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IAD I

Existem várias perspetivas possíveis de abordagem da problemática enquadrável na


IAD: perspetiva sociológica, uma vez que o direito é, inquestionavelmente, um
fenómeno social; perspetiva filosófica, que é uma perspetiva especulativa, uma vez
que o direito nos dirige deveres e imputa responsabilidades, podendo nós questionar
com que fundamentos o faz; perspetiva epistemológica, uma vez que o direito está aí,
aberto ao nosso conhecimento. Nós iremos adotar uma perspetiva que se cruza com
todas estas, mas que não se reduz a nenhuma delas, o seja, iremos compreender o
direito como dimensão normativa na nossa prática, porque o direto é
fundamento/critério de muitos dos nossos comportamentos interferentes, na medida
que diz da validade ou invalidade, da licitude ou ilicitude de ... muitas das ações por
mediação das quais interagimos comunitariamente. O direito é, com efeito, norma de
dever-se e, por isso, padrão constitutivo da própria ação e, portanto, das relações que
estabelecemos uns com os outros. Neste sentido, ele é, em última análise, o “princípio
(ou fundamento) normativo” que determina a validade dos mais dos nossos
comportamentos societariamente relevantes. Desta nossa perspetiva, o direito não é
exclusivamente considerado como fenómeno social – embora também o seja; nem
como puro objeto de especulação . não obstante igualmente o poder ser; nem como
simples dado cognoscível – sem que, todavia, deixe de se apresentar como tal. É a
nossa perspetiva (normativa) a única que se adequa á especifica tarefa do jurista, pois
o jurista é aquele que assume a intenção nuclear do direto para a projetar
regulativamente na realidade social. O direito, assim normativamente perspetivado,
pode ser considerado de dois modos diferentes: o direito aparece como critério de
solução – existem questões de direito, ou de quid iuris, em que se pergunta: o que de
direito se pode dizer neste caso?; problema do quid ius, em que se pergunta: o quê
direito?, o que é isso a que chamamos direito?, estas são questões do direito. O direito
vai-se construindo á medida que se realiza. E o jurista só poderá empenhar-se
adequadamente nesta constituição da normatividade vigente prossupondo o sentido
do direito. Sendo o mundo só um e sendo nós muitos, isso coloca-nos diante de um
problema ineliminável: o da repartição desse mesmo mundo. É um problema
necessário que interpela o ser humano a criar um modo de ordenação da posição
relativa dos sujeitos (essa ordenação pode ser ou não direito). Ser direito, histórico-
culturalmente, implica um acervo normativo que diferencia a ordem de direito de
outras ordens normativas sociais (ordem de trato social, ordem moral). Dirigindo agora
novamente o olhar para o jurista, observemos que este é um mediador profissional a
quem comunitariamente se atribui legitimidade para ajuizar de alguns dos nossos
direitos e deveres recíprocos. Mas qual a atitude do jurista perante o direito? Ou uma
atitude técnico-profissional ou uma atitude criticamente comprometida com os
próprios objetivos práticos do direito. Este universo do direito exige também um certo
tipo de pensamento: a normatividade consoante forma mentis do jurista não é
analítico-dedutiva e sistemático-axiomática, mas dialético-argumentativa, pois o que
se lhe pede é que pondere prudencialmente e decida em termos normativamente
fundamentados controvérsias que se manifestem no âmbito de situações histórico-
concretas que devam ser consideradas juridicamente relevantes. Compreendemos,
portanto, o pensamento jurídico como originariamente prático-normativo e, portanto,
como iurisprudentia. O direito tem a ver com a nossa inter-relação social. O domínio
do direito é o do problema da (normativamente adequada) delimitação e
compossibilitação das nossas relações no horizonte do mundo que pretendemos
compartilhar. Numa palavra de síntese diremos ter o direito a ver com as relações
intersubjetivas suscitadas pela complexa problemática da partilha do mundo. O direito
regula, portanto, o estatuto das relações sociais. Quando falamos de direito, falamos
de uma ordenação normativa que visa um certo tipo de intersubjetividade. O direito
não constitui apenas um meio de resolução de conflitos - este estabelece uma
delimitação e definição das subjetividades intersubjetivamente interferentes.
Fundamental para compreender a bilateralidade que o direito manifesta e a que se
dirige: Bilateralidade do direito - coloca os sujeitos uns perante os outros,
relativizando-os, assumindo-se como um terceiro género, que de fora estabelece a
posição relativa desses mesmos sujeitos - surge numa tercealidade que lhe é
característica, ao estabelecer a posição relativa dos sujeitos. (exemplos: o credor / o
devedor; o senhorio / o arrendatário...). O direito, se quiser responder aos desafios
que a prática lhe apresenta, há de estar em contínuo diálogo com a realidade, diálogo
que implica continuamente uma reflexão crítica, ou então teremos uma
instrumentalização do direito. O direito está em contínua evolução - implica uma
relação dialética entre o já adquirido e o que a prática nos vai apresentando e vai
sendo adquirido. A ordem jurídica é uma criação cultural com uma certa racionalidade,
é o direito vigente num determinado contexto, é um possível modo de organização da
intersubjetividade. A ordem jurídica apresenta três linhas estruturais que desenham
como que um triângulo, que nos irá apresentar diferentes tipos da realização da justiça
como fundamento e objetivo do direito. Na linha da base (ordo partium ad partes)
estão as relações juridicamente relevantes que estabelecemos uns com os outros na
veste de sujeitos de direito privado, em que todos pretendemos atuar a nossa
autonomia para realizar interesses, somos então particulares ante particulares e
relacionamo-nos em termos de paridade. Nesta linha a ordem jurídica define as nossas
autonomias, delimitando-as, e permite a realização dos nossos interesses, tutelando-
os. E a função que o direito aqui desempenha é, sobretudo, a de garantir a atuação das
autonomias reciprocamente delimitadas e a de fornecer um critério de resolução dos
conflitos que possam surgir. Nesta linha avultam dois valores: o da liberdade individual
(relativa e por isso como autonomia privada - liberdade de um sujeito em relação a
outro sujeito na atuação para a concretização dos seus interesses particulares. Traduz
a correspetividade que caracteriza estas relações jurídicas - os sujeitos que se
relacionam nesta primeira linha, afirmando reciprocamente as suas autonomias
buscam a correspondência entre as suas pretensões) e o da igualdade como paridade
(entre sujeitos particulares - ser sujeito de direito privado, caracterizado por uma
bilateralidade, confere estatutos, na afirmação de relações de paridade, aos sujeitos
que se colocam uns perante os outros - estabelece em termos de paridade a posição
relativa dos sujeitos). Deste modo, este domínio pretende regular a posição dos
membros de uma certa comunidade enquanto sujeitos jurídicos privados, (enquanto
titulares de qualidades, situações, direitos, etc..., que lhes definem uma esfera jurídica
particular, fundamentalmente autónoma e disponível), e que vemos vinculados entre
si por relações jurídicas cujo conteúdo e imediato objetivo normativo não se referem à
comunidade em si, mas à própria disponibilidade particular que eles (como senhores
de situações, interesses e intenções pessoais ou privados), entre si autonomamente
relacionam num plano de paridade. O direito visa a realização da justiça. Aristóteles
distingue justiça corretiva de justiça distributiva. Dentro da justiça corretiva temo a
justiça comutativa e a justiça corretiva. Justiça comutativa - justiça da troca -
transações particulares voluntárias - sujeitos dão causa por manifestação de vontade
às prestações; a comutatividade como igualdade de correspetividade implica a justiça
da troca e, por isso, a correspondência entre prestações, fundamental no exercício da
autonomia privada, na conformação dos interesses geradora dos efeitos que os
sujeitos no exercício da sua autonomia pretendem produzir. (Nas transações
particulares involuntárias não teremos comutatividade nem correspetividade -> a
atuação de um sujeito face ao outro gera um desequilíbrio que não resulta da
manifestação de vontade recíproca.). A segunda linha, linha ascendente (ordo partium
ad totum) comporta todas as relações ou todas as situações e vínculos jurídicos que se
estabelecem, em qualquer sociedade juridicamente organizada e institucionalizada,
entre as pessoas enquanto membros da comunidade, ou seja, como cidadãos e não
apenas como indivíduos, abandonando o conceito de sujeitos de direito privado, uma
vez que a sociedade, tomada como um todo, é sujeito das relações jurídicas que com
ela estabelecemos, surgindo em primeiro plano. Portanto, a sociedade possui ela
própria, um conjunto de valores e interesses a garantir, que nos dirige e cujo
cumprimento nos impõe. Se violarmos tais interesses e bens jurídicos fundamentais
que a sociedade pretende conservar, seremos pela mesma responsabilizados. Por seu
turno, os indivíduos também dirigem á sociedade exigências que derivam da afirmação
da sua autonomia. Os ramos do direito que se localizam nesta segunda linha, (como o
direito constitucional, penal, fiscal, militar, de jurisdição ou criminal) visam
regulamentar as exigências que a sociedade nos dirige, mas também institucionalizar,
legitimar e limitar o poder, sendo que também nós temos interesses a reivindicar,
como os direitos fundamentais. Ou seja, a sociedade pode, com certeza, exigir-nos
prestações (serviço militar, impostos) mas não arbitrariamente. Em suma, nas relações
que estabelecemos com a sociedade estamos, todos diante dela e não uns perante os
outros e, por isso, esta segunda linha regulamenta as relações das partes com o todo.
Desta linha avultam dois princípios: valores – liberdade pessoal (singularmente
enucleada) e responsabilidade social (corresponsabilidade). O valor da salvaguarda da
nossa autonomia em momentos fundamentais, como os que esteja em causa a nossa
liberdade pessoal singularmente e a responsabilidade social de cada um. Portanto,
cabe ao direito a função de tutela e garantia. Tipo de justiça (justiça geral e protetiva) –
o tipo de justiça presente, a justiça geral, traduz-se em tudo aquilo que em nome de
todos se pode exigir a cada um ou tudo aquilo que cada um pode exigir ao todo. Para
além disso, estamos igualmente perante uma justiça protetiva, sendo que o direito vai
institucionalizar formalmente, limitar e a controlar o poder e, consequentemente,
garantir a situação dos particulares que com eles se confrontam. A terceira linha, linha
descendente (ordo totius ad partes) é a linha das relações entre sociedade e cidadãos
destinatários, com valores da liberdade e da solidariedade e a intenção á justiça
distributiva e á justiça corretiva (direito público). Nesta linha a sociedade é
considerada como uma entidade atuante, dinâmica, que tem um programa estratégico
que quer atuar para atingir os objetivos que se propõe. Esses objetivos podem ser-nos
favoráveis, mas podem também visar o benefício da própria sociedade. O direito
aparece aqui como um estatuto de atuação, mas também de limitação, porque
quando estamos a construir o estatuto estamos a limitar a atuação da sociedade.
Quanto aos ramos do direito que se localizam nesta linha, referiremos o direito público
em geral (direito constitucional, direito administrativo, direito social). Pelo que
respeita aos valores que aqui se revelam, eles são o da liberdade pessoal
comunitariamente radicada e o da solidariedade. O valor da solidariedade impõe,
frequentemente, uma atuação em termos de desigualdade para se atingir no fim a
igualdade. A igualdade não aparece aqui como um critério, mas como um objetivo.
Pretende-se alcançar uma aproximação á igualdade pelo caminho da desigualdade.
Quanto á modalidade de justiça que se afirma nesta linha, é a justiça distributiva que
impõe uma atuação de recolha e redistribuição de meios. Justiça distributiva esta que
radica em ideias platónicas e aristotélicas e está, portanto, originalmente ligada á
analogia. E também a chamada “justiça corretiva”. Nessa estrutura (o todo estrutural
da ordem jurídica) manifestam-se determinadas dimensões axiológicas, uma vez que a
forma e o conteúdo se implicam reciprocamente, quer porque esses valores são
constitutivos e fundamentantes do direito. Estas linhas não se afirmaram em termos
historicamente sincrónicos. Durante séculos a ordem jurídica resumia-se á linha de
base. Apenas com o Estado de Direito pós-revolucionário se tematizou e juridicizou o
poder e, decorrentemente, se autorizou a segunda linha. E a terceira linha da ordem
jurídica, que traduz a deliberada assunção de uma atitude mais pragmática e que se
projeta no Estado Providência, que quer intervir nas próprias relações sociais. O que
tudo significa, em conclusão, que tendo nós aludido a uma estrutura – á estrutura da
ordem jurídica – verificámos que essa estrutura não é um mero conjunto de
invariâncias formais, nem traduz algo de especial e, portanto, de ab-soluto. A ordem
jurídica apresenta-se como uma ordem ordenante de cariz comunitário e com uma
índole dogmática (objetividade dogmática) que reclama e pressupõe uma autoridade.
A ordem jurídica desencadeia efeitos de racionalização e institucionalização, liberdade
e segurança, bem como de paz. Distinção entre direito público (um dos intervenientes
está no topo, e os privados regulam as relações entre privados) e direito privado:
critério dos interesses – De acordo com este critério vamos atender á natureza dos
interesse protegido por cada uma das normas jurídicas. Uma norma seria de direito
público, se visasse a tutela de um interesse público, ou seja, de um interesse geral da
coletividade; e seria de direito privado sempre que prosseguisse um mero interesse
particular. Temos de referir que interesse público e privado estão profundamente
interligados, por isso também podemos afirmar que é de interesse público proteger
interesses privados e que muitas normas não revelam apenas interesses privados, mas
também interesses gerais como a justiça, a paz social, e ainda a segurança. Procurando
diferenciar o direito público do direito privado, á luz deste critério é difícil de terminar
na prática qual o interesses predominantemente tutelado nas várias normas jurídicas.
Também existe normas pacificamente qualificadas como de direito privado, mas que
visam predominantemente interesses gerais da coletividade como é o caso das normas
que tutelam as fundações previstas no CC ( art. 185º e ss. Art. 188º CC). Olharemos
para uma norma e vemos se o interesse que ela tutela era o interesse da coletividade
social e, se ainda fosse, ela era direito privado. Há normas que têm a ver com as
fundações, estas visam interesses da coletividade, como por exemplo a educação, mas
as fundações são pessoas coletivas de direito privado. Art. 188º/3/a. Critério dos
interesses não é muito adequado. Critério da posição relativa dos sujeitos – de acordo
com este critério o direito público regularia relações assimétricas, ou seja, relações
estabelecidas entre sujeitos colocados numa posição de supremacia ou de supra
ordenação e outros colocados numa posição de subordinação ou de infra ordenação,
diferentemente o direito privado iria disciplinar relações entre sujeitos ligados por
posições de igualdade e de coordenação. Contudo, pode surgir, no direito público,
posições de igualdade ou de coordenação entre sujeitos ou pessoas coletivas de
direito público, por exemplo dois municípios que sejam membros de uma associação
de municípios. Por outro lado, também podemos encontrar no direito privado relações
jurídicas hierarquizadas. Critério da qualidade dos sujeitos – interessa saber se na
relação jurídica um dos sujeitos surge investido de um poder de autoridade pública ou
de soberania ou de ius imperii. Seriam normas de direito privado as que regulassem
relações jurídicas estabelecidas entre particulares ou entre o Estado e particulares,
sempre que estes (todos eles) ajam em veste de particulares, ou seja, despidos de
qualquer poder de autoridade pública ou fora do exercício das funções soberanas.
Também este critério não está isento de reparos, pois nem sempre é fácil de
determinar o que é um poder de autoridade pública. Contudo, o nosso ordenamento
jurídico parece inclinar-se ou preferir estes critério da qualidade dos sujeitos. A ordem
jurídica não constitui um mero caos de prescrições, é antes um todo coerente e se
assim não fosse a nossa convivência, que ela visa, seria impossível. No entanto,
existem problemas das funções da ordem jurídica. A título preambular diremos serem
duas essas funções: uma função primária ou prescritiva, em que a ordem jurídica
prescreve critérios á ação, dirigindo-nos a esses modelos de comportamento e
critérios de sanção. Como princípio de ação a ordem jurídica define prescritivamente
os nossos direitos subjetivos e as nossas responsabilidades e valora juridicamente os
nossos comportamentos como lícitos ou ilícitos. E este conjunto de prescrições e de
juízos identifica um princípio de ação, pois o nosso comportamento é condicionado
pelos referidos critérios, que nos fixam direitos, responsabilidades, prerrogativas....
Significa isto que a ordem jurídica visa influenciar, através destes critérios, a nossa
ação, levando-nos a proceder licitamente, validamente. Como princípio de ação a
ordem jurídica estabelece, portanto, o nosso estatuto social. Mas a ordem jurídica não
se limita a comunicar que os nossos direitos são “estes” e as nossas responsabilidades
“aquelas”. Isso seria pouco, pois não passaria de um apelo que dirigiria a consciência
de cada um. E estaríamos então diante de uma pura ordem moral. A ordem moral
católica manda-nos amar a Deus com todo o coração e ao próximo como a nós
mesmos, mas se não amarmos a Deus e ao próximo, não há tribunal na terra que nos
obrigue a fazê-lo. Isso quer dizer que os mandamentos da moral se limitam a mobilizar
a nossa consciência, o que pode ser importante para certos homens, mas dificilmente
será para todos. A ordem jurídica, se, por um lado, prescreve critérios de fruição do
mundo (sendo, portanto, princípio de ação), por outro, concorre também para que
esses critérios se realizem praticamente (apresentando-se igualmente como critério de
sanção). A sanção é todo o meio que a ordem jurídica mobiliza para tornar eficazes as
suas prescrições. Sancionar significa, portanto, efetivar, consagrar, tornar sérios,
dignos de respeito, autênticos, os imperativos jurídicos. Mas porque será que o direito
apresenta assim, diferentemente do que acontece com a moral, este aspeto mais
duro? É que, digamo-lo de novo, compartilhando todos nós o mesmo mundo,
podemos ser tentados a abusar dele, impedindo injustificadamente os outros de o
fruírem, ou dificultando-lhes sem fundamento essa fruição. No horizonte do mundo
estamos uns com os outros numa situação de intersubjetividade social, pois quando
qualquer um atua de determinado modo está a condicionar os outros. É, portanto,
razoável que se instituam meios destinados a evitar ou a punir eventuais abusos. Pode
concluir-se que: a caridade, imposta pela moral, é um ato unilateral (o pobre não pode
exigir a esmola; quando a dá, o esmoler cumpre apenas uma obrigação que a sua
consciência lhe impõe), ao passo que, no quadro de direito, a relação que se
estabelece é bilateral o direito é constituído por uma rede de exigibilidades radicadas
na sua nuclear reciprocidade. A especifica vigência histórico-social do direito, o modo
como ele se revela e a característica sanção que o predica, distingue o direito da
moral. A moral é um conjunto de regras onde nós construímos e somos juízes de nós
mesmos, sendo assim, a moral externamente não estabelece nenhuma sanção, somos
nós internamente que sentimos remorso. Critérios para discernir o direito da mora:
quanto ao âmbito ou extensão: Critério do mínimo ético – neste critério o direito
abrange apenas as regras morais básicas, cuja observância se revela indispensável,
para garantir a paz, a justiça e a liberdade no plano social, porém, se fosse assim o
direito e a moral seriam materialmente idênticos, distinguindo-se apenas quanto á
extensão na medida em que o direito seria menos extenso e apenas cobriria e
racionaria o núcleo essencial dos valores éticos (corresponderia a zona onde existe
maior densidade ética em virtude da sobreposição dessas perspetivas), enquanto á
moral é a mais ampla, o direito vai apenas sancionar as condutas que são mais
importantes. Quanto á perspetiva que assumem ou o âmbito de incidência: a moral
incide sobre o lado interno dos atos (interioridade), exigindo uma adesão interior aos
imperativos da consciência ética como motivação dos comportamentos, sendo assim á
moral interessa sobre tudo a convicção com que se atua mais do que a própria prática
do ato e os seus resultados (ex.: se alguém ajudar um desfavorecido por interesse
próprio ou por exibicionismo, a ajuda perde o valor). Enquanto o direito se limita a
atender aos aspetos exteriores da conduta (exterioridade) contentando-se com uma
mera observância externa dos seus preceitos, o essencial para o direito é garantir que
as pessoas respeitem as suas normas adotando condutas conformes com elas,
independentemente da razão íntima pela qual o fazem. O direito, contudo, não
desconsidera a intenção com que os homens agem e a ética e a moral também se
preocupam muitas vezes com aspetos exteriores da conduta. Quanto á finalidade: o
direito tem por objetivo a realização da justiça e instauração da paz social (fim social),
imprescindíveis ao desenvolvimento das pessoas e das respetivas condutas sociais. A
moral visa orientar as pessoas para o fi supremo na sua plena realização, ajuizando da
conformidade dos atos pessoais com esse modelo individual de perfeição (fim
pessoal). Quanto á respetiva estrutura: a moral possui caráter unilateral e imperativo,
constitui um conjunto de deveres, ditados pela consciência ao individuo, em nome do
já mencionado ideal de perfeição pessoal, caso a pessoa a desrespeite, associa-se uma
consequência interna e pessoal, sentimento de remorso imposto pela consciência. O
direito porque se propõe a regular as relações sociais dos homens, mediante as quais
se condicionam reciprocamente, possui estrutura bilateral, reconhecendo direitos,
mas impondo sempre os deveres correspondentes e vice-versa, suporia a
intersubjetividade de humana e acarretaria sempre uma sanção dos direitos e
obrigações conexos. Contudo, nem todas as conceções morais exibem a mesma escrita
unilateralidade e imperatividade e nem sempre se verifica no direito uma linear
bilateralidade, no sentido da correspondência total entre direitos e deveres. Há
obrigações cujo cumprimento não é judicialmente exigível (obrigações naturais)
normas e direitos de discutível judiciabilidade e mera suscetibilidade de sanção (sem
que acarretem uma sanção determinada). Quanto á relação que mantém com a força
ou coação: o direito pode recorrer á força (que não é o mesmo que violência), ou seja,
a coação, para garantir a observância de suas normas. Isso não ocorre com a moral,
que as normas devem ser cumpridas espontaneamente, sem possibilidade de recorrer
a meios coercivos. A sancionabilidade jurídica não se confunde com a coercitividade ou
coercibilidade. A sancionabilidade do direito designa a suscetibilidade de o mesmo ser
feito valer, de ser efetivado, através da institucionalização dos meios adequados. No
entanto, esses meios não se verificam sempre, não tem inevitavelmente caráter
negativo e não implicam necessariamente o uso da força. Há normas sem sanção, há
sanções positivas e sanções não coativas ou coercitivas. Sendo assim, o verdadeiro
sinal distintivo entre o direito e a moral reside na sancionabilidade e não na
coercibilidade. Porque o direito se ocupa de problemas distintos dos dilemas morais e
éticos, segundo uma racionalidade e uma intencionalidade próprios, que as suas
exigências precisam de sanção e as da moral não. A sancionabilidade indica-nos o
como da distinção, mas não nos esclarece o seu porquê. Em suma, o direito não é
diferente da moral por ser sancionável. Ele é sancionável, ao contrário da moral, em
razão da sua diferença. Tipos se sanção (tutela jurídica):

