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Resumo: Apresenta-se neste trabalho uma análise sobre contos do escritor angolano
João Melo sob a perspectiva dos estudos pós-coloniais, problematizando-se de que
modo, na obra O homem que não tira o palito da boca (2009), são representados os
processos identitários. O conceito de identidade encontra-se fundamentado em Bauman
(2005) e Hall (2006), e as noções de crítica pós-colonial em Hamilton (1999) e Leite
(2003), principalmente. O desenvolvimento da pesquisa, de caráter eminentemente
bibliográfico, permitiu perceber que, a atual narrativa angolana mostra o caráter
pluralizado em que se encontra a cultura angolana e os desafios que esses povo enfrenta
em meio a uma busca pela construção da identidade nacional. Além disso, percebe-se
que as questões identitárias são atravessadas por uma escrita marcada pela ironia e pela
crítica ao passado conscientemente assentada nas incertezas do presente.
Abstract: Show up in this work one analysis about stories of angolan writer João Melo
sob perspective of post-colonial studies, questioned how do the work literary O homem
que não tira o palito da boca (2009) it are represented the identity processes. The
concept of identity find out based in Bauman (2005) and Hall (1999), and the notions of
censure post-colonial in Hamilton (1999) and Leite (2003). The development of
research, of eminent character bibliographer, allowed to see, that, in the present angolan
narrative, exposes the character pluralized of the Angolan culture and the challenges
that people faces while seeking to build the national identity. Besides, perceives that the
identity questions are crossed by one writing marked by ironic and criticism at past
consciously hold in the present uncertainness.
Key- words: Literature and Culture. Globalization and Identity. Post- Colonialism.
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Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de Iniciação Científica (Cnpq/UESC) “Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa: oralidade, identidade e resistência”, coordenado pela Profª Drª. Inara de
Oliveira Rodrigues (DLA/UESC).
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Aluna do Curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista de Iniciação Científica
CNPq//UESC. wolffbianca@hotmail.com.
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Orientadora. Prof.ª Dr.ª do Curso de Letras e do Mestrado em Letras Linguagens e Representações da
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). profeinaraletras@hotmail.com.
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O PAPEL DOS ESTUDOS PÓS- COLONIAIS NA LITERATURA LUSÓFONA
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QUESTÕES IDENTITÁRIAS POR TRÁS DA IRONIA NOS CONTOS
“MADINUSA” E “O MEU PRIMEIRO MILHÃO DE DÓLARES”
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escrevem sobre a Tailândia, os franceses que escrevem sobre o México... A cena
(etimologicamente falando) agora é global...” (MELO, 2009, p.53). Aliás:
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exaltar essa inusitada contribuição do império a riqueza onomástica da
língua portuguesa (MELO, 2009, p.59-60).
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Não é possível regressar a uma pureza pré- colonial absoluta, tal como
não é possível criar formações nacionais, totalmente independentes
das suas implicações históricas na empresa colonial. As literaturas
africanas de língua portuguesa, com a criação dos seus campos
literários específicos, relatam as narrativas desse impossível regresso
ao passado, entretecendo, com sabedoria, a sua reinvenção (LEITE,
2003, p.36).
Assim, por meio do conto “Madinusa” (2009), João Melo expõe o caráter
pluralizado que a identidade tomou, de modo que o objetivo da busca identitária de
Angola não se trata de uma pretensa busca por uma identidade pura, antes:
O presente conto expõe uma das mazelas enfrentadas por Angola: a corrupção.
Esse tema é descrito em outra narrativa que compõe a antologia O homem que não tira
o palito da boca (2009), o conto “Um angolano especial”:
- É certo que não há mais tiros, mas até quando? Todo o mundo
parece que só pensa em ficar milionário do dia para a noite!...Todo o
mundo, vírgula! Uma meia dúzia, os mesmos de sempre... As
melhores terras, diamantes, telecomunicações, transportes, petróleo...
Eles ficam com tudo, não deixam nada para ninguém!...Sim, estão a
fazer umas estradas, umas pontes, umas escolas... E o resto? Nem a
maka da água e da luz conseguiriam resolver em cinco anos!...e a
corrupção? As coisas agora são feitas às claras, parece que ninguém
tem vergonha (MELO, 2009, p.49).
