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Baleeiro, M. 2020 - A Evolução Do Sistema KANBAN Como Ferramenta de Gestão À Vista
Baleeiro, M. 2020 - A Evolução Do Sistema KANBAN Como Ferramenta de Gestão À Vista
Pós-graduação
Gestão Ágil de Projetos - Turma nº 05
18/11/2020
RESUMO
É admirável como a filosofia do Sistema Toyota de Produção que nasceu nos anos 40,
alicerçada nos princípios da simplicidade, transparência, eliminação obsessiva do desperdício
e colaboração, foi transplantada com sucesso para as novas metodologias de gestão ágil atuais.
O sistema Kanban1 criado por Taiichi Ohno é a principal ferramenta de gestão à vista utilizada
nos processos de produção “Apenas a Tempo e no Tempo” (Just in Time) para controle de fluxo
dos “trabalhos, materiais e/ou recursos em curso” (Work in Progess), com o objetivo de facilitar
a sua visualização, “puxar” e regular o fluxo e permitir intervenções de melhoria. Da
manufatura enxuta e flexível (“Lean Manufacturing”) que levou a Toyota à liderança da
indústria automotiva, ao Manifesto Ágil e às modernas fábricas de software, demonstra-se que
a associação de velhos conceitos e ideias já provadas, possibilita a criação de novas ideias
(“insights”) e usos inovadores. É a velha teoria de Antoine Lavoisier, de que “Na natureza nada
se cria e nada se perde, tudo se transforma” em ação.
1 INTRODUÇÃO
A utilização dos quadros de gestão à vista, recheados de “post-its” com anotações feitas à mão,
para os mais diversos usos e finalidades, tornou-se uma característica marcante da gestão, das
metodologias e das equipes ágeis que vêm sendo adotadas por muitas empresas.
Com a crescente digitalização dos processos, catapultada pela recente pandemia de COVID19,
assistimos à proliferação de inúmeros aplicativos que oferecem a alternativa virtual e
colaborativa on-line para a construção destes mesmos quadros de gestão à vista, com a
aplicação de post-its, editáveis, manuseáveis, armazenáveis e transferíveis como qualquer outro
arquivo digital. Trello, Miro, Mural, Google Jambord, entre outros, são algumas dessas novas
plataformas ágeis e digitais de colaboração, disponíveis.
1
Kanban é um termo em japonês cuja tradução literal é “cartão”. Segundo Ohno (1978), os primeiros kanbans
eram um pedação de papel contendo instruções diversas, colocados dentro de um envelope de vinil transparente.
Mas o que está por trás dos quadros recheados de post-its, que se tornaram a marca “ágil”? Para
responder a esta questão, o trabalho de pesquisa empreendido para a elaboração deste artigo se
propõe a estabelecer uma conexão entre a filosofia de gestão implantada pela fabricante de
automóveis Toyota Motors no Japão desde 1937, conhecida como Sistema Toyota de Produção
(“TPS”), e a filosofia de gestão baseada no Manifesto Ágil de 2001, que hoje vivenciamos. O
elemento comum entre elas é o sistema Kanban, que cumpre vários papeis, como facilitar a
visualização, “puxar” e regular o fluxo de produção e permitir intervenções de melhoria para
eliminação de desperdícios e aumento da produtividade.
Em 1986, o autor participou de uma missão de estudos ao Japão, patrocinada pela JMA-Japan
Management Association, destinada a ensinar as técnicas industriais japonesas a executivos
brasileiros. Após um curso preparatório de seis meses no Brasil, a missão no Japão em si teve
duração de 4 semanas, e constou de aulas teóricas e treinamentos em chão de fábrica em dez
empresas de setores produtivos diferentes, como o setor automotivo e de autopeças, a
construção naval, o de eletroeletrônicos e a indústria de alimentos. Na ocasião, o autor teve a
oportunidade e o privilégio de ser aluno de Taiichi Ohno, o “pai” do Kanban, e Shigeo Shingo,
ambos ícones mundiais da filosofia de gestão da manufatura “Apenas a Tempo e No Tempo”
(“just in time”), que é na realidade a base do Sistema Toyota de Produção.
