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v.8, n.

8
2021
Expediente
Sumário
Agradecimentos 4
Editorial 5-7

DOSSIÊ
A METRÓPOLE EM PRETO E BRANCO: análise das mudanças na paisagem urbana de Belo Horizonte
com base no acervo ASCOM (1947-1967)
Alessandro Borsagli 8-28

A DIFUSÃO DA FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: a Praça da Estação nos conjuntos


documentais do APCBH
Suellen Alves de Melo 29-50

PRINCIPAIS ADQUIRENTES DE LOTES DE BELO HORIZONTE 1895-1931: segundo o índice de lotes urbanos
do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)
Maria Lúcia Prado Costa 51-68

A VOZ DELAS: análise de discursos das representantes da ALEM no acervo audiovisual da CMBH (2001-2005)
Maria Ferraz 69-94

ENTREVISTA
Maria do Carmo Andrade Gomes 95-99

ARTIGOS LIVRES
LUGAR E MEMÓRIA: percepções e vivência escolar no contexto da modernidade no Instituto de
Educação de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG)
Juliana de Lima Caputo
Juliana Lima de Almeida Bastos
Yasmin Sthefany Xavier Almeida Reis 100-118

UMA BREVE CENA DE MOVIMENTOS CULTURAIS NEGROS EM BELO HORIZONTE (1995-2019)


Denilson Alves Tourinho 119-133

“FUTEBOL É PAIXÃO, COPA DO MUNDO É NEGÓCIO”: reforma do Mineirão pelo olhar da


imprensa Belo-Horizontina
Bryan Douglas Martins de Miranda 134-154

ENTRE A INTEGRAÇÃO E A FRAGMENTAÇÃO: um olhar para a relação entre Sabará e Belo Horizonte
Ana Lídia de Paula Santos 155-169

BH: cidade censurada


Reynaldo Luiz Calvo
Júlia Calvo 170-185

ARQUIVO NA SALA DE AULA


Proposta Pedagógica 1
QUEM É ESSA RUA? A escolha dos nomes das ruas como parte do processo legislativo
Rúbia Dias 186-194
Proposta Pedagógica 2
URBANIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA: aspectos da história local
Lucimar Lacerda Machado Coelho 195-199
Agradecimentos

A REAPCBH é uma publicação eletrônica que tem por objetivo


divulgar trabalhos científicos que contribuam para o
desenvolvimento dos debates sobre a história de Belo Horizonte,
assim como o campo de estudos arquivísticos. Graças à valiosa
colaboração de diversas pessoas que aceitaram dispensar seu tempo
e seus conhecimentos em avaliações criteriosas, a Revista chega a
sua oitava edição.

Agradecemos a atenção dispensada e os trabalhos realizados com


empenho e dedicação.

Agradecemos também ao Conselho Consultivo pela disposição em


sempre nos orientar no necessário.

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REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 8, n. 8, dezembro de 2021 - ISSN: 2357-8513
Editorial

É com muita satisfação que entregamos ao público a 8ª edição da REAPCBH.


Esta edição da revista marca os 30 anos de existência do APCBH e por isso tem um
caráter especial, com a publicação do Dossiê “O Arquivo Público da Cidade de Belo
Horizonte como fonte de pesquisa da cidade”. Os artigos que compõem o dossiê
refletem sobre a importância do acervo do APCBH para o desenvolvimento de
pesquisas acadêmicas, em diferentes áreas do conhecimento, assim como o uso de seus
documentos em sala de aula por professores.

Ao longo desses anos de existência do APCBH, a instituição enfrentou muitos


desafios e também alcançou muitas conquistas. Hoje é reconhecido como uma
instituição de referência para diversos arquivos municipais, no que se refere às suas
metodologias de trabalho. O seu acervo é estudado por pesquisadores de diversas partes
do país, assim como o cidadão comum encontra na documentação sob a guarda do
APCBH a possibilidade de comprovar seus direitos, esclarecer suas dúvidas, fazer
pesquisas e ampliar seus conhecimentos.

Destaca-se o acervo da Assessoria de Comunicação Social do Município


(ASCOM), que possui diversos documentos, com ênfase para as fotografias,
amplamente consultadas por pesquisadores. Neste dossiê da revista, temos dois artigos
que se debruçaram na análise dessa documentação iconográfica, “A metrópole em preto
e branco: análise das mudanças na paisagem urbana de Belo Horizonte com base no
acervo ASCOM (1947/1967)”, do pesquisador e geógrafo Alessandro Borsagli, e “A
difusão da fotografia como documento arquivístico: a Praça da Estação nos conjuntos
documentais do APCBH”, da pesquisadora e arquivista Suellen Alves de Melo. Os
artigos ressaltam a importância desse acervo de fotografias para a memória da cidade e
para a compreensão das mudanças urbanas. O APCBH também possui outros acervos
de caráter iconográfico que podem ser encontrados em fundos como BELOTUR e
SUDECAP, que são de grande relevância para o estudo sobre a cidade e sua identidade
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coletiva, as transformações sociais e paisagísticas ocorridas ao longo do tempo.

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Partimos para o artigo da historiadora Maria Lúcia Prado Costa, intitulado
“Principais adquirentes de lotes de Belo Horizonte: 1895-1931 segundo o índice de
lotes urbanos do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)”, que também
tem como fonte de pesquisa os Relatórios dos Prefeitos ao Conselho Deliberativo, que
estão sob a guarda do APCBH. Em seguida, temos o artigo de Maria Ferraz intitulado
“A voz delas: análise de discursos das representantes do movimento lésbico no acervo
audiovisual da CMBH”, que estuda a documentação da Câmara Municipal de Belo
Horizonte, que está sob a guarda do APCBH e disponível para pesquisas. A historiadora
tem como fonte de pesquisa, neste artigo, os registros de falas em gravações de reuniões
da CMBH, um acervo ainda pouco explorado pelos pesquisadores.

Encerramos o dossiê com a reflexiva entrevista de Maria do Carmo Andrade


Gomes, que já foi gestora do APCBH, atuando em diversas frentes de trabalho na
instituição. A vida da historiadora se entrelaça à trajetória do APCBH de forma
marcante para ela e também para a instituição, que Maria do Carmo conduziu
enfrentando desafios e alcançando conquistas.

Para além do dossiê, a revista traz artigos que refletem sobre Belo Horizonte em
diferentes aspectos, como o trabalho intitulado “Lugar e memória: percepções e
vivência escolar no contexto da modernidade no Instituto de Educação de Minas Gerais,
em Belo Horizonte - MG”, que aborda a relação de alunos e ex-alunos com o IEMG.
Também, nesta edição, temos o artigo “Uma breve cena de movimentos culturais negros
em Belo Horizonte (1995-2019)”, que apresenta as atividades culturais que ganham
cena na capital, no contexto do tricentenário da luta de Zumbi dos Palmares, sendo uma
delas o Festival de Arte Negra (FAN). Em seguida, trazemos o artigo “Futebol é paixão,
Copa do Mundo é negócio: a reforma do Mineirão pelo olhar da imprensa Belo-
Horizontina”, discussão realizada com base nos periódicos jornalísticos da época da
reforma do estádio. O artigo “Entre a integração e a fragmentação: um olhar para a
relação entre Sabará e Belo Horizonte” aborda as relações de Sabará com a capital
mineira, no que se refere à questão da metropolização. Encerrando a seção de artigos
livres, a REAPCBH traz uma homenagem da professora Júlia Calvo, da PUC Minas,
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para o seu falecido pai, Reynaldo Luiz Calvo, trazendo à luz um texto cheio de
reflexões, escrito pelo arquiteto, e guardado há muito anos em sua gaveta.
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A edição comemorativa dos 30 anos do APCBH fecha-se com duas propostas
pedagógicas de uso de documentos, na seção “O Arquivo na Sala de Aula”. As
propostas de Rúbia Dias e Lucimar Lacerda Machado Coelho foram pensadas com o
uso de documentos do acervo do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, que
possui grande potencial para professores e escolas da capital mineira, para tratar de
diversos temas com os estudantes.

Por fim, desejamos uma boa leitura, repleta de reflexões!

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Dossiê

A METRÓPOLE EM PRETO E BRANCO: análise das


mudanças na paisagem urbana de Belo Horizonte com base no
acervo ASCOM (1947-1967)
The metropolis in black and white: analysis of the urban landscape of Belo Horizonte based on
ASCOM collection (1947-1967)

Alessandro Borsagli*1

RESUMO: O artigo analisa, a partir do acervo de imagens da Assessoria de Comunicação Social do


Município (ASCOM), as transformações ocorridas na paisagem urbana da cidade de Belo Horizonte entre
os anos de 1947 e 1967, período que corresponde ao processo de metropolização da capital de Minas Gerais.
Nesse sentido, a partir das análises realizadas nas imagens do acervo que se encontra sob a guarda do
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, torna-se possível dividir os registros fotográficos das
administrações municipais em dois períodos, um de cunho técnico e outro de cunho populista. As imagens
apresentam não só grande valor para a compreensão das mudanças ocorridas na capital mineira durante o
processo de metropolização, mas também um valor de representação visual das administrações municipais
do período analisado.

Palavras chave: Belo Horizonte. ASCOM. Iconografia. Paisagem urbana.

ABSTRACT: This article approaches the transformations occurred at Belo Horizonte urban landscape
among 1947 to 1967 based on Assessoria de Comunicação Social do Município (ASCOM) collection. This
period is associated to Minas Gerais capital metropolization. In this sense, the analyses of images presented
in the ASCOM collection allowed to divide the records of municipal administration in two period, technical
and populist. The images represent are a great value for the comprehension of changing occurred in the
capital during the metropolization process, in addition, also represented a great value to visual
representation of municipal administration in the analyzed period.

Keywords: Belo Horizonte. ASCOM. Iconography. Urban landscape.

Introdução

A cidade de Belo Horizonte, ao longo dos 124 anos de existência passou por
rápidas e profundas transformações de ordem urbana e ambiental, entre outras
transformações que modificaram de maneira notável a paisagem urbana da capital de
Minas Gerais. Nesse contexto, onde a paisagem é modificada e adaptada de acordo com
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Mestre em Geografia pela PUC Minas, autor do site Curral del Rey e de diversos livros sobre a Geografia
Histórica de Belo Horizonte. E-mail: borsagli@gmail.com

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os interesses e necessidades de diversos segmentos da sociedade, a fotografia exerce um


papel de grande importância para o conhecimento e análise das paleopaisagens.
No caso de Belo Horizonte, cidade pensada, planejada e parcialmente construída
entre os anos de 1894 e 1897, as mudanças ocorridas na paisagem se deram em um curto
intervalo de tempo, onde as transformações urbanas e paisagísticas mais notáveis
aconteceram em períodos distintos ligados entre si, deixando fragmentos na paisagem e
na memória da população, que nos últimos anos tem se interessado cada vez mais por
fotografias que ajudam a compreender a dinâmica da evolução urbana da capital.
Nesse sentido, o acervo da Assessoria de Comunicação Social do Município
(ASCOM), atualmente sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
(APCBH), possui grande importância entre os acervos iconográficos que preservam os
elementos urbanos existentes, modificados ou demolidos e que em algum momento foi o
presente do que hoje é o passado.
Portanto, o objetivo deste artigo é analisar, a partir das imagens do acervo da
Assessoria de Comunicação Social do Município de Belo Horizonte, as transformações
ocorridas na paisagem urbana da cidade de Belo Horizonte entre os anos de 1947 e 1967,
que atestam a notável transformação urbana pela qual passou Belo Horizonte, em um
período que se caracteriza pelo processo de metropolização da capital mineira e por
consequência, pelas profundas modificações em sua paisagem urbana.
Nesse contexto, é importante observar que entre os anos de 1950 e 1964, Belo
Horizonte apresentou um aumento populacional de cerca de 270%, passando de 352.724
habitantes no ano de 1950 para cerca de um milhão de habitantes no ano de 1966,
resultado do processo de metropolização da capital, iniciado por volta de 1950 e
desencadeado, entre outros fatores de cunho social, político e econômico, pela
consolidação da Cidade Industrial, criada por decreto no ano de 1941 e o aumento da
exploração do minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero (BELO HORIZONTE, 1979,
p.256), onde Belo Horizonte se encontrava em posição geográfica favorável para o
estabelecimento de siderúrgicas, indústrias e demais serviços que proporcionaram o
acentuado crescimento a partir da primeira metade da década de 1950.
A linguagem visual, no caso aqui abordado a fotografia, proporciona a leitura da
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paisagem em um determinado tempo e espaço (SILVA et al, 2017, p.2), possibilitando,


no âmbito urbano, compreender como se deu a transformação da paisagem, sendo

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considerada por parte do meio técnico científico como imagem da realidade (GOLTARA;
MENDONÇA, 2015, p.120).
Os acervos iconográficos que registram as transformações ocorridas na paisagem
de Belo Horizonte podem ser considerados reminiscências de um período de importantes
transformações urbanas, políticas, econômicas e sociais, dentro do qual as fotografias
exercem um papel muito mais complexo do que apenas o papel associado à contemplação,
tornando-se um importante objeto de análise histórica e atestando a mudança paisagística
ocorrida na capital, além de atestar, por meio da imagem, as transformações ocorridas ao
longo das décadas a partir da constante remodelação do espaço.

Fotografia, paisagem e Belo Horizonte nas primeiras décadas

A fotografia surgiu no século XIX, em um momento em que o ocidente passava


por profundas transformações científicas, econômicas, sociais e culturais, e rapidamente
tornou-se um símbolo da expressão da realidade que deveria ser perpetuada. No caso do
Brasil, a fotografia chegou por volta de 1840 no Rio de Janeiro e em poucas décadas já
havia se disseminado pelas principais cidades brasileiras possuindo uma função
geralmente funcional, se resumindo a uma forma de produção de retrato ou registro
documental (MENDES, 2003, p.185).
Para John Tagg, a fotografia não é uma ideia, e sim itens materiais “que são
produzidos por um modo de produção elaborado, e distribuídas, circuladas e consumidas
dentro de um certo conjunto de relações sociais” (TAGG, 1993, p.188). Para o autor, as
imagens são significadas e entendidas dentro de inúmeras relações de sua produção, ao
mesmo tempo em que elas são plenas de ambiguidades, portadoras de significados não
explícitos e de omissões pensadas, calculadas, como observado por Kossoy (2002).
Visto a sua natureza físico-química e, atualmente, eletrônica/digital, a fotografia
ganhou ao longo do tempo um notável status de credibilidade. Para Kossoy (2002) a
imagem fotográfica depende de três componentes que possibilitem sua existência no
mundo: o assunto, que é o objeto do registro; a tecnologia, que viabiliza tecnicamente o
registro; o fotógrafo, o autor, quem a idealiza por meio de processos cultural, estético e
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Nesse contexto, torna-se necessário ainda observar que, com o advento de novas
técnicas, a fotografia a partir da década de 1860 tornou-se cada vez mais popular no
ocidente, cujo interesse atendia não só as camadas menos abastadas da sociedade, mas
também os interesses governamentais, que utilizava a fotografia como propaganda e
registro documental (FATH, 2020). Para Mauad (2005):

A fotografia deve ser considerada como produto cultural, fruto de trabalho


social de produção sígnica. Nesse sentido, toda a produção da mensagem
fotográfica está associada aos meios técnicos de produção cultural. Dentro
dessa perspectiva, a fotografia pode, por um lado, contribuir para a veiculação
de novos comportamentos e representações da classe que possui o controle de
tais meios, e, por outro, atuar como eficiente meio de controle social por meio
da educação do olhar (MAUAD, 2005, p.144).

Partindo da ideia de que a fotografia é um produto cultural de grande importância


artística, documental e comprobatória, ressaltando que ela não é apenas uma forma de
representação da realidade, e sim uma das formas de ver, perceber e apreender a
paisagem, ela pode ser considerada um capítulo à parte na história de Belo Horizonte,
cidade imaginada, planejada e construída sobre o sítio que anteriormente era ocupado
pelo arraial do Curral del Rey, destruído para a construção da nova capital de Minas
Gerais (BORSAGLI, 2016a, p.19). A nova capital de Minas Gerais surgiu em um
momento onde a fotografia passava por transformações que permitiriam anos mais tarde
a sua popularização, possibilitando ainda o estabelecimento de novas atribuições à
imagem fotográfica.
De início, a fotografia foi utilizada pela Comissão Construtora da Nova Capital
(CCNC) como um instrumento que atestava a transformação do real, da paisagem que
desapareceria com o avanço das obras de construção da Cidade de Minas 2
(BARTOLOMEU, 2003, p.39), e a criação de um gabinete fotográfico tinha não só
finalidades documentais, mas também de propaganda, uma vez que a ideia de construção
de uma cidade racional e geométrica, onde o espaço deveria ser hierarquizado e a natureza
controlada, era até então inédito no Brasil.
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Primeira denominação da nova capital. No ano de 1901 passou a se chamar Belo Horizonte, denominação
herdada do antigo arraial do Curral del Rey, que teve o seu nome alterado no ano de 1890 para arraial de
Belo Horizonte.

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Nos primeiros anos que se sucederam à inauguração da capital, ocorrida no ano


de 1897, a fotografia com finalidades de registro documental continuou a ser feita de
maneira regular à quantidade de equipamentos fotográficos que existiam na cidade.
Destacam-se os fotógrafos Francisco Soucasseaux e Raimundo Alves Pinto, autores de
dois álbuns fotográficos compostos de inúmeras fotografias de uma cidade moderna, que
rompia com os becos tortuosos das antigas cidades surgidas no período colonial e
exemplo a ser seguido pelos principais centros urbanos do Brasil republicano.
Nesse mesmo período, as fotografias passaram também a ilustrar inúmeros cartões
postais que levavam para fora do estado e mesmo do país as imagens e perspectivas de
uma moderna cidade dos trópicos. Tal projeto político dotado de um plano urbanístico
apresentava, nas dezenas de postais veiculados a partir das primeiras décadas do século
XX, suntuosos edifícios em meio a grandes espaços vazios e paisagens pitorescas com
fortes traços rurais, em grande parte conectadas ao ecletismo dos edifícios e à geometria
das vias (BORSAGLI, 2016a, p.79).
A partir da década de 1920, uma parte considerável das fotografias feitas pelo
poder público possuía como principal característica o registro das obras de urbanização e
saneamento realizadas em Belo Horizonte (Figura 1). É uma década que pode ser dividida
em duas partes: na primeira metade da década, as fotografias apresentam, em geral, os
elementos naturais como entraves à expansão do traçado ortogonal, com imóveis
residenciais coexistindo com pastos, matas e cursos d’água em leito natural, responsáveis
pela interrupção das vias planejadas.
As imagens, como as imagens realizadas pela administração estadual de Mello
Viana (1924-1926) serviriam como prova visual para a execução das obras que foram
realizadas na segunda metade da década, visto a necessidade de se controlar o meio em
prol de uma cidade salubre, higiênica e organizada.
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Figura 1 - Obras de canalização do Ribeirão Arrudas

Legenda: Perspectiva das obras de canalização do Ribeirão Arrudas no ano de 1925


publicada na Revista Fon Fon a partir de uma matéria patrocinada pelo governo estadual.
Fonte: Acervo Biblioteca Nacional, 1925.

Nesse contexto, observa-se que a partir do ano de 1926, as imagens das obras
realizadas pelas administrações municipais passaram a ilustrar boa parte dos relatórios
anuais apresentados ao Conselho Deliberativo do Município de Belo Horizonte, e após o
ano de 1936, à Câmara Municipal. Os primeiros relatórios ilustrados foram elaborados na
gestão de Christiano Machado (1926-1929) e contemplavam basicamente as obras de
canalização, saneamento e pavimentação de vias (BORSAGLI, 2016a, p.123).
Muitas das fotografias, organizadas em álbuns fotográficos denominados
Calçamento de Ruas de Belo Horizonte, Obras de Canalização e Saneamento Básico de
Belo Horizonte, Aspectos da Cidade de Belo Horizonte, Conjunto de Obras Públicas e
Obras Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte durante a gestão de Christiano
Machado, foram enviadas para diversos estados para fins de propaganda, uma vez que o
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presidente do Estado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, dentro do acordo político entre
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São Paulo e Minas Gerais, que elegeu grande parte dos presidentes do período da

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República Velha (1894-1930), tinha pretensões de ser o próximo candidato à presidência


da república, nas eleições de 1930.
Nesse período, a fotografia em Belo Horizonte já havia se popularizado e os
registros fotográficos passaram a ser mais regulares e abrangentes, a partir desse momento
também praticado como hobby onde, além dos profissionais já habituados a registrar de
maneira documental e artística diversos aspectos da capital, outros fotógrafos como
Wilson Baptista e Augusto Guerra Coutinho passaram a registrar cenas do cotidiano de
uma cidade que crescia para todos os lados e para cima (BORSAGLI, 2016, p.105).
Através da lente dos fotógrafos, a transformação da paisagem urbana de Belo
Horizonte a partir da década de 1930 foi sistematicamente registrada, e sob essa
perspectiva, pouco estudada. Nesse contexto, é importante observar que a partir da
associação homem natureza em um determinado tempo/espaço, e a ação coletiva com a
finalidade de adaptar e modificar o meio a partir das necessidades específicas de cada
grupo social, na busca de uma melhor adaptação ao sítio habitado, a paisagem urbana
passa a existir, tornando-se objeto de análise e de reflexão com o intuito de se
compreender as formas e as relações entre o meio e o ambiente construído, onde a
fotografia, analisada de maneira criteriosa e ciente das motivações e interesses que
envolveram a sua concepção, pode exercer um papel crucial no processo de reconstrução
geográfico-histórico.

As imagens do acervo APCBH/ASCOM e a sua importância para a


análise e compreensão das mudanças ocorridas em Belo Horizonte
(1947-1967)

De acordo com Miranda (2015), a Assessoria de Comunicação Social do


Município de Belo Horizonte (ASCOM) foi criada no ano de 1992, após as alterações
ocorridas nos órgãos responsáveis pela comunicação social da administração municipal e
secretarias.
No ano seguinte, o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte recebeu uma
grande quantidade de documentos da ASCOM, onde se destacam as imagens produzidas
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ao longo das administrações municipais das últimas oito décadas, distribuídas de maneira
regular para os meios de comunicação da capital para fins de divulgação3.
Possivelmente, os registros feitos pela divisão de comunicação social do
município se iniciaram no período do Estado Novo (1937-1945), quando foi criada a
Agência Nacional - órgão responsável pela divulgação dos atos realizados pela
administração federal de Getúlio Vargas (1930-1945) - que produziu imagens durante os
atos do então ditador4. As primeiras imagens do acervo da ASCOM possuem certa
similaridade com as imagens produzidas pela Agência, como visitas às obras de
infraestrutura urbana e eventos específicos, como inaugurações e cerimônias oficiais.
Belo Horizonte era então administrada por Juscelino Kubitscheck de Oliveira
(1940-1945), prefeito nomeado pelo interventor estadual Benedito Valadares (1933-
1945), por sua vez, nomeado por Getúlio Vargas no ano de 1933. Ou seja, a criação de
uma divisão responsável pelo registro e divulgação dos atos municipais nesse período
está em conformidade com os planos federais de difusão e registro dos atos e realizações
federais, fato também observado por Miranda (2015) ao se referir ao surgimento de um
órgão responsável pela comunicação social do município. É importante observar também
que as novas formas de gestão municipal consolidadas após 1930, possivelmente
iniciadas na segunda metade da década de 1920, também contribuíram para a criação da
divisão municipal de comunicação social em Belo Horizonte.
As primeiras imagens identificáveis da ASCOM remetem ao ano de 1947, período
em que Belo Horizonte, pela primeira vez em sua história, realizou eleições para a escolha
do prefeito, até então nomeado pelo governo estadual.
Nesse contexto, o período se caracteriza ainda pela realização das eleições gerais
no Brasil após a queda de Getúlio Vargas, ocorrida entre os anos de 1945 e 1947, onde
em uma das primeiras imagens do acervo da ASCOM (Figura 2) é possível observar as
faixas de cunho político instaladas no vale do ribeirão Arrudas próximo à Estação
Rodoviária e o Abrigo de Motoristas São Cristóvão.

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Muitas das imagens produzidas pelas administrações municipais do período analisado ainda se encontram
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nos acervos fotográficos da imprensa escrita de Belo Horizonte, sem identificação de sua origem.
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Existem muitas imagens das visitas realizadas por Getúlio Vargas e por diversos presidentes da república
a Belo Horizonte nos arquivos da Agência Nacional, onde a similaridade com o acervo iconográfico da
ASCOM é notável.

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A imagem apresenta ainda o cotidiano de uma das regiões mais movimentadas de


Belo Horizonte, tendo em primeiro plano a ponte da Rua Berilo, construída pela
administração de Juscelino Kubitscheck com a finalidade de melhorar a mobilidade
urbana de um trecho que já apresentava no período congestionamentos frequentes durante
os horários de pico e nas passagens das composições ferroviárias (BORSAGLI, 2017b,
p.281).
Figura 2 – Ponte da Rua Berilo, no bairro Lagoinha de Belo Horizonte.

Legenda: Perspectiva da ponte da Rua Berilo, demolida no ano de 1981na Lagoinha, 1947.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

A segunda metade da década de 1940 se destaca por ser um período onde as


transformações na paisagem urbana dos principais centros urbanos do Brasil ocorriam de
forma abrupta e veloz, decorrentes do processo iniciado na Era Vargas, onde o incentivo
econômico e os investimentos realizados pelo governo federal para a criação de zonas
industriais levaram a profundas mudanças de ordem viária e urbana, da qual Belo
Horizonte pode ser considerada uma das protagonistas da reorganização urbana iniciada
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na primeira metade da década de 1930.


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Dentre as mudanças ocorridas nesse período, a modernização/verticalização da


área central, a abertura/ampliação de vias, o estabelecimento de uma zona industrial no
vale do ribeirão Arrudas no ano de 1936 e a contínua valorização das áreas mais afastadas
do centro se encontram em conformidade com as políticas de remodelação urbana
disseminadas pelo governo Vargas (BORSAGLI, 2015, p.27).
Nesse contexto, as imagens produzidas na segunda administração de Octacílio
Negrão de Lima (1947-1951) apresentam em geral as obras e benfeitorias realizadas ao
longo da gestão do prefeito, dentre as quais se destacam as obras de construção das
barragens de detenção do Leitão e do Acaba Mundo e o alargamento deste último no
bairro Funcionários (Figuras 3 e 4). As imagens contemplam ainda as obras de instalação
da drenagem pluvial na Cidade Jardim e diversas imagens panorâmicas feitas de pontos
específicos da região central, perspectiva que se tornou recorrente nas administrações
seguintes, em um momento em que a cidade se encontrava em um embrionário processo
de metropolização que se consolidaria na gestão seguinte, de Américo Renné Giannetti
(1951-1954).
É importante ressaltar que a partir da administração de Negrão de Lima, as
imagens não contemplam apenas as ações de infraestrutura urbana promovidas pelas
administrações municipais, passando a abranger também os eventos, solenidades e o
próprio cotidiano do prefeito e demais servidores do município que se encontravam no
exercício de suas funções, possivelmente em consonância com o período político de
cunho populista que emergiu a nível nacional após a renúncia de Getúlio Vargas em
outubro de 1945.

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Figuras 3 e 4 – Obras no Córrego Acaba Mundo.

Legenda: Aspectos das obras de alargamento do canal do córrego do Acaba Mundo e construção da
barragem de detenção nas cabeceiras do mesmo curso d’água, 1949.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

A gestão Giannetti possui, entre outras medidas de relevância para o estudo da


história do processo de evolução urbana de Belo Horizonte, a criação de um Plano
Diretor, a elaboração de um plano rodoviário municipal e a reforma do Parque Municipal
(Figuras 5 e 6), realizações que visavam preparar a capital para a inevitável
metropolização que, de acordo com a administração municipal do período (BELO
HORIZONTE, 1954, p.75), figura como um dos motivos para a elaboração do plano e de
obras que visavam resolver o “enclausuramento” da cidade nos horários de pico
(BORSAGLI, 2016a, p.246).
A ideia defendida pela gestão, de uma continuidade do planejamento estabelecido
pela Comissão Construtora da Nova Capital (BELO HORIZONTE, 1952, p.22), também
evocado por administrações anteriores demonstra que, mesmo preso a ideais de cunho
político-tradicionalistas de ordem urbanística, existia uma preocupação da administração
municipal para uma ação planejada, onde as obras que seriam executadas obedeceriam
um plano racional, revelando não só a realidade físico-espacial, mas também as condições
socioeconômicas da capital, onde o estabelecimento de um plano e de uma metodologia
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de trabalho eram imprescindíveis para o crescimento ordenado e equilibrado da capital, o


que de fato acabou não ocorrendo.
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Figuras 5 e 6 – Obras em Belo Horizonte.

Legenda: À esquerda: obras de canalização do córrego do Acaba Mundo no Parque Municipal, 1954. À
direita: trecho recuperado da Estrada dos Borges, bairro Santa Inês no ano de 1954.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

Nesse contexto onde a metropolização já era uma questão concreta e que


demandava soluções urgentes, a gestão do prefeito Celso Mello de Azevedo (1955-1959)
se destaca pelos primeiros registros fotográficos oficiais dos inúmeros bairros populares
que já existiam em Belo Horizonte, em consonância com a criação do Departamento de
Bairros Populares (DBP), ocorrida no primeiro ano da administração, assim como a busca
pelo estabelecimento de um planejamento que tinha como finalidade compreender a
estrutura urbana da capital (BORSAGLI, 2016a, p.252).
Os assentamentos informais já existiam em Belo Horizonte desde a sua fundação,
no entanto, até o presente momento se conhece poucos registros visuais das primeiras
favelas que inicialmente se assentaram dentro dos limites da Avenida do Contorno, ao
mesmo tempo em que inexiste qualquer registro cartográfico ou menção de destaque nos
relatórios oficiais.
À medida em que eram urbanizadas as terras compreendidas dentro da Avenida
do Contorno, as favelas foram sendo extintas e os seus moradores expulsos ou realocados
em locais fora da zona urbana planejada (Figuras 7 e 8), sobre as quais Roger Teulières
(1956), um dos poucos pesquisadores a abordar a questão no período 1897-1955, realizou
19

um estudo geohistórico descritivo a respeito da formação das favelas da capital mineira.


Dentro desse contexto, os registros fotográficos passaram a mostrar não só as favelas,
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mas também a população de rua que crescia a cada ano, em Belo Horizonte, devido ao

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acentuado fluxo, em grande parte causado pelo êxodo rural, que levava a migração de
grandes contingentes populacionais para os centros urbanos.

Figuras 7 e 8 – Migração em Belo Horizonte.

Legenda: À esquerda: cartaz instalado na Vila São Vicente em apoio ao trabalho realizado pelo DBP.
À direita: moradores de rua, possivelmente retirantes, sob o Viaduto de Santa Tereza, 1955.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

Dentro dos estudos sobre o processo de evolução urbana de Belo Horizonte, a


gestão de Mello de Azevedo ainda se destaca pela criação de espaços de lazer infantil em
algumas das principais vias e praças da capital e a busca pela solução hídrica da capital
(Figuras 9 e 10), que nesse período já apresentava uma crescente disparidade entre a
disponibilidade e o consumo (BORSAGLI, 2016b, p.146).
Os estudos dos locais onde seriam assentados os tubos de aço que levariam as
águas para a capital foram registrados pela divisão responsável pela comunicação social
do município, assim como as demais obras realizadas pela gestão que havia compreendido
que a metropolização era iminente, assim como os problemas decorrentes da disparidade
cada vez mais crescente entre o crescimento populacional e urbano e as obras de
infraestrutura necessárias para o pleno funcionamento da cidade. Importante ressaltar que
uma parte considerável das fotografias produzidas pela gestão se encontram em
consonância com as informações contidas nos relatórios elaborados ao longo da gestão,
encerrada em 31 de janeiro de 1959.
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Figuras 9 e 10 – Espaços de lazer e obras em Belo Horizonte.

Legenda: À esquerda: um dos “recantos” construídos para o lazer infantil na Avenida Brasil, 1956.
À direita: prefeito e técnicos analisam o local para a construção da adutora do Rio das Velhas, [1956?].
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

A gestão do prefeito Amintas de Barros (1959-1963) foi marcada pelo populismo


e pelo emprego da palavra metrópole pela primeira vez em seus relatórios, em um
momento onde a capital começava a sofrer as consequências causadas pela disparidade
entre o acentuado crescimento urbano e a infraestrutura necessária para dar suporte ao
crescimento. De acordo com Borsagli (2016a), Belo Horizonte era o retrato do caos
gerado pelo processo de metropolização para o qual as administrações municipais não
haviam se preparado.
A paisagem urbana se encontrava em transformação com a construção de grandes
edifícios de uso misto, ao mesmo tempo em que as principais vias fora da Avenida do
Contorno eram asfaltadas, obras regularmente visitadas pelo prefeito, que fazia questão
de aparecer em eventos oficiais com parentes, e de posar como um operário, um líder que
buscava estreitar a sua relação com as massas a partir de imagens minuciosamente
preparadas e distribuídas para os meios de comunicação do período (Figuras 11 e 12).
Nesse sentido, não só a administração de Amintas de Barros, mas também a de
Jorge Carone Filho podem ser consideradas como a materialização de um estágio político
que ocorreu no Brasil entre os anos de 1946 e 1964, quando a sociedade, de um modo
geral, se tornava cada vez mais urbana, e consequentemente mais suscetível aos conflitos
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gerados por esse processo.


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A administração de Amintas de Barros possui ainda como característica a notável


quantidade de registros dos eventos, visitas e demais acontecimentos ocorridos durante
sua administração, fato que acabou por se tornar comum nas gestões seguintes.

Figuras 11 e 12 – O Prefeito de Belo Horizonte, Jorge Carone Filho.

Legenda: À esquerda: o prefeito com uma ferramenta durante o asfaltamento de vias no bairro Padre
Eustáquio. À direita: o prefeito durante a visita do vice-presidente João Goulart em julho de 1960. À direita
de João Goulart o candidato ao governo do estado Tancredo Neves.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

A administração de Jorge Carone Filho (1963-1965) foi responsável por


profundas transformações na paisagem urbana de Belo Horizonte a partir da adoção de
uma postura agressiva frente aos problemas agravados pela metropolização, onde a
mobilidade tem destaque em meio ao pacote de obras lançado pelo prefeito no primeiro
ano de gestão.
Aliado político de João Goulart, Carone conseguiu um financiamento federal para
a realização de obras que visavam a melhoria da mobilidade, como a cobertura do córrego
do Acaba Mundo, na Rua Professor Morais, a retirada dos trilhos da Rede Mineira de
Viação na Praça Vaz de Melo e Avenida Nossa Senhora de Fátima, o asfaltamento e
alargamento de vias, como as obras de ligação da Avenida dos Andradas, responsável
pelo estreitamento da Praça Rui Barbosa, até então conectada ao canal do ribeirão Arrudas
(Figura 13), e o corte dos Fícus na Avenida Afonso Pena e Bias Fortes sob justificativa
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de melhoria do tráfego na área central de Belo Horizonte.


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A administração foi ainda responsável pela consolidação da Ferrobel, criada em


outubro de 1961 pelo seu antecessor com a finalidade de promover a industrialização do
município a partir dos recursos financeiros alcançados pela exploração mineral
responsável nos anos seguintes pela mudança no perfil da Serra do Curral.
A cobertura do Acaba Mundo e a supressão das árvores na área central da capital,
iniciada pela administração Carone inaugurou uma nova estética urbana, onde os
elementos naturais, antes integrados e controlados pelo racionalismo geométrico da
cidade, passaram a ser erradicados da paisagem urbana como observou Borsagli (2016),
que considera que a breve gestão do prefeito, cassado em janeiro de 1965 pela ditadura
militar instaurada no Brasil nove meses antes, foi a responsável pela adoção de um
modelo urbano que seria seguido pelas gestões municipais seguintes.
Figuras 13 – Obras em Belo Horizonte.

Legenda: (A) Obras de aprofundamento do leito do córrego do Acaba Mundo para a sua posterior
cobertura. (B) Obras de ligação viária entre as Avenidas do Contorno e Andradas na Praça Rui Barbosa,
23

1963. (C) Obras de retirada dos trilhos em trecho próximo à Praça Vaz de Melo, 1963. (D) O prefeito
Jorge Carone Filho em palestra a respeito dos resultados obtidos da exploração mineral pela Ferrobel.
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Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

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O sucessor de Jorge Carone Filho na administração da capital mineira foi Oswaldo


Pieruccetti, indicado pelos militares após a cassação do prefeito e de seu vice. O novo
prefeito, em seus dois anos de administração, foi responsável pela continuidade e
intensificação das obras na capital, onde se destaca o programa de reforma urbana
intitulado Nova BH 66, nascido de uma parceria entre a Prefeitura e a Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais.
O programa foi criado com o objetivo de realizar a melhoria na infraestrutura
urbana de Belo Horizonte, que apresentava sinais de colapso desde a década de 1950.
Com uma população de um milhão de habitantes, a capital apresentava problemas de toda
ordem, desde córregos poluídos e esgotos transbordando na região central, até a questão
da mobilidade e da segurança, com a população passando a construir muros e grades para
se abrigar da crescente violência urbana que se agravou ao longo da década de 1960.
Dentro dos objetivos propostos, as bases do projeto eram promover a canalização,
cobertura e alargamento dos cursos d’água de Belo Horizonte e o asfaltamento dos
logradouros, estreitamento das calçadas, abertura de novas vias e a regularização do
abastecimento de água (Figura 14).

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Figura 14 – Obras em Belo Horizonte

Legenda: (A) Obras de asfaltamento da Avenida Afonso Pena no ano de 1965, ao fundo o prefeito Oswaldo
Pieruccetti e o governador Magalhães Pinto. (B) O prefeito, operários e citadinos observam um curso
d’água canalizado, 1966. (C) Obras de alargamento das alamedas da Praça da Liberdade no primeiro ano
da gestão de Sousa Lima, 1967. (D) Asfaltamento de um trecho da Avenida João Pinheiro após a retirada
das árvores da via, 1967.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

A breve administração de Pieruccetti foi responsável pela consolidação de um


modelo urbanístico centrado no automóvel, um processo iniciado na década de 1930 e
amplamente registrado pela divisão de comunicação social de Belo Horizonte nas gestões
municipais após o ano de 1947.
A paisagem urbana da porção do município compreendida dentro do perímetro
delimitado pela Comissão Construtora da Nova Capital no ano de 1895, em pouco mais
de duas décadas foi modificada de maneira profunda a partir da verticalização,
impermeabilização do solo e supressão e ocultamento dos elementos naturais em meio
urbano, e a partir da gestão de Luiz Gonzaga de Sousa Lima as obras de infraestrutura
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urbana, tendo o automóvel como elemento conformador do espaço urbano, passaram a


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ser empregadas não dentro do perímetro, mas também em todo o município.

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Nesse sentido, a análise das imagens do período permite reconhecer não só os


processos acima observados, mas também os traços e marcas na paisagem o que permite
uma reconstituição do passado (Figuras 15 e 16).
Figuras 15 e 16 - Perspectiva norte da parte da área central de Belo Horizonte nos
anos de 1947 e 1965 tendo o edifício Acaiaca (à esquerda em construção e à direita concluído)
como principal referência.

Legenda: As imagens, apesar da perspectiva aproximada, são importantes para a compreensão das
alterações ocorridas na paisagem urbana da área central de Belo Horizonte entre os anos de 1947 e 1967.
Fonte: Acervo APCBH/ASCOM

Considerações Finais

O artigo buscou analisar as mudanças ocorridas na paisagem urbana de Belo


Horizonte entre os anos de 1947 e 1967 a partir das fotografias selecionadas que integram
o acervo da ASCOM, uma vez que o acervo possui grande importância para a história da
evolução urbana de Belo Horizonte, em um período caracterizado pelo processo de
metropolização da capital mineira e por consequência, as profundas modificações em sua
paisagem urbana.
O conjunto de imagens produzidas no período analisado pode ser dividida em dois
momentos: no primeiro momento, entre os anos de 1947 e 1960, é clara a priorização para
fins de registro/propaganda, das obras de infraestrutura urbana e de saneamento realizadas
pelas gestões de Octacílio Negrão de Lima, Américo Renê Giannetti e Celso Mello de
Azevedo. Os registros de eventos, cerimônias e demais compromissos oficiais até agora
identificados também aparecem nos conjuntos fotográficos das referidas administrações,
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porém em menor quantidade se comparado com os registros de obras.


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O segundo momento engloba as administrações de Amintas de Barros, Jorge


Carone e Oswaldo Pieruccetti, onde os registros dos compromissos oficiais estão na
mesma quantidade em relação ao número de registros das obras de infraestrutura urbana
e de saneamento. É importante ressaltar que, tanto Barros quanto Carone, realizaram
gestões de forte apelo populista, ao mesmo tempo em que a primeira gestão de Pieruccetti
representava, em parte, a antítese das administrações anteriores, ao mesmo tempo que deu
sequência às obras iniciadas na administração Carone, fato proporcionado por ele ser um
preposto do regime militar instaurado no Brasil após o golpe de 1964, uma vez que foi
conduzido de maneira indireta para o cargo de prefeito após a cassação de Carone em
janeiro de 1965.
Nesse sentido, o acervo da ASCOM permite a reconstrução paisagística de uma
época de grande importância para a compreensão dos processos que culminaram na
metropolização da capital mineira e das políticas urbanas, econômicas e sociais que de
alguma maneira nortearam a transformação do espaço urbano de Belo Horizonte, que
figura no cenário nacional como a capital que mais cresceu entre os anos de 1950 e 1970.
As imagens do período analisado permitem ainda traçar um paralelo de cunho
geográfico-urbano com a expansão do tecido urbano da capital, uma vez que grande parte
dos registros fotográficos realizados durante a gestão de Negrão de Lima se concentram
nas zonas urbana e suburbana da capital, e em alguns pontos de interesse da sua
administração e das administrações seguintes, como as obras de captação dos mananciais
de abastecimento de Belo Horizonte.
Na gestão de Pieruccetti os registros abarcam quase todo o município, em geral
obras de canalização de cursos d’água, abertura e pavimentação de vias em locais que
oficialmente não possuem registros fotográficos, fato que atesta, de maneira visual, a
rápida expansão urbana da capital mineira.
Enfim, o acervo da ASCOM é de grande importância para a memória do
município de Belo Horizonte, para a identidade coletiva e para o conhecimento de um
passado que em algum momento foi o presente, além dos processos que acarretaram na
transformação da paisagem urbana no período analisado. É um acervo que pela sua
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magnitude e abrangência, ainda se encontra em fase de identificação, tendo potencial, em


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um futuro próximo, de revelar novas informações sobre o processo de evolução urbana


de Belo Horizonte.

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Referências
BARTOLOMEU, Anna Karina Castanheira. Pioneiros da fotografia em Belo Horizonte: o gabinete fotográfico da
Comissão Construtora da Nova Capital (1894-1897). Varia História, n. 30, Belo Horizonte, julho 2003.

BORSAGLI, Alessandro. A metrópole no horizonte: o desenvolvimento urbano de Belo Horizonte da Era Vargas 1930-
1945. Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 2, p. 24-45, 2015.

____. Rios invisíveis da metrópole mineira. Belo Horizonte, Clube de Autores, 2016a.

____. Belo Horizonte em pedaços: fragmentos de uma cidade em eterna construção. Belo Horizonte, Clube de Autores,
2016b.

____. Sob a sombra do Curral del Rey: contribuições para a história de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Clube de
Autores, 2017.

GOLTARA, Giovani Bonadiman; MENDONÇA, Eneida Maria Souza. O emprego da fotografia como método de
análise da transformação da paisagem: o caso de Anchieta. Paisagem e Ambiente: ensaios. n. 36. São Paulo, 2015. p.
119-136.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.

MAUAD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na
primeira metade do século XX. Estudos de Cultura Material. Anais do Museu Paulista, v.13, n. 1, junho 2005.

MENDES, Ricardo. Once upon a time: uma história da História da Fotografia brasileira. Anais do Museu Paulista. São
Paulo. n 6/7. p. 183-205 (1998-1999). Editado em 2003.

MIRANDA, Thiago Henrique Costa. A trajetória e o tratamento destinado aos negativos 35mm do acervo ASCOM.
Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v.2, p.98-112, Belo Horizonte, 2015.

SALES, Álvaro Américo Moreira. Coleção João Gusman Júnior: registro das obras de saneamento de Belo Horizonte.
Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v.6, p.62-83, Belo Horizonte, 2019.

SILVA, Itállo Fernando de Freitas et al. A fotografia como recurso mediático no ensino de Geografia: a paisagem
urbana em múltiplos olhares e convergências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO EM
GEOGRAFIA, 18, 2017. Anais [...] Belo Horizonte, 2017.

TAGG, John, The burden of representetion: essays on photographies and histories. Minneapolis: University of
Minnessota Press, 1993, 188p.

TEULIÈRES, Roger. Bidonvilles du Brésil: les favelles de Belo Horizonte. Revue Les Cahiers d'outre-mer. Bordeaux:
v. VIII, 1955, p.30-55.

Fontes documentais
BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Coleção Relatórios anuais de atividades da Prefeitura de Belo Horizonte 1940-
1967. Acervo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. PLAMBEL: o processo de desenvolvimento de Belo Horizonte (1897-1970).
Belo Horizonte, 1979.
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A DIFUSÃO DA FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO


ARQUIVÍSTICO: a Praça da Estação nos conjuntos
documentais do APCBH

La difusión de la fotografía como documento archivístico: la Plaza de la Estación en los


conjuntos de los documentos del APCBH

Suellen Alves de Melo*

Resumo: Discute-se a difusão do documento fotográfico como documento de arquivo a partir das
fotografias que se relacionam com a Praça da Estação, em Belo Horizonte, as quais estão custodiadas pelo
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Para isso, são analisadas as postagens na página da
instituição no Facebook que mencionam a Praça, assim como o guia do acervo do Arquivo. Como resultado,
têm-se que os documentos fotográficos relacionados à Praça da Estação mais difundidos no Facebook da
instituição são aqueles pertencentes a fundos de assessoria de comunicação, empresa de turismo e fundação
de cultura. Todavia, aponta-se outros órgãos produtores de documentos da cidade que podem ter
documentos fotográficos da Praça, como superintendências de limpeza e de construção de obras, empresa
de transporte e secretaria de meio ambiente.
Palavras-chave: Difusão do documento fotográfico. Praça da Estação. Arquivo Público da Cidade de Belo
Horizonte.
Resumen: Se discute la difusión del documento fotográfico como documento de archivo a partir de las
fotografías que se relacionan con la Plaza de la Estación, en Belo Horizonte, que se encuentran en custodia
del Archivo Público de la Ciudad de Belo Horizonte. Para eso, se analizan las publicaciones en la página
de Facebook de la institución que mencionan la Plaza, así como la guía de la colección del Archivo. Como
resultado, los documentos fotográficos más difundidos relacionados con la Plaza de la Estación en el
Facebook de la institución son los pertenecientes a fondos de asesoría de medios, empresa turística y
fundación cultural. Sin embargo, existen otras agencias productoras de documentos en la ciudad que pueden
tener documentos fotográficos de la Plaza, como las superintendencias de limpieza y construcción, empresa
de transporte y secretaría de medio ambiente.
Palabras clave: Difusión del documento fotográfico. Plaza de la Estación. Archivo Público de la Ciudad
de Belo Horizonte.
29

*
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Arquivista, Mestra em Ciência da Informação e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência


da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. E-mail:
alvesdemelo.s@gmail.com .

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Introdução

Desde março de 2020, a sociedade brasileira tem vivenciado um novo cotidiano


imposto pela pandemia da Covid-19, no qual muitas instituições públicas e privadas
tiveram que paralisar suas atividades presenciais e migrar parte de sua comunicação para
redes sociais on-line, como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube, além de sítios
eletrônicos e blogs. Os governos, de maneira geral, passaram a direcionar estratégias para
o momento, como o isolamento social. Além disso, nossos lares passaram a ser espaços
de convivências diversas – com a família, o trabalho e a escola. Nessa perspectiva também
se enquadra o papel que os arquivos públicos tiveram que assumir para estabelecer
vínculos efetivos de comunicação com o público, sobretudo por meio de estratégias
pautadas na difusão arquivística.
Essa função promove a visibilidade de instituições arquivísticas e de serviços de
arquivo, assim como a aproximação efetiva à sociedade a partir da realização de
estratégias que envolvem os conjuntos documentais custodiados, os produtos e os
serviços ofertados. Alguns exemplos são a promoção de eventos institucionais –
seminários, palestras, conferências entre outros –, a publicação de livros, revistas e
instrumentos de pesquisa, a realização de visitas monitoradas e técnicas, a produção e o
compartilhamento de conteúdos nas redes sociais on-line, sítios eletrônicos dentre outros
(MELO, 2019).
No âmbito da difusão arquivística, os instrumentos de pesquisa e as redes sociais
on-line – sem retirar a importância dos repositórios digitais – são fundamentais para tornar
os arquivos públicos mais próximos da sociedade, na medida em que são usados,
normalmente, para apresentar os fundos e as coleções, assim como os próprios itens
documentais custodiados por essas instituições. É a partir dessas duas estratégias de
difusão que esse trabalho se pauta, uma vez que parto do Guia do acervo do Arquivo
Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) e da página no Facebook dessa
instituição para discutir o lugar de um gênero documental, por vezes, compreendido como
especial, trata-se do documento fotográfico.
30

Neste trabalho, de maneira prática, discutirei a nuance de documento arquivístico


que a fotografia possui a partir dos diferentes lugares que esse gênero assume nos
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conjuntos documentais custodiados pela instituição. Como esse recorte abrange o registro

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imagético de diferentes lugares, pessoas e situações, fiz a opção metodológica de mirar a


discussão para documentos fotográficos que se relacionam com a Praça Rui Barbosa ou,
como é conhecida pelos belo-horizontinos, Praça da Estação.
A escolha da Praça da Estação se deve, em parte, por uma questão pessoal, mas
que também transborda na coletividade belo-horizontina. Durante alguns anos, a Praça
foi um dos meus pontos de passagem do centro da capital mineira para o bairro Floresta,
em direção ao APCBH. Nesse percurso, muitas foram as oportunidades de refletir sobre
os espaços que a circunda, o trânsito da Avenida dos Andradas, as pessoas que circulam
por ali, o barulho do trem e as manifestações culturais registradas e vivenciadas na região.
O lugar também foi alvo de vários cliques fotográficos, os quais estão guardados como
lembranças da época. Por isso, pareceu-me oportuno entrecruzar a Praça da Estação, o
documento fotográfico e o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, a partir da
perspectiva arquivística.
A proposta é apresentar como o documento fotográfico pode ser usado pelos
órgãos públicos, neste caso, pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em diferentes
atividades. Busco, nesse sentido, em um primeiro momento, na página do APCBH no
Facebook, as expressões “Praça Rui Barbosa” e “Praça da Estação”, com o objetivo de
recuperar as postagens que fizeram uso do documento fotográfico (FACEBOOK DO
ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2021). A partir do
resultado encontrado, fiz o exercício de refletir, por intermédio do guia do acervo da
instituição (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2016), sobre
outros conjuntos documentais que certamente possuem documentos fotográficos do local,
porém que ainda não foram difundidos na rede social on-line.
Esse estudo coloca o leitor frente às discussões em torno da difusão arquivística,
dos documentos fotográficos enquanto documentos de arquivo, dos fundos documentais
e das possibilidades de atividades que podem empregar a fotografia. Para além disso,
também busco trazer a reflexão sobre a importância da Praça como um lugar da cidade e
de seus cidadãos, além de evidenciar a importância dos conjuntos documentais
custodiados pela instituição serem disponibilizados on-line, tendo em vista, sobretudo, o
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novo, e já conhecido, lugar que a pandemia da Covid-19 colocou instituições e pessoas:


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o ambiente virtual.