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Na atual sociedade capitalista, a produção de riqueza se concentra nas mãos de
uma minoria enquanto a maioria vive “num ambiente fluido, não tem como saber se o
que nos espera é uma enchente ou uma seca...” (BAUMAN, 2005, p.57). De acordo
com Bauman (2005), “homens e mulheres desta nossa época suspeitam ser...
desprotegidos... facilmente renegados e destinados à pilha de lixo quando acharem que
eles não dão mais lucro” (BAUMAN, 2005, p.53). Assim é a atual sociedade marcada
pela “versatilidade, volatilidade e imprevisibilidade desorientadora” (BAUMAN, 2005,
p.58) que Bauman (2005) chama de “época líquido-moderna”. No conto “A Virgem
Maria do Sambila” (2009) é descrito o contexto da atual sociedade cujas características
tornam ainda mais complexa a busca pela identidade:
O conto revela o íntimo daqueles que estão no poder de uma sociedade onde o
que importa é o capital onde “A maka é que todos querem uma lasca do osso” (MELO,
2009, p.168), permitindo ao leitor entender o contexto ao qual a Angola está inserida.
Nesse sentido é que os estudos pós- coloniais estão interessados em “equacionar
algumas das especificidades contextuais desta nossa área, para não corrermos os riscos
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de superficial adaptação terminológica de concepções teóricas... permitindo a adequação
e ou diferenciação de certo número de questões” (LEITE, 2003, p.17, grifo nosso).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao colocarmos em vista alguns contos que compõem a obra O homem que não
tira o palito da boca (2009) pode-se perceber uma reflexão acerca de questões de
caráter cultural, social e econômico que são temas recorrentes na literatura angolana,
tendo em vista a recente formação do país. A partir da análise realizada, reafirma-se, o
quanto a literatura permite o conhecimento e o reconhecimento de realidades históricas,
sociais, econômicas e culturais, como a de Angola.
No âmbito dos estudos pós-coloniais, a literatura dos países africanos de língua
portuguesa vale-se de textos criativos que revelam uma nova visão diante de um olhar
construído durante o processo de colonização marcado pelo racismo e que tentou
obscurecer a pluralidade cultural do povo colonizado. Além disso, a literatura
emergente revela o que caracterizou o processo de dominação ao qual países, dentre eles
a Angola, estiveram sujeitos.
Por meio de ironia, o autor expõe em seu conto “Madinusa” (2009) alguns
elementos que caracterizam o Imperialismo, processo de dominação que subjugou
muitos povos, dentre estes a Angola que por décadas foi explorada em todos os
sentidos. Além disso, permitiu entender que na atual sociedade, ao invés de existir uma
identidade nacional pura, na verdade, existe uma identidade que resulta do diálogo entre
o local e o global. Além disso, a identidade é um processo complexo, formado em
função da história e das situações vivenciadas pelos indivíduos, não é algo fixo, nem
depende apenas do nascimento, língua e nome. Além disso, no atual sistema
globalizante dominado pela imprevisibilidade e versatilidade tornou-se um desafio
construir uma identidade sólida. Assim, no lugar de uma “essência” a identidade é um
processo inacabado e em constante processo de construção.
Já o conto “O meu primeiro milhão de dólares” (2009) expõe até que ponto os
indivíduos, de uma sociedade que gira em torno do capital, pode chegar, mostrando uma
das “makas” que marcadamente está presente no país de Angola, a crassa corrupção.
Assim, a narrativa permite entender o contraste entre a vida glamorosa daqueles que
estão no poder e aqueles que estão à margem da sociedade, dominados pela incerteza o
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que torna ainda mais desafiador a busca por uma identidade, diante das privações as
quais os indivíduos estão sujeitos. Ambos os textos, “Madinusa” (2009) e “O meu
primeiro milhão de dólares” (2009), evidenciam que a construção identitária de um
povo trata-se de uma busca contínua e essa busca tornou-se ainda mais complexa com
acontecimentos que obscureceram o passado, com a globalização e os desafios atrelados
a esta, assim,é atravessando esses obstáculos que o país de Angola tenta construir sua
identidade e firmar seu futuro.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmund. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.
MELO, João. O homem que não tira o palito da boca. Alfragide: Editorial Caminho, 2009.
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