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Arquivo9440 - 1 Pos Fotografia
Arquivo9440 - 1 Pos Fotografia
Eduardo Queiroga
Recife
2012
Eduardo Queiroga
Recife
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Gláucia Cândida da Silva, CRB4-1662
Banca Examinadora:
________________________________________
José Afonso da Silva Júnior
________________________________________
Nina Velasco e Cruz
________________________________________
Silas José de Paula
Ao meu orientador José Afonso, por suas sugestões preciosas, seu cuidado e
sua dedicação, por sua amizade.
Aos professores Paulo Cunha e Nina Velasco, que trouxeram tão importantes
discussões na banca de qualificação.
Aos meus pais, Amélia e Paulo, e a meus irmãos, Roberta e Paulo, por todo o
incentivo e torcida.
Resumo
Esta dissertação trata do “coletivo fotográfico contemporâneo”, modelo que surge com
maior intensidade nos anos 2000 e se difere de outras experiências que agruparam
fotógrafos ao longo da história – a exemplo de agências fotográficas e fotoclubes.
Avança sobre o redimensionamento do lugar do sujeito na fotografia, colocando novos
modelos de financiamento e processo de criação. Insere questões importantes na prática
fotográfica e comunicacional, como as relacionadas ao lugar da autoria no processo
fotográfico e alteração de elementos identitários, expandindo o campo de atuação e de
domínios cognitivos, conjunturais e conceituais para o fotógrafo contemporâneo.
Exploramos a relação entre subjetividade e objetividade na fotografia e recuperamos as
práticas colaborativas já mapeadas, para melhor perceber o lugar do sujeito nessa
linguagem tão permeada pela referência à automaticidade, além de esclarecer as
características de cada modelo. Buscamos esmiuçar o cenário atual, os preceitos da
cultura de convergência, da criação em rede, rizoma, autoria, pós-fotografia e
fotograficidade, para percebermos como se dá uma mútua influência entre as
tecnologias e seus usos sociais, modificando nossa forma de comunicar e fotografar.
Nossa premissa: tais reconfigurações da sociedade, estimuladas pela digitalização e
mediação por computador, operam diversas aberturas importantes para o surgimento
dos coletivos. Operamos o estudo de caso e análise de obras de dois coletivos – Cia de
Foto (brasileiro) e Pandora (espanhol) – adotando como método a observação não
participante com entrevistas semiestruturadas.
This dissertation deals with the “contemporary photographic collective”, model that
appears with greater intensity in the years 2000 and is different from other experiences
gathering photographers throughout the history - such as photo agencies and photo
clubs. It advances toward the resizing of the place occupied by the author in the
photography realm, introducing new models of funding and creative process. It brings
important questions to the photographic and communicational practice, as those related
to the place of the authorship in the photographic process and the change of the identity
elements, expanding the cognitive, conjunctural and conceptual domains and field of
expertise of the contemporary photographer. We explore the relationship between
subjectivity and objectivity within photography and retrieve the previously mapped
collaborative practices, in order to better understand the place of the author in that
language so infused by the reference to the automaticity, and to clarify the
characteristics of each model. We seek to scrutinize the current scenario, the precepts of
convergence culture, network creation, rhizome, authorship, post-photography and
photographicity, in order to understand how a mutual influence between technologies
and their social uses occurs, modifying our way of communicating and photographing.
Our assumptions: such society reconfigurations, stimulated by the digitalization and
computer-mediation, create several important opportunities for the rise of the
collectives. We performed the case study and analysis of works from two collectives -
Cia de Foto (Brazilian) and Pandora (Spanish) - adopting the non-participant
observation method with semi-structured interviews.
Introdução 10
2. O cenário pós-fotográfico 44
2.1 Cultura de convergência 47
2.2 Rizoma 49
2.3 Inteligência Coletiva 52
2.4 Pós-fotografia 56
2.5 Criação em rede 67
2.6 O irreversível e o inacabável 71
2.7 Novos arranjos 74
Bibliografia 116
Anexos 121
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Coletivo fotográfico contemporâneo e prática colaborativa na pós-fotografia
Introdução
Certa vez quis comprar uma câmera fotográfica “de verdade”, não uma
daquelas Instamatic de plástico da Kodak – hoje meu conceito de câmera de verdade
também inclui as de plástico, caixa de fósforo ou uma de grande formato, mas naquela
época minha percepção era um tanto mais limitada. Como não tinha dinheiro suficiente,
comprei livros sobre fotografia. Foram vários manuais básicos ou títulos do tipo
“Aprenda fotografia em 10 lições práticas”. Era assíduo frequentador da pequena
prateleira dedicada ao assunto na saudosa Livro 7. Queria, assim, aprender sobre esse
campo que, àquela altura, não me parecia ter a complexidade e riqueza que vim
perceber depois. Estamos falando ainda do período escolar, às vésperas do vestibular. A
escolha pelo curso de Jornalismo já foi influenciada em parte pela possibilidade de atuar
nesse campo fotografando, em parte pelo gosto pela leitura e escrita e por uma
experiência com um jornal de escola.
Daí para a frente, meu envolvimento com a fotografia seguiu vários rumos,
alguns deles bem distantes entre si, muitas vezes paralelamente um ao outro. Trabalhei
como repórter fotográfico, formei agência, atuei no mercado publicitário, fiz
exposições, desenvolvi projetos de documentação. Tive muitas alegrias e também
muitas tristezas ligadas à fotografia. Publiquei em veículos nacionais e internacionais.
Fiz muitos amigos, conheci muita gente e tive contatos superficiais com uma infinidade
de outras pessoas. Ao longo dos últimos 20 anos – um pouco mais, na verdade – vi e
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fotografei os assuntos mais diversos, alguns dos quais preferiria que não existissem.
Também acumulei experiências com o ensino e com a utilização da fotografia como
ferramenta de transformação sociocultural: foram muitas oficinas, projetos e cursos para
os mais diversos públicos, incluindo o FotoLibras1, onde tenho o grande privilégio de
aprender muito com os educadores, multiplicadores e jovens que frequentam o curso. As
aulas no bacharelado em Fotografia também me proporcionaram um exercício
permanente com a linguagem fotográfica.
A minha ligação com a fotografia tem se dado, portanto, de muitas maneiras,
por muitos ângulos diferentes, o que tem me proporcionado experiências das mais
gratificantes. Seja no contato com o meio fotojornalístico, seja participando de eventos
ou nas conversas com amigos, um fenômeno que acompanhei com certa proximidade
foi o aparecimento de um modelo novo de trabalhar a fotografia. Uma temática muito
presente no dia a dia da atividade, mas pouco explorada como objeto de pesquisas
acadêmicas. O coletivo fotográfico me parece trazer questões importantes para a
reflexão sobre a fotografia na atualidade e a presente dissertação objetiva colaborar para
o entendimento desse fenômeno, assim como sobre suas articulações com outros
aspectos da fotografia e da contemporaneidade. Da mesma forma que observava algo
que parecia ser novo, também era – e continua sendo – muito comum o discurso de que
não se trata de novidade, mas de algo que sempre existiu, mas com outros nomes. No
meio fotográfico a temática dos coletivos é quase sempre envolvida por uma discussão
polêmica que inclui elogios e críticas, não raro beirando a descompostura.
Coletivos artísticos, de um modo geral, não são novidade. Grupos que
compartilham ideias, espaço, estrutura de produção, ou simplesmente trocas simbólicas
e afetivas. Sua história remonta à época logo após a Revolução Francesa, tendo no
grupo conhecido por Boémia um dos principais exemplos. Eram pintores, escritores e
outros artistas que levavam uma vida diferente da sociedade que estava se consolidando
naquele momento de crescimento das cidades, de fortalecimento dos ideais modernos.
Esse grupo que tentava ficar à margem do comportamento burguês foi o responsável
pelo sentido da expressão “vida boêmia” que usamos até hoje, que tem um pé na noite,
1 O Projeto FotoLibras utiliza a fotografia participativa com jovens surdos, com a primeira turma
formada em 2007. Visite www.fotolibras.org para mais informações.
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2 Cabe aqui um parêntese: embora a aceitação e valorização já aconteça de maneira naturalizada, ainda
se pode falar de uma marginalização desses grupos também nessa área. No entendimento empírico há
um reconhecimento do fazer coletivo no campo das artes plásticas, mas esse entendimento não é
unanimidade. Muitos coletivos artísticos afirmam sofrer uma discriminação. Ver o dossiê na Revista
Dasartes, disponível em http://dasartes.com/site/index.php?option=com_content&view=article&id=
101&Itemid=33.
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3 Antes disso existiram contribuições importantes, algumas delas referenciais no atual estudo (ver
bibliografia). Mas só no final do século XX é que o volume torna-se realmente significativo, a ponto
de podermos encarar a fotografia como campo de teoria.
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Capítulo 1
Objetividade, subjetividade e grupos na fotografia
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1.1 Objetividade
O embate entre objetividade e subjetividade, a máquina versus o homem, dura
até os dias de hoje e não foi inaugurado pela fotografia, como bem pudemos perceber
nos exemplos acima citados. Mas a fotografia alimentou esse debate e foi fortemente
influenciada por ele. Ela surge num momento de alinhamento com a modernidade. É
sincrônica ao aparecimento das grandes cidades, da industrialização, da serialização das
coisas – não apenas dos objetos, mas dos procedimentos, das ideias etc. Os modernos
operam uma anulação da subjetividade em nome do desenvolvimento, do progresso. A
fotografia responde a esses anseios e os reforça. Surge na esteira de um movimento que
enxergava na retirada do homem a causa para o aumento da eficácia e da exatidão. Aos
olhos daquele momento, a máquina demonstrava mais perfeição do que o inexato da
mão humana. Os caminhos a serem percorridos respondem a necessidades e
possibilidades – ou limitações – de cada época.
Como nos lembra Gisele Freund, “qualquer invenção é condicionada, por um
lado, por uma série de experiências e conhecimentos anteriores e, por outro, pelas
necessidades da sociedade” (FREUND, 1995, p. 37). Mais importante do que a
existência de uma tecnologia é o uso social que é dado a ela: como a sociedade
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já havia chegado a resultados concretos na sua busca por fixar uma imagem formada a
partir de um material sensível à luz. O processo de Bayard produzia imagens em
positivo, semelhante ao que outro pesquisador, na Inglaterra, Henry Fox Talbot, veio a
registrar com o nome de talbótipo: a grosso modo, num processo negativo-positivo,
imagens poderiam ser reproduzidas em papel emulsionado, num método mais
semelhante ao que conhecemos como fotografia analógica do que o daguerreótipo, que
era uma placa metálica, de difícil sensibilização e manipulação, além de impossível
reprodução. As placas de daguerreótipo “precisavam ser manipuladas em vários
sentidos, até que se pudesse reconhecer, sob uma luz favorável, uma imagem cinza-
pálida. […] Não raro, eram guardadas em estojos, como jóias” (BENJAMIN, 1994,
p.93). Ou seja, 1839 não marca a invenção da fotografia, mas, mais propriamente, o
anúncio pelo governo francês de um processo em detrimento de vários outros que
aconteciam paralelamente. Vale lembrar que até o Brasil teve sua contribuição a dar
nessa pluralidade, com as pesquisas do franco-brasileiro Hercules Florence, reconhecido
hoje como a primeira pessoa a se utilizar do termo “photographie”, em 1833 (KOSSOY,
1980).
O intuito de fazermos esse resgate histórico é, apenas, o de clarear algumas
relações que influenciam o surgimento e valorização de determinados fenômenos em
detrimento de outros; é o de percebermos, reforçarmos como o cenário de uma época
propicia o surgimento de algumas tecnologias, que, ao mesmo tempo, num processo
dialógico, passa a estimular esse mesmo ambiente social. Se a fotografia carrega até
hoje um peso de objetividade, isso pode ser em parte explicado pelo discurso que
defendia a nova invenção como traço do real, como ausência do homem, algo
consonante com os ideais de modernização e industrialização vigentes em meados do
século XIX, que acreditava que a máquina trazia mais exatidão e eficiência aos
processos de produção. Veremos, mais adiante, que esse entendimento ganha reforços
de outras naturezas, como, por exemplo, um viés que teoriza a partir da relação com o
referente. Naqueles tempos iniciais, no entanto, a fotografia ganhou espaço quando foi
oferecida como espelho do real, como imagens produzidas diretamente pelo sol, sem a
interferência do homem. O primeiro livro de fotografia da história, de Fox Talbot, traz
essa referência já em seu título, The pencil of nature: as calotipias ali presentes foram
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4 “Le cadavre de monsieur que vous voyez ci-derrière est celui de M. Bayard, inventeur du procédé
dont vous venez de voir les merveilleux résultats. À ma connaissance, il y a à peu près trois ans que
cet ingénieux et infatigable chercheur s ´occupait des perfectionements de son invention. / L
´Academie, le roi et tous deux qui ont vu ses dessins, que lui trouvait impartaits, les ont admirés
comme vous les admirez en ce moment. Cela lui a fait beaucoup d´honneur et ne lui a pas valu un
liard. Le gouvernament, qui avait beaucoup trop donné à M. Daguerre, a dit ne pouvoir rien faire pour
M. Bayard et le malhereux s´est noyé. Oh! Instabilité des choses humaines! Les artistes, les savants,
les journaux se sont ocupes de lui pendant longtemps et aujourd´hui qu´il y a plusieurs tours qu´il est
exposé à la morgue, personne ne l´a encore reconnu, ni réclamé. Messieurs et Dames, passons à d
´autres, de crainte que votre odorat ne soit affecté, car la tête du monsieur e ses mains commencent á
pourrir, comme vous pouvez le remmarquer” (FRIZOT apud ALBARRÁN, 2010).
