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Danda Prado

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Q.QUEÉ
FAMÍLIA
...... 2ª edição
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São Paulo
editora
brasiliense
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•Meus agradecimentos

A MARIZAFIGUEIREDO
que, em realidade,foi coautora deste trabalho.

A MARIAJOSÉDE LIMA
por sua leitura,seuscomentárioscríticose apoio.
Copyr;ght© by Danda Prado
Nenhuma parte desta publicaçãopode ser gravada,armazenadàem
sistemaseletrônicos,fotocopiada,reproduzidapor meio~ •
mednicos ou outros quaisquersem autorizaçãopréviada edito_rn.

I' edição, 1991


2• edição, 2011
1• reimpressão,2013

Diretoraeditorial:Maria úrtta B. tÚ Lima


Editor:Max Welcman
Produçãoeditorial:AdrianaF:B. àrbinati
Produçãográfica:AdrianaF.B. àrbinati
SUMÁRIO

Dados Internacionais de Catalogação na Publicaçáo(CIP)


(CâmaraBrasileirado Livro. SP. Brasil)
Prado, Danda
O que é família/ Danda Prado.•· 2. cd. •·
•· São Paulo: Brasiliense,2013. •· (ColeçãoPrimeiros
Passos; 50) I - Introdução ............. •.... .' ....... : , ......... 11
J • reimpr.da 2• ed. de 2011. II - Funções da família ................. .' ......... : 41
ISBN 978-85-11-01050-3
III - História da família ............................ 56
1. Família2. Família- BrasilI. Titulo II. Série.
IV - A família brasileira contemporânea ............... 78
10-12227 coo· 306.85
Índicespara catálogosisrem:irico:
V - Conclusão ................................ •.. 100
1. Cidadania:Ciência polfrica 323.6 Indicações para leitura ............................ 103
Sobre a autora .................................. 106
edirora brasilienseleda
Rua Antôniode Barros,1839- Tatuapé
Ccp 03401-001- São Paulo- SP
www.editorabrasiliense.com.br
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Dedicoestelivroà minhafamília "deorigem':


à minhafdmília"deprocriaçã,o': a todosossatélite$ ,
familiares·quemerodearam na vida,a todososam_i·
gose amigasqueme ajudaramcomsuasvivências.
a refletirsobreosmistérios
dafamília.

l..j
...
. .. ;

...
O que é família?

A história da humanidade, assim como os estudqs


antropológicossobre os povose culturasdistantesde n6s
(no espaçoe no tempo), esclarece-nossobre o que~.ª fa.
mília, como:existiu e existe.Mostra-noscomo foram e
~ãohoje ainda_variadaass formassob as quais as fan:ílias
.evoluem,se modificam,assimcomo são diversasa{con-
• t' \

cepçõesdo significadosocialdos laçosestabelecidos:en'tre


.. :-~

os indivíduos de uma dada sociedade.

5
DANDA PRADO
O que; fam/lia
12

Ninguém tem por hábito perguntar: "Vocêsabe o Esseé o nosso modelo, que desde c~iançasvemos
que é uma família?".A palavra"família",no sentido po- nos livrosescolares,nos filmes,na televisão,mesmo que
pular e nos dicionários,significapessoasaparentadasque em nossa própria casavivamosum esquemadivers©,
vivem,em geré_ll,na mesma casa,particularmenteo pai, As famílias, apesar de todos os seus ll'l.ôllilC.tlh~IIale
' •

a mãe e os fil4os, ou ;iinda, pessoasde mesmo sangue, crise e evoluçãQ,.~anifestam até hoje u,m(lwrnndc<'ll('W
ascendência;linhagem,estirpeou admitidos por adoção.. • cidade de sobreyivênciae também, por que nã0 cli11~•h'I,
Paradoxali:nente,todos sabem o que é uma faplília, de adaptação,uma vez que ela subsistesob múltiplas 101'-
já que todos nós somos parte integrante de uma. É uma mas. :;1• !Ü' 1 ,, ,.

entidade,por assimdizer, óbvia para todos. No entanto,. .


Jamais encontramos,
..: ·
ao longo da H1st6na, UrIJ.a so-
·-,,~th;t,,~r::.:Ht1.'.
para qualquer pessoaé ,difkil definir essap.al_ayra
e mais ciedadeque ~ep.havivido à margemde al;9'1fü~!?.?..ç~g_9,e ,
exatamenteo conceitoque a engloba,quevai alémdas de- família,isto e,:de atguma
t
forma

de relaç~o.
, ,.<insti_t_uçi_o_!.]-al
:,:~;,uo,!,
ir •1 ,

finiçõeslivrescas. entre pessoasde m7smo sangue. . ..,:. .. ..,;.;


A maioria das pessoas,quando aborda questõesfa- Nem me~~o em sociedadesque t~~~~~~:~-:i~~~(ex-
miliares,refere-seespontaneamentea.uma realidadebem periências,cot?0 a China, ~R~ o questig!la,11:,e~t~ ~aJa-
próxima, partindo do conhecimento:da própria família, .
mília tradicional;.ou Israe( com os kib'ut;fm;
: . • t - ·.'t~·~
•• : .• ~ to~de • :
'·as
J.:..ü•'
realidade·que crê semelhantepara todo~,e daí ~cabage- .'. mulheres
. . . saem.. par~.
. .trabalhar
. e as crianças _viyell:l:
-'• ,.,..
.7.T,co-
... ..:.:,_:\\ .. (

neraliiàndo ao falar das famíliasem)ahstrato. • •'mutiidadé, desapax;~c;~u:a noção básicad.~.famíli~...Sê ~e-


Os tipos de famíliavariammuito1 ~o~o veremosno •
neralizando d~s~à'i~;ma to;na-~edifí~ii\t~ti'~'i;:•til(~-J;
·.,-,l •, : ·.', • .,
-~·'que
• 1\ • ••

decorrerdestasreflexões,emboraa forma mais.


conhecida '
entendemos por--
I<AMÍLIÃ,
, ..•
não é dificii"i~d'íc~·to
.. ··.:,,,._•,·:.,1
que
..
e valorizadaainda em nossosdias·sejaa faniíliacomposta·. . i.•:. seria a NÃO FAMlLIA. . , .. __.•...
de pai, mãe e filhos,chamadafamília"nuclear",;,no~~al'.'_.' '·•.•_:lf
.' •_:.; ' ' Entre o indivídu·oe o conjunto da ;o~Íedad~'exl;i:em
etc. os váriosgruposprofissionais,de identidade,,, _ideológicos,
. . )

.. -. •a .~ •
14 DANDAPRADO
Otftlt ifaml/ia 15
1'
religiosos,étnicos,educacionaisetc. Estesnão englobam, papéisde esposa/companheira,mãee, mais recentemente,
no entanto, os indivíduos enquanto indivíduos,em toda provedora,assumidospela mulher.
a sua hist6ria de vida pessoal.Não incluem necessaria- Q!ianto às crianças,há algum tempo o Estado i~- '
mente, como na família,os recém-nascidose os anciões, tervémentre)ospais e filhos. Na Suécia,por exemplo,os
os portadoresde deficiênciae os considerados"normais". pais são passíveisde denúnciapelosvizinhoscaso punam
São grupos delimitados e tempÓrários,no tempo e no fisicamente·seus filhos.
espaço,com objetivosdefinidos. 1
Por meio da escola,do controle sobre os meios de
A naturez~das relaçõesdentro de uma famíliavai se comunicação,de médicose de psicólogos,o poder domi-
modificand~qodecorrer dotempo. Com relaçãoà evo~ nante de cada sociedade impõe, mais ou menos sutil-
luç.âoque áfamíliavem sofrendo,ainda se discutemuito .'
mente, normas educacionais,sendo diflcil aos familiares
o aspectoligado.ao questionamentoda posiçãodas érian- contrariá-las.De maneirageral,no entanto,cabeainda aos
ças como "propriedade"dos pais. país grandeparcelade poder de decisãosobre s~usfilhos
Outro aspectoque ainda é base de muita discussão, menores.A essepoder equivalempor , parte dos ·filho~,}Íi-
mas que já sofreu grandes transformações,se não evolu- reitos legaisem relaçãoa seus pais, em particularno. sis-
ções,no decorrer,em especial,das últimas décadas,rela- tema capitalis~,co!11o:direitos à assistência,à educação,
ciona-seaos papéis assumidos por homens e mulheres à manutençãoe-lparticipação em seus bens e prov~ntos.
dentro do núcleo familiar,o que refleteo surgimentode Ao inversodo que comumente pensamos,segundo
uma nova estrutura social. o tipo de sociedi\déda épocavividaou estudada,varia a
De fato, não se poderá mudar a instituição familiar •COfl:lposição d~ssaunidade social, a família,assim·col!lo .•
sem que toda a sociedademude também. Podemosafir- •.·seu·:modêl;ideal. •
mar ainda que qualquer modificaçãona organizaçãofa- Cada famíiia varia também a sua cóniposição du-
miliar implicará também uma modificação nos rígidos rante sua trajetóriavital,e diversostipos de famíliapodem
...
Oque éfamilia .i 17
16 DANDA PRADO

coexistirnuma mesmaépoca e local. Por exemplo:casais que é inadmissívelpara os outros gruposreligiososdó;país.


• '
_queviveramnuma família extensa,.commais de duas ge- Reiteramos:a família não é um simples fenôméno
raç~esdentro de casa, tornam-senuclearesou conjugais natural. Ela é uma instituição social que varia ao l'óngo
pela morte dos membrosmaisvelhose, quando os filhos da História e até apresentaformas e finàliâades diversas
saem de casa,voltam a viversomente como um casal. numa mesmaépoca e lugar,conformeo grup'osocialque
;(>aralelamente, podem exi~tirfamílias naturais em estejasendo observado.
virtude de fatores diversos,isto é, mulheresque não qui- Por exemplo:com a Constituiçãode 1988,filhos ha-
seram ou não puderam viver com o homem com quem vidos ou não na relaçãode um matrimôniq passam_a·ter
tivera:'11·um filho. Ainda nessecaso,a história individual os mesmo dir.eitos,sendo vedados quaisquéra'tos·á'is'êri-
• •. - 1

pode levar essa_smulheres a se casarem num outro mo- minatórios com.relaçãoa eles.Consequéritemente,·ifpar-
1
mento e comirorémuma família nuclear. tir de então, ficou proibida a uma criança·nasti4a·siln o
; • - • . • • _-,·1

.: Uma inãe com filhos sem designaçãode um pai - recónheciment<:>°pór parte do pai, ter estampâél'o-,eiii"'seus
ou vice-versa- cons.titui,de todo modo, uma famíl\ª• se- documentos d'é identidade o carimbo de "fi.Ího;ilé~í- .
. " ,:
.. , . .
gundo o artigo 25 do ECA - Estatuto da Criança'e do umo.
Adolescente(Lei8.069/1990). Podemosb~~itài:nbém~ ambiguidade·s.ócial.téljtiva
• ' .
Há ainda os fatoresculturaisque:determinamo pre- à mulher que 'dá. á li.iz.A primeira vista, tratar-se-iade
domíniode um tipo de famílianuclearrcomoé o casohoje uma mãe corri·:or.espec.tivo filho. No· entanto1 pa?a·,§·er
em dia·,por ser esseo modeloveiculadopor determinada consideradasôci'aÜnent~mãe, não terá sido sti.ficiehteo
cultura,,coexistindo com váriasfamíliasque,por fatoresso- lado biofisiológico·do· processo de gravii~'ze pai'~~-É
cioeconômicosapresentamgrandevariedadeem sua estru- preciso;conformea cultura à qual pertença;·qu-e esslpro-
tura. Por exemplo,nos EstadosUnidos encontr~mosos cesso tenha se dado segundo os usos e ·cõ{túme/é/até
membros·da seita mórmon, que admite~ a poligamia,o . ::m~is_ rigidamente,segundoas leis de Direit~ em viii~cia
..
DANDAPRADO
0 ff"' éfa11if/ia
18

numa determinada sociedade e num determinado mo- de estar presentes na memória dos componentes alia-
mento. Por exemplo, na França, os pais de uma partu- dos ou opostos a suas atitudes ou de se•.encontra/em
riente menor de idade têm mais poder q~e ela para i··• _·reu·niõescqmemorativas,eventos familiares etc: os=cr.i-
decidi{sobre o destino do filho. Isso n~s demonstra de .. : :tê.riosde ('lealdade~'para com a família de 0rigem.:-.ou a
modo evidenteo quanto o fator socialé dominante sobre de reprodução muitas vezes são também con.fH-t~ntes.
o fator natural. i . : Como dii~m:l::>s,termos, família de origem é aq,uela
, A família, como toda instituição soda.!,apresenta.. . . ... de _nossospai~;-famíliade reprodução, aquela formada
aspec_tos positivos,como núcleo afetivo,de ap~io e ·solic•• : _:,::·i·-:
_._:•.·p.o~
dois indivídt!'OSe os filhos qecorrentes ·dess~te-'
darieda9e. No entanto, expõe, ao lado dessesaspectos, lação. •
outros negativos,como a imposiçãonormativa por meio Apesardôs cob;flitos,a família é única em.,se1i"'pagel
de leis,usos e costumes,que implicam formas e finalida• . • determinante no desenvolvimentoda soci~bilidadé,'da
des rígidas. Torna-se,muitas vezes,elemento de coação • afetividadee 'd6-bem~estarflsico dos indifÍ'duo·s/sóbré-
sociaÍ,geradora de conflitos e ambiguidades. tudo durante ;O>períododa infância e cfà:adolescer:i:çia.
É frequente termos melhorescontatos com pessoas Talvezporque os laços de sangueou de adê:içãoéiiem_lúm
'\•_

de fora do· círculo familiar que vemos diariamente, d'o• • ·sentimentode dever, ninguém pode se sentir feli{~t,lhe
que ç0m os parentes, a quem nos limitamos telefonar •faltar completá:mentea referênciafam-ilíâr. • • '· •
ou visitar de vez em quando ou formalmente. A relação Alémdos laçosde sangue,há os coniproinissos·assu-
familiar mantém-se,mas seu conteúdo afetivo,se.empo- midos, como aquelesexistentesentre cônjugese também
brece. entr6 uma criança e um pai "provável".Sabemosque;em
í princípio,só a mãe.podeconfirmara paternidadeex~tade
.A:ssim,uma divergência ·em relação à escolha de '
'
um cônjuge pode afastar por longos períodos membros seu filho. Por sua vez,se não se recorrera urir tés'tede'pa-
muito unidos de um grupo familiar,o que não os impede ternidade,o homem limita-sea um "ato de fé" naquela
..
. ' '

