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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA851
História da Música Brasileira I 2023 I
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento nº 5

VITÓRIA CAROLINA CUNHA

Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Identificação do artigo aqui resumido: O movimento musical romântico no Brasil

O romantismo europeu
A partir da Revolução Francesa, que explodiu em 1789, mudanças estruturais na
sociedade, economia, política e cultura europeias começaram a se consolidar. A classe burguesa
em ascensão clamava pelo fim das monarquias, inclinando-se à democracia, às liberdades
individuais e ao sonho de igualdade. Logicamente, tais transformações de pensamento
respingaram, também, no fazer musical da época, o qual estava, até então, atrelado à tradição
clássica de composição. Essa última se via profundamente preocupada com as formas estéticas da
música, a qual deveria ser racional, pura e controlada, além de manter inspiração em ideais
gregos antigos. Dessa forma, porém, as composições do classicismo assumiam um caráter
idealista e artificial, parecendo alheia às vivências do “povo”.
Em contraste a isso, o que começou a se configurar, dentro do âmbito musical, foi um
maior interesse em temáticas que fossem além dos muros da nobreza. Preocupava-se, a partir daí,
com a realidade de outras camadas da sociedade: os seus sentimentos, sonhos, sensações e
individualidades – e com a representação dessas vivências de maneira artística. Assim, para dar
conta desse novo enfoque na emoção, as orquestras cresceram muito em tamanho, além de as
próprias peças terem, também se tornado mais complexas, com maior uso de recursos
timbrísticos, de dinâmica e de expressividade. Tudo isso visava expressar, da forma mais
verossímil, os sentimentos humanos e apresentar narrativas – verdadeiras viagens por eventos
emotivos – em forma de música.
Outra característica marcante desse novo movimento cultural era a do conflito entre
extremos, as famosas dualidades do romantismo: entre singeleza e grandiosidade ou indivíduo e
grandes públicos, por exemplo. Em meio a esses paradoxos e não mais sendo sustentado por
algum mecenas, o compositor romântico se configurou como um ser atormentado, desajustado e
lançado ao próprio destino: precisava fazer o possível para se destacar aos olhos dos espectadores
e garantir o seu sustento. Não coincidentemente, foi nesse período que o virtuosismo instrumental
se tornou extremamente relevante, além de a própria personalidade e a história do artista se
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fundirem à sua produção artística – a arte como o retrato da vida. Dessa maneira, o romantismo
musical europeu, iniciado na França e na Alemanha ao redor de 1830, praticava o rompimento da
forma e a ampliação da harmonia, enquanto as sonatas e sinfonias clássicas eram substituídas por
poemas sinfônicos – os quais incluíam conteúdo extramusical –, óperas com temática psicológica
etc.

O romantismo à brasileira
A recepção desse romantismo europeu em terras brasileiras se deu com um atraso de
cerca de 40 anos, devido ao forte laço que tínhamos com as culturas portuguesa e italiana no
período colonial e, também, a uma certa escassez de recursos para que o seu desenvolvimento se
efetivasse. Apesar disso, esse movimento se consolidou por aqui, bastante ligado às elites e
concentrado nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro – seguindo moldes europeus. Uma
prática muito comum por parte dos compositores brasileiros, por exemplo, era a de realizar
viagens à Europa, a fins de estudo, para ter maior contato com as práticas musicais românticas
que se consolidavam por lá e, posteriormente, trazê-las ao Brasil. Na realidade, aqueles que não
faziam suas viagens europeias eram malvistos e considerados menos preparados para atuar
musicalmente junto à elite.
A independência do Brasil, em 1822, já havia feito surgir um espírito nacionalista e
patriótico no país, o qual foi manifestado por hinos, canções, modinhas e outras peças maiores.
Nos hinos, havia uma forte tendência em elogiar a pátria e o território brasileiro, com destaque
para aspectos geográficos naturais, um espírito épico, grandioso e contra as tiranias monárquicas
– tudo em consonância com os traços românticos europeus. Mais tarde, durante o reinado de D.
Pedro II, foram fundados, no país, o Conservatório de Música no Rio de Janeiro (1847), a
Academia Imperial de Música e a Ópera Nacional (1857). Essa última era um espaço criado para
mostrar os virtuoses europeus mais famosos, especialmente os pianistas e cantores, tendo sido
dedicada a obras estrangeiras e às primeiras peças compostas por Antônio Carlos Gomes (1836-
1896). Dessa maneira, o repertório romântico foi sendo assimilado e disseminado em terras
brasileiras.
Já durante o governo republicano, o Conservatório – destinado à formação de músicos
especializados em compor óperas italianas – acabou sendo extinto e substituído pelo Instituto
Nacional de Música, em 1890. Leopoldo Miguez (1850-1902), um compositor brasileiro já
conhecedor do estilo romântico europeu, foi o primeiro diretor dessa nova instituição. Ele foi
responsável por criar melhorias estruturais no prédio, na organização e no regimento interno da
nova instituição, além de ter feito um profundo estudo sobre o funcionamento de conservatórios
europeus a fim de aperfeiçoar a metodologia brasileira – concluiu pela superioridade dos
conservatórios germânicos em comparação aos demais.
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Seguindo essa tendência de conformar-se aos moldes europeus, em 1904, foi fundado,
em São Paulo, o Conservatório Dramático e Musical, cujo objetivo era difundir uma música
“culta” formada naquela instituição. Ao mesmo tempo, grandes teatros municipais começaram a
ser construídos nos centros das cidades, imitando a Ópera Séria de Paris, os quais eram
destinados à representação de óperas, de concertos orquestrais e para piano, à exibição de
virtuoses etc. Também foram organizadas grandes formações orquestrais: as chamadas
Sociedades de Concertos Sinfônicos. Enquanto toda essa estruturação em moldes europeus
acontecia nos centros das cidades, em bairros mais longínquos, pequenos teatros eram
construídos e frequentados pelas classes médias, os quais se reservavam à representação de
operetas, por exemplo.
De forma geral, o repertório “culto” ganhou outra roupagem, tomando caminhos em
direção aos romantismos francês e alemão – enquanto a França, nessa época, era vista como a
capital cultural do Ocidente, a Alemanha era a nação europeia mais sólida, após ter passado por
uma unificação, em 1871. Se, antes, durante o período imperial, as obras musicais brasileiras
ficavam restritas à ópera, à música religiosa, às canções e às danças de salão, a partir de então,
elas passavam a ter um enfoque nas tradições românticas, a exemplo das sinfonias, do poema
sinfônico, das peças para piano ou orquestra, das óperas grandiosas, da música de câmara e das
canções cultas com piano (lieder) – cantadas, muitas vezes, em italiano, alemão ou francês. Entre
os principais nomes da composição brasileira dedicados à arte “culta”, destacam-se: Leopoldo
Miguez (1850-1902), Alberto Nepomuceno (1864-1920), Henrique Oswald (1852-1931),
Alexandre Levy (1864- 1913), Luís Levy (1861-1935) e Francisco Braga (1868-1934).

