orelha. Juntamente à vocês, agradeço aos meus companheiros de caminhada acadêmica,
Carlos Felipe Bento Bessa, Matheus Almeida Barrozo e Kevin Serafim. Meus grandes amigos,
não compartilhamos apenas a História, tampouco conhecimentos teóricos. Acima de tudo,
esteve a amizade, a camaradagem e boas risadas, principalmente nas reuniões de nossos grupos
de estudos, que acabavam se tornando gargalhadas enquanto compartilhávamos algumas
cervejas geladas. Nada seria possível sem vocês, meus grandes amigos.
Sei que devo agradecimentos à muitos. Aos que não foram citados, sintam-se
agradecidos por este pequeno historiador. Tenham a certeza de que todos vocês também fazem
parte de minha história.
Nova Friburgo, 25 de Dezembro de 2018.
6
Eric J. Hobsbawm1
1
HOBSBAWM, Eric J. “Sobre História”. São Paulo, Companhia das Letras, 2013, p. 105.
7
Resumo
Lista de Abreviações
Lista de Tabelas
Sumário
Introdução ............................................................................................................................... 11
Conclusão ................................................................................................................................ 58
Fontes....................................................................................................................................... 63
Bibliografia ............................................................................................................................. 64
11
Introdução
O mundo contemporâneo do século XX, categorizado como a “Era dos Extremos” pelo
historiador Eric J. Hobsbawm, foi um período de ambiguidades. Ao mesmo tempo em que o
progresso tecnológico se propagava, a disputa por poder e hegemonia entre diferentes nações
culminou com o surgimento das Grandes Guerras, que quase levaram a civilização humana ao
extermínio. Neste contexto, surgiram diferentes ideologias e variadas formas de organização
do Estado, destacando-se de forma expressiva o Nazi-fascismo.
2
Parlamento alemão.
12
complementam meus estudos, mas também aqueles que eram dotados de conhecimento e
vivência do período, e que por suas contribuições, serão para sempre lembrados na História.
Refiro-me, essencialmente, à Sir. Winston Churchill.
Vale lembrar que este trabalho não se trata de uma análise totalizante ou definitiva. As
hipóteses foram formuladas com base em ampla literatura especializada em nazismo, política,
sociedade e poderes. Nada seria possível sem os incríveis autores que dedicaram boa parte de
sua vida para a construção historiográfica do tema. De mesma forma, a maioria das fontes não
são inéditas, uma vez que muitos historiadores já as investigaram e puderam tecer importantes
3
Em português, “Aurora Alemã”.
14
trabalhos sobre os assuntos aqui tratados. A especificidade deste trabalho consiste, em muita
das vezes, nas lacunas geradas por essas investigações, uma vez que boa parte delas foram feitas
nas últimas décadas, não acompanhando as produções historiográficas recentes. Desta forma,
podemos cruzar informações diferentes, que em muito nos auxiliou na construção das hipóteses.
Ainda que este seja um simples trabalho, foi produzido com muita dedicação, humildade e
contribuição de muitos. Espero estar contribuindo, mesmo que minimamente, para o
enriquecimento da história regional e da historiografia sobre os estudos do Nazismo.
15
Com a Revolução que eclodira na Rússia em 1917, a nação de Vladmir Lênin se retirava
do conflito. Em contrapartida, os Estados Unidos da América, que apoiavam França e Inglaterra
com recursos, entrava de forma definitiva na Europa, mobilizando suas tropas para a batalha.
Este momento foi crucial para a conclusão da guerra, pois
4
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 96.
16
ocidental em número cada vez maior. O único aspecto realmente brilhante do ponto
de vista alemão era a série contínua de sucessos no leste.”5
Os ideais da Rússia revolucionária chegavam até o seio da Alemanha, tão mesmo como
uma forma de insistência dos próprios russos. Lênin acreditava que a Revolução seria suprimida
caso não se expandisse entre todos os trabalhadores, fato este que impulsionou a criação da
Primeira Internacional. O monolítico partido Social-Democrata da Alemanha acabou aderindo
aos ideais revolucionários, de onde saíram personalidades como Rosa Luxemburgo, havendo a
fundação do Partido Comunista em 1918. Estes grupos não apoiavam o conflito, pois
acreditavam que este estava restrito ao imperialismo, que por si só era um elemento do
Capitalismo, como afirmara Vladmir Lênin. A Alemanha de Hindenburg e Ludendoff que
marchava de forma brutal e conquistadora via os desígnios da guerra transitarem para outro
lado. Em seu próprio seio, o nacionalismo político rompera-se, havendo a propagação de
diferentes ideais contrárias às ações germânicas. No plano externo, soldados passavam a
desertar e se rendiam aos montes, uma vez que as nações inimigas avançavam pelo front
ocidental, subsidiadas com o dinheiro e os soldados americanos. Hindenburg e Ludendorff,
supostamente invencíveis, foram obrigados a informar ao Kaiser Guilherme a derrota
inevitável. Rapidamente, a imprensa alemã passou a tecer profundas críticas ao sistema criado
por Bismarck em 1871. Mesmo com a tentativa de censura por parte do Estado, a queda da
Alemanha repercutiu de tal maneira que expressiva parte da sociedade civil voltou-se contra o
Império, apoiando o armistício e a alternativa democrática da República. O nazismo era forjado
nesse caldeirão de guerra e revolução.
“Sem a guerra, o nazismo não teria emergido como uma força política séria, nem
tantos alemães buscariam de forma tão desesperada uma alternativa autoritária
aos políticos civis que pareciam ter falhado de maneira tão notável com a
Alemanha na hora da necessidade. 6
5
Idem.
6
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 101
17
que eram obrigados a aceitar a amarga sensação da derrota, quando a vitória estivera tão
próxima. Para um determinado grupo de germanos, sobressaía a sensação de que a guerra havia
sido perdida por um ato de traição. Os traidores da pátria haviam apunhalado o Reich pelas
costas. Agora, eram obrigados a aceitar as cláusulas ocidentais dos vencedores, incluindo o
compromisso em substituir o modelo de Estado criado por Bismarck por uma democracia.
Era de conhecimento das lideranças alemãs que, em caso de derrota, a perda seria
expressiva, uma vez que a Alemanha marchava em larga escala, derrotando seus oponentes e
expandindo suas fronteiras desde 1871. Importantes territórios foram anexados, pertencentes à
Polônia, à Estônia, à Rússia e a França, como a Alsácia-Lorena. Com a rendição germânica em
1918, o Reich esfacelou-se, ocorrendo a gradativa desintegração territorial. As fronteiras
imperiais diminuíam e com elas, rígidas condições eram impostas pelo Tratado de Versalhes7.
Aos alemães ficava compulsório a cessão de territórios, a restrição de sua força bélica, o
pagamento de débitos exorbitantes e acima de tudo, como evidenciado no Artigo 231 do acordo,
a obrigação de aceitar a “culpa exclusiva” pela deflagração da guerra em 1914.
7
O Tratado de Versalhes foi assinado como condição para o fim da Primeira Guerra Mundial. Dentre as cláusulas,
estava a perca de importantes territórios da Alemanha e o pagamento de altas indenizações pelos custos da Grande
Guerra. Alguns autores consideram o Tratado de Versalhes como uma das grandes causas da ascensão do Nazismo
na Alemanha e eclosão da Segunda Guerra Mundial.
8
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 108
9
Idem.
18
“Os valores morais tradicionais pareciam estar em declínio junto com os valores
monetários tradicionais. A descida ao caos – econômico, social, político e moral,
- parecia ser total [...] Foi nessa atmosfera de trauma nacional, extremismo
político, conflito violento e sublevação revolucionária que o nazismo nasceu.”13.
10
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 115
11
Idem, p. 152.
12
Idem, p. 164
13
Idem, p. 159.
19
Adolf Hitler cresceu na Áustria, transferindo-se para Viena entre os anos de 1908 e 1909
com o propósito de estudar na Academia de Belas Artes. Grande admirador de arte, passava os
dias pintando quadros e ouvindo música clássica, da qual Wagner era, sem dúvidas, seu
predileto. Hitler sonhava em ser um grande artista, reconhecido entre os melhores naqueles dias
luminosos de Viena, antecedentes à Grande Guerra. Os sonhos do jovem Adolf, contudo,
14
Na República de Weimar, o Reichtag representava o Parlamento alemão. KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo,
Companhia das Letras, 2010, p. 44.
15
HOBSBAWM, Eric J. “A Era dos Extremos: O breve século XX”. São Paulo, Cia das Letras, 2012, p. 46.
16
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 20.
20
encontraram alguns obstáculos no meio do caminho. Havia algo em que ele não contava quando
ainda planejava sua ida para Viena: a rejeição. Rejeitado como artista na Academia de Belas
Artes, Adolf Hitler ainda tentaria mudar seu segmento de atuação, acreditando que possuía
talento para a Arquitetura. Para sua frustração, também não obteve aprovação nesta área. Os
sucessivos fracassos na vida de Adolf Hitler contribuíram para potencializar suas decepções e
seu ódio, impulsionados ainda mais quando ele passou a ter acesso à veículos de informação
que nutriam suas desilusões com a sociedade austríaca, à sua visão, corrompida por comunistas
e judeus.
