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A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: uma reflexão sobre os estudos sociolinguísticos1

Bianca Magalhães Wolff2


Érika Pitombo de Souza3
Dr.ª Vânia Lúcia Menezes Torga4
Wolney Gomes Almeida5

RESUMO

O presente artigo intenta fazer um levantamento teórico dos estudos sociolinguísticos na


Língua Brasileira de Sinais. Para tanto, será feito um percurso histórico dessa língua e será
analisada a concepção de LIBRAS enquanto língua. O trabalho também problematiza
conceitos reducionistas que desconsideram o status linguístico da LIBRAS, além de
investigar os elementos que a caracterizam como uma língua legítima, como a presença de
variações linguísticas, a exemplo da ocorrência de regionalismos, presentes também nas
demais línguas. Nesse âmbito, intenta-se também discutir em que sentido a Língua Brasileira
de Sinais torna-se espaço de afirmação identitária dos surdos. Este artigo é de cunho
bibliográfico e partiu dos estudos linguísticos de Bagno (1999) e Possenti (2006), nos estudos
da LIBRAS, de Gesser (2009), Oliveira et. al. (2011), Perlin (2005), Strobel (2007), Teske
(2005) e Valiante (2009) e nos conceitos de identidade de Bauman (2005) e Hall (2006).

Palavras-chave: Língua Brasileira de Sinais. Status linguístico. Estudos sociolinguísticos.


Variações linguísticas. Identidade.

1 INTRODUÇÃO

A Língua Brasileira de Sinais, por séculos, sofreu e ainda sofre com julgamentos
simplistas e preconceituosos que consideram a língua de sinais “[...] não como língua de
comunicação entre os surdos, mas como mímica. E seus usuários – os surdos, como inferiores
aos ouvintes” (OLIVEIRA et. al., 2011, p.8). No entanto, “Linguisticamente, pode-se afirmar
que a língua de sinais é língua porque apresenta características presentes em outras línguas

1
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Letras como um dos pré- requisitos para aprovação na
disciplina Prática de Pesquisa em Língua Portuguesa.
2
Discente do IX Semestre do curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz.
3
Discente do IX Semestre do curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz.
4
Prof.ª Dr.ª do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz e orientadora do
trabalho.
5
Prof. do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz e orientador do trabalho.(
wolney_22@yahoo.com.br
2

naturais e, essencialmente, porque é humana” (GESSER, 2009, p.27). Além disso, “[...] esta
apresenta características semelhantes às outras línguas, como as diferenças regionais,
socioculturais e sua própria estrutura gramatical bem elaborada” (OLIVEIRA et. al., 2011,
p.4).
O desconhecimento também se dá no que se refere à cultura dos surdos, pois visto
que estes estão inseridos numa comunidade onde a maioria é ouvinte é de se esperar que “[...]
não conseguem receber através da oralidade o repasse cultural, uma vez que uma das vias de
maior repasse cultural é a língua” (OLIVEIRA, et.al., 2011, p.3). Assim, é importante
reconhecer que “O surdo tem diferença e não deficiência [...]” (PERLIN, 2005, p.56), e,
diferente dos ouvintes, que se comunicam oralmente, “[...] as pessoas surdas necessitam da
língua de sinais e das experiências visuais para realizarem uma comunicação satisfatória com
outras pessoas.” (TESKE, 2005, p.148)
Nesse sentido, a Língua Brasileira de Sinais é a língua natural dos surdos e utilizada
por estes para interagirem entre si e se posicionarem, pois “O adulto surdo, nos encontros com
outros surdos, ou melhor, nos movimentos surdos, é levado a agir intensamente e, em contato
com outros surdos, ele vai construir sua identidade fortemente centrada no ser surdo, a
identidade política surda.” (SILVEIRA, 2007, p.160).
Apesar de se provar a legitimidade da Língua Brasileira de Sinais, esta só foi
reconhecida com “[...] o status de L1, ou seja, primeira língua da minoria surda brasileira
através da Lei 10.436 de 24 de abril de 2002” (OLIVEIRA et.al. 2011, p.1). Esse
reconhecimento da LIBRAS, como língua, foi resultado de estudos linguísticos que “[...] no
Brasil estão começando a se estabelecer de forma mais ampla. Esses estudos tiveram início na
década de 80, com Lucinda Ferreira Brito” (QUADROS, 2012, p.1).
O trabalho aqui desenvolvido não tem por objetivo trazer novos conceitos acerca da
estrutura da LIBRAS, mas sim fazer uma reflexão embasada em pesquisas já existentes a fim
de exercer um senso crítico e não se limitar a um conhecimento superficial e limitado acerca
dessa língua que, assim como as demais, é caracterizada pela complexidade. Assim, tornam-
se bastante pertinentes as palavras de Bagno (2004, p.58) “[...] é investigando, explorando,
pesquisando a realidade dos fatos que nós podemos construir, produzir nosso próprio
conhecimento, descobrir o verdadeiro funcionamento das coisas, que muitas vezes poderá ser
diferente daquilo que a tradição nos ensinou”.
3