Na virada dos anos 80 para 90, surgiu no Ocidente o movimento “Lean” ou do Pensamento
Enxuto (“Lean Thinking”) que encampou os princípios do TPS, com a denominação de
Manufatura Enxuta (“Lean Manufacturing”), o que será explicado mais adiante.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A literatura básica revisada para fundamentar este artigo se atém ao tema da evolução do
sistema Kanban como ferramenta de gestão à vista, controle de fluxo e inventário, redução de
desperdício e melhoria da produtividade, com maior ênfase no estudo e compreensão da
conexão existente entre os papéis e funcionalidades desempenhados pelo Kanban no contexto
cultural e industrial do Japão, onde nasceu, e daí para os seus usos no contexto da indústria de
softwares e outras aplicações atuais, a nível global. Em paralelo, há também um interesse em
desvendar as condições de contorno e a gênese das ideias2 subjacentes ao fenômeno Kanban,
observando-se a transformação da sociedade no curso da história, movida pela necessidade e
pela inovação3. Neste aspecto, Taiichi Ohno, considerado o “pai” do Kanban, nos traz uma frase
emblemática: “A necessidade é a mãe da invenção”. (OHNO, 1978, pg. 18)
Para isto, houve aqui e acolá, alguma digressão em relação ao objeto específico, permitindo-se
uma incursão da pesquisa por outros campos correlatos. Embora de maneira muito sintética e
própria dos artigos, pretende-se, com esta maior amplitude, evidenciar como a engenhosidade
humana é capaz de associar as ideias ou recriá-las, para responder às necessidades de cada
contexto, em cada época.
Taiichi Ohno nos oferece um manancial inesgotável sobre o tema em estudo, e diretamente na
fonte original, já que é considerado o “pai” do Kanban e um dos desenvolvedores do TPS. Não
menos relevante é a contribuição de Shigeo Shingo, que foi um renomado consultor de
engenharia industrial da Toyota e parceiro de Ohno, para aperfeiçoar o TPS, particularmente
em relação aos sistemas de trocas rápidas de ferramentas (SMED) e dos sistemas à prova de
bobeiras ou erros tolos (POKAYOKÊ). Contribuíram também para este aperfeiçoamento, as
ideias dos controles estatísticos, do ciclo PDCA4 e da qualidade total de W. Edwards Deming,
trazidas para o Japão em 1950. (OHNO, 1978), (SHINGO, 1982), (DEMING,2020).
Taiichi Ohno nos apresenta diferentes versões na definição do Sistema Toyota de Produção,
conforme as suas múltiplas facetas, por se tratar de um conjunto de técnicas entrelaçadas,
contemplando uma ideia central, com vários corolários, conforme a perspectiva da análise.
Segundo ele, o TPS é uma filosofia, um modelo ou um método. A ideia central, exaustivamente
repetida é a seguinte:
2
Definição do MIT: uma “ideia” é um potencial par perfeito para solucionar um problema, que em geral requer
alguma experimentação e refinamento, para um encaixe perfeito. (BUDDEN e MURRAY, 2017)
3
Definição do MIT: inovação é o processo de levar uma ideia desde a sua concepção até o seu impacto na
sociedade. (BUDDEN e MURRAY, 2017)
4
O ciclo PDCA “Plan-Develop-Check-Act/Adjust” foi idealizado por Walter Shewhart no Bell Labs-EUA, como
método iterativo para gestão de mudanças e aperfeiçoamento contínuo, e posteriormente incorporado por Deming
no conjunto das ideias da qualidade total. https://kanbanize.com/lean-management/improvement/what-is-pdca-
cycle
Repetindo, os dois pilares do Sistema Toyota de Produção são o just-in-time e a
automação com um toque humano, ou autonomação. A ferramenta utilizada para
operar o sistema é o kanban, uma ideia que tirei dos supermercados americanos”.
