Módulo 4 - Negociação de Um Acordo de Leniência Antitruste

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Programa de Leniência

Antitruste do CADE
Módulo

4 Negociação de um Acordo
de Leniência Antitruste
Fundação Escola Nacional de Administração Pública

Presidente
Diogo Godinho Ramos Costa

Diretor de Educação Continuada


Paulo Marques

Coordenadora-Geral de Educação a Distância


Natália Teles da Mota Teixeira

Conteudista/s
Amanda Athayde (conteudista, 2019)

Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT /


Laboratório Latitude e Enap.

Enap, 2019

Enap Escola Nacional de Administração Pública


Diretoria de Educação Continuada
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF

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Sumário
Apresentação.................................................................................... 5

As fases da celebração do acordo de Leniência Antitruste.................. 5


Fase I – Da proposta de Acordo de Leniência e da Concessão de senha (“marker”)
ou de termo de fila de espera.................................................................................6
Fase II – Da apresentação de informações e documentos....................................13
Fase III – Da Formalização do Acordo de Leniência Antitruste pela SG/Cade.......17
Fase IV – Da publicização (ou não) do Acordo de Leniência Antitruste.................19
Fase V – Da declaração de cumprimento (ou não) do Acordo de Leniência
Antitruste..............................................................................................................24
Fase VI – Da desistência ou da rejeição da proposta de Acordo de Leniência
Antitruste..............................................................................................................25

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4
Módulo
Negociação de um Acordo de
Leniência Antitruste
Apresentação
A partir de agora, você estudará o conteúdo do quarto módulo do curso. Nele, você conhecerá
as seis fases da negociação de um Acordo de Leniência Antitruste.

Para atingir os objetivos do módulo, você passará por:

• 9 páginas de conteúdo em formato de hipertexto, que podem conter imagens,


infográficos, tabelas e links.

• 6 questões avaliativas.

Sugerimos que você veja o conteúdo dos módulos e responda às questões na ordem em que
estão dispostas. Você é livre para cursar os módulos na ordem que achar melhor - dentro do
período de duração do curso, mas as questões devem sempre ser respondidas para que você
possa avançar dentro de cada módulo. Tenha certeza de que fez tudo, módulos e questões, para
não ter problemas com a obtenção do certificado ao final do curso!

Lembrando: você navegará por todo o conteúdo e atividades em sequência, podendo avançar e/
ou retornar sempre que achar necessário.

Bons estudos!

As fases da celebração do acordo de Leniência Antitruste


A negociação e celebração do de um Acordo de Leniência é percorrida em cinco fases

A estrutura do presente Guia será baseada nas principais fases para a Acordo de Leniência nos
termos dos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 e 196 a 210 do RICade:

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Fase I – Da proposta de Acordo de Leniência e da Concessão de
senha (“marker”) ou de termo de fila de espera
Quando o proponente decide procurar a autoridade antitruste para iniciar a negociação de um
Acordo de Leniência, a primeira pergunta que deve ser feita é se há disponibilidade de senha
(marker). Ou seja, a Superintendência-Geral SG/Cade pode realmente começar a negociar um
acordo com o proponente? A negociação de um Acordo de Leniência é uma espécie de “corrida”
entre os participantes da conduta anticompetitiva para contatar a autoridade antitruste e
reportar a infração e, com isso, se candidatar aos benefícios do Acordo.

Para que seja possível avaliar a disponibilidade ou não do marker, algumas informações básicas
devem ser apresentadas pelo proponente, seja de modo oral, seja por escrito, ainda que de
modo parcial, acerca da infração noticiada. Nos termos do Guia do Programa de Leniência do
Cade, são estas as informações:

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• Quem?
a qualificação completa do proponente do Acordo de Leniência, bem como a
identidade dos outros autores conhecidos da infração denunciada. Em regra,
portanto, não é possível verificar a disponibilidade da senha de forma anônima;

• O que?
os produtos ou serviços afetados pela infração denunciada;

• Onde?
a área geográfica afetada pela infração denunciada. Na hipótese de um cartel
internacional, deve ser informado que a conduta tem o potencial de gerar efeitos
no Brasil, nos termos do art. 2º, caput da Lei nº 12.529/2011.

• Quando?
a duração estimada da infração denunciada, quando possível;

Via de regra, no termo de marker, irá constar:

• Sua qualificação completa.

• O detalhamento da infração notificada ou sob investigação.

• A identificação dos outros autores da infração notificada ou sob investigação.

• Os produtos ou serviços afetados.

• A área geográfica afetada.

• A duração estimada da infração notificada ou sob investigação.

• Uma descrição das informações e dos documentos que serão apresentados por ocasião
da assinatura do acordo de leniência.

• Informação sobre outras propostas de acordos de leniência sobre a mesma prática


apresentadas em outras jurisdições, salvo vedação para tanto por parte da autoridade
estrangeira.

• Que foi orientado a respeito de seus direitos, garantias e deveres legais.

• Que foi orientado a se fazer acompanhar de advogado.

• Que está ciente de que o não atendimento às determinações da superintendência-geral


do Cade implicará desistência da proposta de acordo de leniência.

Diante das informações apresentadas, a SG/Cade possui o prazo de até cinco (5) dias para
retornar ao proponente informando a disponibilidade ou não da senha (marker). A experiência

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consolidada do Cade, porém, tem sido de que essa resposta acontece no mesmo dia ou no
dia seguinte, justamente para aumentar o nível de transparência, previsibilidade e segurança
jurídica no Programa de Leniência Antitruste do Cade, elementos que são pilares dos Programas
de Leniência.

• 1. DA CONCESSÃO DA SENHA (“MARKER”)

Para averiguar internamente a disponibilidade da senha (marker), a


SG/Cade verifica, inicialmente, se houve pedido de senha anterior
por parte de outra empresa ou pessoa física, se há negociação de
Acordo de Leniência em andamento com outra empresa ou pessoa
física e se há Acordo de Leniência assinado com outra empresa ou
pessoa física, com ou sem a instauração de Inquérito ou Processo
Administrativo. Dado que a negociação e a celebração dos acordos
são realizadas por uma unidade específica da SG/Cade, que é a Chefia
de Gabinete, a verificação dessas informações tende a ser simples e
ágil.