Os anos em Viena tornavam-se cada vez mais difíceis na vida de Adolf Hitler, que estava
sucumbindo em meio aos fracassos e desilusões. Ele passava a pensar que aquele lugar era um
antro de corrupção, na qual as principais instituições eram controladas por judeus. Do mesmo
modo, passava a consumir em maior escala ideias antissemitas e nacionalistas, fazendo-o a
nutrir uma aversão ao governo do império Austro-Húngaro, o que o fazia pensar em como seria
a vida em que o povo germânico estivesse unido entre os seus. De acordo com Kershaw,
Era chegada a hora de mudança, e o jovem austríaco decidiu mudar-se para Munique,
na esperança de que os novos ares o revigorassem. Por algum motivo, passara a nutrir um
profundo sentimento de ligação e emoção com a Alemanha, encantando-se pela história desta
17
Idem, p. 77.
21
nação e por sua gloriosa trajetória. A Alemanha passou a ser sua pátria de adoção. A maneira
que ele encontrou para tanto servir aos princípios que adotou, quanto construir uma nova
carreira, foi abandonar os devaneios da Arte e Arquitetura e se alistar no exército nacional. Não
seria necessário muito esforço para que o jovem aspirante a artista pegasse em armas para
defender de forma patriótica sua nação. E desta forma, ao eclodir a Primeira Guerra Mundial,
em 1914, Adolf Hitler já estava a postos para o conflito. Após suas falhas e a decepção com sua
carreira, agora ele tinha um ofício, um propósito, uma missão, e estava muito entusiasmado
com a guerra.
Deslocado para lutar no front ocidental, Entre 1914 e 1915, Hitler vivenciou o desespero
da guerra e seu poder de destruição. Presenciou a morte de 70% de seu regimento18. Para ele, a
destruição da guerra era necessária não apenas para aniquilar os inimigos, como para
possibilitar a limpeza racial da Alemanha. O decorrer do conflito e sua postura fria e
determinada possibilitaram sua promoção a cabo, sendo este o posto de maior prestígio que
conquistou dentro do exército. Por não ser um dos melhores soldados em termos técnicos de
combate, ele se tornou mensageiro, ocupando um posto de extrema importância, mas que lhe
garantia certo conforto. Passava horas de prontidão, e utilizava este tempo para ouvir música
clássica, ler e pintar. Em 1918, Hitler foi condecorado com a Cruz de Ferro 19 Primeira Classe,
em honraria à bravura demonstrada na entrega de uma importante mensagem, quando a
comunicação entre o quartel e o front havia sido cortada em virtude do fogo pesado da guerra.
No dia 18 de Outubro de 1918, durante uma importante missão, o jovem cabo sofreu um
acidente, sendo atingido junto com um grupo de companheiros pelo danoso gás mostarda
diretamente em seus olhos. Sem condições de permanecer em seu posto, foi deslocado para o
hospital militar. A guerra havia acabado para o jovem cabo, que nesta altura do campeonato,
encontrava-se cego sob uma cama de hospital. Ficaria também “cego de ódio” quando
descobrisse a rendição alemã. Ao abrir os olhos, passava a enxergar apenas os inimigos externos
e internos, atribuindo a culpa das falhas aos fracos que “apunhalaram a Alemanha pelas costas”.
De acordo com Winston Churchill, Hitler pensava que “A Alemanha fora apunhalada
pelas costas e aprisionada nas garras dos judeus, dos aproveitadores e dos conspiradores que
18
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 87.
19
A Cruz de Ferro era importante condecoração dada aos heróis da Alemanha. KERSHAW, Ian. “Hitler”. São
Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 89.
22
Desta forma, “Resplandecendo à sua frente ele viu seu dever: salvar a Alemanha dessas
pragas, vingar-lhe as injustiças sofridas e conduzir a raça superior a seu destino havia muito
decretado.”21
Para Ian Kershaw, contudo, a revolução que se desencadeou durante os dias da guerra e
coincidiu com a rendição alemã e assinatura do armistício, dando início à República de Weimar,
nada mais era do que um símbolo da desordem social e insatisfação com o sistema vigente. “Na
realidade, não houve traição, nenhuma faca cravada nas costas. Isso foi pura invenção da
direita, uma lenda que os nazistas utilizaram como elemento central de seu arsenal de
propaganda.”22
Terminada a Grande Guerra, em 1919 só restava uma certeza para Adolf Hitler: ele
deveria entrar para a política. O fim da guerra significava também um ponto final em sua vida
no exército; tudo que sonhara e dedicara estava destruído. Mais uma vez, os fantasmas de suas
antigas desilusões com a carreira artística voltavam a assombrá-lo. Ele não sufocaria
novamente. Para Hitler, seguir na vida pública não era apenas uma opção de carreira, era, acima
de tudo, uma questão de honra. A partir deste momento, ele dedicaria todos os dias de sua vida
a lutar por seus princípios, naquilo que acreditava, pela nação que havia escolhido e pelo povo
que jurou defender. Acima de tudo, Hitler valeu-se do oportunismo que as condições históricas
e sociais o proporcionou. Ele usaria a boa sorte a seu favor, e acabaria descobrindo o seu talento
natural, aquele por qual tanto procurou: o de falar para pessoas.
20
CHURCHILL, Winston. “Memórias da Segunda Guerra Mundial”. Vol. 1 (1919-1941) e Vol. 2 (1941-1945).
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2012, p. 40.
21
Idem.
22
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 94.
23
Em Setembro de 1919, Hitler foi convidado a participar de uma reunião do Partido dos
Trabalhadores Alemães, sendo invitado por um oficial de segurança para quem prestava
serviços. Naquela ocasião, seria apenas um encontro entre os membros do partido político.
Discussões sobre o grupo e especulações sobre o futuro da pátria eram as questões em pauta,
como de praxe. Pela primeira vez, Adolf Hitler ouviu políticos afirmarem as mesmas
convicções que ele carregava consigo: antissemitismo, antibolchevismo, valorização da
germanidade, supressão de outros partidos, perseguição aos “traidores da pátria”, vingança aos
inimigos. Tudo pela redenção da Alemanha. Naquele dia, Hitler sentira-se extasiado. O Partido
não poderia contar com sorte maior a seu favor. Eles haviam encontrado a pessoa que
precisavam. Naquele mesmo ano, Hitler foi convidado a participar como membro efetivo do
partido e oficializou sua filiação.
Naqueles dias, eram muito comuns reuniões em cervejarias. Estas eram pontos de
encontro de políticos e membros de um partido, atuando como locais de discussões,
confraternizações e comícios. Em sua primeira oportunidade de fala, ele colocou suas
experiências vividas durante a Grande Guerra e suas convicções em perspectiva com a delicada
situação da Alemanha. Para Hitler, os rumos da Grande Guerra acabaram se tornando uma
dádiva. A dramática situação da Alemanha atuou muito bem como plano de fundo durante suas
palestras. Era fácil enfatizar o seu discurso e atribuir os culpados pela derrota alemã. De forma
calorosa, utilizava gestos e expressões que faziam suas narrativas atingirem de forma intensa o
emocional de seus ouvintes. Fazendo uso do conceito de Max Weber, Adolf Hitler acabara
personificando a “autoridade carismática”. Na cervejaria de Sterneckbräu, durante eventual
reunião do partido, ocorreu um debate após as palestras, na qual um dos convidados enfatizou
o desejo de separação dos bávaros, quando Hitler
“interveio de forma tão veemente que Bauman, totalmente desanimado, pegou seu
chapéu e se retirou, como um ‘cachorro molhado’, enquanto Hitler ainda falava.
O presidente do partido, Anton Drexler, ficou tão impressionado com a intervenção
que, no fim da reunião, lhe entregou um exemplar de seu panfleto Meu despertar
político, convidando-o a retornar em poucos dias, caso estivesse interessado em
participar do novo movimento. ‘Meu Deus, que língua ele tem! Poderíamos usá-
lo’, consta que Drexler teria dito. Segundo o relato do próprio Hitler, ele leu o
panfleto de Drexler no meio de uma noite insone e lembrou-se de seu próprio
‘despertar político’, doze anos antes.23
23
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 109.
24
Em 1920, após evidenciar aos partidários seu talento retórico e de oratória, Hitler foi
promovido pelo partido como responsável pela propaganda. Estipulou 25 pontos, os quais
compartilhavam os ideais dos partidários. Em síntese, os pontos pautavam-se
24
Idem, p. 115-119.
25
Idem, p. 117.
26
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 121.
25
Partido Nazista. Estava claro que todos os comícios de Hitler seriam como fogos de artifício,
fazendo com que ano após ano, aumentassem de forma expressiva o número de participantes e
apoiadores do partido.
Na Baviera, o Partido Nacional-Socialista vai atuando de forma cada vez mais convicta
e expressiva, crescendo gradativamente e se propagando para outras províncias, como a
Francônia. Adolf Hitler passava a ser a personificação do partido. Tudo o orbitava, seguindo de
acordo com suas objeções. Segundo Kershaw,“em 1921, para o público de Munique, Hitler já
era o NSDAP. Era a voz do partido, sua figura representativa, sua personificação”. 27 Na
Europa pós-guerra, era muito comum que os partidos políticos tivessem mais que um líder. O
sentido de “liderança” que Adolf Hitler exercia era apenas nos termos técnicos partidários, de
atuar como o homem que direciona o partido. Contudo, a ascensão ao poder por Benito
Mussolini na Itália acabaria servindo de inspiração para Hitler. Ele afirmaria mais forte do que
nunca aos seus partidários que a luta era necessária para a vitória. A liderança carismática vai
se tornando mais expressiva. O capital político de Hitler cresce de tal forma que os membros
do partido vão passando a atribuir um sentido diferente de liderança. A imagem do ein führer
estava sendo construída.
