Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EDUADIGITAL003 MetPesqLit Nascimento LE
EDUADIGITAL003 MetPesqLit Nascimento LE
em Estudos Literários
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira
Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel
(Organizadores)
Copyright© 2018 Universidade Federal do Amazonas
Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira
Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen
Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza
Revisão Gramatical
Giêr Memória
Revisão Técnica
Rita Cintia Pinto Vieira
Editora filiada à
Catalogação na Fonte
Formato: PDF
ISBN 978-85-526-0046-6
CDU 001.8:82.0
(Organizadores)
Sumário
13 Apresentação
241 Os autores
Apresentação
13
posições, a metodofobia (para aqueles que refutam qualquer possibilidade
de se tratar de método para a pesquisa literária: 1. por compreenderem que
seja reducionismo incompatível com a grandeza incomensurável da literatu-
ra, 2. por seu compromisso com a compartimentalização do conhecimento); e
a metodofilia (posição de resistência, que rejeita categoricamente fórmulas
sensacionalistas e inconsequentes).
Estas duas posições explicam porque são raras as publicações que esbo-
çam clareza acerca de métodos e metodologias para a pesquisa que tem por
objeto o texto literário. Este é usado por pesquisadores de Letras e por dife-
rentes áreas do conhecimento como terra de ninguém, ao qual cabe a apli-
cação de diversas abordagens (diferentes disciplinas lançam mão do texto
literário). Há, portanto, necessidade de um olhar da Literatura pela Literatu-
ra, para a partir daí serem traçados caminhos (métodos disciplinares, inter-
disciplinares e transdisciplinares), que podem até se encontrar com outros
métodos, e os quais devam ser consultados por pesquisadores desta e de
outras áreas quando se utilizarem da Literatura.
14
PERCURSOS METODOLÓGICOS PARA ESTUDOS
1
COMPARATIVOS ENTRE LITERATURA E CINEMA
1.1 Introdução
15
Desse modo, o objetivo deste trabalho é apontar metodologias para fins
de análise em Literatura e Cinema. Assim, no decorrer da pesquisa elenca-
mos alguns caminhos metodológicos que nos proporcionam esse percurso,
como: tradução e adaptação intersemiótica, por Plaza (1959-2000) e Stam
(2000); análise comparativa, por Carvalhal (1986). E, por fim, demonstra-
mos uma análise comparativa entre Literatura e Cinema por meio do li-
vro Êxodo da Bíblia Sagrada (1966), tradução João Ferreira de Almeida e a
sua adaptação fílmica “Êxodo: Deuses e Reis”, com direção de Ridley Scott
(2014). Tal análise se pautará nos seguintes aspectos: (1) os elementos do li-
vro que permaneceram no filme; (2) os que foram modificados; e (3) os que
foram acrescidos à adaptação.
16
um padrão estritamente voltado para os estudos de tradução e adaptação;
desse modo, para efeito dessa pesquisa, no que diz respeito à tradução inter-
semiótica, utilizaremos os pressupostos de Plaza, que compreende que
Stam (2000) afirma que “[...] a ideia de adaptação como tradução suge-
re um empenho baseado em princípios de transposição semiótica, com as
inevitáveis perdas e ganhos, típicos de qualquer tradução.” (STAM, 2000, p.
62, tradução nossa1). Sendo assim, é natural que em uma adaptação encon-
tremos elementos adicionados à obra já que se trata de uma recriação. De
acordo com Hutcheon:
1
“The trope of adaptation as translation suggests a principled effort of semiotic
transposition, with the inevitable losses and gains typical of any translation.” (STAM,
2000, p. 62).
17
raizado no icônico tem o princípio de similaridade a única responsabilidade
de confecção com seu original”. Por falar em similaridade em adaptações,
há uma polêmica que gira em torno da tão falada fidelidade ao texto “origi-
nal”, ainda segundo o autor, “[...] é mais uma questão de ideologia, porque
o signo não pode ser ‘fiel’ ou ‘infiel’ ao objeto, pois como substituto só pode
apontar para ele.” (PLAZA, 2003, p. 32).
Literatura e Cinema, por serem mídias diferentes, consequentemente,
trabalharão de modos distintos. Dessa forma, toda essa questão de fidelida-
de não cabe quando colocamos em pauta, pois, como já foi dito, no momen-
to em que uma obra passa pelo processo de adaptação, torna-se um objeto
novo, ou seja, uma nova criação e consequentemente não tem obrigatorie-
dade de ser fiel ao texto que o inspirou, mas, sim similar.
18
1.4 Caminhos metodológicos para estudos comparativos entre Literatura
e Cinema
19
que as parteiras executassem todos os meninos que nasciam de mães israeli-
tas, porém essas tementes à Deus não obedeceram tais ordens. Obstinado, o
rei ordena toda a população que se jogue no rio Nilo todos os meninos israe-
litas que nasciam. Moisés nasce, nesse contexto, filho de um casal da tribo
de Levi, e foi cuidadosamente colocado em um cesto e lançado às margens
do Rio Nilo, encontrado pela filha do rei, sendo criado por sua própria mãe,
ao mando da princesa.
Já adulto, Moisés se indigna por ver um egípcio maltratando um hebreu.
Ao olhar para os lados e ver que não havia ninguém por perto, mata-o e
esconde seu corpo na areia. Após saber do ato de Moisés, o rei quis matá-lo,
porém o hebreu foge e vai morar na terra de Midiã, onde casa-se e tem fi-
lhos. Alguns anos depois, o rei do Egito morre, mas os israelitas continuam
a sofrer por causa da escravidão. Naquela penosa condição, as suas súplicas
chegam aos ouvidos de Deus, que chamou a Moisés e se revelou a ele em
Horebe, o “monte de Deus”, para lhe confiar a missão de libertar o povo e
retornar a Terra Prometida, a Canaã. Com uma extraordinária demonstra-
ção de sinais (as dez pragas), Deus, por meio de Moisés, obriga o faraó a
conceder liberdade à multidão israelita. Esta, depois de celebrar a primeira
Páscoa como sinal de salvação, empreende a marcha a caminho do mar e o
atravessa a pé enxuto pelo mesmo ponto em que depois as águas cobriram
o exército egípcio. O povo, então, junto com Moisés e Miriã, expressa a sua
gratidão a Deus entoando um cântico, que é um dos testemunhos mais anti-
gos da milagrosa libertação de Israel.
O livro de Êxodo (BÍBLIA..., 1966), a partir do capítulo 15, é dedicado
à peregrinação no deserto e à provisão milagrosa de Deus para o Seu povo.
Mas apesar de Deus ter providenciado o pão do céu, água doce da amarga,
água de uma rocha, vitória sobre aqueles que iriam destruí-los, Sua Lei es-
crita em tábuas de pedra por Sua própria mão e a Sua presença na forma de
nuvem e colunas de fogo, as pessoas continuamente resmungavam e se re-
belaram contra Ele. Já na parte final do livro, descreve a construção da Arca
da Aliança e o plano para o Tabernáculo com seus vários sacrifícios, altares,
mobília, cerimônias e formas de adoração.
20
PASSO 1: Estabelecer os elementos remanescentes
21
PASSO 2: Estabelecer os elementos modificados
22
Outro elemento modificado diz respeito ao cajado usado por Moisés em
vários momentos na narrativa bíblica. Tal objeto esteve com ele durante mo-
mentos cruciais de sua história – quando Deus quis mostrar o seu poder a
Faraó, transformando o utensílio em cobra e na abertura do Mar Vermelho
–, foi substituído por uma espada. Essa alternativa, pode ser entendida por
uma tentativa da direção do filme de “modernizar” o relato bíblico. De acor-
do com Hutcheon (2006, p. 32), “[...] a obra fílmica, não se configura como
replicação do original”.
– Como está seu pai? sei que não sabe o nome dele, apenas
que era general do exército do Faraó, não mencionado por sua
mãe, vejo que isso te deixa desconfortável, isso deve interessá
-lo, nunca houve um general, sua mãe, a mulher a que chama
de mãe nunca teve filhos, você nasceu escravo. (SCOTT,
2014).
23
1.5 Considerações finais
24
futuras tanto no plano da adaptação fílmica quanto à leitura cruzada da obra
literária com a adaptação fílmica.
Referências
AZERÊDO, Genilda. Alguns pressupostos teórico-críticos do fenômeno da adaptação
fílmica. In: GOUVEIA, Arturo; AZERÊDO, Genilda (Orgs.). Estudos comparados: análises
de narrativas literárias e fílmicas. João Pessoa, PB: Editora Universitária/UFPB, 2012.
ÊXODO: deuses e reis. Direcão Ridley Scott. EUA: Fox Film do Brasil, 2014.
GUIMARÃES, Josué Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 9. ed. São Paulo, SP: Contex-
to, 2000.
STAM, Robert. Introduction: the theory and practice of adaptation. In: ______. Dispo-
nível em: <http://adaptation391w.qwriting.qc.cuny.edu/files/2012/08/Stam-Intro-Theory
-and-Practice-of-Adaptation.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2017.
25
A LITERATURA BRASILEIRA
2
DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA
27
ças, à condição de marginalização, ao silêncio, à identidade do rio, da flores-
ta, das cantigas, da migração para o meio urbano e as dificuldades que por
lá passam os ribeirinhos e os retirantes da seca.
2.1 As vozes
28
Consoante Júnior Pontes (2014), em Os estudos culturais e a crítica lite-
rária no Brasil:
Dessa forma, essa apreensão se faz necessária para avançar nos estudos
de expressão amazônica, e, uma vez feita, podem ser realizadas as análises
dos elementos da linguagem poética dos poetas Elson Farias e Octávio Sar-
mento, tais como as ênfases, repetições, omissões, metáforas, ambiguidades,
personagens, incidentes, símbolos, enredo e tema e demais traços relevantes
para compreensão do imagético nos textos.
Compreende-se, dessa maneira, que os Estudos Culturais na abordagem
de expressão amazônica é uma investigação da produção contextual, mul-
tidimensional do conhecimento cultural, cujo objetivo é refletir acerca da
natureza complexa dos objetos em análises. Em outras palavras, é entender
o fenômeno da expressão cultural não como algo isolado, mas inserido em
práticas culturais de uma sociedade em um determinado período da histó-
ria.
Uma característica de trilhar esse caminho adotado é ser estimulado à
investigação interdisciplinar dos estudos voltado às classes trabalhadoras,
juventude, mulheres, feminismo, sexo e gênero, raça, etnicidade, políticas
culturais, entre outros. Enfim, é a análise dos marginalizados, aqueles que
não possuem voz, ou são silenciados, ou ainda, não possuem o direito de
voz.
Nesse ponto da abordagem é preciso realizar a delimitação do percurso,
isto é, observar as linhas de pesquisas mais adotadas dentro dos Estudos
29
Culturais, para depois trilhar os caminhos dentro da abordagem de Expres-
são Amazônica, são elas: a) fenômenos de mercantilização cultural contem-
porânea, analisando as relações de poder e os mercados, articulando com as
culturas populares, a partir de Bourdieu (1984) e Centeau (1984); b) noção
de Estado nas sociedades capitalistas contemporâneas e relações de poder e
micropoder, a partir de aparelhos ideológicos do Estado de Althusser (1980)
e Foucault (2008); c) a luta de hegemonia e contra-hegemonia como pro-
dução de sentido nas diversas representações do Estado, em concordância
com Gramsci (1978) e o abandono das meta-narrativas culturais, de Lyotard
(1987); d) modos de construção política e social das identidades, abordando
as questões de raça, nação, etnicidade, diásporas, colonialismo e pós-colo-
nialismo, sexo e gênero, entre outros; e) fenômenos culturais ligados à glo-
balização, tais como desterritorialização cultural, movimentos transacionais
de pessoas, bens e imagens, sociedade em rede, terrorismo cultural, choques
culturais civis, crise ambiental, e outros.
Realizadas as fundamentações para a compreensão da expressão cultu-
ral, enquanto uma construção de significados que são expressos em signifi-
cantes simbólicos, estabelecendo uma comunicação entre os homens, e por
conseguinte, um efeito de sentido, o próximo passo é de percorrer as leituras
dos objetos (obras dos poemas mencionados) a partir da exposição de Hall
(2003). Este discorre sobre a produção de sentidos, ele entende esses como
uma ligação entre o conhecimento tradicional e a mudança de mentalida-
de presente no indivíduo e no coletivo. Essas ligações são transmitidas de
geração a geração, inserindo o homem em um ciclo do devir em constante
processo de formação cultural.
Sendo assim, os Estudos de Expressão Amazônica estão inseridos nos Es-
tudos Culturais, sendo estes os passos adotados de um caminho de análises
que compreendem ser a cultura uma reação física e mental que caracterizam
posturas dentro de uma coletividade e/ou individualidade em relação ao
ambiente natural inserido, isto é, uma troca de experiências, formadoras de
identidades, dentro de um sistema de dominação e jugos estéticos, morais e
sociais, conforme expõem Williams (1969) e Boas (2011).
Logo, essas abordagens possibilitam ao pesquisador o entendimento da
atuação do campo da cultura, porque ele é um lugar importante para discutir
30
conflitos, contradições, papéis sociais, práticas culturais, costumes, modos
de vivência, até mesmo a dinâmica econômica de determinadas sociedades,
quer seja pela oralidade, memória e tradição, quer seja pelo patrimônio cul-
tural e capital material.
31
expõe Souza (2003), mas é o passo do caminho feito por Raul Bopp, em
Cobra Norato, Mário de Andrade, em Macunaíma, Nunes Pereira, em Mo-
ronguetá, um decameron indígena, Sarmento (2007) e sua Uiara, e em Farias
(1990), no Romanceiro, estes últimos objetos de nossa análise.
No percorrer do trajeto, é preciso entender que a Expressão Amazônica,
na literatura, é marcada desde os tempos coloniais pelo palco de importa-
ções culturais desenfreadas, motivadas por práticas de trocas aqui nascente,
fruto do mercantilismo português, sendo mais tarde modificado para a cul-
tura da ostentação, em contexto do ciclo da borracha.
Dessa forma, é a ferramenta que o crítico possui para analisar o seu obje-
to de estudo, sendo assim:
32
2.2.1 Contexto
33
os elementos do sistema literário produção, produto e tradição
com mais força do que a recepção.
34
Manaus, por exemplo, e esta não possui a estrutura necessária para acolher
tantas pessoas, provocando práticas de deslocamento dessa parte da popula-
ção para as periferias ou, em maioria, condicionados a viverem em palafitas,
à margem de igarapés e do Rio Negro. Vivencia-se a “Cidade Flutuante”.
Somente a partir da Geração Madrugada, assim nomeada por Telles
(2014), em “Clube da Madrugada, presença modernista no Amazonas”, que
autores como Jorge Tufic, Luiz Bacellar, Thiago de Mello, Antísthenes Pinto,
Astrid Cabral, Alencar e Silva, Farias de Carvalho, L. Ruas, Elson Farias,
Alcides Werk, Ernesto Penafort, Max Carphentier, Guimarães de Paula, Ar-
thur Engrácio, Carlos Gomes, Erasmo Linhares irão realizar a ruptura com
o passado e a mentalidade acadêmica ultrapassada, bem como a ideologia
extrativista.
Sendo assim, os estudos dessa abordagem trabalham com essa inquieta-
ção em que os autores citados estabeleceram, mediante as transformações
sociais, políticas e culturais, incorporadas a um novo espírito crítico e olhar
de renovação cultural em relação à região. Assim, escritores que reconhe-
ciam toda essa realidade, suas respectivas aparências, mas diferente de seus
antecessores, sabiam penetrar nessas superficialidades e romper com a tra-
dição.
Por fim, como roteiro traçado, o período conhecido como o Pós-Clube
da Madrugada, estende-se dos anos de 1970 até a contemporaneidade, agre-
ga autores variados e alguns já renomados, como Milton Haoutum, Aldisio
Filgueiras, Efraim Amazonas, Doria Carvalho, Aníbal Beça, Adrino Aragão,
Zemaria Pinto, João Bosco Botelho, Márcio Souza, Vera do Val, Simão Pes-
soa, Tenório Telles, Claudio Fonseca, Alisou Leão, entre outros, que reali-
zam produções de caráter experimental, crítica e lirismo de resistência, que
abordam os mais variados temas.
Logo, registram-se as ações culturais da Editora e Livraria Valer, respon-
sável pela reedição de livros dessa plêiade, cuja dedicação ajudou a tornar
conhecida a história da literatura produzida no Amazonas e de sua respec-
tiva historicidade, também em contexto acadêmico. Como um dos frutos
oriundos desse trabalho, Manaus dos finais dos anos de 1990 presenciou
algumas atividades literárias que ainda estão em processo de análises, des-
cobertas e estudos por parte da crítica.
35
Destaco a criação de espaços para debates na livraria mencionada, cha-
mado de “Quarta Literária” e de ciclos de discussões aos sábados da Aca-
demia Amazonense de Letras, voltada para jovens estudantes e amantes da
literatura. Como um dos grupos que vieram nesse período como formador
de novos escritores e meio de divulgação do fazer literário da cidade, cha-
mo atenção para a “Caravana Literária” e o Clube Literário do Amazonas
(CLAM). Este oferecendo ao quadro, o livro A quinta estação, de 2009.
2.2.2 A metodologia
36
dos poetas a partir de um dos três caminhos listados abaixo, como usual no
tocante aos estudos culturais, de um modo geral, sob a ótica da Literatura:
1. etnográfica;
2. textual;
3. recepção.
Nas últimas décadas do século XIX, entre os anos de 1870 e 1915, ocorreu
o processo de expansão e apogeu da economia da borracha na Amazônia.
Nesta época, a exploração da borracha silvestre, através do extrativismo,
possibilitou uma crescente demanda pelo consumo da borracha nos países
industrializados da Europa e Estados Unidos da América na época. Conse-
quentemente, a borracha silvestre brasileira (Hevea Brasiliensis) possibilitou
que a Amazônia, em pouco tempo, fosse o principal fornecedor de borracha
em nível mundial, detendo indiscutível monopólio.
Esse cenário gerou uma rápida riqueza e desenvolvimento de cidades
como Belém e Manaus, visto em alargamento de ruas, preocupação com a
estrutura sanitária e construção de edifícios que refletissem esse momento
de crescimento e também de ilusão, conforme expõe Dias (2007), em Ilusão
do Fausto.
A literatura produzida em Manaus, nos meados de 1917, oscilava entre o
culto ao exótico e à forma; em uma linguagem que busca o efeito parnaso da
37
perfeição da estética literária, isto é, existiam grupos que estavam divididos
entre os “edenistas”, cujos temas poéticos têm como preferência a opulência
da floresta, sintetizando uma visão exótica da região, conforme pensamento
de Krüger (2001), em Amazônia: mito e literatura; e de outro, os “infernis-
tas”, que em suas propostas, pintam a paisagem amazônica como um verda-
deiro inferno verde, segundo Rangel (2008), em Inferno Verde.
Logo, os poetas escolhidos nesse estudo são o reflexo de uma Amazônia
que sempre desafiou a tecnologia imposta pelos colonizadores, coronéis da
borracha e empresários que possuem apenas a visão do exótico em relação a
essa biodiversidade da existência. Os escritores da Geração da Madrugada,
por exemplo, produziram de outras formas o fazer literário, contribuindo
para a mudança da mentalidade exposta.
Diante disso, o trabalho com a linguagem literária impõe a reflexão acer-
ca de uma realidade e o seu respectivo reflexo é medido pela inteirado de
sua expressão. Nesse contexto, a Literatura assume o caráter humanizador
e a aquisição do saber, a percepção da complexidade do mundo e dos seres
que nele estão inseridos, isto é, ela nos torna compreensíveis e abertos para
a natureza, eis a expressão amazônica.
Referências
BEZERRA, José Denis de Oliveira. Literatura amazônica: para que? In: CULTURAS, LIN-
GUAGENSE INTERFACES CONTEMPORÂMEAS (CLIC), 1., 2011, BELÉM [Simpósio].
BOAS, Franz. A mente do ser humano primitivo. Tradução de Carlos Pereira. 2. ed. Petró-
polis: Vozes, 2011.
BURKER, Peter. O que é História Cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
38
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 2003.
PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007. – Séries
Princípios.
Obras Consultadas
39
CASTRO, Ferreira de. A selva. 10. ed. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2014.
FONSECA, Luiz Almir. Metodologia científica ao alcance de todos. 4. ed. Manaus: Valer,
2010.
PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007. (Série
Princípios).
SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. São Paulo: Monteiro
Lobato e Cia Editores, 1923.
WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac & Nasfy, 2002.
40
INTERTEXTUALIDADE PARA
3
PESQUISA EM LITERATURA
41
3.2 Intertextualidade
42
Figura 1 - Funil teórico: literatura comparada e intertextualidade
43
Para Nitrini (2015, p. 24), o objeto de estudo da literatura comparada é o
estudo das diversas literaturas:
44
objeto de estudo”. Como tal, há a expectativa do papel da linguística textual
como uma “[...] ciência integrativa de várias outras ciências.” (KOCH, 2015,
p. 11). A linguística textual iniciou em meados de 1960 a 1970; nessa primei-
ra fase, houve a preocupação de se criar gramáticas textuais, particularmente
por parte dos linguistas gerativistas; o texto passa a ser tomado como a uni-
dade linguística mais alta. Vale ressaltar que um dos pioneiros da linguística
textual, Teun van Dijk, também se dedicou a construir gramáticas textuais.
A partir da virada pragmática, os textos passam a ser considerados “[...]
elementos constitutivos de uma atividade complexa, como instrumento de
realização de intenções comunicativas e sociais do falante” (HEINEMANN,
1982 apud KOCH, 2015, p. 27); a intenção é descobrir “para que” o texto foi
estabelecido. A partir dos estudos do dualismo de Bakhtin, Kristeva (1974)
concebeu a Teoria da Intertextualidade, na segunda metade do século XIX,
que foi recebida “[...] como um instrumento eficaz para injetar sangue novo
no estudo dos conceitos de ‘fonte’ e de ‘influência’. ” (NITRINI, 2015, p. 158).
A intertextualidade vem sendo estudada ao longo do desenvolvimento da
Literatura, como um campo fértil para pesquisas, novas abordagens, desco-
bertas e confirmações teóricas dos fenômenos intertextuais observados no
espaço de tempo em que o homem produz literatura.
