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T.S. Eliot
Quarta-feira de cinzas.
A primeira imagem
de que ele me falou...
na Islândia, em 1965.
Ele me escreveu:
Preciso colocá-la sozinha...
no início de um filme,
com uma tarja preta.
SEM SOL
Os japoneses ricos
e apressados tomam o avião.
A espera, a imobilidade,
o sono interrompido...
fragmentos de guerra
encaixados na vida corrente.
essas lembranças
que serviam apenas...
só a banalidade me interessa.
persistente como um
caçador de recompensas.
De madrugada,
chegaremos a Tóquio.
acertara as contas
com o espaço.
O desafio do séc. 20
era a coabitação do tempo.
há um templo
dedicado aos gatos.
da ausência de afetação
daquele casal...
Ele escreveu:
Um mundo de miseráveis,
de bêbados, de coreanos.
Muito drogados,
eles se embebedam de cerveja...
de leite fermentado.
e sabe disso.
É um povo de errantes,
de navegantes...
Formou-se de mestiçagem,
nestes rochedos...
povo vertical.
Francamente!
como se ensina
nas escolas de cinema...
Ele me escreveu:
Os animais, revividos
durante o carnaval em Bissau...
serão encontrados
petrificados...
É o estado de sobrevivência
que os países ricos esqueceram...
no período de Heian.
Os governantes governavam...
afrontavam-se em estratégias
complicadas.
Na corte do Imperador,
apenas intrigas e diversão.
deixou na sensibilidade
japonesa...
um tipo de reconforto
melancólico.
Ele me escreveu:
Eu penso na lista de
Shônagon...
Apenas citar.
A poesia japonesa
não qualifica.
Há um modo de dizer
barco, rochedo, nevoeiro...
rã, urubu, granizo,
garça, crisântemo...
em eletrônica.
E, no mês de maio,
ele se matou.
A coruja de Ginza,
a locomotiva de Shimbashi...
ou uma vitória
em corrida de cavalos...
interessava-se pela
classificação de Chiyonofuji...
do príncipe herdeiro,
do antigo gângster japonês...
As alegrias simples
da volta ao país...
Ele me escreveu:
Mas eu nunca vi
tanta gente lendo na rua.
Eu voltei a Kinokunya,
a livraria de Shinjuku.
É o planeta Mongo.
Ao anoitecer, a megalópole
se divide em vilas...
simples e limpa...
e de modo admirável,
porque agia com humildade...
a essência do estilo...
O texto publicitário
parece um haikai...
De Rousseau ao Khmer
vermelho...
coincidência ou sentido
da História?
Em "Apocalipse" Brando
dizia frases definitivas...
e incomunicáveis:
é preciso dar-lhe
outro nome e outro rosto.
Os filmes de terror
japoneses...
maior é a sensação
de ser visto por ela.
o espírito da sorte.
Os vencidos, despeitados,
deixam-no zarolho.
judeus errantes...
habituaram-se a evoluir em um
mundo de aparência frágil...
fugaz, mutável...
isso se chama
instabilidade das coisas.
ela é o espetáculo.
O código é a mensagem.
É o que as religiões
sempre fizeram.
o rosto do Papa.
Ele me escreveu:
A curiosidade e um laivo de
espionagem industrial nos olhos.
Eu os imagino lançando,
em dois anos...
na Ilha de Hokkaido?
e oferecer à deusa da
fecundidade a moedinha...
Gostaríamos de acreditar
num mundo anterior ao pecado...
inacessível ao puritanismo...
participam da mesma
inocência cósmica.
E mesmo
sem o pecado original...
o crime sanguinário
ou uma discreta melancolia...
aliás intraduzível.
E esse nivelamento
do homem ao animal...
a uma melancolia
que posso descrever-lhe...
copiando um texto
de Samura Koichi:
Com o tempo...
o corpo desejado
não existirá mais...
o que resta...
Ele me escrevia
que o segredo japonês...
supunha a faculdade de
comunhão com as coisas...
de entrar nelas,
ser elas num momento.
transitórias e imortais.
Ele me escreveu:
para o repouso
das bonecas quebradas.
a deusa da compaixão...
nossa Kwan-Yin...
