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Direitos Fundamentais
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Direitos Fundamentais
DIREITOS FUNDAMENTAIS
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Temos que perceber porque “frente” ou “no exterior de”. Em Direito Constitucional
estuda-se essencialmente o poder; a sua estrutura. Em Direitos Fundamentais estuda-se uma outra
realidade que são os direitos das pessoas, da comunidade frente ao poder; no exterior do poder.
Há conexões entre elas, mas são “círculos” diferentes.
No plano internacional, embora de uma maneira mais difusa, passa-se o mesmo, ou seja,
nós também somos destinatários de atos do poder internacional, basta-nos pensar no poder da
União Europeia que elabora atos normativos permanentemente. Sendo destinatários, nós também
vamos ter Direitos Humanos face ao poder da União Europeia. Esta relação tanto existe para os
Direitos Fundamentais como para os Direitos Humanos. Portanto, estamos a trabalhar em Direito
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Constitucional, mas estamos a ver a outra face, estamos a ver a face dos cidadãos, estamos a ver os
nossos poderes face ao Estado.
A dignidade da pessoa humana afirma-se como a razão nuclear, senão mesmo como a
única, de qualquer destes dois tipos de posições jurídicas ativas, recorta-se como a ratio que permite
uma inequívoca distinção por confronto com todos os remanescentes. Sendo, inclusive, afirmada
em termos mais perentórios no segmento internacional, porquanto integrando a própria designação
Direitos Humanos, ao invés do que ocorre com a - não obstante análoga - designação Direitos
Fundamentais. O Homem é, pois, o fim, o único fim, do Estado, da Comunidade Internacional,
do Direito e, por qualificada maioria de razão, dos Direitos Humanos e dos Direitos
Fundamentais. Mais: a dignidade da pessoa humana é anterior e superior ao Estado, é anterior e
superior à Comunidade Internacional, e é anterior e superior, até, à ordem, positiva, do Direito.
Aliás, é exatamente o valor da dignidade da pessoa humana que permite identificar, qualificar e
caracterizar o Estado, a Comunidade Internacional, e a própria ordem jurídica positiva. E, no limite,
sempre que se verifique a preterição, por aqueles, desta dignidade, declará-los, juridicamente,
iníquos.
Se olharmos para o artigo 18º, nº1 da CRP, um artigo essencial da Constituição dos Direitos
Fundamentais, nós vemos que os Direitos Fundamentais não são todos. Os Direitos, Liberdades e
Garantias vinculam os entes públicos, sujeitos públicos na sua globalidade, mas também vinculam
sujeitos privados. Problema diferente que vamos estudar à luz do artigo 12º da CRP, é saber se os
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Direitos Fundamentais são direitos apenas dos sujeitos singulares ou se são mais amplamente,
como parecem tender a Constituição, também direitos das pessoas coletivas.
As pessoas coletivas não têm Direitos Fundamentais e por uma razão profundamente
simples que, aliás, está associada ao resto da noção: para que servem os Direitos Fundamentais? Em
que é que se distinguem dos outros direitos? Direitos há muitos, o ordenamento está cheio deles, os
códigos estão cheios deles, mas porque é que estes são fundamentais? Onde é que reside a
fundamentalidade? O que é que os torna diferentes? É que eles têm uma finalidade diferenciada:
destinam-se a proteger, a defender a dignidade da pessoa humana. As pessoas coletivas não são
pessoas humanas e se não são pessoas humanas não têm dignidade - se esta é inexistente não têm
Direitos Fundamentais. É evidente que as pessoas coletivas têm direitos e deveres, no entanto é
muito discutível que sejam Direitos Fundamentais. Se retiramos a parte da dignidade da pessoa
humana ficam direitos como todos os outros e temos dificuldade em explicar porque são
fundamentais. Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos ancoram-se num mesmo
fundamento jurídico - ou, num mesmo super-princípio - a dignidade da pessoa humana. Os
Direitos Fundamentais são os direitos essenciais, são os direitos básicos, são os direitos
estruturantes, são os direitos elementares e daí serem Direitos Fundamentais por terem uma função
básica no ordenamento dos direitos.
A fonte dos Direitos Fundamentais e dos Direitos Humanos é o Direito Natural. Porém,
nem todos os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos que hoje existem têm origem no Direito
Natural. Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos encontram, ambos, a sua génese no
Direito Natural jusracionalista, se bem que, em momentos históricos muito desfasados.
Os Direitos Fundamentais surgem quase 300 anos antes dos Direitos Humanos. Situamos a
origem dos Direitos Fundamentais, em sentido técnico, nas revoluções liberais, nomeadamente, nas
Revoluções Inglesas do século XVII - daí surgem os textos ingleses “Petition of Right”, “Habeas
Corpus Act” ou “Bill of Rights” que são os principais textos originários dos Direitos Fundamentais.
Vão posteriormente ser universalizados e desenvolvidos com a Revolução Francesa um século
depois e com a Revolução Americana. Já os Direitos Humanos só surgem verdadeiramente de uma
forma mais organizada, mais sistémica a seguir à Segunda Guerra Mundial (depois de 1945).
Essa matriz naturalística ergue-se, inclusivamente, como um dos critérios que preside à
separação entre os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos reais e os Direitos Fundamentais e
Direitos Humanos aparentes. Entre, de um lado, os Direitos de Liberdade e, de um outro, os
desmandos Direitos Sociais.
Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos ostentam, em comum, a génese, a
positivação, a tipificação, o fundamento, a natureza, os sujeitos ativos e passivos, o objeto, a
dicotomia entre Direitos de Liberdade e designados Direitos Sociais, e, por fim, a justicialidade.
