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Avalanche LIVRO UNICO - Clary Avelino
Avalanche LIVRO UNICO - Clary Avelino
REVISÃO
Natália Nogueira; Roberta Aniceto; Luandra Raquel
Rebeca Carvalho; Amanda Lopes.
DESIGN DE CAPA
@ahlupin
DIAGRAMAÇÃO
Clary Avelino & Genevieve Stonewel
AVALANCHE
Clary Avelino — 1ª Edição; 2022 1. Romance Contemporâneo 2. Literatura
Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título
Caro leitor, a autora aqui é muito empolgada e sempre quer
enfiar todos os personagens existentes em outros livros, então aqui
eu vou te explicar de onde eles vieram para no meio do livro, você
não fique sem entender de que buraco eles saíram e o que diabos
estão fazendo ali.
“Avalanche” se passa em 2022, portanto, se você não leu os
livros já lançados do ClaryVerso Europeu, pode ser que haja algum
spoiler inconveniente aqui!
Mas, tudo ok, pois os personagens que vocês ainda não
conhecem, não terão spoilers que estraguem uma leitura futura.
Libanesca Fürtwangler: protagonista feminina de "As
Pernas da Cobra”
Hensel Becker: protagonista masculino de "As
Pernas da Cobra”
Aneska Hüber: protagonista feminina de “O Resgate
da Raposa”
Sebastian Carson: protagonista masculino de “O
Resgate da Raposa”
Ingryd Everlast: irmã da Libanesca, "As Pernas da
Cobra”
Dikker Heckmann: ex-jogador do Dortmund, "As
Pernas da Cobra”
Tolkien Nikolaj: amiga dos personagens de "As
Pernas da Cobra”
Benjamin Schnetzer: até então apresentado em "As
Pernas da Cobra” como amigo do Hensel
AVISO IMPORTANTE
SUMÁRIO
PREFÁCIO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Oi leitor! Então, mais uma conversinha antes de começar isso
tudo. Estejam cientes de que o livro trata de temas sensíveis e que,
infelizmente, podem causar vários tipos de reações.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INFERTILIDADE
FAMÍLIA TÓXICA
ASSÉDIO SEXUAL
ASSÉDIO MORAL
Aponte a câmera do seu celular para o QR CODE escute a
playlist oficial do livro durante a sua leitura.
Para todas as vozes de minha cabeça que nunca deixaram
esses personagens serem só uma memória que iria ser largada de
lado com o tempo,
— Ela disse o que? — Anna gritou, sua voz saindo tão aguda
que poderia estourar tímpanos, como eu tinha imaginado, aquela
mulher estava pronta para estrangular alguém. — Isso é ridículo!
Não é possível que elas realmente pensem que vamos concordar
com tudo isso.
Na verdade, eu iria sim concordar caso ela concordasse,
porque a ideia foi minha.
Quando Amy me perguntou qual a pior das soluções, pensei
em tudo que ela havia me dito. O problema do casamento é que
parecia algo profano para os conservadores, que infelizmente
faziam parte da metade dos torcedores do time. E que moviam toda
a economia em cima disso.
Era “profano” e “vulgar” — palavras da mídia, não minhas —
porque Natasha era amiga de Anna e toda a situação colocava
Anna como amante, o pivô de todo o término e quem não poderia de
jeito nenhum ter um final feliz. A outra garota Bolena — com dois N
em vez de um N só, dessa vez — que roubou o namorado da
amiga.
Toda a solução imperfeita era a mais óbvia, continuar
casados, viver uma vida feliz — lê-se cheia de marketing — de duas
pessoas casadas e mostrar que Natasha não estava nada mal com
isso — o que implicava com o fato de eu ter que ver minha ex-
namorada depois dela me dar um pé na bunda sem explicação, mas
era isso ou foder com todo mundo ao meu redor.
— Anna, me escuta. — Tentei soar calmo, mesmo não
estando nem perto disso, usando aquele tom de capitão que eu
mantinha antes de qualquer partida. — Essa situação só pioraria se
fizéssemos o óbvio, pensa bem. Continuar casados é a melhor das
nossas opções, tudo iria dar certo depois disso. Seria por pouco
tempo, só para acalmar as coisas e criar uma cena para a mídia.