A SG/Cade verifica se possui “conhecimento prévio” sobre a conduta


pois, se possuir, ela deve avaliar se dispõe de provas suficientes
para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física envolvida
na infração ou se há a possibilidade de negociar uma Leniência
Parcial. Nesse caso, eventuais investigações podem estar em curso
em quaisquer das Coordenações-Gerais da SG/Cade, às quais o(a) Chefe de Gabinete não tem
necessariamente acesso.

A participação do Superintendente-Adjunto de cartéis e/ou do Superintendente-Geral é


imprescindível para a concessão do marker, pois eles atuam como “ponto focal” de definição
da existência ou não de “conhecimento prévio” sobre a conduta. Esse ponto é relevante para
garantir a confidencialidade das propostas, de modo que a unidade de negociação dos Acordos
de Leniência (ou seja, a Chefia de Gabinete da SG/Cade) não repassa essa informação a qualquer
unidade de investigação, que seguem autônomas com suas respectivas atividades.

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Para a análise da disponibilidade ou não do marker, diante da existência de uma chinese wall
no Cade, entre a área de negociação dos Acordos de Leniência e as demais áreas de iniciação e
instrução de processos administrativos, quem realiza essa checagem de “conhecimento prévio”
da infração e de “evidências suficientes para assegurar a condenação do proponente” é o
Superintendente-Adjunto e/ou o Superintendente-Geral do Cade, que têm acesso às informações
de ambas as áreas. O marker estará disponível e será possível iniciar uma negociação com o
proponente caso não haja: pedido anterior de marker, outra negociação em curso, outro acordo
previamente celebrado e conhecimento prévio da infração com evidências suficientes para
assegurar a condenação do proponente.

É possível que, ao longo da negociação, o proponente descubra outras informações e documentos


a respeito da conduta anticompetitiva reportada. Nesse caso, é possível alterar o escopo do marker,
ampliá-lo ou diminuí-lo. Por exemplo, poderá ser ampliado o período estimado da conduta ou a
área geográfica afetada, dentre outras informações sobre as condutas reportadas. Desse modo,
o termo de marker pode, eventualmente, ser alterado, inclusive para incluir condutas que não
haviam sido consideradas inicialmente, desde que não haja negociação de Acordo de Leniência
Antitruste celebrado e/ou em andamento abrangendo tais condutas e desde que faça parte da
mesma dinâmica anticompetitiva.

Para tanto, o Cade esclarece, em seu Guia do Programa de Leniência, que a ampliação do
escopo poderá ser realizada apenas se satisfeitos os requisitos constantes dos artigos 86 da Lei
nº 12.529/2011 e 197 do RICade e se o proponente não agiu de má-fé nem tentou ocultar ou
dissimular as informações posteriormente relatadas. Caso haja novas informações – entendidas
como informações ou documentos desconhecidos ou não disponíveis no início das negociações –
sobre a conduta já reportada em Acordo de Leniência em negociação ou em Acordo de Leniência
já assinado, o Acordo de Leniência Antitruste deve ser complementado.

Como o marker consiste no primeiro documento oficial da autoridade antitruste para a iniciação
da negociação, ele deve ser detalhado e conter todas as informações acima mencionadas
sobre o produto ou serviço afetado pela conduta, os seus participantes (incluindo o nome dos
proponentes), a região geográfica onde foi praticada e o período estimado da sua duração.
Ademais, ele deve conter a data, hora e minuto em que o pedido foi realizado, justamente para
delimitar a precedência do proponente em relação a todos os demais.

A autoridade antitruste, por cautela, deve manter esse documento em seus arquivos, ainda que
não juntado a quaisquer autos (diante da restrição do art. 200, §§1º e 2º, do RICade). Isso porque,
se houver qualquer questionamento posterior a respeito da ordem de chegada dos proponentes,
a autoridade estará resguardada a respeito da adequação do procedimento adotado. Ademais,
como por vezes os pedidos de marker se distanciam na ordem de minutos, em especial quando
são realizados oralmente, por telefone, a existência de data, hora e minuto do pedido aumenta
a transparência, previsibilidade e segurança jurídica no Programa de Leniência. A experiência
mostra que a verificação da disponibilidade de marker é, na maioria dos casos, simples.

No entanto, verifica-se a possibilidade de haver maior dificuldade nessa checagem, por exemplo,
diante de um pedido de negociação com relação a cartéis em licitação. Será que cada licitação
configura um cartel separado ou será que todo o bloco de licitações de um cliente, por exemplo,
configura o cartel? Ou será que seria possível identificar núcleos de licitações que configuram

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cartéis? Quais são os parâmetros, portanto, para avaliar se estamos diante de um único cartel ou
de diversos cartéis? Quais seriam as características a se levar em conta nesse cenário?

Athayde, Craveiro e Piazera realizaram amplo estudo sobre esse tema. As autoras apresentaram a
discussão sob a perspectiva da experiência norte-americana e europeia, bem como propuseram
critérios de parâmetros – não exaustivos, mas exemplificativos, a serem avaliados em termos
de preponderância, não cumulativos – para uma tomada de decisão em cada caso concreto.
Segundo as autoras, nos Estados Unidos, a discussão sobre “Single v. Multiple Conspiracies”
não é totalmente recente e já faz parte da experiência criminal do país. Tanto é que o Grand
Jury Practice Manual , da Antitrust Division, do DOJ, editado pela primeira vez em 1991, tratou,
além de outros temas, de apresentar orientações em face à consideração de existência de uma
conduta única ou de múltiplas condutas (“conspiracies”).