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A Praça da Estação: entre trilhos, formação da cidade e apropriações


culturais
Caldeira (2007) afirma que, desde a antiguidade, as cidades são conformadas por
meio de seus espaços de convivência, sendo a praça o símbolo principal desse processo,
pois é o lugar que promove diversos encontros – sociais, políticos, culturais – entre os
sujeitos. Nessa perspectiva, como Rivero (2015) discutiu em sua pesquisa de mestrado,
apesar de ocupar um único espaço, uma praça é, na verdade, várias praças, como é a Praça
da Estação, oficialmente intitulada Praça Rui Barbosa.
No final do século XIX, sobretudo a partir de concepções republicanas, a cidade
de Ouro Preto deixou de ser o modelo ideal para sede da capital de Minas Gerais, proposta
que, em 1891, foi aprovada pelo Congresso Constituinte Mineiro (JULIÃO, 2011).
Todavia, apenas em 1893, após estudos de uma comissão técnica, o local para a
construção da capital foi escolhido, a saber, Curral Del Rei, área subordinada a Sabará
naquela época. A partir disso, foi estabelecida a Comissão Construtora da Nova Capital
(CCNC), inicialmente liderada pelo engenheiro Aarão Reis, com a responsabilidade de
planejar e construir a cidade que seria a nova capital de Minas (JULIÃO, 1992).
O acervo documental produzido por essa Comissão é custodiado por três
instituições sediadas em Belo Horizonte, sendo elas o Arquivo Público Mineiro, o
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e o Museu Histórico Abílio Barreto. Um
dos documentos mais simbólicos da construção da nova capital é, sem dúvidas, a Planta
Geral da Cidade de Minas de 1895, onde é possível identificar a presença da Praça da
Estação no planejamento de obras da CCNC. Neste documento, a cidade foi dividida a
partir de três zonas, sendo elas a zona urbana, a zona suburbana e a zona agrícola. A Praça
da Estação encontrava-se dentro dos limites da Zona Urbana (RIVERO, 2015).
Uma recente publicação do APCBH, o sexto volume da série “O Arquivo e a
cidade”, Representações do conjunto da Praça da Estação no acervo do Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte, apresenta a Praça a partir de alguns lugares de discussão,
como a cartografia, o ambiente em movimento, a economia, os símbolos, os usos, as
apropriações do local entre outros. Com esse material fica nítido que o surgimento da
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Praça está diretamente relacionado ao transporte ferroviário e, consequentemente, à


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construção da nova capital, uma vez que as obras que transformariam o pacato Curral Del

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Dossiê

Rei em capital moderna necessitavam de inúmeros insumos, os quais, à época, eram


transportados a partir dos trilhos ferroviários (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE
BELO HORIZONTE, 2019).
Apesar de, ao longo dos anos, o transporte ferroviário ter sido marginalizado no
sistema de transporte nacional – sobretudo a partir da extinção da Rede Ferroviária
Federal, em 1999 (BRASIL, 1999) –, sem dúvidas, esse é um dos melhores meios de
transporte para um país continental como o Brasil, tanto em relação à locomoção de
cargas como de usuários. Foi por meio do Ramal Férreo Belo Horizonte, construção
atribuída à Comissão Construtora em 1895, que a maior parte dos materiais usados para
as obras da nova capital chegou ao antigo Curral Del Rei (ARQUIVO PÚBLICO DA
CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2019).
Para Rivero (2015, p. 28), Estação e Praça foram planejadas conjuntamente. A
Praça contava com uma esplanada para receber a arquitetura do prédio da Estação,
transpassando as vias públicas do local. A autora destaca que, no Plano Geral da Estação
e Dependências, mesmo a Praça ocupando um espaço que cortava o ribeirão Arrudas e
uma via pública, a mesma estava identificada “[...] como um único espaço e com o nome
de Praça da Estação” (RIVERO, 2015, p. 28, grifos da autora). Ao longo dos anos, a
relevância espacial dada à Praça foi modificando-se, sobretudo por conta de alterações na
Avenida dos Andradas, atual denominação da via pública que divide a Praça em dois
espaços (Figura 1).

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Figura 1 – Vista aérea da Praça da Estação

Foto: B&L Arquitetura, on-line, 2013.

Apesar de ter sido projetada por Aarão Reis em 1895, somente alguns anos mais
tarde, em 1904, é que a Praça começou a ser construída. Antes disso, o primeiro prédio
da Estação já havia sido edificado, em 1897, ano que também foi marcado pela
inauguração da nova capital, Cidade de Minas, a qual, em 1901, passou a ser designada
como Belo Horizonte (MIRANDA, 2007). Os jardins foram pontos importantes nesse
cenário, como destaca Rivero (2015) ao apresentar trechos do Dossiê do Tombamento do
Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Estação.
Em 1904, o Estado entregou à sociedade os jardins de estilo inglês da Praça,
tornando o local o principal cartão de visitas da cidade, já que ali representava sua ilustre
porta de entrada (MIRANDA, 2007). O ajardinamento da Praça permaneceu sendo, por
alguns anos, alvo de políticas da capital, sobretudo porque Belo Horizonte, além de ser
conhecida por seus ideais modernos, também ficou reconhecida como cidade jardim,
devido ao seu planejamento paisagístico, o qual ainda pode ser visto em algumas áreas da
capital, como no Parque Municipal Américo Renné Giannetti (ARQUIVO PÚBLICO DA
CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2019; RIVERO, 2015).
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Inicialmente denominada como Praça da Estação, o espaço teve seu nome


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modificado, em 1914, para Praça Cristiano Otoni e, em 1923, para Praça Rui Barbosa,

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entretanto, de maneira geral, a Praça é conhecida pelos belo-horizontinos como Praça da


Estação. Além dos jardins, o local também recebe destaque por seus monumentos –
alguns deles, como em um jogo de poder político, mudaram de ambiente em diferentes
momentos –, à frente deles está o Monumento à Terra Mineira, obra do escultor italiano
Júlio Starace, inaugurada em 1930, que foi colocada em frente ao prédio da antiga Estação
como uma espécie de boas-vindas a quem chegava à cidade, conforme é registrado na
Figura 2 (RIVERO, 2015).

Figura 2 – Monumento à Terra Mineira, Praça da Estação

Foto: Arquivo Pessoal, 2018.

De acordo com Miranda (2007), a atividade industrial em Belo Horizonte iniciou-


se no entorno da Praça da Estação, processo que pode ser identificado pela presença de
serrarias – como a Serraria Souza Pinto –, além da Companhia Industrial de Belo
Horizonte – empresa do segmento têxtil –, do Empório Industrial do Conde de Santa
Marinha entre outras indústrias. Essa concentração industrial deveu-se, em grande
medida, pela presença da estação ferroviária, que facilitava o transporte dos produtos.
Além da existência da indústria, também havia no local edifícios que abrigavam serviços
de hotelaria, os quais recebiam quem chegava à cidade pelos trilhos da ferrovia, desde
chefes de Estado a operários (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO
HORIZONTE, 2019; MIRANDA, 2007).
Principalmente, devido à sua importância histórica, o Conjunto Arquitetônico e
Paisagístico da Praça da Estação foi tombado em 1988 pelo Instituto Estadual do
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Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), agrupando, além da Praça,


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seus jardins e esculturas, os prédios da Estação Central e edificações lindeiras, como a

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Casa do Conde de Santa Marinha, o Edifício Chagas Dória, a antiga Serraria Souza Pinto,
a Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o antigo
Instituto de Química e o Pavilhão Mário Werneck. Além disso, os viadutos da Floresta e
de Santa Tereza, assim como os dormitórios e armazéns da Estação, também compõem o
tombamento, que está inscrito no Livro de Tombo n. I – Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico – e no Livro de Tombo n. II – de Belas Artes (IEPHA, on-line, 1988, 2016,
RIVERO, 2015).

A preservação e o reconhecimento desse patrimônio, ocorreu novamente anos


mais tarde, dessa vez, em âmbito municipal. De acordo com Minchilo e Passos (2019, p.
527), em 1988, o perímetro do tombamento definido pelo IEPHA foi ampliado a partir da
aprovação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, com a
incorporação de quadras limiares à Praça no percurso do ribeirão Arrudas e junto à linha
férrea. Ainda segundo as autoras,

na ocasião, vários imóveis foram protegidos por meio de Tombamento e


Registro Documental e ficou definida uma altimetria máxima de 12 metros
para intervenções e novas construções. Com um desenvolvimento gradual e
executado em diversas etapas deu-se a implantação do projeto de recuperação
da área e o incentivo à reocupação, com a restauração do edifício histórico da
estação de trem e as obras de revitalização do entorno. (MINCHILO; PASSOS,
2019, p. 527)

Como porta de entrada e saída de muitas pessoas, a Praça da Estação assumiu


papéis diferentes ao longo do tempo. Com o declínio do transporte ferroviário, a Estação
passou a ser usada principalmente pelo transporte metroviário, que liga Belo Horizonte à
parte de sua Região Metropolitana. O espaço da Praça tem sido usado para inúmeras
manifestações culturais, como apresentações artísticas e musicais, apresentação de
quadrilhas juninas, encontro de blocos carnavalescos, manifestações políticas, Praias da
Estação – movimento em oposição ao Decreto Municipal n. 13.798, de 09 de dezembro
de 2009, que proibia eventos na Praça –, feiras de artesanato, entre tantas outras (BELO
HORIZONTE, 2009;2019).
Além disso, o prédio da atual Estação Ferroviária Central de Belo Horizonte
abriga o Museu de Artes e Ofícios desde 2006 e, nas proximidades, também estão
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localizados o Centro Cultural da UFMG, o Centro de Referência da Juventude e a


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Biblioteca Pública Infantil e Juvenil. Por tudo isso, o espaço é palco de encontro de várias

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tribos urbanas, como no Viaduto Santa Tereza, onde acontece o Duelo de MCs, entre
outras manifestações culturais (BELO HORIZONTE, 2019; MUSEU DE ARTES E
OFÍCIOS, on-line; VEIGA, 2019).
Os trilhos ferroviários ocuparam sua importância na entrada de materiais para a
construção da nova capital e de pessoas – as que vinham conhecer a moderna cidade e
aquelas que vinham residir e fazer a vida em Belo Horizonte. Todavia, ao longo dos anos,
os trilhos foram colocados à margem do protagonismo urbano da capital mineira e a Praça
tomou seu espaço como lugar de formação da cidade, lugar que já havia sido previsto em
seu planejamento inicial, lugar de encontro, de debate, de desigualdades, de vozes e
passos, lugar de passar e de ficar, lugar de ouvir o barulho do trem, dos ônibus, dos carros
e das motos, lugar de ver nossa Belo Horizonte transformando-se.

Um pouco de arquivística: documentos de arquivo e documentos


fotográficos

A presença da humanidade pode ser comprovada, sobretudo, pelos registros


documentais produzidos ao longo dos séculos, por meio do emprego de diversos suportes,
como pedras, papiro e tecido. A partir disso, alcançamos o conceito básico de documento,
ou seja, informação registrada em um suporte. Para que os documentos possam ser
considerados arquivísticos e, assim serem tratados e organizados de maneira diferente
que os documentos de bibliotecas e museus, acrescentamos à sua definição a questão de
produção. É considerado documento de arquivo todo aquele que é produto das atividades
de pessoas físicas e jurídicas.
Além de seu contexto genético, os documentos de arquivo possuem algumas
características que são fundamentais para delimitar suas nuances, como a imparcialidade,
a autenticidade, a naturalidade, a organicidade, a unicidade e a fixidez. A seguir apresento
uma breve explicação acerca delas e de outros conceitos caros à Arquivologia. Para uma
discussão mais aprofundada, recomendo os trabalhos de Duranti (1994), Rondinelli
(2013), Santos (2015) e Schellenberg (2006), além do Dicionário brasileiro de
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terminologia arquivística, obra de autoria do Arquivo Nacional (2005).


As três primeiras características relacionam-se à produção do documento
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arquivístico. A imparcialidade diz respeito aos documentos serem produzidos devido a

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questões do presente e não do futuro, a autenticidade “[...] refere-se ao controle do


processo de criação, manutenção e custódia do documento arquivístico [...]” (SANTOS,
2015, p. 122) e, por sua vez, a naturalidade relaciona-se aos documentos serem criados
no decurso da execução de atividades, diferenciando-os das coleções, as quais são
produzidas a partir da junção de itens de diferentes proveniências. Portanto, essas três
características não levam em conta a parcialidade dos produtores dos documentos,
tampouco a veracidade do conteúdo documental ou a inexistência da naturalidade no
contexto real – questões que, muitas vezes, são criticadas apenas levando em conta o
nome das características e não suas definições.
A organicidade e a unicidade nos ajudam a compreender como o documento de
arquivo é entendido, ou seja, sempre a partir de seu conjunto documental. Assim, o
documento é orgânico porque ele é compreendido por meio das interações que estabelece
como os demais documentos de seu conjunto. É como se um documento “puxasse” outro.
A unicidade revela que cada documento ocupa um lugar único dentro de seu conjunto
documental. A fixidez está relacionada à forma fixa e ao conteúdo estável dos
documentos. Essa característica tem sido mais evidenciada no contexto digital, visto que
os documentos digitais, muitas vezes, têm sua aparência modificada devido às
especificidades de algum software. Nesse caso, enquanto o conteúdo permanece estável,
a forma fixa pode ser alterada a partir de regras preestabelecidas.
Os documentos produzidos por uma mesma pessoa – física ou jurídica – a partir
da consecução de atividades compõem o que chamamos de fundos documentais. Duchein
(1986) apresenta uma série de problemas e dificuldades para o estabelecimento de fundos
documentais, sobretudo em relação às instituições, as quais, muitas vezes, são criadas,
extintas ou agregadas a outras instituições, dificultando o processo de identificação do
conjunto documental. O autor apresenta vários critérios que podem ser empregados para
a delimitação de fundos de organismos produtores de documentos, como possuir um
nome e ter existência jurídica, apresentar atribuições específicas que estejam definidas
legalmente, possuir organograma entre outros.
Existem duas formas principais de organização de fundos, os chamados quadros
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de arranjo – nomenclatura tradicionalmente aplicada aos arquivos permanentes –, a partir


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das estruturas dos organismos produtores ou por meio de suas funções (GONÇALVES,

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1998). O quadro de arranjo configurado pelas funções é o mais aceito na área arquivística,
porque as estruturas administrativas, normalmente, mudam com certa frequência,
enquanto as funções tendem a permanecer ao longo do tempo. O quadro de arranjo de
fundos do APCBH, por exemplo, está organizado a partir da estrutura administrativa do
poder Executivo da cidade (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO
HORIZONTE, 2019), o que faz com que a instituição tenha que realizar alguma
modificação no instrumento com regularidade, devido às alterações no organograma da
Prefeitura, sobretudo a partir da posse de novos prefeitos.
Os documentos de arquivo possuem valores primários – administrativos, legais e
fiscais – e podem possuir valores secundários – probatórios e informativos
(SCHELLENBERG, 2006). Esses valores, assim como os prazos de guarda e a destinação
dos documentos, são ações definidas a partir da avaliação documental, função arquivística
que deve ser realizada por uma comissão formada por diferentes sujeitos. Em âmbito
público, o produto da avaliação é a tabela de temporalidade e destinação de documentos,
instrumento que deve ser aprovado por autoridade competente e que promove a
racionalização de recursos, na medida em que estabelece os documentos que serão
eliminados e os que serão recolhidos aos arquivos públicos, oportunizando a
transparência do Estado e a proteção de direitos e deveres.
Caso possuam valores secundários, os documentos de arquivo devem ser
preservados pelas instituições arquivísticas, as quais também são responsáveis por
organizá-los – por meio de descrições e instrumentos de pesquisa –, difundi-los, bem
como conceder o acesso aos mesmos. Esses documentos podem ser acessados por
qualquer cidadão e são usados para diferentes fins, tanto em pesquisas acadêmicas quanto
para a comprovação de direitos, atividades diletantes entre outros. Eles são usados em
narrativas históricas e, muitas vezes, são identificados como a própria memória de um
munícipio, estado ou nação.
Por muito tempo, a definição de documento arquivístico esteve atrelada aos
documentos textuais em papel, fazendo com que outros gêneros como os documentos
iconográficos e audiovisuais fossem colocados à margem do tratamento arquivístico e
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passassem a ser considerados especiais, sobretudo devido à fragilidade de seu suporte que
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demanda cuidados de preservação. Essa questão contribuiu para que diversas instituições

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arquivísticas tivessem suas estruturas administrativas divididas em setores voltados aos


documentos textuais e setores voltados aos documentos especiais. O resultado dessa
divisão, muitas vezes, foi a perda do contexto orgânico dos documentos e a dispersão de
fundos, o que contribuiu também que documentos considerados especiais, como os
documentos fotográficos, fossem organizados a partir de sua estrutura imagética, levando
em conta o conteúdo da fotografia e os assuntos registrados, por exemplo (LACERDA,
2008; MELO, 2019).
Ocorre que se a fotografia for produzida para o cumprimento de alguma atividade
de pessoa física ou jurídica, a mesma enquadra-se como documento de arquivo, devendo,
portanto, ser inserida em programas de gestão documental e receber tratamento
arquivístico condizente com sua produção orgânica. Como provas de atividades, as
fotografias, por exemplo, podem estar presentes em relatórios de atividades e, se retiradas
desse contexto, perdem o sentido de sua produção. No entanto, o que temos visto é a
sobreposição do documento fotográfico em relação a outros gêneros documentais, como
um representante absoluto da realidade, por registrar espaços e tempos passados. Além
de serem amuletos de lembranças e memórias, como se apenas a imagem pudesse ser
usada para recordar e saborear o passado.
Alguns autores como Lacerda (2008) e Lopez (2001) têm discutido o documento
fotográfico no âmbito da arquivística. Lacerda (2008), apresentou o contexto pelo qual a
fotografia passou a ser considerada documento de arquivo em manuais e demais
publicações da área. Timidamente, o documento fotográfico passou a ser considerado
arquivístico a partir do manual de Hilary Jenkinson, em 1922, mesmo assim sendo
considerado como “novo documento”, expressão que, mais tarde, assumiu outro viés, a
saber, documento especial, devido às especificações de seu suporte e, consequentemente,
aos cuidados que sua preservação demanda, como o controle de umidade e temperatura –
isto é, enquanto documento analógico, já que, a fotografia digital possui outros critérios
de preservação.
Lopez (2001) discutiu a questão da fotografia ser, muitas vezes, tratada apenas
levando em conta seu conteúdo imagético, a partir da marginalização de seu contexto de
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produção, sendo assim, classificada e descrita considerando sua representação visual e


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assuntos abordados, dando brecha às interpretações pessoais de indexadores, algumas

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vezes, interpretações preconceituosas. Esse cenário proporciona a perda do vínculo


orgânico dos documentos fotográficos e facilita a criação de coleções, como a Coleção
de Fotografias Avulsas do Arquivo Nacional (MELO, 2019).
Apesar de algumas vezes ouvirmos aquela típica frase de que uma fotografia fala
mais que mil palavras, certamente, se o contexto de produção do documento fotográfico
estiver identificado, como o produtor, a atividade produtora, data, local, fotógrafo, entre
outros elementos, os usuários terão mais embasamento acerca do documento, estando
mais aptos a construir narrativas históricas, assim como para subsidiar o cumprimento de
seus direitos, entre tantos outros usos. Sem esse contexto, a fotografia se perde em um
emaranhado de assuntos, os quais tendem a cada situação para os interesses do sujeito
que a observa e, em alguns casos, para a memória de um passado que se firma em questões
do presente, buscando alicerçar o futuro.
No contexto do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, desde 1997, data
da publicação da primeira tabela de temporalidade da instituição, os documentos
fotográficos possuem guarda permanente – contudo, com a produção digital, foram
estabelecidos critérios para o recolhimento das fotografias dos órgãos da PBH ao
Arquivo. Como já discutimos em pesquisas anteriores, o lugar da fotografia na instituição
deve-se ao lugar que esse documento teve desde a concepção do projeto de uma nova
capital. A fotografia não poderia estar de fora do processo de modernização do Estado
mineiro. Assim, a construção de Belo Horizonte contou com o Gabinete Fotográfico da
Comissão Construtora, responsável por registrar as mudanças no cenário do Curral Del
Rei. Era necessário que fossem documentados visualmente os feitos do Estado (MELO,
2017; 2019).
Nas diversas estruturas administrativas da Prefeitura, é possível encontrar a
presença da fotografia em vários equipamentos públicos. A partir do momento que esses
documentos são recolhidos pelo APCBH, eles recebem tratamento arquivístico e podem
ser disponibilizados para consulta. Além da ótica de fotografia pública, eles passam a ter
outras leituras pelos consulentes, a partir de seus fundos documentais, por isso, é tão
importante que haja instrumentos de pesquisa descrevendo os conjuntos de documentos
41

e que, quando postados em redes sociais, os documentos sejam identificados


Página

corretamente. Assim, as novas leituras serão feitas a partir da âncora do contexto orgânico

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(MELO, 2019). A Praça pode ser recuperada por meio da expressão que leva seu nome
na página do Facebook do Arquivo, todavia, as postagens encontradas apresentarão os
documentos fotográficos com a identificação de seu conjunto e não como documento
ilustrativo de um texto. Até porque, os fotógrafos do poder público não fazem registros
ao léu, por motivações quaisquer, ao contrário, saem às ruas de Belo Horizonte com
determinações prescritas pelos órgãos da Prefeitura para registrar atividades do
município.

A análise, os resultados

A metodologia deste trabalho baseou-se em análise de conteúdo, na medida em


que, em um primeiro momento, a partir da página do Arquivo no Facebook, fiz uma
pesquisa com as expressões “Praça Rui Barbosa” e “Praça da Estação” e, posteriormente,
analisei os resultados encontrados com o objetivo de verificar se as postagens encontradas
traziam temáticas relacionadas à Praça ou não, já que a funcionalidade de pesquisa nessa
rede social on-line também recupera as palavras isoladas, como, “praça” e “estação”.
Além disso, me detive à Praça da Estação e às suas adjacências, como os edifícios
lindeiros ao local, os viadutos da Floresta e de Santa Tereza, assim como a algumas vias
públicas que estão no entorno, como a Rua da Bahia, a Avenida dos Andradas, a Avenida
do Contorno e a Rua Sapucaí.
A análise na rede social foi feita no dia 28 de maio de 2021, no campo “Procurando
algo” presente na página do APCBH no Facebook, no qual é possível pesquisar
publicações, fotos e vídeos postados pela instituição. Com a expressão “Praça da Estação”
recuperei 41 publicações que faziam referência à Praça, a busca com a expressão “Praça
Rui Barbosa”, por sua vez, recuperou nove postagens. Os textos de algumas publicações
utilizaram as duas expressões “Praça da Estação” e “Praça Rui Barbosa”, por isso, parte
das postagens se repetiu nas duas pesquisas. Dessa forma, o número total de publicações
do APCBH no Facebook até a data analisada relacionada à Praça da Estação foi de 43
postagens, que estão espaçadas entre os anos de 2013 e 2021.
Nem todas as publicações mencionadas dizem respeito à difusão de documentos
42

fotográficos, em algumas delas foram difundidos documentos tridimensionais,


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cartográficos e outros iconográficos, assim como divulgação da promoção do evento

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“Representações do Conjunto da Praça da Estação no acervo do Arquivo Público da


Cidade de Belo Horizonte” que ocorreu em 2019, com o lançamento de uma publicação
da instituição sobre os documentos custodiados pelo APCBH que fazem referência à
Praça da Estação.
Neste trabalho, apresentarei e analisarei as postagens que difundiram documentos
fotográficos relacionadas à Praça, com o objetivo de discutir a fotografia como
documento de arquivo em diferentes fundos documentais custodiados pelo APCBH.
Dessa forma, foram encontradas 30 publicações com fotografias. No Quadro 1, apresento
as publicações recuperadas a partir das duas expressões com a identificação do fundo ou
da coleção ao qual o documento fotográfico difundido pertence, a quantidade de
fotografias compartilhadas e o ano de publicação.
À nota de explicação, encontrei vinte fotografias do 1º Forró de Belô, por isso,
por uma questão de organização, identifiquei esse resultado a partir da entrada “Álbum
1º Forró de Belô, 1979 – Praça da Estação”, no quadro a seguir. Algumas publicações
apresentavam documentos fotográficos da Praça e de outros locais, no entanto, me atenho
apenas às fotografias do equipamento cultural analisado neste trabalho.

Quadro 1 – Publicações com documentos fotográficos na página do APCBH no Facebook


relacionados à Praça da Estação
Nº Descrição Fundo/coleção Quantidade Ano
1 Álbum 1º Forró de Belô, 1979 – Praça da Estação Fundo ASCOM 20 2013
2 Dia do Trabalhador – Praça da Estação Fundo ASCOM 1 2014
3 Conjunto Arquitetônico da Praça da Estação – Serraria Souza Pinto Coleção José Goés e Fundo Belotur 2 2014
4 Rua da Bahia Fundo FMC 1 2014
5 Festa Junina – Praça da Estação Fundo Belotur 1 2014
6 Quadrilha infantil – Praça da Estação Fundo Belotur 1 2016
Apresentação de quadrilhas, Arraial de Belô 2008 – Praça da
7 Sem identificação 1 2016
Estação
8 Parque Ferroviário de Belo Horizonte Fundo ASCOM 1 2017
Conjunto Arquitetônico da Praça da Estação – Viaduto Santa
9 Fundo ASCOM 1 2019
Tereza
10 Dia do Ferroviário – Edifício Chagas Dória Fundo Belotur 1 2019
11 Primeiro prédio que o APCBH ocupou – Edifício Central Fundo Belotur 1 2021

Fonte: Dados da pesquisa, 2021.


43

Embora um dos documentos fotográficos encontrado na pesquisa faça parte da


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Coleção José Goés, não irei analisá-lo, visto que o objetivo do trabalho é discutir a

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fotografia como documento produzido a partir da execução de determinada atividade, ou


seja, acumulado organicamente, e não reunido artificialmente, como é o caso dos
documentos que compõem coleções.
Dito isto, é notório que os fundos identificados na difusão de documentos
fotográficos relacionados à Praça da Estação no Facebook dizem respeito às áreas de
cultura e turismo, como o Fundo da Assessoria de Comunicação Social do Município
(ASCOM), o Fundo da Empresa Municipal de Turismo do Munícipio de Belo Horizonte
S/A (Belotur) e o Fundo da Fundação Municipal de Cultura (FMC). Esse resultado está
diretamente relacionado às temáticas das publicações, a saber, a divulgação de festas
juninas, de edifícios que compõem o Complexo Arquitetônico da Praça da Estação, de
temáticas ferroviárias entre outras.
O Fundo da ASCOM, por exemplo, reúne documentos fotográficos sobre eventos
culturais ocorridos na cidade, intervenções urbanas, como grandes construções, além de
registrar a vida política do prefeito. O Fundo da Belotur contempla uma infinidade de
eventos promovidos em Belo Horizonte, como festas juninas, carnavais e datas religiosas,
dentre outros. O Fundo da Fundação Municipal de Cultura também engloba eventos
ocorridos nos equipamentos culturais da Prefeitura de Belo Horizonte, como museus,
bibliotecas e centros de referência (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO
HORIZONTE, 2016).
Nessa perspectiva, a Praça é representada na página do Facebook do APCBH,
sobretudo, a partir do viés de palco cultural, no qual diferentes culturas se encontram para
celebrar datas importantes do calendário nacional, estadual e municipal. Os documentos
fotográficos, então, são produzidos pela Assessoria de Comunicação, Belotur e Fundação
Municipal de Cultura como forma de registrar os eventos produzidos por estes órgãos
públicos. Sendo assim, certamente, essas fotografias compõem relatórios de atividades,
prestações de contas, publicações institucionais, matérias jornalísticas, postagens de redes
sociais e álbuns fotográficos, entre outros. Portanto, as fotografias não são produzidas por
e simplesmente como forma de registrar e publicizar o evento, mas, também, para provar
à administração pública que a Festa Junina “X” foi promovida com os recursos “Y” e
44

“Z”.
Página

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O fato das postagens com documentos fotográficos relacionadas à Praça da


Estação terem empregado os fundos mencionados acima revela e coloca em pauta
algumas questões. Apesar de serem fundos abertos – e, por isso, estarem aptos a
receberem mais recolhimentos –, os conjuntos documentais da Assessoria de
Comunicação, da Belotur e da Fundação Municipal de Cultura já passaram pelo
tratamento arquivístico, como higienização, identificação, descrição e digitalização.
Dessa forma, são mais facilmente usados nas atividades de difusão da instituição do que
aqueles acervos que ainda aguardam para serem tratados pelos setores técnicos do
Arquivo (MELO, 2019).
Outra questão é que o principal tipo de postagem difundido nas redes sociais são
as efemérides, uma tradição de longa data das instituições arquivísticas. Em pesquisa
anterior, verificamos que conjuntos documentais que abarcam a produção de eventos de
órgãos públicos e empresas privadas são os mais usados para a difusão de documentos
fotográficos em postagens de efemérides. Isso ocorre porque, em fundos de assessorias
de comunicação e periódicos nacionais, por exemplo, há fotografias que englobam
diferentes situações, pessoas e locais, assim, as instituições arquivísticas podem elaborar
as postagens a partir de inúmeras possibilidades e, muitas vezes, sem a necessidade de
repetir a fotografia ao longo dos anos (MELO, 2019).
Contudo, faz-se necessário que outros conjuntos documentais sejam usados na
difusão, promovendo o acesso aos documentos custodiados pelos arquivos públicos. Os
usuários não podem ser levados a criar um imaginário de que as instituições arquivísticas
custodiam apenas acervos de determinadas atividades, como àquelas voltadas à cultura,
assim como são detentores somente de preciosidades fotográficas. A imagem dessas
instituições não deve perpetuar o senso comum, que, muitas vezes, é levado à ideia de
“arquivo morto” e de “tesouro da memória”. É necessário difundir a imagem das
instituições arquivísticas como entidades públicas responsáveis, sobretudo, pela
viabilização da transparência do Estado, promoção de direitos e escrita de narrativas
histórias, entre outras questões.
Nesse sentido, fiz o exercício de refletir sobre outros fundos documentais que,
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provavelmente, possuem fotografias relacionadas à Praça da Estação e às suas


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adjacências. Algumas atividades como construção de obras, gerenciamento de trânsito,

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limpeza de vias públicas e desenvolvimento de políticas ambientais vieram à tona. Ao


buscar no Guia do acervo do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, encontrei os
órgãos responsáveis por essas atividades na Prefeitura de Belo Horizonte, a partir de seus
respectivos fundos documentais.
A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) tem como
competência a execução do Plano de Obras do Município, promovendo os serviços de
iluminação pública, abastecimento de água entre outros. A Empresa de Transportes e
Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS) tem suas atribuições voltadas à política de
transportes e trânsito do munícipio, como o controle da prestação dos serviços de
transporte coletivo e o planejamento operacional do trânsito, entre outras. A
Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) é responsável pelos serviços de limpeza da
cidade, como varredura de vias públicas, coleta, depósito e tratamento do lixo, entre
outras atividades. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) coordena a
política ambiental de Belo Horizonte (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO
HORIZONTE, 2016).
Nas diversas obras realizadas nas proximidades da Praça da Estação, a Sudecap
provavelmente realizou o registro fotográfico das vias públicas no entorno do local, assim
como os campos de obras. A BHTRANS, em diversas situações, já precisou alterar o
trânsito nas proximidades da Avenida dos Andradas devido a eventos culturais, por
exemplo. Essas alterações compõem relatórios dos agentes da Empresa, os quais podem
conter documentos fotográficos. Nesses mesmos eventos, outro equipamento público
também atua, trata-se da SLU, responsável pela limpeza urbana. Assim, os relatórios
dessa Superintendência também devem conter fotografias, no sentido de prestar contas
dos serviços realizados nos eventos da cidade ocorridos na Praça da Estação. Os jardins
do local são alvos das ações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, as quais são
registradas em processos, por meio de documentos textuais, fotográficos e audiovisuais,
entre outros.
A reflexão apresentada acima, certamente, seria mais coerente se eu tivesse
consultado os fundos documentais dos equipamentos públicos elegidos. Essa consulta
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poderia ter ocorrido presencialmente – oportunidade com restrições no período da


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pandemia da Covid-19, época em que este trabalho foi produzido – e também de maneira

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virtual, caso o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte tivesse um repositório


digital on-line. Sabe-se, no entanto, que para uma instituição arquivística ofertar o acesso
aos documentos pela internet várias estratégias são demandadas, que vão muito além da
digitalização. É preciso o desenvolvimento, a aplicação e, consequentemente, a
remodelação de uma política de acesso, em conjunto com a alocação de recursos técnicos,
humanos e, sobretudo, financeiros.
Contudo, não retirarei o mérito da reflexão apresentada, uma vez que os fundos
documentais da Sudecap, BHTRANS, SLU e Secretaria Municipal de Meio Ambiente
possuem documentos fotográficos, os quais alguns estão indicados no Guia do acervo do
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e outros, estavam nas etapas de
processamento técnico à época da elaboração desse instrumento de pesquisa – como as
fotografias produzidas pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital, conforme
registra uma postagem no Facebook da instituição publicada em abril de 2017
(FACEBOOK DO ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE,
2017).
Cada órgão da PBH tem sua produção fotográfica alicerçada a partir de suas
competências na administração pública. Nessa perspectiva, um mesmo aspecto da
municipalidade pode ser fotografado por dois ou mais equipamentos da Prefeitura,
entretanto, com objetivos diferentes. Por isso, um dos desdobramentos deste trabalho,
certamente, é uma análise mais criteriosa a respeito dessa temática, com o levantamento
dos fundos documentais da Sudecap, BHTRANS, SLU e SMMA.

Algumas considerações

A difusão arquivística é uma atividade que envolve poder, na medida em que são
eleitos quais os conjuntos documentais serão discutidos em eventos, que irão compor
exposições, postagens de redes sociais on-line entre outros. Dessa forma, é necessário que
as instituições arquivísticas tenham políticas institucionais que abarquem a função, de
forma que todos os critérios que perpassam sua execução sejam debatidos e planejados.
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Também é importante que essas políticas sejam desenvolvidas a partir de diversos


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olhares, das instituições e dos cidadãos, assim, os arquivos públicos se posicionarão como
entidades sensibilizadas com o lugar que possuem na sociedade.
Com a apresentação da história da Praça da Estação, vimos que esse espaço, desde
antes de sua fundação, foi tomado como porta de entrada e de encontro dos sujeitos em
Belo Horizonte. A questão ferroviária foi perdendo espaço no cenário da capital mineira
e a Praça tomou lugar, sobretudo, a partir dos encontros culturais que seu espaço viabiliza.
Essa nuance do local foi vista por meio da análise das postagens do Arquivo Público da
Cidade de Belo Horizonte em sua página no Facebook, já que as publicações
privilegiaram comemorações culturais, como festas juninas e carnavais.
Embora o documento fotográfico tenha esse caráter festivo, já que culturalmente
nossas comemorações são marcadas pela fotografia, é importante destacar que esse
gênero documental também pode ser empregado por outras atividades do município,
como na construção de obras, alteração no trânsito, limpeza de vias públicas, plantio de
árvores entre outras atividades. Assim ficou nítido o caráter arquivístico que o documento
fotográfico possui e que, muitas vezes, é colocado de lado por conta de seu conteúdo
imagético e por nossas memórias pessoais e coletivas.
O período da pandemia da Covid-19 tem sido desbravador, no sentido de que
pessoas e instituições tiveram que se redescobrir e criar novas formas de comunicação.
Sítios institucionais e, sobretudo, redes sociais têm sido lugares on-line privilegiados para
os arquivos públicos manterem seus discursos com a sociedade, a partir da difusão de
seus acervos documentais, produtos e serviços. Muito embora existam filtros técnicos e
sociais, como a própria estrutura política do Estado e os algoritmos das redes sociais, é
fundamental que as instituições arquivísticas aproveitem esse momento para
estabelecerem sua identidade, a partir do apontamento de seu lugar, ou seja, da área
arquivística. Por isso, os documentos devem ser difundidos sob a perspectiva arquivística,
privilegiando o contexto orgânico dos mesmos, assim como também mais fundos e
coleções devem ser compartilhados, promovendo o acesso a outros conjuntos
documentais custodiados pelos arquivos públicos.
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PRINCIPAIS ADQUIRENTES DE LOTES DE BELO


HORIZONTE 1895-1931: segundo o índice de lotes urbanos do
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)

Main purchasers of lots in Belo Horizonte 1895-1931: according to the index of urban
lots in the Public Archives of the City of Belo Horizonte (APCBH)

Maria Lúcia Prado Costa1*

Resumo: o Índice de Lotes Urbanos do APCBH, depois de revisado em 2019, permitiu o levantamento dos
15 principais adquirentes de lotes no perímetro urbano da Capital, entre 1895 e 1931. Como já evidenciado
em estudo anterior, a especulação imobiliária foi uma das atividades a que se dedicou a elite local. No
presente texto, são apresentados, o perfil dos 15 principais adquirentes, o respectivo número de lotes e o
período de aquisição deles, com base no mesmo Índice. Evidenciou-se, mais uma vez, a força da
especulação sobre os lotes urbanos, inclusive por agentes públicos ligados à Prefeitura ou ao Conselho
Deliberativo da nova Capital. Trata-se de um exercício historiográfico baseado, portanto, em fontes
primárias, sob a guarda do APCBH.

Palavras-chave: Adquirentes. Lotes Urbanos. Belo Horizonte. Índice APCBH

Abstract: The APCBH Urban Lot Index, after revised in 2019, allowed the survey of the 15 main buyers
of lots in the urban perimeter of the Capital, between 1895 and 1931. As evidenced in a previous study, real
estate speculation was one of the activities to which the local elite was dedicated. This paper presents the
profile of the 15 main buyers, their respective number of lots, and their acquisition period, based on the
same Index. The strength of speculation on urban lots became evident again, including by public agents
linked to the City Hall or the Deliberative Council of the new Capital. This paper is a historiographical
exercise based, therefore, on primary sources, under the guardianship of the APCBH.

Keywords: Byers. Urban Lots. Belo Horizonte. APCBH Index.

Introdução

A atualização do Índice de Lotes Urbanos de Belo Horizonte (1895-1931) do


Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), realizada em 2019, permite,
entre outras pesquisas, o levantamento dos principais adquirentes de lotes na capital
naquele período.
51
Página

1
* Historiadora e Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável. Consultora da Bios
Consultoria. E-mail: lucia@biosconsultoria.com.br - Bios Consultoria: www.biosconsultoria.com.br

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Como já se constatou, em estudo anterior, publicado na edição número 6 desta


Revista (COSTA; SILVA, 2019), o Índice evidenciou que a especulação imobiliária sobre
os lotes urbanos foi uma das atividades a que se dedicou a elite mineira, nos primeiros
anos da nova capital e mesmo um pouco antes.
A atual proposta de identificar os principais adquirentes de lotes se insere no
esforço de se repensar a história da cidade a partir de fontes primárias, evitando-se
generalizações consagradas pela força do tempo.
Esclarece-se que, no Índice, não há necessariamente equivalência entre
incidências de proprietários e o número de lotes, haja vista que alguns nomes são citados
duplamente em razão de permutas ou mesmo de mudança da razão social do mesmo
adquirente. Há ainda a situação em que única incidência de proprietário se refere a grupos
de lotes de um mesmo quarteirão. Outra situação é aquela em que os lotes foram
comprados por mais de uma pessoa, o que gera duplicidade da incidência do nome, apesar
de tratar-se do mesmo lote. Em outros casos, o nome do adquirente é associado ao da
empresa do qual é sócio, expandindo o número de incidências do adquirente – seja como
pessoa física ou jurídica.
Por tais razões, só o levantamento lote a lote, no Índice, poderia esclarecer o exato
número de lotes adquiridos por cada um, como primeira aquisição ou posteriores. No
presente texto, se fez o cotejamento preliminar dos principais adquirentes com mais de
30 incidências no Índice. Essa linha de corte resultou em 15 principais compradores,
conforme está no Quadro 1.
Quadro 1 – Principais compradores e respectivos números de incidências no Índice
de Lotes Urbanos

Nº Proprietário/ Proprietária Incidências


1 José Francisco de Macêdo / José Francisco de Macedo / Jose Francisco de Macêdo 150
2 Antonio Antunes de Almeida 111
3 Aurélio Lobo 86
4 Felicissima de Paula Teixeira/ Felicíssima de Paula Teixeira/ Filhos de Felicíssima de Paula Teixeira 69
5 José Benjamin/ José Benjamim/ José Benjamim e sua mulher/ Jose Benjamin e Joaquim Daniel Rocha 64
6 Antonio Garcia/ Antonio Garcia de Paiva/ Garcia de Paiva & Cia./ Garcia de Paiva & Pinto/Antônio 57
Garcia de Paiva & Cia.
7 Antonio Daniel da Rocha/ Cel. Antônio Daniel da Rocha 43
8 Joaquim Daniel da Rocha 42
9 Silverio Silva/ Silvério Silva/ Silvério Silva & Cia./ Silverio Silva e Alvim/ Coronel Silverio Silva 42
10 Francisco de Assis Duarte/ Francisco Assis Duarte/ Francisco de Assis Duarte e Ildeu Duarte 36
11 Joaquim Severiano de Carvalho/ J. Severiano de Carvalho/ Joaquim Severiano & Companhia/ J. 35
Severiano & Co. / J. Severiano & Co.
12 Clemente de Faria 34
13 Antonio Alves Martins/ Antonio Alves Martins Junior 32
52

14 Avelino Fernandes 30
15 Juventino Dias Teixeira 30
Página

Fonte: Índice de Lotes Urbanos APCBH, 2019


Elaboração: Autora, 2020

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Perfil dos principais proprietários

O perfil político e social desses 15 maiores proprietários de lotes foi esboçado a


partir de consulta ao Almanak Laemmert (1891-1940), ao Jornal Minas Gerais e ao livro
de Abílio Barreto (1936) sobre Belo Horizonte. Consultaram-se ainda os Relatórios dos
Prefeitos ao Conselho Deliberativo, do período, e outras fontes do Arquivo Público
Mineiro (APM) e da Hemeroteca Pública de Minas Gerais, entre outras.

José Francisco de Macedo, Zé dos Lotes (1873-1950)


Um dos famosos especuladores imobiliários da cidade foi José Francisco de
Macedo (Macêdo), o Zé dos Lotes. Abílio Barreto informa que Zé dos Lotes, ainda em
novembro de 1895, junto com outros homens de negócio, já visitava o Curral del Rey,
“percorrendo os pontos principais da localidade, a fim de escolherem os terrenos para as
casas que pretendiam construir” (BARRETO, 1936, p. 462). Ainda esclarece que o
apelido “Zé dos Lotes” decorria do fato de anos mais tarde José Francisco de Macedo ter
“comprado por preço ínfimo considerável número de lotes em Belo Horizonte, inclusive
na avenida Afonso Pena, dentre os quais haviam sido sorteados para os proprietários em
Ouro Preto” (Ibidem, 1936). Zé dos Lotes, associado “ao gordo negócio imobiliário”, foi
também mencionado por Carlos Drummond de Andrade, numa crônica em homenagem
aos sessenta anos da cidade, comemorados em 1957: “decerto, não mudaste, cresceste e
ameaças crescer mais, crescer sempre; e não errou aquele Zé dos Lotes, lembras-te? De
caroço no pescoço, que em teu alvorecer prefigurou o gordo negócio imobiliário”.
(ANDRADE, 1957)
O Jornal Estado de Minas, de 7 de outubro de 1950, registrou o falecimento de Zé
dos Lotes e fez a seguinte rememoração:

Desaparece uma das figuras tradicionais da cidade. Faleceu o capitalista José


Francisco Macedo – vulgo Zé dos Lotes. Acreditou no futuro da capital e ficou
milionário com o comercio imobiliário. Sabia efetuar bons negócios.
Distribuiu sua fortuna em vida. Uma frase que define o homem de negócios
[...] Zé dos Lotes explicava as razões de seu êxito na vida, dizendo
pitorescamente “Comprei lotes de quem pensava que Belo Horizonte nunca
passaria de Curral del Rey e vendi para os que supunham que a cidade em
breve seria Nova York”. (O ESTADO DE MINAS, 1950, p. 10 apud
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 2019)
53
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Ela já figurava na “Relação dos Proprietários com casa em Ouro Preto com direito
a lotes de terreno para construção na futura capital, conforme a Lei n. 3 de 17 de dezembro
de 1893”, publicada no Jornal Minas Gerais, em 1895.
No Índice, o nome dele, grafado também José Francisco Macedo e José Francisco
de Macêdo, aparece sozinho e também associado ao de Alberto Gomes de Carvalho, que
figura 13 vezes isoladamente no Índice. A primeira aquisição feita por Zé dos Lotes data
de 15/05/1897 – a capital seria inaugurada ao final deste mesmo ano – e a última, de
21/11/1919. Ao todo foram 150 incidências.
As relações de Zé dos Lotes com a Prefeitura parecem variar ao longo do tempo.
Há tanto conflitos quanto favorecimentos. No Relatório ao Conselho Deliberativo do
Prefeito Silviano Brandão, de 1909-1910, há referência a duas ações movidas por Jose
Francisco Macedo e sua mulher contra a Prefeitura. Uma, em relação ao Hotel Monte
Verde e outra, referente à manutenção de posse de cafuas nas proximidades do 1º
Batalhão, das quais se diziam donos. (BELO HORIZONTE, 1910, p. 7)
Já em 1917, ele foi beneficiado nominalmente por uma lei municipal – evidência
inequívoca de seu prestígio. A Lei n. 128 determinou em seu artigo 1º:

Fica o Prefeito auctorizado a prorrogar os prazos para construção nos lotes de


terrenos urbanos de propriedade dos srs. Benjamin Moraes, d. Virginia
Fernandes Monteiro, capitão Christiano Alves Pinto, Domingos Fleury da
Rocha, José Francisco de Macedo e dr. José Fellipe de Santa Cecilia,
cobrando as respectivas taxas. (BELO HORIZONTE, 1917) (grifo nosso)

Antonio Antunes de Almeida


Curiosamente em todos os 111 lotes referentes a Antonio Antunes de Almeida,
identificados no Índice, não consta a data nem a forma de transação. Todos referem-se ao
quarteirão 1 da XIV seção urbana. Esta seção fica nas imediações da estação ferroviária
de Belo Horizonte e tem por peculiaridade o fracionamento dos lotes, como lote 1A, 1B,
etc. Não foi identificada, entretanto, qualquer menção a Antonio Antunes de Almeida nas
fontes consultadas que permitisse algum esboço de seu perfil.

Aurélio Lobo
Incide 86 vezes no Índice, sendo o primeiro registro em 24/09/1896 e o último em
54

07/06/1926. A maioria (76) dos lotes referentes a ele são do quarteirão 2 da XIV seção
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urbana, já mencionada. Estes 76 lotes tampouco têm data ou forma de transação, no


Índice.
Ele foi tesoureiro da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, segundo o Almanak
Laemmert, de 1909 a 1926. Abílio Barreto faz três citações a ele. Duas como construtor
de um teatrinho provisório em 1895 (BARRETO, 1936, p. 433) e do Ginásio – depois
Fórum (Ibidem, p. 509). A terceira citação é a seguinte:

No dia 20 de fevereiro [de 1897] consorciavam-se em Sabará, e vinham morar


em Belo Horizonte, o Sr. Aurélio Lobo e a Exma. Senhorinha Altina Costa,
duas ilustres figuras que até hoje se acham incorporadas ao escol social
horizontino, sendo que o Sr. Aurélio Lobo já se achava aqui anteriormente,
desde os primeiros dias da Comissão Construtora. A ele, desde esta época,
deve Belo Horizonte boa parte do seu progresso, como construtor, como
tesoureiro da Prefeitura e como proprietário. (BARRETO, 1936, p. 660)
(grifo nosso)

Na obra Dicionário Biográfico de Construtores e Artistas de Belo Horizonte


(1894-1940) (IEPHA, 1997), há o seguinte verbete sobre ele:

LOBO, Aurélio (1871 -?) Engenheiro e construtor. Chegando ao Curral del


Rei, montou em 1895 uma casa comercial de secos e molhados. Mais tarde,
em sociedade, com Francisco Soucassaux, fundou a empresa construtora F.
Soucassaux e Cia. Participou da construção de vários prédios em Belo
Horizonte, como o do antigo Forum (1897/98), atual Instituto de Educação [...].
Foi responsável pelas obras do Hotel Sul-Americano (Edifício Aurélio Lobo,
1920). Ocupou os cargos de Tesoureiro e construtor da Prefeitura. (IEPHA,
1997, p. 141)

Figura 1 – Inauguração do Monumento à Nação Mineira

55

Legenda: Praça Rui Barbosa em tendo ao fundo o Edifício Aurélio Lobo, atual Hotel Sul
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América Palace, Belo Horizonte (1929).


Fonte: Sistema Integrado de Acesso do Arquivo Público Mineiro – SIAAPM, 2019.

