Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Município No Brasil Colônia
O Município No Brasil Colônia
“surto emancipacionista”
Resumo
No Brasil, o Município precedeu ao próprio Estado – Unidade da Federação – constituindo-
se, desta forma, os fundamentos da Federação. Atualmente o Brasil possui 5.570
municípios, contudo o ritmo de criação das unidades municipais variou no tempo e no seu
extenso território. Vários fatores contribuíram para que esse ritmo se alternasse ao longo da
história do país, dentre eles a forma de governo, o baixo contingente do conquistador vis-à-
vis a extensão territorial da colônia, a ameaça estrangeira, os ataques indígenas, a
diversidade geográfica, os ciclos econômicos, etc. Durante o longo período do Brasil Colônia,
não se verificou crescimento vertiginoso do número de vilas e cidades. Contudo, na transição
para o Império ocorreu pela primeira vez o que muito autores chamam de “surto
emancipacionista”, contrariando a ideia de que a “explosão” da criação de municípios no
Brasil aconteceu apenas no período da República, notadamente, na Nova República,
quando a Constituição Federal de 1988 concedeu autonomia às unidades federativas sobre
a temática das emancipações e, em decorrência disso, foram criados mais de mil municípios.
O objetivo desta pesquisa é, portanto, trazer à baila a discussão de que o Brasil tem histórico
emancipacionista desde a transição para o Império, e que os “surtos” ocorrem em momentos
oportunos da política brasileira e em função do “represamento” da criação de novos
municípios, como se assiste nos dias atuais.
Essa seção fará uma breve incursão histórica, visando contextualizar o surgimento
dos primeiros municípios no Brasil, bem como a sua expansão durante o Brasil Colônia até
a transição para o Império. Antes, todavia, formalizou-se sinteticamente os aspectos
metodológicos da pesquisa.
1 O processo de urbanização teria sido iniciado por necessidades de ordem espiritual ou material? Para alguns
autores, a primazia deve ser atribuída à função religiosa. Segundo eles, era a construção de uma primeira
capela que atraía novos moradores, o comércio e as outras atividades urbanas seriam, portanto, uma
consequência desta função primordial. Para outros autores, a população teria, ao contrário, erguido igrejas e
habitações em lugares que já possuíam uma função comercial, ou seja, nas proximidades dos pousos
situados ao longo das estradas e dos ranchos, onde se reuniam os tropeiros (FONSECA, 2011, p. 430). É
quase impossível identificar o elemento determinante de tal transformação, que permitiu o nascimento e o
desenvolveram não apenas sob a influência da Igreja, mas também com o apoio dos
donatários para a formação administrativa e política do Brasil.
No início da colonização, contudo, era comum que o estabelecimento das cidades e
vilas geralmente antecedesse ao povoamento, isto porque o seu próprio fundador (o capitão-
mor regente), detinha carta concedida pelo rei ou governador (FAORO, 2012).
Com relação a distinção entre vila e cidade, convém considerar o fato de o Brasil ter
pertencido à Ordem de Cristo, da qual o Rei era Grão-Mestre, Isso fez com que só vilas
fossem criadas nos tempos coloniais, pois as cidades deviam se assentar em terras isentas
de senhorios. A questão era mais de ordem eclesiástica, pois o Vaticano não consentia que
bispados fossem instalados em vilas e sim em cidades, por serem os bispos nobres de
primeira grandeza e príncipes titulares.