27
Idem, p. 129.
26
O golpe estava suprimido. Adolf Hitler seria preso e posteriormente julgado. O capital
político que carregava consigo atuou de forma a garantir algumas regalias. Ainda em seu
julgamento, fez-se de seu talento retórico e convenceu boa parte da corte que os planos do
partido seriam a solução para conter a crise. Condenado por fim, teve na cadeia o conforto de
um preso político de ordem especial. Havia sido condenado apenas para cumprir o protocolo e
servir de exemplo aos desordeiros. Do contrário, seria absolvido. Durante os dias que ficou em
cárcere, surgiu aquele que seria o coração do Terceiro Reich, a obra de sua vida: Mein Kampf.28
Com Hitler preso, os nacionalistas perdiam cada vez mais prestígio no reischtag. O movimento
estava desorganizado em sem rumos. O partido não precisava de seu arauto, mas sim de seu
líder. O acúmulo de capital político possibilitou que Hitler, ao sair da cadeia, tivesse convicção
do papel primordial que deveria exercer frente aos seus. Os partidários pronunciavam com
clamor: Heil Hitler!
28
Minha luta, em alemão.
29
CHURCHILL, Winston. “Memórias da Segunda Guerra Mundial”. Vol. 1 (1919-1941) e Vol. 2 (1941-1945).
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2012, p. 46.
27
Sir. Ian Kershaw, em 1930, “o número real, incluindo os postos com jornada reduzida, foi
estimado em mais de 4,5 milhões”.30
Impulsionados pela grande crise, o Partido Nazista conquistava o seu espaço de forma
considerável entre os anos de 1930 e 1933. Hitler estava extasiado com a ascensão dos adeptos
do movimento Nacional-Socialista por toda a Alemanha. A cereja do bolo estava cotada para
as eleições presidenciais. Naquela ocasião, o emblemático Hindenburg ocupava o cargo de
Presidente, e Franz Papen o de Chanceler. As disputas para as eleições presidenciais foram
calorosas e acirradas. Em termos propagandísticos, Goebbels atuava como um soldado,
determinado a tornar possível a chegada de Hitler ao poder. Desta forma, os nazistas estavam
impulsionados a “trabalhar para o führer”.31 Na eleição presidencial de 1932, o velho
Hindenburg derrotou Hitler e acabou reeleito. Hitler estava furioso com o resultado das
eleições. Papen, que havia sido Chanceler e possuía grande prestígio, aproximava-se dos
nacionalistas e de Hitler, aderindo aos seus ideais. Valendo-se de sua influência junto a
Hindenburg, ele pede em favor de Hitler, para que este ocupasse a chancelaria. Com relutância,
mesmo tendo negado a esta ideia em outra ocasião, o presidente Hindenburg consentiu ao
pedido de Papen. “Em 30 de Janeiro de 1933, Adolf Hitler assumiu o cargo de chanceler da
Alemanha.”32
30
KERSHAW, Ian. “Hitler”. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 228.
31
O conceito de “trabalhar para o führer” foi formulado por Ian Kershaw, que observou que a esfera do poder
simbólico e político estava estipulada em níveis dentro do Partido Nazista. O mais alto nível era ocupado pelo
führer, desta forma, hierarquizando todo o partido.
32
Idem CHURCHILL, p. 51.
33
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 374.
28
Democracia destruída. Criação de um Estado com partido único. Faltava pôr em prática
a doutrinação moralizadora característica do totalitarismo fascista. É o momento em que a vida
pública e privada se fundem. O Estado passa a intervir diretamente no âmbito familiar e
34
EVANS, Richard J. “A Chegada do Terceiro Reich”. São Paulo, Editora Planeta, 2014, p. 445.
29
A Alemanha estava conquistada. Um líder, um povo, uma raça. Era chegada a hora de
impor-se frente aos inimigos, conquistando a Europa para estabelecer uma nova ordem, em
busca da prioridade racial alemã. O ideário que há muito vinha se formando entre os nacional-
socialistas estava consolidado e o plano de governo estava estabelecido. Entre 1935 e 1939, os
alemães superaram a crise econômica e aumentaram consideravelmente sua capacidade bélica.
As imposições do Tratado de Versalhes, outrora símbolo da humilhação alemã, estavam
rompidas. As Nações Unidas estavam vendadas diante da ascensão germânica. Em sessão na
Câmara dos Comuns, em 1934, Winston Churchill afirmou que
“A Alemanha já tem, neste momento, uma força aérea militar (...) e que esta (...) se
aproxima rapidamente da igualdade com a nossa. Em segundo lugar, (...) o poderio
aéreo militar alemão, dentro de um ano, será de fato pelo menos tão grande quanto
o nosso, e talvez até maior. Em terceiro lugar, (...) no fim de 1936, ou seja,
decorrido mais um ano – dois a contar de agora – o poderio aéreo militar alemão
será quase 50% maior e, em 1937, quase o dobro do nosso.”36
Aos nazistas, era preciso conquistar o espaço vital necessário ao Terceiro Reich. A
expansão seria uma questão delicada. O início seria unificando os povos de origem germânica,
e desta forma, a Áustria germânica seria o primeiro passo. Além de tudo, uma entrada triunfal
em Viena tinha um sentido pessoal para o führer. O partido Nazista crescia em solo austríaco
desde 1934, com o assassinato do chanceler Doulfuss. A cada sucesso nazi, crescia o número
de adeptos. A tomada da Áustria foi caracterizada por muito apoio aos nazistas e resistência
inexpressiva. Logo, o caminho para a Tchecoslováquia, Polônia e Rússia, para a Europa
Nórdica e Central, seria uma questão estratégica e de tempo.
35
ARENDT, Hannah. “Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo”. São Paulo,
Companhia das Letras, 2012, p. 474.
36
CHURCHILL, Winston. “Memórias da Segunda Guerra Mundial”. Vol. 1 (1919-1941) e Vol. 2 (1941-1945).
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2012, p. 80.
30
O Brasil acabara se tornando a morada de muitos alemães, que imigraram com intenções
diversas, tais como construir uma vida no novo mundo, buscar novas oportunidades ou fugir da
Guerra. Nos séculos XIX e XX, o processo imigratório da Europa para o Brasil ocorreu em
larga escala, havendo grandes contingentes de populações germânicas. Austríacos e alemães se
estabeleceram pelo território brasileiro, com expressivo destaque para as regiões Sul e Sudeste,
que por si contavam com os estados que continham o maior número de alemães. Santa Catarina,
Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro foram as regiões em que a seção
brasileira do Partido Nazista tiveram maior expressão.38 Não é possível afirmar diretamente as
37
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 112.
38
MORAES, Luís Edmundo de Souza. “Ein Volk, Ein Reich, Ein Füher! A Seção Brasileira do Partido Nazista e
a Questão Nacional”. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Antropologia Social) – Museu Nacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. pp. 193
31
causas de porque os estados com maior número de alemães serem também os que contavam
com mais adeptos ao nazismo, mas é possível dizer que a quantidade influencia neste número,
além do fato de que nestes Estados estavam presentes as principais instituições alemãs no
Brasil, como a Embaixada, situada no Rio de Janeiro, que também foi o primeiro estado a sediar
o Partido no Brasil, sendo sucedido por São Paulo. No Sul, muitas comunidades germânicas
expressavam de forma muito intensa ligações com a pátria mãe. Estas informações nos ajudam
a compreender o fenômeno de aceitação do Partido Nazista no Brasil.
O Partido Nazista possuiu teias de contato com diversos países do mundo, seja por
questões diplomáticas que antecedem o governo nazi, seja por articulações políticas de Adolf
Hitler. Para Dietrich,
39
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 118.
40
Após a Segunda Guerra Mundial, constatou-se que Edward VIII, que havia renunciado ao trono da Inglaterra
por questões matrimoniais, foram descobertos alguns telegramas entre o abdicado rei inglês e o alto comando dos
nazistas. Além das correspondências, Edward teve diversos encontros com Adolf Hitler, prestigiando comícios e
apresentações. Constatou-se que Hitler tinha o plano de invadir a Inglaterra, depor o governo e coroar Edward
como Rei.
41
A Intentona Comunista foi um episódio ocorrido em 1935, como tentativa de erradicar uma revolução aos
moldes soviéticos.
32
Alemanha de Hitler, enquanto estava grávida. Olga acabara dando a luz dentro de um campo
de concentração. Neste ínterim, a GESTAPO, polícia secreta do estado Alemão, atuava no
Brasil e treinava as forças nacionais para conter comunistas. Desta forma, foi possível para que
o Partido Nazista funcionasse livremente no Brasil entre 1928 e 1938, oito anos da Era Vargas.
De acordo com Dietrich,
“Só depois de uma década – quando a existência deste partido entrou em confronto
com as diretrizes nacionais que proibiam atividades políticas estrangeiras e, ao
mesmo tempo, procuravam “nacionalizar” as minorias estrangeiras, intervindo em
escolas, clubes, bancos e demais associações estrangeiras, proibindo o uso de
outros idiomas em público – o partido nazista se tornou alvo de investigação e
controle e foi finalmente proibido em 1938.”42
42
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 120.