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Felicissima de Paula Teixeira/ Filhos de Felicissima de Paula Teixeira


É citada 66 vezes no Índice. A primeira em 28/09/1899 e a última em 05/07/1920.
Cerca de 59 lotes referem-se apenas ao quarteirão 1 e ao 2 da XIV seção urbana já
mencionada.
Ela era casada com o advogado Antônio Teixeira de Siqueira Magalhães. Segundo
o livro Memória das Ruas (GOMES, 1992), a rua Teixeira Magalhães, antiga rua
Aiuruoca, na Floresta, seria uma homenagem ao marido de D. Felicíssima. Com apenas
um quarteirão, esta rua começa na avenida do Contorno n. 1610 e acaba na rua Itajubá n.
294. “É mais uma das vias públicas surgidas em decorrência das modificações por que
passou a XIV zona urbana” (Ibidem, p. 207).
Segundo a mesma fonte, o vendedor era exatamente Antonio de Almeida, o
segundo maior proprietário de lotes urbanos aqui informado:

ao se enviuvar [década de 20), D. Felicíssima abriu uma rua na propriedade da


família, adquirida em 1908 de Antonio de Almeida, tendo mandado construir
vários chalezinhos para alugar, hoje já demolidos ou reformados. (GOMES,
1992) (grifo nosso)

No prefácio da mesma obra, lê-se, que a rua Teixeira Magalhães seria um dos
exemplos de alteração do traçado original da cidade para que os terrenos fossem melhor
aproveitados, favorecendo seus proprietários, “que ainda tiveram o prêmio de ter seu
nome perpetuado na geografia da cidade”. (Ibidem, p. 14)
No Índice, o marido de D. Felicíssima, Antônio Teixeira de Siqueira Magalhães,
figura como proprietário de sete lotes urbanos, sendo seis de 06/11/1897 e apenas um de
1899 - este em nome dos filhos menores Samuel, Amadeu e Colombino. Estes filhos –
sem menção aos pais – também aparecem no Índice com compradores, em 1906, de lotes
adquiridos do mesmo Antonio Antunes de Almeida, já mencionado.
O filho de D. Felicíssima, Columbino Teixeira de Siqueira, por sua vez, consta no
mesmo Índice com 19 incidências, sendo sete por herança, duas por carta de adjudicação
(ato judicial que dá a alguém a posse e a propriedade de determinados bens), duas por
doação, duas por cessão e seis por compra. Trata-se do único caso do Índice, dentre os 15
pesquisados, de menção a herdeiros de uma mesma família.
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Jose Benjamin/José Benjamim


Consta com 42 incidências com seu nome isoladamente e 20 com seu nome
conjugado ao de Joaquim Daniel da Rocha (o oitavo maior proprietário de lotes aqui
estudados), uma em seu nome conjugado ao de sua mulher e ainda uma como associado
a ‘outro’ não mencionado. Ao todo, há 64 incidências.
A primeira menção data de 14/10/1895 e a última de 29/08/1916. Curiosamente,
das 20 incidências referentes a José Benjamin e Joaquim Daniel da Rocha, 19 são da
mesma data: 02/12/1897 – dias antes da inauguração da Capital.
José Benjamin é citado por Abílio Barreto, na relação dos proprietários das
edificações em construção em Belo Horizonte, em maio de 1896: uma, referente ao
primeiro sobrado da cidade no lote 1 do quarteirão 19 da seção I, e outra, ao lote 2 do
mesmo quarteirão (BARRETO, 1936, p. 547 e p. 549).
A Manufactura de fumos dos Sr. José J. da Silveira e Jose Benjamin aguardava a
instalação de energia elétrica pela Prefeitura, em relatório de 1907-1908 do prefeito
Benjamin Jacob ao Conselho Deliberativo de Belo Horizonte.
Jose Benjamin figurava no Almanak Laemmert como membro do Conselho
Deliberativo de Belo Horizonte em 1903, 1904, 1906, 1907, 1908. Como presidente da
Junta Comercial de Belo Horizonte de 1905 a 1908. É mencionado como coronel e
tenente-coronel, indistintamente.
Decreto n. 3 de 9 de outubro de 1924, do prefeito Flavio Fernandes dos Santos,
criava o bairro Bela Vista, atendendo ao requerimento do “dr. João Carvalhaes de Paiva,
coronel José Benjamin e Victorio Marçolla” (BELO HORIZONTE, 1924).
Há ainda uma referência a um José Benjamin como acionista da Companhia
Manufactora de Calçados Sabarense, conforme publicação do Jornal Minas Gerais de
1894 (edição 00202).

Antonio Garcia de Paiva/ Antônio Garcia de Paiva & Co/ Garcia de Paiva &
Pinto
No Índice, as incidências somam 57, conforme Quadro 2. A primeira incidência
data de 08/10/1895 e a última de 01/02/1930.
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Quadro 2 – Antonio Garcia de Paiva e suas empresas segundo incidências no


Índice de Lotes Urbanos
Proprietário Número de Incidências
Antonio Garcia de Paiva 30
Antonio Garcia de Paiva & Cia 5
Garcia de Paiva & Co. 2
Garcia de Paiva & Pinto 19
Antonio Garcia 1
Total 57
Fonte: Índice de Lotes Urbanos APCBH, 2019
Elaboração: Autora, 2020

A Revista O Malho, de 1914, traz extensa reportagem sobre o Coronel Antonio


Garcia de Paiva. O texto destacava:

Dias depois [da comemoração de aniversário], regressou para Bello Horizonte,


onde reside, o Sr. coronel Garcia de Paiva, que foi um dos heróes da fundação
daquella capital e que tem concorrido para o embellezamento de suas avenidas
e ruas, como provam os bellos palacetes por si construídos, como a Faculdade
de Medicina, o Collegio Anglo-Mineiro, a reconstrução do Grande Hotel, etc.
Alli na Capital, mantém o coronel Garcia o seu estabelecimento industrial, com
uma bella serraria modelo, movida a electricidade, onde trabalha um grande
número de operários que tiram o necessário para a subsistencia de suas
famílias. (REVISTA O MALHO, 1914)

No livro de Abílio Barreto, Antonio Garcia de Paiva é mencionado como


proprietário do Hotel Lima, no Largo do Rosário. Neste hotel, houve o almoço para os
membros do governo mineiro que visitavam a capital em 31 de julho de 1896.
(BARRETO, 1936, p. 643). Antonio Garcia de Paiva foi citado também, pelo mesmo
autor, como membro da Comissão encarregada dos festejos para inauguração da cidade
(Ibidem, p. 734).
A Figura 2 reproduz foto do livro de Abílio Barreto, na qual se veem o Largo do
Rosário e o Hotel Lima, “mais tarde propriedade do Sr. Antônio Garcia de Paiva”.
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Figura 2 – Foto do Largo do Rosário

Legenda: a casa em cuja porta está um homem em pé era o Hotel Lima, mais tarde propriedade
do Sr. Antônio Garcia de Paiva.
Fonte: BARRETO, 1936

No Dicionário Biográfico de Construtores e Artistas de Belo Horizonte (1894-


1940) (IEPHA, 1996), há o seguinte verbete sobre este proprietário:

PAIVA, Antonio Garcia de (? -?). Construtor e industrial. Em 1903, associou-


se ao genro Augusto de Souza Pinto, estabelecendo um depósito de madeira,
na rua Rio de Janeiro. Em 1906, inauguraram o primeiro engenho de serra a
vapor para o preparo de madeira, marco inicial da indústria da capital, que deu
origem à Serraria Souza Pinto [...]. Inicialmente denominada Garcia de Paiva
e Pinto, a empresa foi responsável pela cessão de materiais diversos para
construções e reformas de prédios públicos e particulares em Belo Horizonte
[...] Na época da construção da cidade era proprietário do Hotel Lima,
localizado no Largo do Rosário, do antigo Curral del Rei, área hoje
correspondente ao cruzamento da Avenida Álvares Cabral com a rua da Bahia.
(IEPHA, 1996, p. 190)

A empresa Garcia Paiva & Pinto é mencionada como serraria na rua da Estação,
no Almanak Laemmert, de 1911. Na mesma fonte, há a propaganda de Garcia de Paiva &
Pinto – A Industrial, serraria, marcenaria e construções, à avenida Tocantins, n. 809. O
escritor Pedro Nava também se refere à firma Garcia de Paiva & Pinto, por diversas vezes
em sua obra memorialística.
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Antonio Daniel da Rocha/ Coronel Antonio Daniel da Rocha


Grafado também Antônio Daniel Rocha e ainda Coronel Antônio Daniel da
Rocha, figura em 43 incidências na série consultada, mas há 59 lotes citados. Ou seja,
algumas citações compreendem mais de um lote. A primeira incidência data de
27/07/1899 e a última, de 18/12/1930.
Ele figura como acionista da Companhia Manufactora de Calçados Sabarense –
30 ações - cuja ata de constituição de 17 de junho de 1894 foi publicada no Jornal Minas
Gerais. Devia ser alguém importante, pois sua chegada em Belo Horizonte vindo de
Sabará era noticiada pelo mesmo jornal em 1899 (edição 239, 243 e 283) e em 1900
(edição 024 e 036).
No livro de Abílio Barreto, é mencionado duas vezes como Coronel Daniel da
Rocha (BARRETO, 1936, p. 179 e p. 433). Numa delas, é citado como o anfitrião do
almoço em Sabará oferecido a Afonso Pena, então presidente do estado, e a Crispim
Jacques Bias Fortes, seu sucessor, em agosto de 1894, antes da viagem dos estadistas ao
Curral del Rey.

Joaquim Daniel da Rocha


Aparece com 42 incidências no Índice, sendo 20 em associação com José
Benjamin, também citado neste estudo. A primeira data de 22/05/1899 e a última, de
15/03/1909.
Também Joaquim Daniel da Rocha é mencionado como acionista da Companhia
Manufactora de Calçados Sabarense, na ata publicada no Jornal Minas Gerais, em 1899.
Era ainda cessionário de D. Anna Ermelinda Alvares Antunes, uma das
proprietárias de casa em Ouro Preto com direito a lote na nova capital, conforme
convocação veiculada pelo Jornal Minas Gerais, do mesmo ano. Também devia ser
alguém importante, pois sua chegada em Belo Horizonte vindo de Sabará era noticiada
pelo mesmo jornal em edições de 1900.

Silverio Silva /Silvério Silva & Cia /Silveiro Silva e Alvim/ Coronel Silverio Silva
São citados 42 vezes no Índice, sendo 12 delas como empresa. A primeira citação
é de 29/09/1909 e a última, de 07/02/1929.
60

No Jornal Minas Gerais de 20 de maio de 1912, há referência à Belo Horizonte


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Industrial Serraria e Fábrica de Ferros dos Srs. Silverio Silva & Co. (ARQUIVO

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PÚBLICO MINEIRO, 2019). No Almanak Laemmert de 1918, há propaganda de Silverio


Silva & Co – Grande Serraria São José, à avenida Tocantins, 729. As referências à
empresa seguem até 1926, na mesma fonte. A empresa Silvério Silva & Co. é citada no
relatório do Prefeito Affonso Vaz de Mello de 1918-1919 ao Conselho Deliberativo como
uma das indústrias que goza de favor de energia da Prefeitura.
Silvério Silva e Alvim era o nome da sociedade dele com seu genro, Aristóteles
Juvenal de Faria Alvim (1891-1965). Verbete do Dicionário Biográfico do ICAM sobre
Aristóteles Juvenal informa:

Engenheiro civil, formado na primeira turma da Escola de Engenharia da


UMG, 1916. Prestou serviços em Belo Horizonte, onde construiu diversos
edifícios e por meio de suas firmas, organizou e planificou bairros e vilas. [...].
Em 1922, fundou a firma Empreendimentos Silvério Silva e Alvim, em
sociedade com seu sogro e um irmão, ocupando até a sua morte o cargo de
diretor-presidente, bem como a SS Companhia, Empreendimentos e
Participações. (ICAM, 2013) (grifo nosso)

Francisco de Assis Duarte/ Francisco Assis Duarte


Tinha 36 incidências no Índice. A primeira em 19/10/1910 e a última em
20/06/1928. Em 09/07/1929 há uma última incidência dele associado a Ildeu Duarte. Ele
consta também como acionista (dez ações) da Companhia Manufactora de Calçados
Sabarense, conforme edição do Jornal Minas Gerais de 1894 (edição 00202).

Joaquim Severiano de Carvalho/ J. Severiano de Carvalho/ Joaquim Severiano


& Companhia/ J. Severiano & Cia
Aparece 35 vezes no Índice, individualmente ou sob as razões sociais de sua
empresa, conforme Quadro 3. A primeira em 10/02/1897 e a última em 03/03/1911.

Quadro 3 – Incidências de Joaquim Severiano de Carvalho no Índice


Denominação Incidências
Joaquim Severiano de Carvalho 28
J. Severiano de Carvalho 2
Joaquim Severiano & Companhia 2
J. Severiano & Cia 3
Total 35
Fonte: Índice de Lotes Urbanos APCBH, 2019
Elaboração: Autora, 2020
61

Em 1894, Joaquim Severiano de Carvalho publicou, no Jornal Minas Gerais,


Página

anúncio informando a dissolução da firma J. Severiano & Machado. Em 1895 e 1897, a

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empresa figurava, entretanto, como um dos maiores contribuintes de Ouro Preto. Não se
identificou, entretanto, o ramo de negócios da empresa. Joaquim Severiano é citado na
“Relação dos Proprietários de casas em Ouro Preto com direito a lote de terrenos na futura
capital, conforme a lei 3 de 17 de dezembro de 1.893”, já informada.
Em 1897, Joaquim Severiano de Carvalho, junto com vários outros, foi convidado
a comparecer à Comissão Construtora para legalizar a concessão do lote na nova Capital,
em razão de ser residente em Ouro Preto.

Clemente de Faria
Consta 34 vezes no Índice, sendo duas em seu nome conjugado ao de J. Maciel de
Paiva. A primeira em 01/08/1921 e a última em 06/02/1929.
Em 1925, na inauguração do Banco da Lavoura, em Belo Horizonte, ele consta
como gerente; Major Aurélio Lobo como secretário; e Dr. Hugo Werneck como
presidente, conforme o Jornal Minas Gerais de 13 de junho daquele ano (ARQUIVO
PÚBLICO MINEIRO, 2019). Há 13 lotes em nome do Banco da Lavoura no Índice.
Quando do falecimento de Clemente de Faria em 1948, a imprensa destacava sua
atuação:

Afastado das atividades políticas, após uma eficiente atuação no Congresso


estadual e federal dedicou-se ao comércio e indústria tendo feito parte de
diversas organizações. Deputado ao Congresso Mineiro em 1915, agitou a
questão dos limites entre Minas e Bahia, questão que teve grande repercussão
na imprensa. Foi eleito deputado federal em 1930. Em 1925 fundou o Banco
da Lavoura de Minas Gerais e pouco depois o Banco de Crédito Predial, hoje
Banco de Minas Gerais. Além de presidente do Banco da Lavoura, presidiu
várias organizações imobiliárias da capital. Era presidente também de
sociedades comerciais e industriais. (PERDA..., 11 out. de 1948)

Antonio Alves Martins/ Antonio Alves Martins Junior


Figuram com 32 incidências no Índice, sendo apenas duas em nome do primeiro.
Não se sabe tratar-se da mesma pessoa ou de pai e filho. A primeira menção é de
12/08/1896 e a última, de 05/06/1925.
Antonio Alves Martins Junior é citado como proprietário de Fazendas e Modas
em Belo Horizonte, no Almanak Laemmert em 1900 e 1901. Em 1909, na mesma fonte,
figura sob os títulos Comissões e Consignações e Molhados, na avenida Paraná. Em 1910,
62

em Comissões e Consignações e Gêneros do Paiz; Refinação de Assucar, até 1918,


Página

também na capital.

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Avelino Fernandes (? – 1935)


O português Avelino Fernandes, natural de Vila da Barca, região do Minho,
aparece com 30 citações no Índice. A primeira em 09/02/1899 e a última em 28/09/1927.
É mencionado como representante do próprio Almanak Laemmert – fonte primária
principal do presente estudo –, em Ouro Preto, em sua edição de 1897 e de 1899. Nesta
segunda edição, é citada a empresa Avelino Fernandes & Cia. em Ouro Preto, do setor de
mantimentos, informação que se repete em 1901, 1902, 1903.
O Grande Armazem de Seccos e Molhados Avelino Fernandes e Companhia tinha
sua sede em Ouro Preto (MG) e uma filial na Companhia D. Pedro North Del Rey, em
Mariana (MG). Em 1894, era o único do gênero na cidade de Ouro Preto (JORNAL
MINAS GERAIS, 1894. p. 4).
Avelino Fernandes é mencionado, associado ao Capitão Candido Rodrigues da
Cruz, como responsável pelo escritório de procuratórios e de negócios comerciais, no
mesmo ano, em Ouro Preto, segundo o Jornal Minas Gerais. Em 26 de novembro de 1893,
ele, junto com vários peticionários, publica no mesmo jornal, reclamação ao Congresso
Mineiro contra a mudança da Capital de Ouro Preto.
Em 1895, a empresa Avelino Fernandes & Co. é citada como os maiores
contribuintes de Ouro Preto, para fins eleitorais. Em 23 de abril deste mesmo ano, a firma
publica um anúncio no Jornal Minas Gerais, informando que Bernardo Pinto Monteiro,
futuro prefeito de Belo Horizonte (1899-1902) e o Capitão Candido Augusto da Cruz
estavam se retirando da sociedade. Também em 1895, Avelino Fernandes foi nomeado
vice-cônsul de Portugal, em Belo Horizonte.
Em 1898, publicou um anúncio sobre a liquidação da firma Avelino Fernandes &
Co., assumindo ele próprio a gestão dos negócios. Há propaganda do comércio de Avelino
Fernandes, no Jornal Diário de Minas, de 1899, como vendedor de livros, formicida,
manteiga, vinhos, confetes, chás, material elétrico, passagem de navio para a Exposição
Internacional de Paris de 1900.
Em 1904, no Almanak Laemmert, Avelino Fernandes é mencionado no item
Armazem de Viveres e Mantimentos, na avenida Liberdade, em Belo Horizonte.
Pedro Nava o cita reiteradamente, em sua obra. A família de Nava, em 1925, ao
63

se mudar da Serra para a rua Aimorés n. 1.016, teria alugado uma casa do comendador.
Página

No volume “Beira-Mar”, Nava conta:

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[D. Diva, mãe do escritor] alugou por 25$000 uma casinha tipo B das
construções da fundação de Belo Horizonte, pequena de fachada, portão lateral
de madeira, duas janelas de frente, propriedade do Comendador Avelino
Fernandes. (NAVA, 2013 p. 250) (grifo nosso)

O comendador Avelino Fernandes é personagem da descrição que Nava faz da rua


da Bahia, de seu tempo: “Em cima dessa loja [Casa Decat], morava o comendador
Avelino Fernandes, cônsul de Portugal, nosso amigo (NAVA, 2013)” (grifos nossos).
De seu obituário, em 1935, a imprensa destacava:

Aqui residindo desde o começo da construção da Capital, Avelino Fernandes


de tal maneira se radicou em nosso meio que teve seu nome ligado à própria
história da cidade [...]. Foi um dos fundadores da Associação Commercial,
presidente da Colonia Portugueza, provedor da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Matriz de Boa Viagem [...], provedor da Santa Casa. (MINAS
GERAIS, 26 nov. 1935, p. 11) (grifo nosso)

Juventino Dias Teixeira


Possui 30 menções no Índice. A primeira em 17/06/1923 e a última em
12/03/1931. O Novo Dicionário Biográfico de Minas Gerais (ICAM, 2013) traz verbete,
do qual se extraíram as seguintes informações até 1930. Juventino Dias (Betim,
13/03/1884 - 1976):
comerciante, empresário e industrial. Nasceu em Capela Nova, atual Betim,
Minas Gerais. Atuou como sócio da firma Duarte e Companhia, em Caeté/MG
(1908), e de uma das maiores casas comerciais de Sabará/MG. Proprietário da
Casa Juventino em Santa Bárbara/MG (1912), de estabelecimento de mesmo
nome em Belo Horizonte/MG (1920). [...] Fundou a Torrefação de Café Minas
Gerais (1930) em Belo Horizonte. [...]. Foi vereador de Belo Horizonte entre
1926-1929. (ICAM, 2013)

O Coronel Juventino Dias Teixeira era membro do Conselho Deliberativo de Belo


Horizonte, em 1930, segundo o Almanak Laemmert.

Temporalidade

Interessante também mensurar o tempo em que os principais adquirentes se


mantiveram no negócio imobiliário, segundo dados do Índice. O Quadro 4 traz esta
periodização, embora precária, haja vista que há ausência de datas em muitas transações
informadas na fonte consultada.
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Quadro 4 – Período de Atividade Imobiliária dos Principais Adquirentes de Lotes de Belo


Horizonte – 1895-1931
Datas de início e
Nome Adquirente Número de Anos
término
José Francisco de Macêdo / José Francisco de Macedo / Jose Francisco 1897 -1919 22
de Macêdo (*)
Antonio Antunes de Almeida NI NI
Aurélio Lobo (*) 1896-1926 30
Felicissima de Paula Teixeira/ Felicíssima de Paula Teixeira/ Filhos de 1899-1920 21
Felicíssima de Paula Teixeira (*)
José Benjamin/ José Benjamim/ José Benjamim e sua mulher/ Jose 1896-1916 20
Benjamin e Joaquim Daniel Rocha
Antonio Garcia/ Antonio Garcia de Paiva/ Garcia de Paiva & Cia./ Garcia 1895-1930 35
de Paiva & Pinto/Antônio Garcia de Paiva & Cia.
Antonio Daniel da Rocha/ Cel. Antônio Daniel da Rocha 1899-1930 31
Joaquim Daniel da Rocha 1899-1909 10
Silverio Silva/ Silvério Silva/ Silvério Silva & Cia./ Silverio Silva e Alvim/ 1909-1929 20
Coronel Silverio Silva
Francisco de Assis Duarte/ Francisco Assis Duarte/ Francisco de Assis 1910-1929 19
Duarte e Ildeu Duarte (*)
Joaquim Severiano de Carvalho/ J. Severiano de Carvalho/ Joaquim 1897-1911 14
Severiano & Companhia/ J. Severiano & Co. / J. Severiano & Co.
Clemente de Faria 1921-1929 8
Antonio Alves Martins/ Antonio Alves Martins Junior 1896-1925 29
Avelino Fernandes 1899-1927 28
Juventino Dias Teixeira 1923-1931 8
Fonte: Índice de Lotes Urbanos APCBH, 2019
Elaboração: Autoras, 2020
Nota: (*) = há lotes sem data informada no Índice. NI = Não Informado

Os dados acima indicam que o mais longevo dos principais adquirentes foi
Antônio Garcia de Paiva e suas empresas, com 35 anos de especulação imobiliária. Em
segundo lugar, figura Antonio Daniel da Rocha, com 31 anos de atividade. Aurélio Lobo,
com 30 anos de atividade imobiliária, aparece em terceiro lugar.

Considerações Finais

O presente estudo confirmou a hegemonia de José Francisco de Macedo, o Zé dos


Lotes, na especulação imobiliária urbana de Belo Horizonte, no período analisado. Foram
150 lotes adquiridos durante 22 anos. Além dele, outros personagens florescem deste
breve estudo. Se alguns perpassam quase toda a série temporal estudada, como Antonio
Garcia de Paiva e suas empresas (35 anos, de 1895 a 1930), outros se concentram em
períodos mais breves, como Clemente de Faria (de 1921 a 1925) e Juventino Dias (de
1923 a 1931).
65

Dos 15 nomes citados, não se obteve dado algum sobre o segundo principal
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especulador: Antonio Antunes de Almeida. Se não há data das suas transações, sabe-se,

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contudo, que seus 111 lotes se concentraram na XIV seção urbana, nas proximidades da
Estação Ferroviária. Quarteirões dessa mesma seção foram também objeto de aquisição
de outros proprietários majoritários.
Entre os 15 especuladores, três atuavam como agentes públicos municipais
durante o marco temporal aqui adotado. Aurélio Lobo foi tesoureiro da Prefeitura entre
1909 e 1926; José Benjamin foi membro do Conselho Deliberativo entre 1906 e 1908; e
Juventino Dias, membro do mesmo Conselho, em 1930.
Chama especial atenção o vínculo de quatro dos 15 especuladores com a
Companhia Manufactora de Calçados Sabarense: José Benjamin; Antonio Daniel da
Rocha; Joaquim Daniel da Rocha e Francisco de Assis Duarte.
Há três proprietários ligados ao ramo da construção civil e serraria: Aurélio Lobo,
Antonio Garcia de Paiva e Silvério Silva – os dois últimos também constituintes de
empresas do mesmo ramo.
Alguns nomes exerceram amplo espectro de atividades, seja no comércio, seja na
indústria, ou nas atividades beneméritas, como o comendador Avelino Fernandes ou
Juventino Dias.
Curiosamente, há intrincada relação entre alguns dos proprietários citados, como
José Benjamin e Joaquim Daniel da Rocha. Ambos compraram em sociedade 19 lotes,
dias antes da inauguração da capital.
O engenheiro Aurélio Lobo, tesoureiro da Prefeitura (1909-1926) e ligado à
atividade de construção civil, emerge, portanto, como o principal adquirente de lotes
urbanos, se conjugadas duas variáveis: número de lotes (86) e temporalidade (30 anos).
O desvelamento dos 15 principais adquirentes de lotes urbanos de Belo Horizonte,
com base em fontes primárias, procurou apontar, dentro de suas limitações, quem foram
os principais membros da elite que fizeram do espaço da cidade um negócio nos primeiros
anos da Capital.
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Referências

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ANDRADE, Carlos Drummond. Canção sem Metro. In: A bolsa e vida. 1957. Disponível em:
<https://issuu.com/wdsonmanoelasantos/docs/a_bolsa___a_vida_-_carlos_drummond_>. Acesso em: 4 de set. de
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<http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/gravata_brtdocs/photo.php?lid=6956>. Acesso em: 12 de dez. de
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68
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A VOZ DELAS: análise de discursos das representantes da


ALEM no acervo audiovisual da CMBH (2001-2005)

Sus voces: análisis de los discursos de representantes de la ALEM en la colección audiovisual


del CMBH (2001-2005)

Maria Ferraz1*

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o acervo da série “Registros Audiovisuais de Eventos
Diversos” da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) através de um estudo de caso. A partir da
análise de alguns discursos realizados na CMBH por integrantes da Associação Lésbica de Minas – ALEM
(1998-2014), buscou-se demonstrar a versatilidade desta documentação. A série, que se encontra sob guarda
no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), dispõe de gravações de reuniões e eventos
ocorridos na casa legislativa municipal. Por isso, contém registros de falas de diferentes lideranças políticas
e sociais da cidade desde a década de 1970 até os dias atuais. O artigo objetiva, ainda, apresentar parte da
trajetória da ALEM e analisar alguns dos debates políticos que envolveram a história deste movimento
social.
Palavras-chave: Câmara Municipal de Belo Horizonte. Associação Lésbica de Minas. Arquivo.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar la serie de “Registros Audiovisuais de Eventos
Diversos” de la “Câmara Municipal de Belo Horizonte” (CMBH) a través de un estudio de caso. A partir
del análisis de algunos discursos pronunciados en el CMBH por miembros de la “Associação Lésbica de
Minas” – ALEM (1998-2014), se buscó demostrar la versatilidad de esta documentación. La serie, que se
encuentra custodiada en el “Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte” (APCBH), presenta grabaciones
de reuniones y eventos que tuvieron lugar en la casa legislativa municipal. Por tanto, contiene registros de
discursos de diferentes líderes políticos y sociales de la ciudad desde la década de 1970 hasta la actualidad.
El artículo también tiene como objetivo presentar parte de la trayectoria de ALEM y analizar algunos de
los debates políticos que involucraron la historia de este movimiento social.
Palabras clave: Câmara Municipal de Belo Horizonte. Associação Lésbica de Minas. Archivo.

Introdução

Quando pensamos em documentos produzidos pelo poder legislativo,


instantaneamente imaginamos projetos de leis, atas de reuniões, documentos de
comissões, entre outros acervos que correspondem à função típica deste poder e que
remetem a pilhas de documentos textuais. De fato, parte importante da atuação das casas
legislativas está registrada nesses tipos documentais e é comumente acessada quando
69

1*
Graduada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e doutoranda em
Página

História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, trabalha no Arquivo Público da
Cidade de Belo Horizonte (APCBH) em Convênio de Cooperação Técnica entre o APCBH e a Câmara
Municipal de Belo Horizonte (CMBH). Endereço eletrônico: mariaferraz.hist@gmail.com.

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pesquisadoras/es desejam saber as perspectivas e propostas de vereadoras/es e


deputadas/os sobre determinado tema. Existe, entretanto, outro grupo de documentos,
igualmente relevante, que, embora seja bastante explorado por jornalistas, talvez ainda
possa ser melhor utilizado por historiadoras/es: as gravações audiovisuais das sessões e
eventos ocorridos nas casas legislativas.
É fato que nem sempre este tipo de acervo está disponível para consulta. Algumas
instituições disponibilizam apenas as notas taquigráficas2 das reuniões, o que,
evidentemente, constitui um tipo de documento completamente diferente das gravações
audiovisuais. Entretanto, quando esses registros podem ser devidamente acessados, eles
possibilitam não só ouvir/assistir ao pronunciamento de vereadoras/es e deputadas/os
sobre determinados projetos e/ou situações, mas também analisar a participação de
diferentes forças políticas nas instituições legislativas. Portanto, do ponto de vista
histórico, nesse acervo de gravações, é possível escutar a voz de líderes comunitárias/os,
dirigentes sindicais, especialistas técnicas/os, militantes, membros de governos, e uma
infinidade de outras personalidades que fazem parte do debate público sobre determinado
assunto em período específico.
Essas manifestações, de grupos sociais diversos, podem ser ouvidas ou vistas,
especialmente, nas gravações das audiências públicas, eventos que, muitas vezes,
simbolizam o incômodo da sociedade com determinado tema e a busca por espaço de fala
junto ao poder público. Entretanto, outros tipos de eventos também podem trazer
pronunciamentos de diferentes personagens sociais, como as reuniões especiais, as
reuniões de comissões e, até mesmo, as entregas de homenagens. O importante é
compreender como, a partir dessas gravações, é possível desenvolver pesquisas múltiplas
sobre grupos, personalidades e debates públicos ao longo da história. A partir delas, é
possível analisar um tema nacional ou local, de curta, média ou longa duração, focar
nas/os legisladoras/es ou nas organizações civis, discorrer sobre políticas públicas e/ou a
ação de movimentos sociais. Enfim, seja como fonte de pesquisa principal ou como
documentação acessória, este tipo de acervo, presente nos arquivos das mais diferentes
70

2
As notas taquigráficas são as transcrições dos discursos realizados nas casas legislativas. No caso da
Página

Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), por exemplo, os pronunciamentos são revisados e as
notas disponibilizadas para o acesso público. Em acervos mais antigos da ALMG só é possível ter acesso
às notas taquigráficas, não estão disponíveis as gravações das reuniões.

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casas legislativas, possibilita explorar e analisar discursos de temas variados e em


diferentes períodos históricos.
Buscando dar visibilidade a este tipo de fonte documental e apresentar abordagens
possíveis para a pesquisa histórica, tenho como proposta, para este artigo, utilizar
gravações em áudio de reuniões da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) para
analisar a trajetória da Associação Lésbica de Minas (ALEM), primeira organização
política e social da capital mineira voltada para a luta por direitos e igualdade das
mulheres lésbicas. Partindo desta análise como exemplo, procuro, dessa forma, explicitar
a relevância deste acervo para estudos sobre a história da cidade. Busco, ainda, contribuir
para a divulgação dos estudos das lesbianidades como tema da historiografia e, com isso,
elaborar um trabalho que se integra aos debates da história pública enquanto campo
(SANTHIAGO, 2016).
Para facilitar a compreensão do artigo, o texto foi dividido em três partes com os
seguintes temas: breve apresentação da trajetória da ALEM (1998-2014) e das suas
principais ações; síntese do acervo de registros audiovisuais de reuniões da CMBH e suas
características; e, por fim, a análise de alguns pronunciamentos da ALEM na CMBH. Ao
final do texto, encerro com algumas considerações que buscam instigar leitoras/es e
pesquisadoras/es a pensar sobre como estes documentos podem contribuir para o
desenvolvimento de futuros estudos.
Antes de iniciar a discussão do tema, cabe uma observação em relação às
terminologias utilizadas ao longo do artigo para designar pessoas e organizações lésbicas,
gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais, pansexuais, entre
outras. A sigla atualmente utilizada pelos movimentos sociais que trabalham com esta
população é a LGBTQIAP+, que corresponde, justamente, às sexualidades/afetividades e
gêneros listados anteriormente. Entretanto, as identidades mobilizadas por esta sigla estão
inseridas em contexto atual e específico, não podendo ser tratadas de forma equivalente
em outros períodos históricos. Por isso, ao longo do artigo, diferentes termos e siglas
serão utilizados, de acordo com a época à qual fazem referência. Por exemplo, na década
de 1970, as organizações que lutavam por igualdade e direitos para gays, lésbicas e
travestis eram denominadas de “movimentos homossexuais”. No início dos anos 2000,
71

falava-se nas organizações “GLBTs” (gays, lésbicas, bissexuais e travestis). A Parada do


Página

Orgulho LGBTQIAP+ era denominada, em 1998 quando surgiu, de “Marcha do Orgulho

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Gay”. Ou seja, uma infinidade de termos que, apesar de parecerem confusos no texto, têm
relação com a tentativa de não tratar de forma anacrônica as identidades e organizações
sociais do passado. Em alguns casos específicos acrescento, ainda, notas de rodapé para
que seja possível compreender algumas questões de época.

A trajetória da ALEM (1998-2014): alguns apontamentos

A história dos movimentos lésbicos no Brasil remete ao final da década de 1970


quando, a partir de uma cisão com o Grupo Somos (SP)3, surgiu o Grupo Lésbico
Feminista de São Paulo4. Ao longo dos anos 1980, muitos dos movimentos sociais
vinculados às temáticas homossexuais acabaram deixando de existir. A partir dos anos
1990, por outro lado, várias organizações voltadas para estes grupos se fortaleceram e se
consolidaram. No caso das militâncias das mulheres lésbicas, muitas surgiram a partir de
eventos nacionais. Foi neste contexto, de reorganização de forças políticas e de busca por
ampliação dessas mobilizações no país, que surgiu, em 1996, o Seminário Nacional de
Lésbicas (SENALE). O evento, iniciado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), tinha como
objetivo abordar as especificidades das vivências lésbicas e fortalecer a luta deste grupo
social em diferentes partes do território nacional (CAMPOS, 2014, p.145). Para além
disso, existia, por parte das militantes, a insatisfação com eventos mistos (de gays,
lésbicas, bissexuais e travestis), em que o “lesbianismo” era pouco debatido.
Os SENALEs foram, portanto, importantes por incentivar o surgimento de
organizações sociais de mulheres lésbicas em diferentes partes do país, entre elas, em
Minas Gerais. Soraya Menezes, uma das fundadoras da ALEM, era sindicalista e estava
no Rio de Janeiro (RJ) no momento em que ocorreu o I SENALE. Ao conhecer o evento
e os movimentos lésbicos vinculados a ele, se interessou pela pauta e, em 1997, quando
ocorreu o II SENALE em Salvador (BA), foi convidada a integrar a programação do

3
O Grupo Somos (SP) surgiu em 1978 e esteve em atividade até 1983. Foi o primeiro grupo de
homossexuais a surgir com pautas políticas definidas. No início era composto majoritariamente por homens
gays, entretanto, em 1979 surgiu em seu interior o Grupo Lésbico Feminista (LF).
4
A organização foi a primeira voltada para a pauta lésbica a ser criada no Brasil. Surgiu em 1979, ainda
72

vinculada ao Grupo Somos (SP), e esteve em atividade até 1990. Teve, ao longo da sua história, vários
Página

nomes. Enquanto estava vinculada ao Somos, em 1979, era chamada de Facção Lésbico-Feminista (LF).
Ao se tornar autônoma, em 1980, passou a ser o Grupo Lésbico-Feminista. Depois, Grupo de Atuação
Lésbico-Feminista e, em 1983, Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF).

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encontro. A partir deste evento, decidiram pela organização do III SENALE em Minas
Gerais. Tal situação culminou no surgimento da ALEM em 1998 (MACHADO, 2007,
p.110). Em entrevista de história oral realizada com Soraya Menezes 5, a fundadora do
grupo retoma suas memórias sobre a importância do SENALE para a organização da
ALEM:
(...) em 1996, aconteceu o primeiro Seminário de Lésbicas no Rio de Janeiro.
Foi o Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro que organizou este seminário.
Foram várias mulheres de outros estados para lá. Nesse momento, eu estava
participando de encontros sindicais no Rio e fiquei sabendo. E, logo em 1997,
eu fui convidada para estar no II SENALE (segundo Seminário Nacional de
Lésbicas), que foi em Salvador, e eu fui falar sobre as lésbicas nos espaços de
poder. Porque, naquela época, eu já era presidente do Sindicato, e não é que eu
era a única lésbica presidente de sindicato, com certeza existiam muitas, mas
não eram assumidas. Tinha uma necessidade de se colocar uma pauta enquanto
lésbica, não somente enquanto trabalhador, não somente de reivindicação de
salário, mas de reivindicação da gente ser dona do nosso próprio corpo, não
existia esse debate. E aí quando eu volto para Minas, já com a responsabilidade
de tá trazendo o III Seminário Nacional de Lésbicas para cá, eu vim com muito
medo e com muito temor porque eu era a única lésbica, em Salvador, de Minas
Gerais. Então, tinha a responsabilidade de trazer um seminário daquele porte e
eu estava sozinha ali. E aí me deu um calafrio muito grande. Mas, naquele
momento, as lésbicas sentiram a necessidade de que fosse importante realizar
um evento desse porte para além da visibilidade, para ajudar a organizar as
lésbicas aqui em Minas Gerais. (...) então, dentro desse contexto, nós tivemos,
dentro do SENALE (do III SENALE), a fundação da ALEM. Ali, tinham
mulheres do interior, mulheres de vários lugares, e eu coloquei a necessidade
da gente se organizar enquanto mulheres lésbicas. E tinham várias mulheres de
alguns sindicatos, de algumas categorias, como professor, bancário. O pessoal
da Saúde que foi em peso, né? Mesmo de outras cidades.6

A partir da perspectiva de Soraya Menezes, e de outras integrantes da ALEM


(MACHADO, 2007), a realização do III SENALE foi, dessa forma, o momento de
fundação do grupo que, em 1999, foi oficializado em formato de organização não
governamental (ONG). A ALEM surgiu, portanto, no contexto de expansão dos
movimentos GLBTs pelo país e em formato aproximado ao de outras organizações que
nasceram no período (FACCHINI, 2002).
A partir da leitura das fontes documentais sobre este movimento social, inclusive
nos acervos produzidos pela CMBH e pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais

5
Entre 2019 e 2021, realizei seis entrevistas de história oral com Soraya Menezes, durante o processo de
escrita da minha dissertação de mestrado intitulada: “Em busca da visibilidade: o movimento de mulheres
73

lésbicas em Belo Horizonte (1998-2014)”. Apenas a primeira foi realizada de forma presencial, todas as
outras foram feitas via plataforma virtual (Google Meet ou Zoom). Todas as entrevistas foram gravadas e
Página

transcritas.
6
Entrevista pública de história oral realizada em 24/09/2019 com Soraya Menezes, fundadora da ALEM.

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(ALMG)7, é possível identificar a importância da atuação de Soraya Menezes para o


surgimento, manutenção e direcionamento da organização. Nesse sentido, para
compreensão do contexto e dos valores (sociais e políticos) presentes nos
pronunciamentos que analisaremos na terceira parte deste artigo, é imprescindível
conhecer um pouco da biografia desta liderança.
Soraya Menezes nasceu em Belo Horizonte (MG) em 1962. Formou-se em
Magistério e como técnica em Enfermagem, profissão que exerceu durante parte
considerável da sua vida. No início dos anos 2000, se graduou em Pedagogia e retomou
o trabalho com a área de educação, deixando, portanto, a atuação em hospitais. Começou
sua militância política ainda na juventude, dentro da Igreja Católica, fez parte da
Convergência Socialista8, do Partido dos Trabalhadores (PT) e ajudou a fundar o Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) em Minas Gerais. Durante décadas,
participou da luta sindical, chegando a ser dirigente do Sindicato dos Empregados dos
Estabelecimentos de Saúde de Belo Horizonte (SINDEESS). Na atuação partidária e
sindical, fez parte de segmentos das lutas feministas, dos movimentos negros e da
população GLBT. Por fim, fundou, em 1998, a ALEM junto com sua companheira Suely
Martins.
Esta diversidade de lutas e de perspectivas políticas se entrelaçam em seus
discursos e aparecem nos pronunciamentos, de forma mais ou menos evidente, a depender
do objetivo da fala. Pelas entrevistas de história oral, é possível perceber, no presente, a
referência marcante e constante às “lésbicas negras, pobres e trabalhadoras”, uma
projeção de si e a busca em falar para suas iguais. Esse mesmo direcionamento pode ser
observado já na primeira década dos anos 2000, em que é possível analisar as diferentes
falas proferidas por ela na CMBH e na ALMG. A busca por integrar as pautas socialistas,
trabalhistas e lésbicas é o que aparece de forma mais evidente nesses discursos, em que a

7
A ALEM participou de diversas reuniões também na ALMG. Foi possível, a partir de notas taquigráficas,
ter acesso às falas realizadas por suas integrantes na casa legislativa estadual.
8
Segundo verbete disponível no site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a Convergência Socialista foi uma “Organização
política de orientação socialista criada em 28 de janeiro de 1978, em São Paulo. Uma das correntes atuantes
74

dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) desde a fundação deste em 1980 até sua expulsão do partido em
1992, deixou de existir em 1994, quando seus membros passaram a integrar o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificados (PSTU).” Informação disponível em:
Página

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/convergencia-socialista. Último acesso: 05


nov. 2021.

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militante defende uma união desses grupos sociais para a construção de uma luta
conjunta.
O direcionamento de Soraya Menezes, que unifica essas diferentes pautas, se
reverberou, portanto, na atuação da ALEM enquanto organização. Principalmente por não
ser a única participante do grupo que estava em frentes sindicais e partidos de esquerda,
é possível identificar, especialmente nos primeiros anos de ação da ONG, a partir das
falas de outras integrantes do grupo, a mesma perspectiva de defesa do entrelaçamento
entre pautas trabalhistas, socialistas, feministas, negras e de diversidade sexual.
Ao analisar o contexto de surgimento deste movimento social, é possível
compreender alguns dos principais objetivos do grupo: garantia de direitos e de
visibilidade para as lésbicas mineiras. Com a criação da ALEM, buscou-se inserir essas
mulheres no debate público, realizando reuniões em instituições do Estado, organização
de Paradas do Orgulho GLBT e de Caminhadas de Visibilidade Lésbica e Bissexual,
proposição de medidas de combate à lesbofobia, oferecimento de oficinas de
autoconhecimento e de formação política do grupo e, ainda, assessoramento jurídico para
este segmento. A leitura de trecho do estatuto da ALEM permite apontar as finalidades
da organização e o enfoque nas dimensões voltadas para as lesbianidades:
Associação Lésbica de Minas, enquanto instituição social e política, é
constituída para fins de coordenação, estudo, proteção, luta, reivindicação e
representação legal das lésbicas na base territorial de Belo Horizonte e Estado
de Minas Gerais, atuando no sentido de articular e expressar o conjunto de
reivindicações deste segmento social, visando a melhoria das condições de
vida de suas representadas, a defesa da liberdade e cidadania das lésbicas e
fortalecimento da participação democrática em igualdade de condições com
outros setores da sociedade brasileira, a nível Municipal, Estadual e Federal
(Estatuto da ALEM apud MACHADO, 2007, p.118).

A busca por cidadania e igualdade para este segmento social era, portanto,
fundamental para a ONG e elas poderiam ser conquistadas, em partes, com a mobilização
junto a legisladoras/es dispostas/os a pautar o tema nas casas legislativas. Com isso, é
possível perceber, a partir de meados de 2001, a presença constante da ALEM em
reuniões especiais e audiências públicas voltadas para a discussão sobre diversidade
sexual e de gênero. Junto a outras organizações da cidade (Clube Rainbow,
CELLOS/MG, ASSTRAV, entre outras)9, este grupo ajudou a debater e a construir leis e
75
Página

9
O Clube Rainbow de Serviços, o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais
(CELLOS/MG) e Associação das Transexuais, Travestis e Transgêneros do Estado de Minas (ASSTRAV)

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políticas públicas de combate à homofobia, de apoio social e psicológico, e de assessoria


jurídica a LGBTs. Por ser a entidade que organizou as sete primeiras Paradas em Belo
Horizonte, a ALEM era vista como uma das principais lideranças no debate sobre o
assunto e esteve presente em quase todas as reuniões organizadas na CMBH voltadas para
a temática nos primeiros anos da década de 2000.
Para compreender os discursos proferidos na CMBH por integrantes da ALEM, é
importante conhecer, portanto, o papel do grupo na organização das Paradas do Orgulho
GLBT. Antes da consolidação da ONG, ocorrida em 1998, iniciou-se a busca por
formação de um grupo que seria responsável por organizar o evento. Com esse objetivo,
em 1997, foi criado o Grupo Lésbico e Simpatizante (GLS) por Soraya Menezes, entidade
que antecedeu e que se transformou, posteriormente, na ALEM. Esta organização,
segundo ela, se juntou a militantes gays da cidade, criou a Associação Mineira de Gays,
Lésbicas e Simpatizantes (AMGLS) e organizou, em 1997, a Primeira Marcha do Orgulho
Gay da capital mineira10 (MACHADO, 2007).
A participação deste grupo de mulheres na organização deste evento na cidade e
sua conversão, em 1998, na ALEM, reverberou nos discursos que, ao longo dos
pronunciamentos nas casas legislativas, remetiam à memória deste acontecimento. Nesse
sentido, a todo momento, este tema era retomado, ressaltando a importância de o evento
ter sido organizado principalmente por lésbicas. Para além disso, a ALEM esteve à frente
do evento até 2004, o que também se refletiu nas falas que iremos analisar logo mais.
Como muitas das reuniões com a participação da ONG na CMBH ocorreram na véspera
das Paradas, este costuma ser o tema principal das falas de suas integrantes. É possível
pensar, portanto, nestes pronunciamentos gravados pelo legislativo municipal, como
“prévias” dos discursos que foram proferidos nos carros de som destes eventos. Daí a
relevância dos registros para o estudo deste e de movimentos sociais correlatos.

são organizações GLBTs que surgiram em Belo Horizonte entre o final dos anos 1990 e início dos anos
2000.
10
Segundo Machado (2007, p.102 e 103), há divergências quanto ao nome e a formação do grupo que
passou a se reunir a partir de 1997 no Sindicato dos Bancários. A versão apresentada por Itamar Santos é
76

que o nome correto seria o AMGLS, resultado da junção do grupo gay GURI - Conscientização e
Emancipação Homossexual - com o Grupo de Lésbicas e Simpatizantes (GLS). As integrantes da ALEM,
Página

por outro lado, afirmam que o GURI foi posterior ao Gays, Lésbicas e Simpatizantes (GLS-MG) e que,
portanto, este era o nome correto no período. Uma publicação do grupo de novembro de 1997, intitulada
Expressão GLS, se refere ao grupo como Associação Mineira GLS.

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Para além das Paradas, as Caminhadas da Visibilidade Lésbica e Bissexual


também foram organizadas pela ALEM enquanto a ONG esteve em atividade (1998-
2014). Foi, justamente, o objetivo de se dedicar a este evento o que motivou a
transferência da coordenação da Parada para o grupo CELLOS/MG. As Caminhadas, que
eram focadas nas vivências específicas de mulheres que se relacionavam com mulheres,
passaram a acontecer a partir de 2005, em Belo Horizonte, e também são parte importante
da trajetória da organização. O tema da (in)visibilidade de mulheres lésbicas é,
provavelmente, o que perpassa toda a história dessas militâncias no Brasil desde a década
de 1970. Embora o termo não fosse amplamente utilizado no início da mobilização
política deste segmento, estava presente nas entrelinhas dos debates promovidos pelo
GALF. Especialmente a partir dos anos 1990, ele passou a ser foco importante da luta das
organizações lésbicas e, portanto, um dos temas principais discutidos também pela
ALEM.
O tema ganhou relevância a partir da percepção de que as vivências afetivas e
sexuais de mulheres lésbicas não eram consideradas pela sociedade. Para além disso, com
o nascimento da mobilização política de homossexuais, muitas das organizações eram
formadas majoritariamente por homens gays, o que, na percepção das militantes lésbicas,
impedia o avanço de debates sobre o machismo e as especificidades das relações entre
mulheres (CAMPOS, 2014). Logo, o “tornar-se visível” passou a ser pauta importante
para dentro e para fora das organizações de homossexuais. Buscando, por meio da
ocupação do debate e do espaço público, romper com o silenciamento dessas vivências e
reafirmar a existência deste grupo social.
De certa forma, a tensão entre gays e lésbicas, oriunda dessas discussões nos
movimentos sociais nacionais, pode ser percebida também nos eventos realizados na
CMBH. Como questão fundamental a partir dos anos 1990 e que constitui uma das
principais finalidades que levaram ao surgimento de diversas organizações lésbicas pelo
país, a visibilidade se coloca como uma das principais razões para realização de eventos
públicos, como as Paradas e as Caminhadas, e também reflete a relevância deste grupo
social ocupar as instituições públicas, como a ALMG e a CMBH. Por isso, a compreensão
77

do contexto das falas que serão analisadas na terceira parte deste artigo não pode ser feita
Página

sem considerar as tensões políticas envolvidas, a vinculação do movimento social com as


militâncias nacionais e, obviamente, os objetivos específicos da ALEM, especialmente o

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de participação dos debates públicos para conquista da cidadania, igualdade e visibilidade


para as mulheres lésbicas em Minas Gerais.

Registros audiovisuais de eventos na CMBH: breve esboço sobre o


acervo

A resolução nº 1.480/1990 da CMBH, atual Regimento Interno da casa, definiu


em seu artigo nº 89: “As reuniões da Câmara e das comissões serão gravadas, sendo livre
a audição das fitas respectivas, respeitadas as regras definidas pela Secretaria da Câmara”.
Antes disso, entretanto, outros regimentos internos já tinham previsto tal regra, o que
possibilitou a constituição do acervo de mais de 3600 fitas de gravação em áudio, em
diferentes formatos (de 1970 a 2012)11, além das gravações digitais que têm sido feitas
na última década, em áudio e vídeo. Esta documentação se encontra sob guarda e
acessível no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), dentro do Fundo
Câmara Municipal (DR) e, especificamente, na série “Registros Audiovisuais de Eventos
Diversos” (DR.02.02.00).
Embora este acervo tenha começado a ser recolhido pelo APCBH há mais de uma
década, as poucas informações presentes na descrição prévia das fitas e a falta de
equipamentos capazes de fazer a leitura dos mesmos, tornou o acervo, por muito tempo,
menos acessível, dificultando a busca de pesquisadoras/es por temas de interesse. Nos
últimos anos, por outro lado, o início da digitalização das fitas eletromagnéticas e cassete
tem possibilitado melhor descrição do acervo e facilitado o seu acesso12. Com isso, tem
sido possível conhecer os mais diferentes temas presentes nesta documentação.
Como o regimento interno prevê a gravação de todas as reuniões, é possível
encontrar nestas fitas desde o registro das sessões plenárias até as homenagens. Todas as
reuniões de comissões, audiências públicas, reuniões especiais, concessão de títulos e
votação de projetos que acontecem na CMBH são, ou pelo menos deveriam ser, gravadas.