Quer os Direitos Fundamentais, quer os Direitos Humanos, são direitos positivados. A
positivação é a redução dos direitos a escrito, ou seja, em vez de serem construções de natureza
basicamente filosófica, ou em vez de eventualmente estarem nalgum costume, eles são passados a
escrito - encontram sede nas Constituições. São também direitos tipificados - eles estão
identificados, estão determinados, são especificados exatamente que direitos são.
Todavia, semelhante positivação não significa apenas transposição para o direito escrito.
Sugere, igualmente, imperatividade e coercibilidade, tanto na perspetiva da vinculação do poder
político, como na ótica da adtrição da remanescente comunidade de indivíduos.
A Constituição portuguesa recebe os Direitos Humanos, recebe os direitos que têm origem
no exterior, mas não se transformam em Direitos Fundamentais, não perdem a natureza. Se houver
necessidade de alterar esses direitos eles não são alterados de acordo com os critérios da
Constituição, têm que ser alterados de acordo com os critérios da origem deles. Se houver alguma
dúvida sobre a interpretação não vamos utilizar o artigo 9º do Código Civil, temos que usar o artigo
301º da Convenção de Viena.
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A questão que se coloca é saber se em termos de substância, retirando a origem, se eles têm
os mesmos direitos. Queremos saber se o catálogo dos Direitos Humanos é o mesmo que o dos
Direitos Fundamentais - é um catálogo próximo. No caso da CRP, como é uma Constituição muito
focada nos Direitos Fundamentais as semelhanças são muito grandes, mas no caso das
Constituições mais liberais essa diferenciação é maior, por exemplo, a Constituição Americana não
tem Direitos Sociais. De Estado para Estado há diferenças, mas na essência, que é só uma, o Direito
Internacional e Interno é basicamente o mesmo.
De facto, os Direitos Humanos revelam-se, na sua globalidade, os mesmos, e os respetivos
conteúdos afiguram-se tão vastos e, simultaneamente, tão densos, quanto os dos Direitos
Fundamentais. Aliás, domínios existem nos quais o Direito Internacional surge mais compreensivo
do que parte maioritária das Constituições, ou porque mais antigas, ou porque mais liberais, ou
porque mais liberais e mais antigas.
O catálogo interno de Direitos Fundamentais e o catálogo internacional de Direitos
Humanos revelam-se substantivamente próximos. Por um lado, quanto à seleção, à definição e à
virtual delimitação dos aludidos direitos. Por outro lado, quanto à identificação dos direitos
insuscetíveis de condicionamentos totais, respetivamente, dos direitos impassíveis de suspensão ou
de derrogação. E, por consequência, a uma hierarquização de tais direitos, internos e internacionais,
no plano valorativo.
Acresce que, os vários catálogos de Direitos Fundamentais não se revelam, sequer,
homogéneos - muito pelo contrário - no âmbito interno de cada um dos Estados. Sendo certo que
uns ostentam maior número de direitos do que outros, que uns contemplam os designados Direitos
Sociais e outros não, e que o mesmo fenómeno se deteta, por maioria de razão, quanto aos alegados
direitos das subsequentes gerações. Há também direitos que se encontram previstos na esfera
internacional e não na esfera constitucional interna, como se vislumbra, por exemplo, com a
liberdade de pensamento.
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Na Constituição Portuguesa, a divisão também é esta, mas tem uma distorção com os
direitos dos trabalhadores. Aqui emana a configuração de dois regimes jurídicos rigorosamente
opostos, o dos Direitos, Liberdades e Garantias, a que se acoplam, ainda, os direitos de natureza
análoga, e o dos designados Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Os Direitos, Liberdades e Garantias não são exatamente os mesmos que os direitos de
liberdade porque na Constituição para além dos Direitos Pessoais e Políticos há uma pequena parte
dos direitos dos trabalhadores que foi associada aos Direitos, Liberdades e Garantias - há uma
pequena distorção da divisão original.
Ao invés do que se observa com os atos internos que albergam Direitos Fundamentais, os
atos constitucionais - ou os atos ordinários - a vinculatividade dos atos normativos contendo
Direitos Humanos não se apresenta geral. Importando distinguir entre, por um lado, as Declarações,
originariamente não adstringentes e, por outro lado, os Tratados Internacionais, a saber, os
tratados, os acordos, as convenções, os pactos, as cartas, os protocolos ou os convénios,
intrinsecamente obrigatórios.
Enquanto os Direitos Fundamentais que estão na Constituição são sempre direitos
vinculativos, aqueles que estão nos textos de Direitos Humanos podem ser ou não. No Direito
Internacional nós conseguimos fazer uma bipartição: de um lado tratados internacionais, mas por
outro lado temos uns atos chamados declarações (textos originariamente não vinculativos, não são
obrigatórios) - declarar direito não é o mesmo que garantir direito.
O mais importante, aquilo que verdadeiramente divide a ordem jurídica internacional e
interna e consequentemente a ordem jurídica dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais é a
questão da tutela, da garantia, da suscetibilidade de imposição coerciva dos direitos previstos.
Enquanto na ordem jurídica interna a cada direito corresponde uma ação, a cada direito corresponde
a possibilidade de o efetivar, de recorrer aos tribunais ou outros meios, no plano internacional o
problema dos tribunais é um problema muito grave.
