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TÍTULO: OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO PELO VIÉS DO PARADIGMA DA

SOCIEDADE DE MASSA

Autor: Giovandro Marcus Ferreira*

RESUMO

Este trabalho busca caracterizar o paradigma da sociedade de massa nos estudos dos mass
media. Inicialmente, ele resgata a origem do termo sociedade de massa, recorrendo as
abordagens sociológicas do século XIX. A reflexão sociológica forja o termo sociedade de
massa, após um desdobramento das caracterizações efetuadas em torno da sociedade
moderna. Em seguida, tal estudo faz uma exposição de abordagens dos meios de
comunicação que trabalham com a noção de sociedade de massa. Quatro são as abordagens
escolhidas: teoria hipodérmica, teoria crítica, agenda setting e espiral do silêncio. Enfim, o
artigo busca evidenciar algumas fragilidades de tais abordagens assentadas sobre a noção
de sociedade de massa.

PALAVRAS-CHAVE:
Sociedade de massa / teoria hipodérmica / teoria crítica / agenda setting / espiral do
silêncio

*Doutor em Ciências da Informação pelo Institut Français de Presse et Communication –


Universidade de Paris II, professor no Departamento de Comunicação Social da UFES.

1
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO PELO VIÉS DO
PARADIGMA DA SOCIEDADE DE MASSA

1. Angústias e interesses acerca da Sociedade e Cultura de Massa

Após ter estudado algumas abordagens acerca dos meios de comunicação em geral e da
cultura de massa e particular, no curso de Comunicação Social, fomos interpetado por
estudantes que levantaram uma série de questões. A angústia, suscitada pela abordagens
estudadas, no tocante à sociedade de massa, pode ser retrada através de interrogações
como:

A cultura de massa é um mal irrecuperável? A cultura de massa,


de modo geral, respeita a diversidade cultural ou tem a pretensão
dela se tornar uma cultura exclusiva? Existem benefícios e
malefícios da cultura de massa para o homem? A comunicação de
massa é necessária para que haja uma comunicação universal? A
1
comunicação de massa produz ou reduz desigualdades?

Tivemos dificuldades em responder todos esses questionamentos, porém eles nos


permetiram e nos impulsionaram a rever onde e como se assenta a reflexão acerca da
sociedade e de comunicação de massa. O surgimento e a evolução destes termos ao longo
de décadas, como se configura do estudo da sociedade de massa, onde se sustentam seus
principais pilares. O resgate desta reflexão se faz necessário para entendermos os
questionamentos e as perspectivas em que foi analisada o termo massa (sociedade, meios de
comunicação, além de tentar compreender certas abordagens que marcaram a presença do
meios de comunicação na sociedade e suas ações e influências.

As interrogações dos alunos levaram-nos a pensar a leitura acerca da sociedade e da


comunicação de massa. Este artigo é fruto, então, das discussões e angústias surgidas em
sala de aula. Ele irá, inicialmente, buscar as origens que suscitaram a reflexão acerca da
sociedade e o surgimento da noção de massa na sociologia. Em seguida, vamos elencar

2
algumas abordagens que tem, no interior de sua leitura, a noção de sociedade de massa para
refletir sobre os meios de comunicação.

2. Da Sociedade Moderna à Sociedade de Massa

Os termos cultura e meios de comunicação de massa têm sua origem no bojo da


reflexão sociológica do século XIX acerca da sociedade moderna. Eles são tributários de
uma reflexão acumulada ao longo de várias décadas, e não uma reflexão mais recente
mapeada por alguns teóricos, como sendo algo dos anos 20 e 30 do século XX.

O século XIX conheceu uma série de transformações (sociais, econômicas...)


sobretudo nos Estados Unidos e Europa. Logo, tais mudanças foram objeto da reflexão das
ciências sociais, em especial da sociologia. Alguns aspectos foram ressaltados na
caracterização da sociedade emergente. Aqui, vamos colocar em relevo alguns sociólogos
que terão uma influência marcante nos estudos da sociedade moderna: Ferdinand Toennies,
Max Webere, Karl Marx, Alex Tocqueville e Gustave Le Bon. Esboçaremos, brevemente,
alguns eixos destas reflexões.