33
Estas abordagens não são totalizantes sobre o tema, todavia, merecem destaque por não
se tratarem de meras especulações, mas de associações diretas com a matriz do partido em
Berlim. O Partido Nazista possuía rígida hierarquia e múltiplas estruturas burocratizadas, com
a finalidade de manter o funcionamento pleno das atividades do Reich. Em meio a este
emaranhado político, encontrava-se a Auslandsorganization der NSDAP45, órgão responsável
por cuidar dos interesses do Partido Nacional-Socialista no exterior.
43
GIUDICI, p. 108 e 110-111 apud MORAES, Luís Edmundo de Souza. “Ein Volk, Ein Reich, Ein Füher! A
Seção Brasileira do Partido Nazista e a Questão Nacional”. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Antropologia
Social) – Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. pp. 79-80
44
Idem. ARTÚCIO, p. 23 apud MORAES, p. 80.
45
Popularmente conhecida por sua sigla: A.O.
34
No panorama político brasileiro, o Partido Nazista atuou livremente durante oito anos
da Era Vargas, uma vez que o presidente brasileiro mantinha relações políticas, diplomáticas e
econômicas com a Alemanha. Em 1938, com o estabelecimento do Estado Novo, Getúlio
Vargas reprimiu todas as organizações que não compartilhassem com o nacionalismo brasileiro
direcionado pelo getulismo. Desta forma, não só a seção brasileira do NSDAP, como todas as
manifestações germânicas foram proibidas em solo nacional, evidenciando conflitos simbólicos
de poder. A historiadora Ana Maria Dietrich contextualizou os fatos como o período de “caça
às suásticas”, concluindo que os alemães, de uma forma geral, sofreram com a repressão da
polícia política varguista, mesmo aqueles que não possuíam nenhuma identificação com o
Partido Nazista. Apenas pelo fato de serem alemães, tiveram seus periódicos censurados,
escolas fechadas e foram proibidos até mesmo de falar o idioma nativo. Acredita-se que o
partido tenha funcionado na clandestinidade a partir de 1938, sendo definitivamente caçado
como inimigo da pátria a partir de 1942, quando o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial ao
lado das forças aliadas.
46
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 118.
47
MORAES, Luís Edmundo de Souza. “Ein Volk, Ein Reich, Ein Füher! A Seção Brasileira do Partido Nazista e
a Questão Nacional”. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Antropologia Social) – Museu Nacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. p. 69.
35
América e por ter abrigado inúmeros alemães nos séculos XIX e XX48. Desta forma, “acredita-
se que o partido nazista no Brasil era para a Alemanha muito mais importante do que para o
Brasil.”49
48
Como consta no folhetim “A Quinta Coluna das Duas Américas - Objetivo final de Hitler: Conquista da América
Latina. In: DIETRICH, Ana Maria. “Caça às Suásticas: O Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia
Política”. São Paulo, Fapesp, 2007, p. 63
49
Idem DIETRICH, p. 134.
50
MORAES, Luís Edmundo de Souza. “Ein Volk, Ein Reich, Ein Füher! A Seção Brasileira do Partido Nazista e
a Questão Nacional”. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Antropologia Social) – Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. p. XXIV.
51
DIETRICH, Ana Maria. “Caça às Suásticas: O Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia
Política”. São Paulo, Fapesp, 2007, p. 74
36
liderança do partido, que estava diretamente subordinado à A.O. Contudo, de que forma este
partido atuava? Como destacado anteriormente, a organização possuiu total liberdade na década
de 1930, até o estabelecimento do Estado Novo, em 1938. Utilizando o contexto de ascensão
de Adolf Hitler e o sentimento de “germanidade”, os membros do partido utilizaram a
instituição como vínculo de união e expressão sentimentalista à Alemanha. De forma comum,
organizavam festividades e comemoravam energicamente datas especiais alemãs, como o Dia
do Trabalho. As atividades ligadas ao Reich também eram motivo de festividades, como o
aniversário de Adolf Hitler52. Além disso, a seção brasileira do Partido Nazista, sob ordem
direta da A.O., foi responsável pela criação de periódicos de grande circularidade. Os jornais
foram nomeados Deutsche Zeitung, Deutscher Morgen e Die Nationalsozialist53, sediados
respectivamente em Porto Alegre – RS, em São Paulo-SP e no Rio de Janeiro – RJ. Estes jornais
tinham dois objetivos principais: o primeiro, o de informar aos alemães residentes no Brasil
sobre o avanço dos ideais do Reich na Europa, visando manter os germânicos informados sobre
sua pátria mãe; e o segundo, o de atuar como veículo propagandístico do nazismo. As
manchetes foram produzidas em alemão até o ano de 193854, pois a polícia política do Estado
Novo condenava essa postura como exibição de um nacionalismo estrangeiro e antipatriótico.
Neste momento, as instituições germânicas foram forçadas a mudar a forma como atuavam. Os
jornais alemães passaram a publicar suas manchetes em português e mudaram o nome como se
apresentavam, a única forma de conseguirem passar pela censura varguista. O Deutscher
Morgen passou a se chamar, a partir de 1938, Aurora Alemã.
De acordo com Luís Edmundo de Moraes, o Partido Nazista contava com 2822
membros no Brasil, atuantes em 17 estados brasileiros. O senso de 1939 demonstrava um total
de 89.071 alemães residentes no Brasil. Destacavam-se as regiões Sul e Sudeste, que juntas
somavam 2490 partidários55. De acordo com orientação da A.O., os membros da Seção
Brasileira do NSDAP não poderiam interferir na política local. Significa dizer que o Partido
Nazista no Brasil não era institucionalizado ao ponto dos membros concorrerem à eleições, por
exemplo. Era imprescindível que os participantes mantivessem uma postura discreta. Os
52
Esta questão será melhor explorada no capítulo seguinte. No dia 3 de Maio de 1933, o jornal O Nova Friburgo
noticiava a reunião de alemães em comemoração ao aniversário do führer.
53
DIETRICH, Ana Maria. “Caça às Suásticas: O Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia
Política”. São Paulo, Fapesp, 2007, p. 74
54
No capítulo seguinte, será melhor explicitado os fatores que contribuíram para a “resistência” da comunidade
germânica e do Partido Nazista à polícia política de Getúlio Vargas.
55
MORAES apud DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007.
Tese (Programa de Pós-Graduação em História Social). p. 159
37
membros do Partido Nazista não poderiam, desta forma, atuar ou intervir de forma direta na
política local. Segundo Dietrich,
“Os nazistas deveriam se manter neutros com relação à política interna e não
poderiam divulgar suas ideias à estrangeiros. O teórico principal da A.O., Emil
Ehrlich, escreveu que havia dez deveres instituídos a partir do Decreto do Führer
de 1934, entre eles, os dois primeiros referem-se a este princípio de ‘não-
intervenção’: ‘1. Seguir as leis do país, no qual você é hóspede. 2. A política da
terra de hospedagem deve ser deixada para seus moradores. Você não deve entrar
na política de uma terra estrangeira. Não se intrometa nesta política, nem mesmo
por meio de conversas. A neutralidade na política local era, muitas vezes, utilizada
como bandeira de negociação para que o partido nazista continuasse suas
atividades em território estrangeiro.”56
Em linhas gerais, o serviço funcionava como uma pirâmide, cada esfera de forma
diretamente conectada. As tabelas a seguir, elaborada por Ana Maria Dietrich57, demostram a
rígida organização do partido.
56
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 147.
57
Idem, p. 144.
38
De forma geral, as sedes estavam concentradas nas áreas urbanas, podendo existir outras
células ao redor desta. As zonas de interior organizavam células menores, responsáveis por
subsidiarem a sede. Então, cabia aos nazistas do interior integrarem grupos de suporte ao Reich,
como a “Juventude Hitlerista” e a “Associação de Mulheres Alemãs”. Estes grupos tinham o
objetivo de agregar membros que obedecessem os critérios de adesão à causa do partido. A sede
nacional do Partido localizava-se primeiramente na cidade do Rio de Janeiro, em virtude que a
embaixada alemã estava instalada no mesmo local. Quando Hans von Cossel se torna a
liderança do partido no Brasil, a sede da seção brasileira do NSDAP transfere-se para a cidade
de São Paulo, local onde estava instalado a redação do Deutscher Morgen, periódico no qual
Cossel publicava regularmente. 58
Falar sobre os membros do partido torna-se uma questão interessante. Não se pode
afirmar que todos os alemães eram nazistas59, parafraseando Hannah Arendt60, seja na
Alemanha hitlerista, sejam nas vinculações do partido ao redor do globo. Da mesma forma,
nem todos os alemães poderiam pertencer à organização. De acordo com as determinações da
58
Deutscher Morgen (Aurora Alemã) foi um periódico com sede em São Paulo, atuante como porta voz oficial do
Nacional-Socialismo no Brasil.
59
ARENDT, Hannah. “Eichman em Jerusalem”, São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
60
Luís Edmundo de Moraes valeu-se de importante análise ao relativizar o conceito de “banalidade do mal”
cunhado por Arendt, além de sua errônea utilização pela historiografia sobre o Nazismo. O extermínio dos judeus
em si não se trata de uma “banalidade”. Não haveria “monstruosidade” inata aos comandantes das forças nazistas,
como muitas vezes o Eichman foi descrito, mas a atividade de membros embebedados por ideologia e que seguiam
friamente as determinações de seus superiores. O projeto de Adolf Hitler era executado por funcionários que
trabalhavam assiduamente para o führer, das secretárias que preenchiam dados, aos carregadores dos gases
utilizados nas câmaras de extermínio. MORAES, Luís Edmundo de. “A filósofa e a máquina de extermínio
nazista”. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/a-filosofa-a-maquina-de-exterminio-nazista-
504064.html. Acesso em 25 de Dezembro de 2018.
