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FILOSÓFICO-CRÍTICA
A Escola do Realismo Jurídico também possui suas raízes longínquas e possui como
mais ilustre representante no século XIX o célebre Friedrich Carl von Savigny (1779 - 1861).
Para esta corrente, o direito surge daquela realidade social onde comportamentos humanos
fazem e desfazem as normas de conduta. Direito não é norma justa (por certa ética filosófica)
ou a norma válida (segundo e em dado ordenamento), mas sim a regra eficaz que emerge da
vida vivida pelos homens. Mais recentemente, quem defendeu o Realismo Jurídico foi o jurista
norte-americano Oliver Wendell Holmes (1841-1935), durante muitos anos juiz da Suprema
Corte dos Estados Unidos. Holmes foi, segundo a opinião de Norberto Bobbio, “o primeiro,
primeiramente no exercício de suas funções a rejeitar o tradicionalismo jurídico das cortes e a
introduzir uma interpretação evolutiva do direito, mais sensível às mudanças da consciência
social “2.
O positivismo ideológico sustenta que a justiça das normas se reduz ao fato de que
elas são fixadas por quem tem a força para fazê-las respeitar. Como dizia Hobbes: iustum quia
iustum. E ordenado por quem? Por quem tem a força. Portanto para o positivismo jurídico
ideológico, o “príncipe” o é criador da justiça4.
Neste sentido, avança-se à dicotomia entre o ser e o dever ser, já abordada pelos
gregos, nascida do método Kantiano que divide o mundo em sensível e intelegível. No âmbito
do conhecimento, a sensibilidade e o entendimento é o que tornam possível a síntese (juízos
sintéticos), enquanto no mundo intelegível não podem oferecer qualquer contribuição, pois este
pertence à esfera dos fins. No âmbito do dever ser a razão é a faculdade criadora e não
apenas reguladora. Mas, o dever ser exige uma causa originária que lhe dê fundamento: a
liberdade.
Importante para a posterior aplicação à construção kelseniana é que kant quer criar
uma Ética universal, independente da experiência, pois, se “relativamente à natureza, a
experiência dá-nos regra e é a fonte da verdade; no que toca às leis morais a experiência é
(infelizmente) a madre da aparência e é altamente reprovável extrair as leis acerca do que
devo fazer daquilo que se faz ou querer reduzí-las ao que é feito.” 12
A Ética, como a entende Kant, não pode ser empírica, isto é, não pode fundar-se em
princípios da experiência, mas apenas em princípios a priori. Os princípios éticos tem que ser
necessariamente universais: não são fundamentados na natureza mas sim nos princípios puros
da razão. Embora a máxima da ação seja subjetiva, a lei moral é objetiva. Os princípios morais,
já que não podem ser extraídos da natureza humana (da experiência), devem ser buscados a
priori, em conceitos puramente racionais. Pelo fato do homem ser racional conhece a lei moral
mas pelo fato dual de ser também sensível, não necessariamente obedece à lei moral por
causa de sua sensibilidade.
A razão impõe regras à ação humana através dos imperativos que podem ser
hipotéticos ou categóricos. Os hipotéticos representam a necessidade de uma ação possível
como meio de se alcançar um fim. Os categóricos mandam uma ação objetivamente, sendo
esta boa por si mesma. Kant se pergunta como são possíveis esses imperativos categóricos,
ou seja, como é possível ligar a vontade o ato a priori. A resposta à esta pergunta é a busca
pelo princípio supremo da moralidade, pelo fundamento de moralidade que na obordagem
kantiana é desenvolvida na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
O neopositivismo é a filosofia do Círculo de Viena, que teve seu início quando o físico e
filósofo Moritz Schick (1882-1936) foi chamado por Kiel para a Universidade de Viena, a fim de
ocupar a cátedra de filosofia das ciências indutivas. Viena constituiria um terreno
particularmente adequado para o desenvolvimento das idéias neopositivistas, em virtude do
fato de que, durante a segunda metade do século XIX, o liberalismo (com o seu patrimônio de
idéias originado do iluminismo, do empirismo e do utilitarismo) representava a orientação
política predominante. Ademais, diferentemente da maioria das Universidades alemãs, a
Universidade de Viena se mantivera graças à influência da Igreja Católica, substancialmente
imune ao idealismo. Desse modo, foi a mentalidade escolástica, que preparou a base para a
abordagem lógica das questões filosóficas.