Um dos eixos para pensar a sociedade moderna e suas transformações sociais foi
fomentando a distinção entre a sociedade antiga (Gemeinschaft) e a sociedade moderna
(Gesellschaft). A sociedade moderna será vista como uma sociedade da cidade e não rural
como a sociedade antiga. Ocorre neste momento, em vários países da Europa um
deslocamente de massas populacionais em direção às cidades. A maioria da população vai
se concentrando em espaços considerados urbanos.

A concentração populacional nos espaços, caracterizados pela urbanização e


industrialização, levam inevitavelmente a pensar na massificação. Surge as organização
ditas de massa: partidos, associaçoes, sindicatos... com suas reivindicaçõs coletivas Isso
sem falar em outras manifestações como o espetáculo e o esporte que vão neste mesmo
sentido como o cinema, futebol.

3
Nestes novos espaços as massas populacionais deixam de ser camponesas e passam
a ser caracterizadas pelo novo trabalho. Karl Marx irá assentar sua reflexão sobre estas
novas maneiras de produzir riquezas, ou modos de produção, tendo no centro o proletariado
urbano, os trabalhadores da cidade. Este novo contexto irá ressaltar que a sociedade em
questão passa a ser uma sociedade industrializada, que gira em torno da indústria e da
técnica. Porém uma técnica cada vez mais aperfeiçoada, que produz e é produzida em
grande escala, que demanda um mercado mais amplo (nacional e internacional) e suscita a
especialização das tarefas.

O eixo acerca da especialização marca fortemente a reflexão em torno da sociedade


moderna. Tal aspecto em relevo na sociedade é caracterizada em diversos níveis da vida
social. A especialização atinge o gosto (música da geração dos anos 60, música dos
jovens...), os papéis sociais - um bom juiz não é necessariamente um bom pai... Estas
referências dificilmente poderiam ser admitidas, de maneira tão radical, numa sociedade
tradicional onde se dividia as tradições vivas da sociedade e um certo acúmulo de funções
era dado como norma.

O aspecto da especialização foi bastante enfatizado na sociedade moderna pelo


fomento à elevação da produtividade; mas sobretudo pela a “especialização” das funções
sociais – identificação e reivindicações segundo cada especialidade (sindicato dos
trabalhadores mineiros, associação dos professores...). A “especialização” dos papéis
sociais, atingindo vários níveis sociais, além de levar ao enfraquecimento dos laços
tradicionais, suscitou a aparecimento das relações contratuais. As pessoas são ligadas às
obrigações por regras, por contratos. Há a necessidade de provas para o reconhecimento de
suas especialidades (diplomas universitários...).

As leituras acerca da transição sociedade antiga e moderna se forjaram basicamente


sobre três terrenos analíticos, que vão modificar e atingir as relações sociais: a divisão do
trabalho, a industrialização e a urbanização. Nestes terrenos podemos visualizar
sociólogos de pensamento bastante diferente como Émile Durkheim, Ferdinand Tönnies e
Max Weber. Durkheim (1858-1917), no seu trabalho Da divisão do trabalho social

4
demonstra como a especialização do trabalho em vez de levar a uma interdependência,
provoca o enfraquecimento da consciência coletiva. O isolamento de indivíduos, que não se
reconhecem como parte integrante do todo, leva-os para a anomia, às vezes ao sucídio.

Töennies (1855-1936) trabalha sua abordagem numa análise comparada entre a


sociedade antiga ou tradicional (Gemeinschaft) e a sociedade moderna (Gesellschaft).
Nesta oposição, o autor destaca a sociedade tradicional com uma organicidade onde a vida
coletiva solidifica o sentimento de pertença e a referência do grupo é marcante; em contra
partida, a sociedade moderna perde estes laços tradicionais, substituindo-os pelo contrato,
num contexto de indivíduos atomizados insensíveis aos aos valores coletivos.

Na abordagem econômico-política de Karl Marx (1818-1883) é destacada as


contradições sociais que têm origens ao nível do econômico. A maneira de gerar riqueza na
sociedade – modo de produção, no caso estudado, capitalista – evidenciava a mudança não
somente no que toca à infra-estrutura, mas também na super-estrutura (educação, leis,
religião...). Apesar de certos avanços em comparação às sociedades passadas (avanços na
saúde, educação...), Marx evidencia novas contradições que surgiram na sociedade
capitalista, e que por sua vez, irão provacar novas modalidades nas relações, sob a égide da
luta de classes, onde tais classes se encontram em posições antagônicas.