39
A.O., apenas os alemães com cidadania alemã poderiam adentrar ao partido. Isto porque os
membros não estavam subordinados à esfera local, mas diretamente à matriz na Alemanha. Esta
determinação mantinha relação com a ideologia ariana, a qual a pureza da raça era questão
primordial para a construção do Reich. Como afirma Dietrich,
“A questão da raça era tão importante que foi proibida a participação de não-
alemães – ainda que descendentes – no partido nazista. O partido seria formado
por esta grande ‘raça de eleitos’, que foi chamada de uma espécie de ‘elite do
Führer’. Os integrantes desta comunidade étnica nazificada eram os portadores da
cidadania alemã. Não haveria então a disposição de divulgação da ideologia
nazista para estranhos. Assim, esta elite viveria em uma espécie de gueto e o
nazismo funcionaria, então, como se fosse uma seita.”61
O Partido Nazista que se propaga pela Alemanha e estende sua influência pela Europa
“germanizada” não é, definitivamente, o mesmo que se espalha pela a América Latina e o
Brasil. A ideologia nacional-socialista formou-se em um contexto específico. A Alemanha
bismarckiana havia se tornado um poderoso império no século XIX. A perda da Grande Guerra,
a humilhação de uma nação diante das cláusulas do Tratado de Versalhes e o terror da
hiperinflação, aliado à depressão econômica, encontraram uma liderança que viveu todos estes
momentos, transformou-os em um elaborado discurso e o direcionou aos alemães “eleitos”. Os
nazistas ascendem gradativamente ao poder. Seu domínio político e militar sobre a Alemanha
se dá por um importante critério: o apoio expressivo e de diferentes setores da sociedade,
incluindo operários, burgueses, conservadores e religiosos. A Alemanha nazista tende ao
totalitarismo, passando a interferir diretamente na vida de cada cidadão, desde o seu
nascimento, de forma rígida, militarizada. Ein Reich, Ein Volk, Ein Führer.62
61
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 146.
62
Pelo Reich, Pelo Povo, Pelo Führer!.
63
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social).
40
aceitável na medida em que Getúlio Vargas possuía aversão à esta ideologia, contando com o
apoio da própria GESTAPO para reprimir os revolucionários no Brasil; em relação aos judeus,
não seria permitido que alemães saíssem às ruas agredindo pessoas e depredando seus
patrimônios. O Brasil não era uma nação antissemita, pelo contrário. Contava com muitos
judeus, presentes em diversos estados. A forma que o partido encontrou para expressar o
antissemitismo se deu, acima de tudo, pela imprensa. O jornal Deutscher Morgen, por exemplo
publicou “muitos artigos anti-semitas e possuiu uma coluna dedicada exclusivamente ao
assunto”64. Ainda assim, direcionavam os ataques aos judeus alemães, com a finalidade de
minimizar o impacto no Brasil e desta forma, evitando ser cassados pelo Estado.
Além da questão dos judeus e comunistas, A sessão brasileira do NSDAP teve que lidar
com três pontos definitivos e específicos, diferentes do contexto da Alemanha. No Brasil, havia
grande número de negros e indígenas, considerados pelos nacional-socialistas como “sub-
raças”. Era inadmissível para a construção do Reich o contato com essas etnias. O próprio Adolf
Hitler discursara sobre essa questão. Em suas palavras,
Outro ponto pertinente sobre a questão nacional gira em torno da distância entre
germânicos e teuto-brasileiros. Os alemães germânicos, os únicos que poderiam se filiar ao
partido, seguindo as orientações da A.O. (para manter a pureza de acordo com os princípios
ideológicos do Reich) tiveram de confrontar os teuto-brasileiros que aderiram à um movimento
fascista específico do contexto brasileiro: a Ação Integralista Brasileira (AIB). Esta organização
tivera laços estreitos com os nazistas em diferentes esferas. Simpatizavam com os mesmos
objetivos: eram conservadores, nacionalistas e anticomunistas. Prezavam por um Estado forte
e coeso. Contudo, disputavam o mesmo espaço de poder político, iniciado na esfera simbólica,
64
Idem, p. 128.
65
HITLER, Adolf. apud DIETRICH, Ana Maria. In: “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo,
2007. Tese (Programa de Pós-Graduação em História Social). p. 128.
41
como a cor das vestimentas, nas saudações, pois os integralistas utilizavam o “Anauê”, uma
palavra de origem tupi-guarani que significa “você é meu irmão”; e nos símbolos, uma vez que
este grupo usava o caractere grego “sigma” (Σ) como emblema, que possui significado de
“somatório”. Tudo isso equipara-se ao Heil Hitler e ao uso de suásticas pelos nazistas. Em
síntese, se os nazistas aproximaram-se dos integralistas, logo estariam em disputa simbólica
pela propagação ideológica e domínio do campo político, havendo inclusive o conflito entre
alemães germânicos e teuto-brasileiros.
O Partido Nazista no Brasil teve que lidar com um ponto extremamente delicado:
Getúlio Vargas. O presidente brasileiro possuía relações diplomáticas amistosas com a
Alemanha. Não havia objeções quanto aos nazistas no Brasil, que propagavam o ethos
germânicos nos periódicos, em festas e em instituições diversas. De 1928 à 1938, o partido
funcionou de forma livre. Com o advento do Estado Novo, entre os anos de 1937 e 1938, os
partidários passaram a sofrer processos de repressão por parte do Estado, a “caça às suásticas”.
Instituições trocaram de nome, o uso do alemão foi proibido nas igrejas, nas escolas e na
imprensa. Tudo pela nacionalização getulista. Acredita-se que até mesmo os alemães que nada
tinham ligação com o Nacional-Socialismo tenham sofrido forte repressão por parte da polícia-
política getulista. O Partido passa a atuar na clandestinidade a partir deste momento, atingindo
o ápice em 1942, quando o Brasil toma o lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Neste
ponto, os alemães passam a ser considerados inimigos do Estado e as organizações partidárias
passam a ser consideradas crimes de guerra. Era a queda sessão brasileira do Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães.
Desta forma, percebe-se como a atuação do nazismo no Brasil ocorre em aspectos muito
diferentes da atuação na Alemanha. As comemorações de datas especiais no Brasil pelos
alemães, por exemplo, estavam sujeitas às questões nacionais, como a obrigação em se executar
o hino brasileiro. O Partido precisou atuar, segundo as orientações da A.O., em esferas de apoio
à sede em Berlim, principalmente com subsídios financeiros, fruto de arrecadações dos
membros do partido no Brasil. Foi preciso também, respeitar as esferas locais, não interferindo
diretamente nas questões políticas nacionais. Então, em virtude de todas estas questões
singulares, acredita-se que o Partido Nazista no Brasil tenha sido “tropicalizado”.
42
Como apresentado no capítulo anterior, é possível dizer, com base em ampla literatura
acerca do nazismo e pautando-se na recente historiografia sobre os estudos do Nacional-
Socialismo e sua dispersão pelo globo, que estruturas específicas de cada local, sejam elas
políticas, culturais, sociais ou econômicas, influenciaram diretamente na forma de
funcionamento do Partido. Nesse sentido, Dietrich conceituou que no Brasil, o NSDAP foi
“tropicalizado”, significando que as questões nacionais brasileiras impossibilitaram ou
direcionaram os planos do partido. Durante a Era Vargas, como exemplo, o partido vivenciou
períodos de apoio e repulsão, mediante as ações getulistas do Estado Novo. Este capítulo tem
como objetivo investigar o funcionamento do Partido Nazista em Nova Friburgo, acreditando-
se que a “tropicalização” se afunila de região para região. Vale lembrar ainda, que não se trata
de uma análise definitiva, uma vez que faço uso de importante bibliografia como fonte
secundária, de historiadores que já analisaram estes aspectos. A diferença da abordagem que
será produzida consiste na relação com produções recentes sobre os estudos do nazismo no
Brasil e investigação de fontes primárias não abordadas em sua totalidade. Ainda há muito a
ser investigado.
66
De acordo com Pierre Bourdieu, ethos são as características que classificam um grupo e orientam,
silenciosamente, a conduta de um indivíduo, de acordo com seus costumes, signos, tradições e outros vínculos de
sociabilidade comuns. BOURDIEU, Pierre. “O Poder Simbólico”. Rio de Janeiro, Edições 70, 2014, p. 57.
43
Nova Friburgo possui uma relação próxima com a história alemã. Desde o século XIX,
imigrantes alemães propagaram-se pela região e foram se estabelecendo gradativamente. Com
eles, muitas práticas culturais e de sociabilidade foram trazidas, destacando-se as instituições,
como a Igreja Luterana, a primeira da América Latina. Importantes famílias de alemães já
atuavam na cidade nos diversos ramos, desde as zonas agrícolas ao comércio, com destaque
para lojas, sapatarias e alfaiatarias. A ascensão germânica e sua expressiva atuação na cidade
se dá a partir de 1910, em virtude da conquista da concessão da exploração de energia na cidade
67
Importante político de Nova Friburgo, parte da corrente moderna favorável à industrialização, atuando na
oposição às oligarquias da Primeira República. Proprietário do jornal “A Paz”, militou assiduamente na imprensa
e na Câmara em favor da industrialização, conquistando a concessão da exploração de energia elétrica ao alemão
Julius Arp. COSTA, Ricardo Gama da. Visões do Paraíso Capitalista: Hegemonia e Poder Simbólico na Nova
Friburgo da República. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997, p. 40.