Destarte, os primeiros municípios fundados no Brasil com o nome de vila foram: São
Vicente, instalada em janeiro de 1532 por Martim Afonso de Sousa; Olinda (1537); Santos
(1545); Salvador (1549); Santo André da Borda do Campo (1553); São Paulo do Campo do
Piratininga e Rio de Janeiro (1567). Tudo indica que, no findar do século XVI, existiam no
Brasil 14 vilas (AZEVEDO, 1992), conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 – Brasil Colônia: 1532-1600. Evolução do número de vilas, conforme as atuais grandes regiões)
DENOMINAÇÕES
DATAS (original e atual) UNIDADE ATUAL
REGIÃO NORDESTE
1536 1- Igaraçú Pernambuco
1537 2- Olinda Pernambuco
1599 3- Natal Rio Grande do Norte
REGIÃO LESTE
1535 1- Porto Seguro Bahia
1536 2- São Jorge dos Ilhéus (atual Ilhéus) Bahia
1536 3- Santa Cruz (atual Santa Cruz Cabrália) Bahia
1551 4- Espírito Santo Espírito Santo
1551 5- Nossa Senhora da Vitória (atual Vitória) Espírito Santo
1590 6- São Cristóvão Sergipe
REGIÃO SUL
1532 1- São Vicente São Paulo
1545 2- Santo André da Borda do Campo (atual Santo André) São Paulo
1558 3- São Paulo de Piratininga (atual São Paulo) São Paulo
1561 4- N. S. da Conceição de Itanhaém (atual Itanhaém) São Paulo
1600 5- São João Batista da Cananéia (atual Cananéia) São Paulo
A maior parte das vilas fundadas, entretanto, estava localizada na faixa litorânea, já
que fora um grande desafio para a Coroa realizar as primeiras incursões sertanistas, ainda
crescimento das cidades no Brasil. Contudo, dois lugares havia de suma importância para a população das
vilas e cidades coloniais: “a igreja que era de todos e a venda que era para todos” (TORRES, 1944, p. 55
apud AZEVEDO, 1992, s.p.).
no século XVI, em busca de pedras e metais preciosos. Era necessário um sistema de
governo que pudesse incentivar a fixação e a permanência do colonizador nessas paragens.
2 Apenas duas capitanias foram exitosas: a de Pernambuco, de Duarte Coelho, e a de São Vicente, de Martim
Afonso de Souza. Persistia um quadro de semiabandono do novo território, uma vez que o dispêndio de
capitais seria enorme, dado as suas dimensões. “Se as capitanias eram a descentralização, o governo-geral
era, como o nome indica, a centralização” (IGLÉSIAS, 1993, p. 26).
interessava à Metrópole. Primeiro, por assegurar a posse do novo território diante das
ameaças externas, segundo, por interiorizar o povoamento à custa do desbravamento de
novas terras, com base no trabalho escravo (COSTA, 1989).
A Coroa, ao incentivar a colonização por meio da concessão de terras para a
construção de engenhos de açúcar aos que tivessem posses, incentivou também a sua
concentração (ABREU, 1997), o que reflete até hoje na estrutura fundiária brasileira3.
Não obstante, a interiorização da colonização ainda parecia distante. O povoamento
se concentrava nas adjacências de um ponto de comando do território, geralmente uma vila.
Por esta razão, a fronteira entre as terras já concedidas e as que ainda estavam disponíveis
para doação foi rapidamente se afastando dos núcleos de colonização (ABREU, 1997).
No Brasil Colônia não houve sistemas urbanos sólidos que permitissem o
entrelaçamento dos povoados e das emergentes vilas das capitanias. Azevedo (1992)
chama atenção para o fato de que o sistema de povoamento e as atividades econômicas
desenvolvidas fora da área mineradora contribuíram para essa tendência antiurbanizante.
Dessa forma, as sesmarias e as fazendas de gado estimulavam a dispersão demográfica,
assim como os engenhos de açúcar eram responsáveis pela concentração populacional que
gravitava em torno das “casas-grandes".
Matos (2011) observa que, naquele período, no próprio continente europeu a vida
urbana era incipiente e a grande maioria da população vivia em áreas rurais. Deste modo,
falar em cidades no Brasil Colonial é focalizar territórios densos de pequeno tamanho, muito
distantes das grandes densidades das sociedades urbano-industriais do século XX4.
Contudo, à medida que os núcleos de povoamento mais densos se expandiam, diversificava-
se a economia e surgiam grupos sociais que acumulavam poder não rural, por meio do
comércio de maior porte e da participação na administração colonial (MATOS, 2011, p. 43).