Weber (1864-1920) trabalha no seu estudo Economia e sociedade os conceitos de


comunidade e sociedade, e como Töennies, edifica sua reflexão enfatizando à oposição
entre as relações comunitárias e sociais. Ele coloca igualmente em relevo, além das
contradições econômicas, as formas de racionalidade. Toda sociedade tem sempre uma
forma de racionalidade predominante: a racionalidade mágica, religiosa... onde a sociedade
moderna tem a sua, que ele denomina racionalidade burocrática. Nesta sociedade o Estado
atinge um estágio de expansão crítico e como toda grande organização (de massa) provoca
mudanças nos indivíduos.

Na esteira da reflexão da sociologia do século XIX, diversas abordagens vêm


responder as razões e consequências das desorganizações sociais provocadas inicialmente

5
pela revolução francesa, pelo funcionamento da sociedade americana e pela revolução
industrial. Numa época de profundas mutações, onde estudos sociológicos que analisam a
transição antigo-moderno, uma análise é fixada no medo da desintegração social. Observa-
se que abordagens, muitas vezes díspares em vários pontos acerca das relações sociais,
clamam várias delas a necessidade de uma organização social perene. No bojo e no
aprofundamento da crítica da desintegração social da sociedade moderna nasce a
formulação Sociedade de Massa.

Além dessas referências teóricas que pensaram a formação da sociedade moderna na


Europa, na história da sociologia teve-se também a contribuição de Alex Tocqueville que
pensou a sociedade americana e os seus pilares da democracia, além das mudanças ocorrida
na França. Descendente da aristocracia francesa, Tocqueville teve uma ampla visão acerca
da influência que exercem as idéias e os sentimentos democráticos sobre a sociedade
política. Analisando a queda do Antigo Regime, ele aponta como um fator determinante na
decadência da aristocracia, a centralização gerada por ela, que ocasionou uma corrupção do
espírito público e mais tarde a um nivelamento dos indivíduos isolados sem nenhuma
ligação com grupos ou tradições morais. A consequência inevitável, segundo ele, era a
ascensão do despotismo. Para combate este tendência gerada pelos males com origem na
igualdade preconizada pela política liberal, Tocqueville contrapõe com a liberdade proposta
em vários níveis: liberdade política, liberdade de imprensa, liberdades locais, liberdade
associativas. Para ele, a sociedade democrática de nutre da tensão entre igualdade e
liberdade.2

Tais observações de Tocqueville acerca da Europa moderna carrega uma forte


influência da sociedade americana, onde ele destaca a reconstrução do tecido social e a
solidez da democracia deste país pela multiplicidade de grupos, partidos políticos,
comitês... que vertebravam esta sociedade. Para Tocqueville, a análise do consenso das
sociedades democráticas é algo que se origina na forma de elos associativos, que
proporcionam aos agentes sociais sua ligação com os interesses comuns e coletivos. Os
indivíduos deixam uma situação de seres atomizados e tornam-se seres entrelaçados com a
unidade complexa da sociedade. O aspecto interessante da leitura de Tocqueville da

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sociedade moderna é que ele vê dois tipos de de regime político segundo a estruturação do
tecido social: a democracia e o despotismo democrático.

3. Da Sociedade de Massa ao Homem-Massa ou ontologia da Sociedade de Massa

A leitura da sociedade moderna enquanto sociedade de massa nasce do


aprofundamento ou da fase dita metafísica das críticas às novas condições vividas pelos
indivíduos nas aglomerações urbanas. Da crítica do medo da desintegração social,
desdobra-se em outras críticas que tem origem nas análises que acabamos de elencar:
declíneo dos grupos primários (família, grupos de vizinhos, associações esportistas...),
burocratização crescente, igualdade e insegurança, e por fim uma ontologia acerca do
homem-massa e por conseguinte a cultura que o influencia e é também fomentada por ele, a
cultura de massa.