20 DANDA PRADO
.. '
Oqu, éfamflia

)
mulher·quediz ser a mãe de um filho,-seuou, em normas idade.Trata-seda recusa do isolamento em que vive a/a-
legais,que lhe atribuem como seu filho qualquercriança mllia oo~~ ~ •
nascida na vigênciade um casamento. Há também uma origem mística ou. religiosaµessas
. '

comunidades,~émparticular naquelas que,se formaram


em tempos remotos. No mundo contempotâ11eo,notam-
Familias alternativas • •,se certas motivações de caráter político ou ideoM>gico,
• que se impõem como uma tentativa revolucionáriade re-
Hoje em dia, há diversasexperiênciassubstitutivasda • • •
cus:aaos sistemassoc10econom1cos
A • • •
e morais em v1gencia,
,JA •

família.Entre elasestãoas comunidades,como alternativa assim como às formas de produção e ao consumo,:


aos problemasenfrentadosem razão da reduçãodas famí- No séculoXIX,no BrasiÍ,tivemosuma comunidade·
lias contemporàneas,por sua mobilidade e por suas difi- anarquista chamada· Coiônia Ce~llia, ro~.àncea1à..por
culdadesem se relacionarcom outras de modo estável. Afonso Schmidt, composta de imigrantes italianos).Nos
Vale a pena refletirmos sobre essas experiências. anos 1960-1970;tivemos os casos de comunidades,,c?mo
Trata-sede fenômenos sociaiscuja extremavariedadeim- por exemplo as dos hiP.pies,sobre as quais -grande,parte
pede que sejam assimiladosàs outi:asformas de família. dos meios de comunicaçãodivulgaramsorri~nteasp:ectos
J?ode-sedi:z;erque uma comunidade nasce da união de al- pejorativos, ...
guns indivíduos adultos decididosa viver num grupo so- As comunidades variam muito em sua compo~ição
cial autossuficiente. e regras de vida. Em algumas, mantém-sea monog;nnia
Entre as inúmeras razões que levam a essa escolha, como forma de ligação entre os seus membros. E~: ou- •
há a tentativade reencontrarum tipo de relaçãoexistente tras, há experiênciasde amor livre ou de "m(_)~ogamias
ou idealizada na imagem da família extensa,educando sucessivas"entre todos os elementosdo grupo;•inclusiv.e
1 .
coletivamenteascriançase integrandoos demaisde qualquer entre pessoasdo mesmo.sexo,
••
••••
..!e
22 DANDAPRADO O 111e
éfamilia 23
i
.)
As formas de relacionamento sexual diverso da fi-.• " ! Entre os gregos,por exemplo,a monogamia sé>era~legal-
delidade tradicional constituem uma aventura difícil, mente exigidapor parte das esposas.O mafido podià ter
pois ns relaçõesafetivasentre os indivíduos se intensifi- uma ou mais concubinas e mesmo manter relaçõesho-
c:11nt e, pn~cioularmenteem nossa cultura, fomos condi- mossexuais.
ci@1in~los n u,m~suclosenso de propriedade em relação a Ainda hoje·entre.osBaruyada Nova Guiné, 0s tnsnis
'
nossos pnrceirossexuais. j são monogâmicosem relaçãoà'reproduçãoe a deter-lninn•
Alémdisso,os membrosde alg~masdessascomunida- dos serviçosprestadospe,lasmulheresaos maridos,e vice-
des são obrig4dos a viverclandestinamentena maioriados -versa.Assim, cada marido entrega à sua esposa, e3a ela
países(disfarçandoo fato de não viveremcomo casaisesta- somente, algumas partes da caça, enquanto' ela cdzinha
belecidos),pois são passíveisde incorrer em vários delitos somentepara ele.Mas a moradiade ambosos sexos,rii~~mo
segundoo Direito vigente.A repressãotorna-separticular- após o casame~to,é separada.As mulheres·m.oram~i:/rii·os

mente gravecom a presençade criançasque, por motivos filhos (os meninos,até a puberdade).A vida afetiva.e·s'~ual
ideológicos,não frequentamo sistemaescolarinstitucional, entreindivíduos.domesmosexoé tolerada.O'relacionártfento
.

e quando existeminfraçõesaos costumeslocaisas palavras sexu~da mulhercomo maridorealiza-se cercadode irtwneros



são consideradasmuito drásticas,como nos casosde víncu- l rituaise tabus,o que dificultasua ocorrência: •••
los homossexuais,da prática de amor livreetc. 1 Nas ilhas ·Marquesas(Oceania),a esposapresta servi-
)
Em termos econômicos, nessas comunidades cada ços sexuaisao marido e aos outros homens de seu grupo
indivíduo tem suas próprias fontes de subsistênciaou se de residência,mas os filhos nascidos pertencem to4_osao
dedica coletivamente a atividades cooperativas, como marido. Entre ôsesquimóspersistea monogamia~mâ~a
agricultura, art~sanatoe outros. esposapresta serviçóssexuaisaos hóspedesdo marido.
Todasessasformasde relacionamentos possíveisde exis- A família-poligâmicaexisteainda hoje,·1e for~~ ins-
tir riessascomunidadesjá ocorreramem outras sociedades. titucionalizada; em várias culturas. Um homem, nesse

--
11
24 DANOAPI\AOO Oqueéfam(/ia ••• 25
1
1
1., • . • J•. • • ' •••

caso,·vivemaritalmente com váriltsmulheres ao·mesmo .[. • ...n~tlear, rrias q4e,_emreaÜdade,se mantém.'à cust~ aas
tempo/ que lhe prestam os mais vari~d~sserviços,àlém .. i · ·: 'o~·~i-~sesposas~~ ~arido, que ficaram no campo..E,i~so
clelhe dar filhos. O direito a ter várias esposasnunca foi se passa sob o abrigo da·legislaçãolocal.
de tod(i)Sos indivíduos numa certa sociedade.Urna sim- 1 • Além das experÍênciasde vida em comunida~les 1

plçs razão é que o número de rnulher~sn~nca foi muito.. : i.. . e?(isternainda 'qutras formas de famíliasque não cabem
1 do que o de homens, exceto em casos de guerra.' ·• ••
Jlll.n,ÍG>1 t·
•.•_: ·:.-rieisconceitos~!ássicosde família. Elas têm..sursid0 é se
ou1emigraçãomaciça.Nas regiõesagrícolasafricanas,ao j desenvolvidonas sociedades'mais adiantadas'do mundo
sul cioSaara, 1/3 da população masculina teve ou tem moderno e, portanto mais tolerantes,que se ertriqu~cem
mais de uma mulher. Os restantes2/3 vivem com uma , • com essasnovas formas. São indicativas.de.experiências
só ou, em alguns casos,nem se casam. ou de abordagenscientí{i.cas do comportamentohu~ano
Em geral,a poligamiainstitucional só é acessívelao e influem diretamente na evolução e na transformação
homem pertencenteao grupo dominante, aqueleque usu- dos costumes.Seria dificil tentarmos aqui distinguir as
frui de prestígio e/ou poder econômico.A primeira e$-· • ·principaiscaracterísticasque as diferenciam,•da·s formas
posa quasesempretem uma posiçãohierárquicasuperior tradicionais.Destacaremosalgumas: ,.
à segunda e, de modo geral,cada esposae os respectivos a) A família criada em torno a um casamentó "de
filhos moram numa unidade residencialseparada. participação":trata-sede ultrapassaros papéissexuaistra-
0 trabalho dessas mulheres no campo, que não é diciQnais.O marido e a mulher participam das mesmas
remunerado pelo marido, permite que se aproprie de tarefascaseirase externas.Surgidaa partir das manifesta-
in úmeros lotes de terra, assim enriquecendo. Com o çõesfeministas,.essaé uma famíliaque vem cadavez·•mais
avanço da industrialização em todas as regiões,é hoje ganhando espn:çonas sociedadesmodernas. A mulher,
comum encontrar um casal,em uma grande cidade afri- embora ainda ganhe menos que o homem, tem.:'cupado
cana, que aparente viver o modelo ocidental de família postos de trabalho cada vez mais importantes e, muitas
...
O q11t lfamflia 27
26 DANOAl'MOO

vezes,se transformado no arrimo da família.O homem, pode ser um casamentomonogâmicocuja interpretação


por sua vez, também tem colaborado mais com·sua par- ··da·.continuidadedivergeda forma tradicional: antes, n
iioi1~nçüonas tarefas diárias - embora ainda, múitas ... :u'~iã6,'por definição,tinha como objetivoligar duas pes-
vezes,não suficientemente. soas "para toda a vida". S6 serfaquestionadaem caso de
b) O casamento"experimental":consistena coabita- desavençasou conflitos graves,quando haveriao recurso
çffp durante algum tempo, só legalizando1essa situa.ção. .aó divórcio.Nessenoyo tipo deunião, a sua permanên-
ap6s o nascimento do primeiro filho. Essetipó dé tela~.' •·: _.,:.6i~ estari~vinculada à duração de um afeto e interesse
cionamento,que não constitui em sua primeira faseuma real e vivo entre o casal.Ambos estariampreparados,ao
"família",redundarápara o casale seusfilhos,mais tarde, menos matedalmente,para terminar a relaçãoque se t.Qr-
em uma família nuclear. nou insatisfat6riano _decorrerdo tempo. . ,.
Encontram-se muitos exemplos desseshábitos no ' A união estávelfoi reconhecida pela Constituição
passado.De certa forma, pode-sejustificar essecostume Federal de 1988, que a·equiparou ao casamento, c?m o
para se evitar o desperdíciode uma •cerimônianupcial fim,de preseryara família. Direitos e deveres,porrn~,to,
ou um caso de infertilidadeno casal.O casamentodiante •adquiridos com a união estável hoje são bàstan'te.'·se-
do "fato concreto"da gravidezé também utilizado pelos • melhantes aos do casamento.
jovensquando estesainda não têm condiçõeseconômicas Certos tipos de famíliasão vistos como característi-
para sustentar uma família. com
cos de paísesnão industrializados,reprodu'.?inçlo-se
c) Outra forma de família seria aquela baseadana grande frequênciana AméricaLatina. Mais comum nas
"união estável"ou "união livre":-em alguns aspectos,é camadasde baixa renda é o casamento"de fato", e n_ãoo
semelhanteà escolhaanterior, mas caracteriza-sepela in- "de direito", que é a família juridicament,econstituída
tenção de re~usara formalizaçãoreligiosae a legalização segundo as leis vigentesem cada sociedade.Surge,_mais
civil, mesmo com a presençade filhos. A união estável como uma "estratégiade sobrevivência"do que como

.i3
..
28 ÜANOAPRADO 0 '[li<éfaml/ill .; .•..29
\

uma inovação~ontestat6riaa costumesantigos,como no nos países onde essa opção de vida deixou êieser obstá-
caso da fórmula acima referida de "união estável".Isso culo legalà convivênciacom crianças,como nos Estados
porque, não tendo bens a transmitir aos herdeiros, ou Unidos e mesmo no Brasil. ~
tendo somen,tca casa onde vivem,não recebendodo Es- Uma famíl1aé não só um tecido fundame~talele re-
l1ldouma ajuda substancial,nada justifica o recursoà le-
gnli1.açüdesse
o relacionamento.
lações,mas,também, um conjunto de papéissocialmente
. .
definidos. A organização da vida familiar depende do
.
• 1
Nesse nível de subsistência, em realidade, ora o que a sociedade,por meio de seususos e costumes,e~pera
homem abandonaa mulher,mesmográvidaou com filhos, de um pai, de uma mãe, dos filhos, de todos seus ~em-
~ ~~ ~
ora ela não quer sustentar um homem que não tem pers- bros, enfim. Nem sempre, porém, a opinião geral é uóâ-
.. •
pectivasde lhe trazer alguma vantagem social ou econô- ;,
nime; o que resulta eÍn formas diversasde famíli!lalém
1'

mica. Essa união aparentemente sem compromissos do modelo social preconizado e valorizado~ , •_·
facilita uniões sucessivas,sempre em busca de um com- Por intermédio da família - menor célula organi•
panheiro que divida com ela as responsabilidadesdomés- zada da sociedade -, o Estado pode exercer.cot?,t~ole
ticas, segundo o modelo idealizadoda burguesia. sobre os indivíduos, impondo-lhes diferentes responsa-
, 1
Os defensoresda união estávelcreemque esteserá o bitidades, conforme cada momento histórico. Se~ dú-
modelo do fut~ro, única forma de salvar o casamento vida, nossa instituição familiar é patriarcal, autoritâi-iae
monogâmico,adaptando-oà .épocaatual. monogâmica.Mas cabe a cada um encontrar·ossubterfú-
d) A faniíiia homossexual:ocorre quando duas pes- gios, os modusvivendi, dentro das normas em vigor.
soas do mesmo sexo. .
vivem juntas, com ou sem crianças A atuação do Estado exerce-setambém indireta-
!
adotivas ou resultantes de uniões anteriores, ou ainda, mente, pois este tem O controle de todos os mecaniS.l;110S
no casó de duas mulheres, quando se decide por filhos sociaisexistentes.Assim,durante as duas GrandesGuerras
com inseminaçãoartificial.Issovem se tornando possível Mundiais,por exemplo,as mulheresforam estimuladasa
O f"' lfam(/ia
30 DANDAPRADO

masculino decor-rentedesse fluxo de mão de o~ra femi-


sair de seus t'arese a trabalhar, em razão da ausênciada
Uma sériede medidasforam pos- nina no mercadode trabalho.
mão de obra 111asc1,1lina.
' • para poder l'b
tas em pratica 1 erar as mulheres
1
• casàdas de A famíliaserve,também,de válvulade segurançadas
suas responsabilidadestradicionais junto aos filhos e à revoltas e con7flitossociais. É muito comum que n
casa. Foram criadas creches,os salários melhoraram,os mulher, que cónhece mais de perto as necessidadescln
empregos"masculinos"tornaram-seacessíveisa elas etc. casa e dos filhos-epara manter·o equilíbrio da cêlulnfa-
No fim das guerras,m~dificou-senovamentea ideo- miliar, sirva de contenção às revoltas ocor,ridas,dentro
logia, e houve motivaçãopara que as mulheresretornas- dela e com frequência de "bode expiatório" para suas
sem a suas atividadesno lar. Com isso, foram liberados frustrações,angústiase conflitos irresolúveisno mundo
exterior a9 lar. . ·: , • :· •
os empregos,o que garantiu a reinserçãosocial dos ma-
·:Ii:it·e~es portanto, ao Estado canalizar todas
sa, as
ridos; por sua vez, houve grande estí~ulo p~ra que as .. . .

mulheres tivessem mais filhos, como forma de repor :energias individuais ou coletivas para a esfera d'oniés-
baixas de guerra. tica, desviando-asda contestaçãoe de reivindica:ç'õekso-
..
Em certasépocas,acentua-sea importânciada proxi-• c1a1s.
midadepermanenteda mãe junto aos filhds,para garantir
6 equilíbrio em?cional deles.Em outros perí~do~,vai~-··
Algumas perspectivas sobre o futui-o !: '
riza-sea educaçãocoletivadas crianças(como em Israel).
da instituição familiar
Dentro de um mesmo Estado, há também interesses
opostos. O setor industrial pode necessitar de mão de·
Um dos primeirosobjetivosna evoluçãoda·institui-
obra feminina para aumentar o padrão de consumo d~
produtos industrializadoscom o acréscimona renda fa- ção familiar seria transformá-lanuma célula mais abàta
para o exteriore capaz de partilhar com ou'trasfamílias
miliar, enquanto o setor socialpode recearo desemprego
...
'•
. .. •• 1