Eu observei os participantes.
deveria colocar-se
uma música de Cabo Verde...
Eles fizeram
o que foi possível.
Eles se libertaram,
expulsaram os portugueses...
traumatizaram o exército
português a ponto...
quando tombaram
os primeiros mortos na luta.
após a independência,
a mesma réplica:
Agora começam
os verdadeiros problemas.
trabalhar, produzir,
distribuir...
vencer o esgotamento
que segue a guerra...
as tentações do poder
e do privilégio.
como filmar
as mulheres de Bissau?
A magia da objetiva
parecia agir contra mim.
eu a vejo...
ela me viu...
e, afinal, um verdadeiro
olhar...
direto...
e continuou a esperá-lo
a vida toda.
As pessoas, comovidas,
davam-lhe de comer.
Eu vi, no departamento
de computadores...
A História do futuro
contará, talvez...
no mesmo nível
de Salamine ou Azincourt.
presidente do
Partido Patriótico Japonês...
em seu carro-palanque,
condenar o complô comunista.
Ele me escreveu:
com o abominável
ocupante do Norte...
Nada é simples.
Na outra calçada,
a palavra é da esquerda.
é ameaçado de uma
condenação à morte.
Um grupo começou
uma greve de fome.
a impressão de representar
Brigadoon...
os mesmos adolescentes
de capacete...
os mesmos slogans...
as mesmas bandeirolas...
o mesmo objetivo:
lutar contra o aeroporto.
Um acréscimo apenas:
exatamente o aeroporto.
se as imagens do presente
não mudam...
mudemos as imagens do passado.
em homenagem a Tarkovski.
Muitas vezes,
ela me exasperava...
Reencontrei lá os camponeses
que se encontraram na luta.
inclusive os arrivistas
do martírio...
a consumir depressa,
como as groselhas.
Eles estão em um
tempo paralelo...
Descrição de um sonho.
encontro um traço...
ele se perde...
a presença delineada
na noite anterior.
Começo a me perguntar
se tais sonhos são meus...
ou se fazem parte
de um conjunto...
como no final de
"Os Visitantes da Noite".
as mesmas firmas
possuem as lojas...
Os bilhetes do distribuidor
tornam-se tíquetes de entrada.
e no acúmulo de detalhes...
superpovoada,
megalômana, desumana.
flagrantes de rostos
pegos de passagem...
eram justamente
os mais pobres de Tóquio...
Ele me escreveu:
há na partitura de Tóquio
um timbre especial...
Escutando-os, pode-se
jogar de memória.
Depois eu os encontrei
no mundo inteiro...
só com uma variante:
em vez de animais...
No alto, o presidente,
diretor geral.
Abaixo, o vice-presidente
e diretores.
que se quebrou...
Para me agradar...
a memória e a imaginação.
eu os vi em Osaka,
dormindo no chão.
nada os distingue
oficialmente...
impronunciável.
No momento, a filosofia de
nosso tempo está no Pac-Man.
Ele representa,
na dose justa...
no zoológico de Uenan.
de a morte levar
um panda por ano...
era a surpresa.
Eu volto de um país
onde a morte...
O grande Ancestral do
arquipélago das Bijagos...
segundo um protocolo
rigoroso...
Em um documento antigo,
A. Cabral disse adeus ao rio.
o PAICC...
prefigurando a federação
dos dois Estados.
Isso, eu ouvi...
os socialdemocratas,
artigos para lojas populares.
mas se a guerrilha é
como veneno na água...
Ele escreveu:
o Comandante Nino,
terá tomado o poder.
O partido se esfacelará...
havia os dissabores do
dia seguinte à vitória...
na luta revolucionária...
a sublimação
de sua imagem pessoal.
É assim, em geral,
que caem os sem bandeira...
Amilcar assassinado
pelos companheiros...
as regiões libertadas
dominadas por ditadores cruéis...
tapando a memória
como se tapam os ouvidos.
De certo modo,
os dois se comunicam.
A memória é para um
o que a História é para outro:
uma impossibilidade.
As memórias devem
contentar-se de seu delírio...
A loucura protege,
como a febre.
a única eternidade
que nos resta.