Na Europa temos dois tribunais de Direitos Fundamentais - Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia. No plano internacional geral,
esquecendo a Europa, é evidente que quando vamos à procura de um tribunal internacional para
julgar aquilo que alguns tribunais de uns Estados não são capazes de julgar, porque eventualmente
são ditaduras, porque são Estados que não garantem os Direitos Fundamentais de espécie alguma,
não há nenhum tribunal internacional para efetivar esse direito. Existe o Tribunal Internacional de
Justiça, mas os indivíduos não têm legitimidade para interpor ações nele. É um tribunal que só
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pode dirimir causas entre Estados. Se o que está em causa é a violação de um Direito Humano
(direito individual) temos o Tribunal Penal Internacional, mas este tribunal tem limitações porque
só tem jurisdição para julgar grande criminalidade.
Conclui-se que a justicialidade dos Direitos Humanos, num plano universal - ou, com
maior rigor, internacional geral - se afigura, ainda, bastante limitada. Reduzindo-se à existência do
Tribunal Penal Internacional e, nesse contexto, a um circunscrito número de direitos de natureza
civil - vida, integridade e liberdade. E traduzindo, assim, menor efetividade jurídica, face à
observada em sede de Direitos Fundamentais ou, inclusivamente, no - duplo - âmbito dos Direitos
Humanos europeus. Efetivamente, centrar a defesa dos Direitos Humanos nos Estados,
principalmente em Estados de não-Direito, de Estados de não-democracia ou ainda de múltiplas
democracias aparentes, é ignorar que estes são, tipicamente, os maiores inimigos dos seus cidadãos
- e, inclusive, de estrangeiros - bem como dos respetivos Direitos Fundamentais. É obnubilar que os
referidos Estados são, hodiernamente, a principal força do bloqueio da globalização e, mais
especificamente, da globalização dos próprios Direitos Humanos. Uma integral afirmação dos
Direitos Humanos, de efetivos Direitos Fundamentais universalizados, exige, pois, a ultrapassagem
do datado paradigma estadual e a emergência de uma nova Comunidade Internacional, supra-
estadual, cogente e diretiva.
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prejudicada pelo poder. É um espaço de autonomia, de liberdade, de ação, não queremos que o
Estado o invada.
Foi a partir daqui que nasceram os Direitos Fundamentais - nasceram para consagrar estes
direitos básicos. Para que consigamos estes direitos alguma coisa o Estado tem que fazer,
secundariamente, complementarmente, mas tem de fazer, por isso não é rigoroso dizer que são só
positivos ou só negativos.
Os Direito Sociais são essencialmente Direitos Positivos, são exatamente o oposto (mas
não totalmente opostos) dos Direitos de Liberdade. Aqui nós queremos poder exigir ao Estado
prestações, queremos ações, queremos que o Estado aja, construa escolas, contrate professores,
construa hospitais, compre medicamentos, equipamentos, por aí fora. Espera-se uma ação por parte
do Estado.
Poderá dizer-se que os Direitos Económicos, Sociais e Culturais são direitos
exclusivamente positivos? Não, porque do Estado não se espera apenas que ele tenha uma
determinada ação em relação aos Direitos Sociais, também se espera que ele se abstenha de criar
problemas a esses Direitos Pessoais. Ex. espera-se que o Estado intervenha para garantir o direito à
saúde, mas também se espera, por exemplo, que o Estado não crie fábricas ou algo semelhante que
com a sua poluição destrua o ambiente pondo em causa a saúde das pessoas.
Esta divisão existe mesmo na ordem jurídica? Existe na ordem jurídica internacional de
uma forma límpida, mas não existe totalmente na ordem jurídica portuguesa.
A Constituição portuguesa distingue entre de um lado Direitos, Liberdades e Garantias e
do outro lado Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Quando observamos bem o texto vemos
que os Direitos, Liberdades e Garantias estão divididos da seguinte forma: Direitos Pessoais,
Direitos Políticos, mas ainda há uma terceira categoria que são os Direitos dos Trabalhadores.
Quando observamos os Direitos Económicos, Sociais e Culturais onde é que começamos?
Começamos através dos Direitos dos Trabalhadores, na parte do trabalho. Quer dizer que na
Constituição tudo o que tem haver com o trabalho está segmentado. Os direitos relativos ao trabalho
são Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
A Constituição portuguesa tem uma divisão imperfeita. Isto acontece porque houve uma
intencionalidade. Os regimes são muito diferentes, ou seja, as normas que regulam os Direitos,
Liberdades e Garantias são muito diferentes das normas que regulam os Direitos Sociais. As normas
que regulam os Direitos, Liberdades e Garantias são especialmente exigentes, são especialmente
cautelosas, quer-se preservar de todas as formas possíveis estes Direitos, Liberdades e Garantias.
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Quer-se que sejam restringidos, mas o menos possível. Não se quer igualmente que sejam afastados
da Constituição (limites materiais da revisão constitucional). Têm um regime maximalista,
especialmente exigente. Os Direitos Sociais não têm este regime. Podem facilmente ser
restringidos, podem ser suspensos, no limite podem ser retirados da própria CRP - regime menos
protetor.
Quando se fez a Constituição quiseram-se proteger especialmente os Direitos dos
Trabalhadores, em vez de ficarem do lado dos Direitos Sociais onde estavam menos protegidos,
entendeu-se que uma parte podia ficar junto dos Direitos de Liberdade - para o efeito de proteção.
Os direitos têm uma natureza especifica, diferenciada. Pode-se fazer uma entorse no regime para
que alguns direitos beneficiem de um regime mais favorável, foi o que se fez. No entanto, não deixa
de ser uma distorção.