J!
• l
.: ' .
DANDA PRADO 0 iJllt l jâ111flia 33
1
1 .
1
uma parte das tarefas domésticase educafivas.Esta, aliás, e férias substituem as reuniões dominicàis' com cis· pa-
como vimos anteriormente, é uma das raiões pela qua'l·$e.·: •.. : ·_::•.rentes ou viagens familiares.
.•• '. :'
organizam as q:)munidades. As decisõesrelativasao futuro e às condiçõesde vida
Para atender a esseaspecto positivo, contornando o das famílias são tomadas em um âmbito tecno0râ,blco ''
l'isco do fechamento desse grupo, existiria a tentativa de • apoiado numa rede de informações eletrônicas,~tlC nw•
revitalizarcertasfunções familiaresbaseadasna solidari~- ment~m a eficiênciados dispositivosdo Estado,.(Dara um
dade da vizinhança.Por meio de crechese do encaminha~ controle individual e familiar. Para Shorter: •1
mento das crianças às escolasou da compra coletiva de "A famíliacontemporâneacaminha para o desconhe-
aparelhoseletrodomésticose de limpeza,uma relativaC?· cido e sem rumo. Pode orientar-seem três diferentesclire-
letivizaçãoseria alcançada,o que não implicariaviverem ções,e até hoje sem precedentehistórico:
todos sob o mesmo teto, mas manter, cada unidade fami- 1) à ruptura definitivados laçosque uniam as vêfüas
liar, sua moradia própria. A família, hoje em dia, está geraçõesàs mais novas: a indiferença que manifestari)Jos
arriscadaa se tornar uma engrenagemfuncional cada yez adolescentespela identidade familiar e pelo qµe ela po_~·~a
mais dependente do Estado. representare defendere que se rompe na descontinuidáde
Hoje, os laços entre os membros da família nu- . dos valores entre pais e filhos;
clear se enfraquecem, porque a responsabilidade cole- 2) à maior instabilidadedos jovens casais,'q,u'ese re-
.,
tiva da família como núcleo pelo qual se realizam flete no aumen~overtical da curva de divórcios; ''
projetos em comum diminui cada vez mais. Isso_tam- 3) à destruição sistemática,por meio da 'liberagão'
bém acontece porque seus membros são absorvidos por da mulher, do C(?nce.ito 'lar/ninho' em torno do qualfoi
suas próprias atividades,num meio·ambiente específico construída a vid; dà familia nuclear". • ••
(o ambiente das crianças, dos jovens, dos casais etc.). Paralelamente a esse avanço dos poderes··.de u~à . :

Colônias de férias e saídas c0letivas em fins de semana sociedade tecnocrática, surge uma nova corrente de
... ' '

34 DANDAPRADO O queéfamília 35

pensamento: aquela que pensa que.a família poderá se Expectativa·_em:re~ação ao futuro da família
constituir numa tentativa para n:"inventarespaços de
livre escolha. . . _:No fi~ da década de 1980e começo da de 1990;a
Nessesespaços,a célula familiar pode atuar em ní- • •sit~-;çãoe~onômicamundial refletiu no modo. de vicia,
veisvariados,como buscarmais tempo livre e mais recur- fazendo com que o papel da mulher dentro do núoleo
sos para utilizar esse tempo livre até a diminuição do familiar fosserepensado.Com ·dificuldadesfrnanodrns,n
eontrole social,exercerlivrementesua se~alidade, exigir ....·n:i.ulher
viu-seé;da vez mais obrigada a sair do lar e bus-
a liberdadede educar as criançascomo cada ~m b~m en-••••. : • •••càr uma colocaçãono mercado de trabalho.·
tender etc. Em princípio, esse movimento não quis parecer
Essa grande reivindicaçãode autonomia e de con- • uma competiçãocorpo a corpo entre a capacidade.fem!-
trole de seu próprio espaçosocial por parte das famílias· • nina versusa masculina.Ao contrário. As mulheres·en-
pode assumir uma forma "coletivista". Nesta, dar-se-ia traram no mercadode trabalho em desvantagem:tinham
ênfaseà organizaçãoe a um importante desenvolvime.nto os piores postos e -ganhavam menos que os hotti'ens,
de serviçoscoletivos,de redes associativas,mas descen- ~esmo ocupando cargos semelhantes (0,-que de·.certa
. ' ..
tralizadas, permitindo assim uma autogestão por parte foi:ma,ainda ocorre hoje em dia). Mesmo assim,ne'é::essi-
dos próprios usuários. tavam se mantêr no trabalho para que pudessemequili-
As famíliastambém poderiam assumiruma postura . brar as finanças familiares.
"anarquista", com a extensãodas formas familiaresco- Isso sem contar que o fato de estar inser-idano·.mer-
munitárias, incluindo, às vezes,a produção de bens de cado de trabalho não significavaque ho_uvesse alív~oem
consumo, baseadaessencialmentenas relaçõesinformais, suas outras tarefas:de esposae dona de casa:.=Houve.-sim,
com um mínimo de recurso voltado às estruturas admi- um acúmulode funções,uma vez que, ainda hoje, muitos ,
n'istrativas.- homens se re!us;i.ma partilhar as tarefasdomésticas;·pt;r
36 DANDAPRADO ,, ..0 tJIICéfamilia

. ·~ ... ,J:. ..:~ !~:..t.. '


ainda acreditaremque se trata de algo que faça parte do Pensamosobviamenteque não, já q~e~.(W, mod_ifica-
universomeram.entefeminino. çõese a sua evoluçãonão são o simplesresulta~o.de,pro-
Nloentonto, a tendênciaé que, aos poucos,essepen- jetos elaborados conscientemente ou de .acordo . cç:>m
same1~t(i)tntn~érnmude. Cadavez mais as mulheresestão planos e escolhasracionais.
à ftie11te
clccargos/postosque,·atépouco tempo atrás, fa- O que se poderia tentar buscarpor meio d~ssasS(l)n•
ziam parte exclusivamentedo universo masculin,o.Cada dagens seriam as diferençasexfstentesentre os di:v.~rsos
vez mais, mulheres se tornam chefesde família,susten- modelos familiares e quais, entre eles,)estaríaw,c<:-VO-
tando sozinhas seus filhos e sua casa. Cada vez mais, luindo de forma dominante. Ou ainda, buscar19'\l~Á~J as
mulheres desdobram-separa dar conta das diversastare- condições atualmente favoráveisou desfavoráv;eiLem .., I:.. • 1,4

fas acumuladasno dia a dia. cada extrato social para a evoluçãc:i ou tra1;w(9i;.q_i.açipAa
E aos poucos, ainda timidamente,os homens_perce- família. .: , ; .... • • ... • t ; ' •~ l

bem que precisammudar sua ~ostuta e agregarmais ta- As estatísti_cas têm registrado certos ~eh~t11~n9 1s;~qe

refas domésticaspara si mesmos,igualando-setambém maneira mais 911.~enos acentuada,em to?9~-~t P,~~~r~·


nisso às mulheres. Assim, o divór~i?está cada vez mais frequ~~~~te,in. ~.spe-
Sabe-seque é muito diflcil existir a igualdadecon- industrializados;há o aum~:~t?1c~~~seqt~
_cial,nos países... ,·

creta entre hóm~nse mulheresque permita uma transfor-•


' . de _mulheresql!,e_ tra~~lhamfora de casa; a_sJªJf~~ fl.t~-0:ª"
mação total das relações sociais, enquanto seguirmos talidadeem piís.es'.maisricos e industrializados.estão
• ' • i ' 1
em • • ! • • •,~• \

vivendo mima sociedadepatriarcal- e, portanto,!discri- franca diminui'ção.


minativa das mulheres(sexista)- e.divididaem classes. Se puserm?s)ado_a lado essasafir~~~~~~ ~Stf,~!5.ti-
Será que a análisedas pesquisasde opinião permiti- cas universalmentemais evidentes,as reivindic.ações.
. ;,;\~,·- •• :. t:1li;::..-',:-'~\··•

do.s
, ••!"i

ria de forma n:ais objetivaco~jecturarsobre o futuro da jovens e das mulheres, assim como as tentativas d~ fot
instituição familiar? mas alternativas elaboradas ·por homens e mulheres
O lf"' l famllia 39
DANDA PI\A,DO
38 .,

"ori gina is" etc. ), vere mos que Exe mpl odisso é a fuga dos jovens a partir do consumo
(eornunidacles,famílias
form ulaç ões . de ento rpec ente fato essepresenteem todas as famílias,
s,
h '1 n•11.1 coincidência em suas
prem issa s~cim a,que ca- incl usiv enaq uell lsque procurammanter-se,contra ventos
S1"1in fóoilconcltlir,após as
, deix amo s de lado just a- e mar és,num a hierarquiaautoritária,em que o podei'de
1111nli,11110~ nessa direção. Ora
sam ento que detê m um esco lha,de dec isão,de orientaçãocabe semp.l'eaos mais
111r1\lr,1q11clascorrentes de pen 1

as cren ças reli giosas velhos.


g1,1ndcpoder nas sociedadesatuais,
jas.Um dos cam pos de atua ção fun - Por outro lado, a Históriarecentenos demonstraque
e sunsresp ectivasigre ri-
dou trin as é o da nor mal izaç ão das re- um dos pontos de apoio de filosofiase de regimesadtô
damental de ~un s re-
sex os, a "mo ral" . t.áriossemprefoi a rigidezdogmáticade usose costumes
laçõesentre os
orre r . ·fer entesao inter-relacionamento entre home·nse mulheres.
Para essas,as pro pos tas que alin ham os no dec
am man ter os laço s fam iliar es Stal ín fet retrocederaos anos 1930,com o decreto
.$te trabalho, e que tent
são just ame nte os asp ecto s de 194 0,o cam inho de uma estrutura familiarliberaf4ue
com seus aspectospositivos, e-
áve das
is exp eriê ncia smod erna s. Acu sam - gen~in~vanos ideais da revoluçãosoviética.HitÍe/)r
mais c.on den che
o sen do os sintoma s de "cr. ise" na fam ília, de éonJz~v;i.a·teo~ia dos três "Ks" - Kinder,Kuche,Ki~
-nos..com he-
ia". :(cria~ças,cozinha,Igreja)- comoúnico destinodasmul
sua "decad ênc eo
ntam as forç as trad icio nais Def
. end em a ma- res patriotas, na Alemanha nazista. O integralismo
Represe sua
estr utur a rígi da, com pap éis defi nido s fascismo fundamentam na constituição da família
nutenção de uma
here s, igno rand o oJ fato s oqje tivo s, . . . . fQr ça,assim como assistimosàs lutas de um islamismo
.' para homens e mul
scurantista,no Irã, que pune hoje com a morte uma.ih.-
'''

tisfa ção exis tenc ialdas soc ieda des con - • ·::: ·:·ob
isto é, a graveinsa
. nal, fidelidadeconjugal,por exemplo.
temporâneas.Confundemcausase consequênciasAfi
o na auto rida de pa~ As form ai alte rnativas de vida familiar expostas
esse modelo de família centralizad em
tem po sufi cien te para ser ava liáq ó. • neste texto, qtie se confundem com novas atitudes
terna vigorou por ,

··-
'

I'
("( <r (f"f'f
., .
40' DANDAPRADO

relação ~ produção e ao consumo, não são talvez mais


do que os indícios precursores de,uma transfórmação
profunda da vida cotidiana, única ~stratégia,sem dúvida
alguma, para sabotar, a longo prazo; formas arcaicas e ~ .....
perigosasde organizaçãosocial.

••.
·, ; , ..,.

..

As funções de cada família dependem em :gracnde


parte da faixaque cada uma delas ocupa na organização
social e na economia do país ao qual pertence.
É precisodistinguiras expectativas
sociaisem rélaçãoà
família~ aquelasque ela própria preencheem -relação,ios
elementosmais indefesosda sociedade:criançase pôrta-
dores de deficiênciaem todas as idades.Coiir.fre~uên.'cia
1

algumasdessasfunçõessão complementares;'outras,.che-· ..
gam a se contradizer,quando a famílianão estáadequada
•.· •ao m;odelo·p:econizadó por aquelegrupo.social.
(' f ( (

42 DANDA PRADO O qud familia ,;,·_43


. ·'
Toda e ·qu·alquerfamília exerce sempre inúmeras comportamentos.deobediênciaa hierarquiase autoiida-
funções,nas quaissendo que algumasrecebemapoio e.in- . des, entre outras. •
terferênciade.instituiçõessociais,enquanto outr~s fun- Nas famílias antigas, a maior parte dessa$funções
ções são assumidascom exclusividade. '
' .
era exercidasomentepelo grupo familiar,embora eontas-
Por exemplo:a socializaçãod~s criançasé dividida sem com a aju<l,a de terceiros,num regimede troca-d'é':s~r-
pela famíliae pelasinstituiçõeseduc:acionais. A saúdedos viços entre os me~bros de uma .mesmacotnunitfade\,.
membros da 'família é também hoje complementada Durantea-IdadeMédia,por ex~mplocrianças
, erám·êíl-
pelasinstituiçõesde saúdepública,além da atuaçãoda fa- treguesa outrasfamíliasque não as de origem,nàs·quàis;fa.
mília, que é solicitadaa cumprir regrasde higiene,de cui- z1amsuaaprendizágem,profissional ou mesmosocial,cóm~
çladosno tratamento etc. a aquisiçãode "maneiras", hábitose costumesnccessários• IJ,.as-
Entreas inúmerasfunçõesda famíliaquecor~espondem piraJ?,tesa. damasecavaleiros, nos casosdas familiasnobres. .
a uma expectativa social,temosa função,deidentificaçãoso- a
. . . :Com. industrialização e a produçãó·de-heni:i•éfu
cial dos indivíduos,de reprodução,produçãode bens (ali- · • • •.irarid~e~cala(roupa~,produtos alimentares;1aze/ac~s~í-
mentaçãovestuário
, brinqued
, os,remédiosetc.)e consumo. vel a grandesmassas,como o rádio e a televisãoetc,);·as
Nas expectativasdas criançase dos portadoresde de- funções exclusivamentefamiliares foram, se transf-0r-
ficiênciaem relaçãoà família,estão a preleçãode jovens, ... · :. : .man_do e se.restringindo,e hoje ainda podem~sindká,fas
~ educaçãoe a ~oci;lizaçãoda nova geração,·os~~rviç,c;••g• ._:/• ·\::oirioprioritáriase exclusivas: . •.. ·, ·
domésticos de toda ordem (higiene, cozinha, costura
etc.),o cuidado aos velhos quando deficientes.E ~ntre as Reprodução
'1 .• , . .;..t.

expectativassociaise dos indivíduos,tem-seas atividades· A possibilidàdede, se ~eproduziré u_m~· concEç?o·


de lazer(festas,passeiosetc.),civis,religiosas(transmissão indispensávelà mera distinção entre um grupo de iqdi-
e cumprimento de crençase preceitos),de fiscalizaçãode víduos e uma "sociedade"propriamente dita. Estaºtém
. ,.
•,
t r r r ( f (

