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Família e Instituições Educacionais: Aspectos

Históricos e Relevância Social

Conteudista: Prof.ª Dra. Rutinéia Cristina Martins


Revisão Textual: Esp. Danilo Coutinho de Almeida Cavalcante

Contextualização

Material Teórico

Material Complementar

Referências
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Contextualização

 Objetivos da Unidade

Conhecer aspectos históricos da instituição familiar e da instituição


educacional;

Compreender a relevância social das instituições educacionais para as


famílias contemporâneas.

Família e escola sempre existiram? Como as pessoas se organizaram para formar famílias e
por que fundaram escolas? Quais sãos as origens dessas instituições e por que tal
conhecimento é tão importante quando se estuda Psicopedagogia?

O Código de Ética do psicopedagogo ajuda a responder essa última questão ao a rmar que o
pro ssional de psicopedagogia se ocupa do processo de aprendizagem considerando os
sujeitos e sistemas, a família, a escola, a sociedade e o contexto social, histórico e cultural. É
preciso saber um pouco da história de família e escola para compreender a importância de
ambas na vida dos indivíduos e da sociedade, visto que, além da genética, a família é
responsável pela transmissão da cultura e pela inserção das pessoas em uma comunidade da
qual a escola também faz parte. Ou seja, família e escola são responsáveis pelas primeiras
interações do indivíduo com o mundo que está além de si.
Figura 1 – Família
Fonte: Adaptada de Getty Images

Saiba Mais
Para adentrarmos no tema família, vamos assistir um trecho do clip
produzido por Alessandro Camargo para a música de mesmo nome,
escrita por Arnaldo Antunes e Toni Bellotto e gravada pela banda
Titãs, na década de 1980?

Família - Titãs
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Material Teórico

Família: Uma História em Construção

O que é família?

Pergunta difícil de responder, uma vez que há diversas de nições: algumas bem simples, que
apontam família como um agregado de pessoas que vivem sob o mesmo teto, ou que possuem
laços biológicos ou afetivos, dentre outros. Neste trabalho, adequa-se melhor uma de nição
sociológica de família. Nessa área do conhecimento, a família representa uma agregação de
indivíduos unidos por laços afetivos ou de parentesco em que os adultos são responsáveis pelo
cuidado com as crianças (MENEZES, 2019). Em uma de nição mais complexa, Terkesen
(apud MACEDO, 2000, p. 185) de ne família como um pequeno grupo social composto por
indivíduos relacionados uns aos outros em razão de fortes laços de lealdades e afetos
recíprocos, ocupando um lar ou conjunto de lares que persiste por anos e décadas. O ingresso
na família se dá por nascimento, adoção ou casamento, contudo só se deixa de fazer parte dela
por morte ou divórcio sem herdeiros, já que, se houver lhos, permanecem os
relacionamentos, ainda que remotos.

Considera-se a família como a instituição responsável pela socialização das crianças, isto é,
pelo aprendizado da cultura do grupo em que se vive, uma vez que crianças e jovens não
recebem apenas cuidados. Durante a convivência, ainda que não seja de forma sistematizada,
elas aprendem hábitos, costumes, valores, en m, tornam-se membros da família e da
sociedade em que nasceram ou foram criados.
Pai e lho pescando em um rio da França, século XIX. Disponível em:

ACESSE

A família pode ser considerada uma instituição social porque promove o que Porfírio (2020)
denomina de organização e coesão social, tendo em vista que transmite as regras da
sociedade. Pela sua natureza agregadora, dá origem a outras instituições, como a política, a
religião e a educação formal, lidando com valores que permeiam todas elas, como a
fraternidade e a ética de cada tempo e lugar. Para entender um pouco da dinâmica dessa
instituição, é preciso voltar no tempo e analisar a trajetória percorrida até os dias atuais,
veri cando os eixos comuns das famílias brasileiras e as particularidades encontradas em
cada agrupamento.

Apontamentos históricos da instituição familiar


Considera-se a família como a instituição mais antiga criada pela Humanidade, uma vez que,
ao sair do estágio primitivo no qual os homens viviam praticamente em estado de
animalidade, passou-se a estabelecer laços afetivos com as pessoas que possuíam laços
sanguíneos. Com os agrupamentos, as pessoas facilitaram suas vidas por poderem cooperar
entre si, estabelecer uma relação de con ança para proteção, busca e compartilhamento da
alimentação e procriação. Pode-se a rmar que as famílias se organizaram de formas distintas
em todo o planeta, de forma que cada região tem as suas características especí cas, sendo
nossa referência as sociedades ocidentais, mais próximas e com histórias mais conhecidas.

