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MAIS

LEVE

Laboratório de
leveza

E-BOOK
Transcrição do Laboratório

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Este conteúdo foi criado para você, que sabe
que não precisa ser tão pesado. Para você que quer
encontrar caminhos e maneiras de viver com mais
leveza.

A leveza é uma escolha. Mas a grande verdade


é que não basta decidir, é preciso saber por onde
começar. Tem que haver clareza para entender
onde estão os pesos que carregamos no dia a dia.
Ninguém nasce leve, mas o conteúdo do laboratório
irá lhe ajudar a refletir, a agir e a trilhar um caminho
em busca de uma vida com mais leveza.

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PALAVRAS DAS AUTORAS


Sou Roberta Ferec, escritora, empreendedora, mãe de três crian-
ças e fã incondicional de uma vida mais leve. Este laboratório foi
escrito com muito carinho, muito empenho, muito estudo, mui-
ta reflexão sobre as nossas próprias vivências, é um livro que eu
gostaria de ter lido três filhos atrás. Não porque eu ache que a minha mater-
nidade teria sido mais perfeita, que eu teria feito as coisas de uma maneira
melhor. Não, longe disso! Eu acho que fiz tudo relativamente bem porque o
intuito nunca foi perfeição. Mas acredito, de verdade, que poderia ter sido
mais leve. Acho que trouxe para minha vida, para a vida da família, pesos que
não precisavam estar ali. Hoje eu consigo enxergar. E é por isso que estou
muito feliz com essa oportunidade de poder lhe ajudar a fazer essa reflexão.



Meu nome é Rafaela Carvalho, sou co-fundadora do Portal Intei-
ras junto com a Roberta. Também sou fundadora da Editora Ma-
trescência e tenho sete livros publicados. Mas mais importante
que tudo isso, sou mãe de quatro filhos: Cae de 17 anos, Dom de
6, Zara de 5 e Ravi de 3. Assim como a Roberta, eu adoraria ter tido acesso
a esse tipo de conteúdo lá atrás, quando passei por diversos turbulências na
vida: filho recém-nascido, lutos, divórcio, mudança de país… E embora todos
esses momentos tenham sido realmente difíceis, a jornada poderia ter sido
um pouco mais leve, menos excruciante. Hoje, sinto gratidão pela oportuni-
dade de produzir esse material e compartilha-lo com outras mulheres. E para
você, leitora, deixo o meu abraço apertado e os parabéns pela sua disposição
e empenho para aprender mais sobre leveza. Saiba que este conteúdo foi
feito com muita dedicação e amor.


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ÍNDICE

• Objetivo | Página 5

• O que é leveza | Página 5

• Pesos | Página 7

1. PESO 1: Gritos | Página 8

2. PESO 2: Divergência sobre a crição dos filhos e picui-


nhas | Página 63

3. PESO 3: Olimpíadas de casal | Página 80

4. PESO 4: Falta de autoconhecimento | Página 92

5. PESO 5: Culpa | Página 107

• Para pesos que não estão sob nosso controle: uma mudança
de olhar | Página 116

• Otimismo para uma vida mais leve | Página 119

• Ressignificando os pesos da vida através do humor | Página 120

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OBJETIVO

Este e-book é uma transcrição do MAIS LEVE - laboratório de


leveza, e tem como objetivo trazer a clareza e as ferramentas que
vão te ajudar a ter uma vida muito mais leve.

Este conteúdo também apresenta ferramentas que inspiram mu-


danças de atitudes e um novo olhar sobre situações do cotidiano.

O QUE É LEVEZA

Você pode pensar que leveza é ausência de problemas e achar


que eles vão desaparecer no final dessa leitura. Mas leveza não é
ausência de problema. Problema é algo que se multiplica: quando
um é resolvido, aparece outro pior. Se for preciso esperar os pro-
blemas acabarem para alcançar a leveza, ela não vai chegar nunca.
A leveza é uma escolha. Uma escolha de ser mais gentil com você,
com a sua família e com as pessoas com quem convive, apesar de
tudo o que você possa estar passando. Leveza é seguir um caminho
mais gentil, “apesar de”. Tem sempre o “apesar de”. Apesar de es-
tar passando por uma crise financeira, apesar de estar passando
por uma crise conjugal, apesar do luto, apesar da pandemia, apesar
dos problemas que sempre vão existir. Até porque, ser leve quando
está sol, quando se tem dinheiro no banco, quando a casa está lim-
pa e as crianças estão dormindo bem, é fácil. É o tipo de leveza que
não exige esforço (e embora mais fácil, ainda assim tem gente que
não a alcança).

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Ser leve não é ignorar os pesos da vida, isso seria alienação. Ser
leve não é ignorar as emoções mais complexas e achar que precisa
viver sempre feliz, isso seria negação. Ser leve não é viver uma vida
sem problemas e sem angústias, isso seria ilusão. Ser leve é enten-
der que existem pesos. É ter clareza para conseguir perceber onde
pesa. É ter a responsabilidade de lidar com esses pesos e entender,
também, que não se tem controle sobre alguns deles. É perceber
que, às vezes, a vida pede uma mudança de atitude em relação ao
que não está sob nosso controle. Às vezes, o que a vida quer é sim-
plesmente uma mudança no olhar.


Ser leve não é padecer de otimismo crônico. Não é ser alienada,
fada sensata, diva zen.

Ser leve é mudar o ponto de referência e redimensionar as nos-


sas angústias. É não cair nas armadilhas biológicas e nessa nossa
tendência evolutiva de focar sempre no negativo, no perrengue, na
crítica.

É compreender que, se focar no negativo já foi uma questão de


sobrevivência da espécie, hoje esse foco nos estressa e adoece.
Ser leve é ser grato. É saber que até o cientista mais pragmático
agora anda interessado nas atividades cerebrais associadas à gra-
tidão.

É parar de querer cancelar o outro, a experiência do outro, a


opinião do outro.

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É ser gentil, é carregar as compras da vizinha, deixar o carro
passar, contaminar uma repartição pública inteirinha com gentile-
zas despretensiosas. ‘Deixa que eu abro para você’. ‘Pode passar’.
‘Bom dia’!

É entender que o nosso peso pesa também no ombro alheio. Ele


reverbera nossas aflições e contamina a existência do outro.

Ser leve é investir na própria reconstrução, para que os nossos


cacos não perfurem a existência dos que estão perto de nós.

É ver o riso e o bom humor como forma de resistência a um


mundo amargo e pesado.

É saber que a raiva do outro, muitas vezes, é apenas dor mal


curada. Ser leve é entender que o último suspiro não negocia datas
e nem admite prorrogação. Pode ser daqui a vinte anos, como pode
ser hoje.

Agora é a nossa única chance.


R O B E R TA F E R E C

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Bem-vinda a uma vida Mais Leve!

Neste e-Book vamos discutir os pesos presentes no cotidiano.


Começando pelos pesos que, de alguma forma, podem ser contro-
lados. E controlar não significa que ele vai deixar de existir, mas que
você vai lidar com este peso de uma maneira mais saudável.

OS PESOS

Escolhemos abordar diversos pesos do cotidiano: gritos, falta


de parceria, falta de rede de apoio, desatenção ao bem-estar,
divergências na criação dos filhos, excesso de informação e
culpa. Mas aqui você também encontrará leveza, otimismo e ma-
neiras de ressignificar os perrengues do dia a dia.

Alguns dos pesos se referem ao relacionamento entre parceiros.


E, quando falamos de relacionamentos, falamos de relações huma-
nas. Portanto, mesmo sem estar em um relacionamento amoroso
ou não tendo alguém com dividir a criação dos filhos, será possível
aproveitar as dicas, sugestões e reflexões trazidas neste conteúdo.

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PESO 1 - GRITO

O primeiro peso é o campeão da vida de quem tem filhos: os


gritos. É comum, durante uma gestação ou processo de adoção,
imaginar uma vida harmoniosa em família, com uma mãe paciente,
que vai lidar com birras, comportamentos desafiadores e discus-
sões sempre com muito diálogo. A mãe perfeita existe na nossa
imaginação até que nossos filhos chegam ao mundo.

Também é comum criarmos a expectativa de que nossos filhos


não vão fazer birra, dar escândalo em qualquer lugar e que vão nos
obedecer só com um olhar. Acreditamos que as crianças dos outros
fazem birras porque os adultos responsáveis não souberam educá-
-las. Até que um dia nos tornamos mães e pais e descobrimos que
não é bem assim. E, em algum lugar no meio do caminho, nos trans-
formamos em uma pessoa gritona, reclamona e estressada. Os gri-

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tos são, na verdade, a melhor maneira que encontramos para lidar
com as dificuldades do cotidiano. São as ferramentas disponíveis
naquele momento. Por isso é necessário encontrar novas ferramen-
tas, para que os gritos diminuam, para aliviar o peso do cotidiano e,
enfim, encontrar um pouco mais de leveza.

Para começar, é preciso entender por que gritamos. Há di-


versas variáveis por trás dos gritos: a maneira como você foi criada,
como seus pais lidavam com os estresses do dia a dia, como você
aprendeu a lidar com as suas emoções - raiva, frustração, vergonha,
tristeza. Mas o grito também tem um fator biológico muito forte. É
importante entender esse fator biológico para que quando a vonta-
de do grito vier, você saiba o que está acontecendo no seu corpo.

Entendendo a biologia por trás do gritar

O objetivo principal de toda espécie é sobreviver e reproduzir


para continuar existindo neste planeta. Para isso, nosso cérebro de-
senvolveu mecanismos de sobrevivência. Diante de uma ameaça fí-
sica, de um leão prestes a nos atacar, por exemplo, nosso sistema
nervoso simpático é ativado e hormônios de estresse são liberados.
Esses hormônios causam reações físicas como taquicardia, pupila
dilatada, musculatura enrijecida, garganta seca. Isso acontece por-
que o nosso corpo está se preparando para lutar ou para fugir des-
sa ameaça. Um sistema que funcionou tão bem, que estamos aqui,
como espécie, até hoje.

Além disso, nos momentos de estresse, outros sistemas do


nosso corpo, que não são considerados necessários para aquela si-
tuação, “pausam”. Por exemplo, se você está fugindo de um leão,
digerir comida não é essencial, o importante é que você corra. En-

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tão o fluxo sanguíneo para o seu sistema digestivo diminui porque
ele não é imprescindível naquele momento. O interessante é que
uma das partes do nosso corpo que é considerada desnecessária
durante a luta e a fuga do leão é uma região do cérebro chamada
de córtex pré-frontal. E o que isso tem a ver com os gritos? Chega-
remos lá! O córtex pré-frontal é a parte adulta, madura do cérebro.
E também é a parte que controla o nosso comportamento social. O
córtex pré-frontal é a parte do cérebro que nos ajuda no foco, na
concentração e que processa atividades complexas. É ele que está
no comando do nosso controle de impulsos.

Em um momento de estresse, todas essas reações acontecem


no seu corpo para que você esteja pronta para enfrentar o leão. Mas
hoje, na realidade atual, a “ameaça” já não é mais um leão, são seus
filhos brigando por causa de um brinquedo. No entanto, ainda as-
sim, o seu cérebro processa a ameaça de uma maneira muito simi-
lar. Você fica com a musculatura rígida, a pupila dilatada, o córtex
pré-frontal - a parte adulta do seu cérebro - levemente desligado. É
nessa hora que o grito sai. As ameaças pré-históricas eram predo-
minantemente físicas, como um animal em busca de comida. Nós
evoluímos, mas nosso cérebro ainda processa qualquer situação de
risco, como se fosse uma ameaça física. É por isso que muitas vezes
nossas reações também são físicas: é a vontade de esganar alguém,
de sair correndo, de socar um travesseiro, de gritar. Nosso corpo
foi preparado para reagir fisicamente.

Atualmente, a grande maioria das ameaças que enfrentamos


não são mais físicas e sim psicológicas: é a criança discordando de
você, é a discussão com o parceiro, é o chefe que foi injusto. E, é cla-
ro, essa informação não pode servir de desculpa para continuarmos
usando o grito como ferramenta, mas para nos empoderar para que

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possamos escolher um caminho diferente.

Quando o grito está na garganta, é preciso avisar o cérebro


que está tudo bem, que estamos em segurança. É uma forma de
“enganar” a mente e quebrar a reação em cadeia do estresse. Você
pode, por exemplo, repetir frases como “eu estou em segurança,
está tudo bem, são apenas duas crianças brigando. Não é uma ame-
aça.”

Outra ferramenta poderosa de autorregulação, para momentos


assim, é a respiração. Nossa respiração tem um ritmo diferente para
diferentes emoções. Quando sentimos raiva, o ritmo da nossa respi-
ração é um, quando sentimos tristeza, estamos estressados, felizes,
relaxados, o ritmo da nossa respiração também é outro. Quando
perceber que está quase gritando, tente respirar intencionalmente
de uma maneira relaxada. Ao respirar fundo, tranquilamente, você
sinaliza ao seu cérebro que está tudo bem.

Em um estudo*, pesquisadores da Universidade de Stanford


apontaram que exercícios de respiração são capazes de ajuda
a diminuir os sintomas associados ao estresse pós-traumático
de veteranos de guerra e a aumentar a qualidade de vida des-
sas pessoas.

Você, na sua casa, pode utilizar inúmeras técnicas de respira-


ção, no YouTube você encontra muitas deles e com certeza alguma
que será do seu agrado. O importante é estar atenta aos sinais de
que o grito está chegando para que, assim, possa parar, respirar e
avisar a mente que você está em segurança.

* https://news.stanford.edu/pr/2013/pr-veterans-breathing-study-052213.html

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Outra forma de autorregulação é o chamado grounding (algo
como aterramento, em tradução livre). Grounding é estar de pé,
com o foco nos pés aterrados ao chão, e com as mãos apoiando
em alguma superfície (como o balcão da cozinha, por exemplo). No
exercício de grounding você se concentra na sensação dos seus pés
firmes no chão e nas suas mãos bem apoiadas, enquanto respira e
repete para si mesma que está em segurança.

Quando estamos na iminência de ter uma reação física - mani-


festada em forma de grito - respirar, repetir um mantra, meditar
e encontrar uma maneira de se autorregular são nossas melhores
alternativas, porém nosso último recurso. Precisamos entender que
o grito dificilmente nasce de uma hora para outra. Há gatilhos que
fazem com que esse grito vá se formando dentro de nós. Saber
reconhecer e lidar com esses gatilhos é uma ferramenta mais
inteligente para diminuirmos os gritos em casa.

Gatilhos

Dividiremos os gatilhos em duas categorias: os gatilhos que


vêm das crianças, que nada mais são que comportamentos dos
nossos filhos e as reações que temos em relação a eles; e os gati-
lhos que são nossos, que partem de questões pessoais.

Gatilhos acionados pelas crianças

Vamos usar uma analogia para facilitar a compreensão. Imagine


que nosso sistema nervoso é um botão vermelho no meio da tes-
ta. Toda vez que seu filho tem um comportamento que para você é
um gatilho, é como se ele apertasse esse botão, o que desencadeia
toda a reação de estresse descrita anteriormente. O nosso objetivo,

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então, é implementar pequenas mudanças positivas nas dinâmicas
com os filhos.

1. Choro

Choro de filho é algo que pressiona o botão vermelho muitas ve-


zes seguidas. Choro de filho tem o poder de nos levar a um universo
paralelo. Quem tem uma criança que chora muito, sabe bem o quão
desesperador isso pode ser. Porém, o choro é a principal maneira
de comunicação da criança pequena. Crianças choram para nos dar
diferentes avisos, desde que estão entediados, até que estão sentin-
do dor ou desconforto.

Choro também é uma maneira da criança se autorregular. Quan-


do uma criança de 3 anos se frustra, ela precisa encontrar um jeito
de lidar com essa frustração. E a principal forma de autorregulação
da criança é o choro. É possível ensinar nossos filhos outras ma-
neiras de autorregulação, conforme eles crescem: desde meditar,
até fazer um exercício físico, conversar sobre o que está sentindo,
fazer uma atividade sensorial… Mas este é um processo que leva
tempo. Não podemos esperar que crianças não chorem, quando
muitas vezes, nós adultos, também usamos o choro como autorre-
gulação.

E mais importante: precisamos entender que nem sempre é


nossa obrigação fazer alguma coisa em relação ao choro. Há situ-
ações em que podemos acolher, estar perto, mas não obrigatoria-
mente fazer algo a respeito.

Muitas vezes o choro é tratado como se fosse um “mãezíme-


tro”: se meu filho está chorando, eu não sou uma boa mãe.

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Dividindo experiências

Eu tenho uma filha que passou praticamente a metade de seu


primeiro ano de vida chorando. Isso, para mim, foi desesperador.
Porque onde eu ia com a minha filha, e ela tinha crises choro, as
pessoas ficavam tentando resolver e me dar dicas, procurando cau-
sas e soluções. E eu sabia que não era fome, não era cólica, não era
alergia, não era fralda suja. A impressão que dava é que estavam
todos, de um jeito ou de outro, me cobrando uma resolução para
o choro da minha filha. Desvincular o choro da criança do fato de
você ser uma boa mãe ou um bom pai é uma das coisas mais im-
portantes para evitar a irritação, para que aquele choro não fique
apertando o botão vermelho. É preciso compreender que está tudo
bem a criança chorar.

Quando minha filha chorava, eu ia para um universo paralelo e


sentia no meu corpo a sensação de estresse, a vontade de socar uma
parede e sair correndo. E, ao mesmo tempo, eu sentia a necessidade
de estar ali com ela. Eu não queria deixar a minha filha chorando no
berço e tocar meu dia. Mas eu precisava me desconectar do choro
sem me desconectar dela. Então, eu pegava minha filha no colo, ou
seja, eu a acolhia e, mentalmente, começava a cantas. Cantar me
distraía, me ajudava a pensar em outra coisa. Eu me desconectava
do desespero de ter que resolver o choro dela. E depois de cantar
uma canção mentalmente, eu conseguia estar ali para ela.

Existe muita confusão entre o que é fase - o que é normal do de-


senvolvimento infantil - e o que é comportamento definitivo - que a
criança vai levar para o resto da vida. O choro excessivo é uma fase

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normal do desenvolvimento da criança. Não se vê criança de 12 anos
chorando por tudo, como uma criança de 2 anos faz, por exemplo.

Colo é outro exemplo de uma situação-gatilho que é fase. Uma


criança de 2, 3 anos querer colo o tempo inteiro pode ser sufocan-
te. Mas lembrar que é realmente uma fase e que uma criança de 6
anos, por exemplo, raramente pede colo, ajuda a diminuir as rea-
ções de estresse.

2. Remoendo pensamentos

Remoer pensamentos é outro gatilho e tanto! Nos incomodamos


com a criança pedindo colo o tempo todo, chorando por qualquer
coisa, com as brigas entre os irmãos e ficamos remoendo interna-
mente as situações e a sensação de exaustão. É preciso atenção
para não ficar ruminando emoções mais desafiadoras, como a
raiva, a frustração e o nervosismo.

Dar uma pausa, filtrar os pensamentos, ajuda a liberar o peso.


Saber parar, lembrar que você tem o controle sobre os pensamen-
tos que decide focar, é o caminho para a leveza. Quando tiver uma
briga, por exemplo, afaste-se da situação-gatilho, cante uma músi-
ca, pense em outra coisa, dê uma pausa no pensamento que fica
ruminando em sua cabeça.

Precisamos estar atentas, também, a algo chamado de catas-


trofização, que é uma distorção cognitiva. Distorção cognitiva é
passar a enxergar a realidade através de um filtro construído pela
nossa mente. A catastrofização é um tipo de distorção cognitiva que

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faz com que um comportamento desencadeie toda uma linha de ra-
ciocínio que vai terminar com um final ruim. Por exemplo, a criança
quer colo o tempo todo e a linha de raciocínio que se desenvolve na
mente é: “essa criança vai ser muito dependente, se ela for muito
dependente, vai acabar indo mal na escola. Se ela for mal na escola,
não vai entrar em uma boa universidade. Se ela não entrar em uma
boa universidade, não vai conseguir encontrar um bom emprego,
não vai casar e assim por diante.” Um único episódio, uma situação
que faz parte do desenvolvimento normal de uma criança, que é o
“pedir colo” foi o suficiente para criar um cenário de um futuro ca-
tastrófico. É como criar pesos, preocupações que não existem, para
os nossos ombros carregarem. Pesos que nos roubam a leveza.

Pensamentos de catástrofes também são capazes de ativar o


nosso botãozinho vermelho. Imaginar um futuro catastrófico, remo-
er pensamento, é como apertar seu próprio botão. E é algo ainda
mais presente na vida de quem sofre de ansiedade. Ganhar cons-
ciência do que fazemos no piloto automático é importante para
frear a catastrofização. Quando você perceber que seus pensa-
mentos estão voando para longe, traga-os de volta para a realidade
e, assim, elimine pesos imaginários do seu dia a dia.

Brené Brown, palestrante e pesquisadora, diz que criamos ce-


nários catastróficos porque temos a falsa impressão de que, ao
pensarmos em desgraças, estamos nos preparando para elas. Só
que esta é uma falácia porque tais catástrofes muito provavelmente
nunca acontecerão e mesmo que aconteçam, geralmente não esta-
mos preparados para elas.

Meditar uma vez por dia é uma ferramenta eficaz para redu-

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zir a ansiedade e diminuir pensamentos que estão sempre soltos.
Meditar nos ajuda a ganhar mais consciência do momento presen-
te. Se você nunca meditou e faz parte do grupo de pessoas que
acredita que meditação não é para você, indicamos o livro “10%
Mais Feliz” de Dan Harris. É o livro ideal para quem quer começar a
aprender sobre meditação e não faz ideia como.

3. Expectativa de gratidão

Esperar gratidão dos nossos filhos é outro gatilho para o grito.


Nós temos a expectativa de que nossos filhos precisam ser gratos,
justamente porque sabemos dos benefícios da gratidão, da impor-
tância de valorizar o que temos. E também porque reconhecemos
que nossos filhos estão rodeados de privilégios. Nossos filhos têm
pais dedicados, têm um teto para morar, comida, acesso à educa-
ção. Sabendo de todos esses privilégios, costumamos exigir que
nossos filhos sejam naturalmente gratos pela vida que levam. Essa
exigência da gratidão se torna um peso enorme.

Dividindo experiências

Anos atrás, levei os meus filhos para a Disney World na Flórida.


De onde eu moro, na Califórnia, até Orlando é quase um voo inter-
nacional, são seis horas de viagem, fora o investimento financeiro.
Eu imaginava meus filhos entrando na Disney saltitando, dando pi-
ruetas, tomando sorvete em formato de Mickey, rindo à toa. Pois
bem, chegamos lá e eu não vou falar que meus filhos não gostaram
da Disney. Os meus filhos ODIARAM. O Dom perguntava, depois de
uma hora de passeio: “falta muito, mamãe, para gente ir embora”?

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Pobre criança teve pesadelos com a bruxa da “Pequena Sereia” por
meses. A Disney foi como uma tortura para os meus filhos. E claro
que eu queria um pouco de reconhecimento pelo esforço de enca-
rar avião, gastar dinheiro, e levar crianças pequenas para a Disney.
Mas isso não aconteceu.

Estou usando um exemplo grandioso que é a Disney, mas a exi-


gência da gratidão pode estar relacionada a uma situação corriquei-
ra em casa. A criança não quer comer e dizemos a ela que existem
pessoas passando fome, que não se deve reclamar da comida que
tem na mesa. Explicamos e exigimos que eles sejam gratos. Esse
pensamento, essa cobrança da gratidão, também ativa o nosso bo-
tãozinho vermelho e gera toda aquela onda de estresse, a vontade
de gritar com a criança porque, afinal, ela tem que ser grata!

Ser grato não condiz com o desenvolvimento normal do cére-


bro da criança. Nos primeiros cinco anos de vida, ela tem uma ten-
dência egoísta, por questão de sobrevivência. Diz-se que o cérebro
humano termina de amadurecer, de se desenvolver completamen-
te aos 24 anos. Mas queremos que nossos filhos com 7, 8, 10 anos
ou até mesmo adolescentes, que estão em pleno desenvolvimento
cerebral, entendam da gratidão. Na hora certa, se os pais forem
exemplo, eles vão aprender. Cabe a nós plantarmos a semente
da gratidão e regá-la durante a convivência com nossos filhos,
sem que haja cobranças.

Uma ferramenta importante para lidar com isso é trocar expec-


tativa por curiosidade. Quando programar um evento para seu filho,
como uma viagem, tenha curiosidade de ver como seu filho vai rea-
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gir, curiosidade de vê-lo vivenciando aquele momento. Ajustar a ex-
pectativa para esse olhar de curiosidade pode pegar uma situação
que terminaria em frustração, e fazê-la terminar em risadas.

Dividindo experiências

Nós estávamos há anos sem vir ao Brasil, sem ver minha mãe.
Então, eu criei a expectativa de que quando as crianças chegassem
ao Brasil eles vissem a praia de água transparente, reencontrassem
a avó e, entusiasmados, agradecessem. Criei a expectativa de que
uma viagem como essa, fosse capaz de evitar brigas entre eles. Nós
temos muito medo que nossos filhos sejam crianças que não sejam
gratas pelo momento. Mas a cabeça deles não pensa nisso ainda,
então a nossa expectativa acaba servindo como gatilho.

Eu estudo a ciência da felicidade, eu sei da importância da gra-


tidão. Acredito que as crianças devem ser gratas, mas tudo no seu
devido tempo. Meus filhos estão desenvolvendo a gratidão porque
nós praticamos em casa. Há três anos, nós temos o hábito de pensar
nas coisas boas, nas coisas pelas quais somos gratos.

No começo, cada um de nós listava as coisas boas, ruins e difíceis


do dia, após o jantar. As crianças começaram a trazer coisas que ge-
ralmente não pensariam, um novo olhar com um viés mais positivo.
Depois de um tempo nessa dinâmica, adicionamos a gratidão.