11
O acervo “Registros Audiovisuais de Eventos Diversos” (DR.02.02.00) é composto por fitas de gravação
em áudio de três formatos: fitas de rolo, eletromagnéticas e cassete. Recentemente, também começaram a
fazer parte da série gravações nato digitais em áudio e vídeo. Para mais informações ver: APCBH,
78

Inventário do acervo da Câmara Municipal no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 2008.
12
Página

Desde 2015, vem sendo realizado o trabalho de digitalização das fitas eletromagnéticas e cassete deste
acervo no APCBH. Com isso, tem sido possível descrever melhor as gravações presentes nessas fitas e
tornar o acervo mais acessível.

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Além disso, também é possível encontrar registros audiovisuais de seminários, mesas de


debates, entre outros eventos que ocorreram na instituição. Compreender a multiplicidade
de temas que podem ser encontrados neste acervo é importante para que pesquisadoras/es
interessadas/os passem a tratar esta documentação como fonte possível de estudos. É
relevante como, por exemplo, problemas corriqueiros da história da cidade (enchentes,
falta de moradia, violências, comércio irregular, educação, entre outros) aparecem em
diversos momentos nas gravações das reuniões. É possível encontrar desde
pronunciamentos de vereadoras/es na sessão plenária até sequências de reuniões
inteiramente dedicadas a um assunto, como ocorre no caso das comissões parlamentares
de inquérito (CPI).
Por outro lado, mapear tais gravações não é tarefa simples. É necessário
compreender a natureza das gravações e optar por buscas nos tipos específicos de reuniões
que podem ajudar na pesquisa. Se o interesse está relacionado à atuação de um/a
vereador/a, é importante buscar suas falas para além das sessões plenárias, nas comissões
as quais faz/fez parte, em homenagens convocadas por ela/ele, em audiências públicas
relacionadas aos temas de interesse da/o parlamentar. Caso a pesquisa se relacione a
algum evento ou tema da história da cidade como, por exemplo, “as enchentes da capital
mineira na década de 1990”, pode ser interessante buscar as audiências públicas
realizadas no período, ouvir às reuniões da Comissão de Meio Ambiente e Política
Urbana13 e procurar sessões em que projetos de leis sobre o tema foram debatidos.
Independente do assunto que se deseja pesquisar, é importante pensar o registro
audiovisual dos eventos na CMBH como uma fonte documental conectada a outras. Ou
seja, é preciso entender que as gravações das reuniões são apenas parte da documentação
produzida sobre aquele tema. Se um assunto foi gravado, é provável que ele também
esteja presente em atas de reuniões, projetos de leis, documentos de comissões,
requerimentos, fotografias, enfim, em diversos outros acervos produzidos pela casa
legislativa que ajudam a compreender o contexto das falas proferidas nas reuniões. Por
isso, tais gravações são documentos que complementam e se relacionam a outros. Ao
descobrir uma fonte documental sobre determinado tema é provável que, buscando em
79

13
Página

A Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana é uma das atuais comissões permanentes da CMBH.
A depender do período que se deseja pesquisar, a questão ambiental pode estar vinculada a uma comissão
permanente com outro nome.

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outros tipos documentais e subséries, seja possível encontrar outras novas. Para ilustrar
tal situação, irei descrever os caminhos percorridos por mim na busca de documentos
sobre a ALEM dentro do Fundo CMBH.
Quando realizei minha pesquisa sobre este movimento social, o meu foco
principal era trabalhar com história oral, especialmente com as entrevistas realizadas com
a Soraya Menezes. Ao dialogar com a minha entrevistada/colaboradora, descobri que ela
havia participado de encontros na CMBH e que, provavelmente, haveria registros de sua
passagem por lá. A partir desta informação, passei a buscar no Inventário do Fundo
CMBH por palavras-chave (lésbica, gay, homossexual(is), diversidade, etc..) que
poderiam levar a documentos sobre a temática. Com isso, encontrei na descrição prévia
das fitas eletromagnéticas e na lista de projetos de leis alguns documentos que poderiam
ser interessantes. Como um fio de novelo que vai se desenrolando, cheguei a seis reuniões
onde há registros de que ALEM esteve presente. A leitura das atas foi importante nesse
processo de delimitação das reuniões, trazendo informações básicas, como data,
participantes e um resumo das falas que foram feitas. Como este acervo ainda não está
devidamente descrito e não possui transcrição, o mapeamento das atas ajudou a filtrar o
que poderia ser interessante ou não em relação às gravações.
A especificidade das gravações em áudio permite analisar para além do texto que
é falado, auxilia na compreensão da forma como determinadas palavras foram usadas e
da receptividade do discurso pelo público presente nos eventos. Aumento e diminuição
da entonação da voz, pausas, interrupções e aplausos são elementos que não podem ser
captados pela leitura de transcrições ou notas taquigráficas. Por isso, reafirmo a
importância de, quando possível, ver/ouvir as gravações e não apenas ler o que foi dito
nessas reuniões legislativas. O acervo por mim consultado não dispunha de imagens, mas,
com certeza, traria ainda mais elementos importantes caso existissem arquivos em vídeo
dessas reuniões.
Por fim, este acervo auxilia na compreensão dos contextos em que as falas estão
inseridas. Foi possível identificar, por exemplo, as razões para algumas manifestações
nos eventos, as percepções da ALEM sobre as políticas públicas direcionadas à população
80

GLBT, o apoio a outros movimentos sociais, os termos utilizados para designar


Página

determinados grupos, a construção da memória da ONG quando ela ainda estava em


atividade, denúncias de atos de discriminação por parte de agentes públicos. Enfim, uma

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série de questões importantes que não estavam presentes nas entrevistas de história oral,
em outros documentos da CMBH consultados ou em periódicos do período.
Conhecendo a especificidade desta fonte documental e cuidando para que a
análise da mesma seja feita de forma criteriosa, como com quaisquer outros documentos,
as gravações das reuniões legislativas podem se tornar um material excepcional de
pesquisa para historiadoras/es. O importante, em todo caso, é ter um tema bem delimitado
e buscar no acervo legislativo como um todo (documentos textuais, fotográficos e
audiovisuais) para, dessa forma, constituir uma análise mais completa dessas gravações.
Devido ao espaço que disponho para a escrita deste artigo, não será possível apresentar
todos os caminhos e cotejar este acervo com outras fontes documentais. Também tive que
optar por analisar falas de apenas duas reuniões em que a ALEM esteve presente. De toda
forma, espero contribuir pelo menos um pouco com a divulgação deste acervo para que
outras/os pesquisadoras/es possam desenvolver trabalhos mais completos sobre.

Participações da ALEM na CMBH: um estudo de caso

A aproximação entre os movimentos GLBTs de Belo Horizonte e a CMBH se


deu, pelo que constatei com a análise das fontes, no início da década de 2000.
Especialmente pela elaboração da Lei nº 8.176/0114, de autoria formal do vereador
Leonardo Mattos, e que, segundo Soraya Menezes, teve seu texto construído pelo grupo
GURI - Conscientização e Emancipação Homossexual15. Com o contato mais próximo
entre vereadoras/es e lideranças GLBTs da cidade, iniciou-se, a partir de 2001, a
participação destes grupos sociais em eventos promovidos na CMBH com o objetivo de
discutir temas relacionados às homossexualidades. Em grande parte, os eventos ocorriam
em meados de junho e julho, mais próximos ao dia 28 de junho, que já era
internacionalmente definido como Dia do Orgulho Gay16. As datas escolhidas também se

14
A Lei, originária do Projeto de Lei nº 1.672/00, foi um marco importante para a cidade de Belo Horizonte.
A sua ementa diz: “Estabelece penalidade para estabelecimento que discriminar pessoa em virtude de sua
orientação sexual, e dá outras providências”.
15
O Grupo GURI – Conscientização e Emancipação Homossexual – surgiu em Belo Horizonte no final dos
81

anos 1990. Segundo Soraya Menezes, em entrevista de história oral concedida em 10/07/2020, o grupo foi
o responsável por elaborar o texto do projeto de lei nº 1.672/00.
Página

16
Em 28 de junho de 1969, aconteceu o que ficou conhecido como a “Revolta de Stonewall”, um conflito
entre homossexuais e travestis e a polícia no Bar Stonewall em Nova York. Em homenagem ao dia, a data

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relacionavam com a proximidade da Parada do Orgulho GLBT, integrando, portanto, uma


série de eventos e comemorações importantes para este segmento social.
A duração total desses eventos, que ocorreram ao longo da primeira década dos
anos 2000, impossibilita que façamos aqui uma análise completa de todos os elementos
discursivos presentes nessas fontes documentais. O que desejo ressaltar, portanto, a partir
de alguns fragmentos de falas de integrantes da ALEM, é a relevância destes documentos
para a discussão sobre a história do movimento social. Especialmente a partir das falas de
Soraya Menezes, é possível identificar traços da sua vinculação político-partidária e a
busca por construir uma memória GLBT local e nacional que incluísse a participação das
mulheres lésbicas. Para além disso, o tema da garantia de direitos e da igualdade
perpassou quase todos os discursos proferidos e gravados pela CMBH no período.
Em 28 de junho de 2001, a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do
Consumidor realizou uma Audiência Pública com o objetivo de debater o seguinte tema:
“Homossexualidade – Do preconceito à cidadania”17. O evento foi o primeiro,
identificado entre as atas de reuniões e gravações, que contou com a presença da ALEM,
representada pela presidente do grupo, Soraya Menezes. Para discutir a temática, foi
composta uma mesa de debates com a presença de vereadoras/es, lideranças dos
movimentos GLBTs, membros do Executivo municipal e do poder Judiciário.
Com quase três horas de duração, a audiência contou com falas de todas/os as/os
integrantes da mesa e também do público que estava presente no plenário. O eixo
principal da maioria dos discursos se relacionava com a importância da conquista de
direitos para esta população, em especial sobre a defesa de leis que garantissem o combate
à homofobia, e pela regulamentação da parceria civil registrada (PCR)18. Para além disso,
algumas lideranças falaram da importância das conquistas advindas com o Mercado
GLS19, das memórias dos movimentos GLBTs nacional e das violências sofridas por esta
população.

ficou estabelecida como o “Dia do Orgulho Gay” e, atualmente, é denominado “Dia do Orgulho
LGBTQIAP+”.
17
As informações foram obtidas a partir da gravação em áudio da reunião (DR.02.02.00-2266) e da sua ata
(DR.01.01.04-040).
82

18
A Parceria Civil Registrada foi proposta a partir de um projeto de lei federal nº 1.151/95, de autoria da
deputada Marta Suplicy.
Página

19
É importante ressaltar que o tema do “Mercado GLS” gerava polêmica entre diferentes setores dos
movimentos GLBTs. Para os segmentos mais vinculados às perspectivas socialistas, a exploração do

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Neste evento, a fala da Soraya Menezes se voltou para uma série de temas: a
apresentação da ALEM enquanto grupo e suas ações; a memória da militância
homossexual do país, especialmente a do Grupo Somos (SP), e da organização da 1ª
Marcha Gay em Belo Horizonte; a importância em integrar as lutas homossexuais com as
pautas trabalhistas e socialistas; a dificuldade de aprovação da parceria civil registrada; e
o embate dos movimentos GLBTs com setores religiosos. Cabe ressaltar, entretanto, que
todos esses temas aparecem de forma misturada e que, caso a/o ouvinte/leitor/a
desconheça o contexto de suas falas, é possível que não se compreenda todos os elementos
que são levantados. Embora não seja possível, devido ao espaço, reproduzir aqui a
transcrição de todo o seu discurso, gostaria de ressaltar alguns trechos que são importantes
para analisar a trajetória da ALEM. Começaremos pelo início da sua fala:
Um bom dia a todos! Eu sou Soraya, da Associação Lésbica de Minas,
coordenadora da Associação Lésbica de Minas e também da Secretaria
Nacional de Gays e Lésbicas do PSTU. Bom... antes de tá falando um pouco
da história da Associação Lésbica de Minas, acho que é importante tá falando
um pouquinho da situação de como que tá as organizações de gays e lésbicas
do Brasil antes na década de 80 e como está agora. Bom... Na década de 80,
no Primeiro Encontro de Gays, Lésbicas, Travestis e Bissexuais que aconteceu
no Rio de Janeiro, eu acho que foi um marco no divisor de águas para a gente
estar no movimento como ele está até hoje. Teve uma plenária, onde estava
discutindo se gays, lésbicas e travestis iriam estar ajudando os Metalúrgicos do
ABC Paulista, numa greve, aquela greve histórica de 80. Então houve um
tumulto na plenária e foi votado que o movimento não iria. Perdeu por poucos
votos, mas mesmo assim tiveram 50 gays e lésbicas e travestis que entraram
na Vila Euclides apoiando o movimento e eles ficaram admirados, porque
muitas pessoas do movimento disseram que eles iam ser apedrejados, porque
eram peões, que eram operários, e, muito pelo contrário, eles foram aplaudidos
de pé. E o resto do movimento foi fazer um piquenique. Então, existe hoje um
movimento que acredita que a discriminação e o preconceito vão terminar e
vai acabar quando a gente juntar com outros setores oprimidos: mulheres,
negros, trabalhadores, assalariados. Porque se a gente não tiver uma unidade
para tá lutando contra o preconceito, com certeza, não vai acontecer nada. E,
tem uma outra parte do movimento, como a gente sabe, que é carnaval, que é...
que não tem uma discussão. (...) Que eu acho que isso tem que ser um campo,
porque quando a gente discute do movimento gay, lésbico estar nas lutas junto
com outros setores, tem muita gente que fala: “Não, nós não vamos estar
misturando política”. Mas não é… é a solidariedade que a gente tem que tá
mostrando para o setor que é oprimido também. Gostaria de tá pegando um
pouco da fala do juiz, de que “todos são iguais diante da lei”. 20 A gente vê,
claramente, até as notícias mesmo nos mostram que não é algo que acontece.
(...) E na cidadania, por exemplo, quando a gente discute de cidadania gay é
um ponto bem complexo para nós. Por exemplo, como que a gente vai estar
83

chamado “pink money” criava uma falsa ideia de conquista de direitos. Para saber mais ver: FRANÇA,
2007.
Página

20
Neste trecho, Soraya Menezes faz referência à fala do Juiz Reinaldo Portanova que também integrou a
mesa de debates desta reunião.

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discutindo uma cidadania gay para um gay que é, por exemplo, um


trabalhador? Que ele é desempregado e ele tem direito igual a todos? Além
dele sofrer preconceito e discriminação, ele é oprimido, ele é explorado, então
há uma diferenciação: todos os gays, todas as lésbicas, todos os travestis,
sofrem preconceito e sofrem discriminação, mas alguns também sofrem a
opressão, porque sofrem exploração.21

Este trecho inicial da fala da Soraya na audiência pública, embora possa parecer
confuso para quem desconhece as discussões sobre a memória deste segmento, constitui
um posicionamento em direção à sua vinculação política. O evento ao qual a fundadora
da ALEM faz referência logo no início da fala é o I Encontro Brasileiro de Homossexuais
(EBHO), em 1980. Nesse contexto, o debate sobre a participação do Grupo Somos (SP)
em ações dos partidos de esquerda e na Greve do ABC Paulista, acabou por rachar este
movimento social, o que levou, após um tempo, ao fim da organização. Tal debate se
relaciona a perspectivas políticas diferentes dentro dos movimentos de homossexuais e
travestis da época em relação à integração, ou não, com outros segmentos de lutas, como
os partidos de esquerda e os sindicatos (SIMÕES & FACCHINI, 2009, p.107). Na visão
da Soraya Menezes, enquanto socialista e militante ativa do PSTU e do movimento
sindical, foi importante a participação de gays, lésbicas e travestis na Greve do ABC
Paulista. Nas entrelinhas, ela manifesta, ainda, descontentamento com a parte do
movimento social que “foi fazer um piquenique”.
Para não perder o foco deste artigo, não será possível fazer uma análise mais
completa dos debates de memória presentes neste discurso e nem apontar as visões
divergentes sobre este mesmo evento histórico. Interessa apenas ressaltar que tal narrativa
está vinculada ao grupo político do qual Soraya Menezes fazia parte. Sem a pretensão de
apontar “verdades” sobre tais acontecimentos, é relevante compreender que, por sua
aproximação com a perspectiva marxista, Soraya demonstrava acreditar que a superação
das desigualdades (socioeconômica, de gênero, de raça e de sexualidades) se daria a partir
de uma luta conjunta em que o combate ao sistema econômico era fundamental. Nesse
sentido, ela inicia seu discurso por uma narrativa histórica para introduzir o eixo principal
da sua fala, delimitando a relevância de pensar a classe social quando se fala da
84
Página

21
Transcrição da gravação de áudio do discurso de Soraya Menezes realizado em 28/06/2001 na CMBH.
(DR.02.02.00-2266).

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discriminação: “todos os gays, todas as lésbicas, todos os travestis22, sofrem preconceito


e sofrem discriminação, mas alguns também sofrem a opressão, porque sofrem
exploração”.
Após remeter à memória dos movimentos homossexuais de São Paulo e demarcar
sua posição a favor da integração das lutas, Soraya Menezes passou a falar um pouco das
ações realizadas pela ALEM e tratou da memória da 1ª Marcha do Orgulho Gay de Belo
Horizonte:
A primeira Marcha do Orgulho Gay foi puxada pelas lésbicas em 1998, onde
não tinha quase ninguém, mas tivemos a grande presença de uma grande
militância do PSTU, uma militância que também ajudou nessa Marcha, a qual
nem ia acontecer porque tinha tão poucas pessoas lá... devia ter umas três ou
quatro. Mas aí o partido segurou. E aí (...) o pessoal falou: “Soraya, essa
marcha vai sair?”. Aí eu fiquei em dúvida, que só tinha umas trinta pessoas e
eu falei: “A Marcha vai sair!”. E saiu. (...) Estamos aí agora na Quarta Marcha,
maravilhosamente, porque existiu pessoas ali falando: “Não, nós vamos sair
sim! Com três ou quatro…”. E estamos avançando.23

A memória sobre a 1ª Marcha do Orgulho Gay é, talvez, um dos temas que mais
aparece nas falas da fundadora da ALEM, tanto nos discursos realizados na CMBH, na
primeira década dos anos 2000, quanto nas entrevistas de história oral que realizei com
ela entre 2019 e 2021. Para Soraya Menezes, é motivo de orgulho que a capital mineira
tenha sido a primeira cidade em que as mulheres lésbicas iniciaram a realização do evento.
Além disso, é relevante que ela destaque também a importância do PSTU neste processo.
Demonstra, mais uma vez, a indissociabilidade da sua ação enquanto liderança lésbica e
como militante partidária. Tal perspectiva sobre a realização do evento, embora tenha
recebido alguns questionamentos por parte de outros participantes, se tornou parte da
memória LGBT local (MACHADO, 2007, p.116). De forma que, sempre que a trajetória
das Paradas é retomada, diferentes militantes reforçam a importância de a iniciativa ter
partido de mulheres lésbicas.
A relevância de marcar o protagonismo deste grupo social no principal evento do
calendário LGBTQIAP+ se relaciona, ainda, com a busca por visibilidade. No contexto
em que, nacionalmente, as mulheres se viam apagadas nos eventos mistos, era de extrema

22
Cabe ressaltar que, neste trecho, o uso do artigo masculino “o” para se referir a pessoas travestis tem
85

relação com o contexto histórico. É comum que, neste período, mesmo militantes dos movimentos GLBTs
não se referissem às mulheres travestis com artigos e pronomes femininos.
Página

23
Transcrição da gravação de áudio do discurso de Soraya Menezes realizado em 28/06/2001 na CMBH.
(DR.02.02.00-2266).

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importância que a ação das mesmas fosse ressaltada. Nesse sentido, é possível
compreender o porquê de, sempre que perguntadas sobre o passado da militância lésbica
em Belo Horizonte, este segmento reforçar como indispensável as suas ações na
construção da 1ª Marcha do Orgulho Gay.
Se retomarmos o trecho do estatuto da ALEM que apresentamos na primeira parte
do texto, encontraremos entre as suas finalidades as seguintes questões: “a defesa da
liberdade e cidadania das lésbicas e fortalecimento da participação democrática em
igualdade de condições com outros setores da sociedade brasileira” (Estatuto da ALEM
apud MACHADO, 2007, p.118). Como parte desse propósito, a organização participou
ativamente de reuniões com o poder público e buscou a aprovação de medidas legais que
permitissem a conquista de igualdade e de cidadania. No período em que ocorreu a
audiência pública na CMBH, duas pautas principais eram abordadas pelos movimentos
GLBTs no que se referia a direitos: a conquista da parceria civil registrada e a
criminalização da homofobia.
O primeiro tema esteve em alta por mais de uma década e foi amplamente debatido
pelos movimentos sociais na expectativa de que o Projeto de Lei federal nº 1.151/95, de
autoria da deputada Marta Suplicy, fosse aprovado. Tal expectativa nunca se converteu
em realidade e, apenas com o reconhecimento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
em 2011, foi possível equiparar as uniões de casais homoafetivos com o casamento civil
(COITINHO FILHO & RINALDI, 2018). A outra pauta teve destino semelhante. Até o
momento, a nível nacional, não foi aprovada nenhuma norma legal que combatesse a
LGBTfobia. O que houve, da mesma forma, foi uma decisão do STF que definiu a
equiparação da mesma com o crime de racismo24.
Ao escutarmos as falas das/os diferentes integrantes da mesa na audiência pública
realizada na CMBH em 28/06/2001, é possível compreender a relevância desses dois
temas no período. Todos os discursos se voltaram, de alguma forma, para essas questões.
Principalmente porque figuravam entre os temas da reunião daquele dia. Cumprindo o
propósito do Estatuto da ALEM, Soraya Menezes também abordou tais questões no final
da sua fala:
86
Página

24
Em 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para equiparar o crime de
LGBTfobia com o crime de racismo previsto na Lei nº 7.716/89.

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Nós ficamos discutindo, por exemplo, a questão de cidadania, mas nós não
queremos migalhas, por exemplo, o que a burguesia quer dar para a gente. A
gente quer na totalidade. O juiz falou aí muito bem sobre a questão dos sem-
terra, sobre a questão das mulheres, dos negros e nós não queremos
simplesmente ficar pegando migalhas. Por exemplo, a lei é muito importante.
Essa lei que foi votada agora em Belo Horizonte, em Juiz de Fora, é importante
sim, mas nós não podemos ficar simplesmente atrelados na lei. (...) Porque não
adianta ter leis e mais leis se gays e lésbicas não tiverem cientes dessas leis.
Por isso que é importante a organização de gays e lésbicas, é importante ter
consciência dos seus direitos, porque senão a gente vai ter lei e, muitas vezes,
a pessoa vai ser discriminada e não vai saber o que tem ali para protegê-la. Em
relação, por exemplo, à parceria civil. (...) Várias pessoas dizem: “Olha, o
casamento... (que o pessoal nem fala parceria)25 o casamento de gays e lésbicas
é uma violência contra a sociedade”. Nós, da Associação Lésbica de Minas,
sempre temos falado que a violência contra sociedade, por exemplo, é um
salário mínimo de miséria, é o desemprego, é a fome, é o analfabetismo que
assola. [Aplausos] Isso é a violência. Quando se discute de parceria civil,
quando, na época foi implementado [o projeto de lei], houve muitas pessoas
que distorciam essas coisas: “olha... mulher com mulher vai entrar na igreja,
homem com homem... como é que vai ficar?”. Há falta de conhecimento. Por
isso que eu acho um debate como esse muito importante, quando a gente fala
para o conjunto da sociedade, para um conjunto de liderança, o quão
importante é sermos respeitados.26

No início do trecho, Soraya Menezes faz referência a duas leis municipais que
tinham sido aprovadas nos últimos anos em duas cidades diferentes: Juiz de Fora (MG) e
Belo Horizonte (MG)27. Ambas penalizam a discriminação de homossexuais em lugares
públicos e foram construídas pelos movimentos sociais. Com temática parecida, a lei nº
14.170 também foi aprovada a nível estadual, em 200228. Neste caso, houve participação
ativa da ALEM na elaboração do texto. Destaca-se, nesta parte do discurso, a ponderação
em relação à necessidade de dialogar com a sociedade sobre as normas legais.
Ressaltando a relevância tanto do debate junto ao público GLBT quanto do debate social

25
Na época, existia um debate sobre o uso do termo “casamento” para casais homoafetivos. Pelas
discussões que estão gravadas no acervo da CMBH, é possível perceber que os movimentos sociais
buscavam desvincular a união entre pessoas homoafetivas do termo “casamento”. Acreditava-se que o
casamento era ligado ao contexto religioso. Por isso, defendia-se o uso do termo “parceria” ao invés de
“casamento”.
26
Transcrição da gravação de áudio do discurso de Soraya Menezes realizado em 28/06/2001 na CMBH.
(DR.02.02.00-2266).

27
Além da lei nº 8.176/01 de Belo Horizonte, já citada anteriormente, Soraya Menezes se refere também à
lei nº 9.791, de 12 de maio de 2000, aprovada em Juiz de Fora (MG). A ementa desta última diz o seguinte:
“Dispõe sobre a ação do município no combate às práticas discriminatórias, em seu território, por orientação
sexual”.
87

28
Página

A lei estadual nº 14.170/02, de autoria do deputado João Batista de Oliveira, possui a seguinte ementa:
“Determina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado contra pessoa em
virtude de sua orientação sexual”.

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mais amplo, para que as pessoas pudessem conhecer melhor os objetivos das leis que
estavam sendo propostas.
Na sequência do discurso, Soraya Menezes rebate o argumento de que a conquista
da PCR significaria “uma violência contra a sociedade”. Voltando-se para o debate
socioeconômico, ela diz: “a violência contra a sociedade, por exemplo, é um salário
mínimo de miséria, é o desemprego, é a fome, é o analfabetismo que assola”. Mais uma
vez observamos, portanto, a vinculação entre as pautas GLBTs e os direitos sociais e
trabalhistas. Para além do texto falado, este trecho é um dos que melhor exemplifica a
diferença entre ler a transcrição ou a nota taquigráfica e ouvir o discurso: ao escutar a
gravação da fala, é possível observar o crescimento da entonação de voz da Soraya
Menezes, o aumento da comoção do seu discurso até culminar, no final desta parte, com
os aplausos do público que estava presente no plenário. Mesmo com a ausência de
imagens registrando a cena, é possível perceber, com a escuta do áudio, o aumento da
empolgação. Observam-se, portanto, as nuances da construção do discurso feita por uma
líder política experiente que, ao começar a se encaminhar para o fim da sua participação,
busca aumentar a comoção do público e causar impacto no uso das palavras. Com isso,
ela ironiza que uma sociedade marcada por desigualdades sociais veja como violenta a
possibilidade de casais homoafetivos regularizarem suas uniões e recebe, pelo menos de
parte do público presente, o apoio a este posicionamento.
Em 08 de julho de 2005, véspera da 1ª Caminhada de Lésbicas e Simpatizantes e
dois dias antes da realização da 8ª Parada do Orgulho GLBT de Belo Horizonte, houve
uma mesa de debates no Plenário Juscelino Kubitschek da CMBH voltada para a
discussão sobre as lesbianidades. Mais uma vez, a ALEM esteve presente, realizou falas
na tentativa de divulgar as ações da organização e relacionadas, especificamente, com a
questão da visibilidade, tema principal da Caminhada que estava sendo organizada por
elas. Tratando da temática, Josiane Mota (integrante da ALEM) fez um longo discurso
argumentando das diferenças de visibilidade entre lésbicas e gays, e da importância da
pauta para o segmento ao qual ela fazia parte:
(...) Eu penso que a visibilidade tá colocada sim, mas de uma maneira desigual.
Nós não podemos afirmar categoricamente que se processa de maneira igual
88

para gays e lésbicas. As lésbicas ainda não tão vivendo essa visibilidade.
Porque, se a gente caracteriza que essa visibilidade se dá da maneira como foi
Página

colocado, nós estaremos equivocados e a nossa política para o movimento de


lésbicas vai ser equivocada. E aí vai ser uma perda muito grande daquilo que

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a gente quer construir, que é a verdadeira visibilidade. Porque que eu tô


dizendo isso? Primeiro: a questão da saúde. Já foi colocado, a lésbica quando
ela se identifica para o ginecologista, normalmente, o que a gente percebe é
que ela não é atendida, “porque lésbica não contrai DST”. Isso é um mito, é
uma mentira, uma falácia. É porque os profissionais da área da saúde não estão
capacitados pra lidar, pra trabalhar com esse público, ou seja, com a lésbica.
(...) Então não existe uma política de prevenção direcionada para a lésbica. Isso
é uma verdade. Porque tudo isso? Invisibilidade. Ela não existe para a
sociedade de uma maneira geral. E outra questão que eu coloco é a questão da
família. A garota, a mulher, que se coloca lésbica, que vivencia a sua
lesbianidade dentro da família, que se assume, ela sofre as piores violências:
física, psicológica. Ontem mesmo a gente tava com um caso, a Soraya já citou,
de uma menina que tá dormindo na Praça Sete, de 21 anos. Porque assumiu,
arrumou uma namorada e que foi colocada no olho da rua. Porque a mãe dela
falou que tava com nojo dela. Isso é um caso, são vários outros que a gente tem
que lidar no dia a dia. Porque? Invisibilidade. Ela tem que ser invisível pra se
proteger da família. Ou seja, do pai, da mãe, dos irmãos, da tia, da avó, do gato,
do cachorro. E também da sociedade de uma maneira geral. Ela não pode viver
com dignidade a sua sexualidade por conta disso, de todo o preconceito que
permeia o núcleo familiar, a sociedade. No mercado de trabalho, se desconfiam
que ela é lésbica, já começa as piadinhas. (....) Então ela não tem visibilidade
na família, ela não pode se colocar como lésbica no emprego. Então é muito
importante a gente ter isso muito claro, porque a nossa luta, ainda que ela esteja
colocada durante as Paradas, a questão da visibilidade, ela não tá resolvida. Ela
é árdua, ela é dolorosa e ela ainda vai demorar um pouco. Prova disso é que
amanhã a gente tá chamando a 1ª Caminhada de Lésbicas pra a gente ver em
que pé que está essa coragem dessas mulheres de se colocarem, de vivenciarem
suas lesbianidades. E pra nós vai servir como termômetro de tudo que temos
feito para favorecer a visibilidade.29

O discurso construído por Josiane Mota traz alguns elementos importantes de


integração das perspectivas da ALEM com a militância lésbica nacional. É relevante
como, a partir do levantamento de alguns exemplos (relacionados à saúde, família e
trabalho), ela coloca a invisibilidade como eixo principal de muitos dos problemas
vivenciados por essas mulheres. Para elucidar como este segmento social ainda é invisível
se comparado a outros, ela começa discorrendo sobre o “mito” de que “lésbicas não
contraem DSTs”. Tal pauta era recorrente dos debates realizados pelos movimentos
lésbicos desde os anos 1990. Especialmente nos SENALEs, que contavam com verbas do
Ministério da Saúde e das secretarias de saúde, buscou-se, durante décadas, construir
políticas públicas de saúde voltadas para este grupo social (CAMPOS, 2014).

Na sequência, ela se utiliza de uma situação concreta para exemplificar o


problema do “assumir a sexualidade” para a família: “Ela [a mulher lésbica] tem que ser
89
Página

29
Transcrição da gravação de áudio do discurso de Josiane Mota realizado em 08/07/2005 na CMBH.
(DR.02.02.00-2760).

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invisível pra se proteger”. Os problemas advindos das relações familiares e de trabalho


para as pessoas que se assumiam enquanto GLBTs também foram amplamente discutidos,
não só pelas integrantes da ALEM, mas por diferentes participantes que, ao longo dos
anos, estiveram em reuniões na CMBH. A especificidade desta fala da Josiane Mota se
relaciona com outros discursos que foram elaborados nesse dia, em que houve
comemoração pelo aumento da visibilidade GLBT a partir do sucesso das Paradas. Sua
fala se conecta com a discussão, que vinha ocorrendo na ALEM e que acabou por
determinar a decisão pela criação da Caminhada, de que a visibilidade nos eventos mistos,
especialmente nas Paradas, ainda era muito baixa para as mulheres lésbicas. Faltava
espaço de fala para este segmento e de discussão das lesbianidades. Por isso, Josiane Mota
abre este trecho do seu discurso argumentando que “a visibilidade tá colocada sim, mas
de uma maneira desigual”.
É importante compreender, portanto, que a fala da integrante da ALEM acontece
em um contexto em que a Parada do Orgulho GLBT de Belo Horizonte já tinha se tornado
um grande evento e que atraía dezenas de milhares de pessoas. Nesse sentido, os
movimentos sociais presentes na CMBH naquele dia estavam debatendo como, a partir
daquele momento, poderiam ampliar a visibilidade de suas pautas para além do evento.
No caso da ALEM, interessava focar as suas ações para a visibilidade específica das
vivências lésbicas. A realização da 1ª Caminhada seria, portanto, um momento de
avaliação dessas questões, de busca por aumentar os espaços de discussão sobre o tema.
Com o desenvolvimento do debate na CMBH, surgiu, novamente, a discussão
sobre a integração, ou não, dos movimentos GLBTs com outras lutas sociais. Como pauta
que fazia parte das discussões desde os movimentos homossexuais da década de 1970,
surgiram opiniões divergentes sobre o tema. De um lado, havia a preocupação de que os
movimentos GLBTs fossem cooptados por partidos de esquerda, governos e sindicatos;
do outro, havia a compreensão de que não se podia debater sobre cidadania e conquista
de direitos sem pensar de forma ampla e correlacionada com a luta de outros movimentos
sociais. Sobre o tema e em resposta a um militante presente na reunião que se posicionava
contra a participação das organizações GLBTs nos protestos de outros segmentos, Josiane
90

Mota pediu novamente a palavra e discorreu sobre a posição da ALEM em relação ao


Página

assunto:

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O que eu gostaria de falar, um pouco sobre essa questão que foi colocada, do
movimento social, do movimento GLBT, GLBTS, que é o seguinte… Eu não
consigo ver as coisas muito separadas e, ao mesmo tempo, ignorar as
especificidades. Por exemplo, aqui em Beagá a gente tem uma experiência.
Quem vai pra Praça Sete e organiza atos contra violência contra a mulher,
somos nós. Greve dos professores, quem vai lá dar a cara, apanhar da polícia
junto com os professores, somos nós. Quem faz os cartazes, as faixas de
protestos, somos nós. Nós somos linhas de frente desse movimento. E isso não
tira de nós a nossa especificidade. Nós ‘tamos’ num país que não existe “outras
bandeiras” do “outro movimento”, o desemprego é uma bandeira que todos
nós devemos levantar, contra o desemprego. Porque existe um desemprego
maciço no Brasil. E tem muito gay, muita lésbica desempregada. Essa é a
realidade nossa aqui de Beagá. Na ALEM, por exemplo, a maioria são
mulheres negras. E não dá pra gente sair, por exemplo... Amanhã, na nossa
passeata, nós vamos fazer um protesto contra a corrupção, porque é dinheiro
que tá saindo pro bolso da elite política e da elite empresarial que tá faltando
na escola pública. Onde o negro, onde a lésbica e o gay tá excluído. (...) Não
dá pra ignorar esse tipo de coisa que tá acontecendo no nosso país e dizer que
são bandeiras de outros movimentos, que vez ou outra podem ser anexadas ao
nosso movimento. É tudo junto, não tem problema. A nossa campanha pela
visibilidade, tá lá: “Visibilidade! Nós estamos aqui, mas nós queremos
emprego, nós queremos saúde, nós queremos escola de qualidade pra todo
mundo”. Nós não podemos ignorar e fazer de conta que não é bandeira nossa.
Porque são cidadãos e cidadãs que vivem num país corrupto, de exclusão, cuja
maioria da população é negra e que vivem ainda como escravos, só que com
meios mais sofisticados. São meios sofisticados de escravidão que nós vivemos
hoje, né? Qualificados. E nós não podemos dizer que o movimento GLBT não
vai incorporar essas bandeiras porque tem suas especificidades. Nós não vamos
perder a nossa identidade por erguer outras bandeiras. Nós somos
trabalhadores, negros, sim! E nós não podemos ignorar isso. (...) Então eu acho
que é importante a gente continuar fazendo essa discussão dentro do
movimento e rever essas posições com relação a essas bandeiras sociais. De
fazer essa separação. Essa dicotomia, eu acho que ela não pode existir.30

Pela fala elaborada por Josiane Mota, é possível perceber que, para além da Soraya
Menezes, outras integrantes da ALEM também estavam vinculadas a diferentes lutas
sociais. Tal vinculação era característica da Organização. Ao narrar sobre a conexão com
outros movimentos sociais, a militante afirma que elas eram parte da “linha de frente” de
diversos protestos e que, assim como ponderou Soraya Menezes na audiência pública em
28/06/2001, não era possível separar as “bandeiras de luta”, pois, o direito ao emprego, à
educação e à saúde de qualidade deveriam ser pautas de todas as organizações GLBTs.
Nesta fala, destacam-se as questões raciais e socioeconômicas. Pela ALEM ser composta,
segundo ela, em sua maioria por mulheres negras, não seria possível dissociar o debate
sobre lesbianidades da questão social e racial. Para ela, o fato de se unir a outras
mobilizações não significaria abrir mão da especificidade de suas identidades.
91
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Transcrição da gravação de áudio do discurso de Josiane Mota realizado em 08/07/2005 na CMBH.
(DR.02.02.00-2760).

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A apresentação das transcrições das falas de Soraya Menezes e Josiane Mota em


reuniões da CMBH, embora representem trechos muito pequenos dos debates ocorridos
nos eventos, teve como objetivo elucidar e analisar algumas das pautas da ALEM a partir
deste acervo documental. Pensadas no contexto em que os movimentos GLBTs de Belo
Horizonte começavam a se fortalecer, é relevante que esta organização tenha participado
ativamente da construção do debate sobre lesbianidades nas esferas públicas. O fato de
terem conquistado espaço para realizar mesa de debates específica sobre as vivências
homoafetivas das mulheres, em período em que a resistência a tal temática era grande,
também revela a capacidade de articulação do movimento social junto à casa legislativa.
Cabe ressaltar, ainda, que só foi possível analisar alguns poucos aspectos desses
discursos e que debates importantes não foram tratados neste artigo. Há tensões e
divergências nesses eventos que, por causa da opção por trazer apenas as falas da ALEM,
não puderam ser elucidadas. Fica, portanto, o convite a pesquisadoras/es da área para que
explorem este acervo e tragam novas perspectivas sobre os debates dos movimentos
GLBTs ocorridos na CMBH. Especialmente no campo das construções de memória, há
diferentes narrativas que foram mobilizadas ao longo das reuniões. Uma análise mais
completa deste acervo permitiria, dessa forma, localizar melhor esses pontos de
discordância entre os movimentos sociais.
Por fim, a trajetória da ALEM e a construção dos seus discursos poderiam ser
melhor analisadas se incluíssemos também o cotejamento com outras fontes documentais.
Neste artigo, optei por focar apenas nas gravações das reuniões da CMBH para mostrar a
riqueza deste acervo. Assumo, com isso, a problemática de não confrontar diferentes
documentos, mas reitero a intenção de, mais do que narrar fatos e acontecimentos,
historicizar estes discursos, apontando a correlação dos mesmos com visões políticas da
época. É relevante que se compreenda, portanto, que, embora não tenha sido uma
organização longeva, a ALEM levantou pautas importantes para o debate dos
movimentos GLBTs, participou ativamente da construção da memória sobre este
segmento na capital mineira e auxiliou na criação de políticas públicas para esta
população.
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Considerações finais

Ao longo deste texto, tentei apresentar algumas possibilidades de pesquisa que o


acervo de Registros Audiovisuais de Eventos Diversos (DR.02.02.00) da CMBH oferece.
Partindo das falas da de militantes ALEM, apontei como a casa legislativa municipal
serviu de espaço para debates das mais diferentes naturezas. Entre elas, as pautas políticas
relacionadas às lesbianidades. Como local em que foram realizadas e gravadas audiências
públicas, reuniões especiais, seminários e mesas de debates, a CMBH produziu, ao longo
das últimas décadas, uma série de documentos que, se forem devidamente explorados,
oferecem inúmeras possibilidades de pesquisas. Ao trabalhar com os discursos das
militâncias lésbicas, e não com os que foram proferidos por vereadoras/es, por exemplo,
busquei demonstrar que o acervo aponta para atuações que vão além dos seus membros
oficiais, possibilitam conhecer a trajetória de diferentes líderes políticas/os da cidade.
Cabe a pesquisadoras/es interessadas/os nesta e em outras temáticas, buscar por
reuniões e eventos em que os seus objetos de estudo foram pautados. Com isso, será
possível construir trabalhos sobre meio ambiente, cultura, educação, saúde, direitos
humanos, entre vários outros temas, que tratem sobre a história da cidade, utilizando os
acervos legislativos municipais. Para além disso, será possível integrar os diferentes tipos
documentais produzidos pela CMBH, e por outros locais, e construir um estudo complexo
sobre temas diversos da capital mineira.
Como ressaltado anteriormente, algumas escolhas foram feitas para tornar este
artigo viável. Entre elas, a opção por analisar os discursos de trechos de entrevista de
história oral e de duas reuniões ocorridas na CMBH em que a ALEM esteve presente.
Reforço, entretanto, que, mesmo dentro desta temática, há múltiplas possibilidades e
caminhos. Há, inclusive, análises que serão divergentes da leitura que fiz destas fontes
documentais. Na minha perspectiva, decidi ressaltar algumas pautas específicas da ONG
e analisar a conexão destas com o contexto histórico e político. Para outras/os
pesquisadoras/es pode ser importante elucidar outras dimensões dos discursos proferidos
93

nestes mesmos eventos. De qualquer forma, o ponto central deste artigo foi apontar a
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existência de inúmeras possibilidades de estudos para este acervo e demonstrar que a

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especificidade do mesmo o torna diferente de outros documentos que também são


produzidos no contexto das reuniões.

Referências

ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE BELO HORIZONTE. Inventário do acervo da Câmara Municipal no Arquivo
Público da Cidade de Belo Horizonte: 1947-2005, Belo Horizonte, 2008.

CAMPOS, Núbia Carla. A lesbianidade como resistência: a trajetória dos movimentos de lésbicas no Brasil – 1979-
2001. Dissertação (Mestrado). Políticas Públicas e Formação Humana. UERJ, Rio de Janeiro, 2014.

COITINHO FILHO, Ricardo Andrade; RINALDI, Alessandra de Andrade. O Supremo Tribunal Federal e a “união
homoafetiva”: onde os direitos e as moralidades se cruzam. Civitas. Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 26-42, jan.-abr. 2018.

FACCHINI, Regina. “Sopa de Letrinhas”? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90:
um estudo a partir da cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado) Antropologia Social. Campinas: Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2002.

FRANÇA, Isadora. Identidades coletivas, consumo e política: a aproximação entre mercado GLS e movimento GLBT
em São Paulo. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: UFRGS, v. 28, p. 289-311, 2007.

MACHADO, Frederico. Muito além do arco-íris. A constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o
estado. Dissertação (Mestrado). Pscicologia Social, UFMG, Belo Horizonte, 2007.

MENEZES, Soraya. Entrevista pública de história oral sobre a ALEM. Entrevistador: Maria Ferraz [24 set. 2019],
Belo Horizonte, 30 minutos e 44 segundos de duração, 6 páginas de transcrição.

SANTHIAGO, Ricardo. Duas Palavras, muitos significados. Alguns comentários sobre a História Pública no Brasil.
In: MAUAD, Ana Maria e ALMEIDA, Juniele Rabêlo de e SANTHIAGO, Ricardo. História Pública no Brasil:
sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

SIMÕES, Júlio; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. 1. ed. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.

Fontes documentais
Ata da terceira reunião extraordinária da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da
Câmara Municipal de Belo Horizonte, na primeira sessão legislativa. Fundo Câmara Municipal, 28/01/2001. Notação:
CMBH/APCBH//DR.01.01.04-040.

Plenário Amynthas de Barros: Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor – Homossexualidade. Fundo
Câmara Municipal, 28/01/2001. Notação: CMBH/APCBH//DR.02.02.00-2266.

Plenário Juscelino Kubitschek: Discussão de propostas dos gays, lésbicas e transexuais. Fundo Câmara Municipal,
08/07/2005. Notação: CMBH/APCBH//DR.02.02.00-2760.
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Entrevista
Maria do Carmo Andrade Gomes

Foto: Acervo Pessoal.

Historiadora, Mestre em Biblioteconomia e Doutora em História pela UFMG. Pesquisadora


aposentada da Fundação João Pinheiro. Foi diretora do APCBH em dois períodos, entre 1999 e
2000; entre 2005 e 2011, atuando em diversas frentes de trabalho, em especial na construção
de parcerias, como no caso da Câmara Municipal de Belo Horizonte e negociações e projetos
por uma sede própria para o APCBH. Como pesquisadora, desenvolveu diversos projetos
relativos às atividades arquivísticas tanto no APM como no APCBH. Como cidadã, participou da
criação e ocupou diferentes cargos à frente da Associação Cultural do APCBH - ACAP-BH,
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viabilizando patrocínios importantes.


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1. Comente sobre a sua trajetória profissional e como ela se relaciona


com o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

Ainda quando estudante de História na UFMG, fui por três anos estagiária do Arquivo
Público Mineiro, onde eu adquiri minha paixão pelos arquivos. Quando me formei e fui
trabalhar no IEPHA-MG, em 1980, meu primeiro trabalho como profissional foi a
participação na elaboração dos primeiros tombamentos estaduais de conjuntos
arquitetônicos em Belo Horizonte. Ainda não existia o APCBH e nossas pesquisas
realizavam-se no Museu Histórico Abílio Barreto ou diretamente nos acervos disponíveis
dos órgãos municipais, como a antiga Secretaria Municipal de Assuntos Urbanos, além
de órgãos estaduais, como o próprio APM e o extinto Plambel.

Assim, posso dizer que vivenciei as dificuldades de se pesquisar a história de Belo


Horizonte antes da criação do APCBH, seja pelo desconhecimento dos acervos, seja pela
dificuldade de acesso ou pela falta de qualquer instrumento de pesquisa. Desenvolvi
dissertação de mestrado em 1994 sobre a relação entre a pesquisa histórica e o uso dos
arquivos, o que me proporcionou uma formação mais teórica no campo arquivístico.

Participei do seminário de criação do APCBH em 1990 e de muitos eventos promovidos


ao longo desses anos. Em 1994, no cargo de Diretora de Apoio Cultural e Extensão do
APM, participei da elaboração do projeto de criação do Banco de Dados da Comissão
Construtora da Nova Capital, numa parceria entre o Museu Abílio Barreto, o APM e o
APCBH.

Também tive oportunidade, como historiadora da Fundação João Pinheiro, de pesquisar


no APCBH para outros projetos que desenvolvi, dos quais destaco as obras Panorama de
Belo Horizonte, Atlas histórico e Omnibus, uma história dos transportes coletivos em
Belo Horizonte (ambos publicados em 1997 na Coleção Centenário da Fundação João
Pinheiro).
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2. Comente sobre a sua experiência como diretora e os desafios de se


estar à frente de uma instituição arquivística como o APCBH.

Por dois períodos tive o privilégio de dirigir o APCBH: entre os anos de 1999 e 2000 e
no período entre 2005 e 2011. Foram experiências muito importantes e gratificantes para
minha vida profissional. Exerci o cargo em governos democráticos e progressistas, o que
facilitou muito o diálogo com as autoridades municipais.

Embora o APCBH seja ainda uma instituição pequena em termos organizacionais, seus
desafios sempre foram gigantescos. Estar à frente do APCBH significou enfrentar certa
invisibilidade da instituição frente às prioridades dos governos municipais, arcando com
a enorme responsabilidade de preservar materialmente, com recursos financeiros e
humanos sempre insuficientes e uma sede inadequada, um acervo documental sempre
crescente, frágil, único e de imenso valor histórico e probatório para a cidade e os
cidadãos de Belo Horizonte.

Para dirigir o APCBH é necessário munir-se de argumentos técnicos, vontade e muita


diplomacia para dialogar permanentemente com os órgãos da administração municipal,
na busca do entendimento da importância da gestão documental. Significa ainda a busca
constante por conferir sentido a essa preservação, ou seja, organizar, divulgar e dar acesso
a toda a documentação.

Enquanto diretora busquei estar à altura desses enormes desafios. Destaco alguns
resultados, de forma não cronológica: a construção de parcerias importantes,
particularmente com a Associação Cultural - ACAP∕BH e a Câmara Municipal de Belo
Horizonte; o recolhimento de acervos acumulados de grande importância como os
projetos arquitetônicos, BHTrans, Câmara Municipal e Cemitério do Bonfim; a
conservação preventiva do acervo audiovisual; os primeiros projetos de digitalização do
acervo; e a promoção de projetos de pesquisa, divulgação e educação patrimonial -
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Exposições Itinerantes, História de Bairros, Descrição da documentação cartográfica da


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Comissão Construtora da Nova Capital, entre outros.

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Embora diversas iniciativas tenham proporcionado a melhoria das condições dos


ambientes de trabalho, consulta e das áreas de guarda do APCBH, permaneceu sem
solução definitiva a questão da sede própria do Arquivo, apesar de muitos esforços que
levaram à produção de dois projetos arquitetônicos e à desapropriação de um imóvel para
esse fim.

3. Como você vê o papel do APCBH ao longo desses 30 anos? Que


lugar a instituição ocupa na cidade?

É cada vez mais significativo o papel do APCBH em Belo Horizonte. Hoje o Arquivo é
referência obrigatória para quem pesquisa a história da cidade e de suas políticas públicas,
para o cidadão em busca de determinados direitos e informações, para o professor que
leciona sobre a história e a memória locais. Muitos outros usos ainda podem e devem ser
mais explorados, mas destaco a procura do Arquivo pelos próprios agentes públicos, entre
autoridades e servidores da PBH e da Câmara Municipal.

4. Como cidadã, quais são as suas perspectivas futuras para o


APCBH? Quais são os desafios da instituição para que ela se
fortaleça?

Como cidadã, eu busco ser otimista quanto ao futuro do APCBH, tanto quanto o futuro
de nossa democracia e do nosso projeto como nação, que passa hoje por uma crise sem
precedentes. Como uma instituição que sempre teve que lutar muito pelo reconhecimento
de sua importância, a APCBH desenvolveu uma musculatura e uma flexibilidade que lhe
permite sobreviver às crises orçamentárias, à carência de pessoal, numa constante busca
por alternativas para consecução de sua missão institucional.