68
O conceito de capital foi definido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieau em seu livro “O Poder Simbólico”.
Significa, em linhas gerais, a acumulação, de poderes em um determinado campo (político, econômico, social,
etc). Desta forma, permite ao indivíduo ou instituição manifestar os status e prestígios acumulados em um
determinado campo, evidenciando sua posição de destaque. BOURDIEU, Pierre. “O Poder Simbólico”. Rio de
Janeiro, Edições 70, 2014.
69
O conceito de “comunidade imaginada” foi formulado por Benedict Anderson, com a tentativa de explicar
vínculos que unissem diferentes cidadãos por uma mesma causa ou propósito. Desta interação, formam-se laços
identitários intangíveis, que permitem a construção de uma comunidade tangível.
44
pelo industrial Julius Arp, com notória atuação de Galdino do Valle Filho na Câmara de Nova
Friburgo para a efetivação desta mudança. Galdino sofrera forte oposição, já que “o Legislativo
Municipal era contrário às pretensões de Galdino, pois a concessão da energia elétrica, de sua
competência, havia sido dada, em 1906, ao Coronel Antônio Fernandes da Costa, ligado à
facção política dominante”.70 A assídua militância de Galdino do Valle Filho na imprensa,
através de seu jornal “A Paz”, aliada com sua importância política na cidade e sua efetiva
participação na Câmara triunfaram, uma vez que a população passou a pressionar a Câmara
pela transferência da concessão. A exploração da energia era a condição primeira para a vinda
de indústrias teutônicas.
Nova Friburgo, que já contava com expressivo número de germânicos, seguiria com o
projeto de modernização industrial liderado por mãos alemãs. Com a conquista da exploração
de energia, o processo industrializador não tardaria acontecer.
70
COSTA, Ricardo Gama da. Visões do Paraíso Capitalista: Hegemonia e Poder Simbólico na Nova Friburgo
da República. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997, p. 40.
71
Idem, p. 41.
45
ponto de vista econômico e estratégico, já que Friburgo detinha as condições necessárias para
ampla produção, e o Rio contava com um amplo mercado e capacidade de recepção e
exportação; 2) Julius Arp tinha como primeira intenção instalar as fábricas alemãs em Santa
Catarina, local que, assim como o Rio de Janeiro, contava com expressivo número de alemães.
Contudo, os altos impostos catarinenses, que eram inexistentes no Rio, influenciaram para a
tomada de decisão por Nova Friburgo; 3) por fim, Friburgo já contava desde o século XIX com
expressiva colônia alemã, incluindo a Igreja Luterana e um cemitério alemão, além do fato de
que a cidade ofertava forte infraestrutura urbana, pontos estes que garantiriam o sucesso e o
conforto. 72
Iniciada por Peter Julius Arp, considerado “Conselheiro” pelo Kaiser alemão, e
continuada por Maximilliam Falck e Otto Siems, foram os responsáveis por fundar as
respectivas fábricas Arp, Ypu e Filó, da qual concentrava grande contingente de trabalhadores
e contribuía de forma considerável para a produção industrial do Estado73. A atuação destes
personagens garantiu-lhes o status de formarem a “Trindade Teutônica”. Friburgo tornava-se,
a partir dos investimentos destes homens, uma cidade expressiva no cenário nacional. Desta
forma, os alemães constituíram forte capital econômico, político e simbólico na Nova Friburgo
republicana, da qual influenciaram de forma singular a sociedade friburguense dos anos 30.
Como afirma o historiador Ricardo Gama da Costa, Nova Friburgo chegava aos anos 30
como uma das principais cidades do interior do Estado, com uma população estimada em
37.000 mil habitantes, dos quais mais da metade residiam no Primeiro Distrito, local onde
concentrava-se as principais indústrias, que arregimentavam aproximadamente 5.000 mil
trabalhadores. Além do alto número de proletários, destacavam-se também o setor de turismo
e hotelaria, em conjunto com o comércio. 74
72
ARAÚJO, João Raimundo de. Indústria em Nova Friburgo. In: “Teia Serrana”. Rio de Janeiro, Editora Ao Livro
Técnico, 2003, p. 185.
73
O periódico germânico “Der Deutsche Zeitung”, publicado no Rio de Janeiro, noticiava em março de 1928, data
do aniversário de Arp, elogios através de um longo artigo, como “o que ele tem desenvolvido como membro da
colônia alemã, servindo a sua cultura em atuação extraordinária não deixa nada a desejar em relação a sua
atividade comercial [...]” FISCHER, E. C. “Uma História em Quatro Tempos”, N. Friburgo, Tipografia da
Fábrica de Rendas Arp, 1986.
74
COSTA, Ricardo Gama da. Os Anos Trinta: A Escalada Autoritária. In: “Teia Serrana”. Rio de Janeiro, Editora
Ao Livro Técnico, 2003, p. 242.
46
industriais consultar os sobrenomes das famílias filiadas e assim, priorizar os germânicos para
o trabalho nas indústrias alemãs. Até 1942, a Sociedade Alemã de Escola e Culto funcionaria
de forma aberta, com notoriedade na cidade de Nova Friburgo. Seu nome estaria presente em
importantes eventos e festas comemorativas do Brasil e da Alemanha. Para além das
manifestações culturais, a Sociedade tinha o papel fundamental de propagar a germanidade
entre os seus, tanto pela religião, como por aulas de alemão oferecidas aos membros e acima
de tudo, pelas festividades promovidas em memória à pátria mãe.
75
MORAES, Luís Edmundo de Souza. “Ein Volk, Ein Reich, Ein Füher! A Seção Brasileira do Partido Nazista e
a Questão Nacional”. Rio de Janeiro, 1996. Dissertação (Antropologia Social) – Museu Nacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. pp. 195-197.
47
Os anos 1930 marcam também o apoio irrestrito aos regimes ditatoriais, devido à
falência das economias liberais após os eventos da crise norte-americana de 1929. A grande
depressão que atingia o mundo capitalista encontrava forte oposição e resistência por todo o
globo, enquanto simpatizantes se apegavam aos modelos centralizadores de Benito Mussolini
e Adolf Hitler como forma de oposição e superação. Em Nova Friburgo, o periódico O
Friburguense noticiava, após os eventos da Revolução de 1930 que depusera os antigos
princípios da República Oligárquica e lançara Getúlio Vargas ao poder, pelas mãos do colunista
Helio de Araújo Maia, a manchete “Ditadura de mais? Não. Ditadura de menos”78, defendendo
a força de um regime centralizado e forte, capaz de controlar uma nação.
76
COSTA, Ricardo Gama da. Visões do Paraíso Capitalista: Hegemonia e Poder Simbólico na Nova Friburgo da
República. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997, p. 80.
77
SILVA, Luiz Henrique da. Um Mundo na Sociedade. Nova Friburgo, Atlas Artes Gráfica, 1990, p. 35.
78
COSTA, Ricardo Gama da. Visões do Paraíso Capitalista: Hegemonia e Poder Simbólico na Nova Friburgo da
República. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997, p. 65.
48
79
Idem, p. 77.
80
Mesmo após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em pleno poder do Estado Novo, ainda circulava menções
ao Nacional-Socialismo. Este tipo de prática torna-se extinto de forma definitiva apenas em 1942, quando o Brasil
entra no conflito global ao lado dos aliados, declarando guerra à Alemanha.
81
no contexto das eleições presidenciais alemãs de 1932, que mesmo com a derrota de Hitler, o levaram à
nomeação ao posto de Chanceler do Reich pelo então presidente Hindenburg.
49
Terminada a fala de Emilio Cleff, o salão principal reverberaria novamente com o som
de violinos e demais instrumentos da orquestra local, muito elogiada na ocasião, dando
continuidade à festa.
82
O Nova Friburgo, 22/12/1932, p. 3
83
Idem.
50
84
O Nova Friburgo, 28/04/1935.
51
Um episódio notório e que nos auxilia na ideia de que estes homens eram grandes
detentores de capital político foi a greve geral ocorrida na fábrica de Rendas Arp, no ano de
1933. Dentre os principais fatores da greve, estava a coerção do gerente da fábrica, Richard
Ihns, com os trabalhadores alemães, em conjunto com sua severidade com os demais operários.
Em editorial do dia 12 de Janeiro, o jornal O Nova Friburgo dedicou inúmeras páginas para a
tragédia ocorrida com grevistas, que reivindicavam melhores condições de trabalho e
condenavam assiduamente a postura de Richard Ihns frente à gerência da fábrica, com o
beneficiamento dos alemães e o martírio dos outros operários. Segundo o editorial,
“alegam os grevistas, em sua quase totalidade, que o senhor Richard Ihns, além de
admoestai-os, sem causas justificáveis, com palavras ásperas de não responder
sequer à um simples cumprimento de cortesia e de permitir que no fim das
quinzenas o envelope de pagamento contivessem quantias inferiores àquelas que
deviam encerrar, ainda teve o desplante de despedir seis operários, com a pseuda
paralização de várias máquinas, a fim de colocar com o salário assim obtido, um
de seu compatriota.87
85
O processo de industrialização, com a instalação das primeiras indústrias alemãs e consequentemente, com o
rápido crescimento econômico, garantiram o status que os membros da comunidade germânica ostentava na Nova
Friburgo dos anos 30, o de patriarcas do desenvolvimento da cidade.