A sanção positiva compreende-se como uma sanção que nos beneficia (subsídios,
isenções físicas), tem função proporcional do direito, e a sanção negativa que impõe
sempre algo desagradável a quem as sofre, normalmente são posteriores á prática de
um determinado fato ou á definição de uma certa situação, mas que podem ser de
caráter cautelar (multas, penas de prisão, declaração da nulidade de um contrato),
nem sempre as sanções negativas envolvem o recurso á força, á coação, são sanções
com função repressiva ao direito. Autotutela: não é permitida no ordenamento
jurídico português, contudo, pode haver casos de tutela privada como a: legitima
defesa, ação direta e estado de necessidade. Heterotutela: abrange os meios de
garantia. Podem ser preventivos, compulsivos, reconstitutivos, compensatórios e
punitivos, para além dos que passam pela recusa de efeitos jurídicos a determinados
atos. Feito pelas autoridades oficiais e não pelos lesados. Sanções preventivas - são
medidas destinadas a impedir a violação da ordem jurídica. Atuam para prevenir a
inobservância das normas jurídicas, principalmente quando o receio é justificado à luz
de anteriores transgressões. As autoridades publicas que condicionam, limitam e
fiscalizam a ação dos particulares desempenham um papel de relevo. Ex: inibição do
exercício da tutela a quem praticou crimes que façam temer o seu mau exercício, na
inabilitação para o desempenho de funções publicas, em consequência da prática de
determinados atos delituosos. Sanções compulsórias ou compulsivas - procuram
compelir o infrator de uma norma a adotar a conduta devida, cessando a violação em
curso, e que, por conseguinte, cessam logo que esta termine. Ex.: sanção pecuniária
compulsória (constrange o incumpridor de uma obrigação, com certas características,
a pagar uma determinada quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento)
ou com os juros de mora no campo do Direito Fiscal (LINHA 2, particulares com o
Estado). Sanções reconstitutivas - são medidas de garantia tendentes ao
restabelecimento da situação que existiria se a norma jurídica não tivesse sido violada.
A reconstituição pode ser feita de várias formas, mas o direito privilegia a
reconstituição em espécie ou in natura, porque pretende alcançar a reposição da
situação anterior sem o recurso a qualquer bem inexistente à época (ex.: se alguém, de
má fé, constrói uma obra em terreno alheio, o dono deste último tem o direito de
exigir que a mesma seja desfeita e o terreno restituído ao estado primitivo, a expensas
do autor da obra). Fala-se também na execução: nos remete para o direito das
obrigações, trata-se de impor a realização da prestação imposta pela norma ofendida.
Se o devedor não cumprir a obrigação que contraiu de entregar ao credor uma coisa
determinada, este pode exigir o cumprimento da prestação em falta, mediante a
entrega dessa coisa. E por fim a indenização especifica através da qual a reposição da
situação consegue-se através de um bem que, não sendo aquele que foi efetivamente
danificado, está em condições de o substituir, desempenhando a mesma função (ex.:
alguém que se vê obrigado a restituir um objeto igual ao que destruiu). Sanções
compensatórias ou ressarcitórias - pensadas para os casos em que não é possível
restabelecer o status quo ante e em que se tenta por isso reproduzir uma situação
valorativamente equivalente, posto que diferente. Para tal, obrigam o transgressor a
ressarcir o lesado pelos danos causados - tanto os diretamente emergentes da lesão,
como os que resultam da cessão de lucros (danos emergentes e lucros cessantes) –
isto é, a torná-lo indemne (sem dano). Quando, em rigor, os danos não sejam passíveis
de uma indemnização em sentido estrito, por terem uma índole pessoal ou não
patrimonial, alude-se antes a reparação ou compensação da dor ou desgosto sofrido.
Sanções punitivas - são as mais pesadas porque acarretam um mal para o infrator,
privando-o de bens como a liberdade e o patrimônio e, em alguns países, a própria
vida. Podem ser: criminais: sanções privativas do direito penal, que só intervém em
última instância, para defender os bens jurídicos fundamentais da comunidade,
quando tenham sido ofendidos com culpa, e tendo em vista a prevenção do crime em
geral e a ressocialização do agente infrator. Contra ordenacionais: nascem da
administração pública e punem, com multas, certas condutas que lesam interesses
fundamentais (ex.: violações das regras de trânsito). Civis: pertencem ao direito civil e
ocorrem em caso de verificação de comportamentos indignos (caso da incapacidade
sucessória de alguém, por motivo de indignidade). Disciplinares: aplicam-se à infração
de deveres por parte de determinadas categorias profissionais, no exercício das
respetivas funções (ex.: repreensão, suspensão, despedimento). Ineficácia jurídica -
costumam ser diferenciados os casos de inexistência jurídica, de invalidade (que
compreende a nulidade e a anulabilidade) e de ineficácia em sentido restrito.
Inexistência: Um casamento celebrado sem a declaração da vontade de um dos
nubentes não produz qualquer efeito jurídico, considerando-se que nem sequer ocorre
qualquer materialidade do ato jurídico em causa. O mesmo é dizer que um tal ato, em
rigor, não existe juridicamente. Invalidade: Quando um ato materialmente existente
está inquinado na sua validade por um vício, também deixa de produzir efeitos
jurídicos por invalidade. Se se ofenderam interesses públicos a invalidade assume a
forma de nulidade, podendo ser invocada a todo o tempo, por quaisquer interessados,
e declarada oficiosamente pelo juiz em tribunal, se dispuser dos elementos que a
certifiquem. Acarretando a violação da norma uma lesão a meros interesses
particulares, a sanção de invalidade consiste na mera anulabilidade do ato, carente de
invocação pela pessoa ou pessoas a favor de quem foi estabelecida, sanável pelo
decurso do tempo e a confirmação dos interessados, e insuscetível de declaração.
Fala-se ainda de ineficácia em sentido restrito naqueles casos em que o ato
transgressor não produz total ou sequer parcialmente os seus efeitos. A ordem jurídica
apresenta, ao lado da função primária ou prescritiva, uma função secundária ou
organizatória, no âmbito da qual se volta para si própria a fim de se auto-organizar
para conseguir subsistir. a ordem jurídica cuida precipuamente de si mesma, é obra
humana, o homem é ab origine, um ser deficiente o nível biológico-instintivo e por isso
tenta minimizar essa sua natural incompletude. Ela volta-se para si própria a fim de se
auto organizar para conseguir subsistir. A ordem jurídica é, portanto, um artefacto
cultural, que se destina a proporcionar ao seu demiurgo uma ordenação que ele
naturalmente não tem. A ordem jurídica procura também reorganizar-se
continuamente, precisamente porque ela integra uma multiplicidade de exigências e
de elementos entre os quais podem surgir incompatibilidade ou contradições.
Percebe-se a importância da coerência e da unidade sistemática, porque sem ela a
ordem jurídica não constituiria sequer uma “segunda natureza” de caráter cultural,
viabilizadora da coexistência humana. Por outro lado, o direito está na história, no
tempo e, como tal, as normas modificam-se, pelo que a sucessão de critérios pode não
coincidir com a sucessão das relações que aqueles são chamados a regular. A ordem
jurídica manifesta uma dialética entre estabilidade e evolução, permanecer e devir. As
revoluções se apresentam como tentativas de dar saltos na história, mas mesmo
quando ocorre uma destas ruturas, depois que passa o momento homérico (heroico,
em que tudo parece possível), logo se manifesta a densidade da história e se tende à
estabilidade. O certo é que a história não desenha uma linha composta por traços
descontínuos. Em relação a função secundária da ordem jurídica, há por vezes nela
critérios que se mantêm formalmente em vigor para além do seu tempo ótimo, que
insistem em permanecer mesmo quando já não respondem, por razões normativas ou
práticas, aos problemas da vida juridicamente relevantes. Como não pode haver aqui
qualquer rigidez, a ordem jurídica tem que resolver também essa dificuldade. A ordem
jurídica organiza os modos da sua própria realização, quando diz quem soluciona os
mencionados problemas juridicamente relevantes. Normalmente são dissidentes
institucionalmente legitimados que se desincumbem dessa tarefa, recorrendo, em
regra, ao direito pré-objetivado. Ela cria, portanto, órgãos a quem comete as funções
implicadas: os tribunais, os órgãos de administração, certas entidades privadas quanto
ao poder legislativo cuja atuação é igualmente balizada pela ordem jurídica. Compete-
lhe criar os mais dos critérios que os tribunais e a administração depois mobilizam. Os
órgãos de constituição da ordem jurídica são dotados de uma certa competência (que
problemas eles podem resolver?) que devem exercer de um modo determinado (como
devem eles proceder?). O processo racionaliza a ação dos órgãos (torna-os mais
eficientes na realização do seu objetivo) e controla o próprio órgão (ao definir os
termos da sua atuação). Ele constitui, portanto, um modo de controlar determinado
poder. Pode haver ordens jurídicas sem critérios predisponíveis (Common Law), mas
não sem um processo. O processo não só concorre para racionalizar a decisão, como
para garantir às partes, com transparente visibilidade, uma adequada participação na
respetiva obtenção dos seus interesses. Tipos de problemas que a ordem jurídica irá
resolver e as propostas que apresentam permitem uma classificação que se estrutura
em 3 momentos (ou 4 se olharmos para Castanheira Neves): Procura da unidade
sistemática- conjunto de regras secundárias que visam obviar as contradições
normativas que há poucos falamos, coerência entre critérios jurídicos primários em
vigor para a assunção de um específico problema jurídico; Hierarquia das normas-
ocorrência sincrônica, há várias projeções dessa hierarquia na constituição (art 112,
n1,2,3- função hierárquica- atos normativos; art 119), sabemos que uma
regulamentação não pode prevalecer sobre a lei, se o regulamento desobedecer a lei,
a lei prevalece. (art. 164; art. 165- reserva relativa...) - a lei superior derroga na lei
inferior, a lei especial derroga/ prevalece a lei geral. Concorrência da lei do tempo- por
lei que pode resultar em que toda uma certa relação jurídica pode ser estabelecida em
um determinado momento, e desenvolvendo essa relação ao longo do tempo (...) (art.
12 CC e art. 13 - alterações de lei no espaço); Desenvolvimento constitutivo-
necessidade da ordem responder o problema da sua constituição e da reconstituição, e
da vigência; 1º - como se produz o direito positivo (...) (sobre fonte de direito: art1,
art2, art3 (valor jurídico), art. 4 (valor da entidade); será que a norma jurídica pública
no diário da república, será que as normas gerais entram em vigor no dia da sua
publicação? Não ( art. 5, nº 1, nº 2 - entre a publicação e a vigência é necessário um
tempo determinado na lei), tempo mínimo é 24h - procurar os nomes da cessação da
vigência das leis. A ordem jurídica não define apenas uma normatividade (através da
função primaria), ela auto organiza-se através da função secundaria e essa auto-
organização é fator da sua própria subsistência como ordem. A especificidade desta
função de auto-organização é tão essencial ao seu funcionamento eficiente que alguns
autores sustentam mesmo ser ela a decisivamente caracterizadora da ordem jurídica.
Ela tem que estabilizar a sua dinâmica pois só assim garantirá a sua subsistência.
Referidas as funções primária e secundária da ordem jurídica poderemos agora olhá-la
como um todo e apontar-lhe notas caracterizadoras. A ordem jurídica é desde logo
uma ordem. Há sempre notas elementares a sustentar a complexidade das coisas. Por
exemplo, como se sabe, a lógica apofântica define as estruturas de um pensamento
formalmente constante e na sua base estão, entre outros, os elementaríssimos
princípios da identidade e da não contradição: A = A. O que parece banal não deixa,
portanto, de ser essencial, pois só respeitando estes princípios se pode discorrer
daquele modo. E esta mesma observação é transferível, mutatis mutandi, para o nosso
problema. Na verdade, ao afirmarmos que a ordem jurídica é um cosmos, estamos a
dizer que ela não é um puro caos, e isto é importante. Pois estamos com isso a
sustentar que ela garante a compossibilidade de vários fatores – o que corresponde a
uma exigência da praxis. A ordem jurídica, por ser ordem, evita e sana indesejáveis
contradições (exemplo: não se pode julgar hoje um determinado caso de um certo
modo e amanhã decidir um caso em tudo análogo, sem que tenham entretanto
intervindo quaisquer mudanças justificativas da alteração, de um modo diferente;
instaurar-se-ia a insegurança, não se garantiria nem a previsibilidade, nem a igualdade
na vida social – e os referidos resultados inaceitáveis são logo extensamente
prevenidos pelo facto de a ordem jurídica se perfilar como uma... ordem). A ordem
jurídica apresenta-se, pois, como um todo tendencialmente coerente. E, por outro
lado, traduz um esforço cultural necessário para compensar o carácter
ontogeneticamente deficiente do homem: este inacabamento (esta só parcial