Um autor que teve uma forte influência neste desdobramente reativo à sociedade em
questão foi o sociólogo francês Gustave Le Bon (1841-1931), no seu estudo A Psicologia
das multidões. Mesmo elaborando este livro sem um rigor científico, Le Bon tem a
especificidade de ser um dos primeiros a ter a multidão, a massa como objeto de sua
reflexão e também o de deixar transparecer, com uma certa nitidez, os preconceitos
circundam sua época.3

Le Bon explora o lado psicossociológico das multidões como o nome de sua obra
sugere. Com a presença cada vez mais constante das multidões nos espaços públicos,
Gustavo Le Bon detecta o poder das multidões como um sintoma universal de todas as
nações e alerta, que o aparecimento das multidões marcará provavelmente as últimas etapas
das civilizações ocidentais. Para o autor, a multidão é uma identidade onde os indivíduos
estão submetidos a uma alma coletiva, pois ela tem sua própria natureza. A multidão, como
ele descreve, é feminina, impulsiva, móvel, dominada por uma mentalidade “mágica”. Ela é
influenciável, seduzida por sentimentos simples e exagerados, tem a moral degradada e é
intolerante e autoritária.

7
Le Bon faz uma semelhança entre as características da multidão com a de raça. Ele
não oferece precisões em torno desta palavra, mas diz que a mistura de diferentes origens
étnicas oferece as características do comportamento da multidão. Com a mesma virulência,
ele atacará as ações e comportamento socialista da época, identificando também de maneira
idêntica ao da multidão. Assim, a multidão absorve o indivíduo numa forma de
contaminação mental, e tal contaminação é impulsionada pelas características hereditária,
populares e raciais que compõem uma espécie de “alma coletiva” desta multidão ou massa.

Ortega Y Gasset será um outro crítico no tocante à nova sociedade, também por ele,
caracterizada, sociedade de massa. É ele que vai ressaltar, com sua visão ontológica do
homem massa, emergidos da sociedade também de massa.4 Homeme-Massa se encontra
nos vários extratos sociais e é um indivíduo abrutalhado, violento, promotor do
esgarçamento social. Ortega y Gasset articula o papel dos meios de comunicação pelo viés
da técnica que carrega nela o primitivismo, fazendo emergir a barbárie pela ação das
massas. A massa existe, então, pela sua revolta, isto é pela violência ou subversão do
diferente e singular. Neste esforço de precisão e exigência metodológica de tal abordagem,
a massa é descrita como sendo formada por indivíduos atomizados, reclusos nos seus
espaços privados. Os meios de comunicação surgem com força neste contexto refazendo a
ligação de tais indivíduos com a sociedade.

O modelo ou paradigma conhecido como “sociedade de massa” utilizado para


analisar os meios de comunicação vai estar assentado sobre as noções que estamos
descrevendo: de uma lado, a imperante organização social e de outro os indivíduos
moldados por tais organizações. O que será mais ressaltado na dependência do indivíduo ou
homem-massa será sua subjetividade totalmente dependente ou forjada pela novas
modalidades sociais. Logo, o paradigma da “sociedade de massa” colocará em relevo nos
meandros de suas análises dos meios de comunicação uma leitura sociológica e psicológica,
às vezes, psicanalítica como é o caso da teoria crítica.

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4. Os meios de comunicação no contexto da “sociedade de massa”: Da Teoria
Hipodérmica ao agendamento (Agenda-Setting)

Para exemplificar o funcionamento do paradigma da Sociedade de massa,


mostraremos de maneira suscinta algumas abordagens que estiveram presentes ao longo do
século XX no panorama dos estudos dos mass media. Selecionamos quatro: teoria
hipodérmica, teoria crítica, espiral do silêncio e agenda setting.

4.1. Teoria Hipodérmica: sociedade de massa e behaviorismo

O próprio nome da abordagem conhecida como “teoria hipodérmica”, “teoria da


seringa” ou “bullet theory” já se encarrega para evidenciar a omnipotência (dos mass média
e da sociedade) de um lado; e a vunerabilidade (do indivíduo, do público) de outro. O termo
hipo-dérmico ou seringa mostra como o público é comparado aos tecidos do corpo humano,
que atingidos por uma substância (no caso a informação) todos eles são atingido
indistintamente. O termo “bullet theory”ou “teoria bala” também reforça a genialidade de
um lado em atingir o alvo, no caso o público.