Existem aqueles momentos quando você pega o carro, dirige


por horas, paga o estacionamento de um museu, enfrenta trânsito
na volta e depois pergunta ao filho por qual momento do dia ele é

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grato e a criança responde que não se lembra, ou diz que é grata
pelo lanchinho que fez. Não é exatamente o tipo de gratidão que
esperamos, mas isso acontece muito e é normal.

O que não é normal é alimentar a expectativa de que as crianças


não vão brigar mais, porque, afinal de contas, você proporcionou a
elas uma experiencia incrível. Nós precisamos lidar com a frustra-
ção da expectativa de que eles vão parar e agradecer. Não permitir
que nossa frustração se manifeste em forma de grito, se transforme
em drama.

Nessa viagem ao Brasil, nos momentos em que eu esperava grati-


dão dos meus filhos, ela não veio. Mas, no momento em que eu menos
esperava, O Gael, meu caçula de 6 anos veio, olhando tudo ao seu
redor falou: “mamãe, eu acho que isso aqui é mesmo o paraíso, hein!”
Eu achei tão bonito porque veio dele mesmo, sem eu ficar incenti-
vando e cobrando que ele apreciasse. Às vezes achamos que todo
o trabalho que estamos fazendo para que nossos filhos aprendam a
apreciar a vida, a valorizar tudo aquilo que têm, é em vão, mas não é.

Geralmente é assim, quando baixamos a guarda, conseguimos


nos surpreender. Quando der vontade de cobrar gratidão dos filhos,
devemos lembrar que somos nós que criamos as expectativas e que
nossos filhos não são obrigados a atendê-las. Mas também não é
necessário deixar de planejar alguma coisa legal, uma viagem, por
exemplo. O segredo é planejar com o olhar de curiosidade e ao
mesmo tempo pensar em algo que faça sentido para você, planejar
um programa que você também goste. Sonhar com as nuvens man-
tendo os pés no chão. É não fazer um programa que não gosta, só
para - possivelmente - criar expectativas sobre a reação dos filhos.
Lembre-se do olhar de curiosidade!

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Se você e seus filhos têm gostos e preferências diferentes, a
comunicação vai ser necessária, para que vocês encontrem o meio
termo. Se em um fim de semana vocês fizeram um programa que
agrada um, no fim de semana seguinte, vai ser um programa que o
outro escolheu. É preciso encontrar meios de agradar todo mundo,
não necessariamente no mesmo dia. E, para isso, todo mundo tem
que aprender a ceder.

4. Ausência de regras e limites

Esta é uma dica que pode parecer óbvia, mas muitas vezes não
é. Tenha regras em casa.

Eu te convido a refletir: se alguém perguntar para o seu filho


quais são as regras da sua casa, ele saberá responder? Se ele sou-
ber, ele saberá responder o que acontece quando uma regra da sua
casa é quebrada? Em nossa maternidade contemporânea, princi-
palmente por causa do excesso de informação - encontradas na in-
ternet e até nos perfis de Instagram que acompanhamos, nos livros
que lemos, nos sites que acessamos -, muitas vezes nos sentimos
perdidas, sem saber como agir diante de determinadas situações.

Dividindo experiências

Uma vez quando o Dom, meu segundo filho, era pequenininho


e estava tendo um comportamento que eu não aprovava, olhei nos
olhos dele e expliquei que ele não podia fazer aquilo, expliquei o

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porquê dele não poder fazer aquilo, mas ele continuou fazendo. En-
tão eu disse: “Dom, se você não parar, você vai ver o que vai aconte-
cer”. Ele continuou fazendo. Falei pela segunda vez e ele continuou
a fazer. Ele fazia e eu repetia: “Se você continuar, você vai ver o que
vai acontecer.” E então eu pensei, “o que é que vai acontecer? Ele
não parou e eu não sabia o que ia acontecer. No fundo, nós não te-
mos o hábito de estipular as regras e consequências da nossa casa.

Existem regras em todos os estabelecimentos, todos os luga-


res do mundo, da escola ao local de trabalho, do trânsito aos res-
taurantes. Regras de convivência são parte importante do viver
em sociedade. Portanto, é necessário construir regras na nossa
casa também. No cotidiano, repetimos várias coisas para os nossos
filhos: não pode deixar toalha jogada, não pode deixar o prato na
mesa depois de comer, não pode colocar o pé sujo no sofá, etc. Mas
repetimos de forma solta, no meio de várias outras informações que
falamos ao longo do dia. Nem sempre paramos para estipular as re-
gras da nossa casa e eles acabam não se atentando para elas. Esse,
inclusive, é um dos motivos pelos quais precisamos repetir a mesma
coisa exaustivamente.

Sente-se sozinha, com o parceiro ou parceira, com quem ajuda


na criação dos filhos - e escreva as regras da casa. Se a idade
permitir, a criança também pode ser envolvida no processo de ela-
boração. Se não for este o caso, as regras podem ser apresentadas
em outro momento em que a família esteja toda reunida.

Para estipular as regras, é importante ter expectativas reais -


não adianta criar a regra de nunca mais colocar o pé no sofá. Tam-
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bém vale lembrar que não adianta criar uma lista enorme de regras,
regras em excesso. Escolham as regras principais, que vão servir
para guiar o cotidiano de vocês. E, por fim, coloquem as regras em
um lugar onde toda a família circula, aos olhos de todos da casa,
como na porta da geladeira, por exemplo.

E mais importante: saiba o que vai acontecer quando essas re-


gras forem quebradas. Cada família tem um estilo de criação. É pos-
sível que as consequências que uma família está disposta a adotar
em casa, não sejam as mesmas que outra família está disposta a
utilizar e vice-versa. Mas é necessário haver regras e consequên-
cias. Sejam quais forem as consequências que funcionem na casa
de cada um.

Nossos filhos, também têm o botãozinho vermelho deles. E o


radar que detecta se há algo de errado, e que desencadeia as rea-
ções de estresse no nosso corpo, é ainda mais aguçado nas crian-
ças. Quando elas sentem que os pais estão perdidos, quando há
confusão sobre as regras, as crianças também entram em estado
de alerta pois não se sente em segurança.

Não é nossa intenção dar sugestões de consequências para re-


gras descumpridas, essa é uma escolha pessoal, que diz respeito
somente à sua família. Pesquise sobre métodos de educação, reflita
sobre o que é prioridade na sua casa, elimine todas as informações
que não se encaixam naquilo que você acredita, e tome a decisão
sobre o que serve para vocês no momento. As regras da casa são
adaptáveis. Pode ser que uma regra que faz sentido hoje, não faça
mais dentro de cinco anos. Uma regra que não foi incluída agora,
pode ser necessária dentro de um mês. O mesmo acontece em re-
lação às consequências.

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5. Briga entre irmãos

Quem tem mais de um filho em casa, sabe que briga entre ir-
mãos é algo corriqueiro. É normal, é esperado e é saudável que ir-
mãos briguem, por tudo e qualquer coisa: porque um está olhando
para o outro, por causa da peça de lego, por causa do número de
cubos de gelo dentro do copo d’água, por causa da cor do prato. As
brigas acontecem em casa, no carro, na rua, na chuva, na fazenda,
você estando de férias no Havaí ou em Santa Catarina porque é o
que irmãos fazem. Irmãos brincam, faz parte do pacote.

Quando as brigas acontecem, muitas vezes pensamos que esta-


mos fazendo alguma coisa errada. Há quem diga que quando irmãos
brigam é porque falta atenção individual. Em alguns casos pode até
ser que eles precisem de mais atenção, de um tempo a sós conos-
co, de mais conexão. Mas eles vão brigar, mesmo você cumprindo a
cartilha da boa maternidade.

Imagine essa situação: você está em casa e alguém chega com


um ser humano e diz “Fulana, essa aqui é a Maria. A partir de hoje a
Maria estará com você sempre: você vai dormir com a Maria, jantar,
andar de carro, brincar com a Maria, você vai estar com a Maria o
tempo todo. Mas você não pode brigar com a Maria”. Ter um irmão,
quando se é criança é mais ou menos assim. Irmão é como uma
sombra, uma “Maria” na vida da gente. É maravilhoso ter com quem
dividir os momentos de alegria, ter uma companhia. Mas, ter um es-
paço para si é uma necessidade tanto de adultos como de crianças
que têm irmãos.

É normal haver conflito quando se tem alguém - que ainda por


cima não se escolheu - por perto o tempo inteiro. Parceiro(a), ami-
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gos, nós podemos escolher. Irmão é aquela pessoa com quem a
criança vai ter que conviver para o resto da vida e que chega re-
pentina e arbitrariamente. Certamente, esperamos que os nossos
filhos construam uma relação de amor e amizade com os irmãos.
Mas esperar que essa relação seja livre de briga, é uma expectativa
irreal. Quando seus filhos brigarem, pense em como se sentiria se
colocassem uma “Maria” em sua vida, não leve para o lado pessoal.
Seus filhos não estão brigando porque você não é uma boa mãe, ou
porque está fazendo alguma coisa errada.

Para lidar com a briga entre irmãos, não queira mediar as rela-
ções o tempo todo. É importante que eles construam relações
genuínas, que aprendam a encontrar soluções para seus con-
flitos. Nosso papel não deve ser de mediador, de juízes em todas
as ocasiões. Pergunte às crianças quais sugestões elas têm para
resolver uma disputa. Incentive o diálogo, a busca conjunta por so-
luções, sem que você se coloque na posição de juíza. Isso também
ajuda a parar com os gritos. Assumir a posição de mediadora, sem
acompanhar o conflito desde o início, pode acabar gerando injusti-
ças com um ou outro, sem querer. É importante que eles encontrem
os próprios caminhos para a resolução das brigas. E a intromissão
pode gerar nervosismo e permitir que o grito escape.

6. Querer ensinar a lição quando os ânimos estão


alterados

O último gatilho dessa nossa primeira categoria - gatilhos ligados


aos comportamentos das crianças - é sobre não ensinar a lição na
hora do estresse. Se o seu filho teve um comportamento que não foi
adequado e você está vendo que o grito já está na garganta, que seu
botão já foi apertado, não tente ensinar a lição naquele momento por-

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que este é um peso enorme. Crianças são seres inteiros, pensantes e
extremamente capazes. Criança não é como o cachorro, que se você
não ensinar na hora, vai esquecer e não vai aprender nunca mais.

A criança teve uma atitude que não agradou e que já teve outras
vezes, e com isso você sentiu vontade de gritar? Primeiro, explique
porque o comportamento é errado, mas não remoa a emoção para
não apertar o botão vermelho novamente. Por exemplo, ao dizer
“você não pode bater no seu irmão”, tente não emendar “toda vez
é a mesma coisa, vocês não podem brincar juntos que vem briga,
é sempre assim!” Ao fazer isso, você entra em um redemoinho de
remoer a reviver sentimentos.

A criança aprende muito mais quando dialogamos com calma


do que quando gritamos. Portanto, se alguma coisa está incomo-
dando e o grito está subindo, espere. Pause o comportamento na-
quele momento e deixe para ensinar a lição depois. Em um outro
momento, quando tanto você quanto a criança estiverem calmas,
você relembra a situação e conversa com ela sobre o porquê o que
aconteceu foi errado. É muito mais provável que a criança escute e
que entenda a mensagem que você quer passar.

Dividindo experiências

No início do ano, estávamos de férias no Brasil e fizemos um


passeio para a Ilha do Mel, uma ilha linda que fica perto de Curitiba.
A volta desse passeio foi um caos. Chovia muito, estava frio, ventan-
do, pegamos um barco para voltar e foi caótico. Quando entramos
no carro, todos os meus filhos menores começaram a chorar ao

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mesmo tempo. Estava todo mundo molhado, meu marido pagando
o estacionamento e as crianças gritando e reclamando que queriam
trocar de roupa. E pensei: “eu vou esperar, não vou falar muita coi-
sa” porque o grito já estava na garganta. Foquei na minha respira-
ção e só repetia para eles: “o papai vai dirigir até um lugar coberto
e nós vamos trocar de roupa”.

O meu marido começou a dirigir e a criançada berrando. E,


dentro de um carro, você não tem para onde fugir. É mais uma si-
tuação em que eu começo a cantar música para me desconectar,
me desvincular dos gritos. Eu repetia no piloto automático: “o papai
vai parar o carro em um posto de gasolina, em um lugar coberto
(chovia muito), nós vamos descer e vamos trocar de roupa”. E eles
continuavam gritando. Gritaram até o meu marido conseguir parar
o carro. Foi choro durante o processo inteiro, até mesmo enquanto
nós trocávamos as roupas deles.

Trocamos os três, eles se acalmaram e seguimos viagem. Cerca


de meia hora depois, quando estávamos todos bem tranquilos, já
conversando, papeando, eu resolvi falar sobre o que tinha aconte-
cido. Eu disse: “Meus amores, vocês lembram que agora há pouco
estava todo mundo molhado, desesperado, gritando e que a ma-
mãe estava falando para vocês, que o papai ia dirigir e parar em um
lugar coberto para gente trocar de roupa? Não foi exatamente isso
que a gente fez? A gente não parou em um lugar coberto, trocou
de roupa e está todo mundo agora vestido, feliz e quentinho?” Eles
ouviam e concordavam. Continuei: “então, quando a mamãe está
falando e vocês estão gritando e chorando, não ajuda. A gente não
vai chegar no lugar coberto mais rápido, a chuva não vai parar mais
rápido, e os gritos deixam todos nós mais nervosos. Vocês gritan-
do, a mamãe fica com vontade de gritar, fica esse caos no carro.

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Se você entenderem que a mamãe está falando a verdade, que a
gente vai chegar em um lugar coberto e trocar de roupa, fica mais
fácil”. Isso foi tão impactante para eles, que agora, quando aconte-
ce algum cenário assim, um deles relembra “ah, é igual à história do
posto de gasolina, não é, mamãe?”

Os gatilhos que vêm de nós mesmas

Nós falamos sobre as ferramentas que podem nos ajudar a lidar


com as situações-gatilho disparadas pelas crianças. Não necessa-
riamente sobre mudar nossos filhos, mas mudar as situações, me-
lhorar as dinâmicas do dia a dia. Agora, vamos falar sobre os gati-
lhos que vêm de nós mesmas.

Existem situações em que o que aperta nosso botão não é algo


que vem do comportamento da criança. Pode ser que, em um dia
cheio de problemas, alguns comportamentos do seu filho que ge-
ralmente não a incomodam, passem a incomodar. E não é porque a
criança está apertando o seu botão, é porque o seu botão aumen-
tou de tamanho. Então o seu botãozinho que era do tamanho de um
confeito M&M, agora está do tamanho de uma bola de tênis. E o que
acontece é que ele fica muito mais sensível e, como os antigos di-
zem, você fica com os nervos à flor da pele, seu botão está enorme.
E então, qualquer coisa que a criança faça, sem querer, ela esbarra
no botão. Nossa intenção é usar ferramentas para voltar a deixar o
botão pequenininho novamente. E são essas ferramentas que va-
mos trabalhar agora.

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1. Maternar para platéia

A primeira delas, que fizemos questão de colocar em primeiro


lugar é: deixar de querer maternar ou paternar para a plateia e
não para os nossos filhos. Isso acontece quando nós estamos pre-
ocupadas em agradar figurantes, em vez de cumprir nosso papel de
pai e mãe.

Dividindo experiências

Vou dar um exemplo que vivi recentemente. Nós estávamos na


praia com um grupo de amigos brasileiros que fizemos por aqui.
Estávamos sentados meio próximos na areia e o meu filho, o Dom,
chegou para me contar algo, falando alto na frente de todo mundo.
Ele chegou e disse: “mamãe, ‘fudeu’ não sei o que, não sei o que
mais.” Este não é um linguajar que meu filho usa, eu nunca o vi fa-
lando essa palavra. Eu arregalei o olho e falei “o que você falou?”
E ele repetiu com a maior inocência dos seus 6 anos. E então, todo
mundo que estava ao redor arregalou os olhos. E eu falei: “Dom,
essa palavra não é legal, não é uma palavra qua devemos usar”.

Neste grupo tinha um pai com seu filho que na mesma hora
falou, na frente de todo mundo,: “Fulaninho, você que não repita
porque na nossa casa, isso é inadmissível, eu lavo a sua boca com
sabão”. Naquele momento, eu me senti pressionada a ser mais dura
com meu filho, depois de ouvir “na nossa casa isso é inadmissível”.
Eu fiquei um pouco confusa, eu não consegui agir.

É muito comum nós sentirmos essa pressão e gritarmos, sermos

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mais firmes do que geralmente seríamos. Eu não esperava aquele
palavrão e não esperava o comentário desse outro pai. E então eu
pensei, “espera, deixa eu voltar para realidade, eu sou mãe do meu
filho, eu não tenho nada a ver com esses amigos. Eu gosto de todos
eles, mas a minha responsabilidade é ser mãe dessa criança aqui”.
Eu sabia que meu filho estava falando aquilo com a maior inocência
do mundo, que não sabia o que estava falando, tanto que repetiu
quando perguntei. Eu não preciso ser mais dura. Eu simplesmente
falei: “Dom, não fale mais, essa palavra não é legal, depois a mamãe
conversa com você”. E deixei passar. Mas muitas vezes, principal-
mente no meu primeiro filho, eu caí nessa cilada de ser mais dura
por estar diante de uma plateia.

Às vezes a criança está tendo um comportamento que no fundo,


nós sabemos que é sono, que é fome, nós conhecemos os nossos
filhos. E mesmo assim, nos sentimos pressionadas a gritar, ou seja,
a perder o controle. Ironicamente, precisamos perder o controle
para mostrar para a plateia que temos o controle sobre nosso filho.
Não faz sentido algum, mas é algo que fazemos quando estamos no
shopping, no supermercado, na casa de um familiar, e alguém olha
e espera uma atitude nossa.

Outro exemplo: meu filho mais novo tem um comportamento


pelo qual eu não passei com nenhum dos outros. Quando ele está
com raiva de qualquer coisa, a reação dele é tentar me bater. Se
alguém briga com ele, se o brinquedo quebrou, ele vem para cima
de mim, pronto para me bater. Eu não encosto a mão no meu filho,
então não dá para dizer que ele aprendeu esse comportamento em
casa. Eu sei que é ele não sabendo lidar com a raiva, uma criança que
até poucos dias não tinha 3 anos completos. E quando alguém de fora
vê meu filho me batendo, você pode imaginam o olhar das pessoas.

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Eu não deixo ele me bater, obviamente. Eu seguro a mãozinha dele e
falo: “a mamãe não vai deixar você bater. Eu sei que você está com
raiva, eu ajudo você, mas você não pode me bater”. Mas o olhar das
pessoas em volta vêm com o julgamento: “meu Deus, ela vai deixar
essa criança bater nela?” Minha sogra, mesmo, às vezes falava: “Rafa,
você não pode deixar ele tentar te bater”, em um tom que eu sei que
ela esperava que eu tivesse uma atitude mais firme. Mas eu conhe-
ço meu filho, sei que ele é um menino doce e que só faz isso porque
ainda não sabe lidar com a raiva, sei que ele não quer me machucar.
Eu não deixo e não vou deixar ele me bater, só não preciso perder a
cabeça, bater de volta ou sabe-se lá o que as pessoas esperam.

Portanto não materne para a plateia, seja mãe dos seus filhos.
Não ceda a essa pressão, aos comentários alheios. Não há nada de
errado em pensar “que bom, na sua casa você lava a boca do seu
filho com sabão, na minha casa, com meu filho, eu vou conversar
com ele depois”. Não queira provar para os outros que você é uma
boa mãe, se descontrolando para mostrar que tem o controle.

Uma boa dica é pensar qual seria sua reação, o que você fa-
ria se ninguém estivesse olhando. No modo automático de viver,
nós costumamos não perceber que gritamos com a criança porque
queremos impressionar alguém. Havendo consciência de que essa
questão existe, fica mais fácil evitar este comportamento.

2. Multitasking / A mãe polvo

Querer fazer mil coisas ao mesmo tempo, o chamado multi-


tasking (ser multitarefas, em tradução livre) é outra coisa que deixa

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o nosso botão ficar enorme. Muito se diz sobre a mãe polvo, que
consegue fazer mil coisas ao mesmo tempo, da mãe que tem um
olho aqui e o outro lá. Mas não fomos feitas para multitask, ninguém
foi feito para fazer bem duas tarefas ao mesmo tempo. O que faze-
mos, na verdade, é pausar uma tarefa e começar outra.

Existem situações em que nós estamos no piloto automático.


Por exemplo, é possível amarrar o cadarço do tênis e conversar
com alguém ao mesmo tempo. Porque amarrar o cadarço do tênis,
ou escovar os dentes, servir um copo de água, são tarefas que seu
cérebro já automatizou. Mas multitask mesmo, conseguir prestar
atenção em duas coisa, é uma falácia.

A tentativa de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo é


muito comum quando estamos usando o celular, ou computador.
Você está super entretida, lendo um artigo, respondendo e-mail,
ou está no Instagram, resolvendo coisas de trabalho e a criança
chega. Quando estamos concentradas em uma atividade e a crian-
ça vem pedindo a nossa atenção, fazendo uma pergunta, o nosso
botão cresce. Então, falamos para criança, sem nem olhar para ela:
“espera, a mamãe já responde, preciso de cinco minutos”. E a crian-
ça, obviamente, vai voltar daqui a cinco minutos, ou nem vai sair do
seu lado, esperando. É nessa hora que o grito vem na garganta.

Nossa sugestão para lidar com essa situação é, primeiro, enten-


der que quase tudo na vida pode ser colocado em pausa por alguns
minutos. A vontade que dá é de não parar de escrever aquele e-mail
porque você já está quase terminando, mas pare. Porque se você
não pausar para dar atenção para essa criança - e não é sentar para
brincar com a criança no chão, mas olhar no olho dela e explicar o
que está acontecendo - a criança vai continuar ali. E a cada minuto

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que ela ficar ali, esperando sua atenção e sua resposta, seu botão
vai sendo apertado e seu grito vai subindo. Sendo que você pode-
ria resolver a situação parando para atender à necessidade de seu
filho ou para dar a ele um marco de tempo: “filho você vai assistir
três episódios do desenho na TV e então a mamãe vai ter termina-
do aqui”. Conforme eles vão crescendo, os marcos de tempo vão
ficando mais palpáveis e você pode dizer, por exemplo: “depois do
almoço eu brinco com você”.

Quando você divide a atenção entre responder o e-mail e aten-


der a criança, seu cérebro libera cortisol, o hormônio do estresse. E
é natural que o seu botão vai crescer e o seu grito vai subir. Então,
lembre-se que quase tudo na vida pode ser pausado.

Evite, também, usar o celular em momentos mais críticos. Há


vários momentos do dia que já são naturalmente mais estressantes
na vida de quem tem filhos. Nesses momentos, incluir o fator ce-
lular no meio, é grito na certa! Nessas horas, coloque o celular na
gaveta, esconda a tentação. Existem vários estudos mostrando* que
se o celular está perto, a chance de pegá-lo é muito alta! Manter o
celular longe e identificar as situações do dia que são mais estres-
santes ajudam na tentativa de facilitar esses momentos.

Por exemplo, se você sabe que pela manhã, enquanto tenta pre-
parar o café da manhã, acontece uma guerra para escolher a roupa
dos seus filhos, busque estratégias para facilitar sua vida e evitar o
multitasking. Temos o costume de viver no piloto automático, nós
sabemos que temos um problema - toda manhã é estressante, por
exemplo - mas não fazemos nada para mudar. Acabamos sendo en-

* Livro Tela com cautela

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golidas pela rotina, de modo que passamos a acreditar que é assim
mesmo, que não tem alternativa, não tem solução.

Muitas vezes, um mínimo de planejamento e de mudança de


atitude já é suficiente para acalmar a correria da manhã. Se o
problema é a criança que não consegue decidir a roupa, peça para
que ela escolha a roupa na noite anterior. Se o problema é o fardo
de preparar o café da manhã, procurar refeições mais práticas pode
facilitar. O mesmo vale para hora do jantar, do banho. Saia do modo
automático e encontre alternativas que funcionem para sua família.

Se preparar as refeições for um peso enorme, um gati-


lho na sua vida, busque meios para facilitar esse momento. Por-
que de nada adianta o seu filho estar com o prato todo colorido,
com uma alimentação impecável e ter uma mãe gritando o tem-
po todo. Precisamos encontrar o meio termo entre uma alimenta-
ção adequada e uma mãe e um pai não tão estressados. O jantar
pode ser uma comida congelada, pode ser um lanche, ou alguma
outra coisa em nome da sua sanidade mental.

Temos o desejo (inalcançável) de preencher corretamente toda


a cartilha da boa maternidade - e falaremos mais sobre isso, adian-
te. Mas preencher todas as questões tem um preço que é acabar
gritando o tempo todo, no mínimo. Sem falar das consequências
para nossa saúde física e mental. Portanto, precisamos ficar atentas
para sair do piloto automático, procurar um caminho de equilíbrio,
evitar o multitasking. Lembrar de sair do celular e dar a atenção
para a criança quando ela pedir.

A lista do sim

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Esta é outra ferramenta interessante para evitar os gritos. É
mostrar para os filhos que você também sente vontade de gritar,
falar com eles sobre as emoções de raiva, frustração, ansiedade e
ensinar a eles um comportamento mais saudável para ter diante
desse excesso de emoções. Como dissemos no começo, a maioria
das ameaças que nossos ancestrais sofriam eram físicas e as rea-
ções que seus corpos tinham, também. Nosso corpo reage fisica-
mente até hoje.

