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Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?

Article · December 2014

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Goncalo Castro Henriques


Federal University of Rio de Janeiro
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Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?

Severiano Porto é um arquiteto de referência e premiado, que está associado à


aplicação do conceito de regionalismo crítico. Apesar de inúmeras distinções a sua
obra está em grande parte abandonada. Diversos trabalhos acadêmicos destacam a
aplicação de técnicas e materiais locais na sua obra. A maioria destes autores destaca
a linguagem formal ‐ sintaxe ‐ que propõe como alternativa ao modernismo e à
arquitetura genérica indiferenciada. Estando os materiais e as técnicas utilizadas por
Severiano datados no tempo, há o problema de como estes poderão ser aplicadas
em novos projetos. Argumenta‐se, que mais do que mimetizar a forma ou estilo
deste arquiteto, será útil codificar o seu processo operativo. No seu processo este
autor utiliza estratégias de adaptação do edifício ao contexto.

Este artigo propõe investigar as estratégias de adaptação utilizadas por este


arquiteto. Assim serão avaliadas determinadas obras indagando como o desempenho
é melhorado. Um dos problemas das análises de desempenho é tradicionalmente
exigirem conhecimentos e técnicas especializadas. As estratégias de adaptação de
Severiano incluem a utilização de sistemas construtivos com materiais locais como a
madeira. Utilizando as suas propostas geometrias e materiais não standard
recorrendo apenas às técnicas tradicionais estes princípios podem ter uma aplicação
limitada com o aumento dos custos de produção. Argumenta‐se que através da
integração de tecnologias e processos digitais será possível desenvolver estratégias
de adaptação, expandido a sintaxe e os processos utilizados por Severiano Porto.
Serão identificadas possibilidades de como a integração do digital pode suportar o
desenvolvimento de estratégias de adaptação, recorrendo a exemplos análogos.
Finamente será destacado o trabalho do LAMO ‐ laboratório de fabricação digital da
FAU‐UFRJ. Este laboratório propõe uma nova metodologia de integração entre as
ferramentas e os processos digitais1 participando na fabricação e construção da
primeira wiki‐house2 na América Latina. São assim sugeridas novas possibilidades
para que a obra de Severiano possa ser estudada, procurando novas pistas de como
expandir o se legado no futuro.

Palavras‐chave: Regionalismo crítico; estratégias adaptação; integração digital, wiki‐


house

1
PASSARO, Andrés; HENRIQUES, Gonçalo Castro; "Abrigos Sensíveis, do método ao conceito, superando a instrumentalização",
XIX Congresso Ibero‐Americano de Gráfica Digital, Informação de Projeto para a interação, Alice T. Pereira e Regiane Pupo (eds),
Blucher Publishing, Florianópolis UFSC, Novembro 2015, pp. 94‐100, DOI 10.5151/despro‐sigradi2015‐30155. Ver também
https://vimeo.com/126453671
2
PASSARO, Andrés; ROHDE, Clarice; “Casa Revista: arquitetura de fonte aberta”, XIX Congresso Ibero‐Americano de Gráfica
Digital, Informação de Projeto para a interação, Alice T. Pereira e Regiane Pupo (eds), Blucher Publishing, Florianópolis UFSC,
Novembro 2015, pp. 70‐76 10.5151/despro‐sigradi2015‐30043.
Gonçalo Castro Henriques, Dezembro 2014 P. 1
Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?
1. Introdução
Esta pesquisa aborda o contributo arquitetónico de Severiano Porto pensando como este
poderá ser transmitido e utilizado no futuro. Este arquiteto recebeu inúmeras distinções que
reforçam a pertinência da sua obra. A sua obra está associada ao regionalismo crítico e
desperta interesse tanto no Brasil como no exterior. Serão identificadas e datadas as suas
principais obras de acordo com pesquisas anteriores de outros autores. Serão elaboradas
algumas considerações de síntese sobre a sua obra. É utilizado um formato de pesquisa
científico, identificado um problema e apontando hipóteses para o solucionar operativamente.
O problema é a dificuldade de transmitir o seu legado, para o qual são identificadas diferentes
possibilidades de o resolver utilizando os meios digitais.

