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O Que É Família Danda Prado
O Que É Família Danda Prado
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Q.QUEÉ
FAMÍLIA
...... 2ª edição
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São Paulo
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brasiliense
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•Meus agradecimentos
A MARIZAFIGUEIREDO
que, em realidade,foi coautora deste trabalho.
A MARIAJOSÉDE LIMA
por sua leitura,seuscomentárioscríticose apoio.
Copyr;ght© by Danda Prado
Nenhuma parte desta publicaçãopode ser gravada,armazenadàem
sistemaseletrônicos,fotocopiada,reproduzidapor meio~ •
mednicos ou outros quaisquersem autorizaçãopréviada edito_rn.
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O que é família?
5
DANDA PRADO
O que; fam/lia
12
Ninguém tem por hábito perguntar: "Vocêsabe o Esseé o nosso modelo, que desde c~iançasvemos
que é uma família?".A palavra"família",no sentido po- nos livrosescolares,nos filmes,na televisão,mesmo que
pular e nos dicionários,significapessoasaparentadasque em nossa própria casavivamosum esquemadivers©,
vivem,em geré_ll,na mesma casa,particularmenteo pai, As famílias, apesar de todos os seus ll'l.ôllilC.tlh~IIale
' •
a mãe e os fil4os, ou ;iinda, pessoasde mesmo sangue, crise e evoluçãQ,.~anifestam até hoje u,m(lwrnndc<'ll('W
ascendência;linhagem,estirpeou admitidos por adoção.. • cidade de sobreyivênciae também, por que nã0 cli11~•h'I,
Paradoxali:nente,todos sabem o que é uma faplília, de adaptação,uma vez que ela subsistesob múltiplas 101'-
já que todos nós somos parte integrante de uma. É uma mas. :;1• !Ü' 1 ,, ,.
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14 DANDAPRADO
Otftlt ifaml/ia 15
1'
religiosos,étnicos,educacionaisetc. Estesnão englobam, papéisde esposa/companheira,mãee, mais recentemente,
no entanto, os indivíduos enquanto indivíduos,em toda provedora,assumidospela mulher.
a sua hist6ria de vida pessoal.Não incluem necessaria- Q!ianto às crianças,há algum tempo o Estado i~- '
mente, como na família,os recém-nascidose os anciões, tervémentre)ospais e filhos. Na Suécia,por exemplo,os
os portadoresde deficiênciae os considerados"normais". pais são passíveisde denúnciapelosvizinhoscaso punam
São grupos delimitados e tempÓrários,no tempo e no fisicamente·seus filhos.
espaço,com objetivosdefinidos. 1
Por meio da escola,do controle sobre os meios de
A naturez~das relaçõesdentro de uma famíliavai se comunicação,de médicose de psicólogos,o poder domi-
modificand~qodecorrer dotempo. Com relaçãoà evo~ nante de cada sociedade impõe, mais ou menos sutil-
luç.âoque áfamíliavem sofrendo,ainda se discutemuito .'
mente, normas educacionais,sendo diflcil aos familiares
o aspectoligado.ao questionamentoda posiçãodas érian- contrariá-las.De maneirageral,no entanto,cabeainda aos
ças como "propriedade"dos pais. país grandeparcelade poder de decisãosobre s~usfilhos
Outro aspectoque ainda é base de muita discussão, menores.A essepoder equivalempor , parte dos ·filho~,}Íi-
mas que já sofreu grandes transformações,se não evolu- reitos legaisem relaçãoa seus pais, em particularno. sis-
ções,no decorrer,em especial,das últimas décadas,rela- tema capitalis~,co!11o:direitos à assistência,à educação,
ciona-seaos papéis assumidos por homens e mulheres à manutençãoe-lparticipação em seus bens e prov~ntos.
dentro do núcleo familiar,o que refleteo surgimentode Ao inversodo que comumente pensamos,segundo
uma nova estrutura social. o tipo de sociedi\déda épocavividaou estudada,varia a
De fato, não se poderá mudar a instituição familiar •COfl:lposição d~ssaunidade social, a família,assim·col!lo .•
sem que toda a sociedademude também. Podemosafir- •.·seu·:modêl;ideal. •
mar ainda que qualquer modificaçãona organizaçãofa- Cada famíiia varia também a sua cóniposição du-
miliar implicará também uma modificação nos rígidos rante sua trajetóriavital,e diversostipos de famíliapodem
...
Oque éfamilia .i 17
16 DANDA PRADO
pode levar essa_smulheres a se casarem num outro mo- minatórios com.relaçãoa eles.Consequéritemente,·ifpar-
1
mento e comirorémuma família nuclear. tir de então, ficou proibida a uma criança·nasti4a·siln o
; • - • . • • _-,·1
.: Uma inãe com filhos sem designaçãode um pai - recónheciment<:>°pór parte do pai, ter estampâél'o-,eiii"'seus
ou vice-versa- cons.titui,de todo modo, uma famíl\ª• se- documentos d'é identidade o carimbo de "fi.Ího;ilé~í- .
. " ,:
.. , . .
gundo o artigo 25 do ECA - Estatuto da Criança'e do umo.
Adolescente(Lei8.069/1990). Podemosb~~itài:nbém~ ambiguidade·s.ócial.téljtiva
• ' .
Há ainda os fatoresculturaisque:determinamo pre- à mulher que 'dá. á li.iz.A primeira vista, tratar-se-iade
domíniode um tipo de famílianuclearrcomoé o casohoje uma mãe corri·:or.espec.tivo filho. No· entanto1 pa?a·,§·er
em dia·,por ser esseo modeloveiculadopor determinada consideradasôci'aÜnent~mãe, não terá sido sti.ficiehteo
cultura,,coexistindo com váriasfamíliasque,por fatoresso- lado biofisiológico·do· processo de gravii~'ze pai'~~-É
cioeconômicosapresentamgrandevariedadeem sua estru- preciso;conformea cultura à qual pertença;·qu-e esslpro-
tura. Por exemplo,nos EstadosUnidos encontr~mosos cesso tenha se dado segundo os usos e ·cõ{túme/é/até
membros·da seita mórmon, que admite~ a poligamia,o . ::m~is_ rigidamente,segundoas leis de Direit~ em viii~cia
..
DANDAPRADO
0 ff"' éfa11if/ia
18
numa determinada sociedade e num determinado mo- de estar presentes na memória dos componentes alia-
mento. Por exemplo, na França, os pais de uma partu- dos ou opostos a suas atitudes ou de se•.encontra/em
riente menor de idade têm mais poder q~e ela para i··• _·reu·niõescqmemorativas,eventos familiares etc: os=cr.i-
decidi{sobre o destino do filho. Isso n~s demonstra de .. : :tê.riosde ('lealdade~'para com a família de 0rigem.:-.ou a
modo evidenteo quanto o fator socialé dominante sobre de reprodução muitas vezes são também con.fH-t~ntes.
o fator natural. i . : Como dii~m:l::>s,termos, família de origem é aq,uela
, A família, como toda instituição soda.!,apresenta.. . . ... de _nossospai~;-famíliade reprodução, aquela formada
aspec_tos positivos,como núcleo afetivo,de ap~io e ·solic•• : _:,::·i·-:
_._:•.·p.o~
dois indivídt!'OSe os filhos qecorrentes ·dess~te-'
darieda9e. No entanto, expõe, ao lado dessesaspectos, lação. •
outros negativos,como a imposiçãonormativa por meio Apesardôs cob;flitos,a família é única em.,se1i"'pagel
de leis,usos e costumes,que implicam formas e finalida• . • determinante no desenvolvimentoda soci~bilidadé,'da
des rígidas. Torna-se,muitas vezes,elemento de coação • afetividadee 'd6-bem~estarflsico dos indifÍ'duo·s/sóbré-
sociaÍ,geradora de conflitos e ambiguidades. tudo durante ;O>períododa infância e cfà:adolescer:i:çia.