O APCBH já é uma referência cultural na cidade, mas ainda precisa ver reconhecida sua
98

importância no seio da administração municipal. Esse reconhecimento passa


Página

necessariamente pela implementação da gestão de documentos em toda a PBH, pela maior

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Dossiê

autonomia do Arquivo como órgão central da administração municipal e pela instalação


de uma sede própria à altura de sua importância para a Prefeitura e para a cidade de Belo
Horizonte. O APCBH conta para enfrentar o futuro com uma tradição de 30 anos: as
gerações de técnicos e servidores qualificados e comprometidos com a casa. A eles rendo
minha homenagem.

99
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LUGAR E MEMÓRIA: percepções e vivência escolar


no contexto da modernidade no Instituto de Educação
de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG)
Place and memory: perceptions and school experience in the context of modernity at the
Institute of Education of Minas Gerais, in Belo Horizonte (MG)

Juliana de Lima Caputo1*


Juliana Lima de Almeida Bastos2**
Yasmin Sthefany Xavier Almeida Reis3***

RESUMO: As vivências conseguem contar histórias sobre lugares que não passam por livros, mas que
podem ser captadas e representadas através de mapas mentais que, por sua vez, mostram uma possível
relação de “lugar” ou mesmo de “não-lugar”. Portanto, essa pesquisa buscou reconstituir a relação dos
alunos e ex-alunos do Instituto de Educação de Minas Gerais com o espaço da escola, compreendendo se
existia/existe um senso de pertencimento, a partir da concepção geográfica de “lugar” (TUAN, 2012), com
a utilização da análise de mapas mentais produzidos por esses pares. Assim, reconstrói-se não só a relação
escolar, que passava por reformulações, mas também vivências da cidade de Belo Horizonte em meio à sua
modernidade.

Palavras-chave: Lugar. Modernidade. IEMG.

ABSTRACT: Experiences can tell stories about places that are not told by books, but that can be captured
and represented through mental maps, which in turn, show a possible relationship, of "place" or even of
"non-place". Therefore, this research sought to reconstruct the relationship of students and former students
of the Institute of Education of Minas Gerais with the school space, understanding if there was or exists a
sense of belonging, from the geographical conception of place (TUAN, 2012), with the analysis of mental
maps produced by these pairs. Thus, we reconstruct not only the school relationship, which was undergoing
reformulations, but also experiences of the city of Belo Horizonte in the midst of its modernity.

Keywords: Place. Modernity. IEMG.

Introdução

As lembranças do lugar vivido revelam histórias particulares dos indivíduos e


grupos sociais, histórias essas que são capazes de informar sobre a relação estabelecida
entre a sociedade e o espaço geográfico através das experiências vividas sobre ele. Com
a chegada da modernidade, em um país que até meados do século XX foi marcado pela

1*
Doutoranda em Educação Cartográfica. Mestra em Geografia. Professora do Departamento de
100

Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) – Belo Horizonte/MG.
E-mail: jugrafiabh@gmail.com
2 **
Graduanda em licenciatura e bacharelado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de
Página

Minas Gerais (PUC Minas) – Belo Horizonte/MG. E-mail: julianajlab@gmail.com


3
*** Graduanda em licenciatura e bacharelado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas) – Belo Horizonte/MG. E-mail: yasminreisgeo@gmail.com

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oralidade e o analfabetismo, os contadores de histórias mais antigos, que também se viam


na posição de educadores de seus filhos e netos, perdem lugar. Logo, a educação
desenvolvida fora de um estabelecimento de ensino e sem planejamento desaparece e os
grupos escolares passam a emergir.
Esses grupos escolares nas instituições públicas que emergem no contexto da
modernidade, geralmente, possuem uma extensa rede documental e descritiva, gerando
uma contribuição histórica, que pode ser encontrada na obra de Gonçalves (2004). Porém,
pouco se aborda acerca do papel desempenhado pelos grupos escolares enquanto espaço
vivido e de relações de pertencimento, denominado pela Geografia Humanista de “lugar”.
As pessoas que viveram nesse período em Belo Horizonte, da construção da nova Capital
no contexto da República, presenciaram muitas mudanças em relação à educação, seja na
própria forma do ensino, como nos métodos, ou mesmo nos novos lugares que passaram
a abrigar essa prática. Muitas dessas mudanças podem ter contribuído para um novo
estabelecimento de relações de pertencimento com esses espaços, mas, também pode ter
provocado uma sensação de não pertencimento a esse respeito, onde elas teriam que
passar grande parte de seu tempo e, até mesmo, de suas vidas.
Para entender como essas relações de vivência ocorrem e se exprimem, utilizando
do recorte espacial do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), localizado em Belo
Horizonte (MG), buscou-se reconstituir este espaço escolar a partir da percepção de dois
perfis diferentes: alunos e ex-alunos, analisando se o espaço da instituição se configura
enquanto lugar, de vínculo, de afeto, de pertencimento, tais como contribui Tuan (2012)
a respeito dessa categoria de análise geográfica.
Diante disso, é importante indagar se existe por parte dos alunos e ex-alunos do
IEMG uma identificação em relação à escola, dando a ela uma noção de lugar? E mais,
como eles percebem esse espaço diante de sua vivência escolar? A partir das questões
norteadoras da pesquisa, acredita-se que a inclusão do IEMG, na lógica da cultura escolar,
proveniente da construção da capital de Belo Horizonte, pode não ter efetivado um
sentimento de pertencimento por parte dos alunos daquela época. Da mesma forma, a
construção de um ambiente controlado pode não ter auxiliado na construção de um lugar
para os alunos atualmente, principalmente, pela premissa de controle e, para os mais
velhos, da ruptura com o modelo educacional que possuíam antes.
101

Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar a relação dos alunos e
ex-alunos do Instituto de Educação de Minas Gerais com o espaço da escola,
Página

compreendendo se existia/existe um senso de pertencimento, a partir da concepção

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geográfica de lugar, no contexto do desenvolvimento da modernidade. Para isso, foi


necessário analisar o espaço vivido e percebido pelos alunos, sob a ótica da categoria
“lugar”, tal como, analisar e comparar os relatos de espaço vivido dos alunos e ex-alunos
e por fim investigar se o contexto da modernidade, na qual a escola foi pensada,
possibilita(ou) aos alunos e ex-alunos o estabelecimento de uma relação de
pertencimento.
É importante ressaltar que as lembranças dos ex-alunos e alunos trazem
informações não só de interesse para este trabalho, pois além de retratar a relação
humanista e de afetividade que eles têm com a escola, é possível reconstruir como a
educação se fazia presente na vida das pessoas de Belo Horizonte, na medida em que cada
época, expressões únicas se revelam e se constituem na formação de identidades.

Metodologia

O presente estudo, realizado no ano de 2018, teve como objetivo analisar as


percepções dos indivíduos em um determinado espaço. Por esse motivo, apresenta um
caráter fenomenológico, uma vertente da linha de pesquisa qualitativa. A fenomenologia
pode ser entendida como a busca pela “essência ou estrutura, que se manifesta nas
descrições ou discursos de sujeitos” (GARNICA, 1997). Segundo Merleau Ponty (1999)
a fenomenologia, na perspectiva da percepção, apresenta um caráter substancial, o qual
traz pontos chave sobre a percepção, a relação do corpo com o objeto, do mundo vivido,
das experiências contidas de significação, da história de vida de cada sujeito de acordo
com a sua vivência social e afetiva, de desejos e paixões, isto é, de suas subjetivações.
Assim, como ponto de partida para a realização do estudo, utilizou-se de revisões
bibliográficas de importantes autores que abordam a temática. Dessa forma, para analisar
sobre o surgimento de uma cultura escolar em Belo Horizonte e o papel da escola moderna
na origem da cidade, foi necessário utilizar os marcos teóricos elaborados por Vincent
(1980), Veiga e Faria Filho (1997), Faria Filho (1998) e Gonçalves (2004).
Para elaborar uma síntese referencial acerca da arquitetura escolar de Belo
Horizonte, utilizou-se revisões bibliográficas pautadas em Faria Filho (1998), Monarcha
(1999), Holanda (2006), Ferreira (2010), e Campos (2013). Para analisar o lugar na
102

concepção humanista e o mapa mental como produto da relação entre sociedade e


natureza, utilizou-se como base as postulações de Tuan (2012), Entrikin (1980), Carlos
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(2007), Rocha (2007), Pessanha (2016), e Nogueira (2002, 2013). Dessa forma, o

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aprofundamento teórico sobre as postulações teóricas dos autores foi fundamental para a
construção da análise do estudo de caso da pesquisa.
Na etapa seguinte da pesquisa, foram realizadas entrevistas estruturadas com os
alunos e ex-alunos do Instituto de Educação de Minas Gerais, com o intuito de comparar
a relação vivida por cada um deles. A entrevista estruturada foi escolhida na medida em
que é “aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as
perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p.
197).
A fim de analisar possíveis relações de “topofilia” - que segundo Tuan (2012, p.
19) é o “elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico” e a “topofobia”, sendo o
sentimento de medo, aversão e não vínculo ao lugar - entre os alunos e ex-alunos e o
Instituto, foi solicitada a elaboração de mapas-mentais que remetessem à memória do
espaço escolar. A metodologia dos mapas mentais foi definida, pois trata-se de uma forma
de linguagem capaz de refletir o espaço vivido representado em todas as suas nuances,
cujos signos são construções sociais, evidenciadas através de lembranças vivenciadas
pelos indivíduos, sendo essas boas ou más.
Para coletar informações com os alunos, foi realizada uma visita ao IEMG durante
o período da manhã, no ano de 2018, com o intuito de realizar as entrevistas estruturadas
e solicitar a elaboração dos mapas mentais. A identificação desses alunos foi feita pela
diretora da escola, que indicou aos pesquisadores uma turma específica para a realização
das entrevistas. Desse modo, as entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente,
transcritas. Já os mapas mentais foram elaborados individualmente em folha A4, que
posteriormente foram escaneadas para compor o trabalho. Dessa forma, foram realizadas
o total de dez entrevistas com os alunos do terceiro ano do ensino médio que estavam
matriculados no Instituto no ano da realização da presente pesquisa.
Em relação aos ex-alunos, foi feita uma pesquisa prévia em grupos dispostos em
redes sociais, como Facebook, Instagram, Whatsapp etc., a fim de identificar os ex-
estudantes. A escolha dos ex-alunos entrevistados não seguiu um padrão específico, como
faixa etária, renda, local de residência, etnia e outros. Essa escolha se deu pela
disponibilidade dos mesmos a realizarem a entrevista, através de contatos prévios com
conhecidos das autoras e indicações dos próprios alunos. Ao localizá-los, foi realizada a
103

entrevista com dez ex-alunos de diversas faixas etárias por meio de áudios na plataforma
Whatsapp. Os mapas mentais foram elaborados individualmente em folhas A4,
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fotografados e enviados aos entrevistadores em formato jpeg.

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Assim, a interpolação das informações entre as entrevistas e os mapas mentais foi


fundamental para analisar se, de fato, os alunos se sentiam pertencentes ao espaço do
Instituto, por meio de representações detalhadas, ou se havia uma relação de repulsa,
representada através do pouco detalhamento sobre o espaço. As análises dessas
representações tiveram por objetivo tornar visíveis pensamentos, atitudes e sentimentos
sobre o referido espaço.

O surgimento de uma cultura escolar em Belo Horizonte e o papel da escola moderna


na origem da cidade
A educação escolar em Belo Horizonte se consolida no contexto republicano
moderno a partir do governo estadual de João Pinheiro, eleito em 1906, com a reforma da
educação pública com ênfase na formação de professores e com a criação dos Grupos
Escolares (GONÇALVES, 2004). A construção desses espaços físicos evidencia a
importância que a educação escolar em Belo Horizonte passa a ter. A novidade dos
Grupos Escolares “viabilizava para os que se encontravam fora dos ‘muros’ o sinal
visível, na beleza e suntuosidade da arquitetura, do empreendimento desenvolvido para a
realização do ‘banquete da modernidade’” (VEIGA; FARIA FILHO, 1997, p. 216).

Essa modernidade, segundo Berman (1987), pode ser compreendida como um


processo dialético, isto é, dicotômico, paradoxal e contraditório. Juntamente com as
contribuições de Ianni (1995) é possível entender a dialética da modernidade através dos
distintos processos que a atravessam, pois, se por um lado há a promessa de ruptura de
fronteiras, da superação da noção dos Estados Nacionais, da integração de todos os povos
dentro de uma “aldeia global’’ e de democratização, por outro, se verifica que a
modernidade se apresenta como um processo hegemônico, europeizante, massificante, de
instabilidade e de fragmentação.
Tanto Berman (1987) quanto Ianni (1995) postulam acerca das rápidas
transformações técnicas e tecnológicas, o encurtamento das distâncias através dos
avanços na comunicação e a constante reinvenção que caracteriza a modernidade.
Consequentemente, segundo ambos, há uma dissolução das particularidades em meio à
instabilidade e a hegemonia decorrentes do período.
Se a relação da educação escolar com a cidade no contexto moderno, com seus
104

espaços, prédios e população, implicou na construção de monumentos que se impusesse


aos demais, a construção dos grupos escolares significou, também, “a estruturação de um
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espaço específico, adaptado a uma função específica” (VINCENT, 1980, p. 21). Dessa

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forma, os grupos escolares deveriam significar, ao mesmo tempo, um distanciamento do


mundo doméstico e religioso, bem como a criação de uma nova cultura escolar que
evidenciasse, simbólica e materialmente, a vinculação da escola com o mundo secular,
público e urbano.
As postulações acerca da consolidação da escola enquanto espaço de função
específica espelham as contradições modernas. Através das contribuições de Faria Filho
(1998) fica explicitado o surgimento da escola no contexto da fundação de Belo Horizonte
enquanto mecanismo de controle e hegemonia, além do processo dialético que separa o
público e o privado: apesar de serem de domínio público, buscava-se afastar a escola da
noção de espaço público, a fim de controlar o corpo docente de forma mais eficiente.
Nesse contexto segregador, a escola surgia com o objetivo de “amansar’’ e “civilizar’’ as
camadas populares. Desta forma, a escola visava promover a civilidade e a racionalidade,
pilares da modernidade homogeneizante, através da cultura escolar.
Além disso, a cultura escolar adotada utilizava-se de mecanismos que
evidenciavam e controlavam as diferenças, principalmente de gênero. Com entradas
independentes e separadas para meninos e meninas, tal como pátios de recreio e outros.
Era comum também que diretoras, inspetores e professoras tivessem dificuldade de evitar
que os alunos e alunas ficassem dispersos próximos à entrada das escolas e, ao mesmo
tempo, impedir que pessoas que não possuíam vínculo com a escola tivessem acesso.
Dessa preocupação surgiu a necessidade de construção de um muro de divisão da
escola com a rua, que teria um valor simbólico e material, a delimitação de um espaço
próprio, apartado da rua e que se instituiu como significativo, ao mesmo tempo em que
reproduziu a rua como lugar hostil às crianças.

A arquitetura escolar do Instituto de Educação de Minas Gerais -


IEMG
Holanda (2006) define a arquitetura como o processo das construções que
expressam esteticamente as relações sociais, econômicas e culturais em um lugar vivido,
além de demonstrar o contexto histórico da época. No contexto da cidade de Belo
Horizonte, a arquitetura foi pensada e construída com forte influência francesa moderna
para acabar com a aparência de colônia que possuía, visto que a cidade foi inaugurada
105

Pós-República.
Com isso, Faria Filho (1998) elabora postulações acerca do estabelecimento do
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espaço físico da escola enquanto reflexo da modernidade e da ruptura com o pensamento

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tradicional monárquico através da construção de escolas monumentais, adaptadas à


função específica do fazer escolar, concomitantemente à busca por maior aproximação
com o urbano. O autor ressalta a instauração de uma “pedagogia do olhar’’ através da
espetacularização das edificações escolares, possibilitando a elaboração de um espaço
controlado, partindo de preceitos de higiene e economia.
O prédio que hoje abriga o Instituto de Educação de Minas Gerais começou a ser
construído em 1897, segundo o Guia dos Bens Tombados do IEPHA-MG (Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais). Esse prédio foi pensado
inicialmente para abrigar o Ginásio Mineiro que, antes sediado em Ouro Preto, foi
transferido para a nova Capital, sendo projetado pelo arquiteto Edgar Nascentes Coelho.
O prédio possuía diversos estilos arquitetônicos de tradição neoclássica europeia, já com
o pensamento de “afrancesar” os prédios de Belo Horizonte.
Com o desejo de inserir a cultura europeia nas paisagens belo-horizontinas, o
prédio do Ginásio Mineiro passou por intervenções e adaptações para abrigar a escola
Normal Modelo, que inicialmente seria exclusiva para mulheres que cursavam o
magistério. Sendo assim, sob o comando do arquiteto Carlos Santos, a nova escola teria
uma fachada eclética com uma aparência monumental, na qual estão postos colunas de
dupla altura e capitéis jônicos. Apesar das adaptações, o prédio continuou com sua
aparência neoclássica. Para Monarcha (1999), os prédios escolares da nova Capital
procuravam despertar um sentimento de devoção, pois apresentavam fachadas
grandiosas. Percebe-se essa intenção, visto que os prédios das mais antigas escolas são
monumentais.
Entre os anos de 1926 a 1930, a Escola Normal passou por reformas e recebeu
uma nova fachada. Segundo Ferreira (2010), esta fachada foi elaborada pela artista Belga
Jeanne Louise Milde, que idealizou dois baixos relevos decorativos representativos do
ensino artístico e do ensino das ciências naturais. Milde retratou nos painéis de baixo
relevo, na forma de dois grupos de cinco mulheres, o sentimento de amor e dedicação dos
alunos às artes, às ciências e à cultura.
Cada uma das figuras femininas representadas na obra de Milde tem a posse e,
por consequência, o domínio de um elemento associado ao conhecimento. E todas estão
iluminadas pela luz do sol, que representa o conhecimento. No painel do ensino das artes
106

(Figura 1), a primeira jovem segura um martelo; a segunda, um formão; na parte central,
o sol; a quarta mulher segura um livro; e a quinta uma paleta de pintor. No outro, na
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representação das ciências, há também um grupo de cinco mulheres: a primeira segura

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um galho de café; a segunda, um globo; na parte central, o sol, a quarta jovem segura um
livro; e a última um compasso e um esquadro (CAMPOS, 2013).

Figura 1: Alegoria do ensino das artes, obra de Jeanne Louise Milde

Fonte: Ronaldo Campos (2013).

A artista belga, ao invés de associar a figura da mulher à maternidade e ao


erotismo como comumente se observa em uma sociedade patriarcal e machista a qual a
realidade está inserida, propõe uma representação que rompe com a imagem tradicional
da mulher, associando-a ao conhecimento e projeta uma nova representação do feminino.
Dessa forma, a obra emite um caráter revolucionário e é uma imagem que simboliza a
conquista dos direitos à educação e à profissionalização. Com a nova fachada, a Escola
Normal viria a ser, anos mais tarde, o Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 1982,
o prédio do IEMG foi tombado como patrimônio histórico estadual pelo Instituto Estadual
de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG). Apesar do
tombamento e do reconhecimento por parte do Governo como patrimônio histórico e
artístico, o IEMG enfrenta, desde a década de 2010, problemas relacionados à
infraestrutura. A precarização dos sistemas de drenagem de chuva, bem como a
deterioração dos espaços físicos da escola, em um ambiente que reflete o descaso dos
órgãos públicos para com o IEMG. Ao realizar a visita a campo, foi possível constatar a
107

precariedade em que o Instituto se encontra (Figura 2).


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Figura 2: Espaço interditado da escola

Fonte: (PROJETO...,2018).

Apesar dos problemas estruturais no prédio do Instituto de Educação de Minas


Gerais, sua arquitetura e seu estilo neoclássico foram mantidos. Sua fachada monumental
ainda está presente nos dias atuais, e torna-se um espaço de estranhamento arquitetônico,
na medida em que a verticalização se apossou do centro de Belo Horizonte.

O lugar na concepção humanista e o mapa mental como produto da relação


entre sociedade e natureza
A ciência geográfica passou por uma série de reformulações e se diferenciou em
seus métodos, e, após o declínio da Geografia Cultural na década de 1940, começa a surgir
uma nova corrente de pensamento que baseia os seus estudos nas localizações. Com isso,
o espaço não era mais visto como naturalista, e sim funcionalista, pois estaria estruturado
em “redes de relações sociais e econômicas, em redes de vias de transporte e de
comunicação, e em redes urbanas” (CLAVAL, 2002 apud ROCHA, 2007). Por esse
momento de ascensão da Geografia de Localizações, a Geografia Cultural volta a ganhar
força e, em 1960, os seguidores dessa corrente, como John Wright e David Lowenthal,
começam a pensar em uma renovação da Geografia Cultural.
Nesse movimento de renovação, os autores queriam pensar em uma nova
Geografia que considerasse “os vários modos de observação, o consciente e o
inconsciente, o objetivo e o subjetivo, o fortuito e o deliberado, o literal e o esquemático”
108

(HOLZER, 1996 apud ROCHA, 2007). Essa corrente passou a ser reconhecida como
Página

Geografia Fenomenológica, Geografia da Percepção ou Geografia Humanista.

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Nesta perspectiva de ascensão da Geografia Humanista, as categorias “paisagem”


e “lugar” passam a ter mais reconhecimento e exaltação, sendo vistos como essencial
para essa nova perspectiva, que até o instante era secundário na disciplina. O humanismo
despertou na Geografia “a investigação do pensar, da experiência e dos sujeitos em sua
individualidade recuperando o elo perdido entre o mundo acadêmico e as pessoas”
(PESSANHA, 2016, p.3).
Nessa perspectiva, Tuan (2012) propõe uma Geografia dedicada ao estudo do
amor do homem pela natureza, denominado por ele de “topofilia”. Essa relação com a
paisagem e o espaço causa sentimentos, que podem ser classificados de maneira topofílica
ou topofóbica, que, assim como a etimologia do sufixo dessas palavras, representa a
afeição/gosto e desgosto/medo, respectivamente. Essas categorias de análise são
importantes por conceituar experiências sensoriais vividas por todos, em diferentes
espaços, e que não são fixas, podendo sofrer alterações de acordo com outros fatores
como companhia, horário, iluminação etc.
Segundo Rocha (2007), na Geografia Humanista, o enfoque está sobre a
valorização das experiências, os sentimentos, a intuição e a intersubjetividade das pessoas
no espaço em que habitam. Nessa perspectiva, os seres humanos utilizam o corpo, com
seus sentidos, paladar, tato, olfato, audição e visão para sentir o ambiente e a ele conectar-
se, que com o tempo torna-se familiar, lar, lugar tão essencial para a sobrevivência
humana (TUAN, 2012).
Quando essa conexão ocorre, todas as pessoas que ali convivem tendem a atribuir
significados e guardá-los com afeto em suas memórias, a partir da relação de apropriação
da realidade (CARLOS, 2007) que gera identificação e por consequente pertencimento.
Em contrapartida, o espaço que, quando desconhecido, pode se mostrar frio e estranho,
causando um diferencial em relação ao lugar, denominando-o como "não-lugar''. Mas, de
qualquer forma, essa experiência leva um sentimento consigo. O espaço passa a ser lugar
por meio da convivência, experiência repetida e do significado (TUAN, 2012).
Os lugares, enquanto ambientes conhecidos, são dotados de significados
impregnados de emoções e histórias. O lugar supera o seu sentido de localização por meio
da existência, experiência, sentimentos e memórias humanas (NOGUEIRA, 2013). Por
meio desses sentidos e memórias, o homem passa a produzir um mapa mental do seu
109

mundo. A memória eidética e fenomenológica ocorre durante o conhecimento de um


espaço, que implica no esquecimento do senso comum e no aprofundamento do conhecer
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verdadeiro, por isso, “os fenomenólogos procuram conhecimento através da descrição da

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experiência [...] a fenomenologia, melhor que o empirismo é a ciência da experiência”


(ENTRIKIN, 1980, p. 9). Desta forma, mapas mentais são produtos da imagem percebida
através dos sentidos e sentimentos, passando a ser “compreendido por nós para além de
seus aspectos físicos e geométricos, aqui compreendido como lugar de vida”
(NOGUEIRA, 2002).
As representações dos mapas mentais conseguem mostrar uma possível relação,
de “lugar” ou mesmo de “não-lugar”, que o autor mantém com o espaço físico, pela
quantidade de signos e afetividade que este mapa acaba por representar. É possível
evidenciar e analisar como a pessoa se relaciona com um determinado ambiente,
principalmente quando trata-se de memórias antigas, pois a idade tende a selecionar
somente as lembranças de mais afetividade ou as mais traumáticas para se armazenar a
longo prazo.

Os mapas mentais e sua relação com o estabelecimento do lugar no Instituto


de Educação de Minas Gerais - IEMG
Para a realização da pesquisa, foram conduzidas um total de 20 entrevistas com
alunos e ex-alunos do IEMG, que buscaram trazer à tona os enunciados desses sujeitos
em relação à identificação com o espaço da escola. Dessa forma, foram entrevistados 10
alunos e 10 ex-alunos da instituição.
Após as entrevistas, foram elaborados pelos entrevistados mapas mentais
mediante orientações dos pesquisadores, os quais sugeriram a livre representação gráfica
da instituição, buscando identificar as expressões sentimentais e sensoriais dos alunos e
ex-alunos em relação à escola. Desta forma, objetivou-se compreender se o IEMG é
percebido como lugar, de acordo com o proposto por Tuan (2012), que afirma que os
seres humanos utilizam o corpo com seus sentidos para se conectar com o ambiente físico,
atribuindo-lhe significados e o tornando familiar.
Os alunos entrevistados estavam cursando o terceiro ano do Ensino Médio no
Instituto. Posto isso, foram analisados os relatos dessas entrevistas e a identificação dos
alunos e ex-alunos será feita através de números e letras, respectivamente, a fim de se
preservar a identidade de cada um.
Durante a entrevista, alguns alunos revelaram preocupação em relação à atual
110

gestão da escola, o que revelou inclusive ser um empecilho no processo de identificação,


conforme apontado por um dos entrevistados que pontua que:
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Aluno 1 - Na verdade, quando eu entrei aqui eu me identificava muito, muito,


muito mesmo, só que aí com o passar do tempo foram entrando novas direções,
essas coisas assim... mudou muita coisa na escola que eu acho que a escola não
tem nada a ver hoje em dia, não representa os alunos. (PROJETO...,2018).

Com isso, é possível notar que a gestão escolar influencia diretamente na maneira
como os alunos percebem a escola e seus espaços. Entretanto, o estado precário no qual
se encontram as instalações da escola também é um problema para o uso dos outros
espaços escolares para além da sala de aula. Apesar disso, a maior parte dos entrevistados
afirmou, de fato, se sentirem acolhidos pela instituição e pela comunidade escolar. Desses
alunos, confirmou-se que o tempo de estudos é um elemento relevante, ou seja, os alunos
que estudavam por um período maior de tempo aprofundaram mais nos tópicos da
entrevista, e demonstraram maior preocupação em relação ao estado do espaço físico do
IEMG.
Na produção dos mapas mentais representados a seguir, parte dos alunos buscou
representar a quadra do colégio, conforme a Figura 3. Trata-se de um espaço externo onde
muitos utilizam para práticas esportivas e outros, como um meio recreativo, visto que a
quadra possui uma localização central no colégio onde todos os alunos têm acesso e
podem circular livremente.

Figura 3: Mapa mental do aluno de número 2

Fonte: (PROJETO...,2018).

A presença frequente da representação das quadras esportivas do colégio por parte


111

dos alunos, conforme o proposto por Tuan (2012), na construção do lugar afetivo, e
Nogueira (2002), tendo os mapas mentais como lugar de vida, expressa uma relação de
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afetividade com o espaço, atribuindo a ele a qualidade de lugar. Devido às respostas dadas

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pelos alunos durante as entrevistas, por ser o espaço de convívio com colegas, uma das
justificativas mais frequentes no acolhimento e na identificação em relação à instituição,
e se destinar principalmente à sociabilidade, é possível justificar a importância afetiva
deste espaço, expressa nos mapas mentais.
Outra representação gráfica recorrente pelos alunos é a expressão do hall de
entrada do colégio e a fachada do Instituto, conforme a Figura 4.

Figura 4: Mapa mental do aluno de número 3

Fonte: (PROJETO...,2018).

O aluno 3 afirmou se identificar com o espaço do IEMG, porém ressaltou sua


preocupação com a precariedade do espaço da instituição, e buscou representar os danos
à estrutura causados pela infiltração no hall de entrada. O hall do Instituto apresenta
arquitetura com um dos elementos mais marcantes à percepção. A monumentalidade da
arquitetura pode ser responsabilizada pelas expressões gráficas do hall de entrada e da
fachada do colégio, uma vez que, conforme abordado por Monarcha (1999), os prédios
escolares de Belo Horizonte possuíam o intuito de despertar o sentimento de devoção e
sensações de grandiosidade e imponência.
A questão do sucateamento do espaço do Instituto se faz presente na entrevista de
parte dos alunos, porém a fachada do colégio é uma das partes que se mantém
relativamente preservadas. Portanto, é possível inferir que ambos os entrevistados, com
muito tempo de estudos no colégio, se identificam com a parte da estrutura que ainda não
se encontra danificada, a fim de preservar memórias.
112

Outro aluno, que respondia às perguntas de forma desinteressada e pouco


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aprofundada, representou no mapa mental uma planta simples do colégio, sem nenhum

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tipo de detalhe, com exceção da piscina, que apresentava uma descrição um pouco mais
minuciosa do que o restante dos elementos. O distanciamento, a ausência de identificação
e pertencimento pontuados pelo aluno na entrevista se materializa numa representação
distante e pouco aprofundada, corroborando o estabelecimento de um “não-lugar”.
Nesse sentido, quando indagado acerca do sentimento que estabelecia com relação
ao IEMG, o aluno afirmou: “Ah, eu tenho raiva, né?’’ (Aluno 4). Apesar de não
especificar o motivo de tal sentimento, o aluno demonstrou desinteresse em relação à
escola ao responder às perguntas. Ele afirmou que a escolha em estudar no Instituto não
foi sua, mas de sua mãe. Além disso, o estado precário do espaço escolar também se fazia
presente na fala do aluno que, segundo ele, é “meia boca”.
Quanto aos ex-alunos, foram entrevistadas diversas faixas etárias, que concluíram
seus estudos no Instituto de Educação em diferentes momentos. Há uma grande
divergência por parte dos ex-alunos de cada faixa etária. Assim, os ex-alunos mais
recentes revelam grande descontentamento em relação à equipe da instituição e valorizam
a diversidade com a qual tiveram contato. Em contrapartida, os ex-alunos mais antigos
valorizam o tradicionalismo e carregam um discurso classicista, conforme explicitado nos
seguintes trechos: “A maior parte era da mesma classe social... era todo mundo amigo”
(Ex-aluno A). “Hoje sou uma pessoa tradicional, continuo com comportamentos
tradicionais. Sou uma pessoa bem exigente, onde que a escola nos preparou dessa forma,
ela nos engessou em relação a isso” (Ex-aluno B).
Por outro lado, o acolhimento por parte da instituição é defasado em relação aos
alunos mais jovens. Conflitos com a equipe da escola e descaso por parte de professores
e funcionários foram frequentemente relatados, como é possível observar no trecho
ressaltado pelo ex-aluno B: “Eu não me sentia acolhida quando eu tinha que resolver
alguma coisa. Parecia que tratavam o aluno como “f*, tanto faz”, mas pelos professores
eu me sentia” (Ex-aluno C).
Com isso, apesar das dificuldades e desavenças, houve apenas uma exceção por
parte dos ex-alunos quanto à identificação com a instituição, o entrevistado, que dizia não
se identificar com o colégio, se mostrou desinteressado e reproduziu a fachada do IEMG,
sem atribuir ao desenho muitos detalhes. O ex-aluno D também criticou o estado de
conservação do espaço físico do IEMG durante o tempo em que estudou na instituição.
113

A monumentalidade da arquitetura do Instituto se fez ainda mais presente na


representação dos ex-alunos, porém, desta vez com maior detalhamento, principalmente
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por parte dos ex-alunos mais velhos. O mapa mental produzido pelo ex-aluno E (Figura

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5) apresenta alto nível de detalhamento, que pode ser atribuído tanto à maior aproximação
deste aluno com a instituição, quanto um reflexo da arquitetura monumental da escola
que, na época, ainda representava um pilar da modernidade.

Figura 5: Mapa mental do ex-aluno E

Fonte: (PROJETO...,2018).

O mapa mental produzido pelo ex-aluno F, representado na Figura 6, remete a um


espaço específico da escola. O ex-aluno buscou representar a sala de música, pois para
ele é o retrato de um lugar, ou seja, a fração do espaço onde ocorria uma identificação
vivida por ele.
Figura 6: Mapa mental do ex-aluno F

Fonte: (PROJETO...,2018).

Em contrapartida, a Figura 7 retrata um “não-lugar” sobre um espaço específico


114

do Instituto. O ex-aluno G incluiu, no mapa mental, uma pequena legenda com os dizeres:
“Portão de acesso à quadra. Local onde o aluno Luiz foi agredido e caiu da escada”. O
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ex-aluno retrata em sua entrevista a violência, o descaso com o ensino, a depredação e a

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negligência em relação ao espaço da escola. A nitidez e a riqueza de detalhes com a qual


o local foi retratado não revela a construção de uma memória a partir do pertencimento e
do estabelecimento identitário, mas sim a partir de memórias de segregação e
marginalidade.
Figura 7: Mapa mental do ex-aluno G

Fonte: (PROJETO...,2018).

Dessa forma, é possível perceber que diferenças geracionais contrapostas revelam


diferentes maneiras de se estabelecer um lugar. Assim, para as novas gerações, a
diversidade e a liberdade, propostas diferentes das tradicionais surgem como fatores
importantes na impressão da identidade sobre uma fração do espaço. Em contrapartida,
para os ex-alunos mais velhos a ordem e a disciplina são os elementos constituintes do
lugar.
Apesar das discrepâncias, a arquitetura e o zelo pelas boas condições da estrutura
do colégio seguem presentes no imaginário de alunos e ex-alunos: a monumentalidade do
prédio segue presente em todas as gerações que contribuíram para o estudo. As más
condições do espaço físico da instituição são um grande pesar tanto para os alunos quanto
para os ex-alunos, podendo inclusive influenciar nos mapas mentais produzidos.

Considerações finais

Após as análises efetuadas no IEMG, foi possível perceber que, na maior parte
115

dos casos, não foi todo o espaço do Instituto que se configurou como um lugar, mas sim
partes do colégio que, a partir da ótica de diferentes gerações, eram mais percebidas e
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vivenciadas que outras. Lugar, nessa ótica, é entendido como locais conhecidos e

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afetivamente guardados em sua memória, dotados de significados impregnados de


emoções e histórias. O lugar supera o seu sentido de localização por meio da existência,
experiência, sentimentos e memórias humanas (NOGUEIRA, 2013). Entretanto, o espaço
IEMG pode ser separado, com claras divisões por seus pátios, quadras e prédios. Por isso,
das partes entrevistadas, as representações mais frequentes foram a quadra da escola, local
onde os alunos se reúnem para atividades extraclasse, e a fachada da escola, na qual a
monumentalidade está expressa de forma exuberante em relação aos outros prédios da
região, em sua maioria, verticalizados.
Diante das hipóteses apresentadas, comprovou-se que a modernidade, responsável
pela criação de um espaço controlado e segregacionista, foi capaz de selecionar e envolver
alunos e ex-alunos. Em um primeiro momento, o espaço do Instituto foi o espaço da
hegemonia: os ex-alunos mais antigos formavam o lugar a partir do tradicionalismo, do
valor ético, moral e da semelhança com os colegas. Num segundo momento, a partir da
ótica dos alunos e de ex-alunos que se formaram mais recentemente, o lugar aparece a
partir do contato com a diversidade de culturas, gêneros, classes sociais, e principalmente
pelo convívio com colegas.
O fator institucional e arquitetônico aparece como um elemento relevante,
entretanto secundário quando comparado aos demais relatos. O tempo de permanência no
Instituto também é um fator proeminente, pois os alunos que estudam na escola há mais
tempo podem perceber as diferenças que ocorreram no espaço escolar, e assim, identificar
melhor sua relação com a escola.
Desta maneira, foi possível constatar que o colégio se configura majoritariamente
como lugar para a maior parte dos entrevistados, tanto para os alunos quanto para os ex-
alunos. A má relação com as questões institucionais, dificuldades na socialização e, para
os alunos que ainda frequentam o IEMG, o estado precário das instalações, foram alguns
fatores que não permitiram o estabelecimento de identificação em relação ao colégio.
Diante disso, as hipóteses elaboradas previamente foram refutadas, pois não foi o
estabelecimento da modernidade que produziu uma relação de não-lugar para parte dos
alunos e ex-alunos, mas sim, as questões sociais e a deterioração do prédio da escola.
Através das análises dos mapas mentais ficou nitidamente expresso que a arquitetura
grandiosa da escola e sua deterioração implica diretamente nas memórias afetivas que os
116

estudantes possuem desse espaço. Ver um prédio como esse, construído no início da
capital se deteriorando com o tempo, impacta fortemente os envolvidos na relação com
Página

esse espaço.

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Diante deste cenário, coloca-se em pauta as políticas públicas implantadas na


cidade de Belo Horizonte e, principalmente, nas escolas. O IEMG, por ser um prédio
tombado pelo IEPHA (1982), deveria ser um espaço valorizado e com sua preocupação
voltada para as práticas pedagógicas e às relações sociais. Ao contrário, tem-se um prédio
abandonado, com problemas nas instalações elétricas e problemas para drenar a água da
chuva.
Dessa forma, compreende-se a importância da valorização das políticas públicas
para que, além de preservar os patrimônios históricos da cidade e do país, o valor do
espaço escolar seja reconhecido.

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desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Disponível em:
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UMA BREVE CENA DE MOVIMENTOS CULTURAIS


NEGROS EM BELO HORIZONTE (1995-2019)

A brief scene of black cultural movements in Belo Horizonte (1995-2019)

Denilson Alves Tourinho1*

Resumo: Este texto é resultante do capítulo “Negro ‘Afro-Horizonte’: eventos culturais de Belo Horizonte
em Movimento Negro Educador”, da dissertação de mestrado Artes Cênicas Negras e a Educação das
Relações Étnico/Raciais em Belo Horizonte, concebida na Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Minas Gerais, concluída em fevereiro de 2020. Os eventos culturais negros apontados na predita
pesquisa são brevemente abordados neste artigo, como parte do passado, presente e futuro da capital
mineira, um recorte historiográfico sócio-político-cultural do Tricentenário de Zumbi dos Palmares (1995)
ao Fórum Taculas (2019), assim como enaltecimento das produções negras belo-horizontinas em trajetórias
emancipatórias.

Palavras-chave: Eventos Culturais Negros. Movimento Negro. Belo Horizonte Negro.

Abstract: This text is a result of the chapter “Black 'Afro-Horizonte': cultural events in Belo Horizonte in
Black Movement Educator”, from the master’s thesis “Black Performing Arts and the Education of the
Ethnic/Racial Relations in Belo Horizonte”, conceived at the Faculty of Education at the Federal University
of Minas Gerais, completed in February 2020. The black cultural events identified in the predicted research
are briefly discussed, in this article, as part of the past, present and future of the capital of Minas Gerais, a
socio-political-cultural historiographical profile from the Tercentenary of Zumbi of Palmares (1995) to the
Taculas Forum (2019), thus as an exaltation of black productions from Belo Horizonte in emancipatory
trajectories.

Keywords: Black Cultural Events. Black Movement. Black Belo Horizonte.

Introdução
Em 1995, celebrou-se 300 anos da imortal luta de Zumbi dos Palmares com o
propósito coletivo de resistência e emancipação da população negra brasileira. Em Belo
Horizonte, as atividades culturais pautadas nesse tricentenário marcaram a história da
cidade, tal como a criação do Festival de Arte Negra (FAN), idealizado por agentes
culturais negros e realizado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O FAN tem
119

1*
Ator e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-
Promestre/UFMG). Idealizador e curador do Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras de Belo
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Horizonte. Também curador do 8º Festival de Arte Negra de Belo Horizonte (FAN). Atua em espetáculos
teatrais com circulação no Brasil e exterior. E-mail: denilsontourinho@gmail.com

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abrangência internacional e, desde 2016, faz parte do calendário oficial da cidade,


instituído por lei.
Marcos Antônio Cardoso, escritor, filósofo, historiador, mobilizador cultural,
pesquisador, professor, cientista político e representante do Movimento Negro, em sua
obra O Movimento Negro em Belo Horizonte: 1978-1998, no capítulo “O significado do
tricentenário de Zumbi dos Palmares em Belo Horizonte”, destaca que:

as comemorações dos 300 anos da imortalidade de Zumbi dos Palmares


ensejaram também a articulação e execução de projetos institucionais
referentes à importância do patrimônio cultural da população negra na cidade
de Belo Horizonte e iniciando um novo, conflituoso e rico, processo de relação
política entre o Movimento Negro e o Poder Público Municipal. (CARDOSO,
2002, p. 206-207).

Cardoso registra que a articulação da Secretaria Municipal de Cultura de Belo


Horizonte com organizações da sociedade civil, para o projeto Tricentenário de Zumbi
dos Palmares, suscitou ações de reconhecimento e promoção de patrimônios culturais
negros da cidade; realização de exposições e mostras artísticas cênicas, visuais,
audiovisuais e literatura; ciclos de debates; oficinas; seminários; publicação do jornal
Áfricas Gerais: organização do afoxé 300 Filhos de Zumbi, com o cortejo Afro-horizonte;
e a criação do sobredito FAN. O autor também destaca que uma das prioridades do
Movimento Negro nesse Tricentenário era a criação do Centro de Referência da Cultura
Negra (CRCN), como um espaço de reconhecimento e fomento do patrimônio cultural
negro da capital mineira, compreendendo, nesse projeto, perspectivas estruturantes de
combate ao racismo e valorização da historicidade negra belo-horizontina. Mas esse
empreendimento não teve encaminhamento por parte do Poder Público.
Diante desses atos sociais, vale destacar a proposição “Movimento Negro
Educador” da pesquisadora Nilma de Lino Gomes (2017), ideia que negrita o vigor
pragmático e epistemológico do movimento negro em perspectivas sociais educadoras,
também no campo das artes e culturas. Desde o marco histórico Tricentenário de Zumbi
dos Palmares em Belo Horizonte, temos um profícuo cenário de movimentos culturais
negros belo-horizontinos para lançarmos luzes. Neste artigo, entram em cena o
120

supracitado Festival de Arte Negra, assim como o Aldeia Kilombo Século XXI, Rede
Terreiro Contemporâneo, Mostra Benjamim de Oliveira, Solo Negro, Polifônica Negra,
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Mostra Puxadinho, Teatro na Quebrada, Encontro EnegreSer, Segunda Preta, Aquilombô,


Prêmio Leda Maria Martins, Mostra Negras Autoras e Fórum Taculas.

Festival de Arte Negra (FAN) – 1995

O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte (FAN) estreou em 1995, teve a


segunda edição em 2003 e, em seguida, passou a ser realizado bienalmente. Inovador e
longevo, o FAN destaca-se no cenário artístico nacional e mundial.
Na 4ª Conferência Municipal de Cultura de Belo Horizonte, em agosto de 2015,
agentes representativos do movimento social negro propuseram a institucionalização do
FAN no calendário oficial da cidade, legítima proposta em reconhecimento artístico
cultural e manutenção do festival. O texto foi aceito e enviado para tramitação na Câmara
Municipal, paralelamente, representantes de movimentos sociais organizados lançaram
uma petição virtual em apoio ao projeto e, em março do ano seguinte, 2016, o festival foi
oficializado com a lei municipal nº 10.919.
Ter um festival de arte negra no calendário oficial de Belo Horizonte não figura
privilégio cultural negro, pois representa reparações de desigualdades sociais históricas,
promoção e valorização da diversidade cultural e étnico/racial, como direitos instituídos
por políticas culturais e educacionais, do âmbito municipal ao nacional.
Cardoso (2002) foi um dos fomentadores do Festival de Arte Negra, sua
dissertação de mestrado resultou no livro que vem sendo citado, o autor traz aos nossos
conhecimentos, ou restaura em nossas memórias, notáveis entidades, associações e
grupos culturais com trajetórias atreladas ao Tricentenário de Zumbi dos Palmares e ao
FAN, tais como representações das artes cênicas negras: Cia Danç’Arte, dirigida por
Marlene Silva, pioneira da dança afro-brasileira, em Belo Horizonte; Cia Bataka, dirigida
por Evandro Passos; Cia Primitiva de Arte Negra, dirigida por Mestre João.
Esses movimentos culturais belo-horizontinos negros figuram lugar de
encruzilhadas (MARTINS, 2002), local em que se entrelaçam fés, artes, epistemes,
tecnologias, resistências, estéticas, denúncias e políticas se engendraram como ações
emancipatórias e educadoras para implementação de uma cidade pluricultural.
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Aldeia Kilombo Século XXI - 20052

Desde o Tricentenário de Zumbi dos Palmares, as produções culturais negras belo-


horizontinas se tornaram redes incessantes criações que dialogam com projetos,
programas e políticas do campo das artes e educação, resultando em realizações
institucionais e independentes. Multifacetada, essa rede negrita a diversidade das artes e
culturas negras.
O Aldeia Kilombo Século XXI é uma produção dessa rede de eventos, realizada
desde 2005, pela Associação Cultural Eu Sou Angoleiro (ACESA), entidade fundada por
Mestre João Angoleiro, em 1993. O evento contempla expressões culturais negras como
os reinados, candombes, candomblé, capoeira angola, dança afro, reggae, hip hop e
samba.
Assim, o Aldeia fomenta as identidades culturais locais, os saberes populares e as
produções dos mestres de cultura popular do Estado de Minas Gerais.
Na edição de 2012, o referido evento teve na programação uma atividade que
reuniu referências culturais locais como o percussionista Carlinhos de Oxóssi com os
grupos culturais, Fala Tambor e Filhas da Mãe, Companhia Primitiva, Companhia Baobá,
Grupo Carlos Afro e Capoeira, Grupo Odum Orixás, Grupo Couro e Cabaça, Banda Black
Sonora e os/as artistas das danças negras Evandro Passos, Haroldo Alves, Rô Fatawa,
Marlene Silva, Marilene Rodrigues, Marilda Cordeiro, Benjamim Abras, Patrícia Alencar
e Rui Moreira.

Rede Terreiro Contemporâneo de Dança - 20093

Já em 2009, Belo Horizonte foi contemplada com a primeira edição da REDE


Terreiro Contemporâneo de Dança, arquitetada como uma rede de encontro que se propõe
local de difusão de estudos e produções do campo cultural e artístico das danças negras.
A REDE foi idealizada pelo bailarino, coreógrafo e pesquisador Rui Moreira e
promovida pela Associação SeráQuê? Cultural, entidade da qual Moreira também foi
122

2
Disponível em: http://centroculturalvirtual.com.br/conteudo/aldeia-kilombo-seculo-xxi. Acesso em: 27 de
out. de 2019.
Página

3
Disponível em: http://centroculturalvirtual.com.br/conteudo/1o-encontro-rede-terreiro-contemporaneo-
de-danca-2009. Acesso em: 27 de out. de 2019.

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fundador. O evento, nacional e internacional, reúne professores das artes cênicas,


dançarinos, bailarinos, pesquisadores, músicos, artistas de outras áreas e demais
interessados nas artes e culturas negras.
O Ilê Wopo Olojukan, terreiro de candomblé, fundado em 08 de dezembro de 1964
pelo Babalorisa Carlos Olojukan, e tombado em 09 de novembro de 1995 como
patrimônio cultural de Belo Horizonte pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte 4,
acolheu a primeira edição da REDE. A relevância simbólica e cultural desse lugar, Ilê,
patrimônio cultural negro da cidade, ensejou as discussões estéticas, sociais e políticas
ligadas ao fazer artístico.
Na programação da edição inaugural da REDE Terreiro, aconteceram oficinas,
apresentações de danças, performances, vivências, trocas e conversas, com as/os artistas
e grupos: Evandro Passos (Cia. Bataka - Belo Horizonte/MG); Luli Ramos (Abieié Cia
de Dança - São Paulo/SP); Cia Rubens Barbot Teatro de Dança (Rio de Janeiro/RJ);
Babalorisà Sidney Ti Odè, Iyakekerê Izabel e Ekede Denísia Martins (Ilê Wopo
Olojukan - Belo Horizonte/MG); Evandro Nunes (Negraria Coletivo de Artistas Negros
(as) - Belo Horizonte/MG); Elísio Pitta (Companhia C - Salvador/BA); Carmen Luz (Cia
Étnica - Rio de Janeiro/RJ); Mestre João Bosco (Cia Primitiva - Belo Horizonte/MG);
Renato Negrão (Belo Horizonte/MG); Cia Enki de Dança Primitiva Contemporânea
(Vitória/ES).
Já em quinta edição, ano 2017, o encontro REDE Terreiro Contemporâneo
realizou ciclos de discussão e mostra de espetáculos, que aconteceram no Teatro Espanca,
Teatro João Seschiatti, Parque Municipal Américo René Gianetti, Sesc Palladium e
Tambor Mineiro.
Essa REDE configura, por meio de atividades e convidadas/os, uma representação
das diversidades das produções de artes e culturas negras. Nesse Terreiro
Contemporâneo, conduzido por perspectivas do Movimento Negro na área da dança,
congregam-se companhias de dança, artistas, professores mestres, doutores,
pesquisadores, Babalorisà, Iyakekerê, Ekede, entidades do Movimento Negro e público.
123
Página

4
Disponível em: https://www.facebook.com/pg/EgbeOlojukan/about/?ref=page_internal. Acesso em: 19
de out. de 2019.

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Mostra Benjamin de Oliveira - 20125

Entre 2012/2013, surgiu a primeira Mostra Benjamin de Oliveira, criada pela Cia
Burlantins e Maurício Tizumba. O nome do evento é homenagem ao celebrado primeiro
palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira. A mostra tem programação nacional e
visa contemplar e valorizar a cultura negra brasileira, via protagonismo de corpos negros
em produções artísticas e culturais com elencos, predominantemente, formados por
negros e negras.
A primeira edição da Mostra Benjamin teve como programação de Teatro:
Besouro Cordão-de-Ouro (Rio de Janeiro/RJ); O Alabê de Jerusalém (Rio de Janeiro/RJ);
Carolina, o luxo do lixo (Rio de Janeiro/RJ); Parem de falar mal da rotina (Rio de
Janeiro/RJ); O cheiro da feijoada (Rio de Janeiro/RJ); O Negro, a Flor e o Rosário (Belo
Horizonte/MG); Zumbi (Belo Horizonte/MG); Galanga, Chico Rei (Belo
Horizonte/MG); Oratório – A Saga de Dom Quixote e Sancho Pança (Cia. Burlantins –
Belo Horizonte); Clara Negra (Cia Burlantins – Belo Horizonte); Munheca (Cia
Burlantins – Belo Horizonte); Abolição, um novo olhar (Grupo de Teatro Filhos de
Zambi, Comunidade dos Arturos – Contagem). E na área da dança os espetáculos:
Masemba (Benjamin Abras – Belo Horizonte); Aula-espetáculo de dança-afro (Evandro
Passos – Belo Horizonte); Faça algum barulho (Rui Moreira Cia. de Danças – Belo
Horizonte); Afrikar (Código Movimento – Belo Horizonte); Mulheres de Baobá
(Companhia Baobá de Dança – Belo Horizonte).
Destacar a programação da primeira Mostra Benjamin de Oliveira enriquece a
análise crítica e o reconhecimento de produções cênicas negras em cartaz na época, em
Belo Horizonte e no Brasil. Em 2018, a mesma equipe de criação e realização da
Benjamin criou o projeto intitulado Solo Negro, como o próprio nome indica, nesse
evento são pautados trabalhos em versão solo de cênicas negras.
124
Página

5
Disponível em: http://burlantins.com.br/benjamin/a-mostra-2/. Acesso em 27 de out. de 2019.

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Polifônica Negra - 20136

Ainda em 2013, estreou em Belo Horizonte a mostra Polifônica Negra, idealizada


por Aline Vila Real e Anderson Feliciano. O evento é um espaço artístico e cultural de
compartilhamento de criações e investigações embasadas nas questões raciais negras,
reflexões em torno de elaborações estéticas e poéticas, palco para apresentação e ensaio
de produções dramatúrgicas.

