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A Arte Neoclássica no Brasil por Rosângela Vig

Os elementos clássicos que seduziram a Arte do século XIX, na Europa, encantaram também o
Brasil. Na poesia de Silva Alvarenga (1749-1814), do Arcadismo, o interesse pela Antiguidade fica
claro na referência que faz, o poeta, a termos do período. Sua poesia abria caminho para o
Romantismo no Brasil, mas ficava claro o formato árcade de seu texto, pela simplicidade, pela
naturalidade e pela rejeição ao rebuscamento do Barroco. Enquanto o Arcadismo despontava na
Poesia, a Arte brasileira se metamorfoseava para o Neoclássico, estilo que permaneceu até por
volta de 1870.
Muitas mudanças ocorreram no Brasil, em 1808 e, uma delas foi chegada da Família Real. O Rio
de Janeiro, onde a corte então se instalara, passou a ser o novo centro cultural e político do país.
No campo artístico, as inovações da Europa chegaram junto com a Missão Artística Francesa, em
1816, encarregada e contratada para fundar e dirigir a Escola Real de Artes e Ofícios, no Rio de
Janeiro. O grupo, composto por artistas, arquitetos, músicos, mecânicos, ferreiros e carpinteiros,
era liderado pelo escritor Joachim Lebreton (1760-1819) e, entre os componentes, estavam o
arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850); o paisagista Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) e
seu irmão, o escultor Auguste-Marie Taunay (1768-1824); o gravador de medalhas Charles-Simon
Pradier (1783-1847); e o pintor Jean-Baptiste Debret (1768-1848). O grupo entretanto, encontrou
obstáculos, como a resistência da tradição barroca, já enraizada no país; a escassez de recursos
financeiros e de materiais; e as intrigas políticas.
Muitos dos ofícios que, no Brasil, antes eram passados de pessoa para pessoa, como a
Arquitetura, a Escultura, a Pintura e o Desenho, passaram a ser estudados oficialmente na Escola
de Artes, que ficou mais tarde, conhecida como a Academia Imperial de Belas Artes. O local é,
atualmente, a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Influenciada pelos modelos europeus, a Arte brasileira substituía, aos poucos, os exageros do
Barroco, moldava-se para o academicismo e para a imitação dos clássicos. Não poderia ser
diferente na Arquitetura. As igrejas passaram a ter um modelo mais comportado, menos rebuscado,
voltado para a simplicidade da forma e para a racionalidade.
Por aqui, o Neoclássico deixou marcas no Rio de Janeiro, onde a família Real se instalou e em
vários estados. E a Arquitetura do período se apresentou de dois modos. De um lado houve um
Neoclássico oficial, aos moldes internacionais, com um nível complexo de influência, feito com
material importado, para a corte, para os meios oficiais e para as classes mais altas. Surgiam os
palácios. De outro lado, uma versão provinciana do estilo, com uma influência europeia mais
superficial e de caráter imitativo dos grandes centros. No feitio, como os recursos daqui eram ainda
escassos para a complexidade do padrão trazido da Europa, era necessário que os materiais
fossem trazidos de fora. Quanto às inovações, as áreas externas passaram a ser valorizadas;
foram feitos aqui, os primeiros jardins planejados; e a palmeira imperial passou a ser utilizada como
elemento do paisagismo. A decoração dos espaços internos foi valorizada, com os revestimentos, a
pintura com cores suaves, os tons pastéis e a utilização de refinados objetos. E a beleza do
Neoclássico serviu de inspiração para edificações em vários estados do Brasil.
No Rio de Janeiro, entre as construções desse estilo, estão o Palácio Imperial, a Casa da
Marquesa de Santos, o Palácio do Itamaraty, o Palácio do Catete, o Museu Nacional Brasileiro,
além de casas em fazendas enriquecidas pelo café, cujos interiores se aproximavam muito dos
padrões da corte.
O Palácio Imperial, também conhecido por Museu Imperial 4, foi a antiga residência de verão de
Dom Pedro I. Sua construção, iniciada em 1845, terminou somente em 1862 e contou com a
participação de importantes arquitetos da Academia Imperial de Belas Artes e com um lindo projeto
paisagístico. No interior do imóvel, os pisos em madeira foram importados de várias províncias do
império e há pisos em mármore Carrara, oriundos da Bélgica. Na forma, a clareza e a simplicidade
neoclássicas estão presentes na fachada simétrica, com frontão triangular, que lembra as
construções clássicas e renascentistas italianas. Nas paredes externas, o suave tom de rosa
contrasta com a linhas brancas das janelas. As inferiores com detalhes em forma de arco; as
superiores com detalhes retilíneos.
Na Bahia, um dos maiores ícones da fé cristã, a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim (Fig. 1),
também seguiu os padrões da Arquitetura do período, em sua construção e em seu interior. Entre a
beleza de sua azulejaria e dos afrescos, a construção conserva ainda em sua fachada, resquícios
do Rococó.

