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A EDUCAÇÃO SEUNDO GRAMSCI E AS CONTROVERSIAS


DO REGIME MILITAR

Marcia B. G. de Paula.
Universidade Estadual do Paraná
Programa de pós-graduação História.

Introdução

Apesar de muito discutida, a educação tem muito a contribuir para o campo da


historiografia, e ao observar fatos prementes as políticas públicas adotadas junto ao
regime militar, pode-se trazer luz sobre fatos históricos e esclarecer muitas das questões
pendentes quanto esse período. Porém ao comparar a educação no Brasil e na Argentina
percebemos suas características próprias, moldadas através de sua cultura e políticas
públicas.
Através da discussão teórica embasando os pensamentos de Gramsci, temos a
possibilidade de compreender como o autor por meio de suas escritas, idealiza uma escola
libertadora, que tem como finalidade uma educação que alcance todas as etapas da vida,
levando o sujeito a se reconhecer no mundo em que vive, com ideias, emoções, mas
também como um cidadão atuante na sociedade a qual pertence dentro do contexto
histórico.
A educação e o espaço escolar, não caminham sozinhos no campo da
historiografia, estão amplamente relacionadas as lutas pela emancipação a fim de tornar-
se um espaço de conhecimento. Para Gramsci a “educação e ensino” atuam em conjunto,
e a escola unitária resulta de uma organização e harmonia, construindo uma hegemonia,
referindo-se a novas formas de organização política, novos sujeitos "coletivos",
proporcionando o surgimento do que alguns chamam de "nova sociedade civil”.
Em países como Brasil e Argentina, durante a permanência do governo militar no
poder, a ideologia de controle das massas se intensifica tornando as privações dentro do
ensino mais visíveis, demonstrando os sérios limites do modelo de ensino tradicional e
autoritário proposto pelos militares. Esses países, ainda que distintos por conta de suas
características sociais e econômicas, em determinados momentos a proposta de
universalizar a educação muitas vezes seguiu o caminho semelhantes encortinando uma
adaptação na estrutura educacional com a intenção de produzir mão de obra para o
mercado de trabalho.
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A educação no regime militar e a ideologia de controle das massas.

O regime militar na América Latina feriu gravemente os países onde instalou-se,


deixando marcas profundas de violência na história cultural e social de cada região. Os
abusos provocados pela ditatura agravaram ainda mais os projetos de políticas públicas e
sociais dos governos, o qual tinha um compromisso de elevar a economia rumo ao
desenvolvimento. Nesse contexto, a educação que já vinha sofrendo sérios ataques ao
longo de sua implantação, permeava as inseguranças prementes aquele momento
enfrentando novas formas de controle ideológico por parte de seus governantes.
Desde sua introdução nos países Latinos a educação tem um caráter doutrinador e
por meio dele “o Estado buscava fazer da escola primária um meio de instrução e de
controle das “massas” ...” (SOARES, 2007.p.33), distanciando-se da sua principal
característica, que é conduzir o conhecimento de si e do mundo respeitando diferenças e
as individualidades1. A Educação, desde a chegada dos padres jesuítas no sec. XV, tinha
como intenção disciplinar e civilizar os índios, sendo essa uma das caraterísticas que
ainda marcam a herança educacional também nos países vizinhos.
Já na década de 1930 a luta ideológica por controle sobre a educação detém um
caráter político e social, o qual está fortemente enraizado na cultura dos países sul-
americanos, e estes, mantém com o ensino público uma relação política visando a escola
como um veículo na intenção de “preparar as massas para as grandes tarefas nacionais e
favorecer uma revolução espiritual e cultural” (CAPELATO, 1945. p, 75), demonstrando
assim um espaço de disputa hegemônica e dominante no contexto educacional e
pedagógico. Ates de tudo o ensino público foi desenvolvido para abrigar os filhos dos
trabalhadores que ocupavam os grandes centros em buscas de melhores condições
mascaradas pelo avanço econômico e o crescimento industrial.