Similarmente, na União Europeia, a discussão sobre “single and continuous infringement”


também não é totalmente recente e já faz parte da experiência antitruste do bloco. O conceito de
“infração única e contínua” permite à Comissão Europeia (e às autoridades nacionais de defesa
da concorrência, em geral) associar uma série de infrações pertencentes ao mesmo escopo de
conduta anticompetitiva ao artigo 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE).

Para o Brasil, as autoras propõem que, quando da análise da existência de uma colusão única ou
de múltiplas colusões, pelo menos dez parâmetros (não exaustivos) sejam considerados, quais
sejam:

TABELA 1

Parâmetros objetivos e subjetivos para a tomada de decisão sobre a existência de uma colusão
única ou de múltiplas colusões

PARÂMETROS OBJETIVOS
1) OBJETIVO Há um objetivo global ou um propósito ou meta
comum?
2) IMPLEMENTAÇÃO DA CONDUTA O modus operandi é idêntico ou similar (i.e.,
ferramentas de operacionalização)?
3) MERCADO DE PRODUTO/SERVIÇOS O mercado de produto ou serviço afetado é idêntico
ou similar?
4) MERCADO GEOGRÁFICO O mercado geográfico é idêntico ou complementar?
5) PERÍODO DA CONDUTA A duração é idêntica, sobreposta ou complementar?
6) TIPOLOGIA DA CONDUTA Os tipos de conduta são idênticos ou similares?
PARÂMETROS SUBJETIVOS
7) EMPRESAS PARTICIPANTES As principais pessoas jurídicas participantes são
idênticas ou têm um “núcleo duro” comum?
8) INDIVÍDUOS PARTICIPANTES As principais pessoas físicas participantes são
idênticas ou têm um “núcleo duro” em comum?

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9) EXISTÊNCIA DE UM ELO Há um hub que facilita a conduta?
DE INTERLIGAÇÃO
10) ESCOPO DE CLIENTES AFETADOS Os clientes (ou tipos de clientes) afetados são os
mesmos e/ou têm demandas/processos de compra
semelhantes?
Fonte: ATHAYDE, Amanda; CRAVEIRO, Priscilla; PIAZERA, Bruna. Colusão única ou
múltiplas colusões no direito antitruste: parâmetros para uma Hidra de Lerna? Revista
de Direito Público, Porto Alegre, v. 14, n. 78, p. 115-128, nov-dez 2017.

As autoras alertam, também, sobre eventuais tentativas de manipulação dos fatos e evidências
por parte das empresas e indivíduos que colaboram com as investigações, tanto em Acordos de
Leniência quanto em TCCs⁴, razão pela qual a concessão de marker ao proponente deverá ser
realizada com o máximo cuidado pela SG/Cade.

• 2. DA CONCESSÃO DO TERMO DE FILA DE ESPERA

Se o marker só é concedido ao primeiro que reportar a infração concorrencial, o que acontece


com aquelas empresas e/ou indivíduos que procuram o Cade para reportar a infração, mas
que chegam atrasados nessa “corrida pelo marker”? A primeira ideia que se tem é de que se
o proponente souber que não é o detentor da senha para negociar o Acordo de Leniência, ele
automaticamente terá incentivos para, por exemplo, destruir provas.

Pergunta
Como mitigar esses efeitos possivelmente negativos e, ao mesmo tempo,
garantir a transparência, previsibilidade e segurança jurídica do Programa
de Leniência? Como atribuir incentivos para que os participantes da conduta
continuem a procurar a autoridade antitruste mais cedo, desestabilizando
ainda mais os arranjos entre os concorrentes, independentemente de serem
os primeiros?

Resposta
Existe, no Regimento Interno do Cade, um artigo específico que trata dessa
hipótese (art. 199 do RICade). Na situação de indisponibilidade do marker, a SG/
Cade certifica-se de que o proponente consta em “fila de espera” e elabora, caso
seja do interesse da empresa e/ou da pessoa física, um termo de fila de espera.
A fila é organizada por ordem de chegada (2º, 3º, 4º colocados, por exemplo),
mas os proponentes retardatários não têm conhecimento da posição exata em
que se encontram na fila. Essa sutil adequação do termo de fila de espera é
relevante na medida em que garante a confidencialidade da negociação.

Suponha que exista um cartel de três empresas (A, B e C) e que a empresa A procurou a SG/
Cade e obteve o termo de marker. Passado algum tempo, a empresa B veio procurar a SG/Cade
para delatar a mesma conduta anticompetitiva e, em seguida, a empresa C também contatou a
autoridade antitruste, de modo que a negociação estava indisponível para ambas. Se a SG/Cade

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fizesse constar no termo de fila de espera que B era o segundo da fila e C era o terceiro, quando C
obtivesse esse documento, já saberia que todos os seus concorrentes do ajuste anticompetitivo
estavam prestes a colaborar com o Cade, reduzindo seus incentivos a colaborar e, possivelmente,
aumentando as chances de novos contatos para evitar que a negociação do Acordo de Leniência
prosseguisse. Na medida em que a SG/Cade apenas faz constar que a empresa C está em “fila de
espera”, sem especificar qual sua posição na fila, cria-se mais uma incerteza entre os concorrentes,
na medida em que não há informação se o proponente está em segundo ou terceiro lugar na fila.

Fila de espera para negociar o Acordo de Leniência Antitruste

FIGURA A – Negociação do acordo de leniência, filas de espera e empresa não proponente

Elaboração: autora.

Além disso, são criados pelo menos dois incentivos para que a empresa e/ou indivíduo permaneça
na fila de espera. Em primeiro lugar, o proponente retardatário tem incentivos a permanecer em
fila de espera porque, nos termos do art. 199, §2º, do RICade, o próximo proponente da fila (2º,
3º, 4º, etc., conforme a ordem cronológica) será convidado a negociar novo Acordo de Leniência
caso a negociação do primeiro, em andamento, não seja frutífera. Isso pode acontecer caso a
proposta seja rejeitada, por descumprimento dos requisitos legais ou dos prazos previstos nos
artigos 198, §3º, e 203 do RICade, ou em caso de desistência do proponente detentor da senha.

