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COPYRIGHT © 2022 BY CLARY AVELINO

Publicação Independente | Todos os direitos reservados

Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.

Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta


obra, através de quaisquer meios ― tangível ou intangível ― sem o devido
consentimento. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e situações
são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

REVISÃO
Natália Nogueira; Roberta Aniceto; Luandra Raquel
Rebeca Carvalho; Amanda Lopes.

DESIGN DE CAPA
@ahlupin

DIAGRAMAÇÃO
Clary Avelino & Genevieve Stonewel

AVALANCHE
Clary Avelino — 1ª Edição; 2022 1. Romance Contemporâneo 2. Literatura
Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título
Caro leitor, a autora aqui é muito empolgada e sempre quer
enfiar todos os personagens existentes em outros livros, então aqui
eu vou te explicar de onde eles vieram para no meio do livro, você
não fique sem entender de que buraco eles saíram e o que diabos
estão fazendo ali.
“Avalanche” se passa em 2022, portanto, se você não leu os
livros já lançados do ClaryVerso Europeu, pode ser que haja algum
spoiler inconveniente aqui!
Mas, tudo ok, pois os personagens que vocês ainda não
conhecem, não terão spoilers que estraguem uma leitura futura.
Libanesca Fürtwangler: protagonista feminina de "As
Pernas da Cobra”
Hensel Becker: protagonista masculino de "As
Pernas da Cobra”
Aneska Hüber: protagonista feminina de “O Resgate
da Raposa”
Sebastian Carson: protagonista masculino de “O
Resgate da Raposa”
Ingryd Everlast: irmã da Libanesca, "As Pernas da
Cobra”
Dikker Heckmann: ex-jogador do Dortmund, "As
Pernas da Cobra”
Tolkien Nikolaj: amiga dos personagens de "As
Pernas da Cobra”
Benjamin Schnetzer: até então apresentado em "As
Pernas da Cobra” como amigo do Hensel
AVISO IMPORTANTE
SUMÁRIO
PREFÁCIO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Oi leitor! Então, mais uma conversinha antes de começar isso
tudo. Estejam cientes de que o livro trata de temas sensíveis e que,
infelizmente, podem causar vários tipos de reações.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INFERTILIDADE
FAMÍLIA TÓXICA
ASSÉDIO SEXUAL
ASSÉDIO MORAL
Aponte a câmera do seu celular para o QR CODE escute a
playlist oficial do livro durante a sua leitura.
Para todas as vozes de minha cabeça que nunca deixaram
esses personagens serem só uma memória que iria ser largada de
lado com o tempo,

vocês me dão um trabalho da porra


A palavra avalanche é um substantivo feminino, carregando
consigo um significado forte, pois denomina um fenômeno natural
caracterizado pelo desprendimento de uma grande massa de neve
com violência.
Conhecida também como Alude, a força da avalanche pode criar
uma rajada de ar mais perigosa ainda que ela própria.
Perto de áreas habitadas, ela pode ser devastadora.
No sentido figurado, uma avalanche pode significar uma invasão
súbita.
“Anna-Rose, me ligue agora! Eu não consigo acreditar que
você fez isso com a Natasha! MEU DEUS ANNA! ME LIGUE COM
URGÊNCIA!”
(Mensagem da mãe de Anna)
Os raios de sol tomavam o quarto de um jeito invasivo o
suficiente para irritar meus olhos. Sentia meu corpo dolorido e a
cabeça pior ainda — o que me preocupava, no entanto, era que eu
não conseguia lembrar o porquê de estar dolorida daquele jeito. Eu
conhecia a ressaca, mas ela nunca tinha me visitado com tanta
força.
Tentei me mexer na cama e percebi que, ao meu lado, havia
uma figura.
Masculina. Grandes braços e um cabelo escuro bagunçado.
Ótimo, vim parar na cama de alguém, pensei.
O chão estava com algumas camisinhas, e aquilo foi quase
um alívio. Pelo menos, eu quase tinha certeza de que não estaria
com alguma infecção terrível no fim do mês.
Mas foi quando eu me espreguicei bem disfarçadamente na
cama que percebi algo errado com minha mão. Não, ela não tinha
uma tatuagem nova. Pior que isso.
Um anel.
Na mão direita; no dedo que eu nunca sabia o nome, mas
guardava-o como dedo do casamento.
Minha respiração pareceu ficar mais fraca, e eu sabia que o
coração acelerado demais era só meu corpo liberando muita
adrenalina.
Tentei não me apavorar até me deparar com papéis na
cabeceira da cama. Certidões de casamento. E o fato de estar
casada só não me espantou ainda mais porque havia algo pior que
isso: o novo sobrenome que eu carregava.
Karlsson.
Pela infelicidade do destino, Anna-Rose Carbain — eu — só
conhecia um Karlsson. Oliver Karlsson, ex-namorado da minha
melhor amiga.
E agora eu estava casada com ele.
Casada com Oliver!
Aquilo deveria ser um pesadelo, um pesadelo muito ruim.
Fiquei na ponta do pé e caminhei na direção do homem, precisando
verificar seu rosto. Eu conhecia Oliver muito bem, sabia quais eram
as feições…
E sim, aquele era Oliver.
Meu primeiro pensamento foi “como eu vou contar para
Natasha?”, logo depois me toquei que teria todo o processo do
divórcio e que aquilo daria um puta trabalho. Quer dizer, eu estava
casada!
Minha bolsa estava ao lado da cama, e eu peguei minhas
coisas, conferindo todos os números dos documentos e checando
que, sim, tudo estava igual.
Eu estava mesmo casada.
Abri o Twitter e me arrependi no momento seguinte. Nossos
nomes estavam nos tópicos mais comentados, e 90% dos
comentários não eram nada bons.
Esperei que o Instagram não fosse tão ruim, mas, quando o
número ao lado da quantidade de posts dizia 276K de seguidores e
no perfil tinha uma foto que eu não lembrava de ter postado, quis
me jogar na frente do primeiro caminhão que cruzasse meu
caminho.
A cena do crime estava bem ali.
Eu e Oliver numa capela, Michael Jackson e Lady Gaga
faziam a cerimônia e o casal de recém-casados estava se beijando.
Só a foto do beijo fez meu estômago revirar. Meus olhos já estavam
cheios de lágrimas.
Nunca, em minha vida, senti tanta raiva por ter bebido tanto.
Quer dizer, aquela era minha viagem de formatura! Por que
diabos eu tinha que estragá-la? Com um casamento?
E para completar, Oliver havia postado uma foto também. Eu
estava com véu, vestido de noiva e uma jaqueta de couro, a taça de
vinho na mão e a maior cara de bêbada.
A legenda estava bem clara “Essa é minha esposa,
@annacarbain”.
Eu era esposa de Oliver Karlsson. Puta que pariu, quando
minha vida virou um pesadelo?
E como o destino parecia gostar muito de me foder, ele
estava acordando. Se remexia na cama e resmungava coisas
desconexas. O tempo foi apenas o bastante para Oliver se levantar
de vez e correr para o banheiro antes que o barulho do vômito
ecoasse pelo pequeno cômodo.
Em circunstâncias normais, eu o ajudaria, mas aquela não
era uma circunstância normal. Não, não mesmo. Nem de longe.
Sem contar que eu não estava em condições de ajudar ninguém; eu
só queria chorar ainda mais pelo fato de que ele estava tão bêbado
quanto eu estive ontem. E, além disso, Oliver parecia tão imerso em
sua própria ressaca que nem tinha me enxergado do outro lado do
cômodo.
O barulho agora era do chuveiro, e eu percebi que meu novo
marido — por todos os deuses, o quão estranho era dizer isso —
não parecia ter a mínima ideia de que tinha outro alguém no quarto.
Era como se ele tivesse me apagado de todas as suas
memórias da noite passada. Ok, eu mesma não me lembrava de
quase nada, mas saber que eu havia sido completamente esquecida
me incomodou um pouco.
Engoli em seco e sequei as lágrimas, indo até a cama para
me enrolar em qualquer lençol e procurar minhas roupas. Quer
dizer, se eu sumisse com os documentos e colocasse fogo neles,
não existiria nada que comprovasse que Oliver Karlsson e eu
havíamos nos casado, né? Ele nem saberia.
Mas ele ainda tem a foto, e provavelmente mais algumas.
Procurei o celular dele pelo cômodo, varrendo meus olhos
por cada móvel e roupa pelo chão, e nada de achar. Se ele tinha
postado a foto antes de chegarmos ao quarto, significava que ele
tinha entrado com ele.
Congelei ao ouvir um tossido.
Não aquela tosse de quando você está com gripe ou
engasgada, mas a tosse constrangedora de quando você quer
chamar a atenção de alguém. Foi aí que eu levantei a cabeça e
senti que minha vez de vomitar havia chegado.
Empurrei Oliver da porta do banheiro e deixei todo líquido ser
expelido para fora de mim na privada. Parecia nojento demais e
tinha um tom esverdeado, mas sem nenhum pedaço de comida. Só
água.
— Anna, você está bem?
Ótimo, homens e sua mania ridícula de fazer perguntas
óbvias.
Eu estava vomitando, claro que eu não estava bem.
Oliver veio até mim e segurou meu cabelo, juntando tudo
num punhado para que eu não sujasse o resto. Deixei mais vômito ir
embora, até parecer que não tinha mais nada em meu estômago.
Coloquei um pouco de água na boca e bochechei, cuspindo
em seguida e limpando a pia para não ter vestígios de vômito ali.
Encarar Oliver parecia errado demais, mas era o que eu
estava fazendo desde que ele havia soltado meu cabelo. Eu estava
encarando-o e pedindo para todos os deuses não me deixarem
chorar.
— Olhe sua mão direita — murmurei, minha voz ecoando
como fracasso.
— O que aco… — Ele levantou a mão até a altura dos olhos
e ficou paralisado, mas aquilo ainda não tão ruim quanto no
momento que ele percebeu que eu tinha também um anel na
mesma mão. No mesmo dedo, idênticos. — Você se lembra de
alguma coisa?
— Não. Você?
— Não sei nem como cheguei no quarto, imagina só. —
Oliver bufou e bagunçou os cabelos, indo até a cama e se sentando
na ponta. Aquela cena só não era mais fodida porque eu tinha que
enxergar o que não devia no meio disso tudo: a falta de cueca dele
por baixo da toalha e o desenho dos países baixos. Fingi estar
naquela posição pensativa enquanto abaixava a cabeça para tapar
minha visão e guiar meus pés para o canto do quarto. — A
imprensa?
— Eu não sei, Oliver, mas nós dois postamos fotos. E pra
piorar, você me marcou na foto — resmunguei de qualquer jeito, me
sentando na ponta oposta da cama e encostando meu corpo na
parede. Por alguns instantes, observei Oliver imerso em seus
próprios pensamentos. — Precisamos pedir o divórcio logo.
Eu conhecia Oliver. Infelizmente, o conhecia bem.
Ele era aquela pessoa calma, pacífica e sonsa. Meus pais
gostavam dele quando estava com Natasha — até porque, nunca
houve um motivo específico para Oliver precisar da aprovação deles
—, e eu sei que os pais dela também.
Mas não era somente ele naquela situação, eu também
estava lá, e estava ferrada. Oliver era um jogador de hockey da liga
nacional, capitão do time e o maior queridinho de todo continente,
nem se eu trabalhasse três anos sem gastar um centavo sequer iria
conseguir ter o salário mensal dele.
E eu? Anna-Rose Carbain, recém-formada em Fotografia
pela Universidade de Denver, tinha pais normais e uma vida normal.
Conseguia me manter com trabalhos aqui e ali, e tudo na minha vida
era extremamente mediano.
Eu fui uma adolescente considerada bastante incomum
porque não ia para festas. Não gastava um mínimo centavo da
minha mesada achando que aquilo seria grande coisa no futuro,
mas até hoje não tenho um carro. Além disso, eu só saí da casa dos
meus pais depois de muita insistência e comprovar que realmente
poderia viver sem a ajuda financeira deles e não passar fome ou
morar debaixo de uma ponte. Afinal, eles nunca tiveram muito
dinheiro mas sempre quiseram dar o melhor para mim.
Papai sabia que meu sonho era ter uma moto, então, ele e
vovó me deram a carcaça de uma quando eu tinha dezesseis anos.
Foi lindo, mas eu não consegui peças por um preço bom o suficiente
para ajustar a moto por completo. Aliás, meu pai é mecânico e eu
sou a única filha. Sabe o sonho de todo mecânico? Um filho homem
para ajudá-lo em tudo? Então, esse filho sou eu, só que com uma
vagina.
Ah, eu queria pagar minha faculdade, por isso eu não
gastava nada. Descobri logo que isso não passava de ilusão
adolescente, porque toda a mesada que eu não gastei, deu
exatamente para um ano e meio da mensalidade. Pelo menos,
nesse um ano e meio que meus pais não tiveram que pagar, eu
ganhei uma câmera, e depois uma lente, um tripé e um flash de luz.
Foi assim que eu comecei a trabalhar com fotografia, sempre
foi minha paixão registrar os momentos e eternizá-los em qualquer
lugar.
Se eu pudesse, agora mesmo eternizaria a cara de merda
que Oliver e eu tínhamos por causa de toda essa bosta de situação.
— Quanto tempo você acha que eles assinam e nos
declaram divorciados?
— Eu não sei, Oliver. Eu nunca me divorciei! — Pausei,
prestando atenção na pior coisa que eu podia notar de última hora.
— Eu não acredito que você é meu primeiro marido! — Meu próximo
pensamento foi o pior de todos, o primeiro pensamento que eu tive
ao enxergar a aliança e o mais doloroso. — Você acha que Natasha
já sabe? Quer dizer, você tem mais de um milhão de seguidores no
Instagram, quais as chances dela ser um deles?
— Natasha e eu já terminamos, Anna. Ela não é um
problema. — Ainda havia mágoa em seu olhar, facilmente
detectada.
— Meu querido brutamontes, além de vocês terem passado
anos juntos, Natasha é minha melhor amiga. Você acha que eu sou
o quê?
— Adúltera não é, muito menos amante. Da última vez que
chequei, eu ainda era um homem solteiro e não devia satisfação à
minha ex-namorada. Já você…
Seu tom era extremamente mesquinho, como se aquilo fosse
um problema meu. Esse homem nunca ouviu falar de
responsabilidade afetiva? Ele era, sim, um homem solteiro, mas isso
não anulava o fato de que, até dois meses atrás, ele era quase um
homem casado.
E ainda falava assim da minha melhor amiga… Quem ele
achava que era para falar de Natasha naquele tom?
Foi ela quem esteve presente na minha vida em todos os
últimos anos, quem me ajudou quando eu precisei e me colocou
para cima. Natasha era a irmã que a vida me deu. Eu sabia, muito
bem por sinal, que se tivéssemos o mesmo sangue, iríamos nos
odiar.
Mas Natasha também era ex-namorada de Oliver, a mulher
que não se contentou só com amor.. Pela deusa, eu nunca a julgaria
por não ter continuado em um relacionamento que não fazia bem
para nenhum dos dois — mas Oliver sempre foi apaixonado demais
para enxergar aquilo.
— Eu sei que ela era o amor da sua vida, Oliver. — Tentei
deixar a situação não tão ruim, analisando os detalhes do quarto
para distrair minha mente. — Eu também fiquei triste quando isso
aconteceu.
— Você sabe o que dizem… Nem sempre ficamos com os
amores de nossas vidas.
Engoli em seco e não respondi.
Era um assunto tenso, eu sabia que era porque ajudei na
tentativa de reconquista e estava lá quando não deu certo. Eu ouvi
as duas partes e compreendi as duas.
O assunto estava quase tão tenso quanto o próprio
casamento e, por alguns segundos, fomos só Anna e Oliver,
conhecidos por anos por causa de uma pessoa em comum. Nem
parecia que alguns segundos atrás estávamos surtando... Por que
mesmo?
Ah, porque estávamos casados.
Era isso.
— Precisamos focar no casamento, agora que estamos
calmos e pensando melhor… — Falei, me aproximando do jogador.
Não era que não fôssemos próximos, mas chegava a ser estranho
pensar nesse tipo de intimidade com… Oliver. Ainda mais porque a
prova de que havíamos aproveitado muito bem a noite de núpcias
estava espalhada pelo chão. Várias delas. — Nosso primeiro passo
é negar e manter em sigilo. Vamos falar com nossos advogados e
você com seu agente ou qualquer pessoa que cuide de suas
relações públicas. Isso… — Tirei a aliança de minha mão e segurei
a dele, tirando a sua também. — …precisa ser mantido longe de nós
dois. De agora em diante, o foco é se livrar desse casamento.
— Você parece minha agente falando. — Oliver riu, olhando
as alianças em minha mão e pegando-as. Ele as analisava de forma
muito atenciosa. — Você tem uma vantagem nesse meio todo.
— Eu tenho? — Uni as sobrancelhas em dúvida.
— Sim, pelo menos eu jogo hockey nos Estados Unidos.
Imagina só se eu fosse jogador de futebol da liga europeia.
— Aí, sim, meu querido brutamontes… Estaríamos muito
fodidos. — Gargalhei de forma nervosa.
Muito mais.
“Escândalo envolve capitão do Colorado Blizzard!
A internet foi a loucura com casamento surpresa da estrela do
hockey, Oliver Karlsson com a melhor amiga de Natasha Flowers.”
(Daily News Sports)