Eu penso em um mundo
em que cada memória...
poderia criar
sua própria lenda.
Ou seria o contrário?
Na verdade, tratava-se
de poder e de liberdade...
de melancolia
e de deslumbramento...
significa, na verdade,
a vertigem do tempo.
Como Scottie,
ele seguira Madeleine...
E no retrato,
como no cabelo de Madeleine...
a espiral do Tempo.
O pequeno hotel
onde Madeleine desaparecia...
desaparecera também.
a sequoia estava no
Jardin des Plantes, em Paris...
no exterior do Tempo.
O cavalo pintado
de São João Batista...
na impossibilidade de viver
com a memória...
salvando-a da morte,
antes de devolvê-la a ela.
Astronautas americanos,
antes da Lua, treinavam...
Eu via um cenário
de ficção científica...
ou melhor, não...
de muito longe.
Eu o imagino avançando
por estas terras vulcânicas...
e o passo seguinte
será um ano mais tarde.
aí incluída a memória.
Consequência lógica:
eis o de um homem
que perdeu o esquecimento...
e de desprezar a humanidade
do passado e suas trevas...
emocionar-se diante
de um retrato...
com indignação.
É um terceiro-mundista do Tempo.
a existência da miséria
em seu presente.
para as crianças
de um país rico.
No entanto,
eu guardo os cenários...
eu invento passagens...
SEM SOL.
A 15 de maio de 1945,
às 7 horas da manhã...
e que desconheciam
a civilização dos Ryukyus.
Durante séculos
de submissão sonhadora...
a Noro...
Os japoneses defenderam
passo a passo a posição.
A Noro se comunica
com os deuses do mar...
Na madrugada,
os americanos estacaram.
e voltar-se para
o mundo moderno.
a 2 km de boliches
e de postos de gasolina...
As culturas mágicas
desaparecidas deixam marcas.
A ruptura da História
foi violenta demais.
Eu a senti,
no alto da colina...
como eu a sentira
perto da fossa...
Em frente, vendem-se
isqueiros...
em forma de granadas.
Na máquina de Hayao,
a guerra parece cartas queimadas...
Ao largo de Okinawa...
os camicases se jogavam
sobre a frota americana.
somos máquinas,
nada temos a dizer...
Mas em terra
sou um ser humano...
Eu falei francamente.
Perdoem-me.
um rochedo de sal
no meio do Atlântico.
basta ir em frente
para encontrar o deserto.
Ele me escreveu:
Eu entendi as visões.
o do castelo em ruínas,
em Montpelloy...
e o do farol
da ponta sul de Sal...
Tripulações de aviões de
longo percurso mudam em Sal.
o signo do Cachorro
cruzava o signo da Água.
Os templos se enchem
de visitantes que jogam moedas...
e oram à japonesa:
e que a lembrança
de uma certa cor na rua...
É o inverno indiano.
A 15 de janeiro,
o Dia dos Vinte Anos...
celebração obrigatória
na vida das jovens.
As prefeituras distribuem
sacolinhas com presentes...
agendas, conselhos...
só falta recolher
os enfeites...
os acessórios da festa...
e, ao queimá-los,
fazer uma festa.
É o Dondo-yaki...
O último estado,
antes do desaparecimento...
experimenta importância
sobre a fogueira.
que a destruição
seja uma festa...
que o divórcio
seja um sacramento.
introduziram-se minhas
três crianças da Islândia.
Eu retomei o plano
em sua totalidade...
porque eu o mantinha,
à força, com o zoom...
A cidade de Helmaey
estendia-se abaixo de nós...
só me faltava o nome...
vi emergirem tetos
e sacadas familiares...
Querida gata,
que onde você estiver...
Depois a viagem,
por sua vez, entrou na Zona.
e descia na estação
de Tóquio...
eu parava diante
da posta restante...
e diante do guichê
do correio aéreo...
Eu media a insuportável
vaidade do Ocidente...
Eu andava ao longo
das barracas de roupas...
e ouvia, ao longe,
a voz do Sr. Akao...
porque se dirige
àquela parte de nós...
para ofertá-la
ou para apagá-la.
escreve-me da África.