ordenação) do homem a nível biológico-instintivo, impõe-lhe a projeção numa
“segunda natureza”, ou a adoção de um “hábito natural”, que o ordene
adequadamente – e a cultura é precisamente um esforço que visa este objetivo. Ora, a
ordem jurídica, integrada como está nesse universo, traduz precisamente um
empenho do homem destinado a possibilitar a instauração de uma convivência de
rosto humano. Caráter comunitário da ordem jurídica - a ordem jurídica constitui um
esforço tendente a assegurar a integração comunitária, pois representa uma instância
de controle da vida em comum. Nós não estamos uns ao lado dos outros como
mónadas solitárias, antes somos uns com os outros, e a ordem jurídica define, desde
logo, o comum normativo de uma comunidade concreta. É sobretudo quando referida
aos valores que materialmente a fundamentam que a ordem jurídica aparece como
um autêntico integrante comunitário. Objetividade da ordem jurídica - a ordem
jurídica integra o nosso horizonte cultural e, por isso, a “segunda natureza” do homem
e isto significa que a ordem jurídica constitui para nós um mundo particular com que
deparamos, ao lado de outros, como o mundo biológico, o sociológico ou o cultural
geral. A ordem jurídica nos aparece como um mundo que se nos depara, estamos a
reconhecer-lhe uma objetividade: a ordem jurídica “está aí”, para nós, como a
natureza, com sua heteronomia, estando nós nela, ela existe independentemente de a
querermos ou não. A ordem jurídica não é um objeto qualquer, a sua objetividade
apresenta, desde logo, uma autossuficiência (ela existe por si só) podendo, por isso,
qualificar-se como autárquica. A autarcia da ordem surge como uma exigência da
própria objetividade, a subsistência da ordem jurídica assenta nas suas próprias forças,
das quais ressalta o caráter autárquico da respetiva objetividade. Com que
legitimidade a ordem jurídica apresenta uma objetividade autárquica? Quando
falamos em legitimidade da ordem, já não tocamos a sua mera realidade, mas
autenticamente o seu sentido, que remete a uma validade. A legitimidade da ordem
jurídica consiste na sua justificação pratica para os respetivos destinatários, para a OJ
não somos apenas objetos, mas autênticos sujeitos, pois o direito é um modo de
mediação de sujeitos como o mundo. Por um lado, a ordem jurídica na sua existência,
na sua realidade, apresenta ao nível institucional, uma objetividade autárquica.
Deparamo-nos, portanto, com a ordem jurídica como autossubsistente, isto é assim
porque mediante à ordem jurídica tem de se resolver o problema da sua legitimação.
Por outro lado, intencionalmente e ao nível do conteúdo, a ordem jurídica apresenta
uma objetividade dogmática. O homem está na história num permanente esforço
critico de novos caminhos, neste sentido, a pratica apresenta uma ineliminável
dimensão dogmática. Na verdade, todo o universo pratico cultural tem referentes que
se postulam e constituem pontos de partida para as ações que o entretecem. No
horizonte da prática, o homem tem de agir, tem de tomar decisões, esta última nota
não invalida a inamissibilidade de uma dimensão dogmática da prática humana (a
pratica humana tem pressupostos dogmáticos). Nas ações/decisões, o homem não
parte do nada, mobiliza esta experiência culturalmente transmitida, vai reconstituindo
a sua subjetividade e o seu mundo. Contudo, podem apontar-se razões culturais e
políticas que parecem repelir o que acaba de se afirmar. Efeitos práticos da ordem
jurídica: Racionalização - a ordem jurídica se traduz em um esforço de racionalização,
esta exigência significa nuclearmente a articulação horizontal de fatores diversos numa
certa conexão unitária que no limite se nos apresentará como sistema. O homem
invoca a razão quando não se contenta com o dado empírico e antes procura situá-lo
num quadro que lhe confira um sentido. O homem sendo um ser livre, não codificado,
é necessariamente um ser dispersivo, podendo ser milhares as suas intenções.
Todavia, o homem não quer que o seu comportamento seja contingente e, para isso,
tem que fazer um esforço cultural de racionalização, tem que empenhar-se em
disciplinar o seu agir. A ordem jurídica é uma das expressões do esforço cultural que o
homem faz para vencer a anarquia resultante da sua natural dispersão, pois constitui
um fator de racionalização da ação, visando dar-lhe coerência. O homem se projeta
numa “segunda natureza”, em que se recria, destinada a instituir a determinação onde
reinava a indeterminação, a substituir o caos por um cosmos, ou seja, isto é
racionalizar o seu mundo. A ordem jurídica traduz e impõe uma exigência de
racionalização, qualquer que ela seja. Institucionalização - a racionalização tem como
consequência a institucionalização. Mas o que é uma instituição? institucionalizar
deriva de in status, e isso significa entrar naquilo que persiste, pois, o status é
precisamente aquilo que conseguiu organizar-se para subsistir. Institucionalizar é,
portanto, estabilizar as ações. A ordem jurídica como instituição que é, define, assim
padrões de comportamento subsistentes, com sentidos e com valores simbólicos, pois
o homem se liga às instituições certos valores por referência aos quais se compreende.
A instituição (especificamente a ordem jurídica como instituição) é um padrão
estandardizado de comportamentos que assimilou determinados valores. A ordem
jurídica constitui, se quisermos, uma grande instituição, que se desdobra em pequenas
instituições (no Direito da Família, Direito Penal, Direito administrativo, etc.). Sendo
assim, a instituição é sempre, portanto, uma organização estável dos comportamentos
e, neste sentido, é uma permanência no tempo: havendo uma instituição a natural
diversidade dos comportamentos tem um referente que os coordena. Uma cultura
identifica sempre um limite. São várias as culturas que convivem sincronicamente e
inúmeras as que já se sucederam diacronicamente, e. sendo assim, o homem que
fizesse a síntese de todas elas, seria “mais sábio” do que aquele que vive imerso numa
só cultura. Cada cultura representa uma restrição à liberdade do homem e isso leva-
nos a uma dialética necessária: o homem, porque é livre, cria as instituições,
instituições que por sua vez limitam a liberdade. Manifestam-se, pois, duas dimensões:
a liberdade (autonomia do homem) e a comunidade (uma vez que as instituições são
sua expressão). Essas duas dimensões, porque se possibilitam reciprocamente,
articulam-se dialeticamente: como sabemos, o mundo vai se institucionalizando e as
instituições desoneram o homem do esforço requerido por um permanente exercício
da liberdade. A institucionalização limita, portanto, a liberdade, mas sem ela a
liberdade não poderia realizar-se, pois consumir-se-ia a si própria. A instituições
também estimulam o exercício da liberdade, para se dinamizarem, e a liberdade, não
deixa de igualmente recear a abertura que a predica, para se viabilizar. Sendo assim
existe uma dialética entre Liberdade e Comunidade. A instituição ao mesmo tempo
que deixa de enquadrar a liberdade, não é mais interiorizada e o resultado é o
definhamento da dialética entre a liberdade e a comunidade. Em suma a ordem
jurídica também é uma instituição e as instituições são necessárias pois compensam o
homem das sua naturais indeterminações, aberturas e mutabilidade. O homem tem a
necessidade da comunidade em que vive. Por isso podemos afirmar que a comunidade
é autenticamente a dimensão e condição de humanização do homem. Somos
simultaneamente seres sociais e associais, então se absolutizarmos qualquer dos polos
desta relação desfiguramos a “associal sociabilidade” do homem: o polo de afirmação
apenas da comunidade é o ideal de todos os totalitarismos e o polo da total negação
da coletividade, em nome, da liberdade inconfinada, corresponde ao ideal anarquista.
Como resolver essa dialética? Criando instituições que reconheçam e integrem
equilibradamente a comunidade e a liberdade e a ordem jurídica é precisamente uma
dessas instituições. Ou seja, pelo fato de sermos mutáveis e indeterminados e
simultaneamente sociais e associais é necessária uma ordem que integre essa
dialética, ora, é precisamente esta a missão da ordem jurídica que tem esse efeito de
racionalização institucionalizada dos comportamentos interferentes.
Segurança/previsibilidade - a segurança reside no fato de conhecermos
antecipadamente os efeitos dos nossos comportamentos juridicamente relevantes e
dos outros que connosco vivem. Sendo assim o direito condiciona cada um de nós,
pelo que podemos prever os resultados dos comportamentos sócio juridicamente
interferentes. O imprevisto representa sempre uma agressão, gerando a insegurança e
a ordem institucionalizada nos diz com o que podemos contar e, portanto, transmite-
nos segurança. Permite que calculemos as consequências dos nossos atos, adverte-nos
antecipadamente do que nos espera e isso, ao fazer com que possamos organizar e
programar a nossa vida, nos dá segurança (a previsibilidade). Liberdade como
responsabilidade e não como arbítrio - devemos nos perguntar se tem sentido falar em
liberdade depois de termos sublinhado a importância da institucionalização e da
segurança, a resposta para esta pergunta é sim, faz sentido, pois o homem só
concederá um lugar à liberdade se consentir em limitar a liberdade, para que um não
esteja sujeito ao arbítrio do outro, temos todos que aceitar submeter-nos a certas
regras e uma regra corresponde sempre a uma limitação, teremos que acordar em
definir o licito e ilícito e aquele que ultrapassar o limite do licito transpõe a barreira da
sua liberdade societariamente consonante, ao mesmo tempo que limitamos o outro,
estamos a preservar a liberdade que com ele se cruze e vice e versa. Ou seja, a pratico-
consonante limitação da liberdade é uma garantia da própria liberdade, e a
institucionalização limita a liberdade para a salvar em termos praticamente razoáveis.
Significa isso que a liberdade juridicamente relevante é sempre uma
proporcionalmente igual liberdade para todos e que o direito deve ser um fator de
oposição aos obstáculos que se deparem à realização de uma praticamente adequada
liberdade geral. A paz e a justiça (paz como antecipação regulativa) - nós estamos em
divergência (conflito de interesses) uns com os outros e o direito define uma tabua de
valores que nos integra (pense no direito penal), fixando meios para o seu
cumprimento e criando órgãos imparciais para os fazer respeitar (os tribunais), assim o
direito limita o poder e impede o uso da forca privada para a realização dos direitos, e,
portanto, garante uma convivência pacifica. Em outras palavras, enquanto a ordem
jurídica se revelar valida e eficaz, vai resolvendo adequadamente os conflitos
resultantes do nosso encontro no mundo, e, nessa medida, é fator de paz. O seu
sentido positivo advém-lhe por mediação da justiça, só então estaremos diante de
uma paz fundamentada em termos de validade, porque só então estaremos uns com
os outros como pessoas, conotando aquele topos não apenas como ausência de
qualquer forma de violência intersubjetiva, mas igualmente a presença da solicitude
circunstancialmente devido ao outro, quem quer que ele seja. Numa tradição que
remonta a textos bíblicos, a justiça é apontada como “o caminho esquecido para a
paz”, ou seja, o direito é uma via de substituir a forca bruta pela razão, pois num
tribunal as partes não utilizam a forca, mas argumentos, sejam eles já instituídos ou
novos. Mesmo em caso de conflito aberto entre as partes, o direito preordena-se pela
paz, pois resolve o problema a favor de quem tiver a razão argumentativamente mais
forte e não quem lançar a mão da força empírico-factualmente mais bruta. Por outro
lado, o direito será tanto mais logrado quanto mais prevenir, em vez de apenas se
limitar a resolver conflitos. O efeito societariamente mais importante da ordem
jurídica é o da prevenção de conflitos, pautamo-nos por esse “principio da ação” e
compreendemos que a ordem jurídica é um decisivo fator de paz. Por todos os
esclarecimentos disponibilizados até ao momento, procuramos ainda determinar qual
é o sentido do direito; o nosso problema é, portanto, o da determinação do sentido do
Direito “para nós” e não apenas o da definição de um seu hipotético sentido “em si”
Tudo o que dissemos até agora não nos permite revelar o sentido do Direito, ou seja, a
circunstância da OJ ser uma Ordem, não garante que se lhe deva reconhecer o sentido
predicativo do Direito; isto porque uma coisa é a explicação do Direito a partir da mera
enumeração horizontal e aditiva dos
fatores que formalmente o identificam, outra é a compreensão do seu sentido. Não
podemos ficar pela exterioridade do fenómeno da OJ para compreendermos o sentido
do direito; o que significa que não podemos aludir a uma mera referência à Ordem em
que o Direito objetivamente se integra. O apuramento do sentido traduz a
compreensão de um fenómeno na sua interioridade (e não na sua objetiva
exterioridade); ora uma interioridade só pode ser compreendida por outra
interioridade (compreender é bem diferente de explicar). Cumpre-nos esclarecer o
seguinte: não há Direito sem Ordem (sem a estrutura, as funções, as notas e os efeitos
a que aludimos); a existência de uma Ordem é, portanto, condição necessária do
Direito.