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Daguerre, ao falar de sua criação, anunciava que “qualquer um pode tomar as visões
mais detalhadas mediante um processo físico-químico que outorga à natureza a
capacidade de reproduzir-se” (NEWHALL, 2006). Talbot, como já vimos, também
retira de si e credita à natureza a criação das imagens contidas em seu livro The pencil
of nature. Esse entendimento de que a imagem era formada pela luz, no interior de um
dispositivo mecânico, pelas leis da física e da química, de modo automático, onde a
participação do homem é (quase) nula, está presente não apenas naqueles momentos
iniciais: exemplos desse tipo de manifestação serão registrados ao longo de toda a
história da fotografia, em maior ou menor grau, dependendo do contexto.
Um fenômeno responsável por uma enorme popularização da fotografia foi a
produção da carte de visite. Patenteada por André-Adolphe-Eugène Disdéri, em 1854,
eram cópias fotográficas feitas a partir de negativos de vidro, montadas em cartão, com
dimensões reduzidas, por volta de 6 x 9 cm. O tamanho não era um detalhe menor. A
grande ideia que trouxe fama e fortuna a seu criador foi, através de câmeras
especialmente construídas para isso, passar a produzir oito ou mais retratos em apenas
uma chapa de vidro. Com isso cada chapa era copiada para o papel e bastava recortar
cada retrato e colar no cartão para produzir rapidamente um grande número de
fotografias, que eram vendidas a baixo custo e assim se podia atingir uma enorme
clientela. As relações entre fotografia e serialização vão muito além da possibilidade de
cópias. No processo de produção das carte de visite, o fotógrafo ocupava a posição de
um simples peão, um operário numa linha de produção compartimentada e repetitiva
(TAGG, 2005, p.67). Mesmo no campo das Belas Artes, já pelos idos de 1880, a
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fotografia era usada num caráter mais funcional: impressões de homens e mulheres nus,
como forma de economizar com modelos vivos. Outros fotógrafos se ocupavam de
produzir clichês de cenas urbanas ou paisagens também com o propósito de auxiliar
pintores e desenhistas nas suas criações. Eram aplicações auxiliares na produção de
quadros, gravuras ou esculturas5.
Para André Rouillé (2009), a fotografia é plural, sempre foi. Mas surgiu e se
desenvolveu diretamente inserida na dinâmica da sociedade industrial nascente, o que
vai determinar seus desdobramentos e funcionalidades. Uma vez que foi forjada por esta
sociedade, “a fotografia, no decorrer de seu primeiro século, como destino maior
conheceu apenas o de servir, de responder às novas necessidades de imagens da nova
sociedade. De ser uma ferramenta” (idem, p. 31). A fotografia respondeu e reforçou as
necessidades dessa sociedade, assim como qualquer outra relação entre tecnologia e
seus usos sociais. A fotografia é, por excelência, a imagem da modernidade, ao
ultrapassar um limite: até então, na produção de imagens, nunca a mão do homem havia
sido abolida. Essa fronteira era transposta em meio a um turbilhão de significados. Por
um lado a câmara obscura era responsável pela nitidez da projeção. Por outro lado, o
processo químico de fixação não tirava nem colocava nada à cena retratada. A junção
dessas propriedades físico-químicas era capaz apenas de reproduzir, de capturar, não
havia criação, interpretação, apenas um espelhamento do real, segundo os pensamentos
que conseguiam maior eco. Tais características são vistas mais como qualidade do que
como defeito. Enquanto o desenhista transmite para o papel apenas uma seleção daquilo
que documenta – por limitações que vão da técnica ao que “consegue” ver –, o fotógrafo
é mais exato, mais completo, o que traz para a fotografia uma grande funcionalidade de
documentação. Rouillé faz um extenso esmiuçamento das várias maneiras como a
fotografia esteve ligada aos ideais industriais e da modernidade, onde o caráter
automático, serializado, maquínico tinha maior destaque do que o aspecto humano,
criativo ou subjetivo. Essas ligações passam pelas cidades, pelo expansionismo, pelo
mercado – como no citado exemplo de Disdéri e suas carte de visite –, pela democracia
5 Alguns desse pintores que fotografaram cenas para serem reproduzidas em seus quadros hoje são mais
referenciados pelas fotografias que fizeram do que por suas pinturas, como é o caso de Eugene Atget
(ROUILLÉ, 2009, P.38). Isso reforça o pensamento de que a presença da subjetividade não está na
técnica ou no dispositivo, mas sim no contexto social que dá suporte a esse entendimento.
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6 O conceito de dispositivo de Maurice Mouillaud aponta para a ideia de uma matriz que age sobre as
práticas sociais, comandando não apenas a ordem dos enunciados, mas a postura do leitor (2002,
p.32). Os dispositivos impõem suas formas ao texto – por ele entendido como qualquer forma de
inscrição – e se encaixam uns nos outros. Tal linha de pensamento nos remete a Vilém Flusser, que usa
o termo “aparelho”, afirmando que este é programado para funções e estão subordinados a aparelhos
superiores (2002). Flusser também fala da função codificadora do canal distribuidor.
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seu referente […] estão colados um ao outro” (p.15). A análise barthesiana privilegia a
característica de índice da fotografia, afirmando ver somente o referente. Uma
transparência ou invisibilidade da fotografia, que é atravessada pelo olhar do leitor –
spectator –, este, talvez, o único possível sujeito no processo. O livro de Barthes, sua
última obra antes de falecer, foi escrito em 1980 e se transformou num dos pilares da
teoria fotográfica, contribuindo para reforçar um valor de verdade, de prova , que tem
nessa ligação direta – sem interferência do homem – entre imagem e objeto fotografado
seu maior argumento. Barthes defende que existem mecanismos para conferir verdade a
uma linguagem, faz-se uso da lógica ou do juramento. Já a fotografia seria indiferente a
esse tipo de recurso: “ela não inventa; é a própria autenticação; os raros artifícios por ela
permitidos não são probatórios” (ibidem, p. 128).
Escrito três décadas antes de A camara clara, um outro texto que foi por muito
tempo referenciado – e ainda recentemente usado como apoio e não de maneira crítica
em pesquisas – é o de André Bazin, cujo título já antecipava o papel que tomou para si
no campo das reflexões sobre as imagens: “Ontologia da imagem fotográfica” 7. Ele trata
de uma libertação da pintura pelo advento da fotografia, baseada não no
aperfeiçoamento material, mas numa satisfação completa por uma reprodução mecânica
do real. “Todas as artes se fundam sobre a presença do homem; unicamente na
fotografia é que fruímos da sua ausência” (BAZIN, 1983). Se Bazin chega a defender
que a fotografia deveria ser considerada como do campo das ciências naturais, tão forte
é sua relação com a natureza, maior do que com as ciências humanas, Barthes (1984)
dedica todo o seu último livro publicado em vida a essa característica de ligação com o
real. Em outros livros, Barthes traz um apagamento do sujeito não apenas na fotografia,
mas na linguagem de um modo geral. Ou seja, o seu pensamento aborda a construção da
autoria, colocando em questão, até, a construção do autor a partir da obra. Embora ele
tenha demonstrado uma preocupação mais geral em outros textos, “A câmara clara”
reforça uma ideia de ausência do sujeito no ato fotográfico.
Outros autores, no entanto, trabalham com perspectivas diferentes. John Tagg
(2005) entende que a combinação entre fotografia e evidência na segunda metade do
século XIX estava estreitamente ligada à aparição de novas instituições e novas práticas
7 Publicado em 1958.
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de observação e de arquivo. Para ele o poder não está na câmara, mas no Estado que faz
uso dela, que garante a autoridade das imagens que constrói como prova ou registro da
verdade8. A condição “ontológica” de um reflexo do real, não é assim tão direta, óbvia,
natural. Foi negociada, necessitou de um aprendizado, de uma aceitação. O autor
detalha os primeiros usos da fotografia como documento num julgamento judicial 9.
Duas constatações exemplares valem ser citadas. Por um lado, os responsáveis pelo
julgamento não estavam habituados a considerar as imagens fotográficas como
constatação de algo, como deixa claro um dos presentes ao questionar se não haveria
nada melhor a fazer do que amontoar as pessoas com cartões postais. Por outro lado,
Cameron, sanitarista responsável pelo uso das fotografias como prova, se valia de seu
conhecimento técnico num nível acima da plateia para preencher lacunas de informação
que a fotografia não era capaz de trazer. Com isso ele conduzia o discurso ora para uma
argumentação que destacava o caráter realista, ora para possíveis interpretações e
percepções mais subjetivas. Estamos em 1896. Somente na virada do século é que são
desenvolvidos procedimentos técnicos para a codificação da análise de fotografias como
elementos de prova. A qualidade vinculante entre fotografia e realidade é constituída
não apenas pelo aparato, pelo grau de definição, mas pela autoridade que é investida por
instituições como polícia, ministérios, justiça, tribunais.
Já Dubois , que pretende “atingir a fotografia” no sentido de um discurso
teórico mais amplo (1994, p.59), leva a discussão para as outras categorias da semiótica
peirceana. Ele afirma que a fotografia é índice, em “primeiro lugar”, para depois então
adquirir sentido (símbolo) e tornar-se parecida (ícone). O processo e as pessoas
envolvidas devem estar incluídos no fotográfico. “Com a fotografia, não nos é mais
possível pensar a imagem fora de seu modo constitutivo, fora do que a faz ser como é”
(DUBOIS, 1994, p.59), devendo estar aí incluída, nessa constituição, o ato da produção,
da distribuição e da recepção. Este autor amplia os elementos constitutivos da
fotografia, envolvendo o ato produtor como gerador de significação.
8 “No se trata del poder de la cámara, sino del poder de los aparatos del Estado local que hacen uso de
ella, que garantiza la autoridad de las imágenes que construye para mostrarlas como prueba o para
registrar una verdad.” (TAGG, 2005, p.84).
9 Durante plano de desocupação de um bairro de Leeds, quando uma seleção de fotografias é
apresentada ao Parlamento, com o propósito de reforçar uma autoridade e um reconhecimento das
argumentações. Ver TAGG, 2005, cap.5.
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1.3.1 Fotoclubes
Os fotoclubes surgem já no século XIX e reúnem amantes da fotografia em
suas mais variadas relações com a linguagem: profissionais, amadores ou técnicos. São
sociedades fechadas. Um dos principais catalizadores desse movimento é o desejo de
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Nomes como Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca são alguns
exemplos provenientes do interior de fotoclubes como o Bandeirante, certamente o mais
importante no país, fundado em 1939 – em funcionamento até hoje. O
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parceria com sindicatos. Estes, por sua vez, possuem uma denominação mais
diretamente ligada aos direitos profissionais. Tais escopos fogem completamente da
proposta da atual pesquisa. Algumas agências fotográficas, no entanto, surgem também
com objetivos de defesa de direitos e valorização dos fotógrafos, porém no viés
produtivo ou de mercado e de articulação da linguagem.
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imagens. Como exemplos, podemos citar a Agence France Presse (AFP) ou a Reuters.
Um segundo modelo é o das agências vinculadas a veículos de comunicação,
que comercializam o subproduto de suas editorias de fotografia, as sobras diárias, o
excedente do volume produzido para os jornais, revistas e portais do grupo. Enquanto
na categoria anterior o fluxo se dá em mão dupla, pois a agência capta material ao redor
do mundo para então distribuir aos assinantes, no modelo vinculado aos veículos o
fluxo segue uma lógica centrífuga de mão única, tendo como o centro o veículo
produtor das imagens. O objetivo é dar maior rentabilidade aos investimentos de
produção, ampliar a possibilidade de retorno.
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10 Uma das fotografias mais famosas de Robert Capa é a de um miliciano na Guerra Civil Espanhola,
supostamente fotografado no momento em que levava um tiro das forças inimigas (1936). Uma
grande polêmica se instaurou sobre essa imagem, que teve sua autenticidade questionada.
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Civil Espanhola e Endre assume de vez seu novo nome, com o qual entraria para a
história do fotojornalismo.
Essa história de Endre e Gerda, com um trabalho colaborativo, sob uma
assinatura conjunta, é um embrião para várias das questões que estariam permeando não
apenas a existência da agência Magnum, como também das práticas coletivas mais
atuais. Olhando com o distanciamento do tempo, a conclusão mais direta é de que foi
uma estratégia que driblava as dificuldades causadas por suas nacionalidades,
imprimindo uma marca e possibilitando a valorização de seu trabalho.
É de Robert Capa que emana o desejo maior de criação de uma estrutura que
permitisse lutar pelo reconhecimento dos fotógrafos, que possibilitasse a administração
dos direitos autorais, garantida pela posse dos negativos. Até então, era praxe que o
filme fosse entregue ao jornal ou revista assim que fosse exposto, onde seria revelado e
arquivado, sem que o fotógrafo tivesse domínio nem retorno sobre as utilizações
posteriores. A Magnum surge com esses objetivos, formando uma espécie de blindagem
que asseguraria uma independência de produção dos fotógrafos, associada a uma
logística de comercialização que garantisse retorno suficiente para o seu sustento
financeiro. É um modelo de viabilização comercial focado na valorização da atividade
fotográfica e do fotógrafo.
Ainda hoje o modelo da Magnum inspira novas iniciativas. A agência Noor,
sediada na Holanda é um exemplo. Formada por fotógrafos que já ocupavam boas
colocações no mercado mundial, ela surge em 2007, com reconhecida referência na
agência francesa de Capa11.