Em segundo lugar, o proponente retardatário também tem incentivos a permanecer em fila


de espera porque, nos termos do art. 240-A, §4º, do RICade, caso a negociação do Acordo de
Leniência Antitruste em andamento seja aceita e o acordo seja assinado, os proponentes que
ainda estiverem “em fila de espera” terão seus pedidos de senha automaticamente convertidos
em pedidos para negociação de TCC, promovendo-se assim os maiores descontos àqueles que
mais cedo procuraram o Cade.

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FIGURA B – Negociação do acordo de leniência, filas de espera e rejeição do proponente

Elaboração: autora.

O termo de fila de espera consiste em uma certidão, emitida pela SG/Cade, contendo a
qualificação completa do proponente, os outros autores conhecidos da infração a ser noticiada, os
produtos ou serviços afetados, a área geográfica afetada e, quando possível, a duração estimada
da infração noticiada, além da data e horário do comparecimento perante a Superintendência-
Geral. Ele é praticamente um documento de marker, com a diferença de que não consta qualquer
informação sobre a identidade dos demais proponentes e/ou sobre a ordem cronológica de
espera do proponente com relação a eventuais outros proponentes anteriores ou subsequentes
(art. 199, §1º, do RICade). Assim, a “fila de espera” mantida pela SG/Cade é organizada por
ordem de chegada (2º, 3º e 4º colocados, por exemplo), mas os demais proponentes não têm
conhecimento da posição exata em que se encontram na fila de espera.

Fase II – Da apresentação de informações e documentos

Após a concessão do primeiro termo de marker, a SG/Cade indicará


prazo para que o proponente apresente a “Proposta de Acordo de
Leniência”. Dentro do prazo indicado no termo (normalmente tende
a ser um prazo de 30 dias), os proponentes devem apresentar as
informações e documentos que já têm disponíveis sobre a infração
anticompetitiva noticiada, para que passe por análise da equipe
técnica da Chefia de Gabinete da SG/Cade.

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Via de regra, as seguintes informações devem ser fornecidas pelo proponente já nessa primeira
reunião, nos termos do Guia do Programa de Leniência do Cade:

1. descrição sumária da infração noticiada ou sob investigação;

2. identificação dos proponentes do Acordo de Leniência – empresas e/ou pessoas


físicas, bem como descrição detalhada da participação de cada uma delas;

3. identificação dos demais participantes da infração noticiada ou sob investigação –


empresas e/ou pessoas físicas, bem como descrição detalhada da participação de
cada uma delas, indicando, ainda, se possível, a hierarquia de atuação entre essas
pessoas e as alterações de representação ao longo dos anos;

4. identificação dos concorrentes e clientes no mercado afetado;

5. duração da infração noticiada ou sob investigação;

6. descrição detalhada da infração noticiada ou sob investigação – explicação sobre o


objetivo da conduta anticompetitiva (por exemplo, fixação de preços e/ou condições
comerciais, divisão de clientes e/ou troca de informações concorrencialmente
sensíveis), a dinâmica da conduta (por exemplo, explicação da conduta anticompetitiva
por cliente afetado, por licitação, por produto, a depender de como ocorriam os
ajustes com os concorrentes), as datas e locais das reuniões, a frequência e o modo
das comunicações, a organização do cartel (por exemplo, explicando os documentos
que embasavam e/ou auxiliavam os ajustes realizados entre concorrentes) e os
mecanismos de monitoramento e/ou de punição implementados pelo cartel, etc;

7. descrição dos efeitos no território brasileiro, se a conduta for internacional –


explicação sobre os efeitos diretos ou indiretos da infração no Brasil;

8. descrição do mercado afetado, com explicação sobre o produto ou serviço objeto da


infração noticiada; e

9. indicação dos documentos existentes que comprovam a infração noticiada.

Além dessas informações, nos termos do Guia do Programa de Leniência do Cade, o proponente
também deve fornecer os seguintes documentos já na primeira reunião, na medida do
conhecimento:

1. troca de e-mails entre concorrentes;

2. troca de e-mails entre pessoas da mesma empresa, relatando os ajustes entre


concorrentes;

3. troca de correspondências entre concorrentes;

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4. troca de correspondências entre pessoas de mesma empresa, relatando ajustes
entre concorrentes;

5. troca de mensagens de texto e/ou de voz eletrônicas (SMS, WhatsApp, Skype, etc);

6. agendas, anotações manuscritas, cadernos;

7. gravações;

8. tabelas e planilhas Excel;

9. comprovantes de reuniões (atas, compromisso de Outlook, agendamento de salas,


reservas de hotéis, extrato de cartão de crédito, comprovantes de viagens etc.);

10. extratos telefônicos;

11. cartões de visita;

12. editais e atas de julgamento de certames, etc.

É importante ter em mente alguns cuidados técnicos durante a coleta dos documentos eletrônicos
e físicos, a fim de resguardar a cadeia de custódia das evidências e robustecer sua validade
probatória no processo administrativo e criminal. O Guia do Programa de Leniência do Cade
aponta que, via de regra, o proponente deve registrar a história cronológica da evidência. No
entanto, eventual impossibilidade no prosseguimento de alguns dos procedimentos mencionados
não invalida a possibilidade de utilização dos documentos apresentados.

Após a análise técnica da SG/Cade, caso seja evidenciado o esforço do proponente em apresentar
todas as informações e documentos exigidos, mas ainda existam lacunas, poderá ser estendida
a validade do marker e prorrogada a negociação. Para tanto, será concedido um novo termo
de reunião em que será definido, caso a caso, o prazo intermediário para a apresentação das
informações e dos documentos faltantes. Assim, diversas renovações podem ser realizadas pela
SG/Cade, até que se atinja o nível suficiente de informações e documentos para a assinatura
do acordo. A negociação apenas será concluída quando finalizados os prazos intermediários
definidos pela SG/Cade, nos termos do art. 198, §3º, do RICade.