Seis meses é de bom tamanho..
— SEIS MESES? — ela gritou. Bem no meu ouvido, aquela
mulher me deixaria surdo ou louco, muito provavelmente os dois.
Eu estava a dez centímetros dela.
E ainda assim ela gritou.
— Podemos fazer um acordo, eu não sei… Não quero ver as
pessoas falando coisas ruins de você.
— Coisas ruins de mim? — Falar que ela gritou parecia
repetitivo até nessa altura do campeonato. Será que ela não sabia
falar baixo? — Eu ouvi coisas ruins de mim a vida inteira, não ligo.
Enfia esse seu acordo no rabo, você quer dar razão para quem está
me chamando de interesseira?
— Anna, existe uma coisa chamada confidencialidade. Só
quatro pessoas saberiam disso. Amy, meu advogado e nós dois.
— A resposta é não.
— Por favor, isso pode acabar com minha carreira.
— Ah, então você está preocupado com o que falam de você,
não de mim. — Seu sorriso parecia desesperado e um pouco
tenebroso, Anna-Rose parecia mais nervosa do que eu naquele
momento. — A resposta ainda é não. Eu não vou ser sua esposinha
de mentira, não vou falar mais nada com você além do necessário
para assinar os papéis de divórcio e nunca mais olhar na sua cara.
Já tive que conviver o bastante com você quando estava com
Natasha, não tenho mais.
Foi aí que uma luz piscou acima de minha cabeça. Natasha.
Essa tinha sido a maior preocupação de Anna desde o começo.
Ela não ligava para o que estavam falando dela, ligava para o
que estavam falando sobre ela e Nat.
— Cinco pessoas saberão que é mentira.
— Oliver, por favor, só para de falar.
— Eu, você, Amy, meu advogado e Natasha.
Seus olhos se viraram para mim no mesmo momento, eu
conseguia ouvir os pensamentos se formando na sua cabeça, ou ela
me mandaria à merda, ou ela aceitaria o meu acordo.
Havia muito mais naquele olhar do que eu poderia dizer,
Natasha diversas vezes me disse que aquela mulher precisava
descobrir sua força interior e parar de deixar os outros pisarem nela.
Lá na Suécia, havia um ditado que minha avó sempre repetia:
Algumas ações da vida são destinadas a mostrar apenas quão forte
somos. E eu nem sabia se isso era realmente um ditado sueco, mas
se a minha avó falava, estava falado.
Nunca conteste minha avó.
Pela primeira vez em quatro anos, não acreditei naquelas
palavras de Nat. Anna sabia sim quão forte era, tanto que, no
momento, parecia que iria voar no meu pescoço só por ter ouvido o
nome da amiga saindo de minha boca.
— Só, por favor, fale com ela por mim. Não sei se tenho…
— Coragem o bastante para dizer isso na cara dela?
— Sim.
— Sabe, é bem reconfortante ver um brutamontes de quase
dois metros virar para você e assumir que é covarde e tem medo da
ex-namorada de 1,64m.
Estreitei os olhos. Quem ela era para dizer que eu tinha medo
da minha ex?
— Eu não tenho medo dela, só não quero ter que conversar
com ela.
— Você nem consegue dizer o nome dela, claro que tem
medo. Tenha coragem de dizer isso em voz alta, Oliver. Eu tenho
medo da minha ex-namorada.
Bastava.
— É, eu não iria conseguir ficar casado com você nem que
fosse pago para isso. É melhor ser odiado por todo mundo do que
passar por essa tortura.
Anna começou a rir, me olhando como se eu tivesse feito a
maior piada de todas. Aquela risada forçada que você dá para
algum dos seus parentes quando fazem piadas ruins, mas você
precisa daquele dinheiro para poder sair na sexta-feira.
— Oliver… — Meu nome saiu de sua boca cheio de veneno.