Assim como citamos o caso das agências ligadas a veículos, que existem como
forma de rentabilizar os excedentes de produção, uma outra prática comum no meio
fotográfico é o do banco de imagens. É natural que um fotógrafo ou uma agência
acumule um acervo de imagens, produzidas ao longo de sua existência. Fotógrafos,
jornais, agências, todos eles possuem seus próprios arquivos fotográficos, podendo
negociar tais imagens para o uso publicitário, editorial ou corporativo. Existem
empresas especializadas nesse tipo de material, trabalhando exclusivamente com
11 Ver entrevista com Stanley Greene, fundador da Noor. Na ocasião ele também faz uma crítica ao
modelo de “supermercado de imagens”. Em http://afdeautofoco.blogspot.com/2008/11/agncia-noor-
entrevista-com-stanley.html#links.
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12 Uma série de programas do governo Roosevelt, com o intuito de recuperar a economia americana da
Grande Depressão, após o Crash da Bolsa de Valores (1929), que incluía ações de vários tipos, como
diminuição da jornada de trabalho, fixação do homem no campo, reestruturação de pequenos
agricultores que foram à falência, entre outras.
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13 Quando Tagg cita Stryker, há uma nota de rodapé fazendo referência a “Stryker, 'The FSA Collection
of Photographs', p.7, sem maiores detalhes da obra citada. Achamos por bem manter tais referências,
embora não nos tenha sido possível localizá-la.
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14 A lei dá cobertura apenas a pessoa física, o que significa que um grupo não pode ser reconhecido
como autor na condição de grupo. Mas é possível que várias pessoas físicas compartilhem a autoria de
uma obra, como é comum na música, por exemplo.
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15 Na verdade essa obrigatoriedade é extensiva a todas as imagens, conforme a lei citada acima, porém é
no campo do fotojornalismo onde há uma maior adesão e respeito a tal norma, direito muitas vezes
reforçado por acordos sindicais específicos.
16 Nesta pesquisa faremos um estudo de caso mais aprofundado sobre a Cia de Foto.
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alguns casos. Não raro veremos agências funcionando como coletivos e vice-versa. Mas
a observação dos outros modelos aqui analisados nos facilita um foco mais seletivo. O
fotoclube trouxe a pesquisa estética e a renovação para a fotografia. São fotógrafos com
características e paixões diferentes, trocando ideias e influências, num constante
amadurecimento e crescimento da linguagem fotográfica. Mas, ao mesmo tempo, eles
mantém um forte traço competitivo e individualista. Além disso, as relações externas
não acontecem, via de regra, pelo fotoclube, mas também numa relação direta entre o
fotógrafo e o mercado, ou mesmo não há esse desdobramento – o caso de amadores que
produzem para si e não possuem clientes ou não participam de exposições.
Traremos um maior detalhamento comparativo entre agências e coletivos, mas
antes é necessário que conheçamos o cenário no qual surge o novo modelo, pois
acreditamos que ele é um ingrediente importante nessa receita.
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Capítulo 2
O cenário pós-fotográfico
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e processo, podemos afirmar que o coletivo fotográfico contribui para uma expansão do
lugar do sujeito, algo que acontece sincronicamente à diluição do autor na arte
contemporânea, por exemplo, ou em paralelo à liberação do polo emissor 18, do ponto de
vista da cibercultura, como veremos mais adiante. Se alguns autores fazem fotografia
lançando mão de imagens produzidas por outros fotógrafos, os coletivos operam nessa
inclusão de outros sujeitos já na sua organização e articulação com o meio.
A aparição do sujeito na fotografia, com maior ou menor importância, é
comparada a um movimento pendular por Rouillé (2009). A nosso ver, trata-se não de
um movimento do pêndulo de um relógio, que se desloca em uma trajetória
determinada, em um compasso, um ritmo, um vaivém milimetricamente programado:
ele não vai nem mais nem menos além do que aquele percurso definido. É melhor a
imagem de uma criança num balanço de um parquinho, onde ela se joga, de uma
maneira bem mais livre, em movimentos que vão de um lado para o outro, sem uma
rigidez, sem um limite. Na verdade ela está brincando com o limite, ela está
experimentando até onde vai, ora mais alto, ora com menos impulso. O fenômeno que
aqui abordamos também desenha trajetórias que se definem enquanto são desenhadas.
Também não queremos cair no erro de encarar as inovações como substituições da
tradição. Novas teorias, novas tecnologias se alimentam das anteriores, num rico
processo de negociação e mútua influência. Para Michel Callon, “o mundo novo resulta
de um empreendimento coletivo feito de vontades e interesses individuais que negociam
e, gradualmente, constroem uma casa comum” (2010, p.72).
O século XXI convive com o surgimento de um modelo de articulação que
lança novas questões para o campo da fotografia. Um fenômeno que, assim como os
outros abordados nesse trabalho, estão intimamente ligados, influenciados ou
estimulados pelas práticas sociais vigentes, pela interrelação direta com as tecnologias
em voga e, principalmente, com os usos sociais dessas tecnologias. Estamos falando dos
coletivos fotográficos contemporâneos. A prática do coletivo insere questões no que se
articulação com áudio, são apenas alguns exemplos de um fazer fotográfico que extrapola as
definições precedentes. A fotografia 360 graus revê, por exemplo, até mesmo conceitos como o
punctum de Barthes ou de enquadramento.
18 A liberação do polo emissor é uma das leis fundadoras da Cibercultura, segundo André Lemos (2005),
e tem como característica a passagem de um modelo de massificação da comunicação, onde a emissão
é concentrada na mão de poucos (o paradigma de um-todos), para uma democratização que possibilita
uma maior participação de todos na difusão de conteúdos comunicacionais (a lógica de todos-todos).
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As redes “não são definidas por seus limites externos, mas por suas conexões internas”
(KASTRUP, 2010, p. 80), não possuem superfície ou fronteiras definidas. Suas
conexões e interconexões podem se reconfigurar em possibilidades múltiplas. Não
devemos aqui, para efeito do nosso estudo, permitir uma imagem de rede como algo
estático, predefinido, fechado. A rede se faz nas ligações entre os “nós”, nas linhas que
ligam os pontos.
2.2 Rizoma
Não podemos avançar numa discussão que envolve redes, pontos ligados por
linhas, nós, sem tocarmos no conceito de rizoma, desenvolvido por Gilles Deleuze e
Félix Guattari, em sua obra “Mil platôs” (1995). Embora o conceito de rizoma seja
comumente ligado às reflexões sobre redes, é importante reforçarmos aqui duas
ressalvas: primeiro, não podemos, deve-se repetir, pensar a rede como algo dado,
estático, onde necessariamente pontos específicos devam ser ligados eternamente (isso
seria um grande desvio e até oposição aos princípios do rizoma); segundo, o rizoma é
importantíssimo como pano de fundo para abordarmos as características da sociedade
contemporânea, objeto também deste capítulo. Os autores enumeram certas
características aproximativas do rizoma. A primeira delas é o princípio de conexão, que
estabelece que “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e
deve sê-lo” (idem, p. 15). Este modelo traz em si diferenças à figura da raiz ou da
árvore, que possui um centro e uma ordem, onde os pontos seguem uma hierarquia ou
uma cronologia, uma linearidade. No modelo rizomático as conexões não seguem o
princípio de causa e efeito, não seguem desdobramentos estabelecidos por uma ligação
prévia, mas as ligações e a forma como elas se modificam a partir do contato é
determinado mesmo pela interação entre os pontos. O segundo princípio, o da
heterogeneidade, permite que, além da conexão de um ponto qualquer com outro ponto
qualquer, essas ligações não remetam necessariamente a naturezas mesmas: “ele põe em
jogo regimes de signos muito diferentes” (ibidem, p. 32). O rizoma não tem começo
nem fim, nem é feito de unidades de medidas, mas de variedades de medidas. Este é o
princípio de multiplicidade. “Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas
somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude a
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traz de mais importante são os princípios que transformam nossas relações profissionais,
sociais e cognitivas. Estão ali os conceitos norteadores do que viria a se estabelecer na
cibercultura21, como as mudanças nos paradigmas comunicacionais, lógica de
interconexão, reconfiguração de práticas sociais. Estamos falando, entre outras coisas,
da mudança de uma cultura de massa – orientada pelo modelo um-todos – para uma
cultura de rede ou de convergência – que opera na lógica da circulação,
interdependência, complementariedade, participação.
Para Lévy (2000, p.11) “o atual curso dos acontecimentos converge para a
constituição de um novo meio de comunicação, de pensamento e de trabalho para as
sociedades humanas”. A inteligência coletiva coloca em sinergia os conhecimentos,
imaginações e desejos dos que estão conectados. Tira proveito do quanto cada um dos
pontos pode contribuir na construção de um todo. Uma rede de informações e de
conhecimento cujas ligações podem redirecionar a novas formas de aprendizado e de
conteúdo. Quebra o paradigma do especialista, aquele que detém um conhecimento,
numa lógica de exclusão – que se divide entre os que possuem e os que não possuem o
conhecimento – em favorecimento de uma construção de conhecimento de maneira
mais ilimitada, interdisciplinar e diversa (JENKINS, 2009, p. 87).
Compartilhar uma informação passa a fazer mais sentido do que guardá-la para
si. É, muitas vezes, no processo que permite a troca onde está a verdadeira importância,
não mais apenas num volume cristalizado. Vejamos o exemplo da Wikipedia, uma
enciclopédia online alimentada de maneira colaborativa. Ela se estabelece por um
sistema que permite a troca de informações, a complementação, o aprofundamento,
mais do que pelo peso dos autores ou consultores, na maioria das vezes anônimos – ou,
pelo menos, não tão ilustres. A Wikipedia traz em si o antídoto para seu próprio
“veneno”. Os críticos apontam para a falta de um corpo de consultores
reconhecidamente especialistas sobre os verbetes, como acontece numa enciclopédia
tradicional, como principal fator negativo de tal experiência, pois não dá respaldo aos
21 O termo ciberespaço vem da ficção científica de William Gibson e é definido por Lévy como “o novo
meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores” (o autor também usa o
termo em substituição a 'rede'). Porém cabe um alerta: não devemos resumir o ciberespaço à internet.
É o conjunto das redes, interligadas por computador, que forma o ciberespaço. Cibercultura é um
neologismo e especifica “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de
modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17).
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conteúdos veiculados. Já os defensores atentam para o fato de que os erros podem ser
facilmente corrigidos, em tempo real, e para todos os usuários, algo que não é possível
numa publicação impressa, onde algum erro ainda é consultado décadas depois, caso o
livro esteja disponível.
Numa mesma dinâmica, o fotógrafo detentor de todo o conhecimento
necessário para a obtenção do produto final deixa de ser tão importante. O
aproveitamento de ligações com outras especialidades mostra-se mais enriquecedor do
que ser o depositário exclusivo do reconhecimento pelo que faz. Permitir essas
articulações pode ser bem mais proveitoso do que anulá-las. O que está em jogo – ou a
melhor parte do jogo – é o processo, as alterações que se dão no “meio do caminho”, no
intermezzo, no entrelugar. É como Jenkins aborda a convergência, em geral, de uma
maneira redutora, tomada como a junção de várias aplicabilidades num só dispositivo.
Para este autor, a convergência acontece no cérebro das pessoas, nas suas atividades, “é
mais do que uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre
tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos […] a convergência
refere-se a um processo, não a um ponto final” (2009, p. 43). Jenkins afirma que a saída
para a sobrevivência está em trabalhar junto, coletivamente.
Podemos entender esse ambiente de interconexão, essa lógica de formação de
redes, essa abertura para práticas colaborativas como um campo fértil para o
aparecimento e fortalecimento dos coletivos fotográficos? Esta é a premissa com a qual
estamos trabalhando.
A cibercultura é definida por André Lemos (2005) como “uma nova relação
entre as tecnologias e a sociabilidade, configurando a cultura contemporânea” e suas
leis fundadoras são: liberação do polo emissor – qualquer um pode produzir e distribuir
conteúdo –, princípio de conexão em rede – tudo e todos estão interligados – e
reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais.
A fotografia estabelece uma relação dialógica com esses princípios,
reconfigurando suas práticas. Os coletivos respondem diretamente a esses princípios. As
possibilidades de associação entre fotógrafos que surgem neste contexto incorporam
novas discussões no fazer fotográfico. Nossa premissa é de que o surgimento dos
coletivos fotográficos com mais ênfase na última década está ligada diretamente às
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2.4 Pós-fotografia
Para Santaella (2005), é possível estabelecermos três paradigmas da imagem, a
partir das transformações operadas no modo de produção: o pré-fotográfico, o
fotográfico e o pós-fotográfico. O uso dos termos “pré” e “pós” nos remete
invariavelmente para uma ideia de tempo, de ordem das coisas, de sequência, mas é
importante para a nossa pesquisa frisarmos que eles dizem respeito a paradigmas e não a
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não há a relação física com o material, como no caso das artesanais do pré-fotográfico,
nem com o referente, como no fotográfico. “As imagens infográficas ou sintéticas
inauguram uma nova era na produção de imagens com características radicalmente
diversas das imagens de projeção ótica, dependentes da luz, que vai da fotografia até o
vídeo” (SANTAELLA, 2005, p. 297).
O modo de produção de cada um desses paradigmas traz consequências para
toda a cadeia que envolve armazenamento, agente produtor, natureza da imagem,
relação da imagem com o mundo, meios de transmissão e papel do receptor. Ou seja,
podemos perceber distinções nesses paradigmas também nas outras esferas da produção,
circulação e recepção das imagens. Se o pós-fotográfico se caracteriza por uma
“derivação da visão via matriz numérica”, enquanto o fotográfico traz a “autonomia da
visão via próteses óticas” (SANTAELLA, 2005 p. 302), o seu agente produtor não mais
captura o real, mas age sobre ele, é um sujeito manipulador e não mais pulsional.
O meio de produção é determinante nesta concepção, suas características se
desdobram em consequências nas outras esferas já citadas. Mas essas modificações não
surgem apenas no interior de cada paradigma. Não devemos pensar em termos de
substituição, mas bem sabemos das alterações operadas a partir de cada novo modelo.