É frequente termos melhorescontatos com pessoas Talvezporque os laços de sangueou de adê:içãoéiiem_lúm
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de fora do· círculo familiar que vemos diariamente, d'o• • ·sentimentode dever, ninguém pode se sentir feli{~t,lhe
que ç0m os parentes, a quem nos limitamos telefonar •faltar completá:mentea referênciafam-ilíâr. • • '· •
ou visitar de vez em quando ou formalmente. A relação Alémdos laçosde sangue,há os coniproinissos·assu-
familiar mantém-se,mas seu conteúdo afetivo,se.empo- midos, como aquelesexistentesentre cônjugese também
brece. entr6 uma criança e um pai "provável".Sabemosque;em
í princípio,só a mãe.podeconfirmara paternidadeex~tade
.A:ssim,uma divergência ·em relação à escolha de '
'
um cônjuge pode afastar por longos períodos membros seu filho. Por sua vez,se não se recorrera urir tés'tede'pa-
muito unidos de um grupo familiar,o que não os impede ternidade,o homem limita-sea um "ato de fé" naquela
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20 DANDA PRADO
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Oqu, éfamflia
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mulher·quediz ser a mãe de um filho,-seuou, em normas idade.Trata-seda recusa do isolamento em que vive a/a-
legais,que lhe atribuem como seu filho qualquercriança mllia oo~~ ~ •
nascida na vigênciade um casamento. Há também uma origem mística ou. religiosaµessas
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24 DANOAPI\AOO Oqueéfam(/ia ••• 25
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caso,·vivemaritalmente com váriltsmulheres ao·mesmo .[. • ...n~tlear, rrias q4e,_emreaÜdade,se mantém.'à cust~ aas
tempo/ que lhe prestam os mais vari~d~sserviços,àlém .. i · ·: 'o~·~i-~sesposas~~ ~arido, que ficaram no campo..E,i~so
clelhe dar filhos. O direito a ter várias esposasnunca foi se passa sob o abrigo da·legislaçãolocal.
de tod(i)Sos indivíduos numa certa sociedade.Urna sim- 1 • Além das experÍênciasde vida em comunida~les 1
plçs razão é que o número de rnulher~sn~nca foi muito.. : i.. . e?(isternainda 'qutras formas de famíliasque não cabem
1 do que o de homens, exceto em casos de guerra.' ·• ••
Jlll.n,ÍG>1 t·
•.•_: ·:.-rieisconceitos~!ássicosde família. Elas têm..sursid0 é se
ou1emigraçãomaciça.Nas regiõesagrícolasafricanas,ao j desenvolvidonas sociedades'mais adiantadas'do mundo
sul cioSaara, 1/3 da população masculina teve ou tem moderno e, portanto mais tolerantes,que se ertriqu~cem
mais de uma mulher. Os restantes2/3 vivem com uma , • com essasnovas formas. São indicativas.de.experiências
só ou, em alguns casos,nem se casam. ou de abordagenscientí{i.cas do comportamentohu~ano
Em geral,a poligamiainstitucional só é acessívelao e influem diretamente na evolução e na transformação
homem pertencenteao grupo dominante, aqueleque usu- dos costumes.Seria dificil tentarmos aqui distinguir as
frui de prestígio e/ou poder econômico.A primeira e$-· • ·principaiscaracterísticasque as diferenciam,•da·s formas
posa quasesempretem uma posiçãohierárquicasuperior tradicionais.Destacaremosalgumas: ,.
à segunda e, de modo geral,cada esposae os respectivos a) A família criada em torno a um casamentó "de
filhos moram numa unidade residencialseparada. participação":trata-sede ultrapassaros papéissexuaistra-
0 trabalho dessas mulheres no campo, que não é diciQnais.O marido e a mulher participam das mesmas
remunerado pelo marido, permite que se aproprie de tarefascaseirase externas.Surgidaa partir das manifesta-
in úmeros lotes de terra, assim enriquecendo. Com o çõesfeministas,.essaé uma famíliaque vem cadavez·•mais
avanço da industrialização em todas as regiões,é hoje ganhando espn:çonas sociedadesmodernas. A mulher,
comum encontrar um casal,em uma grande cidade afri- embora ainda ganhe menos que o homem, tem.:'cupado
cana, que aparente viver o modelo ocidental de família postos de trabalho cada vez mais importantes e, muitas
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O q11t lfamflia 27
26 DANOAl'MOO
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28 ÜANOAPRADO 0 '[li<éfaml/ill .; .•..29
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uma inovação~ontestat6riaa costumesantigos,como no nos países onde essa opção de vida deixou êieser obstá-
caso da fórmula acima referida de "união estável".Isso culo legalà convivênciacom crianças,como nos Estados
porque, não tendo bens a transmitir aos herdeiros, ou Unidos e mesmo no Brasil. ~
tendo somen,tca casa onde vivem,não recebendodo Es- Uma famíl1aé não só um tecido fundame~talele re-
l1ldouma ajuda substancial,nada justifica o recursoà le-
gnli1.açüdesse
o relacionamento.
lações,mas,também, um conjunto de papéissocialmente
. .
definidos. A organização da vida familiar depende do
.
• 1
Nesse nível de subsistência, em realidade, ora o que a sociedade,por meio de seususos e costumes,e~pera
homem abandonaa mulher,mesmográvidaou com filhos, de um pai, de uma mãe, dos filhos, de todos seus ~em-
~ ~~ ~
ora ela não quer sustentar um homem que não tem pers- bros, enfim. Nem sempre, porém, a opinião geral é uóâ-
.. •
pectivasde lhe trazer alguma vantagem social ou econô- ;,
nime; o que resulta eÍn formas diversasde famíli!lalém
1'
mica. Essa união aparentemente sem compromissos do modelo social preconizado e valorizado~ , •_·
facilita uniões sucessivas,sempre em busca de um com- Por intermédio da família - menor célula organi•
panheiro que divida com ela as responsabilidadesdomés- zada da sociedade -, o Estado pode exercer.cot?,t~ole
ticas, segundo o modelo idealizadoda burguesia. sobre os indivíduos, impondo-lhes diferentes responsa-
, 1
Os defensoresda união estávelcreemque esteserá o bitidades, conforme cada momento histórico. Se~ dú-
modelo do fut~ro, única forma de salvar o casamento vida, nossa instituição familiar é patriarcal, autoritâi-iae
monogâmico,adaptando-oà .épocaatual. monogâmica.Mas cabe a cada um encontrar·ossubterfú-
d) A faniíiia homossexual:ocorre quando duas pes- gios, os modusvivendi, dentro das normas em vigor.
soas do mesmo sexo. .
vivem juntas, com ou sem crianças A atuação do Estado exerce-setambém indireta-
!
adotivas ou resultantes de uniões anteriores, ou ainda, mente, pois este tem O controle de todos os mecaniS.l;110S
no casó de duas mulheres, quando se decide por filhos sociaisexistentes.Assim,durante as duas GrandesGuerras
com inseminaçãoartificial.Issovem se tornando possível Mundiais,por exemplo,as mulheresforam estimuladasa
O f"' lfam(/ia
30 DANDAPRADO
mulheres tivessem mais filhos, como forma de repor :energias individuais ou coletivas para a esfera d'oniés-
baixas de guerra. tica, desviando-asda contestaçãoe de reivindica:ç'õekso-
..
Em certasépocas,acentua-sea importânciada proxi-• c1a1s.
midadepermanenteda mãe junto aos filhds,para garantir
6 equilíbrio em?cional deles.Em outros perí~do~,vai~-··
Algumas perspectivas sobre o futui-o !: '
riza-sea educaçãocoletivadas crianças(como em Israel).
da instituição familiar
Dentro de um mesmo Estado, há também interesses
opostos. O setor industrial pode necessitar de mão de·
Um dos primeirosobjetivosna evoluçãoda·institui-
obra feminina para aumentar o padrão de consumo d~
produtos industrializadoscom o acréscimona renda fa- ção familiar seria transformá-lanuma célula mais abàta
para o exteriore capaz de partilhar com ou'trasfamílias
miliar, enquanto o setor socialpode recearo desemprego
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DANDA PRADO 0 iJllt l jâ111flia 33
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uma parte das tarefas domésticase educafivas.Esta, aliás, e férias substituem as reuniões dominicàis' com cis· pa-
como vimos anteriormente, é uma das raiões pela qua'l·$e.·: •.. : ·_::•.rentes ou viagens familiares.