Caso a SG/Cade entenda ser necessário, poderão ser realizadas entrevistas com as pessoas
físicas proponentes do Acordo de Leniência Antitruste, que devem comparecer para esclarecer
as dúvidas da equipe técnica. Nessas entrevistas, diversas informações detalhadas podem ser
obtidas pela autoridade antitruste, consubstanciando-se em valiosa ferramenta ao longo da
negociação. Nesse sentido, relembra-se a relevância que as informações de um colaborador
podem aportar à investigação.

Com base em todas as informações e documentos apresentados pelo proponente, a SG/Cade


elabora e assina um documento denominado “Histórico da Conduta” com a descrição detalhada

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da conduta anticompetitiva, que consiste em um Anexo do Acordo de Leniência, com o qual os
proponentes concordam.

Saiba mais
Para conhecer mais sobre o Histórico da Conduta de empresa e pessoas
físicas funcionária da empresa signatária do Acordo de Leniência, acesse o
link (http://www.cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordo-de-leniencia-
no-ambito-da-201coperacao-lava-jato201d/hc-versao_publica.pdf) e leia o
Sumário Executivo do Histórico de Conduta do Cade.

O Histórico da Conduta não é assinado pelo proponente do Acordo de Leniência ou por seus
advogados, mas é inteiramente subsidiado pelas informações que os proponentes apresentam à
SG/Cade, de modo que todos confessam as práticas nos seus termos.

Saiba mais
A depender da natureza jurídica do proponente...

1. montagem industrial onshore da Petrobrás;

2. obras de montagem Eletronuclear na usina Angra 3 da Eletronuclear;

3. implantação da Ferrovia Norte-Sul e da Ferrovia Integração Oeste-Leste;

4. edificações especiais da Petrobras;

5. prefeitura do Rio de Janeiro;

6. Hidrelétrica de Belo Monte;

7. favelas do Alemão, Manguinhos e Rocinha, no Rio de Janeiro;

8. Estádios da Copa do Mundo de 2014;

9. Complexo Lagunar e Mitigação das Cheias do Norte e Noroeste Fluminense;

10. obras do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro;

11. projetos de infraestrutura de transporte de passageiros sobre trilhos; e

12. infraestrutura e transporte rodoviário em SP, Dersa/Rodoanel e EMURB/


Sistema Viário Estratégico Metropolitano.

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Para saber mais sobre a atuação do Cade no âmbito da “Operação Lava
Jato”, acesse os links (http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/
noticia/2015/03/setal-fecha-acordo-de-leniencia-com-orgao-de-defesa-da-
concorrencia.html) e (http://www.cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordo-
de-leniencia-no-ambito-da-201coperacao-lava-jato201d) para ler na íntegra o
comunicado de imprensa do Cade.

Uma vez apresentadas todas as informações e os documentos requeridos pela equipe técnica da
SG/Cade, o(a) Chefe de Gabinete da SG/Cade encaminhará a proposta de Acordo de Leniência
Antitruste para a apreciação do Superintendente-Adjunto. O Superintendente-Adjunto poderá
solicitar novos ajustes e/ou esclarecimentos ao proponente ou poderá encaminhar a proposta
ao Superintendente-Geral para análise final. Se a análise for positiva, a proposta será considerada
completa pela SG/Cade e será iniciada a fase de formalização do Acordo de Leniência.

Fase III – Da Formalização do Acordo de Leniência Antitruste


pela SG/Cade
Caso a SG/Cade entenda que todas as informações e documentos
possíveis sobre a prática anticompetitiva já tenham sido apresentados,
são iniciados os trâmites de formalização do Acordo de Leniência,
tanto por parte do proponente quanto pela SG/Cade.

O proponente do Acordo de Leniência deve providenciar, por


exemplo, a autenticação de documentos, a tradução juramentada
e a consularização de documentos estrangeiros, bem como tomar
as cautelas necessárias em relação ao manuseio dos documentos
eletrônicos.

A SG/Cade inicia o contato com o(s) Ministério(s) Público(s) para


apresentação da proposta de Acordo de Leniência Antitruste, podendo
ser solicitadas informações adicionais pelo Promotor e/ou Procurador
da República. Quando do agendamento da assinatura do acordo,
devem comparecer todos os proponentes, incluindo a empresa e/
ou as pessoas físicas, ou seus respectivos representantes legais com poderes específicos, para
negociação e celebração do Acordo de Leniência. Essa situação de fazer-se representado por
advogado ou preposto brasileiro é especialmente comum nos casos de pessoa física que se
encontra fora do Brasil ou de Acordo de Leniência Antitruste envolvendo práticas internacionais.

No acordo, segundo o Guia do Programa de Leniência do Cade, constarão as cláusulas arroladas


nos incisos de I a VIII do art. 206, RICade, dos quais se expressa o conteúdo a seguir:

1. qualificação completa das empresas e pessoas físicas que assinarão o Acordo


de Leniência e qualificação completa do representante legal (incluindo nome,
denominação ou razão social, documento de identidade, CPF ou CNPJ, endereço
completo, telefone, fax e correio eletrônico);

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2. qualificação do representante legal com poderes para receber intimações durante o
curso do processo administrativo;

3. fax e correio eletrônico para intimações durante o curso do processo administrativo;

4. exposição dos fatos relativos à infração noticiada, com a identificação de seus


autores, dos produtos ou serviços afetados, área geográfica afetada e duração da
infração noticiada ou sob investigação, nos termos das informações e documentos
apresentados pelos signatários – informações estas que são normalmente
apresentadas no documento denominado Histórico da Conduta, elaborado pela
Superintendência-Geral do Cade;

5. confissão expressa da participação da empresa e/ou da pessoa física signatária do


Acordo de Leniência na infração noticiada;

6. declaração da empresa e/ou da pessoa física signatária do Acordo de Leniência de


que cessou seu envolvimento na infração noticiada;