Os modos de produção do paradigma pré-fotográfico foram modificados após o
surgimento da fotografia. Assim como a fotografia também mudou com o advento do
pós-fotográfico. Podemos observar com razoável clareza as modificações no papel do
produtor, bem como na relação da imagem com o mundo. Mas não apenas nisso. Silva
Junior nos dá uma visão de algumas dessas mudanças, mais focadas no campo do
fotojornalismo, mas que podem ser ampliadas para a fotografia como um todo. “A
capacidade de se adaptar, adquirir gramáticas, trabalhar em cooperação e em rede,
interagir com sistemas que não exclusivos da fotografia, parece ser a chave a ser
acionada para o enquadramento profissional da fotografia de notícia” (2011, p.113). Não
é apenas um ou outro aspecto que se modifica, mas nossa relação com a imagen, a
forma como a produzimos e a percebemos.
As mudanças acontecem num mesmo tempo e de forma articulada, interligada.
Não nos é possível analisar separadamente as influências que o surgimento da imagem
de síntese operou sobre a produção de fotografias, uma vez que isso acontece em meio a
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“mais fina”, pois passa a ser exercida ao nível do pixel, do menor ponto constituinte da
imagem. Por outro lado, observamos a trivialidade com que essa ação de manipulação e
retoque passou a ser exercida no âmbito amador, caseiro, com a ampliação do acesso a
essas tecnologias – mais baratas, mais presentes no dia a dia, mais próximas de todos.
Este novo estado de proximidade com a manipulação da imagem, quebra
completamente a crença na fotografia como reflexo do real, espelho imparcial dos
acontecimentos. Além do que, mais importante para a direção que apontamos nosso
estudo, amplia e torna familiares as possibilidades de interferência no processo
fotográfico. O que nos interessa aqui não é a discussão sobre a “verdade” da fotografia,
mas a inserção do sujeito comum nas várias fases e a ampliação da participação no fazer
fotográfico.
Quando falamos na explosão das redes informacionais e telemáticas, nas
práticas mediadas por computador como estímulo a algumas mudanças culturais, nesta
cultura permeada pelas novas tecnologias, estamos tratando deste fenômeno de
digitalização, das possibilidades que são trazidas quando passamos a lidar com os vários
tipos de informação – sonora, escrita, visual – a partir de um mesmo elemento
constituinte, o bit ou a informação numérica.
“A fotografia não vive […] uma situação especial nem particular: ela
apenas corrobora um movimento maior, que se dá em todas as esferas
da cultura, e que poderíamos caracterizar resumidamente como sendo
um processo implacável de 'pixelização' […] e de informatização de
todos os sistemas de expressão, de todos os meios de comunicação do
homem contemporâneo” (MACHADO, 2005, p. 311).
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durante boa parte da história da fotografia e responsável pela difusão desta linguagem
em alguns círculos e usos, que tinham na mecanicidade da técnica seu maior trunfo.
Diminui o peso da automaticidade, assim como a concentração do processo na mão de
um único autor. Mesmo que ainda se pense no fotógrafo como o acionador do obturador
– algumas digitais nem mesmo possuem esse dispositivo – abre-se mais uma brecha
para a produção coletiva.
Mas o fenômeno de digitalização – da sociedade e que alcança a fotografia –
também redefine conceitos caros aos produtores de imagens, artistas ou não: cópia e
original passam a não fazer tanto sentido na fotografia digital. Nesta, tudo é cópia.
Mesmo um arquivo “original” é transferido de um lugar a outro através de cópias: do
cartão de memória para o computador, do computador para o backup e assim
sucessivamente. É possível lidarmos com a até então estranha situação de termos vários
exemplares de um original, que é a lógica do backup ou cópias de segurança 22. Na
fotografia analógica, a reprodução de uma imagem acarretava no salto entre “gerações”
da imagem, com distinções, mesmo que imperceptíveis, entre o original e a cópia, a
cópia e a cópia da cópia. No digital, as cópias são sempre idênticas.
A fotografia operou um salto parecido, no campo da imagem, como o que
significou o advento da escrita: a fotografia promoveu a descontextualização entre o
observador e a cena. Claro, outros tipos de ilustração já faziam isso, de maneira mais
aproximada à metáfora da escrita, mas a fotografia carregava o discurso de uma ligação
física com o referente. A digitalização quebra esse entendimento ao transformar a
fotografia num mosaico de milhões de pixels que podem ser trabalhados
individualmente, rearrumados e passam a ser apenas informações numéricas, sem essa
ligação física exposta anteriormente.
Outra característica do meio digital é a não linearidade e interatividade. Se um
LP é pensado numa ordem certa das faixas, lado A e lado B, compondo um conjunto
com começo-meio-fim, em tempos de MP3 ou CD ouve-se as músicas aleatoriamente,
permitindo com mais facilidade que pessoas diferentes tenham experiências diferentes.
22 Backups são cópias de seguranças feitas em mídias diferentes, preferencialmente arquivadas em locais
distintos (fisicamente), como medida para se evitar a perda de um arquivo importante. Mais do que
uma situação teórica, a cópia de segurança é condição primordial de segurança e conservação dos
arquivos digitais, fazendo parte de todo e qualquer fluxo do fotógrafo digital. O original único passa a
ser exceção, uma possibilidade que está mais para um descuido do que para uma regularidade.
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A experiência de um álbum online de fotos, como o Flickr 23, por exemplo, é muito
diferente de um álbum físico, com folhas de papel-cartão, fotografias coladas, com
papel de seda separando uma página da outra. No formato digital, é possível visualizar
seguindo uma ordem que vai das fotos mais recentes para as mais antigas, ou
acompanhando sequências definidas por aquele que organizou o álbum, ou através da
navegação por palavras-chave. Uma foto pode ser ligada a outra por um comentário de
outro usuário, ou pelo simples uso de tags 24 em comum. Vemos aqui o princípio do
hipertexto, onde um ponto de uma imensa rede pode ser ligado a outro ponto – rizoma
– e essas ligações criam significações na medida em que são formadas. Incluem,
igualmente, linhas de fuga.
Fred Ritchin, em seu livro “After photography” (2010), aborda as mudanças
ocorridas na pós-fotografia. A fotografia cria novas realidades, o mundo nunca é o
mesmo depois de fotografado. Por outro lado, quando as imagens substituem o mundo –
esta é uma das discussões trazidas pelo autor –, a fotografia perde muito da sua razão de
existir (ibidem, p. 23). Ritchin usa diversos casos colhidos na mídia para se aprofundar
em alguns dos paradoxos, se não criados, ao menos trazidos à tona ou exacerbados pela
digitalização. Citando uma fotografia de capa da revista National Geographic, onde uma
pirâmide foi “levemente” deslocada para permitir um melhor resultado visual, ou
mesmo o caso de O. J. Simpson, que aparece mais escuro na revista Time, passando por
uma série de outras situações onde aconteceram manipulações da imagem na etapa de
pós-produção25, afirma que, em determinadas situações, parece estar havendo uma
diminuição da importância tanto do fotógrafo profissional quanto até mesmo do
assunto, por conta dos processos atuais de manipulação. Muitas vezes são modificações
banais em relação às escolhas feitas pelo fotógrafo e que compõem o repertório e a
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construção do discurso fotográfico: enquadramento, foco, ângulo etc. Estas questões são
objeto de resistência nas gerações acostumadas ao entendimento de uma fotografia
produzida pela sensibilização de sais de prata a partir da ação da luz. Talvez para as
novas gerações, criadas completamente mergulhadas nos princípios da digitalização,
essa discussão, mais do que ultrapassada, será incompreensível. Voltamos a afirmar: a
fotografia não perdeu o estatuto de objetividade com o advento da digitalização. Bayard,
com seu auto-retrato “afogado” (vide capítulo 1) já jogava às favas qualquer ligação
com o real. Para Ritchin, o ceticismo em relação à confiança na fotografia como
instrumento da verdade traz vantagens e desvantagens.
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digitalização pode dar mais uma contribuição na ruptura com a fotografia objetiva, mas,
por outro lado, relativiza o conceito de autoria, ao intensificar um processo composto
por uma rede de funções, conhecimentos, habilidades e pessoas diferentes, onde a
apropriação e reorganização é parte integrante. Há um deslocamento do ponto de
gravidade, estimulado, também, pelas possibilidades abertas no momento em que agora
lidamos com imagens baseadas em pixels.
Estamos ainda aprendendo a lidar com tais mudanças, ao mesmo tempo em que
novas articulações se tornam possíveis. Citando o caso Brian Walski 26, Ritchin afirma
que não houve uma alteração na informação, não houve uma mudança no relato do
acontecimento, ao contrário de outras situações, conhecidas como photo ops
(opportunities)27, para concluir que há uma preferência generalizada na mídia
(jornalística) em publicar fotos “verdadeiras” de eventos artificiais, não aceitando a
relação oposta, que seriam fotografias construídas de fatos reais (ibidem, p. 35).
Situações forjadas unicamente com o objetivo de serem fotografadas são permitidas,
aceitas. Para o autor, eis aí mais um paradoxo. Tais manipulações, tanto as que atuam no
fato em si, quanto as acontecidas no momento da revelação digital, estão ligadas a uma
busca pela “imagem perfeita”, possivelmente influenciada por outros campos, como a
televisão, o cinema ou a publicidade. Convive-se, cada vez mais, com imagens bem
produzidas, esteticamente bem trabalhadas, com boas soluções de luz. Elas estão nos
anúncios das revistas, nos outdoors, nos livros, na internet. É possível, por exemplo,
perceber que até mesmo utilizações mais “caseiras”, como os perfis nas redes sociais ou
apresentações escolares, já acompanham uma preocupação por um resultado visual mais
acurado. Aparelhos celulares trazem, além de suas câmeras acopladas, aplicativos
26 Em 2003, o fotógrafo Brian Walski foi demitido do Los Angeles Times pois um leitor percebeu que a
fotografia de sua autoria, publicada na capa do jornal, era resultado da fusão de duas imagens. Guerra
do Iraque, um campo onde um soldado britânico manda que um homem com criança no colo se
mantenha abaixado. A cena é a mesma, mas o fotógrafo cola parte da foto em que o soldado está
“mais expressivo”, com a foto onde o homem está “melhor”, em busca de uma imagem onde os dois
personagens principais estejam mais bem representados.
27 As photo ops são as situações onde uma “cena” é combinada para dar oportunidade à produção de
imagens para imprensa. Por exemplo, o aperto de mão de dois líderes mundiais reunidos na Casa
Branca: a assessoria combina um momento para produção de imagens que irão ilustrar as matérias
sobre o encontro, que acontece a portas fechadas. Outro exemplo são as simulações de ações militares
nas guerras “espetacularizadas”, como as recentes do Golfo ou do Afeganistão. Esses episódios são
exaustivamente cobertos pela mídia, embora envolvam um grau de manipulação da notícia maior do
que no caso citado de Brian Walski.
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simplificados para tratamento das imagens. Quem, ao saber que está sendo fotografado
numa festa de aniversário, não passa a mão no cabelo, ou corrige a postura num ato
quase que automático?28 Encenamos um personagem para o álbum de família,
organizamos situações para registro e difusão pela imprensa, compomos nossas fotos
incluindo elementos e deixando outros de fora, mas ainda estranhamos quando alguns
tipos de manipulação são feitas depois do acionamento do obturador, depois do
momento do clique.
A mídia surge para explorar um mundo, que muda simplesmente pelo fato de
ser observado por ela. Novas invenções acontecem em resposta a novas necessidades da
sociedade, mas, além de alterar esta mesma sociedade, atua diretamente na criação de
novas demandas. As câmeras fotográficas digitais profissionais passaram a produzir
vídeos para atender a uma demanda dos fotógrafos, ou os fotógrafos começaram a
produzir vídeos em resposta a uma nova possibilidade apresentada pela indústria?
Nenhuma das duas opções ou as duas opções juntas: esta seria a resposta certa, mesmo
que um tanto paradoxal.
28 Como disse Barthes: “ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-
me a 'posar', fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em
imagem. (BARTHES, 1984, p.22).
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29 Tradução livre para “la fotografía nació como consecuencia de una determinada cultura visual a la que
ella misma contribuyó a fortalecer e imponer” (FONTCUBERTA, 1997, p.146)
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transformam. “A obra não é fruto de uma grande ideia localizada em momentos iniciais
do processo, mas está espalhada pelo percurso” (SALLES, 2008, p.36). O ponto central
é entender a criação como uma rede de conexões formada por pessoas, por tempos, por
espaços. Nunca estamos sozinhos quando criamos.
O processo criativo também é formado por esperas. Há o tempo do autor, o
tempo da obra, o tempo do material: matérias-primas diferentes exigem tempos
diferentes e abrem espaço para novas interferências, que podem agir de maneira
desordenada, simultânea ou aleatória, sem ordens determinadas. A intervenção do acaso,
do erro ou do imprevisto podem redirecionar a condução do processo e resultar em uma
obra diferente do inicialmente planejado: “aceitar a intervenção do imprevisto implica
compreender que o artista poderia ter feito aquela obra de modo diferente daquele que
fez” (idem, p.22). Isso significa dizer que não é o procedimento que faz a obra. Ou que
as tendências trazidas pelo processo – o virtual – pode dar lugar a resultados distintos.
As relações embutidas no processo criativo trazem em si potencialidades múltiplas que
podem se concretizar de maneiras díspares, todas elas encerrando uma aceitação
possível como obra.
O local também traz suas influências. Na fotografia isso pode acontecer por
conta das condições de luz presentes no local de trabalho ou mesmo de termos o local
como constituinte da imagem, como no caso das paisagens ou fotografias de arquitetura.