No entanto, há a situação oposta. Há direitos que pela sua estrutura negativa são Direitos de
Liberdade e foram parar à parte dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Ex: direito de
propriedade privada e direito de iniciativa privada - são Direitos de Liberdade, não são Direitos
Sociais. Não queremos que haja interferência. Eles estão deslocados em relação ao lugar que
deviam estar. Isto tem haver com o processo de formação da Constituição. Quando se fez a
Constituição, o Estado português estava muito próximo de um Estado socialista, só haviam
empresas estatais, quase não haviam empresas privadas. Olhava-se para a propriedade e para a
iniciativa privada de uma forma minima.
A Constituição portuguesa foi feita num contexto complexo, num contexto revolucionário.
Isto significou que os procedimento de elaboração da Constituição, nomeadamente a criação dos
Direitos Fundamentais foi caótico. Quis-se assegurar que pelo menos os direitos básicos estavam
garantidos, mas para além daqueles haviam muitos outros direitos que acabaram por ficar “onde
calhou”.
Como chamamos aos Direitos Fundamentais que não fazem parte do catálogo e estão
espalhados na Constituição toda? Nalguns casos, direitos de natureza análoga (são aqueles que
pela sua estrutura, sobretudo negativa, são semelhantes aos Direitos, Liberdades e Garantias) ou
direitos constitucionais avulsos. Qual é a diferença? Aqueles que estão fora do catálogo, mas são
parecidos com os Direitos, Liberdades e Garantias, ou melhor, com os Direitos de Liberdade,
usamos o mesmo regime dos Direitos, Liberdades e Garantias (art.17º - CRP); em relação aos
outros, vão para os Direitos Sociais. Vão parar ao regime geral, residual.
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HIERARQUIA
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ele pode estar num plano superior ao das Constituições dos Estados. Se o plano internacional
depender da vontade dos Estados, ou se depender das Constituições, teríamos aqui o que se chama
monismo comprimado do Direito Interno, que significa a negação prática do Direito Internacional.
Portanto, evidentemente, uma parte do Direito Internacional tem de estar acima da Constituição.
Igualmente, se estamos integrados numa organização internacional que tem natureza supra-
estadual - é a única organização historicamente existente - significa que o seu Direito está acima dos
direitos dos Estados. O Direito da União Europeia, que também tem Direitos Humanos, está acima
da Constituição. Aliás, quando entrámos para a União Europeia tivemos que alterar a Constituição
substancialmente - a primeira grande revisão da parte económica aconteceu pela necessidade de
ajustar o nosso direito ao direito da União Europeia, mas mais tarde aconteceu o mesmo com a
criação da moeda única porque a Constituição era incompatível com a nova estrutura dos tratados
internacionais relativos à União Europeia. Resumidamente, se houver uma colisão entre Direitos
Humanos e os Direitos Fundamentais previstos na Constituição prevalecem as normas
internacionais.
Ficámos com a ideia que parte do Direito Internacional está num plano superior ao da
Constituição, assim como o Direito da União Europeia. Mas a que Direito Internacional nos
referimos? Que parte do Direito Internacional?
Entende-se que o Direito Internacional, tal como o Direito Interno, tem dois patamares
diferentes. Os patamares do Direito Interno são a Constituição (num plano superior) e direito
ordinário (num plano inferior). Temos que imaginar que na ordem internacional (embora não haja
Constituição porque não há Estado - há tratados internacionais), também existem dois planos. O
plano superior é aquilo a que a Convenção de Viena (arts. 53º e 64º) chama de Ius cogens -
conjunto de normas que têm uma função estrutural na ordem jurídica internacional. Não significa
que não possam ser alteradas, não há normas jurídicas em lado nenhum do mundo que não possam
ser modificadas, mas só podem ser modificadas por uma nova norma de Direito Internacional geral
com a mesma natureza. Têm uma função estruturante na comunidade internacional; são as normas
básicas da comunidade internacional.
A questão é que, ao contrário do que se passa na Constituição, o Direito Internacional não
tem diversidade formal, ou seja, os tratados são sempre tratados, são pactos, são convenções, são
acordos, mas não há uma diferenciação entre tratados ius cogens e os outros tratados. O Direito
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Outro texto que também tem uma função sobre-constitucional, mas por admissão da própria
Constituição é a Declaração Universal dos Direitos do Homem por razões totalmente diferentes.
Esta declaração é um texto originariamente não obrigatório, não vinculativo, é uma declaração, não
um tratado, ela foi feita para influenciar, para os Estados irem tentando encontrar soluções que
ainda não os obrigavam, mas que aos poucos iam fazendo o seu caminho.
O que acontece especificamente na Constituição portuguesa com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem? No nosso caso, que é um caso raro, é a própria Constituição a
receber o documento expressamente (art.16º, nº2 - CRP). A Constituição está a reconhecer a sua
superioridade; se houver dúvidas na interpretação, o padrão interpretativo serão as normas da
Declaração. Quando há normas com as características do art.16º, nº2, é impossível não ver uma
hierarquização. Estamos perante uma situação de cedência constitucional face a outro
dispositivo, neste caso a uma Declaração.
Outra questão é a situação do Direito da União Europeia. Nós não somos obrigados a
entrar para organizações internacionais, mas a partir do momento em que se entra obviamente há
regras, e estas são desde o início muito simples: supremacia incondicionada e absoluta do Direito
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da União Europeia sobre os Direitos Internos. A União Europeia foi criada, originariamente, para
limitar a Alemanha e a França que eram os dois grandes Estados criadores de guerra na Europa e
portanto, evidentemente, quando se tenta limitar os Estados tem de se criar alguma coisa acima
deles sendo que, neste caso, criou-se uma organização supra-estadual. As decisões eram tomadas
num plano superior aos Estados, nunca por acordo entre Estados. É a própria natureza da União
Europeia. A União Europeia tem uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e esta
carta é um texto bastante sofisticado, aprofundado, é um texto bastante desenvolvido, mais recente
que a Constituição portuguesa. Em termos técnicos, em termos de densidade e aprofundamento há
casos em que vai mais longe que a Constituição.