Inevitavelmente, vamos passar por momentos em que só respi-


rar, meditar, repetir mantra, não vai resolver. Às vezes nós preci-
samos encontrar uma maneira de descarregar fisicamente nossas
emoções. É permitido, por exemplo, socar um travesseiro quando
você estiver sentindo muita raiva. Não é à toa que muitas pessoas
se matriculam em aulas de artes marciais, como kickboxing, e rela-
tam que a qualidade de vida melhorou. Outras pessoas praticam a
corrida, ou outros exercícios físicos, para liberar a adrenalina e se
cobrir de endorfina.

Nossa sugestão é fazer uma lista do sim, dos comportamentos


que são adequados e permitidos para lidar com as emoções.
Você ensina seus filhos novas ferramentas, ao mesmo tempo em
que sabe como agir. Se seu filho estiver no quarto enquanto você
está socando o travesseiro ou respirando, ou cantando uma mú-
sica, ele vai saber que você está tentando se autorregular. É um
exemplo que podemos dar para os nossos filhos. Mostramos nossa
humanidade quando eles sabem que quando sentimos muita raiva,
também podemos ter algumas reações físicas. A lista do sim pode
estar junto com as regras da casa, na geladeira. Assim toda a família
sabe de que maneira é permitido e razoável reagir em determina-
das situações.

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Dividindo experiências

Quando trabalhamos com a criança na lista do sim, podemos


nos surpreender. Podemos ver nossos filhos buscando alguma ma-
neira de se autorregular. Eu sei porque já encontrei diversas vezes
meu filho de 6 anos respirando para se acalmar. Recentemente ele
estava jogando bola na praia com um amigo e os dois trombaram, o
Dom caiu e chorou bastante porque estava sentindo dor. Eu estava
abraçada a ele e consegui sentir e ouvi-lo respirando fundo, tentan-
do se autorregular. É sempre que acontece? Não. Mas é uma vitória
vê-lo tentando se autorregular por meio da respiração em uma situ-
ação de estresse. É sinal de que ele está absorvendo um pouco do
que estamos tentando ensinar.

3. Falta de parceria / Sobrecarga / Excesso de controle

Este é outro gatilho enorme na maternidade: falta de parceria.


Quando somos jovens, consideramos que parceria é viajar juntos,
ir à praia, ao cinema, tomar cerveja, estar junto o tempo todo. Essa
é a definição de parceria em um relacionamento amoroso quando
não temos filhos, boletos para pagar, nem tantos outros desafios na
vida. No entanto, quando vivemos sob o mesmo teto, quando esta-
mos criando seres humanos juntos, parceria não é simplesmente to-
mar cerveja à beira mar. Ser parceiro para tomar cerveja na praia, é
uma delícia. Mas nós queremos também a parceria para as coisas
que vêm nesse pacote de vida e responsabilidades a dois e que
não são gostosinhas.

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Nós fomos enganadas. Toda letra de música e poesia romântica
diz que o nosso amor saberá o caminho para o nosso coração, sa-
berá nos agradar. É como se nosso amor tivesse uma bola de cristal
que permite que ele saiba tudo o que precisamos, queremos, de-
sejamos. Só que a vida não é assim, e quando os filhos chegam, a
situação se agrava ainda mais.

Nós não aprendemos na escola e pouquíssimas de nós fomos


ensinadas em casa a nos comunicar de maneira produtiva, não vio-
lenta, adequada, a ter conversas que realmente construam e não
destruam. Nós precisamos aprender, que parcerias são construí-
das, não é algo dado. E a regra número um para construir uma par-
ceria é: não espere o que você não comunica. Não é que os filhos
vão nascer e o casal saberá como agir, como ajudar um ao outro.
O nosso amor não saberá o caminho para o nosso coração se não
dermos as instruções e vice-versa. Comunicação é a chave para
construir a tão desejada parceria no casal.

Nós conhecemos nossos parceiros/parceiras como marido/espo-


sa, não os conhecemos ainda como pai/mãe. A experiência de ser pai
e mãe é nova para os dois, não existiu ensaio, a criança nasceu e de
repente somos pais e mães e tocamos o barco. Os dois estão apren-
dendo e conflitos são resolvidos com conversa, não deixando de fa-
lar. É muito comum, principalmente nós mulheres, termos preguiça
de falar. Se estamos bravas, ficamos quietas e o parceiro questiona
o que há de errado e dizemos que não é nada - quando na verdade
tem muita coisa acontecendo internamente. Precisamos ter o hábito
da comunicação, precisamos ajustar a dinâmica entre parceiros e
colocar para fora o que está se passando em nossas cabeças.

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Imagine a seguinte situação: sua família está prestes a sair
para uma viagem de carro. Na noite anterior, você está pensando
em tudo o que precisa fazer para sair no dia seguinte: terminar de
arrumar as malas, colocar garrafas de água na geladeira para as
crianças, separar os lanchinhos. Faz também, mentalmente, a pro-
gramação do dia seguinte: “vamos sair de casa às 10h, vamos parar
em tal posto de gasolina para fazer um lanche ao meio-dia. Esse
horário bate com a soneca da Fulana, que vai conseguir dormir na
viagem. Vamos chegar na hora do jantar e já vou levar a comida con-
gelada…”. Você tem toda a programação já definida na sua cabeça,
mas o que você diz ao parceiro é “esteja em casa às 10h, vamos sair
neste horário”. Essa é a única informação que você dá a ele.

No dia seguinte, ele sai para resolver algo de manhã cedo, acon-
tece um imprevisto e ele chega em casa às 11h. Toda aquela progra-
mação que você havia feito, foi por água abaixo. Você pensa que
já não vai dar para parar no posto, vai atrasar a soneca, etc. E sua
frustração sai em forma de gritos e acusações: “você não é parcei-
ro, não se importa com nada…”

Não queremos defender ninguém, nas muitas vezes o outro lado


não tem a menor noção de toda essa programação que você fez
porque você não comunicou nada além de “esteja aqui às 10h”. Não
houve compartilhamento, conversa e, enquanto não houver diálo-
go, o outro não vai entender a importância de estar em casa às 10h.

Agora imaginemos um cenário diferente. Você se senta com seu


parceiro ou parceira para conversar sobre a viagem. “Amor, estava
pensando aqui sobre a nossa viagem amanhã. Pense comigo, se a
gente sai em tal horário, coincide com a soneca e vai ser melhor
com as crianças dormindo, o que você acha?” A outra pessoa en-

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tende que você está fazendo o planejamento pensando na soneca e
pode dar sugestões. Vocês passam a trocar ideias, planejar juntos.
O outro consegue entender a importância do que você está plane-
jando. Até porque ele ou ela também não quer uma criança choran-
do no carro, quer um esquema que seja interessante para a família
toda. Mas se não colocamos a outra pessoa para participar, ela não
entende o peso que isso tem.

Nós precisamos tratar nossos parceiros e parceiras como pesso-


as pensantes, com opiniões válidas, que podem e DEVEM participar
desse tipo de programação. Compartilhar o planejamento, achar so-
luções juntos, dividir a carga mental é o que precisamos na constru-
ção da parceria e isso só acontece com uma comunicação efetiva.

Existem várias formas de se comunicar. Você pode tentar cons-


truir essa parceria no grito ou você pode usar da comunicação não
violenta. Comunicação violenta é quando começamos uma conver-
sa atacando o outro, “você só quer aproveitar a viagem, arrumar
as malas que é bom, você não quer!” Agindo assim, a pessoa entra
na conversa na retaguarda, no modo defesa porque está sendo ata-
cada. É por isso que o modelo de comunicação não violenta abre
diálogos de uma forma muito mais produtiva e construtiva.

A comunicação não violenta diz que ao conversarmos com


os outros, nós precisamos falar como nos sentimos, quando e por
quê nos sentimos dessa maneira, e o que o outro pode fazer para
nos ajudar, usando a seguinte fórmula: “Eu me sinto… (sentimento),
quando… (situação que em que você experiencia tal sentimento)
porque… (justificativa). Eu preciso que você (…)”. Por exemplo: “Eu
me sinto frustada quando planejamos juntos uma viagem e a pro-
gramação vai por água abaixo porque planejamento é algo impor-

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tante para mim. O que eu preciso é que você se comprometa mais
com o que nós programamos”. Se conseguirmos usar estes quatro
elementos (eu me sinto, quando, porque, eu preciso) em todas as
conversas em vez de partir para o xingamento, a comunicação fica
muito mais clara, tem maiores chances de funcionar.

É importante, porém, ter cuidado para não usar os elementos


da comunicação não violenta para dar ordens ao outro. Os diálogos
devem servir para a construção da parceira, evitando o tom
acusatório. Quando o diálogo começa em tom de acusação, é mui-
to provável que e outro não escute e não se coloque disponível para
resolver o problema.

Outra ferramenta muito importante para a construção de par-


ceria é: dividir áreas da vida.

Dividindo experiências

Em casa, meu marido é responsável pelas atividades extracur-


riculares dos meus filhos. Se vamos para a praia, eu não sei e nem
quero saber se as pranchas das crianças estão no carro, se precisa
comprar parafina, se as roupas de borracha estão em ordem. Outra
responsabilidade que não é minha é lavar roupa. Eu não sei nem se
está faltando sabão em pó para a máquina, até porque as compras
de supermercado também são responsabilidade dele. Existem ou-
tras áreas da vida que são responsabilidade minha. O homeschool
das crianças, cozinhar é minha responsabilidade. Temos essas áreas
da vida divididas, então fica muito mais claro e mais fácil essa dinâ-
mica de parceria.

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Mas dividir as áreas da vida requer que permitamos que o outro
erre. Então, pode ser que, por exemplo, minha filha tenha um ani-
versário de uma amiga para ir e no dia da festa, o vestido que ela
iria usar não esteja lavado. E tudo bem porque eu também vou er-
rar. Pode ser que um dia eu deveria ter feito a lição do homeschool,
mas eu tive um compromisso e não consegui fazer.

Ninguém nasce sabendo como fazer tudo, nós aprendemos no


fazer. Precisamos deixar que nossos parceiros(as) assumam respon-
sabilidades e sejam falhos, como todos nós somos. E é por isso que
dividir as áreas da vida esbarra na necessidade de controle.

Qual é o preço que pagamos pela necessidade de contro-


le? Além de uma sobrecarga absurda, a necessidade de controle
também rouba dos nossos parceiros(as) a possibilidade de construir
uma relação genuína e única com os próprios filhos. Se seu filho
vai ficar com seu parceiro(a) para que você, por exemplo, faça um
curso e você dá um script de como deve ser o dia deles, você não
está dando chance parar que eles construam um relacionamento
genuíno. A relação que estabelecemos com nossos filhos se dá por
meio de nossas experiências, da nossa convivência com eles.

A relação que um filho vai ter com a mãe e com o pai não vai
ser a mesma porque somos seres humanos diferentes. Não existe
relacionamento igual, amizade igual, amor igual. Devemos aprender
a deixar que nossos parceiros(as) tenham uma relação diferente da
nossa, com nossos filhos. É essa diferença entre as relações, que
fará com que eles fiquem confortáveis para discutir determinadas
questões com um ou com outro. E isso é ótimo.
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Quanto menos chance damos a esse outro lado de se conectar
com a criança, mais superficial fica essa conexão e menos parceria
vai existir porque o outro vai apenas seguir o script que você deu.
E, na ausência desse roteiro, o outro não vai saber como agir. Você
pode pensar, “ah, mas meu parceiro não sabe os detalhes do pedia-
tra”. Deixe-o levar a criança no pediatra para saber como é o acom-
panhamento, qual o antibiótico tem que tomar, livre-se da vontade
de controlar tudo. Foi assim que você aprendeu, levando ao pedia-
tra, ele também pode aprender. Nós sabotamos o relacionamento
alheio, inconscientemente, o que acarreta em sobrecarga, falta de
comunicação.

Talvez você esteja pensando que já tentou conversar e não


adiantou. Será mesmo que tentou? É preciso abrir um canal de diá-
logo, não podemos nos apoiar apenas em conversas soltas que vão
se perdendo no turbilhão da rotina. Não se constrói parceria jogan-
do frases soltas em momentos aleatórios do dia. É sentando para
conversar, usando o modelo de comunicação não violenta, e só se
levantar quando encontrarem juntos uma solução. Isso vale para a
viagem que estão programando, para as pequenas tarefas do dia a
dia, para todas as questões que afetam a vida conjugal e familiar.

É muito comum que a sobrecarga e a necessidade de controle


esteja associada à necessidade de reconhecimento. Muitas vezes
temos a sensação de que estamos fazendo tudo e ninguém está
reconhecendo nosso esforço. Isso é mais comum ainda quando um
dos parceiros está se dedicando exclusivamente aos filhos, fora do
mercado de trabalho. Quem está em casa pensa “estou aqui, cozi-
nhando três refeições, limpando a casa, cuidando da criança, levan-
do para o passeio, brincando e ninguém está vendo”.

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É um serviço muito solitário, estar em casa, ninguém vê que a
fralda vazou de manhã, que o feijão queimou, que a criança derru-
bou e espalhou o pó de café pela casa, ninguém vê nada. Portanto,
precisamos reconhecer quando chegamos ao nosso limite. Quanto
mais perto chegamos do limite e não conseguimos verbalizar, mais
a necessidade de reconhecimento cresce.

Se você se enxerga nessa necessidade de reconhecimento, que-


remos indicar um livro que se chama “As Cinco Linguagens do Amor”
de Gary Chapman, que fala de como você gosta de receber amor.
Algumas pessoas sentem necessidade de ouvir elogios, elas preci-
sam que o parceiro(a) diga “muito obrigado, meu amor, por você
estar fazendo esse trabalho com nossos filhos, por você estar se de-
dicando tanto”. Se for esse o seu caso, converse, deixe claro qual é o
caminho para o seu coração. Seja clara “eu estou fazendo tudo isso,
bem que você podia me elogiar de vez em quando, eu sinto tanta
falta de você não estar enxergando, gostaria de ser mais valorizada”.

Pode ser que a sua linguagem do amor seja outra, como, por
exemplo, querer que o outro faça algo por você - tipo sair com as
crianças de casa, para que você tenha um dia livre. Quando nós ver-
balizamos nossas necessidades para os nossos parceiros(as),
eles conseguem reconhecer nosso esforço. E isso tira um peso
enorme dos nossos ombros, que é a necessidade de reconhecimento.

Nós viemos de uma geração que acredita que ser mãe é sinô-
nimo de martírio, de achar que para ser uma boa mãe é preciso
abdicar de tudo na vida. Se esse conceito está enraizado dentro de
você, pode ser que assuma todas as responsabilidades da casa para
provar a você mesma que é uma boa mãe, uma boa esposa, uma
boa dona de casa.

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Compartilhamos com você um texto que é excelente para que-
brar esse conceito de que para ser uma boa mãe, é preciso se mar-
tirizar. É uma tradução livre de um texto da escritora Glennon Doyle.


Vivemos como se a mãe que mais abdicasse e mais
desaparecesse fosse a que mais ama. Fomos condicionadas a
provar o nosso amor deixando lentamente de existir. Que peso
terrível para os filhos. Porque se mostramos a eles que ser uma
mártir é a forma mais elevada de amor, é assim que eles irão
amar um dia. Quando chamamos amor de martírio, ensinamos
aos nossos filhos que quando o amor começa, a vida termina.


É por isso que Jung disse: ‘não existe um fardo maior para
uma criança do que a vida não vivida de seus pais’. Mas e se o
amor não for o processo de desaparecer para as pessoas que ama-
mos, mas de emergir? E se a responsabilidade de uma mãe não
é a de mostrar a seus filhos como morrer lentamente, mas como
permanecer viva até o dia em que se morre? E se o chamado da
maternidade não é ser uma mártir, mas um modelo de como viver
a vida? E se nossos filhos só se permitirem se cuidar e serem felizes
tanto quanto eles nos veem nos permitir?

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Eu quero sim ser uma boa mãe, mas eu acabei de criar a
minha própria definição de boa maternidade. A de que uma
mãe não é uma mártir, mas um modelo. Que eu não vou morrer
lentamente pelos meus filhos, eu vou mostrar a eles como viver.
Meus filhos não precisam que eu os salve, meus filhos precisam
ver e presenciar eu me salvando


G L E N N O N D OY L E

Este texto de arrepiar nos faz perceber o quanto essa sobre-


carga faz mal até mesmo para os nossos filhos. Mostrar a eles
essa construção de parceria, a divisão de tarefas, a necessidade
de termos nossos momentos, de fazermos nossas coisas, de ter-
mos outros interesses, de sermos humanas, liberta nossos filhos
também. Desse modo criamos um modelo de como viver a vida.
Precisamos desassociar a mãe mártir de uma boa mãe.

Precisamos também ter um plano para quando o reconheci-


mento não chega, quando ninguém nos dá a medalha que quere-
mos. Quando mesmo cozinhando refeições com alimentos orgâni-
cos, mesmo acolhendo as emoções dos filhos, mesmo levando-os
em milhões de atividades extracurriculares e estando disponível,
ninguém bate palma. É nessa hora que precisamos saber qual é o
nosso propósito por trás de tudo o que fazemos.

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Talvez você esteja dando algo importante, na sua opinião, para o
seu filho porque você não teve quando era criança. Talvez você es-
teja oferecendo uma alimentação saudável para o seu filho porque,
para você, a alimentação é fundamental e inegociável. Esse precisa
ser o seu reconhecimento: “eu estou fazendo porque eu quero, por-
que acho importante”. Ninguém pode levar a culpa, digamos assim,
pelas nossas escolhas.

Quando você escolhe um caminho, precisa aprender a lidar com


as dores e as delícias desse caminho, sem esperar que haja uma pla-
teia para aplaudir. Se for preciso, dá para reavaliar se é isso mesmo
que você quer. Você pode repensar e perceber que algumas coisas
nem eram tão importantes quanto você imaginava. Mas se forem
realmente importantes, o pensamento deve ser “mesmo que nin-
guém bata palma, eu vou ficar muito feliz se eu fizer tal coisa pelos
meus filhos, pela minha casa, pelo meu parceiro(a)”. É fundamental
que sejamos nossas maiores incentivadoras e avaliar se realmente
precisamos do reconhecimento dos outros como recompensa.

Dividindo experiências

Faz dois anos que comecei a estudar sobre e a melhorar os


meus hábitos de comunicação. Muitas vezes eu olho para trás e vejo
o quanto achamos que estamos comunicando, mas não estamos.
Estamos batendo portas, pensando que é uma forma adulta de de-
monstrar que estamos chateados e pensando que dessa forma nos-
so parceiro(a) entendeu a informação. Quando eu escuto e leio al-
guma mãe dizer “ele não faz do meu jeito”, eu me vejo lá no começo
da minha jornada como mãe.

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Eu era a maior controladora que vocês possam imaginar. Prazer,
Roberta Ferec, ex-controladora anônima. Era um hábito que me dei-
xava gritona, centralizadora, sem tempo para mim. Desde que meu
primeiro filho nasceu, eu centralizei a vida daquela criança acreditan-
do que só eu sabia o que era melhor para ela e que ninguém mais tinha
capacidade de competir comigo. Ninguém também queria competir
comigo, fica até cômodo para a outra parte não precisar intervir.

Eu me lembro de várias situações, mas vou citar uma que acre-


dito ser um exemplo típico do meu excesso de controle. A parceria
poderia ter sido muito maior, mas eu não permitia. Quando eu mo-
rava nos Estados Unidos, em algum momento, eu finalmente resolvi
que seria OK passar cinco dias em outra cidade para fazer um cur-
so. Cheguei a cancelar a passagem três vezes. É difícil para a con-
troladora voar para outro lugar e largar tudo para trás. Mas o Fran-
çois, meu marido, me incentivou a ir, prometendo que trabalharia
de casa para não atrasar para buscar as crianças. Então, paguei o
curso e não tinha mais como voltar atrás.

Mas antes de ir, eu mergulhei no excesso de controle. Não é que


eu fiz um cardápio e congelei um tanto de comida - o que até fazia
sentido porque ele estava trabalhando e tudo o mais. Não foi isso. Eu
etiquetei a casa toda. Onde você andava pela casa, havia etiqueta:
no termostato, etiqueta com a temperatura ideal; horário de cada
atividade; os lanches etiquetados por dia e por criança; eu congelei
as porções do suco verde que as crianças tomavam, não deixei que
o homem sequer selecionasse os ingredientes - porque deus-me-li-
vre a quantidade de espinafre não ser aquela que eu almejava; as
roupas das crianças separadas para cada dia. Foram os cinco dias
mais fáceis da vida do François porque ele não precisava pensar em
nada, nem na temperatura da casa, que eu já havia estabelecido.

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Olhando hoje para trás, eu percebo que eu não só queria controlar
o ambiente, eu queria controlar o que as crianças iam sentir nos
dias da minha ausência. Eu queria que eles não sentissem muito
minha falta, que não fosse nada estressante, eu queria controlar o
que as pessoas sentiam. Não é à toa que hoje eu escrevo e dou pa-
lestra sobre leveza porque eu era um caso extremo. Mas eu sei que
tem mulheres que se identificam em menor grau. Aquela mulher
que acha que só ela sabe fazer o aniversário, só ela sabe escolher
dentista, pediatra, só ela que sabe fazer o arroz, acha que tem que
ser tudo do seu jeito.

Eu não conseguia perceber que eu mesma tinha criado aque-


la dinâmica de centralização. E como uma consequência ruim, o
François não conseguia criar uma conexão maior com as crianças.
Porque as conexões não nascem somente do passeio para o parque,
elas nascem no dia a dia, nas coisas que gente faz, no esforço que a
gente coloca. Eu me lembro de ele viajar algumas vezes, e as crian-
ças não sentirem sua falta porque simplesmente a minha conexão
com as crianças era tão grande que não dava espaço para ele.

Outra consequência ruim é que as crianças não conheciam ou-


tras maneiras de serem criadas porque era só meu jeito, não havia
espaço para um jeito diferente. Eu vivia gritando “Tudo eu, tudo
eu!”. É lógico que era tudo eu porque eu criei aquela dinâmica.

Por trás de tudo aquilo, havia uma busca por perfeição, havia
vontade de controlar o sentimento das crianças para que elas não
sofressem, havia vontade de compensá-las pelas coisas que eu não
tive. Cada uma precisa olhar a fundo e buscar o que está por trás da
necessidade de controle.

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Quando eu comecei a “largar o osso”, foi um processo porque
naquela época, os assuntos de maternidade eram sobre parto ou
criação de filho, ninguém parava para olhar para a mãe. Hoje em
dia se fala mais de desenvolvimento pessoal. Minha vida começou
como mãe, nessa descoberta, esse renascimento - que a gente es-
pera ter depois que tem filhos -, depois que eu parei de tentar con-
trolar tudo. Eu me tornei aquela pessoa que é o centro, que é tudo
para os filhos, sobrava pouco espaço para mim.

É muito ruim e muito difícil expandir, crescer evoluir, quando


ocupamos o centro e não deixamos espaço para nós mesmas. É di-
fícil ser leve nesse tipo de situação em que você não aceita ajuda de
ninguém, quer controlar tudo, você está etiquetando a vida.

Faça um exercício de memória, olhe para trás e perceba algo:


os momentos que mais constroem conexão nas relações com
os filhos, são os momentos de perrengue. Aquele momento em
que seu filho e você estão tendo um dia difícil e que juntos, no meio
do caos, vocês conseguem superar a dificuldade, são os momentos
que mais criam conexão.

Seu parceiro(a) vai construir essa conexão que nós queremos


que eles tenham com nossos filhos, quando puderem viver seus
próprios perrengues. Deixe o pai colocar o pijama errado, abrir a
geladeira e não ter ideia do que vai fazer de comida, enquanto um
está chorando e o caçula está frustrado.

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Este texto escrito pela Roberta pode ajudá-la a olhar para den-
tro, perceber se está acontecendo o mesmo com você. Observe se
você está ocupando um espaço onde ninguém mais pode entrar:


E por não caber mais no espaço que eu mesma havia re-
servado para mim, eu tive que me espalhar. É bonita a ideia
de engrandecer e se esparramar para outras esferas da vida,
sobretudo para quem vem se sentindo pela metade. O que nin-
guém te conta é que expandir, apesar de incrível, é também
um processo doloroso pacas. Mais do que isso: é um processo
de renúncia. Isso mesmo. Crescer é renunciar. Renunciar ao
“dar conta de tudo” (ai, que gastura que me dá essa expressão).
Renunciar à ilusão dos pratos todos sempre equilibrados e in-
tactos. Renunciar a esse lugar de ser sempre a pessoa favorita,
a onipresente, a multitarefas, o alecrim dourado da centraliza-
ção de-todos-os-poderes-da-terra-amém.

Descentralizar exige que a gente permita que outras pes-


soas também ocupem espaços – e isso dói. Dói na gente e dói
naqueles que se acostumaram com o nosso viver contido.

A maternidade me apresentou a um amor que eu até então


desconhecia. E eu confesso, com os olhos embargados, que tive
medo de me esparramar e acabar por dissolver esse amor tão
concentrado e visceral. Mas foi esse mesmo amor que me mos-
trou que é preciso crescer para deixar crescer. Foi esse amor

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que me fez perceber que era preciso parar de querer abraçar o
mundo inteiro, para que eu finalmente conseguisse encontrar
espaço para mim no meu abraço.

Por isso, eu desejo a você uma vida espalhada, um viver ex-


pandido. Onde seu medo de incomodar, sua sede de controlar,
sejam substituídos por uma curiosidade voraz, quase impará-
vel. Te desejo hobbies, livros, cuidado, caminhos. Eu desejo que
você dance, escreva, recomece. Que fotografe uma flor que só
você viu, em um caminho que só você percorreu. Eu desejo
que você, a partir de agora, passe a ocupar espaços extraordi-
nários – fora e dentro de si mesma.


R O B E R TA F E R E C

Se você acredita que falta parceria, verifique se o problema é


falta de comunicação ou se é a necessidade de viver contida, de
ter o controle. É muito importante e é muito bonito o que acontece
quando percebemos que criamos essa dinâmica centralizadora.