1.1 Sintaxe: Regionalismo crítico e modernismo


O regionalismo crítico é um conceito desenvolvido por Keneth Frampton nos 80’ (3). Este
conceito procurava ser uma alternativa ao fenómeno de globalização que surgiu com o
advento da arquitetura modernista no pós‐guerra europeu. Surgiu como uma reação à
massificação tecnológica da arquitetura que nas suas propostas de “tábua rasa” menosprezava
contributos e tradições locais. O regionalismo crítico reclamou uma maior atenção à
arquitetura vernacular de cada lugar e as suas tradições construtivas e culturais, procurando
uma conciliação entre a cultura universal e local. A arquitetura modernista teve um grande
desenvolvimento e aplicação no Brasil como referem autores clássicos como Reis Filho (4),
Bruand (5), Santos (6) ou Segawa (7). Embora o período áureo do modernista no Brasil esteja
associado ao período entre os anos 40’ e 60’, o seu impacto no país de acordo com estes
autores foi profundo e é tem‐se prolongado no tempo.

A arquitetura de Severiano Porto é construída sobretudo entre os anos 60 e até ao final dos
anos 80. Severiano teve uma educação de acordo com os princípios modernistas, mas na sua
mudança para a Amazónia demostrou uma atenção especial pelo contexto local. É pelo fato de
ter traduzido arquitetonicamente essa preocupação que é associado ao regionalismo crítico. O
regionalismo crítico teve sobretudo como termo comparativo a arquitetura modernista. Talvez
por esta razão os materiais e as técnicas utilizadas e a sua codificação estilísticas tenham sido
destacadas como uma reação. Devido à herança modernista a sua obra foi valorizada
positivamente por recorrer à tradição material e construtiva, mas foram menosprezados
outros contributos mais operativos dos seus projetos.
Existem diferentes possibilidades para divulgar a obra de Severiano. Existe um acervo com
informação sobre os seus projetos na UFRJ (8). No entanto apesar deste arquiteto ser estudado
com frequência pela linguagem e sintaxe arquitetônica utilizada é menos abordado o processo
por ele aplicado. Severiano utiliza estratégias de adaptação da arquitetura ao contexto que
poderão ser aplicáveis no futuro.

3
FRAMPTON, Keneth (1983) Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance. In, Foster,
H. (ed). Postmodern Culture. London; Pluto Press.
4
REIS Filho, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978.
5
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.
6
SANTOS, Paulo. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.
7
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900‐1990. São Paulo: EDUSP, 1999.
8
JHONES, Keyce. Severiano Mário Porto. HOMENAGEM AO ARQUITETO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DE SUA OBRA. Drops, São
Paulo, ano 14, n. 078.01, Vitruvius, mar. 2014.
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.078/5077>.
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Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?

Fig.1 Severiano Porto – Centro Ambiental Balbina, 1983‐88. Fonte Severiano Porto/ Archdaily

1.2 Importância histórica e principais obras


Mário severiano Porto nasceu na Uberlândia (Estado de Minas Gerais) em 1930. Em 1956
graduou‐se em Arquitetura pela Universidade do Brasil (atual UFRJ). O seu trabalho foi
premiado inúmeras vezes ao longo dos anos: entre 1965‐83, teve 8 projetos premiados pelo
IAB‐RJ; em 1985 recebeu Prémio Universidade Buenos Aires, tendo recebido o Doutoramento
Honoris Causa pela UFRJ em 1985, como refere Jhones (9). A importunância desta distinção
honorífica é destacada por Campos (10). Alguns autores refém o impacto da sua obra e o
reconhecimento internacional que obteve como Lima (11).

Segundo os autores atrás referidos, o período mais ativo da sua obra é entre o final do 60’ e os
90’. Entre as suas obras destacam as seguintes: Estádio Vivaldo Lima (1965), restaurante
Chapéu de Palha (1967), Superintendência Zona Franca Manaus (1971), Casa Severiano Porto
(1971), Clube do Trabalhador e Escola Música SESI (1977), casa Robert Schuster (1978),
Campus da Universidade do Amazonas (1970‐80), Pousada Ilha Silves (1979‐83), Centro
Proteção Ambiental Balbina (1983‐88) e Aldeia Infantil SOS (1985‐97). Segundo Hespanha (12)
Severiano é destacado pelo seu lado tectónico mas é menosprezada a preocupação social que
evidencia. Destaca que a adequação geográfica de Severiano além da componente física inclui
também as relações humanas e preocupações sociais.