2 BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Os surdos foram proibidos de usar a língua de sinais por séculos, e, as instituições,


consideradas como lugares de instrução para esse grupo de pessoas, baniam completamente o
uso da língua de sinais. No entanto, o agrupamento dos surdos nessas instituições, que
disseminavam o oralismo, “[...] serviu para os surdos se identificarem como pares
constituintes de um grupo, passando a usar, disseminar e reforçar um eventual sentimento de
valorização dos sinais e da identidade cultural surda” (GESSER, 2009, p.26).
Em 1857, foi fundado no Brasil o Instituto Nacional de Educação de Surdo (INES),
no Rio de Janeiro, com a vinda do surdo francês Ernest Huet, em 1855, e o apoio do
Imperador dom Pedro II, cujo interesse pela fundação, talvez tenha sido pelo fato de sua filha,
Princesa Isabel, ter uma criança surda ou devido à visita do Imperador à Universidade
Gallaudet (EUA) 6. Na época da fundação do INES, embora a língua de sinais ainda não fosse
reconhecida como LIBRAS, esta era usada para educar crianças surdas, e, para tanto, Huet
contou com mais dois professores treinados por ele, os irmãos La Peña. Esses fatos explicam
a influência da Língua de Sinais Francesa na Língua de Sinais Brasileira e a existência do
centro de referência dos indivíduos surdos, o INES, localizado no mesmo endereço (GESSER,
2009).
Em 1862, o Dr. Manoel de Magalhães Couto, mesmo sem especialização em surdez,
assumiu a posição deixada por Huet, no INES. No entanto, o Dr. Couto foi demitido e
substituído pelo Dr. Tobias Leite, em 1873, que estabeleceu a linguagem articulada e a leitura
de lábios como obrigatórias, porém, em 1889, o governo determinou que esses métodos
deveriam ser usados para os surdos que se beneficiassem, ao notar o mau resultado de tal
treino (VALIANTE, 2009).
Pelo que mostra a história, a língua de sinais “teve seus altos e baixos”. No entanto,
embora a língua de sinais tenha sido reconhecida, ainda que tardiamente, houve “[...]
resistências de alguns linguistas em reconhecer a legitimidade dos sinais, pois

6
A Universidade de Gallaudet foi fundada por Edward, filho do americano Thomas Hopkins Gallaudet que,
desacreditado no método de oralização, foi para França em busca de ajuda para a filha surda de seu vizinho,
Alice Cogswell de oito anos. Na França, Gallaudet teve contato com o surdo Laurent Clerc, aprendeu a língua
francesa de sinais e convidou Clerc para os Estados Unidos onde em 1817 fundaram a primeira escola surda que
recebia surdos de vários países e que serviu de modelo para a abertura de outras escolas. Em 1864, o filho de
Gallaudet fundou a Gallaudet University (LANE, 1984 apud GESSER, 2009).
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tradicionalmente a visão de língua tem sido fortemente pautada por uma perspectiva
essencialmente oral-auditiva” (GESSER, 2009, p. 55). Aliado a isso, existe o
“desconhecimento no que se refere não só à cultura, mas também à língua utilizada pela
comunidade surda” [...] que “faz com que muitos concebam os sinais como mímica gestual ou
uma forma de imitação de outra língua, sem estatuto de língua” (OLIVEIRA et. al., 2011,
p.3).
Assim, torna-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que propõe “[...]
descrever as Línguas de Sinais- sua estrutura, variações dialetais das diversas comunidades
surdas, mudanças ao longo do tempo, influências dos gestos “caseiros” etc que são
características próprias das línguas naturais” (VALIANTE, 2009, p.49).