— Eu não ficaria casada com você nem se fosse paga para isso,
nenhum dinheiro vale tamanha falta de amor próprio. — Doeu, por
dois segundos doeu. Mas então eu lembrei como Anna era.
Azeda.
Chata.
Irritante.
E negativa o tempo todo.
Como Natasha aguentava isso?
Aquela seria minha última jogada, se não desse certo eu juro
que desistiria daquela mulher.
— Você pode ficar com 50% do meu salário durante todo o
período em que estivermos casados.
Ela me olhou, e a risada forçada ficou ainda mais alta. Eu
preferia quando Anna estava vomitando e não saía nenhuma
palavra de sua boca.
— Ainda bem que você é jogador, seria um péssimo
advogado. — Sua língua estalou, e ela suspirou de forma longa e
exaustiva. — Tudo bem.
TUDO BEM?
— Mas eu tenho condições. — Quase gargalhei, ainda assim
era um alívio.
— Seria estranho se não tivesse.
— Mas não quero seu dinheiro, de verdade. Claro que vamos
morar na sua casa, porque eu não tenho onde morar com outra
pessoa. E você vai pagar nossas contas porque é a sua reputação
que está em jogo, não a minha. Se eu pensar em mais alguma
coisa, te digo. Do básico, sem beijos, sem proximidade. Eu quero
meu próprio quarto e minha gata vai comigo.
— Tudo bem, mas você vai dormir no sofá por um tempo,
porque minha casa só tem três quartos. Um é meu, o outro é da
Zara e o que deveria ser de hóspedes está uma bagunça.
— Zara? Sério? — Seu tom era exatamente o que sempre
saía da boca das pessoas quando elas ouviam que Zara tinha seu
quarto.
— Qual o problema? — perguntei.
— Sua cadela tem o próprio quarto?
— Zara gosta de privacidade.
— Pela deusa… — Anna suspirou. Seu corpo parecia mais
relaxado que antes, como se ela estivesse se acostumando com a
ideia. — Tudo bem, mas ela vai ter que dividir o quarto com minha
gata então.
— Tolerável. — Não gostei, mas o que eu ia fazer?
Amy entrou na sala sem muita cerimônia. Ela tinha uma
expressão de pouca esperança até o momento que eu assenti com
a cabeça sinalizando que sim, estávamos de acordo e o casamento
ia permanecer.
— Anna está de acordo? — Amy perguntou, como se
quisesse confirmar que não era uma ilusão da cabeça dela.
— Sim.
Tenho a impressão que a relação das duas não iria ser a
coisa mais amigável do mundo.
— Karlsson, se você me deixar falar vai ser muito mais fácil.
— A agente me olhou extremamente feio, e eu mordi a boca na
representação de que sim, iria ficar calado. — Vocês só poderão
acabar o casamento com seis meses. Nesses seis meses, terão de
morar juntos, estar juntos e provar que sabem e podem fingir estar
numa relação linda, cheia de cumplicidade e que irão se tornar o
casal mais querido de todos. Cento e oitenta dias e tudo isso vai
acabar. Finjam que querem que isso aconteça e sairemos ilesos.
Anna levantou a mão como se quisesse falar.
Amy concordou.
— O que faremos com relacionamentos já existentes? — ela
perguntou, aquilo doeu como um tiro.
Não porque ela estava perguntando sobre outra pessoa, eu
não estava com ciúmes e era até incoerente pensar em ciúmes.
Era porque ela tinha outra pessoa.
Alguém que provavelmente havia visto as fotos, lido as
matérias e percebido a merda.
Alguém que estava machucado.
— Fingir que não existe, assim como vocês dois vão fingir
que esse relacionamento existe. Se tiver alguma prova dessa
relação, suma com ela. Estamos entendidos? — Assenti com a
cabeça, envergonhado demais para olhar na direção de alguma das
duas.
— Você namora? — murmurei para Anna assim que Amy
saiu.
— Eu sou casada agora. — Ela riu de nervoso, levantando os
dedos para limpar as novas lágrimas em seus olhos. — Não sabia?