9
JHONES, Keyce. Severiano Mário Porto. HOMENAGEM AO ARQUITETO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DE SUA OBRA. Drops, São
Paulo, ano 14, n. 078.01, Vitruvius, mar. 2014. <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.078/5077>.
10
RODRIGUES DE CAMPOS, Elizabete. A ARQUITETURA BRASILEIRA DE SEVERIANO MÁRIO PORTO. Arquitextos, São Paulo, ano
04, n. 043.08, Vitruvius, dez. 2003. <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.043/631>.
11
LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. ARCHITECTURE D’HIER: O SEQUESTRO DA ARQUITETURA BRASILEIRA DOS ANOS 1980 PELA
REVISTA AA. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 104.04, Vitruvius, jan. 2009.
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.104/83>.
12
HESPANHA, Sérgio Augusto Menezes. SEVERIANO PORTO. ENTRE O REGIONAL E O MODERNO. Arquitextos, São Paulo, ano
09, n. 105.05, Vitruvius, Fevereiro 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.105/76>.
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Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?
2. Estratégias de adaptação e integração digital
Severiano Porto utiliza estratégias passivas para conseguir uma arquitetura mais adaptada ao
contexto. Serão referidos exemplos destas estratégias passivas para melhorar o desempenho
climático. Serão destacadas vantagens da aplicação destas estratégias e dificuldades que
existem na sua implementação. Serão formuladas hipóteses de como estas limitações poderão
ser ultrapassadas com recurso a meios digitais, recorrendo a exemplos.
A integração digital em projeto afetada não só as ferramentas, como os processos em todas as
fases de projeto (13). Não sendo o objetivo principal deste artigo demonstrar esta realidade
serão identificadas situações específicas em que a integração digital poderá prolongar a
aplicação do legado de Severiano. Nomeadamente é sugerido como o desempenho climático
poderá beneficiar da simulação digital, assim como a utilização de sistemas construtivos em
madeira personalizados podem beneficiar da fabricação digital.

2.1 Adequação e desempenho climático.


Rovo e Oliveira (14) destacam na obra de Severiano a utilização de estratégias de adaptação em
todas as escalas de projeto. Esta capacidade de adaptação presente em projeto leva as autoras
a classificar a arquitetura de Severiano como regionalismo ecoeficiente. Demonstram existir
esta atitude holística e ecoeficiente no projeto Aldeia infantil SOS. Aludem à ecologia tal como
definida por Haeckel, ou seja ecologia como economia de meios que permite uma boa
adaptação local. Diferenciam a preocupação com a ecologia de uma busca estilística do que é
autóctone salientando a importância das estratégias de adaptação em diferentes escalas de
projeto. A ecologia começa na preocupação social do projeto aldeia SOS, na inserção no
terreno, na articulação de funções e volumes, de espaços comuns e inclui o projeto das
habitações, assim como sistema construtivo e geometria de adequação geográfica. A
investigação destas autoras mostra a importância ética de trabalho do arquiteto nas diferentes
fases do projeto. Identificam como o desempenho pode ser melhorado em geral referindo em
particular alguns aspetos do desempenho climático.

Existem no entanto menos investigações que avaliem diretamente o desempenho climático


dos seus edifícios. Neves (15) analisa e avalia o desempenho das estratégias de ventilação
natural aplicadas por Severiano em três obras. Estas obras são: 1 ‐ Campus Universidade
Amazonas 2 ‐ Sede Superintendência zona franca Manaus 3 ‐ Aldeias infantis Balbina SOS.
Estas obras, além de características particulares apresentam também sistemas construtivos
diferentes sendo a primeira de aço e concreto, a segunda concreto e a terceira de alvenaria e
madeira.
Para avaliar o desempenho dos processos de ventilação natural utilizados a autora recorreu
como metodologia à análise qualitativa e quantitativa destes edifícios. A análise quantitativa
consistiu na recolha de dados do projeto (plantas, cortes, alçados), entrevistas e consulta ao
acervo do arquiteto. Completou esta análise depois com um estudo com base em medições
climáticas nos diferentes edifícios estudados. Estas medições foram efetuadas seguindo
recomendações de Mahoney e os resultados comparadas com os valores climáticos de