Holanda (2016) afirma que os portugueses não instauraram no Brasil uma civilização
agrícola, mas uma civilização de raízes rurais. Foi nas propriedades rústicas que toda a vida
da Colônia se concentrou durante os séculos iniciais da ocupação europeia: as cidades eram
dependentes delas. Sem o incremento das cidades e a formação de classes não agrícolas,
a terra se concentrou, gradativamente, nas mãos de poucos. Holanda (2016), entretanto,
não ignorou que a burguesia emergente das cidades, notadamente os comerciantes, se
rivalizou com os proprietários rurais detentores do monopólio das Câmaras Municipais, muito
3 Estrutura que foi validada pela Lei de Terras (nº 601, de 18 de setembro de 1850), que reconheceu as
sesmarias antigas e ratificou formalmente o regime de posses, e instituiu a compra como a única forma de
obtenção de terras. Só em 1854 que essa lei foi regulamentada (SILVA, 1996 apud ABREU, 1997, p. 229).
4 Azevedo (1992), ao se fundamentar no historiador Max Fleiuss (s.d., p. 4), considera que os núcleos de
povoamento no Brasil eram modestíssimos e “um esboço dos nossos primeiros núcleos da organização
político-administrativa” e que eles, pouco a pouco, com a chegada de mais colonos, a feitoria se convertia em
aldeamento ou povoado, depois floresciam as vilas e as cidades.
poderosas no início do Brasil Colônia5. Serve de exemplo a disputa entre a aristocracia rural
de Olinda e os comerciantes de Recife, até então distrito daquela Vila. A disputa culminaria,
entre os anos de 1710 e 1711, na Guerra dos Mascates (GRILLO JR. 2013)6.
Este poder político do Brasil Colônia, especialmente no Nordeste, foi denominado
por Costa (1989) de “bipolar”. Um lado representado pelo governo-geral, que expressava o
Estado português no controle do sistema tributário, militar e comercial. De outro lado havia
a força política do poder local existente no modo de funcionamento das Câmaras Municipais,
onde se expressava o poderio dos proprietários rurais, os “homens bons”, os únicos que
possuíam direitos políticos (votar e serem votados). As câmaras poderiam fixar tributos
locais, regular moedas, organizar a defesa e o ataque aos índios. Permanecia, no entanto,
a característica principal da gestão política da colônia – a sua dispersão (COSTA, 1989).
Em suma, o modo como se efetivou a colonização portuguesa no primeiro século foi
criticado por Frei Vicente do Salvador, ao salientar que os portugueses, como ótimos
desbravadores de terras, se contentavam, todavia, em andar como caranguejos, ocupando
apenas estreita faixa do litoral brasileiro.
Até o final do século XVI, poucas eram as vilas instaladas no Brasil, mesmo assim a
maioria estava localizada ao longo da costa brasileira, conforme mostra a Figura 1.
No decorrer do primeiro século a colonização pouco avançou, e a “ocupação do
litoral” teria fim com as incursões dos bandeirantes no século XVII. Havia, pois, um mundo
novo, entre o mar e o sertão, entre o mar e a serra (FAORO, 2012). Para “mergulhar” no
sertão era necessário se afastar do litoral. Mas faltava um elemento motivador para penetrar
o interior.
5 Este domínio político pelos senhores rurais perpetuou no Brasil por vários séculos, culminando na República
Velha com o fenômeno do “coronelismo” (LEAL, 1997).
6 “No Recife, forma-se, logo, uma burguesia rica que passa a dominar, econômicamente (sic), a Capitania.
Seus componentes, que eram negociantes e na maioria portuguêses (sic), querendo ingressar na Câmara,
sofreram forte oposição dos olindenses, que os chamavam de mascates por se dedicarem ao comércio. Em
1703 conseguiram os recifenses, os mascates, o direito de disputar cargos em Olinda, mas esta ordem foi
anulada, em seguida. Só restava, então, à elevação do distrito de Recife à categoria de Vila, desmembrando-
se de Olinda. A luta se acendeu entre burguesia e aristocracia” (BANDECCHI, 1972, p. 29).
Figura 1- Marcha do Povoamento e a Urbanização do Século XVI no Brasil
Fonte: Adaptado de Azevedo (1992).