A lógica de rede, de interligações também está presente na pesquisa e na busca por
referências externas, naturais ao processo criativo. São aberturas – conscientes ou não –
que propiciam um pensamento relacional, uma criação que não seria possível sem a
participação do outro. O lugar da criação não é a imaginação de um só indivíduo, mas
locais múltiplos de criatividade onde todos interagem. Mesmo que um fotógrafo
trabalhe só, confinado em seu estúdio, por exemplo, e seja responsável por todas as
etapas envolvidas na produção de uma imagem – planejamento, iluminação, captação,
tratamento do arquivo, pós-produção, finalização (ou revelação, ampliação, para
processos analógicos) – mesmo que ele fique à frente de todas as tarefas que culminam
na fotografia final, mesmo assim observaremos uma participação de outros atores, em
geral reconhecidos como referências ou influências.
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fotograficidade está, pois, nas condições de produção de uma foto. Está no processo e
nas articulações que este traz em sua essência. “A fotograficidade designa a propriedade
abstrata que faz a singularidade do fato fotográfico” (p. 129), que permite pensarmos
não apenas na fotografia real, mas também na fotografia possível, a ser realizada.
O cerne da questão está não no objeto a ser fotografado, nem no receptor da
foto, nem no sujeito que fotografa, mas na relação entre a matriz inicial e o produto que
dela resulta, uma relação que contém infinitas possibilidades. Soulages afirma que
podemos analisar a fotografia a partir de uma abordagem humanista – o vivido pelo
sujeito fotógrafo – ou a partir do processo fotográfico. Nos dois casos, há um corte, uma
divisão em duas etapas: o tempo do homem com a câmera e o tempo do homem no
laboratório; ou, do ponto de vista materialista, da primeira exposição até a secagem do
negativo (primeira etapa) e da exposição à secagem da cópia. Embora o autor se refira
ao processo analógico, com todos os banhos (revelador, fixador, lavagens etc), o
esquema apresentado é perfeitamente transportável para o processo digital, onde
teremos a produção do arquivo e o trabalho com o arquivo. Essa divisão é crucial para
tratarmos da irreversível obtenção do negativo e do inacabável trabalho com o negativo.
A fotograficidade está na articulação dessas duas características. “A fotografia é, pois, a
articulação entre o que se perde e o que permanece” (p. 132).
A primeira etapa é caracterizada pela impossibilidade de reversão. Podemos
fazer novas tomadas, repetir o tema, refazer uma foto, mas nunca voltar ao filme
virgem. “Uma vez realizado, o ato fotográfico é irreversível, não se pode mais agir
como se ele não existisse” (p. 131). Aqui estamos tratando da obtenção do negativo ou
do arquivo matriz, levamos em conta o processo analógico ou digital, respectivamente.
Já o trabalho com o negativo, a segunda etapa, é marcada pela possibilidade inacabável
de novas abordagens. É possível retrabalhar um negativo infinitamente. Não estamos
aqui nos atendo a questões materiais de deterioração, afinal nossa busca é por traços
conceituais. Também não se trata aqui do potencial de reprodutibilidade, tão caro à
fotografia. Não estamos falando de produzir cópias fieis, mas sim de podermos fazer
fotos totalmente diferentes a partir de um mesmo negativo e esse potencial é inacabável.
A imprensa, o molde, o carimbo ou a gravura, todos esses processos já permitem uma
reprodução, mas aqui estamos falando da obtenção de resultados diferentes a partir de
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uma mesma matriz. Seja pela escolha da matriz a ser trabalhada (um entre tantos
negativos ou arquivos “clicados”), seja pelo reenquadramento ou corte da imagem, seja
pelos diferentes procedimentos e materiais utilizados no processo, abrimos para um
leque de possíveis resultados.
É possível percebermos pontos de contato entre as articulações trazidas por
Cecília Almeida Salles (2008) e a ideia de fotograficidade de Soulages, que afirma:
no trabalho do inacabável da fotografia, podem intervir não só o
fotógrafo criador do negativo, mas qualquer pessoa, ou um outro
fotógrafo, um curador de exposição, um criador de livro, um diretor de
teatro, em resumo, qualquer mediador, ou melhor, qualquer receptor
que, por sua vez, é o intérprete e o recriador da foto (2010, p. 146).
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Todas as etapas de escolha ao longo dessa construção, seja antes, durante ou depois da
“finalização” de uma imagem fotográfica, “abrem-nos para infinitos de infinitos”
(SOULAGES, 2010, p.151).
31 Crowdfunding – financiamento por multidão, numa tradução direta – é uma forma de viabilidade
financeira que ganhou força principalmente com a explosão das redes sociais e mecanismos baseados
na internet. Qualquer pessoa pode apresentar seus projetos e arrecadar doações coletivas, em geral
estimuladas por algum tipo de recompensa, que pode ser simplesmente o resultado material do
projeto. Shows de bandas internacionais, por exemplo, podem ser viabilizados por um grupo que
resolva comprar antecipadamente lotes de ingressos. Isso tem permitido diversas ações independentes
de grandes financiadores ou de órgãos oficiais. Para mais detalhes, acessar:
http://exame.abril.com.br/pme/noticias/fenomeno-do-crowdfunding-ganha-forca-no-brasil.
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Capítulo 3
O coletivo fotográfico contemporâneo
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Pandora. O primeiro é brasileiro, com sede em São Paulo e o segundo é espanhol, com
sede em Barcelona.
3.1 O termo
A denominação “coletivo fotográfico contemporâneo” traz em si alguns
problemas32. A decisão de usá-la parte do fato de ser um termo que já aparece no campo
da prática. Ou seja, optamos por nos apropriarmos de um termo já existente e utilizado
em alguns círculos, porém ainda sem maiores delimitações. Se fizemos ao longo de todo
o texto a escolha pela terminologia, precisamos deixar claro que ele deve ser entendido
no conjunto e nas suas relações com o meio. Vejamos as contradições que podem ser
levantadas e que comumente o são em instâncias cotidianas ou empíricas. O termo
“coletivo” permite confusões com outras formas coletivas de fazer fotografia. Não
seriam as agências também coletivos de fotografia? Não necessitamos de muita
pesquisa para encontrar um sem número de argumentações, em geral em oposição aos
coletivos contemporâneos, que seguem este raciocínio. Eles não estão errados em
afirmar que uma agência fotográfica como a Magnum e tantas outras são formas
coletivas de fazer fotografia. Já mostramos algumas como as agências fotográficas ou os
fotoclubes33. No entanto observamos que os processos coletivizados nesses casos estão
restritos à comercialização das obras, ao compartilhamento de infraestrutura ou
organização política, não atingindo o fazer fotográfico propriamente dito.
O uso da palavra “contemporâneo” também trará alguns problemas uma vez
que, etimologicamente falando, contemporâneo significa estar em um tempo ou época
comum ao outro: duas pessoas podem ser contemporâneas - ou seja, habitam o mesmo
tempo uma da outra; ou também quando dizemos que algo é contemporâneo a nós, seja
alguém ou algum fenômeno, estamos nos referindo ao fato de ele existir agora, neste
tempo ou nesta época em que estamos. Ou seja, tudo é contemporâneo em relação a
outra coisa. Por outro lado, o uso recorrente de expressões agrega novos significados
32 Ao longo de todo o texto, optamos por usar a palavra coletivo apenas em relação ao modelo que aqui
estamos estudando. Seria inviável sempre que tratássemos deste modelo usar o termo inteiro (coletivo
fotográfico contemporâneo). Sendo assim, quando nos referimos a outras formas coletivas, usamos
expressões como 'grupos', 'iniciativas' etc. A palavra “coletivo” sendo usada isoladamente e fazendo
referência a um grupo ou modelo deve ser subentendida na sua ligação com a prática estudada nesta
pesquisa apenas.
33 Ver capítulo 2.
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ou, pelo menos, cria camadas de significações que extrapolam a etimologia, o seu
sentido primeiro. É neste sentido que utilizamos o termo “contemporâneo”. Não
estamos aqui utilizando seu significado temporal, mas conceitual. Não significa que
todas as formas de produção fotográfica contemporânea – atuais – estejam abarcadas no
nosso estudo e na conceituação de que pretendemos dar conta. Estamos nos apropriando
de um termo já utilizado empiricamente, mas devemos entender que ele nos remete a
um conceito específico que vai além dos conceitos isolados de cada palavra que o
compõe. Quando falamos de “coletivo fotográfico contemporâneo”, estamos nos
referindo a um modelo específico, objeto de nosso estudo e cuja delimitação e
investigação é o objetivo deste trabalho.
Feita a ressalva, avancemos em nossa busca, mas não sem antes tornarmos a
questão um pouco mais complexa. Devemos pensar o coletivo não como uma técnica,
não como um resultado, não como uma organização formal, mas como processo.
Podemos encontrar coletivos formalizados como empresas, organizações não
governamentais (ONGs) ou cooperativas. O que importa aqui é a trama que envolve o
fazer. Tagg (2005, p.45) nos dá uma interessante visão de compartimentalização da
produção através do circuito artista-galerista-crítico-museu, bem como das
normatizações e padronizações (normas técnicas, protocolos, hábitos, divisões de
trabalho etc). Ou seja, há uma junção de atores não apenas quando reunimos grupos
interessados em trabalhar juntos, mas também nos processos e organizações mais
cotidianas. Quando entramos num mercado e seguimos normas técnicas, protocolos ou
mesmo hábitos, já estamos incorporando formatos estabelecidos por outrem.
Compartimentar os processos, criando novas etapas na produção de um bem –
ou serviço – está na base do método industrial: do mais simples ao mais complexo
objeto, a produção acontece seguindo uma cadeia de etapas, em geral executadas por
operários distintos, que detêm conhecimento apenas de sua parte no processo. Os louros
da produção – seja na forma de lucro ou de reconhecimento – ficam concentrados nos
proprietários da fábrica ou da ideia, quando falamos da lógica industrial-capitalista.
Algo similar ao que acontece quando tomamos por exemplo a produção, coletiva por
natureza, de uma obra cinematográfica: ela não poderia acontecer sem a articulação de
todas as especialidades envolvidas ao se construir um filme, mas existe aquele que
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organizações, mas com uma abertura para a absorção desses profissionais no núcleo do
grupo.
Esses exemplos dizem respeito diretamente ao segundo ponto listado, que trata
do reconhecimento como ingrediente de um coletivo. Laboratoristas, tratadores de
imagens, designers, administradores, todas essas funções podem fazer parte – e é
comum que façam – de agências, por exemplo. Ou mesmo no fluxo organizacional de
um fotógrafo individual, que usa os serviços de um laboratório ou de um birô de
impressão – com pós-produção, tratamento. Mas não há o reconhecimento de que esta
função específica esteja atrelada ao processo criativo, seja parte integrante da criação. O
mais comum é que ela seja parte de uma engrenagem movida pelo fotógrafo-autor, que
seja uma função que atende ao pedido de um fotógrafo, que segue suas ordens e não que
haja uma contribuição efetiva na criação da obra. Nos coletivos contemporâneos a
integração de diversos atores e funções diferentes acontece também no fazer
fotográfico, diferentemente do que é visto em outras organizações onde isso fica restrito
a atividades comerciais ou estruturais. Como no caso da agência francesa Magnum, que
foi criada como uma espécie de redoma, distanciando os fotógrafos da relação
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Laberinto de Miradas
Livro catálogo de projeto de mesmo título, que
levou uma série de exposições a diversos
países das América Latina e da Europa. O
projeto aborda a fotografia documental
Iberoamericana por três vieses, sendo um
deles o dos coletivos fotográficos. Possui o
curador e idealizador Claudi Carreras em
comum com os dois encontros aqui listados.
Zmâla
Revista francesa, com tiragem anual,
especializada nos coletivos fotográficos. Até
o momento de redação desta dissertação,
foram lançados três números, em 2009, 2010
e 2011. Além de artigos enfocando trabalhos
desenvolvidos pelos grupos, traz
informações mais objetivas no sentido de
“quem é quem”. Dá um espaço maior aos
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ao outro quando tinha um freela, assinando como tal” (JACINTO, 2011). A prática de
um fotógrafo “dar cobertura” a outro não é tão rara no meio fotojornalístico. Como
vimos, estava lá no início do percurso de Robert Capa, fundador da agência Magnum 38,
quando ele e sua companheira Gerda Taro produziam sob o mesmo pseudônimo. Ou
também acontece quando, numa pauta importante, um fotógrafo tem algum problema e
usa uma foto cedida por um colega para suprir sua lacuna. Assim como o uso de
pseudônimos ou nomes artísticos em substituição ao seu nome de nascença também é
uma prática comum. Essa observação é importante uma vez que uma das resistências
sofridas pelos coletivos se materializa num discurso contra o crédito coletivo, com
argumentos de que isso seria um retrocesso em relação a conquistas importantes da
categoria, como a obrigatoriedade de referência ao autor da imagem nos veículos
jornalísticos.
A experiência na criação do que seria a fotografia do novo jornal foi um
importante laboratório também para o que eles viriam a fazer “em oposição” ao jornal.
Tentemos explicar melhor. O jornal iria ser lançado, havia uma busca por criar algo
inovador, existia uma liberdade de se inventar um modelo que não precisaria ser uma
reprodução das redações já existentes. Na equipe, profissionais experientes, numa
mescla que envolvia desde um modelo de competição interna bastante comum nos
veículos tradicionais até fotógrafos em busca de formatos diferentes de trabalho. “Isso
se deu em um regime isento das obrigações e dos prazos de uma publicação diária, pois
era uma época em que o Valor não ia para rua. Acho que foi ali o despertar da vontade
de 'projetar' em fotografia mais que executar um dia a dia profissional previsível”
(FIGUEIROA, 2011). Passada a fase piloto, agora com o jornal “na rua”, circulando,
perde-se um pouco da liberdade e há um enquadramento nas práticas usuais, na
reprodução de fórmulas aprovadas.