A Belle Époque e a higienização cultural: Europa e Brasil


A França, no período da Belle Époque, deu início a um fenômeno reurbanização, imerso
no intenso processo de industrialização e crescimento populacional no país. Isso ocorreu porque a
população proletária passou a se aglomerar em guetos, pelas estreitas ruas medievais,
principalmente em Paris, fazendo com que a elite, temendo possíveis revoltas populares
resultantes desse processo, passasse a externalizar e disseminar seu asco com relação às práticas
culturais do povo. Deu-se início, então, a uma reforma da cidade, concentrando as elites em
centros concêntricos ao mesmo tempo em que se expulsava as populações mais pobres para as
periferias desses locais.
Paris, vista como a capital da modernidade, influenciou diversas cidades europeias e
americanas, incluindo as brasileiras – é o processo que Nicolau Sevcenko chama de “inserção
compulsória na Belle Époque”. Da mesma forma que na França, durante o segundo império
brasileiro, cidades como o Rio de Janeiro passavam por uma intensa urbanização e apresentavam
problemas sanitários graves, decorrentes da superpopulação. Em fins do século XIX, havia uma
grande quantidade de desempregados, incluindo ex-soldados e ex-escravos, aglomenrando-se em
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cortiços e ocupando os morros cariocas. Tal fenômeno também ocorria em São Paulo,
intensificado pela crescente imigração italiana em substituição aos escravos negros e pelo projeto
de branqueamento da sociedade brasileira.
A população pobre e seus costumes, dessa forma, passaram a ser desprezados pela elite
brasileira – pensamento reforçado, ainda, pelas teses raciais de que negros e indígenas eram
inferiores e primitivos. Assim, nas últimas décadas do século XIX, inúmeras danças e festas
populares, os violões e as modinhas, bem como as manifestações de origem africana e indígena
foram considerados atrasados e incultos. Havia um mito de progresso, em que se acreditava que
tais raças e formas culturais não eram mais adequadas à ideia de criar uma nação civilizada, de
bons e intelectuais costumes. Portanto, houve um movimento de expulsão dessas populações mais
pobres dos centros urbanos, as quais, por um lado, tinham suas manifestações – como o maxixe, o
samba e o lundu – odiadas em bairros “nobres”, mas, por outro, deixavam de enfrentar tal
repressão nesse novo ambiente à parte.
Em fins do século XIX, assim, a música popular passava a exercer uma crescente
pressão sobre a cultura da elite, a qual, interessada nas culturas europeias, lançava sobre as
culturas de classes mais pobres seu olhar moralizante, exigindo sua “disciplina”, visto que tratava
“etiqueta” como símbolo de poder. É possível observar, portanto, que a Belle Époque causou três
efeitos básicos na produção e no consumo musical brasileiro. Primeiramente, ela criou uma
radical separação entre música popular e música das elites (culta). Além disso, contribuiu para a
importação da música culta europeia, principalmente relacionadas ao romantismo francês e
alemão. Por fim, esse movimento fez com que a cultura popular fosse higienizada e,
posteriormente, incorporada nos meios urbanos.
Tal “civilização” da música popular, durante a Belle Époque no Brasil, ocorreu de duas
maneiras distintas. A primeira, ligada à elite, foi a utilização de temas e motivos de origem
popular em obras românticas – algo que ocorria, também, na Europa. Trata-se, portanto, de uma
reapresentação da música considerada inculta, de maneira “civilizada”. A segunda, relacionada à
classe média, foi a adequação de danças populares às formas, à harmonia e à instrumentação
europeia, tornando-as danças de salão. Mesmo os músicos provenientes de classes sociais
inferiores, tentavam higienizar seus costumes, seus hábitos e sua própria arte, a fim de se
assemelharem mais aos padrões europeus da elite. Porém, conforme a música popular gerava
interesse dentro das cidades, mais era difícil manter essa camuflagem. Assim, no fim da década
de 1910, uma onda de grande impacto da cultura popular revolucionou e redefiniu os padrões de
produção musical brasileiros. Tal fenômeno teve bastante contribuição, também, do surgimento
da gravação mecânica, do cinema e do rádio – o que facilitou muito a disseminação dessas
manifestações.
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