E depois de dizer isso, ela virou a cara e saiu. Acompanhei
seu caminho com o olhar, e ela tinha ido ao banheiro,
provavelmente chorar ou vomitar porque era isso que ela estava
fazendo desde que chegamos aqui mais cedo.
Amy caminhou em minha direção para falar algo. Antes que
ela pudesse abrir a boca neguei com a cabeça e pedi uns minutos.
Para respirar, tentar aliviar a cabeça. Não surtar.
No final de tudo, tentar lidar com o que o futuro reservava.
Tudo estava acontecendo rápido demais, e nem pudemos ter
muito tempo para processar a situação de forma geral. Em um todo,
as conversas haviam sido, num resumo otimista: Ei, estamos
casados.
Sim, estamos sim, muito fodidos também.
Vamos falar com nossos advogados e pedir a separação.
Não posso me divorciar de você!
Vamos ter que continuar casados, uhul!
E acabava aí.
Bem, que grande desastre.
Amor nas alturas!
Oliver Karlsson e Anna Carbain são vistos saindo juntinhos de avião
no Aeroporto Internacional de Denver!
(Wags do Hockey)
— Precisamos conversar.
Foi assim que Oliver me acordou naquela manhã.
Claro que, sempre precisávamos conversar. Tudo bem, não o
tempo todo, mas era quase uma situação normal.
Eu já havia me mudado oficialmente para sua casa, que mais
parecia um condado de tão… excêntrica? Não sei se essa era a
palavra certa. Todavia, fiz um acordo com o síndico do prédio e uma
garota que precisava do apartamento por sete meses, alugou na
minha mão. Claro que, era um mês a mais que eu tinha, mas eu
sempre estava viajando a trabalho e podia ficar na casa de meus
pais.
Gucci e Zara? Bem, essa era uma história engraçada. Elas
se amavam. Fim. No primeiro dia, minha gata batia na cara da
pitbull todo o momento. Naquela mesma noite, achamos as duas
dormindo juntas. Zara era bastante calma e dócil, eu a conheci da
pior maneira possível, mas agora já mantínhamos uma relação boa.
Ela não me mordia e eu não encostava nela.
E agora, Oliver queria conversar comigo. E eu não estava
com medo e nervosa por ele querer falar algo sério, tudo bem, eu
também estava por isso.
Mas eu também queria conversar sério com ele há dias. Só
que, estava enrolando, porque eu não sabia como conversar. Não
conseguia. Travava e ficava gaguejando parecendo uma idiota.
Na minha família, nós não conversamos. Tudo era resolvido
assim que você achava que tinha algo para resolver. Uma vez,
minha mãe achou que meu pai estava traindo ela. Quando ele
chegou em casa, simplesmente todas suas coisas estavam
arrumadas em malas e ela disse que desejava uma vida feliz para
ele e sua namorada nova.
Meu pai estava fazendo aulas de pintura para pintar ela de
presente de aniversário de casamento.
Tomei banho e coloquei algo confortável, eu estava passando
o dia inteiro em casa pela falta de trabalho. Aquelas eram minhas
férias que haviam sido arruinadas e agora eu iria ficar feito uma
idiota em casa, fazendo um monte de nada.
A mesa do café estava pronta, muito pronta.
Tinha chocolate quente e estávamos em junho, quem fazia
chocolate quente em junho? Panquecas, muitas panquecas.
Chantilly, waffles, morango, mel e um pote de creme de avelã. Algo
estava errado.
Hesitei antes de perguntar se tinha cereal, porque
aparentemente, ele tinha feito aquilo tudo porque queria conversar
algo sério.
— Pode falar — Sentei em sua frente, pegando algumas
panquecas e passando o creme de avelã e depois chantilly. Qual é?
Não se nega doce.
— Eu posso ser direto? — Assenti, mordendo um grande
pedaço da panqueca e assoprando o chocolate para tomar — Minha
mãe quer que visitemos ela na Suécia.
Meio segundo depois, a cara de Oliver Karlsson estava toda
melada de creme de avelã cuspido.