Inaugurado em 1850, o Teatro de Santa Isabel (Fig. 6), em Recife, já recebeu várias celebridades e
é um dos mais belos do país. Vários recursos tecnológicos foram implementados em suas
reformas, mas se mantiveram as características originais que o tornaram um dos maiores
representantes do Neoclássico, em Pernambuco. Atestam o estilo, o frontão triangular da fachada;
os arcos e as colunas da entrada, alinhados com as janelas da parte superior; e as linhas e
detalhes das paredes externas. Para seu feitio, foram importados mármore italiano, ferro francês e
pedras portuguesas. E Recife guarda ainda como representantes do Neoclássico, o Palácio da
Justiça (Fig. 7) além de outros prédios públicos e casarões.
No Brasil Imperial, a vinda da Missão Francesa possibilitou que se oficializasse o ensino da Arte. O
ofício de escultor, antes passado de pessoa para pessoa, passava a ter agora, uma metodologia
acadêmica. Entre os professores indicados estavam Auguste-Marie Taunay e Marc Ferrez (1788-
1850), posteriormente substituídos por Francisco Elídio Pânfiro (1823-1852) e Francisco Manuel
Chaves Pinheiro (1822-1884).
O feitio neoclássico fica à mostra na obra de Chaves Pinheiro 5, o escultor que mais produziu na
segunda metade do século. O artista estudou na Academia Imperial de Belas Artes, foi aluno de
Marc Ferrez e muitas de suas esculturas podem ser vistas em museus, igrejas e praças públicas.
Seu esmero com a forma; sua predileção pelo estudo de figuras humanas e pelo figurativo, ficam
claros em sua obra mais importante, a Escultura Equestre de Dom Pedro II (Fig. 10). Com 2,80
metros de altura e 3 metros de comprimento, o modelo, feito em gesso, não chegou a ser fundido
em bronze, uma vez que Dom Pedro II, preocupado com sua boa imagem no país, recusou a
homenagem em prol da construção de escolas. Na escultura, Dom Pedro se apresenta sobre um
cavalo, em vestes militares, decoradas e com chapéu. Sua mão esquerda segura as rédeas do
cavalo e a direita, estendida, saúda o povo pela vitória conseguida, na Rendição da Uruguaiana.
Entre as características neoclássicas, a obra faz uma alusão aos acontecimentos da época, de um
Brasil ainda Imperial. A figura de Dom Pedro, solene, sobre seu cavalo, é imponente, austera e
transparece o poder do imperador. A regularidade da forma, a harmonia da proporção e a
correspondência com a realidade são os mesmos dos clássicos da Antiguidade, aqui retomados
com uma ressignificação, atualizados para o modelo Neoclássico.
No Centro Histórico de Salvador, na Bahia, o Chafariz do Terreiro de Jesus faz uma alusão à
Mitologia. A Escultura, de 1861, foi feita de ferro fundido e tem uma base circular, em mármore.
Contornam a parte inferior da imagem, duas mulheres e dois homens seminus representando os
quatro rios mais importantes da Bahia, o São Francisco, o Jequitinhonha, o Pardo e o Paraguaçu.
Mais ao alto, na outra bacia do chafariz, ainda como resquícios do Rococó, foram esculpidas
conchas, guirlandas e delfins. Mais acima, há quatro meninas com as mãos entrelaçadas; há uma
bacia adornada com plantas e por último está a grandiosa imagem da Deusa Ceres, representativa
da Abundância.
Do sonho nasce a obra, nos recônditos da alma distante, embriagada pelo que há em torno de si.
Esse pensamento norteia a Arte e deve ter conduzido o pensamento de muitos artistas no Brasil do
século XIX, porque a Pintura brasileira, de então, foi uma viagem pictórica nesse país onde a corte
portuguesa estava se instalando. E o artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) foi um dos
grandes realizadores desse acervo, na forma de Arte. Em seu livro, Viagem Pitoresca e Histórica
ao Brasil, o artista traçou e coloriu as imagens que via, do cotidiano, da sociedade da época, dos
índios, dos escravos, dos animais e das lindas paisagens brasileiras. O próprio Debret foi instruído
por seu primo e professor Jacques-Louis David (1748-1825), consagrado artista francês, do
Neoclássico. O academicismo, orientou seu trabalho e de outros artistas que aqui se instalaram, no
período, deixando para os séculos posteriores imagens que narraram uma época. Além de Debret,
a Missão Francesa trouxe Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e o alemão Johann Moritz
Rugendas (1802-1858). Assim como a Escultura e a Arquitetura, a Pintura também passava a ser
ensinada de forma oficial, aos moldes do Neoclássico europeu.