— Você é capitão do Colorado Blizzard! — Minha empresária,


Amy, gritou, seus olhos castanhos e normalmente pequenos
parecendo prestes a pular das órbitas. — Famílias contam com
você, crianças têm posters seus espalhados pelas paredes! Você e
Natasha eram o casal mais queridinho da América e aí… Já foi ruim
o bastante que tenham terminado, agora isso? — Ela se jogou numa
das cadeiras desconfortáveis daquela salinha. — Eu acho que não
sou paga o suficiente.
A juíza Roberts, uma conhecida de anos de minha
empresária, me encarava como se eu fosse um jovem
inconsequente que foi pego pelos pais com drogas.
Eu não fui o mais certo do mundo no último dia — ou noite
—, mas seu olhar julgava tanto quanto seu trabalho. Que merda.
— Esse assunto me parece mais incômodo e pessoal do que
normalmente eu gosto. — Claro, depois que Amy gritou comigo
como uma mãe decepcionada, essa mulher percebia que sim,
aquele era um assunto privado. — Quando tiverem as soluções que
procuram, sabem qual é a minha sala. Até lá, foi bom te ver, Amy. —
Ela sorriu de forma cordial para Amy e no segundo seguinte mudou
o olhar para mim, minhas mãos suavam. — Oliver.
Por que parece um aviso? Um aviso calmo e extremamente
perigoso?
— Oliver? — Amy me chamou. — Preciso de ajuda com isso,
de verdade.
— Em primeiro lugar, não acha que Anna deveria estar aqui?
— perguntei. Ela também era parte do problema e eu não achava
justo tomar decisões sem ela, até porque da forma como ela estava,
aquela mulher me mataria se soubesse que tomei qualquer decisão
sem perguntar para ela.
— Anna vomitou três vezes no caminho para cá. Prefiro que
ela fique um pouco separada e com aqueles vômitos fedidos longe
de mim.
Compreensível.
— Pensa rápido, qual a pior das soluções?

— Ela disse o que? — Anna gritou, sua voz saindo tão aguda
que poderia estourar tímpanos, como eu tinha imaginado, aquela
mulher estava pronta para estrangular alguém. — Isso é ridículo!
Não é possível que elas realmente pensem que vamos concordar
com tudo isso.
Na verdade, eu iria sim concordar caso ela concordasse,
porque a ideia foi minha.
Quando Amy me perguntou qual a pior das soluções, pensei
em tudo que ela havia me dito. O problema do casamento é que
parecia algo profano para os conservadores, que infelizmente
faziam parte da metade dos torcedores do time. E que moviam toda
a economia em cima disso.
Era “profano” e “vulgar” — palavras da mídia, não minhas —
porque Natasha era amiga de Anna e toda a situação colocava
Anna como amante, o pivô de todo o término e quem não poderia de
jeito nenhum ter um final feliz. A outra garota Bolena — com dois N
em vez de um N só, dessa vez — que roubou o namorado da
amiga.
Toda a solução imperfeita era a mais óbvia, continuar
casados, viver uma vida feliz — lê-se cheia de marketing — de duas
pessoas casadas e mostrar que Natasha não estava nada mal com
isso — o que implicava com o fato de eu ter que ver minha ex-
namorada depois dela me dar um pé na bunda sem explicação, mas
era isso ou foder com todo mundo ao meu redor.
— Anna, me escuta. — Tentei soar calmo, mesmo não
estando nem perto disso, usando aquele tom de capitão que eu
mantinha antes de qualquer partida. — Essa situação só pioraria se
fizéssemos o óbvio, pensa bem. Continuar casados é a melhor das
nossas opções, tudo iria dar certo depois disso. Seria por pouco
tempo, só para acalmar as coisas e criar uma cena para a mídia.
Seis meses é de bom tamanho..
— SEIS MESES? — ela gritou. Bem no meu ouvido, aquela
mulher me deixaria surdo ou louco, muito provavelmente os dois.
Eu estava a dez centímetros dela.
E ainda assim ela gritou.
— Podemos fazer um acordo, eu não sei… Não quero ver as
pessoas falando coisas ruins de você.
— Coisas ruins de mim? — Falar que ela gritou parecia
repetitivo até nessa altura do campeonato. Será que ela não sabia
falar baixo? — Eu ouvi coisas ruins de mim a vida inteira, não ligo.
Enfia esse seu acordo no rabo, você quer dar razão para quem está
me chamando de interesseira?
— Anna, existe uma coisa chamada confidencialidade. Só
quatro pessoas saberiam disso. Amy, meu advogado e nós dois.
— A resposta é não.
— Por favor, isso pode acabar com minha carreira.
— Ah, então você está preocupado com o que falam de você,
não de mim. — Seu sorriso parecia desesperado e um pouco
tenebroso, Anna-Rose parecia mais nervosa do que eu naquele
momento. — A resposta ainda é não. Eu não vou ser sua esposinha
de mentira, não vou falar mais nada com você além do necessário
para assinar os papéis de divórcio e nunca mais olhar na sua cara.
Já tive que conviver o bastante com você quando estava com
Natasha, não tenho mais.
Foi aí que uma luz piscou acima de minha cabeça. Natasha.
Essa tinha sido a maior preocupação de Anna desde o começo.
Ela não ligava para o que estavam falando dela, ligava para o
que estavam falando sobre ela e Nat.
— Cinco pessoas saberão que é mentira.
— Oliver, por favor, só para de falar.
— Eu, você, Amy, meu advogado e Natasha.
Seus olhos se viraram para mim no mesmo momento, eu
conseguia ouvir os pensamentos se formando na sua cabeça, ou ela
me mandaria à merda, ou ela aceitaria o meu acordo.
Havia muito mais naquele olhar do que eu poderia dizer,
Natasha diversas vezes me disse que aquela mulher precisava
descobrir sua força interior e parar de deixar os outros pisarem nela.
Lá na Suécia, havia um ditado que minha avó sempre repetia:
Algumas ações da vida são destinadas a mostrar apenas quão forte
somos. E eu nem sabia se isso era realmente um ditado sueco, mas
se a minha avó falava, estava falado.
Nunca conteste minha avó.
Pela primeira vez em quatro anos, não acreditei naquelas
palavras de Nat. Anna sabia sim quão forte era, tanto que, no
momento, parecia que iria voar no meu pescoço só por ter ouvido o
nome da amiga saindo de minha boca.
— Só, por favor, fale com ela por mim. Não sei se tenho…
— Coragem o bastante para dizer isso na cara dela?
— Sim.
— Sabe, é bem reconfortante ver um brutamontes de quase
dois metros virar para você e assumir que é covarde e tem medo da
ex-namorada de 1,64m.
Estreitei os olhos. Quem ela era para dizer que eu tinha medo
da minha ex?
— Eu não tenho medo dela, só não quero ter que conversar
com ela.
— Você nem consegue dizer o nome dela, claro que tem
medo. Tenha coragem de dizer isso em voz alta, Oliver. Eu tenho
medo da minha ex-namorada.
Bastava.
— É, eu não iria conseguir ficar casado com você nem que
fosse pago para isso. É melhor ser odiado por todo mundo do que
passar por essa tortura.
Anna começou a rir, me olhando como se eu tivesse feito a
maior piada de todas. Aquela risada forçada que você dá para
algum dos seus parentes quando fazem piadas ruins, mas você
precisa daquele dinheiro para poder sair na sexta-feira.
— Oliver… — Meu nome saiu de sua boca cheio de veneno.
— Eu não ficaria casada com você nem se fosse paga para isso,
nenhum dinheiro vale tamanha falta de amor próprio. — Doeu, por
dois segundos doeu. Mas então eu lembrei como Anna era.
Azeda.
Chata.
Irritante.
E negativa o tempo todo.
Como Natasha aguentava isso?
Aquela seria minha última jogada, se não desse certo eu juro
que desistiria daquela mulher.
— Você pode ficar com 50% do meu salário durante todo o
período em que estivermos casados.
Ela me olhou, e a risada forçada ficou ainda mais alta. Eu
preferia quando Anna estava vomitando e não saía nenhuma
palavra de sua boca.
— Ainda bem que você é jogador, seria um péssimo
advogado. — Sua língua estalou, e ela suspirou de forma longa e
exaustiva. — Tudo bem.
TUDO BEM?
— Mas eu tenho condições. — Quase gargalhei, ainda assim
era um alívio.
— Seria estranho se não tivesse.
— Mas não quero seu dinheiro, de verdade. Claro que vamos
morar na sua casa, porque eu não tenho onde morar com outra
pessoa. E você vai pagar nossas contas porque é a sua reputação
que está em jogo, não a minha. Se eu pensar em mais alguma
coisa, te digo. Do básico, sem beijos, sem proximidade. Eu quero
meu próprio quarto e minha gata vai comigo.
— Tudo bem, mas você vai dormir no sofá por um tempo,
porque minha casa só tem três quartos. Um é meu, o outro é da
Zara e o que deveria ser de hóspedes está uma bagunça.
— Zara? Sério? — Seu tom era exatamente o que sempre
saía da boca das pessoas quando elas ouviam que Zara tinha seu
quarto.
— Qual o problema? — perguntei.
— Sua cadela tem o próprio quarto?
— Zara gosta de privacidade.
— Pela deusa… — Anna suspirou. Seu corpo parecia mais
relaxado que antes, como se ela estivesse se acostumando com a
ideia. — Tudo bem, mas ela vai ter que dividir o quarto com minha
gata então.
— Tolerável. — Não gostei, mas o que eu ia fazer?
Amy entrou na sala sem muita cerimônia. Ela tinha uma
expressão de pouca esperança até o momento que eu assenti com
a cabeça sinalizando que sim, estávamos de acordo e o casamento
ia permanecer.
— Anna está de acordo? — Amy perguntou, como se
quisesse confirmar que não era uma ilusão da cabeça dela.
— Sim.
Tenho a impressão que a relação das duas não iria ser a
coisa mais amigável do mundo.
— Karlsson, se você me deixar falar vai ser muito mais fácil.
— A agente me olhou extremamente feio, e eu mordi a boca na
representação de que sim, iria ficar calado. — Vocês só poderão
acabar o casamento com seis meses. Nesses seis meses, terão de
morar juntos, estar juntos e provar que sabem e podem fingir estar
numa relação linda, cheia de cumplicidade e que irão se tornar o
casal mais querido de todos. Cento e oitenta dias e tudo isso vai
acabar. Finjam que querem que isso aconteça e sairemos ilesos.
Anna levantou a mão como se quisesse falar.
Amy concordou.
— O que faremos com relacionamentos já existentes? — ela
perguntou, aquilo doeu como um tiro.
Não porque ela estava perguntando sobre outra pessoa, eu
não estava com ciúmes e era até incoerente pensar em ciúmes.
Era porque ela tinha outra pessoa.
Alguém que provavelmente havia visto as fotos, lido as
matérias e percebido a merda.
Alguém que estava machucado.
— Fingir que não existe, assim como vocês dois vão fingir
que esse relacionamento existe. Se tiver alguma prova dessa
relação, suma com ela. Estamos entendidos? — Assenti com a
cabeça, envergonhado demais para olhar na direção de alguma das
duas.
— Você namora? — murmurei para Anna assim que Amy
saiu.
— Eu sou casada agora. — Ela riu de nervoso, levantando os
dedos para limpar as novas lágrimas em seus olhos. — Não sabia?
E depois de dizer isso, ela virou a cara e saiu. Acompanhei
seu caminho com o olhar, e ela tinha ido ao banheiro,
provavelmente chorar ou vomitar porque era isso que ela estava
fazendo desde que chegamos aqui mais cedo.
Amy caminhou em minha direção para falar algo. Antes que
ela pudesse abrir a boca neguei com a cabeça e pedi uns minutos.
Para respirar, tentar aliviar a cabeça. Não surtar.
No final de tudo, tentar lidar com o que o futuro reservava.
Tudo estava acontecendo rápido demais, e nem pudemos ter
muito tempo para processar a situação de forma geral. Em um todo,
as conversas haviam sido, num resumo otimista: Ei, estamos
casados.
Sim, estamos sim, muito fodidos também.
Vamos falar com nossos advogados e pedir a separação.
Não posso me divorciar de você!
Vamos ter que continuar casados, uhul!
E acabava aí.
Bem, que grande desastre.
Amor nas alturas!
Oliver Karlsson e Anna Carbain são vistos saindo juntinhos de avião
no Aeroporto Internacional de Denver!
(Wags do Hockey)

