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Módulo 4 - Negociação de Um Acordo de Leniência Antitruste
Módulo 4 - Negociação de Um Acordo de Leniência Antitruste
Módulo 4 - Negociação de Um Acordo de Leniência Antitruste
Antitruste do CADE
Módulo
4 Negociação de um Acordo
de Leniência Antitruste
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Presidente
Diogo Godinho Ramos Costa
Conteudista/s
Amanda Athayde (conteudista, 2019)
Enap, 2019
• 6 questões avaliativas.
Sugerimos que você veja o conteúdo dos módulos e responda às questões na ordem em que
estão dispostas. Você é livre para cursar os módulos na ordem que achar melhor - dentro do
período de duração do curso, mas as questões devem sempre ser respondidas para que você
possa avançar dentro de cada módulo. Tenha certeza de que fez tudo, módulos e questões, para
não ter problemas com a obtenção do certificado ao final do curso!
Lembrando: você navegará por todo o conteúdo e atividades em sequência, podendo avançar e/
ou retornar sempre que achar necessário.
Bons estudos!
A estrutura do presente Guia será baseada nas principais fases para a Acordo de Leniência nos
termos dos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 e 196 a 210 do RICade:
Para que seja possível avaliar a disponibilidade ou não do marker, algumas informações básicas
devem ser apresentadas pelo proponente, seja de modo oral, seja por escrito, ainda que de
modo parcial, acerca da infração noticiada. Nos termos do Guia do Programa de Leniência do
Cade, são estas as informações:
• O que?
os produtos ou serviços afetados pela infração denunciada;
• Onde?
a área geográfica afetada pela infração denunciada. Na hipótese de um cartel
internacional, deve ser informado que a conduta tem o potencial de gerar efeitos
no Brasil, nos termos do art. 2º, caput da Lei nº 12.529/2011.
• Quando?
a duração estimada da infração denunciada, quando possível;
• Uma descrição das informações e dos documentos que serão apresentados por ocasião
da assinatura do acordo de leniência.
Diante das informações apresentadas, a SG/Cade possui o prazo de até cinco (5) dias para
retornar ao proponente informando a disponibilidade ou não da senha (marker). A experiência
Para tanto, o Cade esclarece, em seu Guia do Programa de Leniência, que a ampliação do
escopo poderá ser realizada apenas se satisfeitos os requisitos constantes dos artigos 86 da Lei
nº 12.529/2011 e 197 do RICade e se o proponente não agiu de má-fé nem tentou ocultar ou
dissimular as informações posteriormente relatadas. Caso haja novas informações – entendidas
como informações ou documentos desconhecidos ou não disponíveis no início das negociações –
sobre a conduta já reportada em Acordo de Leniência em negociação ou em Acordo de Leniência
já assinado, o Acordo de Leniência Antitruste deve ser complementado.
Como o marker consiste no primeiro documento oficial da autoridade antitruste para a iniciação
da negociação, ele deve ser detalhado e conter todas as informações acima mencionadas
sobre o produto ou serviço afetado pela conduta, os seus participantes (incluindo o nome dos
proponentes), a região geográfica onde foi praticada e o período estimado da sua duração.
Ademais, ele deve conter a data, hora e minuto em que o pedido foi realizado, justamente para
delimitar a precedência do proponente em relação a todos os demais.
A autoridade antitruste, por cautela, deve manter esse documento em seus arquivos, ainda que
não juntado a quaisquer autos (diante da restrição do art. 200, §§1º e 2º, do RICade). Isso porque,
se houver qualquer questionamento posterior a respeito da ordem de chegada dos proponentes,
a autoridade estará resguardada a respeito da adequação do procedimento adotado. Ademais,
como por vezes os pedidos de marker se distanciam na ordem de minutos, em especial quando
são realizados oralmente, por telefone, a existência de data, hora e minuto do pedido aumenta
a transparência, previsibilidade e segurança jurídica no Programa de Leniência. A experiência
mostra que a verificação da disponibilidade de marker é, na maioria dos casos, simples.
No entanto, verifica-se a possibilidade de haver maior dificuldade nessa checagem, por exemplo,
diante de um pedido de negociação com relação a cartéis em licitação. Será que cada licitação
configura um cartel separado ou será que todo o bloco de licitações de um cliente, por exemplo,
configura o cartel? Ou será que seria possível identificar núcleos de licitações que configuram
Athayde, Craveiro e Piazera realizaram amplo estudo sobre esse tema. As autoras apresentaram a
discussão sob a perspectiva da experiência norte-americana e europeia, bem como propuseram
critérios de parâmetros – não exaustivos, mas exemplificativos, a serem avaliados em termos
de preponderância, não cumulativos – para uma tomada de decisão em cada caso concreto.