A literatura comparada, de onde nasce o conceito de intertextualidade,
permite-nos visualizar que os textos não nascem de referências vazias: não
existe um marco zero em que a obra literária é criada. Para Kristeva (1974,
apud KOCH, 2012, p. 14), “[...] qualquer texto se constrói como um mosaico
de citações e é a absorção e a transformação de um outro texto”. A teoria do
dialogismo de Bakhtin opõe-se ao imutável, e esse conceito de mudança, de
movimento, abre as portas para que Kristeva elabore os preceitos que pro-
põem resolver o problema das relações entre textos: “Resolver os problemas
das relações entre texto e processos semióticos que aí se articulam é explicar
como se constitui o ‘sujeito’ ou a sua ausência.” (NITRINI, 2015, p. 158).
Logo na apresentação da obra Intertextualidade, Koch, Bentes e Caval-
cante (2012, p. 9) afirmam que a intertextualidade “[...] constitui um dos
grandes temas a cujo estudo se tem dedicado [...], particularmente a Teoria
Literária”. Conforme as autoras, tendo por base os postulados de Bakhtin e
Kristeva, a intertextualidade ocorre quando “[...] em um texto, está inseri-
45
do outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte de uma
memória social de uma coletividade.” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 86). Para fins
de tipos de intertextualidade, este capítulo terá por base os conceitos ela-
borados por Koch, Bentes e Cavalcante (2012). Há duas divisões ou grupos
em que se pode classificar a intertextualidade; porém, como Koch, Bentes e
Cavalcante (2012) assinalam, a intertextualidade não está restrita somente
a esses grupos, visto que ela pode ser aprofundada ou estudada sob outras
perspectivas: a) stricto sensu: ou apenas intertextualidade, quando em um
texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido; esse
texto anterior deve fazer parte da memória coletiva ou discursiva: “[...] é
necessário que o texto remeta a outros textos ou fragmentos de textos efe-
tivamente produzidos, com os quais se estabelece alguma relação” (KOCH;
BENTES; CAVALCANTE, 2012, p. 17), e b) lato sensu: ocorre em relações
de gênero, e não somente com textos isolados, mas tomando uma aborda-
gem antropológica. Tal abordagem mais ampla não será aprofundada neste
artigo, visto que o objeto de estudo reside em comparar obras literárias es-
pecíficas.
Dentro das definições de intertextualidade stricto sensu, ou somente in-
tertextualidade, Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 18) destacam quatro
tipos – intertextualidade temática, intertextualidade estilística, intertextua-
lidade explícita e intertextualidade implícita, porém não somente limitados
a tais; há ainda a intratextualidade ou autotextualidade, a intertextualidade
das semelhanças ou das diferenças, a intertextualidade genérica e intertex-
tualidade tipológica.
A intertextualidade temática trata de obras ou textos com o mesmo tema,
como em textos científicos de uma mesma área, temas com conceitos pró-
prios, entre matérias de jornais, em textos produzidos dentro de certo perí-
odo de tempo, entre textos literários da mesma escola ou do mesmo gênero
etc. Koch, Bentes e Cavalcante (2012) citam ainda que a intertextualidade
temática pode também ser encontrada em vários tipos de produções tex-
tuais, dentre as quais, as histórias em quadrinhos de um mesmo autor e as
várias encenações de uma peça teatral.
A intertextualidade estilística é notada quando o texto copia o estilo ou
variedades linguísticas de outro texto; esse tipo de intertextualidade é prin-
46
cipalmente evidenciado em textos bíblicos, jargões profissionais, grupos so-
ciais, dialetos etc. Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 19, grifo das autoras)
esclarecem que a emolduração do texto não deve ser descartada, pois “[...]
defendemos a posição de que toda forma necessariamente emoldura, enfor-
ma determinado conteúdo, de determinada maneira”.
A intertextualidade explícita: tem-se a menção direta à fonte do intertex-
to, isto é, quando fica claro que aquele texto foi produzido anteriormente por
outro enunciador ou outros enunciadores; para citar mais completamente as
diversas situações em que se pode usa a intertextualidade explícita, Koch,
Bentes e Cavalcante (2012, p. 29) mostram-nos os casos em que essa ocorre:
47
são elas: trechos de obras literárias, músicas populares, textos midiáticos,
bordões, provérbios, ditos populares etc.
Em Intertextualidade, as autoras Koch, Bentes e Cavalcante (2012) tam-
bém apresentam outros conceitos de estudos intertextuais, como o Détour-
nement, a diferença entre Intertextualidade e Polifonia e as estratégias de
manipulação de intertextualidade genérica e intertextualidade tipológica,
utilizadas na intertextualidade lato sensu, a intertextualidade de Genet-
te (transtextualidade por intertextualidade restrita – citações, aspas, grifas
etc.), paratextualidade, arquitextualidade, metatextualidade e hipertextua-
lidade.
Para exemplificar a aplicabilidade do método de comparação de obras
literárias por Intertextualidade, escolhemos como objetos literários as obras
homônimas a peça teatral A Tempestade, de Shakespeare (2016) e a His-
tória em Quadrinhos (doravante, H.Q.) A Tempestade, de Gaiman (1998),
destacando-se os seguintes aspectos: 1) escolha do método de comparação
literário, intertextualidade Stricto Sensu, com pauta na definição de Intertex-
tualidade Implícita; 2) estudo da obra: A Tempestade, de Shakespeare (2016),
como texto-fonte e a obra literária em estilo de H.Q. A Tempestade, de Gai-
man (1998), na qual se destaca a Intertextualidade Implícita, por não haver
citação direta do intertexto ou texto-fonte no texto criado, ficando a cargo
ou identificação do leitor a referência por captação da obra de Shakespeare,
provocada por Gaiman; 3) temática: ambas as obras trazem a mesma temá-
tica, que é a ganância, o desprezo pelas minorias, a ignorância científica,
o mundo fantástico, a subjeção da figura feminina e a remissão da perso-
nagem principal; 4) movimentos: Monarquia europeia, viagens marítimas,
contextualização da época em que Shakespeare morava na Inglaterra, coe-
xistência de três realidades físicas na obra de Gaiman: a época de Shakespe-
are, a época da obra de Shakespeare e a época indefinida de Sandman; 5) em
A Tempestade, de Shakespeare (2016), temos Miranda e Próspero, Caliban e
o Espírito prisioneiro, os marinheiros, a realeza traiçoeira. Na H.Q. A Tem-
pestade, de Gaiman (1998), temos Shakespeare e sua família, os habitantes
do vilarejo, marinheiros, Sandman, as personagens de dentro da história de
Shakespeare; e 6) gênero literário: A Tempestade, de Shakespeare, dramatur-
gia. A H.Q. A Tempestade, de Gaiman, história em quadrinhos mídia adulta.
48
Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 146) chamam a atenção para o ponto
conclusivo de que a construção de relações entre os textos provoca adesão
ao discurso proferido, revelando as semelhanças e diferenças abordadas nos
estudos de intertextualidade; vale ressaltar aqui a relevância do tema inter-
textualidade, com base nas autoras citadas:
49
como exemplo de intertextualidade, a obra poética de Drummond na qual
observa a atualização de uma obra em outra. No mais:
Referências
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: ática. Série Princípios, 2006.
______. Literatura comparada no mundo: questões e métodos. Porto Alegre: L&PM, 1997.
______; CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada: textos fundadores. 2. ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 2011.
GAIMAN, Neil; VESS, C. Sandman 75: a tempestade. Tradução de Estúdio Arcádia. São
Paulo: Globo, 1998.
50
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes
temas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015.
______; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo:
Contexto, 2015.
NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica. 3. ed. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2015.
______. Teoria literária e literatura comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, 1994. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n22/68.pdf>. Acesso em: 1 maio 2017.
PEREIRA, Maurício Gomes. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Ja-
neiro: Guanabara-Koogan, 2011.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar. Teoria da Literatura. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2011.
51
4
LITERATURA COMPARADA: TEORIA E MÉTODO
53
entanto, é somente no começo do século XX que ela passa a ser reconhecida
como disciplina, tornando-se assim, objeto de estudo na Europa e na Amé-
rica do Norte. No Brasil, a partir dos anos 70, a pesquisa em literatura com-
parada teve um relevante impulso, devido à introdução dos cursos regulares
de pós-graduação e, desde então, a área vem despertando o interesse cres-
cente entre professores e alunos, sobretudo pelo rico potencial investigatório
que oferece, por sua natureza interdisciplinar.
A literatura comparada é uma perspectiva teórico-literária que estuda a
literatura por meio da comparação, no que concerne às diferentes perspec-
tivas literárias, de forma multidisciplinar, dialogando com a história, socio-
logia, psicologia, filosofia, bem como outras disciplinas afins. Além disso, o
comparatismo consiste na confrontação literária de duas ou mais obras, em
uma visão ampla, a qual investiga a construção de duas ou mais persona-
gens, a biografia de seus autores, suas ressonâncias estéticas, suas referências
para a produção de suas obras, o contexto histórico-social em que se encon-
tram inseridas, o valor que possuem para a crítica literária, e outros aspectos
estudados minuciosamente pela literatura comparada:
54
Ilustramos o entendimento a respeito das definições de literatura compa-
rada, baseando-nos em Coutinho e Carvalhal (2011, p. 233), com o intuito
de melhor compreender a Literatura como função específica do espírito hu-
mano:
55
construções possíveis no texto literário e nos estudos culturais das relações
possíveis para o estudo literário.
Carvalhal (1997, p. 8), pesquisadora em literatura comparada trata a res-
peito das contribuições que o comparatismo traz a quem se propõe a utilizá
-lo como proposta teórico-literária:
56
No início do século XXI, a literatura comparada ganha estatura de disci-
plina. Duas orientações básicas nortearam os estudos comparados, às quais
o comparatista francês René Wellek confere nomenclatura de “escolas”: a
escola francesa, na qual se sobressaem as relações causais entre obras e/ou
autores, mantendo uma relação íntima com a historiografia literária; a esco-
la norte-americana, que se opunha ao historicismo francês, e privilegiava a
análise intrínseca do texto literário, em detrimento das relações extrínsecas
entre obras e/ou autores, tendo René Wellek como expoente máximo.
Carvalhal (2006) discorre sobre as contribuições didáticas dos manuais
franceses e do manual brasileiro, Literatura Comparada, de Oliveira (1964),
que não apresentou noções inovadoras, mas contribuiu ao sistematizar as
orientações francesas. Dentre os teóricos apresentados por Carvalhal (2006,
p. 44) como pioneiros, destacam-se: Etiemble, que afirmava a existência de
uma “interdependência universal das nações”, na qual as obras de uma na-
ção se tornam bem comum de todas as nações; João Ribeiro, capítulo na
obra Páginas de estética (1905), que estudava a literatura comparada como
“crítica literária” e defendia uma atuação crítica e vinculada à história, para
os estudos comparados; Antonio Candido, que concebe “[...] a literatura
como um sistema no qual interagem autores (produtores literários), obras e
público (conjunto de receptores)”.
Carvalhal (2006) ainda destaca os seguintes teóricos que contribuíram
para a reformulação de conceitos básicos da literatura comparada tradicio-
nal: R. Jakobon e Iuri Tynianov (evolução literária); Jan Mukarovsky (fun-
ção estética e arte como fato semiológico); e M. Bakhtin (dialogismo no
discurso literário). Da noção de “diálogo” estudada por Bakthin, Julia Kris-
teva chegou à noção de “intertextualidade”, em 1969, que será tratada em ca-
pítulo específico. J. L. Borges é evidenciado por Carvalhal (2006) no que diz
respeito às questões por ele estudadas como os conceitos de originalidade,
filiação e hierarquia cronológica na produção literária. A autora conclui que
o estudo comparado de literatura:
57
parativista [...] com a História num sentido abrangente. (CAR-
VALHAL, 2006, p. 86).
Para Coutinho (2003, p. 40) “A literatura comparada é hoje, [...], uma se-
ara ampla e movediça, com inúmeras possibilidades de exploração, que [...]
se erige como um diálogo transcultural, calcado na aceitação das diferenças”.
Antonio Candido organiza a sua concepção de literatura sistêmica no tripé
“autor-obra-público”, ao lado de tais pressupostos “[...] a solidariedade es-
treita entre arcadismo e romantismo, metodologia ampla que integra o fato
histórico e estético e, finalmente, a concepção de literatura como missão.”
(NITRINI, 2015, p. 198). Esta compreensão da literatura como um sistema
articulado muda o caminho traçado anteriormente e afirma a necessidade
de se olhar para o texto literário de modo interno e externo. Consideramos
que Candido é fundamental para o início e desenvolvimento da literatura
comparada no Brasil, já que ele propõe um novo modo de pensar o texto
literário no ensino e na pesquisa comparatista.
No texto “Teoria literária e literatura comparada”, Nitrini (1994, p. 477-
478) apresenta as dez linhas de pesquisa em andamento, quanto à pesquisa
comparativa contemporânea: 1. Literatura e Educação, 2. Problemas de Tra-
dução Literária, 3. Ecdótica e Genética Textual, 4. Literatura e Psicanálise,
5. Teoria dos gêneros, 6. História literária e história cultural, 7. Correntes
críticas, 8. Literatura e Sociedade, 9. Literatura e teatro e 10. Estudos compa-
rativista da literatura, a qual destacamos neste trabalho, na medida em que
se estrutura a partir da noção de que a literatura comparada é o espaço inter-
relacional por excelência e abrange um amplo escopo de estudos, baseados
no diálogo da literatura comparada com a teoria e a crítica literária, com as
literaturas brasileira, clássica e medieval, e outras ramificações do saber.
Em razão da diversidade de pesquisas em literatura comparada, surgem
dois dilemas relacionados ao método comparativo em trabalhos compara-
tistas: o primeiro está relacionado à delimitação do seu objeto de estudo e o
segundo se refere à ausência de um método de análise. Destacamos que os
métodos serão adaptados de acordo com os pressupostos e as necessidades
do pesquisador e de sua pesquisa. Para Coutinho e Carvalhal (2011, p. 116),
são condições necessárias que as pesquisas comparatistas devem preencher:
58
[...] conhecimento aprofundado da obra e do homem, dos
quais estudamos o destino, bem como do meio receptor; es-
tudo escrupuloso dos livros, dos jornais, das revistas; atenção
constante à cronologia; na exposição das conclusões, prudente
distinção entre influência e sucesso e entre os diferentes tipos
de influência.
59
ende o material e os procedimentos adotados na pesquisa de modo a poder
responder à questão central da investigação”. O método de uma pesquisa
caracteriza-se pelos procedimentos que os compõe. É o passo a passo, uma
espécie de receita que orienta o pesquisador nos caminhos que ele deve per-
correr.
Morin (2005), ao tratar de teoria e método em sua obra Ciência com cons-
ciência, explica que teoria e conhecimento não são sinônimos, mas que a
primeira permite o segundo, atuando não como solução, e sim possiblidade
de tratar um dado problema. Em outros termos, a teoria faz sentido numa
pesquisa, se atrelada ao método. Esse último é gerado pela teoria e possui
capacidade de reatualizá-la:
60
proca do gênero e do autor. O primeiro solicita a definição do gênero a ser
estudado, ou poesia ou prosa; o segundo indica que o empréstimo pode ser
direto ou indireto e o terceiro permite que o pesquisador estude o destino de
determinado gênero e de seu autor, ou seja, os motivos dos quais um autor
definiu o gênero de sua obra e as relações que eles estabelecem entre si.
Citamos a título de exemplificação, uma pesquisa que escolha como ob-
jeto literário a obra Fogo Morto, de Rego (2010), tendo-se o reconhecimento
da necessidade de investigação ao longo da pesquisa dos seguintes aspec-
tos: 1) escolha do método comparativista literário, de natureza intertextual,
transdisciplinar e cultural, pautando-se no âmbito dialógico interrelacional
entre Literatura e História e Literatura Comparada e Teoria Literária; 2) es-
tudo da obra: Fogo Morto, enquanto objeto literário e obras históricas que
contextualizam suas questões históricas, sociais, políticas e culturais; 3) te-
mática: a loucura, na Literatura Brasileira da obra Fogo Morto e na Literatura
Espanhola d’O Engenhoso Dom Quixote de La Mancha (Volumes I e II), de
Cervantes (2012; 2016) para tratar do tipo de loucura enfatizado, a loucura
quixotesca; 4) movimentos: Brasil-Colônia – decadência do ciclo da cana de
açúcar no nordeste, enquanto fato histórico e Fase Modernista (1930-45),
enquanto fato literário, e 5) personagem: Vitorino Carneiro da Cunha, como
personagem literária, e 6) gênero literário: Prosa - Romance Regionalista.
61
[...] as maiores contribuições do comparatismo são: primei-
ramente, a luta pela interdisciplinaridade, pelo estudo das
relações entre a literatura e as outras artes e também entre a
literatura e os outros saberes, considerando aqui a literatura
simultaneamente como arte e como saber; e, além disso, a luta
pela independência cultural.
62
entendemos que a literatura como campo de pesquisa científico não é pura,
pois como produção científica e como arte, relaciona-se multidisciplinar-
mente às demais áreas do conhecimento, estabelecendo-se com elas campos
de ligação para o ensino-aprendizagem.
Por meio do “olhar de descobridor”, descrito por Manuel de Barros, utili-
zaremos a literatura comparada como afirmação e urgência de se estudar li-
teratura, compreendendo, assim, que a dinamicidade do texto e dos estudos
sobre ele são o que de fato importam.
Por fim, esperamos ter deixado claro neste texto que a pesquisa em lite-
ratura comparada é uma afirmação de pesquisa em literatura, pois como foi
descrito no início, contempla princípios literários contemplados por outras
teorias, quando se utilizam do fazer científico e do comparatismo como for-
mas para se chegarem ao entendimento do Outro.
Referências
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2006. (Série Princí-
pios)
______. Literatura comparada no mundo: questões e métodos. Porto Alegre: L&PM, 1997.
______; CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada: textos fundadores. 2. ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 2011.
PEREIRA, Maurício Gomes. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Ja-
neiro: Guanabara-Koogan, 2011.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad. de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sam-
paio Dória. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
63
NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica. 3. ed. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2015.
______. Teoria literária e literatura comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, 1994. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n22/68.pdf>. Acesso em: 1 maio 2017.
PINILLA, Ingrid Karina Morales. O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha e infor-
túnios da Constante Florinda: intertextualidade e residualidade. 2016. 102 f. Dissertação
(Mestrado em Letras)–Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2016.
REGO, José Lins do. Fogo morto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar. Teoria da Literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2011.
SOARES, Jéssica Thais Loiola. Resíduos do amor medieval em Marília de Dirceu, de Tomás
Antônio Gonzaga. 2015. 148f. Dissertação (Mestrado em Letras)–Universidade Federal do
Ceará, Fortaleza, CE, 2015.
64
CAMINHOS DA PESQUISA
5
EM LITERATURA FANTÁSTICA
5.1 Introdução
65
Todorov (2012) nos traz o amparo necessário para a perquisição do fan-
tástico na literatura, entendendo como fantástico toda narrativa que nos
traz a dúvida, a incerteza, a hesitação da possibilidade de um acontecimento
sobrenatural infiltrado no mundo real. Devemos avisar que este trabalho
tem o objetivo de concentrar-se nas considerações e discussões sobre o fan-
tástico tradicional tão pregado por Todorov.
Buscaremos entender também as vertentes do fantástico. O que é o ma-
ravilhoso? O que é o estranho? Como essas três ramificações se distinguem
uma da outra?
O propósito deste trabalho é auxiliar aqueles que desejam entender ou
iniciar-se em uma pesquisa sobre o fantástico, facilitando o contato com a
teoria e autores aqui encontrados. Esperamos atingir os objetivos e ajudar a
estimular a percepção da realidade além das barreiras do mundo comum e
a compreensão teórica que habita nela.
5.2 Os primeiros
66
contrário, o fantástico é proveniente de mentes racionais; o homem observa
a seu redor e quando não consegue compreender o que se passa cria um
mundo fantástico para tentar traduzi-lo. A teoria de Nodier (1830) com re-
lação ao fantástico é muito parecida com de Todorov. Nodier (1830) chega
a considerar, assim como Todorov (2012), o maravilhoso e o estranho como
gêneros vizinhos do fantástico, considera também de grande importância
a compreensão do real para entendermos o fantástico, pois, é justamente a
instabilidade ou o transtorno das leis reconhecidamente naturais que deter-
minam essa variante literária.
Com Introdução à literatura fantástica, de 1970, Todorov (2012, p. 7-8) é
sem dúvida o primeiro teórico do fantástico a debater o estudo desse tipo de
narrativa literária de um ponto de vista de gênero e a tentar uma abordagem
estruturalista de importância:
67
Temos, assim, nossa trilha de migalhas para seguir o nosso caminho pro-
posto:
Definindo o Fantástico;
Fantástico puro;
Fantástico – Maravilhoso;
Fantástico – Estranho;
Temas comuns no Fantástico;
Funções do Fantástico.
E ainda:
68
Observamos que o conceito de fantástico se define, pois, com relação ao
de real. Mas o que seria o real?
Ainda na definição do que é o fantástico de Todorov (2012, p. 30, grifo
nosso), podemos descobrir; “Num mundo que é exatamente o nosso, aquele
que conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um aconteci-
mento que não pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar”.
Fica claro, ao observar os fragmentos que destacamos, que o próprio te-
órico define o que seria em seu entendimento a definição do que é “real”. O
“mundo que é exatamente o nosso”, “aquele que conhecemos”, ou seja, nosso
lugar natural, científico, sem seres sobrenaturais, com leis da natureza. É
partindo desse entendimento de real que podemos verificar o que é o fan-
tástico.
Como já foi colocado anteriormente, o fantástico é a hesitação, a dúvida,
a perplexidade saboreada por um ser que só conhece as leis do nosso mundo
familiar, em choque com um acontecimento aparentemente sobrenatural.
E esse sobrenatural é entendido como um acontecimento que rompe com
o mundo real, é aquele que não pode ser explicado pelas leis deste mundo.
Dessa forma, a literatura fantástica é definida por esse atributo de violação
ao real. Se o sobrenatural não entrar em choque com o contexto, com o am-
biente da narrativa, não estamos no fantástico.
Temos assim:
69
Na Figura 1, temos o acontecimento aparentemente sobrenatural que
se choca com o mundo real, natural, científico, e desse abalo surge o
questionamento: seria essa ocorrência natural ou sobrenatural?