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organizam as q:)munidades. As decisõesrelativasao futuro e às condiçõesde vida
Para atender a esseaspecto positivo, contornando o das famílias são tomadas em um âmbito tecno0râ,blco ''
l'isco do fechamento desse grupo, existiria a tentativa de • apoiado numa rede de informações eletrônicas,~tlC nw•
revitalizarcertasfunções familiaresbaseadasna solidari~- ment~m a eficiênciados dispositivosdo Estado,.(Dara um
dade da vizinhança.Por meio de crechese do encaminha~ controle individual e familiar. Para Shorter: •1
mento das crianças às escolasou da compra coletiva de "A famíliacontemporâneacaminha para o desconhe-
aparelhoseletrodomésticose de limpeza,uma relativaC?· cido e sem rumo. Pode orientar-seem três diferentesclire-
letivizaçãoseria alcançada,o que não implicariaviverem ções,e até hoje sem precedentehistórico:
todos sob o mesmo teto, mas manter, cada unidade fami- 1) à ruptura definitivados laçosque uniam as vêfüas
liar, sua moradia própria. A família, hoje em dia, está geraçõesàs mais novas: a indiferença que manifestari)Jos
arriscadaa se tornar uma engrenagemfuncional cada yez adolescentespela identidade familiar e pelo qµe ela po_~·~a
mais dependente do Estado. representare defendere que se rompe na descontinuidáde
Hoje, os laços entre os membros da família nu- . dos valores entre pais e filhos;
clear se enfraquecem, porque a responsabilidade cole- 2) à maior instabilidadedos jovens casais,'q,u'ese re-
.,
tiva da família como núcleo pelo qual se realizam flete no aumen~overtical da curva de divórcios; ''
projetos em comum diminui cada vez mais. Isso_tam- 3) à destruição sistemática,por meio da 'liberagão'
bém acontece porque seus membros são absorvidos por da mulher, do C(?nce.ito 'lar/ninho' em torno do qualfoi
suas próprias atividades,num meio·ambiente específico construída a vid; dà familia nuclear". • ••
(o ambiente das crianças, dos jovens, dos casais etc.). Paralelamente a esse avanço dos poderes··.de u~à . :
Colônias de férias e saídas c0letivas em fins de semana sociedade tecnocrática, surge uma nova corrente de
... ' '
•
34 DANDAPRADO O queéfamília 35
pensamento: aquela que pensa que.a família poderá se Expectativa·_em:re~ação ao futuro da família
constituir numa tentativa para n:"inventarespaços de
livre escolha. . . _:No fi~ da década de 1980e começo da de 1990;a
Nessesespaços,a célula familiar pode atuar em ní- • •sit~-;çãoe~onômicamundial refletiu no modo. de vicia,
veisvariados,como buscarmais tempo livre e mais recur- fazendo com que o papel da mulher dentro do núoleo
sos para utilizar esse tempo livre até a diminuição do familiar fosserepensado.Com ·dificuldadesfrnanodrns,n
eontrole social,exercerlivrementesua se~alidade, exigir ....·n:i.ulher
viu-seé;da vez mais obrigada a sair do lar e bus-
a liberdadede educar as criançascomo cada ~m b~m en-••••. : • •••càr uma colocaçãono mercado de trabalho.·
tender etc. Em princípio, esse movimento não quis parecer
Essa grande reivindicaçãode autonomia e de con- • uma competiçãocorpo a corpo entre a capacidade.fem!-
trole de seu próprio espaçosocial por parte das famílias· • nina versusa masculina.Ao contrário. As mulheres·en-
pode assumir uma forma "coletivista". Nesta, dar-se-ia traram no mercadode trabalho em desvantagem:tinham
ênfaseà organizaçãoe a um importante desenvolvime.nto os piores postos e -ganhavam menos que os hotti'ens,
de serviçoscoletivos,de redes associativas,mas descen- ~esmo ocupando cargos semelhantes (0,-que de·.certa
. ' ..
tralizadas, permitindo assim uma autogestão por parte foi:ma,ainda ocorre hoje em dia). Mesmo assim,ne'é::essi-
dos próprios usuários. tavam se mantêr no trabalho para que pudessemequili-
As famíliastambém poderiam assumiruma postura . brar as finanças familiares.
"anarquista", com a extensãodas formas familiaresco- Isso sem contar que o fato de estar inser-idano·.mer-
munitárias, incluindo, às vezes,a produção de bens de cado de trabalho não significavaque ho_uvesse alív~oem
consumo, baseadaessencialmentenas relaçõesinformais, suas outras tarefas:de esposae dona de casa:.=Houve.-sim,
com um mínimo de recurso voltado às estruturas admi- um acúmulode funções,uma vez que, ainda hoje, muitos ,
n'istrativas.- homens se re!us;i.ma partilhar as tarefasdomésticas;·pt;r
36 DANDAPRADO ,, ..0 tJIICéfamilia
fas acumuladasno dia a dia. cada extrato social para a evoluçãc:i ou tra1;w(9i;.q_i.açipAa
E aos poucos, ainda timidamente,os homens_perce- família. .: , ; .... • • ... • t ; ' •~ l
bem que precisammudar sua ~ostuta e agregarmais ta- As estatísti_cas têm registrado certos ~eh~t11~n9 1s;~qe
ria de forma n:ais objetivaco~jecturarsobre o futuro da jovens e das mulheres, assim como as tentativas d~ fot
instituição familiar? mas alternativas elaboradas ·por homens e mulheres
O lf"' l famllia 39
DANDA PI\A,DO
38 .,
"ori gina is" etc. ), vere mos que Exe mpl odisso é a fuga dos jovens a partir do consumo
(eornunidacles,famílias
form ulaç ões . de ento rpec ente fato essepresenteem todas as famílias,
s,
h '1 n•11.1 coincidência em suas
prem issa s~cim a,que ca- incl usiv enaq uell lsque procurammanter-se,contra ventos
S1"1in fóoilconcltlir,após as
, deix amo s de lado just a- e mar és,num a hierarquiaautoritária,em que o podei'de
1111nli,11110~ nessa direção. Ora
sam ento que detê m um esco lha,de dec isão,de orientaçãocabe semp.l'eaos mais
111r1\lr,1q11clascorrentes de pen 1
tisfa ção exis tenc ialdas soc ieda des con - • ·::: ·:·ob
isto é, a graveinsa
. nal, fidelidadeconjugal,por exemplo.
temporâneas.Confundemcausase consequênciasAfi
o na auto rida de pa~ As form ai alte rnativas de vida familiar expostas
esse modelo de família centralizad em
tem po sufi cien te para ser ava liáq ó. • neste texto, qtie se confundem com novas atitudes
terna vigorou por ,
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("( <r (f"f'f
., .
40' DANDAPRADO
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·, ; , ..,.
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algumasdessasfunçõessão complementares;'outras,.che-· ..
gam a se contradizer,quando a famílianão estáadequada
•.· •ao m;odelo·p:econizadó por aquelegrupo.social.
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O if"' lfamflút 45
DANDAl'RADO
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Oq11t éJamflia
46 DANDAPRADO
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i•~t•
il Socialização
( latinq. Os homens teriam sido excluídospor sua v~z(em: . • . ... , ..,. .
reaçãoà sua atitude de dominação das mulheres)de uma É por mei~dâprópria famíliaque a ci-i:~~ça ~e.r_n;,e•
l gra no mundo adulto: ~ nessemeio que apfêrtd:,:!/ªf~-
efetiva participação na sociedade.. As famílias eram
l
4 cons_tituídasde mulheres que, para se reproduzir, mano. e
liz~rseus afetos;~ avaliar selecionarsuas relaçoes. ?~:~
,·
tinham contatos esporádicoscom grupos de hómen~e·~- toda famíliavisa·;pridieiraniente;reproduzir;seém.Jócf~s·
tràngeiros.Elasviviamexclusiv~mente entre si e com se1:1s os séntidos: seus:·háhito.s,costumes e valorJf-qúe b:'â'tis-.
filhos. , ..
mitirão, por suá ~~z/ às:novas gerações. . ' . :..-.:
É na famílii' àiiida, que a criança recebeôrié~tà~â<;?~
. , • • • • . t•;• •
• /• -~ .• i-' ..
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des seu respeito,tanto na ficçãocomo nas pesquisassocioi~
dentro de universidades,de certasempresase de gran á,.
gicas..Em menor escala,mas ainda de forma sigriificati~
organizaçõesinternacionais. :;, ••
a classeoperáriaé também cada vez mais estudada.
Nosso intuito aqui é expor fatos e não julgá-los.Mas :
di- O negócio,comercial em pequena escala ~-ainçla,
é impossíveldeixar de observaro quanto a educação ..
itos fundamentalmente,propriedadede uma só famílit nele
ferenciadade meninos e meninas,assimcomo os háb
• +.