Esta visão, já evidenciada nas denominações dadas a abordagem, é ancorada numa


concepção de sociedade e indivíduo. A teoria social que faz apelo a teoria hipodérmica,
como já expomos no início deste texto, é originária da crítica à sociedade moderna, no seu
desdobramentoe aprofundamento caracterizada como sociedade de massa. É lá que muitos
vão buscar (ou resgatar o mito da sociedade de massa) uma coerência e apologia ao
funcionamento massivo e massificante dos meios de comunicação. O indivíduo, ou
homem-massa, perde seus vínculos com a sociedade em decorrência da falência das
instituições ou laços primários que forjam a sociedade e sociabilizam os indivíduos. A
fragilidade e impotência dos indivíduos é um pré-requisito de todas abordagem que
utilizam o paradigma da sociedade de massa. Logo, isolados e despreendidos da sociedade,
entra em cena os meios de comunicação, que vão reinserir, ao seu modo, estes indivíduos
na sociedade.

9
A força dos meios de comunicação, segundo a teoria hipodérmica, é proveniente da
leitura do esgarçamente do tecido social de um lado, e do indivíduo sob a égide da
pscologia behavisrista. Esta abordagem psicológica reforça a “mensagem certeira” no
momento que baliza o comportamento humano pelo condicionamento, e o descreve em
termos de estímulo e resposta. Os estímulos que não produzem respostas não são
considerados como estímulos. Estando o comportamento humano reduzido à relação
estímulo-resposta, surge a visão do efeito inevitável e instatâneo. O comportamento
humano, esvaziado de conceitos como atitude, valor, motivo, ou seja de toda a
subjetividade da experiência, é visto como pura e simples reação as açoes externas , quer
dizer, aos estímulos.

De um lado, a teoria social reforça que o indivíduo está isolado e desprovido de


cultura, de outro, a teoria psicológica enfatiza ele se comporta segundo os ditames dos
estímulos. Eis o quadro onde está instalada a teoria hipodérmica. Logo, aparece nesta cena
os meios de comunicação que vêm preencher o vazio deixado pelas instituições inoperantes
que forjavam outrora os laços tradicionais (igreja, família, escola...) e pro conseguinte,
passa a ditar o comportamento dos indivíduos, já que estes vão reagir aos estímulos
(informações), que são fontes de seu agir, pensar e sentir. Neste quadro simplista, os efeitos
dos meios de comunicação, vistos pela teoria hipodérmica, não são objetos de estudos, já
que eles são dados como certos, a partir dessas bases sociológica e psicológica.

4.2. Teoria Crítica: da sociologia heterodoxa à psicanálise ortodoxa

A perspectiva da sociedade de massa, na teoria crítica, deve ser vista a partir da


noção acerca do desenvolvimento da razão, que se desdobra enquanto razão emancipadora
e razão instrumental. A primeira, razão emancipadora, como o nome já evoca, é resgatada
numa perspectiva iluminista, que gera luz e liberdade ao homem. Porém, o
desenvolvimento da sociedade moderna representará essencialmente o desenvolvimento de
outro tipo de razão, denominada pelos teóricos de Frankfurt, de razão instrumental. Os
apelos para a reorganização social e cultural, serão antes de tudo uma maneira para superar
a crise da razão.

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Adorno na crítica as “teorias positivas” que se perde nos detalhes e são
transformadas em ideologias, propõe a dialética negativa que nega a identidade entre o
pensamento e a realidade. Ele irá forjar sua crítica no tocante às pretensões da filosofia em
tentar captar a totalidade do real. Nas mãos de Adorno, a dialética negativa se torna uma
crítica da cultura em particular e da sociedade em geral.

Logo, a teoria crítica da sociedade, segundo Adorno, parte do ataca a raiz da


sociedade moderna, pelo desvio assumido no desenvolvimento iluminista, pela razão se
transformando em instrumento do “sistema”. A razão, renunciando a sua autonomia, deixou
de ser crítica e passou a ser técnica para administrar o status quo. Assim, a racionalidade,
que está na base da civilização industrial, é apontada como um alicerce podre.