A Cia de Foto é formalizada em 2003 para funcionar como uma editoria de
fotografia terceirizada do Valor Econômico. Mas essa fase dura apenas seis meses,
quando a equipe de prestadores é reincorporada ao jornal e a agência, agora resumido
aos sócios fundadores, vai buscar seu rumo. Vale a ressalva: aqui a Cia de Foto ainda
funcionava no modelo que neste trabalho estamos considerando como agência,
diferentemente do formato que eles viriam a atuar depois, alinhado ao que chamamos de
38 Ver capítulo 1.
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direito39 recaem sobre a pessoa física, sem espaço para grupos formal ou informalmente
compostos.
Hoje a Cia de Foto é formada por um núcleo de criação fixo, composto por
Carol, João, Pio e Rafael, todos sócios, além de uma equipe de apoio composta por uma
coordenadora da área comercial, uma gerente e um assistente de fotografia. Mas o
coletivo mantém uma série de articulações externas, algumas de longa data, com outros
profissionais, agências ou agentes dos mercados onde atuam. Algumas destas parcerias
são “quase fixas” tamanha a quantidade de projetos em comum.
A Cia de Foto não se basta como coletivo. Nossas pesquisas sempre
envolvem mais gente. É bem difícil um projeto que seja realizado
somente pelos quatro integrantes. Por exemplo, toda pesquisa que
envolve música tem a parceria autoral de Guab, um amigo DJ. Outra
relação intensa que temos é com alguns pesquisadores como Ronaldo
Entler, Lívia Aquino, Claudia Linhares Sanz, Maurício Lissovsky,
com quem nos identificamos com as pesquisas. (FIGUEIROA, 2011)
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produzimos primeiro pra gente. Todo resultado é fruto de uma negociação e só vai pro
mundo depois de uma certa "aprovação interna" (KEHL, 2011).
Um mesmo trabalho pode transitar entre territórios nem sempre amigáveis da
comunicação e arte, saindo de um projeto pessoal, para ilustrar uma matéria jornalística,
compor um anúncio publicitário e posteriormente ser vendido numa galeria de arte.
Como podemos ler no post intitulado “Transitando entre mercados”, publicado no blog
da Cia em abril de 2011 40: “Nunca houve na gente a possibilidade de separar a relação
de uma produção comercial de uma autoral. Aliás, a hora em que faltou dinheiro muita
coisa deu errado, interferindo em nosso humor e em nossa capacidade criativa. O que
acontece hoje em dia é que lidamos com diferentes meios, e todos eles são mercados!”.
Ao mesmo tempo que a Cia tem participado de diversos eventos ao redor do mundo,
tem atuado no território da web, produzindo conteúdo nos seus espaços próprios (site,
blog, Flickr etc) e colaborando com outros ambientes, levantando questões, criticando
ou dividindo opiniões. Como se “devolvessem” essa característica internalizada de
discussão para outros territórios.
Isso que estamos chamando de “devolução”, como um caminho de volta,
significa a aplicação de um princípio, que identificamos como pertencente ao cenário de
convergência: a participação ativa dos vários atores, a discussão, a via de mão dupla. Os
coletivos, da forma como estamos tratando aqui, surgem envoltos num ambiente em que
perde-se o sentido pensar numa comunicação massificada, que segue apenas um
sentido, o do um-todos. É uma característica não apenas dos coletivos, mas de toda a
sociedade permeada pela cultura de convergência, essa lógica da colaboração, da
interatividade, da contribuição e apropriação em mão dupla. Um fluxo em que a divisão
emissor/receptor não é tão clara como já foi um dia. A Cia existe como um rizoma,
resultado mesmo da ligação de vários pontos formados não apenas por pessoas, mas
também por ideias, referências etc. E é também um ponto que se liga a muitos outros,
externalizando seu modo de operação nas ligações que faz através das colaborações com
blogs, debates, em trabalhos colaborativos e eventos.
Um exemplo disso foi o trabalho São Paulo de Muitos. No aniversário de 456
anos da cidade de São Paulo, em 2010, a editora da Revista da Folha, do jornal Folha de
S.Paulo, convidou a Cia de Foto para ocupar duas páginas em homenagem à cidade
40 Ver http://ciadefoto.com.br/blog/?p=4232
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Ilustração 3: reprodução da página com o projeto São Paulo de Muitos – Cia de Foto
O DJ Guab também esteve presente em outro projeto da Cia que merece ser
citado: Carnaval42. Desta vez não seria o ambiente editorial, de uma revista, que
41 A Cia de Foto criou um site específico para abrigar o SP de Muitos. Inclui todas as imagens,
comentários e o vídeo publicado. Acesse: http://ciadefoto.com.br/spmuitos.
42 http://www.ciadefoto.com/#1696669/CARNAVAL
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abrigaria a obra, mas sim o de uma galeria de arte. A captação das imagens foi feita na
Bahia, em pleno carnaval, durante os desfiles de trios elétricos, símbolo dessa festa
baiana, que arrasta multidões, massivamente fotografado e televisionado ano após ano.
Mas, limitar este trabalho ao momento da captação seria reforçar uma visão da
fotografia à qual todo o discurso e articulação dos coletivos procuram se contrapor. A
obra passa realmente a existir nas intervenções e construções a partir da captação. O
conjunto da obra é composto por imagens pinçadas dessa multidão extasiada, que,
descontextualizadas pelo recorte e tratamento de imagem – dessaturadas, contrastadas,
densas – não nos remetem de forma alguma ao carnaval baiano como estamos
acostumados a ver.
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Ilustração 5:
Caixa de Sapato - Cia de Foto
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banho, o dançar, o brincar e até o urinar do mundo da Cia de Foto. São os fazeres
cotidianos, aqueles sobre os quais não se fala muito, mas que passaram a ser tema da
produção cotidiana de fotografias ainda com mais intensidade com o advento da
digitalização44 (ARAUJO; CRUZ, 2011).
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menos tempo de intervalo entre uma fotografia e outra, mas o álbum continua sendo
abastecido constantemente. As fotografias não recebem nenhum tipo de legenda ou
identificação sobre as pessoas e situações retratadas, apenas uma numeração crescente.
Em novembro de 2011 já acumulava mais de 400 fotografias. A primeira postagem foi
de maio de 2008, embora algumas tenham sido produzidas anteriormente.
Quando assistimos ao vídeo46 somos levados por uma narrativa – sequência,
tempo, música – que não é a mesma do Flickr. Neste último, podemos ver da mais
recente até as mais antigas (em data de publicação), mas também podemos seguir
navegações aleatórias ou ligadas por tags em comum. Quando temos contato com séries
de imagens, ao invés de uma imagem única, novos significados são construídos através
da associação desses vários registros. Mesmo que eles não tenham ligação entre si. Mas,
sem que percebamos, somos levados a conectar situações, pessoas e construímos
histórias que, embora tenham um fundo biográfico, real, registro de existências, podem
tomar traços ficcionais nesses novos enredos.
Assim como acontece nos arquivos familiares, não importam tanto os autores e
muitas informações mais factuais se perdem ao longo do tempo, permanecendo os laços
afetivos e as significações. Para Jaguaribe (2006, p. 112), “através de diários, cartas,
fotografias, vídeos e souvenires, sedimentamos as peças que compõem um enredo maior
cujo final não podemos antever”. O trabalho da Cia traz uma experiência que passa pela
própria externalização do ideário do coletivo fotográfico, em que as identidades
individuais são diluídas em prol de um resultado plural, em que a afetividade é um
importante ingrediente dessa aglutinação, em que a produção de conteúdo não se dá
num espaço – geográfico e temporal – estanque. O coletivo vem quebrar algumas
fronteiras do fazer fotográfico e essas questões estão presentes no Caixa de Sapato. Vida
e trabalho estão juntos. Família, amizade e ambiente profissional se misturam.
Permeados por objetivos em comum e laços afetivos. “O ponto claro de nossa pesquisa
é a ausência de algo decisivo. É a formação de um espaço por uma duração e, o que
queremos nesse trabalho, é confirmarmos uma construção de existência” (CIA DE
FOTO, 2009).
46 Vídeo produzido em parceria com o editor Alex Carvalho, com trilha sonora de Guab, para o MAM-
SP, em outubro de 2008. Para ver o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=-dYnKUyoyg8
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3.6 Eleições
Um outro trabalho que consideramos importante para dar corpo às questões
trazidas pelo coletivo e abordadas aqui é o “Eleições”, desenvolvido para o caderno
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especial do jornal Folha de S.Paulo sobre a campanha eleitoral para a prefeitura paulista
em 2008. O jornal convidou diversos fotógrafos a desenvolverem ensaios enfocando os
três principais candidatos daquele pleito: Geraldo Alckmin, Marta Suplicy e Gilberto
Kassab. O trabalho foi publicado na forma de séries de três fotografias sobre cada
candidato, captadas durante a campanha em situações comuns, como caminhadas ou
visitas a mercados públicos. A maneira escolhida pela Cia para desenvolvimento do
pequeno ensaio, no entanto, levantou algumas questões. Os três fotógrafos
acompanhavam o candidato simultaneamente, captando imagens de posicionamentos
distintos. Os fotógrafos sincronizaram suas ações e montaram o ensaio sempre
mostrando um momento do candidato por três pontos de vista. É possível vermos nessas
imagens até mesmo o posicionamento dos demais fotógrafos – não apenas do coletivo,
mas também dos outros veículos de imprensa presentes no evento.
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47 Esse fato é curioso pois remonta à necessidade constante de relacionamentos entre a tecnologia e a
importância da ação.
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fazer coletivo. A Cia já teve um ensaio premiado no prestigiado concurso World Press
Photo48, mas, se algum internauta for ao site da fundação homônima procurar tal
trabalho, não bastará colocar o nome do coletivo no sistema de busca. Se fizer isso, nada
encontrará. É que, em 2006, para participar do prêmio, eles precisaram fazer sua
inscrição em nome de apenas um dos integrantes, no caso João Kehl.
Numa outra instância, uma coleção de fotografia vinculada a um museu, foi
preciso que fossem revistas regras para que o coletivo paulista passasse a fazer parte do
acervo. Estamos nos referindo a uma das principais coleções de fotografia do Brasil, a
Coleção Pirelli-Masp, pertencente a um museu de arte, ambiente – o das artes –
geralmente citado como onde a discussão sobre criação coletiva já estaria ultrapassada,
não faria mais sentido. Pois a Cia de Foto foi convidada a integrar a importante coleção
com a condição de explicitarem a autoria individual de cada fotografia que passaria a
fazer parte do acervo. O grupo argumentou que a criação era coletiva, que não havia
autores individuais. Esperaram alguns anos para fazer parte da coleção, só depois de
uma revisão das diretrizes que definiam as condições de ingresso de novas obras, que
passaram a considerar a possibilidade de criação compartilhada.
A Cia teve seu momento quando “acontecia” de uma maneira mais ligada ao
clique. Quando era na captação que eles concentravam sua criação. E ali
experimentaram compartilhar o fotografar, sair para a rua e fazer coberturas juntos.
Depois partiram para pesquisas no tratamento e pós-produção. Ampliaram a experiência
para a fase posterior à captação. Num ato contínuo – ou em paralelo – intensificaram a
pesquisa teórica e a reflexão, algo que permeia todo o processo, do planejamento à
apresentação.
Observando a atuação do coletivo nos encontros de fotografia, debates,
publicações e blogs, ou simplesmente ouvindo seus integrantes, é possível perceber
como a pesquisa teórica e conceitual tem tido cada vez mais importância na dinâmica da
Cia de Foto. Muitas vezes chamando para uma discussão em torno da assinatura
coletiva ou sobre aspectos mais objetivos do processo de produção – até mesmo
48 Premiação concedida pela World Press Photo Foudation desde 1955, é um dos principais prêmios do
fotojornalismo mundial, concedido anualmente, dividido em diversas categorias. Atua, ao mesmo
tempo, no reconhecimento e no agendamento de coberturas relevantes, recebendo, numa única edição,
mais de 100 mil fotografias, inscritas por cerca 6 mil fotógrafos de 125 países (SILVA JUNIOR,
2011b).
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Essa opinião também é compartilhada por João Kehl, que ilustra o sentimento
de um ambiente propício à criação da seguinte forma:
O ambiente de trabalho da Cia de Foto é muito dinâmico. Isso quer
dizer que a todo instante, existem ideias e assuntos sendo discutidos.
Costumamos falar que as ideias na Cia estão sempre vivas, meio que
suspensas numa nuvem e são colocadas em prática quando se
encaixam dentro de algum tema ou trabalho que começamos a
desenvolver. Muitas vezes, uma ideia aparece meio sem lugar ou
tempo definido e fica pairando nessa nuvem e só vai encontrar seu
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50 Aqui usamos uma distinção presente na própria apresentação do coletivo: “trabalhos de cunho
cultural”. Entendemos que exposições também estão inseridos num mercado e, portanto, seguem
preceitos comerciais, mas há uma distinção no mercado que considera como comercial as encomendas
do mercado editorial e publicitário, porém artístico ou cultural as demandas ligadas a exposições,
cursos e livros.
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maiores, o contato deve ser feito diretamente com os autores. Eles afirmam que os
rendimentos dos projetos coletivos são revertidos para o Pandora. No caso da venda de
cópias, há um padrão para que determinado volume de vendas aconteça pelo grupo (as
ampliações no tamanho citado) enquanto as que fogem desse padrão seguem num
relacionamento individualizado.