O if"' lfamflút 45
DANDAl'RADO
1\ •e-.••

de contar com a reposiçãopermanentede seusmehibros processoda reprodução regulamentadoe codificadbde


inutilizados ou extintos.A reprodução em si é um fenô- forma bastantbrigo~osa.A identificaçãode um pai';(so-
meno animal e humano, natural, biofisiológico,presente cial) é, regra geral,quase uma condição de sobrevivência
entre todos os·seres vivos. No entanto, se encontramos e de inserçãodo·recém-nascidoem seu meio, no caso·das
casos em que o macho limita-sea libera·rseu.sêmen na sociedadespatriarcais.Por exemplo:em certasculturas,a
criança sem pai..identificado é mort~ ao nascer.• • ·• •
água (com fazemos sapos e os peixes),que por sua vez é
captado pela fêmea sem nenhum contato direto entre Foi'frequenteo fenômeno denunciadopor antrop6-
eles,assimcomo casosem que a função do mac~oinclui, logof, d? rapto de mulheresjovens.Isso se dava quando
além ~a·fecundaçãodireta da fêmea, a.prestaçãod_eser- .indi'iíduos pertencentes a grupos dizimados decidiam
viçosaos filhotesdurante certoperíodoap6so nascimento • fh~êlii'~uma nova sociedadee raptavam, para esse fim,
(por exemplo:o cavalo-marinhomacho terminaa gestação mulheresde grupos,para perpetuar,seusprópriosgrupos.
do filhote em seu próprio corpo; inúmer~s pássarosma- O Rapto das Sabinasé uma ilustração cohhecida
chos trazem alimento e transportam sua prole até que •.. • -: : •.de§_se
1 fato,.que, aliás, é ainda muito frequente hoje :em
e
possavoar).Encçmtramosum sem-númerode o~tros.com~·· • •• • •dià- causa
dor de guerras tribais entre os indígen;S'da
portamentosligadosà fecundaçãoe à reprodução. Américado Sul,
Só entre os humanos encontramosa constituiçãode As mulheresraptadasassumemclaramentea função
núcleosfamiliaresque em princípio se mantêm por todQ• 'de simples"reprodutoras", não participando da criação·
dessanovasociedade,já que sua própria tradiç ~ocultural
o ciclo de vida de seuscomponentes.A família"natural",' . . '
é desnecessáriaao novo grupo .
mãe e filhos menoressem nenhuma ligaçãoentre estese o
O fenômeno equivalentee oposto teria sido a cons-
pai biológico,é o caso de quasea totalidadedos animais.
No entanto, entre os seres ·humanos não exi~te .tifuiçãoda sociedadedas amazonas(Europa central)·-~·º
•ano 1600a.C.,conformeélescritopor Justino, historiad~r
grupo social historicamenteconhecido que não tenha o
... ...
r f"' rr (

Oq11t éJamflia
46 DANDAPRADO

e#•:,>•: •)
.. .
i•~t•

il Socialização
( latinq. Os homens teriam sido excluídospor sua v~z(em: . • . ... , ..,. .
reaçãoà sua atitude de dominação das mulheres)de uma É por mei~dâprópria famíliaque a ci-i:~~ça ~e.r_n;,e•
l gra no mundo adulto: ~ nessemeio que apfêrtd:,:!/ªf~-
efetiva participação na sociedade.. As famílias eram
l
4 cons_tituídasde mulheres que, para se reproduzir, mano. e
liz~rseus afetos;~ avaliar selecionarsuas relaçoes. ?~:~

tinham contatos esporádicoscom grupos de hómen~e·~- toda famíliavisa·;pridieiraniente;reproduzir;seém.Jócf~s·
tràngeiros.Elasviviamexclusiv~mente entre si e com se1:1s os séntidos: seus:·háhito.s,costumes e valorJf-qúe b:'â'tis-.
filhos. , ..
mitirão, por suá ~~z/ às:novas gerações. . ' . :..-.:
É na famílii' àiiida, que a criança recebeôrié~tà~â<;?~
. , • • • • . t•;• •
• /• -~ .• i-' ..

ldentificação social e estímulo para'Ótüpar'um determinado·1~gar.nà s~é~~~


•A importância, em nossa cultura, de estabelecer dade adulta, em,'füriçã~êleseu sexo,sua etníà'.;suas:cr:en-
"quem é filho de quem", é subestimadaou ignoradapela ças religiosas,seu status econômico e sociál: O~ i~;'.11?-_s
maioria.No-entanto,em todas as camadasda população, aprendeme assumem·(questionameventuafm~~f_e) .a:5'.
..ª~í-
esseé um elementoessencialde nossa inserçãosocial.S.e- tudes e papéisdo pai e da mãe.Issose torna·cl~róquánHo
gundo alguns sociólogos,essafunção da família seria a observamosa educação diferenciada das·cr.i~n5asco_n-
'maisimportante,já que é ela quem determinao gru.pofa- formb o sexo. . ·.. ,_...
miliar propriamente dito em oposição à família "natu- No seio familiar,marido e mulher exercemfunç?es
ral", que simplesmentereproduz indivíduos. diversas,àsvezes,e complementares•.Em ~e~r~;º.-~~i:~:o
é O provedor ~ebens.materiais. Exerce ~~~:·p~~~~ 1}ªº'.
A "filiação"é um quesito indispensávelem nossos
documentos civis,fonte de deveres,obrigaçõese privilé- que é O critério.triaisimportante para determmar·bst~tus
gios (heranças,cargose honrarias, responsabilidadesem de sua famíliana comunidade.Ser o ganha-pão_d?~:~~-us
caso de saúde etc.). é O idealou, em t~rmosd~expectativa,o páp~l'pr~o~i~~-~~o
do homem adulto em nossa sociedade.Daí décorré_que
t '
.
,48 DANDA PIVoDO

a participaçãodo marido nas tarefasdomésticasejaainda


l O qu, éfamília

Uma das maneirasmais segurasde perpetuaros pri-


' ,,

mínima, cabendo à mulher a criaçãodos filhos e os cui-


dados do lar.
J vilégios de classeé o casamento homógamo (com ~eus
iguais).Esse tipo de casamentoé dominante, tántÓ:_em
Essa bipolaridade dos papéis em função do sexo
sociedadesocidentais como nas sociedadesorie.ntaise,
pode ser determinantepara a formaçãoda p·ersonalidade
sobretudo, nas tribais.
da criança. O menino identificar-se-ácom o pai. A me-
. Q1iantoaos filhosde sexomasculino,sua socialização
nina aproximar-se-áda mãe e representará com ela o
é feitavisandoa lhes dar, principalmente,Úmaprofissão.
papel prioritário nos assuntosinternos, emocionaise do-
O nepotismo familiar é conhecido-principalmente
mésticos.
em áreas profissionais.Verdadeirasdinastias se cria:r~in
. No entanto, essa é uma característicaque está m~- . .
em certasprofissões(como nos casodos tabelionatos-bra-
dando. Cada vez mais, a mulher, desde cedo, vem sen-
sileirosaté pou·cosanos atrás).De pai pará ~fho, perpe-
tindo a necessidadede buscaruma profissão,como ~orma
tua-seo acessoàs universidadese a diversoscargos. 0

de sobrevivência,inclusive de sua família, em muitc::,s ;: 1· • '


'. •• •

No entanto, nq Brasil o nepotismo pode··vira se~


casos:Portanto, a ideia de que a mu!her deva ser criada
punido, quand-?se trata de cargospúblicos,e está sendo
para a vida do~éstica, vem aos poucosse transformando.
proibido em diversossetores,como forma de se buscar a
Em alguns locais, ainda é comum que·a filha seja
moralização·do,~rabalho.
educada e destinada para um casamentocomo meio de
Todo gr~po_social aciona essasestratégiasde socia-
inserçãosocial,o que vai se refletir depois na própria fa-
lizaçãoa fim de traµsmitir à geraçãoseguinteo~poderes
mília. Nessescasos,são bastantecomuns as aliançasma-
e privilégiosiguaisou superioresaos próprios, herdados
trimonia!s que reforçaminteressese círculosde relações,
ou cons
. tituí
. dos.
assim çomo, ao inverso, famílias se "degradam" pelas
_:Nos EstadosUnidos, existemcláusula~especiai,\.qile
novas alianças.
: ~roibemo.recrutamentode membrosda própri~familia
f r r r r r e <( ( r t rr
O tfllt Ifam/lia 51
50 DANOAi'RAOO

'
des seu respeito,tanto na ficçãocomo nas pesquisassocioi~
dentro de universidades,de certasempresase de gran á,.
gicas..Em menor escala,mas ainda de forma sigriificati~
organizaçõesinternacionais. :;, ••
a classeoperáriaé também cada vez mais estudada.
Nosso intuito aqui é expor fatos e não julgá-los.Mas :
di- O negócio,comercial em pequena escala ~-ainçla,
é impossíveldeixar de observaro quanto a educação ..
itos fundamentalmente,propriedadede uma só famílit nele
ferenciadade meninos e meninas,assimcomo os háb
• +.
..

.:
a. trabalhando seus.própriosmembros.Inclui-senessacate
de nepotismo e de homogamia social - práticas aind
presentesna sociedade,no primeiro :ç:aso,e nas famílias
1
gor·i~ "biboca"-d~favela,a "venda"que atendeaos ope
-
dôs
ca- rários numa no;a).tea de construção, os armazéns
das classesprivilegiadas,no segundo'-, dificultam o nhas dos moderno, s .cori jú~t os,
as bairros residenciai~:as loji . . . ...
minho para uma democracia econÕ11licea social. Ess .
he- habitacionais,a tiuitanda, o botequim etc. .
práticasacentu~ma discriminaçãoentre homense mul
os Essepequeno ~omêrcioexerceum importante papel
res e entre os homens da classeque detém o poder e se
social,por seu contato com toda a populaçãolocal,...qua
de outros extratos socioeconômicos.
\.

cotidiano.Em geral,são os próprios membro~da família


. '

que tratam com os clientes. Cad a um dele s exe rce ~:"1


Econômica
Sendo impossíveldescreverem detalhe as funções papel diferent~no negócio.Numa primeira etàpa,os p~is
o
aos meiosde subsistênciade cada tipo
_relativas
~specíficas trabalham no negóciomais do que consomem.Q!ia~d
de família,escolhemosuma famíliada pequenaburgue
sia , ê-seque vão consumir mais do que pro-
envelhecempre; •
-
comerciantecomo exemplo. duzirão,já quev:ãoaposentar-seda atividade.E~ compen
?e
Nossa escolha recaiu nesse modelo porque é, sem sação,os filhos :ecebemdurante seus anos de formaçã
-
dúvida, a categoriasocial que tem sido menos estudad
a. retribuirãoaos pais quando assumiremo negócio.·
As famílias de classe média ou alta contam com uma As filhas,em algumascomunidadese classes,ái~d . . a,

vasta produção bibliográfica,cinematográficae teatral
a são destinadas ao casamento,mas ajudam no trabalho

... ___••..
t..•

O queéfa111/lia
52
...
.. .
domésticoantes ?isso; por essemotivo, só assumempara·• ··famíliainteira se proletarizasse,seria aquelerq ql;l.~}-~,s-
ticipaçãono trabalho assalariadofora de cas~quando há l posa começaa tr~balharfora de casa.Isso.ii:x:p~icari~,-se-
insuficiênciade filhos homens. gundo os result~~os·de uma pesquisarealiza~àhá . alguns
se espe~.
A divisãodo trabalho ficaevidente:a _esposa anos, o fracass~do objetivo familiar. Ao co~trá!io, a
cializana tarefa domésticae na organizaçãoe funciona-• plena inserção9_e.todo,s<?S~embros m_a~cul_ii:,.o~ np ,ne-
mento do comércio; o marido e os filhos adultos se gócioe da mul~·e!na atividadeexclusivade_,dp~ad~ , S~?ª•
dedicam a trazer dinheiro de fontes externas;os filhos representa,subjetivamente,o sucessodo neg6cjo. ,··_-
menoresajudam;a mãe e as filhas se ~ncorporamà ativi 0
.
• A mulher,. a mãe de. família, poderia o~up~r-~~.do
dade econômicaexternasomente quando não há lucros bem-estardos seus,en~uanto marido e filhoite_ri~~µp
suficientespara garantir o funcíona;nento do negócio. trabalho "por c~?ta.própria"e ecoi:i?m~ca~ente re_ntáve_l.
Os pais do casal colaboram com a esposa no trabalho A família, portanto! tem entre suas funções a de .fix.aro
status,socialde ~eus°'.embros. .~
domésticoe no atendimento do comércio. 1
.

A divisãosexualdo trabalho na famíliadefine-seem Trabalharsó como


.
dona de casaé identifica
.. '
do:co.i;n
"'!'
o

função de quem são os encarregadosde trazero dinheiro urna forma de ascensãosocial,já que trabal~arem 9utra
0

de fora ou de gerar dinheiro pelo trabalho doméstico. atividadeé provade pobrezae, nessecaso,da tnc~pac~dade
Em algunscasos,a última pessoaa trabalhar fora de casa do homemem gerarrecursossatisfatórios.Qyanto maisa
ê a esposa,pois seu papel fundamental é o de garantir a mulher se afastafisicamentedo âmbito doméstico,menos
'continuidadedo armazém.Aí permanecedurante toda a valorizadoele se sente,e ela,por extensão(a esposa).
história familiar, enquanto os outros membros podem Na hipótesedo comércioa, atividadena l(?jaqa 9.ualo
1.
participar- ou não - transitoriamente. casalé proprietári~é o mal menordo ponto ~e.yi~_ta: qaes-
Ç)ponto que marcaria o limite da produção das re• posa,poisa suaproximidadefisicalhegaranten~oterde~ban-
laçõespequeno-burguesasna família, isto é, antes que a donarseu"papelnatural"sexuale específicde o dona de casa.
DANDAPlW)() • O,r11,
éfamllia 55
54

No entanto, é preciso não esquecerque a tarefa de Em qualquergrupo socioeconôrnico,existea respbn·


cuidardo negócioimplicaum gran:deesforçosemnenhum sabilidademorai da família de inserçãoprofissionaldas
incentivo,pois não há uma "remuneraçãopessoal"pelo novasgeraçõesA . propriedadede uma pequenaou mêdia
trabalho,como .existeem qualqueratividadeexercidafora empresaé hoje uma exceção,mas a ajuda para obter um
da família. empregoassal~iadoatravessatodas as classessociais:desde
. •Essaalienaçãotem como elementocentrala concep- o operárioque recomendao filho na fábricaou a baiana
çãode quea esposajá,cumpreseupróprio trabalhoe, assim, que "passa"seu ponto de venda de acarajépara a filha ou
' afilhada,ao presidenteda multinacionalque indicao filho
a famílianão consideraque trabalharsejauma autorreali-
zação,mas somenteum beneficiopara a própria família. recém-diplomadopara uma firma similar à sua.
O trabalho_no comércio familiar é, para a esposa, Na classemédia, essa ajuda supera muitas vez~s-o
uma prolongação do seu tempo de trabalho doméstico valor da herança transmissívelpor morte dos'pais.'Na
não remunerado,expressona inexistênciade um salário época áureados.paísessocialistas,onde foi abolida.a pr:ô-
ou retribuiçãomonetáriadireta.Os pagamentosrecebidos priedade privada dos meios de produção e, po~tanto, a
são automaticamentetransferidosou cedidos à família, herança,o acessoa empregospor parte dos familiares:era
, no casodo trabalho no negóciofamiliar.Essatransferên- .. ' • uma:prática dificil de ser contornada. Além do mais~em
cia não é mediatizadapor um ato de ápropriaçãoprévia, '' s,
-~ári-ds.sociedad~os.seguro ssociais,de aposentadoria.e
o que a transforma num fato invisível. • •:s~úd~;não suprem,em lugar algum,as necessidadesreais.
Diz uma dona de casa que trabalha num botequim: O recurso à assistênciafamiliar econômicapersiste.
"Sempre estive encarregada da venda, mas ela está em Em geral,e_ssaresponsabilidaderecaisobreas m~lhe-
n~me'de meu marido, ele é que é o proprietârio..Às vezes _res,·que abrem mão de alguma atividade rentável para
'roubo' um dinheiro do caixapara comprar algumacoisa· : sub.stituir,junto ao parente necessitado,os serviçosde
extra". ~nfermagemcarentesna sociedade.