(OHNO, 1978, pg. 27) (grifos do autor)
Ohno (1978, pg.21) enfatiza a importância da técnica de perguntar os “cinco por quês” como
ferramenta de melhoria contínua6, considerada por ele como uma abordagem científica para
que se possa de fato encontrar a causa-raiz de um problema. E isto foi de grande valor para o
aperfeiçoamento do TPS ao longo do tempo:
“...o Sistema Toyota de Produção tem sido construído com base na prática e na
evolução desta abordagem científica. Perguntando cinco vezes “por quê” e
respondendo cada vez, podemos chegar à verdadeira causa do problema, que
geralmente está escondido atrás de sintomas mais óbvios.”
a) Desperdício de superprodução;
b) Desperdício de tempo disponível (espera);
c) Desperdício em transporte;
d) Desperdício do processamento em si;
e) Desperdício de estoque disponível (estoque);
f) Desperdício de movimento;
g) Desperdício de produzir produtos defeituosos.
A eliminação completa desses desperdícios pode aumentar a eficiência de operação por uma
ampla margem.” (OHNO, 1978, pg. 23)
5
Segundo o site KANBANIZE, https://kanbanize.com/pt/gestao-lean/melhoria/5-porques-ferramenta-de-analise a
técnica dos “5 Por quês” para identificação da causa-raiz foi desenvolvida pelo industrial e inventor Sakichi
Toyoda, pai de Keijiro Toyoda, o fundador da Toyota Motor Company.
6
A melhoria continua é também denominada de Kaizen, em japonês.
2.4 Sobre o controle visual e o papel do Kanban como ferramenta de comunicação direta
“Em cada planta da Toyota Motor Company, bem como nas plantas de produção
das empresas fornecedoras que adotam o Sistema Toyota de Produção, o
controle visual é estabelecido integralmente.
Folhas de trabalho padrão são afixadas em local bem visível em cada estação de
trabalho. Quando alguém olha para cima, o andon (o quadro de indicação de
parada da linha) fica visível, mostrando rapidamente o local e a natureza das
situações problema. Além disso, caixas contendo os componentes, trazidas para
o lado da linha de produção, chegam com um kanban afixados nelas, o símbolo
visual do Sistema Toyota de Produção”. (grifo nosso)
A figura 1 abaixo, ilustra como é o “cartão” Kanban como ferramenta de comunicação típica
da Toyota, seja entre as suas diferentes linhas ou seções da produção internas, seja com os
parceiros externos, fornecedores de peças:
Todas as informações são grafadas em números e letras (modo analógico), bem como, em
códigos de barras para leitura ótica (digital), à prova de erros de transcrição. É também comum
a utilização de fichas com cores padronizadas, como um fator adicional de sinalização e
diferenciação.
A figura 2 abaixo, ilustra como são circulados os diversos “cartões” (kanbans) ao longo do
processo de produção, baseado no conceito de “puxar”, ou seja, tudo começa com os pedidos
dos clientes, que puxam o produto final, a linha de montagem final puxa os componentes
imediatamente anteriores necessários, e, assim sucessivamente:
Figura 2 – Ilustração da linha de produção puxada pelos “cartões” Kanban:
Production Production
Instruction Instruction
Use of Use of Use of
KANBAN KANBAN
material parts parts
Parts transportation Parts transportation
S2 P1 S1 S2 P2 S1 S2 P3
2.5 Sobre a máquina autônoma e inteligente que para a produção quando há problema
7
Segundo Ohno (1978) a ideia da autonomação é oriunda dos teares da indústria de tecelagem da família Toyoda
e desenvolvida por Sakichi Toyoda, que além de industrial era inventor.
8
Os conceitos de trabalho coletivo, assistência mutua e das entregas por equipe, esquivando-se simplesmente de
medir o desempenho individual, foi perfeitamente incorporado nas metodologias ágeis.