13
Sobre a integração digital escrevem Oxman, Kolarevic, Mitchell, Celani entre outros. Sobre a problemática do
digital no Brasil e em Portugal ver: HENRIQUES, Gonçalo Castro; BUENO, Ernesto. Geometrias Complexas e Desenho
Paramétrico. Drops, São Paulo, ano 10, n. 030.08, Vitruvius, Fevereiro 2010.
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.030/2109>.
14
ROVO, Mirian Keiko Ito; SANTOS OLIVEIRA, Beatriz. POR UM REGIONALISMO ECO‐EFICIENTE: A OBRA DE SEVERIANO MÁRIO
PORTO NO AMAZONAS. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 047.04, Vitruvius, abr. 2004
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.047/594>.
15
NEVES, Letícia de Oliveira. Arquitetura bioclimática e a obra de Severiano Porto: Estratégias de ventilação natural,
Dissertação mestrado apresentada Escola Engenharia de São Carlos, Universidade S.Paulo, 2006.
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referência para a localização geográfica estudada (Amazonas) da ASHRAE (American Society
Heating, Refrigeration and Air Conditioning Engineers).

Neves estudou o desempenho de três edifícios para verificar em que medida as soluções de
severiano aumentam o conforto do usuário. Estudou os processos de ventilação natural que
Severiano utiliza para diminuir a temperatura e a humidade do ar, aumentando o conforto
ambiental dos usuários. Nos diferentes projetos conclui que existe uma atitude atenta às
condicionantes arquitetônicas do lugar, como topografia, orientação e disposição dos edifícios
no terreno, considerando ventos dominantes e na distribuição dos espaços interiores.
Verificou que estes edifícios possuem uma geometria que os protege da radiação solar e da
chuva frequente, assim como um sistema de aberturas que permite melhorar a ventilação
natural. A ventilação natural é controlada passivamente através da localização,
dimensionamento e do tipo de aberturas. Encontrou no entanto dificuldades do arquiteto em
verificar e testar ideias empíricas de ventilação do ar, como por exemplo a utilização do efeito
chaminé, baseado em diferenças de temperatura.

Fig.2 Severiano Porto ‐ Estratégias de adaptação ao contexto, Aldeia SOS em Manaus (1983‐
95). Nas imagens superiores estratégias de ventilação natural, em baixo fotografias mostrando
linguagem utilizando referências contextuais da Amazónia. Fonte Letícia Neves.

O controlo térmico está associado a modelos matemáticos complexos, que tradicionalmente


não são do domínio da arquitetura. No entanto a falta de acesso a informação sobre térmica
limita a atuação dos arquitetos nesta área. Na sua investigação Neves avaliou as estratégias de
ventilação natural utilizadas por Severiano e detetou dificuldade de implementação do efeito
chaminé. Outra das dificuldades está relacionada como a geometria das aberturas e dos
espaços. Existem atualmente ferramentas de simulação que podem ser utilizadas num estágio
inicial de projeto para facilitar a previsão e sugerir novas possibilidades de como solucionar
estes problemas. Estas ferramentas utilizam modelos digitais (Programas como Energy+,

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Daysim ou Ecotect) e analógicos (túnel de vento) para analisar e avaliar soluções. Embora estes
modelos possam facilitar a previsão e geração de soluções alternativas, exigem no entanto
uma nova atitude colaborativa entre especialistas de diferentes áreas, para evoluir soluções e
para validar testes de simulação que não existiam quando estes projetos foram construídos.

2.3 Sistema construtivo e Fabricação digital


Embora Severiano utilize diversos sistemas construtivos, segundo alguns dos autores
analisados, as suas estratégias de adaptação ao local são mais efetivas quando utiliza sistemas
construtivos de madeira. Entre as suas obras que utilizam sistema construtivo de madeira
(ainda que não exclusivamente, sendo por vezes sistemas mistos) são o centro ambiental
Balbina SOS, a casa do Arquiteto, a casa Robert Schuster, o restaurante Chapéu Palha e a
Aldeia SOS. Estando este artigo focado em aspetos mais operativos, não é de descurar a
importância do aspeto linguístico para a integração cultural e social das obras de Severiano
Porto. As construções em madeira fazem referência às construções autóctones dos indígenas e
caboclos e nesse sentido identificam‐se mais com o contexto cultural da Amazónia. Apesar dos
sistemas construtivos em madeira serem destacados na sua obra, hoje há algumas limitações à
construção em madeira. Nesse sentido será agora analisadas as limitações e as novas
possibilidades atuais da construção em madeira, identificando potencialidades futuras.