A viagem de volta para Denver foi extremamente silenciosa;


ninguém falou uma mínima palavra, e eu não sabia se isso me
assustava ou me deixava calma. Amy, Oliver e eu havíamos
repassado toda a história milhões de vezes.
Oliver e eu havíamos nos envolvido emocionalmente depois
do término e, como ele precisava de um ombro amigo, eu estava lá
por ele. Só que acabamos nos envolvendo demais, e isso acabou
sendo muito para os dois. Quando percebemos, já estávamos
completamente apaixonados. Com medo da reação das duas
famílias, resolvemos que pular logo para o casamento era a melhor
opção.
Era simples, não?
Sabíamos que não.
Quando a aeromoça anunciou que iríamos pousar em pouco
mais de quinze minutos, engoli em seco. No momento que eu
colocasse os pés no chão e aceitasse a condição de Sra. Karlsson,
tudo mudaria.
Os minutos passaram como uma lesma. Quando pousamos,
peguei apenas minha bolsa de colo, já que todo o resto estava nas
minhas malas. Oliver parecia uma estátua ao meu lado, e eu sorria
torto, tentando não desmoronar e chorar ali mesmo.
Para variar um pouco.
— Vamos. — Foi Amy quem nos apressou, empurrando os
dois e rindo, tentando fazer isso um momento bem menos
constrangedor. Pegamos nossas malas sem conversar muito, já que
o portão do desembarque estava completamente cheio.
O Aeroporto Internacional de Denver sempre estava cheio.
Toda vez que eu ia para algum lugar, era aquela bagunça
organizada com milhares de fileiras, famílias e malas para todos os
lados. Mas, daquela vez, a baderna não fazia parte de voos
aleatórios ou pessoas que só estavam indo para outros lugares.
Nós éramos o motivo daquilo.
Os flashes me cegaram de primeira. Num impulso de
procurar ajuda em quem já estava acostumado com isso, segurei a
mão de Oliver e me escondi um pouco atrás dele. Não lembrava de
ter visto tanto alarde nem em 2017 e 2018, quando Natasha me
arrastou para o Campeonato Mundial de Hockey no Gelo e Oliver foi
campeão pela Suécia — que era seu país de origem — nas duas
vezes. Nos últimos dois anos, eu consegui fugir dessa obrigação
que minha melhor amiga havia me infringido, mas esse ano eles já
haviam terminado.
E o Canadá ganhou, então aquilo finalmente tinha virado
parte do meu interesse.
— Ignore qualquer coisa que falarem — Oliver sussurrou em
meu ouvido, os 15cm de altura que nos separavam parecendo
besteira naquele momento. — O carro está perto, vai dar tudo certo.
Respirar debaixo d'água parecia mais normal do que tentar
não ouvir o que estavam falando.
“Natasha sabe do romance de vocês?”
“Anna está grávida? Por isso vocês casaram?”
“Vocês estiveram juntos enquanto Natasha ainda estava na
jogada?”
Nojentos.
Eles eram um bando de nojentos.
Quer dizer, eu acompanhava contas no Instagram de fofocas,
mas sempre era aquela coisa respeitosa e nunca esse tipo de
invasão de privacidade. Geralmente, as notícias relatadas vinham
dos próprios famosos, que postavam as novidades ou as
compartilhavam diretamente com as páginas de fofoca.
Eu não seguia metade das pessoas que apareciam naqueles
Instagram, mas lia cada uma das notícias. Se alguém me
perguntasse, diria que era apenas para me manter atualizada.
Definitivamente não para descobrir quem traiu quem e qual era o
escândalo novo que Kanye West estava fazendo.
Alguém abriu a porta traseira de um carro enquanto Oliver e
eu nos aproximávamos — os paparazzi se fechando cada vez mais
ao nosso redor. O jogador entrou primeiro, deslizando no banco
para abrir espaço para mim. Quando me lancei ao seu lado, a porta
foi fechada, nos isolando da algazarra que agora cercava o veículo.
Sem uma dúzia de indivíduos ocupando o metro quadrado
onde eu pisava, finalmente pude respirar sem sentir que tinha um
bolo entalado na garganta.
— Seu celular está vibrando — Oliver murmurou ao meu
lado. Foi só aí que eu notei que sim, meu telefone estava vibrando
no meu bolso. Praticamente berrando. Todavia, o nome Marcus não
era bem-vindo naquele momento.
— Oi — atendi, minha voz soando tão medrosa que eu sentia
como se estivesse falando com meu pai. Puta que pariu, eu nem
respondi às mensagens de minha mãe e ainda tinha que falar com
meu pai!
Eu tinha que falar com meus pais!
— Você deveria, sabe, terminar comigo antes de se casar
com o Karlsson. — E lá estava ela, a voz irritadiça e grossa que eu
sabia que Marcus tinha quando estava irritado e queria ser grosso
de propósito.
— Eu terminei de verdade com você, Marcus, várias vezes.
Você não aceitou.
— Você não termina com alguém e continua mandando
mensagens para essa pessoa. Você estava na minha casa semana
passada, e…
— Precisamos conversar — o interrompi, minhas palavras
exalavam medo.
— Vai me convidar para conhecer sua casa com o seu
marido? — Engoli em seco. Cada vez que sua voz ficava uma oitava
mais alta, eu sentia meu corpo tremendo.
— Marcus, você está distorcendo e fazendo algo que não
precisa fazer. — Suspirei, mordendo a boca por dentro. — Se você
vier conversar comigo…
— Eu só liguei pra ouvir sua voz mesmo. Queria saber se
está feliz em finalmente dar o golpe em alguém com dinheiro e…
Desliguei. Porque haviam poucas coisas nessa vida que eu
não era obrigada a aturar, e meu ex falando besteira era o que eu
não precisava.
Bem, talvez fosse. Quebrar totalmente minha ligação com
Marcus e concluir que ele era um babaca? Sim. Tudo bem que,
dessa vez, fui eu quem fez a merda, mas…
Mas…
Mas o quê?
O que eu esperava que ele fizesse?
— Aconteceu alguma coisa? — Oliver perguntou ao meu
lado. Ele parecia perceber que minha cara não estava das
melhores. Fiz a sonsa e neguei com a cabeça. Eu tinha quase
certeza de que ele tinha ouvido metade da conversa, mas preferiu
fazer o mesmo que eu e fingir.
— Sua casa… como é? Eu soube que você se mudou —
perguntei com um sorriso amarelo nos lábios, tentando mudar de
assunto.
— Bem… ela é grande. — Ele coçou a nuca com uma das
mãos. — Eu contratei um arquiteto para deixar tudo do jeito que eu
queria, mas ainda não me acostumei de verdade. — Ok, parecia
que estávamos tendo uma conversa normal entre dois adultos. — E
seu gato?
— É uma gata.
— E ela tem nome?
— Não, Oliver. Minha gata entende a linguagem de sinais e
foi criada por gorilas, então eu imito o andar do Tarzan para me
comunicar com ela. — Crispei os lábios após responder e me
permiti sorrir de maneira sarcástica. — Gucci.
No banco do passageiro, Amy começou a rir sem nem ao
menos tentar disfarçar que estava ouvindo nossa conversa.
— Acha que ela e Gucci se darão bem? — Oliver perguntou,
parecendo realmente interessado no assunto entediante que
mantínhamos ali. — Gucci e Zara.
— Vamos para sua casa, Ollie? — Amy perguntou e ele
assentiu com a cabeça. Sem prestar muita atenção, ouvi a mulher
dar ordens ao motorista, que logo deu partida no carro e começou a
nos levar para longe do aeroporto.
— Eu tenho que organizar minhas coisas para a mudança,
não é? — questionei, minha voz quase se quebrando no final.
— Anna… — Oliver segurou minha mão numa tentativa falha
de me acalmar. — Leve o tempo que precisar. Não precisamos
apressar tudo. Posso dormir na sua casa e te ajudar a organizar
tudo, se quiser. — Balancei a cabeça em afirmação levemente. —
Você divide o apartamento com alguém? — Dessa vez, neguei. —
Ótimo, vai ser um custo a menos para você por seis meses. Minha
garagem tem espaço para seu carro; a casa tem lugares o bastante
para Gucci se esconder a hora que ela quiser e… — Notei que o
olhar de Amy estava em cima de nós dois novamente, e me senti
incomodada com aquilo.
Peguei o celular no bolso e digitei rapidamente uma
mensagem, que foi enviada para o número de Oliver — torcendo
para que ele não tivesse trocado.

A: Amy ainda está prestando atenção na nossa conversa.

Quando Oliver percebeu que eu estava ignorando-o


completamente e que uma mensagem nova fazia parte de suas
notificações, ele entendeu o recado.

O: eu sei, ela é bastante curiosa


O: mas não se preocupe, minha casa não é tão longe. Depois
de nos deixar lá, ela vai para a dela.
A: Vocês moram perto um do outro?
O: No mesmo condomínio, mas nada preocupante.
A: Nada preocupante????????? Parece que sua mãe tá
morando na mesma casa que vc.
O: ela não é minha mãe
A: Mas te olha como se fosse. Parece que eu sou a
namorada que sua mãe não aprova. Olha só como ela olha pra
mim.