Segundo as autoras, nos Estados Unidos, a discussão sobre “Single v. Multiple Conspiracies”
não é totalmente recente e já faz parte da experiência criminal do país. Tanto é que o Grand
Jury Practice Manual , da Antitrust Division, do DOJ, editado pela primeira vez em 1991, tratou,
além de outros temas, de apresentar orientações em face à consideração de existência de uma
conduta única ou de múltiplas condutas (“conspiracies”).
Para o Brasil, as autoras propõem que, quando da análise da existência de uma colusão única ou
de múltiplas colusões, pelo menos dez parâmetros (não exaustivos) sejam considerados, quais
sejam:
TABELA 1
Parâmetros objetivos e subjetivos para a tomada de decisão sobre a existência de uma colusão
única ou de múltiplas colusões
PARÂMETROS OBJETIVOS
1) OBJETIVO Há um objetivo global ou um propósito ou meta
comum?
2) IMPLEMENTAÇÃO DA CONDUTA O modus operandi é idêntico ou similar (i.e.,
ferramentas de operacionalização)?
3) MERCADO DE PRODUTO/SERVIÇOS O mercado de produto ou serviço afetado é idêntico
ou similar?
4) MERCADO GEOGRÁFICO O mercado geográfico é idêntico ou complementar?
5) PERÍODO DA CONDUTA A duração é idêntica, sobreposta ou complementar?
6) TIPOLOGIA DA CONDUTA Os tipos de conduta são idênticos ou similares?
PARÂMETROS SUBJETIVOS
7) EMPRESAS PARTICIPANTES As principais pessoas jurídicas participantes são
idênticas ou têm um “núcleo duro” comum?
8) INDIVÍDUOS PARTICIPANTES As principais pessoas físicas participantes são
idênticas ou têm um “núcleo duro” em comum?
As autoras alertam, também, sobre eventuais tentativas de manipulação dos fatos e evidências
por parte das empresas e indivíduos que colaboram com as investigações, tanto em Acordos de
Leniência quanto em TCCs⁴, razão pela qual a concessão de marker ao proponente deverá ser
realizada com o máximo cuidado pela SG/Cade.
Pergunta
Como mitigar esses efeitos possivelmente negativos e, ao mesmo tempo,
garantir a transparência, previsibilidade e segurança jurídica do Programa
de Leniência? Como atribuir incentivos para que os participantes da conduta
continuem a procurar a autoridade antitruste mais cedo, desestabilizando
ainda mais os arranjos entre os concorrentes, independentemente de serem
os primeiros?
Resposta
Existe, no Regimento Interno do Cade, um artigo específico que trata dessa
hipótese (art. 199 do RICade). Na situação de indisponibilidade do marker, a SG/
Cade certifica-se de que o proponente consta em “fila de espera” e elabora, caso
seja do interesse da empresa e/ou da pessoa física, um termo de fila de espera.
A fila é organizada por ordem de chegada (2º, 3º, 4º colocados, por exemplo),
mas os proponentes retardatários não têm conhecimento da posição exata em
que se encontram na fila. Essa sutil adequação do termo de fila de espera é
relevante na medida em que garante a confidencialidade da negociação.
Suponha que exista um cartel de três empresas (A, B e C) e que a empresa A procurou a SG/
Cade e obteve o termo de marker. Passado algum tempo, a empresa B veio procurar a SG/Cade
para delatar a mesma conduta anticompetitiva e, em seguida, a empresa C também contatou a
autoridade antitruste, de modo que a negociação estava indisponível para ambas. Se a SG/Cade
Elaboração: autora.
Além disso, são criados pelo menos dois incentivos para que a empresa e/ou indivíduo permaneça
na fila de espera. Em primeiro lugar, o proponente retardatário tem incentivos a permanecer em
fila de espera porque, nos termos do art. 199, §2º, do RICade, o próximo proponente da fila (2º,
3º, 4º, etc., conforme a ordem cronológica) será convidado a negociar novo Acordo de Leniência
caso a negociação do primeiro, em andamento, não seja frutífera. Isso pode acontecer caso a
proposta seja rejeitada, por descumprimento dos requisitos legais ou dos prazos previstos nos
artigos 198, §3º, e 203 do RICade, ou em caso de desistência do proponente detentor da senha.
Elaboração: autora.