Essa dúvida do leitor deve ir até o fim da narração, se de fato aquilo que
lê é ou não o que aparenta ser: “O fantástico corre na incerteza; ao escolher
uma ou outra resposta, deixa-se o fantástico entrar num gênero vizinho, o
estranho e o maravilhoso.” (TODOROV, 2012, p. 31). Se de fato a história
terminar sem nenhuma explicação, nos mantemos no fantástico, mas se no
70
final da narração ela nos conceder uma explicação, caímos em um dos gê-
neros muito próximos ao fantástico: o estranho ou o maravilhoso. Observa-
mos:
71
estar escutando vozes, sussurros vindos de todas as direções.
Assustada, corri o mais rápido que pude até a minha sala que
estava vazia como todas as outras. Será que hoje não teria aula
e ninguém me avisou? Foi quando os murmúrios ficaram mais
altos e percebi que as árvores estavam falando! Será que eu
estava ficando louca?! Aterrorizada, corri de volta e entrei no
primeiro ônibus. Só voltei uma semana depois sem saber se
estava delirando com a ajuda dos remédios ou não. Tudo pa-
recia tão real!
Nada parecido me aconteceu de novo! (AS AUTORAS, 2017)2.
2
Texto elaborado pelas autoras para exemplificação, em 2017.
72
fato da personagem não afirmar se existe ou não tais vozes, nos causa mais
inquietação ainda e nos mantém presos no fantástico.
A última situação é o final irresolúvel, não há explicação se o fato sobre-
natural – as árvores estavam falando – realmente existiu, e na narrativa isso
se mostra de uma maneira simples, ela duvida de si mesmo: “Será que eu
estava ficando louca?!”, ela diz e ainda termina “Só voltei uma semana depois
sem saber se estava delirando com a ajuda dos remédios ou não. Tudo pa-
recia tão real!”. O final sem qualquer tipo de explicação, aconteceu ou não?
Um final puramente fantástico.
73
A diferença então é que, no maravilhoso, o sobrenatural é mostrado
como algo possível. Pimentel (2002, p. 36) afirma “[...] o maravilhoso é, por
conseguinte, o extraordinário, que escapa ao curso ordinário das coisas e
dos homens”. Em um mundo maravilhoso, a existência de fadas, duendes,
espíritos, anjos e vampiros é completamente natural.
Temos assim:
3
Texto elaborado pelas autoras para exemplificação, em 2017.
74
A terceira circunstância são os questionamentos que nos levam a uma
tendência fantástica, a hesitação, a desconfiança e até o medo.
Mas algo muda, a última situação que seria o final irresolúvel, não exis-
te mais. A explicação sobre o fato possivelmente sobrenatural – as árvores
estavam falando – acontece, todas as dúvidas e questionamentos ficam es-
quecidos, pois há uma resposta, uma conclusão inaceitável para o mundo
científico. Um final puramente maravilhoso.
75
Logo que desci do ônibus e percorri as passagens, percebi algo
muito estranho; as salas de aula estavam vazias, muitas luzes
estavam apagadas e não havia ninguém andando nos corre-
dores. Intrigada, comecei a andar devagar e foi quando pensei
estar escutando vozes, sussurros vindos de todas as direções.
Assustada, corri o mais rápido que pude até a minha sala que
estava vazia como todas as outras. Será que hoje não teria aula
e ninguém me avisou? Foi quando os murmúrios ficaram mais
altos e percebi que as árvores estavam falando! Foi quando
desmaiei.
Quando acordei estava cercada por meus amigos assustados,
eles diziam que eu estava delirando de febre falando sozinha
sobre árvores falantes. Voltei para casa e só retornei totalmente
curada.
Nunca, nada parecido me aconteceu de novo! (AS AUTORAS,
2017)4.
Temos mais uma vez o primeiro ponto que é o ambiente em que tudo
ocorre, o mundo comum, o mundo de fácil identificação.
Nesse mundo, algo estranho começa a acontecer: a infiltração do aconte-
cimento supostamente sobrenatural na narrativa da heroína comum.
A terceira circunstância são as indagações, a hesitação, o incômodo que
nos levam a uma tendência fantástica.
Novamente algo muda, a circunstância, que seria o final indeterminado,
não se mantém. A explicação sobre a ocorrência sobrenatural - as árvores
estavam falando – agora existe, todas as dúvidas e questionamentos ficam
esquecidos, pois há uma resposta, uma resposta que cabe no mundo co-
mum. Um final puramente estranho.
4
Texto elaborado pelas autoras para exemplificação, em 2017.
76
5.3.5 Temas comuns no fantástico
1º Função social
Todorov (2012, p. 167) afirma que
77
Como falar de homoafetividade, necrofilismo, drogas? A função social,
de extrema importância porque aborda temas considerados tabus, especial-
mente quando observamos as narrativas do século XIX, onde a proibição de
certas temáticas era muito forte.
2º Função literária
Todorov (2012, p. 171) assegura que
5.4 Concluindo
78
Referências
CAMARANI, Ana Luiza Silva. A literatura fantástica: caminhos teóricos. São Paulo: Cul-
tura Acadêmica, 2014.
COLETTI, Vagner. As flores do mal e eu: um olhar pelo prisma do grotesco. Araraquara:
2008. 167 p.
COSTA, Flávio Moreira. Os melhores contos fantásticos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
79
LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural em literatura. São Paulo: Iluminu-
ras, 2007.
MAUPASSANT, Guy. 125 contos de Guy de Maupassant. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 2009.
POE, Edgar Allan. Edgar Allan Poe: medo clássico. Rio de Janeiro: Darkside, 2017.
ROAS, Davi. A ameaça do fantástico: aproximações teóricas. São Paulo: Unesp, 2014.
PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins Fontes,
1977.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2010; São Paulo:
Unesp, 2014.
VAX, Louis. A arte e a literatura fantásticas. Tradução de João Costa. Lisboa: Arcádia,
1972.
80
POR UMA EPISTEMOLOGIA DO
6
MÉTODO FORTUNA CRÍTICA
81
No primeiro significado, não se distingue ‘investigação’ ou
‘doutrina’, entretanto [...] O segundo significado é mais res-
trito e indica um procedimento de investigação organizado,
repetível e autocorrigível que garanta a obtenção de resultados
válidos.
82
Conforme as palavras de Dalcastagnè (2005) percebe-se que o método é
formulado conforme as necessidades da pesquisa.
Em Literatura, um caminho amplamente recorrido por pesquisadores é
o método Fortuna Crítica:
5
Optamos por transcrever as palavras da profa Cássia Maria Bezerra do Nascimento em
uma das aulas de Metodologia da Pesquisa – Estudos Literários, no Mestrado – PPGL/
UFAM, em Manaus, em 2017.
83
caso de vasta bibliografia do autor-obra-assunto pesquisado. Dito de outro
modo, para que o trabalho não seja inviável, é sugerível que se faça uma
pesquisa diacrônica tal como proposto por Lima (2012) ao explorar o que
se produziu em se tratando de Thiago de Mello no decurso de nove anos de
(1951 a 1960).
Essa perspectiva pode ser aplicada também ao acervo de críticas acerca
de Astrid Cabral; uma vez que cabe ao analista conduzir sua investigação
focalizando as críticas de modo geral direcionadas a(o) autor(a) em análise,
a uma obra deste autor/a ou a um tema/assunto específico.
Caso semelhante ao de Lima (2012) foi realizado por Souza (2016, p. 8)
em sua dissertação Chuva branca: rastreando a biblioteca amazônica em um
romance de Paulo Jacob, pesquisa em que o autor se ateve em “[...] rastrear a
biblioteca amazônica que teria exercido poder de modelização sobre a escri-
tura de Chuva branca”.
Na tabela abaixo, apresento alguns procedimentos que podem ser utiliza-
dos por aqueles que se propuserem a examinar a fortuna crítica de autores
em seus respectivos estudos.
84
Em relação à fortuna crítica de obra específica encontra-se estudos em
torno da recepção crítica dos seguintes livros: Macunaíma, Dom Casmurro
e Relato de um certo Oriente.
Quanto a Dom Casmurro, de Machado de Assis, sugiro o método expli-
citado na figura abaixo.
85
é marcado por uma trajetória acidentada, que pode ser dividi-
da em duas fases.
6
Sugere-se a consulta ao site http://www.elfikurten.com.br/; “O Templo Cultural Delfos é um
Repositório Digital de conteúdos culturais, educacionais, artísticos e científicos. Já é considerado por
muitos uma das maiores referências biobibliográficas de autores literários de língua portuguesa”.
86
[...] a vasta e sempre crescente fortuna crítica da autora tem se
centrado em três pontos principais de análise: 1) a dimensão
filosófica-existencial da obra; 2) a construção formal e 3) o estilo
narrativo, ambos considerados singulares e idiossincráticos; a
questão do feminino, suas personagens mulheres e o caráter
feminista explícito ou implícito dos textos.
87
6.2 Palavras finais
Referências
BAILEY, Cristina Ferreira-Pinto. Clarice Lispector e a crítica. [S.l.], ago. 2006. Disponível
em: < http://www.hispanic.pitt.edu/iili/IntroLispector.pdf >. Acesso em: 2007.
88
2004. Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 26, p. 13-71, 2005.
DURÃO, Fabio Akcelrud. Reflexões sobre a metodologia de pesquisa nos estudos literários.
D.E.L.T.A., n. 31, p. 377-390, 2015. Edição especial.
FRANCHETTI, Paulo. No banco dos réus: notas sobre a fortuna crítica recente de Dom
Casmurro. Revista Estudos Avançados da USP, São Paulo, v. 23, n. 65, 2009.
LIMA, Pollyanna Furtado. Thiago de Mello: fortuna crítica (1951 – 1960). 2012. Dissertação
(Mestrado em Letras)–Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, 2012.
RAMOS JR, José de Paula. A fortuna crítica de Macunaíma. Revista USP, São Paulo, n. 65,
p. 125-130, 2005.
SILVA, Joanna da Silva. Panorama da produção literária de Milton Hatoum e de sua recep-
ção, em homenagem aos vinte anos de Relato de um certo Oriente. Somanlu: Revista de
Estudos Amazônicos, Manaus, AM, ano 10, n. 1, jan./jun. 2010.
89
PROPOSTA DE ABORDAGEM METODOLÓGICA EM
7
ANÁLISES LITERÁRIAS PELA TEORIA PÓS-COLONIAL
91
Justamente, como disse Culler (1999), a teoria não fornece métodos, mas
pode guiar e orientar abordagens e reflexões para que a análise seja possível
e, daí então, a interpretação.
Este trabalho foi pensado a partir deste contexto acerca de método em
estudos literários. Conscientes de que a teoria literária em pesquisas aca-
dêmicas tem eficácia e aplicabilidade diferenciada, mas é escassa quanto a
sugestões ou prescrições de métodos, a proposta a seguir é de cunho didáti-
co acerca do método de investigação literária: um caminho possível para a
realização de uma análise pela teoria pós-colonial da literatura.
Elenca-se então a seguir, em ordem didática e lógica, os passos a serem
seguidos nessa proposta, para uma análise por meio dos estudos pós-co-
lonialistas. Esta sugestão objetiva um caminho possível para se utilizar a
teoria pós-colonial no exercício de crítica e investigação literárias por meio
de abstrações temáticas a respeito da colonização e suas consequências. O
roteiro sugerido pretende ser o mais próximo de uma orientação de pesqui-
sa acadêmica, levando em conta a característica didática, motivo pelo qual
foi idealizado este trabalho.
92
partir dessa inserção, pode-se inferir que a produção literária de uma nação
demonstra de forma indireta os percursos formadores da identidade cultu-
ral de uma nação, se esta tiver sido colonizada ou não. Bonnici (2012) afirma
ainda que as manipulações coloniais degradaram a cultura dos povos colo-
nizados, como também os povos que colonizaram se degradaram indireta-
mente, pois foram obrigados a inserir na sua história o estigma imperialista.
Segundo o teórico,
93
7.3 Compreender o que é a literatura pós-colonial
94
O oprimido é sufocado pela imposição moral, estética, política, religiosa
e social, em que o opressor a julga superior, por isso a incute na sociedade
colonizada e, este mesmo pensamento, segue até após a independência da
colônia. O subalterno ainda o será enquanto compreender a hierarquia cul-
tural como verdadeira e sólida.
A esta altura do raciocínio, deve-se levar em conta o fator ideológico. No
capítulo seis do livro de Bonnici, temos uma amostra de aplicação da teoria
pós-colonial, isto é, uma leitura condicionada da obra orientada pelas dis-
cussões já mencionadas. A análise apresentada tem por título “Colonização
e alteridade – Robinson Crusoé e o problema do outro”, e aborda o romance
de Daniel Defoe, Robinson Crusoé (1719).
Segundo Bonnici (2012, p. 107), no romance “[...] o fator ideológico re-
ferente ao outro começa a espreitar a superfície do texto e revela o posicio-
namento do personagem diante do não-europeu”. Crusoé, inglês, é tratado
como semelhante diante dos portugueses, mas seus comportamentos diante
de um nativo não-europeu revelam as suas atitudes colonialistas. Abstrai-se,
portanto, a subalternização de cunho cultural contra o nativo, a hierarquiza-
ção. Esse pensamento nos orienta sobre qual deve ser o ponto de vista a ser
tomado mediante a leitura de literaturas pós-coloniais.
O crítico que tomar esta perspectiva deve estar preocupado com “[...] a
criação de um contexto favorável aos marginalizados e oprimidos para a re-
cuperação da sua história, sua voz.” (BONNICI, 2012, p. 20). É necessário ler
analisando os padrões referenciais e sociais em questão da obra no contexto
em que foi escrita, atentando ao “substrato político-religioso” (BONNICI,
2012, p. 107).
A leitura guiada volta as atenções do leitor para as imposições imperia-
listas nos permite ter a compreensão exata de como proceder em juízos de
valor e como discorrer sobre os temas possíveis nessa teoria, em geral, refle-
95
xões morais e éticas quanto a ideologia dentro da obra, quer da perspectiva
do colonizador ou do colonizado. O colonizado também pode, em sua lite-
ratura, demonstrar o discurso imperialista em denúncia, combate, recusa,
etc. Assim, se se observar a poesia africana lusófona, por exemplo, pode-se
abstrair o discurso colonialista de um outro modo.
Segue, pois, uma breve análise do poema “Cantaremos”, de Duarte (2005,
p. 57), poetisa de Cabo Verde, ex-colônia portuguesa na África, do livro
Preces e súplicas ou os cânticos da desesperança.
Cantaremos
e descendo um a um
os degraus do vício da corrupção e da traição
começaram a comprar e vender teus filhos
não mais homens
não mais africanos
abjectamente escravos [...]
96
Na perspectiva do eu-lírico, os europeus eram homens de cores estra-
nhas, não eram filhos da mãe-África, os menosprezavam, mas queriam sua
força para o trabalho, para a escravização. Em “[...] começaram a comprar
e vender teus filhos/ não mais homens/ não mais africanos/ abjectamente
escravos” (DUARTE, 2005, p. 57), declara-se pela voz deste eu-lírico a desti-
tuição da humanidade aos negros, agora objetos, mercadoria, escravos.
O poema mostra de maneira categórica a denúncia da coisificação e su-
balternização a que os filhos da África foram submetidos. A leitura torna-se
então uma busca pelos traços da colonização, subalternização, imperialismo,
exploração, aculturação, entre outros temas comuns à teoria pós-colonial.
97
Para alcançar os resultados que dizem respeito ao externo da obra, é ne-
cessário recorrer as outras humanidades, tais como, História, Filosofia, So-
ciologia, Antropologia, entre outras. Inclui-se, portanto, outras teorias, não
necessariamente conectadas à literatura, entretanto, precisam ter pontos de
comunicação com os temas localizados e destacados. Citamos, pois, alguns
deles: feminismo; silenciamento; denúncia social; luta pela liberdade (pró
-independência); valorização da cultura local; metalinguagem; etc.
98
A fala de Crusoé assemelha-se à de Caminha (2017, p. 14) em A carta,
relato do descobrimento escrito em 1500, em que “[...] o melhor fruto que
dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente”. Os índios brasilei-
ros foram tomados como pagãos ignorantes e primitivos, “[...] a inocência
desta gente é tal que a de Adão não seria maior.” (CAMINHA, 2017, p. 13).
A cultura do índio não é válida, a do português é a correta, é a salvadora.
Caminha (2017, p. 13) disse ainda “[...] e bem creio que, se Vossa Alteza
aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e
convertidos ao desejo de Vossa Alteza”, certamente, julga não terem vontade
nem entendimento. O colonizador então é o sujeito e o colonizado é o obje-
to, manipulável e submisso.
Desse modo, pela seguinte definição de que literatura comparada, con-
forme Pichois e Rousseau (1967 apud COUTINHO; CARVALHAL, 2011, p.
233), “[...] é a arte metódica pela busca de laços de analogia, de parentesco
e de influência, de aproximar a literatura dos outros domínios da expressão
ou do conhecimento”, agrega valor a argumentação a respeito do fenômeno
literário pesquisado, dando credibilidade e fortalecendo o postulado crítico.
99
nativo Friday ao cristianismo, “[...] em nenhum momento Friday diz que
aceitou internamente a fé cristã, [...] todas as afirmações da aceitação de fé
pelo indígena resumem-se à opinião exclusiva de Crusoé”, isso por se tratar
de uma narração em primeira pessoa .
Assim sendo, conforme Bonnici (2012, p. 113, colchete nosso) salienta,
“[...] parece, portanto, legítimo afirmar que, no âmbito religioso, o indígena,
[é] obrigado a assumir o papel de objeto” diante do colonizador. A Friday
resta aceitar que a cultura, a religião e a divisão de trabalho imposta por
Crusoé são as corretas. A colonização torna-se observável e personificadas
nos dois caracteres, Friday e Crusoé, tal como o percurso ideológico, social,
cultural e religioso imposto pelo inglês ao indígena é visto como legítimo e
alegórico à colonização eurocêntrica. Portanto, a representatividade do livro
de Defoe ganha aspectos negativos diante da análise pós-colonialista, sobre-
tudo pelo fato de a estrutura social interna da obra aprovar todo o procedi-
mento do personagem central, Robinson Crusoé, que a teoria pós-colonial
tem reprovado.
100
c) Literatura pós-colonial – literatura de povos colonizados cuja cultura
seja formada por influências nativas e do colonizador;
d) Subalterno/colonizado – todo e qualquer sujeito social fora dos
padrões dominantes, isto é, o que está sob opressão, (marginalizado,
pobres, negros, mulheres, homossexuais, etc.), tanto dentro quanto
fora do contexto e momento histórico da colonização;
e) Dominador/colonizador – todo e qualquer sujeito social ou grupo
possuidor dos mecanismos de dominação;
f) Descolonização – tomada de consciência da influência imperialista.
101
Referências
ANCHIETA, Padre José de. Carta de São Vicente 1560. São Paulo: Reserva da Biosfera da
Mata Atlântica (RBMA), 1997. (Série Documentos Históricos, 7). Disponível em: <http://
www.rbma.org.br/rbma/pdf/Caderno_07.pdf >. Acesso em: 25 jul. 2017.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 9 ed. São
Paulo: Companhia editora nacional, 2006.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. Tradução de Sandra Vasconcelos. São
Paulo: Beca, 1999.
102
8
METODOLOGIA PARA ESTUDO DO COTIDIANO
103
relaciona com a sensibilidade, e a estética estuda o Belo. No sentido estético,
o Belo é a qualidade de alguns elementos em estado de pureza, como sons
e cores agradáveis, das formas abstratas, ou seja, toda relação harmoniosa,
aquilo que agrada ver e ouvir, a noção de Beleza participa da inteligência e
sensibilidade e afeta de certa forma a alma.
A arte é a disposição que habilita o sujeito a fazer uma determinada coi-
sa, orientado por seu conhecimento prévio do que quer fazer ou produzir.
Aristóteles explicita que artístico é pensar e realizar de acordo com o que foi
pensado. Conforme se sabe, este filósofo considera artes imitativas a pintu-
ra, escultura, poesia e música, entendeu que a (mimese) imitação da realida-
de humana é comum nas artes.
104
vém de um passado, mas do próprio ser, por isso possui dinâmica própria.
Sua proposta, vinculada à fenomenologia, constitui-se em uma forma de
entendimento da realidade que teve suas principais ideias desenvolvidas por
Edmund Husserl. A palavra fenômeno em grego significa “o que aparece”, e
a fenomenologia trata do objeto do conhecimento, a maneira como se apre-
sentam à consciência; trabalha com a noção de intencionalidade e afirma
que toda consciência é intencional. De acordo com a pesquisadora Aranha
(1993, p. 123):
105
gem criada liga-se à função do irreal e é chamada de devaneio. A imagem
tem duas realidades: psíquica e física. Para ele, a literatura e a poesia têm
como função transcender o irreal, sempre surpreender, readquirir a anima-
ção de uma linguagem, pois uma imagem literária diz que uma obra nunca
será imaginada da mesma maneira duas vezes.
106
8.3 Para entender o cotidiano
107
8.3.1 O cotidiano
108
Apesar de ser o lugar do equilíbrio, o dia a dia da sociedade possui con-
traste, por exemplo a miséria, os trabalhos maçantes, as humilhações, a ne-
cessidade a ser suprida, a escassez de dinheiro, abstinência, privação e re-
pressão.
A sociedade é o lugar de equilíbrio em que o cotidiano pode fluir. No
momento em que a sociedade perde sua harmonia, torna-se o lugar de dese-
quilíbrio. Quando as pessoas não conseguem mais viver sua cotidianidade,
então começa uma revolução, uma busca por mudar de vida.
109
A ocupação de emprego na ZFM foi crescente, apesar da queda em 1985,
por conta da economia brasileira nos anos 80. Apesar de ter sido chamada a
década perdida brasileira, a ZFM continuou crescendo e atraindo trabalha-
dores de todas as partes.
Assim como os muitos cidadãos que (na esperança de mudança de vida)
migraram para a Amazônia obtiveram apenas o fracasso foram expostos à
salubridade e marginalidade, Carlitos, de Charles Chaplin, foi um vagabun-
do de rua, que viveu grandes conflitos com a classe burguesa, que não o
aceitava por sua miserabilidade.
