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Concepções de Infância e Instituições de Atendimento

DISCIPLINA
TEORIAS E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

Sumário

Sumário
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
1 Concepções de Infância e Instituições de Atendimento ----------------------------------- 3
1.1 O Surgimento da Infância--------------------------------------------------------------------------------------- 3
1.2 O Surgimento da Educação Infantil -------------------------------------------------------------------------- 5
1.3 O Surgimento da Infância no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 7
2 A Educação Infantil no Brasil -------------------------------------------------------------------- 11
2.1 Histórico ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 11
2.2 Legislação --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 20
A Constituição Federal e a Educação Infantil --------------------------------------------------------------------------------- 20
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Educação Infantil ---------------------------------------------------------- 21
A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, LDB 9394/96 e a Educação Infantil ---------------------- 22
O FUNDEB e a Educação Infantil ------------------------------------------------------------------------------------------------- 24
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil --------------------------------------------------------------- 26
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI ------------------------------------------------------ 26
A Educação Infantil Pós LDB------------------------------------------------------------------------------------------------------- 30

3 Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica------------- 33


3.1 Pedagogia da Infância: uma Prática com a Criança e para a Criança ----------------------------- 33
3.2 Um Pouco da História das Pedagogias: a Criança em Foco ------------------------------------------ 34
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ------------------------------------------------------------------------------------------- 36
Johann Heinrich Pestallozzi (1746-1827) -------------------------------------------------------------------------------------- 38
Friedrich Fröebel (1782 – 1852) -------------------------------------------------------------------------------------------------- 39
Ovide Decroly (1871- 19632) ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 43
Maria Montessori (1870 – 1952 ------------------------------------------------------------------------------------------------- 44
Celestin Freinet ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 47
Henri Wallon -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 49
Jean Piaget ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 51
Lev Semenovich Vygotsky --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 54
3.3 Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 55
Referências ------------------------------------------------------------------------------------------------ 56

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Concepções de Infância e Instituições de Atendimento

1 Concepções de Infância e Instituições de Atendimento


1.1 O Surgimento da Infância
Educar crianças de 0 a 5 anos tem representado um grande desafio para as
instituições que se destinam a esse fim. Como fazer para que o trabalho a ser
desenvolvido contemple a formação para a cidadania, desde a infância?

Um dos objetivos deste instrucional é percorrer a trajetória histórica da educação


infantil, buscando refletir sobre a educabilidade na infância, partindo do princípio de
que a criança possui uma atividade inerente a sua condição social de infância.

Figura 1 - Cristo e a Virgem como protetores da Infância (1694) de Esteban Márquez.

Para iniciar nossa trajetória pela educação infantil, como atendimento


institucional, é preciso uma passagem pelo conceito de infância, absolutamente
fundamental e anterior a qualquer proposta desse tipo de atendimento às crianças.

Kramer (2003) apresenta os estudos do historiador francês Philippe Aries como


sendo um dos mais relevantes na conceituação da infância. Através desses estudos,
Aries relata uma transformação do sentimento de infância e identifica esse sentimento
como a consciência da particularidade infantil.

Esse historiador pesquisou também a questão do surgimento do sentimento de


família, que proporcionou o sentimento de infância na sociedade. Através de pinturas,
documentos antigos, registros escritos, fotografias, Aries foi delineando um processo
de evolução no sentimento de infância, identificando-o de acordo com a condição

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social das crianças e de seus grupos culturais. Na medida em que as mudanças na


organização social foram ocorrendo, assim também apareceram contribuições para a
melhoria da condição das crianças e de suas infâncias nas sociedades.

Segundo Kramer, o sentimento de infância não vai corresponder à afeição que


os adultos têm pelas crianças, mas sim a consciência de que existe uma pessoa criança,
com peculiaridades próprias que as distinguem dos adultos.

Para a pesquisadora, há dois aspectos relevantes a serem considerados quando


contextualizamos, historicamente, o conceito de infância:

1. Era extremamente alto o índice de mortalidade infantil que


atingia as populações e, por isso, a morte das crianças era
considerada natural. Quando sobrevivia, ela entrava diretamente
no mundo do adulto. A partir do século XVI, as descobertas
científicas provocaram o prolongamento da vida, ao menos nas
classes dominantes. É importante acentuar que essa mortalidade
continua hoje a ser regra para os filhos de classes dominadas em
países de economia dependente, como o Brasil;

2. O sentimento moderno de infância corresponde a duas


atitudes contraditórias que caracterizam o comportamento dos
adultos até os dias de hoje: uma considera a criança ingênua,
inocente e graciosa e é traduzida pela “paparicação” dos adultos;
e outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe a ela,
tomando a criança como um ser imperfeito e incompleto, que
necessita de “moralização” e da educação feita pelo adulto
(KRAMER, 2003: 18).

Pode-se perceber que a instituição da infância na sociedade foi marcada por duas
posturas distintas com relação à educação das crianças: ou se tinha a criança como
um ser frágil, dependente do adulto, que precisava ser protegido e poupado das más
influências do meio social; ou então se via a criança como um ser “bruto” que
necessitava ser “lapidado” pela educação e o modelo do adulto.

Segundo Kramer (2003), ambas as visões eram baseadas em uma dimensão


universal da criança e da infância, levando em consideração aspectos inerentes à
natureza humana nessa etapa da vida.

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Os séculos XVII e XVIII foram palco para a ascensão de uma classe social,
constituída de artesãos e comerciantes, que se fortaleceu economicamente, fazendo
surgir novas organizações na sociedade, entre elas, a família nuclear. Com o
surgimento da família nuclear, o conceito de infância vai assumindo relevância social.
Educar as crianças, que antes era uma preocupação da sociedade, passa a ser tarefa
primordial das famílias.

A identificação do contexto burguês em que este sentimento de infância surge e


se estrutura é extremamente importante para a compreensão da concepção atual de
criança, quando se acredita ou se quer fazer acreditar numa essência infantil
desvinculada das condições de existência, ou seja, sua classe social e sua cultura
(Ibidem:18).

É nesse mesmo contexto que a escola se constitui como instituição social, de


cunho educacional, complementar à família, e, na medida em que família e escola
passam a compartilhar da educação das crianças pequenas, o que veremos mais
adiante, o papel da criança na sociedade vai ganhando especial relevância, mesmo
que o sentimento de infância marque, durante muito tempo de sua trajetória histórica,
a natureza da criança e não a sua existência como sujeito social e cultural.

1.2 O Surgimento da Educação Infantil

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No início do século XVII, surgem as primeiras preocupações com a educação de


crianças pequenas. Isso porque era possível perceber, neste momento, que as
sociedades, principalmente a burguesa, já valorizavam a criança no seio da família.

A sociedade moderna vinha impondo novas formas de relação na sua


organização, o que significava transformações significativas nos mais diversos setores
da vida social. A educação institucional passa a valorizar o conhecimento científico,
tendo em vista a necessidade de compreensão e apropriação do homem pela
natureza, para que pudesse alcançar melhores condições de vida. A busca pelo
conhecimento, então, torna-se condição necessária para maior estabilidade social.

A preocupação com a forma de como jovens e crianças seriam educados na


escola, aliada ao sentimento de infância, foi contribuindo para o surgimento de uma
pedagogia que contemplasse a criança e suas formas próprias de aprendizagem.

(...) As instituições de educação para as crianças entre 0 e 6 anos de idade


começam a se esboçar no continente europeu ainda no final do século XVIII,
propagando-se por meio de uma circulação de pessoas e ideias que precisa ser melhor
pesquisada. Criadas para atender as crianças pobres e as mães trabalhadoras, desde
o início se apresentaram como primordialmente educacionais (KUHLMANN JR., 2000).

De acordo com os estudos de Kuhlmann, em 1796, surge na França, mais


propriamente na paróquia rural de Ban-dela-Roque, a escola infantil (escola de
principiantes ou escola de tricotar, como era chamada). Essa instituição foi
reconhecida, na história da Educação Infantil, como a pioneira nessa tarefa.

As escolas de tricotar foram surgindo na medida em que as indústrias absorviam


o trabalho das mulheres. Aos sete anos de idade, as crianças das classes trabalhadoras
já eram consideradas aptas ao trabalho; por esse motivo, as escolas de tricotar,
atendiam, em sua maioria, crianças de 0 a 6 anos de idade.

De escola de tricotar às salas de asilo ou Escola Maternal, os valores morais,


ensinamentos religiosos e as primeiras letras eram os objetivos maiores do ensino
nessas instituições, embora, em 1824, o pedagogo inglês Samuel Wilderspin, que
fundou a Infant School Society, tenha sistematizado a primeira proposta de
escolarização para crianças de 2 a 11 anos. Foram os métodos aplicados nessa
proposta que deram origem às Salas de Asilo francesas, mais tarde a Escola Maternal.

Em 1840, o pedagogo alemão Fröebel inova a educação de crianças pequenas


com a criação dos Kindergarten Beschäftigungs-Anstalt, os jardins de infância, como
ficaram conhecidos no mundo, como uma estratégia de marketing para a venda de

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brinquedos destinados às crianças pequenas na época. Baseado nas ideias de Russeau,


Fröebel acreditava que o trabalho educativo com crianças pequenas deveria acontecer
em um ambiente próprio, com materiais apropriados, a partir de jogos e do uso de
brinquedos e brincadeiras, que, para Fröebel, eram atividades naturais das crianças.

O final do século XIX e o início do século XX vão marcar consideravelmente a


trajetória da educação infantil no mundo, em função das grandes mudanças que a
sociedade europeia viveu neste período. Vejamos o que diz Leite Filho:

Esse período é caracterizado como o da organização dos fundamentos teórico-


práticos. É denominado comumente como Escola Nova, e nele vão aparecer nomes
como dos médicos Decroly (1871-1932), na Bélgica, e Montessori (18701952), na Itália;
do filósofo e psicólogo norte-americano Dewey (1859-1952); do biólogo suíço Piaget
(1896-1980) e do professor francês Freinet.

1.3 O Surgimento da Infância no Brasil

No Brasil, os diferentes tipos de infância podem se tornar visíveis a partir da


análise das relações de poder, das diferenças sociais e étnicas existentes nos variados
períodos históricos.

As interpretações acerca desses registros históricos apontam para várias leituras


possíveis das relações entre adultos e crianças, caracterizando infâncias distintas, em

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cada tempo e cada espaço social. Desde as sociedades indígenas, no período colonial,
as crianças pequenas eram cuidadas pelos adultos, para brincarem e aprenderem
coisas necessárias a sua sobrevivência, até que tivessem idade para assumir funções
nas tribos. Assim, observavam as atividades dos adultos e ouviam suas histórias.

Os curumins, como eram chamados os meninos e meninas indígenas, eram


tratados com muito respeito. Para integrá-los ao grupo social, os adultos, desde cedo,
elaboravam brinquedos, como miniaturas de animais, arcos e flechas, criavam
situações para os momentos de iniciação, utilizando rituais de pintura, de festas, de
danças, de lutas que davam elementos para a construção da singularidade das tribos
indígenas (GUERRA et al, 1999).

A partir da catequização jesuítica, imposta na colonização portuguesa aos índios,


foram incorporados outros valores na vida das crianças indígenas. A ideia dos padres
jesuítas era tornar as crianças dóceis e obedientes, uma vez que entendiam os hábitos
e costumes indígenas como selvagens e não civilizados. Conforme narra a história do
povo brasileiro, a intervenção jesuítica gerou um processo de aculturação do indígena.
Isso também aconteceu com relação à cultura africana no período da escravatura no
Brasil.

A criança africana vivia uma infância de privações e negações. Criadas em


senzalas, eram, desde cedo, (1896-1966), como os grandes configuradores da teoria e
da prática da educação infantil. (LEITE FILHO, 2003).

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A partir daí, vamos iniciar com o surgimento da infância e da educação infantil


no Brasil. Mais adiante, estaremos aprofundando os teóricos que fundamentaram as
práticas educativas com crianças pequenas, ao longo das histórias das tendências
pedagógicas. propriedade privada dos senhores de engenho; portanto, não havia a
constituição de família, mesmo que fosse uma família tribal, como no caso dos
indígenas. Os africanos eram submetidos aos seus senhores, seguiam suas ordens e
não podiam manifestar suas expressões e ensinar sua cultura às suas crianças. Estas
seriam educadas para assumir, mais tarde, o trabalho escravo, eram iniciadas ainda
pequenas nas atividades domésticas. Não havia a permissão para que frequentassem
escola, pois esse era um direito somente dos filhos legítimos dos senhores de
engenhos, chamados de sinhozinho e sinhazinha.

Ainda que vivessem em uma condição mais favorável, havia diferença com
relação às crianças criadas na casa grande, pois o direito à escolarização era dado
somente aos meninos, assim como os mais importantes papéis na sociedade. Desde
cedo, os meninos eram criados para serem os grandes varões, frequentavam escolas,
aprendiam a dar ordens, para assumir, mais tarde, o posto de senhor, chefe da família
e de toda a propriedade: escravos, terras e riquezas. As meninas aprendiam a obedecer
e a se tornar mulheres prendadas. Eram criadas para casar-se e procriar. Poucas
sabiam ler e esse aprendizado, na maioria das vezes, acontecia em casa com ajuda dos
adultos da família.

Era possível que as crianças negras, filhas dos escravos, os sinhozinhos e as


sinhazinhas, assim como, mais tarde, os filhos de imigrantes, brincassem juntas, mas
viviam, no seu cotidiano, marcas das diferenças sociais, fruto das relações de poder
que se estabeleciam na época, portanto viviam infâncias diferentes.