7. lista com todos os documentos e informações fornecidos pela empresa e/ou pela
pessoa física signatária do Acordo de Leniência, com o intuito de comprovar a
infração noticiada ou sob investigação;

8. obrigações da empresa e/ou da pessoa física signatária do Acordo de Leniência:


99 de apresentar à SG/Cade e a eventuais outras autoridades intervenientes do Acordo
de Leniência todas e quaisquer informações, documentos ou outros materiais de
que detenham a posse, custódia ou controle, capazes de comprovar a infração
noticiada ou sob investigação;
99 de apresentar à SG/Cade e a eventuais outras autoridades intervenientes do Acordo
de Leniência todas e quaisquer novas informações, documentos ou outros materiais
relevantes de que venham a ter conhecimento no curso das investigações;
99 de apresentar todas e quaisquer informações, documentos ou outros materiais
relacionados à infração noticiada de que detenham a posse, custódia ou controle,
sempre que solicitado pela SG/Cade e por eventuais outras autoridades
intervenientes do Acordo de Leniência no curso das investigações;
99 de cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo
administrativo relacionado à infração relatada a ser conduzido pela SG/Cade e
eventuais outras autoridades intervenientes do Acordo de Leniência;
99 de comparecer, quando solicitado, sob suas expensas, a todos os atos processuais
até a decisão final sobre a infração noticiada, proferida pelo Tribunal do Cade;
99 de comunicar à SG/Cade e a eventuais outras autoridades intervenientes do Acordo
de Leniência toda e qualquer alteração dos dados constantes no instrumento de
Acordo de Leniência, inclusive os qualificadores; e
99 de portar-se com honestidade, lealdade e boa-fé durante o cumprimento dessas
obrigações;

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9. disposição de que o não cumprimento pelo signatário das obrigações previstas no
Acordo de Leniência resultará em perda da imunidade com relação a multas e outras
sanções;

10. declaração da SG/Cade de que a empresa e/ou pessoa física signatária do Acordo
de Leniência foi a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob
investigação, conforme o caso;

11. declaração da SG/Cade de que não dispunha de provas suficientes para assegurar
a condenação da empresa e/ou da pessoa física signatária do Acordo de Leniência
pela infração noticiada no momento da propositura do Acordo de Leniência;

12. declaração da SG/Cade a respeito de seu conhecimento prévio, ou não, sobre a


infração noticiada, no momento da propositura do Acordo de Leniência; e

13. outras obrigações que, diante das circunstâncias do caso concreto, forem reputadas
necessárias.

Fase IV – Da publicização (ou não) do Acordo de Leniência


Antitruste
A lei nº 12.529/2011 estabelece que, após a assinatura do Acordo de
Leniência Antitruste, a SG/Cade poderá instaurar Inquérito
Administrativo ou Processo Administrativo para apurar a infração
noticiada, bem como realizar outras medidas de investigação do caso
como, por exemplo, busca e apreensão e/ou inspeção, requisição de
informações e/ou outros procedimentos de inteligência.

Mesmo após a eventual instauração de Inquérito ou Processo


Administrativo pela SG/Cade, a regra geral é que o conteúdo do Acordo
de Leniência Antitruste e todos os seus documentos relacionados são
de acesso restrito e não serão divulgados ao público, ressalvados
os casos de ordem judicial ou autorização expressa dos signatários.
Os proponentes do Acordo de Leniência passam a ser denominados
Signatários do acordo e, via de regra, a sua identidade será tratada
como de acesso restrito perante o público até o julgamento final,
pelo Cade, do Processo Administrativo relativo à infração denunciada.

Essa é uma obrigação do próprio signatário, que tem o dever de cooperação e não pode
comprometer o sigilo das investigações, a não ser que outro modo seja expressamente acordado
com a SG/Cade.

Os representados no Processo Administrativo instaurado em decorrência de Acordo de Leniência


Antitruste (ou seja, os demais investigados na conduta) terão acesso à identidade dos signatários
e às demais informações e documentos do acordo. No entanto, não poderão disponibilizar

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informações e/ou documentos para terceiros, outros órgãos governamentais ou autoridades
estrangeiras, de modo que seu acesso deverá ser usado estritamente para fins de exercício do
direito ao contraditório e da ampla defesa no procedimento administrativo em trâmite perante
o Cade.

Em situações excepcionais, caso haja necessidade de divulgação ou


compartilhamento da informação de acesso restrito, por determinação
judicial ou qualquer outra obrigação legal indisponível, os signatários do
Acordo de Leniência Antitruste deverão informar previamente à SG/Cade
– ou serem informados pela SG/Cade – da necessidade de publicidade do
conteúdo e o acesso será concedido exclusivamente para o destinatário
da ordem judicial e/ou para o detentor da prerrogativa legal indisponível,
preservando-se o acesso restrito ao público em geral.

Em situações específicas, ainda é possível que a empresa e/ou as pessoas físicas signatárias
abdiquem da confidencialidade da sua identidade e/ou do conteúdo do acordo e/ou de seus
documentos e outros materiais anexados, no todo ou em parte, caso assim seja acordado entre
os signatários, o Cade e o Ministério Público Estadual e/ou Federal, no interesse dos signatários
ou da investigação. Essa tem sido a realidade, por exemplo, nos casos da “Operação Lava Jato”. O
Cade, porém, não requer aos signatários que abdiquem da sua garantia de sigilo, caso desejem
mantê-lo.

Por se tratar de um tema de suma relevância para o Programa de Leniência Antitruste brasileiro,
bem como por ser objeto de constantes debates na agenda internacional, a SG/Cade elaborou,
em 2016, um estudo sobre a experiência internacional e brasileira a respeito do acesso a
documentos apresentados por colaboradores em sede de Acordos de Leniência e TCC. Nesse
estudo, foi apresentado o benchmarking de sete países sobre a regra geral de acesso a tais
documentos, bem como as peculiaridades observadas durante a negociação do acordo e a
investigação da infração e após a decisão final do caso.