A mostra recebe artistas da capital mineira e de outras localidades do Brasil. O


evento foi pensado como um quilombo, na acepção de congregação de pessoas,
predominantemente negras, e tem como um dos pilares o engendramento de estéticas e
epistemes negras, subvertendo representações, muitas vezes, negativas acerca das
negritudes.

A primeira edição da Polifônica foi realizada no espaço cultural CentoeQuatro,


na região central de Belo Horizonte, articulada à programação do 7º Festival de Arte
Negra, essa composição indica a possibilidade e efetivação de parceria entre eventos.
A edição 2017, da referida mostra, teve atividades no espaço cultural Tambor
Mineiro, Teatro Espanca, Espaço Lira, quintal da casa da família do curador Anderson
Feliciano e na Praça Sete, percorrendo avenidas do centro da cidade, onde ocorreu a
apresentação da performance Panfleto Itinerante, do Selo Homens de Cor reunindo
artistas de três capitais (o ator Sidney Santiago - São Paulo/SP, a atriz Sol Miranda - Rio
de Janeiro/RJ e o ator e autor deste texto, Denilson Tourinho – Belo Horizonte/MG).
Faz parte da cultura negra cultuar, conceituar, ressignificar e perpassar o lugar das
encruzilhadas, tal qual é a Praça Sete de Setembro, onde se cruzam as avenidas Amazonas
e Afonso Pena com as ruas Rio de Janeiro e Carijós.
125
Página

6
Disponível em: http://polifonicanegra.com/2017/polifonica-negra/. Acesso em: 08 de ago. de 2019.

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Mostra Puxadinho - 20147

Em 2014, houve o lançamento da Mostra Puxadinho, sendo essa a primeira


produção do Coletivo Mutirão, criado pelo Grupo Teatro Negro e Atitude e a Cóccix
Companhia Teatral, com objetivo de estabelecer uma rede de artistas, grupos e parceiros,
em movimentos de atuação cultural em regiões periféricas de Belo Horizonte, no caso
dessa rede, na região de Venda Nova.
A Puxadinho afirma-se na diversidade cultural com foco em territórios periféricos
de aglomerados, ocupações, vilas, conjuntos habitacionais, escolas e espaços culturais.
A 3ª edição da Mostra Puxadinho, ano 2019, teve o Centro de Vivência
Agroecológica (CEVAE) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – unidade Serra
Verde – como palco para atividades como o Café Cultural, apresentação musical com
SOMDI2, oficinas abertas com o Programa Fica Vivo, espetáculo de dança Nada Mais É
(Laia Cia Produções), espetáculo teatral À Sombra da Goiabeira (Grupo Teatro Negro e
Atitude). E, nas ruas, avenida e Comunidade da Baixada o Cortejo Cultural, atividade
artística que percorreu a região com apresentações de dança, teatro, bloco musical e
produção de grafite.

Teatro na Quebrada - 20148

A mostra Teatro na Quebrada, também artística e periférica como a Puxadinho,


estreou em 2014, sendo um projeto educacional artístico e social. A Teatro na Quebrada
tem programação teatral como sustentáculo e atende, principalmente, ao Programa
ProJovem Adolescente.
O espetáculo E se todas se chamassem Carmem? (Belo Horizonte/MG), da Breve
Cia, foi apresentado na Teatro na Quebrada no dia 25 de julho, reverenciando o “Dia
Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha”. O espetáculo aborda
questões representativas, afetivas e de opressões geralmente vivenciadas por mulheres
126

7
Disponível em: https://www.facebook.com/MostraPuxainhoVendaNova2019/. Acesso em: 27 de out. de
Página

2019.
8
Disponível em: http://picdeer.com/tarolandopj. Acesso em: 27 de out. de 2019.

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negras brasileiras. No elenco dessa peça teatral consta a atriz Renata Paz, também arte-
educadora do ProJovem Adolescente. A peça Xabisa (BH/MG) também já foi apresentada
na referida mostra, mais de uma vez, nessa encenação atua Michelle Sá, arte-educadora
do ProJovem Adolescente, criadora e curadora do Teatro na Quebrada.
Teatro na Quebrada é uma mostra periférica e, assim como a Mostra Puxadinho,
levanta parcerias para a realização e manutenção das atividades. Nesse sentido, a
realização da mostra Teatro na Quebrada tem sido desenvolvida com apoio do Programa
ProJovem Urbano Belo Horizonte e suas/seus educadoras/es.

Projeto EnegreSer - 20169

Em 2016, o Projeto EnegreSer foi criado na Escola de Belas Artes da Universidade


Federal de Minas Gerais, por alunas e alunos do curso de Licenciatura em Dança, que
inauguram um espaço de ações, diálogos e estudos pautados nas questões étnico/raciais
negras em perspectivas artísticas de afirmação de epistemes e estéticas, a partir do campo
universitário.
O EnegreSer abre espaço para as artes e culturas negras, dentro e fora do espaço
acadêmico, promove produções e estudos por meio de encontro entre artistas, coletivos
artísticos e culturais, educadores, estudantes e agentes de movimentos sociais.
A primeira edição foi intitulada Projeto EnegreSer: Corporeidade Negras em
Cena, realizada com apoio institucional da UFMG, teve na programação: a intervenção
Belas Artes Negras; o espetáculo Não Conte Comigo para Proliferar Mentiras, com Igor
Leal e Will Soares (Belo Horizonte/MG); a cena curta Refém Solar, com Elisa Nunes
(Belo Horizonte/MG); as rodas de conversa Corporeidades Negras em Cena, com Rainy
Campos, Will Soares e Gil Amâncio (todos de Belo Horizonte/MG), e Corpo em
Diáspora, com Luciane Ramos (São Paulo/SP), a qual ofereceu uma oficina de dança
homônima.
Luciane Ramos é bailarina, intérprete/criadora, antropóloga, pesquisadora,
doutora em Artes da Cena e mestre em antropologia pela Universidade Estadual de
127

Campinas (UNICAMP). Em 2012, a artista participou da 2ª edição da Rede Terreiro


Página

9
Disponível em: https://www.facebook.com/pg/EnegreSer/about/?ref=page_internal. Acesso em: 27 de
out. de 2019.

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Contemporâneo de Dança, ministrando a oficina Corpo Atento: África do Oeste,


Diáspora Negra e os Dilemas Contemporâneos na Dança. E em 2018, Ramos fez parte
da equipe de curadores do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte
(FIT-BH), evento integrante do calendário cultural oficial do município.

SegundaPRETA - 2017 10

Laroyê, Exú! Segunda-feira é dia de Exú. Com referências como o dia e a


saudação a Exú, nasce a SegundaPRETA, em janeiro de 2017. O evento surge
empretecendo o cenário belo-horizontino com apresentações cênicas, bate-papos,
exibições de filmes, homenagem, feira e festa.
Na proposta da Segunda, artistas e agentes culturais pretas, pretes e pretos se
reúnem dentro e fora do Teatro Espanca em movimentos de produção artística e combate
às opressões sociais. Diante das situações de engajamento para realização do evento, a
equipe de organização da PRETA descreve o projeto como ação de reunir para “bater
laje”.
A cada temporada a SegundaPRETA elege uma mulher negra, em vida, para
prestar homenagem. Na primeira edição, realizada de janeiro a fevereiro de 2017, a atriz
carioca Ruth de Souza foi homenageada por sua atuação artística e social.
As homenageadas das temporadas subsequentes da PRETA: Zora Santos (maio a
junho de 2017), Leda Maria Martins (setembro a outubro de 2017), Ana Maria Gonçalves
(março a abril de 2018), Conceição Evaristo (maio a julho de 2018), Capitã Pedrina de
Lourdes (outubro a novembro de 2018), Mazza Rodrigues (março a abril de 2019), Nilma
Lino Gomes, na 8ª temporada (setembro a outubro de 2019) e na 9ª temporada,
interrompida pelo isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, a artista
Rosana Paulino (março de 2020 e retornou, em formato online, de maio a julho de 2021).
SegundaPRETINHA é a programação da SegundaPRETA atenta ao público
infantojuvenil e escolar. As escolas da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte
têm acessado a PRETINHA por meio de projetos e programas educacionais da prefeitura,
128
Página

10
Disponível em: http://segundapreta.com/. Acesso em: 07 de set. de 2021.

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representados pela Secretaria de Educação, Secretária Municipal de Cultura e Fundação


Municipal de Cultura.

Fórum Permanente Aquilombô - 201711

Ainda em 2017, estreou o Aquilombô – Um Arquipélago, primeiro, como mostra


de artes negras e, em edição posterior, como Fórum Permanente das Artes Negras. O
encontro reúne produções artísticas e manifestações culturais de Belo Horizonte e do
Brasil que dialogam com as questões étnico/raciais negras.
Na programação constam apresentações de trabalhos musicais, artes cênicas,
obras das artes visuais e literatura, além de realização de residência artística. O projeto
tem estabelecido parcerias institucionais como a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
e Governo do Estado de Minas Gerais.
Em 2019, o Aquilombô levou para o palco e arredores do Teatro Francisco Nunes
(Parque Municipal Américo Renné Giannetti) uma diversificada programação estética e
temática das artes. Como o espetáculo Mata Rasteira, solo do artista Rodrigo Negão, a
peça tem como fundamento a corporeidade e musicalidade da capoeira, além de contação
de histórias.
Esse Fórum tem se desdobrado em movimentos permanentes, exemplar pela
criação da Série Editorial Aquilombô, publica obras literárias de autoria negra.
Nesses movimentos culturais negros belo-horizontinos foram negritados, em
2017, a SegundaPRETA, o Aquilombô e, já no último mês do ano, o Prêmio Leda Maria
Martins de Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte.

Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras - 201712

O Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte surgiu
levantando reconhecimento e valorização das produções cênicas negras da capital
mineira. Premiação conceitual, reverencia a pesquisadora, artista e rainha de Nossa
129

11
Disponível em: https://www.facebook.com/Aquilombô-Um-Arquipélago-2751510208225036/. Acesso
Página

em: 27 de out. de 2019.


12
Disponível em: http://premioledamariamartins.com/. Acesso em: 27 de out. de 2019.

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Senhora das Mercês do Reinado de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá Leda Maria
Martins, e tem em estudos de Martins as referências para elaboração das categorias do
projeto cultural de honrarias.
O Prêmio Leda apresenta um tema para cada edição e desenvolve uma catalogação
com montagens cênicas negras de Belo Horizonte e região metropolitana, de todos os
tempos e estilos variados. Esses trabalhos cênicos são analisados por uma comissão júri
especializada em artes e culturas negras, as/os juradas/os fazem apreciação das montagens
cênicas de acordo com o tema e as 10 categorias: Encruzilhada – área, Direção;
Muriquinho – área, Infantojuvenil; Oralitura – área, Texto | Trilha Sonora; Corpo
Adereço – área, Dança; Performance do Tempo Espiralar – área, Performance; Lugar
da Memória – área, Cena Curta; Afrografia – área, Atuação; Cena em Sombras – área,
Cenário | Figurino | Luz; Palco em Negro – área, Espetáculo Longa Duração;
Ancestralidade – área, Personalidade | Homenagem | revelação.
Em 2017, o Prêmio Leda teve o tema Afeto Emancipatório de Nilma Lino Gomes;
em 2018, Escrevivência: escrever, viver, se ver de Conceição Evaristo; em 2019,
Exuzilhar de Cidinha da Silva; e em 2020, edição especial online, Quilombismo inspirado
no livro O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista, de Abdias
Nascimento.
O Prêmio Leda Maria Martins, idealizado e coordenado pelo artista e autor deste
artigo Denilson Tourinho, figura originalidade ao se desvencilhar do padrão de premiação
estruturada em categorias adjetivadas como “melhor”, e por provocar leituras e
interpretações conceituais ampliadas acerca das obras premiadas.

Mostra Negras Autoras - 201813

2018 foi o ano de estreia da Mostra Negras Autoras, realizada pelo Negras
Autoras, coletivo formado pelas artistas Elisa de Sena, Júlia Tizumba, Manu Ranilha,
Nath Rodrigues, Vi Coelho e, originalmente, com Eneida Baraúna. Esse evento se
estrutura nas questões negras étnico/raciais e de gênero, acolhendo produções artísticas e
130

culturais de mulheres negras de Belo Horizonte e região metropolitana.


Página

13
Disponível em: http://polifonicanegra.com/2017/polifonica-negra/. Acesso em: 08 de ago. de 2019.

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A 1ª edição da referida mostra aconteceu no e com apoio do Teatro Espanca, em


três terças-feiras de novembro, culminando no Dia Nacional da Consciência Negra, dia
20. Nesse dia foram apresentados os shows de Priscila Magela, Juliana Floriano e
Carolina Andrade, a dança de Aryane Soares e Laura Alves, e também a performance
Crisálidas, de Scheilla Sol.
A Mostra Negras Autoras negritou o dia da consciência negra com produções e
visibilidade das questões negras étnico/raciais e de gênero, negras mulheres em cena, na
idealização, produção, programação e, majoritariamente, no público.

Fórum Taculas - 201914

Já em 2019, foi criado o Fórum Taculas – Performances de Mulheres Negras BH


e Região Metropolitana, idealizado pela atriz, Danielle Anatólio, o evento aconteceu em
dois dias, na periferia de Belo Horizonte, também com foco nas questões negras
étnico/raciais e de gênero.
Em cena, negras produções de artes cênicas, vídeo-performance e bate-papos
pautados em políticas públicas culturais, periferia, feminicídio, afetos, feminilidade,
transexualidade, violência de raça e gênero, transfobia e ancestralidade. Cenas de um
negro belo horizonte que exaltam as negritudes e combatem opressões sociais.
O Taculas estreou prestando homenagem à artista Madu Santos, mentora da
Associação Cultural Odum Orixás, tradicional grupo de Dança Afro-brasileira, de Belo
Horizonte. Os passos da Mostra Taculas remetem aos propósitos das celebrações e
reivindicações do tricentenário da memorável resistência de Zumbi dos Palmares. Nesse
sentido, Belo Horizonte tem sido palco de realizações que contemplam as artes e culturas
negras, sendo ações que remetem às mais variadas configurações de ativismo social.
131
Página

14
Disponível em:https://www.facebook.com/pages/category/Art/Fórum-Taculas-Performances-Mulheres-
Negras-MG-2124562310965998/. Acesso em: 27 de out. de 2019.

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Considerações finais - 1995 a 2019

Os movimentos sócio-político-culturais apresentados neste artigo figuram


engendramentos culturais negros belo-horizontinos que seguem em perene realização,
como meios de ação afirmativa, instrumentos de resistência às opressões sociais e em
atualizações interseccionais.
O Tricentenário de Zumbi dos Palmares pode ser lido como ponto inaugural de
amplas produções culturais negras na capital mineira, assim como exemplar transladar de
organização sociocultural “quilombo” como método de arte, tal qual uma vertente do
Movimento Negro: “ator coletivo e político, constituído por um conjunto variado de
grupos e entidades políticas (e também culturais) distribuídos nas cinco regiões do país”
(GOMES, 2017, p.27).
Este texto pode contribuir para restauração de feitos e memórias que fazem parte
da historicidade de Belo Horizonte. A forma textual, estrategicamente, inspira-se em
aquilombamento cultural, tange movimentos culturais negros belo-horizontinos reunidos
num agrupamento que figura disparador para abordagens merecidamente mais
aprofundadas, em cada supracitada produção.

Referências

BURLANTINS. Mostra Benjamin de Oliveira. Burlantins. Disponível em: <http://burlantins.com.br/benjamin/a-


mostra-2>. Acesso em: 27 de out. de 2019.

CARDOSO, Marcos Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte: 1978-1998. Belo Horizonte: Mazza Edições.
2002.

CENTRO CULTURAL VIRTUAL. Aldeia Kilombo Século XXI. Centro Cultural Virtual. 2012. Disponível em:
<http://centroculturalvirtual.com.br/conteudo/aldeia-kilombo-seculo-xxi>. Acesso em: 27 de out. de 2019.

______. REDE Terreiro Contemporâneo de Dança. Centro Cultural Virtual. 2009. Disponível em:
<http://centroculturalvirtual.com.br/conteudo/1o-encontro-rede-terreiro-contemporaneo-de-danca-2009>. Acesso em:
27 de out. de 2019.
132

ENCONTRO ENEGRESER. Formas africanizadas de escritas de si. Encontro Enegrecer. 2016. Disponível em:
<https://www.facebook.com/pg/EnegreSer/about/?ref=page_internal>. Acesso em: 27 de out. de 2019.
Página

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FÓRUM PERMANENTE DAS ARTES NEGRAS. Aquilombô, um arquipélago. Fórum Permanente das Artes
Negras. 2017. Disponível em: <https://www.facebook.com/Aquilombô-Um-Arquipélago-2751510208225036>.
Acesso em: 27 de out. de 2019.

FÓRUM TACULAS. Fórum-Taculas-Performances-Mulheres-Negra. Fórum Taculas. 2019. Disponível


em:<https://www.facebook.com/pages/category/Art/Fórum-Taculas-Performances-Mulheres-Negras-MG-
2124562310965998>. Acesso em: 27 de out. de 2019.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. v. 1. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.

MARTINS, L.M. Performance do tempo espiralar. In: RAVETTI, Graciela e ARBEX, Márcia. Performance, exílio,
fronteiras: errâncias, territoriais e textuais. v. 1. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2002. p. 69-91.

MOSTRA PUXADINHO. Mostra puxadinho – Venda Nova. Mostra Puxadinho. 2019. Disponível em:
https://www.facebook.com/MostraPuxainhoVendaNova2019/. Acesso em: 27 de out. de 2019.

NEGRAS AUTORAS. Mostra Negras Autoras. Negras Autoras. 2018. Disponível em:
<https://www.facebook.com/events/1227786884028627>. Acesso em: 27 de out. de 2019.

POLIFÔNICA NEGRA. Mostra Polifônica Negra. Polifônica Negra. Disponível em:


<http://polifonicanegra.com/2017/polifonica-negra>. Acesso em: 08 de ago. de 2019.

PRÊMIO LEDA MARIA MARTINS. Prêmio Leda Maria Martins. Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas
Negras de Belo Horizonte. 2018. Disponível em: <http://premioledamariamartins.com>. Acesso em: 27 de out. de
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TOURINHO, Denilson Alves. Artes Cênicas Negras e a Educação das Relações Étnico/Raciais em Belo Horizonte.
2020. 132f. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. Belo Horizonte.
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____.; GAYE, Ibrahima; DIOGO, Rosália. Festival de Arte Negra, 20 anos: encontros. v. 1. Belo Horizonte:
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133
Página

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“FUTEBOL É PAIXÃO, COPA DO MUNDO É NEGÓCIO”:


a reforma do Mineirão pelo olhar da imprensa Belo-Horizontina1
"Soccer is passion, the world cup is business":
The reform of the Mineirão through the eyes of the Belo Horizonte press

Bryan Douglas Martins de Miranda2*

Resumo: Este estudo tem como objetivo investigar as mudanças estruturais executadas na cidade de
Belo Horizonte e no estádio Governador Magalhães Pinto, “Mineirão”, no contexto da copa do mundo
sediada no Brasil em 2014. Pretende-se analisar os sentidos históricos atribuídos pelos jornais para a
reforma ou modernização do estádio. Para isso, este trabalho apresenta a investigação dos periódicos da
capital mineira a partir da análise de diferentes veículos em busca de identificar a articulação entre a
difusão do referido tema no imaginário sobre o futebol em Belo Horizonte e as questões políticas e
sociais referentes ao contexto analisado. Como resultados, observamos o alinhamento do olhar dos
jornais com o regime de historicidade presentista.

Palavras-chave: Reforma. Mineirão. Presentismo.

Abstract: This study aims to investigate the structural changes executed in the city of Belo Horizonte
and in the Governador Magalhães Pinto stadium, "Mineirão", in the context of the World Cup hosted in
Brazil in 2014. It is intended to analyze the historical meanings attributed by newspapers to the reform
or modernization of the stadium. To this end, this paper presents an investigation of the newspapers of
the capital city of Minas Gerais from the analysis of different vehicles in an attempt to identify the
articulation between the diffusion of the referred theme in the imaginary about soccer in Belo Horizonte
and the political and social issues concerning the analyzed context. As results, we observe the alignment
of the newspapers' gaze with the presentist historicity regime.

Keywords: Renovation. Mineirão. Presentism.

O Estádio Mineirão

O estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como Mineirão, é, desde o


momento de sua construção, um espaço do esporte e do lazer da cidade de Belo Horizonte. Na
época de sua construção era reconhecido como o segundo maior estádio coberto do mundo,
com capacidade para 130 mil pessoas. Com o Brasil escolhido para sediar a copa do mundo de
134

1
O título faz referência à fala de Sérgio Barroso, secretário da Secretaria Extraordinária de Estado da Copa do
Página

Mundo em 2011.
2
* Graduado em História. Professor de História. E-mail: bryanmartins@outlook.com.

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2014, o estádio passou pela sua maior reforma que transformou não só suas estruturas físicas,
mas também simbólicas.
Antes de poder completar 45 anos de sua inauguração, o Mineirão foi fechado no dia 6
de junho de 2010. Com um vasto público ao longo dos anos, algumas formas de convívio foram
se construindo ao redor do estádio. Pereira (2004) analisa o Mineirão como um espaço público
onde floresceram redes de sociabilidade.
Segundo Pereira (2004), nas adjacências do estádio, a concentração de muitos
torcedores ocorria em frente às barraquinhas credenciadas pela Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte. Ali os torcedores se divertiam, bebiam, conversavam, cantavam músicas referentes
aos clubes, provocavam o adversário. Segundo a autora, os encontros eram breves, conversas
rápidas e sem abordar temas mais polêmicos, como também havia grupos que se conheciam e
se reconheciam como frequentadores daquela barraca, estabelecendo, assim, sociabilidades
específicas daquele espaço.
Podemos perceber essa sociabilidade na reportagem “Novo Mineirão mostra sua cara”
do jornal Hoje em dia do dia 29 de abril de 2011.

Todo mês junto R$ 50 para comprar ingressos para mim e minha esposa. Sei que vai
ser caro, então comecei cedo. Quero vir num jogo da Copa”, garantiu atleticano, ele
diz sentir saudade do tropeiro e do clima de amizade da barraca da Dona Naná, que
ficava em frente ao portão 12. (MORENO, 2011).

O montador de ferragens Fábio Nascimento demonstrava sua saudade do Mineirão antes


dos portões serem fechados e sua expectativa e esforço para voltar ao estádio durante a Copa
do Mundo. Além disso, o Mineirão foi palco de grandes conquistas do futebol mineiro que
ficaram marcadas na história esportiva da cidade. Tais momentos tornaram o estádio, de certa
forma, num espaço “sagrado”, principalmente quando, no início das obras de modernização em
2010, a rede do estádio foi retirada e veio a se tornar artigo de museu. (CASTRO,2010).
Belo Horizonte e o futebol têm uma história bem próxima. Ambos estão ligados à
modernidade que alicerçou a construção da cidade. Se nos seus primeiros anos quem praticava
e vivia um estilo de vida voltado para o esporte eram as elites da cidade moderna, com o passar
dos anos, as multidões, ou as massas, tomaram o protagonismo e os estádios passaram a ser
erguidos.3
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Para saber mais sobre os primeiros anos do esporte na cidade de Belo Horizonte, veja o estudo de COUTO
(2003).

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O Mineirão também é reconhecido como uma das causas do sucesso do futebol mineiro.
Afinal, após a sua inauguração, o Cruzeiro venceu a Taça Brasil de 1966 e a Libertadores de
1976 enquanto o Atlético Mineiro venceu o Campeonato Brasileiro de 1971. Esses, e muitos
outros títulos que vieram depois, transformaram o Mineirão, que antes era um monumento da
modernidade, em um templo do futebol Mineiro.
Para pensar este imaginário em torno do papel dos jornais para a difusão de uma imagem
em volta da reforma do Estádio Governador Magalhães Pinto, este trabalho pretende analisar
os jornais como construtores de discursos que serão aqui analisados de modo contextualizado.
Para Marc Bloch, a história consiste não apenas em saber como os acontecimentos ocorreram,
mas igualmente como foram percebidos (BLOCH, 2001).
Dessa forma, não basta saber somente que houve a reforma do Mineirão. É necessário
entender como tal acontecimento foi percebido pela opinião pública da capital mineira. Em
outras palavras, o objetivo da investigação presente neste trabalho é compreender como a
reforma foi vista, de certa forma, pelos periódicos da cidade de Belo Horizonte.

Num país onde a imprensa é livre, todos os aspectos da opinião pública têm chance
de se refletir nos jornais: uma análise bem feita, isto é, que faz uma seleção judiciosa,
que utiliza uma imprensa tão variada quanto possível, constitui, portanto, uma
abordagem qualitativa da opinião pública que não se deve desprezar. (BECKER,
2006, p. 196).

A citação de Becker nos dá alguns importantes apontamentos para articularmos nossos


jornais à procura da compreensão acerca do debate público sobre a reforma do estádio.
Devemos lembrar que os veículos de imprensa são empresas e têm um propósito mercadológico
na difusão de seus produtos. Entretanto, segundo Becker (2003), se não pretendermos extrair
uma abordagem quantitativa dos jornais e não nos contentarmos com um único jornal, tudo o
que reunirmos ilustra a opinião pública.
Dessa forma, neste artigo, serão analisados os jornais: O Estados de Minas, O Diário
da Tarde, O Diário do Comércio, Hoje em Dia, Minas Gerais e O Tempo, entre 2007 e 2012,
que estavam disponíveis no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, com o objetivo de
entender os sentidos históricos atribuídos pela imprensa ao processo de reforma do estádio.
Por fim, para podermos pensar no contexto de reforma do estádio usaremos o conceito
de regime de historicidade de François Hartog. Dessa forma, tentaremos entender, em certa
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medida, o regime que compõe a conjuntura do período de construção do estádio. Em outras


palavras, Hartog (2013) propõe que um regime de historicidade é apenas uma maneira de
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engrenar passado, presente e futuro de um determinado tempo, ou melhor, a proposta é que

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existe em cada contexto temporal e/ou local, um presente específico. Tal presente é o que
trataremos como imaginário a ser entendido através dos periódicos.

No dia 5 de setembro de 2010, o jornal Hoje em Dia, na reportagem intitulada "Copa


abre mercado milionário para construtora”, nos dá pistas sobre os sentidos históricos da referida
reforma e do papel do Mineirão no imaginário da população de Belo Horizonte.

No lugar do Governo do Estado, gestor do estádio nos últimos 45 anos, deve entrar
em campo o consórcio formado pelas empresas mineiras Egesa Engenharia e Hap
Engenharia, lideradas pela paulista Construção, em um modelo de gestão
compartilhada com clubes inéditos no país. [...] Hoje o Mineirão é um estádio
deficitário, que só em 2009 custou ao Tesouro de Minas Gerais uma suplementação
financeira de R$ 3,395 milhões, por meio da Administração de Estádio dos Estado de
Minas Gerais (Ademg), uma autarquia estadual. Para se transformar em um negócio
lucrativo, o Mineirão deixará para trás o conceito de sede de jogos de futebol para
reabrir as portas como um espaço multiuso, com centro de serviços, lojas, melhor
infraestrutura para eventos, centro de convenções e, possivelmente, até um hotel, caso
o concessionário avalie que sua implantação é viável: Só na vizinha UFMG há uma
demanda potencial de 55 mil pessoas por dia. [...] Durante as obras realizadas em 2011
e 2012, o Mineirão será transformado em um espaço multiuso com potencial de
arrecadação mensal de R$ 2,8 milhões. (EPONINE, 2010)

A partir do que pode ser observado no jornal, para obter mais lucro, o estádio deveria
criar condições para lucrar de várias formas, aproveitando da melhor forma possível seu espaço.
De acordo com a reportagem, a criação de lojas e estruturas para outros tipos de eventos é uma
saída para combater o déficit que o Estado não conseguiu.
Ainda de acordo com a reportagem, o estádio também se tornaria “palco para mega
shows''. Em outras palavras, o Mineirão, além de se tornar um centro comercial com potencial
lucrativo, poderia se tornar o destino de megashows. “O novo Mineirão colocará a cidade nos
circuitos mais importantes”. Para alcançar esse patamar de importância, algumas obras entram
em destaque como o rebaixamento do gramado, que facilitaria a entrada de caminhões para
descarregar equipamentos. Uma vez que a logística estivesse mais eficiente, mais condições de
capitalizar no Mineirão seriam abertas.
O Mineirão começava a deixar seus aspectos de Estádio para trás e os planos para
transformá-lo em Arena já começavam a ser postos em prática. Primeiro, o Mineirão deveria se
tornar um espaço comercial com capacidade de retorno financeiro para seus administradores
extrapolando sua identidade principal ligada ao esporte. Agora se tratava de um espaço multiuso
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com a necessidade de realizar eventos e estabelecer lojas para poder lucrar o máximo possível
dentro do espaço disponível.
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A modernização do Mineirão dos anos 2000

O Mineirão, fechado em 2010 para se preparar para a Copa do Mundo de 2014, passaria,
nos anos seguintes, por uma grande reforma física e simbólica. Dessa forma, vamos focar nos
significados que estiveram ao redor do Estádio durante todo esse processo.
Em reportagem do dia 28 de outubro de 2010 do jornal O Tempo, observamos uma
articulação temporal com a reportagem apresentada na primeira seção.

Novo Mineirão já tem “dono”


O governo de Minas Gerais divulgou ontem que o consórcio formado pelas empresas
Construcap S.A. Indústria e Comércio, Egesa Engenharia S.A. e Hap Engenharia Ltda
foi o vencedor do processo de licitação para a terceira e última fase do projeto de
modernização do Mineirão. [...]. A terceira etapa tem início previsto para dezembro,
quando será executado o projeto arquitetônico. Ele prevê toda a adequação final do
Mineirão aos padrões exigidos pela Fifa, garantindo mais segurança, visibilidade e
conforto, além de melhores condições de trabalho para os profissionais que atuam no
estádio em eventos esportivos e não esportivos. Será feita ainda a cobertura adicional
das arquibancadas e a esplanada no entorno do Mineirão, onde funcionarão o
estacionamento coberto e a área de serviço, com a abertura de lojas e restaurantes.
[...] No modelo de gestão compartilhada proposto para o Mineirão, o Estado não
investe recursos públicos diretamente na obra. Em contrapartida, ele cede ao
parceiro privado o direito de explorar comercialmente o complexo durante 27
anos, [...]. O modelo de gestão compartilhada adotado pelo governo de Minas já é
utilizado na Alemanha, Holanda, França e Cingapura. (ANDERSON, 2010). (grifo
nosso)

De acordo com o jornal, os vencedores da licitação se tornaram os “donos” do Mineirão.


Mesmo que o repórter tenha colocado a palavra “dono” entre aspas ela nos chama bastante
atenção. As empresas Construcap S.A. Indústria e Comércio, Egesa Engenharia S.A. e Hap
Engenharia Ltda seriam as responsáveis por mais uma etapa da modernização do Mineirão.
Tal modernização é justificada para dar mais segurança, visibilidade e conforto ao
estádio. O debate sobre segurança nos estádios não é uma novidade. Dois episódios na década
de 80 acabaram em tragédias que acarretaram mudanças nos estádios de futebol. O primeiro foi
na final da liga dos campeões de 1985 entre Liverpool e Juventus que acabou com 39 mortos e
600 feridos. O segundo foi a semifinal da copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham
Forest que acabou com 96 mortos. A partir disso, algumas mudanças foram sugeridas como
retirada de alambrados e a colocação de cadeiras em todos os lugares da arquibancada para
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evitar a superlotação. (ROUBICEK, 2020)


Entretanto, podemos observar nos jornais que ela também está ligada à capacidade de
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lucro que as empresas poderiam obter na administração do estádio. Percebe-se, na reportagem,

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que os “parceiros” privados teriam o direito de explorar comercialmente o complexo durante


27 anos.
Dessa forma, nota-se que o processo de modernização que não é mencionado
diretamente nos jornais está conectado à capacidade do estádio de gerar lucro para seus gestores
e/ou investidores. Nesse novo complexo, a participação popular só se tornaria real através do
consumo nos espaços planejados como as lojas, os restaurantes e até o estacionamento.
Para Hartog (2013), o mundo após o fim da Guerra Fria entrou em um “presentismo”,
onde nosso campo de experiência foi encurtado juntamente com nosso horizonte de expectativa.
Em outras palavras, é como se nossa experiência com o passado tivesse se encurtado e nossa
expectativa para o futuro não tivesse um longo alcance. Dessa forma, mais reagimos do que
agimos de acordo com ganhos ou perdas imediatas. (KOSELLECK, 2006).

Razão do valor tranquilizador de uma fórmula como "a retomada"(retomar significa,


de fato, repartir de onde se estava), diretamente ligada à nossa incapacidade coletiva
de escapar ao que agora é usual chamar, na França, de "court-termisme", ou seja, a
busca do ganho imediato, e que eu prefiro denominar "presentismo". O presente único:
o da tirania do instante e da estagnação de um presente perpétuo. (HARTOG, 2013,
p. 11)

O autor ainda argumenta que o imediatismo do tempo dos mercados e do capitalismo


financeiro são os grandes protagonistas do presente perpétuo voltado para o ganho imediato.
Podemos perceber, nos periódicos abordados, certa aproximação com um imaginário
presentista, que busca formas variadas de lucrar, e pouco se pensa nas questões culturais do
espaço.
Em reportagem do dia 22 de dezembro de 2010 do jornal Hoje em Dia, intitulada “Novo
Mineirão começa em janeiro” nota-se um alinhamento no olhar para o Mineirão entre os
periódicos abordados e com o conceito de presentismo proposto por Hartog. Além disso, o
conceito de “novo Mineirão” começa a aparecer, sugerindo uma ruptura entre o velho e novo
estádio.
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Novo Mineirão Começa em janeiro


[...] o Mineirão será administrado pela iniciativa privada, com acompanhamento
e fiscalização do Governo estadual, seguindo modelo já adotado em outros países.
Para marcar este momento histórico do principal estádio de Minas Gerais, que terá
como primeiro grande capítulo o recebimento dos jogos da Copa do Mundo de 2014,
os envolvidos passaram a chamá-lo de Novo Mineirão. “(A terceira etapa) vai
significar não só um novo estádio, completamente sob o ponto de vista físico, mas
também uma gestão inovadora, que vai permitir aos mineiros e aos brasileiros
que venham aqui muito mais conforto e uma forma mais adequada de termos
um estádio bem administrado entre os clubes, as empresas e o Governo”, afirmou
Anastasia.O investimento estimado do consórcio para as obras de modernização será
de R$ 743,4 milhões. Parte dos recursos, num total de R$ 400 milhões, será
disponibilizada pelo BNDES, por meio de linha de crédito especial concedida às
12 cidades-sedes da Copa. (SILVA, 2010) (grifo nosso).

Nota-se que a “iniciativa privada” ganha espaço nos jornais acompanhada da


fiscalização do Estado. O modelo adotado em outros países é tratado como inovador pelo então
governador do Estado Antônio Anastasia. Novamente, temas como segurança e conforto são
levantados como pontos altos do processo de modernização do Mineirão.
Além disso, fica evidente, mais uma vez, que o Estado não tem interesse em participar
da gestão do “Novo” Mineirão, pois, o próprio Estado financia as obras de reforma do estádio
com uma “gestão inovadora” e vê com otimismo a futura gestão que seria “bem administrado
entre os clubes, as empresas e o governo”.

Nesta terceira etapa, considerada a mais complexa, estão previstas três importantes
obras, como a cobertura adicional das arquibancadas e a construção de uma esplanada
de 70 mil metros quadrados no entorno do Mineirão, com área reservada para
estacionamento coberto, restaurante e lojas de serviço. (SILVA, 2010) (grifo
nosso)

Através desse trecho, podemos observar novamente o destaque para o estacionamento,


o restaurante e as lojas de serviço. O que está em jogo é preparar o Mineirão para receber
consumidores. Embora a justificativa da obra seja a realização da Copa do Mundo de Futebol,
o Mineirão precisa se tornar um lugar rentável para além do esporte.
Dessa forma, estacionamento, restaurante e lojas são de grande importância para a
estabilidade financeira e para o potencial de lucro do espaço. Uma nova forma de torcer começa
a ser exigido pelo novo espaço físico, o que torna a mudança, em grande medida, simbólica. O
140

torcedor, nessa nova lógica, não estaria indo mais ao estádio para vibrar com a partida, mas sim
para se entreter. Ele deixa de ser somente o torcedor apaixonado e se torna, também, um
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consumidor de múltiplos produtos naquele espaço.

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Além do Mineirão, quando Belo Horizonte foi escolhida como uma das cidades sede da
Copa do Mundo FIFA, alterações visando à melhoria em sua infraestrutura, segurança pública
e de mobilidade urbana começaram a ser pensadas e executadas.

Governo federal vai criar Secretaria


O ministro do Esporte, Orlando Silva Júnior, anunciou ontem a criação de uma
secretaria para cuidar da segurança durante a Copa do Mundo de 2014. [...].
“Vai integrar as forças de segurança das 12 cidades que receberão a Copa. [...]
Teremos um esforço especial para que o Mundial ocorra com segurança e
conforto”. O ministro afirmou que a reunião de Dilma com prefeitos e governadores
está marcada para 30 de maio. A intenção é acelerar as ações do transporte urbano.
Segundo ele, 70% das obras devem começar ainda neste ano, e 54 projetos já foram
selecionados para melhorar a mobilidade nas cidades. Sobre os aeroportos, Orlando
Silva revelou que a recomendação de Dilma é conceder parte das reformas à
iniciativa privada para acelerar as obras. (MINEIRÃO..., 2011) (grifo nosso)

O que estava em jogo na cidade nos anos que precederam a copa eram investimentos de
curto prazo que foram justificados pelo Estado como possíveis legados do megaevento.

Segundo Oliveira Júnior e Freitas (2014), a gestão municipal e estadual indicava um


planejamento urbano que se subordinava às demandas do mercado neoliberal e criava condições
para sua realização. No que diz respeito à mobilidade urbana, as obras tinham forte tendência
de privilegiar o empreendimento do setor imobiliário, uma vez que articulou as obras entre a
expansão do vetor norte e a requalificação da região centro sul que historicamente concentra
investimentos do mercado imobiliário.
De acordo com dados levantados por Oliveira Júnior e Freitas (2014), 53% dos valores
totais foram destinados às obras no vetor norte da cidade.
Grande parte da tendência identificada para o vetor norte está relacionada à
combinação de dois processos: a viabilização de grandes projetos de estruturação
urbana, que, em parte, recuperam a infraestrutura deficiente da região; e a demanda
reprimida do setor imobiliário em busca de novas frentes de atuação diante da
saturação das frentes mais tradicionais do município de Belo Horizonte [...] Em 2005,
teve início um expressivo conjunto de intervenções que incluiu o início da duplicação
da Antônio Carlos; a construção da Linha Verde ao longo do corredor da Cristiano
Machado, até o Aeroporto de Confins – ambas relacionadas ao vetor norte; além do
primeiro trecho do Boulevard Arrudas (que melhora a articulação deste corredor à
área central) e parte da Requalificação do Anel Rodoviário. (OLIVEIRA JÚNIOR;
FREITAS, 2014, p. 82).

A entrada de pessoas através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) fez com
141

que a região tivesse uma valorização considerável. Além disso, a expansão da cidade para o
vetor norte, financiada pelo Estado, agradava os olhares do mercado imobiliário. Em
Página

reportagem do dia 10 de dezembro de 2012, o jornal O Estado de Minas trouxe um breve trecho

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demonstrando o contentamento de empresários com as ações do governo no vetor norte da


cidade.

De acordo com Luiz Alberto, o anúncio do governo em agosto de um aporte de R$


572 milhões para obras de infraestrutura no local reforçou a confiança dos empresários
no desenvolvimento do Vetor Norte. “Esse é considerado o segundo maior
investimento do Executivo na região, que integra o pacote de mobilidade para a Copa
de 2014: duplicação da rodovia que dá acesso ao Aeroporto Internacional Tancredo
Neves, em Confins, além da revitalização de 29 quilômetros de vias e construção de
viadutos e trincheiras ao longo da Avenida Cristiano Machado”, acrescenta. O
impulso para esse crescimento foi dado com o pleno funcionamento do aeroporto em
Confins, a partir de 2005. “Depois, foi consolidado com o início das atividades na
Cidade Administrativa, sede oficial do governo de Minas”, completa. (VETOR...,
2012).

Dessa forma, o governo está mais envolvido com a ideia de presentismo de Hartog, uma
vez que suas ações são voltadas para a maior possibilidade de ganho no mercado especulativo.
As demandas advindas de problemas estruturais da cidade acabam sendo deixadas de lado em
prol do mercado imobiliário e, dessa maneira, um planejamento de longo prazo para a melhoria
da mobilidade urbana de Belo Horizonte como um todo foi rapidamente descartado. Sendo
assim, o prometido legado para a Copa do Mundo não seria algo aproveitado por todos os
cidadãos de Belo Horizonte, mas sim por um pequeno grupo de empresários.
Na área da segurança pública, o Estado brasileiro mobilizou recursos para a integração
das forças de segurança para a Copa do Mundo. Para os jogos em Belo Horizonte, a proposta
foi criar um órgão específico, o “Centros Integrados de Comando e Controle” (CICC) que, no
caso da cidade, teria profissionais das polícias Militar, Civil e Federal, além de agentes da
Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e da própria Prefeitura. Investimentos de R$ 60 milhões
foram destinados à construção do prédio e equipamentos como telões, com imagens das
câmeras da cidade, 200 computadores de bordo acoplados às viaturas e um sistema composto
por um robô e um conjunto de roupas especiais para o desarmamento de explosivos (SEDS,
2012).
Para Sousa, Marinho e Shynnier (2014), a realização pacífica e bem-sucedida de um
megaevento como a Copa do Mundo, serve para os grandes capitalistas envolvidos na promoção
desses empreendimentos, como uma espécie de indicador sobre o contexto social dos países.
A preocupação com a segurança era importante por vários motivos. Primeiro, para que
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o evento ocorresse de forma ordeira e que o público dos jogos e os turistas da cidade pudessem
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ter seus direitos humanos respeitados. Segundo a segurança era importante naquele momento

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em Belo Horizonte pois imagens da cidade seriam transmitidas para todo o mundo, o que
poderia resultar em investimentos futuros.
Dessa forma, podemos dizer que os esforços na infraestrutura da mobilidade urbana e
na segurança da cidade têm um forte compromisso com a especulação financeira e com a
potencialidade da cidade em atrair futuros investimentos. Mesmo que seja importante para a
sustentabilidade da cidade, pouco foi feito para a população em geral.
Além disso, ao falar dos aeroportos, a então presidente da república Dilma Rousseff
sugeriu conceder parte das obras em aeroportos para a iniciativa privada para acelerar as obras.
Dessa forma, as transformações no Mineirão e na cidade seguiram uma lógica de
mercantilização dos espaços públicos.
Segundo Souza (2006, apud TONUCCI FILHO; SCOTTI; MOTTA, 2014, p. 27), o que
acontece na cidade é o enfraquecimento do planejamento de longo prazo ditado por
investimentos públicos e a sua substituição por perspectivas mercadófilas. Dessa forma, seriam
criados planejamentos estratégicos sobre áreas fragmentadas do espaço urbano, ações
necessárias para a cidade ou o país se inserir competitivamente no mundo globalizado.
Entretanto, esse modelo de administração urbana não é algo que a Copa do Mundo
trouxe e sim algo que ela amplificou. Essa modernização que ocorreu em Belo Horizonte não
foi algo isolado, mas fez parte de um processo em escala nacional. O governo federal de Lula
e, posteriormente, de Dilma, já haviam elaborado um projeto de equilíbrio fiscal e feito menções
a reformas estruturais que favoreciam uma política neoliberal, como as reformas tributária,
agrária, previdenciária e trabalhista (SILVA, 2002).
Para Rudá Ricci (2006), trata-se de um discurso pragmático que procura declarar
compromissos com a estabilidade da ordem econômica e política, aumentando a
competitividade internacional do país. O imediatismo do lucro, a necessidade das reformas para
agradar e estimular os movimentos do mercado financeiro foram aos poucos se tornando a cara
da política brasileira.4
Dessa forma, o Brasil estava no cenário econômico internacional e Belo Horizonte,
potencializada pela Copa do Mundo, entrava cada vez mais nessa conjuntura. Norteada por um
projeto político que não pensa no desenvolvimento a longo prazo, mas sim nos lucros
sustentáveis em um curto período, mesmo que várias pessoas fiquem de fora. As transformações
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4
Para saber mais sobre os anos do Governo Lula ler: ANDERSON (2011).

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dos estádios em arenas e as reformas estruturais das cidades seguiram uma lógica de
mercantilização das cidades que estão dentro do regime de historicidade presentista.
Tal percepção pode ser encontrada na reportagem intitulada “Pontapé inicial para sediar
copa de 2014” do dia 1 de agosto de 2007 no jornal O Tempo. A matéria noticiava que a
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) formalizava o Brasil como sede para a Copa do
Mundo de 2014. Em um evento em Zurique, o Brasil apresentava um vídeo divulgando o país
que foi comentado pelo jornal.

Vídeo maquia graves problemas do país


Foram 12 minutos de promoção do Brasil como destino de investimentos e discursos
de potência. Enquanto as imagens mostravam cidades e cenários do país, dados eram
projetados na tela, como o crescimento do PIB, o fato de ser a décima maior
economia do mundo e o fato de ter o décimo maior complexo industrial do
planeta. Segundo o vídeo da CBF, o Brasil ainda representa a 35% do PIB da América
Latina, registrou o maior programa de privatização do mundo, com US$ 130
bilhões de investimentos, e um fluxo de capital que aumentou em 3.000% em dez
anos. Com imagens de um país industrializado e urbano, a campanha apresentou o
Brasil como “um país de oportunidades sem fim”. (PONTAPÉ..., 2007) (grifo
nosso)
Mesmo com o filtro do jornal, é possível observar alguns pontos relevantes do vídeo
reproduzido. Nele, o Brasil se mostrava para o mundo como um país de oportunidades pela sua
capacidade de se integrar ao cenário neoliberal. O destaque para o programa de privatização, o
aumento do capital e o tamanho do PIB brasileiro em relação à América Latina são sintomas de
uma conjuntura presentista.
Além disso, um dossiê com 900 páginas, projetos para as cidades que queriam ser sede,
e uma declaração governamental assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com
11 garantias, foram encaminhadas na proposta brasileira para sediar o megaevento. Entre elas,
havia garantias de isenção de impostos para importação e exportação de mercadorias e bens
relacionados à Copa, isenção de impostos para estrangeiros, entre outros. 5
Em um seminário intitulado “Soberania e política externa: o embate entre
"nacionalistas" e ‘entreguistas’” realizado pelos professores Loque Arcanjo, Juarez Guimarães
e Dawisson Lopes, foi debatido sobre a soberania (ou a falta dela) das nações latino-americanas.
(CICLO DE DEBATES, 2018).
Para Lopes, o Brasil falhou em implementar um projeto de soberania nacional, sempre
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se alinhando com potências neoliberais. Juarez Guimarães complementa dizendo que o Brasil
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5
Ibidem.

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sempre foi um país cosmopolita, que nunca se colocou para o mundo com sua cultura, sua
economia e sua política. No futebol, podemos perceber como esse alinhamento se dá de forma
mais clara. As ligas no Brasil e na América Latina como um todo mudaram seus formatos de
acordo com formatos europeus como os sistemas de ligas e, mais recente, a final da Taça
Libertadores da América substituindo os jogos de “ida e volta” por apenas um jogo em um
estádio sorteado.
Juarez ainda argumenta que, ao tentar se adaptar aos “ares do mundo”, o país entra na
terceira fase do neoliberalismo em que a própria ideia de democracia vem sendo desorganizada
por programas neoliberais. O país estaria vivendo desde os anos 90 o ápice do cosmopolitismo,
em outras palavras, o Brasil não se colocava para o mundo com suas identidades, sua cultura e
sua forma de pensar, pelo contrário, sempre acabava se alinhando às demandas internacionais.
Quando o governo assinou as 11 exigências da FIFA, ficou claro um alinhamento
político com o que Juarez Guimarães chama de cosmopolitismo. O Brasil abre mão de sua
soberania para receber não só a Copa do Mundo, mas para receber a mercadoria dos parceiros
da FIFA. Além disso, o Estado isenta a organização de impostos e possíveis danos. Por fim, a
Copa do Mundo serviu, também, para o Estado brasileiro aprofundar um projeto de
mercantilização das cidades e “arenização” dos estádios.
Ainda em 2008, o jornal O Diário do Comércio debatia como o projeto do Mineirão era
pensado para receber marcas e melhorar as viabilidades econômicas.