Oliver levantou os olhos até Amy, que ainda mantinha o olhar


em mim. Especialmente em mim, olhando até mesmo com uma
pitada de raiva. Uma gargalhada ficou presa na garganta dele, e eu
desviei meu olhar de imediato, segurando minha vontade de rir
também.
Idiota, não era pra ele ter rido.
— Vocês estão falando de mim por mensagem? — Amy
percebeu. Seu tom, no entanto, era mais de deboche do que de
raiva. — Seus filhos de uma mãe! Oliver, me dá esse telefone!
— Não. — Oliver escondeu o celular, passando-o para mim
enquanto a mulher tentava pegar o aparelho. Num reflexo muito
idiota, enfiei-o entre meus peitos e deixei cair pela blusa.
— Se você colocar a mão na minha blusa, eu te dou um tapa
— ameacei, tentando ficar séria, mas um sorriso folgado estava em
meus lábios. Eu não seria capaz de dar um tapa em Amy, mas,
mesmo assim, continuaremos nesse esquema fingindo que sim.
— Chegamos — o motorista anunciou para Amy antes que
ela soltasse alguma piadinha para mim. Arqueando as
sobrancelhas, ela abriu a porta, pegou algumas malas e sumiu em
seguida.
O carro voltou a se mover pouco depois.
Eu ia rir.
Eu ia soltar gargalhadas gostosas.
Eu ia até encostar a cabeça no ombro de Oliver para dar
risada.
Se o celular dele não começasse a tocar juntamente ao meu.
Se o celular dele não estivesse dentro da minha blusa e bem
próximo a minha perseguida.
Se eu não ficasse constrangida… e aí nervosa… e aí sem
saber o que fazer, porque eu enfiei a mão por baixo da blusa para
tirar o telefone e atender como reflexo.
Se o reflexo dele não tivesse sido igual ao meu e ele
atendesse o meu telefone também.
— Alô?
— Alô?
Num movimento rápido, trocamos os telefones.
— Oi, mãe — falamos em uníssono. Depois disso, como se
as duas tivessem combinado, elas começaram a gritar. Minha mãe
dizia tantas coisas que eu não conseguia entender, também não
conseguia entender o que a mãe de Oliver dizia para ele porque,
bem, estava em sueco. Antes que eu chorasse ali mesmo e tivesse
uma crise, desliguei minha ligação e tentei prestar atenção nas
expressões de Oliver. Nada amigável, e, para piorar, ele estava
respondendo em sueco também.
Tentei não parecer tão intrometida. Para fingir não ouvir,
coloquei meu celular na tela de ligações e encostei na orelha, minha
atenção tão grande em meu marido de mentira que eu ao menos
percebi que meu celular estava realmente ligando para alguém.
— Anna? — Congelei ao ouvir a voz tão conhecida por mim.
Minhas mãos começaram a tremer, e eu tive certeza que iria vomitar
a qualquer minuto. — Eu conheço essa voz, é verdade?
Eu não respondi, não seria capaz de responder.
— Eu não estou com raiva de você, só preciso saber se é
verdade. Vindo de você. — Natasha estava tão calma que eu a
odiei, quis que ela ficasse com raiva para eu ter motivos para estar
tão afobada.
— É — respondi, pensando se me arrependeria de tê-lo feito.
— E você também sabe que foi um acidente.
— Eu não esperava menos que isso, conheço vocês dois. —
Respirei aliviada, mesmo sabendo que haviam resquícios de dor em
sua voz. — Mas…
— Mas…?
— Não é culpa sua, e eu não estou dizendo que é, só que
parte de mim está muito magoada porque isso aconteceu.
— Você está com ciúmes? — perguntei. Depois de apenas
segundos, me dei conta da merda que eu havia feito ao perguntar
aquilo e bati a mão na testa. — Eu…
— Sei o que quis dizer, também não sei responder isso.
Podemos nos encontrar? Conversar melhor.
— Certo, eu… eu te mando mensagem. Tchau.
Desliguei sem nem ouvir sua resposta. Em partes porque
Oliver havia desligado o telefone e estava prestando atenção em
mim — eu nem menos falava uma língua que ele não conhecesse
para poder me comunicar sem que as pessoas entendessem. Quer
dizer, eu sabia falar francês, mas tirando na França e no Canadá,
ninguém mais liga pra essa língua.
Então nenhuma das pessoas que eu conheço sabe falar
francês.
— Amanhã pegamos minhas coisas lá em casa. Hoje eu
posso me virar com a mala da viagem, certo? — perguntei para
Oliver fingindo descaso. Mandei mensagens aleatórias e
desesperadas para Leslie, que tinha viajado comigo e sumido de
vista bem na maldita noite em que Elvis me declarou esposa de um
jogador de hockey de quase dois metros. Em partes, ela se culpava
por eu ter acabado casada com Oliver Karlsson.
Se eu não fosse uma amiga tão boa, a culparia também.
— E a sua gata?
— Ela está com minha vizinha, pode passar um dia a mais
sem mim. — Um sorriso sem graça se fez presente em meus lábios.
Claramente ignorando tudo o que acontecia no banco de trás, o
motorista estacionou o carro, avisando que havíamos chegado.
Ok? Ok.
Vai dar tudo certo. Quer dizer, são só alguns meses.
Seis!
Eu já passei mais que isso de aparelho e não foi tão
doloroso. Seis meses fingindo estar casada com Oliver era moleza.
Indolor. Ia passar rapidinho.
— Certo… então, meu quarto de hóspedes está entulhado de
coisas. Você vai dormir na minha cama até eu conseguir ajeitar
tudo, ok? Eu durmo no sofá.
— Oliver… — Senti culpa e arrependimento ao mesmo
tempo. O que você está fazendo, Anna Rose? Cala a boca, não diz
nada e deixa ele dormir no sofá! — Você está desistindo da cama
por conta própria… fique confortável em seu sofá.
— Tem certeza que não tem problema eu dormir no sofá? Ele
é meio duro. — Oliver saiu do carro. Sua cara estava até mais
azeda quando ele percebeu que iria realmente dormir no sofá,
porque eu deixaria que isso acontecesse. Ele pegou nossas malas,
e eu o ajudei, trazendo-as para fora do carro. O motorista se
despediu e deu partida. Droga, minha última chance de fugir. —
Anna?
— É meio triste que você seja tão rico e não possa comprar
um sofá confortável! Está tudo bem mesmo, eu te empresto um
travesseiro para não ficar tão ruim. — Não está não, Anna, deixa ele
dormir na cama e depois você arranja um lugar pra não tirar ele da
própria cama.
Entramos em sua casa, e eu me segurei muito para não ficar
com aquela cara de merda que pessoas pobres como eu tinham ao
entrar na casa de alguém rico. Tudo era extremamente claro e
neutro, tinha uma simetria de cor irritante e era tão organizado.
Que morte.
Ouvi um latido e me assustei, rolando os olhos porque eu
tinha certo medo de cachorros de grande porte.
— Zara! — Oliver chamou a cadela, que tinha a porcaria de
passos pesados. Eu lembrava dela quando era filhote. Zara não
tinha sido uma decisão de Natasha e Oliver como casal. Pouco
antes do término, Oliver tinha decidido, por conta própria, que iria
adotá-la.
Os passos cessaram e os latidos também.
Uma pitbull que deveria pesar uns sessenta quilos me
encarava. Os olhos estavam fixos em mim de forma analítica e,
mesmo com Oliver a chamando, Zara não olhava para ele.
— Essa é a Anna, ela vai morar com o papai durante um
tempo. — A compreensão na voz de Oliver para explicar à sua
cadela que eu iria morar ali era tocante.
— Oi, Zara! — Minha voz saiu tão fraca que soou mais como
um gritinho de desespero. A cadela me ignorou e foi até o dono, se
esfregando nele e apontando para mim com o queixo, como se
perguntasse quem eu era. Foi aí que eu fiz a maior burrada de
todas.
Me aproximei dos dois sem ao menos perguntar se ela havia
gostado de mim.
E assim, meus amigos, eu tive minha mão quase arrancada
por uma pitbull de trinta quilos.
Então, todo dia que você pensar que está se fodendo muito
na vida, não fale isso alto. A vida vai olhar para você e rir na sua
cara.
Depois vai te foder dez vezes pior que antes.
“Cara, preciso muito de sua ajuda. Sério mesmo.
AGORA!!!! Me ligue.”
(Mensagem não vista de Oliver para Ed)