Saiba mais
Nos Estados Unidos, por exemplo, apontou-se que a regra geral é o amplo
discovery, com base em três legislações: a Lei de Livre Acesso à Informação
(“Freedom of Information Act” – FOIA); as Regras Federais do Processo
Criminal (“Federal Rules of Criminal Procedure” – FRCrP); e as Regras Federais
do Processo Civil (“Federal Rules of Civil Procedure” – FRCP). Com base em
tais regras, as partes têm a obrigação de disponibilizar as informações e
documentos que estejam sob seu controle, ressalvadas algumas exceções.
Caso, porém, se entenda que o acesso a tais documentos pode prejudicar
as investigações do DOJ, a autoridade antitruste poderá ir a juízo e solicitar
um “stay”, consistente em pedido civil de suspensão do processo civil até
que se concluam os procedimentos investigativos, tais como as colheitas
de depoimentos e provas. Esse instrumento foi, inclusive, utilizado em

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investigações de cartéis internacionais conduzidas nos Estados Unidos, como
os casos de DRAM , LCD e CRT/CPT, em que o DOJ logrou suspender o processo
de ressarcimento civil por seis meses ou mais, tendo a suspensão se estendido
por anos em alguns casos. Esse amplo acesso, por sua vez, só é possível porque
os signatários do Acordo de Leniência possuem algumas regras processuais
mais benéficas – diferentemente do que acontece no Brasil. Naquele país, por
exemplo, foram definidas limitações à responsabilidade dos beneficiários do
acordo, os quais, tradicionalmente, sujeitar-se-iam à regra de ressarcimento
por danos triplicados (“treble damages”) e à responsabilidade solidária.

Na União Europeia, por sua vez, as regras de acesso a documentos e


informações oriundos de acordos de imunidade e leniência foram alteradas
pela Diretiva 2014 (“Divulgação de elementos de prova”), que teve como prazo
de implementação o final de 2017. O artigo 6º da Diretiva 2014 (“Divulgação de
elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência”),
sem prejuízo das previsões do artigo 5º, inovou e estabeleceu categorização
em três níveis de proteção aos documentos obtidos no contexto do Programa
de Leniência: proteção total (“black list”), proteção temporária (“grey list”) e
sem proteção necessária (“white list”). Cada categoria de documentos (que
representa a pergunta sobre “ao que” se pede acesso na ação de reparação
por danos civis) possui um regramento específico quanto ao destinatário
autorizado a ter acesso (“quem”) e quanto ao momento em que isso acontece
(“quando”). Os documentos descritos como “black list”, por exemplo, não
podem nunca e em nenhuma hipótese ser disponibilizados, nem por ordem
judicial. Os documentos descritos como “grey list” por sua vez, são divulgáveis
apenas mediante ordem judicial, após a autoridade competente ter proferido
decisão final sobre o caso. Por fim, os documentos descritos como “white list”
serão divulgáveis a qualquer tempo por ordem judicial.

Já na Austrália, apesar das regras gerais de discovery e exibição de documentos


previstas nas Federal Court Rules, de 2011, o Competition and Consumer Act
(CCA) trouxe regras protetivas da confidencialidade de informações obtidas
em investigação de cartel. Segundo a Seção 157 desse normativo, apesar
de a regra geral ser do acesso amplo a documentos públicos, há exceção
aplicável a informações confidenciais em investigações de cartéis (“protected
cartel information”). Assim, a autoridade antitruste (ACCC) e os tribunais
australianos podem negar o pedido de acesso aos referidos documentos,
ponderando fatores como: (i) a informação pode ter sido fornecida à ACCC
de forma confidencial; (ii) a relação da Austrália com outros países; (iii) a
necessidade de se evitarem prejuízos à política nacional e internacional de
combate a cartéis; (iv) a proteção do informante; (v) o risco da divulgação
prejudicar o Programa de Leniência no futuro; e (vi) os legítimos interesses
do requerente da informação. Nesse sentido, o manual ACCC Immunity and
Cooperation Policy for Cartel Conduct traz manifestação clara da autoridade
de que tentará proteger a confidencialidade dos documentos fornecidos no
bojo de Acordo de Leniência Antitruste podendo, inclusive, alegar em juízo
sigilo relativo a esses documentos.

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Inspirada na experiência internacional, mas com base na experiência e na legislação nacional, foi
colocada em consulta pública, ao final do estudo, uma proposta de Resolução para disciplinar o
acesso a tais documentos no Brasil, a depender da fase processual do caso. A primeira fase da
Consulta Pública nº 05/2016 recebeu contribuições da sociedade entre 08 de dezembro de 2016
e 06 de fevereiro de 2017, enquanto a segunda fase recebeu contribuições de 04 de julho de
2018 a 25 de julho de 2018. A versão final da Resolução foi publicada como Resolução nº 21, de
11 de setembro de 2018.

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Fase V – Da declaração de cumprimento (ou não) do Acordo de
Leniência Antitruste
Após a formalização do Acordo de Leniência entre a SG/Cade e o
Signatário, com a intervenção do Ministério Público, ainda existe, via
de regra, o dever de colaboração das empresas e/ou pessoas físicas
signatárias de Acordo de Leniência até o encerramento do Processo
Administrativo, conforme consta no artigo 86 da Lei nº 12.529/2011
e 197 c/c artigo 206, I a VIII, do RICade. Essa análise do cumprimento
ou não das obrigações do Signatário colaborador é realizada, pelo
Cade, em dois principais momentos.

O primeiro deles é o momento da remessa do Processo Administrativo


da SG/Cade ao Tribunal, pois a SG/Cade opina se, em seu entendimento,
as previsões do acordo foram cumpridas ou descumpridas.