·- ...
Oquelfamllia 57

_
A respeitoda instituição familiar,só p~qemos-~~j~e-
rar que de modo universalhá uma afirm~ção_ crescel?-te.~!1
família nuclear.Mesmo nos paísesonde até hoje vigorr
a tradicional fam1liaextensa, monogâmica ou polig,~-
mica, 0 , número de famílias nuclearesé cada vez maior,
notando-seessatransformaçãoprincipalmentenos g~an-
des centros urbanos em evolução na Índia, C~ifl:~re
África.
Cada uma das atuais formas de famíliaviveu histó-
HISTÓIIIAMÍLIA rias ou conjunturas sociaisbem diversas.Muitas emi~r.a~
raro do campo para as cidades, em busça ~e ~1; ~
1
5

perspectivasde t!abalho, de vida, por razõess.ociais~,~o-


líticas,deixand; atrás de si várias geraçõesem esq~efl'\aS
Podemosfacilmenteencontrar a história da palavra familiaresbem iiverso~ daquelesque têm possibilid ~~~s·
. . '
FAMÍLIA.Já não podemosdizer o mesmo da história da de vivenciarem seu novo meio.
instituição familiar. O desenvolvimentoindu~trialcontribuiu.~m gr:nde
O termo FAMÍLIAorigina-sedoilatimfamu/us,que parte para precipit~r esseprocesso migratóri~.e de.r,~o-
significa:conjunto de servose dependentesde um chefe rnizaçãodas famílias tradicionais. No entanto, ele nao
ou senhor. Entre os chamadoslinha dependentes,inclui- •p_ode.ser.aponta~ocomo causaúnica das mudanças que
se a esposa e os filhos. Assim, a família greco-romana · instituição.
se op~ramnessa
...
compunha-se de um patriarca e seus fâmulos: esposa,
filhos, servoslivrese escravos.•
...
'

O quelfamtlia • 59
58 DANDA PRADO

Teorias sobre a familia Para esseestudioso,a instituiçãodo casamentoe da


família faz parte da sociedadevista como um organisi:no
De uns quarentaanos para cá, o interessepelo estudo total. Engelsanalisa a instituição familiar nas diferentes
daFAMÍLIAtem crescidoem todos os setoresdo aonhe- regiões'do mundo, e as mudançasque as afetaramno de-
cimcnto.Cada ramo científicoaborda-opor outro ângulo. correr dos séculos. Interessa-setambém pela interação
,, Assim,os economistaspreocupam-se~ntr , eoutros, com o entre a famíliae as outras instituiçõe.ssociaise culturais,
consumodoméstico;os etn6logos,descrevemas estruturas como o signific~d:oda monogamia,as relaçõese_ntreho-
de parentesco;os juristas,analisamas léisrelativasà família mens e mulheres, o modo de produção, a propriedade
e à luz de uma nova realidadesocial;os sociólogos,pesqui- dos bens de produção etc.
sam o seu funcionamentoconte~porâneo; os psic6logos,
os efeitossobre os indivíduosdas relaçõesinter e intrafa- ·,·.
O matriarcado teria existido ' •
miliares;os demógrafos,interpretam o crescimentoou a
os antropólogos,interessam-sepelos antes do patriarcado?
queda de natali_~a~e;
sist~masfamiliaresem diversasculturase assimpor diante.
Antes de qualquer coisa, esclareceremosessetitulo.
••Essesestudos que decompõema família em seus di:
Denomina-sefamilia matrilinearaquela que identificao
versos aspectos não·respondem, no entanto, a um!t cu-
indivíduo somentepela sua origem materna.Existemsis-
riosidademais ampla. Permanecea tentativa,que vem do
temaspatriarcaisnos quaiso nome dos filhos~eguea ll11ha
séculoXIX,de elaborar um estudo que compreendaa fa-
materna (matril_inearmas), o pai é identificadoe mantém
milia como um .todo - tratando-a por meio de grandes
estreitoslaçosculturais de todo tipo com os filhos.
teorias-, como foi feito por algunsautores,sendo Engels
Patriarcalé aquelaestruturafamiliarquenão som~nte
o mais conhecido e divulgado,com seu clássicotrabalho
a esserespeito. identifica o indivídu'opéla origem paterna (patrili~ear),
1 1 \ 1 . . ' ' .
. .
',:.

60 DANDAPRADO Otfllt éfamilia 61

mas ainda dá ao homem o direitoprio:itário sobreo filho µm sinal de.fertil:i~ade.da natureza,o leite de suà subsis-
• e o poder·sobrea pessoade sua esposa.Em verdade,mal- • têÍ'lcii:Nopàtriarcado,há uma apropriaçãodo corpo fe-
grado desconhecermosdetalhessobre os sistemasmati:iar- . mtni~•cfp~lo'poder masculino.Um homem pode.impor
caisexistentesem erasremotas,sabemosque os resquícios à mulher um grande número de gravidezesa fim de gerar
dessasculturas subsistemainda em certas sociedadespa- mão de obra abundante em seu próprio beneficio.O in-
tri~rcais(os israelitasatribuemmais valor à Linhagemma~.. verso.não
.
é factível.
. '

terna, e alguns grupos sociaisafricanosdão prioridade às... . •:. '. Engels descreveessa passagemde um matriarcado
mulheresem certasdecisõesetc.). 1 para o patriarcadoatribuindo-aa novas formas e modos
. •Encontram-se na História também indicações de de produção, decorrentes de inovaçõestecnológicas.Se-
violentos choquesentre as duas concepções:patriarcado: .1 gundo ele,essemomento situa-sena Pré-Histó~ia,na·Ê:ra•
' Neolítica,caracterizadapela invençãoda agriculturae·da
'1 e matriarcado(por exemplo,as Amazonasna Europa cen-
tral; Wlasta,rainha na Boêmiano séculoVIII etc.). criação de animais.Nessafase,a humanidade, em ve~:~e
As religiões monoteístas (todas elas identificadas apropriar-sedas plantas selvagense da caça·de·anin'f,ils,
com o sistema patriarcal) impuseram-sepela força, por.· co·meçaa plantar em certas árease a criar animais jurit?
'
sangrenta repressãoa costumes tradicionaisvigentes,di- :aseu local de residência. ·•·
zimando povosque cultuavamdeusas,crençaspoliteístas, No entanto; a agricultura era limitada a pequenos
e seguiamcostumesmatriarcais,tais como a não atribui- lotes de terra, que eram monopólio das mulheres.Os ho-
ção da paternid;ideinstitucional a cada criança nascida. mens continuavam nas atividadesde caça e.pesca como
'> •.• .,

Não se pode, no entanto, opor um sistemaao outro .no pas.sado. ' •; .


como simétrico. A contribuiçãodas mulherespara essasinvenções'fcii
No matrjarcadohavia o culto ao poder reprodutivo imensa,pois recolhiam filhotes recém-nascidose dav~ín-
femihino,por parte de homens emulheres,que neleviam -lhes o próprio s·eio·e,assim,domesticavamos animiis.
í l

go
' O qutl familia
62 DANDA PRADO

co·.
m Durante milharesde anos a DeusaMãe {ora-oúni ·,
Emsua tarefade colheita,observavamcom6 germinava riarc:at,.
·Pouc~·• • objetÓde veneração.Na passagemao sistem~.pat
as sementese se ~eproduziamas raízesdos veget~is. estatue-
sao cul- começarama surgirrepresentaçõesmasculinasem
a pouco, selecionaramas plantasmais aprop{iada b~HR-~
ia,para tas e o símbolomasculino:o falo é modeladoem,
tivo.Ao mesmo tempo,essecultivode cereaisexig /rp.pli-_.
pientes,· gravadona pedra. .SegundoEngels,essessimbolçi~
preparo e conservaçãode alimentos,o uso de reci criaçlo,.
idos' cam o reconhecimentodo papel·mascu.linona pro
capazesde resistirao calor do fogo e de guardar líqu ' mo e131,
,para no surgimentode divindadesmasculinas,e tam.bl.
~m grandes quantidades.As mulheres inventaram do ma-
isso, a cerâmica. fraqu.ecimentoprogressivodas bases ideológicas
zjd9,p,e!~,
ia~ • ·triarcado,num período em que o arado cond\.l
Nesse·mesmo período surgiu ainda a arte da tece •.e d.e$•,
~
stéc- homem substitui a enxada,manejada.pelamul~~
gem, igualmenteexercidapelasmulheres.Todasessa iníctçi•:.
ncias, trõi os fundamentoseconômicosdo matriarcadp.'f)'fd
nicasexigiramum extraordinárioacúmulode experiê ô,de
domi- da humanidade,1o:comunismoprimitivo - sinônim
de deduções,de troca de informações.As mulheres, • .eS~<!•QP
tam- ausênciada propriedadeprivada- const.itufaum
nando o conhecimentodessasnovastécnicas,tinham - ~
s,filho
bém que transmiti-Iasàs mais jovens. socialno qual inú~eros casaiscoexistiamco1:11,s~u
er- . elar, cujadireçãoera
no seiode um lar '.'comunitário"Ess
A menina ajudava a mãe a modelar o barro, obs a ativi:,
ão.Um garantida pelas mulheres, constituía também um
vavaos detalhes,imitava-ae recebiadela orientaç necessária(emcon-
desde dadepúblicade p;odução,S(?~iaÍmente
verdadeirosistemade aprendizagempresideassim s smulheres:t~celagem,
pela
ios.As sequênciadasativiâades,exercida
os tempos neolíticosa transmi;sãod~sartes e oflc eresbus-
icasde • cerâmicaetc.),assi:m·conioo abastecimentode vív
'mulhe~esexerciamo controle das prÍ,n.cipaistécn
cadospeloshomébs·éôina caçae a pesca.· !:,:·:' Ji,·;,.
•., •
isso,
sobrevtvência,nos primórdios do néolítico e, por cim-
rilinear Foi com a (àmili~•patriarcal(ou individu-al;•:c
detinham um grande poder. Daí o sistema mat nea.cfo
da estrutura familiar. posta em torno cie·umsó indivíduo),contempod

.....
..,.
3J
. .. . .
Otf"' I.Jamffia 65
DANDA PI\ADO
64
1
1
dest'nvolvimentoda propriedadeprivada,que a chefiado primitiva", que a;sim se referea uma época em que o pai
l,11 prrclcu seu cnrhterpúblico e se transformou em pres-
. . não era identificadoinstitucionalmente.
1.1ç,lo1pl1l,1 mulhr1',de serviçosprivadospara um homem;
. Hoje se verificaque essaé uma opção alternativade·
A rnulhcrtornou-se sua primeira servente, afastada da vida,sem caráternegativoem si. Tambémfaz a associação '
1 '
1
da "propriedadeprivad a"com a "opre ssão das mulhe res",
pnrdoipnçltocl.1p1•ocluç~o social,ainda segundoEngels.
pondeà realidade.Constatou-seque, em
Logo,a f.'llnHin individualmodernafundamenta-sen_a 1 o.que
;. . .. não corres
escravidãodoméscicaconfessaou dissimuladada mulher. grupos nos quais reinava o sistemado "comunismo pri-
O homem de nossosdiasdeve,na grandemaioriados casos, mitivo" em relaç.ão.a bens e valores,já se encontravaum~
ganhar o suficientepara alimentarsua família,pelo menos divisãode tarefasentre os sexos,privilegiandoos homens
nas classesde maior poder aquisitivo.Isto lhe dá uma posi- em detrimento das mulheres.
ção de supremaciamoral e econômicaem relaçãoà esposa. Essa visão histórica/evolucionistamarcou profun-
O rígido evolucionismode Engelsestá ultrapassado, damente a reflexãomundial sobre a família, em pa_rticu-
mas sem dúvida ainda hoje persistea interdependência.de lar quando se referiaàs mulherese às crianças.Fala-se,na
certas legisfaçõe.s familiarescom o modo de transmissão atual "liberdade'!das mulheres,quando estasj~ viveram
1
da propriedadeprivada aos seusdescendentes.No Brasil, em outros tempos com maior autonomia.
, observa-s.eque filhos ilegítimos eram excluídos da he- As crianças também passaram por épocas em que
rança de seuspais, assim como um dos argumentospara eram propriedad.eexclusivade seu pai. Este podia vendê-
tendo direito de vida e morte·sobreelas.
-las,escravizá-las;
recusar uma lei de divórcio era a pr9teção aos "bens de
•• família", que não deviam ser divididos. Lembremo-nosda Bíblia, onde Abraão,·obedecendo':~s
Grande parte dessasteoriasde Engelstevede ser dei- ordens de Deus,oferece-lheo sacriflciode seu filho I~aac.
xada de lado diante de estudosmaisrecentes.Entre outras Em épocas anteriores, no entanto, as crianç~s tinham
usufruído de status mais liberal. •.,
de suas afirmações,suas ideias sobre a "promiscuidade
... ".
DANDAl'lv\00
{ .

H.11.,ti11c
0 passado próximo e o presente presente,este nos.;p~rece incompreensível,e ri.?s irü1ht~~-
• . ••• , .• 111 j

Já o passado,estável,parece como de comi:i~e~rtsão. ::1-


. . . .... .,.. ..) ... • \.

()n,1111,1s1/rzc-snão ouvimosreferênciasà "crise"por dente. •


1p11L•l"~tnrrn pn~s,1nclG>a fümília ent nossos dias? No en- Com frequênciaele até nos seduz por sua simplici-
1,1Mto1,t' rnll1a1m~0s n evolução11.istóricadessainstituição, çlade,despertando_saudosismoscom desejos'.?uesP._e~~~:,
1
l tH~sl,11,11c1i1rus Gt~•c
1
grande número de comportamentos çasdivoltar n.ot~mpo.Nóentanto, na maiófi_à:?a(vé~ ~s,
vistos oon10excloições se tornou regra,e vice-versa.Regras . e~~e·p~s~ad~·nã~'f~i aquelevivido em nossai'pr6prí~sfa-
rigorosaspassarama ser vistas como exceções. mílias, e sim aquele que idealizamospor meio da litera-
Não há transformaçãonuma só direção. Conforme tura das lendas :•dahistória
' '· ~ ~
.,
e das lembranças.alheta§.'
\: ~ . ~.-;
..., .• . • ,. ·:-~~~,\~ ,{/1, •.

os interessessocioeconômicosde uma soci~dadeou odes-


1 , ' ,
. . . Essa "crise"seria o resultadoapenasdas.tr~p.sf.O~r),a-:
, • • , • ' 1• • , ., J,. ,
, ' .• , -,. ' •. I j • ,

taque que ela dá a certos valores,as fStruturasfamilia;~$.•::__ : :i.: ;õe;:i~dustriais?s~~ ~ú~ida;à~gum_a _hácert~.c~~je~~ên§a
vão se modificando. Fala-semuito em "crise"da família, entre as formasfainiHarese as diversaszonas geogr.áfrcas e
mas esquecemosque toda e qualque~~mµdança ou estado culturais. ·.',/.:.:.· .· _ :;_. !..:,:..-:i'i,,.
•1 de evolução permanente de qualq{i:~rfenômeno social . . Issoseevideqciac9.mclarezano casodô~
• '!•,.} l•
·\.:-,
J;l.é?vo,s;p~~es
~l : • ;_!,,, .....
:~ '), . ..
· . ·.•·• •,I

implica transformaçãoconstante. Isso leva a diminuir o= que se constitue~1 \?!p~~~o-~~ ind.epertd,en~!J~. ?S.~u,ª\1~-
signi~cadodo passado,e passamosentão a observartudo, tigas metrópole~,.-fº~9 n.a ~sia e na, Afr1c~:1:1~~TH~r-
a analisare a julgar exclusivamentesob a visão e compre- mente domina,d;s por colonizadores qüe havi;i:m
ensão atual ou contemporânea. imposto seu pr6p~~osistei:nafamiliar, indep~p.dJr~~'.??s
0.utra deformação frequente consiste na atitude ·costumesali encontrados,revoltam-seagora_e_t~nta11?,:re-
oposta, ou seja,numa fuga para o passado que nos apa- viver, num naCÍonalismoalienado da no\r~;:r~~lid.~de
rece C?mo fixo e evidente,pois certos acontecimentose mundial, formas antigasde família.Assi~;_P'?.f é~emP.l_o,
situações já f~ram re_solvidos; bem ou mal. Q!.iantoao na Argélia. Q!iando conquistaram aos. ~r~~c~~~s ;ua
..
.I° '.•

3.5
• ••• • • • •• •• eo••
.· .