110
tando novamente sobreviver em meio a chegada da tecnologia, através deste
criticou tanto as condições abusivas de trabalho a que os funcionários eram
expostos na Revolução Industrial.
Funcionário de linha de montagem, é obrigado a vivenciar muitas in-
dignidades, como ser forçado por uma máquina e uma linha de montagem
acelerada a produzir muito, por tanta pressão, sofre um colapso nervoso e
vai embora, abandonando a fábrica, o que a transformou num verdadeiro
caos. Por ter passado mal, foi encaminhado a um hospital, mas quando se
recuperou foi demitido. A partir daí desenvolve-se toda a trama.
Poemática
a camisa
exausta sobre a pedra
era a pausa no trabalho.
adquirira energias durante todo o dia
e descansava agora
do suor absorvido.
nunca vazia
do operário no banho. (PENAFORT, 2005, p. 37-38).
111
Por isso, a camisa nunca está vazia do operário, guarda sempre seu o suor,
sendo este o resultado do gasto de força muito além das possibilidades da-
quele corpo. Essa imagem conota o descumprimento da lei sobre as horas de
trabalho e de descanso para o empregado. Uma das marcas da modernidade
é o excesso de mão de obra, embora haja muitas oportunidades de emprego,
que oferecem condições de trabalho legais ou não.
Durante muitos séculos, a beleza das cidades foi percebida através do bu-
colismo, da contemplação da natureza, entretanto, esta situação se reverteu,
a cidade invadiu o campo, o urbano e sua realidade tornaram-se referenciais
de vida. Seguindo a historicidade do cotidiano, percebe-se que este surge a
partir da mistura entre degradação e progresso. Nesse sentido, a cotidiani-
dade é efetivamente a inconsciência e o inconsciente da modernidade. Um
dos grandes pensadores sobre a modernidade afirma que esta é o transitório,
o efêmero, o contingente (BAUDELAIRE, 1996, p. 26). O cotidiano é um
fenômeno das sociedades modernas. Ao estudar cotidiano é necessário re-
correr à teoria da modernidade. Para Lefebvre (1991, p. 31), dois conjuntos
se complementam, a cotidianidade e a modernidade:
112
Não quer dizer que funcionem apenas ligando-se ao outro, ou que um
seja significado e o outro significante, o que podemos concluir da citação
acima é que estas duas faces significam reciprocamente, moderno e cotidia-
no correspondem-se.
A respeito do tempo imaginado na poesia, Hauser (2000, p. 897) afirma:
113
arte, para que assim resulte na natureza, que a partir de suas produções com-
prova o Belo, as artes por causarem satisfação e sensibilidade também são
belas. O cotidiano é o misto entre o a degradação e o progresso do espa-
ço natural. Nesse espaço será verificada a pobreza e a miséria. Assim como
também a ascensão de pessoas e a maneira que a sociedade permite que
o cotidiano cumpra sua condição através do seu ciclo, a tecnologia avan-
ça transformando a sociedade sempre em uma sociedade moderna, mesmo
que essa modernidade seja efêmera.
Referências
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2. ed. rev. atual. São
Paulo: Moderna, 1993.
BACHELARD, Gaston. Imaginação e matéria. In: ______. A água e os Sonhos. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
______. Introdução. In: ______. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BAUDELAIRE, Charles (1821- 1867). Sobre a Modernidade: o pintor da vida moderna. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de. (1932- ). Interpretação da poética de Aristóteles. São
José do Rio Preto, SP: Rio-Pretense, 1998.
CONY, Carlos Heitor. O personagem Carlitos. In: CLARET, Martin (Org.). Chaplin por ele
mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2004.
GANCHO, Cândida Beatriz Vilares. Introdução à poesia. São Paulo: Atual, 1989.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes. 2000.
LEFEBVRE, Henry. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
114
MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia. 12. ed. São Paulo: Cultrix,1993.
MORIN, Edgar. O mistério Carlitos. In: CLARET, Martin (Org.). Chaplin por ele mesmo.
São Paulo: Martin Claret, 2004.
______. Azul Geral. 2. ed. Manaus: Valer; Governo do Estado do Amazonas; EDUA;
UNINORTE, 2005.
115
9
RESIDUALIDADE LITERÁRIA E CULTURAL7
Ingrid Karina Morales Pinilla
7
Este capítulo é o único dentre os que compõe esta publicação que não foi produzido por discentes
do 1º ano do Curso de Mestrado em Letras. Trata-se da revisão de literatura sobre Residualidade
realizada pela autora para Dissertação de Mestrado defendida em 2016 no Programa de Pós-
Graduação em Letras, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
117
dos de Residualidade Literária e Cultural – GERLIC8 – e por pesquisadores
de diversos estados do Brasil e de Portugal.
A ideia fundamental da teoria da Residualidade “Na cultura e na
literatura nada há de original; tudo remanesce; logo, tudo é residual” (PON-
TES, 2012a, p. 392) é, também, um ponto de partida para se entender que
nenhuma investigação literária abandona a noção de mimese. Não existe um
teórico da literatura que tenha rejeitado essa concepção, existindo o consen-
so de que a arte imita o real. Assim, a Residualidade investiga de que forma
a literatura fala da sociedade e de que forma fala de outras literaturas, ana-
lisando os elementos de um texto presentes em outros textos, não porque
os autores quisessem refazer textos anteriores, mas porque esses elementos
estão na mentalidade coletiva e foram passados de uma época para outra.
Portanto, o que remanesce de um tempo em outro, pode significar a presença
de atitudes mentais arraigadas no passado próximo ou distante.
Roberto Pontes revisou como certos modos de agir, de pensar e de sentir
de um determinado conjunto de indivíduos foram parar em outros grupos
sociais, tempos depois. Para tanto, o teórico procurou termos operativos na
sistematização da teoria da Residualidade, assim:
8
Cabe ressaltar que o GERLIC tem por objetivo preparar pesquisadores na área delimitada no título
que o define. Os encontros semanais que promove regularmente, às quintas-feiras, na Universidade
Federal do Ceará (UFC), objetivam incentivar o desenvolvimento de pesquisas a partir do estudo dos
conceitos correlatos à Teoria da Residualidade sistematizada por Roberto Pontes. O grupo, também,
organiza a Jornada de Residualidade uma vez por ano, na UFC. Até o ano de 2017 foram realizadas
oito Jornadas, nas quais se congregaram pesquisadores de universidades brasileiras, estrangeiras,
e de outros centros de excelência, em torno dos estudos residuais. Outro núcleo de estudos na
perspectiva da Residualidade é o grupo de pesquisa Literatura em Estudos Transdisciplinares e
Residuais (LETRAR), da Universidade Federal do Amazonas, cadastrado no Diretório de Pesquisa do
CNPq sob a liderança da Profa. Dra. Cássia Maria Bezerra do Nascimento.
118
da Química para explicar determinados fenômenos culturais
ou literários. Pontes não se limitou a ‘costurar’ conceitos de
diversas correntes de pensamento, mas procurou repensá-los
antes de os colocar à disposição de alunos-pesquisadores e da
comunidade acadêmica em geral. (TORRES; PONTES, 2012,
p. 235).
119
bre esta pedra, tida como detentora ‘da forma mais perfeita
de toda a natureza mineral’, de ‘formações maravilhosamente
ordenadas e de uma radiosa transparência’, ficamos sabendo
que o complexo específico da associação dos átomos do cristal
não é estático. ‘Os átomos de um cristal não estão em repou-
so, mas num estado de movimento oscilatório’, acrescenta. E
observa mais: ‘O cristal não é, portanto, uma coisa ‘acabada’
ou ‘decisiva’, não é a encarnação da ideia rígida duma forma,
mas o resultado efêmero de modificações contínuas das con-
dições materiais.’ A lexia cristalização, portanto, pelo viés esté-
tico esposado por Ernst Fischer, não tem nada a ver com algo
que seja petrificado, imóvel, estático. Pressupõe metamorfose,
mobilidade, dinâmica. Assim é que a teoria da Residualidade
concebe a cristalização.
120
madeira, transformando-se em rapadura, também resíduo do
produto inicial. Se usarmos outra tecnologia, teremos o açúcar
mascavo ou o refinado, inegavelmente, mais dois resíduos, por
sinal, muito úteis. Se prosseguirmos refinando, teremos o açú-
car para as confeitarias ou para as farmácias. E assim estamos
diante de um processo que nos permite assimilar adequada-
mente o conceito de resíduo e de residualidade nos domínios
da cultura. Afinal, estamos falando da cultura da cana de açú-
car e de seus produtos, de atividades típicas da agricultura.
121
Pontes (2006a, p. 1) cita como exemplo o Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna, que é composto de hibridismos culturais provenientes de narrati-
vas culturais diferentes. Por isso, é híbrido e também residual.
Por outro lado, a noção de mentalidade, adoptada por Pontes, encontra-
se bem definida na História das mentalidades, que surgiu na École des An-
nales e na Nouvelle Histoire como uma das alternativas de compor um novo
viés de investigação histórica.
De acordo com Duby (1992, p. 71), o grupo da Nouvelle histoire (Nova
história) percebia a mentalidade, da seguinte forma:
122
Um exemplo dessa mentalidade, que se transmite e é coletiva, dado por
Pontes (2006a), é a comemoração do dia de finados. No Brasil, muitas pessoas
vão ao cemitério no dia dois de novembro, dia dos finados. Nesse dia, as pesso-
as compram flores, visitam as covas e túmulos onde foram sepultados os entes
queridos, rezam e acendem velas para seus mortos. Essa atitude, tanto indivi-
dual quanto coletiva, é resíduo de uma prática dos romanos nos lares cultuan-
do seus antepassados. Eles faziam um voto eterno de se manter uma chama
acesa para o espírito dos mortos da família num oratório dentro de sua casa.
Esse mesmo ritual é praticado uma vez ao ano, no dia dois de novembro em
diversas culturas. Tal manifestação também foi incorporada e sacralizada pela
igreja católica, através da lâmpada votiva, que fica queimando durante o ano
inteiro, para neutralizar, inclusive, um costume pagão. Essa mentalidade tem
sido transmitida, através da história, da literatura, da arte, da religião.
O processo de transmissão de uma mentalidade é explicado por Pontes e
Torres (2010, p. 245) da seguinte forma:
123
indicar exatamente onde termina o resíduo e começa a mentalidade.
Também é necessário apontar a diferença entre resíduo, imaginário e
mentalidade. Para este propósito, recorremos a Torres (2016, p. 32), que fez
essa distinção remetendo-se às acepções dadas a esses vocábulos pela École
des Annales (ou Escola dos Anais) da seguinte forma: “[...] resíduo é um
imaginário duma época presente em outra e mentalidade é a abstração de
um imaginário ou de um conjunto de imaginários”.
Por conseguinte, podemos afirmar que dentro da mentalidade medieval,
por exemplo, existem diferentes tipos de imaginários, cada classe social (clero,
nobreza e povo) representa um imaginário diferente. Nas palavras dos teóri-
cos Torres e Pontes (2012, p. 235) “[...] o imaginário seria, portanto, a forma
como a mentalidade apresentar-se-ia em cada momento histórico”.
Diante disso, quando analisamos resíduos medievais, procuramos um
imaginário de uma época determinada numa outra mentalidade. Para am-
pliar essa noção, Torres e Pontes (2012, p. 234) discorrem que:
Cada época tem, portanto, o seu próprio imaginário, dado que as pessoas
de cada época percebem a realidade de uma determinada maneira e daí de-
riva sua forma de manifestar-se.
Para concluir, cabe ressaltar que a Residualidade não procura encontrar
a origem de uma manifestação cultural ou literária, mas procura as rela-
ções entre os tempos, os espaços, as culturas e os períodos literários. Ela
se enquadra no leque da literatura comparada. Por conseguinte, dentro do
método da literatura comparada, pode-se usar a abordagem da teoria da
Residualidade.
124
Referências
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. Tradução de Lelia Souza Mendes. São Leopoldo, RS: Unisi-
nos, 2010. 116 p.
DUBY, Georges. Reflexões sobre a história das mentalidades e a arte. Trad. Heloisa Jahn. Novos
estudos CEBRAP, n. 33, jul. 1992.
MORALES, Ingrid Karina. O engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha e infortúnios trágicos
da Constante Florinda: intertextualidade e residualidade. 2016. Dissertação (Mestrado)–Univer-
sidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, 2016.
PONTES, Roberto. Cristalização estética como polimento na literatura e na cultura. In: ______.
MARTINS, Elizabeth Dias (Orgs). Residualidade ao alcance de todos. Fortaleza: Expressão Gráfi-
ca e Editora. 2014a. 344 p.
______. Entrevista sobre a Teoria da Residualidade, com Roberto Pontes, concedida à Rubenita
Moreira, em 05/06/06. Fortaleza, 2006a. Mimeografado.
______. Literatura afrobrasilusa: tentativa de conceito. In: ______. Poesia Insubmissa afrobrasilu-
sa. Rio de Janeiro; Fortaleza: Oficina do Autor; Edições UFC, 1999. 168 p.
______. MARTINS, Elizabeth Dias (Orgs.). Informe necessário. In: ______; ______. Residualidade
ao alcance de todos. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2014b. 344 p.
125
TORRES, José William Craveiro. Além da cruz e da espada: acerca dos resíduos clássicos d’A de-
manda do Santo Graal. Fortaleza: Edições UFC, 2016.
______; PONTES, Roberto. Resíduos clássicos do rito iniciático do cavaleiro medieval. In:
MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros (Org.). De cavaleiros e cavalarias: por terras de
Europa e Américas. São Paulo: Humanitas, 2012. 1 v., p. 233-246.
126
O ASPECTO DO DUPLO NA
10
LITERATURA FANTÁSTICA
127
De modo mais explanatório da teoria de Todorov, se tivéssemos um livro
com elementos sombrios e aparentemente sobrenaturais e ele respondesse
ao maravilhoso, teríamos, desde o início, um mundo no qual os seres que
transitam entre os vivos e os mortos fossem bem aceitos e normais, não
teríamos quaisquer dúvidas ou incômodos, pois os outros personagens agi-
riam de forma trivial aos acontecimentos. Já se o livro fosse pertencente
ao estranho, teríamos, ao final de tudo uma explicação plausível frente aos
acontecimentos, que ocorrem com o personagem atormentado pelos seres,
a comprovação de que as visões não passavam de um caso de loucura, ou o
uso de alucinógenos ou ainda que tudo fora apenas um sonho. A dúvida se
dissiparia e com ela o fantástico.
Seguindo com o pensamento de Todorov (2012), a história fantástica
deve ser abordada e analisada não pela intencionalidade do autor ou ainda
pelo mecanicismo do enredo, mas sim pela forma como ela consegue chegar
por meio de acontecimentos estranhos dentro do corriqueiro a níveis altos
de emoção. O fantástico, na concepção do autor, é tão engenhoso que não é
um gênero propriamente dito, e sim surge pelos gêneros vizinhos.
Ainda para o autor, dessa forma, o fantástico não se contenta com apenas
um episódio fora do normal ou com o intuito de deixar o leitor desconfortá-
vel, mas ele também se caracteriza pela forma de conduzir a leitura, ou seja,
além do autor, o leitor é parte ativa na construção de uma narrativa fantásti-
ca. Nesse quesito, o pensamento de Lovecraft (2008, p. 16 apud TODOROV,
2012, p. 20) está de acordo, pois ele também acredita que o fantástico está
além da obra física, pois ele perpassa pelo leitor em sua experiência literária.
Mas o que mais diferencia os dois juízos quanto ao fantástico é que, enquan-
to para Todorov o grande fato está na hesitação e dúvida suscitada no leitor,
para Lovecraft, está na vivência do medo: para este, o fantástico é quase
intrinsecamente ligado ao medo.
Retomando Martinho (2010), o fantástico, em sua essência, está relacio-
nado à nossa subjetividade humana perante o mundo (ela entende a palavra
com amplitude suficiente para abarcar as áreas animal, mineral, vegetal, sen-
sorial e social). Todo ser humano compartilha da dualidade da estranheza
e do familiar tanto no seu exterior quanto no interior; em uma busca inces-
sante – e muitas vezes inconsciente – pelo sentido da vida.
128
Ceserani em seu livro O fantástico, publicado em 1996, nos traz uma linha
historiográfica dos conceitos acerca do fantástico que são muito pertinentes
àqueles que estão iniciando sua jornada de conhecimento sobre o tema. Por
mais que o nome de Todorov sempre seja o primeiro a ser relacionado quan-
do o assunto é fantástico, não foi ele o pioneiro. Antes dele, Ceserani (2006)
aponta que Vladimir Sergeevic Solov’ëv já falava sobre o tema, dizendo que
as manifestações do fantástico devem apenas aludir ao viés místico e não
entregar-se completamente a ele, deixando o atributo familiar e só um traço
pendido às casualidades desconhecidas.
Já M. R. James dizia que, para estar na raia do fantástico, uma história
deveria apresentar os personagens e seu cotidiano de uma forma muito na-
tural e ir introduzindo a ameaça gradativamente, de uma forma lenta para
que o leitor apenas percebesse quando ela estivesse instalada. Complementa
o pensamento dizendo que é mister ter uma saída de explicação genuína
que ele alude a uma porta, sendo esta tão estreita que seria complicado usá
-la. Seguindo um pensamento similar, temos Pierre-Georges Castex que, de
acordo com Ceserani (2006), é o primeiro a explorar a literatura fantástica
na França. Em seu legado, encontramos a definição clara de que o fantástico
não pode ser relacionado às histórias de contos de fadas ou mitológicas, ela,
ao contrário dessas, está ligada ao mundo real que é tocada pelo mistério de
forma repentina. Para ele, o tema é muito inclinado aos aspectos da consci-
ência na qual recria seus piores temores frente aos seus olhos.
O estudioso Caillois reconhecia o fantástico também na natureza, muito
além do discurso. Ele acreditava que o fantástico revelava um estampido
insólito no mundo real, uma ruptura abrupta na diretriz da realidade, em
que os dois vivessem no mesmo espaço, ambos não tomando o local de des-
taque. O âmago do fantástico para ele é estar e não estar, é aparecer na tran-
quilidade, manifestando o inadmissível. Os pensamentos de Caillois e Louis
Vax são semelhantes, a mudança primordial é que este se utilizou do termo
“inexplicável” ao invés de “inadmissível”. Para ele, o fantástico precisa estar
envolto da realidade, não se utilizando de uma aparição abrupta no real. O
fantástico está justamente dentro de nós, pertencendo a cada um dos seres
humanos, mas, ao mesmo tempo, é uma presença estranha.
129
Passando por esse alinhamento de ideias e conceitos acerca do fantás-
tico temos em Martinho (2010) uma condensação dos pontos que foram
trabalhados no decorrer da teoria. Para ela, a maior diferença no fantástico
clássico para o atual é que naquele havia muito esforço em manter uma des-
crição bem pontuada sobre o mundo real para que o fator fantástico fosse
percebido, e nesse o caminho é inverso: o autor usa da descrição do mundo
imaginário para que os eventos inusitados sejam do próprio mundo “real”.
Mas, uma coisa é certa, por mais que as diferenças entre técnicas e temas
existam, a atmosfera que envolve personagem e leitor é de pura inquietude.
Para Martinho (2010), ela analisa o fantástico como algo que está muito
além das explicações plausíveis, é necessário senti-lo e experienciá-lo, por
isso os temas são os mais variados, visto que as sensações humanas não se
restringem e estão em constante mutação e acúmulo de laborações. Den-
tre esses temas que deixam impressões conflitantes estão incesto, necrofilia,
morte, loucura e o duplo.
Segundo Gonçalves Neto (2011), não é possível saber a origem do duplo
com precisão, mas alguns estudiosos da área consideram a epopeia acádi-
ca-sumeriana Gilgamesh como marco inicial do duplo, visto que ela surgiu
antes mesmo da Bíblia – tendo influenciado algumas passagens dela –, mas
o continente ocidental só teve acesso a ela em 1872. Ainda antes da Bíblia
temos como discurso referente ao duplo no diálogo de Platão intitulado O
banquete, que data por volta de 380 a.C. e traz reflexões acerca do amor e
entre elas o mito dos andróginos. Esses eram seres além do gênero masculi-
no e feminino, e sendo dotados de ambas as características dos outros dois,
eram bastante poderosos e tinham consciência disso, ousando ameaçar os
deuses e recebendo o castigo de Zeus de serem divididos ao meio. Após uma
vida de longa busca por sua outra metade para a unificação, o deus reviu a
situação deles e os fez inteiros individualmente, mas ainda assim, no âmago
humano, há a necessidade de unir-se a outro, seu duplo.
O conceito do duplo sofreu alterações durante os séculos, pois a própria
literatura fora se modificando conforme a sociedade passava por momentos
de guerra, conflitos, descobertas e evolução. Antes do século XVII, o duplo
era apresentado por meio de duas pessoas que compartilhavam caracterís-
ticas físicas e psicológicas muito semelhantes ou eram exatamente o oposto
130
do outro. E, na maioria das vezes, o segundo personagem aparecia queren-
do usurpar a vida do primeiro, até que em algum momento da narrativa
surgiam as dúvidas sobre quem era o original, pois o espelho era perfeito.
Ainda conforme Gonçalves Neto (2011), após as últimas décadas do século
XVIII, com o surgimento do Romantismo, o aspecto do duplo mais recor-
rente era o de uma só pessoa física comportando duas personalidades que se
cindiam, chamando isso de fragmentação do eu.
A partir do século XIX, no campo literário ficcional, surge o ensaio teó-
rico de Freud, Das Unheilich, publicado em 1919, que traz a concepção de
uma sensação de estranheza dentro do universo familiar, podendo mesmo
ser dentro de nós – uma vez que questões como inconsciente e consciente
entraram em questão. Por falta de melhor tradução, o título mais apropriado
para o português foi O estranho (2014). Nele temos uma rica análise sobre o
contraponto semântico da palavra no alemão que, ao mesmo tempo, em que
carrega o sentido de estranhamento e angústia, toca no sentido de familiar e
acolhedor; a ambivalência que cabe bem ao duplo.