O processo de urbanização trazido pelo período republicano possibilitou


mudanças marcantes na cultura brasileira, influenciando as organizações sociais e,
consequentemente, a educação das crianças. A cultura da indústria se instalou nos
modos de vida da nossa sociedade e impôs uma série de implicações. Era preciso
educar a população para formar a mão-de-obra operária, preparando-a para o
trabalho com tecnologias mais avançadas e outras formas de relações pessoais:
trabalhadores x patrões x salário. Segundo Guerra et al (1999), “o estatuto social da
criança se modifica e a infância passa a representar um investimento para que um
projeto de nação se concretize no futuro”.

Ainda, segundo Guerra et al, a infância brasileira carrega marcas de proteção e


abandono na sua história. Algumas crianças eram assistidas pelas suas famílias e pela

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sociedade e recebiam proteção e condições para tornarem-se adultos e darem


continuidade ao legado social do qual pertenciam. Já as crianças oriundas de famílias
pobres, descendentes de escravos ou, até mesmo, frutos de relações adúlteras, nem
sempre tinham a mesma sorte de serem tuteladas por uma família e até quando eram
não tinham acesso às mínimas condições de uma vida promissora. No final do século
XVIII e início do século XIX, o abandono de crianças era tamanho, ao ponto de se
necessitar criar instituições para seu abrigo e amparo. Em 1738, é fundada na Santa
Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, a Roda e a Casa dos Expostos.

A roda dos expostos foi uma solução importada da Europa medieval e se


caracterizou como uma espécie de caixa circular dividida em duas partes que girava
em torno de um eixo, onde uma das partes era aberta para que a criança fosse
abandonada de forma anônima. Segundo SEVERO (1999) a “roda foi a solução para
reparar a moral social ofendida. Quer fruto da miséria social, física ou moral, a estas
crianças só restava a caridade alheia” (Ibidem, 1999).

Durante os séculos XVIII e XIX, a Roda recebeu


42.200 enjeitados, filhos de pessoas pobres, ou
ilegítimos, adulterinos ou filhos de escravas que os
senhores lá abandonavam para alugar suas mães
como amas de leite.

Na contemporaneidade, a legislação passa a


ser a tentativa para a garantia dos direitos às
crianças brasileiras. Surge a ideia do pequeno
cidadão, um sujeito que, embora de pouca idade, já
possui necessidades e direitos a serem assumidos e
respeitados pela sociedade, ressaltando nesse bojo
a responsabilidade maior para a família e o Estado.
Entretanto, ainda há que se refletir:

Ser criança mesmo no mundo atual é ter infância? Mas qual infância? Sabemos
que muitos dos direitos infantis continuam sendo violados: crianças sem família
biológica ou substituta, crianças as quais faltam alimentos, remédios e médicos,
crianças exploradas, abusadas ou negligenciadas, crianças que trabalham, crianças
sem creche ou pré-escola... Ainda falta muito para que todas as crianças possam ser
crianças e vivam o seu tempo de infância. Uma luta que deve ser dos educadores e de
toda a sociedade.

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A Educação Infantil no Brasil

2 A Educação Infantil no Brasil

2.1 Histórico
O objetivo dessa discussão é fazer um percurso histórico pelo atendimento à
criança pequena no Brasil, identificando suas diversas concepções e propostas.

Sônia Kramer (2003) registrou o processo histórico do atendimento à criança


pequena no Brasil, organizando-o em três grandes períodos, datados entre 1874 até
a homologação da atual Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDBEN
9394/96, em dezembro de 1996, que representou um avanço para a educação infantil,
uma vez que trouxe, pela primeira vez em um texto legal, esse atendimento inserido
no contexto da educação formal. Nesse estudo, a autora buscou estabelecer marcos
desse atendimento que pudessem registrar concepções sobre a criança e a infância e
as intervenções do Estado através de políticas públicas destinadas à faixa etária de 0
aos 6 anos.

A primeira forma de atendimento institucional à criança pequena registrada no


Brasil foi a “Casa dos Expostos” ou “Roda”, que recebia as crianças órfãs ou
abandonadas pela família. Historicamente, a Roda ficou conhecida como o lugar para
que filhos bastardos ou rejeitados (deficientes, doentes etc.) fossem entregues à sorte.

Por iniciativa do comerciante Romão de Mattos Duarte, em 1738, foi criada a


Casa da Roda, no próprio Hospital Geral da Santa Casa, tinha esse nome porque uma
roda de madeira foi colocada à sua porta, onde as mães que não podiam sustentar
seus filhos, ou menores abandonados da época, ali eram colocados para serem
assistidos. A Casa da Roda funcionou no Hospital Geral até 1821.

Logo depois, o nome da instituição passou a ser Casa dos Expostos e foi
transferida para uma habitação no bairro de Santa Teresa, onde permaneceu até 1850.

Em 1850, o provedor José Clemente Pereira instalou os "expostos" em uma casa


na Rua da Lapa, 16, onde funcionou por dez anos. Durante mais de quarenta anos, a
Casa dos Expostos passou pela Rua dos Borbonos, pela Senador Vergueiro e Praia do
Flamengo.

Finalmente, em 14 de janeiro de 1911, foi solenemente inaugurada a Casa dos


Expostos no Edifício da Rua Marquês de Abrantes (ex-provedor da Santa Casa em
meados do século XIX). Neste dia, passou a ter a denominação de Educandário Romão
de Mattos Duarte, a qual lhe é atribuída até os dias de hoje.

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A Educação Infantil no Brasil

Nas Rodas dos Expostos e Asilos mantidos pela Santa Casa, as crianças só ficavam
abrigadas até completarem 7 anos de idade, ou fim da “meninice”, como era
considerada a infância no século XIX. Quando completavam 7 anos, as crianças eram
encaminhadas para o trabalho.

A partir da Roda dos Expostos, segundo a autora, o que se verifica nos registros
históricos são iniciativas, vindas dos chamados higienistas, para conter o alto nível de
mortalidade infantil da época:

As primeiras iniciativas voltadas à criança partiram dos higienistas


e se dirigiram contra a alarmante mortalidade infantil, que era
atribuída por eles a duas causas. Uma delas dizia respeito aos
nascimentos ilegítimos, fruto da união entre escravos ou destes
com seus senhores. A segunda se referia à “falta de educação
física, moral e intelectual das mães” (42, p. 164) ou, mais
concretamente, sua negligência na medida em que permitiam o
aleitamento mercenário (escravas de aluguel). A ligação entre as
duas causas se estabelece porque ambas culpam a família, além
de colocarem nos negros escravos a origem das doenças
(KRAMER, 2003: 49).

Até o ano de 1889, essas iniciativas predominaram. Segundo Kramer, médicos e


sanitaristas (higienistas) reconheciam a necessidade de medidas urgentes com relação
ao cuidado com a criança pequena, porém tais iniciativas eram provenientes de
grupos privados, não havia uma ação efetiva do poder público com relação à proteção
e ao cuidado da criança e essa situação acarretava a carência de atendimento às
crianças oriundas de famílias pobres, uma vez que as iniciativas privadas não davam
conta dessa demanda (Ibidem: 50). Entretanto, a autora considera que essas iniciativas,
embora localizadas e precárias no tocante à demanda que se tinha na época,
representam, atualmente, o surgimento da ideia da proteção à criança pequena no
Brasil.

Nos estudos de Monarcha e Kuhlmann Jr. (2001), consta que, em 1883, o Inspetor
Geral de Instrução Pública do Brasil publicou o relatório da visita que fez às instituições
europeias de educação infantil, inclusive ao Jardim de Infância de Fröebel:

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A Educação Infantil no Brasil

Nas grandes cidades europeias, e sobretudo nos grandes centros


industriais, tem-se efetivamente criado estabelecimentos
especiais, destinados a receber os filhos dos operários e guardá-
los durante o dia, enquanto os pais estão retidos na faina das
oficinas. Alguns destes estabelecimentos aceitam as crianças
desde os 2 ou 3 anos de idade até os 6 ou 7 anos; é o caso dos
asyles d’enfants em Paris, dos kinderbewahranstalten em Viena e
Berlim. Outros aceitam as crianças menores de 2 anos, mesmo as
recém-nascidas: é o caso das creches francesas, das krippen
alemãs. Nenhum destes estabelecimentos, porém, corresponde
ao jardim-Fröebel. Eles destinam-se a fins humanitários e
caridosos, mas não envolvem rigorosamente uma ideia
pedagógica (KUHLMANN JR. in MONARCHA (org.), 2001: 4).

Nesse relatório, segundo Kuhlmann Jr., foi constatado que somente os


kindergarten de Fröebel funcionavam como instituições públicas, abertas à população.
O autor coloca também que a instituição criada por Fröebel era a única, dentre todas
as outras que o relator havia visitado em sua viagem, que oferecia um atendimento
pedagógico às crianças.

O propósito do Imperador ao enviar o Inspetor à Europa, afirma Kuhlman Jr., era


obter informações sobre os jardins de infância e as instituições de educação infantil
francesas. Nesse sentido, é possível considerar esse fato como uma primeira iniciativa
do poder público para o atendimento institucional às crianças pequenas (na idade
pré-escolar). Entretanto, anterior à viagem do Inspetor Geral de Instrução Pública, o
médico Menezes Vieira criou, com sua esposa, D. Carlota de Menezes Vieira, em 1875,
no Rio de Janeiro, o primeiro jardim de infância brasileiro, privado, que funcionava no
Colégio Menezes Vieira. O Dr. Menezes Vieira (1848-1897) compartilhava da crença
que aliar educação à higienização era uma possibilidade para o desenvolvimento de
uma nação.

O Jardim de Crianças, como era chamado, tinha por objetivo atender a elite
carioca, e recebia somente meninos, de 3 a 6 anos. Oferecia uma série de atividades,
como: ginástica, pintura, desenho, exercícios de linguagem, cálculo, história, geografia
e religião (Ibidem: 33). Kuhlmann Jr. considera esse fato relevante para a compreensão
do pensamento brasileiro da época com relação à educação institucional de crianças
pequenas, destacando o projeto de Menezes Vieira como pioneiro no Brasil pela sua
estrutura e pelo fato de destinar-se exclusivamente à educação infantil. Porém, antes

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A Educação Infantil no Brasil

mesmo do Jardim de Crianças, outras iniciativas surgiram, como o jardim de infância


anexo do professor Hemetério José dos Santos, que funcionava no Colégio Fröebel,
do referido professor. Esse colégio oferecia instrução primária e secundária, o que se
pode considerar uma proposta de escolaridade desde a primeira infância.

De acordo com Monarcha (2001), desde a Proclamação da


República, os projetos dos grupos republicanos para a reforma do
ensino no Brasil já incluíam a instalação de jardins de infância,
entretanto a obrigatoriedade do ensino para as crianças de 7 aos
12 anos, estabelecida pela Lei n.º 88, de 8 de setembro de 1892,
adiou a concretização desses projetos, incentivando outras
iniciativas, mais localizadas e menos abrangentes, como a criação
do Jardim-de-Infância Modelo, anexo à Escola Normal de São
Paulo, por decreto, em 3 de março de 1896 (MONARCHA, 2001:
81-82).

Como vimos, as primeiras iniciativas destinadas às crianças pequenas no Brasil


tiveram um caráter higienista e assistencialista. Podemos concluir que representavam
a preocupação da sociedade, quase sempre da elite, com o desenvolvimento social
do país, pois consideravam as condições de vida a que eram submetidas as crianças
pequenas das classes desfavorecidas uma ameaça ao futuro promissor do Brasil. Assim
sendo, eram ações quase sempre voltadas para suprir as carências e as lacunas
supostamente deixadas pelas famílias mais pobres, seja na educação, seja no cuidado.

A década de 30 foi marcada por mudanças substanciais nas formas de


organização social brasileira. O país vivia, naquele momento, um processo de
urbanização em decorrência da industrialização acelerada. Percebe-se, nesse
contexto, maior atenção da sociedade com a infância e a criança, que era vista como
um adulto em potencial (KRAMER, 2003: 52). Apesar de o Estado colocar-se na frente
das propostas para o atendimento à população trabalhadora, com relação à criança
pequena, pode-se considerar que esses benefícios não atingiram a toda a população
na mesma dimensão. Muita gente que precisava participar desse atendimento ficou à
margem; o estado do bem-estar social, instituído nesse momento da história política
do Brasil, que pretendia dar total assistência à classe trabalhadora e, principalmente,
à população desassistida, promoveu uma série de situações que acabaram por criar
um quadro considerável de desigualdade social.

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A Educação Infantil no Brasil

Na década de 60 e até a metade dos anos 70, o Brasil viveu um momento de


modernização com relação às políticas destinadas à promoção do bem-estar social.
Muitas propostas voltadas para a melhoria da educação, da saúde, da assistência
social e dos direitos do trabalhador marcaram uma nova fase na vida da população,
principalmente da população de baixa renda. Nesse período, o país vivia um crescente
avanço tecnológico que trazia, para todas as instâncias da sociedade, a imposição da
adequação ao mundo da tecnologia. As máquinas chegavam para tornar a produção
humana mais eficiente e mais ágil.

A educação, como instituição vista, nesse período, como preparatória para a vida
em uma sociedade promissora, precisou transformar-se para estar afinada com as
mudanças na sociedade e, principalmente, com as relações de produção e trabalho. A
educação tecnicista, corroborada pela Lei 5692/71, concebia a escola como o espaço
para a preparação dos indivíduos e como a grande promotora de uma sociedade
desenvolvida. Até a homologação dessa Lei, o ensino primário (correspondia do 2º ao
5º ano do Ensino Fundamental), já era garantido pelo Estado na rede pública do país.
A partir de 1971, a obrigatoriedade é estendida para oito anos de escolaridade,
ampliando a oferta da educação pública e criando o ensino de 1º grau, dos 7 aos 14
anos.