Concluindo, existem três atos com valor superior à Constituição portuguesa, nomeadamente,
tratados internacionais com natureza ius cogens, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
O problema que se coloca agora é relativo aos tratados internacionais que não têm ius
cogens. Por exemplo, os tratados que têm direitos especiais relativos aos Direitos Pessoais, a
generalidade da doutrina não entende que sejam ius cogens, porque se são direitos possíveis,
direitos futuros, que podem ser realizados ou não, se são direitos que podem ser graduados entre si
etc, é muito difícil vermos nisto normas estruturais.
Os Direitos Sociais da ordem jurídica internacional designadamente, Pacto de Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, não tem essa mesma posição, portanto, se não tem essa mesma
posição para onde vão parar todos os outros tratados? Qual é a posição em geral dos tratados? A
resposta é o problema do artigo 8º da Constituição. O que resulta deste artigo? Basicamente a ideia
de que os tratados em geral (os tratados comuns) têm um posicionamento diferenciado porque estão
abaixo da Constituição, mas acima do Direito Ordinário. Se há um choque entre a lei ordinária e um
tratado prevalece o tratado; se há um choque entre um tratado e a Constituição, em princípio
prevalece o tratado.
Chega-se a esta conclusão porque os tratados em geral são suscetíveis de fiscalização da
constitucionalidade. Se isto acontecesse então está definida uma hierarquia. Se o Tribunal
Constitucional, ou eventualmente outros tribunais, podem dizer que as normas do tratado são
contrárias à Constituição, isto significa que a Constituição está posicionada num plano superior.
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II
Mais especificamente, no que tange aos Direitos Humanos, a prevalência dos Direitos
Civis e Políticos sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais resulta da diversa natureza
jurídica de uns e de outros. Os primeiros, patentes, sobretudo, no Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, emergem como direitos subjetivos públicos internacionais, em consequência
de uma personalização do indivíduo que hoje não admite dúvidas. Os segundos, presentes no Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, recortam-se, mais limitadamente,
como expectativas de direitos, eventuais e futuros.
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direito de acesso a funções públicas (idem). Efetivamente, não obstante a eminência de ambos, entre
os Direitos Civis e os Direitos Políticos, a hierarquização afigura-se óbvia.
Estranhamente, num instrumento internacional nuclear atinente aos Direitos Civis - isto é,
aos Direitos Pessoais - inexiste qualquer alusão ao direito de propriedade privada ou, mais ainda, ao
direito de iniciativa privada. Todavia, o fundamento dessa omissão é político, e não jurídico,
decorrendo da radical clivagem - sobretudo no contexto da Guerra Fria - entre uma perspetiva
liberal, individual, privada, omissiva, negativa e defensiva do direito de propriedade, e uma
perspetiva pública, coletiva, social, socialista, ou mesmo comunista, dessa propriedade.
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Mais: a admissão da nomenclada tese unicitária dos Direitos Fundamentais implicaria, para
o regime dos designados Direitos Sociais, um conjunto de efeitos jurídicos inaceitáveis em Estado
de Direito e em Estado democrático. Em primeiro lugar: precetividade e aplicabilidade direta,
quiçá, por via jurisdicional. Em segundo lugar: vinculação plena dos sujeitos públicos e
vinculação parcial dos sujeitos privados, com funcionalização dos mesmos face às
necessidades da coletividade.
Em terceiro lugar: compressão agravada da restrição, bem como impossibilidade da suspensão,
exceto em circunstancialismos de estado de sítio ou de estado de emergência. Em quarto lugar:
integral rigidificação da Constituição dos Direitos Fundamentais, por extensão dos limites de
revisão materiais expressos a esses designados direitos sociais. Encontrar-nos-íamos, desse
modo, já não no âmbito de um sistema liberal de Direitos Fundamentais, mas no de um verdadeiro
sistema totalitário, sem Direitos Fundamentais.
Quanto aos Direitos de natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias, estes
posicionam-se rigorosamente em linha com os Direitos, Liberdades e Garantias (art. 17º - CRP).
Superiorizando-se, por consequência, a exemplo daqueles, aos designados Direitos Económicos,
Sociais e Culturais.
liberdade e à segurança (art. 27º - CRP) e os direitos conexos com essa liberdade física, relativos à
prisão preventiva (art. 28º - CRP), á aplicação da lei criminal (art. 29º - CRP), aos limites das penas
e das medidas de segurança (art. 30º - CRP), ao habeas corpus (art. 31º - CRP), ou às
remanescentes garantias de processo criminal (art. 32º - CRP), o direito ao desenvolvimento da
personalidade (art. 26º - CRP), o direito à reserva da intimidade da vida privada (idem), o direito à
inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 35º - CRP), o direito ao bom nome e
reputação (art. 26º - CRP), o direito à imagem (idem), e o direito à palavra (idem) e o direito a uma
adequada utilização da informática (art. 36º - CRP).
Em terceiro lugar, os Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, e os Direitos de natureza
análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, de exercício individualizado.