4. Falta de rede de apoio

A falta de uma rede de apoio faz falta, sobrecarrega e, portanto,


nos faz acabar gritando mais e viver com mais peso nos ombros.
Não estamos aqui para poupar nenhuma mãe, nem um pai, das difi-
culdades da maternidade/paternidade, elas vão sempre existir. Mas
existem pesos que podem ser aliviados, o que faz toda diferença, na
sua saúde, seu bem-estar, no relacionamento com seus filhos, na

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maneira como eles percebem tudo isso.

A falta da tão comentada rede de apoio, é outro gatilho, que


acaba levando a gritos, desentendimentos, falta de autocuidado.
Para colocar em perspectiva os gritos, o perder as estribeiras, o
fato de não termos aquela relação respeitosa que gostaríamos (seja
com nossos filhos, nossos parceiros, nossos pais), precisamos anali-
sar o contexto. E o contexto também está marcado pela ausência ou
presença de uma rede de apoio. Uma mãe que é apoiada está em
uma situação bem diferente de uma mãe desprovida de qualquer
apoio. Não deveríamos ter que educar, correr, fazer acontecer, sem
nenhum tipo de suporte. Mas, sabemos que essa é a realidade de
muitas mães.

Dividindo experiências

Foi o meu caso. Para quem não sabe, eu criei filho em tudo quan-
to é lugar do mundo. Eu mudava de país a cada dois anos e meio,
três, então, eu não tinha rede de apoio. Olhando para trás, eu vejo
que eu repetia isso com um certo orgulho bobo. Hoje eu penso que
teria sido possível construir a minha rede de apoio. O que me impe-
dia de fazê-lo? Eu. Tenho certeza que tem relação com meu excesso
de querer centralizar tudo.

Queria chamar para essa reflexão as pessoas que hoje não têm
rede de apoio. É importante refletir e queimar a capa de super-he-
roína porque vou contar um segredo: ninguém a espera com uma
medalha no fim da linha. Eu cheguei na linha da pré-adolescência
- meu filho mais velho está com 12 anos -, eu etiquetei a casa toda,

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não contei com a ajuda de ninguém, porque ninguém sabia fazer
como eu e não tem medalha nenhuma. Eu hoje teria dado muito
valor a construir uma rede de apoio e faço isso em relação à que eu
tenho agora.

Muitas vezes, as amizades que tínhamos antes da marternida-


de, deixam de fazer parte da nossa vida depois dos filhos. Mas a
responsabilidade de formar uma rede, quando não temos, é nossa,
procurando grupos de mulheres, fazendo novas amizades.

A glamourização da mulher que dá conta de tudo também é um


fator que nos impede de formar rede de apoio. Querer ser reco-
nhecida como a mulher que dá conta de tudo tem preço, não sai de
graça. Não devemos normalizar algo que não deve ser considerado
normal. Não podemos cair nessa balela, na piada de mal gosto que
a sociedade tem de “você é só mãe?” Você escuta isso e decide não
pedir ajuda porque acredita que precisa dar conta por ser “só” mãe.
Quando na verdade ser “só” mãe é um peso enorme.

Outra coisa comum é você ter uma rede de apoio disponível,


podendo contar com a ajuda da sogra, da mãe, mas não querer a
contrapartida da rede de apoio. Porque junto com a ajuda da sogra,
da mãe, vêm os pitacos, atitudes que vão na contramão do que você
acredita e deseja. É a contrapartida que faz parte de ter uma rede
de apoio porque você está envolvendo outras pessoas na educação
dos filhos.

Apesar das dificuldades em lidar com a contrapartida, a mistura

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de jeitos de se criar filhos é saudável. Obviamente limites devem
ser estabelecidos, mas, de modo geral, as pessoas que envolvemos
na educação dos nossos filhos, são pessoas que têm amor por eles.
Nem sempre é fácil lidar com conflitos geracionais, por exemplo,
mas ouvir - e deixar passar - coisas que não acreditamos ser ideais
e que inclusive disparam nossos gatilhos, faz parte do contar com
uma rede de apoio.

Muita gente não quer lidar com essa contrapartida ou quer evi-
tar de conversar com as pessoas da família, da rede de apoio, de
maneira franca. Se a situação com as pessoas da sua família não for
boa, existem alternativas. Pode ser que você tenha uma amiga com
filhos e que vocês combinem que um dia uma fica com os filhos da
outra, fazendo um revezamento. Amigos também são rede de apoio.
Quando falamos em rede de apoio, também não podemos deixar de
falar sobre ajuda paga.

Dividindo experiências

No final da minha terceira gravidez, eu morava na Holanda. Um


país muito bonito, muito frio, onde ventava muito. Eu estava grávida,
minha segunda filha tinha 17 meses, o mais velho tinha menos de 5
anos, meu marido viajava muito, eu estava em um país desconhecido
cuja língua eu não falava. Era o pacote tragédia. E para piorar, eu fi-
quei com problema no nervo ciático, eu não conseguia andar direito.

Muitas vezes essa super-heroína quebrada precisava andar com


as compras, as crianças e a barriga e precisava parar no meio da
calçada porque não conseguia continuar andando, de tanta dor que

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sentia. O François implorava para que eu o deixasse pagar uma pes-
soa para me ajudar a cozinhar e cuidar das crianças duas vezes na
semana, ou todo dia se eu quisesse. Ele achava um absurdo, não
aguentava me ver daquele jeito. Mas eu não deixava, eu acreditava
que havia algo de errado em precisar de uma ajuda que seria remu-
nerada para me auxiliar.

Existem mulheres que contam com ajuda remunerada, mas


sentem vergonha por isso e não contam para ninguém. Mas saiba
que não há nada de errado em precisar de ajuda. O anormal é nós,
como seres humanos, não precisarmos de ajuda. A super-heroína
que acha que deve dar conta de tudo, acaba sendo a pessoa que
grita mais porque vive sobrecarregada e no limite. Qualquer coisa
pequena é capaz de apertar o gatilho e disparar o grito. O que essa
mulher precisa é dividir os pesos.

5. Desatenção ao nosso bem-estar

A falta de leveza está diretamente ligada à regulação das nossas


emoções. Por isso, queremos falar sobre a importância de olhar
para dentro de si e fazer uma reflexão para descobrir o que tem
causado os gritos, o que tem feito você chegar ao limite. É impor-
tante criar o hábito de pensar o que pode estar acontecendo, o
que está causando o excesso de irritação e fazendo com que você
desconte em todo mundo. O bem-estar é uma peça fundamental
para isso.

Usando uma analogia, a impressão que dá é que muitas pesso-


as pensam que a mãe é uma panela de tampa fixa, que não abre

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nunca. E tudo o que há de errado com ela fica fervilhando dentro
daquela panela. Só que como a tampa não abre, não esparrama e
não respinga em ninguém que está ao redor. A mãe não dorme há
dez anos, come em pé, não tem tempo para si, não cuida de si, do
seu bem-estar e fica contida dentro dessa panela.

Os filhos e o marido são as bocas do fogão e a mulher, essa pa-


nela sem bem-estar, sem parceria, com várias questões que estão
sem cuidado, não respinga em ninguém porque sua tampa está pre-
sa. Essa é a fantasia que se criou e que se vê muito nas redes sociais,
e nela, a mãe e/ou pai não importam.

Mas essa é uma conta que não fecha porque nós somos seres
com necessidades. A tampa vai abrir e a nossa falta de autocuidado,
de bem-estar, de saúde, de parceria, de rede de apoio, inevitavel-
mente vai respingar em quem está ao lado. É irreal imaginar que
com todos os problemas fervilhando internamente, a mulher vai
chegar no fim do dia agindo com paciência, carinhosamente, como
se nada estivesse acontecendo. Mesmo a panela de pressão pode
explodir. Precisamos parar de pensar que os pais são como panelas
que não transbordam. Nossa falta de autocuidado e bem-estar, faz
mal para nossa própria saúde, e respinga sim nos outros.

Por isso, também, é errado pensar que autocuidado é egoísmo.


Pelo contrário, preocupar-se com autocuidado é um ato altruísta:
quanto mais nos cuidamos, melhor cuidamos dos outros. Inclu-
sive, em alguns países, o autocuidado se tornou política pública.
Há lugares em que enfermeiras recebem treinamento sobre e têm
tempo para autocuidado porque é sabido que se elas se cuidarem,
vão conseguir cuidar melhor de quem precisa delas.

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O autocuidado, o bem-estar, é muito importante, mas não é
o foco principal deste livro porque não caberia aqui, é um assunto
muito vasto. Queremos apenas gerar reflexões para que você possa
fazer o escaneamento e perceber o que está incomodando, per-
ceber se a sua panelinha, que não tem tampa fixa, está prestes a
transbordar.

Bem-estar não se restringe a dietas e a fazer exercícios físicos.


Bem-estar se expande em um conceito integrativo que passa por
saúde emocional, social, espiritual. O tripé básico da nossa saúde
é alimentação, sono e movimento. Mas nem destes cuidamos direi-
to. Na nossa sociedade hiper-distraída, estafada, que romantiza a
exaustão, não estamos dando conta nem ao menos do tripé básico
da nossa saúde, por diversos motivos. Um dos motivos é não nos
atentarmos ao fato de que é fundamental cuidar do nosso bem-es-
tar. Muitas vezes, as pessoas precisam adoecer para se darem con-
ta de que a saúde é importante.

Dividindo experiências

Pode parecer que minhas experiências morando fora não foram


boas, mas foram. Mas eu passei por algumas situações desagradá-
veis, caminhos que me trouxeram até aqui. É como se ter vivido os
perrengues que vivi fizessem parte de uma missão. Eu me lembro
de uma fase em que eu estava perdendo muito cabelo, eu tinha uma
TPM horrorosa, eu dormia mal, várias coisas estavam acontecendo
comigo. Demorou muito, mas chegou um momento em que eu de-
cidi ir ao médico.

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Eu me lembro que cheguei ao consultório de uma médica que
praticava uma medicina mais integrativa. Eu recebi um questionário
que perguntava como estavam meus cuidados físicos como sono,
alimentação, exercícios, os cuidados sociais etc. À medida que fui
preenchendo aquele formulário, foi me dando uma tristeza. Eu me
lembro de estar com o Gael pequenininho andando na recepção, de
olhar para ele e pensar que eu não estaria viva para minhas crian-
ças. Eu tirei zero em tudo, estava tudo ruim e foi uma ficha gigante
que caiu na minha cabeça. Principalmente porque eu entrei, fiz um
monte de exame e ainda saí de lá com o diagnóstico de uma doença
autoimune da tireoide, Tireoidite de Hashimoto. O conselho da mé-
dica foi melhorar o meu gerenciamento de estresse, melhorar meu
autocuidado. Eu conto tudo isso para dizer que a conta chega. De
diferentes maneiras, mas chega.

Bem-estar e autocuidado não são supérfluos. E não falamos


sobre isso para que seja mais uma obrigação, mais um peso. Mas,
a partir do momento que você sabe que é importante e que está
relacionado a todo o resto, que respinga nos outros, que você não
é uma panela de tampa fixa, talvez você se dê conta de que está
negligenciando a si própria.

Autocuidado não é algo que acontece de repente. Nossas expe-


riências e estudos nos mostram que ele requer três atitudes: priori-
zar, planejar e delegar. Se estamos em casa, o tênis separado para
a caminhada, a salada para o almoço não se fazem sozinhos. Preci-
samos realmente escolher nossas prioridades, fazer planejamentos
e exercitar nossa capacidade de delegar.

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Repare como os assuntos estão entrelaçados. Falamos em par-
ceria, em delegar funções, e são essas coisas que nos permitem
olhar para nosso autocuidado. Nem que seja para cuidar apenas
daquele tripé básico de sono, alimentação e movimento.

Pode ser que você decida comprar uma agenda do bem-estar.


E então você coloca na sua agenda que vai caminhar por três vezes
na semana, que vai beber mais água, fazer yoga. Mas, de repente,
a vida acontece. A vida de mãe acontece. Quando temos 21 anos e
agendamos as coisas que queremos fazer, geralmente, o planeja-
mento ocorre como esperado. Quando somos mães e pais, há mui-
tos empecilhos no caminho: um filho com febre, uma ida ao pedia-
tra, um prazo de entrega, enfim, a vida acontece. Os planos vão por
água abaixo, a frustração se une à preguiça, ao desânimo, à falta de
motivação e vira desistência.

Portanto as duas coisas mais importantes que precisamos le-


var do bem-estar são: quando perceber que está gritando muito,
faça um escaneamento para analisar como está o bem-estar,
se está cuidando do tripé básico e não perca a capacidade de
voltar para o centro. Quando as coisas derem errado, não existe
solução se você não tentar novamente. Se não deu certo hoje, tente
de novo amanhã, não desista! É cansativo recomeçar, mas equilíbrio
não é estar sempre no mesmo lugar, é saber voltar para o centro.

Dividindo experiências

Vou dar um exemplo que aconteceu comigo na véspera e no dia


em que ia dar um curso de dois dias pela internet. Meu plano era

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dormir muito bem porque eu sabia que seriam dois dias puxados.
Depois de dormir bem, meu plano era tomar café da manhã e fazer
uma caminhada pela manhã, antes de entrar ao vivo. Era meu plano
de mãe na agenda do bem-estar. E o que aconteceu? O Gael teve
pesadelo não uma, mas duas vezes, me acordou de madrugada. E
no último pesadelo que ele teve, às 3h da manhã, eu não consegui
mais dormir.

Naquele momento, meu plano desandou. Pensei em sair para


caminhar e tentar resgatar meu dia, mas começou a chover. Decidi
então me arrumar para o encontro: tomar um banho, lavar e secar o
cabelo e passar um rímel. Quando terminei de secar o cabelo, minha
mãe sugeriu que eu levasse as crianças para dar uma volta, já que
elas passariam muito tempo dentro de casa e o sol havia voltado.
Fomos e quando estávamos longe de casa desabou a maior chuva.
Lembra do cabelo arrumado e do rímel? Cabelo todo bagunçado e
o rímel escorrendo pelo rosto, meus planos foram literalmente por
água abaixo.

Eu poderia, a partir daquele momento, pensar que se deu tudo


errado até então, continuaria dando tudo errado. Mas, como estava
chovendo e trovejando, coloquei todo mundo para correr junto de
volta para casa. Foi uma corrida relativamente longa e quando che-
gamos em casa, eu já estava mais “endorfinada”, mais animada. As
crianças, que estavam emburradas antes, morriam de rir porque foi
engraçado. Tomamos um banho de chuva e a Luna ria porque meu rí-
mel estava todo borrado. Tive que fazer tudo de novo, eu poderia ter
dado o dia como perdido, mas conseguimos resgatá-lo. Ainda che-
guei em casa e conversei com os meus filhos: “vocês viram o efeito
do exercício fisico? Olha como está todo mundo mais feliz, estamos
nos abraçando, rindo e antes estávamos todos mal-humorados”.

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O movimento do corpo está muito ligado à leveza. A Dra. Kelly
McGonigal, que estuda os efeitos socioemocionais das atividades fí-
sicas nas pessoas, fala sobre a importância do movimento não ape-
nas para a saúde física. Ela diz que quem pratica exercícios físicos
regularmente é mais leve, tem melhores relacionamentos, tem
menos depressão e ansiedade, são pessoas mais felizes. Os exercí-
cios físicos nos ajudam a liberar endorfinas, que são consideradas
hormônios da felicidade e, por isso, nos ajudam a gritar menos.

Outro pilar importante para sustentar nossa saúde é o sono. Nin-


guém consegue ser leve depois de várias noite sem dormir, nós pre-
cisamos de sono de qualidade. O sono é neuroprotetor, durante ele
nosso corpo faz uma faxina, se regenera. Algo que acontece muito
na maternidade é atribuirmos a falta de sono aos nossos filhos. E
realmente, a criança que acorda muitas vezes durante a noite atra-
palha o nosso descanso. Mas, pode ser que o problema seja ir para a
cama muito tarde, muito depois que os filhos dormiram. Por exem-
plo, se seu filho foi dormir às 20h e você ficou assistindo Netflix até
de madrugada, certamente você estará cansada no dia seguinte.

Existem estudos que mostram a importância da soneca (o cha-


mado power nap, em inglês) para os adultos. Encontramos pesqui-
sas que mostram que são inúmeros os benefícios de tirar uma so-
neca, para nossa saúde. Um estudo, especificamente, relatou que
as pessoas que tiraram uma soneca de 20 minutos tiveram menos
raiva, medo, menos reatividade. Nesta pesquisa, as pessoas eram
privadas de sono, ou seja, não podiam dormir e, por isso ficavam
mais reativas, retrucando e reclamando de tudo. Depois, parte dos
participantes fizeram vinte minutos de soneca durante a tarde e
foi observado que o comportamento reativo baixava drasticamente
nessas pessoas.

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Gostaríamos também de adicionar um quarto elemento fun-
damental para o nosso bem-estar: a qualidade do conteúdo que
consumimos. O conteúdo que consumimos tira nossa leveza por-
que quando lemos notícias ou navegamos pelas redes sociais, sem
perceber, reagimos com diferentes emoções. Essas emoções se
acumulam e se forem ruins, acabamos por descontá-las nos outros
ou passamos o dia mal sem entender por quê.

Não estamos dizendo que você precisa se alienar de tudo, basta


não ficar “marinando” nas tragédias ou entrando em brigas com
pessoas desconhecidas da internet. De nada adianta fazer seu exer-
cício, se alimentar adequadamente, se a sua nutrição digital, ou seja,
o conteúdo que você consome na internet, não traz leveza, mas ao
contrário, acrescenta vários pesos a sua vida.

É importante que você cuide de si mesma, priorizar o seu bem-


-estar. Mas também é importante conversar com seu parceiro(a),
reparar se a outra pessoa também está se cuidando. Afinal se é uma
parceria, ambos precisam se cuidar para cuidar melhor da família.

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PESO 2: DIVERGÊNCIAS SOBRE A CRIAÇÃO DOS FILHOS

Este é outro peso muito frequente na vida de uma família com


filhos. Vamos falar sobre relações humanas e comunicação, fazer
reflexões e trazer ferramentas que podem ser usadas por qualquer
pessoa, mesmo que você não conte com uma parceria na criação
de seus filhos.

Divergências existem - e são esperadas - em qualquer relação.


Quando existe um casal que cria filhos é como juntar dois seres hu-
manos, cada qual com seu DNA, com sua criação, sua personalidade
e colocar ambos para criarem um terceiro ser humano. É impossível
haver concordância em tudo. Haverá discordâncias em relação à
escolha da escola, alimentação, ao uso de telas, enfim, em todas as
coisas importantes para o desenvolvimento dos nossos filhos.

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Diferente das divergências entre preferências cotidianas - gos-
tar mais de praia ou campo, arroz em cima ou embaixo do feijão - as
discordâncias na criação de filhos causa mais ressentimento. O par-
ceiro ou parceira tem alguma atitude com a qual não concordamos,
ou que faríamos diferente e pensamos que ele/ela está “estragan-
do” a criança, o que nos gera raiva.

De modo geral, as mulheres estão mais conectadas às redes


sociais, a informações em grande escala sobre a criação de filhos e
maternidade. Somos bombardeadas por todo tipo de informação.
Existem as que são boas, mas também existe muito sensacionalismo
e determinismo do tipo “se você fizer tal coisa, seu filho será tal ou-
tra (preencha aqui com uma catástrofe qualquer)”. As redes sociais
são uma grande influência para a catastrofização que nos faz acre-
ditar que determinadas atitudes que tomamos vão gerar consequ-
ências irreversíveis. Mas não é assim que o ser humano funciona,
não é possível estragar a criança com uma única atitude.

Muitas vezes, diante de situações de discordância, o casal acaba


brigando ou um dos dois “engole o sapo”, sem diálogo. Ou seja, não
se encontra soluções para os problemas ou acaba sendo sempre
do jeito de um, enquanto o outro fica ressentido. Não é possível ser
leve, dessa maneira. Mas é possível mudar essa dinâmica.

O Dr. John Gottman é um pesquisador e psicólogo clínico que


escreveu vários livros sobre relacionamento. Ao longo de sua carrei-
ra, ele desenvolveu diversos estudos longitudinais. Estudo longitu-
dinal é uma modalidade de pesquisa que acompanha um grupo de
pessoas ao longo de vários anos. Nestes estudos foi possível acom-
panhar casais desde o início do relacionamento, passando pelo ca-
samento, chegada dos filhos e até mesmo por divórcios. Dessa for-

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ma, foi possível estudar, por exemplo, de que maneira as pessoas
lidam com discordâncias em um relacionamento, como lidam com
divergências na criação dos filhos, como conversam.

Dados levantados pelo Dr. Gottman e seu grupo de pesquisa


apontam que 69% dos conflitos entre casais, incluindo os casais
mais felizes, nunca serão resolvidos. É um número que impressiona
porque geralmente temos a falsa impressão de que todos os confli-
tos podem e devem ser resolvidos. Tentamos resolver a briga sobre
o lençol, o lugar de sentar na mesa, algo que a criança comeu um
dia, e muito mais e isso é exaustivo. A ciência está dizendo que até
mesmo entre os casais mais felizes quase 70% dos conflitos não
serão resolvidos.

Sabendo disso, talvez seja mais produtivo investir o tempo em


discutir o que é inegociável ou negociável do que perdê-lo discutin-
do sobre toda e qualquer coisinha do dia a dia. Em vez de cedermos
em alguns aspectos, nos esforçamos e perdemos tempo tentando
mudar o outro. Como se fosse um jogo em que seu objetivo é fazer
com que a outra parte perca.

Com base no trabalho, nas evidências científicas do Dr. John


Gottman, elaboramos algumas sugestões de como lidar com as di-
vergências entre o casal.

Lidando com as divergências

Dr. Gottman diz que os primeiros três minutos de uma conversa


vão determinar, em 96% dos casos, como essa conversa vai termi-
nar. Em três minutos de análise de brigas entre casais, os pesquisa-
dores já conseguiam antecipar o que aconteceria naquele momen-

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to de conflito. Portanto, a primeira sugestão para aprender a lidar
melhor com divergências é prestar atenção em como o diálogo co-
meça. Essa dica pode ser usada em qualquer situação de diálogo,
não precisa ser somente com parceiros.

Há fisiologia por trás dessa sugestão. Se alguém da dupla inicia


o diálogo com um tom de voz alterado e batendo porta, isso ativa o
sistema simpático do interlocutor que entra em estado de fuga ou
luta, o outro entra em modo de defesa. Quando uma das partes do
diálogo entra na defensiva, dificilmente sai daquele estado e nin-
guém encontra solução para o problema, que deveria estar sendo
discutido de maneira eficiente.

Alguns fatores que fazem com que alguém entre em modo de


defesa são: acusação excessiva, ameaça, uso das palavras “sempre”
e “nunca”. Portanto, começar a conversa com o pé direito, pensan-
do nessa estatística dos três minutos significa ter mais chance de
êxito. E o êxito nesse caso não é ganhar a discussão, mas sim chegar
a um ponto em comum, mesmo que uma parte ou as duas precisem
ceder um pouco. São duas pessoas criando seres humanos juntas,
quando um ganha, todos ganham, não pode ser encarado como
competição.

Duas ferramentas fundamentais para uma conversa que come-


ça com o pé direito são: a escuta e a curiosidade. Demonstrar
curiosidade sobre como e por quê o outro pensa e age de determi-
nada maneira, faz com com que a pessoa se sinta ouvida, humana,
respeitada. Também faz com que a pessoa nem entre ou, ao menos,
consiga sair do modo de defesa.

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Outro dado interessante é o que aponta que, em 85% das ve-
zes, são as mulheres que iniciam conversas difíceis, debates e dis-
cussões. Os homens parecem mais confortáveis deixando as coisas
como estão.

Dr. Gottman também diz que é necessário estarmos abertas a


novas maneiras de educar, de viver, de fazer, demonstrar in-
teresse pelo que o outro faz de diferente. De acordo com o pes-
quisador, uma das grandes causas de término de relacionamento é
o desprezo pelo valor do outro, achar que só você pensa e age da
maneira correta. O desprezo é um veneno para qualquer relação.
As redes sociais podem ser um agravante para o desprezo sobre a
opinião do outro. Você escuta um “especialista”, que fala sobre “es-
tudos” (sem citar fontes ou com fontes duvidosas) e acredita que é
o modo certo e que portanto seu parceiro ou parceira deve estar
equivocado.

A diversidade, as diferentes maneiras de agir e pensar na criação


é, inclusive, uma experiência enriquecedora para a criança. Convi-
ver com o jeito que o pai, a mãe, a avó, a tia, um colega, lidam com
o criar uma criança é bem melhor do que colocá-la dentro de uma
bolha, uma redoma em que ela é criada de modo supostamente
perfeito. Não é possível que tudo seja inegociável, ceder em alguns
aspectos para encontrar o meio termo é imprescindível. Ceder não
é um processo agradável, porém, não dá para ser sempre do jeito
que uma única pessoa escolheu. Dentro de um limite saudável, o
ser humano é essa mistura imperfeita de pais e mães imperfeitos. É
essa a riqueza humana.

Precisamos tomar cuidado com o conteúdo que consumimos


e saber que, muitas vezes, por trás deles existe uma agenda de

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vender uma solução milagrosa para algum medo que temos (me-
dos que muitas vezes foram criados por essas mesmas pessoas que
vendem a solução). Muita gente se baseia em estudos que não são
sérios ou confiáveis, que não têm respaldo na comunidade científi-
ca, para vender seus produtos.

Praticar a escuta também é parte essencial de uma boa comu-


nicação. Mas não aquela escuta quando esperamos apenas o outro
terminar de falar para poder se contrapor à fala com que não con-
cordamos. Você escuta enquanto pensa: “quando ele/ela terminar
de falar, ele/ela vai ver só o que eu tenho para dizer”. Ficar elabo-
rando argumento enquanto o outro fala não é escutar de verdade,
faz parte de uma comunicação ruim.