O tratamento diferente entre o que eles chamam de ação cultural e trabalhos
comerciais também fica patente quando observamos o portfólio do coletivo. Todos os
trabalhos apresentados no espaço dedicado a exposições são creditados unicamente
como Pandora, enquanto que, quando falamos de reportagens, a grande maioria
aparecem com o crédito dos fotógrafos. Num total de 46 trabalhos de reportagem
apresentados, apenas quatro possuem o crédito do Pandora, sendo dois deles produzidos
em colaboração com outros dois coletivos (Cia de Foto e Mondaphoto, já citados).
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Considerações finais
52 Aparelho aqui pensado conforme Flusser, a “engrenagem” do fotográfico e não num sentido mais
restrito, da câmera, da máquina.
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São Paulo, Caderno Mais!, 27 de junho de 1999. Palestra proferida em 1987
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da
fotografia . Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
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PPGCOM-UFPE
Coletivo fotográfico contemporâneo e a prática colaborativa na pós-fotografia
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. Primeira edição:
2006.
KERSHAW, Alex. Blood and champagne: the life and times of Robert Capa. New
York: Da Capo, 2004
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Coletivo fotográfico contemporâneo e a prática colaborativa na pós-fotografia
______. A Inteligência Coletiva. 3a. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. 2a. Edição.
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PPGCOM-UFPE
Coletivo fotográfico contemporâneo e a prática colaborativa na pós-fotografia
______. Duas ou Três Observações Sobre o World Press Photo. XXXIV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2011b.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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Coletivo fotográfico contemporâneo e a prática colaborativa na pós-fotografia
Anexos
Entrevistas
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pauteiro, tive muita dificuldade em criar uma rede de fornecedores que agregassem algo
mais que uma pauta bem feitinha. Comecei a ver um potencial em uma estrutura que o
Pio já tinha em mente mas não sabia o que era tb.bém. Algo que resolvesse a dia-a-dia,
que trouxesse novidade. A nova geração tava crescendo mal formada pela velha. Desde
a primeira pauta no Valor, eu e o Pio sacamos que era um veículo que nos abria muitas
portas. Muita assessoria, agência, ligava para pedir indicação de fotógrafo para fazer
relatórios anuais, retratos de executivo, etc. Oficialmente, não podíamos fazer isso, mas
rolava um pouco mesmo assim. Quando o Pio saiu e eu tava na coordenação da editoria,
pronto. Toda vez que ligavam pra lá e pediam indicação, mandava para o Pio e assim ia
crescendo uma rede que sustentou o Cia por muito tempo depois. Em 2003, ainda no
balanço da crise, o diretor de fotografia, Silas, sinalizava que o futuro não era muito
promissor para nós lá dentro. Sabendo da minha relação com o Pio, propôs que nos
organizássemos para realizar o que seria uma editoria de fotografia fora do jornal para
as pautas de São Paulo. Ele foi um grande incentivador, visando também um terreno
seguro caso as coisas escurecessem pro lado dele também. Ele ajudou no inicio, me
mandou embora, pensou em estratégias que não foram levadas adiante e fez a ponte
para que trabalhássemos para o Valor durante os primeiros 6 meses de vida dessa coisa,
chamada Cia de Foto. Mas, depois de 6 meses coordenando uma equipe que ele tinha
que aprovar, lidando com um dia-a-dia tenebroso, suado, correndo de um lado para o
outro, percebemos que, apesar de sair do jornal, estávamos trabalhando só para ele.
Resolvemos "fechar o cu" e mandar tudo pros ares. O jornal assumiu a equipe que
tínhamos como prestadores de serviço e, de um dia pro outro, um escritório com 7
pessoas, rotina etc., fazia eco comigo e com Pio lá dentro. Mas estávamos tranquilos e
começamos a levar as coisas como sempre quisemos, com conversas, acordos, passos
curtos e tal. Isso era o primeiro semestre de 2004 e o João, que tinha sido negado pelo
Silas para trabalhar pro Valor, foi chamado para nos ajudar em um projeto muito
interessante de retratos para uma operadora de cartões de crédito. E daí foi ficando.
Fomos pegando trabalhos que rendiam menos, mas que ele dava conta e se sustentava lá
dentro. Começamos a ter tempo para experimentar. João começou a trazer fotos que nos
lembravam como era bom quando não precisávamos ganhar dinheiro com fotografia e
etc. Depois de alguns anos, veio a Carol (final de 2006) e o resto da história você sabe,
não?
Quando surgiu?
Oficialmente, em 04 de agosto de 2003.
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de exposições, idas a festivais, saída de material, etc. Tudo isso é muito misturado.
Somos sócios. Todos têm direito de opinar em tudo, independente dessa obrigação mais
direta ou da porcentagem da sociedade.
Quando começou (e por que) a ideia de assinar coletivamente? Como foi esse processo,
uma vez que os integrantes já faziam parte de um mercado onde a assinatura individual
era a regra (já haviam passado por jornais, por fotoarquivos, já possuíam um currículo
pessoal)?
Na verdade, só eu e o Pio tínhamos um "passado". João era estudante e nunca tinha
trabalhado com fotografia, e Carol entrou com uma função e adquiriu outras. Acho que
porque a Cia respondeu tão rápido a nossas necessidades, que tudo que tinha sido
anterior ficou enfraquecido como individualidades. A vivência em grupo foi tão
produtiva, que nos fez adotar o seu inicio como o inicio de nossas carreiras mais uma
vez. Não esquecemos, nunca, o que aconteceu antes, até porque foi uma desilusão com
o mercado e com a cena que estávamos que nos fez tomar essa atitude. Temos muito
orgulho dos jornais que passamos, dos perrengues que enfrentamos, da humildade que
adquirimos nessas redações. Estávamos infelizes, tínhamos ideia do que queríamos, mas
não sabíamos direito. De 2003 ao inicio de 2006, não produzimos nenhum trabalho que
apresentamos hoje como nosso. Tivemos um tempo de maturação, entendimento,
tentativas, erros. Hoje, se tivéssemos que fazer currículos individuais, seriam assim:
Nome, formação. Integrante do coletivo Cia de Foto. Depois é tudo igual. A fato da
assinatura coletiva foi naturalmente acontecendo. Se pensarmos no que fazíamos ainda
no jornal, que nos passávamos um pelo outro pra não perder o trabalho, foi uma
evolução natural. Além disso, do ponto de vista conceitual, nossa fotografia não é
apegada ao conceito de algo individual ou genial, que depende do momento certo, e da
decisão de um clique. Pensamos muito antes, realizamos as ideias progressivamente e
qualquer imagem que seja produzida por nós é resultado disso. É mais honesto, sabe?
Me lembro de fotógrafos realizando ideias de outros e porque foi ele que apertou o
botão, era dono dela. Sempre achei isso esquisito. Costumo dizer que foi a forma mais
honesta e democrática de realizarmos nosso trabalho. A assinatura da Cia em um
trabalho carrega todo mundo que participou dele, e responsabiliza também, direta ou
indiretamente. Se, por qualquer motivo, não participei do momento de clicar de um
projeto que estamos trabalhando há meses ou, no nosso caso, anos, não faço mais parte,
ou não sou responsável?
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Coletivo fotográfico contemporâneo e a prática colaborativa na pós-fotografia
faz a revelação digital? Quem busca e/ou decide sobre a abertura de novas frentes,
sobre novos projetos?
Acho que respondi um pouco acima, mas posso acrescentar algo mais. Somos
flutuantes, nos revezamos, também. Nem sempre estamos todos em São Paulo, e isso
naturalmente faz com que alguém fique de fora de um trabalho ou um projeto. Temos
tempos diferentes na vida também Em alguns momentos, fico mais de fora, cuido de
projetos grandes, depois volto, cuido do dia-a-dia. Exposições, trabalhos autorais, que é
o que a gente realmente tem tesão, tem um tempo em que você pode sair e voltar ainda
no processo, mas se não der tempo, confiamos um no outro e por aí vai. Como o
processo é diário e tudo é resultado de uma convivência, isso é natural. O que é muito
claro é que nós 3, fotógrafos, clicamos e Carol trata as imagens. Mas isso é só a parte
prática. Todo mundo vai a campo, todo mundo edita. Todo mundo opina e todo mundo
falha. Faz parte.
Seria possível falar um pouco sobre o organograma da Cia? Do chefe mais alto até a
base? É um organograma estático, rígido ou podem haver flexibilizações de acordo
com o projeto envolvido? Seria possível desenhar este organograma com as pessoas,
funções e ligações?
Não existe um organograma fixo. Já passamos por fases em que tivemos um sócio
capitalista, que não se envolvia na parte criativa, mas não funcionou. Já tivemos,
também, equipe de fotógrafos. Hoje, estamos no formato ideal. Somos os fundadores, os
dois sócios que vieram depois (João e Carol), uma coordenadora para trabalhos
comerciais (Flávia), dois assistentes (Deborah, que ajuda a Flávia e cuida da “sede” e
Kosuke, assistente de fotografia (que aqui tem um sentido mais amplo - a fotografia).
Eu, Pio, João, Carol – Sócios. Eu, Pio, João - Sócios, fotógrafos, que produzem
imagens, pensam os trabalhos e tomam decisões relacionadas a grana, posicionamento,
postura no mercado, prospecção, etc. Somos os mais responsáveis por tudo. Eu e o Pio
ainda mais, porque somos os mais velhos, naturalmente mais preocupados com o nome
do coletivo. João tem cuidado do fluxo de grana, pagamento e divisão dos sócios e dos
assistentes (é assistido pela Deborah). Carol não fotografa, mas cuida de todo
tratamento, edição, de fotos e vídeo. Está começando a representar a Cia em festivais e
cuidando de produção para exposições etc. Acompanha impressão, finalização de filmes
comerciais, etc. Flávia - Ela é uma coordenadora de trabalhos publicitários de foto. Ela
também faz um papel de atendimento e vende a Cia em agências. A Deborah também
ajuda ela em produzir o que precisa para a foto e vai no set também
Kosuke - Ë nosso assistente de fotografia. Ele cuida do equipamento, fica aqui no
estúdio, ajuda na foto, organiza o material fotografado, etc. Quando não tem trabalho
prático, organiza os arquivos e ajuda a Carol. Todos - Tão aqui pra tudo. Tem um
exercício enorme de cuidar do própria Cia. Quando se tem muitos “donos”, o natural é
“deixar” pro outro.
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estudar cor e arquivos digitais. E começamos a misturar tudo. Já faz um tempo, a teoria
começou a permear nossas referências. Muito por causa do Pio, que buscou
embasamento teórico para algumas questões dele em relação à fotografia. Hoje temos
consciência de que é preciso estudar sempre. E não só fotografia. Além disso, cada um
tem uma preferência de aprofundamento. Eu gosto muito de ver o que estão fazendo
com vídeos experimentais, com musica, inovações na narrativa. Enfim.
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A Cia de Foto começou, muito provavelmente, depois de uma experiência que tivemos
como parte da equipe que trabalhou na formação do Jornal Valor Econômico. Nós
tivemos, durante um tempo, a tarefa da construção de uma fotografia de retrato, para ser
um diferencial daquele novo jornal. E, para isso, deveríamos misturar a nossa
experiência de trabalho em redações, com uma estética mais elaborada. E isso se deu em
um regime isento das obrigações e dos prazos de uma publicação diária, pois era uma
época em que o Valor não ia para rua. Acho que foi ali o despertar da vontade de
“projetar” em fotografia mais que executar um dia-a-dia profissional previsível. Tanto
que quando o Valor começou a ser publicado, essa atmosfera acabou-se
assustadoramente rápida, e essa publicação partidarizou-se pelo comum.
Começamos daí a pensar em um projeto que tivesse uma ordem mais experimental. Um
ambiente mais dinâmico que, ao mesmo tempo, pagasse nossas contas e qualificasse o
nosso tempo. A organização de um grupo permitiria que a gente incorporasse mais
tempo livre à rotina profissional e foi o que gerou espaço para começarmos a estudar, o
que gerou, como consequência, uma certa crítica à nossa própria produção e também ao
meio em que estávamos,
Essa fase que descrevi até agora começou no final de 1999 e durou até março de 2004.
Até então, essa formação do projeto da Cia se deu por Rafa e por mim. Até que João
entrou para o grupo.
Inicialmente ele era um assistente que veio vinculado a um trabalho grande que duraria
uns 3 meses. Porém, começamos a perceber que aquela experiência que tivemos no
começo do Valor, de alguma forma, se refletia em João, uma pessoa completamente
livre dos condicionamentos do mercado – vale lembrar que Rafa e eu somos de uma
geração formada pelo mercado, onde o repertório técnico e as aplicações da fotografia
eram muito restritas a uma rotina pouco criativa, onde o maior valor de acerto se media
por uma foto de fácil assimilação e de pouca elaboração técnica. Nosso treino era menos
de criação e mais de execução de clichês. João simbolizava quase que o objetivo de se
criar a Cia. Ele refletia um potencial que a gente tinha mas, até então, tratávamos sem
muito método ou pertinência. João começou a significar a possibilidade de
desenvolvermos o exercício da linguagem como expressão pessoal. Nessa hora,
percebemos que estava ali o nosso projeto, até então pautado por uma intuição meio
cega e tateante.
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desenvolvido nessa época, quase não há. Um ensaio, uma foto pessoal, quase nada
ficou, a não ser alguma coisa em torno de um nome e de um sobrenome. Resultado hoje
visto como alegórico. Então produzir fotos na Cia de Foto, sobre o regime que nascia
ali, não poderia promover essa forma convencional de assinatura. Uma foto não deveria
mais ser creditada a um trabalho individual. Veio então a decisão consequente pelo
crédito coletivo.