O Rio de Janeiro, como muitas metrópoles brasileiras, vivia um processo de


municipalização do ensino de 1º grau, mas o mesmo não acontecia no interior do
Brasil. Apesar da ampliação da obrigatoriedade escolar, dos processos de
municipalização, ainda era grande a quantidade de crianças e jovens fora da escola e
também era crescente a evasão escolar em consequência do fracasso dos alunos em
sua trajetória, principalmente nas séries iniciais do 1º grau (classe de alfabetização e
1ª série). Se o ensino era programado para ser eficiente, então, obviamente, não
poderia promover fracasso escolar. Nesse sentido, a explicação para esse fenômeno
era justificada na carência social e cultural da grande maioria da população de baixa
renda: as crianças não aprendiam porque eram pobres, não tinham acesso aos bens
culturais, alimentavam-se mal, não eram assistidas devidamente pelas suas famílias,
entre outras tantas explicações.

Nesse contexto, a educação infantil, até então somente assistencial, passa a ser
vista como compensatória, cuja função era suprir carências e preparar as crianças
pequenas para o ingresso no ensino de 1º grau. O grande paradoxo nessa questão é
que, apesar de considerada importante, pois iniciava os pequenos estudantes na
escolarização de 1º grau, essa etapa da educação não era compreendida, legalmente,
na educação formal. Daí chamada de pré-escolar (anterior à escola).

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A Educação Infantil no Brasil

Nesse período, com relação à educação infantil, grande ênfase foi dada à faixa-
etária de 4 a 6 anos, pois representava um período da vida da criança cuja educação
deveria ser compartilhada entre família e escola, para garantir uma trajetória no ensino
de 1º grau mais promissora. Com relação às crianças menores, até os 3 anos, eram
atendidas nas creches, porém as poucas mantidas pelo poder público tinham um
caráter ainda assistencial, substitutivo da família, ou seja, para compensar sua
ausência. Não havia cunho pedagógico, e sim recreativo em seu atendimento, e o
setor governamental responsável era a saúde ou os órgãos destinados à assistência
social.

A história nos conta que, pelo caráter não-formal, essas instituições públicas que
atendiam as crianças de 0 a 6 anos, trabalhavam, em sua maioria (e principalmente as
públicas), com pessoas voluntárias, leigas e pouco escolarizadas, sem formação
específica. Sua função era a higiene, a alimentação e o cuidado das crianças,
principalmente a sua segurança; não havia preocupação com o trabalho educativo,
muito menos na qualificação das pessoas que faziam o atendimento às crianças nas
instituições, enquanto, nas creches e pré-escolas particulares, essa preocupação com
o trabalho educativo já era notada. O número de instituições de educação infantil
privadas cresceu consideravelmente nessa época, até pela ausência de uma ação
governamental mais efetiva com as crianças pequenas e suas famílias, e o incentivo,
pelas políticas governamentais, para a privatização dos serviços essenciais, como a
educação.

Citando mais uma vez as pesquisas de Kramer (2003: 50), um conjunto de


propostas foi constituindo, no Brasil, um marco referencial para a história das políticas
públicas de atendimento à infância. Embora a maioria das propostas não envolva
diretamente a criança de 0 a 6 anos, são consideradas, pela autora, um passo na
trajetória pela conquista dos direitos à cidadania dos pequeninos brasileiros.

A década de 80 não representou, na história da educação infantil no Brasil,


avanços, pelo contrário, foi uma grande lacuna. Na medida em que a população
infantil crescia, aumentavam os índices de mortalidade na infância, principalmente na
faixa entre 0 e 2 anos, pelas precárias condições em que eram submetidas as gestantes
e os pequenos. Os modelos educacionais necessitavam urgentemente de reformas,
para possibilitar uma formação que atendesse às necessidades que emergiam de uma
sociedade que vivia o início de um caminho para a democratização e a constituição
de uma nova condição social: a participação e a cidadania.

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

Apresentaremos, abaixo, um histórico baseado nos estudos de Kramer,


Kuhlmann Jr., Monarcha e Schueller com as principais instituições públicas e privadas
que marcaram o atendimento à infância no Brasil. Incluímos também nessas
informações, aspectos legais que influenciaram essa trajetória:

1871 – Associação Municipal Protetora da Infância Desvalida. Criada na capital


da República ( Rio de Janeiro) pela Câmara Municipal. Atendia crianças de 5 a 7 anos,
“dirigindo proteção e instrução a uma categoria específica e distinta, a qual
denominou infância desvalida” (SCHUELLER, in MONARCHA (org.), 2001: 161). Cabe
ressaltar que o termo “desvalido” era entendido, na época, como “viver num estado
de pobreza” ou “de menor valor” (Ibidem: 162). Portanto, essa instituição era destinada
a amparar meninos e meninas pobres e garantir sua frequência nas escolas públicas
criadas pela Câmara Municipal. Essa instituição não era mantida pelo poder público.
Integrantes da elite da corte se associavam para colaborar com a manutenção, através
de donativos e também do trabalho voluntário. Outros profissionais, como médicos e
higienistas, também podiam trabalhar voluntariamente nessa instituição, recebendo
honras e diplomas da Câmara.

A finalidade da Associação (...) era garantir a presença das crianças desvalidas e


pobres nas escolas criadas pela Câmara Municipal. Para tanto, o fornecimento de
vestuário e material escolar, além da assistência médica gratuita eram essenciais,
tendo-se em vista que a falta de recursos dos pais era considerada uma das causas
principais da baixa frequência escolar (Ibidem: 163).

1899 – Instituto de Proteção à Infância do Brasil. Com sede no Rio de Janeiro,


objetivava atender as crianças menores de oito anos, e trazia, no seu estatuto,
questões que já referendavam uma maior preocupação com a faixa etária de 0 a 3
anos, como a elaboração de “leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos,
regulamentar o serviço das amas de leite, criar creches e maternidades” (KRAMER,
2003:52).

1909 – Criação do primeiro jardim de infância público do Brasil (efetivamente), o


Jardim de Infância Campos Salles, no Campo de Santana, Rio de Janeiro.

Criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância, pelo médico Moncorvo


Filho. Esse instituto tinha o caráter filantrópico e prestava assistência médico-social às
famílias carentes, além de grande preocupação com a puericultura dos recém-
nascidos e assistência às gestantes. Desse instituto, o Dr. Moncorvo Filho, instituiu, em
1919, o Departamento da Criança no Brasil, que funcionava no mesmo prédio do
Instituto. Essas instituições são reconhecidas, atualmente, como pioneiras na criação

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

de políticas para a proteção de pequenas, principalmente no que tange à puericultura.


Atualmente, o prédio em que funcionava o Instituto e o Departamento é sede do
Hospital Moncorvo Filho, especialista em ginecologia e maternidade.

1940 – Departamento Nacional da Criança

(DNCr.) – instituição pública vinculada ao extinto Ministério da Educação e Saúde


Pública e administrada pelo Ministério da Saúde. Essa instituição tinha como objetivo
criar metas e atividades voltadas à infância, à maternidade e à adolescência.

1941 – Serviço de Assistência a Menores – SAM. Vinculado ao Ministério da


Justiça e dos Negócios Interiores, tinha como objetivo acolher e prestar serviços ao
menor abandonado e delinquente, na tentativa de recuperação social. Essa instituição
foi substituída, no golpe militar de 64, pela FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor. A FUNABEM defendia a reintegração do menor delinquente à
sociedade e à família, entretanto, o que se pode ver na prática é que essas instituições
que se designam “escolas” se tornaram verdadeiros presídios infantis.

1946 – UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Organização


internacional fundada pela ONU – Organização das Nações Unidas. Presente no Brasil
desde 1950, podemos considerá-la uma das grandes instituições que fomentam
políticas públicas voltadas à promoção dos direitos da infância e ao pleno
desenvolvimento das crianças. Apoia e financia projetos no mundo inteiro,
principalmente nos países que apresentam altos índices de população infantil vivendo
em situações de risco social.

1948 – OMEP – Organização Mundial de Educação Pré-Escolar. Instituição


internacional, vinculada a grupos e setores privados, fundada na cidade de Praga, na
Itália. Em 1952, tem sua representatividade no Brasil e passa a estudar a situação das
crianças nessa faixa etária. Essa instituição muito tem contribuído na discussão e na
luta pela garantia dos direitos do pré-escolar, na qualidade da formação do educador
infantil, na fomentação de programas que valorizem a criança e a educação infantil.

1961 – Homologação da Lei n.º 4024/61, que estabelece as Diretrizes e Bases


para a Educação Nacional. Essa Lei não representou avanços para a educação de
crianças de 0 a 6 anos, mas foi a primeira iniciativa legal em educação para essa faixa
etária. Instituiu a educação pré-primária, anterior à escola primária formal e
obrigatória para crianças menores de sete anos e definiu os espaços em que seria
ministrada (escolas maternais e jardins de infância). Além disso, distribuiu a
responsabilidade do poder público com as empresas, determinando, em seu artigo

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

24, que “empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão
estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os
poderes públicos, instituições de educação pré-primária” (LEI n.º 4024/61, Título I, Art.
24).

1972 – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição – INAM – vinculado ao


Ministério da Saúde. Tinha como função, além de elaborar programas de assistência
alimentar para a população escolar dos estabelecimentos oficiais, também propô-las
para as gestantes, nutrizes, lactentes e população infantil de até 6 anos.

1974 – Projeto Casulo. Implantado pela extinta Legião Brasileira de Assistência


– LBA – (órgão público de assistência social), o Projeto Casulo se caracterizou por uma
parceria direta entre governo e comunidade, através da construção de creches para
assistir e cuidar das crianças de 0 a 6 anos, para que seus pais pudessem trabalhar,
prevenindo, com isso, a marginalidade. Portanto, destinava-se a comunidades de
baixa renda. As crianças eram atendidas em períodos parciais ou integrais de acordo
com a necessidade de trabalho da família. Dessa forma, era possível também que as
mulheres encontrassem condições e tempo para procurarem emprego, aumentando
a rentabilidade da família. A maioria dos cuidadores eram moradores da comunidade
em que a creche estava inserida. A instalação do projeto era solicitada pelo estado,
município ou instituições da sociedade civil que realizavam trabalhos filantrópicos de
cunho social. O convênio era firmado com o governo e a manutenção e supervisão da
creche era feita pela LBA.

1975 – Coordenação de Educação Pré-Escolar – COEPRE (KRAMER, 2003:75-


76). Destinada ao estudo e ao desenvolvimento de projetos e programas para a
educação pré-escolar. Essa Coordenação representou a dualidade nos propósitos para
a educação institucional de crianças pequenas. Ao mesmo tempo em que defendia a
importância da atuação pública na educação infantil e a assistência à criança pequena,
no cuidado e na nutrição, valorizava esse tempo da escolaridade como fundamental
na preparação para o ensino de 1º grau. Com isso, fortaleceu o caráter preparatório
da educação infantil. Como essa Coordenação se constituía em um órgão dinamizador
de ações voltadas para a educação pré-escolar, não contribuiu efetivamente para que
essa modalidade da educação pudesse ser incorporada à educação formal, obrigatória
(Ibidem: 84-86).

Como pode-se observar ao longo da história do atendimento à criança no Brasil,


em alguns momentos atacou-se as questões de saúde, em outros, de “bem-estar” e,
em outros ainda, as educacionais. Uma não englobou a outra e não se ampliou a

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

perspectiva de encarar a questão, mas se ramificou o atendimento fragmentando às


ações para o atendimento à infância. Os discursos oficiais não reconheceram a
precariedade das condições de vida das crianças, o que verdadeiramente é a causa
dos problemas de saúde, nutrição, educação e situação familiar.

A partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a investir nas políticas


públicas para o atendimento à criança pequena (0 a 6 anos) com ênfase após a
homologação da Lei n.º 8069/90 que estabeleceu o Estatuto da Criança e do
Adolescente e representou, no âmbito legal, a possibilidade da garantia dos direitos
do pequeno cidadão.

Nos próximos tópicos deste instrucional, estaremos ampliando nossas leituras e


estudos sobre a legislação brasileira e as contribuições para a efetivação da educação
infantil.

2.2 Legislação
A Constituição Federal e a Educação Infantil

A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada o marco para que


transformações fundamentais ocorressem mais tarde com relação ao atendimento das
crianças na educação infantil. Observando abaixo o artigo n.º 208, inciso IV, vamos
constatar:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado


mediante a garantia de:

(...)

IV - Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5


(cinco) anos de idade;

O referido artigo tentou representar a afirmação do Estado para o compromisso


com a população infantil no Brasil, principalmente a de baixa renda, e apresentar, pela
primeira vez, essa modalidade da educação como um direito da criança e não mais
das famílias trabalhadoras, como era visto em documentos anteriores, e um dever do
Estado, a ser oferecido pelo poder público municipal.

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

O fato de tornar-se um direito da criança e um componente da educação escolar


favoreceu para o rompimento de paradigmas que fundamentavam o trabalho nas
instituições infantis até o prezado momento.

A Carta Magna reconhece a educação infantil como um segmento da educação


formal, que passa a fazer parte, legalmente, dos sistemas educacionais e não mais da
saúde ou assistência social, como era anteriormente, e dá o direito às famílias de
matricular seus filhos pequenos em creches ou pré-escolas. Se cabe à família a
matrícula, deveria caber ao Estado assegurar que as crianças tivessem uma infância de
qualidade dentro das instituições. Entretanto, sabemos que ainda estamos distantes
dessa realidade. Apesar dos grandes avanços que a educação infantil alcançou no
Brasil, com relação aos outros tempos, ainda não estamos nem perto de atingir
patamares satisfatórios no atendimento educacional às crianças:

De um total de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos no país, 38% estavam


matriculadas na Educação Infantil em 2003, de acordo com o IBGE. A porcentagem de
crianças matriculadas era bem mais alta na faixa de 4 a 6 anos: 68%, em comparação
com 12% na faixa de 0 a 3 anos de idade. Se considerarmos somente a faixa
correspondente à pré-escola, essa porcentagem nos coloca acima de países como a
China e o Peru, mas abaixo de México, Chile, Coréia do Sul, Suécia e França, por
exemplo.

