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A Psicologia Da Apostasia
A Psicologia Da Apostasia
Não analiso aqui a atitude dos que não têm Fé, mas sim a atitude e a dinâmica da perda
da Fé.
Consideremos, então, uma alma posta no sossego da fé: ela crê em Deus e em sua
Igreja, ela obedece aos mandamentos, ela reza todos os dias e no domingo prepara a si e
aos seus para assistir a Santa Missa. No dia a dia, esbarrando em tantas ocasiões de
pecado, em tantas tentações, ela usa os critérios que a Igreja nos propõe para não se
deixar levar, para não cair no pecado: fuga das ocasiões, atos de fé, aconselhamento
com o sacerdote, e oração freqüente. Assim combate a alma cristã, assim busca a
perfeição quem vive da graça. É claro que em diversas ocasiões virão lhe propor
atitudes que são contrárias à sua fé. Ela, porém, saberá esquivar-se com prudência de
todos os ataques. Aqui com gentilezas, ali com a força do combate, mas sempre
protegendo o maior tesouro que recebeu. Saberá ter compaixão para com tantas
amizades, tantos parentes que não vivem da Fé e se deixam levar pelas facilidades da
vida. Saberá calar e rezar no silêncio do seu quarto, sem no entanto dar a entender que
apóia os erros dos seus mais próximos amigos e parentes. As coisas relativas à vida da
Igreja serão sempre, para tal alma, motivo de alegria, de estudos, de oração. E se
acontecer que uma atitude lhe seja pesada, rapidamente se inclinará à confiança em
Deus, no auxílio divino para resistir ao erro. Viverá na Esperança teologal. E como uma
vida assim não existe sem que a alma esteja unida à Deus, sem que a alma ame a Deus e
ao próximo, a Caridade será a coroa de sua existência. Vivendo, então, da Fé, da
Esperança e da Caridade, a alma verdadeiramente católica busca a perfeição na prática
de todas as virtudes.
É assim que, tendo sido seduzida pela língua dúbia, a língua da serpente, de que fala
São Paulo à Timóteo, a alma católica, pretendendo manter sua Fé, achando que nunca
renunciará ao essencial da vida católica, se encanta com pequenos detalhes que lhe
parecem menores, achando-se bastante madura para se aproximar do veneno do mundo,
como se os espinhos não espetassem adultos e crianças, olha com simpatia para aquilo
que alegra a vida dos homens, ou que os insere dentro da tranqüila vida oficial, ou que
faz com que eles se amem segundo o que dizem ser a natureza das coisas, a natureza do
organismo humano.
Tempestades
Asfixia e inanição
Muitas vezes acontece que, fugindo do seu ambiente, ela receba a influência de pessoas
estranhas ao seu mundo católico, que vão incentivar suas atitudes de aceitação da vida
fácil, da obediência servil às imposições do mundo, e a alma não consegue se
desvencilhar desse novelo de lã. O peso começa a ser insuportável e causa um processo
de diminuição das fontes da graça. A oração começa a incomodar, pois ela já não
suporta mais com tanta facilidade a presença de Deus. A missa do domingo é mantida
por causa da obrigação, mas é um peso, um momento de grandes confusões. Ela já não
se confessa mais, e a comunhão desaparece de sua vida. A Fé entra em processo de
inanição, pois perde todo o alimento espiritual. Isso não acontece sempre de estalo, vem
aos poucos, com altos e baixos. Muitas vezes uma confissão levanta a alma. Isso
significa que Deus não quer perde-la. Ela ouve um sermão, ela lê alguma coisa que a
comove, que bate no fundo do seu coração, e a Fé ressurge das cinzas, ganha força, ateia
mesmo o fogo da Caridade, e ela busca o confessionário. Quisera eu que isso fosse
sempre determinante na volta à normalidade. Mas o que acontece em geral é que as
situações que causaram a queda continuarão existindo. Ela sairá do confessionário ou da
missa sabendo o que precisa ser feito. Mas seu liberalismo já arraigado, imediatamente
voltará a gritar, a forçar, a tentar. Se ela toma resoluções fortes em sua vida, movida pela
graça, ela pode escapar da rede; mas se ela não tiver forças, docilidade à graça, e fizer
as coisas pela metade, não poderá durar muito tempo. E, em geral, é o que acontece.