Ter empatia também é uma ferramenta importante para uma


boa comunicação, para entender o que está por trás da atitude do
outro. Quais são os medos e os valores que estão por trás de tal
atitude.

Dividindo experiências

François durante muito tempo tinha a mania de forçar nossos


filhos a comerem tudo o que tinha no prato. E era ele que tinha que
fazer o prato das crianças, o que não dava a elas nem a escolha da
quantidade de comida, nem da decisão de quando estavam sacia-
das. Eu pensei comigo mesma se era algo negociável ou inegociá-
vel, na época que conversamos. Decidi que era inegociável porque
eu estudei nutrição e sei das consequências de forçar uma criança
a comer tudo - ela não aprende a perceber os sinais de saciedade.

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Mesmo sem saber, na época, que era recomendado, eu parei
para pensar de onde vinha aquele comportamento dele, que nun-
ca havia passado fome, de querer que as crianças comessem tudo.
Fui percebendo que esse era um valor que ele trazia de sua família.
Ele repetia as atitudes de seus pais, que por sua vez repetiam as de
seus pais que haviam ido para a guerra. O avó do François lutou em
guerra por anos, enquanto a avó ficou sozinha, sem dinheiro para
comprar comida e esse fato refletia no comportamento dele.

Quando falamos em ter empatia é sobre isso: buscar entender


a história da pessoa, o que está por trás daquele comportamento
com o qual você não concorda. É sair de um lugar de julgamento
para um lugar de entendimento. Partir de um olhar de empatia, faz
com que a conversa flua melhor.

Todos nós carregamos histórias de nossa própria criação que


acabam refletindo na maneira com que criamos nossos filhos hoje.
E quando a discussão é sobre algo inegociável (como obrigar as
crianças a comerem toda a comida, independente de estarem ou
não saciadas), é muito mais provável que o olhar empático ajude a
chegar a uma solução boa para todos os envolvidos.

Dividindo experiências

O meu marido, João, tem um perfil muito mais disciplinador.


Mas olhando para a história dele, faz muito sentido. Os pais do João
se separaram brigados, quando ele tinha 2, 3 anos. Minha sogra
precisava trabalhar em três empregos diferentes e o João viveu essa

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primeira infância dele um pouco “largado”, criado por uma vizinha -
que é uma madrinha para ele.

Por circunstâncias da vida, pelo fato de a minha sogra precisar


trabalhar dia e noite, o João teve muita permissividade na infân-
cia. Com isso, ele acabou experimento drogas, começou a cheira
cola na pré-adolescência e estava, como dizem por aí, se perdendo.
Quando minha sogra voltou a conversar com meu sogro, pedindo
socorro porque não estava dando conta sozinha, meu sogro, que
tem um perfil bem disciplinador, foi quem “salvou” o João desse
mundo. Quando você conhece essa história, faz todo o sentindo o
fato do meu marido acreditar piamente que o excesso de firmeza é
o que salva. Eu querer bater de frente com essa grande experiência
de vida do João, não vai nos fazer chegar a lugar nenhum, foi a vi-
vência dele.

Muitas vezes, em situações de discordância entre parceiros(a),


os dois lados têm razão. É preciso, através do diálogo, chegar a um
meio-termo. Pode ser que um lado precise ceder ou que cada um
ceda um pouco para encontrar uma solução razoável para todos.

Outro exercício diário importante para uma comunicação me-


lhor é parar de focar nas diferenças e focar naquilo que há de co-
mum entre o casal. Lembrar que são duas pessoas que querem o
bem, que têm amor pela criança, duas pessoas que jogam pelo
mesmo time. E que, portanto, não vale a pena ficar numa batalha
interminável sobre tudo e qualquer coisa, como se fossem inimigos.

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Discrepâncias nos relacionamentos é algo esperado, a manei-
ra com que lidamos com elas é o que vai fazer toda a diferença. O
que não quer dizer que vai haver concordância em tudo, mas sim
que encontramos um lugar minimamente confortável para ambas
as partes. Para chegar neste lugar, o diálogo respeitoso é o único
caminho.

Outro perigo para o diálogo que leva à resolução de conflitos é


algo chamado polarização de grupo. É um fenômeno estudado pela
Psicologia, com o qual muita gente pode se identificar. No âmbito
familiar, a polarização acontece da seguinte maneira: quando, den-
tro de um lar, moram duas pessoas com ideias e crenças diferentes
em relação à criação de filhos, e essas duas pessoas precisam criar
aquela criança juntas, a tendência é que elas polarizem ainda mais.
Vamos supor que um dos pais tem uma postura mais firme, mais
disciplinadora dentro de casa e o outro lado tem uma postura um
pouco mais relaxada. A tendência é que o pai mais disciplinador
fique ainda mais firme para compensar as atitudes do pai mais re-
laxado que, por sua vez fica mais permissivo para contrabalancear
o lado mais rígido. Essa polarização acontece com muita frequência
e é importante trazer este fenômeno para a consciência, perceber
que ele está ocorrendo durante uma discussão, pois assim podemos
buscar o meio do caminho.

Dividindo experiências

Essa é uma situação que eu vivo muito dentro de casa. O João


é um pai que puxa muito para o lado da disciplina mais firme. Mas,
esse mesmo João, é o melhor pai que eu conheço. Meu marido é

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muito parceiro para tudo e todas as situações: tarefas domésticas e
tudo em relação às crianças - desde que o Ravi era bebê, ele pega
as 3 crianças e sai sozinho para praia, pista de skate, onde precisar
ir -, ajeita comida, água, fralda, roupa, tudo. É um adulto que cria os
filhos com muito jogo de cintura, coragem e dedicação, mas é bem
disciplinador.

Logo que nosso primeiro filho nasceu, enfrentamos essa pola-


rização que era nítida na minha casa. Estávamos vivendo no meio
de uma guerra: ele agia como um General e eu compensava com
a permissividade e ficávamos os dois um querendo matar o outro.
E nem ele ser General, nem eu ser permissiva, é saudável. Só con-
seguimos encontrar o caminho do meio, quando percebemos que
estávamos fazendo essa polarização.

Existe também uma outra distorção cognitiva (aquele filtro que


criamos e usamos para enxergar a realidade) chamado focalismo.
Focalismo é quando prestamos tanta atenção em um fato isolado
que não conseguimos enxergar todo o restante. Por exemplo: se
o fato de que o meu parceiro é mais disciplinador me incomoda
muito, eu passo a só enxergar isso. Começo a remoer aquela situ-
ação e a prestar atenção em toda e qualquer atitude do parceiro
que me incomoda. Por causa desse focalismo, todo o resto, tudo de
bom que aquela pessoa faz é ignorado. Ter empatia com a história
do outro, pensar em todas as outras qualidade que a pessoa tem, e
abrir mão em alguns momentos é fundamental e ajuda a tirar o foco
daquilo com que não concordamos.

Em casa, eu entendo que muitas vezes a resposta mais firme do


meu marido, é uma resposta que eu não teria. Mas, mesmo assim,
eu abro mão porque eu acho que ele compensa maravilhosamente

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de outras formas. É por isso que quando eu vejo alguns perfis nas
redes sociais dizendo algo do tipo “se você fizer isso com seu filho,
vai traumatizá-lo para o resto da vida”, eu penso no relacionamento
do meu marido com meus filhos. Penso na quantidade de vezes que
meu marido tomou uma atitude mais firme, mesmo contra a minha
vontade, e não consigo imaginar como isso pode ter traumatizado
meus filhos porque a relação entre eles é linda, cheia de cumplici-
dade, carinho, dedicação e esculpida em momentos diários de co-
nexão. Quando aprendemos a abrir mão e focamos em todo o
resto, é muito mais fácil encontrar o caminho do meio. É claro que
me dói quando ele tem uma fala mais firme com as crianças, mas
eu faço o esforço intencional de pensar que aquele é o momento
dele e que ele compensa aquela atitude de muitas outras formas. E
que sei, pois vivencio, que as crianças tem uma relação maravilhosa
com o pai.

Picuinhas

Outro peso que nos impede de alcançar a leveza são as picui-


nhas diárias nos relacionamentos.

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Na semana passada eu fui fazer todas as ecos, ultras e exames que a gente
tem que fazer, de tempos em tempos, pra ver se tem alguma parte da gente pi-
fando. (Eu vou confessar: eu faço, mas não gosto, não). Ah, sei lá. Uma mistura de
frio na barriga com SOU MÃE, NEM MORRER EU POSSO. ‘Eu vou com você’, François
disse. Chegando no hospital ele fez o que ele sempre faz: há treze anos ele segura
a minha mão antes dos meus exames, partos, perdas, sustos. Mudam os medos, a
mão é a mesma.

Outro dia, eu li um estudo que analisou o cérebro de um grupo de mulheres e


concluiu que, quando elas eram colocadas em situação de dor iminente, as suas
atividades cerebrais ligadas ao estresse diminuíam drasticamente quando elas se-
guravam na mão do boy. (A gente acha que é romance, mas é só a biologia sendo
pimpona, não é verdade?).

Eu tenho pra mim que o ‘segurar a mão’ não é apenas calmante, ele é também
remédio anti-picuinha. E como cabe picuinha na vida a dois, né não? VALEI-ME!
Picuinha pela lerdeza, picuinha quando ele sai pro mercado na pior hora possível.
Picuinha pela picuinha.

A gente acha que as rupturas se dão apenas por diferenças irreconciliáveis e


problemas incontornáveis, mas muitas vezes é só o combo cansaço, uma inabilidade
monstruosa de comunicar o que a gente quer, o que se precisa, o que se sente e ela:
a pentelhíssima picuinha. Daí, a bicha é promovida e, de um troço boboca e pequeno
- do tamanho da tampa da pasta de dente perdida ou da toalha molhada esquecida na
cama - ela ganha palco, cresce, brilha, vira influencer.

O único remédio disponível pra picuinha é “despicuinhar”. São as pequenas


gentilezas. É um abraço inesperado. É ouvir uma história pela vigésima vez sem
parecer entediada (CÉUS). É enviar uma mensagem bonita no meio da tarde. E, por
romance ou por biologia, é algo tão simples quanto segurar a mão bem forte, como
quem diz: “Eu tô aqui e escolho não te soltar”.


R O B E R TA F E R E C
(trecho retirado e adaptado do livro “Mãe perfeita não está mais se usando”)

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Este texto da Roberta não é literatura científica, mas corrobora
o que diz a Dra. Sue Johnson, uma psicóloga clínica, terapeuta de
casais, especialista em relacionamentos e autora de um livro cha-
mado Abraça-me apertado. Ela diz que são exatamente as picuinhas
que nos desconectam e criam abismos que vão afastando as duas
partes do casal. As picuinhas, geralmente são as pequenas coisas
do dia a dia, como um prato que foi deixado na pia, uma barulhinho
irritante que o outro faz.

A Dra. Johnson fala sobre o chamado teste do leite azedo. Quan-


do tem um leite azedando na geladeira, o casal que está em paz
percebe que o leite está azedo e compra outro. O casal que está
envolvido com picuinhas, começa a se acusar, tentando descobrir
de quem é a culpa do leite ter azedado. É exatamente esse tipo de
coisa pequena que pode levar ao distanciamento. É normal haver
picuinhas em um relacionamento, o que não podemos deixar acon-
tecer é o acúmulo de picuinhas perder o controle e gerar abismos
entre o casal.

Mas então, como eliminar este peso no relacionamento? A pri-


meira sugestão da Dra. Johnson é: mudar o olhar. Ter o olhar trei-
nado para buscar as coisas que estão dando certo, que estão bem,
que estão em ordem ao invés do seguir nossa biologia que, natural-
mente, nos faz direcionar o olhar para tudo o que está fora do lugar.

A terapeuta também diz que igualmente pequenas são as coi-


sas que nos (re)conectam. Tão pequenas, que muitas vezes nos es-
quecemos delas, como um bilhete, um abraço na cozinha, o segurar
a mão. Pequenas coisas que geram grande conexão. Por meio de
pequenas gentilezas, podemos diminuir distâncias.

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Dividindo experiências

Eu devo agradecer muito ao François por ter trazido isso para


minha vida. Porque eu aprendi na minha casa que a função dos ca-
sais é brigar, basicamente. Eu via muito meus pais sendo gentis com
as pessoas de fora, mas dentro de casa, era um arranca-rabo atrás
do outro. Quando eu conheci o François eu aprendi a dar valor a es-
sas pequenas gentilezas, eu aprendi a receber agradecimento pelas
pequenas coisas, o valor de um “obrigado por ter passado na pada-
ria”. Eu não aprendi isso em casa e é por isso que eu estou conven-
cida de que podemos aprender tudo na vida.

Ele me ensinou e, hoje, eu fico me chamando a atenção para


agradecer as pequenas gentilezas que ele faz. Existe uma expressão
em inglês, difícil de traduzir que é not take it for granted (não dar,
não considerar algo como certo), que diz algo como: não achar que
as pequenas gentilezas são presentes garantidos pelos quais você
não precisa agradecer, não encarar pequenos atos como se fosse
algo natural, uma obrigação. É uma gentileza e deve ser apreciada
por isso. Ele também ensinou aos nossos filhos a importância dessa
gentileza entre nós mesmos, dentro de casa, não apenas com estra-
nhos na rua.

Além de praticar pequenas gentilezas, também precisamos pra-


ticar a escuta. Como diz o texto da Roberta, que abriu este tópico,
escutar a conversa pela vigésima vez, com a mesma atenção. Não
é fácil ouvir a mesa coisa e demonstrar interesse, mas conversas
profundas também fortalecem os laços de amizade do casal.

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É comum que perguntas como “o que você sentiu quando acon-
teceu isso no seu trabalho? Como está sendo viver essa experiência,
na sua opinião?” façam parte da conversa de um casal solteiro ou
em início de relacionamento, mas não de um casal com filhos que
está há muito tempo junto. São tópicos que acabamos discutindo
com amigos, por exemplo, mas muitas que vezes não levamos para
dentro de casa, por causa do desinteresse do outro. Uma conversa
profunda, olho no olho, com uma escuta interessada de quinze mi-
nutos é um excelente exercício para “despicuinhar”.

O já citado Dr. Gottman diz ainda que a negatividade no dia a


dia, as picuinhas negativas como ameaçar “dar um gelo” no outro,
fazer indiretas, desmoralizar o outro na frente de alguém, não vão
deixar de existir. Mas que para compensar essas pequenas desa-
venças e discordâncias, é necessário construir uma poupança das
boas coisas, ou seja, da relação de amizade, da escuta, do abraço
na cozinha, da mão segurada, da mensagem agradecendo por ter
passado em algum lugar para buscar algo seu.

O banco de coisas boas foi uma sugestão porque ao longo dos


estudos longitudinais que acompanharam vinte e cinco casais, os
pesquisadores conseguiram observar que para compensar uma
única atitude negativa em relação aos parceiros, são necessárias
cinco atitudes positivas. É construir uma base sólida de afeto, ami-
zade, carinho, confiança, um banco de coisas boas, para não pre-
cisar se preocupar quando as atitudes negativas, as discordâncias
inevitavelmente acontecerem.

Além dessas dicas todas, algo que pode ajudar a resolver picui-
nhas em um relacionamento é o humor. Algumas atitudes dos par-
ceiros e parceiras nos irritam e não deixarão de irritar, mas quan-

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do se transforma algo assim em piada, não para desmoralizar, mas
para dar leveza à relação e o outro percebe que é uma piada, a
possibilidade de briga se transforma em riso.

Dividindo experiências

Quem já leu meus livros sabe que eu faço a maior piada das
doenças do meu marido, porque quando ele pega uma gripe, acha
que está morrendo. E isso poderia ser um incômodo enorme, e in-
comoda, sim, mas colocando humor, fica muito mais fácil lidar com
esse tipo de picuinha. Ou seja, é importante lembrar que o humor
nos reconecta.

Sobre o banco de afeto, é necessário colocar muita intenção em


sua construção porque não é algo natural. Mas mostrar que esta-
mos atentos às sensações e sentimentos do outro é bonito. Quando
passamos uns dias no Havaí, todo final de tarde íamos para a praia
para as crianças surfarem. O João, desde que eu estava grávida do
Dom, nosso primeiro filho juntos, dizia que o sonho da vida dele era
surfar com um filho. Em um desses dias, quando ele saiu da água
com as crianças eu disse com um sorriso no rosto: “você tem noção
de que está realizando um sonho? Eu quero parabenizar você por
isso”. Eu fiz questão de demonstrar que eu estava atenta aos senti-
mentos dele.

Ao mesmo tempo, eu percebo que ele também está atento às


minhas emoções e preocupações por meio de um comentário sobre
meu nervosismo antes de dar uma palestra, por exemplo. Algo tão
pequeno e simples como um comentário é capaz de me fazer sentir

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vista. É a sensação de estar sendo notada mesmo depois de tantos
anos de relacionamento, de todos os problemas que já enfrenta-
mos, de todas as pedras no sapato.

Esse tipo de atitude positiva - como um simples comentário -,


fazemos com facilidade para amigos, para desconhecidos na rua,
mas deixamos em segundo plano quando se trata das pessoas mais
importantes da nossa vida. Se este não for um hábito na sua casa,
deixar um lembrete no celular para praticar um ato de gentileza
com seu parceiro ou parceira pode ser um bom começo. A felici-
dade genuína pelo trabalho, pelo sonho realizado do outro é o que
nutre o relacionamento.

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PESO 3: OLIMPÍADAS DE CASAL

Um evento muito comum em relacionamentos são as Olimpía-


das de Casal, também conhecido como competição de perren-
gue. Olimpíadas de casal é estabelecer uma escala da dor, disputar
quem está mais lascado, mais cansado, quem enfrentou mais pro-
blemas no dia. É um passar a batata quente para o outro, brigando
para ver quem está sofrendo mais. Isso acaba distanciando o casal
e afetando a parceria. Tudo aquilo que sonhávamos em construir
- uma família e um relacionamento forte e unido -, acaba sendo mi-
nado por essa competição de perrengues.

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Para ilustrar essa situação, criamos dois personagens, o Pedro
e a Juliana. Pedro é a pessoa do casal que está no mercado de tra-
balho, ou seja, trabalha fora de casa. Juliana, está trabalhando em
casa, cuidando do filho e das atividades domésticas.

Vamos imaginas juntas um dia na vida de Juliana, um dia caóti-


co, daqueles que toda mãe conhece. O dia de Juliana começou com
o bebê com diarreia, daquelas que vazam pela fralda e suja lençol
e estraga até o colchão, aquele auê no berço. Enquanto tentava
limpar o berço, a criança chorava sem parar. Quando foi preparar o
strogonoff do almoço, Juliana percebeu que o creme de leite que ia
usar estava azedo. Na sala, todas as peças de lego foram espalhadas
pelo chão. Foi um caos.

Em um outro universo, Pedro está no trabalho. Quando foi fazer


sua apresentação, o PowerPoint não abriu e o chefe olhou torto. Ele
recebeu um e-mail um pouco grosseiro de um cliente. Está super
estressado. Dentro das circunstâncias dele, Pedro também teve um
dia caótico.

Juliana está em casa, olhando para o relógio e fazendo a conta-


gem regressiva das horas que faltam para Pedro chegar, pensando
“quando o Pedro chegar em casa, vou entrar no banho e ficar 40
minutos com a água quente escorrendo pela minha cabeça”. Pedro
está no trabalho olhando para o relógio e fazendo a contagem re-
gressiva das horas que faltam para ir para casa, pensando “não vejo
a hora de chegar em casa e tomar um banho demorado com a água
quente escorrendo pelo corpo”.

Quando Pedro chega em casa, Juliana está esperando com o


bebê pronto para ser entregue ao marido. Pedro abra a porta de
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casa, sonhando com o chuveiro e encontra Juliana com a cara em-
burrada e os braços estendidos para lhe entregar o bebê. O final da
história todo mundo já sabe: competição de perrengue. Cada um
descarrega sobre o outro todo o peso que foi acumulado ao longo
do dia, disputando quem fez mais pontos na escala da dor, para ver
quem está mais “lascado” “você não sabe o estresse que é cuidar
de uma criança, como é solitário”, “meu chefe é um lazarento, es-
tou muito estressado”. Começa aquela disputa em que os dois têm
razão.

Quem olha com um olhar de fora, consegue enxergar que tanto


Pedro como Juliana estão certos. Ambos estão cansados, ambos
têm problemas. Não é fácil, de maneira nenhuma ficar em casa cui-
dando de uma criança e das tarefas domésticas, é um trabalho sem
intervalos nem para usar o banheiro em paz. Também não é fácil ser
responsável por pagar as contas, trazer dinheiro para casa. E quan-
do estamos nos afogando, fica difícil ter empatia pela pessoa que
está ao nosso lado se afogando também. Se eu estou lutando para
manter meu pescoço para fora d’água, como vou conseguir olhar
para quem está fazendo o mesmo ao meu lado. É isso que acontece
nas Olimpíadas de Casal: os dois estão se afogando.

Como fazer para sair dessa situação? Existem ferramentas ca-


pazes de aliviar essa competição de perrengues. Essa forma de co-
municação do tipo que chantageia e joga na cara “ontem fui eu
que dei banho, hoje é a sua vez. Eu já troquei duas fraldas, agora
você que troca”, acaba virando o padrão de comunicação dentro
de casa. Dessa forma, mesmo quando nenhum dos dois está cansa-
do ou estressado, em um final de semana quando está tudo bem,
por exemplo, ainda assim a comunicação utilizada continua sendo
a da barganha. O bebê faz cocô e um fala para o outro “você troca

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o cocô agora porque eu já troquei dois hoje”, e o outro responde
“mas eu troquei três ontem”, vira uma negociação infinita. Algumas
vezes essas cobranças acontecem em tom de piada, de brincadei-
ra. Mas usar esse tipo de comunicação nos momentos de estresse
generalizado é como jogar gasolina em uma fogueira. Portanto é
importante entender que esse, antes de mais nada, é um problema
de comunicação.

Termômetro Emocional

Uma das ferramentas que vamos trazer agora foi inspirada em


um podcast da Brené Brown. Ela falava sobre situações em que ela
e o marido começavam a discutir ainda na porta de casa, ou quando
chegavam do trabalho e ambos estavam esgotados. Ela apresen-
tou uma técnica extraordinária para mudar este cenário. Os dois
estabeleceram um novo padrão de comunicação baseado em uma
escala de quão cansados emocionalmente cada um estava naquele
dia, o que vamos chamar aqui de Termômetro Emocional.

Vamos mostrar como funciona o Termômetro Emocional usando


o Pedro e a Juliana como exemplo. O Termômetro Emocional é uma
escala que vai de zero a dez, sendo que zero é o marco que mostra
que está tudo bem, que o dia está sedo bom, e dez é quando o ter-
mômetro já está estourando, quando alguém já atingiu o estresse
máximo.

Imagine que naquele dia estressante, o Pedro envie uma men-


sagem para a Juliana, algumas horas antes de ir para casa, dizendo
“Amor, meu termômetro emocional hoje está no 8, estou tendo um
dia super estressante”. E vamos supor que o dia da Juliana está OK
- dentro do possível com um bebê em casa. Ela recebe a mensagem

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do Pedro e pensa “ele está no 8 e sendo bem sincera, eu estou no 5,
então eu vou segurar as pontas”. E então Juliana responde a mensa-
gem: “beleza, amor, estou em casa, pode vir que estou te esperan-
do”. É nessas horas que a parceria é construída.

Quando Pedro chega em casa, Juliana já está sabendo do dia


complicado que Pedro teve e diz para ele ir para o banho ter seu
momento de relaxamento, enquanto ela segura as pontas. Da mesma
maneira, haverá dias em que a Juliana vai mandar mensagem para o
Pedro informando que seu termômetro está no dez e será a vez dele
de segurar as pontas. Ele pode, por exemplo, passar em um restau-
rante, buscar comida para que Juliana não precise se preocupar com
o jantar. Pode chegar em casa e imediatamente assumir todos os
cuidados com o bebê para que ela tenha um momento para relaxar.

Quando acontece esse comprometimento, no dia em que Pe-


dro recebe a mensagem de Juliana de que seu termômetro está no
dez, ele se lembra de que na semana anterior era ele que estava
com o termômetro explodindo e que Juliana segurou as pontas. E
vice-versa. A competição cessa, ou ao menos diminui drasticamen-
te. É um meio de recuperar a parceria que havia lá atrás, antes da
chegada do bebê.

Não existe ensaio para a chegada de um filho em um relaciona-


mento. A chegada de uma criança inevitavelmente afeta a parceria,
o dia a dia, o relacionamento, provoca uma mudança na vida dos
envolvidos. Mas são pequenos ajustes como este, que geralmente
têm base na comunicação, que permitem a reconstrução da parce-
ria que se perdeu no caminho.

O Termômetro Emocional é uma ferramenta excelente. Ele per-


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mite que você perceba que a pessoa ao lado está se afogando,
mas que naquele momento você está usando o colete salva vi-
das e que, portanto, consegue dar o suporte para que o outro
se recupere. Isso é parceria! Quando você está bem, quando tem
a oportunidade de cuidar do seu bem-estar, você deseja o mesmo
para o outro. É muito difícil conseguir ajudar alguém, ser o colete
salva-vidas, dar suporte ao outro quando nós mesmos não estamos
bem.

A partir daí, podemos partir para um segundo ponto. É impor-


tantíssimo sermos sinceras e honestas com nossos sentimentos para
perceber se não existe mais alguma coisa por trás dessa competi-
ção de perrengue.