Ordem jurídica

Plano formal ou
institucional
Só este plano é
insuficiente para dizer
Juridicidade (sentido do que estamos perante
Direito) uma ordem jurídica

Plano material ou do
conteúdo ou Sistema jurídico
intencional

Para já, sublinhemos apenas a ideia de que o Direito, sendo embora uma ordem, não é
uma ordem qualquer. O Direito é uma ordem com um certo sentido, razão pela qual
nós não poderemos ficar pela mera consideração analítico-descritiva. Dito isto,
vejamos agora quais as notas determinantes do sentido de uma ordem
autenticamente de Direito. Estamos perante uma Ordem, mas será uma ordem de
Direito? Ora, o Direito (a Ordem autenticamente de Direito) tem uma carga axiológica
que o Homem, enquanto sujeito ético, assume. Uma Ordem, tal como a descrevemos
até aqui, não define objetivamente o Direito. A OJ atentas a estruturas, as funções, as
notas caracterizadoras e os efeitos, que conhecemos - manifesta uma insuficiência
objetiva, pois não basta só por si, para nos revelar o sentido do Direito, isto porque
existem Ordens que prevalecem, não a nossa adesão, a nossa repulsa (afastamento).
Exemplo: Pense-se na Máfia. Trata-se de uma organização com poder, ocupa um
território, que domina (os gangs dividem o respetivo espaço de influência), tem regras,
agentes hierarquicamente escalonados, tribunais, instâncias de execução de sanções,
garante a segurança (dentro dela as pessoas sabem com o que podem contar) e até a
liberdade (pois, submetendo-se a ela, uma pessoa garante a vida - e se o que assim se
exprime é a liberdade degradada, não deixa, paradoxalmente, de ser uma liberdade
importante). Em suma, é uma ordem formalmente integrante e que racionaliza
institucionalizadamente o espaço das pluridependências que domina, mas, se nos
interrogarmos sobre o mérito material (sobre o sentido) dessa ordem, nunca
ousaremos qualificá-la como de Direito. É que, perante uma ordem deste tipo o
homem é mero instrumento de um poder e não uma pessoa, ou seja, um sujeito com
uma inviolável autonomia e dignidades éticas. Será que podemos resolver o nosso
problema referindo a ordem jurídica á estadualidade? O Direito vive como que em
conúbio com o Estado há já alguns séculos. Não bastará a qualificação de
estadualidade da ordem para a reconhecermos como genuinamente de Direito?
Podemos antecipar a resposta, de forma negativa, ou seja, não basta a qualificação da
estadualidade da ordem para reconhecermos como de Direito porque facilmente
concluiremos que, não obstante o Estado ocupa um lugar importante. A Estadualidade
não é característica necessária nem suficiente da juridicidade de uma ordem
socialmente reguladora. O Estado e o Direito são realidades diferentes. A equiparação
entre a ordem normativa do Direito e a ordem política do Estado não é, portanto,
exata por 3 razões basilares: 1. O Direito e o Estado não se identificam 2. A Ordem de
Direito não é exclusivamente criada pelo Estado 3. O poder político que o Estado titula
não é fundamento da Ordem Jurídica (sendo, pelo contrário, a juridicidade
que fundamenta materialmente a estadualidade). Direito e Estado não se identificam:
Distinção Estado Direito
Distinguem-se O Estado (como E se como o Estado
culturalmente, desde logo institucionalização da Moderno surgiu um certo
porque têm histórias decisão política, tipo de Direito (o Direito-
diferentes. autonomizada da legislação) a verdade é que
sociedade civil e antes dessa época, já
tendencialmente existia Direito (ex: Direito
absorvente de toda a Grego e Direito Romano);
prática) é uma “invenção”
recente, nasceu na Idade
Moderna;
O Estado e o Direito não se O Estado é uma O Direito é uma ordem
identificam intencional - organização de poder (o normativa (remete a um
materialmente. seu referente é a política); sistema de princípios, que
afirmam uma validade);

O Estado visa fins, mobiliza O Direito baseia-se em


o poder e intende à valores atua uma
eficácia; normatividade e procura a
validade (e daí que
enquanto que o Estado não
prescinde da coação, esta
nem sequer é elemento
definidor do conceito de
Direito);
A racionalidade é também A racionalidade do Estado A do Direito
diversa. é uma racionalidade (nomeadamente quando
estratégica, de meio fim; visto da perspetiva do
O Estado afirma, portanto, decidente, que
um poder e este liga-se a prometemos privilegiar-
uma estratégia (que se normativa) é a
define pelos objetivos que racionalidade axiológica
visa e não pelos implicada pelo juízo-
fundamentos em que se julgamento (a procura de
louva); fundamentos e a realização
A estratégia é in concreto da validade que
discriminadora, pois é os predica);
seletiva (escolhe o que for A validade do Direito está
conveniente e elimina o conexionada com valores
que dessa ótica se revela em que se funda uma
inconveniente); obrigatoriedade;
Os partidos políticos são Os valores são universais;
discriminadores, porque a Em suma: O Direito, como
lógica da conquista do acentuámos, é diferente:
poder é a lógica de um centra- se em valores
estratégia; (afirma uma validade) e
estes são (na referida
aceção) universais.