86
Como noticiado pelo editorial do jornal O Nova Friburgo, dia 22 de Dezembro de 1932.
87
O Nova Friburgo, 12/01/1933, p. 1-2.
52
A greve, por sua vez, não seria o apogeu dos acontecimentos. A principal manchete da
edição do Nova Friburgo trazia os dizeres “a polícia assassinou, miseravelmente, um inditoso
jovem, ferindo quatorze operários, sem causa justificável”. O jovem assassinado era Licinio
Teixeira, de 21 anos. Operário na fábrica de Rendas há algum tempo, acabou sendo vítima de
um acidente e perdendo uma de suas mãos. Sua mãe, com a saúde debilitada, não resistiu ao
brutal acontecimento com o filho e acabou morrendo. Licinio era responsável ainda por cuidar
de seu pai, que naquele momento, encontrava-se paralítico. Todo este cenário de plano de fundo
era ainda complementado pelos punhos de ferro do sr. Richard Ihns para com o jovem operário.
Na praça Julius Arp, com a esquina da rua Baroneza, aguardavam pacificamente um grupo de
grevistas, que ansiavam com esperança pela resolução dos recentes acontecimentos da greve,
quando foram surpreendidos por um grupo de policiais, que liderados pelo cabo Altamiro
Galdino da Silva, foram ordenados a disparar contra os grevistas. Licinio foi atingido e morreu
na hora, enquanto seus colegas ficaram feridos. No dia seguinte, enquanto seus colegas
encontravam-se feridos na Santa Casa, seu corpo passou por um procedimento de autópsia,
sendo posteriormente liberado para o sepultamento. Na Igreja Matriz, um grande número de
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O Nova Friburgo, 12/01/1933, p. 1-2.
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pessoas se fez presente para prestar as últimas homenagens à Licinio, havendo forte comoção
pela tragédia iminente. De acordo com O Nova Friburgo,
Também estiveram presentes o prefeito de Nova Friburgo, Hugo Motta, o dr. Joubert
Silva, chefe de polícia, Gastão Reis, prefeito de Bom Jardim, Gusmão Filho, 1º delegado
auxiliar, Euclydes Solon de Pontes, promotor público da comarca de Nova Friburgo, o sr.
Arlindo Américo dos Santos, redator da “Gazeta Operária” de Niterói, Antonio Monteiro e
Benoir Sortain, representantes da Federação proletária do Estado do Rio; pela diretoria e pelos
membros do conselho fiscal do sindicato de Nova Friburgo, além dos representantes das
fábricas Ypú e Filó e de várias associações operárias de Niterói, Rio de Janeiro e São Gonçalo.
Antes de chegar ao cemitério, o corpo do jovem seguiu em procissão. Parando na praça Julius
Arp, o tio de Licinio, Bazileu Dias, proferiu emocionante discurso em defesa de seu sobrinho,
afirmando este ser um rapaz bom, dotado de honestidade e trabalho árduo durante toda sua vida,
ao mesmo tempo que acusava a frieza da polícia e das diversas autoridades que compartilharam
com o terrível homicídio.
Dias após o ocorrido, o conselheiro Julius Arp negociava com as lideranças sindicais as
reinvidicações dos grevistas, chegando ambas as partes ao acordo. O curioso fato deste história
é que Richard Ihns, o grande responsável pela comoção operária, não seria exonerado do cargo
de gerente, como se especulava na matéria do Nova Friburgo. Muito pelo contrário. Ihns não
apenas manteve seu cargo, como tempos depois, seria promovido ao posto de diretor. É inegável
que ele concentrava inúmero capital político em suas mãos. O problema maior orbita a
recomendação da Auslandsorganization (AO)90, de que os membros não poderiam interferir
diretamente na política local ou colocar em evidência as diretrizes partidárias. As atitudes do
sr. Richard Ihns feriram diretamente esta recomendação, uma vez que a questão tomou maior
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O Nova Friburgo, 12/01/1933, p. 1-2.
90
Como apresentado no Primeiro Capítulo.
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proporção, atingindo as esferas estadual e federal, mobilizando não apenas a imprensa, como
também entidades políticas do município e da República, sem falar da grande comoção popular.
91
Enviado pelo Sínodo no dia 1º de Fevereiro daquele ano.
92
CORREA, Maria Janaína Botelho. “Memórias sobre o Nazismo em Nova Friburgo”. In: Histórias e Memória
de Nova Friburgo. Rio de Janeiro, Educam, 2011, p. 362-367.
55
Em diversos editoriais do jornal, dos anos de 1933 aos anos de 1941, existem menções
à Friburgo, em propagandas de estabelecimentos como hotéis, bares e restaurantes. Todavia, o
enaltecimento da cidade serrana ocorre em diversos momentos. Na edição de 17 de Novembro
de 1933, é apresentada uma tabela que destaca as cidades e os valores arrecadados por cada
subsede do partido, valor este que seria destinado para auxiliar no inverno dos trabalhadores
alemães. Naquela ocasião, Nova Friburgo havia contribuído com a expressiva quantia de
5:511$000 (cinco contos de réis e quinhentos e onze mil réis)93, recebendo inúmeras felicitações
do editorial por tal feito. “Für Nova Friburgo ein glänzendes Ergebnis!”94
93
Se comparado ao real, o conto é equivalente ao milhão. Ou seja, algo em torno de cinco milhões e quinhentos e
onze mil. Desta forma, optamos em não levar em consideração o valor exato em números reais e inflacionários,
apenas o das unidades de medida.
94
“Para Nova Friburgo, um resultado brilhante!”
95
Deutscher Morgen, 05/05/1939.
56
“Meu pai ficava pouco em casa, porque tinha que trabalhar muito. Meus pais
estavam sempre fora, porque tinha compromissos da sociedade pela embaixada
alemã. Portanto, tínhamos uma babá, porque minha mãe precisava ir junto. Eu
penso que ele esteve em Blumenau. Novo Hamburgo, Nova Friburgo, lá ele
sempre ia, porque havia muitos alemães nestes lugares. As escolas e a cultura
alemã deveriam ser cuidadas. Minha mãe também trabalhava muito.”96
O apagar das luzes para o Partido Nazista no Brasil se deu de forma definitiva a partir
de 1942, ano em que o Brasil de Getúlio Vargas opta por entrar na Segunda Guerra Mundial ao
lado dos aliados.97 Anterior à entrada brasileira na guerra foi o advento do Estado Novo em
1937. Getúlio Vargas propagou o que inúmeros historiadores chamam de getulismo, baseando-
se em vários fatores políticos e simbólicos, dentre eles, a construção de sua figura carismática
e a aproximação com setores populares. Um Estado forte e centralizado, desprovido de eleições
e que investia fortemente em propaganda e censura das oposições, acabaria colocando
quaisquer modelos alternativos de estado na mira. Tanto os opositores à esquerda, como os
Comunistas da Aliança Nacional Libertadora, quanto o movimento de direita da Ação
Integralista Brasileira, foram perseguidos e confrontados pela polícia política estadonovista.
Por questões de praxe, as comunidades formadas por imigrantes também sofreram com a “caça
às bruxas”, que impôs sanções aos simpatizantes do fascismo italiano e do nazismo alemão.
Neste contexto, é preciso que se considere dois aspectos distintos. O primeiro deles é sustentado
por Ana Maria Dietrich, a qual considera a implacável postura do Estado Novo contra os
imigrantes. Ficava proibido os cultos ou quaisquer comemorações que pudessem exaltar algum
tipo de nacionalismo contrário aos princípios getulistas. Ficava proibido a circularização de
96
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. São Paulo, 2007. Tese (Programa
de Pós-Graduação em História Social). p. 347.
97
As negociações seguiam firmes desde 1941. Todavia, o bombardeio de navios brasileiros por forças alemãs em
1942 impulsionou a concretização da união entre o Brasil e os aliados.
57
jornais que não estivessem em português, assim como proibia-se o ensino nas escolas em outros
idiomas. Desta forma, o que Dietrich chama de “caça às suásticas” não coloca apenas os
nazistas em xeque, mas também muitos teuto-brasileiros que nada tinham a ver com o Nacional-
Socialismo e que sofreram com a perseguição da polícia política estadonovista. O segundo
aspecto a ser considerado é que esta postura do Estado Novo não se manifesta de forma imediata
sobre a comunidade germânica, não de uma forma linear. Como podemos perceber, jornais
como o Deutscher Morgen circularam de forma integral até 1940, ano em que passou a assumir
formalmente o título Aurora Alemã e a publicar seu conteúdo integralmente em português.