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a. trabalhando seus.própriosmembros.Inclui-senessacate
de nepotismo e de homogamia social - práticas aind
presentesna sociedade,no primeiro :ç:aso,e nas famílias
1
gor·i~ "biboca"-d~favela,a "venda"que atendeaos ope
-
dôs
ca- rários numa no;a).tea de construção, os armazéns
das classesprivilegiadas,no segundo'-, dificultam o nhas dos moderno, s .cori jú~t os,
as bairros residenciai~:as loji . . . ...
minho para uma democracia econÕ11licea social. Ess .
he- habitacionais,a tiuitanda, o botequim etc. .
práticasacentu~ma discriminaçãoentre homense mul
os Essepequeno ~omêrcioexerceum importante papel
res e entre os homens da classeque detém o poder e se
social,por seu contato com toda a populaçãolocal,...qua
de outros extratos socioeconômicos.
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O queéfa111/lia
52
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domésticoantes ?isso; por essemotivo, só assumempara·• ··famíliainteira se proletarizasse,seria aquelerq ql;l.~}-~,s-
ticipaçãono trabalho assalariadofora de cas~quando há l posa começaa tr~balharfora de casa.Isso.ii:x:p~icari~,-se-
insuficiênciade filhos homens. gundo os result~~os·de uma pesquisarealiza~àhá . alguns
se espe~.
A divisãodo trabalho ficaevidente:a _esposa anos, o fracass~do objetivo familiar. Ao co~trá!io, a
cializana tarefa domésticae na organizaçãoe funciona-• plena inserção9_e.todo,s<?S~embros m_a~cul_ii:,.o~ np ,ne-
mento do comércio; o marido e os filhos adultos se gócioe da mul~·e!na atividadeexclusivade_,dp~ad~ , S~?ª•
dedicam a trazer dinheiro de fontes externas;os filhos representa,subjetivamente,o sucessodo neg6cjo. ,··_-
menoresajudam;a mãe e as filhas se ~ncorporamà ativi 0
.
• A mulher,. a mãe de. família, poderia o~up~r-~~.do
dade econômicaexternasomente quando não há lucros bem-estardos seus,en~uanto marido e filhoite_ri~~µp
suficientespara garantir o funcíona;nento do negócio. trabalho "por c~?ta.própria"e ecoi:i?m~ca~ente re_ntáve_l.
Os pais do casal colaboram com a esposa no trabalho A família, portanto! tem entre suas funções a de .fix.aro
status,socialde ~eus°'.embros. .~
domésticoe no atendimento do comércio. 1
.
função de quem são os encarregadosde trazero dinheiro urna forma de ascensãosocial,já que trabal~arem 9utra
0
de fora ou de gerar dinheiro pelo trabalho doméstico. atividadeé provade pobrezae, nessecaso,da tnc~pac~dade
Em algunscasos,a última pessoaa trabalhar fora de casa do homemem gerarrecursossatisfatórios.Qyanto maisa
ê a esposa,pois seu papel fundamental é o de garantir a mulher se afastafisicamentedo âmbito doméstico,menos
'continuidadedo armazém.Aí permanecedurante toda a valorizadoele se sente,e ela,por extensão(a esposa).
história familiar, enquanto os outros membros podem Na hipótesedo comércioa, atividadena l(?jaqa 9.ualo
1.
participar- ou não - transitoriamente. casalé proprietári~é o mal menordo ponto ~e.yi~_ta: qaes-
Ç)ponto que marcaria o limite da produção das re• posa,poisa suaproximidadefisicalhegaranten~oterde~ban-
laçõespequeno-burguesasna família, isto é, antes que a donarseu"papelnatural"sexuale específicde o dona de casa.
DANDAPlW)() • O,r11,
éfamllia 55
54
·- ...
Oquelfamllia 57
_
A respeitoda instituição familiar,só p~qemos-~~j~e-
rar que de modo universalhá uma afirm~ção_ crescel?-te.~!1
família nuclear.Mesmo nos paísesonde até hoje vigorr
a tradicional fam1liaextensa, monogâmica ou polig,~-
mica, 0 , número de famílias nuclearesé cada vez maior,
notando-seessatransformaçãoprincipalmentenos g~an-
des centros urbanos em evolução na Índia, C~ifl:~re
África.
Cada uma das atuais formas de famíliaviveu histó-
HISTÓIIIAMÍLIA rias ou conjunturas sociaisbem diversas.Muitas emi~r.a~
raro do campo para as cidades, em busça ~e ~1; ~
1
5
O quelfamtlia • 59
58 DANDA PRADO
mas ainda dá ao homem o direitoprio:itário sobreo filho µm sinal de.fertil:i~ade.da natureza,o leite de suà subsis-
• e o poder·sobrea pessoade sua esposa.Em verdade,mal- • têÍ'lcii:Nopàtriarcado,há uma apropriaçãodo corpo fe-
grado desconhecermosdetalhessobre os sistemasmati:iar- . mtni~•cfp~lo'poder masculino.Um homem pode.impor
caisexistentesem erasremotas,sabemosque os resquícios à mulher um grande número de gravidezesa fim de gerar
dessasculturas subsistemainda em certas sociedadespa- mão de obra abundante em seu próprio beneficio.O in-
tri~rcais(os israelitasatribuemmais valor à Linhagemma~.. verso.não
.
é factível.
. '
terna, e alguns grupos sociaisafricanosdão prioridade às... . •:. '. Engels descreveessa passagemde um matriarcado
mulheresem certasdecisõesetc.). 1 para o patriarcadoatribuindo-aa novas formas e modos
. •Encontram-se na História também indicações de de produção, decorrentes de inovaçõestecnológicas.Se-
violentos choquesentre as duas concepções:patriarcado: .1 gundo ele,essemomento situa-sena Pré-Histó~ia,na·Ê:ra•
' Neolítica,caracterizadapela invençãoda agriculturae·da
'1 e matriarcado(por exemplo,as Amazonasna Europa cen-
tral; Wlasta,rainha na Boêmiano séculoVIII etc.). criação de animais.Nessafase,a humanidade, em ve~:~e
As religiões monoteístas (todas elas identificadas apropriar-sedas plantas selvagense da caça·de·anin'f,ils,
com o sistema patriarcal) impuseram-sepela força, por.· co·meçaa plantar em certas árease a criar animais jurit?
'
sangrenta repressãoa costumes tradicionaisvigentes,di- :aseu local de residência. ·•·
zimando povosque cultuavamdeusas,crençaspoliteístas, No entanto; a agricultura era limitada a pequenos
e seguiamcostumesmatriarcais,tais como a não atribui- lotes de terra, que eram monopólio das mulheres.Os ho-
ção da paternid;ideinstitucional a cada criança nascida. mens continuavam nas atividadesde caça e.pesca como
'> •.• .,
go
' O qutl familia
62 DANDA PRADO
co·.
m Durante milharesde anos a DeusaMãe {ora-oúni ·,
Emsua tarefade colheita,observavamcom6 germinava riarc:at,.
·Pouc~·• • objetÓde veneração.Na passagemao sistem~.pat
as sementese se ~eproduziamas raízesdos veget~is. estatue-
sao cul- começarama surgirrepresentaçõesmasculinasem
a pouco, selecionaramas plantasmais aprop{iada b~HR-~
ia,para tas e o símbolomasculino:o falo é modeladoem,
tivo.Ao mesmo tempo,essecultivode cereaisexig /rp.pli-_.
pientes,· gravadona pedra. .SegundoEngels,essessimbolçi~
preparo e conservaçãode alimentos,o uso de reci criaçlo,.
idos' cam o reconhecimentodo papel·mascu.linona pro
capazesde resistirao calor do fogo e de guardar líqu ' mo e131,
,para no surgimentode divindadesmasculinas,e tam.bl.