— Eu… eu sinto muito — Olhei em sua direção com muita
vergonha, talvez procurando um buraco pra enfiar a cara — Eu não
posso ir para Suécia, eu não sou sua esposa de verdade. Eu não
sei ser sua esposa e… não é melhor contar a verdade para ela?
Mentir para nossos pais é feio.
— Linnea quer nos ver também. Até o Lukas disse que vai
passar em casa para parabenizar o casal.
Engoli em seco. Linnea, a irmã gêmea de Oliver. Era pior que
enfrentar mil Karin’s — a mãe dele era a versão sueca do que
conhecemos como Karen.
— Não! Conte a verdade para eles, Oliver. Conte que não
somos casados por vontade e que isso tudo foi um mal entendido.
— O sonho da mamãe sempre foi me ver casado… — Ele me
olhava exatamente como o Gato de Botas e eu estava tentando
focar na minha comida — Por favor. Só precisamos… estudar mais
sobre os dois. Eu preciso saber mais coisas sobre você e você
precisa saber mais coisas de mim. Não vai exigir tanto assim, quer
dizer, você me diz coisas de fotografia e eu te digo de hockey, eu
estou te pedindo um único favor.
— Não — Fui dura e grossa — Nem pense nisso, não, fora
de cogitação. Eu nunca vou fingir que sei coisas sobre você e
enganar seus pais. Nem viajar para Suécia.
— Eu te pago, quanto você precisar. Te dou uma lente nova,
uma câmera nova.
— Nem pensar. Eu já disse que não, eu não vou e nada vai
me fazer aceitar mentir a esse ponto. Não é não.
ANNA BANANNA
Acordei no susto.
O barulho irritante vinha do andar de baixo e isso significava
que Anna tinha ido fazer o café ou qualquer outra coisa. Anna não
costumava gostar de acordar cedo para preparar comida, eu
também não gostava que ela fosse, Anna tinha uma ótima mão para
queimar as coisas.
— Bom dia? — Perguntei assim que eu avistei a mulher na
cozinha, brincando com panquecas no ar. Claro que, além das
panquecas estarem caindo, elas também estavam tostadas. 100%
queimadas. Pintadas de preto — Olha só, panqueca de lama! —
Perguntei só por perguntar, quase recebendo uma espátula na cara
— Meu prato favorito.
— Em minha defesa… — Anna começou, olhando para mim
de forma séria e eu me segurei para não rir da farinha de trigo em
seu rosto — Zara e Maya estão amando as panquecas.
— Elas comem pedra se você deixar, isso não é justificativa.
A loira me lançou um olhar tão feio que acho que o próprio
pai teria medo.
— Eu sempre fui amante do perigo, quero uma para viagem,
madame. — Fingi estar abaixando algum chapéu imaginário em
cumprimento e ela rolou os olhos.
— Você ofende os cowboys de verdade, Karlsson. — Peguei
meu telefone, ligando a câmera e filmando a tentativa dela de jogar
a comida para cima e pegar com a mesma espátula. O chão ficaria
super brilhante naquela manhã. Além da panqueca estar totalmente
preta, caiu no chão e Maya comeu em seguida. Nunca agradeci
tanto por ver comida no chão.
Anna me olhou feio por alguns segundos quando eu suspirei
aliviado e depois desligou o fogo, olhando para mim e para os
cachorros que poderiam ter algum tipo sério de infecção estomacal
mais tarde. Um par de segundos depois, ela se rendeu a realidade e
começou a rir também.
Sentou ao meu lado com o cabelo amarrado e eu pude ver a
paleta de cores que seu rosto tinha, engoli em seco e fingi não me
importar como em todas as vezes que eu olhava para os
machucados. Sorria e fingia que aquilo não era nada demais. Rosie
me passou o cereal e eu peguei as tigelas, enchendo de leite assim
que ela despejou o conteúdo crocante nos potes.
— Sua mãe ligou. — Assenti, fazendo uma careta em
seguida. Mamãe quase nunca ligava para o meu telefone fixo, eram
ocasiões raras — Linnea ainda está tentando falar com você e…
Ollie, você deveria atender as ligações dela, todo mundo erra
alguma vez na vida. Ela é sua irmã, sangue do seu sangue.