Nesse período, milhares de anos atrás, o nomadismo – ou seja, a prática das pessoas que não
tem habitação xa e vivem se mudando em busca de comida e proteção – era o principal estilo
de vida. Para se protegerem dos perigos das mudanças de local e das intempéries da natureza,
as famílias começaram a se organizar em clãs, que conforme a Infopédia (2020), são grupos
de famílias proximamente inter-relacionadas. 
O advento do sedentarismo, relacionado à descoberta da agricultura, ocorreu no período pré-
histórico denominado Neolítico ou Pedra Polida, que ocorreu entre 10000 e 4000 anos antes
de Cristo (PINTO, 2020). Segundo Porfírio (2020), com o sedentarismo, que foi a xação das
pessoas em locais estabelecidos, os clãs de famílias deram origem às tribos e posteriormente
às cidades, capazes de administrar questões cruciais, como habitação, abastecimento de água
e comida, além da agricultura e da criação de animais domésticos. Nesse período, foi criado
um modelo de família denominado patriarcal, baseado na che a da família pelos pais, que
eram casados com as mães. Todavia o modelo não se aplica a todas as sociedades e, na
atualidade, não é a única referência.

Figura 2 – Neolítico: o que foi?


Fonte: theecologist.org
Saiba Mais
HISTÓRIA SOCIAL DA CRIANÇA E DA FAMÍLIA
Em História Social da Criança e da Família, o historiador francês
Philippe Ariès (1914-1984) mostra como a sociedade muda quando as
atitudes daqueles que a compõem mudam. Seu argumento baseia-se
na ideia de que, a partir do século XVIII, o compromisso dos pais com
seus lhos nasceu com o controle da natalidade e o declínio da
fecundidade, antes que a criança se tornasse adulta. Nesse contexto,
as altas taxas de mortalidade passaram a incentivar uma excessiva
atenção materna e paterna. Para Ariès, o conceito de infância não
existia na sociedade medieval; o que não signi ca que as crianças
eram negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O conceito de
infância não deve ser confundido com atenção aos lhos:
corresponde, por outro lado, a uma tomada de consciência da criança
em particular; consciência essa que não existia. Philippe Ariès aborda
a importância das brincadeiras, das pequenas escolas, do ensino
diferenciado e da "invenção" da infância a partir do momento em que
as mulheres passam a ter menos lhos e estes têm uma sobrevida
maior, tornando-se adultos. A criança é, primordialmente, um ser
distinto do adulto, possuidora de valores próprios como fantasia,
ingenuidade, ludicidade (BOOKS, 2020).
A obra tornou-se um clássico, que consta nas referências
bibliográ cas de cursos de História, Pedagogia, Sociologia e áreas
a ns.
A história da família ocidental segue sob forte in uência do modelo patriarcal e da Igreja
Católica que o reforça. No Brasil, a história ganha características próprias, ainda que sofra as
mesmas in uências.

À época do descobrimento do Brasil (1500), o país era povoado por indígenas. Eles viviam em
tribos, cuja responsabilidade estava a cargo do cacique e cujo chefe religioso era o pajé. Com
relação às famílias, havia tribos que adotavam casamentos monogâmicos, entre homem e
mulher, enquanto outras mantinham casamentos poligâmicos, nos quais era possível ter mais
de um parceiro sem infração das regras da tribo. Havia ainda tribos que permitiam relações
consideradas incestuosas pela moral cristã, como o matrimônio entre primos cruzados
(casar-se com lhos de irmãos ou irmãs de pai ou mãe), e o matrimônio avuncular, entre tio
materno e sobrinha (SÓ HISTÓRIA, 2020).

A chegada dos portugueses trouxe hábitos, costumes e uma referência patriarcal que, segundo
Fernandes (2020), é caracterizada por ter como gura central o patriarca, ou seja, o “pai”. Ele
é simultaneamente chefe do clã (dos parentes com laços de sangue) e administrador de toda a
extensão econômica e in uência social que a família exerce. Além disso, a organização sofre
grande in uência dos preceitos da Igreja Católica. Veri ca-se na organização de origem
europeia várias diferenças em relação à estruturação familiar indígena.