~m grandes quantidades.As mulheres inventaram do ma-
isso, a cerâmica. fraqu.ecimentoprogressivodas bases ideológicas
zjd9,p,e!~,
ia~ • ·triarcado,num período em que o arado cond\.l
Nesse·mesmo período surgiu ainda a arte da tece •.e d.e$•,
~
stéc- homem substitui a enxada,manejada.pelamul~~
gem, igualmenteexercidapelasmulheres.Todasessa iníctçi•:.
ncias, trõi os fundamentoseconômicosdo matriarcadp.'f)'fd
nicasexigiramum extraordinárioacúmulode experiê ô,de
domi- da humanidade,1o:comunismoprimitivo - sinônim
de deduções,de troca de informações.As mulheres, • .eS~<!•QP
tam- ausênciada propriedadeprivada- const.itufaum
nando o conhecimentodessasnovastécnicas,tinham - ~
s,filho
bém que transmiti-Iasàs mais jovens. socialno qual inú~eros casaiscoexistiamco1:11,s~u
er- . elar, cujadireçãoera
no seiode um lar '.'comunitário"Ess
A menina ajudava a mãe a modelar o barro, obs a ativi:,
ão.Um garantida pelas mulheres, constituía também um
vavaos detalhes,imitava-ae recebiadela orientaç necessária(emcon-
desde dadepúblicade p;odução,S(?~iaÍmente
verdadeirosistemade aprendizagempresideassim s smulheres:t~celagem,
pela
ios.As sequênciadasativiâades,exercida
os tempos neolíticosa transmi;sãod~sartes e oflc eresbus-
icasde • cerâmicaetc.),assi:m·conioo abastecimentode vív
'mulhe~esexerciamo controle das prÍ,n.cipaistécn
cadospeloshomébs·éôina caçae a pesca.· !:,:·:' Ji,·;,.
•., •
isso,
sobrevtvência,nos primórdios do néolítico e, por cim-
rilinear Foi com a (àmili~•patriarcal(ou individu-al;•:c
detinham um grande poder. Daí o sistema mat nea.cfo
da estrutura familiar. posta em torno cie·umsó indivíduo),contempod
.....
..,.
3J
. .. . .
Otf"' I.Jamffia 65
DANDA PI\ADO
64
1
1
dest'nvolvimentoda propriedadeprivada,que a chefiado primitiva", que a;sim se referea uma época em que o pai
l,11 prrclcu seu cnrhterpúblico e se transformou em pres-
. . não era identificadoinstitucionalmente.
1.1ç,lo1pl1l,1 mulhr1',de serviçosprivadospara um homem;
. Hoje se verificaque essaé uma opção alternativade·
A rnulhcrtornou-se sua primeira servente, afastada da vida,sem caráternegativoem si. Tambémfaz a associação '
1 '
1
da "propriedadeprivad a"com a "opre ssão das mulhe res",
pnrdoipnçltocl.1p1•ocluç~o social,ainda segundoEngels.
pondeà realidade.Constatou-seque, em
Logo,a f.'llnHin individualmodernafundamenta-sen_a 1 o.que
;. . .. não corres
escravidãodoméscicaconfessaou dissimuladada mulher. grupos nos quais reinava o sistemado "comunismo pri-
O homem de nossosdiasdeve,na grandemaioriados casos, mitivo" em relaç.ão.a bens e valores,já se encontravaum~
ganhar o suficientepara alimentarsua família,pelo menos divisãode tarefasentre os sexos,privilegiandoos homens
nas classesde maior poder aquisitivo.Isto lhe dá uma posi- em detrimento das mulheres.
ção de supremaciamoral e econômicaem relaçãoà esposa. Essa visão histórica/evolucionistamarcou profun-
O rígido evolucionismode Engelsestá ultrapassado, damente a reflexãomundial sobre a família, em pa_rticu-
mas sem dúvida ainda hoje persistea interdependência.de lar quando se referiaàs mulherese às crianças.Fala-se,na
certas legisfaçõe.s familiarescom o modo de transmissão atual "liberdade'!das mulheres,quando estasj~ viveram
1
da propriedadeprivada aos seusdescendentes.No Brasil, em outros tempos com maior autonomia.
, observa-s.eque filhos ilegítimos eram excluídos da he- As crianças também passaram por épocas em que
rança de seuspais, assim como um dos argumentospara eram propriedad.eexclusivade seu pai. Este podia vendê-
tendo direito de vida e morte·sobreelas.
-las,escravizá-las;
recusar uma lei de divórcio era a pr9teção aos "bens de
•• família", que não deviam ser divididos. Lembremo-nosda Bíblia, onde Abraão,·obedecendo':~s
Grande parte dessasteoriasde Engelstevede ser dei- ordens de Deus,oferece-lheo sacriflciode seu filho I~aac.
xada de lado diante de estudosmaisrecentes.Entre outras Em épocas anteriores, no entanto, as crianç~s tinham
usufruído de status mais liberal. •.,
de suas afirmações,suas ideias sobre a "promiscuidade
... ".
DANDAl'lv\00
{ .
H.11.,ti11c
0 passado próximo e o presente presente,este nos.;p~rece incompreensível,e ri.?s irü1ht~~-
• . ••• , .• 111 j
taque que ela dá a certos valores,as fStruturasfamilia;~$.•::__ : :i.: ;õe;:i~dustriais?s~~ ~ú~ida;à~gum_a _hácert~.c~~je~~ên§a
vão se modificando. Fala-semuito em "crise"da família, entre as formasfainiHarese as diversaszonas geogr.áfrcas e
mas esquecemosque toda e qualque~~mµdança ou estado culturais. ·.',/.:.:.· .· _ :;_. !..:,:..-:i'i,,.
•1 de evolução permanente de qualq{i:~rfenômeno social . . Issoseevideqciac9.mclarezano casodô~
• '!•,.} l•
·\.:-,
J;l.é?vo,s;p~~es
~l : • ;_!,,, .....
:~ '), . ..
· . ·.•·• •,I
implica transformaçãoconstante. Isso leva a diminuir o= que se constitue~1 \?!p~~~o-~~ ind.epertd,en~!J~. ?S.~u,ª\1~-
signi~cadodo passado,e passamosentão a observartudo, tigas metrópole~,.-fº~9 n.a ~sia e na, Afr1c~:1:1~~TH~r-
a analisare a julgar exclusivamentesob a visão e compre- mente domina,d;s por colonizadores qüe havi;i:m
ensão atual ou contemporânea. imposto seu pr6p~~osistei:nafamiliar, indep~p.dJr~~'.??s
0.utra deformação frequente consiste na atitude ·costumesali encontrados,revoltam-seagora_e_t~nta11?,:re-
oposta, ou seja,numa fuga para o passado que nos apa- viver, num naCÍonalismoalienado da no\r~;:r~~lid.~de
rece C?mo fixo e evidente,pois certos acontecimentose mundial, formas antigasde família.Assi~;_P'?.f é~emP.l_o,
situações já f~ram re_solvidos; bem ou mal. Q!.iantoao na Argélia. Q!iando conquistaram aos. ~r~~c~~~s ;ua
..
.I° '.•
3.5
• ••• • • • •• •• eo••
.· .
68 DANDAPRADO O quelfamilia 69
se·
s te da pres- A maioria das's0tieda,despré-industriais-baseiá-
profundamente abaladose q1;1estion~dodian
. •numa economia-essénéialmente agrícolae comercial.Si.la
são do que se pode chamar "o mun~o moderno"
1 po.pulação,caracterizatfa.-por alto índice de natalidade e
rutur'as
de mortalidade,v~ia pouco, assimcomo suas·est
A família tradicional sociaisse mantêm estáveise pouco complexas.
ie-
O tipo familiar dominante encontrado nessassoc
os dades foi chamado tradicional, extenso, patriarc
al e a~
A familia, a instituição mais "sólida" desde cfai.
forma méstic~ entre outras denominaçõesmenos difundi
princípios elaera cristã, reforçada em sua antiga e
desde. Nas classes sociais abastadas, encontra~a-s~.eis
patriarcal pelas religiões ocidentais, conheceu P,rie-
con- grupo vivendonuma s6 granderesidência,numa pro
então grandes transformações que até hoje não de' \:iin
dade extensa. Nas outras classes, os membros·
'1
de so-
quistaram unanimidade similar à daquele tipo v:ezês,
,ciedade repressivae autoritária de então (século'
sXVIII mesmo grupo familiar ocupavam,na maiorià.das
pa~tici-
e XIX). casas contíguas1 reunindo-se com frequência··e·
•·•
. i'
• Hoje essas mudanças atingem os países em des
en- pando de atividadesem comum.