A subida de Hitler ao poder acarretou também o fim do Wiener Kreis. Alguns membros
do grupo (como Carnap, Feigl e outros) emigraram para os Estados Unidos, onde o seu
pensamento entrou em simbiose com as correntes empírico-pragmáticas da filosofia norte-
americana.
Outra distinção entre outras, algumas vezes herméticas sua compreensão, é a de que
a proposição jurídica descreve a norma jurídica. Desta forma, por exemplo, em 1940, ao editar
o Código Penal, o legislador enunciou que o homicídio deve ser punido com reclusão de seis a
vinte anos (art. 121). Desde então, em cada aula de Direito Penal, sobre os crimes contra a
vida, professores tem enunciado que o homicídio deve ser punido com reclusão de seis a vinte
anos. O primeiro enunciado prescreve condutas, deriva do exercício da competência legislativa
por quem o titulariza. O outro se limita a descrever o art. 121 do Código Penal, no contexto do
conhecimento da ordem jurídica em vigor no Brasil. Aquele é norma jurídica e este é
proposição correspondente.
Para então, a partir de um conceito de norma em Hans Kelsen partirmos para uma
compreensão de do que seria um sistema de normas, torna-se necessária a conceptualização
clara do que é a norma hipotética fundamental. Qualquer sistema, enquanto conjunto
constituído por elementos constituintes, necessita de uma base e assim também ocorre com o
sistema legal de normas. Recorrendo-se à estrutura hierárquica das normas, não
necessariamente uma norma deve sustentar todas as outras mas necessariamente uma norma
deve dar validade e eficácia a todas as outras subseqüentes e neste raciocínio, posteriores.
A posição de Kelsen que pode ser tida como a definitiva é a expressa na segunda
edição alemã. Nesta, Kelsen afirma a liberdade de se escolher entre qualquer construção
monista. Em relação à norma fundamental, avança além da abordagem Constitucional
nacional: “Admitindo a primazia do Direito Internacional sobre o Direito nacional, o problema da
norma fundamental desloca-se da ordem jurídica nacional para a ordem jurídica internacional.
Então, a única norma fundamental verdadeira, uma norma que não é criada por um
procedimento jurídico, mas pressuposta pelo pensamento jurídico, é a norma fundamental do
direito internacional.” 24
2.4 - CRÍTICA
Frise-se isto porque se é certo que Hans Kelsen é um autor que possui um sistema
hermético, baseado em sistemas filosóficos definidos. É desmedido afirmar que sua obra é
superada. Cometeríamos o mesmo erro se considerássemos a obra Aristotélica como separada
colocando os volumes da Física em um mesmo patamar da Ética à Nicômaco; ou seja, na obra
de Kelsen há o posicionamento pessoal que se qualifica por posturas que juridicamente não
apresentaram uma resposta social adequada em termos de eficiência de aplicação26 e há a
síntese jurídica insuperável se comparado a qualquer outro autor. A Teoria Pura do Direito é,
assim, o ápice da trajetória típica da modernidade, no sentido da tentativa de alicerçar na
ciência o conhecimento da organização da sociedade estabelecida através de normas; é por
isso que o sociólogo Boaventura Souza dos Santos o localiza no período do modernismo27, já
que é patente um medo de um contágio pela política, moral, ou cultura de massa ou popular.