Dividindo experiências

Vou contar um exemplo pessoal para explicar melhor. Quando


o Dom - que foi o primeiro filho biológico do João - nasceu, eu vivi
uma fase de ajuste ao puerpério, precisei me ajustar novamente a
uma vida com um bebê. Caetano, o meu mais velho - filho do meu
primeiro casamento - já tinha 12 anos, então eu não me lembrava
mais como era ter um bebê. É como se o Dom fosse um segundo
primeiro filho.

O João sempre praticou jiu-jitsu e surf, que são suas paixões.


Aconteça o que acontecer, chova ou faça sol, ele encaixa uma des-
sas atividades no dia dele, nem que ele precise almoçar no carro,
ir à noite ou de madrugada. E quando o Dom nasceu, eu estava
me sentindo naquela neblina do puerpério, meio perdida. Eu já não

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estava muito bem comigo antes de engravidar, então quando eu
engravidei e depois que ele nasceu, esses sintomas obviamente se
agravaram. Nos dias que o João tinha o jiu-jitsu dele à noite, às ter-
ças e quintas-feiras, essa competição de perrengue se elevava a um
outro nível.

Quando ele chegava do jiu-jitsu, me encontrava emburrada,


reclamando, contando em detalhes tudo o que havia acontecido
de errado enquanto ele estava fora. Ele então me falava: “Amor,
eu acho que você está estressada, se terça e quinta são meus dias
de fazer jiu-jitsu porque então às segundas e quartas-feiras, no fim
de tarde, você não vai fazer alguma coisa por você? Vai caminhar,
vai fazer um curso, ir para a academia, o que você gostaria de fa-
zer?” Quando ele falava isso, pegava em uma ferida minha, então
eu desconversava e acabava gritando - que é o que fazemos quando
alguém pega na nossa ferida e não sabemos como responder. Mas,
no meu íntimo, eu sabia que o que eu sentia era preguiça. Eu estava
com preguiça de fazer alguma coisa por mim, eu estava perdida e
estava tapando essa preguiça em nome da maternidade. Eu usava o
momento que estava vivendo, de ter um bebê pequeno, para cobrir
uma falta de propósito, falta de ir atrás dos meus hobbies, enfim, de
fazer alguma coisa por mim. Eu estava morrendo de preguiça.

Eu costumo dizer que a Física é camarada porque sair da inér-


cia, colocar a roda para girar requer muita energia, mas depois que
a roda está girando, fica bem mais fácil. Só que essa energia inicial,
para colocar a roda para girar, eu não tinha.

Quando nós queremos fazer algo por nós, damos um jeito, nós
nos impomos, falamos para o outro que ele vai cuidar do bebê por-
que aquele é nosso momento. Exemplo disso é meu marido, que se

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tivesse que acordar às 4h da manhã para ir surfar, ele acordava.
Reconhecer essa autorresponsabilidade dói, se olhar no espelho e
assumir que está com preguiça de fazer algo por si, dói. Isso se
transformava em mágoa, raiva e eu transferia a raiva para o colo do
meu marido em forma de competição de perrengue. Era a maneira
que eu tinha de me defender do peso da minha própria falta de au-
torresponsabilidade.

Precisamos verificar, fazer uma autoanálise, um tipo de con-


versa difícil de se ter conosco, mas que é um esforço importante
para saber se não estamos com preguiça, inveja do outro ter uma
ocupação, um hobby ou até mesmo ciúmes. Quando assumimos o
que há de errado para nós mesmas, fica muito mais fácil dar o pri-
meiro passo. Fica inclusive mais fácil pedir ajuda, um incentivo para
a pessoa que quer nos ajudar, para sair da inércia. Parceria é isso
também, é pegar um na mão do outro, é dizer “você pediu minha
ajuda, então agora você vai. Coloca o tênis e vai caminhar, mesmo
com preguiça”. Quando não estamos inteiras, o que era para ser
uma preocupação com o outro, se torna ressentimento, inveja.

Pode ser que ao invés de preguiça, o que nos impede de sair


da inércia seja cansaço, ou estresse, diversos outros fatores. Nestes
casos, também deve haver a comunicação com o outro, são fatores
que afetam nosso Termômetro Emocional. É necessário identificar
exatamente o que nos impede de dar o primeiro passo.

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Dividindo experiências

Vendo a Rafa falando do jiu-jitsu, me lembrei do meu puerpério


porque o François também pratica jiu-jitsu. Eu, depois de colocar um
ser humano no mundo, não estava entendendo direito nem qual era
o meu nome. Tinha hora que eu me olhava no espelho e eu pensava
onde eu estava. Eu via meu marido se vestindo e tocando a vida como
uma pessoa normal, e aquilo gerava inveja em mim. Ele também não
estava dormindo à noite, então eu ficava com muita inveja da força
de vontade dele de acordar no dia seguinte e ir fazer jiu-jitsu.

Naquela época, eu não sabia o que eu sei hoje, para iniciar uma
conversa. O que eu fazia era pegar meus cacos e tentar furar meu
marido porque eu não sabia conversar. A coisa mais incrível de co-
meçar a estudar sobre desenvolvimento pessoal, sobre leveza, sobre
melhorar é que a partir do momento que você traz uma informação
dessa para a consciência, o que acontece depois é muito mágico.

Não é que a competição de casal nunca mais vai acontecer. Eu


estava no Brasil, sozinha com as três crianças e meu marido estava
em Portugal. Um dia, deu tudo errado: nas aulas online a professora
pediu barbante e uma cartolina azul e não sei mais o que, em um
lugar onde não existe papelaria; eu com um prazo no trabalho; um
dos filhos dormindo mal, ou seja, um caos. Eu estava no meio desse
turbilhão, fui falar com o François e ele começou a conversa dizen-
do: “está difícil aqui sem vocês”. Minha vontade era dizer “como
assim? Eu não tenho onde achar cartolina, aqui, amor. Os três es-
tão brigando por causa não sei de quê etc.” A competição poderia
começar ali.

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Mas com a consciência de que isso é algo muito normal e muito
vivido entre os casais, principalmente com filhos, eu disse: “Amor,
eu estou doida pra começar uma competição de perrengue aqui,
você está pronto?”. Porque eu quero ser vista, quero que meus pro-
blemas sejam vistos. Hoje em dia, como os dois sabem disso, porque
eu converso com ele sobre as coisas que eu leio, estudo e aprendo,
nós começamos a rir.

Eu digo que estou precisando desabafar, conto tudo o que está


acontecendo. Naquele momento, ele não pode fazer nada pela si-
tuação, mas eu preciso desabafar. E é como tirar um peso enorme
dos meus ombros porque eu me sinto vista. Mas também digo que
entendo a solidão, a saudade que ele está sentindo, para que ele
não sinta que não está sendo visto.

É importante trazer isso para o plano da consciência, o que


não quer dizer que nunca mais vamos ter vontade de dizer “eu não
acredito que você está reclamando disso!”. Mas existem ferramen-
tas para amenizar essa vontade, como o Termômetro Emocional. É
necessário que o casal converse sobre sentimentos. Ambos estão
querendo ser vistos, é uma necessidade humana. Mas precisamos
escutar o outro sem iniciar uma competição para ver quem está
sofrendo mais.

Se acontecer uma situação em que as duas pessoas estão com


o Termômetro Emocional no nível dez, e ambos comunicarem o fato
aos parceiros, a solução é entrar no “modo sobrevivência”. Este
modo é acionado naqueles momentos em que os dois estão exaus-
tos, não aguentam mais, mas precisam terminar o dia. Não adian-
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ta um passar a bola para o outro, a criança vai ter que jantar, ser
colocada para dormir, e os dois vão ter que fazer tudo isso juntos.
Muitas vezes a leveza significa aceitar que aquele momento ruim
precisa ser atravessado e que não há nada que possa ser feito para
mudar o cenário, a não ser entrar em modo sobrevivência.

Em modo sobrevivência é fundamental simplificar. Uma pi-


zza congelada, um macarrão na manteiga não vai deixar ninguém
desnutrido. Pular o banho da criança em uma situação dessas, tam-
bém não vai matá-la. É importante que o casal tenha um plano para
essas situações. E que se lembre de que modo sobrevivência não é
a rotina. Como o nome diz, é para sobreviver. Lembrar que o bem-
-estar, naquele dia em que estão todos com o termômetro no nível
dez, é mais importante que o banho da criança, que a alimentação
exemplar da família. Está tudo bem ter um dia fora da rotina, com
televisão ligada, pizza no sofá e o banho deixado para o dia seguin-
te, para que os dois fiquem mentalmente bem.

Quando estamos em um relacionamento com a pessoa que


amamos, o cotidiano acaba engolindo nosso amor. Nesse cenário
das Olimpíadas de Casal, ainda usando o exemplo da Juliana e do
Pedro, é comum encararmos o relacionamento como a Juliana can-
sada e estressada versus o Pedro cansado e estressado. Precisamos
lembrar que não é a Juliana versus o Pedro, mas que é a Juliana E
o Pedro versus o cansaço e o estresse. É o casal contra os proble-
mas e não o problema de um contra o problema do outro. Quando
trazemos isso para a consciência e nos lembramos do que nos uniu
lá atrás, conseguimos resgatar o amor, a união, a parceria, enfren-
tamos juntos até o barco furado, afundando. Isso muda a energia
da casa, muda a forma de criar os filhos, muda o jeito de lidar com
estresse e cansaço, transforma completamente o relacionamento.

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E isso tudo só é possível por meio da comunicação.

Os temas tratados aqui estão todos entrelaçados. Falamos an-


teriormente sobre bem-estar. Notem como não resolve olharmos
apenas para o nosso próprio bem-estar, é importante olharmos e
incentivarmos o bem-estar do nosso parceiro, cuidar do bem-estar
do casal. A falta de autocuidado de um respinga na parceria dos
dois. Enquanto um estiver bem e ou outro não, o que está mal vai
seguir tentando usar seus cacos para cortar o outro. Quando existe
competição no relacionamento, todos perdem, inclusive os filhos.

Quando o casal está em sintonia, quem mais se beneficia são os


filhos. Se falta comunicação e o casal começa a discutir diante da
criança, ela é a mais prejudicada. Quando a comunicação é falha,
podemos acabar usando os gritos com os filhos para indiretamente
deixar claro para o outro que estamos cansadas, sobrecarregadas.

Em um relacionamento romântico, com filhos, existe o perigo de


a parceria virar apenas uma sociedade para cuidar dos afazeres do-
mésticos, uma fábrica para criar seres humanos. É por isso que fa-
lamos da importância dos pequenos atos de gentileza, aqueles que
ajudam a construir um banco, uma poupança de afeto. Um sorriso,
uma piscadinha, uma brincadeira, quando se cruzarem entre a lavan-
deria e a cozinha, é o que basta para começar a construir esse banco.
Mas ele não acontece naturalmente, deve ser intencional, é preciso
se lembrar de fazê-lo. Mudar o foco do negativo, que no caso seria
estarem ocupados com as tarefas domésticas, e se esforçar, ter a
intenção, tirar um tempinho (nem que for necessário anotar na agen-
da) para interagir de maneira carinhosa com o parceiro ou parceira.

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PESO 4: FALTA DE AUTOCONHECIMENTO

Um grande peso da maternidade é não conseguir encontrar a


mãe que nós somos, a mãe possível, perdida entre a mãe idealiza-
da, a mãe que gostaríamos de ter tido e a mãe que queriam que nós
fossemos. Quando você tem um bebê, ou adota um filho, e tem o
seu primeiro contato com a criança, você não está sozinha. Se olhar
para o lado, você vai encontrar outras três mães: a mãe idealizada
- que você mesma criou -, a mãe que gostaria de ter tido e a mãe
que os outros querem que você seja.

A criança passa um pouquinho pelo colo de cada uma dessas


mães até chegar definitivamente ao seu. Chegar ao seu colo, pode
ser um processo porque requer autoconhecimento. Autoconheci-
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mento não é fácil na era digital porque podemos confundir o que
é nosso do que é da outra mãe que está em outra fase, em outra
circunstância, que é idealizada.

Este conceito, diferente de outros que tratamos anteriormente,


não estamos trazendo de nenhuma vertente da Psicologia. É um
conceito que fomos construindo ao longo desses anos todos escre-
vendo sobre maternidade. Certamente algumas dessas mães esti-
veram com você desde o nascimento dos seus filhos e ao olhar para
o lado ainda hoje, pode ser que encontre algumas delas.

A mãe idealizada é um pouco monstro de Frankenstein. Ela


é formada por várias partes: um pouquinho da mãe perfeita que
fantasiamos quando éramos crianças, tem um pouco de uma mãe
que vimos em um filme, da mãe que acompanhamos no Instagram.

Além da mãe idealizada, existe também a mãe que eu gostaria


de ter tido. É essa mãe que ficamos lutando para ser, acabamos
por tentar compensar com nossos filhos, tudo o que não recebe-
mos dessa mãe que não tivemos. E geralmente quando tentamos
compensar alguma falta, acabamos indo para o outro extremo. Isso
acontece muito em relação ao dinheiro, bens materiais. Pessoas que
cresceram sem dinheiro e que depois da maternidade adquiriram
maior poder financeiro comumente decidem comprar aos filhos
tudo o que não puderam ter na infância.

Existe ainda a mãe que querem que nós sejamos. Essa mãe
aparece especialmente nos lares onde dar pitaco e opiniões sobre
a maternidade alheia é algo normalizado. Você chega em um lugar
desse e as pessoas acham que é normal dar pitacos sobre a maneira
que está criando seu filho. Por uma falta de limite qualquer, uma fal-
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ta de comunicação mais assertiva, essa pessoa toma a liberdade, de
dizer o que pensa e encontrar diversos problemas no seu maternar.

Existem vários desafios que vêm com essas três outras mães
que encontramos na nossa maternidade.

A mãe idealizada

O problema da mãe idealizada é que ela é muito distante da mãe


que somos, ela é completamente alheia à nossa realidade. Quando
idealizamos uma praia e chegamos lá e percebemos que não era
bem o que esperávamos, nós nos decepcionamos. Nós idealizamos
um relacionamento, chega o dia a dia e nós nos decepcionamos. A
situação idealizada é muito distante da nossa realidade, o que faz
com que a gente nunca se sentia boa o suficiente. A idealização
gera, ainda, comparações injustas e irreais. Às vezes a compa-
ração é em relação à maternidade de outras mães, que estão em
fases diferentes da sua. É contraproducente idealizar uma mãe com
filhos maiores, quando se tem um recém-nascido em casa.

Idealização também traz culpa - o que iremos discutir mais


adiante -, e nos faz tomar decisões baseadas no medo. Idealização
é uma ilusão que vivemos cotidianamente, mesmo sem perceber. E
quando idealizamos demais, deixamos de viver a nossa maternida-
de possível.

Imagine a seguinte situação: você, que tem um filho, está “na-


vegando” pelo Instagram e decide acompanhar uma mãe que tem
cinco filhos, vegetarianos, que estudam em homeschooling e vivem
com a família perto da natureza, longe da cidade grande. Fatores
que você acredita serem os ideais para se criar filhos. Pode ser que

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falte autoconhecimento para parar e pensar se realmente é um es-
tilo de vida que tem a ver com você e sua família ou que se encaixa
nas suas condições financeiras. Você pode estar idealizando uma
vida no campo e ignorando que no fundo nem gosta de estar tão
perto assim da natureza, tem pavor de insetos.

A idealização causa angústia, como se houvesse uma fórmula,


uma garantia de felicidade. A foto que aparece no Instagram é ape-
nas isso: uma fotografia, o registro de um pequeno momento na
vida daquela família. A idealização atormenta e, estando alheia à
sua realidade, impede que você dê valor ao que você já tem.

Às vezes a idealização é em relação a uma falsa possibilidade de


seguir todas as cartilhas de como ser uma boa mãe. As redes sociais
disponibilizam uma infinidade de informações. E é muito bom ter
acesso a informações de qualidade. A desvantagem é que há tam-
bém nesse meio, muitas informações ruins. Sem falar nos conflitos
geracionais. As gerações anteriores a nossa, agiam de maneira bem
mais autoritária. Não havia tanta informação detalhada sobre o de-
senvolvimento, até mesmo cerebral, das crianças.

O que não pode acontecer é sairmos lendo sobre diferentes


formas de parentalidade, acompanhando diferentes famílias, com
diferentes arranjos e modos de vida, nas redes sociais e querer co-
locar tudo isso em prática, sem olhar com um senso crítico. Existem
muitos conteúdos sensacionalistas, extremistas, sem embasamento
científico, mas acabamos “abraçando” tais conteúdos - que partem
de pessoas que estão em evidência -, por causa de uma suposta va-
lidação que as redes sociais dão.

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É preciso usar as redes sociais sabendo como filtrar o conteú-
do consumido, a mesma cautela necessária para fazer usar os si-
tes de busca. Nós sabemos que procurar os sintomas apresentados
por uma criança (febre, manchinhas na pele etc.) nestes buscado-
res, sem uma avaliação e respaldo médico, significa correr risco de
aterrorizar algo simples. E isso causa sofrimento antecipado e des-
necessário, na maioria das vezes. O mesmo acontece com o consu-
mo de conteúdo das redes sociais, especialmente em temas como
maternidade, parentalidade, desenvolvimento e educação infantil.
Sem esse cuidado, esse filtro, corremos o risco de tomar por ciên-
cia algo que é, na verdade, experimentação social.

Por exemplo, escutamos e lemos sobre Disciplina Positiva e ten-


demos a acreditar que ela é a salvação, o oposto do método auto-
ritário adotado pela geração dos nossos pais. Mas, perigosamente,
deixamos de avaliar contexto, de fazer uma autocrítica, de fazer uma
reflexão genuína. É preciso buscar o contraponto às teorias e meto-
dologias de educação. Não é porque temos afinidade com determi-
nada vertente, que devemos levar ao pé da letra, confiar cegamente.

Jane Nelsen é a autora do afamado livro “Disciplina Positiva”. É


um livro com vários pontos positivos, com boas reflexões. No entan-
to, a maioria das Referências Bibliográficas - que no meio científico
são muito importantes para determinar a seriedade e validade de
um trabalho - utilizadas pela autora são citações de trabalhos ante-
riores dela própria. O que não quer dizer que seu trabalho se tor-
ne automaticamente irrelevante, apenas que não se deve encará-lo
como detentor da verdade e imune a críticas.

A nossa realidade, nossa vida cotidiana também não pode ser


encarada com rigor científico. Você pode ler diversas teorias, apren-

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der sobre diferentes metodologias e aproveitar de cada uma delas
o que você concorda, o que funciona para sua família, dentro do
que você acredita. Não é necessário rotular seu modo de maternar
como sendo fiel a tal ou tal maneira de criar filhos.

Pesquisas científicas para serem relevantes em suas áreas, pre-


cisam da avaliação rigorosa e validação de outros pesquisadores
importantes nessa mesma área. É um processo sério, muitas vezes
complicado e de linguagem não facilmente acessível. Um processo
totalmente diferente de estudos baseados na opinião, no viés de
alguns autores ou em uma interpretação rasa sobre as pesquisas
dos outros. Estejamos atentas aos diferentes tipos de estudos que
acabam virando moda, endeusados por pessoas influentes das re-
des sociais. Não basta estar escrito que tal “dica” foi baseada em
estudos. É preciso questionar e pesquisar que tipo de estudo é esse.

É muito difícil ser leve quando a sensação de que vamos estra-


gar, traumatizar nossos filhos, paira o tempo todo sobre nós. A le-
veza é um efeito colateral da maneira como assimilamos o mundo.
Muito cuidado para não levar informações sensacionalistas (e mui-
tas vezes catastróficas) para o lado pessoal. Não é necessário abolir
as redes sociais, é preciso estarmos despertas ao navegá-las.

E mesmo com todo cuidado que devemos tomar, existe um abis-


mo entre as escolhas que fazemos como mães e a maneira com que
nossos filhos enxergam o nosso maternar. E não há nada que pos-
samos fazer em relação a isso. Algo positivo que fazemos pode ser
visto como negativo por nossos filhos ou vice-versa.

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Dividindo experiências

Quando eu era criança, minha familia tinha uma chácara e via-


jávamos para lá todo final de semana. Eu ia sempre acompanhada
das minhas primas. No caminho, minha mãe dizia que precisáva-
mos fazer uma simpatia para que o fim de semana fosse de sol e
pudéssemos aproveitar a piscina. A simpatia consistia em torcer a
língua (fazendo um canudinho) durante o percurso. Eu acreditava
piamente na simpatia e então nós íamos o caminho todo, da cidade
à chácara com a língua torcida.

Um dia, já adulta, conversando com minha mãe, me veio essa


lembrança na cabeça. E contei a ela que essa era a memória mais
doce que eu tinha da época em que íamos para a chácara. Minha
mãe não acreditou e disse que carregava uma culpa enorme por
causa dessa história de língua torcida. Ela inventou a simpatia para
que eu e minhas primas ficássemos quietas porque meus pais não
aguentavam a nossa falação. É esse o tipo de diferença que existe
entre o que fazemos e o que os outros interpretam.

Falamos bastante sobre a importância do autoconhecimento


para fazer as escolhas que condizem com a nossa realidade. A falta
de autoconhecimento pode gerar ansiedade em quem ainda não
sabe bem o que é melhor para sua família. Quando estamos rode-
adas da opinião dos outros, seja da família, seja do conteúdo que
consumimos, não sobra espaço para fazer o que desejamos e acre-
ditamos, para sermos a mãe que desejamos.

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O autoconhecimento não acontece de uma hora para outra, é
construído, um processo que leva tempo e exige que nos afastemos
de tantas regras impostas por quem está de fora. O conhecimento,
a informação, não pode ser uma prisão. É preciso definir quais são
seus próprios valores e agir de acordo.

Podemos usar um exemplo que é o de um assunto muito discu-


tido hoje que é respeitar o “não” da criança. Muita gente imagina
um cenário em que a criança que tem o “não” respeitado vai saber
se posicionar melhor diante de questões do mercado de trabalho,
futuramente. Quando falamos de consentimento para tocar o cor-
po das crianças, o respeito ao “não” é fundamental, inegociável.
Porém, se o assunto é colaborar nas tarefas da casa, está tudo bem
não aceitar a resposta negativa da criança.

O respeito ao “não” não deve ser uma prisão. Você pede aju-
da para lavar a louça, organizar a casa e a criança diz que não quer.
Você pode aceitar a não participação se essa for a sua escolha. Mas
pode ser também que para você, na sua casa, colaborar nas tarefas
da casa seja um valor inegociável. A leveza é um efeito colateral de
estarmos em paz com as nossas escolhas.

Nós acreditamos que podemos ser exemplo para os nossos filhos


ao ensinar sobre gratidão, gentileza, justiça, empatia, mas ninguém
faz os serviços domésticos por prazer, ou porque nos torna seres
humanos melhores, fazemos por obrigação. Acreditamos que lavar
a louça, organizar a casa, não é algo que a criança vai aprender ape-
nas nos assistindo fazer, sem colocar a mão na massa. A vida não
é sempre gostosinha. Existem obrigações que fazem parte do viver
em comunidade e as crianças só aprendem participando delas.

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Portanto, tenhamos cuidado com a influência dos conteúdos
que consumimos, façamos uso do nosso filtro, estejamos em paz
com nossas escolhas - mesmo que precisemos revê-las de tempos
em tempos. Não existem certezas absolutas quando se trata de de-
senvolvimento infantil. A própria ciência é feita de dúvidas, só evolui
a partir do questionamento de estudos já realizados e teorias es-
tabelecidas. O que devemos buscar é sermos mães suficiente-
mente boas - como dizia o pediatra e psicanalista Donald Winnicott
-, não perfeitas.

A mãe que eu queria ter tido

Muitas de nós carregamos a mãe que gostaríamos de ter tido no


nosso modo de maternar. Tentamos compensar com nossos filhos
tudo aquilo que gostaríamos de ter tido na nossa infância e não ti-
vemos.

Dividindo experiências

A minha mãe é uma ótima pessoa e hoje ela é uma excelente


avó. Na época em que eu era criança, ela tinha que lidar com situa-
ções emocionais complicadas, como divórcio, e também com uma
situação financeira grave. Como ela trabalhava muito, tenho muitas
lembranças de não ter sido buscada no horário, de não ter tido a
participação da minha mãe nas apresentações da escola.

Quando eu tive filhos, eu tentei compensar com eles todas as


ausências que vivi na infância. Mas, muitas vezes levava essa com-
pensação ao extremo. Por exemplo, eu me voluntariava para fazer

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tudo e qualquer coisa na escola, eu era a mãe que saía de casa com
duas horas de antecedência nos dias de apresentação das crianças.

Eu só percebi o gatilho que causava o medo de não estar pre-


sente nesses momentos, no dia em que bateram no meu carro e eu
percebi que ia chegar atrasada para uma apresentação do Noah,
meu filho mais velho. Eu chorava para o policial, dizendo que ia me
atrasar, mas depois percebi que, naquele momento, era a mãe que
eu queria ter tido que estava com medo de se atrasar e não eu. Meu
filho estava despreocupado porque eu nunca havia faltado ou che-
gado atrasada a uma de suas apresentações.

Às vezes precisamos de um olhar de fora para entender que es-


tamos agindo em relação aos nossos filhos, tentando compensar o
que não tivemos na nossa infância. Quem me ajudou a enxergar que
o medo do abandono era uma questão minha foi a diretora da es-
cola que minha filha, Luna, estudava, quando moramos nos Estados
Unidos. Ela me disse uma vez, com todas as letras, que eu não devia
me preocupar tanto porque eu não estava abandonando meus filhos.

Precisamos olhar para os nossos excessos e perceber se


não estamos compensando o que não vivemos na infância. Se
nosso choro para deixar o filho na escola no primeiro dia de aula
está exagerado, por exemplo, pode estar havendo uma tentativa
de compensação. Se a sua situação permitir, a terapia por de ser
um bom lugar para tratar de assuntos como esse. Nessa busca pela
mãe que queremos ser, talvez precisemos de ajuda para não ser a
mãe que gostaríamos de ter tido.