.J m
., lmente Esse tipo de família era capaz de assumit,'tântcfe
volvimentoe mesmoas populaçõesque vivemtota
rela ção aos seus próprios membros como ·en{relação'à
à margem da "civilização"branca e ocidental. 1 pápel .
i- sa'ciedade,uma grande diversidadede funçõ.es.Seu
É preciso não esquecermosque as revoluçõestécn rodu-
a outra também era preponderantedo ponto de vista da rep
cas da produção não se deram de uma hora par ítica.
filho ção e da edu~ação;assim como da religiãoe da·pol
nem simultaneamente.Em uma 'gran'defamília,um r-
uanto Q!ianto.aof~toreconômico,ocupavaum·lu~ardete
podiá emigrar para a cidade com sua mulher, enq ptio
iarcais minante pelo fato de transmitir no interio(âo pi6
seus parentes mantinham as rígidas tradiçõespatr .eficiâva
em suas terras:deorigem. grupo uma verdadeiradivisãode trabalhoquê b~n
--••·- 1
35
1 . .
... Oif«eéfam(/ia 73
72 DANDA PRADO
l
'
o patrimônio comum. Essaestrutura extensaera, aliás, • ·1 Além da virgindade da esposa, tinha-se que levar em
de bens,
condiçãosinequanon para a criaçãoe transrp.issão , conta sua condição familiar e a educação recebidaque
j.. :·deveriaprepará-laadequadamentepara seus papéisde es-
tjtulose direitos,o que permitiamantere r~forçaros laços.' 1 • •
•
,.
internos. posa e mãe.
O papelprotetorelogrupo em relaçãoaosseusmem- A hierarquia familiar era extremamente rígida,
bros é salientadocom frequência,sendo de relevanteim- apoiando-senas diferençasmais elementares:biológicas,
portância nos casosde velhice,quando há a necessidad·e: de sexo, de idade.e de geração.As mulheres subordina-
da manutenção dos la~oscom o passado, perpetuando vam-seaos homens, assim como os jovensaos mais ido-
tradiçõesindispensáveisà memóriahistórica do grupo. sos; 0 homem mais velho era, portanto, o personagem
As uniõesmatrimoniaiseram decididaspelasrespec- qµe detinha as mais altas dignidades(status)e a maior
tivas famílias,segundo suas conveniências.Numa soci~- • auto;idade sobre o resto da família da qual ele era o pa-
dade muito estruturada e limitada a um número restrito triarca.
de camadassociais,a propriedadeprivadae a posiçãonos Essafamília-padrãotinha um papel socioeconômico
grupos familiares dependiam em grande medida dos essencialna sociedadepré-industrial.O prestígio sociàl'
laços matrimoniaiscontratados. dos indivíduosdecorria ao mesmo teinpo de sua origem
Muitas vezes,os cônjugesvinham a se conhecerso- · na sociedadee de sua posiçãono interior da família.Suas
mente no dia do casamento.A paixãoamorosaarriscaria perspectivasde ação e promoção dependiam fundamen-:
ligaçõespouco desejadaspelo grupo ·familiar,pondo em talmentede seu nascimento,sua origem.
Em algumas:sqciedades menoscomplexas,com menor
risco o princípio da fidelidade,e os;interessespessoais
poderiam _ultrapassaros interessesdJ grupo. número de formasin.stitucionaisa, famíliaera, às vezes,a
A castidadeda esposa era escrupulosamente•prote- única ou a prin~ipafõrganizaçãointermediáriaen~e o in;
gida a fim de garantir herdeiros legítimos ao marido. divíduo e a instituiçãopolíticamais alta. A tradiçãoe os
1
•••••••••••• • •••••••••••••••••••••••• ...... ,
Aparência e realidade
costumesimpunhamao indivíduodedicaçãoà sua familia
e ao clã.
,
Descrevemosacim a, as característicasgerais da fa-,·
O grupo familiar de tipo patriarcal retinha o indi-
víduo ao longo de toda sua vida e inthvinha na quaseto-
e
mília tradicional patriarcal.Váriosautores,porém, têm
talidadede suas atividadeseducativat profissionaisetc. dúvidas sobre a exatidão dessa apresentaçãoesquemati- ·,
76 DANDAPRADO
O q11éefamilia
...
' ,;
••
•••••••••••••••••••
O '[li<Ifamilia 79
4,0
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••
82 DANDA PAAOO O,pieéfamília 83
co~h~cimentó·da história socialdo país, verificamosque pais e filhos), -ao comportamento esperado entre seus
houve um número mínimo dessesexemplosde f~mília membros (responsabilidadeeconômica do marido, in-
"tradicional". • • : fraestrutura doméstica e afetivapela mulher, obediência
Poucas são as famílias que se mantiveram reunidas às diretivas paternas) e à expectativados papéis sociais
por muitasgeraçõesou englobaramum parentescoextenso que deverãoser cumpridos por cada um.
de múltiplos graus. A maioria das casas era pequena. Se Há, porém, diferençasconcretasentre as famíliasde
hojeem dia vemosaindaum certonúi?ero de casasantigas diversasclassessociais.Por exemplo:a premência econô-
muito grandes,é porque essascasasforam provavelmente mic~ impele as·classesbaixas a uma gqmde,mobilidade
mais bem construídas,resistindoassim ao tempo. geográfica.Também entre as novas gerações,à migração
É verdadeque o divórcionão existia,mas não temos elevadaé uma característicade maior parte do .ri.osso
'pals,
nenhuma prova de que a união dos casais era perene, ·entfeo interior e as capitais.O jove~ (a moç~)deixáseus
senão·pelas aparências que mantinham. Na geração de .. •.p~is:evaiestudarnuma cidademaior. Issoaumenta a tm-
. nossos avós,eles já se referiam por sua vez a uma época portância dos laços decorrentesde uma mesma origem
anterior à deles onde a vida familiar teria sido ainda geográfica,reforçados ai:r:idapor relaçõesde·parentesco,
.ll).elhore os indivíduos mais responsáveis1 mesmo distantes:
.· .· :·._:.f : ::._.·
::·.·Os laços qe solidariedade,a expectativad~ a_poiore-
.1 cíproco, os sistemas·deobrigaçãoe de lealdadeligam em
A realidade familiar n_oBrasil {' grandesblocos:~s-indiv_íduos·de uma mesmaregiãooü es-
·1
·t
•~
tado. Não são os de~téndentesda mesmafamíliaque ocu- •
1
Não varia muito de uma cama~asocial para outra pam todo um ·c~njbrttohabitacional, mas os grupos de
o ideal referente à fam.ília,aos laçosiqueaí são valoriza-
i
j mora9oresna ·maior parte das vezesde mesmaclasseso-
dos (amor entre o casal, compreensão e amizade entre. cial que aí se sucedem:
.1
•• ••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••• 1
84 DANDAPRADO Oq11e
éfa111í/ia 85
Entre o proletariado, encontramos muitas famílias uma atitude de recato e pudor. Isso significa um duplo
nucleares em que o casal não é unido por laços legais, padrão de comportamento.A valorizaçãoe o significado
assim como encontramos também um grande número ..
( dessepadrão implicama existênciade uma subordinação
de famíliaschefiadaspor mulheres,não somenteem vir- específicada mulher em relação ao homem .que é refor-
,, nuçleda ausência do marido (mães·solteiras,separação, çada pela cultura patriarcal.
(
..,i1uvez),
mas também porque é cada vez mais frequente Os parentes têm a função de preservaras relações
QJUe a mulher trabalhe e assumaas..responsabilidades ma- primárias,
,
tornando-as assim um valor cultural
.
funda-
teriais do lar e da familia. mental para o"i-ndivíduo,o que garante~euentrosafn'ento
Na classe média, a família tende a ser nuclear e, social em moldes tradicionais.
ainda, mergulhadanuma vasta rede de parentesco. Pode-sedizer que vivemosainda numàso~iêdâ8ede
Na classe alta, a família se· mantém ainda numa primos e não numa sociedadede cidadãos;'-ist<:í'ê; ~bte-
forma mais "extensa"que nas outras. É patriarca quem mos ainda maiores vantagenspor meio dos'pareiités do
•detém o controle dos meios de produção, do patri,mônio que da sociedâde.As alianças,as lealdâdes;·•criam-sê-é
são
e da renda familiare sua autoridadeé;predominantee, na desenvolvidasentre parentesconsanguíneós,·ou porafi-
'
maioria das vezes,indiscutível. nidade e escol.ha(compadrio)ou união. • •• .. • ·,
No entanto,em todas as classes,segue-se,aindaque de O parentescocompõe-setanto dos descendentes.de
modorelativo,os padrõespatriarcaisda famíliade classe·alta.