Sobre a questão da estranheza familiar, França (2009) diz que essa é a
questão que mais causa medo e desconforto dentro do duplo, pois o mal
não se valida como uma ameaça distante, mas sim próxima. Tão próxima
que chega a estar dentro de nós, como um intruso dentro da casa de verão
de nossos pensamentos. A condição do duplo é verdadeiramente ontológica,
pois se usando da mímesis ele chega a um ponto que não mais parece difun-
dir-se do “original”, já que possui sua própria essência. O duplo muitas vezes
vai ganhando força pelo rechaço, por essa fragmentação do eu que implica
em uma formação de si próprio. O que era um agora são dois.
Falávamos de Freud e seu conceito de unheilich, mas outro teórico da
área da Psicologia também contribuiu para os estudos acerca do duplo, mes-
mo que de uma forma indireta. Carl Gustav Jung consolidou a teoria dos
arquétipos: imagens primevas que, ao longo do tempo, por repetição, vão se
consolidando no inconsciente coletivo. Trazemos dentro de nós a sombra,
que é a parte da personalidade que muitas vezes escondemos de nós mes-
mos. E o que seria mais incômodo do que saber que não temos conhecimen-
to total de nossos julgamentos e atitudes? Assim, França (2009) parte dessa
conceituação dos arquétipos, mas usando o de persona, que é uma espécie
131
de encenação que serve para esconder o verdadeiro eu, que muitas vezes não
corresponde ou não é aceito socialmente. Para chegar a sua ideia da separa-
ção do duplo com seu original:
132
estivesse em débito com o proceder proficiente do copista, que,
desenhando aterra-se à letra (coisa que numa pintura é tudo
que os obtusos conseguem ver, não oferecia o pleno espírito
de seu original senão à minha contemplação e mortificação
individual. (POE, 2016, p. 33-34, grifo do autor).
Ele sofre com essa presença constante, e após algum tempo nessa rela-
ção simbiótica, ao mesmo tempo em que unilateral, os caminhos tornam-se
diferentes para ambos. Mas, já na fase adulta reencontram-se em um baile
de máscaras (relacionamos aqui perfeitamente à persona e sua intenção de
tentar esconder nossa sombra) e uma luta é travada, como se apenas um
pudesse existir.
133
tom é permeado de suspense e mistério, e é uma história marcada pelo cien-
tificismo vitoriano. Nela, Londres sofre com uma ameaça que se esgueira
pela noite causando pânico. A causa é um homem fisicamente disforme e
psicologicamente vil. O conhecido e respeitado doutor Jekyll contrata um
advogado e passa para ele um testamento deixando todos os seus bens para
um homem chamado Hyde, a quem se descobre que é a figura assustado-
ra. O advogado não consegue entender a relação dos dois homens: um tão
íntegro e um tão agressivo, mas conforme vamos lendo entendemos acerca
do elo intrínseco entre o doutor Jekyll e o senhor Hyde: compartilham o
mesmo corpo.
Enquanto pela manhã o primeiro é cavalheiro e honrado, características
prezadas pela sociedade, à noite a sua sombra torna-se externa com um me-
dicamento – base de uma experiência. Após tomar, conta:
Mas, muito além disso, a obra trabalha com a dualidade que todos os
humanos carregam, voltando novamente aos arquétipos de Jung que fazem
parte do inconsciente coletivo, às vezes um está mais em evidência que o
outro:
134
do que fez a si mesmo, despertando o que de mais controverso o ser humano
tem em seu cerne que, como vimos, é a sua sombra. Já a última obra citada é
O retrato de Dorian Gray, do autor Wilde (2000), na qual o duplo se dá por
meio de retrato que, em teoria, sempre representaria nosso protagonista no
auge de sua beleza e juventude.
O apego de Dorian ao seu retrato é tão grande que ele oferece a sua alma
em troca de se mantiver tão jovem quanto na pintura. Seu pedido é atendido
e, conforme o tempo passa, o rosto dele ainda está perfeitamente igual en-
quanto o do quadro cria rugas, expressões grosseiras e segreda seus crimes.
Chega a um ponto em que Dorian já não suporta aquela outra parte de seu
eu marcada pelas vicissitudes que, ao mesmo tempo em que responde a ele,
o manipula com a verdade. Após uma trajetória de atos hediondos, Dorian
assassina o pintor de seu quadro e seu crime fica marcado no rosto de seu
duplo:
135
em 1976, falou sobre o processo de duplicação, que concebe a ideia de um
original e de uma cópia, sendo normal que surja a dúvida de quem é um e
quem é outro, mas depara-se que a cópia não necessariamente é o duplo do
original. Rosset (2008, p. 48) afirma que muitas vezes o original é na verdade
o duplo “[...] o outro é este real aqui, ou seja, o duplo de um outro real seria,
ele, o próprio real, mas que sempre escapa e do qual nunca se poderá dizer
nem saber de nada”.
O conceito de duplo causa controvérsias, pois há várias possibilidades
de análise – o duplo como usurpador, como sombra, como figura antagôni-
ca, figura-espelho, em forma de objetos, em espectro de sexos opostos, por
meio de antropoformização e zoomorfização e modificam-se de acordo com
o tempo, a sociedade e a linha do autor. Graças às várias linhas de pesquisa
e às múltiplas possíveis interpretações das histórias, o aspecto do duplo den-
tro do campo da literatura fantástica fascina e proporciona notável fortuna
de estudo.
Referências
CESERANI, Remo. O fantástico. Trad. Nilton Cezar Tridapalli. Curitiba: Ed. UFPR, 2006.
FRANÇA, Julio. O insólito e seu duplo. In: GARCÍA, Flavio; MOTTA, Marcus Alexandre
(Org).O insólito e seu duplo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.
FREUD, Sigmund. O estranho. In: PEREIRA, Iuri (Org). Escritos sobre Literatura. Trad.
Saulo Krieger. São Paulo: Hedra, 2014.
MARTINHO, Cristina Maria Teixeira. A linguagem fantástica uma experiência sem limi-
tes. Cadernos do CNLF, Rio de Janeiro, v. XIV, n. 4, 2010.
136
GONÇALVES NETO, Nefatalin Gonçalves. No princípio... era o duplo. In: LOPONDO, Lí-
lian; ALVAREZ, Aurora Gedra Ruiz (Org.). Leituras do duplo. São Paulo: Ed. Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2011.
PLATÃO. Diálogos V: o banquete; Mênon (ou da virtude); Timeu. Trad. Edson Bini. São
Paulo: Edipro, 2010
POE, Edgar Allan. Contos de imaginação e mistério. Trad. Cássio de Arantes Leite. São Pau-
lo: Tordesilhas, 2016.
ROSSET, Clément. O real e seu duplo: ensaio sobre a ilusão. Trad. José Thomaz Brum. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2008.
STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Trad. Jorio Dauster. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras, 2015.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Trad. Maria Clara Correia Castello.
São Paulo: Perspectiva, 2012.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Trad. Maria de Lurdes Sousa Ruivo. São Paulo:
Ed. Abril Controljornal, 2010.
137
11
APONTAMENTOS SOBRE
O PERCURSO DO HERÓI
zabely Barbosa Farias
Neivana Rolim de Lima
139
Belerofonte, os grandes deuses do Olimpo. Os mitos indígenas
seguem a constante psicológica, Jurupari, Curupira, Mboitatá,
Anhanga, Caapora, o mito das águas com as iaras convencio-
nalmente brancas, louras e de olhos azuis, e os demais, popu-
lares nos processos de aculturação e convergência, europeia e
africana (CASCUDO, 2012, p. 112).
9
Herói da tragédia grega Édipo rei, de Sófocles.
140
Apesar do final trágico, o fato não apaga suas façanhas e o herói mostra
sua bravura ao mutilar seus olhos como símbolo de autopunição pelos seus
atos, qualidades ousadas, próprias do formato do herói.
Outro herói que podemos citar dos mitos é Hércules que realizou doze
trabalhos. Envolto de uma trajetória de façanhas e aventuras, ele também
possui um fim trágico ao determinar à Filoctetes que o queime vivo logo
após ser envenenado pelo sangue do centauro Néssus. Em contrapartida,
a morte do herói proporciona sua divinização, segundo Bulfinch (2000, p.
184):
141
11.3 A origem do herói na Literatura
142
o fato de ter existido sujeitos [...] que se destacaram por suas características
quase divinas e por seus feitos notáveis pode ser percebida em todas as culturas
primitivas. Todos os povos, em qualquer tempo, buscam para si um ‘herói’”.
Todos os povos buscam alguém para chamar de herói, um ser que atenda
às necessidades da população, o que confere a este um aspecto residual, um
símbolo que existe, se perpetua e se transforma permanecendo vivo em to-
das as culturas.
A presença do herói oferece ao homem o contato com o divino “[...] a
classe heroica, portanto, desde sua gênese, esteve ligada ao divino, à força,
ao que havia de mais excelente no mundo arcaico: os deuses.” (ARANTES,
2008, p. 16). Assim, existe uma dicotomia que o mantêm vivo
143
Após fazer um extenso apanhado dos diversos heróis mito-
lógicos e de suas buscas, Campbell (2007) apresenta um ar-
gumento em que os principais mitos seguem uma estrutura
comum, com pontos semelhantes em suas buscas. A este argu-
mento Campbell deu o nome de Monomito. (VALLE; TELLES,
2014, p. 4).
Desta maneira, percebe-se que, para o autor, ser herói é vencer, é superar
barreiras nos campos históricos e pessoais, neste mesmo sentido encontra-
mos as palavras de Arantes (2008), que acrescenta a ideia de transformação
para que se possa chegar ao verdadeiro sentido da concepção do que é ser
heroico. Vejamos:
144
Foram necessárias várias mudanças do herói tradicional, que podem ser
vistas como transformações, pois, como vimos anteriormente, no padrão
grego, “[...] o herói, na literatura, é oriundo das elites, que refletiam o con-
texto social do qual emergem. Ao passar do tempo, observam-se, na lite-
ratura, modos heroicos que se distinguem e se afastam ideologicamente.”
(ARANTES, 2008, p. 10). A sociedade mudou, as necessidades e anseios da
população mudaram, e “[...] esse processo de transformação do herói é pos-
sível identificar na narrativa de todas as épocas.” (ARANTES, 2008, p. 10).
A construção do herói está diretamente ligada às necessidades de deter-
minada época e de determinada população, nas palavras de Batistote e Coe-
lho, que analisam a imagem do herói na mídia impressa,
145
sentada o anti-herói Macunaíma, de Mário de Andrade, como “[...] uma
composição e uma reafirmação de brasilidade através da combinação cultu-
ral existente no Brasil” (OLIVEIRA; ANDRADE, 2010, p. 2), posto que ele
não possui as virtudes do herói clássico por não ter suas qualidades de força
e beleza, por conseguinte, se aproximando dos mortais. Segundo Oliveira e
Andrade (2010, p. 2):
Além disso, tem toques com a nobreza, pois se casa com Ci, mãe o mato,
mas não é exatamente um nobre porque não tem as qualidades nobres do
herói clássico das tragédias e epopeias, pelo contrário, é mentiroso e pregui-
çoso. Por isso, infere-se:
146
a obter uma perspicácia fortificada. [...] Por fim, a civilização
ocidental, que nos antecede com suas conquistas e feitos histó-
ricos, também nos deixou marcas aproveitáveis em nossa for-
mação. (OLIVEIRA; ANDRADE, 2010, p. 2-3).
Discurso esse que se confirma nas palavras de Maia (2013, p. 76) ao apon-
tar que “Mário de Andrade procurou manter-se, em geral, fiel ao modo de
construção dos heróis da mitologia amazônica”. Assim, retornamos aos es-
tudos de Campbell (2007, p. 21), pois “[...] seja o herói ridículo ou sublime,
grego ou bárbaro, gentio ou judeu, sua jornada sofre poucas variações no
plano essencial”. Logo, afirma-se que os heróis passam por transformações,
mas permanecem resíduos de sua formação remanescentes de outras épo-
cas. Desse modo, eles possuem características residuais, portanto, podem
ser analisados pela Teoria da Residualidade Literária e Cultural, pois como
cita Pontes (2014, p. 113) o resíduo é a “[...] brasa acesa e oculta sob cinzas,
à qual basta um sopro para voltar a ser chama”; e Macunaíma como herói
brasileiro é a representação do contato cultural entre índios, europeus e afri-
canos:
147
em convergência com a jornada comum a todos os heróis, a que Campbell
(2007) denomina separação-iniciação-retorno.
Assim como os demais heróis, o herói sem nenhum caráter passa por
um período de afastamento do lar para iniciar sua jornada. Sucessivamente,
como iniciação a sua trajetória, vai para São Paulo para recuperar o mui-
raquitã, o elemento mágico de sorte, e formula estratégias para vencer o
monstro Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã. Também em São Paulo,
ele começa a aderir novas culturas, vejamos: “[...] enquanto o herói esperava
uma oportunidade de reaver o muiraquitã, adaptava-se à vida urbana, aos
costumes e à língua dos civilizados.” (MAIA, 2013, p. 93).
Por fim, temos o retorno ao seu local de origem depois da jornada e sua
transformação na constelação Ursa-maior após a morte de sua parte huma-
na, esse processo ocorreu por conta da
148
elementos sobrenaturais ele é preparado para a aventura e, sucessivamente,
para enfrentar as primeiras provas. Posteriormente ao processo de iniciação
do herói, temos as provas, os perigos, as tentações, as façanhas e as vitórias
que auxiliam na construção de sua glória. Por fim, temos o inevitável retor-
no do herói, necessário “[...] à contínua circulação da energia espiritual no
mundo e que, do ponto de vista da comunidade, é a justificativa do longo
afastamento, pode se afigurar ao próprio herói como o requisito mais difícil”
(CAMPBELL, 2007, p. 20), pois o herói firma sua glória e fama com sabedo-
ria como reflexo para a sociedade de seu tempo.
Apesar de possuírem elementos residuais em sua jornada, o autor forma
o herói conforme as necessidades de seu tempo e sociedade, assim ele possui
elementos de outros heróis e aparece com uma nova roupagem, isto é, surge
híbrido e cristalizado. Logo, o autor constrói a jornada do herói, assim como
o homem se constitui no viver em sociedade, como o aluno se desempenha
em seu trajeto escolar, como o cidadão exerce a cidadania em sua carreira
pública com suas reminiscências e singularidades.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
149
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Trad. Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensa-
mento, 2007.
CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. São Paulo: Global Editora, 2012.
MAIA, Gleidys. Antitradição Literária Brasileira. Manaus, AM: UEA Edições, 2013.
MOISÉS. Leyla Perrone. Os heróis da literatura. Estudos Avançados, v. 25, n. 71, 2011.
SÓFOCLES. Édipo rei. Trad. Jean Melville. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012.
VALLE, Cléa Fernandes Ramos; TELLES, Verônica. O mito do conceito de herói. Revista
Eletrônica do ISAT, v. 2, ed. 1, p. 1-6, dez. 2014. Disponível em: <http://www.revistadoisat.
com.br/numero2/01_O_Mito_do_Conceito_de_Heroi_Clea_e_Veronica.pdf>. Acesso
em: 15 abr. 2017.
150
HISTÓRIA, LITERATURA E TRAUMA:
A PESQUISA LITERÁRIA SOBRE O CONTEXTO
12
DA DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL
12.1 Introdução
151
se trata de formular uma receita para todo o tipo de obra, pois cada uma tem
suas especificidades, mas que busca um caminho nas narrativas de Kucinski,
em especial.
152
falta de respostas sobre os quase 500 desaparecidos políticos, na morte de
indígenas na Amazônia em nome de um suposto desenvolvimento para a
região, na concentração de renda acentuada, principalmente durante o cha-
mado “Milagre Econômico”, entre outros.
153
12.4 A pesquisa em História e em Literatura
154
Mas por que não confiar apenas nas fontes oficiais? É necessário entender
o papel da ideologia na história. Tudo é ideológico, não há como negar e não
há como fugir disso. Sendo assim, é necessário que se analise vários pontos
de vista de um mesmo fato, para que possamos “dar voz” às vítimas de acon-
tecimentos traumáticos, principalmente das ditaduras da América Latina,
onde ainda hoje se percebe um relativo apoio de uma parte da sociedade
às suas políticas de violação dos direitos humanos. Por isso, a Literatura é
tão importante para analisarmos estes tempos sombrios, pois ela é capaz de
“dar voz” a essas pessoas que foram violadas durante períodos autoritários.
Leiamos, então:
155
Estudar a História e a Literatura são essenciais para se entender contex-
tos, narrativas oficiais e não oficiais, ampliando a discussão e o entendimen-
to de momentos chaves para o nosso país. Ao fazermos da literatura uma
fonte de contextualização de certo período, procuramos aclarar não apenas
vozes ocultadas, mas também prover a literatura de uma importância nem
sempre reconhecida. Temos, portanto, com a pesquisa envolvendo história e
literatura, uma importante fonte de aclaramento da nossa sociedade.
156
ainda escreve algo mais impactante: os escritos foram concebidos para sanar
uma urgência interior. Esta é uma das características da literatura de teste-
munho, ela é fragmentada, busca sempre uma linguagem limpa, abrindo
mão de muitos recursos metafóricos, fazendo com que as palavras traduzam
esse sentido de urgência. Conforme diz autor Levi (1998, p. 8):
157
mais voz: a multidão anônima que era continuamente reno-
vada pelos inúmeros comboios vindos de todas as partes da
Europa, a todos aqueles homens, mulheres e crianças que não
têm rosto – a todos os assassinados. (ANTONELLO, 2016, p.
100).
Falar pelo outro acaba sendo uma missão nobre e, ao mesmo tempo, so-
frível, pois não se diz tudo. Não tem como dizer tudo, não há como externar
a voz dos que sofreram ainda mais do que a própria testemunha, e o códi-
go linguístico, em sua limitação, faz com que o testemunho não seja total,
nunca será. Outra grande dificuldade do ato testemunhal nesse contexto do
trauma, é que ele está sempre preso a uma representação do presente, pois
o ato de rememorar nunca é completo, é sempre um exercício complexo de
juntar fragmentos que nem sempre são suficientes e confiáveis. Como diz
Seligmann-Silva (2006, p. 210): “O ato de recordação está sempre ancorado
a um presente”.
Sendo assim, o objetivo desta fase da pesquisa é mostrar como esse teste-
munho é escrito, qual a necessidade para a sua feitura, analisando o que foi
dito e o que não pôde ser dito. A literatura de testemunho tem essa força de
nos tirar do raso histórico, de determinar outras vozes para contar o que se
passou, vozes de quem realmente fez parte de um recorte histórico traumá-
tico e que necessita no ato de testemunhar, não apenas por si, mas também
pelo/pelos outros. Estudar estes escritos não é uma opção meramente acade-
micista, é uma responsabilidade como pesquisador e cidadão no sentido de
dar visibilidade aos muitos silenciamentos da nossa sociedade.
158
anos 1960 e 1970. Freud, famoso “pai da psicanálise”, começa a desenvolver
suas teorias e o trauma tem um papel importante dentro dos seus estudos.
Mesmo que esse conceito tenha sido desenvolvido e ampliado ao longo do
século XX, Freud (1969, p. 45 apud SANTOS 2012, p. 717) nos dá o primeiro
princípio teórico sobre o tema:
159
lham as etapas que esta pesquisa busca percorrer nesta pesquisa, buscando,
como já dito, não apenas o aspecto narrativo, mas todo o contexto histórico,
testemunhal e traumático das histórias de K. relato de uma busca e Você vai
voltar pra mim e outros contos.
160
Pronto, estava instalada a tragédia. O que fazer? Os dois filhos,
longe, no exterior. A segunda esposa, uma inútil. As amigas da
universidade em pânico. O velho sentiu-se esmagado. O corpo
fraco, vazio, como se fosse desabar. A mente em estupor. De
repente, tudo perdia o sentido. (KUCINSKI, 2016, p. 19).
161
3 – Resiliência: esta etapa marca a tentativa das personagens de tentar su-
perar o trauma por meio alguma ação, mesmo que ela demore décadas para
acontecer. A pesquisa buscará analisar a procurar de alternativas para que
o acontecimento traumático se torne em um aprendizado ou, pelo menos,
em algo que não seja tão extenuante do ponto de vista físico e emocional. A
resiliência marca uma etapa importante nas narrativas, buscando encontrar
caminhos para viver além do sofrimento que limita a vida e provoca a de-
sestruturação emocional de um personagem específica ou de várias perso-
nagens dentro da narrativa.
Agora, vamos para o livro Você vai voltar pra mim e outros contos, onde se
encontra o conto “O velório”. Neste conto, o velho Antunes, pai de Roberto,
decide que é hora de enterrar o filho. Mas, como enterrar alguém que está
desaparecido? É aí que se encontra a questão da resiliência na narrativa.
A personagem Antunes, após décadas convivendo com o trauma do filho
desaparecido, decide que é hora de enfrentar o fato de que o filho não mais
voltará e o enterra simbolicamente, para si e para a sociedade. Assim, enter-
rar o filho não era apenas um ato para Roberto, mas também para Antunes
e sua família, era preciso “enterrá-lo”. Conforme o exemplo:
162
apenas por meio de fontes históricas oficiais, mas levando em consideração
o que a literatura tem a dizer, essa que não cala vozes silenciadas pelo tempo
ou pela própria história. Escrever sobre o testemunho e, consequentemente,
sobre o trauma, nos leva a um outro entendimento sobre o íntimo dos que
foram torturados, assassinados, mas, em especial, à intimidade das famílias
que tiveram parentes que sofreram os abusos durante os anos do regime de
exceção. O livro é um recorte, não busca ser uma totalidade do que ocorreu,
é ficção, mas não deixa de ser real, pois como escreveu Kucinski em K.: rela-
to de uma busca: “Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu.”
(KUCINSKI, 2016, p. 11).
A metodologia presente neste artigo visa preencher uma lacuna bem par-
ticular da pesquisa sobre a ditadura militar nos livros de Bernardo Kucinski.
Não podemos entendê-la como uma metodologia universal, pois cada obra,
cada autor, cada análise, cada pesquisa tem um entendimento bem próprio
para alcançar seus objetivos. No entanto, esta metodologia visa ajudar, prin-
cipalmente aos que começam no campo da pesquisa, a entender e elaborar
um caminho para a sua investigação.
Pesquisar a literatura referente a este período em especial é necessário
para que as obras sejam conhecidas, analisadas e que nós possamos conhe-
cer, não apenas o período em si, mas todas as feridas ainda abertas em nossa
sociedade. Entender as personagens é essencial para o entendimento daque-
le recorte histórico, muito glorificado por parte de nossa sociedade, ainda
mais em nossos dias, onde a violência e a violação de direitos são relativiza-
das.