Os africanos ingressaram na sociedade e nas famílias brasileiras a partir do momento em que


tiveram a sua liberdade subtraída no seu continente de origem, de onde foram trazidos de
maneira forçada, principalmente para o trabalho escravo nas lavouras. Em razão disso, esse
povo teve suas relações familiares modi cadas à medida que, na chegada ao Brasil, parentes
próximos, como pais e lhos, foram separados. Nas senzalas, moradias de condições muito
precárias destinadas aos negros escravizados, estabeleciam-se relações diferentes do modelo
patriarcal europeu, uma vez que a maneira como elas se organizavam levava a isso. Segundo
Andrade (2006), sua divisão interna não previa espaços individuais, como quartos e
banheiros. Em sua maioria, não havia a divisão por unidades familiares. Dormiam todos
juntos, apenas com separações entre homens e mulheres e crianças. 
Nesse sentido, considerando os três principais grupos étnicos – indígenas, europeus e
africanos – veri ca-se que a formação da família brasileira adquire características próprias,
sendo marcada pela miscigenação (mistura de raças), patriarcalismo, machismo, submissão
das mulheres europeias, exploração sexual das mulheres negras e indígenas, além de outros
con itos existentes e derivados de relações de dominação de descendentes europeus sobre os
demais grupos raciais. Todas essas relações deixaram marcas nas con gurações familiares
contemporâneas, ainda que a atualidade aponte para novos direcionamentos.

Família e con gurações atuais


A Figura 3 traz representações de modelos e situações familiares, com diversas quantidades e
gêneros de indivíduos. A esse respeito, Wagner (2011), em sua obra Desa os Psicossociais da
Família Contemporânea, explica que as con gurações familiares dizem respeito ao conjunto
de indivíduos que compõem o núcleo familiar. São arranjos e disposições dos membros que
fazem parte de uma família e as combinações que se estabelecem. Para analisar essas
combinações, leva-se em conta que a família é uma instituição que vai além dos laços
sanguíneos, compreendendo as funções desempenhadas por seus membros e suas inter-
relações (MACEDO, 2000). As inter-relações envolvem lealdade, afeição e compromisso com
os cuidados; dentre as combinações familiares possíveis, pode-se citar: casal sem lhos, casal
com vários lhos ou lhos únicos, casais homoafetivos, masculinos ou femininos, com um
ou mais lhos, avós e netos, avós com lhos e netos, pais recasados com lhos de diferentes
relações, além de outras combinações que variam de acordo com as a nidades e necessidades
de convivência. Todos são exemplos de família, visto que além dos laços afetivos,
desempenham a tarefa de educar e cuidar dos indivíduos.
Figura 3 – Con gurações familiares
Fonte: Adaptada de Getty Images