O segundo momento é durante o julgamento do caso, pois o Tribunal


verifica se, de fato, as condições e cláusulas estipuladas no Acordo
de Leniência foram ou não cumpridas e se os Signatários perderão os
benefícios relativos à multa e demais sanções cabíveis (art. 206, §1º,
IX, do RICade). Assim, a declaração final de cumprimento do Acordo de Leniência compete ao
Tribunal, apesar do processo de negociação do acordo ocorrer inteiramente no âmbito da SG/
Cade.

• Acordo de Leniência Parcial

No caso do Acordo de Leniência Parcial, é apenas na ocasião do julgamento do Processo


Administrativo e da declaração de cumprimento do Acordo de Leniência pelo Tribunal do Cade
que se estipula se o beneficiário receberá a redução de um a dois terços da penalidade aplicável.
Nesse momento, a redução da penalidade dependerá da análise da efetividade da colaboração
prestada e da boa-fé do infrator no cumprimento do Acordo de Leniência.

A amplitude do benefício que o Signatário do Acordo de Leniência Parcial receberá também


será decidida na ocasião da declaração de cumprimento do acordo. Sobre esse ponto, relembra-
se que os Acordos de Leniência no Banco Central (BC) e na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) já contam com critérios propostos em via regulamentar para a análise desse percentual
de desconto.

Saiba mais
Para ver um exemplo de um Processo Administrativo em que há o cumprimento
das obrigações do Acordo de Leniência Antitruste do Cade, acesse o link:
https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_
consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB
9yPyuRhln5IHShEUHJZF4IS6BxFAsRQh2WgY5a7axxfKKD84ErRrckVQfaf-
IZb5akk1CkttoM4G1bKl_d-CaD8e

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Fase VI – Da desistência ou da rejeição da proposta de
Acordo de Leniência Antitruste
Ao proponente é facultado desistir da proposta a qualquer tempo, ao longo da negociação de
um Acordo de Leniência Antitruste com a SG/Cade e antes de sua assinatura, conforme consta
no artigo 246 do Regimento Interno do Cade. Para tanto, basta que se manifeste expressamente
nesse sentido, seja oralmente, seja por escrito.

Quando há a desistência, todos os documentos apresentados pelo proponente à SG/Cade são


devolvidos e todas as informações prestadas são mantidas sob sigilo, não sendo permitido ao
Cade compartilhar ou fazer uso dessas informações para nenhum fim, inclusive investigatório
(conforme consta no artigo 86, §9º, da Lei nº 12.529/2011 e art. 205, §3º do RICade), salvo na
hipótese de serem voluntariamente apresentadas em sede de eventual TCC. Ou seja, o Cade não
poderá instaurar qualquer investigação com base nas informações prestadas pelo proponente
no âmbito da negociação fracassada de Acordo de Leniência. Todavia, a Superintendência-Geral
poderá abrir investigação para apurar fatos relacionados à proposta de acordo de leniência
quando a nova investigação decorrer de indícios ou provas autônomas (artigo 205, § 4º, RICade).

• Rejeição da proposta de Acordo de Leniência pela SG/Cade

Para além da desistência, que parte do próprio proponente, a não apresentação de documentos
minimamente aptos a comprovar a infração relatada poderá ensejar também a rejeição da
proposta de Acordo de Leniência pela SG/Cade.

A proposta pode ser rejeitada pela SG/Cade por diversas razões, dentre as quais o Guia do
Programa de Leniência do Cade exemplifica as seguintes:

• não apresentação da proposta do Acordo de Leniência no prazo de até 30 (trinta) dias


da concessão do termo de marker;

• ausência de cooperação, ao longo da negociação, seja pelo não fornecimento das


informações e documentos requisitados pela SG/Cade, seja pela obstrução às
investigações, de qualquer modo;

• insuficiência das informações e/ou documentos para evidenciar a prática noticiada ou


sob investigação;

• não demonstração dos efeitos da infração praticada em território estrangeiro no


território nacional.

Caso a proposta de Acordo de Leniência seja finalmente rejeitada pela SG/Cade, é possível que
o proponente obtenha um documento formal denominado “Termo de Rejeição”, no qual a SG/
Cade declarará que as informações e documentos apresentados pelo proponente não foram
capazes de comprovar a infração noticiada ou sob investigação, ou que não foram cumpridos
quaisquer outros requisitos exigidos pelo artigo 86, §1º, da Lei nº 12.529/2011.

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Saiba mais
Termo de Rejeição Proposta utilizado pelo Cade diponível na plataforma do
curso.

Uma dúvida que pode surgir é: como garantir que a SG/Cade, de facto, não utilizará as informações
apresentadas em sede de negociação com desistência ou rejeição? Primeiramente, por lei, a
autoridade antitruste não pode fazer uso de tais informações, o que protege os proponentes
em possíveis demandas administrativas ou judiciais e responsabiliza os servidores públicos que
eventualmente descumprirem essa norma. Adicionalmente, a estrutura interna da SG/Cade
foi desenhada justamente para impedir que isso aconteça, dado que a equipe que negocia a
proposta de Acordo de Leniência Antitruste está separada da equipe que faz a iniciação, instrução
e investigação dos processos administrativos. Há um “chinese wall” interno na SG/Cade, a fim de
aumentar a segurança jurídica das negociações. Nesse sentido, há uma separação entre a área
de negociação dos Acordos de Leniência e as demais áreas de iniciação e instrução de processos.
Por fim, vale ressaltar que o Programa de Leniência é baseado em sua reputação, de modo que
uma situação similar a essa poderia pôr em xeque a sua própria existência, o que reduz os riscos
de utilização indevida das informações e dos documentos apresentados em uma negociação
rejeitada ou desistida.

Além disso, a desistência ou rejeição da proposta não implicam em reconhecimento de


ilicitude da conduta analisada ou em confissão quanto à matéria de fato (art. 86, §10, da Lei nº
12.529/2011). Em continuidade, caso haja outros proponentes na “fila de espera”, a SG/Cade
entrará em contato com o próximo proponente, na ordem da fila, para que seja aberta nova
negociação.

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