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Segundo o dicionário Etimológico a palavra Educar tem origem no Latim: “educare, educere, que
significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. O significado do termo (direcionar
para fora) era empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e viver em sociedade, ou seja,
conduzi-las para fora” de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo. É interessante
observar que o termo 'educação' em português possui uma conotação não encontrada na
palavra education do inglês. Enquanto em português a palavra pode ser associada ao sentido de boas
maneiras, principalmente no adjetivo “educado”, em inglês educated refere-se unicamente ao grau de
instrução formal. Fonte: DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO: ETIMOLOGIA E ORIGEM DAS
PALAVRAS. Educar: Origem da palavra educar. ETM. 2008-2022. Disponível
em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/educar/. Acesso em: 12 jan. 2022.
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Ainda na década de 1930, com a legitimação de leis que permitem a criação de


escolas públicas, e paralela a implantação de escolas, os livros infantis ganham
notoriedade, incluídos no ambiente escolar como ferramentas de trabalho adquirindo um
caráter nacionalista, tendo como finalidade converter valores morais e sociais. É
necessário, porém, compreender qual a intencionalidade da educação ao aderir livros
infantis como ferramenta educacional, pois ainda que hoje atinja grande parte da
população ela é moderada e moldada de acordo com as ideologias culturais sociais e
políticas conforme o regime adotado pelo seu país.
Os espaços escolares passam a ter um papel fundamental no desenvolvimento
social e econômico, em meio ao processo de alfabetização e por meio da literatura infantil
era possível submeter os alunos a ideias nacionalistas, mantendo assim uma característica
tendenciosa que ao mesmo tempo alimentava as campanhas em prol do governo,
incorporava-se simultaneamente aos materiais didáticos. Tanto no Brasil como na
Argentina nos governos de Vargas e Peron, a literatura era uma das ferramentas de
doutrinação, por meio de suas histórias escritas para as crianças foi elaborado todo uma
propaganda em prol destes governos. “Valendo-se das técnicas sofisticadas de
comunicação com objetivo político, os representantes do varguismo e do peronismo
procuraram canalizar a participação das massas...” (CAPELATO, 1945.p,21)
A função da escola era reduzir e mascarar os altos índices de analfabetismo e a
literatura um dos métodos para distração e conversão de novos sujeitos dentro de uma
ideologia nacionalista e patriota conforme afirma Maria Helena Rolim Capelato: “a
educação em si mesma era vista como um veículo privilegiado no que se refere a
introdução de novos valores e modelagem das condutas” (CAPELATO, 1945.p,221) fato
este que determinava um caráter político e social para a escola, apontado pelas professoras
Marisa Bittar e Mariluce Bittar ao se referir a educação no Brasil:

A educação, por exemplo, foi palco de manifestações ideológicas acirradas,


pois, desde 1932, interesses opostos vinham disputando espaço no cenário
nacional: de um lado, a Igreja Católica e setores conservadores pretendendo
manter a hegemonia que mantinham historicamente na condução da política
nacional de educação (BITTAR e BITTAR. 2012, p.158).

Portanto a ideologia de controle já permeava o espaço escolar, e através dessa


conclusão é possível compreender o posicionamento de Gramsci quanto as
arbitrariedades impostas pela ditatura, e embora os estudos referentes aos seus escritos,
tenham chegado no Brasil após a década de 1970, e as leituras sobre educação se deem
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ao final da ditadura2, seus cadernos já circulavam a Europa e através de suas críticas


sociais já bem construídas na década de 1930, nos possibilita comparar o modelo
educacional proposto pelos militares com as teorias gramscianas, as quais defende a
escola como um todo.
Ao trazer Gramsci para o campo da educação, estabelecemos um diálogo
atemporal premente a escola, a qual se configura um espaço para pesquisa e conhecimento
de nossa própria realidade, seja ela passado ou presente, e no caso aqui, a escola durante
o regime militar. A leitura de suas reflexões sobre a educação nos permite olhar para o
regime militar e questionar os abusos causados pela ditadura, a qual defende a escola
como um centro de treinamento e alfabetização para trabalhadores a fim de torná-los
obedientes e preparados para o mercado de trabalho.
Os regimes militares do Brasil e da Argentina são modelos educacionais que
contrariam as propostas de Gramsci pois, abrigava métodos rígidos de controle a fim de
que os alunos aprendessem o necessário dentro de uma formação profissionalizante,
aumentando ainda mais o distanciamento entre as classes populares e a mais abastadas, e
essas tinham autonomia ao preparar seus alunos para exercer altos cargos no governo e
na sociedade.
Segundo Gramsci: “A divisão fundamental da escola em clássica e profissional
era um esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes instrumentais,
enquanto a clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais.” (GRAMSCI,
2001. p,33). A obrigatoriedade de investir na educação estava direcionando as escolas
particulares onde os alunos poderiam ter acesso a uma formação mais adequada aos
moldes políticos e econômicos, mostrando um claro distanciamento entre classes sociais
e a quem pertencia o controle ideológico.
A ideologia de controle das massas contrariava a ideia central da educação
proposta, a qual engloba a escola como parte de um processo de criação e descoberta, os
militares reduziam a escola em ambientes para abrigar alunos e a reproduzir conteúdo
retirando a autonomia e a produção de pensamento crítico. Como Gramsci já vinha
apontando ao idealizar uma educação totalitária e não autoritária, para ele:

2
Conforme aponta Demerval Saviani: uma das primeiras edições lançadas Brasil foi no ano de “1966 com
o título de Concepção dialética da história”. Fonte: Gramsci no limiar do século XXI 1ª edição digital.
Disponível em: GRAMSCI NO LIMIAR DO SÉCULO XXI. José Claudinei Lombardi. Wilson Da Silva
Santos. 1 Edição Digital. Organizadores | PDF | Antônio Gramsci | Marxismo (scribd.com). Acesso em: 12
jan. 2022.
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A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo,


“humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional), ou de
cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social,
depois de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a
criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na
iniciativa (GRAMSCI, 2001. p,36).

Para Gramsci a formação de uma classe consciente baseada no trabalhador, prima


um ensino que supere a cultura enraizada na dominação, pois através da educação é
possível construir uma sociedade hegemônica a qual concebe a si uma consciência de
classe igualando a si, e aos outros sujeitos perante a sociedade. “Para atender ao relevante
papel que cabe à escola no desenvolvimento humano-social, Gramsci concebe a escola
unitária de caráter público, isto é, sob inteira responsabilidade do Estado.” (SAVIANI.
2013.p.72). Nesse sentido, a escola deveria aproximar o aluno da pesquisa ambientando-
se em um espaço para formação, excluindo toda forma de campanhas de formação
ideológica, para Gramsci:

A escola criadora é o coroamento da escola ativa: na primeira fase, tende-se a


disciplinar e, portanto, também a nivelar, a obter uma certa espécie de
“conformismo” que pode ser chamado de “dinâmico”; na fase criadora, sobre
a base já atingida de “coletivização” do tipo social, tende-se a expandir a
personalidade, tornada autônoma e responsável, mas com uma consciência
moral e social sólida e homogênea (GRAMSCI, 2001. p,39).

Desse modo, a educação é responsável pela elaboração de novos valores se


sobrepondo aos estabelecidos pela burguesia, os quais estão condensados pela história
rompendo com essa estrutura doutrinaria, e construir novos padrões baseados na aliança
da classe subalterna, ao contrário do que se aplicava durante o regime militar, que
estabelecia normas rígidas para manter-se no poder.
O papel das escolas públicas durante o regime militar, compôs um cenário de
mudança na estrutura educacional, enquanto se produzia trabalhadores, excluía do
ambiente escolar todo e qualquer investimento que possibilitasse uma educação de
qualidade. O modelo educacional proposto pelos governos militares era limitado a
doutrinação e a formação de uma classe de trabalhadores preparados para fortalecer o
crescimento do país, a educação ofertada aos alunos da rede pública distanciava ainda
mais da ideia de ensino universal e a formação do pensamento crítico.
Nesse contexto é possível refletir sobre como a estrutura política e econômica dos
países dominados pelo regime militar, e as contrariedades em elaborar leis que
beneficiassem a educação, os quais garantiam ensino gratuito e de qualidade para todos.
Durante a década de 1960 os altos índices de analfabetismo evidenciavam uma educação
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excludente, onde o governo pouco se esforçava para diminuir a taxa de analfabetismo,