Ohno (1978, pg. 20) aponta que a ideia de estocar arroz para a subsistência, advinda dos nossos
ancestrais, embora natural e compreensível, não tem mais lugar na complexa sociedade
capitalista atual:
Ao relatar a sua ousadia para contrariar o pensamento dominante na época, baseado na doutrina
da engenharia industrial americana, Taiichi Ohno enaltece a criatividade, a perseverança, a
necessidade de questionar o status quo e a experimentação9, descrevendo detalhadamente as
diferenças entre o sistema de produção tradicional por lotes ou bateladas (sistema de “empurrar”
do começo para o fim da linha), tipicamente focada na eficiência de atividades estanques, em
contraposição à abordagem sistêmica just in time (sistema invertido = de “puxar”), tendente ao
lote econômico unitário, que busca a eficácia econômica de todo o processo, agregando valor o
tempo todo, pela eliminação de todas as formas de desperdício:
Nos EUA, os gigantes automotivos ficaram atônitos e quase foram à bancarrota, tratando logo
de copiar o modelo japonês, mas esbarraram em questões culturais e estruturais da sua
economia. A solução interina dos americanos foi de impor barreiras comerciais para forçar os
japoneses a se mudarem para os EUA, para não perder o acesso àquele gigantesco mercado,
através de associações com os fabricantes locais. Foi uma maneira deles aprenderem as novas
técnicas. Logo, os americanos encamparam os princípios do TPS e o rebatizaram na versão
ocidentalizada como “lean10”, sinônimo de manufatura enxuta e flexível. (OUCHI, 1981);
(MORITA, 1982); (PASCALE e ATHOS, 1982); (CRANDALL, 2020).
10
O termo “lean” foi cunhado por John Krafcik (KRAFCIK,1988) e posteriormente transformado na teoria do
Pensamento Enxuto (“Lean Thinking”) por James Womack, Daniel Jones e Daniel Roos, com a publicação do
livro “The Machine that Changed the World” em 1990. (vide https://www.lean.org/downloads/MITSloan.pdf )
11
Manifesto Ágil: conjunto de princípios e valores, acordados espontaneamente, e por consenso, em forma de
manifesto, por um grupo de expoentes da indústria de desenvolvimento de software dos EUA, em 2001.
12
Scrunban ou ScrumBan é a junção do método Scrum com o Kanban.
Anderson (2010) relata que seu encontro com o Kanban decorreu, de um lado, do acaso de uma
visita ao Palácio Imperial do Japão, e de outro lado, da influência de Donald Reinertsen, que se
trata de um estudioso do Kanban, que aliás, prefaciou o livro de Anderson. Sua primeira
experimentação dos princípios do Kanban, aplicados à indústria de desenvolvimento ágil de
softwares, ocorreu na Microsoft em 2004, tendo alcançado excelentes resultados.
Em seu relato, Anderson aponta que durante muitos anos se debatia com dois problemas
recorrentes. De um lado, como disciplinar o fluxo de trabalho das suas equipes de
desenvolvimento de software, de tal forma a aumentar a qualidade, produtividade e
previsibilidade das entregas, que resultasse numa situação ganha-ganha, isto é, atender às
demandas da empresa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida dos colaboradores. De
outro lado, como ampliar a adoção de uma abordagem ágil para a empresa toda, superando a
inevitável resistência às mudanças necessárias. Anderson estava convencido que a solução para
ambos os problemas seria um sistema de “puxar” o fluxo de produção. Depois de uma
experiência realizada com a metodologia Tambor-Pulmão-Corda13, Anderson fixou-se na
filosofia do Kanban, e, segundo suas próprias palavras, tornou-se um pregador dessa filosofia
mundo afora, em razão das suas inúmeras virtudes e benefícios.
Anderson (2010) descreve que a baixa qualidade é o maior desperdício de todos, na indústria
de desenvolvimento de software, e apresenta uma receita para o sucesso, a qual o Kanban atende
em todos os aspectos, a saber: a) Foco na qualidade; b) WIP regulado e balanceado; c) Entregas
regulares e frequentes; d) Capacidade balanceada com a demanda; e) Priorização das atividades
e tarefas; f) Ataque às fontes de variabilidade para melhorar a previsibilidade.