Buscar a reflexão nos livros de Bernardo Kucinski é mergulhar em um
período tenebroso para todos nós, é nos inundar por um passado que in-
siste em não passar mesmo que a cada dia se torne mais distante. As feridas
abertas continuam a sagrar e as pesquisas sobre a ditadura civil-militar de
1964 buscam, da pior e melhor forma possível, reviver para curar, mesmo
que essa cura seja algo distante ou até impossível de acontecer.
163
Referências
ANTONELLO, Diego Frichs. Trauma, memória e escrita: uma articulação entre a litera-
tura de testemunho e a psicanálise. Data: fevereiro/2016. 158 folhas. Tese (Doutorado)–
UNIRIO/CCH/Programa de Pós-graduação em Memória Social, Rio de Janeiro, 2016.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
BOSI, Alfredo. O ser o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
KUCINSKI, Bernardo. K.: relato de uma busca. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
______. Você vai voltar pra mim e outros contos. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
LEVI, Primo. É isto um homem. Tradução de Luigi del Re. Rio de Janeiro, Rocco, 1988.
SANTOS, Vivian Braga dos. Reflexões sobre o lugar do trauma: uma análise da exposição
“MemoriAntonia”, ou “A alma dos edifícios”. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE
(EHA), 8., 2012, Campinas, SP. Anais... Campinas, SP: UNICAMP, 2012.
164
13
A EXPRESSÃO E CULTURA AMAZÔNICA
NA LITERATURA
165
ciedade. Portanto, se faz necessária uma abordagem empírica com métodos
apropriados de estudo e pesquisa.
Nesse sentido, é preciso o uso de métodos que, ao serem aplicados dentro
das pesquisas, tragam mais facilidades e possa ajudar de modo mais efetivo
durante toda a caminhada acadêmica. As discussões metodológicas sobre
Literatura, segundo Souza (2014), em seu artigo A questão do método nos
estudos literários, revela que a teoria da literatura nasce diante do signo da
discussão metodológica. Apesar disso, a questão da problemática do méto-
do continua em nossos dias.
Se a abordagem metodológica dentro da Literatura como um todo ainda
se organiza e causa discussões, apesar dos grandes avanços que a área vem
ganhando mediante os esforços das universidades, no que se refere a meto-
dologias de estudos literários amazônicos, essa organização se define como
um quase nada de desenvolvimento.
Esse problema é sentido por toda a classe acadêmica. Por isso, a grande
dificuldade que o graduando, ou até o pós-graduando, tem em organizar
uma pesquisa sobre Expressão Amazônica. Na verdade, é encontrado muito
trabalho sobre a Amazônia no campo de outras Ciências Humanas como a
Antropologia e a Sociologia, mas no campo da Literatura, os estudos ainda
se encontram em fases iniciais. Mesmo assim, quando o assunto é um estu-
do abordando sobre métodos e metodologia, essa problemática tristemente
agrava-se, gerando uma lacuna que deve ser preenchida. O método, confor-
me Souza (2014, p. 475), sem a devida aplicação dentro da literatura, pode,
pois:
166
Dentro da importância do método em manter um sistema seguro de es-
tudo e pesquisa, este capítulo tende a abordar essa questão mostrando um
caminho muitas vezes deixado de lado quanto à compreensão dos estudos
sobre a Literatura Amazônica, observando-a com toda a sua conjuntura cul-
tural e histórica.
Nesse sentido, a metodologia de construção da pesquisa sobre a Ama-
zônia deve se perguntar: de que forma a cultura dos povos dessa região da
América Latina, em especial, em terras brasileiras foi constituída? Como foi
a sua formação cultural e sua evolução social, política e humana na cons-
trução desse povo que teve em sua formação? Segundo Pontes Filho (2011),
através das pesquisas em 1976, de Willian Denevan, 6,8 milhões de habitan-
tes na área da grande Amazônia, e, só na área da bacia Amazônica, cerca de
5 milhões de habitantes antes da chegada do homem Europeu.
Daí nosso raciocínio que entender a Amazônia na construção de conhe-
cimento não é algo fácil e nem simplório, mas passa por um estudo residu-
al10 e complexo para entender a sua história e a constituição de sua expressão
cultural. Morin (1999, p. 19) diz:
Por isso, antes das teorias literárias convencionais é preciso buscar o co-
nhecimento complexo e residual de uma Amazônia que vai se formando de
forma fragmentada em que cada parte é composta de um mundo complexo
próprio.
Tudo isso está de modo substancial nas obras literárias produzidas nos
estados que compõem a Amazônia, além, dos autores que são de fora da
região, não formados politicamente e socialmente nessa cultura, mas que
falam sobre ela. Como exemplo, podemos destacar o autor Ferreira de Cas-
7
Compreendemos aqui construção histórica, cultural e literária amazônica enquanto híbrida (Brasil,
Europa e África), conforme encontramos dos pressupostos organizados por Pontes (1999).
167
tro e seu Romance A Selva, além de outros, que muitas vezes cheios de uma
visão irreal e de preconceitos a representem de forma deformada em seus
textos literários, como exemplo, temos a visão do assim conhecido, poeta
do Genocídio, Henrique João Wilkens, que narrou e glorificou em seu poe-
ma Muhuraida, o extermínio covarde dos índios Muhura. Seu texto é pobre
no que diz respeito às formas poéticas, sendo feito para bajular a empresa
colonial, mas seu conteúdo histórico é importante para que tenhamos uma
ideia do que aconteceu com a maioria dos povos que habitavam a região do
grande vale.
Bueno (apud GADELHA, 2013, p. 29) afirma que
168
do local descrito, tentam ao máximo representar aquela cultura através de
sua expressão artística, por isso que em seu livro Estudo analítico do Poema,
Candido (1996, p. 17) afirma que:
169
textos ficcionais. As obras literárias se desenvolvem a partir da sua realidade,
dos sentidos atribuídos por um sistema real, em que a cultura, a história, a
filosofia, e o pensamento do povo que está sendo representado tornam-se
presentes. Recorrendo às palavras de Eco (2002, p. 91):
170
A compreensão do passado da Amazônia cheio de antagonismo e evolu-
ção orquestrada através da força e da destruição de seu povo em sua consti-
tuição como região brasileira, por isso Souza (1978, p. 17) declara:
Pensar a Amazônia é pensar sobre o povo que vive e faz dela seu lar, sua
forma de vida, seu passado e sua relação com o meio que vivem. É pensar
171
nos indígenas, nos seringueiros, nos garimpeiros, nas mulheres ribeirinhas,
nas benzendeiras, ou aquelas que trabalham na colheita da castanha e na
lida com a juta, gente que depende da floresta e dos rios. Assim, comunida-
des inteiras que vivem e são desconhecidas pela ação governamental, vista
como terra quase inabitada, longe da “civilização”, um lugar onde só há rio,
florestas, bichos selvagens e nativos que andam nus e dançam ao redor da
fogueira. Pensamento este limitado, em que nem as capitais, com todo o seu
desenvolvimento, dele escapam.
No que diz respeito aos primeiros habitantes, a Amazônia teve em sua
região a maior concentração de população indígena no Brasil, divididas em
várias etnias e em vários grupos linguísticos que se perderam no decorrer
do tempo, devido a investida do branco colonizador “faminto” pelo desejo
de conquista e poder. Apesar disso, ainda hoje, a região Amazônica possui o
maior número de indígenas do país, conforme Pontes Filho (2011), somente
no estado do Amazonas estão cerca de 84 mil índios de um total de 358 mil
índios de 225 diferentes sociedades e que falam 180 línguas diferentes que
existem hoje no Brasil.
Esses números tende a diminuir pelos constantes ataques e o desfaleci-
mento da cultura indígena, vista pelo brasileiro como cultura inferior e que
deve ficar a margem da própria História. Segundo Souza (1978, p. 29), “A
Amazônia índia é um anátema, um purgatório onde culturas inteiras se es-
facelam no silêncio e no esquecimento”. Esse conflito deve ser entendido
como parte significante do que se faz presente na sociedade, o mesmo Souza
(1978) vai dizer que ele é sentido na pele, se revelando diariamente nas ruas
da cidade.
Isso nos leva a afirmar que a situação dos povos indígenas nos afetam
diretamente, afinal, a Amazônia é uma relação de povos: Brancos, negros,
nordestinos do período da borracha e logo depois os imigrantes como Ju-
deus, Libaneses e Japoneses. Desta relação, nem sempre amistosa, nasce o
homem Amazônico com a alma cabocla:
172
entre outros, dos portugueses, espanhóis, imigrantes nordes-
tinos e de outras regiões do Brasil. (BATISTA apud BITAR,
2010, p. 3).
173
39), poeta Amazonense, fala da cidade e com ela seus problemas sociais, me-
taforizando de forma que o eu lírico observa os acontecimentos da cidade
enquanto sente as dicotomias dela por seu ser existencial:
[...]
de azul demais é a luz dos olhos
que espiam, em constante claridade,
o escorrer , como um rio, uma cidade
com seus becos e sombras – vão mistérios.
174
lizam na representatividade da cidade a cultura e tudo o que nós já falamos
até aqui. Um dos romances de Souza (1997, p. 51), chamado Lealdade, o pri-
meiro de uma tetralogia que fala sobre a história das capitanias de Grão-Pa-
rá e Rio Negro, vai representar uma cena da vida da capital do Pará, Belém,
observada pelo narrador Personagem
Por todos esses aspectos apresentados é que elas se configuram como es-
paço importante para reconhecer que os dois mundos que existem na Ama-
zônia, ambos complexos, a floresta e as cidades, mundos diferentes, mas que
estão mais ligados do que seus habitantes pensam.
175
Tudo é o rio: seus infindáveis igarapés, as praias de areia muito
brancas, o brilho de lantejoula negra e coruscante ao sol, seu
humor, um dia vem outro vai, um dia sobe outro desce. É gê-
nese da Manaus e da vida.
176
dral dorme uma gigantesca cobra, o repouso dela é causado pela imagem de
Nossa Senhora do Rosário. Se por acaso a imagem for removida da Igreja,
ou da cidade, a cobra acordará e afundará Itacoatiara.
Nesta lenda, nitidamente podemos perceber a hibridação com a religiosi-
dade cristã. O mal é representado pela serpente, a bondade e a fé em Cristo
pela imagem de Nossa Senhora. Enquanto a fé em Deus existir (Igreja), ne-
nhum mal poderá acontecer; mas se o homem se afastar da fé, então o mal
tomará conta de tudo e o caos se instalará.
A lenda da Cobra Grande, não pertence somente a Itacoatiara, outras
cidades do Amazonas também tem o mesmo conto lendário: muda-se so-
mente o nome da Igreja, o município e o nome da Santa. No livro Seres Ama-
zônicos, cujo organizador é o paraense Maurício Coelho, um conto chamado
Runolfo e o Encantamento da Cobra Ajuritana, fala da lenda cobra e mostra
dentro da realidade amazônica a relação do ser fantástico com o aspecto
social da criança que sofre torturas pela mãe:
177
13.2.6 A afirmação da cultura híbrida
178
O método para pesquisa em expressão e cultura amazônica é um mo-
delo em construção. Conhecer a Amazônia, sua constituição como cultura
híbrida, a sua formação pós-colonial, seus dilemas, bem como o povo que
a habitam, suas lendas e sua tradição espiritual são importantes dentro de
estudos voltados para essa região, pois justamente conduzem o pesquisador
a entendê-la de forma racional e sem estereótipo.
Entender a Amazônia significa saber que as implicações que acontece-
ram desde que o colonizador chegou nesta terra e as consequências dessa
posse exploratória e de todos os eventos que daí se sucederam. Em especial,
na época da borracha, em que na ilusão da riqueza e do poder de alguns, re-
presentaram a morte e a escravidão de centenas de homens e mulheres. Isso
nos revela a Amazônia que sempre se rendeu à exploração, onde a esperança
de uma Zona Franca que fizesse com que a região enfim pudesse desenvol-
ver-se de modo eficiente, acabou sendo outra ilusão, virando uma constante
ameaçada de forças contrárias do sul e sudeste do país. Homens e mulheres
amazônicos chegaram a acreditar que aqui seria o lugar para o seu desen-
volvimento intelectual, que seria seu lugar de poder; não esperavam e até
hoje resistem diante da chefia de pessoas de fora da região em montadoras:
a Zona Franca foi, na verdade, o espaço para montadores, ficando a linha de
produção com os trabalhadores da terra.
Por isso, este método (em construção) aqui proposto, deve servir como
base, ou luz, para estudantes, professores e pesquisadores que desejem uma
melhor maneira metodológica de seguir suas pesquisas sobre expressão e
cultura amazônica, ainda pouco desenvolvida. Nesse sentido, esperamos
que mais pesquisadores possam contribuir com este método, podendo, as-
sim, melhorar a dinâmica e a reflexão sobre ele, de modo que, a literatura da
Amazônia possa encontrar cada vez mais seu espaço, não como algo peri-
férico, mas como literatura de primeira linha, capaz de representar o Brasil
diante do mundo, pois, é realmente isso que ela é.
179
Referências
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 3. ed. São Paulo: Humanitas Publica-
ções-FFLCH/USP, 1996.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2002.
HATOUM, Milton. A cidade ilhada. São Paulo: Companhias das Letras, 2007.
180
PENAFORT, Ernesto. Azul Geral. Manaus: Valer, 2005.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez.
______. Lealdade: um país morreu para o Brasil nascer. São Paulo: Marco Zero, 1997.
SOUZA, Roberto Acízelo de. A questão do método nos estudos literários. Revista Letras de
Hoje da Área de Estudos e debates em linguística, literatura e língua portuguesa da PUC-RS,
Porto Alegre, v. 49, n. 4, p. 471-476, 2014.
VAL. Vera do. Histórias do rio Negro. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
181
ESTUDOS CULTURAIS:
14
UM MÉTODO DE ABORDAGEM
PARA A ANÁLISE DE OBJETOS LITERÁRIOS
183
que os métodos de procedimento se unem às “[...] etapas mais concretas da
investigação com finalidade mais restrita em termos de explicação geral dos
fenômenos e menos abstratas.” (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 106).
Segundo Demo (1981), nos métodos de abordagem veem-se os métodos
indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e dialético. Em pesquisas organiza-
das com o amparo dos Estudos Culturais, com a finalidade de refletir sobre
o aspecto teórico-metodológico, por meio de arcabouço conceitual e dos
padrões formadores de suas práticas de análise, já foi encontrado o mate-
rialismo cultural de Williams como método utilizado em trabalhos que se
organizam em interlocução e ampliam o materialismo dialético de Marx e
Engels (COIRO-MORAES, 2011, 2012, 2014).
Assim sendo, a análise cultural se encontra nos métodos de procedimen-
tos que, segundo Lakatos e Marconi (2003), “pressupõe uma atitude con-
creta em relação ao fenômeno”; ou como “um dos métodos que indicam os
meios técnicos da investigação”, segundo Gil (2008, p. 15):
184
procedimentos de coleta de informações”, é permitido dizer que ao oferecer
instrumentos analíticos harmônicos aos padrões de suas concepções, a aná-
lise cultural constrói-se através do método do materialismo cultural.
Corroborando com a afirmação de que “[...] o materialismo cultural se
fundamenta na e subsidia a análise cultural” (COIRO-MORAES, 2014, p.
237), este texto se pauta no aspecto conceitual referente à epistemologia dos
Estudos Culturais no tocante às suas práticas de análise, ou seja, na sua for-
ma de proceder de análise.
Logo, as pesquisas feitas no âmbito dos Estudos Culturais investigam sua
estrutura conceitual e os padrões de suas práticas de análise, consolidadas
nas especificidades, particularidades e contextualizações conjunturais atuais
produzidas em seu nome.
Para aqueles que intentam utilizar o referencial teórico-metodológico
dos Estudos Culturais em suas pesquisas, marcando assim a análise cultural
como um instrumento de análise que perpassa o materialismo cultural nas
relações estabelecidas entre o método analítico e o método de abordagem,
convém situar, para tal fim investigativo, a palavra cultura em seu sentido
antropológico concebendo a seguinte ideia:
185
A acessibilidade da cultura vivida de um momento e de um lugar de-
terminado só é plenamente possível para quem neles vive. Enquanto que
a cultura registrada (a arte até os acontecimentos cotidianos) se define e é
definida por um tempo e lugar específico e compõe boa parte do que é o
suporte documental dos historiadores. Logo, a cultura da tradição seletiva,
uma vez que o que sobrevive não é determinado por seu próprio tempo, mas
pelos tempos posteriores que gradativamente compõem uma tradição. Se-
gundo Williams (2003, p. 59), “Teoricamente, um período se documenta; na
prática, essa documentação é absorvida por uma tradição seletiva, e ambos
os momentos são diferentes da cultura vivida”. Para ele, a tradição cultural,
em dada sociedade, pode ser vista como um continuum de seleções que, com
o tempo, eliminam ou redesenham determinadas interpretações para gerar
outras, uma vez que “[...] a tradição cultural não é somente uma seleção, mas
também uma interpretação.” (WILLIAMS, 2003, p. 61).
Dessa forma, a análise cultural, segundo Williams, deve apresentar as in-
terpretações, as alternativas históricas e os específicos valores contemporâ-
neos pelos quais são elencados para o presente uma obra, um acervo ou a
experiência de um sujeito em determinado tempo e lugar, atentando para o
que ele define como “estrutura de sentimento”, para a dificuldade da apreen-
são analítica do que seria uma “sensação vivida”, da maneira como percebe-
mos as combinações específicas de um modo de pensar e viver, próprios de
um determinado tempo-espaço (WILLIAMS, 2003, p. 57).
O pesquisador pode identificar através das “estruturas de sentimentos”
as manifestações emergentes e pré-emergentes de resistência e oposição às
práticas e às ideologias hegemônicas vigentes na ordem social, que não apa-
recem apenas como fluxos, mesmo embrionárias. A “estrutura de sentimen-
tos” expressa uma fase incipiente de mudanças na organização social. Sua
existência é social, material e histórica (WILLIAMS, 2003, p. 57).
Quanto à questão da experiência, Williams (2003) esclarece ainda que
elas se articulam em ordem emocional e reflexiva. Segundo ele, a de ordem
emocional particulariza aquelas compartilhadas por determinado grupo so-
cial, enquanto que a reflexiva, em suas relações de sujeitos com as estruturas
institucionais. A visão de mundo, a ideologia e a consciência são marcadas
pelo sentimento que proporcionam significados vividos e sentidos ativa-
186
mente, levando-se em conta que as suas relações e crenças formais ou siste-
máticas são variáveis, inclusive historicamente, em relação a vários aspectos
(WILLIAMS, 1979, p. 134).
187
14.2 Estudos culturais
188
cante ao sexo, classe e raça, uma vez que esta relação com a re-
alidade comporta uma visão particular da mesma, dependerá
do lugar que é atribuído socialmente a cada um. A construção
dos seres humanos se dá através da relação de uns com os ou-
tros. (IZQUIERDO, 1990, p. 199).
189
a) a que se centrou no estudo dos fenômenos de
mercantilização generalizada, influenciados pela
cultura contemporânea. Nesta linha, é relevante
observar as contribuições trazidas pela Escola
de Frankfurt, através de uma postura crítica
e da agenciosidade recomendada por Marx.
Concentra-se nas relações entre o poder e os
mercados, articulando-os com a cultura popular, ou
desenvolvendo as relações entre textos e audiências,
seguindo os estudos de Pierre Bourdieu e Certeau;
190
e) e, finalmente, a dos estudos dos fenômenos
relacionados com a Globalização, ligando-a
às questões de desterritorialização da cultura,
movimentos transnacionais de pessoas, bens e
imagens. Há ainda neste tipo de investigação
questões que envolvem a nova sociedade em rede,
fenômenos de terrorismo, choques civilizacionais, a
crise ambiental global, entre outras.
[...] sistema de significações mediante o qual necessariamen-
te (se bem que entre outros meios) uma dada ordem social
é comunicada, reproduzida, vivenciada e estudada [...] mas
também todas as 'práticas significativas' – desde a linguagem,
passando pelas artes e filosofia, até o jornalismo, moda e pu-
blicidade – que agora constituem esse campo complexo e ne-
cessariamente extenso.
Cultura, para Williams (1992), são os modos pelos quais a sociedade pro-
duz sua existência, seu estilo, comunica-os e os ressignifica. A pesquisa deve
enveredar por esse caminho. Destarte, pode-se ainda considerar que na vi-
são de Williams (2011) a análise do objeto cultural é política, conjuntural e
articula produção e consumo cultural.
Partindo desse conceito de cultura, e, segundo Veiga Neto (2003, p. 20),
de que método é “[...] um conjunto de procedimentos de investigação e aná-
lise quase prazerosos sem maiores preocupações com regras” ou a de que é
“[...] certa forma de interrogação e um conjunto de estratégias analíticas de
191
descrição”. Conforme Larrosa (1994), caminha-se em direção ao desenvol-
vimento do método a ser seguido em qualquer estudo literário que tenha
como escopo uma pesquisa nas bases dos Estudos Culturais.
Entretanto, como afirma Hall (1972, s.p.), o investigador deve atentar
para o fato de que “[...] os estudos culturais não constituem uma área de
regulamentação disciplinar, ou seja, que vale qualquer tipo de ação desde
que o autor opte por se denominar ou se posicionar dentro do seu projeto e
prática”, desse modo o objetivo é investigar tanto os eixos teóricos quanto o
método existente na própria gêneses dos Estudos Culturais.
a) Metodologia etnográfica;
b) Abordagem textual;
c) Estudos de recepção.
d) A Metodologia Etnográfica, segundo Rorty (1989),
compreende essencialmente os procedimentos de observação
participantes, entrevistas em profundidade e grupos focais. O
elemento fundamental dessa metodologia é a concentração
no detalhe do quotidiano, enquadrando-o no todo da vida
social. Em função disso, articula de maneira profunda e
fundamentada a abordagem empírica e teórica. Não busca
propriamente a “verdade objetiva”, mas a compreensão do
significado mais profundo dos discursos e das representações
sociais e culturais. Faz-se apta, portanto, para tratar questões
de cultura, estilos de vida e identidades.