Estado vai licitar obras do Mineirão


[...]. As obras incluirão painéis eletrônicos de última geração, proteções em todo o
entorno do estádio nas áreas que atualmente separam os bares e a criação de
segurança. O objetivo do contrato é a consultoria técnica especializada para
elaboração de estudos preliminares de modernização do complexo. As cinco etapas
estão divididas em custos iguais de R$ 486,560 mil, segundo informações da SEEJ.
A primeira delas consiste em um diagnóstico e análise do mercado para a
implementação das adequações. A segunda etapa compreenderá a pesquisa e
associação de marcas ao complexo, sendo que a terceira contemplará estudos de
viabilidade econômica e elaboração do plano de negócios. A quarta fase consistirá
no projeto conceitual e quinta etapa na conclusão e recomendação de alternativas de
implementação. (FERNANDES, 2008). (grifo nosso)

Nota-se que a grande preocupação era tornar o Mineirão em um polo lucrativo. Através
das análises de mercado, possíveis marcas que poderiam ser associadas ao estádio e outros tipos
de viabilidade econômica tinham o objetivo de tornar o Mineirão em um negócio muito além
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do sustentável, a necessidade era torná-lo lucrativo para quem fosse administrar o consórcio do
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estádio.

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Tais aspectos também faziam parte das exigências da FIFA, as quais foram prontamente
adotadas desde os primeiros projetos do estádio. Por exemplo, os painéis eletrônicos de última
geração, que possibilitariam outros tipos de entretenimento dentro da arena como câmera do
beijo e momentos em que os torcedores deveriam vibrar ao aparecerem na tela.
Nota-se, portanto, no imaginário construído pelos jornais, que a modernização do
Mineirão para a Copa do Mundo significa transformá-lo em um polo lucrativo. Entretanto, não
se trata só do Mineirão, mas sim de um projeto nacional que aparece nas diversas arenas
reformadas e construídas no país.
Percebe-se uma articulação com esse imaginário no jornal Hoje em dia de 04 de
novembro de 2012 em reportagem intitulada “Caldeirão para dar Lucro”. O Mineirão seria
transformado num complexo de negócios que iria “muito além do futebol”. Dessa forma, de
deficitário, passaria a gerar lucros.

Caldeirão para dar lucro


O Mineirão será transformado num complexo de negócios que irá muito além do
futebol [...] Já o novo Mineirão, com reabertura prevista para janeiro do próximo
ano, terá a carteira de negócios diversificada e multiplicadas várias vezes. E, de
deficitário, deverá passar a gerar lucro. O princípio é simples: o fim do subsídio
do governo do estado e a profissionalização do futebol mineiro. [...] Agora, a
expectativa é que o consórcio Minas Arena, que irá gerir o estádio até 2037, tenha um
faturamento de R$ 76 milhões já no próximo ano, com uma receita líquida de R$ 66
milhões anuais. Para atingir essa expectativa de receita, a Minas arena vai oferecer
produtos diferentes do que existiam no antigo Mineirão, tais como áreas comerciais,
área vip, camarotes, restaurantes, espaço para eventos não esportivos (shows, feiras,
convenções, seminários etc), naming rights, apoios e patrocínios. (MORENO, 2012).
(grifo nosso)
Esse trecho já projeta um Mineirão completamente diferente do que era antes de todo o
processo de reforma, sugerindo que ele irá muito além do futebol. Percebe-se um grande
alinhamento com o imaginário presentista que temos apontado ao longo do artigo. Todos os
aspectos do “novo” Mineirão são vistos como positivos, incluindo até a possibilidade de
profissionalização do futebol mineiro.
Baseada em uma projeção feita em 2009, a transformação do Mineirão em um
complexo de negócios poderia oferecer múltiplos produtos que transformaria o estádio em um
“caldeirão para dar lucro” através “de áreas comerciais, área vip, camarotes, restaurantes,
espaço para eventos não esportivos (shows, feiras, convenções, seminários etc.), naming rights,
146

apoios e patrocínios”.
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É importante lembrar que existia uma preocupação em manter o Mineirão sustentável


após a realização da Copa do Mundo de 2014. A saída encontrada foi entregar um bem público

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nas mãos da iniciativa privada. Dessa forma, as mudanças foram planejadas para que se pudesse
arrecadar a maior quantidade de lucro dentro dos limites do território do estádio. Tais mudanças
acabariam, também, modificando os significados simbólicos do estádio, uma vez que seu
objetivo principal, antes, eram jogos de futebol, no novo Mineirão esse esporte seria só mais
um dos atrativos do espaço.

Produtos - O consórcio pretende fazer o lançamento dos produtos no final de


novembro, mas alguns deles já foram revelados. O plano da Minas arena é
implementar as unidades comerciais em 2 etapas. Na primeira, serão ofertadas 25
lojas, entre 52 metros e 198 metros, com possibilidade de uma loja âncora de até 1.680
metros. Na segunda etapa estão previstas outras 27 lojas de 60 metros cada.
Entretanto, as datas não estão fechadas e segunda etapa pode ficar para após o Mundial
de 2014. Uma área de aproximadamente 10765 m² abrigará 98 camarotes totalizando
2100 lugares, além do restaurante panorâmico, lounges e sanitários. Os camarotes
contaram com ar-condicionado, TV de plasma, mobiliário e cadeiras exclusivas,
alimentação e bebidas não alcoólicas, os camarotes 18 e 20 pessoas terão até 5 vagas
de estacionamento. (MORENO, 2012). (grifo nosso)
A partir disso, podemos observar que o que está em jogo no “novo” Mineirão, ou no
Mineirão moderno e confortável é a potencialidade de consumo dentro do espaço. Aos poucos,
a tentativa era transformar o Mineirão em uma espécie de “não-lugar”.

Shopping centers, caixas eletrônicos, elevadores, vagões de metrô, saguões de


aeroportos, interiores de avião, máquinas de café expresso são alguns desses não
lugares, semelhantes em todo o mundo, com as mesmas cores, a mesma ambiência e
até o mesmo aroma, independentemente dos países. (SILVA; MORAIS, 2017, p. 121)

A partir da reforma, o Mineirão representaria um padrão que se aplica em contextos


socioculturais diferentes. Ao mesmo tempo, estão presentes nos mais diversos lugares,
tornando-se parte e palco da vida de milhões de pessoas ao redor do planeta, como os outros
estádios preparados para a Copa de 2014 ou os que serviram de inspiração em outros países.
Contudo, existem vários valores ligados ao Mineirão como “Gigante da Pampulha” que
se articulam nesse contexto e, de várias formas, esses princípios emergem no cotidiano do
estádio.
À primeira vista, a imponência impressiona. [...] a imensa estrutura da esplanada de
80 mil metros quadrados chega a encobrir os 88 pórticos de concreto armado [...].
Parece até que o Mineirão sumiu. De certa forma faz sentido: do velho estádio
inaugurado em 5 de setembro de 1965, palco de momentos memoráveis do
futebol mineiro, pouco restou. [...] Do conforto do acesso por meio de catracas
eletrônicas e elevadores à chegada aos 62.170 assentos numerados, passando por
um restaurante que proporcionará visão completa do gramado, foi essa a
impressão do Estado de Minas ao conhecer ontem em detalhes o remodelado
147

Gigante da Pampulha. Praticamente pronto, com mais de 96% das obras executados,
o novo Mineirão, que será inaugurado no clássico Atlético x Cruzeiro em 3 de
fevereiro, está em fase de finalização de detalhes de acabamento com a expectativa de
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ser muito mais que um estádio de futebol: soluções e recursos preparados pelo
consórcio Minas Arena – que o administrará nos próximos 25 anos por meio de

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parceria público-privada (PPP) com o governo de Minas Gerais – apontam que num
curto espaço de tempo ele poderá se tornar também um saudável espaço de
convivência para a família. O vasto sistema de ar condicionado em praticamente todos
os setores, lojas, bares e estacionamento (distribuído em níveis subterrâneos
semelhantes aos de shoppings) e uma inédita central de segurança dão uma ideia do
que está por vir. (FREITAS, 2012). (grifo nosso)
Esse trecho, dias antes da reabertura, já projeta um Mineirão completamente diferente
do que era antes de todo o processo, sugerindo que ele sumiu ou pouco restou do “velho
estádio”, a não ser por sua imponente grandeza. Percebe-se que há uma naturalização de um
“novo” Mineirão que abrirá suas portas no dia 21 de dezembro de 2012 e a expectativa é que
seja muito mais do que um estádio de futebol.
Nesse novo Mineirão, nota-se novamente um alinhamento a um imaginário ligado à
possibilidade de lucro quando o jornal valoriza os setores comerciais como lojas, bares,
estacionamento, ar condicionado e medidas inéditas de segurança. O conforto dos assentos,
catracas eletrônicas e restaurante com vista para o gramado, poderiam criar as condições
perfeitas para que o indivíduo pudesse consumir em paz naquele espaço. Além disso, esse texto
demonstra um tom conservador ao afirmar que o Mineirão se tornaria um lugar saudável para
a convivência da família.
Nota-se também, em reportagem do jornal O Tempo intitulada “Muito mais que um
estádio” do dia 27 de maio de 2012, certo saudosismo com o Mineirão de outros tempos.
Segundo a reportagem, o Mineirão voltará a ser, após a reabertura, um lugar de família, paz e
lazer como nos “bons tempos do Gigante da Pampulha”.

Muito mais que um estádio


Atrativos farão com que as pessoas possam chegar mais cedo ao estádio, evitando
confusões ao que tudo indica, está sendo dado um grande passo para que o Mineirão
volte a ser dedicado às famílias, à paz e ao lazer da população, assim como
acontecia nos bons tempos do Gigante da Pampulha. Nada de chegar em cima da
hora e no desespero para acompanhar partidas de futebol, shows ou qualquer tipo de
evento. O conceito de arena multifuncional aplicado na construção do novo
Mineirão promete trazer uma nova realidade para os torcedores. Com muito mais
conforto, segurança e opções de entretenimento, as pessoas poderão chegar bem
mais cedo, com mais tranquilidade e tendo várias opções para usufruir dos
benefícios que estarão à disposição no estádio. (RIBEIRO, 2012). (grifo nosso)
Para que tais valores fossem recuperados e as famílias pudessem ter paz no Mineirão,
o jornal sugere o modelo de arena “multifuncional” que proporciona conforto e segurança. As
variedades de benefícios seriam essenciais, em outras palavras, é graças a esse projeto que o
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estádio voltaria “nos bons tempos do Gigante da Pampulha”.


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Para acabar com a aglomeração que acontece nos momentos que antecedem os jogos
e deixar o Mineirão mais atrativo, serão criados restaurantes, lanchonetes e lojas.
Porém, a grande aposta para transformar o palco de jogos em um espaço de
convivência para a população está na esplanada que vai envolver a arena. No local,
que será liberado durante todos os dias da semana, as pessoas poderão caminhar,
correr, passear com familiares, amigos e cachorros, andar de bicicleta, patins e
skate, enfim haverá uma interação da sociedade.

“[...]. As pessoas poderão chegar mais cedo, já que terão opções. Depois do jogo,
as pessoas poderão jantar nos restaurantes e ficar nos bares por mais tempo. O fluxo
de 60 mil pessoas entrando e saindo ao mesmo tempo é muito ruim para o estádio e
para a cidade”, explicou Silvio Todeschi. (RIBEIRO, 2012) (grifo nosso).

O arquiteto Silvio Todeschi, em entrevista ao jornal, demonstra como todo o espaço do


Mineirão é pensado para que o torcedor fique mais tempo no estádio. Em dias de jogos, poderia
chegar mais cedo para aproveitar os diversos benefícios. Tal mentalidade sugere que a
arquitetura do novo estádio foi planejada como a de um shopping, pois é pensada com o mesmo
princípio: criar condições para que as pessoas fiquem confortáveis e permaneçam no espaço
por mais tempo.

Os shopping Centers assumem uma característica ambígua. Não se constituem a partir


da cultura local e, ao mesmo tempo, tornam-se espaços de vivências, consumo e
desejo dos indivíduos na região em que se encontram (SILVA; MORAIS, 2017, p.
122).

A reforma deixaria como legado a interação social familiar na esplanada. Além de um


lugar com potencialidade para shows e eventos, o jornal ressalta que quando não houver jogos,
a população poderia utilizar a área para atividades de lazer, como patins, bicicletas, skate,
corridas e caminhadas. A arena se firmaria ainda mais como uma das atrações da Pampulha. A
população poderia, segundo os jornais, se beneficiar do conforto e da segurança e, dessa forma,
consumir com mais tranquilidade.

Nesse periódico, o Mineirão, ou melhor, o novo Mineirão, já é definitivamente tratado


como arena cheia de possibilidades. A esplanada viria para substituir a difícil acessibilidade ao
estádio, pois antes o entorno era formado por um imenso parque de estacionamento no qual as
pessoas precisavam “desafiar os carros e, depois, enfrentar os degraus para que chegassem às
bilheterias e às catracas”.
149

Agora, com a nova esplanada, não haverá a obstrução dos veículos nem das escadarias
e declives em volta do Mineirão, o que vai dar um campo maior de visão e ação para
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que os policiais realizem a segurança. (RIBEIRO, 2012)

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Agora, o estacionamento estaria abaixo da esplanada, que consiste em uma área de 80


mil m². O público estaria livre para se deslocar em volta do estádio. Mas, além disso, o projeto
da “nova Arena Mineirão” facilitaria o trabalho da polícia, pois com o terreno nivelado seria
mais fácil conter os avanços das “tropas alvinegras e celestes”.

Percebe-se, no jornal Hoje em Dia, certa articulação temporal dentro desta lógica.
Segundo a reportagem do dia 22 de dezembro de 2012 intitulada “Um novo Gigante da
Pampulha”, foi construído um centro comercial com aproximadamente cinco mil metros
quadrados para tornar as horas do torcedor na arena mais agradáveis.

O novo Mineirão vai inaugurar uma maneira inédita de o torcedor acompanhar


as partidas do seu time do coração. São 98 camarotes, com 2.024 assentos e serviços
exclusivos, como elevador, vaga no estacionamento, banheiros VIPs, varanda, ar
condicionado e serviço de buffet. [...]. As arquibancadas superiores comportam
39.084 pessoas, e a inferior 20.842, todas com lugares numerados. [...] Para tornar
as horas no local mais agradáveis, foi construído um centro comercial com
aproximadamente cinco mil metros quadrados. Serão 19 lojas nesta primeira fase,
com possibilidade de ampliação em mais 28 num segundo momento. (UMO NOVO...,
2012) (grifo nosso)

O jornal não deixa claro como o novo Mineirão mudaria a forma de torcer do torcedor.
Porém, como demonstrado até aqui, tal maneira de torcer se dá através da individualidade. Os
lugares numerados sugerem a exclusividade do indivíduo. Além disso, a ideia de que o centro
comercial tornaria as horas do torcedor mais agradáveis reforça ainda mais a hipótese do “não-
lugar”.
Os jornais sugerem um novo perfil de torcedor que frequenta o estádio. Um torcedor
que tira o dia para andar tranquilamente pela esplanada do Mineirão, enquanto espera a partida
de futebol começar. Enquanto caminha, terá o conforto e a segurança garantidos pela arquitetura
do local. Os carros não atrapalhariam mais, pois estariam em um piso abaixo. Por fim, teria
sossego para poder se tornar um consumidor naquele espaço, comprando produtos das lojas
oficiais.
A matéria do Hoje em Dia se parece muito com a do O Tempo citada anteriormente.
Aqui, se ressalta também a esplanada como um local de convívio social, algo teoricamente
possível só no novo Mineirão. Além disso, para a cidade, o espaço é de grande importância,
pois teria a capacidade de atrair shows ou outros eventos (UM NOVO..., 2011).
150

Nota-se que o imaginário em torno do projeto de modernização do Mineirão sugere que


ele traria grandes avanços em conforto, segurança, acessibilidade e visibilidade. Entretanto, se
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olharmos em retrospecto, o Mineirão desde seu nascimento já era um estádio moderno.

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O que está em jogo na modernização do Mineirão planejada e executada entre 2008 e


2012 não era simplesmente a realização da Copa do Mundo de 2014. Percebe-se, pela
articulação temporal dos jornais, que a modernização do Mineirão que traria conforto,
segurança, acessibilidade e visibilidade significa transformá-lo em um polo lucrativo para o
pós-Copa além da sustentabilidade e isso não é uma política particular do Mineirão ou de Belo
Horizonte. Trata-se de um projeto de governo que adota a mesma fórmula nas diversas arenas
construídas e reformadas ou modernizadas no país.
Porém, o Mineirão já é carregado de valores. As reportagens recuperam e articulam na
temporalidade valores, representações e sentidos. Os jornais lembram do estádio e de seus
grandes públicos, de seus grandes jogos, dos grandes jogadores que recebeu e das grandes
emoções vividas em todos os setores possíveis. Dessa forma, as antigas formas de torcer no
Mineirão deveriam encontrar uma nova possibilidade na sua reabertura ligada ao consumo.
Por fim, é relevante trazer a fala do presidente da BWA em 2012 quando tentou entrar
na licitação para administrar comercialmente o Mineirão. A empresa havia acabado de se unir
com outra internacional e se tornado uma das maiores administradoras de arenas do mundo.
Segundo o presidente, “quanto mais arenas melhor”. Nessa linha de raciocínio, a frase “futebol
é paixão, Copa do Mundo é negócio” de Sérgio Barroso têm campo fértil para emergir.
(MORENO, 2012).
Segundo o secretário extraordinário da Copa, a obra estaria ocorrendo sem nenhum viés
político, mas sim para o povo, “para o torcedor mineiro, e principalmente para Belo Horizonte,
Minas Gerais, que briga pela abertura do mundial” (RIBEIRO, 2011). Entretanto, baseado no
que foi exposto, a Copa tem sim um lado e não está livre de viés político. A obra está alinhada
com um imaginário presentista, consumista e de mercado.

Considerações Finais

Em 2007, escolhida como cidade-sede da Copa do Mundo FIFA, novamente um


discurso de modernização recaiu sobre a cidade de Belo Horizonte. Quando o país foi escolhido
como sede do megaevento, o estádio moderno passou a ser reconhecido, aos poucos, pelos
jornais, como o velho Mineirão, que precisaria passar por um processo de modernização.
151

Para Hartog (2013), um regime de historicidade é apenas uma maneira de engrenar


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passado, presente e futuro de um determinado tempo, ou melhor, a proposta é que existe em


cada contexto temporal e/ou local, um presente específico. Dessa forma, o desenvolvimento do

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presente artigo possibilitou uma análise de como a reforma do Mineirão e, em certa medida, da
cidade de Belo Horizonte, foram percebidas dentro de seu tempo pelos jornais da capital
mineira.
A partir da análise dos jornais, podemos perceber uma articulação no imaginário que se
aproxima ao regime presentista proposto por Hartog. Ao longo dos anos da reforma de
preparação para a Copa do Mundo FIFA 2014, os jornais detalharam diariamente aspectos de
como o novo estádio seria após a abertura. As descrições, em grande medida, apontavam para
um velho estádio que havia fechado as portas para dar lugar a uma arena moderna com grandes
características de um não-lugar. A arena reforçaria a ideia de um espetáculo que precisa ser
apreciado individualmente, se tornando um espaço de consumo, rompendo com as tradições de
torcida coletiva.
Dessa forma, percebe-se que o Mineirão, no imaginário dos jornais, está, em grande
medida, ligado ao regime de historicidade presentista, pois sua nova configuração preza pelo
ganho imediato em cima de um bem público. Tal perspectiva não é necessariamente boa ou
ruim, pois é preciso ser sustentável para continuar funcionando, a questão aqui é perceber quais
são os significados das ações no contexto estudado.
Entretanto, o Mineirão é uma arquitetura com mais de 50 anos de idade. Várias formas
de apropriação ocorreram ao longo do tempo. Apropriações que se chocaram com o Novo
Mineirão, aberto em 2013. Nesse sentido, uma pesquisa oral com torcedores, que frequentavam
o estádio antes da reforma e não vão mais, ou torcedores que iam e continuam indo, ou
torcedores que só conhecem o novo Mineirão, poderia render um rico estudo sobre como o
estádio é percebido.

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VETOR Norte de BH é a bola da vez do mercado imobiliário: áreas livres e projetos de infraestrutura feitos pelo estado
incentivam empreendimento. O Estado de Minas, Belo Horizonte, ano 2012, 10 de dez. de 2012. (caderno economia).
Disponível em: <https://estadodeminas.lugarcerto.com.br/app/noticia/noticias/2012/12/10/interna_noticias,46772/vetor-norte-
de-bh-e-a-bola-da-vez-do-mercado-imobiliario.shtml>. Acesso em: 15 de abr. de 2020.

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ENTRE A INTEGRAÇÃO E A FRAGMENTAÇÃO: um


olhar para a relação entre Sabará e Belo Horizonte

Between integration and fragmentation: a view at the relationship


between Sabará and Belo Horizonte

Ana Lídia de Paula Santos1*

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o processo de integração de Sabará à Região Metropolitana e
sua relação com o espaço da metrópole Belo Horizonte, perpassando por discussões no que diz respeito à
compreensão das novas conformações da vida em Sabará, que ultrapassam os seus limites oficiais. Para
melhor compreender o recorte escolhido, a pesquisa buscará investigar a transformação de Sabará frente ao
processo de crescimento das regiões metropolitanas, realidade recorrente em todo Brasil. Devido à
quantidade de estudos no âmbito da fragmentação e novas configurações do espaço urbano, e como esse
fenômeno também se aplica ao recorte espacial escolhido, buscar-se-á realizar uma revisão de literatura
sobre a temática da metropolização e suas repercussões. Os conceitos de integração e fragmentação
conduzirão a discussão a fim de compreender como se aplicam à relação Sabará-Belo Horizonte.
Palavras-chave: Metropolização. Região Metropolitana. Sabará.

Abstract: The objective of this article is to analyze the process of integration of Sabará to the Metropolitan
Region and its relationship with the space of the metropolis Belo Horizonte, passing through discussions
regarding the understanding of the new conformations of life in Sabará, which go beyond its official limits.
To better understand the chosen subject, the research will seek to investigate the transformation of Sabará
regading the growth process of metropolitan regions, a recurrent reality in Brazil. Due to the amount of
studies in the scope of fragmentation and new configurations of urban space, and as this phenomenon is
also applied to the chosen space, we will seek to carry out a literature review on the theme of
metropolization and its repercussions. The concepts of integration and fragmentation will lead the
discussion in order to understand how they apply to the Sabará-Belo Horizonte relationship.
Keywords: Metropolization. Metropolitan Region. Sabara.

Introdução

Este artigo tem como objetivo promover discussões acerca da integração e da


fragmentação, resultantes do processo de urbanização. Com o crescimento das metrópoles
as relações socioespaciais se tornaram mais complexas, extrapolando o modelo
155

dicotômico centro-periferia. Dessa forma, cria-se a necessidade de uma ampliação


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1*
Bolsista CNPq, Mestranda em Ciências Sociais pela PUC Minas e Licenciada em História pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: alidiaps@gmail.com

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conceitual no campo dos estudos urbanos. É preciso reconhecer que grande parte das
cidades latino-americanas, devido ao processo parecido de industrialização, possuem
fortes semelhanças e pontos de congruência, contudo, uma análise de caso se faz de
extrema necessidade para compreender os diferentes reflexos que a urbanização é capaz
de produzir.

O presente artigo é uma parte da pesquisa de mestrado que vem sendo


desenvolvida no Programa de Pós graduação em Ciências Sociais da PUC Minas,
pertencente à linha de pesquisa Cultura, identidades e modos de vida. Essa pesquisa busca
compreender as relações entre história e lugar na cidade de Sabará, bem como a
reorganização desta cidade e entender até que ponto a influência da metrópole em seus
arredores se faz crucial para o desenvolvimento da cidade. Além disso, a existência de
estudos sobre os impactos da metropolização sobre cidades como Brumadinho, Nova
Lima, que pertencem à Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foi também
motivação para investigar como esse processo ocorreu no município de Sabará, visto que
os dois primeiros citados passaram recentemente a abrigar novos condomínios de médio
e alto padrão, enquanto Sabará é marcada historicamente pelo processo de periferização.
É necessário frisar que o artigo tem maior foco na discussão dos conceitos do que
apresentar resultados conclusivos, visto que o campo é bastante vasto e os debates
conceituais são os principais objetivos dessa investigação, elencando os estudos para
tratar de suas metodologias e construção conceitual.

O recorte escolhido tem o objetivo de compreender de que forma o processo de


fragmentação e integração se manifesta no espaço de Sabará e Belo Horizonte. Para isso,
foi adotada a metodologia de revisão bibliográfica acerca dos conceitos abordados em
território brasileiro, com enfoque nas metrópoles cujas características se aproximam a
Belo Horizonte. Então, para elencar as obras que serão discutidas nesse artigo, utilizou-
se a Biblioteca Digital do Observatório das Metrópoles, onde se encontram pesquisas de
relevância sobre a temática central deste estudo, buscando pelas palavras-chave
“integração” e “fragmentação”. Para discutir sobre a integração, os debates propostos na
obra “Níveis de integração dos municípios brasileiros em Regiões Metropolitanas, Região
156

Integrada de Desenvolvimento e Arranjos Urbanos (RMs, RIDEs e Aus) à dinâmica da


metropolização” (RIBEIRO, 2014) serão um importante ponto de partida para entender
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como o conceito se aplica na realidade das metrópoles brasileiras e quais as novas


conformações do espaço urbano. Para discutir sobre fragmentação, utilizar-se-á as
definições elencadas por Chetry (2014), que traz para o centro do debate a multiplicidade
desse conceito e suas aplicações para a classificação do território como um espaço social,
e seus desafios para a construção de uma política capaz de atender as demandas das
cidades.
É importante destacar que os fenômenos da integração e da fragmentação nesse
estudo não serão considerados interdependentes, mas elementos coexistentes no que diz
respeito à relação entre metrópole e região metropolitana. Há possibilidade de se enxergar
novos arranjos criados ao longo dos anos e com o vertiginoso crescimento urbano, que
devido a suas múltiplas facetas, acaba por dificultar uma conceituação precisa. Além dos
conceitos debatidos a partir das referências bibliográficas, serão utilizados os estudos
produzidos pelo Observatório das Metrópoles sobre a cooperação das Regiões
Metropolitanas. Destacam-se duas publicações, “Como andam as Regiões
Metropolitanas: Como anda Belo Horizonte” (2008) e “Belo Horizonte: Transformações
na ordem urbana (2015)”, que abarcam estudos sobre as cidades que integram a Região
Metropolitana e discutem os últimos dados censitários (2000 e 2010).

Antes de adentrar o recorte temático, é preciso explicitar o conceito de


fragmentação que guiará esse debate, elaborado por Salgueiro (1998), embora esse
fenômeno se expresse em múltiplos campos, aqui será abarcado exclusivamente no
âmbito espacial:

Entendemos por fragmentação uma organização territorial marcada pela


existência de enclaves territoriais distintos e sem continuidade com a estrutura
socioespacial que os cerca. A fragmentação traduz o aumento intenso da
diferenciação e a existência de rupturas entre os vários grupos sociais,
organizações e território. (SALGUEIRO, 1998, p.38).

O processo de fragmentação extrapola o padrão de segregação centro-periferia, no


centro há a concentração das atividades econômicas alocando as classes média e alta,
enquanto a periferia é marcada pelo empobrecimento e precariedades de recursos. O
surgimento de uma nova cidade, marcada por fronteiras simbólicas, não é vista no aspecto
da totalidade, mas como uma organização extremamente complexa e em constante
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transformação. Milton Santos (1993) enxerga a origem da fragmentação sob a ótica da


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globalização e intensificação da divisão do trabalho, onde a totalidade dá origem a um

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“outro”, que por sua vez não deixa de estar integrado ao todo e, somada a essa percepção,
a discussão feita por Chetry (2014) evidencia que esse processo no âmbito espacial é
como uma “fratura” incapaz de ser resolvida.

O processo de integração é também um dos reflexos da metropolização em


estágios bastante avançados, aproximação das cidades, formando uma rede conectada
interdependente, construindo polos que exercem maior importância econômica, política
e social. Para analisar e mensurar esse processo são considerados fatores como
mobilidade, ocupação territorial, população, grau de urbanização. Assim, os espaços são
classificados de acordo com uma hierarquia, quanto mais expressivos os fatores citados,

maior influência é exercida. O Registro de Influência das Cidades (Regic)2 realiza um


trabalho de levantamento das informações com o propósito de analisar a rede urbana
brasileira e identificar quais cidades desempenham centralidade e a construção da
hierarquização dos espaços.

Este artigo está dividido em três partes, primeiramente será discutida a formação
das metrópoles e suas relações socioespaciais, pontos fundamentais que irão conduzir ao
conceito de fragmentação e integração e como estão relacionados ao processo de
intensificação urbana e metropolização. Num segundo momento, será abordado o caso de
Sabará e Belo Horizonte, e como os processos de fragmentação e integração se fazem
presentes a partir do crescimento da capital mineira, além de buscar entender a formação
de novas conexões entre as cidades, que extrapolam os limites físicos. Por fim, uma
conclusão para elencar os pontos de interseção dessas teorias debatidas com o caso da
cidade de Sabará e Belo Horizonte.

A modificação das metrópoles brasileiras e suas integrações


Tratar sobre o assunto urbanização no contexto das cidades brasileiras requer um
cuidado, visto que em um mesmo espaço podem ser encontradas múltiplas facetas. É
importante realçar também o processo de formação das cidades não como uma maneira
de explicação pragmática da atualidade sem ignorar as consequências da organização
158
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2
Aqui utilizo o da publicação mais recente, datada de 2018.

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colonial3, mas para compreender a construção da dinâmica urbana atual, como Gorelik
diz, as cidades latino-americanas são “realidades construídas” (2005, p.112).
O processo de crescimento das cidades brasileiras e a intensificação da
urbanização nesse território após a década de 1950 se deu a partir dos interesses dos países
ditos como desenvolvidos, que enxergavam potencial de firmar uma zona produtiva em
algumas cidades, devido à oferta de matéria-prima e mão de obra abundantes4. Contudo,
a questão da permanência do fator desigualdade é um dos alvos do debate, visto que o
processo de urbanização nos países de capitalismo periférico não ocorreu de forma
homogênea, assim essa questão se tornou um problema evidente à medida que a
população abandona os campos em direção às cidades. O crescimento rápido, intenso e
muitas vezes desordenado, contribui fortemente para a obtenção do modelo de
urbanização que temos. No caso do Brasil, é perceptível através dos dados estatísticos a
acentuação dos espaços periféricos em grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo
e Belo Horizonte, e como essas localidades trazem à tona a desigualdade socioeconômica.
A explosão rápida dessas cidades acaba por gerar um inchaço das metrópoles, que
concentram serviços e maiores oportunidades, tendo como resultado um grande déficit,
seja de moradia, de acesso a serviços, de empregos, desencadeando os subempregos
(principalmente no setor do comércio informal), aglomerações e a marginalização desses
sujeitos. De acordo com Castells (2001) esse desequilíbrio urbano tem como uma das
consequências a falta de serviço para todos, fato que mais uma vez contribui para a piora
da desigualdade. Além disso, a intensificação da modernização das cidades traz à tona a
discussão em torno do agravamento das disparidades sociais, como Gorelik levanta:
“Como acelerar a urbanização sem exacerbar os problemas que estão associados ao
crescimento urbano?” (2005, p. 119). O autor ressalta a questão da necessidade dos
estudos sociológicos para que a expansão econômica não se fundasse sobre grande
sofrimento humano, mas que fossem construídos planos para lidar com essa questão.
Um dos desdobramentos dessa problemática nas cidades brasileiras é a tendência
de crescimento do espaço metropolitano. Há uma transformação nos arranjos das cidades,

3
Castells ressalta a importância de considerar o processo de colonização ibérica pelo qual os países latinos
159

passaram longos séculos, sendo inegável que boa parte dos problemas atuais são resquícios desse contexto.
Além disso, o modelo de cidade e suas funcionalidades já eram existentes nas circunstâncias coloniais,
Página

além da permanência das centralidades.


4
Para Lefebvre (2001), questões como oferta de mão de obra, matéria-prima, proximidade a recursos
hídricos e fontes energéticas, tiveram papel decisivo para a expansão industrial.

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aumentando o grau de conexão entre elas, questão que será retomada posteriormente
nessa discussão. O grau de dependência entre metrópole e cidades menores é algo
recorrente e, no caso do Brasil, essa dinâmica ganhou tamanha complexidade a ponto de
cunhar novos conceitos acerca da disposição do espaço urbano.5

Passando para a análise do caso brasileiro, o processo de urbanização ocorre com


maior expressão durante os anos de 1940 e 1980, sobre o qual o geógrafo Milton Santos
(1993), ao tratar do processo de urbanização brasileiro, mostra que a população urbana
triplicou durante esses quarenta anos e, junto a isso (que pode ser visto também como um
reflexo), o PIB brasileiro se encontrava em ascensão. No entanto, a melhora econômica
do país não impactou as camadas menos privilegiadas da sociedade, que permanecem
invisibilizadas e à margem das políticas sociais que buscam equidade social, sendo a
desigualdade um grave problema das metrópoles (Maricato, 2000). Após 1980, o declínio
econômico evidenciou a exclusão social que persiste na organização urbana brasileira,
problemas sociais como a expansão das condições precárias de habitação, desemprego,
aumento da violência, passaram a crescer vertiginosamente após o adensamento das
grandes cidades. Sobre a questão habitacional, Maricato (2000) ressalta que o Sistema
Financeiro de Habitação, criado durante a ditadura militar, não combateu as atividades de
especulação, mantendo as classes médias no centro e direcionando a população de baixa
renda a ocupar locais afastados e sem infraestrutura planejada com a construção dos
Conjuntos Habitacionais populares e a expansão das ocupações irregulares.

O crescimento intenso e acelerado das metrópoles desencadeou também o


aumento das cidades que se avizinham, formando as regiões metropolitanas6, assim, as
relações de proximidade transformam não só espaço físico, mas a dinâmica de troca entre
essas localidades, abarcando um fluxo econômico, trânsito de pessoas e,

5
Para explicar melhor a questão dos espaços metropolitanos e seus arranjos, retomarei mais adiante a
ideia de arranjos urbanos discutida na pesquisa feita por Rosa Moura (2009).
6
Apresento o conceito de Região Metropolitana a que me refiro, publicado pelo Observatório das
Metrópoles: “Corresponde a uma porção definida institucionalmente, como, no Brasil, as nove RMs
institucionalizadas pela Lei 14 e 20/73 ou as atuais definidas pelas legislações dos estados brasileiros, com
finalidade, composição e limites determinados. A absorção legal do termo “região metropolitana” e a
160

materialização da faculdade constitucional de forma indiscriminada, esvaziou de conteúdo o conceito


consagrado de região metropolitana na sua correspondência ao fato metropolitano. A Constituição de 1988
também incorpora a categoria “aglomerações urbanas” sem tornar preciso o conceito. Apenas sugere que
Página

corresponde a uma figura regional diferente da região metropolitana, podendo-se inferir, portanto, que não
tenha o polo na posição hierárquica de metrópole.” (PONTES; PEDREIRA, 2008, p.30)

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consequentemente, desencadeando intercâmbios sociais. A pesquisa desenvolvida por


Moura (2009) discute essa nova ordenação do espaço, abordando o conceito de arranjo
urbano-regional:

São arranjos concentradores de população, com relevância econômico-social e


na infraestrutura científico-tecnológica, elevada densidade urbana e forte
articulação regional, e extrema complexidade, devido à multiplicidade de
fluxos multidirecionais de pessoas, mercadorias, finanças e de relações de
poder, que se materializam em seu interior. (MOURA, 2009, p. 26)

Essa forma de organização é vista como um produto de uma transformação de


ordem econômica, causada pela divisão do trabalho, assim os centros urbanos abrigam
grande parte das atividades laborais e, consequentemente, atraem maior fluxo de pessoas.
Dessa maneira, são constituídas áreas de integração entre as localidades, condições
propícias à expansão territorial de tal maneira que impossibilita a distinção dos limites
municipais. Conforme Moura (2009), o processo de desenvolvimento econômico
brasileiro, no âmbito urbano, foi responsável por desencadear profundas mudanças na
dinâmica metropolitana e a integração entre as cidades, reafirmando a questão centro e
periferia, na qual os municípios mais distantes dos centros acabam por se tornar “cidades-
dormitório”, constatando a dependência das que possuem menor recurso para a
movimentação do capital, considerados municípios de baixa arrecadação.

As cidades próximas aos polos metropolitanos passaram por um intenso processo


de crescimento populacional, visto que os custos para adquirir um imóvel são mais baixos.
Somado a isso, o fluxo intenso entre as diversas cidades e a metrópole favoreceram o
movimento de expansão territorial, tornando recorrente a migração pendular, devido à
boa parte da população economicamente ativa desenvolver suas atividades econômicas
nos polos. Uma das consequências da formação de novo arranjo urbano-regional são os
entraves encontrados pela governança municipal, principalmente em localidades mais
limítrofes. Por conta da dificuldade em identificar os limites municipais, as
administrações muitas vezes travam embates para solucionar problemas e pensar políticas
públicas que alcancem as zonas de fronteira.
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O processo de metropolização como ponto de partida

O que deve ser destacado na realidade das metrópoles brasileiras é que o aumento
da urbanização não se concretizou como um plano, seguiu desordenado nas cidades, fator
que impacta na transformação do espaço e está diretamente conectado à lógica da
financeirização (RIBEIRO,2018), como uma das reações nos países de capitalismo
periférico, capaz de ressoar no campo econômico e socioespacial. No estudo produzido
pelo Observatório das Metrópoles acerca das integrações dos municípios brasileiros,
destaca-se a seguinte consideração:

A metropolização está ligada ao processo de urbanização, capaz de gerar


dinâmicas territoriais de concentração e difusão dos artefatos econômicos,
políticos, sociais e culturais em determinados aglomerados metropolitanos.
(RIBEIRO, 2012, p. 2)

A expansão da urbanização das cidades que se tornaram metrópoles pode ser


interpretada como um desdobramento da concentração de renda, local onde circula maior
quantidade de capital, consequentemente engloba grande parte de recursos, visto que
concentra serviços e bens, produzindo assim reflexos sociais e espaciais. Assim, a
segregação passa a fazer parte da rotina dessas cidades, os espaços centrais se tornam
mais valorizados por estarem próximos aos serviços ofertados pela metrópole. Nesse
sentido, grande parte dos indivíduos responsáveis por manter a metrópole em pleno
funcionamento residem em um espaço distante de onde está localizado seu trabalho.

A partir dessa realidade, a hierarquização dos espaços se faz presente e impacta


diretamente no âmbito social, onde fronteiras simbólicas se tornam nítidas. A hierarquia
entre os espaços foi construída conforme fatores como a concentração populacional, a
relevância socioeconômica, ofertas a uma grande diversidade de serviços, assim,
conectando outras cidades, criando uma rede complexa, convergindo os fluxos para o
centro, que é uma referência. A metrópole ocupa o papel de destaque, construindo um elo
entre as cidades circundantes e, nessa rede formada, as que possuem menor expressão
econômica e populacional, desempenham menor influência, ocupando camadas mais
baixas dessa hierarquia. Sob essa ótica a fragmentação se torna ainda mais evidente como
162

um processo e desdobramento de uma cadeia complexa possível de ser vista em múltiplos


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campos da sociedade, espacial, governamental, identitário. Contudo, o presente artigo


aborda apenas a fragmentação socioespacial.

A partir das colocações feitas para o contexto espacial e temporal que este artigo
trata, deve-se ressaltar que ser parte da região metropolitana implica ter considerável
densidade populacional e estar próxima à metrópole espacialmente e em fluxo de pessoas,
além de retroalimentar uma relação de dependência entre algumas das cidades
pertencentes a essa estrutura, principalmente as que possuem alta integração com a
capital. O estudo apresentado por Cano (2011) traz uma importante reflexão sobre os
efeitos do crescimento das cidades e a dinâmica financeira associada à alocação da
população de acordo com sua renda. Belo Horizonte é uma das cidades que foi marcada
pelo crescimento acelerado e pela segregação espacial desenvolvida ao longo dos anos,
dessa forma a urbanização promoveu, gradativamente, o afastamento da população de
baixa renda dos centros urbanos, e a especulação imobiliária se tornou recorrente pela
facilidade de acesso a serviços que esses espaços oferecem. Dessa maneira, as cidades
próximas aos centros econômicos e de serviços tornam uma opção mais viável para os
indivíduos que se encaixam como operário, operário-popular e popular, visto que
oferecem um custo de manutenção menor do que residir nas proximidades do local de
trabalho/estudo.
Embora boa parte das relações de intercâmbio social entre as cidades vizinhas de
Belo Horizonte já existissem, a região metropolitana só foi criada institucionalmente no
ano de 1973 através da lei complementar número 14, que considerou as cidades de Betim,
Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão
das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano, como parte integrante dessa
conformação. Então, compreende-se que a metrópole de Belo Horizonte passa a ser uma
cidade capital que ocupa um espaço de influência para além de sua limitação geográfica.
Como o estudo de Geddes (apud FREITAS-FIRKOWSKI, 2020) sugere, a
metropolização do espaço ocasiona a expansão em uma grande mancha urbana que
tratamos como conurbação. Assim, ao analisar a ocupação do espaço, é difícil distinguir
onde começa ou termina uma cidade, fenômeno que caracteriza as metrópoles.
163

Em uma breve contextualização histórica é possível identificar a relação de


proximidade entre Sabará e Belo Horizonte que se intensificou ao longo dos anos. A
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cidade de Sabará, fundada como Villa Real em 1710, foi uma das mais relevantes

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comarcas exercendo centralidade político-administrativa durante o século XVIII e


conserva até hoje traços do período colonial, com um centro histórico preservado. Barreto
(1996) narra em sua obra sobre a história da capital mineira importantes ocorridos que
revelam a aproximação entre Curral Del Rey e Sabará, em 1702 já havia uma estrada a
conectar as atuais cidades (que à época eram respectivamente arraial e vila), usada
inclusive para abastecer a cidade de Sabará, fluxo que posteriormente se tornou mais
intenso durante meados do século XX com a construção das linhas férreas, importante
ponto de escoamento de mercadorias e trânsito de pessoas. Teixeira e Souza (2003)
afirmam que desde a inauguração, a moderna Belo Horizonte desempenha um papel
metropolitano e as primeiras relações de proximidades foram firmadas a partir de uma
rede rodo-ferroviária, assim, a região metropolitana foi inicialmente constituída por
cidades como Sabará, Santa Luzia, Caeté. Por ser uma cidade planejada, Belo Horizonte
foi regulada por legislações que prezavam pelo ordenamento espacial, e buscou afastar as
periferias do centro, delimitar áreas agrícolas, industriais e definir o subúrbio. Assim, em
1908 o estado de Minas Gerais criou o primeiro loteamento próximo à divisa entre Sabará
e Belo Horizonte, no bairro General Carneiro, que sempre apresentou características de
periferização. A partir dos anos de 1970, o crescimento das cidades da região
metropolitana se acelera e o fenômeno da conurbação se torna recorrente em quase todos
os limites da capital, em intensidades diferentes. O crescimento dessas áreas está
diretamente ligado a questões econômicas e grau de dependências.
Pertencente à RMBH desde a criação da lei em 1973, Sabará é uma das cidades
mais próximas a Belo Horizonte, localizada a 17 km, 48% de sua população praticam o
movimento pendular, sendo em sua maioria em direção à capital mineira, uma das taxas
mais elevadas se comparadas aos demais municípios integrantes. A partir desses dados
citados, é clara a dependência entre as duas cidades, elevando a integração para além dos
espaços físicos limítrofes, mas para a dinâmica das relações socioeconômicas. A figura
abaixo, construída a partir dos dados censitários de 2010, ilustra a taxa líquida de
migração e pendularidade, que corresponde ao número de pessoas que diariamente se
deslocam para outras cidades a fim de trabalhar e/ou estudar e retornam ao seu município
de origem no fim do dia. Percebe-se que Sabará, cuja área está circulada na figura abaixo,
164

atinge os maiores níveis das taxas citadas, mais alto dentre a classificação das cidades
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pertencentes à RMBH, variando de -59,4 a -48,9:

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Figura 1 – Taxa líquida de migração metropolitana e taxa de pendularidade por população


ocupado por município da RMBH - 2010.

Fonte: DINIZ; ALVIM, 2019

Em uma amostra feita pelo Censo de 2010 de pessoas com mais de 10 anos,
ocupadas na semana de referência, revela que no município de Sabará 33.594 pessoas se
deslocam para outro município para trabalhar, enquanto 24.779 trabalham e residem na
mesma cidade. Além disso, a pesquisa mostra a seção das atividades7, sendo as mais
recorrentes entre os que praticam movimento pendular as seguintes: comércio, reparação
de veículos automotores e motocicletas, construção e serviços domésticos, já entre os que
residem e trabalham em Sabará, as maiores seções de atividades são: comércio, reparação
de veículos automotores e motocicletas, indústria de transformação e serviços
domésticos. Esses dados são essenciais para o conhecimento do perfil dos trabalhadores
do município, de acordo com os estudos do Observatório das Metrópoles, Sabará se
encaixa como um município operário e operário popular de acordo com suas
características socioespaciais, além de ser considerado no período entre 1980 a 1991
165

como espaço marcado pela proletarização e popularização. De acordo com o IBGE, os


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Setor produtivo ocupado pelo trabalhador e qual a função desempenhada. Definição construída pelo
Censo de 2010.

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dados mais recentes (2015) constatam que 71,5% da receita municipal são de origem
externa, ponto que pode ser associado à dependência econômica para com a metrópole
devido à baixa geração de empregos, oportunidades de estudos e acesso a serviços mais
especializados. No entanto, esses ocorridos não são exclusivos da relação Sabará-Belo
Horizonte, sendo recorrentes em ambientes metropolitanos, considerados como reflexo
da centralidade exercida pela metrópole, fato já tratado ao longo deste artigo.

Figura 2 – Nível de integração metropolitana dos municípios da RMBH - 2010

Fonte: ANDRADE; DINIZ (2015)

A proximidade entre Sabará e Belo Horizonte é um ponto importante para


compreender o processo de integração entre essas cidades, visto que a facilidade das vias
que ligam as cidades e, posteriormente, a ampliação da oferta de transporte público para
atender os que efetuam o movimento pendular, contribuíram para que fosse considerado
166

como um município de alta integração pelo censo de 2000 e mantendo essa aproximação
também no censo de 2010, como a figura 2 ilustra. A intensificação desse processo e a
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aproximação das cidades em questão podem ser lidas como reflexo do processo de

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dependência. Sabará não abriga nenhuma estrutura produtiva de grande expressão para a
região e, ao compararmos as taxas de movimento pendular, o número de entrada é
bastante inferior ao de saída, tendência recorrente nas cidades da região metropolitana e
que não exercem influência.

Considerações finais

O espaço da metrópole e seus arredores estão em constante transformação e ao


longo dos anos as interrelações entre os municípios mais próximos à metrópole
intensificaram a dinâmica de trânsito populacional, uma das resultantes é o processo de
conurbação e inchaço das regiões metropolitanas como um todo. No contexto espacial
em que este presente artigo se dispôs a analisar, é inegável que as cidades de Belo
Horizonte e Sabará são territórios altamente integrados por conta do fluxo de pessoas,
renda, serviços e outros fatores elencados ao longo de texto, que demonstram o grau de
dependência da metrópole para a manutenção de renda de grande parte da população
economicamente ativa de Sabará.
É notório que a integração desses municípios coexiste com a fragmentação
espacial, mas com menor nitidez se comparado aos casos de cidades pertencentes à
RMBH, que passaram a abrigar nos últimos dez anos novas classes que optaram em viver
em enclaves fortificados, como o caso de Nova Lima e parte de Brumadinho. De acordo
com a Prefeitura de Sabará, os bairros localizados na divisão municipal são marcados pela
desigualdade e a constante expansão territorial. Embora esses bairros tenham perfil
parecido com os bairros da capital que ali fazem limite, recebem menores recursos
aplicados em infraestrutura, saúde e educação, reflexos diretamente ligados à
disponibilidade de investimentos dos municípios. Aqui apresenta-se um grande desafio
para as governanças municipais. O que chama atenção no caso de Sabará é o fato de que
em meio a essas transformações socioespaciais causadas pelo processo de
metropolização, a cidade mantém simultaneamente um centro histórico setecentista
preservado com grande potencial turístico, mas que, por hora, não é expressivo para a
economia local.
167

Portanto, compreende-se que devido à proximidade geográfica entre as cidades de


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Sabará e Belo Horizonte, a relação entre esses espaços antecede a consolidação da área

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metropolitana, a integração é considerada como alta de acordo com seu arranjo


populacional, assim o processo de conurbação ocorreu ao longo da intensificação dessas
relações de confinidade e dependência. É interessante ressaltar que o município de Sabará
não possui crescimento uniforme de seus limites territoriais e sofre seu processo de
conurbação de forma mais intensa nas áreas de divisa com a capital mineira. As reflexões
abordadas neste texto levam a compreender as particularidades dessa cidade e a
transformação do perfil de Sabará e sua relação com a metrópole Belo Horizonte,
demonstrando heterogeneidade dos impactos da metropolização.

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BH: cidade censurada

BH: censored city

Reynaldo Luiz Calvo1*,


em fevereiro de 1995 (in memoria)

Júlia Calvo2**,
em março de 2020

RESUMO: Esse é um texto escrito em dois tempos e a quatro mãos. O texto em si, que originou este artigo
é um manuscrito escrito pelo meu pai, falecido em 2018. A apresentação é minha, escrita em 2020. Em
novembro de 1994, Belo Horizonte passou por uma política patrimonial muito agressiva: tombou ao mesmo
tempo toda a região do hipercentro incluída como Conjunto Urbano Avenida Afonso Pena – Rua da Bahia
e Adjacências. Casas, palacetes, edifícios residenciais e comerciais, praças e outros equipamentos foram
deliberados para uma política de tombamento. No texto B.H. – Cidade Censurada, Reynaldo Calvo,
arquiteto e cidadão, reflete sobre a cidade e suas transformações e sobre a relação da cidade com o passado,
trazendo contribuições sobre as diretrizes de patrimônio e de cultura no mundo contemporâneo e em Belo
Horizonte.

Palavras-chave: Belo Horizonte. Área Central. Tombamento. Políticas de Patrimonialização.

ABSTRACT: This was written twice and by four hands. The text itself, which was the origin for this
article, is a manuscript written by my father, who died in 2018. The presentation is mine, written in 2020.
In november 1994, Belo Horizonte underwent a very aggressive patrimonial policy: at the same time, the
entire hyper-center region, including the Afonso Pena avenue – Rua da Bahia Urban Complex and its
surroundings with their houses, mansions, residential and comercial buildings, squares and other equipment
were deliberated for a heritage policy. In the text BH – Censored City, Reynaldo Luiz Calvo, architect and
Citizen, reflects on the city, its transformations and relationship with the past, which effectively contributes
to the guidelines of heritage and culture preservation in the contemporary world and in Belo Horizonte.

Keywords: Belo Horizonte. Central Areas. Listing. Patrimonialization Policies.