O termo de fila de espera consiste em uma certidão, emitida pela SG/Cade, contendo a
qualificação completa do proponente, os outros autores conhecidos da infração a ser noticiada, os
produtos ou serviços afetados, a área geográfica afetada e, quando possível, a duração estimada
da infração noticiada, além da data e horário do comparecimento perante a Superintendência-
Geral. Ele é praticamente um documento de marker, com a diferença de que não consta qualquer
informação sobre a identidade dos demais proponentes e/ou sobre a ordem cronológica de
espera do proponente com relação a eventuais outros proponentes anteriores ou subsequentes
(art. 199, §1º, do RICade). Assim, a “fila de espera” mantida pela SG/Cade é organizada por
ordem de chegada (2º, 3º e 4º colocados, por exemplo), mas os demais proponentes não têm
conhecimento da posição exata em que se encontram na fila de espera.
Além dessas informações, nos termos do Guia do Programa de Leniência do Cade, o proponente
também deve fornecer os seguintes documentos já na primeira reunião, na medida do
conhecimento:
5. troca de mensagens de texto e/ou de voz eletrônicas (SMS, WhatsApp, Skype, etc);
7. gravações;
É importante ter em mente alguns cuidados técnicos durante a coleta dos documentos eletrônicos
e físicos, a fim de resguardar a cadeia de custódia das evidências e robustecer sua validade
probatória no processo administrativo e criminal. O Guia do Programa de Leniência do Cade
aponta que, via de regra, o proponente deve registrar a história cronológica da evidência. No
entanto, eventual impossibilidade no prosseguimento de alguns dos procedimentos mencionados
não invalida a possibilidade de utilização dos documentos apresentados.
Após a análise técnica da SG/Cade, caso seja evidenciado o esforço do proponente em apresentar
todas as informações e documentos exigidos, mas ainda existam lacunas, poderá ser estendida
a validade do marker e prorrogada a negociação. Para tanto, será concedido um novo termo
de reunião em que será definido, caso a caso, o prazo intermediário para a apresentação das
informações e dos documentos faltantes. Assim, diversas renovações podem ser realizadas pela
SG/Cade, até que se atinja o nível suficiente de informações e documentos para a assinatura
do acordo. A negociação apenas será concluída quando finalizados os prazos intermediários
definidos pela SG/Cade, nos termos do art. 198, §3º, do RICade.
Caso a SG/Cade entenda ser necessário, poderão ser realizadas entrevistas com as pessoas
físicas proponentes do Acordo de Leniência Antitruste, que devem comparecer para esclarecer
as dúvidas da equipe técnica. Nessas entrevistas, diversas informações detalhadas podem ser
obtidas pela autoridade antitruste, consubstanciando-se em valiosa ferramenta ao longo da
negociação. Nesse sentido, relembra-se a relevância que as informações de um colaborador
podem aportar à investigação.
Saiba mais
Para conhecer mais sobre o Histórico da Conduta de empresa e pessoas
físicas funcionária da empresa signatária do Acordo de Leniência, acesse o
link (http://www.cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordo-de-leniencia-
no-ambito-da-201coperacao-lava-jato201d/hc-versao_publica.pdf) e leia o
Sumário Executivo do Histórico de Conduta do Cade.
O Histórico da Conduta não é assinado pelo proponente do Acordo de Leniência ou por seus
advogados, mas é inteiramente subsidiado pelas informações que os proponentes apresentam à
SG/Cade, de modo que todos confessam as práticas nos seus termos.
Saiba mais
A depender da natureza jurídica do proponente...
Uma vez apresentadas todas as informações e os documentos requeridos pela equipe técnica da
SG/Cade, o(a) Chefe de Gabinete da SG/Cade encaminhará a proposta de Acordo de Leniência
Antitruste para a apreciação do Superintendente-Adjunto. O Superintendente-Adjunto poderá
solicitar novos ajustes e/ou esclarecimentos ao proponente ou poderá encaminhar a proposta
ao Superintendente-Geral para análise final. Se a análise for positiva, a proposta será considerada
completa pela SG/Cade e será iniciada a fase de formalização do Acordo de Leniência.
7. lista com todos os documentos e informações fornecidos pela empresa e/ou pela
pessoa física signatária do Acordo de Leniência, com o intuito de comprovar a
infração noticiada ou sob investigação;
10. declaração da SG/Cade de que a empresa e/ou pessoa física signatária do Acordo
de Leniência foi a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob
investigação, conforme o caso;
11. declaração da SG/Cade de que não dispunha de provas suficientes para assegurar
a condenação da empresa e/ou da pessoa física signatária do Acordo de Leniência
pela infração noticiada no momento da propositura do Acordo de Leniência;
13. outras obrigações que, diante das circunstâncias do caso concreto, forem reputadas
necessárias.
Essa é uma obrigação do próprio signatário, que tem o dever de cooperação e não pode
comprometer o sigilo das investigações, a não ser que outro modo seja expressamente acordado
com a SG/Cade.