192
Na Abordagem Textual, o texto, na perspectiva semiótica de Neale (1980)
e Todorov (1977) é visto como um signo, no qual procura-se encontrar ide-
ologias e mitos; já na essencialmente ligada à teoria narrativa, estes são vis-
tos e compreendidos como histórias que procuram explicar o mundo e fa-
zem-no de forma sistemática, em uma estrutura frequentemente repetitiva
e pela abordagem desconstrucionista de Derrida (2002), seja no campo da
literatura, seja no âmbito da literatura pós-colonial, busca surpreender os
pares hierárquicos clássicos da cultura ocidental, tais como homem/mulher,
preto/branco, realidade/aparência entre outros, distinguindo o que um texto
diz daquilo que ele significa.
E, finalmente, no tocante aos Estudos de Recepção, a investigação parte
do princípio de que o sentido de um texto é ativado pelo leitor, audiência ou
consumidor. O objeto de estudo desse tipo de investigação é o modo como
tal processo se desenvolve em cada contexto histórico e social.
A investigação que se vale dos Estudos de Recepção, desenvolve-se atra-
vés de duas linhas fundamentais:
193
também se apresenta o corpus de análise de qualquer pesquisa, que também
será construído pelos discursos, pelos espaços institucionais, condições eco-
nômicas e políticas. Logo, todo o apanhado documental a ser compilado
pelo pesquisador deve ser tido como um monumento que se autodescreve e
de suas relações com os discursos. Enfim, o corpus se apresenta em processo
de construção no devir da pesquisa.
Outrossim, alerta-se para o fato de ser este texto introdutório e refletir
uma pesquisa que futuramente deverá ser desenvolvida em sua profundi-
dade. Pretendeu-se, com ele, o reconhecimento dos Estudos culturais en-
quanto método no âmbito da pesquisa acadêmica, frente a uma abordagem
qualitativa, juntamente a outros saberes de múltiplas culturas, instâncias e
práticas sociais. Vale ressaltar, pois, que certamente outros trabalhos exis-
tem e que o caminho aqui apresentado não se encerra. Novos olhares e pers-
pectivas, indubitavelmente, são possíveis.
Referências
BARKER, Chris. Cultural Studies: theory and practice. 3 ed. Los Angeles/London: Sage,
2008.
BORDINI, Maria da Gloria. Estudos culturais e estudos literários. Letras de Hoje, Porto
Alegre, v. 41, n. 3, p. 11-22, set. 2006 . Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/
ojs/index.php/fale/article/view/610/441>. Acesso em: 27 jul. 2017.
CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2016.
194
lise de telejornalismo: desafios teórico-metodológicos. Salvador, BA: Edufba, 2012
______. Estudos culturais. In: SOUZA, Rose Maria Vidal; MELO, José Marques de; MO-
RAIS, Osvando J. de (Orgs.). Teorias da Comunicação: correntes de pensamento e meto-
dologia de ensino. São Paulo: Intercom, 2014.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. Tradução: Sandra Vasconcelos. São
Paulo: Beca, 1999.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo, Atlas. 1981.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas. 2008
______. Encoding/decoding. In: HOBSON, Doothy et al. Culture, media, language: working
papers in cultural studies. London: Hutchinson, 1980. p. 35-74.
______; SOVIK, Liv (Orgs.) Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Hori-
zonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003.
195
ISER, Wolfgang. The act of reading: a theory of aesthetic responses. London; New York:
Routledge & Kegan Paul, 1978.
IZQUIERDO, Maria Jesus. Bases materiais do sistema sexo/gênero. São Paulo: Sempreviva
Organização Feminista (SOF), 1990.
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito
da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, p.35-86. 1994.
RICHARDSON, R. J. et al. Pesquisa social: métdos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
RORTY, Richard. Contingency, irony and solidarity. Cambridge University Press, 1989.
TODOROV, Tsurai The Poetics of Prose. Ithaca, New York: Cornell University Press. 1977.
196
______. Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis, Vozes, 2011 [1958].
197
FENOMENOLOGIA-HERMENÊUTICA COMO
15
MÉTODO DE PESQUISA EM LITERATURA
199
sário dissimular uma neutralidade impossível ao discurso. Considero muito
mais sensato, decidir marcar no próprio texto escrito durante a pesquisa, o
lugar em que o pesquisador está inserido socialmente e talvez até as crenças
que motivam a pesquisa.
Antes de iniciar a fala sobre o método apontado pelo título, gostaria de
trazer aqui algumas reflexões feitas por Eagleton (2009), na publicação Teo-
ria da literatura: uma introdução, sobre a crítica literária e o porquê de sua
existência.
Quando fala a respeito do elitismo nos estudos literários, Eagleton (2009)
afirma que o verdadeiro elitismo está no pensamento de que a criação lite-
rária só pode ser apreciada por aqueles que possuem um tipo específico de
formação cultural. Deste modo, torna-se relevante salientar que os “valores
literários” supostamente subjacentes a uma classe social dominante, consti-
tuem-se uma ferramenta para manutenção de poder. A teoria literária vem
como uma tentativa de tornar, determinados tipos de conhecimentos, aces-
síveis às outras classes sociais que não aquelas dominantes, minando assim,
esse pressuposto. “A teoria era uma forma de libertar as obras literárias da
forma repressora de uma ‘sensibilidade civilizada’, e abri-las a um tipo de
análise do qual, pelo menos em princípio, todos pudessem participar.” (EA-
GLETON, 2006, p. 2).
Por conseguinte, julgo necessário, tendo em vista o objetivo deste traba-
lho, salientar que, mesmo alguém que não possua tanto contato com obras
literárias e que tenha interesse em pesquisar e estudar com maior serieda-
de, pode e deve aprofundar seus conhecimentos, desenvolvendo assim, a
maturidade intelectual necessária para a interpretação e escrita de textos
científicos.
A fenomenologia hermenêutica aqui escolhida como método para ana-
lisar textos literários possibilita que o estudioso de uma obra literária en-
tenda que a interpretação da obra, na verdade, é ato mediado pela própria
consciência e que essa, por sua vez, é situada em um mundo que a constitui.
Apresento aqui, algumas noções do que seja a fenomenologia e a hermenêu-
tica, para citar algumas aplicações que servirão de exemplo.
200
15.1 Fenomenologia
201
eu possuir significados, sem já possuir uma linguagem?”. Para esse ques-
tionamento, Husserl não apresenta resposta. E, por esse motivo, o filósofo
alemão, também discípulo de Husserl, Heidegger, busca responder de onde
vem essa essência, aparentemente transcendental, obtida após análise feno-
menológica.
15.2 Hermenêutica
202
Figura 1 - Ser no mundo
203
e influência os privilégios ou não de determinados
grupos em detrimentos a outros.
3. As ideologias são outro fator da constituição desse
ser-no-mundo, sendo determinado por questões
que muitas vezes ultrapassam o entendimento, como
por exemplo, posições religiosas. Que direcionam o
olhar e fazem com que o entendimento seja sempre
fragmentado.
204
uma abordagem metodológica, provavelmente o trabalho vá caminhar por
diversos campos sem uma coesão esperada ao trabalho acadêmico, que tem
como objetivo organizar conhecimento para que ele seja válido a outros. Há
um ditado que diz “quando não se sabe aonde ir, você chega em qualquer
lugar”. A análise literária é constituída de perder-se nas miríades de cami-
nhos possíveis, porém é preciso um determinado equilíbrio entre perder-se
e encontrar uma forma possível para a chegada ao seu objetivo: uma análise.
Ainda sobre o ser-no-mundo, Nunes (1999, p. 54) assinala:
Aqui exemplifico uma pesquisa feita com o auxílio deste método. É im-
portante lembrar que não se trata de uma obrigatoriedade de seguir todos
os procedimentos aqui apresentados ou nessa ordem, mas é imprescindível
apresentar um paradigma que possa ser acessado por estudantes e pesqui-
sadores.
205
socialmente, formado por questões sociais, políticas, históricas e
ideológicas, que são levadas em consideração ao entrar em contato
com a obra. Porque é desse lugar ocupado na sociedade que o
pesquisador analisará uma obra, tendo consciência das possibilidades
e abordagens.
Por exemplo: um homem que deseja analisar uma obra de autoria
feminina, precisa necessariamente saber o lugar que ele ocupa em
uma sociedade em cuja formação reside no machismo, no racismo,
na homofobia e em diversos outros preconceitos. Consciente das
próprias particularidades, esse pesquisador poderá decidir com mais
consciência para qual direção sua pesquisa deve ir. O estudioso,
provavelmente saberá dos limites entre a pesquisa/leituras e a própria
experiência feminina que para ele será impossível vivenciar, tendo em
vista que a existência do “outro” é sempre impossível de ser acessada. O
que desejo dizer é que nosso pesquisador poderá sim estudar os vários
femininos existentes na sociedade e representados na obra literária,
mas ele sempre falará do seu lugar de homem e talvez explicitar isso na
sua escrita, seja o recomendável porque quem o ler saberá que aquela
é uma determinada visão sobre a obra literária.
Seguindo esse exemplo, podemos pensar diversos outros, como o
de uma mulher socialmente reconhecida como branca, examinando
uma obra ou personagem negra etc. Numerosos são os exemplos,
porém deve-se ter o discernimento necessário para falar da condição
do outro.
206
aprofundamento no entendimento do texto, que terá como objetivo o
mesmo “ser” da fenomenologia, mesmo que essa essência seja formada
social e historicamente, ela passa a ser um “ser” quando se torna única
em sua constituição.
Dessa maneira, o encontro entre quem pesquisa e a obra, acontece
por meio de uma consciência historicamente situada. Isso quer dizer
que o pesquisador ou pesquisadora será capaz de observar que sua
leitura acontece de forma refratária e que aquilo que se mostra nela
está muito associado a quem interpreta. Isso significa dizer que uma
obra contém em si abertura para todas as interpretações já feitas sobre
ela e as que ainda serão. A escrita cristaliza um quadro que poderá ser
lido de diferentes formas, por meio de diferentes olhares.
Não será possível demonstrar pesquisas que trabalham com esse método,
porém faço aqui uma breve apresentação da proposta de estratificação da
obra literária para que se alcance o sentido da obra após análise. Em um
sentido metafórico, a obra é um corpo, um organismo complexo que será
dividida em partes menores, para que, após isso, seja remontada, dotada
de um sentido atribuído por quem fez determinada leitura. Também cito
aqui alguns exemplos que podem ser consultados posteriormente por quem
estiver disposto.
A estratificação de uma obra pode parecer simples em uma breve
descrição como essa, mas para executar esta forma de análise talvez seja
necessário tempo e disposição por parte de quem a examina. Dependendo
da extensão do trabalho e seu objetivo, pode-se delimitar sem que o trabalho
perca, desta forma, a qualidade desejada.
207
lise literária. Por exemplo, a pesquisadora Floriano (2017), no artigo inti-
tulado A literatura de Farias de Carvalho e Aspectos de Democratização da
Arte, discorre sobre a importância de uma metodologia que não observe os
aspectos formais das obras literárias como suficientes em si, mas sim como
algo que emerge das representações sociais e simultaneamente, servem e in-
fluenciam nessas representações. Recomendo a leitura deste e de outros arti-
gos sobre o estrato óptico e quais aspectos da obra literária ele pode revelar.
Quanto ao estrato fônico, trata-se de quais traços podem ser revelados a
partir da sonoridade na escolha lexical da obra analisada. Essa camada fôni-
ca pode ser diferenciada da lexical, uma vez que as escolhas de determinadas
palavras podem explorar a plurissignificação das palavras, revelando outros
sentidos contidos no texto literário e passíveis de análise. Recomenda-se a
leitura de Bosi (2000) em O ser e o tempo da poesia, que explora esses e ou-
tros aspectos da poesia e como eles expressam diversos sentidos em uma
obra.
Em uma análise quanto à escolha sintática, cito a obra de Gotlib (1995),
Clarice uma vida que se conta, biografia na qual a autora analisa as obras de
Clarice Lispector, com a cautela de examinar também a formação sintática
da autora. Nessa obra, a estudiosa reflete sobre as escolhas e construções
sintáticas de Clarice e consegue, a partir dessa análise, inferir questões sig-
nificativas para a sua leitura.
Chegamos ao estrato ideológico da obra. Ao analisar esse aspecto, leva-
se em consideração leituras históricas, sociais e filosóficas que busquem
identificar doutrinas e posições políticas em um texto literário. Para isso, a
reflexão já feita sobre o ser-no-mundo, faz-se necessária, assim como posi-
cionar-se enquanto um ser também situado histórica e ideologicamente, que
encontra na obra analisada, ressonâncias em si mesmo para os aspectos que
ganham valor. Recomendo a leitura da tese de doutorado de Zucolo (2014),
Uma rapsódia portuguesa: testemunhos ficcionais em três romances de Lídia
Jorge, porque nela a estudiosa articula as memórias individuais às memórias
dos eventos históricos, examinando assim, questões como violência, cons-
ciência nacional e outros aspectos que revelam particularidades referentes
às ideologias.
Recomenda-se a leitura dessas e de outras obras, para que o pesquisador
208
observe como os autores articulam diversos conhecimentos, que são apro-
fundados ou não, dependendo do objetivo de análise.
Os estratos aqui citados são arduamente pesquisados por diversas cor-
rentes filosóficas, porém a grande contribuição que a fenomenologia herme-
nêutica nos oferece é justamente pensar essas partes, ou estratos, como aqui
foram chamados, tal como uma unidade. Elemento esse que está situado em
um mundo, no qual os diversos conhecimentos o influenciam e compõem,
assim como são influenciados e formados por essas ideias.
Referências
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
GOTLIB, Nádia Battella. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.
ZUCOLO, Nicia Petreceli. Uma rapsódia portuguesa: testemunhos ficcionais em três ro-
mances de Lídia Jorge. 2014. Tese (Doutorado em Letras – Literatura Portuguesa)–Depar-
tamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Huma-
nas, São Paulo, 2014.
209
UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A PESQUISA
16
DE POESIA EXPERIMENTAL COM ÊNFASE
EM POEMA-PERFORMANCE
211
16.2 Acerca da Poesia Experimental
212
senvolvidas ao longo dos textos que os experimentalistas dei-
xaram, devidamente documentadas em Po-Ex: textos teóricos e
documentos da poesia experimental portuguesa, é possível con-
cluir que a PO-EX opõe-se ao sentimentalismo e ao discur-
sivismo da poesia tradicional em geral; rejeita a rigidez da
métrica e da rima; propõe o objectivismo e o trabalho colec-
tivo para contrabalançar uma herança demasiado pesada de
psicologismo individualista próprio da geração do Orpheu;
sugere a resistência e o internacionalismo como forma de
rejeitar o projecto nacionalista do Futurismo português; e
rejeita o discurso ideológico do Neo-realismo e o automa-
tismo do Surrealismo, propondo em vez disso uma apro-
ximação ao cientismo. Deste modo, e uma vez que o grupo
da PO.EX desarticula os papéis tradicionalmente atribuídos à
poesia e à crítica, Hatherly e Melo e Castro entendem que a
atitude de perplexidade dos críticos representa a resposta pos-
sível à 'pura falta de adequação às matérias em questão'. Para
os autores, uma crítica 'desinformada' só pode alimentar mitos
tais como 'a verdade, a autenticidade, a inspiração, a pureza do
lirismo, o génio e o talento, ou outros conceitos mais ou menos
metafísicos, que ele instituía arbitrariamente (impressionisti-
camente?) em critérios de apreciação literária'.
213
gia e a consequente interação da poesia com os meios digitais, que, embora
muitas sejam as questões nas quais o progresso tecnológico foi maléfico para
a humanidade, como no caso do desenvolvimento das armas de destrui-
ção em massa e dos agrotóxicos, grandes foram também os avanços que as
tecnologias trouxeram às chamadas “artes tecnológicas” e isso possibilitou,
inclusive, o surgimento de novas linguagens visuais, as quais deram à luz
diferentes formas de leitura e de fruição estética, exigindo assim, uma nova
abertura emocional e mental dos leitores/espectadores, que passaram a inte-
ragir com a arte de maneira direta.
Ele ressalta ainda que, a partir do desenvolvimento tecnológico, a arte
ligada à experimentação alcançou dimensões nunca antes pensadas:
214
obtidas. Essa sinergia é o princípio do que hoje se chama de
ciborgue. (CASTRO, 2014, p. 21).
215
[...] deve não só dominar a multiplicidade expressiva dos sig-
nos, como também os deve transformar em signos e lingua-
gens novas, isto é, o poeta deve ser ao mesmo tempo o cientista
e o designer da palavra. Cientista como agente explorador de
novas formas de linguagem e designer no sentido de potencia-
lizar esteticamente a linguagem criada.
216
poesia. Modos diferentes de difundir diferentes signos, como
o poema-objecto, a instalação, o vídeo, o computador e a per-
formance.. O mais completo desses suportes, a performance
veio, pelas suas caraterísticas específicas, transformar o con-
ceito de poesia e alterar toda a relação poeta/leitor. Utilizando
a performance como suporte para a transmissão da mensagem
poética, o poema passou a ter uma nova liberdade expressiva e
adquiriu outros componentes como o movimento, o volume, a
cor e o som, que, por sua vez, alteraram definitivamente a ideia
de espaço e de tempo na escrita. Assim, o que antes era estático
no poema, passou a ser profundamente estético. A performan-
ce, ou mais concretamente a 'intervenção poética' (já que
enquanto na performance o corpo é o principal elemento na
concretização da obra, na 'intervenção poética' o corpo fun-
ciona mais como instrumento de escrita, sendo a escrita em
si o mais importante), tem como principal caraterística em
relação a outros suportes usados na poesia o envolvimento
físico do próprio poeta como despoletador e fator de con-
secução do poema. A intervenção direta do poeta, ao usar
o corpo como veículo de transmissão poética e como mani-
pulador dos referentes em cena vem, pela primeira vez, tor-
nar a poesia verdadeiramente interativa em todos os níveis.
Quer no aspecto de conceitos, materiais, técnicas e suportes
(porque simultaneamente podem ser utilizados outros su-
portes, como os diapositivos, o gravador, o computador ou
o vídeo), quer também no sentido das relações criador/frui-
dor. Como o autor e o 'leitor' estão presentes na elaboração do
poema, a reacção do 'leitor' dá-se em simultâneo com a acção
desenvolvida pelo autor. E a interação entre acção e reacção
passa a assumir um papel importante no desenrolar do poema,
o que altera por completo a ideia clássica de poesia.
217
Agora, para entender a performance da perspectiva do teórico da orali-
dade Zumthor (2007), observo alguns pontos importantes de sua obra Per-
formance, percepção, leitura. Na obra em questão, o autor destaca que pensar
em performance significa necessariamente pensar em corpo (ZUMTHOR,
2007, p. 38).
Afirma que corpo é uma noção absolutamente individual (ZUMTHOR,
2007, p. 38). E corpo, nesse caso, é o do performer, com todas as suas parti-
cularidades, e também o de cada indivíduo que compõe a plateia da perfor-
mance, pois, para cada um deles, a percepção da performance se manifesta
de um modo, ou seja, significa de um modo específico para cada corpo ali
presente. É, portanto, dessa tensão estabelecida entre todos esses corpos que
se encontram na performance que se extrai uma formidável energia que não
pode ser chamada de outro modo que não seja “energia poética” (ZUM-
THOR, 2007, p. 39).
Posso, então, associar a fala de Zumthor ao entendimento teórico Aguiar
acerca da performance e, assim, chegar à noção de “poema total” e também
de “poema vivo” propostas por Aguiar, pois é na totalidade do ato perfor-
mático que o poema acontece e é também nessa totalidade que se possibilita
ao espectador atingir o nível da fruição e, consequentemente, da ressignifi-
cação de conceitos consolidados.
Mais especificamente sobre a noção de fruição que é tão discutida por
Aguiar, é possível dizer que esta se aproxima da noção zumthoriana de per-
cepção. Zumthor (2007) busca estabelecer uma distinção entre a pura re-
cepção de um conjunto de informações da percepção de um conjunto de
informações, na qual verdadeiramente acontece a fruição, pois a informação
recebida é ressignificada a partir do próprio espectador.
O autor afirma que a percepção é que produz a concretização (que seria
a fruição, nos termos de Aguiar):
218
sua própria palavra às energias vitais que a mantêm. O texto
poético aparece, com efeito, a esses críticos, como um tecido
perfurado de espaços brancos, interstícios a preencher [...]
'passagens de indecisão' exigindo a intervenção de uma von-
tade externa, de uma sensibilidade particular, investimento de
um dinamismo pessoal para serem, provisoriamente, fixadas
ou preenchidas. O texto vibra; o leitor o estabiliza, integrando
-o àquilo que é ele próprio. Então é ele que vibra, de corpo e
alma. Não há algo que a linguagem tenha criado nem estrutura
nem sistema completamente fechados; e as lacunas e os bran-
cos que aí necessariamente subsistem constituem um espaço
de liberdade: ilusório pelo fato de que só pode ser ocupado por
um instante, por mim, por você, leitores nômades por vocação.
(ZUMTHOR, 2007, p. 53, grifo nosso).
Desse modo, fica aqui, ainda que brevemente, esclarecida, nessa associa-
ção das falas de Aguiar e Zumthor, a questão da ressignificação que advém
da fruição que a atitude performática desperta no espectador em cada ato
poético performativo.
Passo agora a uma breve análise de um poema-performance, no intuito
de demonstrar didaticamente de que modo se pode aplicar a compreensão
teórica acima discutida na análise do objeto escolhido.
219
uma das características da performance: sempre há alguma modificação do
texto em cada performatização dele).
A seguir, a transcrição de “Poema Estrutural”, com as modificações feitas
por Aguiar (2009, p. 24-25)12 na performance realizada em 09 de maio de
2009:
Poema Estrutural
Texto contexto
texto pretexto
texto conceito
texto estrutural.
Contexto textual
pretexto conceitual
bissexto desigual
conceito bissexual.
Percepto pretextual
composto contextual
estrutura integral
preceito primordial.
Contensão pragmático-passional
contexto contrário-pontual
propósito estruturo-essencial
percepto-confesso adicional.
Concerto convexo-eventual
pretenso percepto-negocial
correto paradoxo sexual
texto retexto universal.
12
Disponível em: <http://fernando-aguiar.blogspot.com.br/>.
220
Contextura-convulsiva composto individual
estruturo-expressivo instintivo-objectual
pretexturo-perceptivo pretexturo-fatual
conexo confesso bissexto animal.