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A psicanalista Mônica Pessanha exemplifica o que estamos di-
zendo: “Tanto a maternidade, quanto a paternidade são refle-
xos vividos na nossa infância, nossas lembranças, experiências
e interpretações. Algumas mães e pais, sem perceber, podem
superproteger os filhos, por exemplo, porque de alguma forma
não foram protegidos na infância”.

A mãe que querem que eu seja

Não ter rede de apoio, morar em outro país ou longe da família


pode tornar a maternidade pesada. No entanto, existe nesse ce-
nário a vantagem de não ter “a mãe que querem que eu seja” tão
presente no nosso maternar. Diferente de mulheres que têm família
muito próxima e que precisam lidar com opiniões e palpites alheios
e não têm espaço para encontrar o seu próprio modo de maternar.

A rede de apoio ajuda em muitos momentos, mas muitas ve-


zes critica qualquer escolha que fazemos: a maneira como os filhos
dormem, colocar ou não as crianças na escola, como vai ser a in-
trodução alimentar. Nesses casos, existe até mesmo o componente,
que já discutimos anteriormente, que é o conflito de gerações que
geram preocupações genuínas e opiniões não solicitadas, embora
bem intencionadas.

Para lidar com essas situações, devemos, primeiro refletir so-


bre o porquê das opiniões alheias incomodarem tanto, pensar se
estamos realmente em paz com nossas escolhas. Também é preci-
so observar se essas críticas estão realmente acontecendo ou se é
apenas uma vontade que existe internamente de reconhecimento
das suas escolhas. Reconhecimento por estar oferecendo uma ali-
mentação saudável, por estar se dedicando totalmente aos filhos,

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por estar amamentando exclusivamente o bebê.

Mas pode ser que as pessoas sejam chatas e querem dar palpi-
tes sobre tudo, mesmo. Se for esse o caso, o que está faltando para
que sua vida seja mais leve é impor limites. Não existe outra manei-
ra de demonstrar para o mundo que é a nossa vida, as nossas esco-
lhas, os nossos filhos, a não ser através de limites. Respeitar o limite
dos outros é algo que necessita bom senso. E mesmo quando existe
permissão, é preciso entrar no território do outro com cuidado.

Se o que falta para barrar as opiniões alheias é colocar limites, é


conseguir dizer “não”, reflita qual é a sua própria reação diante do
“não” de outras pessoas. Muitas vezes, as pessoas que têm dificul-
dade de dizer são as mesmas que têm dificuldade de receber uma
resposta negativa. Isso é algo muito presente na cultura brasileira
porque temos o costume de achar que “vai ficar chato” dizer e re-
ceber “não”.

O “não” pode ser dado de maneira respeitosa. É possível ne-


gar uma opinião, um palpite, uma ajuda não solicitada sem rispidez.
Quando quem precisa dos limites são seus familiares, você pode
iniciar uma conversa, por exemplo, reconhecendo a boa intenção
do outro. Se for alguém mais velho, reconhecer que em outra época
não se fazia o que você escolheu fazer com seus filhos hoje.

Escolher a gentileza na hora de comunicar, ou até mesmo usar


humor para trazer as diferenças entre gerações, pode fazer a dife-
rença na hora de impor limites. Apesar da rigidez da palavra “limi-
te”, a comunicação não precisa ser dura. Mas ela precisa acontecer
para não haver ressentimento e não ficarmos sujeitas o tempo todo
a ser a mãe que os outros querem que sejamos.
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Uma vez que a comunicação foi feita, que os limites estão bem
estabelecidos, não diz respeito a você a maneira com que o outro
vai reagir a eles. Ninguém gosta de receber “não” como resposta,
portanto não espere gratidão. Conforme-se com a ideia de que co-
locar limites e se fazer respeitar não vai trazer aplausos. Saiba sepa-
rar o que é o peso da outra pessoa do que é seu.

Validar o sentimento, oferecer colo, ser empático com a dor e os


problemas do outro é importante. Trazer um pouco da sua leveza,
através do humor ou de um olhar diferente e mais leve do que
o da pessoa, também é uma boa estratégia. Assim como impor
limites quando o que o outro traz para a convivência é a negativi-
dade - pessoas que falam mal dos outros e criticam tudo o tempo
todo, por exemplo.

Não ser a mãe idealizada, a mãe que não tivemos e a mãe que os
outros querem que sejamos, é uma grande ajuda no caminho para
a leveza. É muito cansativo viver de acordo com as expectativas
dos outros. Desenvolva o seu próprio estilo de maternar, usando
sempre do bom senso, pesquisando metodologias e modos de criar
filhos que condizem com suas crenças e realidade, entendendo que
esse é um caminho que só você e sua família podem trilhar e per-
sonalizar.

Dividindo experiências

Eu gostaria de contar um pouco sobre a relação com a minha


sogra. Eu moro fora do Brasil há quase treze anos, então não tenho
o convívio diário com ela. Quando o Dom nasceu, foi uma catástro-

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fe. Minha sogra foi para minha casa e junto com ela sua irmã gêmea
idêntica. Eu costumo dizer que são minhas duas sogras. Era o pri-
meiro neto dela e ela não sabia ocupar muito bem o espaço dela
de sogra, assim como eu não sabia ocupar o de nora porque não
convivíamos muito. Foi um choque para ambas.

Como eu disse antes, o Dom foi como um segundo primeiro filho,


mas eu já tinha uma postura de impor limites claros no meu mater-
nar. Então, o tempo todo que minhas sogras estiveram lá, aconte-
ceram brigas. Não brigas violentas, mas pequenas brigas que acon-
teciam nas entrelinhas, pequenas picuinhas que me faziam contar
os dias para que elas fossem embora. Eu passei o tempo todo sem
aproveitar a ajuda que elas poderiam ter me dado.

Hoje eu olho para trás e vejo que poderia ter agido de maneira
diferente a muitas situações. Um dia, no primeiro mês de vida do
Dom, fomos passear na beira da praia e minhas sogras foram junto.
Minha sogra sugeriu de colocar meia no pé do Dom, por causa da
brisa que é comum na beira-mar. Eu não concordava e percebi que
minha sogra ficou bastante incomodada. Hoje eu penso que não me
custava ter cedido a algo que não faria a menor diferença para o
bem-estar do meu filho e que não cedi por pura pirraça.

Eu brinco que quanto mais filhos eu tive, mais foi aumentando


meu amor pela minha sogra. Foi um processo, uma relação constru-
ída com as duas tendo que aprender a ceder um pouco.

Muita gente diz que o “não” é uma resposta completa, que dis-
pensa explicações. Mas isso é algo que não condiz com o meu modo
de ser, de me comunicar com as pessoas. Eu aprendi, com o tempo,
que eu não precisava simplesmente dizer “não” e deixar por isso
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mesmo. Que eu podia falar “não” e dar uma explicação simples, e
às vezes bem humorada, do porquê eu fiz as escolhas que fiz.

Para impor limites e comunicá-los aos outros, devemos perce-


ber também quando estamos dizendo não apenas por pirraça, pi-
cuinha. Encontrar a maneira mais confortável, para nós mesmas, de
dizer os “nãos”. Refletir o quanto descontamos nos nossos filhos os
“nãos” que deixamos de dizer. Na intenção de agradar aos outros
e sair dizendo sim para todo mundo, quem sofre as consequências
são as pessoas que mais amamos: nós mesmas, nossos filhos e par-
ceiros ou parceiras. Sem saber lidar com os palpites alheios, acaba-
mos descontando raiva, frustração e ressentimento em quem está
por perto.

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PESO 5: CULPA

Existe um ditado que diz “Nasce uma mãe, nasce uma culpa”
em que a palavra culpa carrega uma conotação ruim. E a culpa não
é sempre algo ruim. Você já experimentou ou imaginou viver com
uma pessoa que não sente culpa nenhuma? Imagine viver com al-
guém que trata os outros e age com grosseria, que não se importa
com nada e se sente ok com isso. A culpa regula nossas interações
sociais. Quando machucamos alguém, é a culpa que nos faz perce-
ber que agimos errado, que não é certo machucar as pessoas.

Não existe consenso entre as diferentes correntes da Psicologia


e da Sociologia sobre o conceito de culpa, mas existem definições
que conversam entre si. Escolhemos focar em três elementos prin-
cipais que compõem a culpa. A culpa é um alerta de que fizemos
algo que não foi legal. Por exemplo, um dia você grita com seu fi-
lho e diz a ele coisas duras. No fim do dia, você se dá conta, recebe

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o alerta de que foi dura demais. Esse alerta é o primeiro elemento
da culpa.

O segundo elemento da culpa é a autorresponsabilidade. É


perceber que naquela briga com seu filho você gritou, quando po-
deria ter se autorregulado e conversado com ele de maneira mais
assertiva, mais calma e sem ofendê-lo.

O terceiro elemento é a restauração, é pensar como você pode


restaurar o erro que cometeu.

Quando não consideramos estes três elementos, não consegui-


mos fechar o ciclo da culpa. Assim, a culpa - que deveria ser um
regulador social, um alerta, uma questão de autorresponsabilidade
e de restauração - fica em uma dosagem errada. Diz o dito popu-
lar que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, o mesmo
acontece com a culpa.

Quando a culpa não completa o processo desses três elemen-


tos, a dose é maior do que a necessária e fica revolvendo dentro de
nós, temos dificuldade de superá-la. O que pode nos levar pelo pe-
rigoso caminho da autopunição, desde de dizer palavras duras para
si mesmo até se machucar propositalmente, como comendo mais
do que deve.

Outra questão importante em relação à dosagem da culpa é que


às vezes pegamos um evento isolado e o transformamos em culpa.
Para falar melhor sobre isso, vamos apresentar duas ferramentas
que chamaremos de “zoom in” que é dar um zoom, se aproximar,
e “zoom out”, que é fechar esse zoom, voltar à visão normal. Para

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exemplificar, imagine que seu filho tenha jantado miojo porque a
casa estava em modo sobrevivência e o dia tinha sido caótico. Você
dá um zoom in e se sente culpada porque o jantar do seu filho foi
miojo. Então, você dá um zoom out e analisa se jantar miojo é algo
rotineiro na sua casa. Se a resposta for positiva, se comer miojo no
jantar é algo frequente, você precisa pensar nos três elementos da
culpa. Primeiro, o fato deve servir de alerta, caso você realmente
esteja preocupada com o padrão de alimentação que está estabe-
lecendo para seu filho. Segundo, o elemento autorresponsabilida-
de: é você e/ou seu parceiro(a) que deve oferecer uma alimentação
saudável para seu filho. E por fim, a restauração: fazer um plano de
ação, de acordo com a sua realidade, para mudar o cenário, para
que o jantar não seja miojo todo dia.

Você pode dar o zoom out na situação e perceber que comer


miojo todo dia, não é uma realidade na sua casa, que seu filho tem
uma alimentação equilibrada, com frutas, verduras e que o miojo é
uma excessão entre dias de jantares saudáveis. Neste caso, a culpa
pelo dia atípico é infundada, não deve atormentar, ficar sendo re-
moída internamente.

Nós, mães, costumamos praticar também a culpa baseada em


anacronismo, que é olhar com culpa para uma atitude que você teve
no passado, com as informações, ferramentas e conhecimento que
você tem no presente. Quando usamos o anacronismo, é muito mais
difícil lidar com a culpa porque não tem como fechar o ciclo dos
três elementos. Não há como restaurar aquela culpa porque não há
como voltar no passado e fazer diferente. Essas situações exigem
que a restauração aconteça de maneira simbólica, que a culpa seja
ressignificada.

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Dividindo experiências

Eu tenho um filho de 17 anos que nasceu quando eu tinha 18


anos. E tenho filhos que nasceram quando eu tinha 30 e poucos
anos. Obviamente, a mãe que eu fui para o meu primeiro filho fez
coisas que a mãe que eu fui para os meus outros filhos jamais faria.
Mas é muito fácil, agora, com a mentalidade de 36 anos, com a ba-
gagem, as informações e o olhar que eu tenho hoje, julgar aquela
mãe de 18 anos que eu fui. É fácil e totalmente injusto.

Como eu não posso mais ser para aquela criança, filho de uma
mãe imatura, a mãe que agora eu seria, eu posso ser para ele, hoje,
a mãe de adolescente que eu posso e quero ser, a minha melhor
versão.

Pensar no anacronismo, sempre me faz pensar em uma situação


que vivi quando me mudei para os Estados Unidos. Eu tinha 23 anos
e cheguei com visto de estudante e precisava frequentar aulas para
mantê-lo. Eu precisava estar dento da sala de aula às 9h da manhã
e podia deixar o Cae na escola a partir das 8:45h. Mas, esse, nos
Estados Unidos, é o pior horário para sair de casa, é o horário do
rush. E, por mais que a escola dele fosse próxima da minha, eu não
conseguia fazer o percurso entre elas em quinze minutos, então eu
sempre chegava atrasada para minha primeira aula. Um dia, eu re-
cebi uma carta da minha escola dizendo que se os atrasos continu-
assem, eu não completaria a carga horária necessária para manter
meu visto e ele seria cancelado.

O Cae estava na lista de espera para participar de um progra-


ma em que eu poderia deixá-lo na escola a partir de 6h da manhã.

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Dessa forma, eu poderia deixá-lo mais cedo e chegar a tempo para
minha aula, mas era um programa muito requisitado, então não ha-
via vaga. Quando recebi a carta, precisei ter uma conversa com o
Caetano, que tinha apenas 5 anos. Eu disse a ele que precisaria dei-
xá-lo mais cedo na escola. E foi o que fiz, no dia seguinte. Eu deixei
uma criança de 5 anos, sozinha, em frente ao portão, vinte minutos
antes da escola abrir. Olhando meu filho sentado no meio-fio, eu saí
de lá com o carro, soluçando de tanto chorar. Eu sabia que era um
bairro seguro, que meu filho não estava correndo risco, mas hoje
em dia eu jamais faria o que fiz.

No final das contas, eu conversei com a diretora da minha es-


cola sobre a situação e ela permitiu que eu chegasse atrasada por-
que não sabia o que estava acontecendo. Na semana seguinte, ele
também foi aceito no programa da escola e tudo se resolveu. Mas eu
carreguei essa culpa durante muitos anos. Até que eu não aguentei
mais e decidi que precisava restaurar aquela culpa dentro de mim.
Até porque, eu estava compensando em excesso, dando presentes,
sendo permissiva por conta da culpa que sentia por causa daquele
único dia.

Para restaurar a minha culpa, eu chamei meu filho, já com 14,


15 anos para conversar. Eu falei para ele exatamente tudo isso que
acabei de relatar aqui. Falei também sobre outras situações em que
agi, na época, de um modo que não agiria mais atualmente. Meu fi-
lho me escutou e me acolheu. Ele disse que não lembra que aquela
situação aconteceu e que ele tem apenas boas lembranças de sua
infância. Ele fez comigo, o que eu fiz com a minha mãe em relação
à história da língua torcida.

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Naquela conversa, eu prometi a ele que, a partir de então, eu
seria a melhor mãe que eu poderia, dentro dos conhecimentos que
eu tenho agora e que não tinha na época. E foi, para mim, uma baita
restauração simbólica da minha culpa.

A culpa que precisa ser ressignificada, restaurada simbolica-


mente pode ser em relação aos seus pais, avós, amigos, enfim, não
precisa ser apenas em relação aos filhos. Se, por exemplo, você car-
rega uma culpa em relação a uma avó que já faleceu, você pode res-
taurá-la ajudando seu filho a construir uma relação mais saudável
com a avó dele. É preciso encontrar uma maneira de ressignificar
a culpa de um jeito que faça sentido para você. Entender que culpa
faz parte, mas que é preciso restaurar o peso que ela traz pra nossa
vida.

Nasce uma mãe e não nasce uma culpa. Nasce, sim, uma pessoa
responsável que quer fazer o melhor possível. Uma mãe que, quan-
do erra, dá um zoom in e um zoom out, assume a responsabilidade
pelo próprio erro e faz algo para repará-lo. A culpa não deve ser
excessiva, mas também não deve ser demonizada.

Existem culpas que são socialmente construídas, que fazem


parte de uma cultura. Existem também culpas que dependem do
ambiente em que você está. Vamos supor que em seu grupo de
amigas, ou entre as mulheres do seu trabalho, as que você acompa-
nha nas redes sociais, todas as mães fizeram o desmame natural de
seus filhos, com mais de 2 anos de idade. Se você, com seu filho de
menos de 2 anos, já chegou ao seu limite e quer conduzir o desma-
me dele, é possível que sinta culpa. Uma culpa que provavelmente
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você não carregaria, caso estivesse inserida em um meio em que o
desmame natura não é tão importante. Por isso é fundamental ter
a capacidade de se auto-observar e perceber de onde vem a culpa
que sentimos, se ela faz sentido no seu contexto familiar, com as
escolhas que fez.

Quando nos tornamos mães, conseguimos entender me-


lhor as escolhas que nossos pais fizeram. Conseguimos enxergar
com outros olhos, até mesmo os erros que eles cometeram. E é mui-
to provável que nossos filhos façam o mesmo por nós.

Dividindo experiências

Quando o Cae nasceu eu tive apenas mais um ano de convivên-


cia com a minha mãe. Nossa relação sempre foi boa, mas nesse um
ano em que eu fui mãe e tive a minha mãe ao meu lado, nossa rela-
ção foi ainda mais maravilhosa. Porque eu consegui entender que o
amor que eu tinha por aquele bebê era o amor que minha mãe ti-
nha por mim. E consegui enxergar que qualquer erro que ela tenha
cometido, foi feito tentando acertar, fazer jus àquele amor que ela
sentia por mim e que agora eu conhecia.

Se você tem a sua mãe viva e presente, pergunte se ela carrega


alguma culpa em relação à sua criação. Pode ser que você a ajude
a ressignificar essa culpa, que muitas vezes pode estar relacionada
a algo insignificante, assim como o Caetano me ajudou. Ao libertar
nossa mãe de culpas que ela carrega, passamos a olhar as nossas
próprias culpas com mais gentileza. Este é um exercício que pode
transformar relações familiares.

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Dividindo experiências

Eu tive tempo de ressignificar minha relação com a minha mãe.


Que privilégio ter a chance de poder ressignificar uma relação - que
começou e viveu torta durante anos -, com a chegada dos filhos/ne-
tos. Eu não tive essa mesma chance com meu pai, por exemplo, ele
se foi antes. A imperfeição faz parte dessa trajetória. O fato de eu
ser uma pessoa forte hoje também é resultado dos erros que minha
mãe cometeu no passado.

Precisamos parar de transformar tudo em culpa. Encontrar


tempo para ser a mãe que somos, ao invés de perder tempo precio-
so nos preocupando com a mãe que não estamos sendo.

A Brené Brown, de quem já falamos por aqui, tem uma fala mui-
to importante que diz que precisamos aprender a distinguir culpa
de vergonha. A culpa, que é aquele alerta saudável se for na dose
certa, nos diz que cometemos um erro: “eu gritei com meu filho, eu
errei”. A vergonha nos faz pensar que: “eu sou uma péssima mãe
porque gritei com meu filho”. A culpa está relacionada à ação, ao
erro cometido. Já a vergonha coloca o foco no sujeito, é um vere-
dito para quem cometeu o erro. A vergonha nos paralisa, nos faz
acreditar que se somos desse jeito, nunca poderemos mudar. Com
isso em mente, é importante pensarmos na maneira com que fala-
mos com nossos filhos e com nós mesmas. Quando os tachamos de
preguiçosos, mentirosos, folgados, ou qualquer coisa ruim, estamos
jogando vergonha em cima deles. Precisamos trocar o adjetivo pela
ação: em vez de dizer “você é mentiroso”, dizer “você mentiu”.

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Gostaríamos de propor um exercício de reflexão. Nosso dia a
dia é muito vivido no piloto automático, deixamos passar desperce-
bidos momentos significantes que acontecem. Mas, imagine-se da-
qui a vinte anos, olhe para trás e reflita sobre o que realmente ficou
de tudo o que viveu com seus filhos. Foi a meia que você deixou de
colocar no pé da criança, o miojo que seu filho comeu no jantar em
um dia caótico, ou foram as risadas que deram juntos, os pequenos
atos de afeto e gentileza que criaram a base forte do amor que vo-
cês têm?

Se você carrega muitas culpas, acreditando que já errou demais,


ao invés de pensar “meu filho já tem 12 anos e cometi tantos erros”,
troque o “já” pelo “ainda”. Nunca é tarde demais para começar a
fazer diferente, especialmente enquanto os filhos vivem conosco.
Não há como voltar no tempo, mas é possível a qualquer momento
tornar-se a mãe que você gostaria de ser para seus filhos, com o
conhecimento e as informações que você tem no momento. Se é
possível ressignificar relações que temos com outros adultos como
parceiros e parceiras, pais e mães, é ainda mais possível fazê-lo com
crianças.

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PARA PESOS QUE NÃO ESTÃO SOB NOSSO CONTROLE:
UMA MUDANÇA DE OLHAR

Falamos até agora sobre os fatos do cotidiano que, de alguma


forma estão sob nosso controle e que temos como refletir, evoluir,
melhorar e deixar mais leve - não perfeito. Buscar entender o que
podemos fazer para que ações e situações do cotidiano - gritos,
brigas, diferenças de modo de criar, culpa etc. - se tornem mais
leve, sejam melhores. Estratégias para aliviar os pesos dos nossos
ombros.

Vamos falar, então, sobre situações que não podemos con-


trolar, como as fases de desenvolvimento pelas quais nossos
filhos passam. Um peso enorme que nós muitas vezes carregamos,
como mães, é querermos lutar contra as fases de desenvolvimento
em que nossos filhos estão, como por exemplo querer que um bebê
de um mês durma a noite toda.

Existem ainda outros fatores que não têm relação com nossos fi-
lhos, com a maternidade, que também não estão sob nosso controle.
Uma pandemia, por exemplo, ou algo mais simples como uma pes-
soa que resolveu nos ultrapassar de maneira arriscada no trânsito. É
muito pesado tentar controlar algo que não temos o poder de mudar.

O estoicismo, uma doutrina filosófica que existe desde o século


III a.C, já dizia que aprender a distinguir aquilo que está, daquilo
que não está sob nosso controle é o caminho para a felicidade.
Precisamos exercitar o olhar com leveza para situações que fogem
do nosso controle.

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Já falamos anteriormente que, como espécie humana, nossa
tendência é olhar sempre para o lado negativo das situações, prati-
camos o chamado viés da negatividade. Como mecanismo de pro-
teção, estamos sempre buscando o que está errado ou tentando
antecipar o que pode dar errado. Uma característica fundamental
que garantiu a sobrevivência da espécie - nossos ancestrais preci-
savam estar sempre atentos às ameaças que os cercavam -, mas
que nos dias de hoje pode ser desvantajosa. No entanto, é o tipo de
característica que leva muitas gerações para sofrer alterações sig-
nificativas. Portanto, o primeiro passo para olhar o que está fora do
nosso controle, com leveza, é reconhecer que é trabalhoso deixar
de buscar automaticamente o lado negativo das coisas.

O psicólogo Dr. Rick Hanson, autor do livro “O cérebro e a feli-


cidade”, diz que existem pessoas que nascem com o que ele chama
de “amígdala triste” e “amígdala feliz”. A amígdala é a parte do cé-
rebro responsável pela nossa resposta emocional. Ou seja, existem
pessoas que já nascem mais leves, otimistas, que enxergam o copo
meio cheio e pessoas que já nascem mais pessimistas, negativas,
pesadas.

No entanto, Dr. Hanson explica que o fato de existir essa dife-


rença, não deve servir como desculpa para se resignar a pensar que
nasceu e vai viver sempre com uma “amígdala triste”. Ele diz que o
cérebro não é estático, é neuroplástico, ou seja, tem a capacidade
de se transformar de acordo com as nossas experiências. Portanto,
mesmo que você tenha nascido com uma tendência a ser mais ne-
gativa e cresceu em um ambiente mais pessimista, não significa que
seja impossível tornar-se uma pessoa mais leve e otimista. Não exis-
te determinismo genético para o pessimismo - nem para a leveza.

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Existe um estudo famoso que foi feito com os taxistas de Lon-
dres. Foi observado que o hipocampo - a parte do cérebro respon-
sável pela memória e pela orientação espacial - destes motoristas
havia criado um “calo”, pelo tanto que foi exercitado. É como se o
hipocampo deles tivesse ficado “musculoso” devido ao fato de eles
precisarem memorizar os caminhos da cidade de Londres - este
estudo foi realizado antes da popularização dos aplicativos de na-
vegação por GPS que estão em nossos celulares. Foi um estudo im-
portante dentro do campo da neurociência para mostrar que nosso
cérebro é capaz de se transformar - até mesmo fisicamente - ao
longo dos anos.

É por isso que o Dr. Hanson diz que é possível exercitar a le-
veza e o otimismo, mesmo quando você tem uma tendência
para ser o oposto. Seu livro traz diversos exemplos de pessoas que
nasceram com a “amígdala triste” e conseguiram mudar colocando
em prática a leveza e o otimismo.

Ele traz ainda um estudo de 2013, que aponta que crianças


que crescem desprovidas de amor, desenvolvem a “amígdala tris-
te”. Pesquisadores realizaram diversas e longas intervenções com
algumas destas crianças como, por exemplo, pedir para que elas
se imaginassem cercadas de amor. Ou seja, eles exercitaram nas
crianças, a parte de seus cérebros que estava atrofiada. Os exer-
cícios foram capazes de promover mudanças e transformar suas
“amígdalas tristes” em “amígdalas felizes”.

Hoje já se sabe que nosso cérebro é plástico, mesmo depois


do período crítico da infância. Ou seja, através de nossas expe-
riências, de exercícios, temos a capacidade, mesmo depois de
adultas, de nos tornarmos pessoas mais leves e otimistas.