\
linha materna como paterna.O aumento da-importância
O chamado complexo de v~_rgindade-virilidade dos parentes eorresponde a· uma diminuição do· p·oder
marca as posiçõesdiferentesda mulher e do homem na •pode encontrar no· 1'tio que>emi-
patriarcal. Un;i-jbv:em
organizaçãofamiliar:ao home~ sãoipermitidas
' .
e valori- grou para a cidade·grande" a orientação, o apoio que só
zadas as aventurase a infidelidadecónjugal;já a mulher seu pai lhe dafia noutros tempos. Sem;cotn isso,infrin-
(tanto antes q1,1anto qepois dó casamento),deve manter· gir regrasde lealdadefamiliares.
•••••• ••• • •••••••••• ••• ••••••••••••
86 DANDA PRADO OqueIfamilia 87
,..
A presença da mulher no perfil A questã? que se levanta é até que ponto essa mu-
atual da família brasileira dan;çano perfil.dafamíliacolaboroucqm a.emancipação
i . . ,_.... c;la_ ~ulher. Será que a mulher só foi em busca de um
, A presença feminina na esfera do trabalho é cad·a_·•::.: ::·.:.-_:-.
l.i;igarno ~tatusfamiliar por necessidadescon.tingenciais?
vez mais fü1cq\,le11te,
e esse fato está mudando o perfil fa~ • • Se pegarmos.ª_Históriarecente, veremos que, em certa
miliarbrasileiro,pois reflete,inclusive,em quem assume medida, ambàs as coisascaminharam paralélamente.
auwulmenteo papel de chefede família. A mulher já há temposbuscavaum lugar melh0t na
Segundodados do IBGE de 2000, mais de 240/odos : sociedade.Por.. sua. vez, as
'
necessidadeseconômicas.eso-
domicíliosbrasileiroseram chefiadospor mulherese, em- ciais abriram às portas para que as mulheresp)ldess.emfi-
. '
!--oraessesejaum perfil que atinja todo o país, essacarac- nalmente lib~rtar-s~de algumas amarras, rodeadas _.de
istica era mais presente no
. Nordeste.
. . • •preconceitos,~-.fimde buscar.seu lugar ao sol.
Trata-sede um fenômeno tipica}nenteurbano, que Aos poucosl ~s mulheres, de todas as cam-ad.asso-
atinge famílias monoparentais.As ch~fesde família sãç,, ciais, começ_a.;am\abuscar uma melhor colocação na
em sua maioria, mulheresmais joven{ separadas,negras, sociedade e· rio n:úcleo familiar. Mesmó •em dasses
~ . ' ~ '
de classesmais baixas e com baixo g/au de escolaridade. menos abastadas,cada vez mais, a mulher estuda, se es-
A miséria,a necessidadede colaborarcom o parceiropara •
pecializa.
a manutenção da casaou de manter a.subsistênciade sua Cargose;p~ofissõesantes essencialmentemasculinos
família, quando se encontram sozinhas, fazem com que estão cada vez ·mais sendo ocupados por.mulheres.Em-
as mulheres deixem os afazeresde casa em busca de em- bora essasituaçãoapresentemelhorassignificativas,ainda
pregosou subempregosno mercado formal ou informal há várias batalhas a serempercorridas como os salários,
;- muitas v:ezeso mais proc_urado,em razão da falta de es- que continuam desiguaise o preconceito enraizado na
pecializaçãoe escolaridade. própria sociedade,onde muitos homens ain~ase recusam
·-
43,
O ff"' éfamllia
88 DANDAPRADO
1
e··à·~quiparaçãodos filhos adotados aós ·legítimos:para
domésticoscom suas pa;cei;as,so." . '.. '. -·.-:
a·partilhar os afa_zeres
brecarregando-asem demasia. fins de direitos de herança,por exemplo.
O Código Civil de 2002veio a consagra(o que já es-
tabelecidoconstitucionalmentee, com o intuito de•pro-
Normas do r;>ireito Civil Brasileiro teger ainda m~is a família, criou outras figurasjurídicas
relativas à família com o fim de facilitara equiparaçãode quem meramente
conviviasob o mesmo teto ao cônjuge,criando uma série
.. .... . • ·de proteçõe~àntes nem imaginadas.
O Código Cívil é a principal lei brasileiraque rege
a instituição familiarno país, ditando regrassobre o ma- E o legisladorbrasileirovem tentando acompanhar
trimônio, filiação,parentesco,entre butros. Há também as rápidasmodificaçõespor que a sociedadetem passado,
outras legislaçõesordinárias, que surgem conforme a ne- assim como tém procurado facilitar a vida dos·cidadãos,
cessidadede se.adaptara instituição familiar ao contexto na medida do possível.Esse é o caso, por exemplo,_da
histórico e social presente. Lei 11.441/2007,que·prevêa possibilidadede separação
: espelhoda rea-
Isso não garanteque as leis sejamum extrajudicial,óu•seja,diretamenteno Cartório sem q·uese
lidade.Co1nose disse acima, as normas do Direito, par- • passepeloJudiciário, desdeque não haja menoresenvol-
ticularmenteno caso daquelasque atingema família,vão vidos e de que·a separaçãoseja consensual.
se ajustando à medida que os costumesse modificam. Esse não é ainda o ideal, pois contempl~somente
Com o intuito de protegera família,a Const•ituição algunscasos,mas é um passopara que se comecea pensar
Federa_! de 1988criou uma sériede figurasjurídicas,o que em soluçõesmais adequadaspara as antigas"dores de ca-
equiparou algumassituaçõesexistentesàs civilmentepre- beça" causadaspela legislaçãorelativa à família.
vistas,como no casoda união estável,em que a mera con- Se por um lado "caminha-separa frente", por,outro
vivênc~ajá garantedireitos e déveresentre companheiros, ainda encontramosos resquíciosdo passadoabrigarcom
·,
90 DANDAPRADO Oqutéfamília 91
....
o futuro. Por exemplo,ainda existem_casosem que a gra- .Affamilia i?dígena brasileira
videz em menores advindas de relaçõ'.essexuaisincestuo- . •.
sas, muitas vezes mediante estupr~, é abafada pelo . . existemno Brasilvários tipos de
Como j:i di"ssernos,
próprio núcleo familiar, quando a avõ do recém-nascido famílias cuja~.normas não são reguladas pelo nosso sis-
"adota-o"com~ seu próprio filho a fit de ·mantera "apa- tema jurídico·.,São is famílias indígenas. Elas coexistem
rência" de um lar bem-estruturado.E isso, a despeito da conosco e faz~t'nparte da realidade nacional, mas são so-
promulgação,em 1990,do Estatuto dá Criança e do Ado- mente codificadaspor usos e costumesque variamde um
lescente,que prevê o direito de crianças e adolescentesà grupo indígeria para outro e que também evoluem em
família e à sua dignidade. suas,formas rio decorrer dos tempos.
Além.disso, as mulheres, ainda hoje, deixam de re- Essasfamílias também seguemnormas e regras pre-
correr à Justiça quando brutalizadas pelos maridos, por cisas que estabelecemsuas prioridades, princípios e fun-
medo ou para resguardar a imagem da família. Isso ções, incluindo punições aos infratores.
mesmo depois de 1985,quando foram criadas as prime.i- Com a Constituição de 1988, o indígena brasileiro
ras Delegaciasda Mulher e de 2006,quando foi promul- passou a ter sua cultura protegida. Portanto, seu usos e
gada a Lei 11.340, mais conhecida por L~i Maria da costumesrelacionadosà famíliaestão protegidose devem
Penha, que protege as mulheres vítimas de violência do- ser respeitados. _
. ' Os contatos com as diversasculturas brasileirasre-
méstica.
Apesar de avanços e retrocessos,o certo é que o le- fletem-sea cada passo em seus costumes.Também entre
gislador, depois de 1988, tem buscado acompanhar as os indígenas, os jovens são acusados pelos mais i~osos
mudançassociàis por não respeitaremas tradiçõesde seus pais. Obedecem
. -commais
. cµidado do que antes de pro_-
mulgada nossà Constituição. E issô, bem ou mal, é. um menos, usufruem de maior liberdade, desrespeitam a
grande avanço. moral sexualtradicional etc.
'-tS
1
92 DANDAPRADO O qut f familia 93
A nosso ver, uma das razões do interesseda análise· . .. ' . A família negra brasileira no século. XX
do sistema de famílias indígenas reside na observaçãode
como evoluem suas estruturas e em quais direções,bem A famíli~negr~ brasikira contemporânea não apre-
como nas possibilidadesou não de ~ma integração aos senta características~specíficasque a distingam das famí-
' • lias brancas,segundo os diferentesextratos sociais.