Os números também revelam que o acesso à Educação Infantil no Brasil não é


equitativo: as crianças de famílias com maior renda, brancas, com mães de
escolaridade mais alta, que trabalham, residentes na zona urbana, estão matriculadas
em proporções significativamente superiores às de famílias mais pobres, negras, com
mães de escolaridade baixa e/ou residentes na zona rural, entre outros atributos
(CAMPOS, Maria Malta. Reescrevendo a Educação: Propostas para um Brasil Melhor).

O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Educação Infantil

O ECA passou a vigorar dois anos após a promulgação da atual Constituição, em


1990. O ECA representa a preocupação do Estado para com a qualidade da infância.
Pensando na diversidade de situações às quais estão expostas nossas crianças desde
os seus primeiros anos de vida, podemos considerar que muitas dessas situações
geram consequências gravíssimas para seu desenvolvimento. Nesse sentido, o ECA
busca garantir, com os Conselhos Tutelares, o papel tutelar que o Estado deve assumir

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

para com suas crianças, preservando a infância e investindo em educação infantil de


qualidade.

Segundo Rossetti-Ferreira, o ECA inseriu crianças e adolescentes no mundo dos


direitos, ressaltando sua cidadania (2001: 184). Esse Estatuto estabelece condições
para que crianças e adolescentes exerçam seus direitos de cidadãos, apesar de não
terem as mesmas condições de reivindicá-los como os adultos. Daí a necessidade do
Estatuto. Rossetti-Ferreira enfatiza que, a partir do ECA, o olhar para com as crianças
e os adolescentes e sua posição social mudou qualitativamente, principalmente no
que diz respeito à educação pública:

(...) Serviu ainda como base para construção de uma nova forma
de olhar a criança: uma criança com direito de ser criança. Direito
de afeto, direito de brincar, direito de querer, direito de não
querer, direito de conhecer, direito de sonhar. Direito ainda de
opinar: pelo ECA, a criança e o adolescente são considerados
sujeitos de direito (Ibidem: 184).

Para a Educação Infantil, o ECA representa mais uma possibilidade no


redimensionamento das formas de cuidar e educar as crianças na instituição. O adulto
torna-se o responsável pela promoção desses direitos, uma vez que, como já
mencionado, a criança não tem autonomia para reivindicá-los, diríamos, até mesmo,
reconhecê-los. Como exemplo, podemos citar o direito do aleitamento na creche e,
mais recentemente, municípios brasileiros, como o Rio de Janeiro, ampliaram o
período do aleitamento materno, possibilitando às mães servidoras mais tempo para
dedicarem-se aos seus filhos.

A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, LDB 9394/96 e a


Educação Infantil

A atual LDB estabelece a educação infantil como direito das crianças, opção das
famílias e dever do Estado. Pela primeira vez, em um texto legal, é considerada como
um nível da trajetória escolar das crianças brasileiras, compondo, com o ensino
fundamental e o ensino médio, a educação básica.

Nesse sentido, a educação infantil passa a ser concebida, legalmente, como um


espaço essencialmente pedagógico, cuja finalidade é o desenvolvimento integral da

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

criança nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social dando às instituições


autonomia para organizar sua proposta de trabalho.

A Lei determina que os órgãos municipais deverão supervisionar, fiscalizar,


orientar e subsidiar as instituições de educação infantil públicas e privadas,
estabelecendo diretrizes que vão orientá-las na organização de sua proposta
pedagógica. Assim, como os demais níveis da educação básica, a educação infantil
pública também deverá ser administrada através da gestão democrática, a partir da
integração instituição família-comunidade no compartilhamento do compromisso
com a qualidade do trabalho a ser desenvolvido com as crianças. Assim, pela atual
LDB, a educação de crianças pequenas torna-se compromisso social, uma vez que a
referida Lei deixa clara a responsabilidade das famílias para com a educação de seus
filhos, estabelecendo para as creches e as pré-escolas o complemento dessa
educação.

A avaliação na educação infantil é outro aspecto relevante no texto legal.


Concebida como processo, deve levar em consideração o desenvolvimento integral
das crianças, a partir do registro dos aspectos qualitativos desse desenvolvimento
“sem o caráter de promoção, mesmo que para o ingresso no ensino fundamental”
(LDB, Seção II, Art. 31, 1996).

Outra questão importante na atual LDB, com relação à educação infantil, é a


formação dos educadores. O artigo 63 da Lei estabelece que a formação mínima dos
profissionais para atuarem com a educação infantil e as séries iniciais do ensino
fundamental é o curso Normal, em nível médio, entendendo a necessidade de
educadores com formação profissional para atuar com as crianças.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (falaremos melhor


sobre elas adiante), documento que estabelece diretrizes para a elaboração de
propostas pedagógicas para crianças de 0 a 5 anos, está enfatizado que a organização
da proposta pedagógica deve ficar sob a responsabilidade de profissionais formados,
ou seja, professores.

VI – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação


Infantil devem ser criadas, coordenadas, supervisionadas e
avaliadas por educadores, com, pelo menos, o diploma de Curso
de Formação de Professores, mesmo que da equipe de
Profissionais participem outros das áreas de Ciências Humanas,
Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças. Da direção

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

das instituições de Educação Infantil deve participar,


necessariamente, um educador com, no mínimo, o Curso de
Formação de Professores (MEC/CEB, 1999).

As Diretrizes ressaltam, mais uma vez, a preocupação como aspecto pedagógico


da ação educativa com as crianças pequenas.

Embora todos esses documentos coloquem a necessidade da garantia da


qualidade da ação pedagógica, educar crianças pequenas na nossa realidade ainda é
uma questão que requer muita atenção do poder público e da sociedade de uma
forma geral. A demanda pelo atendimento ainda é maior que a efetivação do mesmo,
assim como encontramos instituições que acreditam ser o assistencialismo a função
primordial de sua proposta educativa.

O FUNDEB e a Educação Infantil

O Fundo Nacional para o


Desenvolvimento da Educação Básica –
FUNDEB –, regulamentado pela Lei 11.494, de
20/06/2007, implantado a partir de primeiro
de janeiro de 2007, é a mais nova conquista
da Educação Infantil pública. Esse fundo,
destinado à valorização do magistério e do
profissional da educação, representa mais
possibilidades de investimento financeiro do
poder público na educação de crianças de 0
a 5 anos, uma vez que amplia o atendimento desses recursos para toda a educação
básica.

Para entender um pouco mais sobre esse recurso, leia o trecho abaixo, retirado
do site oficial do MEC, sobre o FUNDEB:

Desde a promulgação da Constituição de 1988, 25% das receitas


dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e
Municípios se encontram vinculados à Educação.

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

Com a Emenda Constitucional n.º 14/96, 60% desses recursos da


educação passaram a ser subvinculados ao Ensino Fundamental
(60% de 25% = 15% dos impostos e transferências), sendo que
parte dessa subvinculação de 15% passava pelo FUNDEF, cuja
partilha dos recursos, entre o Governo Estadual e seus Municípios,
tinha como base o número de alunos do ensino fundamental
atendidos em cada rede de ensino. Com a Emenda Constitucional
n.º 53/2006, a subvinculação das receitas dos impostos e
transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios passaram
para 20% e sua utilização foi ampliada para toda a Educação
Básica, por meio do FUNDEB, que promove a distribuição dos
recursos com base no n.º de alunos da educação básica, de acordo
com dados do último Censo Escolar, sendo computados os alunos
matriculados nos respectivos âmbitos de atuação prioritária (art.
211 da Constituição Federal). Ou seja, os Municípios receberão os
recursos do FUNDEB com base no número de alunos da educação
infantil e do ensino fundamental e os Estados com base nos
alunos do ensino fundamental e médio. Da mesma forma, a
aplicação desses recursos, pelos gestores estaduais e municipais,
deve ser direcionada levando-se em consideração a
responsabilidade constitucional que delimita a atuação dos
Estados e Municípios em relação à educação básica
(www.mec.gov.br).

Anterior ao FUNDEB, havia o FUNDEF, que estabelecia subsídio do governo para


o ensino fundamental, somente incluindo nesse atendimento a educação fundamental
de jovens e adultos, a educação especial e a educação fundamental indígena.

Nesse sentido, a educação infantil não recebia recursos do governo federal para
sua manutenção, ficando a cargo das prefeituras, dentro de suas possibilidades, uma
vez que, pela prioridade legal, o atendimento ao ensino fundamental absorve grande
parte dos recursos destinados à Educação.

A implantação do FUNDEB foi iniciada em primeiro de janeiro de 2007, e


continua, de forma gradual, até 2009, quando se pretende que o referido fundo
atenda todo o universo de alunos e alunas da educação básica pública presencial.

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

Aprovadas em 17 de dezembro de 1998, pelo Parecer nº 22/98, pelo Conselho


Nacional de Educação, da Câmara de Educação Básica, a Resolução CEB 1/99
estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil.

Conforme colocamos anteriormente, as DCN compreendem um conjunto de


orientações para subsidiar as instituições de educação infantil na elaboração de sua
proposta pedagógica. Segundo Leite Filho, O referido documento do CNE deixa claro
que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, além de nortear as
propostas curriculares e os projetos pedagógicos, estabelecerão paradigmas para a
própria concepção destes programas de cuidado e educação, com qualidade (GARCIA
& LEITE FILHO (org.), 2001: 42).

As DCN deixam clara, em seu texto, a concepção de criança como sujeito de


direitos e alvo preferencial de políticas públicas (Ibidem: 42), apresentando
pressupostos e doutrinas fundamentados nas teorias progressistas da educação,
desenvolvidas a partir de princípios que devem nortear toda a prática educativa,
compreendendo essa etapa da vida da criança como primordial no seu
desenvolvimento:

As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil


devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:

a. Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade,


da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;

b. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de


Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem
Democrática;

c. Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade,


da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e
Culturais.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI

Embora sem valor legal, como documento oficial, o Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil, elaborado pela Secretaria de Educação

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

Fundamental do MEC, chegou às mãos dos educadores no ano de 2001, propondo a


democratização da escola infantil, uma vez que seu objetivo é promover a difusão,
neste nível da Educação, de conteúdos mínimos, valores éticos e estéticos, orientações
didáticas, para orientar às instituições que atendem crianças de 0 a 5 anos. O
documento pouco incorporou das sugestões e críticas inicialmente solicitadas aos
professores e pesquisadores consultados para sua elaboração. Consta de três volumes
que dão continuidade a política governamental de traçar parâmetros curriculares
nacionais para os diferentes níveis de ensino.

Esse documento apresenta concepções de infância e de educação para crianças


pequenas, entendendo as ações de cuidar, educar e brincar como fundantes do
trabalho, e que por essas situações deve perpassar toda a intencionalidade da
educação do adulto e da instituição. Portanto, mais do que situações cotidianas, são
princípios no trabalho com as crianças. A partir desses princípios, o RCNEI apresenta
condições pelas quais devem primar os currículos nas instituições, para que possam
promover experiências significativas e garantir sucesso nas aprendizagens dos
pequenos cidadãos:

• A interação com crianças da mesma idade e de idades


diferentes em situações diversas como fator de promoção da

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

aprendizagem e do desenvolvimento da capacidade de


relacionar-se;

• Os conhecimentos prévios de qualquer natureza, que as


crianças já possuem sobre o assunto, já que elas aprendem por
meio de uma construção interna ao relacionar suas ideias com as
novas informações de que dispõem e com as interações que
estabelecem;

• A individualidade e a diversidade;

• O grau de desafio que as atividades apresentam e o fato de


que devam ser significativas e apresentadas de maneira integrada
para as crianças e o mais próximo possível das práticas sociais
reais;

• A resolução do problema como forma de aprendizagem


(MEC/SEF, 2001: 30).

Segundo os Referenciais, houve um diagnóstico nas mais diversas propostas


pedagógicas e dos currículos de educação infantil nos mais variados estados e
municípios brasileiros para que se pudesse apontar um paradigma que orientasse o
trabalho com crianças em creches e pré-escolas. Nesse sentido, os Referenciais vêm
trazendo a concepção de criança como um ser histórico, psicológico e social,
orientando o construtivismo como um referencial teórico na elaboração de propostas
pedagógicas, assim como o universo cultural de todas as crianças passa a ser o ponto
de partida para toda a ação educativa.

Com relação às orientações estabelecidas nos Referenciais para a organização


dos currículos nas instituições de educação infantil, é sugerido que os componentes
curriculares se apresentem através de objetivos e conteúdos que explicitem as
intenções educativas e as capacidades que vão “ampliar a possibilidade de
concretização das intenções”.

Embora as crianças desenvolvam suas capacidades de maneira heterogênea, a


educação tem por função criar condições para o desenvolvimento integral de todas
as crianças, considerando também, as possibilidades de aprendizagem que
apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-se necessário uma
atuação que propicie o desenvolvimento de capacidades envolvendo aquelas de

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social
(Ibidem: 47).

Com relação aos conteúdos, são considerados nos Referenciais como a “matéria-
prima” do conhecimento e, portanto, o meio pelo qual os propósitos de cada
instituição vão se materializar. Os conteúdos, por sua vez, vão contemplar fatos,
conceitos e princípios que emergem da vida social e cultural, possibilitando às crianças
uma ampliação das suas “hipóteses acerca do mundo ao qual pertencem e
constituindo-se em um instrumento para a compreensão da realidade” (Ibidem: 49).

A questão do tratamento a ser dado aos conteúdos curriculares também é um


fator que os Referenciais consideram importante. O trabalho com os conteúdos
curriculares deve possibilitar o desenvolvimento de capacidades de natureza
atitudinal, procedimental e conceitual, ou seja, a constituição de valores e atitudes que
promovam o “aprender a ser”; a construção de conceitos e conhecimentos que
possibilitem “operar com símbolos, ideias, imagens e representações”, significando,
com isso, o “aprender a aprender”; e a aprendizagem de procedimentos que permitam
às crianças a busca por estratégias para que resolvam com autonomia as situações
desafiadoras que se apresentam em seus caminhos.