3 METODOLOGIA
13
Do inglês “Drum-Buffer-Rope”, metodologia para identificação e remoção de gargalos preconizada pela Teoria
das Restrições (GOLDRATT, 1999 apud ANDERSON, 2010)
bibliográfica quanto ao procedimento técnico adotado, que consistiu de extensa revisão de
literatura, indicada no Referencial Teórico acima.
A despeito da extensa pesquisa realizada, no âmbito de um artigo técnico não seria possível
reproduzi-la em toda a sua plenitude e profundidade, razão pela qual a apresentação dos
resultados será condensada em infográficos, quadros e diagramas, inspirados no formato de
comunicação visual do Kanban.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Randle e Watanabe (1987) descrevem a sociedade japonesa como muito homogênea, altamente
instruída e disciplinada, cujas características culturais tem raízes no sistema feudal, que remonta
à era Tokugawa (1603-1868), baseadas na lealdade, obediência e honestidade. Já nessa época,
entretanto, o combate ao desperdício e a educação dos filhos eram valores fundamentais. Na
sociedade japonesa o grupo tem precedência sobre o indivíduo, por considerar que “o grupo
reflete o amor dos japoneses pela harmonia”.
Morita (1986, pg. 245) descreve o Japão como um conjunto de ilhas vulcânicas, sujeitas a todo
tipo de catástrofes naturais e cuja extensão geográfica agregada é diminuta em proporção à
população14 que nela vive:
Morita (1986, pg. 246) explica o significado de mottainai, uma palavra japonesa que exprime
o sentimento religioso japonês em relação ao desperdício, que é considerado uma heresia e uma
irreverência à confiança divina. “O desperdício de qualquer coisa é considerado vergonhoso e
virtualmente criminoso”.
Segundo Ohno (1978), a saga industrial da família Toyoda começou na esteira da revolução
industrial no final do século XIX, na indústria têxtil. Sakishi Toyoda era um próspero industrial
e inventor, que sonhava em produzir carros para os japoneses, o que só foi possível após a sua
morte, pelas mãos do seu filho Keichiro Toyoda, fundador da Toyota Motors em 1937. Mas,
Sakishi deixou como legado as suas ideias relativas ao método dos “cinco por quês” e da
autonomação das fábricas. Logo após a rendição dos japoneses na segunda guerra, Keichiro
lançou o “supremo” desafio da Toyota: “”. Durante a guerra, a Toyota esteve à beira da falência.
Ohno (1978) relata que se via perplexo, ao comparar a produtividade média americana com a
japonesa da época, na razão de 1 x 9. Como aumentar em 9 vezes a produtividade para alcançar
os americanos?
14
A população japonesa atual é de 127 milhões, para uma área total de 377. 801 Km2. (fonte: Mundo Educação.
Uol. https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/japao-1.htm ). O Estado de Minas Gerais possui uma área de
586.528 Km2 para uma população atual de 20,7 milhões. A densidade população do Japão é cerca de 40 vezes
maior que a de Minas Gerais, considerando-se que menos de ¼ do território japonês é habitável.
Morita (1986) admite que nos anos 50 e 60, os produtos Made in Japan eram sinônimos de
baixa qualidade, sendo vistos com reserva no mercado internacional. Havia escassez de tudo e
os japoneses dependiam de importações, praticamente, de todas as matérias primas que
necessitavam, principalmente petróleo, e precisavam reequilibrar a sua balança comercial com
o resto do mundo através de exportações.