7 A economia canavieira do Brasil foi afetada, primeiro, devido à concorrência antilhana, que se beneficiava de
ótima posição geográfica, já que a Holanda havia começado a produzir açúcar nas Antilhas, de boa qualidade,
com preços mais baixos, equipamentos novos e exportando o produto para a Europa – principal mercado
consumidor. A contribuição dos holandeses para a grande expansão do mercado do açúcar já ocorria deste
a segunda metade do século XVI, e por isso constitui fator fundamental do êxito da colonização do Brasil
(FURTADO, 1998). Segundo, a descoberta do açúcar a partir de outras fontes de sacarose. Em 1747, um
químico alemão obteve os primeiros cristais a partir do suco extraído de raízes de beterraba. Entretanto,
apenas no início do século XIX que a nova indústria teve finalmente oportunidade para se desenvolver, já que
a Europa assistia às guerras napoleônicas, com o bloqueio britânico e o consequente racionamento do açúcar
– o que acendeu um novo alerta à Coroa Portuguesa.
mostra o Quadro 2.
Quadro 2- Brasil Colônia: 1608-1700. Evolução do número de vilas por grandes regiões.
DENOMINAÇÕES UNIDADE
DATAS (original e atual) ATUAL
REGIÃO NORTE
1632 1- Vila Viçosa da Santa Cruz do Cametá (atual Cametá) Pará
1634 2- Vila Souza de Caeté (atual Bragança) Pará
1661 3- Gunipi(?)* Pará
REGIÃO NORDESTE
1627 1- Vila Formosa (atual Sirinhaém) Pernambuco
1636 2- Bom Sucesso do Porto Calvo (atual Porto Calvo) Alagoas
1636 3- Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul (atual Marechal Deodoro) Alagoas
1636 4- Penedo do Rio de São Francisco (atual Penedo) Alagoas
1637 5- Santo Antônio de Alcântara (atual Alcântara) Maranhão
1700 6- São José de Aquirás (atual Aquirás) Ceará
REGIÃO LESTE
1608 1- Angra dos Santos Reis da Ilha Grande (atual Angra dos Reis) Rio de Janeiro
1608 2- Cairú Bahia
1665 3- Santo Antônio da Itabaiana (atual Itabaiana) Sergipe
1667 4- Parati Rio de Janeiro
1677 5- São João do Paraíba (atual São João da Barra) Rio de Janeiro
1677 6- São Salvador dos Campos dos Goitacazes (atual Campos) Rio de Janeiro
1689 7- Guarapari Espírito Santo
1693 8- Nossa Senhora do Rosário de Cachoeira (atual Cachoeira) Bahia
1693 9- Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe (atual Jaguaripe) Bahia
1693 10- Camamú Bahia
11- São Francisco da Barra do Sergipe do Conde (atual São Francisco do
1693 Bahia
Conde)
1697 12- Santo Antônio de Sá de Macacú (atual Japuiba) Rio de Janeiro
1697 13- Santo Amaro das Brotas Sergipe
1699 14- Iguaçu (atual Duque de Caxias) Rio de Janeiro
REGIÃO SUL
1611 1- Santana de Mogi das Três Cruzes (atual Mogi das Cruzes) São Paulo
1625 2- Santana de Paraíba São Paulo
1636 3 - São Sebastião São Paulo
1637 4- Exaltação da Santa Cruz de Ubatuba (atual Ubatuba) São Paulo
1645 5- São Francisco das Chagas de Taubaté (atual Taubaté) São Paulo
1653 6- Nossa Senhora da Conceição do Rio Paraíba (atual Jacareí) São Paulo
1653 7- Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá (atual Paranaguá) Paraná
1655 8- Nossa Senhora do Desterro do Campo Alegre de Jundiaí (atual Jundiaí) São Paulo
1657 9- Santo Antônio do Guaratinguetá (atual Guaratinguetá) São Paulo
1657 10- Nossa Senhora da Candelária do Outú Guaçú (atual Itu) São Paulo
1660 11- Rio de São Francisco do Sul (atual São Francisco do Sul) Santa Catarina
1661 12- Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba (atual Sorocaba) São Paulo
1665 13- Nossa Senhora das Neves de Iguape (atual Iguape) São Paulo
1693 14- Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba (atual Curitiba) Paraná
Fonte: Adaptado de Azevedo (1992).