No currículo, de acordo com os Referenciais, os conteúdos devem estar


organizados de forma integrada e selecionados a partir da realidade social e cultural
da comunidade institucional. A ação educativa, por sua vez, fará a articulação entre o
saber escolar, o saber da criança e a realidade sociocultural.

Para que esta forma de organização seja possível nas mais diversas realidades
existentes no Brasil, os Referenciais orientam, como metodologia de trabalho, que o
tempo institucional nas creches e pré-escolas seja planejado a partir de:

• Atividades permanentes que vão compreender toda a rotina do cuidar e


educar, que devem acontecer frequentemente, pois, com relação às crianças
pequenas, a constância é um fator essencial na sua aprendizagem. Como
exemplo dessas atividades, os Referenciais consideram: as brincadeiras, a
“roda de histórias”, a “roda de conversas”, a alimentação, a higiene, entre
outras;

• Sequência de atividades que vão contemplar as atividades que objetivam o


desenvolvimento de conceitos, que, de acordo com os Referenciais, “vão
oferecer desafios com graus diferentes de complexidade para que as

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

crianças possam ir paulatinamente resolvendo problemas a partir de


diferentes proposições” (Ibidem: 56);

• Projetos de trabalho: os Referenciais concebem os projetos como um


conjunto de atividades que trabalham com conhecimentos específicos
construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor
de um problema para se resolver uma questão que seja do interesse do
grupo de crianças (Ibidem: 56). Segundo o documento, os projetos de
trabalho compreendem a orientação metodológica fundamental na
significação do saber institucional com relação ao trabalho pedagógico com
crianças pequenas, uma vez que estes vão possibilitar o contato com as
práticas sociais reais.

A partir dessas premissas, os Referenciais apontam uma série de questões que


vão nortear o trabalho nas creches e pré-escolas, considerando um conjunto de
situações que precisam estar em consonância com a proposta pedagógica para que
esta se concretize em favor da valorização da criança e da infância: condições internas
e externas das instituições; a formação em serviço do profissional que vai atuar
diretamente com as crianças; a relação com as famílias e a comunidade institucional;
os recursos materiais; a organização do tempo e do espaço; a acolhida permanente
das crianças, principalmente os bebês e a educação inclusiva.

A Educação Infantil Pós LDB

A década de 90 marca avanços consideráveis na educação das crianças pequenas.


Cresce a demanda pelo atendimento das crianças de 0 a 5 anos em instituições, o que
implica em uma mudança de paradigmas para melhor atendê-las. A Lei de Diretrizes
e Bases para a Educação Nacional – LDBEN 9394/96, estabelece a educação infantil
como um direito da criança, o que contribui para que educadores repensem sua ação
educativa, compreendendo que toda criança tem direito ao espaço e à educação nesse
espaço. Portanto, os olhares são voltados para a educação de crianças pequenas e
novas literaturas vão surgindo, visando redimensionar esse atendimento.

Outras formas de se pensar o desenvolvimento infantil também impulsionam


uma mudança de paradigmas nas intenções educativas. As creches e pré-escolas
passam a ser consideradas espaços pedagógicos e incorporam a Educação Básica
como um nível de considerável importância para a trajetória educacional das crianças.

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

A Educação Infantil no Brasil

Nesse sentido, surge a preocupação com a proposta curricular, com o espaço e o


tempo institucional, com a construção de conhecimentos pela criança e com o papel
do profissional, que deixa de ser um cuidador para transformar-se em educador.

Atender crianças em instituições, pós LDB, significa educá-las, e não as assistir na


ausência de suas famílias. Hoje sabemos que as crianças, desde pequenas, têm
capacidades para interagir com o ambiente, em todas as suas dimensões, e construir
conhecimentos que lhe favoreçam ampliar, cada vez mais, suas possibilidades de
interação. Portanto, a instituição não pode ser considerada um casulo de crianças,
onde cuidado e proteção sejam a tônica do trabalho. A proposta pedagógica precisa
contemplar o desenvolvimento integral da criança, até os seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social (LDB, art. 29, 1996), articulando suas
ações às demais atividades que a criança realiza fora da instituição. A LDB vê a
instituição de educação infantil como um complemento à vida das crianças e não
como um local para prepará-las para essa vida, e isso muda, consideravelmente, o
papel do educador.

Se a instituição é um complemento para a vida das crianças, precisa conhecer


como vivem e quais as suas necessidades para que possa contribuir na qualidade de
sua vida. Daí a necessidade de conhecer sobre o desenvolvimento infantil e as
interações que favorecem esse desenvolvimento. Outra questão bastante pertinente
é considerar a educação infantil como parte fundante da Educação Básica. Isso coloca
a criança, desde pequena, como um cidadão em formação, cuja trajetória na escola
passa por diversos momentos, cada um com a sua singularidade, intenções e
organizações próprias, porém sem hierarquia de importância entre eles.

O surgimento de políticas públicas voltadas para a valorização da infância,


sobretudo em ambientes educacionais, também contribuiu consideravelmente para
os avanços na ação educativa.

Grosso modo, poderíamos definir as políticas públicas como o meio pelo qual o
Estado participa da organização e funcionamento de setores da sociedade. Elas
traduzem o estabelecimento de regras, metas e diretrizes que orientam o
planejamento e o desenvolvimento de ações de um determinado setor (ROSSETTI-
FERREIRA, 2001: 181).

Após dez anos de homologação da Lei, o FUNDEB, como já colocado


anteriormente, tornou-se uma das maiores conquistas desse nível da escolaridade
básica desde então. O FUNDEB significa possibilidades para a democratização da

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A Educação Infantil no Brasil

educação infantil, através da ampliação da oferta de vagas e da melhoria na qualidade


do atendimento às crianças nas instituições.

Tais políticas promoveram como resultado um aumento no número de


experiências inovadoras na educação de crianças pequenas (Ibidem: 182), além da
participação de setores da sociedade na organização e na fiscalização do
funcionamento das instituições, sejam estas públicas ou privadas.

Mesmo assim, ainda não podemos considerar que o atendimento às crianças


pequenas em instituições de educação seja satisfatório em termos da demanda.
Mesmo que pesquisas realizadas nas grandes metrópoles brasileiras apontem para a
redução da mortalidade na primeira infância e que o acesso à educação infantil,
principalmente nas creches, seja um fator a ser considerado na redução dessa
estatística, temos um número considerável de crianças desprovidas desses
atendimentos e vivendo situações de risco em sua comunidade. Outra questão é a
qualidade desse atendimento. Estar na instituição não significa possibilidades na
oferta das experiências. Ainda precisamos avançar com relação à ação educativa nas
creches e pré-escolas.

Tornar a instituição de educação infantil mais transparente e participativa pode


ser o início de uma nova forma de estabelecer políticas públicas mais desafiadoras e
construtivas. É no movimento conjunto de todos os envolvidos que a educação de
crianças em espaços coletivos poderá avançar ainda mais e cumprir sua função: cuidar,
com qualidade, de crianças pequenas, educando-as para o exercício da cidadania e da
autonomia (Ibidem: 182).

Corsino (2006) aponta em suas pesquisas que um bom trabalho na educação


infantil vem causando um impacto muito positivo na qualidade da infância,
principalmente no percurso escolar das crianças ao longo de sua trajetória na
Educação Básica. Segundo a autora, cuidar e educar crianças pequenas, com
qualidade, em instituições vêm representando a possibilidade para a garantia dos seus
direitos constitucionais, para a apropriação do universo cultural em que estão
inseridas as crianças e suas famílias; vivências significativas em situações coletivas; a
inserção no mundo letrado e a constituição da identidade pessoal e social (CORSINO,
2003).

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

3 Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática


Pedagógica

3.1 Pedagogia da Infância: uma Prática com a Criança e para a Criança

Fonte: Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 86, p. 57-74, abril 2004 67

A Pedagogia teve origem na Grécia Antiga, pois os pedagogos – paidós (criança)


e agogé (condução) – eram os escravos que conduziam as crianças para os locais onde
receberiam ensinamentos. Portanto, os pedagogos não eram instrutores e sim
condutores das crianças que, além de conduzi-las, eram os responsáveis pela sua
formação moral e intelectual. Ao longo da história da educação, a pedagogia foi se
constituindo como ciência nos saberes, nos fazeres e nas relações de ensino que
permearam o trabalho educativo das instituições.

A pedagogia como construção de saberes praxiológicos na ação situada recusa


os reducionismos – o academicismo em que a lógica dos saberes se constituiu em
critério único, o empiricismo em que a experiência primária do cotidiano, não
“ampliada”, traduz em referência central (FORMOSINHO, 2002). Diferentemente de
outros saberes que se constroem pela definição de domínios com fronteiras bem
definidas, os saberes pedagógicos criam-se na ambiguidade de um espaço que
conhece fronteiras, mas não as delimita, porque a sua essência está na integração
(FORMOSINHO et al (org.), 2007: 14).

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

A autora nos mostra que a Pedagogia é uma ciência humana, que trata das
questões que dizem respeito à educação de homens e mulheres, portanto a sua
humanização, refletidas no contexto histórico e cultural no qual foram pensadas e
elaboradas, através da interação entre a lógica racional da ciência e a experiência
cultural dos homens.

A Pedagogia buscou em todos os tempos explicar a relação ensino-


aprendizagem, focando seu estudo na educação formal e tendo a escola como o lócus
dessa relação.

Com relação à educação de crianças pequenas, o que podemos ver, atualmente,


é a ideia de uma pedagogia da infância, focada no protagonismo da criança inserida
na ação educativa institucional.

(...) partindo do princípio de que a práxis é o lócus da pedagogia,


concluímos que, por isso, é mais complexa do que as crenças, as
teorias e as práticas consideradas isoladamente. Uma pedagogia
centrada na práxis da participação procura responder à
complexidade da sociedade e das comunidades, das crianças e de
suas famílias, com um processo interativo de diálogo e confronto
entre crenças e saberes, entre saberes e práticas, entre práticas e
crenças, entre esses polos em interação e os contextos
envolventes (Ibidem: 14).

3.2 Um Pouco da História das Pedagogias: a Criança em Foco


Apesar de as instituições destinadas à educação de crianças de 0 a 5 anos terem
seu início no final do século XVIII, o século XVII pode ser considerado como um marco
nas ideias sobre educação voltada para crianças, a partir do educador tcheco João
Amós Comênio (1592 – 1657), que escreveu a Didática Magna (1657), obra de extrema
relevância para o surgimento e consolidação de uma pedagogia que contemplasse o
papel da escola como instituição social destinada à educação de crianças e jovens.

Por isso, Comênio é considerado, na história da educação, o grande educador e


pedagogo moderno. Suas ideias foram responsáveis por significativas reformas na
estrutura da sociedade, uma vez que foi o primeiro a criar uma estrutura de ensino
escolar, sistemática, entendendo que a educação era um direito de todos. Comênio
defendia a ideia que todos deveriam aprender tudo, o conhecimento das ciências, as

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Teorias e Práticas da Educação Infantil |

Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

ideias da moral e dos bons costumes e os saberes que poderiam garantir uma vida
social harmônica. A ideia de uma educação permanente também foi postulada por
Comênio em seus nove princípios fundamentais para que toda escola pudesse atingir
seus objetivos educacionais com sucesso.

Segundo Comênio, a organização do sistema educacional deveria compreender


24 anos, correspondendo a quatro tipos de escolas: a escola materna, dos 0 aos 6
anos; a escola elementar e vernácula, dos 6 aos 12 anos; a escola latina ou o ginásio,
dos 12 aos 18; e a academia ou universidade, dos 18 aos 24 anos. Em cada família
devia existir uma escola materna; em cada município ou aldeia, uma escola primária;
em cada cidade, um ginásio, e em cada capital, uma universidade (GADOTTI 2005: 79).

Podemos entender que Comênio enfatizava a importância de uma educação


sistemática, com princípios definidos. Para a faixa etária de 0 aos 6 anos, considerava
que esse papel deveria ser destinado às famílias e não à escola, assim, o nível inicial
de ensino era o “colo da mãe”. Comênio afirmava, no seu plano de escola maternal,
proposto no seu livro A escola da Infância, que o cultivo dos sentidos e da imaginação
devia preceder o desenvolvimento do lado racional da criança. Para ele, a exploração
do mundo no brincar era uma forma de educação pelos sentidos. Materiais
pedagógicos (quadros, modelos etc.) e atividades diferentes (passeios etc.) realizadas
com crianças, de acordo com suas idades, contribuiriam para o desenvolvimento de
aprendizagens.

A ideia de Comênio era promover um ensino eficiente no sentido da instrução,


instituindo um “método pedagógico para ensinar com rapidez, economia de tempo e
sem fadiga” (Ibidem: 78), mas, para isso, deveria haver um período da infância em que
as crianças estariam recebendo, de seus pais, uma educação que os tornasse aptos a
aprender o conhecimento a ser transmitido na escola, a partir dos sete anos de idade.
Em 1657, Comênio já usava a imagem do “jardim de infância”, através da imagem de
uma árvore, referendando o lugar para uma educação de crianças pequenas:

Todos os ramos principais que uma árvore virá a ter, ela fá-los despontar de seu
tronco logo nos primeiros anos, de tal maneira que depois apenas é necessário que
eles cresçam e se desenvolvam. Do mesmo modo, todas as coisas que queremos
instruir num homem para a utilidade de toda a vida deverão ser-lhes plantadas logo
nesta primeira escola (COMÊNIO in ALMEIDA 2002).