criando programas a fim de suprimir os movimentos em prol da educação.
Ao assumir o poder, voltou seu olhar para as escolas as quais vinham sendo
desprezadas ao longo do tempo pelos descasos dos governos anteriores a fim de moldá-
la de acordo com as políticas autoritaristas previstas para aquele momento. A educação
nesse período passa a ser obrigatória, submetendo as escolas a um controle político e
ideológico, no sentido de criar um sujeito dócil e obediente. No entanto, os meios de
organizar e punir quem se opunha as políticas educacionais, ainda que violentas, eram
também subjetivas conforme seus governantes.
Nesse período, a ideologia de controle das massas se intensificou: “ancorada no
pensamento tecnocrático e autoritário que acentuou o papel da escola como aparelho
ideológico de Estado” (BITTAR e BITTAR. 2012, p.162), reafirmando um papel
doutrinador, exigindo que as escolas pudessem cumprir com o papel de educar.
Curiosamente no Brasil a literatura infantil que já fazia parte do material escolar,
conquistou um novo formato, e aproveitando-se do momento em que as editoras
investiam em novas produções, conseguiu passar despercebida pela censura, pois suas
histórias variavam em um mundo de faz de conta e ludicidade o tornando desinteressante
para a leitura adulta.
Na Argentina a censura não se limitava aos espaços públicos, o controle
minucioso sobre as produções literárias era um dos métodos de conduzir o aparato
repressor dentro da escola.

Na Argentina, não parece ter havido meio termo: ou os livros infantis


carregavam nos tons cívicos característicos do discurso escolar, ou assumiram
uma perspectiva indiferente às questões nacionais ou políticas, mas
conformadora de representações da infância – associadas à imagem da criança
pura e ingênua, merecedora dos textos suaves que a orientassem para o Bem –
as quais também encontravam abrigo nos meios educacionais (SOARES,
2007, p. 78).

Para Marcos Novaro e Vicente Palermo, o governo militar na Argentina “...não se


privaram de pregar uma função formativa cujo impacto transbordava o âmbito público
para penetrar nos lares” (NOVARO e PALERMO, 2007. p 185). Por meio da repressão
dentro das escolas era possível propagar o medo e conter os atos subversivos punindo
severamente qualquer produção crítica ou que questionassem os valores estabelecidos
que não estivessem dentro das propostas curriculares criadas por seus governantes.
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Esse pensamento se estende desde alunos a professores, sendo os educadores alvo


do descaso, mas também de intensa vigília, responsáveis por repassaram um
conhecimento pronto e limitado de acordo com os ideais políticos do regime militar. No
entanto enquanto no Brasil a escola sofreu um sucateamento e os professores foram
incentivados a buscar uma formação limitada conforme os anseios do governo, a
Argentina por sua vez, ainda na década de 1930, investiu na educação ciente de que
quanto mais elaborado eram seus investimentos, maior controle ideológico teria sobre
professores e alunos.
Porém, na Argentina o controle ideológico dedicava a educação uma atenção
redobrada dentro da proposta pedagógica ocultamente mantinha “ações dirigidas a vigiar
e castigar operando sobre as relações entre docentes e alunos, entre os próprios alunos, e
entre estes e suas famílias”. (NOVARO e PALERMO, 2007. p183). No entanto essa
intensa vigília, não era limitada apenas ao espaço escolar, ele se estendeu e moldou outros
ambientes como os espaços culturais, entretanto por meio de livros infantis como já era
de costume os militares poderiam interferir no que escrevia para crianças, e por meio da
escola, os governos militares dificultavam ainda mais a liberdade de pensamento e
expressão popular.
Por sua vez, a literatura infantil, também foi moldada pelo regime autoritário,
adquirindo novas características, através da história tanto do Brasil, como também, os
demais países da América Latina. Os livros produzidos para crianças durante os governos
militares, nas palavras de Julia Zullo; transitavam “entre imposição e transformação das
representações” 3 políticas e sociais, ora como ferramenta de propaganda, e ao mesmo
tempo que denunciavam as irregularidades sociais, de forma lúdica, mas convincente. A
educação ao aderir livros infantis como ferramenta educacional, os modelava de acordo
com as ideologias culturais sociais e políticas conforme o regime adotado pelo seu país.
Gramsci contesta também, a importância da literatura, ainda que em um momento
distinto não classificando-a como gênero literário infantil, já evidenciava um
descontentamento com as produções, a mesma segundo Daniela Xavier Haj Mussi afirma
em seu artigo:

Para Gramsci, a questão literária deveria orientar a formação de novos e


melhores intelectuais, ou seja, deveria significar, ao mesmo tempo, como
negação da tradição livresca da vida intelectual italiana e do senso comum

3
ZULLO, Julia. El golpe de Estado llega al aula. Las versiones para niños de la história reciente.
Discurso & Sociedad. V,8, n 1, pages = {12-36}. 2014 disponível em:
http://www.dissoc.org/ediciones/v08n01/DS8(1)Zullo.html. Acesso em: 15, jan. 2022
8

embutido no folclore e subalternidade cultural da vida popular (MUSSI.


2017, p.94.).

Nesse caso as produções literárias precisavam se reinventar deixando velhos


costumes e hábitos culturais para adquiris características próprias, tornando-se um
veículo de entretenimento, mas também construir novos intelectuais a partir de seus
escritos. Fato esse que ocorreu durante a década de 1970 no Brasil, com obras escritas
por autores infantis que utilizaram seus livros para expressar seu desejo de mudança no
contexto social o qual faziam parte. Outra questão também a ser ressaltada é que Gramsci
valorizava tanto a literatura como a escola, reconhecendo que o vínculo com uma
sociedade hegemônica partia de valores intelectuais construídos através do saber e
educação, e, por meio deles construir uma sociedade unicamente igualitária.
Para Gramsci a educação ou o ato de educar, bem como as produções no campo
literário, devem ser libertadores, fazendo com que o indivíduo desenvolva suas
capacidades e amplie a visão de si e do mundo e ao fim de sua formação continue a
exercer suas habilidades críticas diante da sociedade ao qual pertence. Para o autor o
controle ideológico é uma ferramenta eficaz para quem a detém o poder pois ele limita o
senso crítico ao mesmo tempo que estabelece péssimas condições tirando a motivação
para que o estudante possa aprender. É o que aponta Demerval Saviani quando discute a
importância da escola segundo os pensamentos gramscianos:

Para atender ao relevante papel que cabe à escola no desenvolvimento


humano-social, Gramsci concebe a escola unitária de caráter público, isto é,
sob inteira responsabilidade do Estado. Contra a tendência em voga de abolir
todo tipo de escola “desinteressada” e “formativa”, ele pensa a escola unitária
exatamente com sentido desinteressado, ou seja, voltada para a formação
cultural e não diretamente profissionalizante (SAVIANI. 2013, p.72).

Conforme Gramsci, a educação é fragmentada, e isso ocorre por conta de fatores


sociais e políticos os quais interferem de forma direta no aprendizado do aluno, limitam
e os classificam como classe subalterna. A educação, portanto, é responsável pela
elaboração de novos valores, confrontam conceitos estabelecidos pela burguesia, os quais
estão condensadas pela história a educação pode romper com essa estrutura e construir
novos padrões baseados na aliança da classe subalterna.

O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho


intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida
social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de
cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo (GRAMSCI,
2001 p.40).
9

Gramsci defende, que o aluno compreenda seus direitos, porém busque


desenvolver suas habilidades quanto aos deveres que lhe conferem e, a liberdade qual ele
adquire conhecimento seja também a mesma que o leve a prática, criando vínculos e
fortalecendo uma consciência de classe coletiva, pois, quando se compreende a relação
entre o sujeito educação é possível relacionar um conjunto de interesses que prioriza o
bem-estar da sociedade de maneira uniforme, favorecendo a população como um todo
não apenas um grupo de privilegiados como de fato acontecia durante o regime militar e
ainda acontece atualmente4.
Com o final do regime militar novas leis foram implantadas e reestabelecidos com
base na elaboração de uma nova Constituinte no final dos anos 1980, a qual colaborou
com o desenvolvimento de políticas educacionais que atendessem os anseios da
população, conforme BITTAR e BITTAR:

No final da década de 80, no contexto da Assembleia Nacional Constituinte,


após intenso processo de discussão e organização dos mais variados segmentos
da sociedade política e da sociedade civil, o Brasil promulgou a sua nova
Constituição (1988). Denominada de ‘Constituição Cidadã’, a nova Carta
Magna brasileira define em seu artigo 208 que o dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de ‘ensino fundamental
obrigatório e gratuito’, considerado ‘direito público subjetivo’. A efetivação
desse direito, um avanço em termos de políticas públicas educacionais,
proporcionou mudanças importantes na educação pública brasileira, a seguir
analisadas (BITTAR e BITTAR. 2012, p.164).