*Localidade não identificada.
8 As terras localizadas à margem esquerda do rio São Francisco, no atual território baiano, pertenciam à
Capitania de Pernambuco. “‘O São Francisco’ – escreve Vicente Licínio Cardoso, ampliando a intuição do
gênio de Euclides da Cunha – ‘é a coluna magna de nossa unidade política, o fundamento basilar que reagiu
e venceu todos os imperativos caracterizadamente centrífugos oferecidos pelo litoral’ – ‘laço cósmico’ que
uniu os ‘bandeirantes do sul e os do nordeste’” (FAORO, 2012, p. 180).
os caminhos que conduziam ao Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Bahia. Em certos casos,
permitiram a formação de pequenos arraiais em suas terras (FONSECA, 2011).
2.6- O Brasil na transição para o século XIX: declínio da mineração e distúrbios às vésperas
do Brasil Império
Até fins do século XVIII, a colônia brasileira já havia experimentado dois importantes
momentos econômicos: o canavieiro e do ouro. A partir de então, estes setores econômicos,
articulados à pecuária e agricultura, iriam comandar a formação de novos territórios no
interior do Brasil. Nas palavras de Furtado (1998), a economia brasileira
9 Essas mudanças tiveram início com os ecos da Independência Americana, em 1776, e que repercutiram em
todo o planeta. As ideias liberais foram robustecidas ao calor da Revolução Francesa, em 1789, que
redesenhou o mapa da Europa e iria abalar as monarquias daquele continente. A independência das colônias
inglesas também foi fundamental. Assim, no início dos oitocentos, a América Latina já estava madura para
tentar a sua emancipação política.
Metrópole (FONSECA, 2011).
Além de choques entre as capitanias, funcionários da justiça e do fisco, entre os
governos das capitanias e o central, este clima culminaria com duas importantes
contestações, ainda no início do século XVIII, as guerras dos Emboabas e dos Mascates (já
mencionada), que já sinalizavam a fragilidade do domínio metropolitano sobre a Colônia.
A Guerra dos Emboabas, por exemplo, colocou em choque dois grupos distintos em
Minas Gerais: os bandeirantes paulistas, que reclamavam exclusividade na exploração do
ouro, e forasteiros imigrantes. Em Minas Gerais, após esta guerra, a criação de municípios
conseguiu levar a pacificação àquela área da Colônia.
Todavia, a mais importante dessas rebeliões ocorreria na segunda metade do século
XVIII, em 1788, conhecida como Conjuração Mineira, quando as vilas mais populosas da
Província viviam a crise da mineração. Os inconfidentes eram contrários ao funcionamento
das Casas de Fundição10 e tinham em vista os ideais de liberdade, visando tornar o Brasil
independente da Metrópole. Estes acontecimentos foram influenciados pelos ideais da
Revolução Francesa, que resultaram também nas lutas pela independência nas Américas.
As rebeliões e os acontecimentos políticos no Velho Continente deixaram a Colônia
mais instável do ponto de vista do controle político e social, como também contribuíram para
as manifestações de liberdade e independência.
É neste contexto, que a literatura revela que ocorreu forte incremento na criação de
vilas e cidades no Brasil Colônia, cujos resultados serão apresentados nas próximas seções.
10 As casas de fundição transformavam o ouro em barras para serem enviadas a Portugal. A Coroa cobrava “o
quinto”, ou 20% em impostos. Além do quinto, cada região produtora deveria fornecer certa quantidade de
ouro. Havia muita sonegação de impostos, e quando o valor não atingia o esperado pela Coroa, os soldados
entravam nas casas e retiravam os bens dos moradores até que se completasse o valor – a derrama. Esta
cobrança era motivo de revoltas entre a população.
decaem e o grupo patriarcal que dominava os concelhos municipais também se eclipsa. Com
a queda da produção aurífera, esse grupo se volta às atividades agrícolas e se transformará,
durante o Império, no alicerce econômico do Brasil (ALVES, 1986).