170

1
*Arquiteto premiado pelo IAB-MG em 1966 com projeto de Escola pública e no Concurso de projetos da
CARPE/IAB-MG de 1981. Graduado em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1964.
Foi presidente do IAB-MG, da UIBH e do IHIM. Falecido em 2018.
Página

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**Graduada em História e Doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas e professora do Departamento
de História da PUC Minas. E-mail: juliacalvo1@gmail.com

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Apresentação

Esse texto BH – Cidade Censurada, nunca foi publicado. Foi descoberto pela
minha mãe, após o falecimento do meu pai no final de 2018, como um manuscrito ainda
datilografado e com destaques, correções e alterações. Nele, o arquiteto e o cidadão, faz
uma crítica aberta à política patrimonial que levou ao tombamento dos edifícios da área
central, da cidade de Belo Horizonte, em 1994, com a criação da Diretoria de
Patrimônio Cultural.

Suas críticas se referem ao Conjunto Urbano Avenida Afonso Pena – Rua da


Bahia e Adjacências, tombado compulsoriamente em novembro de 1994 que reúne, além
de edifícios e casas, a Praça Rio Branco, o Terminal Rodoviário Governador Israel
Pinheiro e a Antiga Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária, todos tombados
conforme Deliberação 03/94 (por meio dos processos 01.059218.95.78, apenso ao
processo 01.059220.9510 - Bens culturais com tombamento específico: Rodoviária -
Praça Rio Branco (fachadas e volume); Hotel Vitória – Rua 21 de Abril, 202 / 230
(fachadas e volume); Edifício Mauro Queiroz (Centro dos Chauffers) – Rua Acre, 107
(fachadas e volume); Hotel Madrid – Rua dos Guaranis, 12 (fachadas e volume);
Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária – Praça Rio Branco, 56 (fachadas e
volume); Camisaria Cadillac – Avenida Afonso Pena, 385, e Rua São Paulo, 380
(fachadas e volume); Edifício São Paulo – Rua São Paulo, 387 (fachadas e volume);
Edifício Thibau – Rua São Paulo, 401 (fachada e volume); Edifício Sarandy – Rua dos
Tupinambás, 498 (fachada e volume); Edifício Santa Tereza – Hotel São Miguel – Rua
dos Tupinambás, 643 (fachada); Rua dos Tupinambás, 597 / 605 (fachada e volume);
Edifício Ibaté – Rua São Paulo, 498 (fachadas e volume); Avenida Afonso Pena, 505 /
525 (fachadas e volume); Agência do Banco do Progresso – Avenida Afonso Pena, 529
(altimetria); Avenida Afonso Pena, 541 / 549 (fachada e volume); Avenida Afonso Pena,
551 / 565 (fachada e volume); Edifício Mariana – Avenida Afonso Pena, 526 (fachadas);
Hotel Estoril (Antigo Hotel Cecília) – Rua dos Carijós, 454 (fachadas e volume); Edifício
Lutétia – Rua São Paulo, 679 (fachadas e volume); Agência do BEMGE – Banco do
171

Estado de Minas Gerais – Avenida Amazonas, 478 (fachadas e volume); Avenida


Amazonas, 287 (fachada e volume); Cine Brasil - Avenida Amazonas, 333 (integral)
Página

(tombamento de uso: atividades artítico-culturais); Edifício Cruzeiro – Avenida Afonso

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Pena, 774 (fachada e volume); Agência do UNIBANCO – Avenida Afonso Pena, 737
(fachada e volume); Avenida Afonso Pena, 749 (volume); Lojas Hamiltom – Avenida
Afonso Pena, 771 (volume); Edifício Acaiaca – Avenida Afonso Pena, 867 (fachadas);
Rua Espírito Santo, 757 (fachadas e volume); Igreja Metodista do Brasil – Rua Tupis, 51
(fachada e volume); Edifício Parc Royal – Rua da Bahia, 902 (fachadas e volume); Hotel
Metrópole – Rua da Bahia, 1025 (fachadas e volume); Rua Goiás, 60 (fachada e volume);
Museu de Mineralogia Djalma Guimarães – Rua da Bahia, 1149 (fachadas e volume);
Rua da Bahia, 1155 (fachadas e volume); Clube de Belo Horizonte (Sociedade Recreativa
de Minas Caixa) - Rua da Bahia, 1201 (fachadas e volume); Pizzaria Giovani – Avenida
Afonso Pena, 1124 (fachada e volume); Avenida Afonso Pena, 1156 (fachada e volume);
Museu do Telefone – Avenida Afonso Pena, 1180 (fachada e volume); Correios e
Telégrafos – Avenida Afonso Pena, 1270 (fachadas e volume); Edifício sede do
Automóvel Clube – Avenida Afonso Pena, 1394 (fachadas e volume); Tribunal de Justiça
Rodrigues Alves – Avenida Afonso Pena, 1420 (fachadas e volume); Secretaria do
Tribunal de Justiça (antigo Fórum) – Rua Goiás, 229 (fachada e volume); Conservatório
Mineiro de Música – Avenida Afonso Pena, 1534 (fachada e volume); Palácio das Artes
– Avenida Afonso Pena, 1537 (fachadas e volume); Teatro Francisco Nunes (fachadas e
volume); Abrigo de Bondes Santa Tereza (integral) 3
Reynaldo Luiz Calvo é arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura da
UFMG. Suas digitais e concepções estão espalhadas por Belo Horizonte de muitas formas
e em diferentes tempos. Além de projetos residenciais e obras estruturais e prédios
públicos como a Câmara Municipal de Belo Horizonte, a adequação do terminal de
passageiros do Aeroporto da Pampulha, o Hospital Belvedere. Tem histórico de
representação como suplente, secretário e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil,
seccional de Minas Gerais (IAB-MG), Presidente do Instituto Israelita Mineiro (IHIM) e
membro de sua diretoria por muitos anos, Presidente da União Israelita de Belo Horizonte
(UIBH) e membro de sua diretoria por muitos anos. Também foi premiado pelo IAB-MG
em 1966 com projeto de Escola pública e em 1981, com seu escritório, no Concurso de
Projetos da CARPE/IAB-MG (Projeto Escola de Vila).
172

3
Página

Disponível em:https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/politica-
urbana/2018/planejamento-urbano/cca_diretrizes_de_protecao_ao_patrimonio_cultural.pdf. Acesso em:
2021.

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O texto de Reynaldo Luiz Calvo está apresentado na sua integralidade. As poucas


interferências que se fizeram aqui, importante relatar foram, após a transcrição, a
separação de parágrafos e correção dos erros de datilografia. Foram mantidos os grifos,
os destaques e todas as observações que marcam sua vertente literária e que aparecem
entre parênteses ao longo do texto.
Cabe, entretanto, algumas observações. O texto se assenta na discussão entre
memória, lugar de memória, na perspectiva de pensadores que foram tratados pelo autor.
Reynaldo cita, sem preocupação da normatização acadêmica, desde Abílio Barreto, para
a descrição da cidade e sua história, até autores da História da Cidade, da Arquitetura e
das Ciências Sociais como Lewis Munford, Henri Lefebvre, Sylvio de Vasconcellos e
Edgar de Albreguernue Graeff.
Reynaldo transita entre a História da Cidade e das políticas urbanas. Enaltece-se
aqui seu conhecimento amplo e sua experiência com as quais pauta sua reflexão e
argumento. O texto B.H. – Cidade Censurada vai tratar com competência as diretrizes e
regulamentações urbanas, constituindo-se quase também, embora essa não era a
pretensão, numa História das intervenções urbanas na cidade.
Assim, Reynaldo vai conduzindo suas análises sobre o espaço em transformação
e seus sentidos, dialogando com os empreendimentos e as políticas urbanas e patrimoniais
e filosofando sobre os sentidos da memória e as finalidades da preservação patrimonial.
Empreende com lucidez uma reflexão sobre temas da cultura, da memória, da História,
da Cidade de Belo Horizonte, da Gestão Cultural e da patrimonialização.
Torna-se interessante perceber a atualidade do tema e a forma como foi tratado no
manuscrito em que incorpora à discussão patrimonial atual, ampliada a Patrimônio
Cultural desde 1988 (antes era Patrimônio Histórico e Artístico), e as mudanças na
concepção do Patrimônio advindas com a Carta de Atenas (1933), que traduzia as
preocupações com o crescimento urbano no século XX e o Movimento Moderno (na
arquitetura e no urbanismo) que caracterizou-se pela força que recebeu nos regimes
totalitários para preservação dos monumentos.
A Carta de Atenas merece destaque por formular pautas importantes para a
173

preservação, principalmente a defesa das organizações nacionais e internacionais voltadas


à preservação. Essa defesa insistente foi importante para pressionar cada nação a
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assegurar sua legislação de proteção. Reynaldo já discutia, em 1995, as diretrizes atuais

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das políticas culturais de preservação, considerando não o valor histórico e artístico do


bem, mas os sentidos de identidade e memória que o bem recebe da sociedade e
comunidade em que se insere.
Preservar é antes de tudo uma discussão de cidadania e do próprio direito à
memória. É preciso ouvir as comunidades sobre suas interpretações e sentidos
aproximando identidade, memória e lugar.
Com relação aos usos, Reynaldo, mesmo sem conhecer, incorporou a célebre
análise de Pierre Nora com relação aos bens patrimoniais transformarem seus usos e
celebrarem o casamento entre cultura e sociedade. Ele também antecipa uma discussão
de sustentabilidade muito em voga atualmente nas políticas de preservação: a relação
ambiente, constituída na relação com o homem, é preciso ser considerada.
Castriota (2009) analisou as mudanças nas políticas de patrimônio. Antes,
cerceado por uma visão restrita, o papel de decisão era limitado aos arquitetos,
historiadores da arte e intelectuais do IPHAN. Com o processo de redemocratização e as
lutas que o contexto abarcou, os cidadãos passaram a compor o grupo responsável pelas
decisões e pela manutenção do bem. Um bem deve estar assegurado também por sua
comunidade e servir a ela, quando lhe impõe prejuízos, deve ser revisto. O ato do
tombamento e da decisão à conservação do bem é de responsabilidade do Estado, mas os
valores dados aos bens patrimoniais devem ser avalizados e reiterados constantemente
pela sociedade, nos seus dinamismos e variações no tempo e no espaço (FONSECA,
2009).
O tombamento é o último e mais importante registro para preservar o bem, mas
não pode ser vinculado a uma noção de imutabilidade. Deve incorporar a existência de
mudança e transformação e trazendo o foco mais para os sentidos que se atribui ao objeto
ao longo do tempo.
Belo Horizonte sofreu ao longo das décadas um misto de inovação de destruição.
Foram erguidas grandes obras e grandes arranha céus que acompanharam a destruição
das casas na área central e de alterações nas políticas públicas. O processo que ficou
conhecido como o Ciclo dos Arranha Céus, ao longo das décadas de 1930 e 1940
174

transformou o centro da cidade com um processo de verticalização que Vera Chacham


(1996) denomina de “Ciclo dos Arranha-céus”. Foi um processo de desenvolvimento
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frenético de construção de edificações altas e modernização da área central.

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A questão da preservação histórica da cidade veio juntamente com a percepção do


centro como um lugar de memórias. Da interpretação e das lembranças sobre o que existia
e de uma nostalgia que definia o pertencimento afetivo de gerações que passaram e
viveram o centro. E, diante de uma transformação contínua, de descaracterização e
desvalorização da área central, trazia uma pressão latente por uma política de preservação.
A preservação é importante, a crítica trazida por Reynaldo Calvo, o arquiteto e o
cidadão é na forma como foi realizada, sem o devido processo da escuta e da análise dos
sentidos e dos significados e, assim, para finalizar e partimos de fato ao texto de
Reynaldo, que é o que interessa mesmo aqui, é interessante contextualizar a criação da
Diretoria de Patrimônio e o processo acelerado de tombamento da área central.
É nos anos 1980 que se inicia na cidade um movimento para a criação da política
de proteção de bens culturais como uma reação da sociedade à demolição do antigo Cine
Metrópole (que ficava na Rua da Bahia com Rua Goiás). Tombar as edificações foi uma
forma de garantir que não se destruíssem bens históricos da cidade. A crítica de Reynaldo
não se dirige à preservação em si, mas à preservação desenfreada e sem filtro que foi
promovida. O que se percebe na história de Belo Horizonte é que as políticas municipais
interferiram na valorização e na desvalorização da área central ao longo da história da
Cidade.
A verticalização da Avenida Afonso Pena e a Pampulha são exemplos disso. O
Poder Executivo, porém, não conseguiu controlar todos os processos. A Savassi, e
posteriormente os Shoppings Centers manifestam uma mudança dos hábitos de consumo
e a atuação das elites na conformação dos espaços, mesmo sem a anuência do poder
público.
O centro atual de Belo Horizonte, mesmo tombado, não conseguiu alcançar uma
consciência de identidade do lugar nas novas gerações. Muitos dos processos de
revitalização acabaram por agravar a relação social do espaço central da cidade, levando
aos movimentos de gentrificação que acabam por gerar a exclusão dos antigos
frequentadores do lugar.
Preservar foi e continua sendo um grande desafio, pois altera a relação entre os
175

sentidos e o lugar nas diversas mudanças e dinâmicas que o espaço e a sociedade revelam
ao longo do tempo. As ações são importantes como garantia para que não se perca bens
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de valor para a memória da cidade, mas refletir sobre elas, em 1995 e hoje, são ainda mais
importantes. Vamos ao texto:

B.H. – CIDADE CENSURADA

Sob o impacto da chusma de tombamentos de bens culturais (sic) em nossa B.H.


(diria no sentido lato que tombam ou desabam sobre nós) embora reconhecendo a
seriedade das intenções neles instituídos, considero representar uma censura à
criatividade e produzirá efeito inverso ao imaginado pelos seus realizadores. Talvez
suposição que sejam uma barreira à famigerada especulação imobiliária (leia-se espigões)
explique a passividade e a omissão da sociedade civil à qual ainda não foi bem explicado
que um adensamento bem produzido é melhor que grandes distâncias e ruas caras e
inúteis.
Além de ilegal que certeza tenho o seja (o que não é minha seara) representa uma
camisa de força exercida por censores nomeados, que como qualquer tranca-ruas, se
arvoram no direito de fazer o que nem a revolução bolchevique nem a pior das ditaduras
se atreveu a fazer, “tombar o USO”: Cultura ou povo não existem sem passado que deve
ser a alavanca do presente, não podendo porém ficar num limbo, como se tempo e espaço
fossem únicos. Ligo-me tanto aos acontecimentos passados que, em noites de libação
chego a afirmar – considerando a velocidade da luz – que o que vemos já é passado.
Evidentemente não estou só, com meus anos de janela e conscientemente – a maioria das
vezes – apropriar-me-ei de pensamentos de indivíduos que aprendia a admirar e do estofo
de um Lewis Munford e de um Henri Lefebvre de um Lúcio Costa entre outros e amigos
e mestres mais diretos que já se foram como Sylvio de Vasconcellos e Edgar de
Albreguernue Graeff. Como em qualquer cidade, espontânea ou planejada nada se realiza
ao acaso, lembrando que a opção primeira de Aarão Reis foi a Várzea do Marçal e não o
nosso arraial.
A cidade projetada foi fruto consciente da escola francesa, cuja língua o nosso
Aarão dominava completamente 3e era então marco de erudição. Não tinha porém o
176

brilhante engenheiro nenhuma experiência ou qualquer antecedente em questões urbanas,


além das filosofias políticas em voga não alcançarem a dinâmica da sociedade industrial
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emergente, e com seus efeitos nas cidades, já tão visíveis na América do Norte, não

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podendo dele esperar-se uma reflexão ou forma urbana apropriada aos novos tempos.
Cidade para o qual não se pretendeu marcar por um estilo, mas com ruas de excelente
caixa, na planície aos pés da Serra do Curral, definida por um contorno do núcleo urbano,
o Ribeirão dos Arrudas e uma ferrovia, mas surpreendendo pelas perspectivas limitadas
pela topografia, chegando inclusive a aparecer barroca quando alcançando-se o topo da
larga avenida da Liberdade depara-se com uma surpresa pasmante com a bela esplanada
do palácio.
Porém nem “urbs”, nem “civitas”, mas motivo de muito orgulho dos “papudos”
como pejorativamente eram tratados pelos ouropretanos os habitantes do arraial, que via
crescer uma obra ciclópica, com as serrarias a vapor, os vários ramais ferroviários e as
grandes galerias subterrâneas. A grandiosidade necessária a uma capital, seria medida
pela beleza do sítio e pelas obras arquitetônicas a implantar, belas, porém fruto da pior
fase histórica da arquitetura que foi a do século XIX, um verdadeiro período de
desintegração, onde as construções são desprovidas de raízes na paisagem, exclusiva,
forma externa, o estereótipo morto de outra cultura. Embora não entendida senão pelos
eruditos, era decisivo motivo de orgulho, tanto pela beleza de muitas das obras
neoclássicas, como pelo troco pesado que seria dado nos despeitados ouropretanos com
sua “pobre” arquitetura, como por constituir-se na sensação de nivelamento social com a
elite.
A fraca personalidade urbanística produziu alterações imediatas, e em menos de
um quarto de século inúmeros e pomposos prédios foram derrubados e substituídos, as
secretarias foram implantadas em local diverso do projeto, as obras do parque municipal
(restaurante, cassino, observatório meteorológico) foram sequer iniciadas. A indefinição
de zonas de uso como é hoje – e isto foi bom – produziu o nosso primeiro especulador
urbano, o José dos Lotes (José Francisco de Macedo) que procurando com outros
comerciantes locais para instalar sua mercancia ia também adquirindo os lotes sorteados
para proprietários de Ouro Preto, que definitivamente para aqui não viriam. “Extinta”
após a inauguração a Comissão Construtora, o ritmo de ocupação continuou célere como
se procurasse alcançar de imediato os 30.0000 habitantes da primeira demarcação (+
177

200.000 ao final) explodindo após 1930, exigindo regulamentos de construções mais


modernos como o de 1933 (Octávio Goulart Penna), logo substituído pelo do Juscelino
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de 1940, até hoje vigente. Definia ele um centro comercial no núcleo urbano e que muito

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consolidado em 46 com Otacílio, e que muita dor de cabeça iria nos trazer, gabaritos de
altura, normas de ventilação e iluminação, enfim, “moderno”, mas ainda como quase tudo
nosso, cópia de “algo” ou de algum lugar que desconhecemos.
A verticalização desenfreada do centro gerou nas palavras de um amigo ex-reitor
uma “cidade de costas” pois só existiam fachadas de frente e fundo e a última nunca
tratada pelos arquitetos, permitia que, pela distância, se avistasse a triste perspectiva das
casas de máquinas e reservatórios (como pombais) e essas fachadas sem preocupação, e
acabamento inferior. Como náufragos urbanos como até hoje sem saber o que fazer,
caminhamos até 1976 (com ligeiro agito no cinquentenário, passando pelo primeiro plano
diretor /Sagmags que ficou no papel e com alguns outros que o sucederam) quando da
primeira lei do solo elaborada pela PLAMBEL – Plano Metropolitano de Belo Horizonte
– infelizmente de longa data esvaziado – calcado em diretrizes nacionais e metropolitanas
de planejamento (auge da ditadura) que ia implantando nas principais cidades do país as
“taxas de ocupação”, os “coeficientes” (como se esses regulassem necessidades) os
corredores de tráfego, enfim alto que respeitadas algumas peculiaridades, era genérico.
De qualquer modo buscou-se hierarquia, relações metropolitanas, revalorização
da área central, a primeira grande via de tráfego rápido que somada ao anel de contorno
isola o que antes constituía vizinhança, fragmentando o tecido urbano. Sua revisão em
1985 não trouxe nada de novo e surge agora o plano direto e a nova lei que poderão trazer
seríssimas mudanças - boas e más - no desenvolvimento da cidade, uma má lá identificada
pelo engessamento do núcleo urbano tradicional, agora chamado de hipercentro e ao
bairro da floresta (atenção, sem ser pejorativo, o nome em função do bar e bordel “Hotel
Floresta”) tudo sob uma égide presumida de preservação do patrimônio cultural. A análise
que agora faço é aplicável a todo centro urbano tradicional, centro e hipercentro, embora
em certos momentos amarre-se no antigo centro comercial e ficará claro que embora
tenhamos muito pouco da cidade original sua preservação é questão básica, mas deve sê-
lo de forma pacífica, respeitosa e não reacionária como se pretende.
Antes de tudo, a cidade é a casa do homem urbano, nosso espaço educacional,
nosso fazer, nosso viver, um “fato da natureza”, um gruta, um formigueiro, uma forma de
178

arte totalmente consciente eu não diria pois seria como chutar uma bola – que contém em
si inúmeras outras formas de arte. O espaço e o tempo são reorganizados nas cidades,
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onde o homem por diferenciar-se dos animais como criador de cultura e capacidade de

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intervenção e alteração, atua, com todo o direito no sítio natural, respeitando-o ou


negando-o – quase sempre de forma não a mais adequada -, em cada época, diante dos
fatos primordiais de sua existência. Buscando a eterização (Toynbee), “processo de
cultura, quando uma comunidade assume o domínio do ambiente e dos meios físicos da
vida” o homem inventou e inventa seus espaços na procura da criação de modelos lógicos
na busca da sua meta que é a perfeição. Como ninguém vive para si, nem a cidade, e viver
é uma contínua troca de experiências e evolução, todos sabemos que a preservação de
espaços e monumentos urbanos é que irá permitir nossa inserção em cada época.
Muito foi e tem sido dito sobre as cidades nas suas várias épocas, muita coisa já
está sedimentada em vários mestres, restando a nós a modesta análise de uma cidade
somente centenária, nem ainda adolescente, que sofreu e continua a sofrer um processo
histórico ainda não alcançado pelos seus planejadores, desde sua concepção, pela falta de
uma visão cosmopolita do seu universo (atenção, não é globalidade). Estamos ainda numa
época de cultura burguesa, (quando sairemos?) que a partir do renascimento, em seu
absolutismo ainda emergente submeteu e vez por outra destruiu as que lhes eram
contemporâneas.
Belo Horizonte, bem ou mal já formada, poderia provavelmente superar melhor –
não fora a malfadada área comercial do regulamento de 1946 – a verdadeira agressão,
posse e destruição que a sociedade industrial, traz ao meio urbano e em especial à área
central – o coração comercial, lúdico e centralizador da personalidade coletiva desde a
cidade medieval. Para a sociedade industrial as obras da cidade, seus prédios, suas ruas e
praças, seus monumentos e obras de arte são exclusivos objetos de uso para onerar o seu
valor de troca. Neste tipo de comportamento e enfoque ela dirige-se obstinadamente à
produção, considerando, em tese, qualquer outro investimento que não o objeto fim, “um
luxo”, negando sempre o social urbano pelo econômico industrial: o nosso núcleo central
é tomado já e a partir da década de 50 pelo duplo caráter da centralidade capitalista que o
vê exclusivamente como lugar de consumo e lugar que deve ser consumido.
Não é só especulação imobiliária, pois o fenômeno não se restringe à terra já que
a riqueza imobiliária já está móvel com o capitalismo comercial e bancário e são muitos
179

os meios de apropriação da sociedade industrial capitalista. O crescimento com novos


habitantes e o deslocamento populacional para a periferia (residencial ou produtiva) vai
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esvaziando o núcleo central liberando-o como o que para os “pobres”, deixando à mostra,

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de forma clara e explícita a feiura burguesa, a relação custo/ganho, a pobreza do


produto/obra que se instalou no lugar de um conjunto sem luxo, eclético, frio, mas
sobretudo agradável. Nosso centro, planejado que foi facilmente identificado no espaço,
não sucumbe porém (aliás historicamente os centros tradicionais sempre reagem) e
continua a ser para o cidadão a “cidade” ir à “cidade” segundo velho amigo da
PLAMBEL- Plano Municipal de Belo Horizonte (que já se foi, é sinônimo de “ir ao
centro”).
Mas, fato histórico, o núcleo estático envelhece e o que era suave e quase orgânico
vai ficando decrépito, já é um produto que quase não se presta ao uso, não conseguindo
sequer gerar contraste positivo com a outra feia obra que dele quis se apoderar. A lei de
1976, que tenta dar-lhe ganho em produto com atrativos aumentos de coeficiente, não
contempla o necessário apoio ou incentivo aos planos que visavam sua revitalização,
propostos por urbanistas oficiais ou não, alguns com a veemência de um velho amigo
professor emérito da Escola de Arquitetura. Na última administração belos planos foram
feitos e deles nenhuma notícia temos. A nossa falta de personalidade urbana (sem
consolação não é só nossa), onde toda proposta de longo prazo é visionária e inatingível
mede nossa incultura. Hoje não se vende um imóvel mas uma ilusão, um urbanismo que
passa a ser valor de troca, oferecendo-se um imaginário habitat (os Alphavilles da vida
aqui chegando) que tenta “prescindir” da cidade como que fechado em si, em local
privilegiado “um lugar de felicidade e segurança”. E mais, temos os Shoppings Centers
reinando com profissionalismo absoluto impedindo qualquer comércio periférico, os
famosos “templos do consumo” que oferecem de tudo, à contemplação e ao dito lugar de
consumo e consumo do lugar. Precisamos do núcleo? Sim, pois o homem vive na cidade
e da cidade e a cidade não deixa de viver do homem e seu núcleo, seu centro histórico é
parte essencial do conceito de cidade. Além do mais ele tem de ser visto como local
franco, aberto, “grátis”, o local da festa (como antes) voltado à maioria da população que
move-se agora mais rápida na malha urbana em função da variação acentuada dos pontos
de emprego não tendo mais sentido a casa própria, o habitat permanente.
Outros centros a serem criados não são concorrentes destes, embora o “urbanismo
180

de consumo”, assim o deseje. Como fortalecê-lo, como torná-lo a realização de um


imaginário teórico não ouso dizer, embora possa dizer como não fazê-lo. Resguardá-lo
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todo (o centro) e esperar que uma mão divina ou as forças de um capital sem lucro para

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ele sejam guiadas, enxergando burocraticamente a perspectiva desta atração e não a


prospectiva de novas necessidades, que não preexistem como objetos, mas serão
descobertas no decorrer dessa prospecção, não é correto. “A obra permanece depois que
o tempo superou sua utilidade funcional, quando se apresenta como criação plástica ainda
válida, porque capaz de comover (o grifo é meu)”. O que comove na área furiosamente
tombada? Por que preservar-se fachadas de gosto duvidoso quando o importante é o todo?
Por que impor um padrão estético a uma população cuja média provável na cidade mal
chega à quarta parte de sua idade? Por que não imaginar um “novo” centro preservando-
se o significativo, o marcante, o histórico feio ou bonito? Por que não novas intervenções
que devolvam a ele o local de convívio, de festa, de comércio, de “uso” como antes onde
se desenvolvia o sucesso? Qual a mais-valia deste tombamento senão um iminente risco
de criar-se um enorme balcão de negócios? Tombar “conjuntos” que não o são? Como
pode a Avenida Afonso Pena (porque não os “nn” e os “ff” tão mais bonitinhos) da
rodoviária à Rua da Bahia ser um conjunto? (tenho de jogar fora os meus “pais dos
burros” dicionários).
Tombemos pelo patrimônio de uso, pela qualidade artística, por respeito àquele
que historicamente o utilizou; tombemos agora no sentido de derrubar, desprezando o
inútil e feito, destacando e valorizando o corretamente tombado. Transformá-lo (o
hipercentro) em museu de arte, em local de peregrinação estética de mau gosto é na
realidade transformá-lo em museu de história social, que necessariamente procura
conservar e consagrar o passado. Devemos ter em mente que é “por nossas interpretações
errôneas é que o passado revive e pelo fato de ser “diferente” é que o passado enriquece
nosso presente”. O que faz uma arte ser eterna, no sentido humano, não são os detalhes
que ela nos traz do passado morto, mas o que significa em nossa própria experiência. Não
é preciso morar numa casa renascentista para apreciar uma obra de arte da época porque,
mesmo que tivéssemos a casa, não poderíamos ver o ambiente, o quadro com olhos da
renascença, mas pelo contrário, quanto mais completo é o nosso afastamento e quanto
mais efetivamente possamos separar um símbolo do que ele possa significar para outra
geração, tanto mais pronta e decisiva nossa própria reação.
181

No caso da cidade museu – e dificilmente pode deixar de ser assim, confunde-se


“aquisição” com apreciação, conhecimento de fatos com “intuição estética” e “imitação
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mecânica” como intercurso cultural. Sem seus habitantes “normais” o núcleo se

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transformará num amontoado de ruínas e rapidamente morrerá como qualquer ser vivo.
Numa cidade nessas condições (museu) não tem sentido e representa um atordoamento
intelectual, mas, uma cidade que preserva com base numa “cultura” e não num “padrão
aquisitivo de vida” permitirá que cada geração possa assumir o controle coletivo de seu
passado.
Em todo o mundo, bens preservados com critério tem sido muitíssimo bem
reutilizados e ganham nova vida, mas, imaginemos nossos edifícios, em cada terreno,
onde uma fachada tradicional ou parte de seu volume, acopla-se a outra arquitetura que
com ela nada tem de comum tornando-as, as duas, grotescas ou no mínimo de mau gosto.
Pretende-se o “museu” e custo zero pela adoção de transferência do direito de construir.
Em 1933 foi realizado em Atenas – Grécia – o IV Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna (CIAM) onde foram estabelecidos princípios para uma carta de urbanismo. Suas
conclusões publicadas em 1941, como a “Carta de Atenas” no capítulo “Patrimônio
Histórico das Cidades”, reza em alguns tópicos que extraí com comentários reduzidos:

Os valores arquitetônicos devem ser salvaguardados [....] primeiro pelo seu


valor histórico, segundo, porque alguns levam em si mesmos uma virtude
plástica na qual toma corpo o mais alto grau de intensidade do gênio humano;
serão salvaguardadas se constituem expressão de uma cultura anterior e se
respondem a interesse geral [...] nem tudo que é passado tem direito, por
definição, à perpetuidade; convém eleger com sensatez o que deve ser
preservado. Se sua conservação não implica no sacrifício de populações
mantidas em condições malsãs...um estreito culto ao passado não poderia fazer
desconhecer as regras da justiça social; O emprego de estilos passados, sob
protesto da estética, em construções novas erguidas em zonas históricas tem
consequências nefastas [...] as obras mestras do passado nos mostram que cada
geração tem sua maneira de pensar [...] copiar servilmente o passado é
condenar-se à mentira, é erguer a falsificação [...] (CARTA ..., 1933).

Um dos mestres citados enxergou mais que a porta entreaberta por Paul Valéry
Dize-me (pois tão sensível aos efeitos da arquitetura) se tens observado, em seus passeios
por esta cidade, que entre os edifícios que a povoam, uns são mudos, outros falam; e
outros, enfim, os mais raros, cantam... (Eupalyos – o arquiteto). Os edifícios mudos só
merecem o nosso desprezo, fiquemos com os que cantam as grandes ideias dos homens,
esses movem, conduzem, e levam os homens. “A vida do homem é o trabalho, o repouso,
o amor, o ódio, a alegria, o pranto... e tudo isso o homem relaciona com as coisas que
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foram o cenário da sua vida”. Tentemos ficar pelo menos com o menos feio. Agora, sem
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divagações, de volta ao solo pergunto: será que não poderemos criar condições para trair
pelo menos os edifícios que murmuram?

Considerações Finais

Esse texto de Reynaldo Calvo é um texto da época, escrito logo após o


tombamento em massa do Circuito da Avenida Afonso Pena. É interessante refletir que
nos anos 1990, as decisões acerca do tombamento já estavam partilhadas entre outros
profissionais para além dos arquitetos, considerando os impactos sociais e as demandas
populacionais. O fato de criticar o tombamento da forma como já foi realizado, não
sustenta uma rejeição ao tombamento e outras políticas de preservação. Patrimonializar
na nossa percepção é importante para conservação dos espaços, dos lugares e da memória,
porém deve-se considerar a preservação e suas escolhas de forma ampliada, promovendo
a inserção do cidadão no processo, como parte interessada e que tem, na preservação, a
definição de um direito.
É preciso garantir a ligação do espaço preservado com a sociedade que ele acolhe,
até mesmo para que a população se aproprie e cuide desses espaços e, para tanto, eles
precisam fazer sentido para a comunidade e para a cidade. Não um sentido histórico
distante, mas a partir de uma sensibilização, um sentido da história dos sujeitos nos
lugares da memória, como um espaço que integra ambiente e cidadão.
Não se atribui valor a um patrimônio sob o quesito nem apenas histórico e nem
apenas estético como foi no início da política patrimonial no país. O valor de um bem (se
é que é possível a atribuição de uma valoração de bem já que ele deve ser estabelecido a
partir de valores de pertencimento e de afeto e, portanto, subjetivos) não deve ser a meta.
Tomar um bem melhor que outro é uma atitude excludente por natureza e a proposta de
registro e tombamento tem como princípio ampliar a ligação das pessoas com o lugar,
com a história.
Nessa perspectiva é que o texto de Reynaldo é atual já que faz uma reflexão de
alguém que viveu o tombamento da área central como crítico do processo que se
183

estabeleceu. Olhando a partir do presente, entendemos a importância que teve a atuação


municipal de cuidado com o patrimônio e a importância das ações em relação à área
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central que foi, ao longo do tempo, fruto de várias intervenções públicas e privadas que

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ameaçavam sua descaracterização e necessitavam de uma valorização como parte


integrada da história da Cidade.
A política de patrimonialização precisa de cada vez mais atenção. A criação de
um órgão de Patrimônio naquele contexto dos anos 1990, atendia a este requisito
fundamental de valorizar e, principalmente, não negligenciar o que existia na área central.
Entretanto vale o recado de que toda política precisa se voltar para as comunidades mais
amplas, escutar suas demandas e melhorar sua atuação para incluir e, com certeza,
sensibilizar e valorizar o que existe e os sentidos da cidade. Os pareceristas deste artigo,
contribuíram com reflexões importantes, e nos levaram a atualizar que hoje a comunidade
se faz mais presente e tem ocupado com qualidade o espaço público, destaque aqui para
os movimentos “Ocupação”, “Praia da Estação”, “CurArte” que integram/reintegram as
pessoas à cidade e dão aos espaços públicos sentidos renovados e democráticos.
A crítica de Reynaldo também é uma reflexão importante de que é preciso sempre
e cada vez mais investir na construção de uma equipe ampla, multidisciplinar e com apoio
institucional que possa, cada vez mais, adequar a política pública às demandas da cidade
e da sua sociedade, realizando a pesquisa, a escuta, valorizando a memória e seus atores,
a promoção e ocupação dos espaços públicos e o cuidado da cidade, as expressões
culturais e a memória enquanto cidadania.
Compreender a história como princípio do passado deve englobar a percepção de
sua dinamicidade que acompanha a transformação da sociedade no espaço e no tempo.
Toda cidade é histórica, ou seja, está em transformação, alinhando presente e passado e
produzindo leituras de mundo e de seus grupos plurais e de suas condições
contemporâneas.
Cuidar do Patrimônio é cuidar da própria cidadania, dando sentido ao viver na
própria cidade. A política patrimonial tem que se iniciar pelas pessoas, pelos moradores
e sua relação com a cidade e o pertencimento. Nesse sentido, cabe dizer que os processos
patrimoniais devem ampliar-se, sempre que possível, na inclusão das comunidades tanto
no momento decisório como também pautando-se no acompanhamento e até em uma
reavaliação por parte da comunidade.
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Referências

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Campinas. v.14, n. 3, p. 559-575, 2017/set-dez.

BELO HORIZONTE (MG). Fundação Municipal de Cultura. O que é a política de proteção do patrimônio histórico
em Belo Horizonte, 2021. Política de Proteção. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/fundacao-municipal-de-
cultura/patrimonio/politicadeprotecao>. Acesso em: 14 de fev. de 2021.

BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Prédios tombados guardam a história de Belo Horizonte, 2021. Disponível
em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/predios-tombados-guardam-historia-de-belo-horizonte>. Acesso em: 14 de
fev. de 2021.

CARTA de Atenas. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETURA MODERNA, 4, Atenas, 1933.


Anais [...]. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201933.pdf;
Acesso em: 15 de fev. de 2021.

CASTRIOTA, Leornado Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume; Belo
Horizonte: IDES, 2009.

CHACHAM, Vera. A Memória Urbana Entre o Panorama e as Ruínas: a rua da Bahia e o Bar do Ponto na Belo
Horizonte dos anos 30 e 40. In: DUTRA, Eliana (Org) BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996.

CEDRO, Marcelo de Araújo Rehfeld. Praça Sete, Pampulha e Savassi: centralidades urbanas e modernidade
periférica na cidade de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Anablume, 2013

FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural. In:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2009.

MARQUES, Robson dos Santos. Região de Belo Horizonte e a urbanização: notas sobre uma dinâmica imobiliária.
In: MEDEIROS, Regina et.al. Permanências e mudanças em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.
113-140.

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Proposta Pedagógica 1

Quem é essa rua? A escolha dos nomes das ruas como


parte do processo legislativo.

Autora: Rúbia Dias1*

Nível de ensino: Fundamental – Séries Iniciais - 3º ano

Tema: Quem é essa rua? A escolha dos nomes das ruas como parte do processo legislativo.

Disciplina: História

Interdisciplinaridade: Geografia

Transversalidade: Lugares de memória, história da cidade

Descrição sumária do(s) documento(s) : Leis e Projetos de Lei transformado em leis do


acervo da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH).

Documentos

Título: Leis e Projetos de Lei transformado em leis do acervo da Câmara Municipal de Belo
Horizonte (CMBH).

Gênero: Textual - Projetos de Lei - Folhas avulsas

Instituição de guarda: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte

Notação do documento: Fundo Diretoria Geral da CMBH. Subfundo Diretoria do Legislativo.


Série Projetos de Lei Transformados em Lei e Série Proposições.

Objetivos da atividade

Conhecer o processo de denominação das ruas da capital mineira. Essa proposta se


enquadra na Unidade Temática: O lugar que vive da BNCC (Base Nacional Curricular Comum)
do 3º ano do ensino fundamental. Na qual o objeto de conhecimento é: “A produção dos marcos
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da memória: os lugares de memória (ruas, praças, escolas, monumentos, museus etc.)” e as


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1*
Licenciada e bacharel em História pela UFMG.

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O Arquivo na Sala de Aula

habilidades a serem desenvolvidas: (EF03HI06) Identificar os registros de memória na cidade


(nomes de ruas, monumentos, edifícios etc.), discutindo os critérios que explicam a escolha desses
nomes.
A proposta pedagógica foi pensada para instigar a curiosidade dos alunos nos anos iniciais
do ensino fundamental acerca de seu entorno: a casa, a vizinhança, a escola, o bairro e, em uma
escala ampla, a cidade. Além da proposta de uma reflexão sobre o lugar que o aluno habita,
propõe-se expandir esse horizonte aos poucos, na medida que é apresentada a Câmara Municipal
de Belo Horizonte (CMBH) e o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)
enquanto instituições com papéis sociais voltados para a sociedade.
Além da dimensão de identidade local dos alunos, esta sequência propõe pensar na cidade
em um dos seus aspectos mais burocráticos: o processo legislativo. Entretanto, esta proposta não
objetiva uma análise do legislativo belo-horizontino em seus aspectos densos e complexos, o que
se propõe é simplesmente apontar que muitas decisões que dão forma a Belo Horizonte são
tomadas por pessoas eleitas, de forma consciente dentro de um processo legal.

Procedimentos/estratégia de ensino
1. Mapeamento

O levantamento de conhecimento prévio dos alunos é um dos passos mais importantes da


atividade. Em uma situação que se busca problematizar parte do cotidiano da criança, é muito
importante deixar que esta exponha seus pensamentos logo no começo da discussão. Perguntas
como: “Quais as ruas mais famosas do bairro? Qual o nome da rua onde ficam os principais pontos
comerciais? Qual o nome da rua da escola? etc”, são boas opções para começar uma conversa e
despertar o interesse dos estudantes.
O próximo passo é organizar a turma em grupos pequenos ou médios (4-6 alunos), cada
grupo deve escolher uma ou duas ruas que foram citadas durante o primeiro momento da aula. É
aconselhável que o professor já tenha uma lista com algumas ruas em mente, caso a discussão
anterior não tenha sido efetiva. A partir daí, propor que os grupos criem personagens para aqueles
nomes, que eles imaginem como seria aquela pessoa: aparência, ocupação, personalidade,
interesses, etc. Ao final da aula, os grupos devem apresentar seus personagens-ruas para a turma.
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Atividade 01
Em grupo, escolha o nome de uma rua do seu bairro e crie um personagem para essa rua.
Descreva como essa pessoa seria: Onde ela morava? O que gostava de fazer? Ela tinha muitos
amigos? Qual a idade dela? Ela tinha animais de estimação? Como ela se vestia? Com o que ela
trabalhava?
Lembre-se: quanto mais completa a descrição, mais interessante o personagem vai ser.

2. Processo legal

O segundo momento da atividade consiste em entender como as ruas são nomeadas. É


possível começar com uma provocação mais leve, perguntas como “Como as ruas nascem? Quem
dá nomes para as ruas?” são possíveis pontos de partida.
O professor deve explicar que esse processo acontece na Câmara Municipal de Belo
Horizonte (CMBH), por meio de uma proposta de lei. Para mudar o nome de uma rua é necessário
enviar a sugestão do novo nome para um vereador, esse, por sua vez, vai criar um projeto de lei
que será votado pelos outros vereadores. Caso o projeto ganhe a votação e seja aprovado, o nome
da rua será alterado. Os vereadores também podem criar projetos sem que sejam sugeridos pela
comunidade.
Algumas palavras chaves devem ser trabalhadas nesse momento para maior
esclarecimento dos alunos, elas são: Lei, logradouro, Projeto de Lei, CMBH, etc. Uma atividade
básica de conectar a palavra ao significado pode ser aplicada e corrigida em seguida.

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Atividade 02
Conecte as palavras ao seu significado:

1. Lei ( ) Proposta, sugestão para criação de uma lei.

2. Logradouro ( ) Pessoa escolhida por um grupo para representá-los nas


decisões referentes à cidade.
3. Projeto
( ) Espaço público: ruas, praças, parques, etc.
4. Câmara Municipal de Belo Horizonte
( ) Uma regra que todos precisam obedecer.
5. Vereador
( ) Um dos lugares onde se aprovam as mudanças para a cidade
por meio de votações.

Atividade 03
Numere de 1-6 para colocar em ordem o processo para dar nome às ruas:

___ O vereador aceita a ___ A lei em papel segue ___ O projeto de lei
sugestão e cria um projeto para o APCBH para ser aprovado na CMBH se torna
de lei guardada Lei

___ O projeto de lei é ___ Os outros vereadores ___ A comunidade sugere


entregue na CMBH fazem uma votação para um nome para a rua e
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decidir se o projeto será apresenta essa sugestão a


aprovado ou não um vereador
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Apresentar esses conceitos de forma sucinta e situar a CMBH como um local onde são
tomadas decisões referentes ao funcionamento da cidade e o ato de nomeação de ruas, como um
processo de criação de leis, consiste na segunda parte da sequência didática.

3. Contato com as fontes

O terceiro momento da atividade é quando as fontes serão usadas. Os projetos de leis da


CMBH tem em sua guarda garantida no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)
devido a um convênio de colaboração entre as entidades.
O professor pode solicitar ao arquivo uma cópia digital dos projetos que nomeiam as ruas
que foram usadas na primeira parte da atividade. Para descobrir qual o número da lei que nomeia
determinada rua, basta ir no portal da CMBH, seguir para atividade legislativa e selecionar
legislação. Uma página com campo de pesquisa irá aparecer, basta digitar o nome da rua no campo
“Assunto” e anotar o número da lei responsável pela nomeação. O próprio site disponibiliza um
documento textual com a lei digitada, porém, a parte de discussão e justificativa do projeto só
pode ser encontrada no documento original, que está sob guarda do APCBH. O professor pode
pedir a versão digitalizada dos documentos no arquivo, imprimir e distribuir aos grupos de alunos.
A atividade que se segue é um exercício de investigação com fontes históricas. Contudo, a
linguagem rebuscada e complexa dos documentos pode dificultar a interpretação dos alunos. Cabe
ao professor elaborar algumas perguntas básicas para guiar essa investigação. Segue um exemplo:

Atividade 04
Analise o projeto de lei e tente encontrar respostas para as seguintes perguntas:

● Quando esse projeto foi escrito?


● Quem o escreveu?
● Quantas páginas esse projeto tem?
● Esse projeto tem uma parte chamada “Justificativa”?
● É possível entender a justificativa?
● Quais as características dessa pessoa, é possível identificar?
● Por que essa pessoa foi considerada importante?
● Como você imaginava que seria uma Lei?
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● Escolha três palavras que são difíceis de entender.


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● Aponte uma das palavras que foram usadas na aula anterior.

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Exemplo de Projeto de Lei/ Lei para realização da atividade:

Projeto de Lei transformado em Lei 7362 de 1997.

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É muito importante que o professor já tenha lido os projetos e saiba auxiliar os alunos a
encontrar respostas para as perguntas. Muitos projetos não possuem uma justificativa clara, assim,
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cabe ao professor decidir incorporar esses casos da forma que são ou fazer uma seleção de projetos

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com justificativa clara que possam criar mais envolvimento com os alunos. O professor também
pode optar por escolher trabalhar com ruas de destaque que possuem nomes de personalidades
famosas, ao invés das ruas locais. Cabe uma análise da documentação previamente para concluir
qual caminho poderá ser mais efetivo.
Essa parte da atividade tem como objetivo colocar o aluno em contato direto com as fontes
históricas, não se espera que nessa fase os alunos possam compreender e interpretar textos tão
densos como os legislativos. Ao mesmo tempo, incentivar a busca pela informação e atiçar a
curiosidade dos estudantes são por si só o resultado dessa parte da atividade.

4. Desfecho

Para finalizar essa sequência, podem ser feitas algumas atividades interessantes:
A primeira consiste em uma visita agendada ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
Os alunos terão a oportunidade de ver os depósitos onde esses documentos estão guardados, além
de se envolverem com o processo de guarda desses documentos e conhecerem um pouco da
função do Arquivo na cidade.
A segunda proposta é em conjunto escolherem um novo nome para alguma rua do bairro
e entregar essa sugestão a um vereador. Esse tipo de contato pode ser feito por email. O
interessante dessa atividade é que os alunos escolham em conjunto e assinem todos juntos o
pedido de substituição do nome. O professor pode optar por sortear alguns nomes apontados pelos
alunos também. É importante lembrá-los de que a sugestão precisa ter uma justificativa plausível.
Uma última possibilidade seria imprimir um mapa no qual a escola é o centro e deixar que
os alunos a nomeie como bem entenderem. Novamente, é preciso pedir que escrevam uma
justificativa para cada uma das ruas. Esta proposta foi criada para ser uma possibilidade de
introdução de discussão sobre temas relativos à cidade de Belo Horizonte. Mas é possível extrair
muitos outros debates a partir do que foi apresentado. Também é possível adaptar a sequência
para o último ano do ensino médio, durante as discussões acerca de cidadania e democracia.

Referências
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BELO HORIZONTE (MG). Câmara Municipal. Câmara Municipal: a voz da cidadania. Pesquisar a atividade legislativa.
Disponível em: <https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao>. Acesso em: 14 de dez. de 2021.
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Proposta Pedagógica 2

Urbanização e modernização brasileira: aspectos da história local

Autora: Lucimar Lacerda Machado Coelho1*

Nível de ensino: Fundamental – Séries Finais 9º. série/ciclo

Tema: Urbanização e modernização brasileira: aspectos da história local

Disciplina: História

Interdisciplinaridade: Geografia e Português

Transversalidade: Impacto social e ambiental, Gênero textual

Descrição sumária do(s) documento(s): Discurso proferido pelo político e intelectual


Nelson Coelho de Senna por ocasião das comemorações do Cinquentenário de Belo
Horizonte no ano de 1947 realizado no salão do Instituto de Educação.

Título: SENNA, Nelson C. de. O Cinquentenário de Belo Horizonte. Belo Horizonte:


Imprensa Oficial, 1948.

O documento é parcialmente reproduzido nesta edição da REAPCBH.

Gênero: Textual

Instituição de guarda: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – Fundação


Municipal de Cultura

Notação do documento: NCS.6.1(31)


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1*
Bacharel-licenciado em História – Doutoranda em História UFMG

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Objetivos da atividade

O tema sobre a modernização nacional envolve diferentes perspectivas de análise e


tem sido objeto de estudo em diferentes áreas do conhecimento. No campo historiográfico,
tornou-se um conceito importante para a interpretação da realidade brasileira e da
compreensão dos atrasos e antagonismos consolidados ao longo de nossa história. Assim, a
presente proposta pretende analisar o processo de modernização tomando como eixo
norteador as transformações sociais, econômicas e políticas advindas da implantação da
ordem republicana, episódio que, do ponto de vista retórico e discursivo, demarcou a ideia
da entrada do Brasil no rol das nações modernas. Nessa direção, a atividade tem como
objetivo principal compreender o processo de urbanização e modernização brasileira
identificando suas particularidades locais e regionais.
Por meio do uso documental e sua interface com o livro didático, analisar o contexto
socioeconômico da sociedade belo-horizontina, possibilitando (re) significar a realidade
vivida pelos alunos. Também pretende-se refletir sobre as potencialidades do uso do
documento como leitura da realidade histórica, problematizando o discurso como um gênero
textual.

Procedimentos/estratégia de ensino
Como estratégia de trabalho e realização da atividade, pretende-se:

1. Distribuir a turma em pequenos grupos disponibilizando o documento para leitura.

2. Solicitar que os alunos identifiquem no documento as informações básicas, como:


autor, tipologia documental e assunto.

3. A partir da análise coletiva, solicitar aos alunos que apresentem os aspectos mais
significativos sobre o tema destacando os impactos da modernização para as
diferentes camadas sociais.

4. Finalizar com uma conclusão do grupo sobre os impactos da modernização na cidade


de Belo Horizonte.
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Referências

AGUIAR, Tito F. Rodrigues de. Panorama fotográfico de Belo Horizonte: a imagem de um espaço em transformação.
Belo Horizonte, 2001.

ANDRADE, Luciana Teixeira de. A Belo Horizonte dos modernistas: representações ambivalentes da cidade moderna.
Belo Horizonte: PUC Minas: C/Arte, 2004.

GOMES, Ângela Maria de Castro (Org.). Minas e os fundamentos do Brasil moderno. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2005.

MAGALHÃES, Beatriz de Almeida; ANDRADE, Rodrigo Ferreira. Belo Horizonte: um espaço para a República. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1989.

PEREIRA, Nilton M.; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos
90, Porto Alegre, v.15, n.28, p. 113-128, dez. 2008.

PINSK, Carla B. Fontes Históricas. 2ª. ed, 1ª. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008.

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