As con gurações citadas são entendidas em nossa sociedade como uma novidade, uma vez
que, segundo Oliveira (2020), no Código Civil de 1916, só era admitido como família
propriamente dita aquela formada pelo casamento, desconsiderando as demais con gurações
e os lhos concebidos fora do casamento. Após a movimentação social para a aprovação de
leis, como a Lei do Divórcio, e de lutas pelo reconhecimento dos direitos femininos, em 1988,
a Constituição Federal regularizou a união estável formada por homem e mulher e a
comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, entendida como família
monoparental. Ou seja, para se formar uma família, basta duas pessoas, mãe e lho, por
exemplo, superando o modelo patriarcal.
Você Sabia?
O DIVÓRCIO DEMOROU A CHEGAR NO BRASIL
Fruto de uma emenda constitucional proposta pelo Senado, a Lei do
Divórcio (Lei 6.515/1977) permitiu uma profunda mudança social no
Brasil. Até então, o casamento era indissolúvel. Aos maridos e esposas
infelizes só restava o desquite – o que encerrava a sociedade conjugal,
com a separação de corpos e de bens, mas não extinguia o vínculo
matrimonial.
Assim, pessoas desquitadas não podiam se casar novamente. Quando
voltavam a se unir a alguém, essa união não tinha respaldo legal e os
lhos eram considerados ilegítimos, como se tivessem sido gerados
em relacionamentos extraconjugais. Além de não terem amparo da
legislação, esses casais – que viviam “em concubinato”, segundo o
termo jurídico – sofriam preconceito, especialmente as mulheres.
A Lei do Divórcio permitiu que centenas de milhares de homens e
mulheres voltassem a se casar no civil e constituíssem famílias
legítimas aos olhos da lei; mas a aprovação desse instrumento, um
marco na história do direito de família, não foi fácil. O Brasil acabou
sendo um dos últimos países do mundo a instituir o divórcio. Dos 133
integrantes das Nações Unidas na época, apenas outros 5 ainda não o
permitiam (BELTRÃO, 2020).
Não há hierarquia entre as con gurações familiares no sentido de serem melhores ou piores
que as outras. Macedo (2000), em uma abordagem psicopedagógica clínica, classi ca as
famílias entre saudáveis e disfuncionais. Nas famílias saudáveis, o ambiente é acolhedor,
podendo as relações entre seus membros serem caracterizadas como amorosas, carinhosas e
leais. Podemos citar como exemplos as mães que preparam as marmitas dos lhos todos os
dias, pais e mães que são con dentes e auxiliam no cuidado dos netos. Não se pode esquecer
de padrastos e madrastas que, unidos a pais e mães, também prezam pelos cuidados,
convivência ou aconselhamento de lhos. Irmãos, avós, tios, tias e outros também são
personagens muito importantes na condução da família quando se trata de relações de
colaboração.

Em de nições ultrapassadas, mas ainda bem presentes no imaginário de algumas pessoas,


consideravam-se famílias desestruturadas, ou seja, famílias sem base de sustentação, aquelas
que fugiam aos padrões patriarcais pré-estabelecidos: pai, mãe e lhos; sendo muito mal
vistas as mães de baixa renda e que criavam lhos sem a presença de um companheiro,
fossem elas solteiras, viúvas, divorciadas ou com companheiros em reclusão. Novos estudos
sociológicos levaram à constatação de que essa visão era insu ciente e preconceituosa, uma
vez que todas as famílias têm seus pontos fortes e fracos, de modo que até as famílias
abastadas e que vivem sob o modelo de pai, mãe e lhos, considerado perfeito, têm as suas
di culdades. 

A esse respeito, Macedo (2000, p. 186), apresenta o conceito de famílias disfuncionais,


formadas quando, “[...]independentemente das condições sociais e econômicas, o ambiente é
disjuntivo e os relacionamentos assumem relações de ódio, culpa, vingança e outros
sentimentos desfavoráveis à cooperação e à boa convivência”. Juntam-se a isso, questões
ligadas a vícios, violências, abusos e todas as atitudes que implicam em falta de colaboração,
relações traumáticas e violações de direitos, principalmente dos direitos de crianças e
adolescentes.

Escola: Um Pouco de História

A escola é a instituição que a sociedade criou para socializar o saber. Em todas as épocas, as
pessoas aprenderam de formas diversas conforme as necessidades surgiam. O diferencial da
escola é propor uma educação sistemática e diferente da educação feita pelas famílias.

Figura 4 – Escola
Fonte: Getty Images

A origem do termo escola remete tanto ao latim schola quanto ao grego schollé
(SIGNIFICADOS, 2019) e signi ca ócio, lazer ou tempo livre. Para os gregos, ligava-se ao
tempo para interesses individuais, distanciando-se do trabalho e das obrigações. A instituição
escolar como se conhece na atualidade é relativamente recente na história da Humanidade.
Segundo Sales (2008), a educação nas comunidades primitivas era um ensino informal e
visava um ensino das coisas práticas da vida coletiva, focada na sobrevivência e na
perpetuação de padrões culturais. Não havia uma educação con ada a uma instituição
especí ca. Ela acontecia espontaneamente, mediada pela convivência em grupo. A criança
aprendia na prática, junto com a família e a comunidade, e assim também ensinava para seus
descendentes.
Uma das primeiras experiências escolares que se tem notícia ocorreu na Grécia, em
aproximadamente 387 a.C. (FUJITA, 2008), quando o lósofo grego Platão criou uma espécie
de escola onde se estudavam disciplinas como loso a e matemática por meio de
questionamentos. Esse protótipo escolar cava nos jardins de Academos, daí a origem do
termo academia como algo que se refere a estudos e construção do conhecimento. Contudo a
primeira escola o cial, no formato que conhecemos hoje, com professores, alunos e
frequência diária, se deu na Europa, em meados do século XII. Com a organização das obras de
caridade da Igreja Católica, ensinava-se a ler, a escrever, e a contar, além das lições do
catecismo.