No final do Brasil Colônia, durante o século XVIII, foram criadas mais de uma
centena de vilas, e as macrorregiões Nordeste, Leste e Sul, conforme regionalização
utilizada por Azevedo (1992), já figuravam como as mais segmentadas territorialmente –
prenúncio do que aconteceria nos dois séculos seguintes com as emancipações distritais. O
Quadro 3 mostra o número dessas vilas criadas no período de 1701-1800, segundo a região
e os estados brasileiros atuais.
Quadro 3- Brasil Colônia: 1701-1800. Número de vilas criadas, segundo as grandes regiões e UFs.
UNIDADE DA Nº DE VILAS
FEDERAÇÃO (ATUAL) CRIADAS
REGIÃO NORTE
Amazonas 8
Pará 8
Amapá 1
Subtotal 17
REGIÃO NORDESTE
Ceará 13
Paraíba 4
Maranhão 3
Rio Grande do Norte 3
Alagoas 2
Piauí 2
Pernambuco 1
Subtotal 28
REGIÃO LESTE
Bahia 27
Minas Gerais 14
Sergipe 3
Espírito Santo 2
Rio de Janeiro 2
Subtotal 48
REGIÃO SUL
São Paulo 13
Paraná 3
Santa Catarina 3
Rio Grande do Sul 1
Subtotal 20
REGIÃO CENTRO-OESTE
Mato Grosso 4
Goiás 1
Subtotal 5
TOTAL 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos que tratam da criação e emancipação de municípios no Brasil são
relativamente raros quando se regride a períodos mais antigos da constituição territorial do
país. Os dados históricos mostram que durante o Brasil Colônia o número de vilas e cidades
evoluiu lentamente. Contudo, na transição para o Império, verificou-se um notável aumento
do número de municípios.
Os primeiros municípios do Brasil surgiram a partir de 1532, sob a vigência das
Ordenações Manuelinas (promulgadas em 1521), embora não se ajustassem à Colônia, daí
a adoção do sistema sesmarial (modificado por Martim Afonso). Fato é que a criação de
municípios e a estrutura administrativa sofreram clara influência dos donatários, mas
também da Igreja.
A maior parte das vilas fundadas localizava-se na faixa litorânea, de onde a Coroa
pudesse realizar as primeiras incursões sertanistas, ainda no século XVI, em busca de
minerais preciosos.
Diante da não ocorrência de metais preciosos, os portugueses adiaram a instalação
de um típico empreendimento mercantil-colonial, limitando-se, até meados do século XVI, a
pequenos e dispersos entrepostos de escambo e comercialização do pau-brasil. Esta frágil
presença territorial estava longe de configurar uma estratégia geopolítica de ocupação.
Com a decadência da economia canavieira e o desenvolvimento da mineração é que
o povoamento se efetivou no interior da Colônia com o surgimento de novas vilas e cidades.
A crise do setor mineral e os acontecimentos externos colocaram em xeque a
monarquia no Velho Continente. Várias revoltas e rebeliões ocorreram no Brasil no clamor
pela independência. Neste período vários municípios foram criados com o intuito de
“pacificar” as regiões em conflito.
Este pequeno “surto” emancipacionista no Brasil Colônia teria continuidade nas duas
primeiras décadas do século XIX, quando foram criadas muitas outras municipalidades.
REFERÊNCIAS
ABREU, M. A. A apropriação do território no Brasil colonial. In: CASTRO, Iná Elias de;
GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Explorações
geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 197-245.
ALVES, O. R. O município: dos romanos à nova república. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1986.
BANDECCHI, B. O município no Brasil e sua função política. São Paulo, 1972. (XL –
Coleção da Revista de História sob a direção do Professor E. Simões de Paula).
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5 ed. São Paulo:
Globo, 2012.
FONSECA, C. D. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas.
Tradução Maria Juliana Gambogi Teixeira e Cláudia Damasceno Fonseca. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2011.
GRILLO JR., M. História do Brasil para leigos: da fase pré-colonial ao Império. Rio de
Janeiro: Alta Books, 2013.
IGLÉSIAS, F. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1997.
LIMA JR., A. A capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP,
1978.
PRADO JR., C. História econômica do Brasil. 43. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1997.