2.1 A Língua Brasileira de Sinais e o reconhecimento de seu status linguístico

As línguas de sinais começaram a ser analisadas em termos científicos a partir da


década de 60, quando,“Ao descrever os níveis fonológicos e morfológicos da língua
americana de sinais (ASL daqui por diante), Stokoe apontou três parâmetros que constituem
os sinais e neomeou-os: configuração de mão (CM); ponto de articulação (PA) ou locação
(L), [...]; e movimento (M), [...]” (GESSER, 2009, p.13). Inicialmente, esses estudos
começaram com “[...] pesquisadores ouvintes, que tinham como objetivo a observação do
modo próprio de ser dos surdos e de sua maneira específica de comunicação e interação com
seus pares.” (OLIVEIRA, et. al. 2011, p.1), mas “[...] a partir da década de 1980, os próprios
surdos se mobilizaram na defesa de seus direitos como o respeito a sua cultura, sua língua e
sua cosmovisão” (OLIVEIRA, et. al. 2011, p.2).
Segundo Quadros (2012), no Brasil, têm sido desenvolvidos trabalhos na língua de
sinais sobre os estudos “[...] da fonologia, da morfologia, da sintaxe e da semântica e
pragmática. Há estudos relativos à sociolinguística, a linguística do texto e análise do
discurso”(p.5). De fato, essas pesquisas contribuem para o reconhecimento da LIBRAS que
possui “[...] uma gramática própria e se apresenta estruturada em todos os níveis, como as
línguas orais: fonológico, morfológico, sintático e semântico. Além disso, podemos encontrar
nela outras características: a produtividade/ criatividade, a flexibilidade, a descontinuidade e
a arbitrariedade” (GESSER, 2009, p.27, grifo do autor).
5

Em relação aos estudos linguísticos, a iniciativa partiu da pesquisadora Lucinda


Ferreira Brito quando esta fez uma comparação entre a língua de sinais de São Paulo e a
língua de sinais Urubu-Kaapor do povo Tupi-Guarani, localizado no interior do maranhão,
descrevendo, assim, a variação linguística entre essas duas comunidades, nas quais a
pesquisadora contatou similaridades e diferenças (QUADROS, 2012).

3 AS OUTRAS FACES DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Segundo Tarallo (1999), a partir de 1960, surgiu uma nova maneira de estudar a
língua, considerando os fatores sociais da comunidade para explicar as mudanças que ocorrem
na língua e os vários modos de falar das pessoas. Essa corrente é denominada Sociolinguística
e tem como principal representante Willian Labov, que desenvolveu um modelo de
procedimentos que tornou possível a investigação de fatores internos e externos que podem
aumentar ou diminuir a frequência de determinadas variantes linguísticas resultando, assim,
na heterogeneidade da língua.
Segundo Valiante (2009, p.49), “[...] o embasamento teórico da Sociolinguística [...]
pode ser estendido aos estudos das Línguas de Sinais e das comunidades surdas” (p.50),
lembrando que “O aspecto que diferencia as Línguas de Sinais das Línguas orais/auditivas é
que utilizam a modalidade espaço-visual”.
Os estudos sociolinguísticos constatam o fato de que os brasileiros, apesar de falarem
a mesma língua, o português, não apresentam uma uniformidade nem uma homogeneidade,
pelo contrário, existem variações em vários níveis “fonológico (pronúncia), morfológico
(palavras) e sintático (sentenças)” resultantes de fatores “sociais de idade, gênero, raça,
educação e situação geográfica” (GESSER, 2009, p.39). Por que seria diferente com a Língua
de sinais? Assim:

[...] os surdos adultos e adolescentes variam em seus sinais, da mesma forma que os
surdos cearenses, paranaenses, cariocas... Quem já não ouviu alguém dizer ‘esses
sinais são ‘antigos’, do tempo dos avós!’ ou ainda ‘naquele lugar se fala diferente’.
Essa diferença não deve ser encarada como erro [...] (GESSER, 2009, p.39).
6