No Brasil, a tradição católica na educação permanece no período da colonização. Antes do


descobrimento, os indígenas educavam seus lhos junto da família e da comunidade, com
atividades práticas de sua tribo, como a caça e a pesca. Essa maneira de aprender é
interrompida com a chegada da Companhia de Jesus. Essa ordem religiosa católica foi criada
com a nalidade de combater o movimento protestante (ARAÚJO, 2006). O lema da
companhia era “Para a Maior Glória de Deus” (“Ad Majorem Dei Gloriam”). Sua prioridade era a
atividade missionária e a educação religiosa voltada para a catequização do povo indígena,
africanos e imigrantes europeus. Por essa prática, tiveram grande importância na colonização
brasileira, uma vez que seus ensinamentos difundiram a cultura portuguesa no país,
promovendo a aculturação de indígenas e descendentes africanos.

Você Sabia?
O que é Aculturação?
É o processo de modi cação cultural de um indivíduo, grupo ou povo
que se adapta a outra cultura ou dela retira traços signi cativos. A
consequência é a fusão de culturas decorrente do contato continuado.
A aculturação é um conceito antropológico e sociológico que está
relacionado com a fusão de elementos pertencentes a duas ou mais
culturas (DIANA, 2020). No caso das populações indígena e africana,
essa aculturação se deu por meio de força, uma vez que elas foram
subjugadas e escravizadas. A catequização, bem-vista com era pelos
cristãos, se tornou uma forma de violência, pois tanto índios quanto
negros foram obrigados a abandonar seus próprios deuses para
receber a fé católica por imposição.

Os padres jesuítas não tiveram seu trabalho restrito à religião. In uenciaram diversas
situações históricas e sociais, como a oposição à escravidão indígena e a fundação de aldeias
missionárias no Brasil, Paraguai e outros países latino-americanos. Segundo Araújo (2020),
antes de serem expulsos do país em 1760, construíram vários colégios em diversos pontos do
litoral do país. Além disso, enfrentaram lutas contra tendências anticristãs e os processos de
laicização do ensino, ou seja, retirada da in uência religiosa nas escolas. Essa in uência
veri ca-se até os dias atuais, com grandes instituições particulares de todos os níveis de
ensino sendo mantidas por instituições católicas de diversas ordens.

O esforço pela criação de uma escola laica no Brasil permaneceu mesmo após a expulsão dos
jesuítas. Segundo Martins (2014), mesmo que com avanços, a criação de escolas em nosso
país era muito limitada e não havia sistema de ensino. Essa situação começa a se modi car
timidamente com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808. Houve um
esforço para que fossem criadas mais atividades culturais e educacionais para divertir a família
real e seus agregados, tendo em vista que o Brasil era uma colônia e até então, não tinha
investimentos nessa área. Foram realizadas obras como a construção do Teatro São João, no
Rio de Janeiro (1813), primeiro grande teatro brasileiro e a criação de faculdades de Direito,
Medicina e outras, antes existentes somente na Europa. Contudo, pouco se fez quanto à escola
elementar.

Após o processo de Independência do Brasil, em 1822, começa-se a pensar no país visando


torná-lo uma nação avançada. Para o planejamento da construção dessa nova nação, a
educação começa a ser levada em consideração. Sendo assim, em 1827, três anos após a
promulgação da constituição do Império, há a criação de escolas de primeiras letras, que hoje
seriam equivalentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental: responsáveis por ensinar a
leitura e escrita, as quatro operações aritméticas, outras noções de gramática e matemática,
além de moral cristã. 

Ainda no século XIX, houve uma série de decretos e reformas no intuito de construir um
sistema de ensino brasileiro. É importante salientar que, no período que se seguiu à abolição
da escravatura, a formação do trabalhador também começou a ser repensada. Isso ocorreu em
consequência das mudanças no sistema capitalista, que em sua fase industrial requereria um
novo tipo de trabalhador, capaz de produzir e consumir os bens, ao contrário do escravo, que
estava à margem do sistema capitalista e não tinha como consumir as riquezas produzidas.