Carol entrou na Cia no momento em que a nossa pesquisa havia migrado daquela época
em que o clique era a parte fundamental do processo para as etapas de edição e pós-
edição. Estávamos estudando muito o Photoshop e outros softwares de organização. A
essa altura tínhamos conseguido criar um método de captação e tratamento de nossas
imagens. E isso merecia uma dedicação maior do grupo. O ideal então seria acharmos
uma pessoa que pudesse se especializar para que essa pesquisa fosse ampliada.
Carol demorou um ano para ter um bom nível técnico, e mais dois para começar a
somar com uma contribuição autoral. Nesse momento ela virou sócia do grupo. Isso se
deu, inclusive, para lhe garantir os direitos patrimoniais ao que estava sendo criado.
Os nossos papéis na Cia se alternam até hoje. Mas dá para arriscar que Rafa tem um
papel prático importante. Ele consegue estabilizar a Cia, impor uma postura em relação
ao mercado, qualificar nossos preços, etc. Ele também domina a parte tecnológica e é o
“nerd”do grupo. A parte de edição de vídeos também é com ele.
João é o melhor fotógrafo. Aquele que sai a campo e sintetiza o que está sendo
estressado lá dentro como pesquisa. Ele é muito técnico e liderou toda pesquisa de pós-
edição da Cia de Foto. Acho que ainda lidera... Carol está quase lá, mas João tem
sempre uma palheta a mais.
Carol é muito especial e vem sendo formada pelo grupo. Nesse ano ela começou a
assumir uma certa responsabilidade no mercado artístico, e com isso, viajou para
festivais, acompanhou montagens de exposições, ministrou workshops, etc. Na parte do
mercado publicitário, ela ainda é tímida, e se coloca mais como corpo técnico, mas essa
postura deve mudar com o tempo. Ela tem sido determinante ao projeto numa crescente
muito significativa.
No meu caso, a minha especialidade talvez seja não ter uma! Eu sou o mais impaciente
para fazer os deveres de casa. O que mais produz e ao mesmo tempo o mais
desorganizado, e assim, o que demanda mais assistência, custos, hds, enfim. Acho que
sou uma peça de instabilidade na Cia, alguém que não deixa o ambiente decantar e isso
me deixa numa função de planejamento, de sonho, de ideias e de experimentos. Por
isso, sou mais ligado aos processos artísticos da Cia.
A Cia de Foto atua no mercado de fotografia publicitária, de onde vem a nossa principal
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renda. Para isso, temos Flávia como coordenadora. Flávia é ajudada pela Déborah, que
fica na Cia diariamente entre 10h e 19h e é quem cuida das coisas, paga as contas...
Fazemos, também, parte do mercado de arte, onde somos representados pela Galeria
Vermelho. Esse é um mercado bem complexo, tanto que tem até um certo melindre em
chamá-lo assim de mercado... Mas de fato é, e com regras de funcionamento bem fáceis
de serem comparadas a esses outros.
As divisões de trabalho se alternam nas funções que dizem respeito a Rafa, a João e a
mim, tendo horas em que um fotografa e outro assume mais uma condução (reuniões,
apresentação etc) ou em filmes, onde um assume a direção de cena e outro a direção de
fotografia. As outras funções, que se relacionam com as outras pessoas do grupo, são
mais fixas.
Entre os três, não há um planejamento e sim, um regime mais espontâneo onde se define
quem cuida do quê. Geralmente alguém está mais próximo de uma demanda e a toca a
partir daí. Os outros vão se envolvendo a medida que são solicitados, no momento em
que as dúvidas aparecem, nas tomadas de decisões etc.
Não há um chefe na Cia de Foto e a condução do grupo se faz pelos três mais antigos
(Pio, Rafa e João). E dentre os três, acho que eu e o Rafa detemos um poder maior de
decisão, mas isso ocorre mais por estilo (João é um cara mais quieto...) do que por
estatuto. Há também uma diferença de idade. João e Carol são 7 anos mais novos que a
gente, o que gera um peso diferente nas decisões.
Tem uma hierarquia nos segmentos de trabalho. Então, quando é trabalho comercial,
que envolve ganhar dinheiro em um prazo curto, torna-se uma prioridade, e é para onde
toda a energia do grupo termina se voltando. E aí, dependendo da complexidade do
trabalho, isso envolve a todos.
O chefe mais poderoso da Cia é o “Trabalho” que dê mais liquidez, pois sem essa
energia do dinheiro, todos os outros projetos não funcionariam.
A Cia de Foto não se basta como coletivo. Nossas pesquisas sempre envolvem mais
gente. É bem difícil um projeto que seja realizado somente pelos 4 integrantes. Por
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exemplo, toda pesquisa que envolve música tem a parceria autoral de Guab, um amigo
DJ. Outra relação intensa que temos é com alguns pesquisadores como Ronaldo Entler,
Lívia Aquino, Cláudia Linhares Sanz, Maurício Lissovsky, com quem nos identificamos
com as pesquisas.
Hoje há um movimento na Cia de uma volta aos estudos. Estamos começando alguns
projetos de sistematização de estudos lá dentro, como grupos, mestrados etc. O
ambiente de Galeria e de produtora de filmes também é muito dinâmico. São ambientes
que despertam ideias.
A Cia de Foto é muito recente. O grupo se formou mesmo agora, com a entrada de
Carol, então não temos a experiência da saída de alguém. Defendemos no entanto, que
tudo que é feito lá dentro da Cia de Foto, seja compartilhado entre os quatro. Eu acho
que aí tem uma questão que é super complexa, pois, a essa altura do campeonato, é
muito difícil projetar o que seria perder um integrante desse grupo. Tudo lá dentro é
interdependente. Penso que se um dia saísse da Cia, teria um processo muito
complicado de readaptação. Talvez isso seja realmente um drama... melhor não contar
com essa possibilidade!
Nós temos salários, e eles são definidos por percentuais. Esse valores são ajustados em
acordo com os custos de vida dos integrantes. A ideia é sempre deixar a Cia de Foto
forte financeiramente, mantendo os integrantes em um padrão médio de vida para a
zona oeste de SP.
Todo tipo de comércio ou serviço que se faz na Cia entra para um caixa comum. As
decisões de investimentos são tomadas coletivamente. Trata-se de um projeto caro, que
exige um desenvolvimento empresarial criativo e persistente. Porém temos uma força de
adaptação muito grande. Nós somos uma empresa que começou sem nenhum capital de
investimento. Cada passivo da Cia foi comprado pela verba gerada com serviços.
Um significante gasto que temos é com a nossa pesquisa. Há uma saída significante na
produção de ensaios, na compra de livros, etc. Essa parte não gera um retorno de
curto/médio prazo, o que também exige uma consciência.
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Quando surgiu?
Em 2003.
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Quando começou (e por que) a ideia de assinar coletivamente? Como foi esse processo,
uma vez que os integrantes já faziam parte de um mercado onde a assinatura individual
era a regra?
O rafa e o Pio quando trabalhavam no jornal Valor Econômico já faziam pautas juntos,
quando um não podia ir o outro ia no lugar etc… já tinham uma relação de trabalho em
conjunto, de certa maneira. Mas foi principalmente com a entrada do João que passou a
ter grande influência na fotografia dos meninos, que começou a não fazer mais sentido
assinar individualmente. O João, jovem, vindo da universidade, entrou na CIA sem os
vícios do mercado e totalmente aberto a experimentações. Foi nesse momento também
que a pós produção da Cia começou a ser elaborada e desenvolvida. Com isso o João
passou a ter uma influencia direta na fotografia que vinha sendo feita. A partir de então,
de fato, não fazia mais sentido excluí-lo desse processo. Dai, assinar coletivamente foi
só uma consequência coerente com o processo que estava já estava acontecendo
internamente. Após 2 anos de treinamento e adaptação, a função que tenho também
passou a ser determinante no processo. Isso fez com que eu fosse absorvida pelo grupo
também. Hoje já não faz mais nenhum sentido uma assinatura individual, visto que todo
o processo, desde concepção, execução e finalização do projetos são sempre muito bem
negociados e discutidos entre todos.
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Seria possível falar um pouco sobre o organograma da Cia? Do chefe mais alto até a
base? É um organograma estático, rígido ou podem haver flexibilizações de acordo
com o projeto envolvido? Seria possível desenhar este organograma com as pessoas,
funções e ligações?
Se for pensar numa espécie hierarquia, acima de todos estão os três: Pio, Rafa e João O
Pio e o Rafa acabam assumindo uma postura um pouco mais de "chefe" que o João O
João por outro lado, está super focado na a parte financeira. Ele é quem administra
tudo. Eu tenho autonomia na parte de gerenciamento das imagens: processos de backup,
indexação, edição, organização... acabo supervisionando muito o Kosuke no trabalho
dele. A Deborah está subordinada aos 5 (eu, Pio, João, Rafa e Flávia)... mas ela trabalha
mais diretamente com a Flávia e o João Como ela está direto na Cia, acaba sendo meio
uma assistente de todos para assuntos administrativos. O Kos, é um assistente geral,
então acaba ajudando a todos um pouco. Ele trabalha muito ligado a mim. Normalmente
eu repasso para ele o que tem de ser feito. Sim, existe uma flexibilização, em
determinados projetos um ou outro toma mais a frente. Mas sempre um dos meninos,
Pio, Rafa ou o João
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dinheiro que sobra fica guardado na conta da Cia ou é aplicado em algum tipo de
rendimento.
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Quando começou (e por que) a ideia de assinar coletivamente? Como foi esse processo,
uma vez que os integrantes já faziam parte de um mercado onde a assinatura individual
era a regra (já haviam passado por jornais, por fotoarquivos, já possuíam um currículo
pessoal)?
A ideia de assinar coletivamente, surgiu naturalmente com a interação dos componentes
do grupo. Na época do Valor Econômico, o Pio e Rafa costumavam realizar pautas
juntos ou em algumas situações fotografar e assinar em nome do outro, quando existiam
problemas de conflito na agenda. Quando a Cia começou a assinatura coletiva partiu de
uma necessidade comercial. No início, a demanda de trabalho ainda chegava muito
pelos celulares pessoais e os clientes queriam que um fotógrafo específico
(principalmente o Pio e Rafa) realizasse o trabalho. Pra driblar essas exigências e poder
atender um numero maior de demandas a Cia foi impondo a assinatura coletiva, uma
marca, um selo de garantia que atestava que o trabalho seria realizado da melhor
maneira possível, independente de quem fotografasse. Quando eu entrei pro grupo esse
necessidade se intensificou. Eu vinha da faculdade e ainda não tinha um nome no
mercado. Era muito difícil explicar pra um cliente que um moleque de 22 anos ia fazer a
foto dele. O que acontecia é que muitas vezes eu realizava grande parte do trabalho mas
isso não poderia "vazar" pro cliente. Além disso em muitos dos trabalhos nós íamos os 3
pro campo, além de compartilhar o processo de edição e tratamento das imagens. O
último passo pra afirmação definitiva da assinatura coletiva, foi a entrada da Carol, que
passou a determinar na pós-produção muito da identidade visual do coletivo. A Cia foi
muito criticada pelos diversos mercados e principalmente por uma geração anterior de
fotógrafos que encaravam o crédito como uma conquista valiosa de seus antecessores
Esse repúdio foi importante porque nos fez olhar com mais atenção e cuidado para o
que estávamos fazendo e nos obrigou a construir argumentos fortes pra defender nossa
postura.
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O ambiente de trabalho da Cia de foto é muito dinâmico. Isso quer dizer que a todo
instante, existem ideias e assuntos sendo discutidos. Costumamos falar que as ideias na
Cia estão sempre vivas, meio que suspensas numa nuvem e são colocadas em prática
quando se encaixam dentro de algum tema ou trabalho que começamos a desenvolver.
Muitas vezes, uma ideia aparece meio sem lugar ou tempo definido e fica pairando
nessa nuvem e só vai encontrar seu lugar quando colocada em acordo ou oposição com
uma nova ideia. As referências vem dos mais variados lugares. Temos uma vasta
biblioteca de livros de fotografia e arte, por exemplo. A Cia é muito conectada, então
acessamos muita informação através da web, seja por blogs ou sites de referência.
Também assinamos a Foam que é uma das revistas de fotografia mais importantes
atualmente no mundo. Além disso vemos muitos filmes, escutamos muita música e
viajamos bastante. Tudo isso contribui pra manter a Cia bem alimentada de referências.
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Infelizmente, a lei de direito autoral no brasil, no que diz respeito a produção fotográfica
não contempla a produção coletiva. O detentor dos direitos intelectuais de cada
fotografia, é quem fez o clique e esse direito é inalienável. Dentro desse pensamento, a
Carol, que é muito responsável pelo nosso resultado fotográfico, não possui direito
algum sobre nada do que é produzido aqui dentro, porque ela não clica. Estamos
tentando elaborar com nosso advogado, um contrato de gaveta que de a todos direitos
patrimoniais iguais sobre o que é produzido dentro da Cia. A Cia trabalha com um
estrutura societária e os sócios recebem pró-labore fixo proporcional a participação na
sociedade. Todos os pagamentos referentes ao que é produzido na empresa entram na
conta da Cia. Portanto, ninguém na Cia recebe pagamentos referentes a uma obra
específica.
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Seria possível falar um pouco sobre o organograma do Pandora? Do chefe mais alto
até a base? É um organograma estático, rígido ou podem haver flexibilizações de
acordo com o projeto envolvido? Seria possível desenhar este organograma com as
pessoas, funções e ligações?
Como he dicho, es flexible. Actualmente, no tenemos un modelo definitivo. Vamos
adaptándonos a las circunstancias personales y socioeconómicas.
[Como foi dito, é flexível. Atualmente não temos um modelo definitivo. Vamos nos
adaptando às circunstâncias pessoais e socioeconômicas].
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