— Se você der um pouquinho mais de confiança para a
Linnea, ela pode tentar entrar no seu box mais uma vez… Ou
arranjar um novo marido para você, acho que essa é uma boa
opção. — Ok, eu era birrento? Sim. Rabugento? Claro. Rancoroso?
Com toda certeza.
Mas pelo menos ainda não era corno.
— Você deveria conversar com a sua irmã o mais rápido
possível. De verdade, alguma coisa pode acontecer nesse meio
tempo e você vai passar de rancoroso para cheio de remorso…
Tinha alguma coisa no tom de voz dela. Algo lá dentro, esperando e
pedindo atenção. Como se alguma coisa fosse acontecer ou já
estivesse acontecendo.
Olhei para as panquecas e tentei lembrar do único dia nesses
meses que Anna fez alguma refeição que não fosse obrigação dela
ou coisa assim. A pia estava brilhando e não tinha um único prato lá
— além dos que ela tinha acabado de usar, que estavam perto do
fogão ainda —, nada para enxugar ou guardar. Zara e Maya
estavam calmas, significava que elas já tinham ido passear.
Como um click, a máquina de lavar começou a fazer o
barulho da centrifugação.
— Anna-Rose Carbain… O que está acontecendo?
Ela sorriu, exibindo a fileira perfeita de dentes brancos e que
poderiam ser propaganda de clareamentos do Instagram. Era um
sorriso infantil, daqueles que você dá para seus pais quando sem
querer quebra algo ou bate no carro deles.
— Como eu disse, sua mãe ligou… — Ela falou como se não
fosse nada, olhando para os pés — E eu perguntei como estavam
sendo as coisas com a Linnea.
— E…?
— Por que tem que ter um e?
— Anna-Rose…
— Ok, tem um e! Ela começou a me falar como a Linnea
estava mal por causa disso tudo e como ela sente sua falta porque
você a bloqueou de todas as redes sociais, inclusive os números
que tem… Então eu… — Ela coçou a cabeça e riu em seguida,
como se estivesse dando bom-dia — Eu perguntei se eles não
tinham um tempinho para vir aqui nos visitar. E marquei um
churrasco com meus pais. — Ela sussurrou a última parte e eu
demorei uma fração de segundos para entender o que ela estava
falando.
— Você o que!? — Quase gritei, eu conseguia ver claramente
o fim bem na minha frente — Anna! — Passei a mão pelo cabelo,
suspirando pesadamente em seguida — Caramba.
— Sim, minha mãe vai matar a sua em alguns minutos. —
Ela concluiu com pesar e eu comecei a rir, mesmo que de
nervosismo.
Estendi minha mão para pegar a sua e escovei seus dedos,
acariciando lentamente a pele gelada da mulher à minha frente.
Aquela situação não era só difícil e complicada em milhões de
camadas, mas também uma situação em que qualquer um dos dois
podia sair pior do que entrou.
— O que estamos fazendo? — Perguntei, por fim. Meus
olhos fixos no de Anna, absorvendo atentamente cada detalhe que
ela me oferecia de seu rosto, do modo que ela mordia a boca por
dentro ou sugava as bochechas, da maneira que suas unhas
passavam lentamente pela pele do peito de minha mão, fazendo
desenhos sem sentido e que acalmavam ela.
— Eu não sei — Tinha um brilho em seus olhos e eu comecei
a torcer internamente para que ela não comece a chorar, porque se
ela chorar, eu choro também — O que vai acabar acontecendo com
nós dois, Ollie?
— Eu podia só não te conhecer.
— E isso seria mais fácil por qual motivo?
— Porque aí você sentaria no meu pau sem peso na
consciência.
— Oliver! — Anna começou a rir, mas eu sabia que ela ia
pensar naquilo com uma frequência adorável — Eu estou falando
sério.
— Eu não sei. — Repito sua resposta e solto o ar lentamente
— Eu queria saber. Seria muito mais fácil. — Pauso — Como você
acha que vai acabar?