Figura 5 – Escola do século XIX


Fonte: Getty Images
No período imperial (1822-1889) e início da república, no nal do século XIX, a criação de um
sistema de escolas ainda era algo muito distante, principalmente porque não havia
obrigatoriedade de oferecimento por parte do Poder Público. É no século XX, entretanto, com
a crescente urbanização e industrialização a requererem quali cação e inserção no mundo
letrado, que o processo começa a tomar vulto. 

Sobre esse período, é possível listar algumas ações: 1920: Criação da Universidade do Rio de
Janeiro (atual UFRJ); 1930: Criação do Ministério da Saúde e Educação (ambos faziam parte da
mesma jurisdição); 1932: Manifesto dos Pioneiros da Educação, que defendia a da educação
como direito de todos, dever da família e do Poder Público, com ensino primário gratuito;
1946: Após ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945), promulga-se a Constituição Liberal –
defesa da liberdade e da educação; 1961: Promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 4.024/1961), submissa aos interesses da iniciativa privada; 1971: Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 5692/1971) – divide a educação em 1º e 2º graus,
amplia a obrigatoriedade da gratuidade do ensino de 4 para 8 anos e institui a obrigatoriedade
do ensino pro ssionalizante para o 2º grau (atual Ensino Médio), que deixa de existir em
1982; 1996: a legislação atual acrescenta a Educação Infantil à educação básica, assim como o
Ensino Médio; Em 2009 e 2013, a oferta de vagas passa a ser obrigatória para Ensino Médio e
Educação Infantil, respectivamente; um esforço para universalizar o acesso à educação formal.

Os fatos citados favoreceram a criação de um sistema de ensino nacional, visto que essas
políticas possibilitaram a abertura de escolas e instituições de educação infantil. Não se pode
esquecer de fatores que também contribuíram para o aumento do número de escolas como o
êxodo rural e urbanização, ambos muito presentes no decorrer do século XX, e que zeram
com que as pessoas deixassem a vida tranquila nas fazendas, onde a leitura se fazia pouco
necessária, para se aventurarem nas indústrias instaladas nas cidades, principalmente após as
duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945). 

A vida na cidade exigia conhecimentos como a leitura, escrita e cálculo, de forma diferente dos
conhecimentos obtidos sobre a natureza, o plantio e o trato com os animais. Na atualidade, o
constante intercâmbio entre campo e cidade e a automação nas fazendas, também exige que
os trabalhadores sejam escolarizados, o que faz com que a Educação do Campo seja uma
modalidade de ensino com características próprias.
Você Sabia?
NO SÉCULO XIX CRIANÇAS RECEBIAM INSTRUÇÃO EM CASA?
No século XIX, era muito comum a presença de preceptoras nas
residências das famílias mais ricas. Segundo Ritzcat (2003, p. 271), a
preceptora era [...] uma mulher que ensina em domicílio ou uma
mulher que habita com uma família para fazer companhia e dar aulas
às crianças. Alguns estrangeirismos, como “gouvernante”,
“mademoiselle” e “fräulein”, eram usuais para identi car essas
educadoras estrangeiras no Brasil (ALBUQUERQUE, 2013). Como era
uma época em que a Europa, principalmente a França, era uma
referência cultural, ter em casa uma educadora estrangeira para
transmitir aos lhos o modelo europeu de educação era uma prova de
poder aquisitivo para as elites brasileiras que se formavam.
Figura 6 - A preceptora
Fonte: Divulgação

Após veri car como família e escola se constituíram até os dias atuais, é possível
compreender a sua importância para a vida de cada indivíduo, uma vez que ambas tratam das
interações, dos valores e dos processos educativos da pessoa em atendimento. Essa é a razão
pela qual o psicopedagogo deve fazer a mediação entre essas duas instituições, sendo
relevante que a escola, na gura de seus educadores, compreenda as diferentes con gurações
familiares para que se possa estabelecer um diálogo assertivo com cada família, visando o
progresso do indivíduo.
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Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

Livros
História social da criança e da família
Em História Social da Criança e da Família, Ariès mostra como a sociedade muda quando as
atitudes daqueles que a compõem mudam. Seu argumento baseia-se na ideia de que, a partir
do século XVIII, o compromisso dos pais com seus lhos nasceu com o controle da natalidade
e o declínio da fecundidade, antes que a criança se tornasse adulta.
ARIÈS, P. História social da criança e da família. Tradução: Dora Flaksman. 2. Ed. Rio de
Janeiro: Editora L.T.C., 1981.