A Língua Brasileira de Sinais não é universal, pois “universal é o impulso dos


indivíduos para a comunicação e, no caso dos surdos, esse impulso é sinalizado” (GESSER,
2009, p. 12). Segundo Possenti (2006): “todas as línguas variam, isto é, não existe nenhuma
sociedade ou comunidade na qual todos falem da mesma forma” (p.33) .
Na língua portuguesa podemos encontrar variações regionais do tipo lexical, por
exemplo, entre os estados, ou no mesmo estado de região para região. Na libras, também “[...]
é possível constatar que a variação lexical ocorre em diferentes estados [...] também dentro de
um mesmo estado, a depender da comunidade de fala de cada região [...]”. Para exemplificar,
podemos citar os sinais: VERDE e MAS, que é diferente no Rio de Janeiro, São Paulo e
Curitiba; e os sinais de PORCO e PEIXE.

Figura 1-Exemplo de variação regional em LIBRAS.


Fonte: STROBEL, Karin. FERNANDES, Sueli. Aspectos Linguísticos da LIBRAS. Curitiba: SEED/SUED/DE.
1998.p.1,2. Disponível em: <http://dc382.4shared.com/doc/Z7IOSvpe/preview.html >
7

Figura 2- Exemplo de variação regional em LIBRAS.


Fonte: CAPELÃO, Letícia. Variação linguística-LIBRAS e Língua Portuguesa. 2010. Disponível
em:<parasurdos.blogspot.com>

Bagno (1999, p.52) explica a variação apontando que “nenhuma língua é falada do
mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de
modo idêntico”. Assim, “[...] a LIBRAS também varia no território brasileiro, apresentando
regionalismos, variedades e ‘sotaques’, de norte a sul [...]” (GESSER, 2009, p.81). É o que
mostram as variações acima. Portanto, são indispensáveis as seguintes palavras:

A língua de sinais, ao passar, literalmente, “de mão em mão”, adquire novos


“sotaques”, empresta e incorpora novos sinais, mescla-se com outras línguas em
contato, adquire novas roupagens. O fenômeno da variação e da diversidade está
presente em todas as línguas vivas, em movimento. É justamente nas práticas sociais
de uso da linguagem entre surdo/surdo e surdo/ouvinte que é possível enxergar o
multilinguismo (variedades desprestigiadas em sinais, em português, em
combinação de modalidades), as marcas da heterogeneidade dos sinais dos surdos-
cegos, dos índios, dos ouvintes familiares (ou não) de surdos, dos surdos
catarinenses, paulistas, pernambucanos..., ou seja, as várias línguas em LIBRAS.
(GESSER, 2009, p. 40, 41)

As variações presentes na língua de sinais também podem resultar de empréstimos da


língua oral, lembrando que isso não quer dizer que a língua de sinais é uma transposição da
língua oral, o que acontece é que “[...] a palavra emprestada passa a ter uma representação
8

visual na LIBRAS, embora tenhamos como recuperar o fato de ser um item lexical da língua
falada” (QUADROS, 2012, p.6).Por exemplo....
Além disso, os empréstimos também acontecem quando o usuário recorre para o
grupo onde está inserido para se expressar e se comunicar a exemplo do grupo familiar , e,
mesmo que esses sinais não sejam conhecidos pela maioria dos surdos, ainda são
considerados como forma legítima de expressão (VALIANTE, 2009). Entretanto, “[...] o
surdo só poderá desenvolver verdadeiramente um repertório linguístico, isto é, dominar uma
gama de variedades (sociais, profissionais, geográficas, estilísticas, etc) que lhes permitam
comunicar-se em diversas situações, se aprender a Língua de Sinais.” (VALIANTE, 2009,
p.58).

4 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS COMO ESPAÇO DE AFIRMAÇÃO DA