Por ocasião dos 50 anos de Kelsen, foi publicada uma obra em homenagem ao autor,
contendo diversos ensaios de pensadores do mundo todo em que se pode refletir a importância
e reconhecimento ainda em vida: “Nesta coletânea, o coreano, Tomoo Otaka exigia que a
metodologia kelseniana devesse significar , no futuro (estávamos em 1931), a única forma
possível de conhecimento autônomo do direito. E o japonês Kisaburo Yokota, o mencionava,
ao lado de Stammler, como o mais significativo filósofo do direito da atualidade. O espanhol
Luiz Legaz y Lacambra afirmava, no mesmo livro, que o pensamento jurídico do século XX
teria de ser ‘um permanente diálogo com kelsen’ ”. 28
De fato, neste ano corrente, a revista Crítica Jurídica das Universidades de Sonora e
Nacional Autônoma do México, dedicou sua edição à Hans Kelsen, publicando inclusive um
texto inédito em língua espanhola sobre a norma fundamental o que proporcionou um crítica
mordaz do editor: “ (...) Esto desesperó a buena parte de los kelsenistas, apologetas del
Estado y el derecho, malos kelsenistas, por tanto, porque el sistema jurídico quedaba
suspendido de algo tan poco elegante o respetable, como una ficción”. 29
A bem da verdade, Kelsen, em sua última aula, em 17 de maio de 1952, quando deu
sua última aula em Berkeley, confessou em tons de mea culpa, que não havia respondido à
pergunta : o que é justiça? Disse ele: “A minha única desculpa é que, a esse respeito, estou em
ótima companhia: teria sido muita presunção fazer crer (...) que eu teria podido alcançar êxito
onde falharam os pensadores mais ilustres. Consequentemente, não sei e não posso dizer o
que é a justiça, aquela justiça absoluta que a humanidade procura. devo me contentar com
uma justiça relativa. Assim, posso dizer apenas o que é justiça para mim. Como a ciência é a
minha profissão e, portanto, a coisa mais importante de minha vida, a justiça é para mim
aquela ordenamento social sob cuja a proteção pode prosperar a busca da verdade. A minha
justiça é portanto a justiça da liberdade, a justiça da democracia, em suma, a justiça da
tolerância.” 32
Notas
1 A síntese escolástica e a tomista por excelência neste período, apresentam uma visão
bastante madura das diversas acepções do Direito, já não podendo se falar em Direito natural
puro: “ Existe em primer lugar la igualdad natural de las cosas, que basta para fundar una
relación de derecho y por conseguiente de justicia. Yo puedo, por ejemplo, dar tanto para
recibir otro tanto. Y esto es o que se lhama el “derecho natural”, expressión que significa
primeramente lo que es naturalmente justo y, en consecuencia, de derecho. Un caso
completamente diferente es aquél en el que hay igualdad, equivalencia, en virtud de una
conveción, , sea privada o publica.(...) Estas decisiones crean relaciones de equivalencia más
flexibles que las de la estricta igualdad natural; el derecho que se origina en virtud de tales
conveciones se denomina ‘derecho positivo’. Finalmente, ciertas nociones sobre la equidad
derivan tan evidentemente de las exigencias de la razón que se las encuentra casi en todas
sociedades humanas. Fórmase asi un derecho positivo común a todos los hombres, que se
chama derecho de gentes.” (Gilson, 1951, 425-426)
2 Reale e Antiseri, 1991, 909.
3 Franca, 1928, pg. 194
4 Há neste contexto uma dúplice interpretação: uma é a concepção teológica-metafísica de um
poder temporal atrelado à um desejo divino como é o caso das monarquias ainda que
parlamentares ou constitucionais vigentes nos países ainda que culturalmente privilegiados
(Inglaterra). A outra interpretação é o caráter passivo de dominação, não poucas vezes
sedimentado culturalmente em povos ou nações como assinala Maquiavel: “Entretanto, quando
as cidades ou as províncias estão habituadas a viver sob o mando de um príncipe e que a
linguagem deste desaparece, elas, em parte por terem sido educadas à obediência, noutra
parte (morto o antigo príncipe) por não lograrem um acordo na escolha de um novo, mostram
sua inépcia para viver em liberdade. Por consequência, demoram-se a pegar em armas: um
príncipe, dessarte, delas poderá com mais facilidade apoderar-se e nelas ascentar o seu
domínio ” (Maquiavel, 2001, 27-28)
5 Coelho, 1999, 20
6 idem, 17.