Como visto, em edição de 1939, os nazistas residentes em Nova Friburgo inauguravam o novo
espaço da Sociedade Alemã. As explicações mais plausíveis para isso orbitam a aproximação
diplomática ainda existente entre Brasil e Alemanha com o advento do Estado Novo. De mesma
forma, a concentração de poder simbólico e de capital político e econômico por grande parte
dos membros do Partido Nazista de Nova Friburgo garantiram certa blindagem contra as
perseguições do Estado. Hans Henning von Cossel não apenas se correspondia com Getúlio
Vargas, como o encontrou algumas vezes. Estes aspectos nos ajudam a compreender a
resistência das suásticas no cenário brasileiro, resistência esta que se torna insustentável no
momento em que a Alemanha é declarada inimiga de guerra do Brasil. É neste momento que a
caça às suásticas se radicaliza, no qual o Estado usa de sua força para prender e interrogar
membros das comunidades germânicas. Em Nova Friburgo, a Sociedade Alemã de Escola e
Culto, estando sob constantes ameaças, seria forçada a trocar de nome caso quisesse continuar
resistindo. Eis que surgia a “Sociedade Alemã de 1921”, que logo passaria a ter o nome que
levaria consigo pelos anos seguintes: Sociedade Esportiva Friburguense, ou seja, retirando-se
o “Alemã” do nome.98 Até o momento, não temos fontes que nos fazem acreditar que o Nacional
Socialismo tenha continuado nas instalações da Sociedade ou se manifestado de forma explícita
na cidade. Os periódicos como O Nova Friburgo e O Friburguense, que outrora cobriram e
apoiaram os passos do Nazismo na cidade de Nova Friburgo, passariam a manifestar oposição
à ideologia hitlerista, ainda que não atacassem à comunidade germânica em sua totalidade,
mantendo, acima de tudo, o respeito e a admiração pelos alemães que instalaram as primeiras
indústrias na serra friburguense. Este episódio sobre a clandestinidade do Partido Nazista após
a declaração de guerra do Brasil à Alemanha merece ser investigado.
98
SILVA, Luiz Henrique da. Um Mundo na Sociedade. Nova Friburgo, Atlas Artes Gráfica, 1990, p. 61.
58
Conclusão
A trajetória do Partido Nazista não pode ser considerada linear, seguindo-se um único
caminho. A literatura especializada no assunto vem sendo construída com diferentes análises,
incluindo as mais diversas teorias e autores. Qualquer questão que envolva o nazismo no mundo
deve ser objeto de investigação e certamente, renderá algumas considerações.
Nesta caminhada, vários historiadores estiveram ao meu lado, dos quais, sem suas
incríveis contribuições, não seria possível chegar até o ponto que atingi. Pude comparar seus
trabalhos, cruzar informações e enxergar as lacunas que faltavam, podendo tecer os caminhos
para investiga-las. Dentre minhas conclusões, é inegável dizer que o Partido Nazista funcionou
no Brasil de diferentes formas, de acordo com as regiões. Obviamente, não possuo um estudo
que contemple todos os casos, mas, ao menos de Nova Friburgo com outras cidades que
concentravam importantes sedes do Partido Nazista no Brasil, fica evidente inúmeras
diferenças. A história de Nova Friburgo, além de complexa, foi também forjada por pessoas
que detinham uma visão de sociedade a alcançar, pessoas estas dotadas de carisma, de capital
político e econômico. Os alemães que iniciaram o processo de industrialização de Nova
Friburgo possibilitaram que muitos imigrantes alemães exibissem o seu orgulho de ter a
59
Alemanha como pátria mãe. No contexto de ascensão do Partido Nazista, não tardou para que
se formasse em Friburgo importante núcleo do Nazismo não apenas para o Rio de Janeiro, mas
para todo o Brasil. Existia expressivo número de alemães entre a população friburguense, que
por si formava um grande contingente de trabalhadores nas fábricas friburguenses, nos serviços
e no comércio. Estes alemães brindavam à Adolf Hitler porque o consideravam o “salvador da
pátria”, aquele que ergueu novamente a Alemanha dos escombros da Primeira Guerra Mundial
e da Grande Depressão econômica. A repercussão no Brasil tornou-se muito produtiva à Adolf
Hitler, o que explica a dispersão do Partido Nazista pelo solo brasileiro e concomitantemente o
forte apoio de diversos setores aos partidários, com expressivo destaque à imprensa. O apoio
dos periódicos friburguenses ao Nacional-Socialismo foi uma questão política e de poder.
da greve geral de 1933, na qual as atitudes do gerente da Rendas Arp, Richard Otto Ihns,
culminaram em uma greve dos trabalhadores e posteriormente, no assassinato de um jovem que
fazia parte do movimento grevista. Rapidamente, a imprensa de jornais respeitados por todo o
Estado estava à prontos para cobrir e noticiar o ocorrido, em conjunto com os principais
sindicatos e até mesmo com o representante do Ministro do Trabalho. Vale lembrar que estas
instituições eram extremamente importantes e influentes durante o contexto do acontecido,
recorte da Era Vargas. O fim do episódio não terminou de forma trágica para o Sr. Ihns. Ainda
que parte da imprensa e a grande massa de trabalhadores queriam a sua cabeça, Richard Ihns
acabaria se tornando diretor da fábrica de Rendas. Percebemos através destes pontos o alcance
da influência do Partido Nazista de Nova Friburgo.
Pelas análises dos historiadores Ana Maria Dietrich e Luís Edmundo de Moraes, foi
possível perceber também que o Partido Nazista funcionou no Brasil de forma diferente durante
a Era Vargas. De 1928, data da fundação do Partido, até o ano de 1937, com a eclosão do Estado
Novo, a agremiação entraria em seu período de clandestinidade, sendo perseguida pela “polícia
política” estadonovista. É o momento em que, mesmo os que não eram partidários, sofreriam
com a consequência da “caça às suásticas”. Em Nova Friburgo, contudo, o partido funcionou
de forma íntegra até o ano de 1939, o mesmo ano em a Sociedade Alemã inaugurou sua nova
sede, fato que foi comemorado com o envolvimento de partidários de diversos lugares, coberto
pela imprensa local e noticiado no periódico oficial dos nazistas, o Deutscher Morgen. Pode-se
considerar que esta resistência do grupo em Nova Friburgo se deu por alguns motivos, dentre
os quais pode-se destacar a influência da cidade para todo o Estado, considerando-se que o Rio
de Janeiro, que era a capital do Brasil na época, dependia dos produtos produzidos na serra
friburguense. A concentração de capital político e econômico destes industriais, o apoio dos
políticos, das autoridades, da imprensa e de grande parte da sociedade deram à comunidade
germânica um grande status na Nova Friburgo da Era Vargas, que teria inclusive, recebido a
visita do Presidente Getúlio em algumas ocasiões. Apenas em 1942, com a entrada do Brasil na
guerra ao lado dos aliados, em que os alemães seriam fortemente confrontados pelo Estado. A
Sociedade Alemã acabou sendo forçada a renunciar ao seu nome de fundação para persistir de
pé. Muitos alemães foram encaminhados à Niterói e ao Rio de Janeiro para prestar depoimentos,
sendo considerados criminosos. Se comparado ao partido de São Paulo, Nova Friburgo teve
maiores momentos de liberdade durante a “caça às suásticas”, além de ter resistido durante mais
tempo às pressões da polícia política getulista.
61
Outro ponto que merece ser investigado é a filiação dos membros ao Partido. Por
orientação do topo, apenas àqueles que tivessem cidadania alemã poderiam ser membros
efetivos, questão que orbitava a objeção do Nacional-Socialismo de manter a “pureza do
sangue”. Não podemos afirmar de forma precisa que todos os 44 membros possuíam cidadania
alemã. Esta é uma questão com potencial de investigação, o que pode contribuir em muito para
o enriquecimento dos estudos do Nazismo no Brasil.
Desta forma, não se trata de uma análise definitiva do movimento Nazista em Nova
Friburgo. De mesma forma que as fontes estudadas não são inéditas. Importantes historiadores
já se debruçaram e desbravaram estes caminhos. O presente trabalho teve como objetivo
investigar algumas lacunas que esta valorosa literatura detém. E desta investigação, fazendo
também a comparação do resultado com outras análises semelhantes, encontramos inúmeras
singularidades do Partido Nazista friburguense. As fontes investigadas vão, principalmente, dos
anos 1933, da chegada de Adolf Hitler à chancelaria do Reich, transitando pelos anos seguintes,
terminando em 1942, com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha. Nos anos 1930,
percebemos que a atuação dos Nazistas em Nova Friburgo deu-se acima de tudo, pela história
da imigração alemã na cidade, e pela expressiva atuação da comunidade germânica em
Friburgo, que acabou aderindo o apoio de importantes personalidades e instituições
friburguenses, nos campos político, econômico e social. Em conjunto, estes grupos brindavam
à Adolf Hitler, pela recuperação econômica da Alemanha. Com a entrada do Brasil na guerra,
o Nazismo no Brasil passou a atuar definitivamente de forma clandestina, o que não foi
diferente com Nova Friburgo, as comunidades tiveram de conter os ânimos, e as instituições
tiveram que mudar seus nomes. Até o breve momento, não foram investigadas fontes que
indiquem o contrário.
Por fim, valho-me dizer que, apesar de não estar construindo uma análise definitiva,
creio estar ajudando no enriquecimento dos campos da História Regional e dos estudos sobre o
62
Nazismo no Brasil. Apesar de muito já ter sido feito, ainda há muitos caminhos a serem
percorridos. Espero estar contribuindo, mesmo que minimamente, para todas estas questões.
63
Fontes
A Esquerda
A Paz
O Friburguense
O Nova Friburgo
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