IDENTIDADE DOS SURDOS

Segundo Gesser (2009, p.54), a afirmação “o surdo tem uma identidade e uma
cultura própria” é relevante ao passo que intenta tornar visível um grupo excluído pela
maioria dominante, no entanto, essa ideia é essencialista e “[...] uma ‘pseudo’uniformidade
coletiva [...]” (p.53, grifo do autor), pois “não se pode criar o mito de que o surdo não
compartilharia de outras culturas como, por exemplo, das culturas ouvintes”.
Na atual sociedade globalizada, a busca pela autoafirmação, é caracterizada, segundo
Bauman (2005), pela evasibilidade e imprevisibilidade, assim, é impossível encontrar uma
essência, pois trata-se de uma busca inacabada. Além disso, é importante considerar o caráter
ambíguo da identidade cujas “[...] intenções includentes se misturam com suas intenções de
segregar, isentar e excluir”, pois ao mesmo tempo em que se trata de uma luta por espaço,
tanto o grupo ameaçado, como o ameaçador tendem a lutar para se sobreporem um sobre
outro, sem levar em conta a diferença (BAUMAN, 2005, p.85). Segundo Hall (2006), a
construção identitária, é um processo instável, possui um caráter pluralizante, e se forma
continuamente sem alcançar uma plenitude.
Portanto, a busca identitária, pela comunidade surda, trata-se de uma busca constante
e marcada pela pluralidade, e, sobretudo trata-se de uma estratégia “[...] para que a cultura
9

dominante não reforce as posições de poder e privilégio” (PERLIN, 2005, p.57), pois para
Teske (2005) existe o que ela denomina de “cultura ouvinte elitista ocidental” (p.146) que
desconsidera o seguinte fato:

No discurso identitário do surdo constata-se a utilização da língua de sinais como


maior atributo da diferença entre este e o outro - no caso os oralizados, tornando a
língua uma forma da marcação da diferença entre surdo-ouvinte. Desta maneira o
surdo se define como sujeito social com identidade própria que busca ser respeitado
e valorizado em suas particularidades culturais e lingüística diante da sociedade
majoritária ouvintista (OLIVEIRA et. al., 2011, p.7).

Além disso, essa autoafirmação contesta os discursos ouvintistas 7 acerca dos surdos
e a “[...] hegemonia discriminatória de sua produção cultural” (PERLIN, 2005, p.55).
Portanto, trata-se de contestar o ouvintismo e reconhecer o sujeito surdo sob um outro olhar:

Para identificar a marca ‘surdo’ que apresentamos, preciso aproximar o que é fácil
entender por sujeito surdo. [...] Os surdos são surdos em relação à experiência visual
e longe da experiência auditiva. Essa diferença que separa a identidade surda e a
identidade ouvinte também é relatada noutro depoimento da mesma mulher surda:
Um dia descobri que nunca iria falar como os ouvintes, seria mesmo impossível. Era
preciso pegar o meu jeito próprio de ser surda, de ter minha comunicação visual
(PERLIN, 2005, p.54).

Segundo Strobel (2007), dentre os aspectos que contribuiriam para formar a


identidade surda, seria a história do povo surdo, no entanto, contada pelos próprios surdos,
sem influências de pontos de vista que os taxam de doentes, coitados, anormais resultando em
detrimento e inferiorização destes. Strobel (2007) exemplifica como os surdos tem uma
“identidade mascarada” por citar o exemplo do inventor da luz elétrica, Thomas Edison, que é
mencionado em enciclopédias, revistas e artigos, mas não é citado em quase nenhuma
referência o fato de que esse gênio era surdo. Nesse e em outros casos, onde é omitida a
produção cultural dos surdos, o que reforça conceitos distorcidos de que estes são incapazes, e
sem produção cultural.
Além disso, sua afirmação identitária depende do reconhecimento da LIBRAS
como “uma forma de comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos,
sendo que é esta língua que vai levar o surdo a transmitir e proporcionar-lhe a aquisição de

7
“Academicamente, esta palavra- ouvintismo- designa o estudo do surdo do ponto de vista da deficiência, da
clinicalização e da necessidade de normalização” (PERLIN, 2005, p.59).
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conhecimento universal” (STROBEL apud OLIVEIRA, D. M. M. et. al., 2011,p.8). Assim, é


importante entendendo o fato de que:

[...] ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não auditiva. [...] A
cultura ouvinte no momento existe como constituída de signos essencialmente
auditivos. [...] Um surdo não vai conseguir utilizar-se de signos ouvintes como, por
exemplo, a epistemologia de uma palavra. Ele somente pode entendê-la até certo
ponto, pois a entende dentro de signos visuais. O mesmo acontece com a pronúncia
do som de palavras (PERLIN, 2005, p.56).