7 Acentua-se aqui a idéia vigente à época de outro grande jurista, Francesco Carnelutti, que
embasa irrefutavelmente o assinalado sobre a tendência ao retretorno da escola jurisnaturalista
: “ O mérito do positivismo, tanto no campo do direito como em outro qualquer, é, sobretudo,
metodológico. (...) Neste sentido, a positividade que se encontra no coração do positivismo
consolidou a base ao caráter natural do direito. E, se hoje a ciência do direito retorna serena,
ao direito natural, fá-lo com uma consciência muito mais profunda do que a que tinha antes de
cair no erro. (...) Embora a minha informaçào sobre este movimento (nota do autor: o
neopositivista) seja, sob o aspecto filosófico, bastante reduzida, arrisco-me a afirmar que
também ele não conseguirá destruir a convicção, hoje profundamente arreigada entre os
juristas, de que o direito positivo respira o direito natural, e que não poderia sobreviver se não o
respirasse; e que, por outro lado, ajudará a ampliar aquela base de observação dos dados,
sem a qual não poderá atingir-se o que está para além do direito, como para lá de todos os
fenômenos.” ( Carnelutti, 1956, 289)
8 idem, 15.
9 Reale e Antiseri, 1991, 910
10 Gomes, 2000, 47.
11 Gomes, 2000, 55.
12 Kant, pg. 312.
13 “Na Idade Média, floresceu a idéia de que a autoridade dos governantes se fundava num
contrato com os súditos: o pactum subjectionis. Por este pacto, o povo se sujeitava a obedecer
ao príncipe enquanto este se comprometia a governar com justiça (...) No século XVII, Hobbes,
no Leviatã, e Locke, no tratado do governo civil, desenvolveram a concepção de que a própria
sociedade se funda num pacto, num acordo ainda que tácito entre os homens. A mesma idéia
foi difundida por Russeaus às vésperas da revoluçào Francesa, no Contrato Social.” ( Ferreira,
1990, pg. 5-6)
14 Bobbio, 1995, pg. 56.
15 Aqui caberia oportunamente uma digressão sobre a Filosofia da Linguagem, principalmente
a do movimento de da chamada Cambridge-Oxford Philosophy, fazendo referência clara a seus
centros de excelência. O fechamento do Wiener Kreis, é algo quase desconhecido para o
moviemto analítico de Cambridge e Oxford, onde a investigação filosófica se desenvolveu em
torno de toda uma série de grandes temas, que vão da linguagem religiosa à linguagem
metafísica, da historiografia, da ética e da política à estética e à percepção.
16 Reale e Antiseri, 1991, 991.
17 Coelho, 1999, 45.
18 Coelho, 1999, pg. 29
19 Kelsen, 1986, Sergio Fabris, pg. 329 ( Coelho, 32)
20 Kelsen, 1998, pg. 516-517.
21 Kelsen, Teoria pura do Direito, pg. 232.
22 idem, pg. 232
23 idem, pg. 234, nr. 15
24 Kelsen, 1998, pg. 178.
25 Coelho, 1999, pg. 22.
26 Aqui podemos oportunamente apontar que o puro positivismo jurídico que aborda que se a
lei existe por si só já é eficaz e válida; não conseguiram na sociedade pós-moderna
globalizada, a lei escrita e o rigoroso e moroso processo legislativo acompanhar a rapidez das
movimentaçõees sócio-econômicas internacionais. A rapidez com que surgem fatos jurídicos,
não comporta um sistema solene de criação de leis para tutelá-los.
27 Santos, 1993, 88/89.
28 Coelho, 1999, 14.
29 Critica Jurídica, 2001, Presentación.
30 Dworkin, 2000, pg. 168.
31 idem, pg. 171.
32 Reale, Giovanni e Antiseri, Dario, 1991, pgs. 913-913.
Bibliografia