Observar Anna dormir na primeira noite foi algo totalmente


desconfortável por diversas razões. Sua mão estava machucada, o
curativo horrendo que eu havia feito não adiantou muita coisa —
Anna-Rose Carbain tinha pavor de hospitais, assim como também
tinha de cachorro de grande porte. O que seria uma combinação
dos dois juntos?
Uma mão com dezenas de dentinhos grossos e afiados,
cravados tão profundamente que parecia o molde de uma
dentadura. E ela sentia dor, eu sei que sentia porque ouvi um choro
fraco no início da madrugada. Não sabia se era pela situação em
que estávamos ou pelo curativo mesmo, mas ela chorou. Mais ou
menos, às três da manhã, eu levantei para pegar um analgésico
para ela.
Eu queria dormir? Queria. Mas ver a fotógrafa agonizar
daquela maneira era extremamente doloroso, até mesmo para um
jogador de hockey. Trouxe um copo de água e dois comprimidos,
me agachando ao seu lado para entregar.
— Carbain? — Chamei de forma calma para não assustar
ela. Anna-Rose tinha grandes olheiras e uma expressão cansada.
— Eu não vou para o hospital. — Foi o que ela me
respondeu, fechando os olhos e tentando dormir.
— Eu sei que não vai, eu trouxe um analgésico para você.
Talvez consiga dormir, geralmente o efeito é forte. — Tentei explicar.
Pelo menos ela estava com um dos olhos abertos, como se
dissesse “estou ouvindo”. — Aqui a água, toma o remédio e a dor
vai passar por enquanto.
Anna não pensou duas vezes antes de engolir o comprimido,
bebendo a água num gole único.
— Agora eu durmo? — Ela perguntou e eu assenti, sentando
de volta na cama. Não que Anna e eu tivéssemos intimidade, mas
nos conhecíamos há anos.
Tomei liberdade para ajustar o cobertor para que ela ficasse mais
confortável. Quando ela estava num sono profundo e nada seria
capaz de acordá-la, busquei meu telefone e liguei para Ed que
atendeu logo em seguida.
— Você está acordado? Te mandei um milhão de
mensagens! — Uma.
— Não, atendi com a força do pensamento — Ed debochou e
eu rolei os olhos, sempre tão adorável — Você não me acordou,
Ollie. O que foi? Aliás, você precisa me contar das coisas que anda
fazendo em sua vida. Como tipo, casar com a melhor amiga de sua
ex.
— Ótimo, você quer bancar uma de Gossip Girl? Vem aqui
em casa, eu preciso que você me ajude a transportar um corpo.
— Transportar um corpo? — Eu quis muito rir na cara de meu
amigo, mas paguei de bom moço e só confirmei sua pergunta —
Certo, eu chego aí em meia hora.
Quando eu desliguei a ligação, me permiti rir de Ed, ele
deveria mesmo achar que eu tinha um corpo para esconder.
Ed Groissant e eu éramos amigos desde sempre, o que quer
dizer, 2011, quando eu entrei para o Colorado Blizzard. Ele tinha
dois anos a mais no time e no começo sempre me tratava como se
eu fosse uma criança. Pior, como se eu fosse sua criança. Ele
também era um ano mais velho que eu e julgava esse ano como
décadas. Claro que, eu não deixava barato e sempre jogava na cara
que eu fui o jogador mais novo a se tornar capitão de um time na
história da NHL e com apenas 254 dias no time.
E era o mais novo sueco a marcar um gol pela NHL, mas
Roman Ahlgren roubou o título de mim.
Claro que, eu tinha um troféu e ele não. Toda vez que Roman
vinha falar que ele era o mais novo agora, eu só dizia três simples
palavras: Troféu Memorial Calder.
A campainha tocou e Zara latiu, rolei os olhos em seguida
porque minha cadela tinha que fazer escândalo quando não
precisávamos de barulho. Fui abrir a porta, acalmando Zara e
desbloqueando a passagem da porta para Ed entrar.
— Quem você matou? — Ed gritou e eu achei que Anna
acordaria naquele momento.
— Seu maluco, ela tá dormindo! Abaixa o tom! — Alertei com
medo dele soltar mais um grito.
— Quem vamos enterrar viva? Quem nós vamos enterrar?
Ollie, eu tenho 26 anos, eu não posso ser preso sem completar
minhas metas de vida.
— Groissant! — Dessa vez, eu gritei — Caralho, Anna está
sedada e…
— Puta merda, você vai enterrar sua esposa sedada e viva?
Você é cruel. Eu preciso de boas explicações e… — Antes que ele
pudesse continuar aquele papo sem o mínimo sentido, tapei sua
boca e fiz força para que ele não pudesse tirar minha mão de lá.
— Zara mordeu Anna e ela tem pavor de hospital, dei um
calmante para ela, está dormindo e eu queria que você me ajudasse
a levar ela para o hospital. Para fazer curativos.
Demorou alguns segundos até que Ed compreendesse o que
se passava ali, quando vi o entendimento em seus olhos, soltei sua
boca e o deixei falar.
— Desculpa, eu fiquei jogando Silent Hill até agora.
— Você passa horas jogando Silent Hill e começa a achar
que todo mundo é assassino? Me dá um tempo, Ed. Agora vamos,
eu tenho que levar a Anna para o hospital.
— Ela se machucou como mesmo? — Íamos até o quarto e
eu dei graças a Deus por ela ter dormido com aqueles moletons
enormes, não ia ser nada agradável a cena caso fosse o contrário
— Porque ela dorme tão coberta? Ah, porque vocês não são
casados. Como isso aconteceu?
— Las Vegas, cara — Peguei Anna no colo com cuidado,
segurando as pernas e a coluna — A bolsa dela, eu já verifiquei e
está com todos os documentos que precisamos, pega aí e abre as
portas.
— Certo. — Ed fez o que eu pedi e me seguiu — Vocês
ficaram bêbados em Las Vegas e se casaram? Como vocês se
encontraram lá?
— Foi num cassino aleatório, ela estava na merda por causa
dos amigos brigando e eu queria ficar bêbado. Só lembro até aí e
nem é lembrança mesmo, são apagões. Nos encontramos por
acaso.
— E a Nat? — Ele fechou a porta de casa e abriu a da
garagem, me ajudando com as portas em geral para que eu
pudesse me locomover sem machucar Anna.
— Eu não falei com ela, eu não consigo. Mas eu acho que a
Anna falou e não tive coragem de perguntar. — Entrei no carro e
fiquei no banco de trás com minha esposa no meu colo, Ed ligou o
carro enquanto a porta da garagem abria. Saímos do condomínio
em pouco tempo e logo depois estávamos a caminho do hospital
mais próximo.
— São tempos difíceis, meu amigo.
— O mundo não é mais o mesmo, Charlie. — Repeti a
famosa frase de Logan, porque constantemente eu tinha que
lembrar a Ed como ele tinha chorado no cinema — Ei! Tem um
hospital naquela rua!
— Sim, uma amiga de minha ex-namorada trabalha lá, mas é
super gente boa então estamos em boas mãos — Ed respondeu e
eu dei de ombros, se ele conhecia alguém então estava até mais
fácil — E você está proibido de usar a piada do Charlie, você não
assistiu nenhum filme da Marvel que lançou.
— Eu estava sem tempo! — Menti, eu não vi nenhum dos
lançamentos porque a maioria era triste e eu ficava triste também —
E você sabe como eu sou em relação a finais. — Chegamos no
hospital e ele estacionou de qualquer jeito, ninguém nos multaria de
madrugada por estacionar de forma imprudente. Abri a porta e a
empurrei com a perna, pegando Anna no colo e esperando a
lentidão de Ed para sair do carro e lembrar que devia pegar a bolsa
dela, voltando mais uma vez e demorando ainda mais.
Anna era magra? Era.
Mas ela devia ter uns 1,80 de altura, osso pesa!
Quando finalmente entramos no hospital, a recepcionista nos
olhou como se alguém tivesse morrido e correu em nossa direção.
Claro que, eu não ia falar que não foi tão ruim e deixei ela pensar
que alguém estava morrendo ao nos colocar com mais agilidade na
emergência. A sala estava até calma, algumas pessoas tomando
soro, uma menina com o joelho estourado e um cara tomando
glicose. Normal. Uma médica se aproximou, ela aparentava ser
mais velha que todos os médicos e enfermeiros dali.
— Ed! O que aconteceu com essa moça? — Ela arregalou os
olhos e tentou não soar curiosa — Aliás, eu sou a Dra.Speckhart.
— Oliver. — Apertei sua mão em cumprimento — Ela tem
pavor de hospitais e eu meio que… dei um calmante para ela
dormir. Tem alguma coisa ruim nisso?
— Bem, é estranho. — Ed respondeu pela Dra.Speckhart e
eu empurrei seu ombro. Me ajudar que é bom, nada.
— Estranho é sim. — A doutora gargalhou e pegou a mão
machucada, analisando o ferimento — O que temos aqui?
— Minha cadela mordeu ela e… eu fiz esse curativo horrível.
Agora de madrugada ela tomou um calmante e dormiu.
— E você a trouxe mesmo sabendo que ela tem pavor de
hospitais. Sua esposa? — Quando eu fui negar, lembrei da aliança
em sua mão e na minha. Assenti de mal gosto — Ela vai ter que
ficar internada, não é nada grave mas pode infeccionar. Vamos dar
pontos em algumas partes e esperar o efeito do seu calmante
passar para que possamos dar outros remédios. Até então, sua
esposa vai ficar aqui no hospital.
— Ela vai me matar. — Conclui, passando a mão na testa —
Não tem como irmos embora antes dela acordar?
— Não — Dra.Speckhart disse com certeza absoluta, ela
parecia se divertir com a ideia de que eu morreria em algumas horas
— É melhor você estar aqui quando ela acordar. Dra.Smith, chame
um enfermeiro por favor para monitorar essa paciente.
A interna/residente/não sei o que, saiu para chamar o
enfermeiro responsável por aquele plantão e nos expulsou depois
disso para que eles pudessem fazer tudo sem dois idiotas do lado
fazendo perguntas e atrapalhando tudo.
— Eu te falei que minha mãe quer me matar? — Perguntei
aleatoriamente, Ed estava mexendo no celular e numa clara
expressão de cagando e andando — Numa escala de um a dez,
como você acha que eu vou morrer?
— Como Oberyn Martell.
— Oberyn morre? — Arregalei os olhos com raiva — Puta
merda, eu já tô fodido e você me vem com um spoiler desses.
— Cara, isso faz quase uns dez anos, não é spoiler. Supere.
— Ele finalmente parou de jogar para me dar atenção — Ela é sua
mãe, você é o mais novo, por alguns segundos, mas é o mais novo.
Claro que ela está preocupada, além do mais, foi algo repentino.
Não vai acontecer nada demais.
— Ela quer que eu vá com Anna-Rose para Suécia.
— Ok, pode acontecer algo. Mas é sua mãe, não um
monstro. Devemos nos preocupar com a Linnea, você sabe que ela
é super ciumenta e naquele jantar que Nat levou Anna, elas
brigaram a noite toda. E também tem a parte que ela amava
Natasha.
— Ed, eu me pergunto todo dia porque você não larga a
carreira de jogador e vira psicólogo — Ironizei — Eu estou mais
calmo agora, parece que o mundo está até mais colorido.
Bufei, ignorando a risada debochada de meu amigo.
Fiquei mexendo no Instagram até que eu percebi que, para fingir
aquilo, eu tinha que saber coisas sobre Anna. Abri seu Instagram e
comecei a fuçar as fotos, seu trabalho era realmente excelente e me
doía ela não ter o reconhecimento que precisava e merecia.
Quando, em meio a todos os trabalhos que ela fazia, achei uma
galeria com fotos de Natasha, conclui que aquele era meu fim.
Voltei para o feed e ao me deparar com uma story de Sebastian
Carson, goleiro do Dortmund e grande amigo, recebendo massagem
numa sala com outros jogadores, não contive à vontade e respondi:
Muitos homens na mesma sala.
A resposta dele veio rapidamente em forma de provocação:
Eu aposto que você queria estar aqui também.
E claro, eu não me contive: Você realmente me conhece.
Com direito a um emoji de coração e tudo. Porque eu era
assim com meus amigos, mesmo aqueles que eu via a cada trinta
anos e tinha que obrigatoriamente, manter contato por telefone.
Não sei quantas horas eu passei ali, mas chegou um
momento que eu já tinha curtido e comentado 99% de minhas fotos
no feed do Instagram, visto todas as stories e respondido todas
mensagens acumuladas.
Incluindo sobre o casamento, que eu contei a verdade
apenas para três pessoas: Ben, Roman e sua namorada.
Todo o resto não precisava saber da mentirinha.
— Sr. Karlsson? — Ouvi meu nome ser chamado e a interna
estava lá — A médica passou alguns remédios para sua esposa,
aqui a receita — Me estendeu o papel — Ela ainda está dormindo,
mas logo acorda. O quarto é o 19 e os dois podem visitá-la, mas
logo cedo eu terei que pedir para ficar apenas um no quarto.
— Tudo bem. — Respondi, olhando a receita e concluindo
que eu não ia entender nada. Segui a mulher até o quarto de Anna e
entrei, observando a mulher deitada e pensando nas maneiras que
ela iria escolher para me esfolar e depois deixar meu corpo preso na
porta de casa. Ou dar minha carne para a Zara.
Ed saiu para comprar os remédios e me deixou sozinho com
a bela adormecida. Fui tomar café quando já estava amanhecendo e
notei que ela tinha acordado, na verdade, estava acordando.
— Bom dia. — Murmurei com um sorriso amarelo no rosto,
começando a rezar para ela não ter uma crise de pânico ali mesmo.
Era isso que pessoas com pavor de certas coisas faziam?
— Onde eu estou? — Anna perguntou e sua voz estava bem
fraquinha, talvez fosse o efeito dos remédios ainda.
— No céu, meu anjo, eu vim te buscar para irmos tomar café
com meus irmãos Rafael, Uziel e Miguel. — Ironizei numa tentativa
de quebrar o clima, o sorriso amarelo e bem medroso nos lábios. Eu
não acredito que eu estava com medo de uma fotógrafa.
— Não devíamos chamar Lúcifer?
— Ele não pode entrar no céu. Fez coisas ruins.
— Que tipo de coisa ruim ele fez? — Anna tossiu, rindo em
seguida. Não parecia apavorada, na verdade a conversa
descontraída parecia deixá-la mais calma.
— Levou a amiga que tem pavor de hospital para um
hospital. Isso não é terrível?
Anna começou a rir e eu agradeci a todos os anjos e deuses
pelo bom humor presente naquela mulher num momento daqueles.
Ela não estava surtando, não estava chorando e muito menos
tendo um ataque de pânico. Alguma coisa eu fiz certo. Fui até sua
cama e sentei ao seu lado, olhando o soro que estava já nas gotas
finais e que em qualquer momento, alguém apareceria para trocar.
— Você está com fome? Eu posso pegar algo para você
comer.
— Não! — Soou quase como uma súplica — Eu odeio ficar
sozinha em quartos de hospital.
Passos soaram atrás de mim.
— Anna Banana. — Ed — Estou muito feliz que você
acordou, luz do dia. Na verdade, você está me devendo uma. Esse
carinha aí queria enterrar você viva de madrugada, mas eu convenci
que não. Você poderia me apresentar alguma amiga modelo, não é?
— Se eu tivesse amigas modelos, estaria trabalhando na
Savage X Fenty e seria bem feliz como boa tiete da Rihanna. —
Anna rebateu e eu me permiti rir. Seu olhar em cima de Ed era
analítico, mas aí ela me olhou daquele jeito que parecia querer
expressar algo e eu só não entendia o que.
E como se depois de alguns segundos ela tivesse desistido,
rolou os olhos e bufou em desistência.
— Anna, porque você está olhando assim pra mim? — Ed
perguntou, ele não parecia nem intimidado nem incomodado, só
curioso.
— Era isso! — Finalmente eu entendi, rindo em seguida — O
Ed sabe.
Seus olhos pegaram fogo.
— Puta merda, você contou para quantas pessoas?
— Ei! Eu não sou fofoqueiro. Confia em mim, docinho.
— Em você eu confio, tô falando do Brutamontes aqui — Não
consegui conter o quão ofendido eu fiquei e segundos mais tarde,
lembrei que Anna conhecia o time, que Anna também viajava
conosco quando Natasha ia. E que tinha uma relação muito melhor
com eles do que comigo.
Muito engraçado.
— Você não confia em seu próprio marido? Eu me cansei
disso, quero divórcio. Vou te trair com os donuts da cantina — Falei
de forma dramática e coloquei a mão no peito. Eu realmente
comecei a andar em direção à saída da sala porque minha intenção
era comer algo novamente.
— Karlsson! Volta aqui agora, pra quem você contou?
— Ninguém! Só o Ed sabe.
— Você é um péssimo mentiroso. — Eu ouvi o grito de minha
esposa e quase gritei de volta para que ela não fizesse esforço.
E ela estava certa, eu sou um péssimo mentiroso.
Será que temos um bebê Karlsson chegando?
Anna Karlsson e marido, Oliver Karlsson são vistos saindo de
emergência acompanhados de Ed Groissant
(Daily News Hockey)