A ordem de direito não é exclusivamente criada pelo Estado:

Distinção Estado Direito


Acresce que o Estado e o Nem todo o Direito que existe é constituído pela imediata
Direito são também mediação do Estado. Muito é-o de facto - mas não tem que
extensivamente distintos sê-lo: basta pensar na circunstância de nem todos os
sistemas jurídicos serem
sistemas de legislação (o Common Law, é um sistema de
precedentes estabelecidos por tribunais socialmente
legitimados e não politicamente subordinados); e os
sistemas de legislação constituíram-se e desenvolveram-se
devido à atuação conjugada por várias razões (histórico-
culturais, sociológicas, políticas...) puramente contigente;
E neste nível (extensivo) da distinção entre Estado/Direito
manifesta- se ainda na circunstância de nem todo o Direito
vigente, mesmo no âmbito de um sistema de legislação, ser
criado pelo Estado:
• o Direito consuetudinário resulta de uma prática social
estabilizada;
• o Direito da autonomia privada (Direito contratual; direito
das associações privadas) é em grande medida moldado
pelas partes, as norma deontológicas (normas de dever ser)
são um exemplo comum de autorregulação;
• uma parcela do Direito Internacional, é muitas vezes,
criado por iniciativa de sujeitos (nomeadamente empresas);
Com isto não se pretende defende uma desestadualização,
nem uma desjurisdicionalização.
Mas podemos dar ainda mais Está fórmula íntegra duas dimensões: a da estadualidade e
um passo, sublinhando que a a da juridicidade;
distinção entre o Estado e o Ela significa que essas duas dimensões se relacionam - e só
Direito se manifesta logo na se estabelece um relação entre duas realidade diferentes,
própria expressão “Estado- pois se as duas dimensões fossem... iguais, confundir-se-
de- Direito” iam, isto é, reduzir- se-iam reciprocamente: só se relaciona
o que é diferente: a identidade anula a própria
possibilidade da relação;
O Estado-Direito, tal-qualmente o entendemos hoje é,
como se sabe, o específico tipo de Estado que encontra o
seu fundamento no Direito - o que significa que,
compreendido o Direito como uma singular exigência da
validade, nem todos os Estados se podem dizer de Direito
(exemplo: o Estado nacional-socialista, o Estado soviético...)
ou seja só estaremos diante de um Estado de Direito
quando a juridicidade - e portanto, a validade - que nele se

manifesta for autónoma do poder político pelo que uma


ordem
jurídica não será de Direito apenas por lhe adiantarmos a
nota da
estadualidade;

Nota: A categoria Estado de direito é historicamente recente, no entanto já apresenta


duas importantes fases: a do Estado de Direito de legalidade formal (o Estado só
ganhou verdadeira autonomia institucional com a Revolução Francesa - tendo então
emergido o Estado de Direito de legalidade formal) e a do Estado de Direito material,
ou de Justiça. O poder político que o Estado titula não fundamento da Ordem Jurídica:
em suma se todo o Direito fosse Estadual, o poder seria o seu fundamento. Ora não o
é. É certo que o Direito e o poder se cruzam: o primeiro precisa de autoridade e por
detrás dela está, nos nossos dias, as mais das vezes, o poder político. Mas o poder
político não é fundamento do Direito: é que, se o fosse, qualquer norma, criada pelo
Estado, seria Direito. Na verdade, há valores jurídicos que transcendem a legalidade
(por exemplo os direitos fundamentais do homem são trans-estaduais; mesmo que
estejam, como entre nós constitucionalmente consagrados, radicam num trana-
constitucionalidade) isto significa que a legislação, para constituir uma ordem de
Direito, tem que se inserir no universo da validade que lhe confere esse caráter. Aliás,
a aspiração que hoje se manifesta é até inversa; a de dar dimensão de Direito ao
poder, ou seja , a de juridicizar o Estado e é por isso que o Estado tende a ser hoje um
Estado de Direito material - um Estado em que o Direito é apenas o limitador do
poder, mas o seu verdadeiro fundamento legitimante. Em suma... daquilo que acaba
de ser dito podemos concluir NÃO ser a estadualidade uma nota decisivamente
caracterizadora do Direito. Por outra palavras: ser ordem é um elemento necessário
para que se possa falar de Direito, mas não é um elemento suficiente, uma ordem
socialmente regulamentadora não pode dizer-se de Direito pelo facto de ter sido
criado pelo Estado. Pelo que subsiste a pergunta: o que é que dá sentido de Direito à
Ordem Jurídica? Se privilegiarmos a ordem “em si”, e mesmo que lhe acrescentemos a
nota da estadualidade, ficamos sem qualquer critério para distinguir as ordens de
Direito das que não são; de modo que a differentia specifica entre elas reside na
mencionada dimensão normativa, que apenas as ordens autenticamente de Direito
apresentam. Será uma dimensão normativa sem esta normatividade material não
haverá uma verdadeira Ordem de Direito. Teremos que caracterizar o significado desta
dimensão normativa; distinguido três momentos:1. A imanência intencional de uma
Ordem Jurídica 2. Identificar o sentido dessa ordem 3. Intenção normativa
fundamentante e de validade do Direito. O Direito refere-nos a uma normatividade, a
um dever-ser - e é no conteúdo dessa normatividade que importa procurar o seu
sentido. Com isto chegamos a um ponto relevante sublinhado logo no início do curso:
só de uma perspetiva normativa se logra aceder à compreensão do sentido do Direito.
isto porque os valores (materialmente constitutivos da mencionada dimensão de
dever-ser) é que nos dão o seu sentido. É, portanto, nos valores assumidos pela
normatividade (pelo dever-ser) do Direito - é na axiologia, no mérito que apresenta
que poderemos reconhecer o seu sentido. Ou seja: a ordem jurídica, quando empírico-
analiticamente considerada, manifesta, ao lado de uma insuficiência objetiva, uma
insuficiência normativa pois ela não é bastante, só por si, para nos desvelar o sentido
Direito. A ordem jurídica, para constituir uma autêntica ordem de Direito, tem,
portanto, que manifestar uma dimensão normativa positiva, uma validade. Como
devemos compreender essa dimensão normativa? Em primeiro lugar devemos
recordar que uma ordem jurídica assimila valores e que estes sintetizam plenitudes de
significação num determinado horizonte cultural e que a densificam conferindo-lhe
uma interioridade com a qual a nossa interioridade pode dialogar. Esses valores
concorrem para garantir a vigência de uma ordem, pois ela terá que assentar em
valores para poder perdurar durante o tempo. Uma ordem jurídica tem uma imediata
dimensão prescritiva pois distingue o válido ou inválido, o lícito do ilícito. Só que todas
as conclusões ao nível prescritivo se fundam em algo: esses critérios prescritivos levam
imanentes um conjunto de valores que lhes dão sentido. É que uma coisa é um
fundamento e outra um critério: o critério é uma regra técnica, enquanto o
fundamento é o que justifica esse critério.

Critério Fundamento
Um critério é uma regra técnica; O Fundamento é aquilo que justifica o
critério;
Um técnico sabe que para resolver É rigorosamente, o apoio em que ele
adequadamente um certo problema deve materialmente se baseia, o “alicerce” que
lançar mão de um determinado modelo intencionalmente o legítima.
operatório;
EXEMPLO: um eletricista sabe que só
conseguirá eliminar um curto-circuito de
afastar os fios que indevidamente
contactam; mas não tem que conhecer as
leis da eletricidade, pois o técnico que é,
não lhe compete a problematização dos
fundamentos físicos dos critérios com que
opera. Por outra palavras do eletricista
espera-se o “saber fazer”, predicativo de
uma mera “competência” funcional; ao
físico exige-se o “saber porquê”,
implicante de uma genuína capacidade
justificativa.

Na dimensão prescritiva encontramos critérios. Os critério são, portanto, os modelos


técnicos de solução imediatamente mobilizáveis, mas por detrás deles estão sempre,
como fundamento, os valores/princípios em que se louvam. Ora é neste plano da
imanência constitutiva da ordem jurídica que discerniremos o seu sentido positivo ou
negativo - e só se esse sentido se nos revelar justificadamente positivo é que a
reconhecermos como ordem de Direito. A materialidade normativa de ordem jurídica
é determinada pelo conjunto de referentes axiológicos a que assenta a sua validade. E
esse conjunto tem uma enorme importância prática: na verdade, uma ordem jurídica
subsiste como vigente não por ter atrás de sim um poder que a imponha, mas porque
se louva em valores crítico-reflexivamente discernidos e espontaneamente
mobilizados pelos sujeitos destinatários dessa ordem (cidadãos) ou pelos sujeitos a
quem tiver sido institucionalmente cometidas a tarefa de realizar a sua específica
intenção problemática (juristas). São precisamente esses valores que conferem uma
dimensão normativa à ordem de Direito e está específica dimensão que a distingue de
outras ordens com as quais se poderia formalmente confundir. A intenção normativa
é, portanto, uma exigência que se funda em valores e que uma comunidade histórico-
socialmente concreta pretende que se realize na prática. Uma ordem de Direito não
apresenta, pois apenas uma determinada estrita, funções, notas caracterizadoras e
efeitos; tem também um conteúdo material que lhe é conferido pela normatividade. A
ordem jurídica para que possa se considerada como autenticamente com o Direito tem
que exibir uma normatividade material vigente tem que traduzir a síntese de um
conteúdo reconhecido como materialmente válido e com sociologicamente eficaz, ou
seja, a vigência abarca duas dimensões: a validade e a eficácia. Só que não nos
podemos ficar por aqui. É que, se o fizéssemos, a ordem jurídica resumir-se-ia
tendencialmente à normatividade constituída - e o Direito seria uma entidade
historicamente consumada . E não é assim. O Direito não é um entidade cultural finita;
é antes uma intenção, uma ideia regulativa. Com efeito, podemos estar perante uma
controvérsia juridicamente relevante e não dispor de Direito constituído (pré-
objetivado) para lhe dar resposta - é o tradicionalmente discutido problema das
lacunas. Ora só é possível resolver essas questões porque o Direito não se esgota no já
constituído. E onde se encontrará o fundamento dessa permanente constituição?
Precisamente numa ideia regulativa - o que significa, por um lado, que não revela aqui
o conceito de Direito, mas o seu principium (pois este, diferentemente daquele, apela
a um sentido constituendo) e, por outro, que a normatividade prática do Direito radica
neta dimensão regulativa. Quanto à análise da necessária dimensão normativa da
ordem jurídica, para que possa ser qualificada como uma ordem de Direito,
acrescentamos que muitos dos princípios que, num determinado momento histórico,
marcam a dimensão normativa de uma ordem jurídica concreta estão nela objetivados
de um forma contigente. Como sabemos, ocorrem por vezes ruturas nas ordens
jurídicas. De modo que pode pôr-se a pergunta: se uma revolução fizer cair uma ordem
jurídica concreta, porventura ficaremos aí sem Direito, abrir-se-á, no domínio que ela
antes ocupava, um vazio de juridicidade? Já percebemos que não. E a resposta é
negativa porque o Direito é uma intenção de valor e de sentido, que transcende todas
as suas objetivações - pois se o valor é radicalmente cunhado pela historicidade, o
sentido é, ele próprio, caminho a percorrer. O Direito é, assim um princípio normativo,
um regulativo, um conjunto de valores com uma particular intenção, que o homem
quer projetar na sua prática - objetivo este que, todavia, nunca conseguirá realizar
completamente. E como princípio normativo, o Direito é, portanto, transpositivo. A
validade é que constitui o Direito como direito. A intenção normativa é fundamentante
e instituinte de uma validade que nos permite reconhecermo-nos uns aos outros como
pessoas - e é esta matriz axiológica que justifica o Direito naquilo que ele é e naquilo
que ele há-de ser. A dimensão normativa culmina assim na afirmação de uma validade,
apenas por referência à qual se logrará discernir o sentido do Direito é justificar a sua
autonomia no universo global da prática. Conclusão provisória: por tudo quanto for
exposto em relação à Ordem jurídica impõem-se uma conclusão provisória:
sublinhamos que a Ordem Jurídica localiza-nos e situa-nos uns com os outros na
mesmo mundo procurando afastarmo-nos de um individualismo e de uma
massificação do coletivismo portanto procurando evitar a instauração do igualitarismo,
pressuposto por qualquer daquelas duas atitudes externas e tradicionais e por isso é a
ordem que controla e regula a nossa relação com os outros e com as coisas e por isso é
uma ordem de Direito que é marcada por uma dimensão histórica e por isso deverá
integrar o horizonte da prática. A Ordem Jurídica enquanto autêntica ordem de Direito
apresenta-se-nos assim como uma teia de correspondência de sentidos relacionados
com as interações humanas e por isso reconstitui-se através do seu substrato material.
A ordem de Direito traz certas exigências e experiências que nos colocam numa
intencionalidade problemática, ou seja, a ordem de Direito articula dois problemas
irredutíveis: o raciocínio que utiliza é analógico e discorre do particular para o
particular e afirma-se no universo da realidade social. Ainda no âmbito da matéria
respeitante ao apuramento do sentido geral do Direito abrimos agora uma nova
secção em que se tentará localizar o mundo jurídico no universo do nosso mundo
comum - na esfera da sociedade. O Direito não existe isolado, pois constitui um
normatividade atuante no seio da realidade social tendo em si uma base societária que
corresponde em reconhecer a Sociedade como o campus em que o Direito opera. E,
sendo assim, é natural que nos interroguemos sobre esse meio ambiente (Sociedade)
em que o Direito existe e sobre a posição e o papel que o Direito nele ocupa e
desempenha. Vejamos melhor o conceito de sociedade (de imediato, mas esquemático
ponto de vista sociológico): noção e sentido geral. A problemática da conceção teórica.
Antes de especificar o conceito de sociedade é de veras importante advertir que não é
para nós, uma tarefa fácil dizer em que consiste a Sociedade - observação, de resto
pertinente para qualquer realidade que nos toque muito de perto: tal como o nosso
corpo, ou o nosso eu ou, o tempo em que somos, também a sociedade em que
vivemos é por nós insuficientemente apreendida, pois não nos distanciamos dela o
bastante para a compreendermos em termos satisfatórios. Não, portanto, fácil dizer
em que consiste a Sociedade justamente porque estamos imersos nela. No entanto
percebemos que também a sociologia tem dificuldade em definir o seu objeto. A
noção sugerida pelo Doutor Castanheira Neves define que: “ A sociedade é a realidade
(o meio e o resultado) da convivência humana, enquanto essa convivência se traduz na
multiplicidade e no conjunto das interações humanamente significativas, que se
oferece aos membros participantes em termos de uma particular e objetiva autonomia
e na qual eles, quer através de formas comuns de convivência (seja integrada, seja
conflituante), quer através de fins ou intenções gerais (em que comungam ou que de
qualquer modos se propõem), se encontram conexionados mediante uma realidade
unitária e que lhes é comum “. Ou seja, a sociedade, é o ponto comum da humana
convivência. Decompondo esta noção temos que: a) A sociedade é a realidade da
própria convivência humana. b) A convivência humana surge aqui entendida como o
conjunto das interações dotadas de significado. c) Essas interações apresentam-se
àqueles que nelas participam com uma certa objetividade e autonomia. d) A
sociedade, feita dessas interações entre homens, constitui uma realidade unitária, que
lhes é comum, através da qual eles são conexionados entre si. e) Essa conexão resulta
tanto da comunhão ou preposição de certos-fins ou intenções gerais, como de formas
de convivência integrada ou conflituante. EM SUMA: A sociedade constitui, para os
seus membros, uma realidade unitária que têm em comum e que se lhes oferece com
uma objetividade autónoma. Essa realidade é constituída pelas próprias interações
entre os membros da sociedade, que liga uns aos outros, seja porque partilham certos
objetivos, seja porque relacionam-se de forma conflitual ou integrada. A sociedade,
enquanto realidade comum, integrante das nossas diferenças, articula os sujeitos
autónomos que se relacionam entre si. caracterizarmos a sociedade nesses termos,
definimos 2 coordenadas fundamentais. Cuja demarcação a mesma se constitui: 1. A
sociedade é mais do que a soma das nossas individualidades: constituindo afinal, uma
teia definida pela interferência das nossas ações. Ou seja, a realidade social é mais do
que mero encontro de indivíduos. 2. A realidade comum integrante não pode tornar-se
tão densa que dissolva a individualidade dos seus membros: nesta hipótese teríamos
só uma “massa” em fusão e não uma sociedade, pois esta pressupõe a existência de
autênticas relações entre os socii e, portanto, a sua autonomia. Por estas duas
coordenadas que se constituí a sociedade. Estas duas manifestam uma tensão, pis a
sociedade nunca consegue eliminar a insaciável sociabilidade do homem. Por nós
sermos seres de liberdade individual que convivemos num horizonte centrípeto.
(Sociedade chama-nos a si pois precisamos delas para nos realizar humanamente). Em
suma, a sociedade, constitui, para os seus membros, uma realidade unitária que têm
em comum é que lhes oferece com uma objetividade autónoma, e quase como se lhes
fosse exterior e constituísse uma identidade a se (por si, autônoma). Contudo, essa
realidade é constituída pelas próprias interações entre os membros da sociedade, que
os liga uns aos outros, seja porque partilham certos objetivos, seja porque se
relacionam de forma conflitual ou integrada. Surge neste sentido o problema de
“equilíbrio”: “o mundo coletivo “ e a integração unitária da autonomia dos relata
pessoais (a capacidade de individualização - liberdade); a “sociedade” como resposta
(o mundo autonomizado da convivência das interações significativas). A noção de
sociedade há pouco aventada lança luz sobre duas questões nucleares que se
levantam a seu respeito: 1. A de saber se constitui uma realidade em si ou apenas a
estrutura sistematizante das nossas ações;
2. E determinar como se constitui esse mundo comum, sendo nós tão diferentes uns
dos outros e perseguindo fins tão distintos. Já sabemos que o homem é
simultaneamente um ser de socialização e de isolamento, dilacerado pela tensão entre
pulsões centrípetas e centrífugas (a insocial socialidade de que falava Kant). Por um
lado, participa de um mundo coletivo; por outro possui, em virtude da sua liberdade,
uma capacidade de individualização que afasta os demais, o específica e torna distinto,
potenciando os conflitos e dificultando a aproximação. Torna-se por isso necessário
articular os sujeitos autônomos que se relacionam entre si, integrá-los mediante a
referência a algo que lhes seja comum. A Sociedade , enquanto realidade comum,
integrante das nossas diferenças, é uma resposta a este problema. Ao caracterizamos
a sociedade nestes termos, estamos a definir duas coordenadas fundamentais que a
balizam, e, portanto, dentro de cuja demarcação a mesma se constitui. A sociedade,
para o ser verdadeiramente, tem, pois, que assimilar a comunitariamente instituinte
dialética que se estabelece entre a “pessoa individual”, compreendida como “centro
do mundo próprio da subjetividade”, e a “pessoa social”, compreendida como
“membro do mundo comum da objetividade”:
Primeira coordenada Segunda coordenada