— Eu só espero que não acabe. — Eu sinto toda a
sinceridade da sua voz e permito um sorriso mínimo em meus lábios
— Você dormiu bem?
— O cansaço me dominou. — Dei de ombros, sorrindo de
leve — Naquele dia, quando você conseguiu o trabalho de modelo…
— Comecei, usando a coragem para falar o que estava entalado. O
assunto era constrangedor para ela, pelo menos eu achava que sim.
— Você ia me beijar, não ia?
— Achei que isso fosse meio óbvio. — Havia amargura em
seu tom de voz e eu quis me bater. Burro, burro, burro, burro — E aí
você me olhou como se eu estivesse fazendo a coisa mais errada
do mundo.
— Bem, não te culpo. Eu também ficaria tentado a me beijar
se eu saísse do meu corpo, eu tenho uma boca muito bonita.
Anna-Rose arregalou os olhos e depois estreitou eles, ela
queria rir, estava mordendo a boca por dentro para não gargalhar.
— Se minha memória não falha e eu sei que ela não está
falhando porque eu não esqueceria algo assim nem se quisesse —
Seu tom cínico me fez perceber que eu iria receber de volta o que
havia alfinetado — Foi você quem esfregou o nariz em mim naquele
quarto de hotel. Também foi você quem ficou com o pau duro na
banheira e quem falou de sexo todas às últimas vezes.
Anna estalou a língua.
— No dia que fomos lavar roupa juntos, você ficou parado
encarando minha boca, só faltou tirar uma foto para beijar depois,
porque você sabe… esse é o único jeito que você vai chegar perto
da minha boca, Karlsson.
— Anna-Rose, você sonha com a minha boca. Até porque
naquele dia na casa de seus pais, foi você quem me beijou, não o
contrário.
— Porque era uma situação de vida ou morte, caso contrário,
eu nunca teria chegado perto dessa sua boca sebosa.
— Boca sebosa? — Soei ofendido — Você tem um cravo
enorme do lado de sua boca, eu tenho medo de quem for te beijar,
vai que ele estoura essa coisa horrível na sua cara e tem que comer
nojeira.
— Eu não sei como as pessoas se beijam na Suécia, mas
aqui não costumamos comer os lábios dos outros… Nem a pele. —
Ela cruzou os braços e tombou a cabeça, me analisando como se
fosse jantar Ollie à milanesa — Assuma que você quer me beijar.
— Assuma você que quer me beijar. — Encostei os cotovelos
na mesa e me aproximei dela, nossos rostos perto o bastante para
que eu comprovasse que sim, não tinha cravo nenhum naquele
rosto esculpido por algum demônio da luxúria — Eu aposto que
você vai assumir que quer me beijar e ser a primeira a ceder.
— Claro que sou eu que vou assumir, do jeito que você é
lento, eu teria que fazer um outdoor na frente do condomínio
dizendo que eu estou afim de você para que você percebesse algo.
— Você está dizendo que eu sou lento?
— Eu estou dizendo que para fazer você rir na quarta-feira,
eu tenho que contar uma piada na segunda.
Fechei minha expressão automaticamente e me afastei,
cruzando os meus braços e assumindo uma postura de quem não
gostou nadinha do comentário dela.
Eu não era lento nada! Quer dizer, às vezes não pegava os
comentários ou piadinhas internas, mas era só isso. Nunca tive
problema nenhum no quesito mulheres, nenhum. Bem, eu achava.
— Quem ceder primeiro vai lavar os pratos durante um mês.
— Lancei o desafio, estendendo minha mão para Anna, que
apertou, selando o acordo com um sorriso ridiculamente convencido
nos lábios.
— Vai ser ótimo ver você lavando cada um desses pratos,
vou fazer até questão de sujar mais.
Arqueei a sobrancelha e saí de lá.
O problema daquele jogo todo, era que Anna havia esquecido
o principal sobre mim. Eu sou um jogador. Eu ganho para isso.
Jogar é o que eu faço.
Eu jogo pra ganhar.
“Me atenda por favor!!”
(Mensagem de Oliver para Ed)