A indústria cultura5 constituída essencialmente pelos mass-media (rádio, cinema,


publicidade, televisão...) faz parte do desenvolvimento da razão degenerada e é um dos
principais instrumentos para a funcionalidade da sociedade. A indústria cultural é
percebida como um sistema seja no funcionamento operativo (enredo, imagens, sons...),
seja na sua diversidade de meios e gêneros. Como enfatizam Adorno e Horkheimer, “cada
setor se hamoniza entre si e todos se hamonizam reciprocamente”.6

A indústria cultural encarna e difunde um ambiente em que a técnica arremata


poder sobre a sociedade reproduzindo e assumindo o poder econômico daqueles que já
dominam sobre a sociedade. “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade do próprio
domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena”.7

Diante da força da sociedade, vertebrada pela racionalidade técnico-instrumental,


por sua vez, legitima-se e é difundida pela indústria cultural, resta do lado do indivíduo a
imagem da fraqueza e da vuneralidade. Mais uma vez, encontramos o desequilíbrio entre
os mass-media, aqui a indústria cultural, e os indivíduos.A supremacia da sociedade sobre o
indivíduos ocorre nas várias situações (trabalho, lazer...), caracterizando uma atrofia da
imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural.

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“Quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural, tanto mais
brutalmente esta pode agir sobre as necessidades dos consumidores, produzi-
las, guiá-las e discipliná-las, retirar-lhe até o divertimento”8

Esta assimetria, entre os meios de comunicação e o indivíduo, chega a afirmação do


cultivo da peudo-individualidade, onde vive-se uma identidade proposta pela sociedade
num contexto regido pela cultura industrializada. A desproporção entre a força de cada
indivíduo e da estrutura social em geral, e a indústria cultural em particular, acarreta uma
adesão sem resistência dos indivíduos as proposições emanadas da sociedade.

Neste processo de massificação, a teoria crítica elimina toda a possibilidade de uma


postura do indivíduo de consumir a cultura de maneira contestatória, irônica, muito menos
crítica. As característica da indústria cultural, e por conseguinte, de seus produtos são
transportado para as características dos indivíduos. Os efeitos da indústria cultural são
efetivados na migração produto-consumidor.

4.3. O agenda setting e a espiral do silêncio: a massificação pela fala e pelo silêncio

O agenda setting e a espiral do silêncio são duas faces de uma mesma moeda.
Ambas trabalham com a perspectiva massificante sob a égide da imposição dos mass media
sobre os indivíduos. Porém, o agenda setting apregoa a tematização no deslocamento da
agenda mediática via agenda do público, fazendo-se fala, conversa no dia-a-dia. Já na
espiral do silêncio, os indivíduos atingidos por certos temas, e tendo eles opiniões
diferentes tendem a se enclausurar no silêncio.

O agenda setting constrói sua hipótese afirmando que a influência dos mass
media não reside na maneira como que eles fazem o público pensar, mas no que eles fazem
o público pensar. Há um deslocamento na imposição dos mass media na modalidade do
efeito de como pensar para o que pensar. Se, de um lado, a teoria crítica ressaltava a

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massaficação pelo o que os mass media não levavam as pessoas a pensar, de outro, o
agendamento constrói a massificação como resultado daquilo que eles vão pensar.

O imposição do agendamento se forja por dois viés. Primeiro, há a tematização


proposta pelos mass media conhecida como ordem do dia que se tornará os assuntos da
agenda do público. O que é dito nos mass media será objeto de conversa entre as pessoas.
Entretanto, o efeito de agendamento é também visto um pouco mais além. Haverá
igualmente uma imposição ao nível da hierarquia efetuada pelos mass media, quer dizer, os
temas em relevo na agenda mediática estarão também em relevo na agenda pública, e os
temas sem grande relevância nos mass media terão a mesma correspondência junto ao
público. Existe, então, uma relação direta e intima entre a agenda mediática e a do público,
efetuada pela ordem do dia e pela hierarquização temática.

O agenda setting não elimina, como ocorreu na teoria hipodérmica, as relações


interpessoais, porém tais relações não são geradoras de temas. Elas vivem e se nutrem
daquilo que é difundido pelos mass media, elas não causam o agendamento, mas são
causadas pelos ditames da agenda mediática.