O século XVIII, também chamado de século das luzes, representou a busca pelo
conhecimento da ciência. O homem debruçou-se na possibilidade de saber cada vez
mais e também dominar a natureza. A humanidade vai se tornando tecnológica;

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

surgem, com a Revolução Francesa, grandes pensadores e intelectuais, denominados


“iluministas”, uma vez que defendiam a racionalidade como forma de conquista da
liberdade dos homens e lutavam contra o obscurantismo imposto pelos dogmas da
igreja.

A escola, nesse contexto, representava um espaço para o aperfeiçoamento do


homem. Entendia-se que o acesso ao conhecimento possibilitava a igualdade entre
os homens.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e escritor francês,


nascido na Suíça, foi um iluminista de relevante importância
para o pensamento pedagógico, não só desta época como até
os nossos dias, principalmente no tocante às crianças pequenas.
Rousseau rompeu com a ideia de que as crianças
representavam adultos em miniatura, propondo uma educação
que respeitasse essa etapa da vida do indivíduo. Vendo a
infância na sua peculiaridade, Rousseau valorizou o universo
infantil, considerando que, se havia uma infância, era primordial
que a educação das crianças pequenas fosse pensada para esta
infância, e não para reproduzir adultos, como eram as propostas educacionais da
época.

A educação não deveria apenas instruir, mas permitir que a natureza


desabrochasse na criança; não deveria reprimir ou modelar. Baseada na teoria da
bondade natural do homem, Rousseau sustentava que só os instintos e os interesses
naturais deveriam direcionar (GADOTTI, 2005: 88).

Rosseau dizia que a infância só poderia ser compreendida pelos adultos se estes
conseguissem apreender a simplicidade da vida. Em seus pressupostos inatistas,
afirmou que a natureza humana era pura, porém os males da vida em sociedade é que
corrompiam o homem e o desviavam de sua natureza, transformando-o em um ser
egoísta e cheio de conflitos. Nesse sentido, a educação, para Rosseau, era a grande
responsável na valorização de sua natureza e na promoção do desenvolvimento
harmonioso da sociedade.

Em suas ideias, defendeu uma educação que fosse o resultado do livre exercício
das capacidades infantis e enfatizasse não o que era permitido à criança conhecer,

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

mas o que fosse capaz de saber e aprender. Propôs, com isso, uma educação que
permitisse a curiosidade e a liberdade da criança, em que a emoção predominasse
sobre a razão, e essas ideias criaram condições para que, mais tarde, as brincadeiras
infantis ocupassem os espaços de educação de crianças pequenas.

As ideias de Rosseau foram percussoras da escola nova, movimento que se


iniciou no século XIX e teve seu ápice nos anos iniciais do século XX. Os escolanovistas,
como eram chamados os pensadores defensores desta filosofia, concebiam a criança
como um ser ativo, capaz de pensar, de experimentar, de tirar conclusões e participar
das atividades educativas de forma mais dinâmica de como era proposto nas escolas
tradicionais da época. Rosseau, com suas teorias sobre o homem, a criança e a
educação, influenciou os pensadores da época, e de épocas posteriores, a pensar um
trabalho escolar que fosse próprio para a promoção da infância.

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos


necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não
temos ao nascer é nos dados pela educação.

Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O


desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da
natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos
homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a
educação das coisas (ROSSEAU in GADOTTI, 2005: 96).

Rousseau, como pensador inatista, acreditava que o desenvolvimento humano


tinha sua origem e essência nas capacidades inatas de cada indivíduo, fornecidas a
partir do histórico genético e suas condições biológicas. Nesse entendimento, a
preocupação maior da educação, para Rousseau, era que esta cuidasse para que o
ambiente social não corrompesse o indivíduo.

Rousseau identificava três etapas distintas na educação, de acordo com o


desenvolvimento biológico do homem: infância, adolescência e maturidade. Na
infância, que duraria até os 12 anos de idade, o objetivo maior da educação seria
respeitar a natureza das crianças. Por essa razão, defendia que os métodos
educacionais fossem próprios e adaptados às condições das crianças para que a
atividade escolar despertasse o interesse na instrução. Com isso, abalou os costumes
da época ao defender uma educação que não fosse direcionada pelos adultos, mas
que pudesse ensinar a criança a viver e a exercer a liberdade. Caberia ao professor
afastar tudo que impedisse a criança de viver plenamente o “ser criança”.

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

Apesar de defender a infância livre do condicionamento do adulto, segundo


Almeida (2002), Rousseau considerava a criança, até os doze anos, um ser vulnerável
e preocupava-se com a sua proteção, até porque os índices de mortalidade infantil na
época eram muito elevados em função das condições precárias de higiene e
assistência às crianças. Com isso, defendeu a importância da amamentação, feita pela
própria mãe, como um momento de extrema assistência à criança.

Suas contribuições foram, então, valiosíssimas para a educação infantil, tanto pré-
escolar, quanto para creche; podemos considerar que as marcas do trabalho e da
filosofia rosseauriana estão presentes nas instituições de educação infantil até os dias
de hoje.

Johann Heinrich Pestallozzi (1746-1827)

Seguidor de Rosseau, Johann Heinrich Pestallozzi (1746-


1827) foi um educador suíço, nascido em Zurique, que
acreditava que a reforma da sociedade deveria passar pela
educação das camadas populares. Sustentava as ideias
inatistas, tendo como premissa que o potencial humano
“brotava” de dentro dos sujeitos. Nesse sentido, seu trabalho
focava a formação natural do homem, definindo a infância
como o tempo para a aquisição da base para todos os
saberes. Suas ideias para a educação de crianças pequenas
foram consideradas de grande importância para a pedagogia
atual. Pestalozzi via a educação como essencial no
desenvolvimento da criança e passou a pensá-la em função das necessidades do
crescimento saudável dos pequenos, daí ser considerado também um precursor da
psicologia da educação e de metodologias mais voltadas para a criança pequena. Sua
visão de conhecimento é fundamentada na intuição humana, sendo esta a base de
todo o saber.

Uma educação perfeita é, para mim, simbolizada por uma árvore


plantada perto de águas fertilizantes. Uma pequena semente que
contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades, é
colocada no solo. (...) O homem é como a árvore. Na criança
recém-nascida estão as faculdades que lhe hão de desdobrar-se

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

durante a vida; (...) (PESTALLOZZI, J. H. in GADOTTI, São Paulo:


Ática, 2005: 98).

As ideias inspiradas pelo liberalismo do século XVIII (corrente política que se


afirmou na Europa e na América do Norte) marcaram, significativamente, a ação do
estado com relação à educação no século XIX. As teorias científicas promoveram
avanços consideráveis nas práticas educativas das escolas. Influenciados pelas ideias
revolucionárias, muitos países europeus, sobretudo Alemanha e Inglaterra, criaram
seus sistemas nacionais de educação, assim como na América do Norte, provocando
um movimento de participação do estado na educação de crianças e jovens.

Friedrich Fröebel (1782 – 1852)

Considerado um pensador de destaque na história das


pedagogias, o alemão Friedrich Fröebel (1782 – 1852) foi quem
idealizou uma escola voltada especialmente para crianças
pequenas, os jardins da infância. Fundamentalmente inatista,
suas teorias eram inspiradas pelas ideias de amor à criança e à
natureza, centradas na atividade infantil como fonte de
possibilidades para conhecer o homem, sua alma e cultivar a
natureza humana.

Fröebel elaborou uma pedagogia voltada para a infância, sendo o pioneiro na


criação de espaços educativos pensados e organizados para que as crianças pudessem
expressar sua criatividade, sua atividade livre, estar com outras crianças, brincar e jogar
e, com isso, aprender.

Segundo Formosinho, Kishimoto & Pinazza (2007: 37), Fröebel, já naquela época,
trazia aspectos fundamentais para a compreensão do desenvolvimento infantil como
“o papel do brincar no desenvolvimento da linguagem, a educação e o cuidado, as
linguagens integradas na educação de crianças pequenas e a formação do educador”,
que, na visão das autoras, foi extremamente importante na promoção de uma
pedagogia da infância. A filosofia e as propostas de Fröebel influenciaram não só a
Europa, como diversas partes do mundo, assim como o Brasil, como já visto nos
tópicos anteriores deste instrucional.

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

“Lina era uma garotinha de mais ou menos 6 anos de idade que


gostava de se ocupar independentemente. Ela conseguia realizar
muitas coisas com brinquedos simples; conseguia construir
muitas coisas bonitas com cubos e blocos; e posicionar muitas
coisas com tabletes de formas e cores diferentes, com varetas etc.
Ela conseguia fazer muitas coisas bonitas de várias formas,
colocando juntas varetas coloridas, tiras de papel e outros
materiais; produzia, dessa maneira, muitas coisas com esses
pequenos materiais para brincar, os quais lhe eram muito
queridos.

Lina era capaz também de facilmente pegar a bola, e tinha por


este meio adquirido tal destreza e tal controle do corpo – tal uso
talentoso de seus membros – que ela não deixava nada cair
facilmente, nem desajeitadamente. Lina também sabia muitas
canções bonitas e sabia cantá-las adequadamente. Ela conseguia
acompanhar muitas de suas brincadeiras com as canções, o que
aumentava seu prazer, porque elas a instruíam para o que ela
estava fazendo, e então ela não precisava estar sempre
perturbando o pai e a mãe perguntando “o que é aquilo?”, “por
que é assim?”.

Dessa forma, Lina estava sempre alegre e ativa, porque não sentia
o tempo pesar, não existia mau humor em sua vida, ao contrário,
porque sempre estava contente e animada, ela sempre foi o
deleite especial de seus pais, assim como um exemplo para outras
crianças, as quais gostariam de ser o mesmo para os seus pais, e
também gostam de brincar e são felizes de forma viva, ordenada
e ativa. (FRÖEBEL, 1917: 286 in ARCE, 2002: 110)

Lendo a descrição da menina Lina, percebemos que Fröebel acreditava que as


crianças possuíam uma força interna capaz de motivar todo o seu processo de
desenvolvimento, que se dá de forma gradual e contínua. As “forças internas” que
motivam o desenvolvimento humano, por sua vez, já nascem prontas, mas a
convivência das crianças em ambientes educativos estimulantes, onde fossem
desafiadas ao autoconhecimento, a experiências diversas, a participar ativamente de
todas as atividades oferecidas, além de serem assistidas em suas necessidades básicas;

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

representaria a possibilidade para desabrocharem suas potencialidades e capacidades


natas.

Fröebel acreditava que homem, Deus e natureza formavam um conjunto único e


interligado, e, a partir dessa crença, criou o princípio da conexão interna, que
expressou como uma lei para explicar o sentido da vida:

A unidade entre homem, natureza e Deus expressa pela lei da


conexão interna aplica-se a todas as instâncias da vida. Reúne o
mundo orgânico e inorgânico; está presente no processo de
desenvolvimento do indivíduo (a interligação entre as fases
evolutivas); unifica as dimensões física, intelectual e espiritual e
liga o homem à família e à humanidade. Na confluência entre os
elementos da natureza e a existência humana encontra-se a
divindade (FORMOSINO et al, 2007: 43).

A partir desta lei, Fröebel buscou explicar sobre as coisas que nos fazem humanos
por natureza, assim como aquilo que nos diferencia uns dos outros. Afirmava que na
relação com a natureza, e com os outros seres de outras espécies, era possível
perceber quem somos, a nossa unidade e a nossa essência humana. Portanto,
conectando-se ao mundo das coisas, era possível conhecê-las e fazer um
autoconhecimento.

Fröebel estabelecia uma relação de causa e efeito entre infância e vida adulta.
Para ele, compreender e valorizar a infância significava a solução para muitos males
da vida adulta. Também procurava explicar marcos presentes no desenvolvimento dos
humanos na própria história da evolução da humanidade.

(...) todas as manifestações adultas mantêm estreito vínculo com


os acontecimentos desde a mais tenra infância. A trajetória do
desenvolvimento humano revela a história do desenvolvimento
da raça e recapitula a história da criação e do desenvolvimento de
todas as coisas (Ibidem: 42).

Sua contribuição para a educação infantil foi, sem dúvida, essencial. Uma série de
princípios relevantes no trabalho com crianças pequenas foi postulada por Fröebel,

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

daí porque é considerado um dos mais importantes pedagogos da infância: a


cooperação entre crianças; a valorização da atividade livre e da ludicidade como
promotoras de práticas educativas com crianças pequenas e inserção de vivências
sociais no trabalho escolar (Ibidem: 46). O jogo, inclusive, era considerado
fundamental no processo de desenvolvimento infantil, por considerar que a criança
era naturalmente lúdica. Além disso, seus métodos educacionais eram voltados para
a expressão corporal, o brinquedo, a brincadeira, o canto e a linguagem, focados,
primordialmente, na autoatividade, sendo esta a base de toda a instrução.

No final do século XIX e início do século XX, percebia-se que a educação na


infância representava uma possibilidade para a consolidação da sociedade moderna.
Com relação à educação de crianças de 0 a 6 anos, as instituições educacionais
configuravam-se em creches ou escolas maternais, para os bebês de até 3 anos, e
jardins de infância, que passaram, a partir de Fröebel, a ser assim denominadas as
escolas para crianças de 4 a 6 anos.

Nesse contexto, já havia um sistema educacional que correspondia ao


atendimento de crianças desde bebês até o ensino profissional, embora não houvesse
oportunidades iguais para todos, assim como uma diferenciação no atendimento
conforme a situação social da criança.

Desde Rosseau que, como já vimos, foi um precursor do movimento da escola


nova, já se percebia uma crítica com relação à educação tradicional, focada única e
exclusivamente no adestramento de crianças, principalmente vinculada a valores
morais e doutrinas religiosas, defendendo que a atividade da criança deveria ter um
espaço privilegiado na sua educação. Os seguidores da nova escola defendiam a
educação ativa, centrando sua ação na metodologia como possibilidade de promoção
de uma escola lúdica que permitisse maior participação dos alunos no processo
educacional.