Segundo Ohno (1978), a Toyota foi salva em 1950 por uma grande encomenda de caminhões
do Exército americano, durante a Guerra da Coréia. Junto com a encomenda, os americanos
estabeleceram os padrões de qualidade a serem atendidos e trouxeram o Prof. Deming para
ensiná-los. Começou aí a revolução na Toyota, construída pelas mentes brilhantes de Ohno,
Shingo e Deming, inspirados na sabedoria milenar japonesa, nas teorias de Frederic Taylor,
Henry Ford e Walter Shewhart e no legado de Sakichi Toyoda, adaptados para aquela nova
realidade. Os resultados práticos, graças ao Kanban, podem ser vistos comparando-se a
evolução do giro anual dos estoques, Quadro 1:
Quadro 1
Giro médio anual de estoques em empresas automotivas
Concorrente 1 Concorrente 2 Concorrente 3
Ano Toyota
Japão EUA EUA
1960 41 vezes 13 vezes 7 vezes 8 vezes
1965 66 vezes 13 vezes 5 vezes 5 vezes
1970 63 vezes 13 vezes 6 vezes 6 vezes
Fonte: SHINGO (1982, pg. 167)
Do ponto de vista econômico-financeiro, o TPS puxado pelo Kanban tem um impacto virtuoso
sistêmico, aumentando a eficácia de todo o ciclo empresarial pela eliminação dos desperdícios
(redução de custos) e a dinamização do giro dos estoques, o que corresponde a maior
competitividade e lucratividade, drástica redução da demanda líquida de capital de giro e
aumento exponencial da rentabilidade da Toyota, em termos de retorno sobre o capital
empregado (ROCE) e retorno sobre os ativos (ROA).
Resumiu-se em infográfico (fig.3) os marcos históricos mais relevantes dos últimos 120 anos,
relacionados à gênese do Kanban e à sua transposição para o mundo ágil atual, que mostra como
as ideias foram evoluindo ao longo do tempo, através dos insights captados por personagens
que marcaram suas épocas, pela sua visão empreendedora e capacidade transformadora:
ScrunBan
KANBAN KANBAN
Método KANBAN
Sistema KANBAN SCRUM
JUST-IN-TIME GESTÃO ÁGIL DE PROJETOS
O resultado a partir desse insight, é que Anderson vislumbrou a aplicação do Kanban, não
apenas como na manufatura da Toyota, mas para qualquer tipo de atividade produtiva, que
demanda algum tipo de gestão. "O Kanban é baseado numa ideia muito simples. As atividades
em andamento devem ser limitadas. Algo novo só deve ser iniciado quando uma peça de
trabalho existente é liberada ou quando uma função automática inicia isso. É uma iniciativa
Lean (enxuta) para moldar a cultura das organizações e encorajar a melhoria contínua.”
(ANDERSON, 2010).
Como se pode notar, o Kanban de Ohno e o Kanban de Anderson estão baseados nos mesmos
princípios, com as adaptações próprias para cada contexto, conforme o Quadro 2:
Quadro 2
SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO E MANIFESTO ÁGIL DE 2001 E O KANBAN
KANBAN DE TAIICHI OHNO DE 1950 DE DAVID ANDERSON DE 2004
1. Gestão à vista, Kanban, Andon 1. Visualizar o fluxo de trabalho
2. Sistema puxado, produção nivelada 2. Limitar trabalho em progresso
3. Visão sistêmica, sincronização 3. Gerenciar o fluxo
4. Folhas padrão de produção, transparência 4. Tornar as políticas explícitas
5. Autonomia para parar a produção, 5 por quês 5. Implementar laços de feedback
6. Trabalho em equipe, assistência mutua 6. Melhorar colaborativamente,
7. Melhoria contínua, Kaizen 7. Evoluir experimentalmente
Fonte: Elaborado pelo autor; Anderson (2010).
No novo Kanban, o conceito de desperdício que o é vilão para o TPS, foi substituído por um
conceito equivalente do modelo econômico de custo, como custos de transação, custos de
coordenação e custos de carga de falhas. Da mesma forma, a comunicação visual, física e
analógica do Kanban de Ohno, vem sendo substituída pelas plataformas digitais de gestão e
colaboração on line, como Trello, Miro, Mural, Google Jambord e outros.