O fato é que, com retomadas da graça ou sem elas, a alma entrou dentro de um processo
de confusão interior tal, que não conseguirá guardar para si esta confusão. Manifestará,
então, aquilo que a confunde. Vivendo ainda num ambiente católico, ouvirá muitas
vezes um conselho, uma comentário, que dará origem a uma resposta ríspida, a uma
revolta interior. De modo geral as pessoas católicas que emitem juízos sobre a vida da
Fé, sobre o combate pela Igreja, sobre a busca de perfeição, começarão a ser vistas
como um obstáculo ao seu caminho. E serão rechaçadas. A Fé, que já sofria de
inanição, será asfixiada por estrangulamento. É o liberalismo instalado na alma. Este
liberalismo se manifesta, como já disse, sob formas diversas que, muitas vezes, acabam
se encontrando, nesta fase de asfixia da alma católica. É assim que, passo a passo, a
alma adotará os costumes do mundo, a alegria que os homens sentem de não serem
constrangidos por regras, por mandamentos, por Igreja Católica, buscarão a missa da
paróquia mais próxima, pois ali o padre não faz questão de muita coisa, ou assistirão à
missa tradicional, mas sem ouvir o que o padre tem a lhes falar, para a salvação de suas
almas; farão questão de se acostumarem com qualquer ambiente, e dirão para si que são
todos pessoas normais. E assim viverão, já com uma casca morta de Fé, com certos
costumes sociais de missa dominical, alguma oração, aqui ou ali, mas sem que o amor
de Deus seja a razão de ser de tudo isso. "Fabricarão mestres segundo suas paixões", e
formarão uma consciência nova sobre bases já não mais católicas, que lhes deixarão
felizes, enganando-se a si mesmos, achando que, de modo algum, estão ofendendo a
Deus.
Rompeu o fiozinho
Alguns ficarão presos por algum laço tênue, algum fiozinho quase invisível que os
prenderá ainda um pouco, que não deixará que se afastem muito. Mas o fiozinho, um
dia, se romperá, e a última barreira estará aberta.
A Fé, assim morta, já sem nada que a possa fazer ressurgir, acabará cedendo lugar às
especulações da razão naturalista e liberal. A Caridade, que é o amor de Deus, pelas
coisas de Deus, acima de tudo, deixará lugar ao amor-próprio, que é o amor
desordenado de si mesmo. Os interesses pessoais, as fraquezas da alma, a miragem da
busca da facilidade que inicia todo este processo, termina assim na perda total da fé, na
terrível apostasia, que é a chama que anima o inferno.
Quantas almas se perdem por caminhos como estes, num processo de envenenamento
progressivo que, por seguir etapas distintas, vão como que destilando gota à gota a
destruição do edifício espiritual da alma. Um drama assistido de fora, sem que muita
coisa possa ser feita, pois a pessoa que segue este caminho não aceita conselhos ou não
tem força para pô-los em prática. Só a nossa oração pode conter este processo de
destruição. Se víssemos uma pessoa amiga sofrendo uma destruição gradativa de sua
vida corporal, agiríamos de alguma forma, mesmo que só pela oração diária, se não
tivéssemos como conter o mal, como é o caso dos alcoólatras. Quanto mais devemos
trabalhar todos os dias quando vemos o orgulho e a cegueira levarem as almas católicas,
almas que não têm desculpas, a seguir o caminho do inferno.
O Catolicismo é uma religião exigente, pois só ela pretende restaurar o homem no seu
todo. Mas, diferente de todas as outras, só o Catolicismo nos dá a fonte da graça, neste
trabalho de restauração. Nós sabemos que é assim, pois essa é nossa Fé: Deus nos leva
pela mão, Deus nos transforma interiormente. De modo que é preciso ter forças, agir
com as graças de batizados e de crismados, que somos, para vencer esta avalanche que
vai levando, cada dia mais almas para as trevas do inferno. Ao abraçar a graça,
desaparece de nossa frente os obstáculos, as vergonhas, o orgulho. Passamos a nos
deixar conduzir pela mão de Deus, e daí vem toda a nossa força. É preciso que as almas
compreendam isso, que vivam desta graça, que é a única fonte de verdadeira liberdade,
de verdadeira alegria, de paz duradoura e total.