A Escola nova representa o mais vigoroso movimento de renovação da educação


depois da criação da escola pública burguesa. A ideia de fundamentar o ato
pedagógico na ação, na atividade da criança já vinha se formando desde a pedagogia
romântica e naturalista de Rosseau. (...) A teoria e a prática escolanovistas se
disseminaram em muitas partes do mundo, fruto certamente de uma renovação geral
que valorizava a autoformação e a atividade espontânea da criança. A teoria da Escola
Nova propunha que a educação fosse instigadora da mudança social e, ao mesmo
tempo, pudesse possibilitar a adaptação do indivíduo às permanentes mudanças pelas
quais vinha passando a sociedade (adaptado de GADOTTI, 2005: 142).

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

Ovide Decroly (1871- 19632)

Nesse contexto, podemos destacar o médico belga Ovide Decroly (1871- 19632),
que iniciou seu trabalho na educação especial, propondo uma pedagogia voltada para
o interesse e as necessidades das crianças. Fundamentada na psicologia, sua proposta
privilegiava as atividades individuais e coletivas das crianças, organizadas a partir de
centros de interesse. Desta forma, Decroly pretendia substituir os textos dos livros da
pedagogia tradicional por um conjunto de saberes, inerentes aos interesses,
necessidades e curiosidades da criança, essenciais no seu desenvolvimento.

Para Decroly, era importante um autoconhecimento para que, a partir daí se


pudesse conhecer o mundo ao seu redor. Assim sendo, os centros de interesse
reuniriam assuntos e conhecimentos relacionados à criança, à família, à natureza e ao
universo, de forma integrada, a partir de um trabalho em que a criança oportunizasse
a observação, a associação e a expressão.

Os centros de interesse de Decroly provocaram o surgimento de uma nova


dinâmica no trabalho com a educação infantil, uma vez que exigia da escola uma
organização curricular que pudesse contemplar a metodologia proposta. O
conhecimento era articulado a partir da organização composta pelo assunto a ser
desenvolvido. As estratégias para as crianças eram pensadas para favorecer sua
atividade e aproximar suas experiências escolares ao seu universo social.

A educação, segundo ele, não se restringia à preparação para a vida adulta, como
pressupunha a escola tradicional. Para o pensador, a criança devia viver intensamente
a sua idade e ser desafiada à vida no seu tempo e na medida certa de suas
potencialidades. O método de trabalho de Decroly era fundamentado no que ele

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Principais Contribuições Teórico-Metodológicas À Prática Pedagógica

próprio considerava como questões de natureza da infância, uma etapa da vida das
crianças: descobrir, brincar, expressar-se livremente e ser ajudada e cuidada pelos
adultos. Desta forma, era possível que o desenvolvimento seguisse seu percurso
natural.

O método dos centros de interesse de Decroly foi um grande avanço e trouxe ao


trabalho com as crianças pequenas, principalmente dos 4 aos 6 anos, o caráter global
e integrador do conhecimento na proposta educativa, pois era assim que Decroly
percebia a atividade da criança e a forma como as coisas do mundo lhe pareciam.

Maria Montessori (1870 – 1952

Maria Montessori (1870 – 1952), médica


e pedagoga italiana, foi a representante
feminina nas propostas inovadoras de
educação para crianças pequenas neste
século XX. Com relação às concepções de
ensino e aprendizagem, suas ideias foram
consideradas extremamente importantes. Em
1907, fundou em Roma, a primeira Casa dei Bambini (casa de crianças), que era um
abrigo para crianças carentes, filhas de desempregados. Cabe ressaltar que
Montessori construiu sua experiência trabalhando com crianças deficientes e aplicou
seus métodos nas crianças normais que frequentavam as Casas dei Bambini
(FORMOSINHO et al, 2007: 117).

Foi pioneira na proposta de jogos e materiais como apoio ao ensino de


conteúdos escolares, defendendo a ideia de que quanto mais ativa for a criança nas
situações de ensino, mais eficientes serão as aprendizagens. Além disso, postulava que
crianças pequenas necessitavam do apoio de materiais concretos para resolver
situações lógicas. A sala de aula proposta por Montessori constituía um ambiente
organizado com materiais pedagógicos diversos para facilitar a aprendizagem das
crianças.

A pequena infância (dos 0 aos 6 anos) – período do espírito absorvente – é um


período de transformação em que se constrói o indivíduo, o ser social, em que o
adulto não pode agir diretamente e a criança precisa de uma liberdade que permita
ter iniciativas, sem que aquele intervenha. A mente absorvente é aquela que “tudo
percebe, que não julga, não repele, não reage. Absorve tudo e tudo encarna no

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homem. (...) A criança cria a própria ‘cerne mental’, usando as coisas que estão no
ambiente” (Ibidem: 118).

Para a educação infantil, suas contribuições foram de extrema importância, uma


vez que os materiais concretos propostos por Montessori favoreciam a manipulação,
a observação, a análise das formas, cores, sons, espaços, tempo e construção de
noções fundamentais para aquisição de conceitos mais complexos. Montessori
acreditava que o trabalho com os materiais estimulava a criança a desenvolver um
impulso interior que se manifesta no trabalho espontâneo do intelecto (MONTESSORI
in GADOTTI, 2005: 151).

Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para


substituí-lo por uma outra indicação, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a
personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para
libertá-la das opressões, dos preconceitos antigos sobre educação”, então, tudo se
tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos
considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a
proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de
conceber a educação (Ibidem: 152).

Em sua pedagogia, Montessori identificou três grandes etapas na vida humana


que vão separar o mundo infantil do mundo adulto: a pequena infância (0 a 6 anos),
a grande infância (6 a 12 anos) e a adolescência (12 a 18 anos).

A pequena infância, Montessori dividiu em duas etapas: a do espírito absorvente


inconsciente (0 a 3 anos) e a do espírito absorvente consciente (dos 3 aos 6 anos).
Montessori pretendeu, com essa divisão, destacar a diferença de comportamento das
crianças com relação ao surgimento da linguagem e da marcha, que possibilitam
manifestações da inteligência mais elaboradas, mais conscientes, como a própria
coloca. Com isso, até a conquista da fala e da marcha, as crianças vão formando seu
intelecto através das descobertas que fazem na ânsia de conhecer as coisas do mundo.
Montessori comparava a inteligência humana a uma esponja absorvente. As coisas do
mundo são absorvidas pela mente da criança e vão sendo acumuladas, constituindo
a vida consciente das crianças, ou seja, na medida em que absorvem novas
informações, aquelas guardadas no inconsciente vão ganhando significado para a
crianças – quanto mais se aprende, mais se sabe sobre as coisas (FORMOSINHO et al,
2007: 119).

A grande infância, para Montessori, marcaria o período para o crescimento


uniforme da inteligência da criança. Nessa etapa da vida infantil, a inteligência não

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modifica no sentido psicológico, o que marca sua atividade é a socialização. As


crianças nessa fase são mais sociáveis, pois ampliam suas relações e gostam de estar
em grupos. Os conhecimentos relativos à vida social são aqueles que vão ser
absorvidos pela vida consciente, ampliar sua capacidade de raciocínio e desenvolver
sua moral (Ibidem: 119).

A adolescência é outra etapa da vida humana que Montessori dividiu em duas


fases: a puberdade (dos 12 aos 15 anos) e a adolescência propriamente dita (dos 15
aos 18 anos). Nesses dois períodos etários, as transformações ocorridas no corpo e na
relação social são os divisores de águas entre ser criança e ser adulto.

A pensadora estabeleceu três questões essenciais para que a educação das


crianças possibilitasse o seu desenvolvimento harmônico e satisfatório: ambiente
adequado, mestre humilde e material científico. Segundo Montessori, o papel do
adulto, além de proporcionar a ambiência favorável (estimulante, rica em materiais
exploratórios, rica de conhecimentos sobre o mundo que cerca as crianças, repleta de
experiências instigantes), era permitir que as crianças fizessem suas observações, suas
hipóteses livremente, com o mínimo de intervenção possível. A partir dessa
manipulação do ambiente pela criança, o adulto iria saciar sua curiosidade,
fornecendo-lhes o conhecimento da ciência, no sentido de explicar “o porquê” das
coisas. Um ambiente favorável, na visão de Montessori, deveria conter materiais que
provocassem a estimulação sensorial e a autoeducação (Ibidem: 124).

O desenvolvimento da personalidade (ou seja, o que se chama liberdade da


criança) não pode ser outra coisa além de independência progressiva do adulto,
realizada por intermédio de um ambiente adequado, em que a criança encontre os
meios necessários ao desenvolvimento das suas funções (MONTESSORI (1936) in
FORMOSINHO et al, 2007: 129).

Uma ação pedagógica sobre as crianças pequenas, para ser eficaz, deverá ser, em
primeiro lugar, dirigida para este fim: ajudá-las a avançar na vida da independência.
Ajudá-las a aprender a andar sem ajuda, a correr, a subir e a descer as escadas, a
apanha os objetos tombados, a vestir-se e a despir-se, a lavar-se, a falar para exprimir
claramente as suas próprias necessidades, a fazer ensaios para chegar a satisfazer os
seus desejos, eis aí a educação da independência (Ibidem).

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Celestin Freinet

Celestin Freinet, educador francês, trouxe contribuições


singulares para a prática educativa com crianças e, por essa
razão, é considerado um educador da atualidade. Defendeu,
em toda a sua trajetória, a educação pública primária, e, com
isso, deixou um legado para a ação pedagógica com crianças
pequenas.

Com relação às suas ideias, Freinet foi considerado um


educador progressista, pois propunha revolucionar os
métodos escolares. Entendia o trabalho como forma humana
de produção e cooperação. Portanto, o trabalho era uma vertente essencial nas
relações sociais, em todas as instâncias de ação dos sujeitos. Nesse sentido, centrava
sua prática pedagógica na concepção de educação para o trabalho, tendo o trabalho
manual como foco da atividade escolar da criança. Além disso, valorizava o estudo, a
pesquisa, a observação a partir da ação direta da criança no seu meio social.

Chamo exclusivamente de trabalho – afirmava ele – a essa


atividade que se sente tão intimamente ligada ao ser que se
transforma em uma espécie de função, cujo exercício tem por si
mesmo sua própria satisfação, inclusive se requer fadiga e
sofrimento. A necessidade do trabalho seria necessidade orgânica
de utilizar o potencial de vida, uma atividade ao mesmo tempo
social e individual (GADOTTI, 2005: 177).

A proposta de Freinet objetivava a centralização da criança na atividade escolar,


criando um contexto significativo que possibilitasse às crianças sentirem-se sujeitos
de sua própria trajetória. Com isso, elaborou uma série de técnicas didáticas, de forma
que a ação educativa aproximasse o cotidiano escolar da realidade vivida pelo grupo
de educandos. O estudo do meio, a imprensa escolar, o “livro da vida”, o texto livre, a
correspondência interescolar e a biblioteca de trabalho são atividades que Freinet
considerava como detonadoras de um trabalho que proporcionasse a coletividade e
a autonomia entre os escolares.

Outra grande questão na pedagogia Freinet é a não diretividade do adulto com


relação à atividade da criança. Desenvolveu uma série de escritos defendendo a
organização coletiva de regras, a coparticipação adulto/criança na construção do

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planejamento da ação escolar e da divisão de responsabilidades e tarefas no processo


educativo, como forma de construir autonomia sem que fosse preciso disciplinar
crianças.

O professor teria que ser formado para dedicar-se menos ao ensino e mais a
deixar viver, a organizar o trabalho, a não obstaculizar o impulso vital da criança. Trata-
se de um papel essencialmente antiautoritário dar à criança consciência de sua força
e convertê-la em autora de seu próprio futuro em meio à grande ação coletiva
(Ibidem: 178).

Freinet acreditava que as relações de trabalho na sociedade deveriam perpassar


pela cooperação e responsabilidade, criticando, dessa forma, o sistema capitalista, que
direcionava as dinâmicas sociais na época. Em tese, postulava que o trabalho na
educação primária deveria desenvolver, desde cedo, relações sociais mais conscientes,
respeitosas e responsáveis.

(...) Essa é a grande função social da educação, da qual depende a


inteligência geral e o progresso da felicidade social. Mas, como o
controle e a direção social são políticos, a educação só servirá
como base de um progresso social se for política. (...) Ele lutou
pelo esclarecimento racional das pessoas, propondo que a escola
trabalhasse o interesse do educando, preparando-o diretamente
para as atividades válidas do ponto de vista social (FORMOSINHO
et al, 2007: 149).

O legado que Freinet deixou para a educação propõe uma nova organização
escolar, através de um modelo de gestão do tempo e do espaço a partir da
participação, da cooperação e da coletividade. Sanches & Elias, colocaram, em seus
estudos sobre a pedagogia de Freinet, que suas ideias sofreram grande influência do
pensamento anarquista alemão e do marxismo. Seu modelo de gerenciamento do
cotidiano escolar pressupunha a quebra de uma série de paradigmas e de rituais,
possibilitando uma escola mais participativa. Tudo que tornasse a rotina escolar rígida
deveria ser abolido de sua prática: o programa, a seriação, a fragmentação em
disciplinas, a organização rígida de horários, entre outras questões (SANCHES & ELIAS
in FORMOSINHO et al, 2007: 161).

A Pedagogia do Bom Senso, como ficou conhecida a sua metodologia de


trabalho, se constituía a partir de métodos naturais, da livre expressão do educando e

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da pesquisa experimental. Esses três eixos de trabalho, para Freinet, eram a base para
a formação do indivíduo cooperativo, participante e responsável, pilares fundamentais
de uma sociedade democrática.

Henri Wallon

Assim como Freinet, o francês Henri Wallon foi


considerado um pensador dos ideais antiautoritários.
Wallon estabeleceu, em suas pesquisas, que o meio
social tem enorme relevância no desenvolvimento da
criança, entendendo que, fora desse meio “é
impossível o seu desenvolvimento normal”.