A sociedade é mais do que a soma das Por outro lado, esse comum não pode ser
nossas individualidades (e é assim porque tão denso que esmague a individualidade
ela não identifica um mero atomismo de de cada um dos membros (recorde-se que
individualidades), constituindo antes uma é precisamente isto que acontece sempre
teia definida pela interferência das nossas o “centro principal” da sociedade
ações; “domina e satura a respetiva periferia”-
sirva-nos de exemplo “ a estrutura de
todas as sociedades totalitárias do século
XX”;
A sociedade não é apenas a mera Nesta outra hipótese teríamos só uma
justaposição de isolamentos: nesta “massa” em fusão e não uma sociedade,
hipótese, estaríamos diante de uma mera pois esta pressupõe a existência de
acumulação de solidários o que não seria autênticas relações entre os socii e,
bastante para criar uma comunidade, pois portanto, a sua autonomia.
esta define um espaço comum integrante
de todos;

É, pois, entre as duas coordenadas acima referidas que se constituirá uma sociedade.
Todavia, estas coordenadas, na sua dinâmica, manifestam uma tensão e é por isso que
há sociedades em que uma delas (qualquer que seja) se hipertrofia e avantaja à outra
(exemplo: numa sociedade totalitária, a segunda coordenada que relevámos tende a
asfixiar a primeira; e numa sociedade inspirada por um liberalismo radical, é o inverso
que se verifica). Mesmo sem estes excessos a sociedade nunca consegue eliminar a
atrás referida “insociável sociabilidade” do homem. E é assim porque nós somos seres
centrífugos (somos seres de liberdade individual) que convivem num horizonte
centrípeto (a sociedade chama-nos a si, pois precisamos dela par nos realizarmos
humanamente ). De um lado somos insociáveis, do outro sociáveis - e a dinâmica da
história resulta desta (e é animada por esta) tensão. Como já referi a sociedade
integra-nos - importa apurar o modo desta integração. E aqui afirmam-se duas
compreensões distintas da sociedade. Uma delas (a mais antiga) centra-se na ação
individual e é a partir desta que pretende aceder à compreensão do todo; a mais
recente, todavia, a tendência dominante é antes a inversa - a de partir do todo das
interações estruturaras para a ação individual. Por outras palavras levantado a questão
acerca da caracterização da sociedade encontramos vários autores que procuram dar
reposta para o problema de equilíbrio entre o “mundo coletivo” e a integração da sua
convivência; o homem é um ser que simultaneamente convoca uma tendência para a
socialização e para o isolamento procurando respostas na sociologia encontramos
duas perspetivas: 1.
Perspetiva de ação (Max Weber); 2. Perspetiva do sistema (Parsons, Luhmann):

Perspetiva de ação (Max Perspetiva do sistema (Parsons,


Weber) Luhmann)

Esta teoria centra-se na ação individual e é Para responder a essa questões


a partir desta que pretende aceder à aludiremos ao pensamento de dois
compreensão do todo. Isto porque cada autores: Talcott Parsons e Niklas Luhmann.
um de nós só age quando se dirige, com
sentido, ao outro, pois só então este outro Segundo Parsons há muitos sistemas.
o poderá compreender e responder-lhe Desde logo, cada um de nós é um sistema,
com uma ação suscetível de também ter pois cada individuo apresenta uma
sentido para aquele primeiro. estrutura com uma capacidade funcional
de subsistência. Com efeito, se cada um de
nós é um sistema, a sociedade,
globalmente considerada, não o é menos,
pois apresenta-se como um todo, dotado
de estruturas estáveis, que tendem a
substituir apesar do domínio do mundo.

Exemplo: Não deve qualificar-se como Coloca-se assim, uma outra questão: como
ação social o facto de um de nós se será que uma dimensão estática
encontrar, ao lado de outra pessoas, na fila (constituída pelas estruturas as que
para o autocarro pois o que aí se nos aludimos) se articula com uma outra
depara é uma acidental justaposição de dinâmica (com o mundo não pára) ?
discretas ações individuais; neste quadro,
não há, em princípio qualquer particular Parsons entende que a “função” se
relação entre os candidatos a passageiros, encarregaria de resolver a questão, pois a
que nos autorize a falar, no sentido função identifica, precisamente, o
explicitado, em ação social, já que aquilo dinamismo possível dentro de uma
que cada um está a fazer ao lado do outro determinada estrutura. E daí que a
pode igualmente fazê-lo sozinho. Se, sociedade, no seu conjunto, consista na
todavia, um se dirigir ao outro e este der definição de estruturas funcionais.
conta da interpelação, então sim, já um e
outro se condicionam reciprocamente,
pois já há interação ou troca de sentido de
ambos (mesmo que o interlocutor
concretamente interpelado não
responda...)

O que significa ser a interação uma Dentro da sociedade, globalmente


correlatividade de comportamentos que considerada, teríamos, assim e entre
possa fundamentalmente dizer-se troca outras: - a dinâmica da utilização dos
comunicativa de sentidos. Desta meios disponíveis, seria estruturada na
perspetiva é, portanto, a partir do economia;
elemento “interação” que se pode vir a - a dinâmica das ações concretas segundo
compreender a sociedade como um todo. certas estruturas padronizadas, justificaria
Nesta mesma via a sociedade constitui-se a existência de normas e, nomeadamente,
por “formas de socialização”. Quanto a de normas jurídicas;
este aspeto, encontraremos referência a - e a instância de carácter estrutural que
duas formas de socialização, ou seja, as “equilibraria” todo este dinamismo seria a
interações constitutivas de qualquer forma cultura.
de socialização podem radicar no consenso
ou no conflito. Mas aludiremos a respeito Se quisermos sintetizar tudo diremos que,
das mencionadas “formas de socialização” para Parsons, a sociedade é o conjunto das
à contraposição (estabelecida por instituições (das estruturas) que permitem
Durkheim), entre “solidariedade a realização de determinadas funções
mecânica” e “solidariedade orgânica” dinâmicas.
Solidariedade mecânica: tem lugar quando Ora a posição de Luhmann, muito embora
os indivíduos se associam atendendo ao se inucleie igualmente na categoria
que têm em comum: eles articulam então sistema, é diferente. Na verdade,
os seus esforços para realizar uma tarefa enquanto Parsons pensa o sistema como
comum ou de interesse comum (pense-se um todo que é mais do que a mera somas
nos membros de uma associação); das partes, Luhmann segue outro caminho
para este a sociedade é um sistema social
que representa a compossibilidade ou seja
a coerência funcional de fatores diversos
(totalidade de uma compossibilidade*).

Solidariedade orgânica: também designada Segundo Luhmann, o problema nuclear


por “solidariedade por diferenciação” tem que os homens têm de resolver é o
a ver basicamente com aquela que radica decorrente do facto de viverem
na especialização profissional, originante conjuntamente num mesmo mundo: o
de recíprocas dependências óbvias entre mundo apresenta-se assim, naturalmente,
todos, que assim se tornam como muito complexo, de modo que
interdependentes. aquilo que importa é reduzir essa
complexidade e é com este objetivo que os
Esta é a mais característica das sociedades homens criam os diversos sistemas
de hoje em dia, marcadas por uma muito culturais. Desta perspetiva, um sistema
nítida divisão do trabalho, mas, a social é, portanto, uma resposta às
“solidariedade mecânica não deixa exigências do mundo exterior. Dois
também de se afirmar neste quadro grandes polos qui em causa para
compondo, juntamente com a Luhmann: o interior – sistema; o exterior –
“solidariedade orgânica” a sociedade tal o mundo da realidade.
como a entendia (R.von Ihering) “ uma
cooperação para fins comuns, em que Como já se sublinhou o mundo é
cada qual, enquanto trabalha para os complexo, ora não sendo o homem capaz
outros trabalha também para si, e de dominar toda a inabarcável
enquanto trabalha para si, também complexidade do mundo, procura
trabalha para os outros”. naturalmente reduzi-lo (e à respetiva
complexidade) às suas (limitadas)
possibilidades de reposta. Para isso
seleciona e utiliza estas possibilidades
(impostação das coisas) e fá-lo à medida
que for encontrando respostas
funcionalmente satisfatórias para o
mencionado problema da complexidade
do mundo - o que vale por afirmar que elas
se revelarão funcionalmente ajustadas a
esta complexidade quando permitirem
uma ordenada orientação dos homens no
mundo. Como tal Luhmann entende o
“sistema social” como um sistema
autopoiético, portanto auto- organizado e
autorreprodutivo, radicado em atos
comunicativos segundo o qual é necessário
o efeito da institucionalização que
corresponde à definição (e, portanto, à
estabilização) de funções em ordem à
simplificação do mundo do nosso
encontro.

Deste ponto de vista, e em resumo, a


sociedade é, portanto, a teia integrante
das nossas interações, pelo que, na
sociedade só estaríamos (materialmente)
nós próprios, todavia interagindo. A
orientação mais recente da sociologia,
diferentemente, já não avança da parte
(da ação) para o todo, mas centra-se logo
neste todo estruturado, compreendendo a
sociedade como um sistema social, isto é,
como uma entidade integradora que
subsiste como unidade.

Tendo em conta o que se acabou de dizer


surgem duas principais questões: o que é
então um sistema social e como é que os
indivíduos se situam nesse universo?

Compossibilidade: é suscetível de coexistir de maneira integrada no mundo real como um conjunto de


possibilidades concretas e realizadas; que pode coexistir com o outro.