68 DANDAPRADO O quelfamilia 69

i nolq)eHclêuoin(1962),os argelianos' quiseram retornar'~ • a) A primeir~ estaria ligada à Revolução Indi.jstrial,


il\"11gl r,,diçõcs 0m
11111 relação às mulheres, que há muito que tra~sformou profundamente, no século XVIII, alguns :
l:i,w,.111111alo1.1doos costumes ocidentais de s~us coloniza- países, ~ afeta aindaJoje
..
outros que estão em vias de rea-
do, <'S, h11C'li;erciu inómeros conflitos familiares e o nú- lizar a mesma rev'oli.tção,
. '
olc~uidc'liose de fugas entre asijovens aumentou ·de
111c,1•n .•:_.•• • •• b) A segunda·:concerne aos países que ad1l'giram
• • • • • • I •
101H\,I ,ll,1.1/lllll!HC, l atualmente um alto estágio de désenvolviment_o tecn1co•
,, A I?l'essãodas religiões foi a estr'atégia utilizada para e econômico. O Brasil; por exemplo, seria um país entre
impor uma nova e "verdadeira moral familiar", de que essas duas situaçôes extremas (conforme a região anali-
ela seria a portadora. Assim, os missionários católicos im- sada).
puseram, drasticamente muitas vezes, o fim da poligamia A Revoluçãd Industrial gerou uma série de· ~u\f~n-
e do infanticídio, a exigência da virgindade, o uso de rou- ças, em particular de ordem técnica e econômica, que
pas a fim de esconder as partes sexuais do corpo etc. transformou profundamente a vida social.
. '1 Essas são somente algumas entre as inúmeras ilustra- Já foi afirmado, e sem exagero, que o grande'' foi-
ções p~ssíveis da multiplicidade de influências recíprocas pulso científico que marcou o fim do século XVIIIe· o •
'e complexas que há no tocante ·à família. Estas, Rºr sua conjunto do séc4lo XIX na história da humanidade não
vez, se exercem em sentido contrário, ou seja, sobre as teve precedentes.' Não foram tão-somente as condiç'ões
outras instituições e sobre a sociedade em geral. Assim, a . materiais da existência que se transformaram, mas,· por
chamada "crise" da família está sempre inscrita núm con- extensão, o conjunto de conceitos filosóficos, ideológicos,
texto amplo de transformaçõe; soci;is. Poderíamos dis- étnicos e políticos.
tinguir de modo geral duas formas de crises familiares A Revolução foi de tal importância que os valores
resultantes de duas etapas diversas da evolução social na culturais mais enraizados, aqueles que durante séculos
história recente: cimentaram o comportamento dos indivíduos, fora~
- .'
' '
lfamllia
0 tJII<
70 DANDAl'Jv.oo

se·
s te da pres- A maioria das's0tieda,despré-industriais-baseiá-
profundamente abaladose q1;1estion~dodian
. •numa economia-essénéialmente agrícolae comercial.Si.la
são do que se pode chamar "o mun~o moderno"
1 po.pulação,caracterizatfa.-por alto índice de natalidade e
rutur'as
de mortalidade,v~ia pouco, assimcomo suas·est
A família tradicional sociaisse mantêm estáveise pouco complexas.
ie-
O tipo familiar dominante encontrado nessassoc
os dades foi chamado tradicional, extenso, patriarc
al e a~
A familia, a instituição mais "sólida" desde cfai.
forma méstic~ entre outras denominaçõesmenos difundi
princípios elaera cristã, reforçada em sua antiga e
desde. Nas classes sociais abastadas, encontra~a-s~.eis
patriarcal pelas religiões ocidentais, conheceu P,rie-
con- grupo vivendonuma s6 granderesidência,numa pro
então grandes transformações que até hoje não de' \:iin
dade extensa. Nas outras classes, os membros·
'1

de so-
quistaram unanimidade similar à daquele tipo v:ezês,
,ciedade repressivae autoritária de então (século'
sXVIII mesmo grupo familiar ocupavam,na maiorià.das
pa~tici-
e XIX). casas contíguas1 reunindo-se com frequência··e·
•·•
. i'
• Hoje essas mudanças atingem os países em des
en- pando de atividadesem comum.
.J m
., lmente Esse tipo de família era capaz de assumit,'tântcfe
volvimentoe mesmoas populaçõesque vivemtota
rela ção aos seus próprios membros como ·en{relação'à
à margem da "civilização"branca e ocidental. 1 pápel .
i- sa'ciedade,uma grande diversidadede funçõ.es.Seu
É preciso não esquecermosque as revoluçõestécn rodu-
a outra também era preponderantedo ponto de vista da rep
cas da produção não se deram de uma hora par ítica.
filho ção e da edu~ação;assim como da religiãoe da·pol
nem simultaneamente.Em uma 'gran'defamília,um r-
uanto Q!ianto.aof~toreconômico,ocupavaum·lu~ardete
podiá emigrar para a cidade com sua mulher, enq ptio
iarcais minante pelo fato de transmitir no interio(âo pi6
seus parentes mantinham as rígidas tradiçõespatr .eficiâva
em suas terras:deorigem. grupo uma verdadeiradivisãode trabalhoquê b~n

--••·- 1
35
1 . .
... Oif«eéfam(/ia 73
72 DANDA PRADO
l
'
o patrimônio comum. Essaestrutura extensaera, aliás, • ·1 Além da virgindade da esposa, tinha-se que levar em
de bens,
condiçãosinequanon para a criaçãoe transrp.issão , conta sua condição familiar e a educação recebidaque
j.. :·deveriaprepará-laadequadamentepara seus papéisde es-
tjtulose direitos,o que permitiamantere r~forçaros laços.' 1 • •

,.
internos. posa e mãe.
O papelprotetorelogrupo em relaçãoaosseusmem- A hierarquia familiar era extremamente rígida,
bros é salientadocom frequência,sendo de relevanteim- apoiando-senas diferençasmais elementares:biológicas,
portância nos casosde velhice,quando há a necessidad·e: de sexo, de idade.e de geração.As mulheres subordina-
da manutenção dos la~oscom o passado, perpetuando vam-seaos homens, assim como os jovensaos mais ido-
tradiçõesindispensáveisà memóriahistórica do grupo. sos; 0 homem mais velho era, portanto, o personagem
As uniõesmatrimoniaiseram decididaspelasrespec- qµe detinha as mais altas dignidades(status)e a maior
tivas famílias,segundo suas conveniências.Numa soci~- • auto;idade sobre o resto da família da qual ele era o pa-
dade muito estruturada e limitada a um número restrito triarca.
de camadassociais,a propriedadeprivadae a posiçãonos Essafamília-padrãotinha um papel socioeconômico
grupos familiares dependiam em grande medida dos essencialna sociedadepré-industrial.O prestígio sociàl'
laços matrimoniaiscontratados. dos indivíduosdecorria ao mesmo teinpo de sua origem
Muitas vezes,os cônjugesvinham a se conhecerso- · na sociedadee de sua posiçãono interior da família.Suas
mente no dia do casamento.A paixãoamorosaarriscaria perspectivasde ação e promoção dependiam fundamen-:
ligaçõespouco desejadaspelo grupo ·familiar,pondo em talmentede seu nascimento,sua origem.
Em algumas:sqciedades menoscomplexas,com menor
risco o princípio da fidelidade,e os;interessespessoais
poderiam _ultrapassaros interessesdJ grupo. número de formasin.stitucionaisa, famíliaera, às vezes,a
A castidadeda esposa era escrupulosamente•prote- única ou a prin~ipafõrganizaçãointermediáriaen~e o in;
gida a fim de garantir herdeiros legítimos ao marido. divíduo e a instituiçãopolíticamais alta. A tradiçãoe os
1
•••••••••••• • •••••••••••••••••••••••• ...... ,

O qut Jfamilia .75


74 DANDA PMOO

Aparência e realidade
costumesimpunhamao indivíduodedicaçãoà sua familia
e ao clã.
,
Descrevemosacim a, as característicasgerais da fa-,·
O grupo familiar de tipo patriarcal retinha o indi-
víduo ao longo de toda sua vida e inthvinha na quaseto-
e
mília tradicional patriarcal.Váriosautores,porém, têm
talidadede suas atividadeseducativat profissionaisetc. dúvidas sobre a exatidão dessa apresentaçãoesquemati- ·,

Numa sociedadepré-industrial,~ inconcebíveldisso- zante. Podemosencontrar na lite.raturade épocaspassa-


cinr famllia e religião.Tanto no pliibo social como no das, personagens:esituaçõesque divergemdesseesquema,
idua l, tudo o que toca à vida orgâ nica dá fami lia .• ~pre sentado,e tambémfilósofose pensadoresque·denun-
indiv
conta com o apoio e é controladopela réligião.Em troca, çíarain.conflitosba vida familiarde outrora.
•Seráque de °fatotudo se passava~ssimda forma des-
a instituição religiosaé sustentadapela família, que lhe
fornece apoio insubstituível,colaborando de forma pri- crita nas famílias tradicionais antigas?Não estaríamos
~ordial à transmissãodas crenças,ao currjprimentoda~ j ., d1a~tede uma s~rie de deformaçõesoriginadas de uma
ãofragmentada a respeito de épocas mais ou
práticas religiosas,à aceitaçãodas punições impostá;. • : :,\ ": i?,forinaç
Dessa formà, a Igreja,que é tanto ou mais tradici;- menos remotas?
açõe s É.pr ecisotaµibém notar que essasdescr.ições se refe-
nalista que a famí lia,sacr alizaas prin cipa isman ifest
to, a rém a certa sçam ~dassociaisprivilegiadaseconomicamente ..
da vida fami liar, com o o nasc imen to, o casa men
Tendo sido;poucoregistradaa vida das camadaspo-
morteetc.,e condena(p~nindoconformeo caso)a interrup-'
ção da gravidez,o divórcio, o exercícioda sexualidade pulares, isso induz o historiador e seus leitores a erros
livreetc. Toda infração às normas é sancionada.Os deu- muito frequentesde interpretaçãoda História. Assim, a
ses,com frequência,apresentamum modelo eterno e sq- informaçãosociológicasegurae universalpode referir-se
premo de família extensae patriarcal. ·somente a algumas pessoas,famílias ou setores privile-
giados,e não às·classessociaismais amplas.
••
••••
4i i

76 DANDAPRADO
O q11éefamilia

Análisesdessetipo induzem a err


os mesmose coin- verificarqual o modelo familiarpr
cidentes com o modelo cultural econizadopelo grupo·.-
adotado pela classedo- socialdominante-naquelaépocae
minante. acompanhar ao longo
' . dos séculosseguintes,quais as mu
Já afirmamos anteriormenteque nas dançasconstatadasna-
socieda9esan- quele modelo particular. Resumi
tigas,baseadasnum sistemapatri ndo,diríamos que rtão
arcdl,algumasfamílias, se pode falar em HISTÓRIADA
aquelasque detinham o poder econ 1 FAMÍLIA,mas sim em.
ômico,podiamcorres- HISTÓRIADE éADA GRUPO
ponder ao modelo ideal de famíli ·FAMILIAR.
a, modelo esse propa-
gado pelo grupo economicamente
dominante. As outras
se organizavamem célulasconju
gaise/ou nucleares.
Para uma família patriarcal exten
sasubsistirera ne- .,
cessárioque possuísseum patri~ô
nio. E este não era o
caso da grandemaioria da populaç
ão,em sociedadesnas
quais as desigualdadessociaisera
m flagrantese nas quais
a maioria das :pe~soasó s podia contar com sua força de
1 J . . ..
l trabalho para garantir a própria
sobrevivência.
t •••

Seria ainda preciso desmistifica


ra ideia de que as
formas familiares do passado ter r
iam sido estática~.Ao
contrário, elas evoluíramjuntam
ente com os movimen-
tos sociais. .1

Seriapreciso,para traçar as muda .i .


nças históricasda
família, conhecer a história de
cada modelo familiar.
Assim,por exemplo,tomar uma
sociedadeno séculoX,

...
' ,;
••
•••••••••••••••••••
O '[li<Ifamilia 79

pouco expressiva.Essas·imagens refletem m'aisum mo-


delo idealizado,e trazido pelos imigrantes dos diversos
países
...
europeus'em passado mais ou menos recente, do
• qúe tim modelo surgido aqui mesmo em nosso país.
Com os portugueses,vieram para o Brasilsuas nor-
mas jurídicas, costumes e tradições relativos à sua vida
.,'
i familiar.Doutra parte, as populaçõesindígenasmantive-•
ram suaspróprias tradições,que os missionário~da época
AFAMÍ:{A tentavamconverterpara hábitos cristãos.Por outró lado,
CON't_M havia a populaçãbafricanaimportada como escrava.Esta
fcfbrutalmente impedida de manter suas próprias tradi-
ções,e em relação às famílias naturais (mãe.se filhos) as
Como já dissemos,talvezpela primeira vez na His- decisões variavam conforme o proprietário 'da mãe-e~-
t6ria mundial, o mesmo conjunto de influências- as for- crava. As normas gerais em vigor modificaram-se. ao
ças sociais da industrializaçãoe da urbanização- esteja longo dos tempós:A Lei do Ventre Livre foi o priméiró
afetando todas as sociedadesconhecidas. passo,no sentido do reconhecimentodo_dir~ito da ~ãe
Essa transformaçãose dá em ritmos diversos,com negra ao seu fillio; que não mais poderia ser negociado.
avançose recuos,mas sempre num s6 sentido, ou seja,a Referimo-nçís;portanto, aqui ao grupo da popÜia.,-
caminho da generalizaçãodo tipo de;famílianuclear. ção brasileiram~is-amplo,resultante dessami:5dgenação
1· entre imigranteseuropeus brancos(portugueses,em prin-
Igual fenômeno também podei ser observado no : • . 1 "