Portanto, ao invés de se pensar num padrão único de comunicação é necessário levar


em conta que essa ideia de homogeneização só resulta em exclusão e garante acessibilidade
apenas a uma elite e “[...] leva ao paradoxo da interdição do acesso a essa cultura ‘melhor’
tanto por parte dos surdos aos próprios surdos, quanto pelas classes desfavorecidas de uma
sociedade a si mesma.” (TESKE, 2005, p.146).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Língua Brasileira de Sinais, doravante LIBRAS, tem despertado o interesse de


muitos discentes que almejam trabalhar com educação de surdos, mas, para tanto, é essencial
o conhecimento sobre essa língua a fim de que não sejam reforçados preconceitos a respeito
desta e de seus usuários.
Os surdos sofreram com a falta de entendimento e desinteresse da sociedade, e a
existência de uma cultura surda não era compreendida, como hoje, ainda não é por muitos. No
entanto, pesquisadores têm se debruçado para estudar a língua dos surdos, suas
particularidades e suas similaridades com a língua oral/auditiva a fim refutar conceitos
distorcidos sobre a língua de sinais como meros gestos, e os surdos como sujeitos incapazes e
anormais.
Os estudos desenvolvidos sobre a língua Brasileira de Sinais devem ser de grande
interesse para nós, estudantes de Letras, visto que nosso objeto de estudo é a língua e,
oficialmente, a LIBRAS é reconhecida como língua nacional. Além disso, fazer uma reflexão
sobre os estudos que descrevem a língua de sinais proporciona o entendimento desta como
língua própria dos surdos, por meio da qual, estes expressam seus pontos de vista e adquirem
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o conhecimento de mundo, e, quando o sujeito surdo é privado de usá-la, este é privado


também de usufruir de um convívio essencial ao ser humano, de conversar com outras
pessoas, se expressar e ser compreendido.
A oficialização da LIBRAS como Língua oficial dos surdos, foi uma grande
conquista. Após longo período de lutas e perseverança, a Língua Brasileira de Sinais foi
reconhecida como a Língua Oficial da Pessoa Surda, com a publicação da Lei nº 10.436, de
24 de abril de 2002 e a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2002. A publicação de uma lei
que assegurasse o direito do surdo de se comunicar em sua língua natural foi resultado de
pesquisas que expunham a necessidade de outra forma de comunicação para os surdos que
não fosse apenas a comunicação oral, pois esta se torna insuficiente visto que é de modalidade
oral-auditiva e os surdos utilizam a modalidade espaço-visual. Por outro lado, essa lei também
impulsionou novos estudos, aliás, ainda há muito a ser estudado, pois como qualquer outra
língua, a língua de sinais é complexa, sujeita a análises, pesquisas e questionamentos.
Nesse sentido, podemos notar que a Língua Brasileira de Sinais tem ganhado espaço,
pois notamos a presença de tradutores na televisão, igrejas, colégios e Universidades. Além
disso, esta passou a ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação
de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior e optativa nos
demais cursos de educação superior e na educação profissional. É importante lembrar também
que existem acervos online que disponibilizam livros, vídeos, dicionários com animações,
entre outros materiais que podem servir de auxilio para pesquisas como esta, que podem
servir também de apoio para encontrar referências8.
Este trabalho fez apenas um recorte de alguns aspectos sobre a Língua Brasileira de
Sinais, mas, há muito a ser abordado. Por isso, esta pesquisa será mais como um ponto de
partida para outras a fim de buscar, ao menos, uma aproximação e um entendimento mais
claro a respeito do que se pode entender como cultura surda e compreender de que forma a
língua de sinais é a Língua legítima dos surdos e, portanto, um espaço onde estes podem
buscar construir sua identidade sem serem inferiorizados, livres de distorções e preconceitos.

8
Podemos citar, como exemplos, os sites: http://www.dicionariolibras.com.br/website/portifolio_imagem.asp?
id_categoria=241&cod=124&idi=1&moe=6 e http://valpimentinha.blogspot.com.br/2011/06/dicionario-de-
libras-on-line.html
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REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. São. Paulo: edições
Loyola, 1999.

BAUMAN, Zygmund. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 2005.

CAPELÃO, Letícia. Variação linguística-LIBRAS e Língua Portuguesa. 2010.


Disponível em:<parasurdos. blogspot.com>Acesso em 07/Abr. de 2013.

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