Na perspectiva do agenda setting, pode-se observar uma sociologia cognitiva, onde


os indivíduos adquirem sua visão de mundo proveniente da agenda estipulada, ao longo do
tempo, pelos mass media. O efeito é ressaltado pelo seu aspecto cumulativo. A mesma
assimetria constata-se nesta abordagem referente à força dos mass media e a fragilidade do
público ou dos indivíduos.9

A espiral do silêncio ressalta, por sua vez, a imposição dos mass media, não
pela força de agendar temas a ser conversado, mas pela força de provocar o silêncio.
Elisabeth Noelle-Neumann parte do princípio que os indivíduos buscam evitar o
isolamento, levando-os a se associar as opiniões dominantes. Se tal associação representa
um alto custo social, na defesa de um ponto de vista minoritário, os indivíduos tendem a
recolher-se ao silêncio. Centrando-se na psicologia social, Noelle-Neumann aproxima os

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temas dos mass media e a noção de opinião pública10 e a repercussão que eles terão nos
indivíduos, no público.

Os indivíduos se encontram numa posição vulnerável acerca da ação dos mass


media e da formação da opinião pública. Entre o indivíduo e os mass media se encontram
os grupos sociais que podem punir segundo a discordância no que toca as opiniões
dominantes. Logo, como afirma Noële-Neumann, o processo de interação é fruto de uma
“espiral de silêncio”.

“Apoiando-se sobre este conceito de um processo interacionista engendrando


uma “espiral” do silêncio, define-se a opinião pública como esta opinião que
pode ser expressa em público sem risco de sanções, e sobre o qual pode se
apoiar a ação levada em público”.11

A partir desta visão de interação, Noëlle-Neumann chega a outras hipóteses que


fazem avançar sua reflexão: os indivíduos formam uma representação do estrato e do êxito
das opiniões no interior de seu ambiente social; a exposição de suas opiniões passa pelo
crivo da apreciação feita da repartição das opiniões no interior do ambiente social; se a
repartição das opiniões não correspondem com sua repartição afetiva, é sinal que houve
uma supervalorização ou subvalorização da opinião em questão; as opiniões dominantes no
presente podem-se ser vista em relevância no futuro; se a força do presente se difere de uma
outra em ascenção no futuro, é a previsão da situação futura que prevalecerá.12

Expondo estas quatros abordagens, buscamos ressaltar os pontos em comum entre


elas para evidenciar a noção de paradigma da sociedade de massa, mesmo sabendo de
algumas especificidades. Todas elas foram analisadas e criticadas ao longos das décadas do
século XX. A teoria hipodérmica e a teoria crítica encontraram, desde suas origens,
constestações pertinentes acerca de seus efeitos e influências certeiras. Destacam-se nas
críticas Lasswell, Larszarfeld, Katz entre outros. Do efeito ilimitado, marcado pela
genialidade dos mass media, a crítica vem destacar a resistência, ora social, ora psicológica
edificado pelo público na relação com os mass media.13

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Também percebemos a pertinência das observações realizadas pelo inglês John
Thompson acerca da teoria crítica, teoria que teve uma grande ressonância nos estudos dos
mass media aos longo de décadas. Thompson aponta algumas fragilidades teóricas,
podendo ser caracterizadas em três direções:
- As características atribuídas à indústria cultural (características gerais atribuídas à
indústria cultural - padronização, repetição, pseudopersonalização -, sem um investimento
para conhecer, em pormenores, a organização e as práticas cotidianas desta indústria, ou os
ramos diferentes que a constituem);
- a natureza e o papel dado à ideologia na sociedades modernas (não é evidente que os
indivíduos ao consumirem tais produtos aderem, de maneira acrítica à ordem social. Dizer
que os produtos são padronizados, pseudo-realistas etc, é uma coisa, dar o passo e dizer,
por outro lado, que aqueles que consumiram estes produtos standardizados passam a agir de
forma imitativa, reproduzindo o status quo... já se fixa numa outra ordem, que levantam
questões de ordem metodológica).
- A visão totalizante, e frequentemente pessimista, das sociedades modernas e a atrofia dos
indivíduos no seu interior (Mesmo sendo verdade que as sociedades modernas tende a
funcionar de maneira sistêmica, interligada, elas estão também em constante
movimento, com nuanças diversas, com setores desorganizados, focos de
resistência... Na visão contestada, as sociedades estão harmoniosamente integradas
e os indivíduos controlados).14