Síntese reflexiva: equilíbrio estrutural entre o “mundo da vida” e o “sistema”: o


sistema social cruza-se com a esfera das ações comunicativas fundamentadas em
referência ao habermassiano “mundo da vida” (esquematicamente, horizonte último
de todas as significações intersubjetivamente relevantes). Tangencia-se assim o
problema da oposição do “mundo da vida” e do “sistema”, dos termos do respetivo
equilíbrio estrutural, no âmbito do pensamento de Jürgen Habermas. Para Habermas,
o dinamismo da sociedade se processa no quando de uma articulação reciproca da sua
finalisticamente pré ordenada base material e na sua, culturalmente densificada,
dimensão prático-comunicacional, pois uma é sempre o pressuposto e o limite da
outra; e, por outro, que o sistema social, como totalidade. Este autor, através de uma
síntese conclusiva (reflexiva) procura conjugar uma dimensão sistémica e uma
dimensão prática, avançando que numa sociedade é possível alcançar um equilíbrio
estruturacional entre o “mundo de vida” e o “sistema”. Como é que os diversos
indivíduos se situam nas instituições? Começamos por referi as categorias nucleares
para uma suficiente análise do sistema social, diremos serem elas duas e operam em
estreita ligação uma com a outra: cada um de nós está na sociedade com um (ou
vários) estatuto(s) a desempenhar determinados papéis. Esta é, de facto, a dicotomia
fundamental aqui interveniente. Na verdade, relacionamos uns com os outros no
quatro de um certo status. EXEMPLOS: numa aula de Introdução ao Direito a minha
posição de aluno é correlativa da do professor, e vice-versa. Porque aquilo que eu faço
durante a aula é condicionada pela ação do professor, e vice-versa; o status e pai é
correlativo do de filho; o de médico do de paciente, o de vendedor do de comprador, o
de agressor do de vítima. Todas estas relações radicam em “correspondências” de
“coordenação”. Tendo em conta ao primeiro exemplo dado avançamos mais um
passo: tanto o sr. professor como eu própria enquanto estudante apenas nos
investimos, respetivamente, na posição de professor e na de aluna, ou seja, apenas
nos “inserimos” nestas posições para nos “realizarmos”, em termos rituais e
respetivamente, como professor e como aluna. Não as criamos ex novo, pois elas já
existiam antes de nós as assumirmos: o status de professor e de aluna já estavam
defendidos antes da nossa concreta entrada em cena. Como já vimos, esses nossos
estatutos condicionam-se reciprocamente e projetam-se num clara “concordância de
mútuas correspondências”. E, noutro plano, também já se percebeu que o estatuto de
cada um de nós marca o nosso próprio papel. Assim na situação de aula estou a
desempenhar a função ou o papel de alunos e o explicador de professor. O papel é a
atuação específica resultante de um determinado status. Ainda nas relações
societárias o que importa é o estatuto em se está investido e o papel que
concretamente se representa, e não o nome próprio. Esta categoria de status e papel
permite um relevante redução da complexidade pois cada um de nós, na sua
integralidade, não se reduz apenas a aluno ou a professor. O problema da integração:
o “consensus” e o “conflito”. A sociedade integra-nos comunitariamente; importa por
isso dedicar duas palavras a este problema: “consenso” e “conflito”. Como ensina
Castanheira Neves: o sistema de valores que cunha em termos materiais uma
determinada sociedade não se identifica nem com os objetivos da vontade política,
nem com o travejamento axiológico constitutivo do ordenamento de Direito dessa
comunidade. Aquele sistema de valores é mais amplo (embora não ignore) estes dois
planos e a sua eficácia integrativa depende até, decisivamente, da circunstância de ele
inspirar a própria ordem jurídica concretamente em causa, uma vez que o Direito é,
sem dúvida, no nosso hemisfério cultural, o mais importante elemento de integração
social. O referido sistema axiológico comunitariamente integrante abrange todas as
valências que se afirmam como vigentes numa sociedade concreta, isto é, como
dimensões de uma validade que impregna de modo efetivo um determinada
comunidade histórica (a vigência jurídica caracteriza-se igualmente por esta síntese de
validade e de eficácia: estaremos, por isso, diante de Direito vigente quando uma
determinada validade normativa se realiza de modo sociologicamente efetivo numa
comunidade historicamente concreta). Deste modo, pode dizer-se que aqueles valores
(os valores materialmente densificantes de uma determinada sociedade) identificam o
consensus comunitário e que, portanto, funcionam como fator de coesão social e
como elemento fundamental e fundamentante da integração comunitária. Com efeito,
uma sociedade não se define apenas como uma realidade de integração (integração
esta por sua vez garante da estabilidade histórica, da harmonia sociológica e do
consenso axiológico da comunidade concretamente em causa). Se olharmos as
complexas, fragmentaras e democráticas sociedades dos nossos dias caracterizadas
por mudanças diárias e por alterações constantes, logo compreendemos que o
consenso é apenas o anverso de uma medalha que apresenta um reverso um outra
face: a tendência para a afirmação do antagonismo, que está na base da evolução
societária. Ou seja, o consenso e o dissenso aparecem-nos, portanto, como incindíveis
(isto é, como complementares) vetores nuclearmente constitutivos de uma sociedade.
Por outro lado, note-se, ao conflito é imanente um quantum de integração desde logo
porque a existência de uma comunidade (que não é definível sem o recurso à
mencionada nota de integração) é um pressuposto da possibilidade da própria
emergência do conflito: no fundo, só há conflito porque há comunidade, isto é
integração convivencial. O que tem o direito a ver com a sociedade? Em termos muito
sintéticos, a nossa resposta pode enunciar-se assim: o Direito é o estruturante
macroscópico, o tecido conjuntivo, subsistema normativo regulador das relações que
se entretecem na sociedade. A dimensão articulante dos papéis que se desempenham
no palco social, ou em termos mais gerais, das estruturas constitutivas da sociedade,
que considerámos analiticamente é, pois, uma específica normatividade. O que se
compreende, porque esses papéis entrecruzam- se, vindo assim a traduzir-se em
contínuas trocas de exigências, de prestações, de responsabilidades, etc.,
juridicamente significativas. Mesmo que apenas baseados na análise estrutural da
sociedade em que até agora nos centrámos, estamos já em condições de compreender
o lugar que nela ocupa o Direito: o Direito define, em termos normativos a tessitura
social, razão por que a sociedade tem no Direito um subsistema decisivamente
importante. O Direito não esgota a nossa relação, mas temos que reconhecer que se
relevarmos o núcleo duro dessas relações estamos fundamentalmente diante de
deveres e direitos recíprocos. Ou seja: o Direito aparece-nos assim, quer entendamos a
sociedade polarizada no consenso quer por referência ao dissenso. O Direito é, pois, o
subsistema que a sociedade mobiliza para conseguir uma suficientemente harmónica
integração das várias afirmações individuais no contexto comunitário. Mas o Direito
não consegue eliminar todos os conflitos: é que a nossa posição eminentemente
pessoal transcende sempre a nossa posição especificamente
social e, por isso, aquela primeira pode divergir desta segunda; cada um de nós titula
sempre vários estatutos, de modo que os papéis inerentes a cada um deles podem
colidir. EXEMPLO: como filhos, alguns de nós deveríamos estar, “neste” preciso
instante, a fazer companhia aos nossos pais; como alunos e professor, encontramo-
nos, todavia, “nesta” aula. Até ao momento considerámos a sociedade de uma
perspetiva estrutural (formal). E com os esclarecimentos que a sociologia nos
disponibilizou confirmámos o que havíamos apurado quando referimos o efeito de
institucionalização da ordem jurídica. Quanto à análise estrutura da Sociedade, e
assumindo uma perspetiva material podemos apresentar três tipos diferentes de
elementos materiais irredutível os constitutivos da Sociedade: 1. Os interesses que,
identificam a dimensão económica da sociedade; 2. O poder que, define a dimensão
política da sociedade; 3. Os valores que, são a expressão da dimensão axiológico-
cultural da sociedade.
Interesses Poder Valores

Permite-nos compreender
facilmente que a política
traduz a organização, em
termos estratégicos, da Cultural = Sistema de
sociedade para esta se valores, aos sentidos, aos
O interesse tem a ver com a afirma com tal. É, pois, pela referentes de significação
nossa relação com o mundo; dimensão política que a humana de uma sociedade -
é o que “inter-est” é o que sociedade define, ao particular “modo de
está entre nós e o mundo; estrategicamente, os seus vida” (ao “modo especial de
objetivos fundamentais. pensar, sentir e agir”) que
Por seu turno, o poder nela se vai instituindo.
representa como que a
encarnação da política -
corresponde à
institucionalização da
dimensão política de uma
sociedade

Já vimos que nos


relacionamos com os outros
Na verdade, todos nós enquanto agimos. Pois bem:
estamos interessados no a ação pressupõem sempre
mundo porque o uma fundamentação e estes
mobilizamos para satisfazer fundamentos são nos dados
as nossas necessidades e, pela nossa cultura. Ora a
em geral, para nos cultura desenha um “arco
realizarmos; hermenêutico”, porque
constitui uma tradição.

O interesse é, portanto,
aquilo que nos liga ao
mundo, olhando este como
objeto de uma apetência
EXEMPLO: um livro serve-
nos para alguma coisa por
isso podemos dizer que nos
ligamos a um livro com uma Percebe-se, por isso, que os
determinada apetência, ou mais dos referentes
com um certo interesse, culturais sejam herdados -
porque com o livro embora, voltamos a insistir
satisfazemos certas estejam sujeitos a uma
necessidades; permanente revisão
Isto significa que os reconstitutiva e mesmo,
interesses fazem com que muitas vezes, se constituam
manipulemos o mundo. E, é ex novo em resposta a
assim, até os outros podem inovadoras experiências
se objeto de interesse, pois problemáticas que o exigem.
podem ser manipulados.

A economia é precisamente
o estudo da escolha dos
instrumentos de
mobilização dos bens de que
há carência para dar
satisfação às necessidades,
isto é, para dar resposta aos
interesses