Em situações específicas, ainda é possível que a empresa e/ou as pessoas físicas signatárias
abdiquem da confidencialidade da sua identidade e/ou do conteúdo do acordo e/ou de seus
documentos e outros materiais anexados, no todo ou em parte, caso assim seja acordado entre
os signatários, o Cade e o Ministério Público Estadual e/ou Federal, no interesse dos signatários
ou da investigação. Essa tem sido a realidade, por exemplo, nos casos da “Operação Lava Jato”. O
Cade, porém, não requer aos signatários que abdiquem da sua garantia de sigilo, caso desejem
mantê-lo.
Por se tratar de um tema de suma relevância para o Programa de Leniência Antitruste brasileiro,
bem como por ser objeto de constantes debates na agenda internacional, a SG/Cade elaborou,
em 2016, um estudo sobre a experiência internacional e brasileira a respeito do acesso a
documentos apresentados por colaboradores em sede de Acordos de Leniência e TCC. Nesse
estudo, foi apresentado o benchmarking de sete países sobre a regra geral de acesso a tais
documentos, bem como as peculiaridades observadas durante a negociação do acordo e a
investigação da infração e após a decisão final do caso.
Saiba mais
Nos Estados Unidos, por exemplo, apontou-se que a regra geral é o amplo
discovery, com base em três legislações: a Lei de Livre Acesso à Informação
(“Freedom of Information Act” – FOIA); as Regras Federais do Processo
Criminal (“Federal Rules of Criminal Procedure” – FRCrP); e as Regras Federais
do Processo Civil (“Federal Rules of Civil Procedure” – FRCP). Com base em
tais regras, as partes têm a obrigação de disponibilizar as informações e
documentos que estejam sob seu controle, ressalvadas algumas exceções.
Caso, porém, se entenda que o acesso a tais documentos pode prejudicar
as investigações do DOJ, a autoridade antitruste poderá ir a juízo e solicitar
um “stay”, consistente em pedido civil de suspensão do processo civil até
que se concluam os procedimentos investigativos, tais como as colheitas
de depoimentos e provas. Esse instrumento foi, inclusive, utilizado em
Saiba mais
Para ver um exemplo de um Processo Administrativo em que há o cumprimento
das obrigações do Acordo de Leniência Antitruste do Cade, acesse o link:
https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_
consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB
9yPyuRhln5IHShEUHJZF4IS6BxFAsRQh2WgY5a7axxfKKD84ErRrckVQfaf-
IZb5akk1CkttoM4G1bKl_d-CaD8e
Para além da desistência, que parte do próprio proponente, a não apresentação de documentos
minimamente aptos a comprovar a infração relatada poderá ensejar também a rejeição da
proposta de Acordo de Leniência pela SG/Cade.
A proposta pode ser rejeitada pela SG/Cade por diversas razões, dentre as quais o Guia do
Programa de Leniência do Cade exemplifica as seguintes:
Caso a proposta de Acordo de Leniência seja finalmente rejeitada pela SG/Cade, é possível que
o proponente obtenha um documento formal denominado “Termo de Rejeição”, no qual a SG/
Cade declarará que as informações e documentos apresentados pelo proponente não foram
capazes de comprovar a infração noticiada ou sob investigação, ou que não foram cumpridos
quaisquer outros requisitos exigidos pelo artigo 86, §1º, da Lei nº 12.529/2011.
Uma dúvida que pode surgir é: como garantir que a SG/Cade, de facto, não utilizará as informações
apresentadas em sede de negociação com desistência ou rejeição? Primeiramente, por lei, a
autoridade antitruste não pode fazer uso de tais informações, o que protege os proponentes
em possíveis demandas administrativas ou judiciais e responsabiliza os servidores públicos que
eventualmente descumprirem essa norma. Adicionalmente, a estrutura interna da SG/Cade
foi desenhada justamente para impedir que isso aconteça, dado que a equipe que negocia a
proposta de Acordo de Leniência Antitruste está separada da equipe que faz a iniciação, instrução
e investigação dos processos administrativos. Há um “chinese wall” interno na SG/Cade, a fim de
aumentar a segurança jurídica das negociações. Nesse sentido, há uma separação entre a área
de negociação dos Acordos de Leniência e as demais áreas de iniciação e instrução de processos.
Por fim, vale ressaltar que o Programa de Leniência é baseado em sua reputação, de modo que
uma situação similar a essa poderia pôr em xeque a sua própria existência, o que reduz os riscos
de utilização indevida das informações e dos documentos apresentados em uma negociação
rejeitada ou desistida.