Considerando as várias abordagens aqui apresentada, pode-se notar que fazendo


apelo a sociologia cognitiva, a psicologia social ou. a psicanálise, todas elas buscam afirmar
uma teoria dos efeitos fortes e dominadores dos mass medias, pois partem dos mitos
fundadores da sociedade de massa, onde os indivíduos estão atomizados, alienados,
dominados pelo medo de sair, de se isolar.15 Logo estes indivíduos estão sempre
subjugados às ações externas, em especial dos mass médias: seja como pensar, no que
pensar, o que não pensar ou sobre o que silênciar. Este perfil de público, de indivíduos
são fantamas forjados na fogueira da sociedade de massa, geridos na sociologia do século
XIX, que nos acompanharam ao longo das décadas seguintes e resurgem com força quando

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nos sentimos ameaçados e fragilizados diante de investidas diversas (política, econômica,
institucional, tecnológica...).

Quase sempre no resurgimento do paradigma da sociedade de massa se está fazendo


reverência aos seus mitos fundadores e deixando de lado o rigor metodológico de uma
análise criteriosa da relação entre os mass media e o público. Com facilidade, por ser as
vezes mais cômodo, esquecemos um velho provérbio de Tomas de Aquino: “A vida
transborda o conceito”, que também deveria transbordar os mitos que colonizam e
bloqueiam nossa reflexão.

1
Pode-se notar, pelas questões levantadas, que as abordagens estudadas tinham como pensadores Ortaga Y
Gasset, Adorno, Horkheimer, Edgard Morin entre outros. Aqueles pensadores marcado pelo otimismo com a
cultura de massa (Daniel Bell, Oswald Spengler...) não eram ainda do conhecimento dos estudantes
mencionados.
2
TOCQUEVILLE, A., De la démocratie en Amérique, Paris, Gallimard, 1968.
3
LE BON, Gustave, Psycologia das multidões, Lisboa, Empreza do Almanach Encyclopedico Illustrado,
1908.
4
ORTEGA Y GASSET, José, La révolte des masses, Paris, Gallimard, 1967.
5
O termo indústria cultural foi empregado por Horkheimer e Adorno pela primeira vez no texto Dialética do
Iluminismo. A utilização desse termo substitui « cultura de massa » eliminando supostas interpretações que a
cultura fosse uma manifestação espontânea das massas. Wolf, M., op. cit.
6
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T., La dialectique de la raison, Paris, Gallimard, 1989.
7
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T., A indústria cultural, in COSTA LIMA, Luiz (org.), Teoria da
cultura de massa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 160.
8
Idem ibidem, p. 181.
9
A hipótese do agenda setting recebeu várias críticas acerca de suas especificidades (parâmetros temporais
referentes às agendas e a relação entre elas, a variaedade de agendas junto ao público( intrapessoal,
interpessoal...). Ver BARROS FILHO, Clóvis de, Ética na comunicação, São Paulo, Moderna, 1995. Ver
também WOLF, M., Teorias da comunicação, Lisboa, Editorial Presença, 1986.
10
No final de seu artigo E. Noelle-Neumann conclui : «A questão de saber se os mass media antecipam a
opinião pública ou se eles não somente a refletem está no centro das discussões científicas desde muito
tempo. Segundo o mecanismo psico-social, que nós chamamos de "espiral do silêncio" , é conviente ver os
mass media como criadores da opinião pública. Eles constituem o ambiente cuja a pressão deslancha a
combatividade, a submissão ou o silêncio». Ver NOELLE-NEUMANN, E., La spirale du silence – une
théorie de l’opinion publique, in Hermès, n°4, Paris, Editions du CNRS, 1991, p. 187.
11
Idem ibidem, p. 182.
12
Idem ibidem.
13
Ver KATZ, E., «A propos des médias et de leurs effets», in SFEZ, L. (org.), Technologies et Symboliques
de la Communication, PUG, 1988. Ver também WOLF, M. Gli effetti sociali dei media, Milano,
Bompiani, 1995.
14
Ver THOMPSON, John B., Ideologia e cultura moderna, Petrópolis, Vozes, 1995.
15
KATZ, Elihu, «La recherche en communication depuis Lazarsfeld», in Hermès, n° 4, Paris, Editions du
CNRS, 1991.

16

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