O Sistema Kanban da indústria de software, desenvolvido por Anderson (2010), que faz questão
de ressaltar o “K” maiúsculo, apresenta diferentes formatações, em razão da sua enorme
flexibilidade e adaptabilidade para diferentes contextos, qualidades estas que são muito
valorizadas e ressaltadas por ele, as quais explicam a sua grande aplicabilidade.
As figuras 6 e 7 abaixo ilustram diferentes formatos de quadros Kanban para controle visual de
fluxo de processos, desde os mais simples, aos mais complexos:
Figura 6 – Ilustração do Kanban adaptando-se a diferentes contextos
A forma mais elementar do
Kanban consiste em três colunas
com três situações:
1. “To Do” = a fazer ou backlog
de tarefas em espera;
2. “Fazendo” = atividades em
andamento (WIP);
3. “Done” = pronto ou atividades
concluídas
Uma recente pesquisa sobre a utilização do Kanban no mundo ágil pelo site State of Agile, nos
traz o posicionamento relativo do Kanban com 7% de utilização em relação aos outros métodos
e práticas ágeis, conforme Figura 8 abaixo, onde se destaca o Scrum com 58%:
Figura 8
Em relação às técnicas da gestão ágil mais empregadas, o Kanban ocupa a 6ª posição, atrás de:
1) Reuniões diárias (dailies); 2) Retrospectivas; 3) Planejamento de sprints; 4) Revisão de
sprints; 5) Ciclos curtos de iteração. Vide Figura 9 acima.
Entretanto, entre as ferramentas de gestão ágil de projetos, o quadro Kanban era disparado o
mais utilizado por 76% dos usuários em 2019, com 10% dos usuários planejando utilizá-lo,
conforme a Figura 10:
Figura 10
USA ATUALMENTE PLANEJA UTILIZAR
Entretanto, Anderson (2010) adverte que a mera utilização de quadros kanban de gestão à vista,
não caracteriza a condição necessária para o funcionamento do sistema Kanban, que exige a
limitação explícita de WIP e a sinalização para a “puxada” de novos itens de trabalho.
5 CONCLUSÃO
O sucesso do Kanban como ferramenta de gestão, nos vários contextos em que se insere, decorre
da sua simplicidade e adaptabilidade, da conexão transparente, direta e intuitiva que logra
estabelecer, em todo e qualquer processo de comunicação e/ou interação em que é utilizado.
Nesse processo contínuo de transformação, poderá o novo Kanban, na versão ágil, ser
transposto de volta para o chão de fábrica, criando a “manufatura ágil” no âmbito da indústria
4.0? Como estará hoje o Kanban criado por Ohno, sendo utilizado nas fábricas da Toyota? Estão
são indagações instigantes, que ensejam a recomendação para futuras pesquisas.
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA
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Publicado por Active.Collab. Disponível em https://activecollab.com/project-management-
guides/kanban-ebook Acesso em 25/10/2020.
CRANDALL, C. The effects of US Trade protection for autos and steel. pdf. Brookings
Institution. Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/6252262.pdf Acesso em
18/11/2020.
KANBANIZE, site. 5 Por quês: a melhor ferramenta para a análise de causa raiz.
Disponível em https://kanbanize.com/pt/gestao-lean/melhoria/5-porques-ferramenta-de-
analise Acesso em 18/11/2020.
MORITA, A. Made in Japan. 1ª. ed. Livraria Cultura Editora. São Paulo: 1986.
OUCHI, W. Teoria Z. Como as empresas podem enfrentar o desafio japonês. 6ª. ed. Editora
Fundo Educativo Brasileiro. São Paulo: 1981.
RANDLE, J.; WATANABE, M. Sua Viagem ao Japão. Cedibra Editora Brasileira. São Paulo:
1987.
SHINGO, Shigeo. Study of Toyota Production System from industrial engineering viewpoint.
Published by Japan Management Association. Tokyo, 1981.
WOMACK, James P.; JONES, Daniel T. Lean Thinking: Banish waste and create wealth in
your corporation. E-book. 2003.