O que tem o direito a ver com estas dimensões ? Essas três dimensões são diferentes,
embora coligadas. Apresentam-se como fenomenologicamente distintas, pois
correspondem a sentidos diferentes da nossa posição no mundo e, acentuámo-lo
igualmente, como irredutíveis. E sendo elas assim dimensões distintas, como é que se
articulam reciprocamente? Ora um dos articulantes desta pluralidade de dimensões é
o Direito. O Direito é assim critério sobre os interesses, no quadro de um poder, e para
cumprir essa tarefa mobiliza alguns valores. O Direito pode, por isso, dizer-se um
sintetizador seletivo de todos os elementos mencionados, embora, como veremos, ele
se afirme aí com uma intenção própria. Significa tudo isto que o Direito ajuíza do
mérito relativo dos interesses, que é instância crítica do poder e que, para realizar
estes objetivos, mobiliza alguns valores deixando outros de lado (e por isso o dissemos
critério seletivo). Na Lição anterior olhámos a sociedade como resultado das estruturas
a que aludimos (dos estatutos e dos papéis) e do irredutíveis elementos materiais que
mencionámos (dos interesses, do poder e dos valores). Nesta via surge uma segunda
pergunta: Será o Direito uma pura função dependente da sociedade? Há teses que o
sustentam, isto é, que respondem afirmativamente àquela interrogação. Para essas
orientações o Direito seria um mero resultado dos elementos materiais
irredutivelmente constitutivos da sociedade. Significa isto que existem correntes
defensoras da ideia que o Direito depende em exclusivo da economia ou da política ou
da cultura. Comecemos então a caracteriza sumariamente cada redutivismo: A
redução do direito ao económico - para o economicismo que sustenta a redução
econômica da normatividade jurídica o Direito é a mera expressão normativa das
relações económicas, não traduzindo mais do que a normação do económico. É esta a
posição do marxismo originário, (que teve o seu contributo para a redução aqui
enunciada) em seu entender, seria a “estrutura económica da sociedade”, a sua “base
real”, que determinaria todas as dimensões de “sentido” e de “valor” da vida
humana”- desde a sua consciência individual à super estrutura jurídica e política que se
viesse a institucionalizar. Para Marx (em virtude do positivismo material) a
infraestrutura é que seria a causa nuclear de todas as dimensões da vida
societariamente significativas: cada cultura seria determinada pelas “relações de
produção” constitutivas da mencionada “estrutura económica da sociedade” de modo
que o Direito, como vetor integrante da referida superestrutura, não passaria,
igualmente, de um segregado da aludida infraestrutura e outro tanto se poderia dizer
das ideologias, pois estas, de um ponto de vista cultural, não são mais do que
tentativas de justificar os interesses. Em suma: desta perspetiva, o económico seria o
elemento determinante, e o Direito, como estrato integrante da superestrutura, seria
determinado por aquela infra- estrutura. Todavia, o marxismo foi abandonado, a
pouco a pouco, este economicismo linear, que sustentava haver relação direta entre a
economia e a cultura. O económico (por si só) ganhou então importante relevo nos
séculos XVIII-XIX em estrita articulação com o individualismo capitalista surge desta
ideia um importante movimento de um modelo teórico - “Law and Economics”
segundo o qual a economia é um elemento dominante e determinante da História. A
racionalidade da esfera económica assenta na mera eficácia pragmática de caráter
funcional e instrumental com base numa relação meio fim. Ora, se a realidade social
fosse totalmente dominada pela economia haveria apenas uma única racionalidade: a
racionalidade puramente técnico- funcional e podia resultar no perigo da
instrumentalização do Direito aos interesses. Em conclusão podemos dizer, em
relação à apreciação crítica da teoria redutivista do Direito à Economia: o jurídico
também atua sobre o económico, como é reconhecido pelo próprio pensamento
marxista. O tipo de relação entre a esfera do económico e a esfera do jurídico tem
variado de época para
época. Se a intencionalidade (que condiciona a racionalidade) de ambos é igualmente
diferente (a do económico centra-se na eficiência, enquanto que a do jurídico tem
como núcleo a validade), então tudo isto mostra que o económico não é o seu
determinante exclusivo; podemos concluir que o económico não reduz, nem
teoricamente nem ao nível da análise histórica, nem atendendo à intencionalidade os
dois domínios em controlo: o ético-jurídico, tendo, contudo, que contar com ele. A
redução do direito ao político: - Para a concessão, o Direito seria somente a
concretização da voluntas (vontades) política constituindo como que “a política
noutros termos”, ou seja, o Direito seria apenas uma política concretizada em normas.
O político é assim o húmus axiologicamente densificante e fundamentante da prática
de qualquer comunidade concreta. Ora a política é diferente: em termos
esquemáticos, diremos que esta identifica um programa finalístico, que tem a sua
estratégia e que é assumido por um governo. A política alimenta-se decerto daqueles
valores a sua manta nutriente é também o húmus a que acima referi. E daí que sejam
sempre possíveis várias políticas no quadro de um mesmo horizonte político (exemplo:
cada partido interpreta diferentemente os consensuais valores capitais de uma
comunidade; as mais das formações políticas invocam os mesmos valores, mas depois
adotam, para os realizar, uma estratégia diferente, porque se propõem fins também
diferentes, isto é, porque
adotam políticas diferentes). Dito isto questionamos: será o Direito redutível à
política?
O direito (como de resto, a própria politica) cabe no político, pois é aí que ambos (que
tanto o direito como a politica) encontram o húmus em que radicam. O que está em
causa é, portanto, apurar se o direito não passa da politica traduzida em normas. A
política (como aqui estamos a retratar) remonta à Idade Moderna, pois foi com a
emergência do Estado Iluminista que ela se automatizou na sua unilateralizadora
significação. A política libertou-se então da religião, da ética e do direito que eram os
referentes culturais até essa altura dominantes e que, no seu conjunto, compunham a
chamada filosofia prática. A automatização da política coincidiu com a afirmação do
Estado Moderno, do Estado que assumiu a titularidade de toda a prática da
comunidade e, portanto, também do direito. Foi, pois nesta época que se cedeu a
tentação de reduzir todo o universo prático à política. Com o Estado Moderno o Direito
passou a ser legislação, primeiro, como mero enquadrante racionalizador das
liberdades e ainda como fator de limitação do poder do Estado mais tarde ainda como
critério orientador das próprias ações concretas (pura emanação da voluntas política)
e deriva desta circunstância histórica a tentação de reduzir o direito à política. Esta
concessão conhece várias modalidades da redução do Direito à política: o legalismo
normativista, segundo o qual o Direito é o regulativo instrumental de objetivos
político-sociais; o funcionalismo ideológico-político, que entendia o Direito como uma
política; Sobre estas modalidades podemos apresentar uma crítica em dois planos:
Plano institucional - o Estado invoca o poder para se legitimar e a normatividade
necessita também do poder para existir e para subsistir. Contudo, hoje, revela-se o
poder, mas não podemos deixar de lhe impor limites, uma limitação do poder em
nome do Direito. O problema da tensão entre o poder e a validade. Esta é a ideia do
Estado de Direito material, segundo a qual a juridicidade do fundamento material do
poder e após uma análise institucional. Chegamos à conclusão de que o Direito não se
pode reduzir à Política nem ao Poder. Plano intencional - teremos que invocar que a
política e o Direito têm racionalidades diferentes, isto porque são realidades
historicamente diferentes e visa objetivos diferentes, logo impõem-se não concordar
com a redução do Direito à prática, isto porque o Direito distingue-se da legislação
política e o pensamento jurídico apresenta um auditório argumentativo e dimensões
materiais que impõem-se sua distinção do poder político. Podemos concluir que o
Direito se distingue da legislação política quer do ponto de vista histórico quer do
ponto de vista intencional, razão pela qual não podemos afirmar uma redução do
Direito à política (ao poder). A redução do direito ao cultural: Direito assimila os
valores que compõe a ordem axiológica da comunidade e condiciona os problemas
concretos da mesma comunidade em que se insere, contudo, “o Direito só poderá
existir ser for verdadeiramente vigente”, ou seja, é a normatividade que constitui uma
dimensão real da prática concreta; a vigência é a síntese da validade e da eficácia. Uma
Cultura, só será vigente quando se nos apresenta como efetiva dimensão de sentido
de uma certa prática, conformando a dimensão axiológico-intencionalmente e
histórico-socialmente a pluralidade das manifestações existencialmente predicativas
de uma determinada comunidade. De acordo com o Dr. Castanheira Neves o Direito é
um dever-ser que é, ou seja, “uma normatividade (uma validade ou dever-ser) que tem
que ser, ou seja, que tem que se concretizar na prática e que, portanto, é”. E está
aparentemente contraditória formulação traduz uma dialética em que não nos
cansamos de insistir: o Direito é dever-ser, porque é uma intenção de validade que
transcende os factos sociais para poder ajuizar deles; mas o Direito é porque apresenta
como outra irremissível nota caracterizadora, para além da mencionada validade, a
eficácia. Crítica: contra o jus naturalismo (ao centrar-se num puro Direito ideal, nega o
seu condicionamento histórico e, portanto, constitui a expressão exemplar do
redutivismo que estamos a considerar) repousa em três argumentos: argumento
antropológico; argumento ontológico; argumento metafísico.
Em suma significa que o homem não traduzia mais do que uma auto compreensão, o
que significa que o homem projeta no ser a sua própria racionalidade compreende-se
que o homem do jus naturalismo era um ser contemplativo e por isso, teorético.
Diferentemente, o homem sabe que a transcendência não é totalmente transparente.
Hoje essa transparência é para o homem uma tarefa a cumprir, logo o homem na sua
prática tem consciência da sua finitude, percebendo que é um ser histórico e por isso,
pretende tomar posições sobre si próprio. Numa palavra síntese: contra a
antropologia-clássica afirma-se hoje a pessoalidade do Homem; contra a ontologia
clássica, afirma-se hoje a historicidade do ser; contra a metafísica clássica afirma-se a
transracionalidade da transcendência. Temos deste modo justificada a inconcludência
(afastamento) do jus naturalismo e como foi esta a orientação que circunscreveu o
Direito ao Axiológico-Cultural, é que o Direito, embora não alheio a valores, pois é
deles que radica a sua dimensão de validade, não se reduz a eles. O Direito para se
afirmar como tal também deverá ser eficaz, pois só assim pode ser considerado
vigente. Em conclusão, o Direito não se reduz nem ao económico, nem à política, nem
ao axio-cultural. Tendo assim respondido negativamente à segunda interrogação posta
(será que o Direito é uma mera variável dependente de qualquer um dos elementos
materiais irredutivelmente constitutivos da sociedade?), podemos formular assim uma
terceira pergunta: que papel tem o direito na sociedade? Ou qual a função específica
do Direito no atual contexto sociocultural? Ver sebenta Ana Andrade lição 8

Concluímos na Lição anterior que o Direito traduz a conversão de certas intenções


intersubjetivamente axiais em critérios normativos específico, que dão uma resposta
adequada a determinados problemas historicamente condicionado e consonantes com
o sentido daquela conversão que emergem num comunidade concreta. Formula-se
agora outra questão: Qual a função específica do Direito na sociedade? Três condições
fundamentais para a emergência do Direito (questão “porquê”?): Condição mundanal:
o problema necessário da repartição por todos nós de um mesmo mundo. Condição
antropológica: ligada ao modo de ser do homem e a significar que a nossa natural
indeterminação tem de ser compensada com uma determinação, que a nossa natural
divergência tem de ser compensada com uma convergência e que a nossa natural
mutabilidade tem de ser compensada com uma imutabilidade. Condição ética: exigem,
respetivamente, a institucionalização de uma ordem social, politicamente
disciplinadora. Mas não determinam que essa tenha de ser uma ordem de Direito.
Para isso é necessário que intervenham uma complementar condição ética e que esta
apresente um conteúdo particular: se nos compreendemos uns com os outros como
seres de autonomia ética, isto é, como pessoas, ou seja, como seres de liberdade, que
dialogam uns com os outros trocando exigências e portanto reconhecendo-se
reciprocamente responsáveis – então já terá sentido dizer essa ordem uma autêntica
ordem de direito. Exemplo inverso: os escravos não titulam direitos porque não são
reconhecidos como sujeitos éticos – sendo antes meros objetos na livre disposição do
seu senhor. Estas três condições têm de verificar-se cumulativamente para que o
direito possa emergir. Basta subtrair qualquer delas para que o direito deixe de ser
possível.
As condições mundanal e antropológica são estáveis, a condição ética assenta numa
auto-pressuposição axiológica, pois radica no modo como o homem se compreende e
como compreende os outros e a relação que com eles estabelece, Ora o modo como o
homem se compreende a si mesmo e compreende os outros e a mencionada relação
tem variado ao longo dos tempos, a condição ética apresenta, portanto, conteúdos
sucessivamente diferentes, porque o homem tem, em cada época histórica, os seus
problemas e as suas particulares exigências auto-predicativas. E é co esta (variável)
condição ética que determina a função do direito (segundo o Dr, Castanheira Neves)
como a da determinação do “para quê” do direito percebemos já que esta função
depende da situação histórica concretamente em causa. Quais são então as funções
que o direito (compreendias como ordem de validade) desempenha nas diferentes
épocas históricas? As funções que o direito desempenha são historicamente
condicionadas porque cada época tem os seus problemas próprios e o direito não é
uma ilha desligada da prática: as suas funções dependem, portanto, do “campus” em
que ele emerge (da cultura em que se insere e do modo especifico como o homem
nela se compreende.
Deve distinguir-se três grandes ciclos: Época clássica pré moderna: o homem (cidadão
não pessoa) estava inserido numa ordem (radicada “natureza das coisas”) que não
discutia - ele era apenas o hermeneuta dessa ordem. O homem não era o senhor do
mundo: vivia num mundo pressuposto, queencontrava já ordenado (o homem não era
então sequer o senhor da ordenação do mundo). O direito encontrava o seu critério na
translegalidade da ordem natural e era, portanto, uma mera instância de explicitações
(em termos declarativos) da mencionada ordem. Época pré-moderna: estamos a
considerar o “para quê” do direito (pergunta formulada pela primeira vez por Platão)
traduzida na função humano-social do direito era a de explicitar declarativamente (e,
portanto, a de racionalizar) a ordem pré-suposta. Época Moderna (época moderno-
iluminista): o homem era o homem da dúvida universal e a crítica radical - homem
revolucionário. O homem moderno fez, assim, tábua rasa das ordens pressupostas:
pretendeu pensar tudo a partir do zero, porque absolutizou a sua liberdade racional. O
contratualismo apareceu como esquema paradigmático desta autonomia do homem
pois o contrato era o vínculo que os próprios sujeitos constituíam. Significa isto que,
para o homem moderno, a ordem politico-jurídica era produto de uma deliberação do
próprio homem. Se na época pré-moderna a ordem estava já instituída (o homem era
apenas o intérprete dessa ordem), agora (época moderna) o homem constituía ele
mesmo essa ordem: a sua vontade instituinte criava o direito ex novo e a expressão
dessa vontade racional era a lei. Na época moderno-iluminista, o direito era a lei, o
ponto de partida essencial, ao pensamento moderno iluminista sustentada na
autonomia do homem quer isto dizer que era o homem que instituía a sua própria
ordem, que se dava a si mesmo a sua lei, que era legislador de si mesmo; e a significar,
igualmente, que o direito era então um normativo universal em que s exprimia a
liberdade. De modo que se os interrogamos sobre a função humano-social (sobre o
“para quê”) do direito moderno-iluminista, a resposta é a de que essa função era
então a de universalizar (ou seja, a de racionalizar) a liberdade. Porque o que está na
base do pensamento jurídico moderno-iluminista era a de que o direito constituía a
universalização da liberdade. Em suma nesta época o direito já constituía
autenticamente (não se limitando a declarar) uma ordem; e fazia-o para instituir uma
legalidade universal articulante das liberdades. Qual a função do Direito, hoje? Qual o
seu especifico “para quê” humano- social neste tempo que é o nosso? Função tríplice:
Em primeiro lugar o direito, ao constituir uma ordem, cumpre uma função integrante,
pois possibilita a nossa vida em comum. Na verdade ordenação integrante é a
possibilidade da convivência de vários diferentes num comum (página 284 – livro).

Subfunção de tutela Subfunção de Subfunção de


ou imunização resolução dos garantia
conflitos de
interesses
A ordem que o direito O direito opera, a Está ligada à
institui sanciona o respeito distribuição de bens e institucionalização (e
por certos valores, por serviços e oferece critérios portanto, à limitação) do
certos bens jurídicos, por de resolução dos conflitos poder. Com efeito, o direito,
certos interesses de interesses que ai se ao mesmo tempo que limita
fundamentais. Há, de facto, podem suscitar. Na o poder, garante-nos contra
no âmbito de cada cultura, verdade, é no horizonte do os seus arbítrios. Mas não é
valores, bens jurídicos e mundo que com- só da nossa perspetiva que
interesses intocáveis. partilhamos que somos esta função é importante;
Compreende-se, pois que o chamados a realizar os ela é-o igualmente da
direito os defina e que nossos interesses, muitas perspetiva do próprio
sancione os vezes divergentes; o direito poder. E é assim porque o
comportamentos que os procura compossibilitar direito ao institucionalizar o
violem. preventivamente esses poder, limita-o decerto,
interesses, mas, se o não mas não deixa de menos de
conseguir, tem critérios o possibilitar: limita-o,
para a resolução dos porque lhe levanta
conflitos. obstáculo que redundam
em nosso beneficio; e
possibilita-o, porque,
definindo e estabilizando os
padrões da respetiva
atuação, cria as condições
para que ele realize
potencialidades

Exemplo: Direito Penal Exemplo: Direito Privado: Exemplo: Direito


(todo o direito Direito Civil e Direito Constitucional; Direito
sancionatório em geral). Comercial. Administrativo e Direito
Penal.
Função regulativa-constitutiva Função validade

Sabemos que o Direito é o ultimo ponto de Sendo o direito uma instância regulativa
apoio em que todos nós podemos apoiar. então o conjunto de princípios e valores
Ora o direito se objetiva, torna-se um que entretecem essa trans-objetividade
critério positivo para a resolução dos funciona como instância de validade e
problemas. Mas antes de se objetivar, é já critica da nossa convivência social e do
uma apelo, um horizonte de sentido, um poder politico. O direito aparece como
regulativo intencionado, não é apenas um ultimo critério das validades comunitárias
conjunto de normas. Por ser um dever, suscetíveis de serem qualificadas como
transcende o que é em cada momento. Por universais. Enquanto ponto de encontro
isso a própria ideia de direito, valores e comum que nos ajuda a compreender a
fundamentos, regulam o que o direito vai própria divergência, o direito desempenha
sendo: é um constituendo reconhecido uma autêntica função instância
pelas próprias ideias. viabilizadora de uma efetiva comunicação
intersubjetivamente significativa. É uma
verdadeira instância critica Apesar de não
dispor de forças armadas, nem por isso
deixa de conseguir, através dos seus
princípios, assumir-se como a má
consciência do poder

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