Wallon foi um teórico de contribuições essenciais para o trabalho com a


educação infantil, por dar ênfase ao desenvolvimento das crianças pequenas,
especialmente na faixa-etária de 0 a 2 anos. Em seus estudos, organizou etapas do
desenvolvimento infantil marcadas, cada uma delas, por situações específicas que,
segundo o teórico, são definidas como crises evolutivas. Essas etapas, para Wallon,
não são lineares e nem uniformes para todas as crianças, uma vez que estão
suscetíveis às experiências sociais e a questões inerentes aos grupos culturais em que
estão inseridas.

Cada etapa do desenvolvimento é caracterizada por uma atividade


preponderante, ou conflito específico que a criança deve resolver. Estas atividades
preponderantes são alternantes. As alternâncias funcionais suscitam sempre um novo
estado que se converte em ponto de partida de um novo ciclo. Isto implica que o
desenvolvimento da criança é intercalado por crises e conflitos (GADOTTI. 2005: 178).

Podemos concluir, com isso, que a todo momento as experiências infantis


mediadas pelo mundo e pelo outro vão possibilitar reestruturações no
desenvolvimento da criança, proporcionando atividades cada vez mais complexas e
conscientes, sendo responsáveis pelo ritmo do seu desenvolvimento. Já os fatores
biológicos, por sua vez, vão possibilitar sequência e regularidade entre as etapas.

Toda atividade da criança se organiza em campos funcionais definidos, na teoria


de Wallon, pela motricidade, cognição e afetividade. Em cada momento da vida da
criança, suas atividades estarão centradas em um desses campos funcionais, de acordo
com os recursos de que dispõe para atuar sobre si e sobre o mundo. Ao caracterizar
cada estágio do desenvolvimento infantil, Wallon deixa explícita a participação do

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outro e da cultura como mediadores do processo. Brêtas (2000) descreveu os estágios


de desenvolvimento infantil postulados por Wallon, definindo características
marcantes em cada estágio:

• Estágio impulsivo-emocional: vai do nascimento até os 3 meses de idade;


representa as primeiras experiências que o bebê viverá na sua condição de
sujeito do mundo. Segundo Brêtas (2000: 36-38), “nessa etapa, os
movimentos estão relacionados às sensações de prazer e desprazer, sendo
as primeiras causadas pela satisfação das necessidades fisiológicas, quase
sempre responsáveis pelas sensações de desprazer”. Na medida em que está
sendo afetado e reage a essas sensações, o bebê vai criando vínculos com
o meio e com aqueles que participam mais efetivamente de seus cuidados.
Para Wallon, o estabelecimento de vínculos positivos nessa etapa vai ser
fundamental para que a criança consiga, com segurança, aventurar-se em
novas possibilidades, ampliando sua atividade motora e perceptiva.

• Estágio sensório-motor: o universo ao redor do bebê já começa a


despertar seu interesse; o controle das mãos também é um elemento
favorável nesse processo, pois começa a segurar o que está ao seu alcance,
realizando movimentos circulares, que vão aguçar sua sensibilidade e sua
percepção. O balbucio também é um fator marcante neste estágio. A ação
do outro já pode ser percebida com mais intensidade, pois já sorri ou chora,
respondendo a essa ação.

• Estágio projetivo: marcado pela aquisição da marcha e da palavra, que


contribuem para que as relações com o mundo sejam mais intensas. Para
Wallon, a percepção de um universo exterior ao EU, ainda que de forma
insipiente, confere à criança uma condição de intervenção nesse universo.
Wallon coloca que, a partir dos 3 anos, há uma tentativa da criança em fazer-
se presente no espaço e no tempo do outro; com isso, coloca-se com
veemência e, na maioria das vezes, opõe-se a tudo que para ela é
estabelecido. Já se refere a si própria utilizando o pronome “eu” e relaciona-
se com as coisas como se tivesse posse absoluta sobre tudo que vê e deseja
ao seu redor.

• Estágio categorial: aproximadamente aos seis anos de idade, marcando a


entrada da criança na escola. Nesse período, a criança já apresenta níveis
mais complexos de uso da inteligência; possibilidades de relacionar-se
afetivamente com mais pessoas, interagindo em atividades coletivas; um

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grau mais elevado de autonomia em seus movimentos, sendo capaz de


atender às exigências da escola. É possível que, nessa etapa do
desenvolvimento, os chamados campos funcionais já apresentem uma
estrutura mais organizada, permitindo que a criança se aproprie dos
conhecimentos sistematizados, trabalhados na escola.

Jean Piaget

Jean Piaget, biólogo, psicólogo e filósofo suíço, deu


continuidade ao trabalho desenvolvido pelo psicólogo e
pedagogo suíço Eduard Claparède, ampliando sua
pesquisa para investigar a natureza do desenvolvimento
da inteligência humana a partir das atitudes e atividades
infantis.

Foi um teórico que revolucionou os métodos


educacionais, propondo uma pedagogia experimental
que pudesse promover possibilidades para que crianças,
em plena atividade, pudessem reorganizar suas estruturas cognitivas, ganhando cada
vez mais autonomia para atuar no plano real.

Sua teoria ficou sendo conhecida como construtivismo, uma vez que, para ele, o
ato de conhecer significava organizar, estruturar e explicar suas percepções do real a
partir da própria experiência, e não somente reproduzir ações ensinadas. Propôs, no
entanto, uma epistemologia genética do conhecimento humano, estudando a gênese
do conhecimento, desde as suas formas mais elementares até as mais complexas
situações de organização cognitiva.

De fato, a obra de Piaget revela-se fortemente inovadora no seu tempo,


ultrapassando algumas das tendências de sua época, nomeadamente algumas visões
sobre a natureza do desenvolvimento humano. Ao contrário da corrente
maturacionista, que defende a determinação genética das mudanças
desenvolvimentais e da sua sequência, Piaget defende que o processo de
desenvolvimento humano depende não só da maturação biológica do sujeito, mas
também da interação que se estabelece entre este e o meio físico e social em que vive.
O sujeito tem necessariamente um papel ativo, quer na exploração do que o rodeia,
quer na construção de significados sobre a sua experiência, uma construção que
resulta em formas progressivamente mais complexas de pensar a realidade física e

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social (Piaget, 1973). Essas ideias constituem a essência de sua visão construtivista
acerca do desenvolvimento (LOURENÇO, 1994, 1997; FLAVELL, 1991 in FORMOSINHO
et al 2007: 197).

Piaget estabeleceu estágios no desenvolvimento infantil, colocando, para o


educador, o papel de facilitador desse processo, uma vez que a este cabe conhecer e
respeitar as leis do funcionamento da inteligência, em cada um dos seus estágios,
promovendo, com a sua ação, situações desafiadoras que favorecessem o avanço da
criança e a conquista de estágios mais elaborados de uso da inteligência cognitiva.

(...) Mas é evidente que o educador continua indispensável, a título


de animador, para criar situações e armar os dispositivos iniciais
capazes de suscitar problemas úteis à criança e organizar em
seguida contra-exemplos que levem à reflexão e obriguem ao
controle das soluções demasiado apressadas: o que se deseja é
que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que
estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a
transmissão de soluções já prontas. Quando se pensa no número
de séculos que foram necessários para que se chegasse à
matemática denominada “moderna” e à física contemporânea,
mesmo a macroscópica, seria absurdo imaginar que, sem uma
orientação voltada para a tomada de consciência das questões
centrais, possa a criança chegar apenas por si elaborá-las com
clareza. No sentido inverso, entretanto, ainda é preciso que o
mestre-animador não se limite ao conhecimento de sua ciência,
mas esteja muito bem-informado a respeito das peculiaridades do
desenvolvimento psicológico da inteligência da criança e do
adolescente (PIAGET in GADOTTI, 2005: 156-157).

Embora tenha estabelecido etapas no desenvolvimento da inteligência, estas não


se apresentam de forma linear, uma vez que as estruturas cognitivas, num dado nível
de sua construção, vão sendo integradas a outras estruturas de níveis mais complexos.
Por exemplo, o ato de ajuntamento de quantidades presente nos bebês que empilham
objetos também pode ser percebido em crianças mais velhas como estratégia para
operar com a classificação dos mesmos (PIAGET, 1973).

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O primeiro estágio Piaget denominou de sensóriomotor, corresponde aos dois


primeiros anos de vida da criança. A inteligência infantil, nesse estágio, se caracteriza
pela atividade exploratória da criança, a partir de seus movimentos e das sensações
que o meio lhe provoca. Portanto, é uma forma elementar de uso da inteligência.

O segundo estágio, denominado por ele de pré-operatório, é marcado pelo


surgimento da fala, pois esta possibilita à criança expressar-se de forma mais
complexa e elaborada. Através das palavras, outras formas de representação do
mundo real vão surgindo para a criança, constituindo estruturas de uso da inteligência
que lhe permitem manipular situações concretas e explicá-las com suas próprias
possibilidades. As situações reais representam, nessa etapa, a ajuda na compreensão
de situações simbólicas e abstratas.

A partir dos sete anos, quando a criança inicia na escola suas experiências formais
de acesso ao saber socialmente organizado, sua atividade inteligente já começa a lhe
permitir operações lógicas, ainda que apoiadas em situações concretas. Nessa etapa,
Piaget classifica a inteligência infantil de operatório-concreta, que vai se prolongar
até, mais ou menos, os doze anos de idade, quando se inicia a fase da adolescência.
Na adolescência até a fase adulta, o sujeito vai ampliando sua capacidade de uso da
inteligência reflexiva, já sendo possível realizar operações lógicas, o que a define como
formal.

Piaget foi constatar, experimentalmente, de que maneira as crianças se


apropriavam de novos conhecimentos. Observava, em seus experimentos com
crianças pequenas, situações de ensaio e erro como estratégia para resolução das
situações-problemas que eram propostas.

Na educação infantil, suas contribuições foram primordiais, principalmente no


que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia, da moral, da construção das
noções de espaço, tempo e das operações lógicas.

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Lev Semenovich Vygotsky

Lev Semenovich Vygotsky, professor e pesquisador


russo, desenvolveu sua teoria fundamentado numa nova
abordagem da psicologia contemporânea, a sócio-histórica.
Preocupou-se com a infância, na qual focou seus estudos
no sentido de compreender o comportamento humano,
buscando superar as tradicionais teorias positivistas,
estudando o homem e o seu mundo psíquico numa
dimensão histórica e social da humanidade.

Vygotsky postulou a existência de funções mentais


superiores, que se constituem nas e pelas experiências
socioculturais dos sujeitos. Portanto, segundo o teórico, não
podiam ser consideradas somente na sua dimensão biológica, ou seja, o
desenvolvimento humano não está condicionado à maturação orgânica de suas
estruturas mentais, e sim a um processo constante que se dá por meio da imersão
cultural nas práticas da sociedade, pela aquisição dos símbolos e instrumentos
tecnológicos da sociedade e pela educação em todas as suas formas.

A linguagem e o pensamento humano têm sua origem na vida social dos sujeitos,
sendo essa dimensão sócio-histórica e cultural que vai sustentar a forma como
Vygotsky postula a relação desenvolvimento e aprendizagem, que para o teórico são
processos interdependentes e interativos, em que a aprendizagem vai se efetivar em
contextos sociais específicos.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal é um dos mais relevantes das


contribuições deixadas por Vygotsky para a educação de crianças. Crianças em
diferentes momentos de seu desenvolvimento podem intercambiar saberes e
promover aprendizagens significativas. Nesse sentido, Vygotsky demonstra ser
possível que crianças, em cooperação nas atividades escolares, possam estar, ao
mesmo tempo, no papel de aprendizes e ensinantes.

Ainda com relação à zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky postula que


toda ação que a criança realiza com a ajuda de um parceiro mais capaz estará,
futuramente, realizando com autonomia. Portanto, a ZDP constitui o espaço para
atuação da intervenção do adulto no processo de aprendizagem das crianças, e
confere um papel central às interações sociais nas situações de aprendizagem.

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3.3 Conclusão
Atualmente, o cotidiano nas instituições é visto como parte fundante das
pedagogias infantis, pois funciona como organizador de todas as experiências que as
crianças vão viver no coletivo com outras crianças, nos espaços das creches e/ou pré-
escolas. Barbosa (2006) coloca que, no Brasil, as ações do cuidar, educar e socializar
crianças pequenas estão presentes nas diversas propostas destinadas à educação
infantil. Já autores italianos, segundo a autora, cuja bibliografia tem sido referência em
muitas discussões sobre educação infantil, incorporam também questões ligadas à
arte, ao imaginário da criança e valorizam, como parte essencial da rotina, as
atividades livres (BARBOSA, 2006: 204).

Portanto, queremos ressaltar que, quando tratamos de desenvolvimento infantil


em instituições de educação para crianças pequenas, o fundamental é que as
propostas incorporem experiências ricas e significativas, promotoras de cultura,
proteção, cuidados, saúde e vivências sociais diversas. Discutimos intensamente a
singularidade da infância, entendendo que esta não significa a preparação para a vida
adulta, porém sabemos que a qualidade da infância tem relevante importância na
formação dos sujeitos, em todos os aspectos: as estruturas de pensamento, o
desenvolvimento orgânico, as interações interpessoais, a formação de sua identidade
pessoal e social, a apropriação do universo cultural, tudo tem sua base na infância,
pois são constitutivos do “vir a ser” da criança e do adulto em que ela se transformará.

Friedmann (2005) convida os leitores a um mergulho no universo infantil, para a


compreensão das crianças e a escuta à expressão de sua alma, a partir de uma poesia
escrita pela própria, e destinada a todos os adultos educadores de crianças pequenas,
que vamos compartilhar com você, leitor-educador, concluindo o estudo deste
instrucional:

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Referências

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