Portanto, se a educação é um direito de todos, a autonomia e a construção de


pensamento crítico também, o que difere é a péssima qualidade de ensino nas escolas
públicas o que minimiza a liberdade de construir conhecimento sobre o concreto. Ao olhar
para a história tanto do Brasil como da Argentina, temos a oportunidade de esmiuçar as
possibilidades, e estas, refletem a construção de novas possibilidades as quais Gramsci
identificada no processo de redemocratização, na construção de novos personagens
fundamentais para a reconstituição da vida política e pública.

4
“...a escola pública brasileira continuou se expandindo quantitativamente, mas a ineficiência do
ensino tem sido constatada pelas avaliações de desempenho adotadas pelo Estado desde então”. Fonte:
EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA TECNOCRÁTICA NA DITADURA MILITAR AMARILIO FERREIRA
JR. * MARISA BITTAR **Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 333-355, set./dez. 2008.
10

Considerações finais.

Como podemos perceber, a educação nos países como Brasil e Argentina se


estabeleceu de forma tendenciosa, acumulando propostas governamentais a fim de
contribuir com desenvolvimento de seus respectivos países e alimentando campanhas em
pro de seus mandatos. Diante do descaso com a educação, é possível comparar as
similaridades dos regimes militares quanto ao controle ideológico e o ensino
profissionalizante na intenção de elevar o crescimento econômico de seus país.
Apesar das diversas lutas engajadas por educadores e grupos sociais, a educação
engatinha no sentido de promover conhecimento, aponta elementos culturais e sociais que
visam o aluno a buscar a autonomia junto ao conhecimento sendo o professor um
mediador entre o aprendizado e autonomia. Porém ainda sofre grandes ataques, o
desmonte na educação, ocorre envoltos em demandas que primam o crescimento
individual do sujeito alimentando a velha campanha de desenvolvimento econômico.
Para Gramsci, é a partir da educação é que o sujeito se liberta de valores políticos
e religiosos estabelecidos pela sociedade burguesa a fim de dominar a classe operária, e,
ao redimensionar o conhecimento adquirido é possível confrontar a realidade, e os valores
éticos e morais devem e precisam ser estabelecidos pela sociedade, porém de maneira
uniforme favorecendo a população como um todo não apenas um grupo de privilegiados.
Para que isso seja possível é necessário, um processo educativo que abrace todas as
classes retirando-se os rótulos, tornando a escola espaço que não haja distinção entre
classes rompendo a dualidade da escola rompe-se padrões sociais unificando a
informação para emancipação humana, para assim tornar-se capaz de mudar os rumos da
Sociedade.
Entre tanto permitir que o aluno possa refletir e reformular seus pensamentos é
um risco que o sistema político capitalista prefere ignorar, pois ao se tornar adultos
conscientes passam a questionar o mundo em que vivem e adquirem consciência de
classe, sujeitos capazes com autonomia intelectual busca por seus direitos de forma ampla
e possível.
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Referencias
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v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012.

Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, vol.1, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a
colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro,
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________ Cadernos do cárcere, vol. 2, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a
colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2001.
________ Cadernos do cárcere, vol. 4, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a
colaboração de Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.

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2022. Disponivel em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/educar/. Acesso em: 12
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AMARILIO FERREIRA JR. * MARISA BITTAR **Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 333-
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MUSSI. Daniela, Xavier, Haj Antonio. Gramsci e a crítica da cultura: intelectuais,


política e classes subalternas- Ensaio temático Antonio Gramsci. R. Katál.
Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 93-102, jan./abr. 2017

LAJOLO, Marisa. Brasil para crianças - Para conhecer a literatura infantil brasileira:
histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1988.

LOMBARDI, José Claudinei et al. Gramsci no limiar do século XXI. 1. ed. Campinas.
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SOARES, Gabriela Pellegrino. Semear horizontes – Uma história da formação de


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