Nomeadamente, o direito de propriedade privada (art. 62º - CRP), o direito de iniciativa privada
(art. 61º - CRP), a liberdade de expressão e de informação (art. 37º - CRP), a liberdade de aprender
e de ensinar (art. 43º - CRP) e a liberdade de criação cultural (art. 42º - CRP).
Em quarto lugar, os Direitos, Liberdades e Garantias pessoais que, se bem que individuais,
implicam, já, contudo, um exercício coletivo, ou tendencialmente coletivo. A saber, os direitos à
família, casamento e filiação (art. 34º - CRP), os direitos de reunião e de manifestação (art. 45º -
CRP), a liberdade de associação (art. 46º - CRP) e a liberdade de imprensa e meios de comunicação
social (art. 38º - CRP). E, ainda, em plano mais episódico, ou mais circunscrito, os direitos de
deslocação e de emigração (art. 44º - CRP), os limites á extradição e à expulsão (art. 33º - CRP), ou
o direito de asilo (idem), e as liberdades de escolha de profissão e de acesso à função pública (art.
47º - CRP). E, por último, nesta sede, os remanescentes Direitos, Liberdades e Garantias pessoais,
bem como, os Direitos de natureza análoga pessoais, considerando que, indiciariamente, beneficiam
de uma tutela análoga (art. 17º e 20º, nº5 - CRP). Que, se sobrepõem, assim, cumulativamente, aos
Direitos Políticos e aos Direitos Laborais, e aos Direitos Políticos de natureza análoga e aos Direitos
Laborais de natureza análoga.
Em quinto lugar, em grupo claramente distinto, integram-se, agora, os Direitos, Liberdades e
Garantias de participação política, bem como os Direitos de natureza análoga aos Direitos,
Liberdades e Garantias de participação política. Concretamente, o direito de participação na vida
pública (art. 48º - CRP), o direito de acesso a cargos públicos (art. 50º - CRP), direito de sufrágio
(art. 49º - CRP), o direito de referendo de âmbito nacional e direito de iniciativa popular de
referendo de âmbito nacional (art. 115º - CRP), o direito de iniciativa legislativa popular (art. 167º -
CRP), e - embora, em rigor, de participação administrativa e não participação política - os direitos e
garantias dos administrados (art. 268º - CRP), os direitos de referendo local e de iniciativa popular
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de referendo local (art. 240º - CRP) e o direito de participação em plenário de cidadãos eleitores
(art. 245º - CRP).
Em sexto lugar, em plano autónomo, porque adjetivo ou instrumental, e não, como a
generalidade dos anteriores, substantivo ou principal, desenham-se as outras garantias.
Especificamente, o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (art. 20º - CRP), o direito de petição
e ação popular (art. 52º - CRP), o direito de recurso ao Provedor de Justiça (art. 23º - CRP) e, bem
assim, o direito de resistência (art. 21º - CRP).
E, finalmente, em sétimo lugar, posicionam-se os Direitos, Liberdades e Garantias dos
trabalhadores, direitos que, tecnicamente, não se perfilam, de nenhum modo, enquanto Direitos de
Liberdade, nem, porventura, sequer, enquanto Direitos Fundamentais. Assim, o direito à segurança
no emprego (art. 53º - CRP), o direito de greve (art. 57º - CRP) e, sobretudo, a liberdade sindical
(art. 55º - CRP).
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SISTEMA INTERNACIONAL
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A Carta das Nações Unidas é um marco nos Direitos Humanos, é a primeira vez que no
Direito Internacional, de uma forma global, se assume a questão dos Direitos Humanos como um
problema a tratar, como um aspeto essencial da comunidade internacional, e que não pode ser
descurado como foi até 1945.
A importância da Carta das Nações Unidas é sobretudo simbólica porque, evidentemente,
quando vamos ver o texto, e daí só haver excertos na Coletânea, esses são os únicos artigos onde há
um bocadinho mais de identificação dos Direitos Humanos - o resto são referências aos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais; não há identificação de coisa rigorosamente nenhuma. Aqui
há uma primeira identificação para podermos entender de onde surgem os Direitos Humanos e, por
isso, surge pouco tempo depois a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir do momento
em que esta questão é configurada como importante, evidentemente, que depois tem de ter uma
tradução normativa, uma tradução escrita - tem que ter especificação, tipificação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é feita dando cumprimento ao próprio
artigo 13º, nº1, al. a) da Carta das Nações Unidas - “Fomentar a cooperação internacional no plano
político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação” -
ou seja, aprofundamento do direito internacional e a respetiva transformação em códigos, em textos,
em pontos normativos/sistémicos que até aí não existiam.
Mas porquê “Declaração”? Como já foi explicado anteriormente, no Direito Internacional
existem duas realidades: Declarações e Tratados. Os Tratados são vinculativos/obrigatórios,
funcionam para o Direito Internacional como as leis funcionam para o Direito Interno, têm a mesma
estrutura e a mesma força jurídica. As Declarações distinguem-se pelo facto de não vincularem/não
serem obrigatórias - são uma primeira aproximação às matérias.
Aconteceu isto com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sendo a primeira vez
que os direitos foram regulados/especificados/detalhados, os Estados não quiseram, imediatamente
depois da guerra, vincularem-se, então, para isso, fizeram uma Declaração - fizeram uma declaração
de intenções, mas se esses direitos forem violados não há qualquer tipo de consequência ou
responsabilidade por parte da comunidade internacional. Os Estados o que costumam fazer
frequentemente é uma primeira abordagem através do mecanismo da declaração, esperando que
Eva Figueiredo 25
aqueles direitos se sedimentem, mesmo que os Estados não estejam vinculados. Os Estados
observam-nos na prática antes de passarem à fase seguinte que é a fase da vinculação.