Fig. 3 Severiano Porto: Casa Robert Schuster em Manaus (1978), desenvolvendo sistema
construtivo em madeira. Fonte Severiano Porto/ ArchDaily

Dificuldades e oportunidades construção em madeira


Segundo Segawa (16) a construção no Brasil em madeira é desvalorizada por estar associada à
construção rural anterior ao modernismo de concreto armado e à correspondente ascensão
social. Segundo este autor existe também falta visão de políticos e dirigentes. Nos EUA é muito
valorizado o arquétipo da construção original de madeira o que não acontece no Brasil. Alguns
16
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil/ Anos 80, são Paulo, 1988.

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sistemas construtivos vernaculares como a construção em madeira e a construção com adobe
são utilizados desde os 30’ no Brasil. Segawa refere exemplos dos 80’ deste tipo de
construções no capítulo “Os materiais da natureza e a natureza dos materiais”. Refere que há
questões ambientais da exploração da madeira no Brasil que limitam a utilização de madeira
no país, apesar de esta ser exportada massivamente.
Houve outros arquitetos que desenvolveram sistemas construtivos em madeira, incorporando
antigos saberes, como José Zanine e Lúcio Costa (3ª Casa Thiago Mello, Amazonas 1987‐88).
Um dos problemas da construção em madeira identificado por Lúcio Costa nos anos 80’ foi a
necessidade de testar encaixes e soluções construtivas no local, o que traz problemas de
fiscalização. O problema da fiscalização é a dificuldade de prever qual a solução a adotar no
licenciamento, estando a solução dependente de testes no local. Para ultrapassar este
problema Lúcio Costa utilizou modelos análogos à escala para testar e avaliar soluções antes
da obra. Outra dificuldade de implementar e generalizar o sistema construtivo que Severiano
Porto utilizou é a questão de exigir mão‐de‐obra qualificada local. Argumenta‐se que com a
fabricação digital é possível ultrapassar este problema, baixando o custo e permitindo
personalização.

Atualmente a construção com madeira e derivados tem vindo a despertar interesse em


diversos países pela sua natureza ambiental. O menor impacto da sua construção no meio
natural, a questão de ser biodegradável e o conforto térmico são algumas das vantagens
destacadas. Neste particular a sua utilização só será sustentável se a sua extração e plantação
forem planejadas e controladas. Sendo o Brasil uma dos países mundiais com maior produção
de madeira e possuindo infraestruturas tecnológicas desenvolvidas a utilização da madeira na
construção é reduzida, nomeadamente em edifícios pré‐fabricados. Esta reduzida aplicação
está associada mais a questões culturais e políticas do que técnicas (17).

Fig 4. Instant House MIT: Estudo de geração e fabricação digitais aplicados à construção de
arquitetura para situações de emergência (EUA 2005). Fonte Larry Sass/ MIT

Da produção em série à produção em massa diferenciada


A produção em série limitou o desenvolvimento de soluções personalizadas. No entanto as
ferramentas digitais oferecem a possibilidade de produzir soluções personalizadas com um

17
A este respeito veja‐se “Pré‐fabricação na construção em madeira”, Revista da Madeira, N°133 – Dezembro 2012,
www.remade.com.br/br/revistadamadeira_materia.php?num=1632

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maior grau de variação, sem aumentar o custo. Tal é possível encurtando o processo produtivo
com a introdução de processos e ferramentas digitais na conceção, simulação e fabricação
digital (CAD‐CAE‐CAM). Ao encurtar o processo construtivo é conseguida uma maior
diversidade de soluções associadas aos sistemas paramétricos. Outros dos aspetos é a
montagem em fábrica de edifícios. Tal permite controlar melhor a produção, melhores
acabamentos e menores custos de montagem no local.
Durante o processo produtivo é também possível a realização de protótipos análogos em
diversas escales até à escala real. A realização de modelos em diversas escalas permite testar e
antever as soluções antes de estas serem executadas. Permite também que os encaixes e pré‐
montagens finais sejam efetuados em fábrica.

Os processos de fabricação têm sido utilizados para desenvolver soluções para problemas de
habitação em massa. Existem alguns exemplos como o projeto «Instant House» e «Casa Nova
Orleães» desenvolvidos pelo MIT (18). Existem também exemplos desta pesquisa na América
latina como projeto «Casa Generativa» uma parceria entre universidades liderada por
Alvarado e Turkienicz (19), ou o Projeto Ekó House projeto multi‐disciplinar, coordenado na
arquitetura por José Ripper Kós, que representou o Brasil no Solar Decathlon de 2012(20).