— Precisamos conversar.
Foi assim que Oliver me acordou naquela manhã.
Claro que, sempre precisávamos conversar. Tudo bem, não o
tempo todo, mas era quase uma situação normal.
Eu já havia me mudado oficialmente para sua casa, que mais
parecia um condado de tão… excêntrica? Não sei se essa era a
palavra certa. Todavia, fiz um acordo com o síndico do prédio e uma
garota que precisava do apartamento por sete meses, alugou na
minha mão. Claro que, era um mês a mais que eu tinha, mas eu
sempre estava viajando a trabalho e podia ficar na casa de meus
pais.
Gucci e Zara? Bem, essa era uma história engraçada. Elas
se amavam. Fim. No primeiro dia, minha gata batia na cara da
pitbull todo o momento. Naquela mesma noite, achamos as duas
dormindo juntas. Zara era bastante calma e dócil, eu a conheci da
pior maneira possível, mas agora já mantínhamos uma relação boa.
Ela não me mordia e eu não encostava nela.
E agora, Oliver queria conversar comigo. E eu não estava
com medo e nervosa por ele querer falar algo sério, tudo bem, eu
também estava por isso.
Mas eu também queria conversar sério com ele há dias. Só
que, estava enrolando, porque eu não sabia como conversar. Não
conseguia. Travava e ficava gaguejando parecendo uma idiota.
Na minha família, nós não conversamos. Tudo era resolvido
assim que você achava que tinha algo para resolver. Uma vez,
minha mãe achou que meu pai estava traindo ela. Quando ele
chegou em casa, simplesmente todas suas coisas estavam
arrumadas em malas e ela disse que desejava uma vida feliz para
ele e sua namorada nova.
Meu pai estava fazendo aulas de pintura para pintar ela de
presente de aniversário de casamento.
Tomei banho e coloquei algo confortável, eu estava passando
o dia inteiro em casa pela falta de trabalho. Aquelas eram minhas
férias que haviam sido arruinadas e agora eu iria ficar feito uma
idiota em casa, fazendo um monte de nada.
A mesa do café estava pronta, muito pronta.
Tinha chocolate quente e estávamos em junho, quem fazia
chocolate quente em junho? Panquecas, muitas panquecas.
Chantilly, waffles, morango, mel e um pote de creme de avelã. Algo
estava errado.
Hesitei antes de perguntar se tinha cereal, porque
aparentemente, ele tinha feito aquilo tudo porque queria conversar
algo sério.
— Pode falar — Sentei em sua frente, pegando algumas
panquecas e passando o creme de avelã e depois chantilly. Qual é?
Não se nega doce.
— Eu posso ser direto? — Assenti, mordendo um grande
pedaço da panqueca e assoprando o chocolate para tomar — Minha
mãe quer que visitemos ela na Suécia.
Meio segundo depois, a cara de Oliver Karlsson estava toda
melada de creme de avelã cuspido.
— Eu… eu sinto muito — Olhei em sua direção com muita
vergonha, talvez procurando um buraco pra enfiar a cara — Eu não
posso ir para Suécia, eu não sou sua esposa de verdade. Eu não
sei ser sua esposa e… não é melhor contar a verdade para ela?
Mentir para nossos pais é feio.
— Linnea quer nos ver também. Até o Lukas disse que vai
passar em casa para parabenizar o casal.
Engoli em seco. Linnea, a irmã gêmea de Oliver. Era pior que
enfrentar mil Karin’s — a mãe dele era a versão sueca do que
conhecemos como Karen.
— Não! Conte a verdade para eles, Oliver. Conte que não
somos casados por vontade e que isso tudo foi um mal entendido.
— O sonho da mamãe sempre foi me ver casado… — Ele me
olhava exatamente como o Gato de Botas e eu estava tentando
focar na minha comida — Por favor. Só precisamos… estudar mais
sobre os dois. Eu preciso saber mais coisas sobre você e você
precisa saber mais coisas de mim. Não vai exigir tanto assim, quer
dizer, você me diz coisas de fotografia e eu te digo de hockey, eu
estou te pedindo um único favor.
— Não — Fui dura e grossa — Nem pense nisso, não, fora
de cogitação. Eu nunca vou fingir que sei coisas sobre você e
enganar seus pais. Nem viajar para Suécia.
— Eu te pago, quanto você precisar. Te dou uma lente nova,
uma câmera nova.
— Nem pensar. Eu já disse que não, eu não vou e nada vai
me fazer aceitar mentir a esse ponto. Não é não.

DUAS HORAS DEPOIS

— Eu não acredito que eu estou fazendo isso. —


Resmunguei de forma birrenta, ainda tentando tomar café da manhã
e quase sem fome do tanto que Oliver estava enchendo meu saco.
Se aquela carinha dele não valesse tanto, eu a socaria com muita
vontade.
— Acredite, eu devia ter me formado em advocacia. Ou ser
vendedor, eu sou ótimo convencendo pessoas — Seu tom de voz
prepotente me fez desejar jogar o chocolate em sua cara, mas era
chocolate.
— Primeiro vamos contar o que você está me devendo. —
Levantei os cinco dedos da mão esquerda e comecei a listar —
Chocolates da Suíça.
— Eu tenho bons contatos, Anna. Você vai ter seu chocolate.
— Uma 100macro EF.
— Podemos ir comprar amanhã se você quiser.
— Uma semana com o quarto só meu até você organizar
aquele muquifo que chama de quarto de hóspedes.
— Você parece gostar tanto do fato de eu ter que entrar nele
de toalha — Havia uma provocação em seu olhar, algo como
deboche — Mas tudo bem, pelo menos eu não vou ver você
depilando as pernas de novo. Ou ouvir você falar quando dorme à
tarde.
— Eu não falo! — Leslie e Nat já haviam comentado daquilo comigo,
que eu falava dormindo e era horrível ter que lidar com isso — Você
ronca tão alto que daqui de cima eu escuto!
— Eu tenho um desvio. — Oliver deu de ombros e eu cortei
um pedaço do waffle — Pelo menos não fico narrando meu sonho.
— Ele tossiu e forçou uma voz fina — Você vai me beijar, Marcus?
Gelei. Eu havia tido um pesadelo com Marcus noite passada.
Um pesadelo que ele me beijava à força. Meu ex-namorado virava
um monstro enorme e com vários braços, dentes enormes e olhos
vermelhos.
— Agora você me deve também uma Leica e se abrir a boca
pra falar mais uma coisinha sobre meu ex, vai me dever uma lente
com o zoom de 200/400 mm. Você me ouviu?
— Sim, senhora — Oliver bateu continência e eu rolei os
olhos, cansada de tudo aquilo. Tudo bem, ainda tínhamos cinco
meses e algumas semanas pela frente… O que seriam alguns dias
na Suécia com a família dele? Só o maior pesadelo da minha vida.
— Aliás, se eu vou conhecer seus pais… acho que você
deveria conhecer os meus. — Joguei um verde só pra saber a
situação dele com o assunto.
Oliver parecia leve como uma pluma. Nenhuma expressão de
desgosto.
— Só avise antes de irmos para não ser inconveniente, odeio
chegar sem avisar. — Crispei os lábios ao ouvir sua voz calma.
Como ele podia ser tão calmo? Filho de uma…. desculpa, sogrinha
— Então, quando começamos as aulas? Eu estou louco para saber
algo de você.
— Eu vou trocar de roupa e… ah, quer saber? Vamos agora.
— Decidi — Sofá. Sem a Zara.
— Então a Gucci não pode subir também.
— Trato feito.
Larguei as coisas na mesa, elas não iriam sair dali de
qualquer maneira. Oliver já tinha se jogado no sofá e quando Zara
foi subir, ele não deixou. Ótimo, pontos para você.
Sentei numa poltrona mais afastada, cruzando as pernas.
Gucci caminhou de um jeito preguiçoso até mim e pulou em meu
colo, massageando minha coxa antes dela sentar e se acomodar
para dormir. Quando Oliver me olhou feio, eu apenas dei de ombros
e levantei minha mão machucada, minha gata não fica por aí
tentando arrancar a mão dos outros.
— Me fale sobre você. — A iniciativa foi dele e eu me senti
preenchendo a biografia de alguma rede social. Qualquer rede
social minha era ridícula. Eu era péssima com interação e minhas
bios sempre eram frases pequenas e impactantes. A do Instagram
mesmo era: ‘Eu bebo muito e tiro algumas fotos’.
— Eu nasci no Canadá. — Falei a primeira coisa que veio na
minha cabeça — No dia 22 de outubro de 1999.
— Você tem só 22 anos? — Oliver soou chocado.
— Não, eu tenho 84. Próxima? — Pensei por alguns
segundos — Meus pais são daqui de Denver, eles foram para o
Canadá por causa de uma proposta de emprego, deu certo no
começo, mas 3 anos depois eles voltaram para cá. Adotei a Gucci
quando passei na faculdade.
— Quando você quis ser fotógrafa?
— Quando eu percebi que também queria ser modelo. Vamos
lá, uma porta abre a outra. Só que fotografia sempre foi uma paixão
maior porque capturar um momento e eternizá-lo é a melhor coisa
que o ser humano já inventou.
— Qual sua cor preferida?
— Fácil, roxo.
— Banda?
— Essa é complicada. — Pensei por alguns segundos,
mordendo a boca por dentro — Mas com certeza é algo entre
Seafreat e Paramore.
— Música?
— Feeling Good, na voz da Nina Simone.
— Filme?
— Eu poderia facilmente responder Capitão América:
Soldado Invernal, mas é pelo Sebastian Stan. Então… acho que A
Origem foi o filme que eu mais assisti na minha vida.
— Até hoje eu não entendo esse filme — Oliver arregalou os
olhos, aquele bom humor dele estava me irritando demais — Aquele
totem no final que ficou girando?
— Ele não para de girar, é um sonho.
— Mas… — Ele coçou a barba e fez uma careta — Parece
que vai cair.
— Mas não cai. Mais alguma pergunta, Karlsson?
— Eu me perdi. Voltando à programação normal, quem é a
pessoa que te conhece a mais tempo e que não seja da sua família?
— Você sabe essa resposta — Arqueei a sobrancelha,
observando sua reação ao notar algo que estava embaixo do seu
nariz.
Ainda havia uma espécie de mágoa em seu olhar, talvez por
ainda amá-la, talvez pelo término quando tudo parecia estar bem.
Eram momentos difíceis, quando você e uma pessoa não
estão mais juntos e tudo te lembra ela. O tempo que passaram
juntos e todas as coisas boas que a vida em dupla acumulou. Mas
isso era passado. Oliver sabia que era e ele havia superado. Porque
era forte, porque sabia que Natasha não iria voltar para ele, não
importa o quanto a amasse.
Ele era grato por ter tido a chance de amá-la, por ter estado
com ela e vivido ótimos momentos. Naquele momento, ele não
olhava para o nada com a mágoa de quem estava com o coração
quebrado; era só um olhar de quem nunca teve todas as respostas
que queria.
Eu quis perguntar. Eu queria muito perguntar o que estava se
passando na cabeça de Oliver Karlsson naquele momento.
— Você conheceu Nat na faculdade.
Não foi uma pergunta, ele estava afirmando que havíamos
nos conhecido lá. E sim, Natasha e eu nos esbarramos no primeiro
dia de aula das duas.
— Muitas pessoas passam por nossas vidas, Oliver. Alguns
escolhem fazer de moradia, outras tratam como se fosse uma
pensão qualquer. — Dei de ombros, olhando meus pés — Nat e eu
vamos sair.
— Eu sei — Ele sorriu, parecia sem graça por saber. Sem
reação. Deu mais uma risada e passou as mãos pelo cabelo,
bagunçando os fios.
— Se você quiser ir… — Engoli em seco, fazendo daquilo
uma opção. E eu me senti horrível nos minutos seguintes, porque
ele engoliu em seco pelo menos cinco vezes.
— Não, obrigado. Eu provavelmente estragaria o momento de
vocês.
Ele engoliu em seco mais uma vez. Mexeu as pernas e
mudou de posição.
Eu percebi que tinha algo errado quando Oliver estava
começando a ficar vermelho. Tirei Gucci do meu colo e fui até ele
como quem tem pressa, me afundei no sofá ao seu lado e segurei
em seus ombros.
Ficar perto demais dele me incomodava de um jeito errado,
parecia que eu estava invadindo o espaço de Natasha.
— Oliver… — Tentei começar, eu nem sabia o que falar —
Você sabe que, além de tudo o que estamos passando, eu posso
ser sua amiga, não é? Somos próximos e podemos confiar um no
outro para qualquer coisa, vamos estar juntos aqui por mais seis
meses e só temos um ao outro. Você pode contar comigo, para
qualquer coisa.
Era difícil que eu realmente fosse o ombro amigo dele para
qualquer coisa, eu não iria mais uma vez tentar juntar os dois ou ir
de boa vontade para a casa de seus pais. Mas iria tentar o básico.
— É difícil. — Sua voz saiu tão fraca que meu coração
encolheu, levantei seu rosto pelo queixo e vi seus olhos cheios
d'Água. Eu sempre fui muito sentimental com a relação dos outros,
comecei a ficar com a visão turva quando eu percebi que ele estava
a 1% de chorar.
Quando a primeira lágrima molhou o rosto de Oliver, puxei
sua cabeça para meu ombro e comecei a chorar junto. Minhas mãos
acariciavam seu cabelo enquanto as lágrimas escorriam. Eu não
sabia realmente porque Oliver chorava, muito menos porque eu
estava acompanhando.
E sendo maldosa, a situação era cômica. Um homem
daquele tamanho — tanto de altura como de largura –, chorando no
colo da esposa.
Provavelmente por causa da ex.
— Isso é ridículo, sabe? — Oliver riu em meio às lágrimas —
Porque você não chora também pelo seu ex? Ele terminou tudo e
você tem menos tempo de fossa que eu. Você não chora?
— Só quando descubro que eu vou ter que ficar casada com
o ex de minha melhor amiga. — Afastei meu corpo e limpei suas
lágrimas — Você é forte, Oliver. Esses testes que a vida nos dá é
para provar nossa força. Coisas boas virão, não digo que Nat irá
voltar com você, ela não vai, mas em algum momento dessa vida
você vai superar. Você tem que superar.
Ele assentiu, mordendo a boca por dentro.
— Ela… ela está com alguém? — Gargalhei de sua insegurança e
neguei com a cabeça.
— Natasha precisa de um tempo para ela e homens não
estão nos seus objetivos… não por agora — Pausei, porque eu
precisava falar um pouco de Marcus para tirar o que estava entalado
em minha garganta — Eu estou mal sim, mas eu sei que preciso
superar. Eu sei que eu não vou voltar para Marcus e fiz uma merda.
Ele foi um babaca? Foi, mas eu traí ele e ainda me casei legalmente
com esse suposto amante. Eu também seria babaca se a situação
fosse contrária.
— Você o ama? — A pergunta me pegou de surpresa e eu
pensei por alguns segundos. Neguei com a cabeça, mordendo a
boca por dentro — Ele te ama? — Neguei mais uma vez,
observando a dúvida em seu olhar — E porque diabos vocês dois
estavam juntos?
— Porque gostávamos de jogar. Uma relação sem amor é
como um telefone sem internet. O que você faz quando não tem
amor ou internet? — Invejei sua dúvida por aquela frase, era algo
que eu dizia diariamente para mim mesma – Você joga.
— Pensei que você fosse mais sentimental…
— E eu pensei que você não fosse um bebê chorão —
Segurei a risada, vendo sua cara feia — Mas vamos lá, me diga
coisas sobre você.
— 10 de dezembro de 1993. Estocolmo, nasci lá. Minha
língua de origem é a sueca, mas também falo inglês e linguagem
corporal. — Ele riu no que parecia ser uma piada interna — Desde
criança, meu sonho era ser jogador de hockey e aos 16 anos, me
mudei sozinho para o Canadá. Fiquei até os 18 jogando e aos 19, o
Blizzard me comprou.
— E aí você virou capitão, troféu blá blá blá… me conte algo
que não esteja no Wikipédia.
— Minha mãe não sabe quem é mais velho, Linnea ou eu.
Ela disse que quando o médico nos entregou para ela, não
lembrava a ordem exata.
— O que? — Não pude conter minha risada — Impossível.
— Ela se ofende se você perguntar. Mas o papai sempre fala
que eu sou o mais novo. Até brinquei sobre isso no Twitter uma
vez.
— Acho que essa é a primeira vez na vida que eu ouço
alguém falar sobre isso – Constatei — Qual sua comida favorita?
— Donuts.
— Filme?
— Eu não consigo escolher um só, mas se eu pudesse
assistir um único filme na vida, seria Kingsman.
— Como é sempre ser confundido com suíços?
— Um saco. Suíça e Suécia não tem nada a ver.
— Você deveria ser professor de geografia para ensinar as
pessoas então.
— Bem, aí uma pergunta que você não fez. Se eu não fosse
jogador de hockey, seria assistente social. Ou professor de alguma
arte marcial, médico também é uma ótima opção.
Mordi a boca para não rir, Oliver tem as feições de um
ginecologista safado. Mas ele seria um bom médico.
— Isso é interessante, entraremos em mais detalhes depois.
— Cocei minha franja, tentando pensar em algo interessante —
Uma coisa que você nunca faria?
— Você vai rir de mim. — Neguei com a cabeça, mas seu
tom de voz envergonhado me fez rir. Isso mesmo, Anna-Rose, fala
que não vai rir e começa a soluçar pra rir. Levantei meu dedo
mindinho.
— Promessa de dedinho.
— Isso aí — Oliver entrelaçou o dedo no meu e me analisou
por alguns segundos antes de falar — Pousar nu.
Eu não consegui, comecei a rir. Parecia que algum
comediante estava na minha frente falando piadas sem graça
alguma.
— Cada dia eu descubro que você é mais homão do que eu
achava que era.
— O que é um homão?
— Um homem que faz tudo que as mulheres já fazem há
anos, mas eles ganham biscoito. — Limpei o canto do meu olho,
segurando em sua mão para tentar me concentrar e não rir mais —
Me desculpe por rir, foi errado e eu prometi que não ia fazê-lo. Mas
eu já posei nua milhões de vezes e quando vejo alguém com receio
de fazer algo tão… natural, eu acho engraçado porque não é
anormal para mim.
— Você tem foto nua?
— Era isso ou passar fome. Escolher entre fazer as compras
de casa ou comprar o material que a faculdade estava pedindo. E
também, eu sempre arranjava eventos em outros estados,
passagens não se pagam sozinhas.
— Você é um mulherão da porra. — Seu elogio me pegou
desprevenida e eu comecei a rir, sentindo minhas bochechas
corarem imediatamente. Eu sabia que tinha me esforçado muito
para me formar e chegar aqui, mesmo que, aqui não seja
exatamente a casa de Oliver, mas sim um lugar no sentido figurado
da coisa.
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, seu telefone
começou a tocar e ele se retirou para atender. Começou a andar de
um lado para outro, conversando rápido demais e se empolgando
com o tempo. Cinco minutos se passaram até que ele finalizasse a
ligação e virasse em minha direção.
— Mulherão da porra, consegui um evento para você
fotografar. Mas tem dois empecilhos.
— Quais? — Perguntei já com medo.
— O primeiro é que eu não vou poder ir com você.
— Finalmente, vantagens — Oliver rolou os olhos com meu
comentário.
— O segundo é que esse evento é na Alemanha.
Se eu estivesse comendo algo, provavelmente ia engasgar.
— Que tipo de evento é?
— Chá de bebê, revelação se eu entendi certo. Consegue dar
conta? — Assenti, meio estática e abobada ainda. Eu nem sabia
falar alemão! — Posso confirmar?
— Eu preciso entrar em contato com o contratante para
especificar como tudo isso vai acontecer. Não é fácil assim, tem que
analisar toda a situação e ver o pagamento também, não tem
fotógrafo na Alemanha? Me passa o número de quem te ligou e eu
falo com essa pessoa, detalhe por detalhe.
— Você parece que não gostou da novidade.
— Ah — Minha voz saiu num fiasco — É que eu achei
estranho. Mas tudo bem, eu conheço uma pessoa na Alemanha e
posso até visitar ela, quem sabe. E tentar aprender alguma coisa.
— É bom que você tenha uma amiga na Alemanha, onde ela
mora?
— Düsseldorf.
— Perfeito, o chá de bebê é em Düsseldorf. — Oliver parecia
genuinamente feliz, como se tivesse descoberto a cura de alguma
doença rara.
— Então eu vou pedir aulas de Alemão para Libby e…
— Libby? — Seu tom era… curioso.
— Sim, minha amiga. Nos conhecemos em São Francisco
uns anos atrás e eu até viajei para Alemanha depois para ver ela. E
ela veio com o marido e os filhos para cá no ano passado.
— Você diz Libby de Libanesca?
Agora nem eu estava entendendo.
— Sim?
— Libanesca de Libanesca Fürtwangler? Esposa de Hensel
Becker?
— Porque você está falando da minha Libanesca como se a
conhecesse?
— Anna… — Oliver parecia querer rir — Agora faz todo
sentido que ela tenha exigido você. Mas, tem esse goleiro que eu
conheço, Bash, ele trabalhava com o Hensel antes dele se
aposentar. Coincidentemente ou não, o chá de bebê é do neném
mais novo da Lib.
— EU VOU FOTOGRAFAR O CHÁ DO BEBÊ DA LIB?
— Sim.
— Então, minha contratante é Libanesca Fürtwangler?
— Essa é a parte engraçada da história, não.
— Isso fica cada vez mais confuso, me passa o número de
quem foi logo!
— Número? Precisa não. Ela provavelmente estará aqui ou
podemos ir até ela, bem rápido na verdade. Mas você tem que me
responder se quer ir para Nova Iorque visitar Aneska Hüber.
“Eu quero muito que tudo saia de acordo com o planejado,
então por favor não dê uma de doida em cima do Oliver!”
(Mensagem de Anna-Rose para a mãe)