Brasil._Há·certanostalgiacom relação}aimagensclássicas cípio, holandesesno Nordeste,a partir do séculoXIXos


i
da famíliaburguesa,a qualem realidadé-fonume ricamente italianos,alemães,orientais,estrangeirosde diversospaíses
'
.
'
••• • • ••••••• ••• •••
'

80 0ANOA PRAOO Oqueéfamilia ... ~1


.: •,. : ..
:. ' :
do OrienteMédioetc.),indígenas"civilizados",isto_-é, aque- i Uma vez casados,os·filhos
. moravam o mais prqxi!U~
~.
P.C?,ssí
.. . . .. ~
0

les que se i~corporamàs zonas urbanas, e negroslibertos. L


·'•l .
.. vel-d~sP,aiscom os quaistrabalhavam,herdan19~P~~teri~~-
Semdúvida,formaram-sealgunsnúcleosque reforçam mente, as terras, o negócio comercialetc. O div_órc~o, a
ainda hoje suas tradiçõesde origem Gaponeses,sírio-liba- 1 separaçãoera impensável,poiso idealdo casame~to_. 7r~"~ni-
neses,por exemplo),mas devemsubmeter-seà nossaCons- dos até que a morte os separe",fórmula de orig~~ c~tó!i~a.
cituiçãoe ao nosso direito em todas as suas jurisdições. As pessoas menos saudosistas, as "Pfº~!fssist~i\_.
Apesar de toda essa variedade de origens, pode-se veem no presente·un}.avanço, e U?O uma reire~s~odi~i~e.
afirmar que existeum consenso em torno a certos mode- desse passado acima descrito. Com frequência reconhe-
los familiares.Assim, descrevem-se"àqueles tempos" em cem também a ciiistêpcia
. .. ••
dess~estereótip~,• m~s
' •.~ 't'
de_sc:r:-
L, • 'J 1• •

ciueexi~tiria·um patriarca,o chefeda 'famíliaem todos os vem o passado CR/11 um.acon~!~çãoemoçi~.11:~L~ív~,~~r·.:.,


sentidos, exercendoautoridade moral e econômicasobre Qizem que prog~edimos,P.oispassamosd9__PºÔ,~f. ~r-
,a mulh.er,_osfilhos e empregados. ! bitrário dos mais,:vdhos,.P.ara
• ,,.:,,
uma liberdade~~ior Pª!ª os
~ • ,4,,i -~·,

Havia uma divisão de tarefas rigidamente


,. e9tabele- jovens;de casamep,tÓ~ c·onven~ionais
r~sulta~tes_ de !ntjres~·.
cida entre os múltiplos mempros da família, divisão essa ses,de alianças,p~r~ ~niõesbaseadasnum~ ~~ol_ha_ af~~i.va~
que não deixava margem a dúvidas'hem conflitos, pois de barreirasde classee ~açà,para um ·sisfemamais aberto
também eram bem delimitados os direitos e deveresde de relacionament6i-~te~pessoal; da submissãodasmulheres,
cada membro da família para com todos os outros. a urqa relaçãode maior co~panheirismo na buscade uma
Essafamília-modelotinha diversasfunções:fonte de relaçãomaisigualitária;da repressãodas emoç§e_s d~scrian-•
estabilidadeeconômica, base religiosa,moral, educacio- ças, para a compreensãodos impulsosinfantis. .. . 1 •__.,_ .
nal e profissional. O mito da "grande famíliaunida e de ~ól~dos_p_tLr}d-
Os jovenseram educadospara respeitara fidelidadeno pios", de antigamente,é, como a maioria dos es~er:eótipo~,
casamento,e as_µ19ças1eviammanter-sevirgensatéessadata. fruto de valoresideal~stas.Q!iando nos aprofundamosno

4,0
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••
82 DANDA PAAOO O,pieéfamília 83

co~h~cimentó·da história socialdo país, verificamosque pais e filhos), -ao comportamento esperado entre seus
houve um número mínimo dessesexemplosde f~mília membros (responsabilidadeeconômica do marido, in-
"tradicional". • • : fraestrutura doméstica e afetivapela mulher, obediência
Poucas são as famílias que se mantiveram reunidas às diretivas paternas) e à expectativados papéis sociais
por muitasgeraçõesou englobaramum parentescoextenso que deverãoser cumpridos por cada um.
de múltiplos graus. A maioria das casas era pequena. Se Há, porém, diferençasconcretasentre as famíliasde
hojeem dia vemosaindaum certonúi?ero de casasantigas diversasclassessociais.Por exemplo:a premência econô-
muito grandes,é porque essascasasforam provavelmente mic~ impele as·classesbaixas a uma gqmde,mobilidade
mais bem construídas,resistindoassim ao tempo. geográfica.Também entre as novas gerações,à migração
É verdadeque o divórcionão existia,mas não temos elevadaé uma característicade maior parte do .ri.osso
'pals,
nenhuma prova de que a união dos casais era perene, ·entfeo interior e as capitais.O jove~ (a moç~)deixáseus
senão·pelas aparências que mantinham. Na geração de .. •.p~is:evaiestudarnuma cidademaior. Issoaumenta a tm-
. nossos avós,eles já se referiam por sua vez a uma época portância dos laços decorrentesde uma mesma origem
anterior à deles onde a vida familiar teria sido ainda geográfica,reforçados ai:r:idapor relaçõesde·parentesco,
.ll).elhore os indivíduos mais responsáveis1 mesmo distantes:
.· .· :·._:.f : ::._.·
::·.·Os laços qe solidariedade,a expectativad~ a_poiore-
.1 cíproco, os sistemas·deobrigaçãoe de lealdadeligam em
A realidade familiar n_oBrasil {' grandesblocos:~s-indiv_íduos·de uma mesmaregiãooü es-
·1
·t
•~
tado. Não são os de~téndentesda mesmafamíliaque ocu- •
1
Não varia muito de uma cama~asocial para outra pam todo um ·c~njbrttohabitacional, mas os grupos de
o ideal referente à fam.ília,aos laçosiqueaí são valoriza-
i
j mora9oresna ·maior parte das vezesde mesmaclasseso-
dos (amor entre o casal, compreensão e amizade entre. cial que aí se sucedem:
.1
•• ••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••• 1

84 DANDAPRADO Oq11e
éfa111í/ia 85

Entre o proletariado, encontramos muitas famílias uma atitude de recato e pudor. Isso significa um duplo
nucleares em que o casal não é unido por laços legais, padrão de comportamento.A valorizaçãoe o significado
assim como encontramos também um grande número ..
( dessepadrão implicama existênciade uma subordinação
de famíliaschefiadaspor mulheres,não somenteem vir- específicada mulher em relação ao homem .que é refor-
,, nuçleda ausência do marido (mães·solteiras,separação, çada pela cultura patriarcal.
(
..,i1uvez),
mas também porque é cada vez mais frequente Os parentes têm a função de preservaras relações
QJUe a mulher trabalhe e assumaas..responsabilidades ma- primárias,
,
tornando-as assim um valor cultural
.
funda-
teriais do lar e da familia. mental para o"i-ndivíduo,o que garante~euentrosafn'ento
Na classe média, a família tende a ser nuclear e, social em moldes tradicionais.
ainda, mergulhadanuma vasta rede de parentesco. Pode-sedizer que vivemosainda numàso~iêdâ8ede
Na classe alta, a família se· mantém ainda numa primos e não numa sociedadede cidadãos;'-ist<:í'ê; ~bte-
forma mais "extensa"que nas outras. É patriarca quem mos ainda maiores vantagenspor meio dos'pareiités do
•detém o controle dos meios de produção, do patri,mônio que da sociedâde.As alianças,as lealdâdes;·•criam-sê-é
são
e da renda familiare sua autoridadeé;predominantee, na desenvolvidasentre parentesconsanguíneós,·ou porafi-
'
maioria das vezes,indiscutível. nidade e escol.ha(compadrio)ou união. • •• .. • ·,
No entanto,em todas as classes,segue-se,aindaque de O parentescocompõe-setanto dos descendentes.de
modorelativo,os padrõespatriarcaisda famíliade classe·alta.
\
linha materna como paterna.O aumento da-importância
O chamado complexo de v~_rgindade-virilidade dos parentes eorresponde a· uma diminuição do· p·oder
marca as posiçõesdiferentesda mulher e do homem na •pode encontrar no· 1'tio que>emi-
patriarcal. Un;i-jbv:em
organizaçãofamiliar:ao home~ sãoipermitidas
' .
e valori- grou para a cidade·grande" a orientação, o apoio que só
zadas as aventurase a infidelidadecónjugal;já a mulher seu pai lhe dafia noutros tempos. Sem;cotn isso,infrin-
(tanto antes q1,1anto qepois dó casamento),deve manter· gir regrasde lealdadefamiliares.
•••••• ••• • •••••••••• ••• ••••••••••••
86 DANDA PRADO OqueIfamilia 87
,..
A presença da mulher no perfil A questã? que se levanta é até que ponto essa mu-
atual da família brasileira dan;çano perfil.dafamíliacolaboroucqm a.emancipação
i . . ,_.... c;la_ ~ulher. Será que a mulher só foi em busca de um
, A presença feminina na esfera do trabalho é cad·a_·•::.: ::·.:.-_:-.
l.i;igarno ~tatusfamiliar por necessidadescon.tingenciais?
vez mais fü1cq\,le11te,
e esse fato está mudando o perfil fa~ • • Se pegarmos.ª_Históriarecente, veremos que, em certa
miliarbrasileiro,pois reflete,inclusive,em quem assume medida, ambàs as coisascaminharam paralélamente.
auwulmenteo papel de chefede família. A mulher já há temposbuscavaum lugar melh0t na
Segundodados do IBGE de 2000, mais de 240/odos : sociedade.Por.. sua. vez, as
'
necessidadeseconômicas.eso-
domicíliosbrasileiroseram chefiadospor mulherese, em- ciais abriram às portas para que as mulheresp)ldess.emfi-
. '
!--oraessesejaum perfil que atinja todo o país, essacarac- nalmente lib~rtar-s~de algumas amarras, rodeadas _.de
istica era mais presente no
. Nordeste.
. . • •preconceitos,~-.fimde buscar.seu lugar ao sol.
Trata-sede um fenômeno tipica}nenteurbano, que Aos poucosl ~s mulheres, de todas as cam-ad.asso-
atinge famílias monoparentais.As ch~fesde família sãç,, ciais, começ_a.;am\abuscar uma melhor colocação na
em sua maioria, mulheresmais joven{ separadas,negras, sociedade e· rio n:úcleo familiar. Mesmó •em dasses
~ . ' ~ '
de classesmais baixas e com baixo g/au de escolaridade. menos abastadas,cada vez mais, a mulher estuda, se es-
A miséria,a necessidadede colaborarcom o parceiropara •
pecializa.
a manutenção da casaou de manter a.subsistênciade sua Cargose;p~ofissõesantes essencialmentemasculinos
família, quando se encontram sozinhas, fazem com que estão cada vez ·mais sendo ocupados por.mulheres.Em-
as mulheres deixem os afazeresde casa em busca de em- bora essasituaçãoapresentemelhorassignificativas,ainda
pregosou subempregosno mercado formal ou informal há várias batalhas a serempercorridas como os salários,
;- muitas v:ezeso mais proc_urado,em razão da falta de es- que continuam desiguaise o preconceito enraizado na
pecializaçãoe escolaridade. própria sociedade,onde muitos homens ain~ase recusam

·-
43,
O ff"' éfamllia
88 DANDAPRADO
1
e··à·~quiparaçãodos filhos adotados aós ·legítimos:para
domésticoscom suas pa;cei;as,so." . '.. '. -·.-:
a·partilhar os afa_zeres
brecarregando-asem demasia. fins de direitos de herança,por exemplo.
O Código Civil de 2002veio a consagra(o que já es-
tabelecidoconstitucionalmentee, com o intuito de•pro-
Normas do r;>ireito Civil Brasileiro teger ainda m~is a família, criou outras figurasjurídicas
relativas à família com o fim de facilitara equiparaçãode quem meramente
conviviasob o mesmo teto ao cônjuge,criando uma série
.. .... . • ·de proteçõe~àntes nem imaginadas.
O Código Cívil é a principal lei brasileiraque rege
a instituição familiarno país, ditando regrassobre o ma- E o legisladorbrasileirovem tentando acompanhar
trimônio, filiação,parentesco,entre butros. Há também as rápidasmodificaçõespor que a sociedadetem passado,
outras legislaçõesordinárias, que surgem conforme a ne- assim como tém procurado facilitar a vida dos·cidadãos,
cessidadede se.adaptara instituição familiar ao contexto na medida do possível.Esse é o caso, por exemplo,_da
histórico e social presente. Lei 11.441/2007,que·prevêa possibilidadede separação
: espelhoda rea-
Isso não garanteque as leis sejamum extrajudicial,óu•seja,diretamenteno Cartório sem q·uese
lidade.Co1nose disse acima, as normas do Direito, par- • passepeloJudiciário, desdeque não haja menoresenvol-
ticularmenteno caso daquelasque atingema família,vão vidos e de que·a separaçãoseja consensual.
se ajustando à medida que os costumesse modificam. Esse não é ainda o ideal, pois contempl~somente
Com o intuito de protegera família,a Const•ituição algunscasos,mas é um passopara que se comecea pensar
Federa_! de 1988criou uma sériede figurasjurídicas,o que em soluçõesmais adequadaspara as antigas"dores de ca-
equiparou algumassituaçõesexistentesàs civilmentepre- beça" causadaspela legislaçãorelativa à família.
vistas,como no casoda união estável,em que a mera con- Se por um lado "caminha-separa frente", por,outro
vivênc~ajá garantedireitos e déveresentre companheiros, ainda encontramosos resquíciosdo passadoabrigarcom
·,
90 DANDAPRADO Oqutéfamília 91
....
o futuro. Por exemplo,ainda existem_casosem que a gra- .Affamilia i?dígena brasileira
videz em menores advindas de relaçõ'.essexuaisincestuo- . •.

sas, muitas vezes mediante estupr~, é abafada pelo . . existemno Brasilvários tipos de
Como j:i di"ssernos,
próprio núcleo familiar, quando a avõ do recém-nascido famílias cuja~.normas não são reguladas pelo nosso sis-
"adota-o"com~ seu próprio filho a fit de ·mantera "apa- tema jurídico·.,São is famílias indígenas. Elas coexistem
rência" de um lar bem-estruturado.E isso, a despeito da conosco e faz~t'nparte da realidade nacional, mas são so-
promulgação,em 1990,do Estatuto dá Criança e do Ado- mente codificadaspor usos e costumesque variamde um
lescente,que prevê o direito de crianças e adolescentesà grupo indígeria para outro e que também evoluem em
família e à sua dignidade. suas,formas rio decorrer dos tempos.
Além.disso, as mulheres, ainda hoje, deixam de re- Essasfamílias também seguemnormas e regras pre-
correr à Justiça quando brutalizadas pelos maridos, por cisas que estabelecemsuas prioridades, princípios e fun-
medo ou para resguardar a imagem da família. Isso ções, incluindo punições aos infratores.
mesmo depois de 1985,quando foram criadas as prime.i- Com a Constituição de 1988, o indígena brasileiro
ras Delegaciasda Mulher e de 2006,quando foi promul- passou a ter sua cultura protegida. Portanto, seu usos e
gada a Lei 11.340, mais conhecida por L~i Maria da costumesrelacionadosà famíliaestão protegidose devem
Penha, que protege as mulheres vítimas de violência do- ser respeitados. _
. ' Os contatos com as diversasculturas brasileirasre-
méstica.
Apesar de avanços e retrocessos,o certo é que o le- fletem-sea cada passo em seus costumes.Também entre
gislador, depois de 1988, tem buscado acompanhar as os indígenas, os jovens são acusados pelos mais i~osos
mudançassociàis por não respeitaremas tradiçõesde seus pais. Obedecem
. -commais
. cµidado do que antes de pro_-
mulgada nossà Constituição. E issô, bem ou mal, é. um menos, usufruem de maior liberdade, desrespeitam a
grande avanço. moral sexualtradicional etc.