Fig. 5 Fabricação digital: Exemplos de projetos colaborativos desenvolvidos na América do Sul.


Em cima “Casa Generativa” desenvolvida por Alvarado, Turkienicz et all em 2010. Em baixo

18
Sobre Digital Design Fabrication Group liderado por Larry Sass no MIT ver http://ddf.mit.edu
19
ALVARADO, Rodrigo Garcia; TURKIENICZ Benamy, Generative House: Exploration of Digital Fabrication and
Generative System for Low ‐ cost Housing in Southern Brazil, SIGraDi 2010_Proceedings of the 14th Congress of the
Iberoamerican Society of Digital Graphics, pp. Bogotá, Colombia, November 17‐19, 2010, pp. 384‐387.
http://cumincad.scix.net/cgi‐bin/works/Show?sigradi2010_384 ver http://casagenerativa.blogspot.pt/
20
KÓS, José Ripper; THÊMIS; da Cruz Fagundes, Tecnologias para integração e colaboração: o projeto da
casa solar brasileira, Proceedings do XIV Congresso Ibero‐americano de Gráfica Digital, pp. Bogotá,
Colômbia, 2010, pp. 268‐271
Gonçalo Castro Henriques, Dezembro 2014 P. 8
Severiano Porto, Sintaxe e processo, que futuro(s)?
projeto colaborativo “Éko House” envolvendo diversas universidades e parceiros no Brasil para
o concurso Solar Decathlon 2012. Fontes Generative House Rodrigo Alvarado e Ekó House,
José Ripper Kós.

O autor deste artigo é professor na UFRJ onde foi reforçar a aposta na integração digital
através do LAMO, Laboratório de fabricação digital. É vice‐coordenador do LAMO dirigido pelo
Prof. Andrés Passaro. Um dos primeiros trabalhos foi a construção da primeira wiki‐house da
América latina. O projeto da WikiHouse (Casa Revista) foi desenvolvido durante a tese final de
graduação pela Clarice Rohde sendo foi depois fabricado digitalmente e montado no lugar pelo
LAMO e por uma equipe de alunos voluntários.

Fig. 6 Projeto Wiki‐House/ Casa Revista, montagem e construção LAMO‐UFRJ, Março 2015.
Fonte Clarice Rohde/ LAMO.

Conclusão e perspetivas futuras


Foram sugeridas algumas possibilidades de expandir o legado de Severiano Porto utilizando os
meios digitais em diferentes fazes de projeto, sendo neste caso destacada a aplicação na
simulação e na fabricação digital. Estas possibilidades permitem alargar estratégias de
adaptação utilizadas pelo arquiteto em mais casos. Outros exemplos da aplicação dos meios
digitais poderia ser o desenvolvimento de gramáticas da forma que codifiquem a linguagem do
arquiteto. Nesse caso será importante avaliar o desempenho das soluções relativamente a
diferentes aspetos. Também poderão ser instalados mecanismos ativos de controlo de
condições ambientais, mas dado o caráter social os mecanismos de adaptação passiva serão
mais fáceis de aplicar.

No entanto como referido só a integração das diversas fases com os meios digitais poderá
encurtar o processo e aumentar as possibilidades de escolha. Nomeadamente na fase
generativa (CAD) de simulação (CAE) e fabrico (CAM). Este é um aspeto destacado na procura
de soluções eficientes e ecológicas como referem Kós e Fagundes no artigo acima citado. Esta
modificação tecnológica implica redesenhar o processo de projeto, para que este seja
multidisciplinar, mais inclusivo e inclua diferentes especialidades e especialistas. Neste aspeto
o LAMO pretende expandir a tradição, inovando.

GONÇALO CASTRO HENRIQUES (FAU‐UFRJ, LAMO)


Arquiteto, Pesquisador e Professor sobre a integração de processos generativos (Design algorítmico,
paramétrico e scripting) com simulação e manufatura digital (CAD‐CAE‐CAM). Vice‐coordenador do
laboratório de fabricação LAMO/UFRJ. Doutor Europeu (FAUTL‐Lisboa), Mestre (ESARQ‐UIC, Barcelona)
Arquiteto (ESAP‐Porto).
Gonçalo Castro Henriques, Dezembro 2014 P. 9

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