Não demorou muito para chegarmos na casa dos pais de


Anna. Na verdade era até perto demais. Joseph e Riley Carbain
estavam na porta de uma casa simples, uma senhora estava perto
dos dois e havia um enorme jardim na entrada. Um balanço na
varanda, era lá que os meus sogros estavam conversando e
também foi de lá que começaram a olhar meu carro. Joseph tinha os
olhos fixos e uma cara bem assustadora, engoli em seco ao
perceber como aquele homem era enorme.
Careca, devia ter uns dois metros de altura e isso explicava o
porquê de Anna ser tão alta. Os dois braços cobertos de tatuagens
e uma barba clara que cobria todo o rosto.
— Você disse que seu pai trabalha no quê mesmo? —
Perguntei para uma Anna que já acenava, fudeu, não tem como
fugir agora.
— Ele é lenhador. — Engoli em seco mais uma vez, lenhador.
Ele tinha um machado. Ed Groissant me mataria se visse um
descendente de Vikings como eu sendo frouxo daquele jeito.
— Sua mãe trabalha com livros, certo? — Anna confirmou e
eu estacionei o carro — Quem é aquela senhora?
— Senhora? — Anna-Rose estreitou os olhos e sorriu em
seguida, abrindo a porta com pressa e saindo correndo — Nana!
— Ótimo, eu me fodi triplamente. — Tombei a cabeça,
observando a família contente ao se encontrar e a cara feia de
Joseph em cima de mim. Coloquei meu melhor sorriso e sai do
carro, seguindo o mesmo caminho que Anna para não pisar em
nada. Parei ao seu lado, esperando ser apresentado enquanto ela
cumprimentava a avó.
Joseph me analisava sem nem disfarçar, os olhos
observadores em cima de mim e uma pitada de algo amargo em si.
A voz de Anna repassava cada regra em minha cabeça: não xingue
na frente deles, nada de falar mal dos Estados Unidos, me deixe
responder as perguntas sobre o casamento, sem filhos, você sente
falta de Barack Obama todos os dias mas também acha que Joe
Biden não é uma opção perfeita como muitos dizem, documentários
são chatos e a DC nunca vai chegar aos pés da Marvel.
— Mamãe, papai, vovó Saf, eu quero que conheçam o Oliver,
não como o antigo amigo ou alguém que vocês já conheciam, como
meu marido. — Ela apontou para mim e um sorriso fraco surgiu em
meus lábios, não era convincente o bastante e eu me pus a abraçá-
los carinhosamente.
— É um prazer poder revê-los e conhecer a dona Safira. A
Anna fala muito bem da senhora.
— É um prazer te receber aqui hoje, Oliver. — Riley foi a
primeira a se manifestar — Vamos entrar, estávamos só esperando
vocês.
— Claro. — Respondi vergonhosamente, entrando após
todos eles.
— Então… — Joseph coçou a garganta e seu tom de voz era
muito grosso, parecia Vin Diesel falando — Eu não sei o que fazer.
Eu ia perguntar quais suas intenções com minha filha, mas você já
está casado com ela. — Joseph sorriu e quando todo mundo
começou a rir, conclui que eu tinha que rir também. Soou como um
porco, mas eu fiz meu máximo.
— O mais estranho é… normalmente tínhamos essa
conversa antes de um casamento, bem, não houve casamento
antes, mas vocês entenderam. — Riley se manifestou, sentando no
sofá da sala e todos a acompanharam, fiz o mesmo porque eu não
ia ficar em pé — Mas eu preciso que vocês me falem o que caiu na
cabeça de vocês para casarem! Noivado, namoro, agora
casamento? Você é tão nova, filha.
— Deixe a garota em paz, Riley — Dona Safira repreendeu a
filha, olhando com admiração para Anna e eu.
— Mamãe — Anna começou, antes que eu falasse algo, seu
tom de voz era repreensivo —, você sempre disse que eu só podia
me casar depois da faculdade. Se eu contasse que iria me casar,
com o Oliver ainda por cima, você iria me deixar ir para Las Vegas?
— Não. — Ela foi dura e indolor.
— Está aí a minha resposta. — Anna arqueou a sobrancelha
e ali mesmo eu notei o porquê delas soltarem faíscas entre si. Anna
e Riley eram muito parecidas, organizadas demais, quem planeja
toda a vida e surta se um único detalhe der errado — E pai, eu não
estou grávida.
— Eu não ia perguntar — Ele levantou as mãos para cima
como se tivesse sido acusado de algo — Mas você tem certeza que
não está?
— Tenho.
— Mas quais as chances de estar em alguns meses? —
Joseph perguntou só para sanar alguma dúvida que tinha em si e
Safira concordou alegremente. Ele tinha cara de quem adorava
crianças, mesmo que, se eu fosse uma criança, eu provavelmente
fugiria dele na primeira tentativa possível. E adotaria Safira como
minha avó em seguida.
— Já tem muitas crianças no mundo, adotar em alguns anos
é a solução mais plausível. — Respondi antes que Anna pudesse
abrir a boca para falar algo. O fato de ela estar falando pelos dois o
tempo todo me incomodava. Soava como se eu não tivesse voz e já
que ela tinha decidido aquilo sem mim, minha vingança podia ser
aquela também — E ainda somos muito jovens, senhor Carbain.
Anna-Rose tem 22 e eu tenho 28, ela acabou de se formar e talvez
o melhor seja focarmos nas nossas carreiras até então.
— Esse é um bom pensamento — Riley sorriu com a boca
fechada, eu tinha certeza que internamente, ela estava me chutando
— Bem, o almoço não vai ficar pronto sozinho. Joseph querido,
venha me ajudar por favor.
Antes que eu me oferecesse, Vin Diesel Carbain me olhou
como se dissesse fique aí, e saiu. Anna segurou a risada e eu
estreitei os olhos. Bandida. Ela ia ver quanto fossemos para
Estocolmo, eu ia tirar o sangue dela e fazer molho.
— O acordo era que nós dois íamos conversar com eles! —
Falei o mais baixo possível, puxando Anna para mais perto — Você
tem que me informar quando os planos mudarem, Anna.
— Eu fiquei nervosa! — Ela sussurrou de volta — Eu não
soube o que falar, eles começaram a me olhar estranho e eu fiquei
totalmente sem ação!
— Você não pode mudar as coisas sem me falar — Alertei —
E seus pais estão olhando para gente agora. Eles não são bons
disfarçando.
Anna deu uma espiada pelo canto do olho e percebeu que os
pais estavam realmente olhando para nós dois. Ela deu uma risada
baixa e colocou a mão na minha nuca, aproximando o rosto.
— O que você vai fazer?
— Tirar seu sangue. O que parece que eu vou fazer? — Sua
risada saiu nervosa. Anna parou extremamente perto de mim e eu
senti sua respiração bater no meu rosto. Passei os dedos pelo seu
rosto e fiz uma carícia leve, arrancando uma risadinha dela. Eu
queria rir. Queria gargalhar ali mesmo. Mas me mantive sério.
Primeiro foi apenas um toque de lábios, logo após isso,
passei a língua pelos lábios de Anna e ela me deu permissão para
aprofundar o beijo. Não foi nada muito excepcional porque seus pais
estavam bem ali olhando. Eu ainda tinha amor a mim mesmo e não
queria ser assassinado na casa dos outros por beijos quentes
demais.
— Você até beija bem. — Provoquei, vendo um sorriso
mínimo se formar em seu rosto. Ela queria rir daquilo tanto quanto
eu — Sua sorte é ter um profissional em beijos à sua disposição,
vamos melhorar isso.
— Eu não acredito que casei com um beijoqueiro… — Anna
rolou os olhos, mordendo a boca e se afastando um pouco.
Riley se aproximava de nós, ágil como qualquer felino que
quer matar alguém.
— Do que o casalzinho está falando? — Seu tom de
sarcasmo dava dor no meu estômago. Parecia que minhas tripas
estavam enroladas umas nas outras.
— Vamos para Nova Iorque em alguns dias e estávamos
fazendo os planos da viagem — Anna se pôs na frente mais uma
vez, daquela, com algo que ambos estávamos informados — Vamos
visitar a Aneska Hüber.
— Quem? — Safira perguntou.
— A namora…
— Uma amiga nossa — A interrompi, arregalando os olhos.
Vai que aquela mulher acha que eu estava sequestrando Anna e
nunca mais a trazendo de volta — Aneska namora um jogador de
futebol que é um conhecido meu de alguns anos, ela conseguiu um
trabalho para Anna e vamos nos encontrar para ajeitar melhor tudo
isso.
Eu não soube identificar qual era a expressão que minha
suposta sogra deveria ter no rosto. Algo como… dúvida? Que ela
não gostava de mim eu tinha percebido no momento que cheguei,
mas duvidar de um trabalho parecia algo novo em minha concepção
de analisador durante os vinte minutos desde que nos conhecemos.
— Anna-Rose, você me disse que era só uma viagem e
voltou casada da última vez. Se você me aparecer grávida, eu só
espero essa criança nascer e te mato, ouviu?
— Riley! — Safira se meteu antes que a filha falasse mais
algo — Anna-Rose já é adulta, se sustenta e além de tudo, está
casada agora. Essas decisões devem ser delas, não?
— Tudo bem, eu não tenho mais direito de opinar em nada
de minha filha mesmo, todo mundo faz as coisas e não me avisa, eu
sempre sou… — Riley saiu resmungando e quanto mais longe
ficava, menos se ouvia do que ela falava.
— Sua mãe é um pouco…— Comecei, sem saber como
terminar.
— Dramática? — Ela riu — Você não viu nada. Mas em dias
comuns, você iria gostar dela.