'-tS
1
92 DANDAPRADO O qut f familia 93

A nosso ver, uma das razões do interesseda análise· . .. ' . A família negra brasileira no século. XX
do sistema de famílias indígenas reside na observaçãode
como evoluem suas estruturas e em quais direções,bem A famíli~negr~ brasikira contemporânea não apre-
como nas possibilidadesou não de ~ma integração aos senta características~specíficasque a distingam das famí-
' • lias brancas,segundo os diferentesextratos sociais.
\Usose costumçs da população branc4:
Existem no país inúmeras po~ulações indígenas, 'Entretanto,'em.passado não muito remoto e, sobre-
com uma grande diversificaçãoem suas estruturassociais tudo, nos núeléos negrosrurais e litorâneos,destacava-se,
. .
e econom1cas. e encontramos ainda; a família matrifocal extensa.
Podemos ainda acrescentar que se tem verificado Essafamilia, segundo alguns autores, seria a sobre-
entre diversosgrupos indígenasuma gradual transforma- vivênciada família afrodescendenteque se caracterizaria
·çãode seus sistemasem famíliasnucleares.Isso se dá cada pela troca objetiva entre as vantagenseconômicasofere-
vez com mais frequência quando o indígena é atraído cidas pelos homens e os serviçossexuaisprestados pelas
por .atividadesnão usuais a elesque surgem em sua área, mulheres,além de conferir aos homens o di'reitode pro-
como o garimpo, por exemplo. Pouco a pouco o indí- priedade sobre a prole.
genavem buscar mulher e filhos pa_raviversomente com Nessetip.ode família haveria também certa proemi- ·,
ele numa casa individualizada perto do seu.local de tra- nência da poliginia,que significaa relaçãode um home.cn
balho, afastando-se,assim, de sua aldeia e criando novos com várias mulheres, embora fora do casamento, o que
hábitos de consumo. Modificam-se,em consequência,pa- a distinguiria da poligamia(onde um homem tem várias
drões familiares.O pai passa a ser a única fonte de sub- esposaslegalmente).
sistêl'.\ciae, um~ vez modificados seus costumestribais, o Outros autores, ainda, afirmam que o aparecimento
retorno será ca~avez m_aisdificil, aumentando o número de uma famílianegra,com característicaspatriarcaiscomo
dos:que se instalamna periferiadas cidadesdos "brancos". a maioria das famílias,destacava-sepela matrifocalidadee

·-
DANDAl'RAoo O!"' lfamflia 95
94

por um poder ·econômicoacentuadopor parte da mulher entre eles(isto é, famíliasque se constituem ao redor de
adulta. Ainda segundo os mesmos autores, essa situação uma mulher e seus filhos e netos).
seria o resultadode três fatoresconjugados: Essasfamíliasconstituiriamuma forma de organiza-
a) A escravidãoteria separado as mulheres e os ho- ção bastantefuncional,já que se tornaram a única garan-
mens negros,já que os contratos do tráfegoproibiam a . tia de subsistênciae de sobrevivênciadas criançase dos
inclusão de mais de 1/3 de mulheres em cada lote de es- velhos,como veremosmais adiante.
cravos. Para Roger Bastide, "é indubitável que a família
b) Os senhoresaproveitavam-se de seupoder paraexer- negra urbana seja o produto de um duplo processo de
cera exploraçãosexualsobreas escravasde sua propriedade, desagregaçãodos modelos africanos;o primeiro, remon-
sejaem uso próprio ou de seusamigos,sejaexplorando-as tando à promiscuidadesexualda escravidãoe o segundo,
indiretamentepor meio da prostituiçãonas ruas. à debandadaque se seguiuà emancipaçãoe.que levou o
c) Essasituação ocorreria por causa da apropriação negro a viver nas cidadeslonge do controle de qualquer
pelos donos de escravosda prol~ das mulheresnegras: grupo social".
Por ocasiãoda libertaçãoparcial,,muitosescravosho- A existência,no entanto, dessasfamíliasnegrasma-
mensdirigiram-se paraos centrosurbanosprocurandoexer- trifocaisextensas,não seria o resultado de uma "desorga-
cer ali alguma.profissãode artesão,enquanto as mulheres nização social", como se poderia crer numa primeira
continuavam~as·fazendase 'elesacabavampor constituir análise,salvo se admitirmos que a família nuclear e pa-
novosnúcleosfamiliares. triarcal{modelodas classesdominantes)sejao único·mo-
Por outro·lado, como os negro§livres mantipham delo válido. ' ...
'•. ;

Embora_liaja:-·umatendência geral em considerar a


..
relaçõescom as mulheres escravas,is~o teria criad~ uma
família "incompleta" como indício dessa "desorganiza-
possível"tradição"de poliginiaque te_riareforçadoe mul-
tiplicadoa formaçãoe a tradiçãodas famíliasmatrifocais ção social",a' realidadeé que ela também pode ser vista
DANDA PRADO
O tfllt Ifamllia 97
96

e compreendida como um modelo cultural em certos ParaMaria IsauraPereirade Q!ieiróz,as uniões con- •
meiossociais e em certas épocas. sensuaisque dão origem aos núcleos matrifocaisseriam
Essasfamiliascorrespondiamna , realidade,a organiza- um gênerode união constituindo uma "poligamiasuces-
•ÇÕes bastantefuncionaisdentrode determinadoscontextos, siva'', na qual a mãe é a referênciae o sustento principal.
como o dos meiospobrese ruraisou litorâneose o do sub- Revendo certos conceitos, como os de marginali-
proletariadourbano,nos quaisa noção do casamentolegal dade, de norma e de desorgânizaçãosocial, poderemos
e/ou religiosonão era um valor em si, mas representava entender melhor o sentido das famílias matrifocais.
um valor de classee uma possibilidadede ascensãosocial. Sempre, segundo Roger Bastide, pode-se falar em
Nos paísesmais pobres e subdesenvolvidos,as famí- "marginalidadéculturalquandoindivíduosou gruposP?S-
lias matrifocaisfuncionamcomo espéciesde cooperativas suemuma herançaculturaldupla e não aderema nenhuma
entre seus membros, ou "rede de ajuda mútua", capaz, das duas". Esseseria o casodos negrosque,'tendo assimi-
bem ou mal, de remediar a ausênciaCJeresponsabilidade ladopelaretransmissãooralusos,costumese crençasdos es-
familiardos homens e de atenuar também as deficiências cravos,seusantepassados,tiveramde adquirir e empregar
·
da 'infraestrutú:rasocial do sistemacapitalista. paralelamenteusos,crençase costumesde uma sociedade
• No entanto, os lares matrifocaistêm, em regra, um branca,ocidentale dominantena qual estavaminseridos.
inferior ao das fa- Por isso,afirma-secom frequênciaque qualquertipo
. . icoforçosamente
ní~elde vida econôm
míliasnucleares,visto que, nos primeiros,são as mulheres de famíliafora do modelo nuclear seria "anormal",visto
as verdadeiraschefesde família.Elasnão s6 ganham salá- ser ele o modélo . doe dominante em
. majoritário,valoriza
rios inferioresaos masculinoscomo tambémtêm menores nossa sociedade..
possibilidadese maior dificuldadede acessoa carreiras, Isso, porém, não nos permite afirmar que a família
'
•.
matrifocalextensa corresp ondaa uma "desorg anizaçã o
so-
além de nesseslares pouco ou nada se contar com a par-
ticipaçãoeconômicamasculina. cial",pois ess~organização,ainda que minoritária,possui

·-
• ••
98 O queéfamília 99

funções específicas,sendo fruto de numerosos fatores, Afirmai:·:en'tretanto,que somente as famílias negras


.• ~1 ~. .
como vimos anteriormente. são matrifocaise extensas,ou que todas elas o são, sena
Um grupo mais extenso que a família nuclear tem um erro, pois'no_{eiode grupos não negros, onde a po-
por papel não s6 compensar a instabilidade do marido breia é similare onde o impacto da economiadominante
• I' • •
ou companheiro, conforme já mencionamos,como tam-. ., .. _criaa falta d~·oportunidades de emprego e de carreira
bém permitir o estabelecimentode uma ordem ilegítima para homens.~mulheres,encontraremosas mesmasestru-
sem perigo de destruir a organizaçãosocial e econômica turas familiares com uma tipologia compar~tiva à dos
de um grupo ou de uma localidade. grupos negros mencionados.
Para váriosautores,a famílianegra é uma instituição
derivada,estabélecidasob a forma de cooperativaeconô-
mica na qual entram, em certas épocas da vida, aqueles
que já não podem mais atender a suas necessidades.
Assim, é aí que virão se refugiar os homens em cas~
de desemprego,doença ou aposentadoria; é aí onde os
filhos
'
naturais
.
encontrarão abrigoe alimento;e é aí ainda
onde as m4lheresmais jovenspoderão encontrar o 11poio
e a solidariedadedo grupo familiar feminino ao estabe-
leceremsuas primeiras uniões consensuais.
Assim como podemos encontrar famílias negras na
burguesiabrasileiravivendo uma.estrutura nuclear tradi-
cional, encontramos o tipo de familia matrifocal entre a
popul~ção negra. 1
., ...
····················••·••·················~···~··
O 9utJjamflia
101
. .,
forma, em novos modelos familiares,suas perlná:nentes
necessidadesde afeto, de comunicaçãoe união entre os
sexose as gerações.
Os valores da felicidadee do desenvolvimentodo
.• in?~ví_duo;sejaqual for sua idade,sexo,raça ou status so-
•, • cioprofi~sional,devemse substituir aos valoresde·expan-
são industrial a qualquer preço, da produç.ão e do
consumo de bens supérfluos.A família nuclear, isolada
entre as quatro paredesde um apartamentourband, é·um
. . " .. : .
esquemafuncionalque atendeaos.interessesdà socíedade
1
l industrial, sejado leste ou do oeste do mundo.
,. Sua divisãode tarefasentre marido e mulher;sua fa-
A mudança- em questõessobre a família,como em cilidadede locomoção,acompanhandoas mudançasgeo-
lôdos os outros campos humanos - impõe-se aos ho- gráficas das empresas nas quais o chefe de família é
mens de hoje. ass~lariado,su~alienaçãoda problemáticasocial,sua mo-
É precisore~onhecer,no entanto, que a família p~-
. . . tivação única e exclusivamentedirigida pelos meios de
. . . .,
1ccc-nosuma instituição bem mais estáveldo que muitas
éomunicaçãopara b consumo,constituemuma estrutura
uutrns.Não evolui no mesmo ritmo: a mudança é muito idealpara ser manipuladaem todos os níveis,do operário
mais lenta em suas formas. manual ao diretor-presidenteda empresa nos interesses
J .
A evoluçãonão pode, sociologicamente,ser evitada, de um poder central.
mosos atoressociaispodem orientá-la.Nessecaso,os ho- Pensamos,portanto, ser precisoevitar atitudes e so-
mens e as mulherespoderiam tentar satisfazerda melhor luções muito dogmáticas e normativas, a fim de que as

50
···············································~·
I •
102 DANDA P.IW)O

aspiraçõesdos indivíduos possa·m,eventualmente,ser vi-


vida·se institucionalizadasde novas maneiras,já que as
' .
formas antigas não mais permitema satisfaçãodessasas-
pirações.

..

INDlCAÇÕES PARA LEITURA

BASTIDE;R. La femme de couleuren AmériqueLa-


tine.Paris:Anthropos, 1974.
BLAY,EvaAlterman."Trabalho,famíliae classesso-
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ção Carlos Chagas, 13: 87-99,1972.
DURHAN,Eu.nice.Acaminhoda cidade: a vida rural
e a migraçi.o
p~_ra SãoPaulo.SãoPaulo:Perspectiva;Edusp,
1973.(Debates,
... 77)
ENGELS, F:.Origemdafamilia,dapropriedade
privada
1
edb Estado.Ri?deJaneiro:Civilização·Brasileira,s/ d.

1
5.J.
•••••••••••••••••••••••••
104

FIGUEIREDO,M. "O papelsocioeco O'I'" ; fomflia


nômicodas mul- .1. 105
hereschefesde famllianuma comunid
adepesqueirado li- WOORTMANN,Klaas."Grupo domé
toralnorte da Bahia",Caderno
deDebates sticoe paren-
o. 6, Brasiliense. tesconum vale da Amazônia."R. Mu
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Editora Record,s/d.
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PRADO,D., FIGUEIREDO,M., NE
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trutura familiarna opressãofeminina
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REICHELDOLMATOFF,I. "Aspects
de la vie de la
femmenoire dans le passéet de riosjou
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Citado por Bastide,R. La femme de
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Latine.Paris:~thropos, 1974.
SCHMU~LER, B. La mujery lafam
ilia en la re-
pro_ducci6 de
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Estadoy Sociedíld,Cedes.Estecapítµ
lo é o resumodessa )
pesquisa.
SHORTER,E. Naissancedelafamille
Seuil, 1978. modernePa
. ris:
,•

O lf"' l familia ,•107

J
Após terminar o curso de Pedagogia na Universi-
dade de São P~ulo, divorciada e com três filhos, quis
voltar à psicologia. Inscreveu-se na Universidade de
Columbia, em Nova York, em 1967.
A experiência mais extraordinária que teve nos Esta-
dos Unidos ·foi o contato com uma clientela negra do
Harlem. Não tinha nenhuma experiência no problema
dos afrodescendentes visto internamente. Isso lhe permi-
tiu, compreender como funciona o determinismo social,
SOBRE A AUTORA não somente em relação à origem de classe de cada um,
mas também em relação à cor da pele. Foi para a Fr~n~ •
em 1970 e, preparando um doutorado, aprofuhêlou suas
reflexões sobre os condicionamentos 'dá.·mulher, de
e de Simone de Beauvoir,
A leitura do Deuxiemsexe,
forma mais estruturada. Defendeu sua tese sobre esse
foi para Danda Prado uma tábua de salvação. Suas per-
tema em 1977, na Universidade de Paris VII. Encarou
cepções foram ju~tificadas por personalidades que adqui-
todos os comportamentos considerados femininos como
rir~m. autQridade no seio dos que contestam o colonia-
o resultado de um condicionamento socialmente deter-
e
lismo o imp~rialismo e que, ao mesmo tempo, contes-
minado.
tavam a opressão dás mulheres.
Todas as tentativas de discussão sobre as contradi-
ções vividas por ela como mulher eram taxadas de rea-
cionárias pelos. de esquerda e de comunistas pelos de
direita.

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