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OTIMISMO PARA UMA VIDA MAIS LEVE

Queremos apresentar a você, agora, sugestões para mudar o


olhar e dar os primeiros passos em direção a uma vida mais leve.
Tendo em mente o que falamos sobre o viés da negatividade, obser-
ve se, no seu dia a dia, você não está focando sempre no negativo,
nas coisas que estão fora de lugar, nos erros que cometeu. Exercite
seu olhar para observar, pensar nas coisas boas que você fez,
que fizeram por você, que você vivenciou. Exercite seu otimis-
mo. Pessoas otimistas têm mais saúde, um sistema imunológico mais
forte, sofrem menos de estresse, têm relações mais harmoniosas.

O psicólogo Dr. Martin Seligman, criador da Psicologia Positiva,


escreveu um livro sobre como ser otimista (“Aprenda a ser otimis-
ta - Como mudar sua mente e sua vida”). Ele diz que os pessimistas
consideram os problemas permanentes, enquanto os otimistas os
consideram temporários. Os pessimistas têm um hábito de pensa-
mento diferente dos otimistas, tendem a usar a palavra “sempre”
diante de situações que os otimistas encarariam como algo ocasio-
nal. Por exemplo, diante de uma briga entre irmãos em que a mãe
se equivocou defendendo a criança que não era culpada. Uma pes-
soa pessimista geralmente olha para a situação e pensa “eu sempre
faço errado”, enquanto que se a mãe for otimista vai olhar para a
mesma situação e pensar “eu errei dessa vez, mas da próxima vou
ficar atenta para não repetir o erro”.

Dr. Martin diz também que o otimismo é algo que pode ser en-
sinado às crianças. E que o melhor momento para aprender a ser
otimista são os momentos de crise. As crianças observam e imitam
nosso comportamento. Ser otimista em momentos difíceis não sig-
nifica negar ou esconder as dificuldades das crianças, mas agir sa-

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bendo que a crise é temporária. Ser otimista é uma habilidade,
um hábito, que nos ajuda a ser mais leves. E, como hábito, pode
ser exercitado e mudado.

O otimismo é um pilar da leveza. Dificilmente encontramos


pessoas pessimistas que são leves. Mas, quando falamos sobre ser
otimistas, não falamos de um otimismo cego, alienado. Não é para
viver em uma realidade paralela, ignorando os desafios dos momen-
tos difíceis, sejam eles grandes como uma pandemia ou pequenos
desafios no dia a dia.

RESSIGNIFICANDO OS PESOS DA VIDA ATRAVÉS DO HUMOR

Outra sugestão é usar o humor para ressignificar os problemas


da vida. Leveza e humor andam lado a lado. Não é sempre fácil, mas
encarar a vida com humor é transformador. Há quem pense que
usar o humor para lidar com situações graves pode ser falta de res-
peito com quem está sofrendo. Mas não é bem assim.

Um estudo realizado com oitenta e quatro sobreviventes do Ho-


locausto, mostrou que o humor fez a diferença para aquelas pes-
soas naquela situação absurda e desumana. Esses oitenta e quatro
entrevistados foram indicados por outros, que os recomendaram
aos pesquisadores por terem sempre encontrado uma maneira de
colocar humor em uma situação totalmente adversa, como a de um
campo de concentração.

Todos eles disseram que o humor os salvou. “As piadas permiti-

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ram que nos sentíssemos humanos, apesar dos atos diabólicos que lá
estavam acontecendo”, disse uma das sobreviventes. Se essas pes-
soas, que viveram um dos momentos mais tenebrosos da humanida-
de, conseguiram se manter vivas através do humor, sem encarar as
piadas como falta de respeito, nós também somos capazes de colo-
car humor para enfrentar os problemas do dia a dia com mais leveza.

Pessoas que usam do humor para falar sobre determinados as-


suntos costumam sofrer muitas críticas. É como se quem encon-
trasse humor diante das adversidades da vida estivesse alheia ao
sofrimento e à gravidade da situação. Existe uma cobrança externa
para que a dor, as dificuldades sejam remoídas o tempo todo, como
sinal de que se está enxergando o que está acontecendo. Mas é
possível enxergar e lidar com as mazelas da vida e ainda assim se
permitir usar o humor para encará-las.

Dividindo experiências

Desde que eu comecei a escrever sobre maternidade, meu


compromisso é também com a saúde mental de quem me acom-
panha. Obviamente acontecem coisas erradas e problemas na mi-
nha vida, coisas que eu não comento. Eu penso dez vezes antes de
compartilhar algo porque eu penso como aquilo vai reverberar na
vida de alguém que está passando por um momento difícil naquele
dia. Existem pessoas que têm como missão, compartilhar tragédias
e notícias ruins. Mas a minha missão, meu compromisso, mesmo
quando estou em um dia ruim, é compartilhar coisas divertidas.
Porque se eu consigo melhorar o dia de alguém através do humor,
meu dia já valeu a pena.

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No meu maternar o humor teve um papel fundamental. Quan-
do comecei a escrever sobre este assunto, eu rapidamente percebi
que precisava trazer esse olhar com humor para as pessoas porque
percebi o efeito que tinha sobre elas. Qualquer crônica engraçada
que está no meu livro, poderia ter sido contada de maneira trágica.
Mas eu escolhi, como missão, relatar minhas experiências de ma-
neira bem humorada.

Existe um estudo clínico randomizado (o tipo mais importante e


confiável de estudo científico clínico) que mostra que as interven-
ções que trazem riso e humor para a vida das pessoas, dimi-
nuem sensivelmente os sintomas de depressão e ansiedade e
melhoram a qualidade do sono. Precisamos reconhecer o valor do
humor para nossa saúde.

Queremos propor que você faça uma reflexão e perceba se não


há situações, histórias do seu cotidiano que podem ser lidas através
de uma lente diferente. Experimente trocar a lente do pessimis-
mo, da tragédia, pela lente do bom humor. Não é para usar o
humor para escapar dos problemas, mas sim para reconta-los de
maneira bem humorada.

Se você considera que está faltando humor na sua vida, o primeiro


passo para a mudança de olhar é aprender a rir de si mesma. Nós nos
esquecemos da nossa mortalidade e insignificância, e por isso, aca-
bamos nos levando muito a sério. É possível ressignificar a sisudez e
começar a rir de si mesma. Não precisa ser imediatamente, se está do-
endo quando o fato acabou de acontecer. Mas o tempo ajuda a lustrar
e ajustar as lentes usadas para olhar a vida com mais leveza e humor.
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Dividindo experiências

Quando eu era criança minha mãe me mandou para a escola ves-


tida de árvore no dia errado. No dia, foi constrangedor, mas hoje lem-
bramos e, juntas, morremos de rir da situação. O humor foi muito im-
portante para me conectar com a minha mãe. E hoje, eu não sou a mãe
que está sempre sentada no chão, brincando com meus filhos, minha
conexão com eles, também se dá pelo humor. Eles, inclusive, têm o hu-
mor muito parecido com o meu, especialmente o Gael, meu mais novo.

Em viagem ao Brasil, o caminho do aeroporto até a casa que


íamos ficar era uma estrada cheia de curvas. O Gael começou a
vomitar e tivemos que parar a viagem várias vezes por causa disso.
Ele estava se sentindo péssimo, por estar passando mal e também
por estar vomitando no carro do motorista que nos buscou no aero-
porto. Por ser uma pessoa muito empática, mesmo passando mal,
ele pedia desculpas para o motorista o tempo todo - e o homem foi
um amor com ele. No dia seguinte, o Gael e eu fizemos rimas com
o acontecido ao estilo hip-hop. Nós cantávamos sobre o fato dele
alternar entre choro e vômito, os irmãos se juntaram e foi só risada.
Ele mesmo encontrou uma maneira de ressignificar uma experiên-
cia péssima para uma criança de 6 anos, através do humor.

Me lembro também que quando eu era criança, nós passamos


por um período de não ter dinheiro para comprar comida. O que
conseguíamos comprar era pão, pepino e tomate, comíamos san-
duíche de pepino no almoço e no jantar. Nessa mesma época pas-
sava uma novela - “Pão, pão, beijo, beijo” - cuja abertura mostrava
um sanduíche natural, em formato de coração sendo preparado.
Minha mãe pegava nosso pão, cortava mais ou menos em formato

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de coração e servia para nós dançando com a música da novela.
Nós ríamos muito e rimos até hoje lembrando a cena! Era o humor
nos salvando da miséria.

Dividindo experiências

Quem me acompanha pelo Instagram já sabe que o João faz uma


coisa que me irrita muito. Toda vez que estamos viajando com o mo-
torhome, quando vamos sair do acampamento ele pede para eu an-
dar com o carro para ver se não esqueceu algo para trás ou embaixo
do veículo. É uma picuinha, mas é uma coisa que me irrita muito. Ao
invés de me estressar com isso, eu decidi usar o bom humor para
lidar com a situação. Toda vez que ele tenta voltar para o carro de-
pois de verificar se esquecemos algo, eu tranco a porta, ou ando um
pouquinho pra frente cada vez que ele chega perto de abrir. E toda
vez que isso acontece, meus filhos rolam de rir e eu também.

Aliás, colocar humor nos problemas do dia a dia foi muito im-
portante no período que moramos no motorhome. Porque afinal,
eu estava confinada com filhos e marido 24h por dia, no espaço de
um veículo, por sete meses. Quando o caos acontecia, ficava todo
mundo emburrado. Mas, quando alguém - geralmente eu ou o João,
os mais maduros - começava a cantar uma música inventada ou en-
graçada ou fazia alguma palhaçada, o bom humor, o riso contagiava
a todos, mudava o clima geral. Basta um pequeno esforço, escolher
ser a pessoa que traz o humor nas situações difíceis. Não precisa
ser algo grandioso, uma palavra engraçada já é capaz de trazer os
outros para o lado do bom humor.

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Precisamos trazer o humor para nossas vidas, de maneira
consciente, aprendendo a rir de nós mesmas e também dos perren-
gues. Assim, conseguimos, pelo exemplo, ensinar aos nossos filhos
como o humor pode tornar as coisas mais leves. Uma habilidade
que eles podem carregar pela vida toda e que podem ajudá-los a
lidar e ressignificar suas próprias dificuldades da vida adulta.

Se para você é difícil colocar mais humor no dia a dia, se você se


leva muito a sério, pergunte a si mesma qual a importância que essa
situação vai ter dentro de cinco anos. Será que não cabe, mesmo,
uma risada?

Daniel Gilbert, um psicólogo social, escritor e professor de Har-


vard tem um livro chamado “O que nos faz felizes”. Ele explica cien-
tificamente e de maneira bem humorada por que nosso cérebro
erra as previsões, ou seja, algo que achamos que vai ser muito im-
portante para nossa vida, acaba não sendo. O que parece muito
importante agora, pode ser totalmente irrelevante com o passar do
tempo.

Aprender a levar uma vida leve e com humor é um proces-


so. E quando aprendemos a rir de nós mesmas e de situações com-
plicadas, que muitas vezes estão fora do nosso controle, as pessoas
podem se surpreender com nossa reação.

Um exercício para encontrar o caminho do humor é você contar


(escrevendo, falando, compartilhando nas redes sociais) alguma si-
tuação ruim que aconteceu com você sob a perspectiva do humor.
Pense em maneiras de suavizar a história, ressignificar o per-
rengue. É um exercício quase terapêutico. Quando aprendemos e
nos habituamos a contar e recontar uma situação complicada com
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humor, ao vivermos uma nova experiência ruim, passamos a procu-
rar elementos de humor enquanto ela acontece. E isso torna a vida
mais leve.

Gostaríamos de compartilhar uma frase da enfermeira aus-


traliana Bronnie Ware, que escreveu o livro “Antes de partir: os 5
principais arrependimentos que as pessoas têm antes de morrer”.
Ela escreveu esse livro a partir de sua experiência com cuidados
paliativos. Ela diz: “Muitos não se deram conta de que a felici-
dade era, afinal, uma escolha. Eles ficaram presos em velhos
padrões e velhos hábitos. E agora, tudo o que eles queriam era
poder rir. Rir de besteira, rir de qualquer coisa, rir de verdade,
rir de novo”.

É importante nos darmos conta do poder que é pensar nos ar-


rependimentos que temos e teremos antes de partir. Estamos aqui
justamente para sugerir a quebra de padrões e hábitos como disse
Ware. Não estamos dizendo que os problemas deixarão de existir e
que a vida vai ser leve o tempo todo. Dizemos apenas que é preciso
se esforçar, quebrar o padrão de nem ao menos tentar ver a vida
com mais leveza, trazer um pouco de humor e otimismo. Nós temos
tempo para isso, estamos aqui vivas, aproveitemos a oportunidade.

Viver é difícil, é cheio de angústias e problemas reais, como ver


nossos pais envelhecendo. Este é o momento de refletir como va-
mos lidar com esses problemas. Não é fácil, mas agora temos as
ferramentas e uma escolha a fazer.
Dividindo experiências

Quando meu pai faleceu, durante o velório eu me lembro de


estar em um banquinho apoiada no caixão do meu pai e ter minhas
tias atrás de mim. Já era madrugada e estava todo mundo bem can-
sado. Nesse momento, entrou um homem que ninguém conhecia e
minha tia comentou que ele parecia o ator que fazia o Saraiva, um
personagem do programa de humor “Zorra Total”, na época. Eu me
lembro que estava com os olhos cheios de lágrimas, levantei minha
cabeça para olhar para o homem e caí na risada. Eu abaixei a cabeça
e fingi que estava chorando, mas na verdade, estava gargalhando.

É claro que me lembro de todo a tristeza do dia, foi um momento


de muito sofrimento na minha vida. Mas essa é uma lembrança mui-
to forte que tenho do velório do meu pai. Foi algo muito engraçado
que aconteceu em um momento trágico. Não podemos ir para o
caminho da felicidade tóxica, que não valida a tristeza de ninguém,
como se fosse obrigatório estar feliz o tempo todo. Mas precisamos
saber que nós podemos estar tristes a achar humor ao mesmo tem-
po, sentir tristeza por uma coisa e gratidão por outra.

Eu acompanho há muito tempo uma família nas redes sociais,


que tem uma história de vida de muitas lutas e muitas vitórias. É um
casal que lutou contra a infertilidade durante quatro ou cinco anos,
e conseguiu engravidar na terceira tentativa de Fertilização in Vitro.
Por motivos religiosos, o casal não permitiu que fossem realizados
testes genéticos nos embriões, o que costuma ser feito nesses ca-
sos. A gestação correu tranquila, e a bebê nasceu com Síndrome
de Down, o que foi um choque porque todos os exames estavam
normais antes do nascimento. Quando a bebê tinha um ano, desco-
briram que ela tinha leucemia. Ela foi curada do câncer, mas agora
estão lutando novamente contra ele.

Recentemente, a mãe relatou que a família foi passar o fim de


semana em outra cidade e que tiveram um final de semana agra-
dável, em meio a todo esse processo de angústia. Depois desse fim
de semana, ela escreveu nas redes sociais: “É possível encontrar
um pouco de felicidade, mesmo no sofrimento. Meu coração está
doendo. Mas mesmo doendo, meu coração está cheio”.

Não compartilho essa história para despertar a culpa em nin-


guém, mas sim para trazer esperança. Se essa mãe, que está vi-
vendo um inferno, o pesadelo de qualquer mãe, consegue enxergar
algo de bom, um momento de alegria em meio ao caos, nós que
não estamos passando por algo parecido também conseguimos. É
possível estar com o coração cheio e ao mesmo tempo doendo. Nós
não sentimos um sentimento de cada vez, muitos deles acontecem
ao mesmo tempo. Tudo bem se permitir ter sentimentos contradi-
tórios simultaneamente.

SER MAIS FLEXÍVEL

Falamos sobre o otimismo como um dos pilares da leveza. Po-


demos incluir também a flexibilidade como outro pilar. Flexibilizar
é muito importante para alcançar uma vida mais leve. A falta
de flexibilização tem muito a ver com aquela distorção cognitiva de
que falamos no começo do livro, a catastrofização. A nossa dificul-
dade em flexibilizar pode nos levar àquela corrente de pensamen-
tos com final trágico. Nossa imaginação, nossos pensamentos criam
emoções reais. É preciso interromper a catastrofização quando ela
acontece. Se algo fugiu do planejado, podemos procurar outro ca-
minho, ainda que não seja o considerado ideal, ou seja, flexibilizar.
Pode ser que sair mais tarde do que anteriormente planejado nos
faça presenciar algo no caminho que não teríamos visto se tivésse-
mos saído uma hora antes.

Dividindo experiências

Quando estávamos morando no motorhome, eu ficava ansiosa


para dar a hora das crianças irem dormir. Quando elas dormiam,
era o momento que eu e meu marido tínhamos tempo para nós,
para sentar perto da fogueira, relaxar, tomar um vinho. O horário
deles dormirem, era meu grito de liberdade. Eu ficava contando as
horas para “bater o ponto”. No dia que acontecia de eles não dor-
mirem no horário esperado, minha tendência era de me alterar, de
“freak out”. Mas criança não vem com um botão de ligar e desligar,
nem sempre vai dormir na hora que queremos. Um dia aconteceu
de meus filhos não dormirem e eu ficar lutando com a situação até
que eu desisti. Chamei todo mundo pra fora e nos sentamos juntos
ao redor da fogueira. E essa foi uma das melhores noites, uma das
melhores lembranças que eu tenho de sete meses e meio de via-
gem. As crianças ficaram bem e também foram para a cama numa
boa quando chegou a hora.
Nossa tentativa de controle, falta de flexibilidade nos faz blo-
quear as surpresas da vida. Fazer isso em alguns momentos não é
falta de responsabilidade, é acreditar um pouco na vida, deixar que
as surpresas batam à nossa porta.

Muito se fala da importância da rotina para as crianças e para


vida em geral. Certamente o ser humano precisa de um pouco pre-
visibilidade, é importante inclusive para nossa saúde mental. O que
não significa rigidez de horários. Muitas mães se estressam e se
sobrecarregam quando alguma pequena coisa acontece fora do es-
perado.

Sabemos que as crianças podem ficar mais agitadas ou mal-hu-


moradas se deixam de fazer a soneca do dia. Mas, mudar o ambien-
te quando a criança está tendo dificuldade para pegar no sono, por
exemplo, pode ser benéfico tanto para ela, quanto para a mãe que
está lutando para fazer a criança dormir. Pode ser que a criança
durma no carrinho, no parque que você resolveu ir para descansar.

Flexibilizar é ter jogo de cintura. O excesso de rigidez faz mal


para nossa saúde. Precisamos ser mais flexíveis e assim ensinar aos
nossos filhos que essa dança de apertar e soltar as rédeas faz parte
da vida. Nós podemos mudar o ritmo, precisamos querer ser mais
flexíveis. Rigidez caminha ao lado do perfeccionismo e pode causar
muita ansiedade, que nada mais é do que ficar pensando em possí-
veis desfechos, na ilusão de que saberemos lidar com eles, caso se
concretizem.

Quando começamos a ler mais sobre desenvolvimento pessoal,


incluindo toda discussão que fizemos ao longo desse livro, passa-
mos a observar quem está ao nosso redor. E nos damos conta de
que os comportamentos que nos afastam da leveza, é comum nas
outras pessoas, também.

Mudar as pessoas é uma tarefa quase impossível. Ninguém


muda porque alguém impôs seu olhar, as pessoas mudam porque
decidiram mudar. Tem que partir do outro querer ter uma vida
mais leve. Se você está no processo de buscar a leveza e convive
com um parceiro que carrega o peso do mundo nas costas, a única
ferramenta capaz de trazê-lo para o mesmo caminho é o diálogo.
Mas mesmo com uma comunicação empática, não existe garantia
de que a outra pessoa vá concordar em entrar nessa busca.

Quanto mais exercitamos o conteúdo que apresentamos aqui,


mais conseguimos incluí-lo em nosso cotidiano. A prática leva ao
hábito. Mas, como tudo na vida, não é possível ser leve, colocar em
uso esse rol de ferramentas em 100% das situações. Erros aconte-
cerão, assim como os pedidos de desculpas e o compromisso de se
esforçar para fazer diferente da próxima vez.

Fica aqui nosso convite para que você se encoraje e se per-


mita a dar o primeiro passo rumo a uma vida Mais Leve.

Para inspirá-la um pouco mais, gostaríamos de encerrar com


uma crônica da Rafaela.

Uma coisa engraçada da vida com filhos, é que tudo fica ina-
cabado e nada do que você faz parece ser o suficiente. Você pre-
para o almoço, põe a mesa porque sabe que essa coisa de comer
em família é importante, mas o do meio dá uma topada no dedo do
pé, chora, berra e lá se vai o momento fofo. Ao parar para ajudá-
-lo, você enxerga também a bagunça. As uvas passas do pratinho
que caíram no chão, a pilha solta do controle remoto, o pacote de
lenços umedecidos na poltrona, a colher com o resto de iogurte na
bancada da cozinha porque a criança ainda não alcança a pia. E o
resultado é sempre o mesmo: a mente acelera, vem a angústia e a
certeza de que está tudo errado. É isso, está tudo errado por aqui.

Eu estava com os três e era a minha primeira semana vivendo


essa ‘experiência’ de um adulto para três crianças. Todos me cha-
mavam e a bebê chorava. Lembro de ficar nervosa e gritar, ‘infer-
no!’, e imediatamente observar a reação do meu mais velho, que
não se surpreendeu. Sentei no chão do escritório, respirei fundo
algumas vezes, não na tentativa de me recompor, mas para sobre-
viver mesmo. Mais um longo suspiro e agora tudo estava calmo.
A bebê sorrindo contente, cada criança brincando sozinha no seu
mundo, sem gritos, sem choro, sem chamados.

Por que não é sempre assim? - pensei comigo. Seria tão mais
fácil. Eu conseguiria ser uma mãe calma, sorrir mais vezes, levar
numa boa, conseguiria ser mais… feliz. Mal concluí o pensamen-
to e já fui atropelada por outro. Como irei viver os próximos anos
desse jeito? Estressada, gritando, reclamando, lutando com unhas,
dentes e sanidade, por uma calmaria constante que, obviamente,
não irá existir.
Eu queria ser uma mãe leve, mas para isso eu desejava mudan-
ças na casa, na rotina, no marido, na lista de mercado, na decora-
ção, se duvidar até no Rob, nosso vizinho, mas não em mim. E claro,
neles, nos meus filhos. As crianças precisariam mudar para que eu
conseguisse essa leveza. Não tinha como ser leve com crianças me
chamando, o tempo todo, pela casa. Foi quando percebi que alguma
coisa não se encaixava nesse quebra-cabeça. Foi um daqueles mo-
mentos da vida em que os pensamentos clareiam e os horizontes se
abrem.

O caos marcaria presença. Isso já não era uma hipótese, mas


uma certeza. Talvez a única da vida com filhos. A angústia não vem
do caos em si, mas da minha vontade de dominá-lo, de escrever o
roteiro de toda e qualquer cena vivida em família. Os chamados e o
choro serão diários. Os meus filhos estão em uma fase em que pre-
cisam de mim para as mais simples tarefas. Desde o combo fralda
e lição de casa até para verificar se o tênis está no pé certo. Eles
precisam de mim para refeições, e questionamentos, e sentimen-
tos, e tombos, e frustrações, e por razões que nem eles e nem eu
compreendemos. Nada disso tem escapatória porque essa é a mi-
nha fase, é a nossa fase.

Eu teria que cruzar aquela ponte de qualquer jeito, me estilha-


çando ou inteira, nervosa ou em paz, dizendo “inferno!” ou con-
tente. A mudança não nasceria no caminho, mas no caminhar. Ela
nasceria em mim. E ainda sem entender como começar, em um im-
pulso, chamei os meus filhos, ali, na bagunça, no chão do escritório
e tiramos uma foto.

Eu prometi, silenciosamente, para mim e para eles, que deixa-


ria a felicidade entrar. Deixaria a felicidade entrar mesmo na pres-
sa, mesmo nos dias estressantes, mesmo no descontrole.
Há sempre felicidade para entrar. E ela vem de todos os lados e
por todas as brechas. Ela expulsa expectativas irreais e imagens de
como deveria ser. É fruto da gratidão e do contentamento.

Deixe a felicidade entrar - eu grito para a voz na minha mente!


Deixe a felicidade entrar quando nada está sob seu controle. Deixe
ela entrar nas perguntas repetidas das crianças, quando tudo sai
errado. Porque talvez o inesperado é exatamente o que vocês pre-
cisam. Deixe ela entrar no choro, que o seu amor é capaz de acal-
mar, e nos legos que, temporariamente, farão parte da decoração.
Deixe a felicidade entrar no corre-corre da hora do banho e na sen-
sação de mais um dia, de mais uma oportunidade. Deixe a felicida-
de entrar nos lugares em que você, por anos, acreditou que ela não
caberia: nos objetivos adiados, na zona que é o seu carro, na roupa
fofa que já manchou, no acordar cedo demais, nos chamados, nos
pedidos. Deixe a felicidade entrar na certeza de que para eles você
é o sol, a lua e as constelações, fantasiados de calça de ginástica,
coque no cabelo e unhas cortadas bem curtinhas porque é mais
fácil de manter e é o que temos para hoje. E se, por acaso, você
pensa que o seu propósito de vida ao lado dessas crianças é man-
ter a ordem, a casa bonita, a boa aparência e as refeições equili-
bradas, pare. Pare neste instante! Respire fundo, tire uma foto (vai
que funciona aí também?) e repita para você, para o cosmos, para
o pedaço de giz de cera que está de baixo da mesa de jantar e para
quem estiver passando: Deixe a felicidade entrar!


R A FA E L A C A R V A L H O
(trecho retirado e adaptado do livro “É Fase”)

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