Quanto a Debret, suas obras fotografaram o Brasil de meados do século XIX, em seu cotidiano.
Transitaram elas entre o Neoclássico e o Romantismo, na abordagem e por se oporem ao rigor
Neoclássico, destacando e valorizando os temas nacionais. Embora instruído aos moldes
acadêmicos, Debret trabalhou de forma livre, sem se preocupar em ser um espelho do que
retratava.

Entre os artistas brasileiros que frequentaram a Academia Imperial de Belas Artes, estão Manuel de
Araújo Porto-Alegre (1806-1879), que foi aluno de Debret; Victor Meirelles de Lima (1832-1903),
que entrou na academia com apenas quatorze anos; e Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-
1905).

Orientado nas tradições acadêmicas, Victor Meirelles (1832-1903) transitou pelo Neoclassicismo,
do qual herdou o equilíbrio, a padronização e o rigor da forma; a clareza e a exatidão anatômicas; e
a preferência por temas históricos, como em sua conhecida obra, A Primeira Missa no Brasil, de
1860. Aventurando-se também pelo Romantismo, o artista acrescentou o sentimentalismo a seu
estilo; carregou sua obra de uma identidade única e nacional, tratando de temas como o
indianismo, em Moema.

O academicismo fica evidente em seu Estudo para Casamento da Princesa Isabel (Fig. 11), uma
das obras encomendadas pela Família Imperial. A preocupação do artista com o feitio está
presente na imagem, pelo uso da proporção, da simetria, dos contrastes entre claro e escuro, da
riqueza de detalhes e do tema solene. As pessoas estão reunidas para o importante evento da
nobreza, em um salão ricamente decorado. Há cortinas vermelhas, muito altas, com pregas e
delicado desenho nas bordas. As paredes e o piso tem delicados desenhos e as lindas vestes dos
convidados são aos moldes do período, destacando-se entre eles, o imperador e a nobreza.

Considerações finais
Os artistas da Missão Francesa foram além dos desígnios a eles atribuídos, de sistematizar o
ensino das Artes. Inspirados pela exuberância de nossas paisagens naturais e por um Brasil em
formação, permitiram que o espírito criativo agisse de forma livre. Incorporaram aos modelos
europeus, o nosso próprio, disseminando com isso, mais que a Arte, mas a Cultura e a História do
país.
A pedra bruta, a tela alva e as lindas construções foram os testemunhos desse gênio criativo. E o
resultado não poderia ser outro senão a personalização de um período e de um estilo, que acabou
por ser moldado à nossa realidade.

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