Vídeos
Os primeiros tempos: a educação pelos jesuítas
A Univesp TV foi a Portugal investigar o caminho feito pelos jesuítas que vieram para as novas
terras da coroa portuguesa logo no início da colonização. Com eles começou a educação no
Brasil. No vídeo, questiona-se quais as reais intenções dos jesuítas, como eram os colégios
fundados por eles na colônia e se os índios frequentavam tais colégios.

D-06 - Os Primeiros Tempos: A Educação pelos Jesuítas (2/2)


Filmes
A Partilha
Reunidas para o enterro da mãe, quatro irmãs – Selma (Gloria Pires), Regina (Andrea Beltrão),
Laura (Paloma Duarte) e Lúcia (Lilia Cabral) – se veem obrigadas a dividir muito mais que um
amplo apartamento em Copacabana. Através da partilha dos bens – da venda do apartamento
à divisão de um aparelho de chá de brinquedo – essas irmãs confrontam suas opções,
destinos, estilos de vida e expectativas.

A Partilha
Leitura
A família, a criança e uma visão psicopedagógica sistêmica
O artigo trata da visão psicopedagógica sistêmica a respeito da família e da criança no
processo de aprendizagem, tendo em vista as intervenções pro ssionais que podem ser feitas.

A família, a criança e uma visão psicopedagógica


sistêmica
Os pais inconscientemente deixam a seu lho a carga de refazer sua história,
mas refazê-la de tal maneira que nada deveria mudar, apesar de tudo. O
paradoxo em que a criança está presa produz logo efeitos violentos; com
efeito, raramente há oportunidade de que a criança se realize em seu próprio
nome.
LEIA MAIS REVISTAPSICOPEDAGOGIA 

Um breve histórico da educação e do nascimento da escola


A matéria traz aspectos históricos da educação, apontando o papel da escola e seu surgimento,
o trabalho infantil como um elemento que afasta a criança da escola e a importância do
brincar para o desenvolvimento das crianças.
Uma breve história da educação e do nascimento
da escola - Centro de Referências em Educação
Integral
Quando vemos que as crianças de todo o mundo são obrigadas por lei a irem à
escola, que quase todas escolas são estruturadas do mesmo jeito e que nossa
sociedade empreende um grande esforço e recursos para manter tais lugares,
naturalmente achamos que deve haver alguma razão lógica para tudo isso.
LEIA MAIS CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL 
4/4

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA – ABPP. Código de


Ética do Psicopedagogo, 2019. Disponível em:
<https://www.abpp.com.br/wp-
content/uploads/2020/11/codigo_de_etica.pdf>. Acesso em: 18/11/2020.

ALBUQUERQUE, S. B. M. Entre cartas e memórias: preceptoras


europeias no Brasil do século XIX. 2015. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. Disponível em:
<https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/17736>. Acesso em: 17/11/2020.

ANDRADE, A. L. M. S. Senzala. Infoescola, c2006-2021. Disponível em:


<https://www.infoescola.com/historia/senzala/>. Acesso em: 10/11/2020.

ARAÚJO, A. P. Companhia de Jesus. Infoescola, c2006-2021. Disponível


em: <https://www.infoescola.com/educacao/companhia-de-jesus/>.
Acesso em: 13/11/2020.

ARIES, P. História social da criança e da família. 2. ed. São Paulo:


Editora LTC, 2006. 
BELTRÃO, T. Divórcio demorou a chegar no Brasil. Senado Notícias,
04/12/2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/divorcio-
demorou-a-chegar-no-
brasil#:~:text=Em%2026%20de%20dezembro%2C%20 nalmente,
profunda%20mudan%C3%A7a%20social%20no%20Brasil>. Acesso em:
12/12/2020.

DIANA, D. Aculturação. Toda matéria, 2020. Disponível em:


<https://www.todamateria.com.br/aculturacao/>. Acesso em: 13/11/2020.

FERNANDES, C. Família patriarcal no Brasil. Brasil Escola. c2021.


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