\Usose costumçs da população branc4:
Existem no país inúmeras po~ulações indígenas, 'Entretanto,'em.passado não muito remoto e, sobre-
com uma grande diversificaçãoem suas estruturassociais tudo, nos núeléos negrosrurais e litorâneos,destacava-se,
. .
e econom1cas. e encontramos ainda; a família matrifocal extensa.
Podemos ainda acrescentar que se tem verificado Essafamilia, segundo alguns autores, seria a sobre-
entre diversosgrupos indígenasuma gradual transforma- vivênciada família afrodescendenteque se caracterizaria
·çãode seus sistemasem famíliasnucleares.Isso se dá cada pela troca objetiva entre as vantagenseconômicasofere-
vez com mais frequência quando o indígena é atraído cidas pelos homens e os serviçossexuaisprestados pelas
por .atividadesnão usuais a elesque surgem em sua área, mulheres,além de conferir aos homens o di'reitode pro-
como o garimpo, por exemplo. Pouco a pouco o indí- priedade sobre a prole.
genavem buscar mulher e filhos pa_raviversomente com Nessetip.ode família haveria também certa proemi- ·,
ele numa casa individualizada perto do seu.local de tra- nência da poliginia,que significaa relaçãode um home.cn
balho, afastando-se,assim, de sua aldeia e criando novos com várias mulheres, embora fora do casamento, o que
hábitos de consumo. Modificam-se,em consequência,pa- a distinguiria da poligamia(onde um homem tem várias
drões familiares.O pai passa a ser a única fonte de sub- esposaslegalmente).
sistêl'.\ciae, um~ vez modificados seus costumestribais, o Outros autores, ainda, afirmam que o aparecimento
retorno será ca~avez m_aisdificil, aumentando o número de uma famílianegra,com característicaspatriarcaiscomo
dos:que se instalamna periferiadas cidadesdos "brancos". a maioria das famílias,destacava-sepela matrifocalidadee
·-
DANDAl'RAoo O!"' lfamflia 95
94
por um poder ·econômicoacentuadopor parte da mulher entre eles(isto é, famíliasque se constituem ao redor de
adulta. Ainda segundo os mesmos autores, essa situação uma mulher e seus filhos e netos).
seria o resultadode três fatoresconjugados: Essasfamíliasconstituiriamuma forma de organiza-
a) A escravidãoteria separado as mulheres e os ho- ção bastantefuncional,já que se tornaram a única garan-
mens negros,já que os contratos do tráfegoproibiam a . tia de subsistênciae de sobrevivênciadas criançase dos
inclusão de mais de 1/3 de mulheres em cada lote de es- velhos,como veremosmais adiante.
cravos. Para Roger Bastide, "é indubitável que a família
b) Os senhoresaproveitavam-se de seupoder paraexer- negra urbana seja o produto de um duplo processo de
cera exploraçãosexualsobreas escravasde sua propriedade, desagregaçãodos modelos africanos;o primeiro, remon-
sejaem uso próprio ou de seusamigos,sejaexplorando-as tando à promiscuidadesexualda escravidãoe o segundo,
indiretamentepor meio da prostituiçãonas ruas. à debandadaque se seguiuà emancipaçãoe.que levou o
c) Essasituação ocorreria por causa da apropriação negro a viver nas cidadeslonge do controle de qualquer
pelos donos de escravosda prol~ das mulheresnegras: grupo social".
Por ocasiãoda libertaçãoparcial,,muitosescravosho- A existência,no entanto, dessasfamíliasnegrasma-
mensdirigiram-se paraos centrosurbanosprocurandoexer- trifocaisextensas,não seria o resultado de uma "desorga-
cer ali alguma.profissãode artesão,enquanto as mulheres nização social", como se poderia crer numa primeira
continuavam~as·fazendase 'elesacabavampor constituir análise,salvo se admitirmos que a família nuclear e pa-
novosnúcleosfamiliares. triarcal{modelodas classesdominantes)sejao único·mo-
Por outro·lado, como os negro§livres mantipham delo válido. ' ...
'•. ;
e compreendida como um modelo cultural em certos ParaMaria IsauraPereirade Q!ieiróz,as uniões con- •
meiossociais e em certas épocas. sensuaisque dão origem aos núcleos matrifocaisseriam
Essasfamiliascorrespondiamna , realidade,a organiza- um gênerode união constituindo uma "poligamiasuces-
•ÇÕes bastantefuncionaisdentrode determinadoscontextos, siva'', na qual a mãe é a referênciae o sustento principal.
como o dos meiospobrese ruraisou litorâneose o do sub- Revendo certos conceitos, como os de marginali-
proletariadourbano,nos quaisa noção do casamentolegal dade, de norma e de desorgânizaçãosocial, poderemos
e/ou religiosonão era um valor em si, mas representava entender melhor o sentido das famílias matrifocais.
um valor de classee uma possibilidadede ascensãosocial. Sempre, segundo Roger Bastide, pode-se falar em
Nos paísesmais pobres e subdesenvolvidos,as famí- "marginalidadéculturalquandoindivíduosou gruposP?S-
lias matrifocaisfuncionamcomo espéciesde cooperativas suemuma herançaculturaldupla e não aderema nenhuma
entre seus membros, ou "rede de ajuda mútua", capaz, das duas". Esseseria o casodos negrosque,'tendo assimi-
bem ou mal, de remediar a ausênciaCJeresponsabilidade ladopelaretransmissãooralusos,costumese crençasdos es-
familiardos homens e de atenuar também as deficiências cravos,seusantepassados,tiveramde adquirir e empregar
·
da 'infraestrutú:rasocial do sistemacapitalista. paralelamenteusos,crençase costumesde uma sociedade
• No entanto, os lares matrifocaistêm, em regra, um branca,ocidentale dominantena qual estavaminseridos.
inferior ao das fa- Por isso,afirma-secom frequênciaque qualquertipo
. . icoforçosamente
ní~elde vida econôm
míliasnucleares,visto que, nos primeiros,são as mulheres de famíliafora do modelo nuclear seria "anormal",visto
as verdadeiraschefesde família.Elasnão s6 ganham salá- ser ele o modélo . doe dominante em
. majoritário,valoriza
rios inferioresaos masculinoscomo tambémtêm menores nossa sociedade..
possibilidadese maior dificuldadede acessoa carreiras, Isso, porém, não nos permite afirmar que a família
'
•.
matrifocalextensa corresp ondaa uma "desorg anizaçã o
so-
além de nesseslares pouco ou nada se contar com a par-
ticipaçãoeconômicamasculina. cial",pois ess~organização,ainda que minoritária,possui
·-
• ••
98 O queéfamília 99
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102 DANDA P.IW)O
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Após terminar o curso de Pedagogia na Universi-
dade de São P~ulo, divorciada e com três filhos, quis
voltar à psicologia. Inscreveu-se na Universidade de
Columbia, em Nova York, em 1967.
A experiência mais extraordinária que teve nos Esta-
dos Unidos ·foi o contato com uma clientela negra do
Harlem. Não tinha nenhuma experiência no problema
dos afrodescendentes visto internamente. Isso lhe permi-
tiu, compreender como funciona o determinismo social,
SOBRE A AUTORA não somente em relação à origem de classe de cada um,
mas também em relação à cor da pele. Foi para a Fr~n~ •
em 1970 e, preparando um doutorado, aprofuhêlou suas
reflexões sobre os condicionamentos 'dá.·mulher, de
e de Simone de Beauvoir,
A leitura do Deuxiemsexe,
forma mais estruturada. Defendeu sua tese sobre esse
foi para Danda Prado uma tábua de salvação. Suas per-
tema em 1977, na Universidade de Paris VII. Encarou
cepções foram ju~tificadas por personalidades que adqui-
todos os comportamentos considerados femininos como
rir~m. autQridade no seio dos que contestam o colonia-
o resultado de um condicionamento socialmente deter-
e
lismo o imp~rialismo e que, ao mesmo tempo, contes-
minado.
tavam a opressão dás mulheres.
Todas as tentativas de discussão sobre as contradi-
ções vividas por ela como mulher eram taxadas de rea-
cionárias pelos. de esquerda e de comunistas pelos de
direita.
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