Como aconteceu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aconteceu com
inúmeros textos de Direito Internacional, por exemplo, a Declaração de Direitos da Crianças - entre
a Declaração e a Convenção passaram-se 30 anos.
Temos que entender o seguinte, por vezes, um costume pode dar lugar a um tratado - já
existe uma prática, já existe um costume, já existe algo que é obrigatório (o costume implica o uso,
a convicção de obrigatoriedade) e para se tornar mais claro esse costume passa-se a escrito.
Mas o contrário também pode acontecer, foi o que se passou com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Há uma Declaração que não é obrigatória/vinculativa, mas os Estados
cumprem, e não só cumprem na prática como invocam. Ao longo dos anos foi-se criando uma
prática, e mais do que uma prática foi-se criando uma obrigação, foi-se criando jurisdicidade, foi-se
criando a convicção de que se estava a agir de acordo com o Direito. À luz da Declaração foi-se
criando um costume. No entanto, a Declaração nunca foi nem nunca vai ser vinculativa porque não
é um tratado; o que é vinculativo é o costume que se formou.
No caso português, já sabemos que o problema está resolvido porque a Constituição recebe
a Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo 16º, nº2. No nosso caso não há dúvidas
sobre a obrigatoriedade dela, a fonte de vincularidade da Declaração, para nós, é a Constituição e
acessoriamente o Direito Internacional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos nunca foi universal e cada vez é menos.
Nunca foi universal porque dentro dos 50 Estados que compunham a comunidade internacional,
nem todos a aprovaram e essas abstenções têm significado. Esses Estados ficaram sempre de fora,
até a um determinando momento, de uma forma mais discreta e a partir de um certo ponto de uma
forma ostensivamente contra, como é o caso dos Estados Islâmicos. Hoje há certa de 50 Estados de
religião muçulmana e esses 50 Estados não observam a Declaração Universal dos Direitos
Humanos - eles têm os seus próprios textos.
Mas, do que realmente trata a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Já vimos as
classificações de direitos, já vimos que há de um lado Direitos Civis e Políticos e de outro lado
Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Esta declaração trata de todos estes direitos; quando
olhamos para o seu conteúdo vemos essa divisão absolutamente clara. Estrutura: Os Direitos Civis
Eva Figueiredo 26
encontram-se no artigo 3º e seguintes, sendo que no artigo 3º estão presentes os principais direitos.
Os Direitos Políticos estão no artigo 21º (o essencial é o direito de sufrágio). Os Direitos Sociais
encontram-se entre o artigo 22º e o artigo 28º (principais - direito ao trabalho, à educação e à
saúde). Finalmente, o artigo 29º refere-se aos deveres (a principal preocupação destes textos são os
direitos e não os deveres - isto acontece porque eles surgem num momento em que não existiam
quaisquer direitos e deveres já existiam e muitos. Costumam aparecer no fim ou nem aparecem).
Eva Figueiredo 27
vida. O direito à vida é um direito de natureza positiva, a pena de morte é uma garantia que incide
sobre ele. No caso do Direito Internacional, na maior dos textos essa garantia não existe.
Se confrontarmos este artigo com o artigo 24º da Constituição, vemos claramente a
diferença - “A vida humana é inviolável” - é uma forma de dizer que em princípio não é susceptível
de violação, mas no nº2 diz de forma expressa que “em caso algum haverá pena de morte” - o artigo
3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos não nos diz nada disso.
Como a Declaração não é muito sofisticada, não é muito elaborada, nós não encontramos
facilmente os direitos. Por exemplo, no artigo 5º quando temos que fazer uma remissão disto
fazemos uma remissão para quê? Para o artigo 25º da CRP. Mas não parece o mesmo, porquê? O
artigo 25º tem como titulo “direito à integridade pessoal”, mas nós no artigo 5º, à primeira vista,
não temos nenhum direito à integridade pessoal, nós vemos é a proibição da tortura e de penas ou
tratamentos cruéis. Mas se olharmos com cuidado para o nº2 do artigo 25º, encontramos lá esta
parte do texto.
Em 1948, muitas vezes, a técnica era tão rudimentar que queria-se era ter cuidado com as
garantias e então isto é uma garantia, ninguém tem direito à proibição da tortura, isso não existe. O
direito é o direito à integridade. A tortura não é possível para preservar a integridade. São
deficiências de construção.
Outra dificuldade é o direito à liberdade. A Constituição concentra a liberdade no artigo 27º.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a liberdade está espalhada por todo o lado, é
evidente que há uma referência no artigo 3º, mas não se esgota nesse artigo. O artigo 4º, por
exemplo, é um principio de liberdade, assim como o artigo 11º.
Eva Figueiredo 28
II
contrapartida, os Estados de Leste olhavam para estes direitos como aquilo a aquele eles chamavam
de direitos burgueses, direitos formais, que não tinham substância, que não levava a que as pessoas
tivessem saúde, não levava a que as pessoas tivessem educação, não criava condições para que
todos exercessem o direito ao trabalho.