221
ele arremessa os versos de seu poema pela estrutura. A meu ver, esse é um
modo de questionar e, consequentemente, ressignificar a estrutura presente
nos poemas canônicos, uma vez que, no ato performativo, o poeta cria uma
simbologia da ruptura com os padrões.
O modo como a linguagem é posta no poema também é um modo de
questionar os padrões literários. O poeta escolhe versos curtos, diretos, sem
conectivos, como se cortasse, rompesse a estrutura da construção frasal em
si, numa busca de levar o seu espectador à uma reflexão acerca do fazer lite-
rário sempre tão amarrado aos padrões estabelecidos. Esse questionamento
que é provocado no espectador é o que o possibilita avançar à condição de
fruidor, pois, ao se sentir tocado pelo questionamento suscitado pelo poema
-performance, ele se torna capaz de ressignificar o conceito de que a poesia é
sempre amarrada à uma forma fixa e ao modo escrito ou declamado. Aguiar
leva o seu fruidor à reflexão de que a poesia é, fundamentalmente, arte, e a
arte é a reunião de muitos conceitos. Portanto, nela podem estar reunidos
poesia, teatro, artes plásticas, música, dentre outras coisas.
Voltando a discussão para a compreensão de corpo proposta por Zhum-
tor (2007) e especificamente falando acerca do corpo em performance, des-
taco que, para o autor, o corpo que performatiza modifica o conhecimento
previamente estabelecido, uma vez que, ir além da comunicação, é da natu-
reza da performance, pois nela, se alcança a reflexão, e consequentemente a
percepção (ou a fruição, nas palavras de Aguiar). Aquilo que se percebia de
um modo passa a ser percebido de outro, muito mais profundo, a partir da
intervenção do corpo em performance (ZUMTHOR, 2007, p. 32). Sem dúvi-
da, o questionamento das estruturas proposto por Aguiar (2009) no “Poema
Estrutural” leva a esse tipo de percepção: de que é necessário refletir sobre o
que nos aprisiona em conceitos pré-estabelecidos socialmente e impostos a
nós ao longo das nossas vidas, sobre os quais pode ser que nunca reflitamos.
Um modo de resistir a esses conceitos e aos mecanismos de controle so-
cial muito utilizado pelo poeta Aguiar, em análise aqui, é resistir não apenas
pela performance encenada para uma plateia específica, mas também pela
possibilidade de alcance desta em níveis não pensados antes da associação
da poesia com os meios digitais. Assim, ao disponibilizar os vídeos de suas
performances em seus blogues, o poeta faz fruir sua obra ao redor do mundo
222
e a qualquer tempo. Esse é, portanto, um modo de resistir aos mecanismos
do poder e às estruturas que ele questiona em seus poemas-performance,
como o que vimos neste texto, pois seu corpo se faz presente em qualquer
tempo/espaço por meio da Internet.
223
Referências
AGUIAR, Fernando. A essência dos sentidos. Lisboa: Associação Poesia Viva, 2001.
______. Poesia: ou a interação dos sentidos. Lisboa, Portugal, 25 jan. 2010. Disponível em:
<http://textoavoltadaperformance.blogspot.com/2010/01/fernando-aguiar-poesia-ou-in-
teraccao.html>. Acesso em: 17 jul. 2017.
______. Tudo por tudo. São Paulo: Escrituras, 2009. (Coleção Ponte Velha).
ARTESÉRIES. Produção de Fernando Aguiar. Faro, Portugal, 9 maio 2009. 1 vídeo [recur-
so eletrônico], son., color. Disponível em: <http://fernando-aguiar.blogspot.com/2009/>.
Acesso em: 18 jul. 2017..
CASTRO, Ernesto Manuel de Melo. Poética do Ciborgue: antologia de textos sobre tecno-
poiesis. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014.
______; Hatherly, Ana. Po-Ex: textos teóricos e documentos da poesia experimental por-
tuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981. (Coleção Margens do Texto).
SOUSA, Ernesto de. Oralidade, futuro da arte?: e outros textos, 1953-87. São Paulo: Escri-
turas, 2011. (Coleção Ponte Velha).
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires e Suely Feneri-
ch. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
224
17
CAMINHOS E SABERES PARA PESQUISA
EM ENSINO DA LITERATURA
225
rios orais e escritos, de autores de língua portuguesa e de traduções de auto-
res de clássicos da literatura internacional” (BRASIL, 2016, p. 3), alertando
que a educação literária não significa ensinar literatura mas sim “promover
o contato com literatura para a formação do leitor literário, capaz de apreen-
der e apreciar o que há de singular em um texto cuja intencionalidade não
é imediatamente prática, mas artística” (BRASIL, 2016, p. 3). Essas orienta-
ções estão em consonância com a proposta de letramento literário recomen-
dada por Cosson (2014), ao afirmar que o ensino da literatura deve priorizar
o desenvolvimento das competências leitoras do aluno e que o professor
de língua portuguesa deve preocupar-se não em ensinar literatura, mas em
mediar leituras, promovendo dessa forma, o encontro do aluno com o texto
literário.
O ensino da literatura envolve seres humanos em um ambiente educa-
cional e, por isso, “[...] pesquisar em educação exige, além de uma formação
acadêmica restrita (relativa ao que será desenvolvido), uma sólida e pro-
funda formação acadêmica geral.” (FAZENDA, 2012, p. 18). Neste sentido,
Laville e Dionne (1999, p. 32) nos advertem que “[...] os fatos humanos são
mais complexos que os fatos da natureza” e que “[...] submeter fatos huma-
nos à experimentação é ainda mais complicado”.
Diante dessas afirmações, entendemos que o ensino da literatura é com-
plexo e como tal envolve a participação de múltiplos atores e por isso sempre
haverá problemáticas sobre as quais o professor-pesquisador deve refletir,
questionar e procurar respostas. Dentre essa complexidade, poderá tanto
escolher problemáticas já exploradas por outros pesquisadores, objetivando
ampliar a sua compreensão quanto poderá sugerir novas questões a serem
investigadas.
A pesquisa voltada para o ensino de literatura deve ser pautada no conhe-
cimento teórico e no conhecimento empírico. É desejável que o pesquisador
tenha uma história de leitura, seja um leitor e mantenha um diálogo com
os pressupostos teóricos que orientam sobre questões intrínsecas do texto
literário, como explica Compagnon (2014, p. 21): “[...] a teoria organiza a
prática” pois é um “[...] discurso sobre as obras literárias que acentua a ex-
periência da leitura, descreve, interpreta, avalia o sentido e o efeito que as
obras exercem sobre os (bons) leitores”.
226
O professor-pesquisador poderá ter como objeto de questionamentos
para sua pesquisa, qualquer um dos elementos protagonistas do letramento
literário na escola (COSSON, 2014): alunos-leitores, o autor (texto literário),
o professor e suas práticas, ou também os elementos que contribuem para o
letramento de uma forma direta ou indireta como o espaço de leitura na es-
cola (biblioteca), disponibilidade de livros, horários ou os documentos ofi-
ciais como por exemplo, o projeto político pedagógico da escola e diretrizes
curriculares que orientam o sistema educacional pois eles “[...] interferem
na dinâmica escolar e se confrontam com todo o movimento social do inte-
rior da instituição.” (FAZENDA, 2012, p. 44).
Assim, podemos dizer que uma pesquisa cujo corpus são as ações na sala
de aula, é uma via de mão dupla onde teoria e prática devem ser aliadas. Por
meio dela, professores podem agregar uma nova significação às suas práticas e
fazer das atividades desempenhadas na sala de aula o seu campo de pesquisa,
questionar práticas, por à prova teorias e orientações curriculares e encontrar
ou apontar caminhos para a solução dos problemas.
227
oferecem diferentes perspectivas, mas todos eles têm um roteiro de ação
mais ou menos comum: a) escolha e delimitação do tema; b) levantamento
bibliográfico preliminar; c) determinação dos sujeitos; d) coleta de dados; e)
análise e interpretação de dados; f) redação do relatório ou proposta de uma
possível solução para a problemática escolhida (GIL, 2017).
Alguns métodos podem ser mais adequados que outros para questões
relativas ao campo educacional. Dentre eles, indicamos a pesquisa-ação, a
pesquisa etnográfica, a pesquisa documental, estudo de caso e pesquisa fe-
nomenológica. O uso de um ou de outro, vai depender do tipo de questio-
namento que se deseja fazer.
Pesquisadores ligados às questões de ensino têm preferido a pesquisa-a-
ção que “[...] tem características situacionais, já que procura diagnosticar
um problema específico numa situação específica, com vistas a alcançar al-
gum resultado prático.” (GIL, 2017, p. 42). Um exemplo de pesquisa-ação
é aplicar uma mesma sequência didática de leitura em turmas diferentes
(pode ser da mesma escola ou não), registrar em que condições se deu a pes-
quisa, que estratégias metodológicas foram usadas, como se deu a recepção
dos alunos a essas atividades e analisar os dados coletados à luz dos teóricos.
Nesse caso, o pesquisador estará presente aos eventos investigados e poderá
ou não fazer intervenções.
O estudo de caso também pode ser oportuno ao professor-pesquisador
que desejar “[...] lançar luz empírica sobre conceitos ou princípios teóricos.”
(YIN, 2015, p. 44). É um método que parte das perguntas “como” e “por que”
para buscar respostas que contribuam para uma melhor compreensão dos
fenômenos como afirma Yin (2015, p. 17):
228
encontrar fontes de evidências para obter informações suficientes a respeito
do evento estudado. Assim, um professor-pesquisador pode tomar como
objeto de estudo uma determinada turma de alunos que obteve alto índice
de aprovação na prova de literatura no processo seletivo para a universidade.
O pesquisador irá então, por meio de entrevistas, depoimentos, análise de
registros didáticos, fazer um levantamento das fontes de evidências (YIN,
2015) que contribuíram para esse fenômeno.
Segundo Gil (2017, p. 137),
17.2 Conclusão
229
sala de aula e estabelecer novos diálogos entre teoria e prática. Uma pesquisa
em ensino da literatura faz do dia a dia do professor uma atividade significa-
tiva e pode fazer das suas insatisfações, angústias e interrogações objeto de
pesquisa. Pode transformar sonhos e ideais em propostas de melhorias, de
modificações e contribuir para o avanço da educação literária em sua escola,
em seu estado, em seu país.
Referências
COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014.
FAZENDA, Ivani (Org.) Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 2010.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2017.
LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber. Adaptação: Lana Mara Siman.
Tradução: Heloisa Monteiro e Francisco Settineri. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução: Cristhian Matheus Her-
rera. Porto Alegre: Bookman, 2015.
230
18
IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO
NOS TEXTOS LITERÁRIOS
18.1 Introdução
231
Assim, algumas maneiras de pensar a identidade vieram a partir do olhar
social, linguista e psicanalítico. Autores como Kathryn Woodward, Tomaz
Tadeu da Silva e Stuart Hall analisaram, cada qual no seu viés, a imbricação
da identidade e diferença relativas aos estudos culturais.
Para todos eles, a identidade é marcada pelas diferenças, uma vez que,
afirmando-se algo, automaticamente nega-se outro. Essas diferenças são da-
das pelos símbolos, emblemas ou signos que, na perspectiva da identidade
nacional, decorrem do objeto de maior representação para um povo – o
totem, a bandeira; o signo que distingue um dos outros, uma marca visível
de personalidade e daquilo que faz parte do clã: homens, animais ou coi-
sas (OLIVEN, 2016, p. 126). Entende-se, num processo metonímico, que a
bandeira é a pátria. Portanto, em qualquer lugar do mundo, se um brasileiro
vir a bandeira do Brasil a reconhecerá como representação do seu lugar de
origem, a sua casa.
Ao pensar identidade como uma afirmação do ser, tem-se a impressão de
que ela é autônoma e autossuficiente. Todavia, a nacionalidade só pode ser
afirmada porque outra é negada. Somos brasileiros porque existem outras
nações com outros costumes, mitos e culturas. Logo, somos o que somos
pela diferença.
A correlação simbólica de identidade e diferença é produzida pela lin-
guagem. Em Saussure (ano?), um signo não pode ser reconhecido isolado
do seu sistema linguístico, ou seja, um signo não tem valor absoluto. Ele
depende dos demais signos para ter um significado, logo, o valor significa-
tivo de casa só pode sê-lo porque não é um carro. Aquilo que os designa é a
diferença entre si.
Há de se pensar também nas constantes mudanças de significado que
os signos vão adquirindo. Não existe valor absoluto dentro do sistema lin-
guístico, tampouco fora dele. Em outras palavras, a língua é um sistema de
diferenças. Essa característica da linguagem é relevante para entender o fun-
cionamento das identidades, ambas são instáveis, pois, mudam de acordo
com a necessidade de forma natural ou motivada.
A terceira perspectiva em relação à identidade é a psicanalítica. Hall
(2006) descreve a identidade através da falta freudiana e o desejo lacaniano.
Nesse aspecto, a identidade é calcada sempre naquilo que lhe falta. Para esse
232
autor, o assujeitamento à identidade acontece pela submissão inconsciente
aos processos culturais.
Dadas as condições de pensar a identidade e as diferenças, aproximamos
essas questões do texto literário, afim de verificar nos sujeitos representados
nas obras, o valor identitário propondo pensar que o sujeito se constitui de
micro identidades. A exemplo desta abordagem, consideraremos os valores
identitários em Macunaíma como afirmação ou negação de uma identidade
que pode refletir o processo social para além da obra.
Não obstante, este trabalho objetiva o aproveitamento universitário por
meio de teóricos, obras e diálogos em análise. Àqueles que, de alguma for-
ma, buscam conhecimento e interesses na abordagem sobre identidade em
interface com a literatura, façam deste trabalho o início de suas reflexões.
233
identidade: uma noção individualista do sujeito nascido com um núcleo es-
sencial do qual jamais poderia modificar.
Por meio da sátira, a rapsódia de Andrade demonstra que o caráter na-
cional não está posto de maneira permanente, antes, desvela na narrativa
o conjunto de costumes e símbolos representantes da identidade nacional
composta por sua diversidade, uma vez que uma identidade só pode ser
construída em relação contínua com a diferença. Sobre o aperfeiçoamento
do conceito de identidade dado por Hall (2006, p. 11-12):
234
novo lugar para suprir aquela ausência possibilita continuidade às aventuras
do protagonista. A narrativa é composta pela busca de algo desejado – ora
um novo lugar, um objeto, uma pessoa – a constante aventura revela a per-
sonalidade inacabada de Macunaíma.
Outra maneira de pensar a questão da identidade é pelas ciências natu-
rais. Para elas a identidade é uma dimensão da consciência e diz respeito aos
sistemas de valores que compõem a personalidade individual ou coletiva.
Nessa proposta, o uso de obras históricas e antropológicas favorece a visão
dos pesquisadores. No Brasil, nomes como Gilberto Freyre e Sergio Buarque
de Holanda são emblemáticos quanto à abordagem de ritos, discussões e
enfrentamentos na possibilidade de repensar e indagar os valores nacionais.
Ao que parece todas as reflexões sobre identidade esbarram na problemá-
tica do conceito e se aproximam na questão da consequente mudança, pois,
o sujeito pós-moderno rompe com a ideia de identidade fixa ou essência
permanente. Portanto, o sujeito cartesiano, dotado de estabilidade e identi-
dade imutável, é desintegrado e fragmentado. Deixa de ser constituído por
uma só identidade e passa a ter várias, inclusive, de caráter contraditório,
bem como situações nunca resolvidas, todavia, mais próximo daquilo que
realmente é.
Não à toa, o sujeito Macunaíma representa as contradições de um povo
em uma época de mudanças sociais, políticas e econômicas. A metamorfose
física presente na obra representa, também, as muitas identidades do povo
brasileiro que, sobretudo, é conhecido pela diversidade.
235
p. 93) de acordo com Hall enumera as transformações histórico-sociais que
alargaram o conhecimento do homem sobre si mesmo:
236
leitor e o identifica como sujeito. Porquanto, ler e interpretar são lugares de
identificação que tem a ver com os recursos da história, da linguagem e da
cultura como produção não só daquilo que somos, mas também reprodução
das identidades tecidas no discurso dos quais a literatura é testemunha e
reveladora.
Síntese:
237
tema formal, estilístico e linguístico pelo qual a literatura expressa efeitos
de sentido decorrentes dos lugares de discursos e seus respectivos sujeitos.
Com os recursos da linguagem a literatura atravessa os lugares sociais,
históricos, ideológicos pela apropriação dos discursos dos sujeitos e os re-
monta em caráter significativo através da arte. Cada qual no seu tempo re-
flete uma construção identitária que perpassa o plano da memória e no pro-
cesso de subjetivação as obras significativas são canonizadas. A literatura
compreende todo o processo de construção e mudança de identidade, pois
revela na literatura marginal aquilo que em dado momento é desconsidera-
do por um grupo seleto e em outro tempo, aquilo que fora rejeitado, ganha
notoriedade como obra consagrada.
A exemplo disso, o movimento Modernista em todo seu alcance regional
e inventivo, testemunha os fatos artísticos de sentidos controversos e pouco
aceitos na época para mais tarde vir a ser um divisor de águas no que se re-
fere à arte no Brasil. Na literatura, concebe os mais importantes e influentes
autores de obras que atravessam o tempo sem esvair o significado de seus
textos.
Para Foucault a literatura não é o simples fato da linguagem se transfor-
mar em obra nem o fato de uma obra ser fabricada pela linguagem. A litera-
tura significa para além do espaço entre um e o outro e ao que se faz consi-
derar uma obra de fato literatura. Nesse viés, pensa-se ser a constituição da
literatura uma irrupção da linguagem dadas as transgressões, a ruptura com
a realidade somada à linguagem que rompe o próprio espaço da linguagem.
Por isso, “[...] não há ser da literatura, há simplesmente um simulacro que é
todo o ser da literatura.” (FOUCAULT, 2001c, p. 147).
A Literatura, portanto, seria uma linguagem transgredida composta por
repetição, morte, simulacro e contínua reduplicação de sentidos denomina-
da por Foucault (2001c) de linguagem ao infinito que está distante do real,
mas presente em muitas realidades.
A riqueza de discussão em trabalhos que abordam a linguagem e a lite-
ratura permeiam as páginas virtuais também as tradicionais. Como se pode
perceber o debate sobre esse assunto não está somente aí. Artigos, livros e
seminários argumentam e teorizam a imbricação das duas particularidades
ao tratar uma da outra. A discussão, no entanto, não cabe nesse trabalho,
238
mas se deve considerar que a reflexão sobre os estudos ditos de interface
prolongam o diálogo.
Nessa condição, aqui utilizando as palavras de Melo Neto (1956, p. 151):
“[...] acabou vendo Joan Brossa que os verbos do catalão tinham coisas por
detrás, eram só palavras não”.
Abrir uma obra literária para ler é junto com seus sentidos interpenetra-
dos descobrir as relações que antecederam o processo de composição dos
sujeitos nela representados. Em determinadas obras o caráter identitário sal-
ta aos olhos e facilmente retrocedemos às raízes sociais com olhos atentos às
marcas das transformações ainda na sua gênese.
Por meio dos caminhos da psicanálise, da linguística e dos estudos so-
ciais consideramos a identidade como presença constante nas obras e nas
análises literárias. Como também os contextos que dão valores constitutivos
de identidades capazes de aproximar e cruzar fronteiras sejam elas físicas ou
imaginárias.
A partir do entrecruzamento da linguagem e da literatura, pode-se des-
crever a travessia dos conceitos e noções constituintes da sociedade e, até
mesmo, prevê-los como consequência de um movimento social anterior.
Por essas considerações, acreditamos que o caminho do estudo sobre
identidade está em instigar e confrontar linhas teóricas, a fim de colaborar
com os demais pesquisadores.
Referências
ANDRADE, Mario de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2015.
DA SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petropólis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
239
FOUCAULT, Michel. Retornar à História. In: MOTTA, Manoel Barros (Org.). Arqueologia
das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2000c. p. 282-295. (Ditos e Escritos, v. II).
______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e dife-
rença. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BASÍLIO JÚNIOR, Salum (Org.). Identidades. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2016.
MELLO NETO, João Cabral. Paisagens com figuras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
SOUZA, Mariana Jantsch. A memória como matéria prima para uma identidade: apon-
tamentos teóricos acerca das noções de memória e identidade. Revista Graphos: PPGL -
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, v. 16, n. 1, p.
91-117, 2014.
240
Os autores
241
Federal do Amazonas (2015), aluna de mestrado em Estudos Literários pela
Universidade Federal do Amazonas. Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: Fantástico,
Maravilhoso, Estranho. brenda_grazi15@hotmail.com
242
Universidade Federal do Amazonas; Membro pesquisador do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Literaturas de Língua Portuguesa da UFAM com trabalho voltado à
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa – Cabo Verde. E-mail: evpinheiro55@
gmail.com
243
Graduação em Letras (PPGL) com pesquisa financiada pela Fundação de Amparo
a Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Tem experiência na área de Ensino
de Literatura e Literatura Brasileira. isabelybarbosa01@gmail.com
244
Naiva Batista Ferreira, natural de Parintins – AM.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade Federal
do Amazonas (UFAM). Possui Pós-Graduação em Linguística do Texto pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Graduação em Letras pela
Universidade Federal do Amazonas. É professora efetiva do Colégio Militar de
Manaus. Possui experiência na área de Letras, com ênfase no estudo da Língua
Portuguesa, Literatura Brasileira e Técnicas de Produção Textual. E-mail: nabafe@
hotmail.com
245
Rosa Maria Monteiro de Araújo, natural de Abaetetuba – PA.
Aluna do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras - UFAM.
Possui Especialização em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e suas Li-
teraturas (UEA/2015), Graduação em Letras - Língua Portuguesa (UFAM/2002),
Graduação em Administração - Comércio Exterior (CIESA/1992). Professora efe-
tiva da Secretaria da Educação, Esporte e Cultura, trabalha atualmente na Esco-
la Estadual Prof.ª Alice Salerno Gomes de Lima. Tem experiência no ensino de
Língua Portuguesa e Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: le-
tramento literário, gêneros textuais e planejamento didático. E-mail: rosamaria.
rm2014@gmail.com
246
Esta obra foi composta em
Minion Pro e Aller
em agosto de 2018