Agora há um pequeno problema: a comunidade internacional está num estado muito pior do
que o que estava quando estava dividida em duas. A sociedade internacional está muito mais
fragmentada e este texto que foi feito é uma peça única, não volta a ser feito e nem se volta a rever
tão cedo, não houve, aliás, revisão nenhuma desde então. Na Convenção de Viena há uma parte
sobre a revisão e modificação dos Tratados (art. 39º, 40º, 41º), ou seja, alteração dos Tratados, e isto
aplica-se a estes Pactos porque são Tratados. Mas para haver alguma alteração é necessário haver
condições políticas e não há essas condições.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é um pacto sobre Direitos Civis
com um artigo sobre Direitos Políticos. Isto quer dizer que quase todos os direitos aqui presentes
são Direitos Civis, quase todos os direitos que estão aqui são Direitos Pessoais. Do artigo 6º ao
artigo 24º temos Direitos de natureza civil ou pessoal. O único artigo que conta com Direitos
Políticos é o artigo 25º.
Como é que sabemos que isto é um Tratado? Na parte final do texto encontramos regras
sobre a assinatura, encontramos regras sobre a ratificação, encontramos regras sobre a entrada em
vigor, etc. É o que se passa também com o Protocolo.
Se é um Tratado, os Estados ficam obrigados e é aí na obrigação, nas características dessa
obrigação que reside a grande diferença entre este texto e o texto dos Direitos Sociais, porque no
texto dos Direitos Sociais existem expressões como “progressivamente”, ou seja, os Estados ficam
vinculados a progressivamente, na medida em que for possível …, portanto, isto é muito diferente
de dizer que simplesmente está vinculado. Os Estados ficam vinculados desde o dia em que entra
em vigor e o Pacto de Direitos Sociais não tem esta natureza e nem pode ter, os Estados nem
sempre têm recursos para isso. Mais: o Pacto de Direitos Sociais faz uma distinção entre nacionais e
estrangeiros, portanto, é totalmente diferente.
Onde estão essas obrigações? Estão nos artigos 2º e 3º (são muito exigentes em termos de
cumprimento). Estes artigos também nos permitem distinguir os dois Pactos (eventualmente o
artigo 4º também) - num caso há uma obrigação direta, uma obrigação imediata, uma obrigação
Eva Figueiredo 30
total, de respeito pelos direitos que estão aqui; no outro caso, há uma obrigação sobretudo futura.
Isto depois tem uma consequência que é o artigo 4º - este pacto tem um artigo 4º e o Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais não tem. O artigo 4º trata da chamada
derrogação - suspensão.
O que é a derrogação/suspensão? Os Estados estão obrigados, neste caso, são obrigados
imediatamente, mas podem surgir circunstâncias excecionais que levem a que essa obrigação cesse
precariamente, temporariamente, provisoriamente, ou seja, como vamos ver no artigo 19º da CRP,
pode haver lugar à decretação de um estado de sitio ou de um estado de emergência. O artigo 4º só
faz sentido se os direitos forem de aplicação imediata, se forem direitos incontornáveis, se forem
direitos inadiáveis. Porque é que ele não existe no Pacto de Direitos Sociais? Porque podem nem
existir Direitos Sociais; se podem nem existir esses direitos, nesse caso, é evidente que não faz
sentido criar uma regra para a derrogação; se tiverem de ser suspensos são.
No entanto, há direitos que não podem ser suspensos como acontece na Constituição. A
declaração do estado de sitio ou de emergência não significa que todos os direitos possam ser
suspensos, há limites para isso e em termos internacionais acontece a mesma coisa. Quais são os
dois limites? Um deles é o artigo 4º, nº2; o outro é o princípio da proporcionalidade que também
está presente no artigo 4º - “na estrita medida em que a situação o exigir” (a ideia de medida é
essencial). O princípio da proporcionalidade é usado em Direitos Fundamentais e em Direitos
Humanos para tudo o que são aquilo a que chamamos globalmente de condicionamentos dos
direitos.
Os restantes artigos são o chamado catálogo e começa no artigo 6º.
Há vários graus de vinculação. A vinculação pode ser uma vinculação estrita, uma
vinculação mecânica, uma vinculação direta, uma vinculação em que não é possível qualquer
desvio, há uma vinculação suave, uma vinculação progressiva, no limite vinculação nenhuma.
Uma coisa é ter ratificado o texto, outra coisa totalmente diferente é ter aceite a parte quarta
do texto - a parte da garantia. Para que um Estado fique vinculado às garantias, à tutela, tem de
fazer uma declaração complementar (art.41º - PIDSP), mas o Estado pode não o fazer e a maior
parte dos Estados não o fizeram. Portanto, o Estado pode ficar “magnifico na fotografia”, mas
depois não se vincula aquilo que é realmente essencial e que torna isto diferente da Declaração
Universal dos Direitos do Homem que é a parte das garantias, a parte quarta fica de fora. Estão
vinculados teoricamente, mas na verdade estão vinculados a uma parte, a parte que menos interessa
que é a parte declarativa.
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Qual é a diferença maior que encontramos entre o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Para além da questão da
obrigatoriedade, são direitos que estão muito mais tratados, muito mais densificados, muito mais
elaborados, muito mais autonomizados, estão tratados de uma forma técnica mais sofisticada. A
Declaração é um texto básico, um texto elementar; o Pacto foi pensado, o Pacto foi negociado,
andaram dez anos a trabalhar no Pacto. Mas sobretudo, é um texto que conseguir ir um bocadinho
mais longe em relação a certos direitos.
Por exemplo, o direito à vida - quando se olha para a Declaração, esta diz só, no artigo 3º,
que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, mas no Pacto vai-se
um bocadinho mais longe e isto vê-se no artigo 6º, já tem alguns limites. A garantia essencial seria a
proibição da pena de morte, mas isso não é possível. Foi-se tão longe quanto possível nestes
direitos, mas não demasiado longe porque se fosse demasiado longe os Estados não aceitavam.