Anna passou às sete horas de voo num sono incontestável.


Ela dormiu tão bem que eu fiquei com pena de tirar sua cabeça do meu ombro,
mesmo quando minha camisa estava molhada graças à babona ao meu lado.
Demoramos meia hora para pousar no Aeroporto LaGuardia e eu não sabia se
Aneska já estava lá. Eu tinha informado que sairíamos às 9h de casa, mas que o
voo só era para 9h55min. Chequei meu relógio quando pousamos e os comandos
começaram a ser dados quando faltavam cinco minutos para as 18h. Se ela não
estivesse lá, eu enfiava café em Anna até ela não aguentar mais e com toda
certeza compraria enxaguante bucal para ela e a obrigaria a usar depois de
escovar os dentes. O seu hálito estava bem ruim.
— Anna Banana! — Gritei em seu ouvido, empurrando seu
ombro para que ela acordasse.
— Me chame no fim da viagem. — Ela resmungou, tapando
os olhos com os cabelos e mudando de posição para apoiar a
cabeça na janela. Ah, se eu soubesse que era tão fácil, poupava
minha camisa de tanta saliva.
— Estamos em NYC, minha criança. Levanta essa bunda
magra daí que se eu não aparecer no desembarque antes das seis
e meia, Aneska me larga aqui e você vai me ouvir falando sobre isso
pelos próximos cinco meses.
Anna começou a xingar, limpando a boca e resmungando
algo em francês enquanto ajeitava os cabelos que pareciam um
ninho. Ela era engraçada demais quando estava na fase querendo
voltar a dormir.
O caminho depois dali foi bem mais prático, sendo o
desembarque o menor dos problemas. Era meio de semana e não
havia tanta gente assim viajando por aí.
Avistar Aneska Hüber não foi a coisa mais difícil do mundo,
na verdade foi ridiculamente fácil.
Em vez de segurar plaquinhas como as pessoas geralmente
faziam, Aneska havia pregado meu uniforme a um pedaço de
papelão e colado Silver Tape em cima do KARLSSON e escrito
ANNA-ROSE com caneta permanente. O número 92 permaneceu e
embaixo dele estava CARBAIN KARLSSON com um coração
pingado no I.
— Você realmente comprou uma camisa só para fazer isso?
— Perguntei assim que cheguei perto o bastante, a abraçando em
seguida.
— Se algum dia for em algum dos seus jogos, vou deixar
clara minha preferência a sua esposa! — Antes mesmo de terminar
de me abraçar, Aneska havia me empurrado com uma considerável
força e ido com tudo em cima de Anna, abraçando a mulher de um
jeito que ela finalmente despertou. A fotógrafa começou a dar risada
e eu não me segurei também, eu já estava amando essa viagem
antes mesmo dela começar.
Ah, esses jovens.
— Eu não acredito que você fez mesmo isso! — Anna gritou
para a morena, acho que um dos seus ouvidos ainda estava meio
entupido da viagem — Você nunca esteve tão estilosa, Aneska
Hüber.
— Muito obrigada, costumo ser uma ótima anfitriã — Ela riu
gostosamente — Então essa é a famosa Anna-Rose Karlsson? Bem
vinda à minha nova casa.
— Famosa por quais motivos? — Anna tinha um sorriso meio
amarelado, alguma coisa havia se perdido na tradução?
— Bem, Lib fala muito bem de ti e também comenta muito
sobre como você conhecia as melhores noites de São Francisco.
— Pela deusa, seu sotaque é a coisa mais linda do mundo!
— O sorriso dela havia voltado ao normal — E eu já soube quais
eram as melhores noites daquela cidade, mas tem muito tempo que
me mudei.
— Eu sou nova na cidade, então podemos descobrir nos dias
que você ficar aqui como as pessoas passam as noites na cidade
que não dorme.
— Sim! Eu ia amar!
Ok, eu pelo visto ia ser totalmente esquecido no churrasco.
— Onde está Bash? — Perguntei, porque por dois segundos
eu realmente achei que elas quase iriam entrar no carro sem mim —
Achei que ele viesse também.
— Sebastian ficou no apartamento sonhando com
analgésicos, você soube que ele quebrou a mão, não é? — Assenti
em confirmação e Anna ficou só prestando atenção — Então, a
cirurgia foi recente e nos últimos dias ele tem reclamado muito da
dor, até porque não sabe ficar parado. Então vamos encontrar ele
em casa.
Sebastian tinha quebrado a mão no último jogo do Dortmund
pela Bundesliga, aparentemente seus ossos estavam quebrados
desde o primeiro tempo e ele só percebeu quando o jogo acabou.
— Nossa, seu namorado deve ter sangue de barata para só
sonhar com analgésicos, eu estaria tomando eles como água.
— Marido.
Parei de vez.
— O que? Marido?
— Isso mesmo que você ouviu.
Não pude conter a pontada de inveja que surgiu. Ela dizia
aquela palavra com tanta vontade, com tanto orgulho. Eles tinham
uma relação de verdade e diante do fato dos últimos anos a relação
deles ser escondida da mídia, Aneska tinha razão de estar tão feliz.
— Meus parabéns! — Anna teve o reflexo mais rápido que
eu, acho que pelo fato de não estar em relações sérias ou pensar
muito nisso, a fotógrafa não ligava muito para o fato de estar casada
com alguém que não queria estar. Claro que eu dormia pensando
que ela poderia me esfaquear de noite, mas eu sabia que não a
afetava quanto me afetava — Isso é tão legal, não costumo andar
com pessoas casadas.
— Mas você não é casada também? — Aneska perguntou e
uma ruga de dúvida surgiu em sua testa.
— Sim… — Anna claramente estava sem graça — É que
quase ninguém ao nosso redor é casado, é uma pena que vocês
morem na Alemanha!
— Ah, eu mudei para cá há um tempinho. Tenho alguns
trabalhos na cidade e região e aproveitei para fazer mais cursos da
minha especialização, Bash ia vir junto quando estivesse de férias
mas só adiantou um pouco as coisas ele não poder jogar pelos
próximos meses.
— Nós temos tempo de conversar no carro, vocês percebem
isso? — Lembrei às novas melhores amigas — Melhor do que
contar sobre nossas vidas no meio do aeroporto.
Às duas assentiram e começamos a andar. Quando
estávamos próximos ao estacionamento, estreitei os olhos ao ver
qual veículo respondeu ao alarme.
— Cadê seu carro? Esse carro é do Sebastian?
— Aham, o meu só tem dois lugares, mas olha que lindinho
esse carro enorme brilhando na minha garagem! — Aneska deu um
sorriso que mais se assemelhava a uma diabinha perversa — É
confortável também, muito.
Bash tinha um Nissan GTR R35 preto e de quatro lugares.
— É por isso que gosto mais de você do que de seu marido
— Abracei Aneska com força, vendo Anna se acabar na risada.
Peguei minha bolsa e Anna tinha separado uma das minhas blusas
do uniforme porque gostava de dormir com elas. Fui até a janela do
fundo e deixei a blusa correta pendurada lá, olhei para as duas
mulheres que riam como duas hienas, já chamando atenção das
pessoas ao nosso redor.
— Preciso de uma foto para registrar esse momento — Anna
tirou a câmera da bolsa e começou a ajustar algumas coisas no
aparelho, do nada tirou a porra de um tripé desmontado de um bolso
daquela bolsa e armou no meio do aeroporto — Pronto, programei
ela para tirar a foto sozinha. Oliver, aponta para a camisa certa e
Aneska continua segurando a camisa riscada, eu vou ficar entre os
dois.
Anna nos posicionou exatamente como queria e ficou no
meio, apontando para as duas camisas e com um sorriso enorme no
rosto. Assim que o flash disparou, ela me entregou seu telefone.
— A câmera está conectada pelo celular em bluetooth,
chegou à foto aí já — Ela foi até os equipamentos para desmontar
de novo — A senha é 1864!
Abri a foto que havia saído perfeita e não contive o sorriso.
— Vou postar no meu Instagram, qual seu user? — Ela
perguntou para Aneska assim que voltou com tudo devidamente
guardado, eu nem sabia que ela tinha trazido suas coisas até esse
exato momento. E quer dizer, não seria mais fácil só usar uma
Polaroid agora? — Pronto, postada e os dois estão devidamente
marcados.
A tela do celular dela estava na nossa frente e sua legenda
era:
“Nova jogadora do Colorado Blizzard, pelo menos eu já tenho
uma fã.”
— Isso vai sair em algum Instagram de fofoca.
— Até eu me acostumei com isso e você não? — Anna
perguntou ao meu lado e eu simplesmente dei de ombros. Quando
Aneska não estava prestando atenção, ela se esgueirou ao meu
lado e sussurrou: — Estamos já no inferno, meu querido
brutamontes. Agora é só sentar no colo do capeta e esperar que ele
se pareça com o Tom Ellis.
“Anna-Rose e Oliver Karlsson postam foto em Nova Iorque
com Aneska Hüber e internet ama o crossover de Wag’s!”
(@welovewags)

— O que é WAGs? — Perguntei assim que vi a publicação


que um Instagram havia feito, aparentemente era só para exaltar as
WAGs mais queridas do mundo esportivo.
— Wifes and girlfriends — Esposas e namoradas.
— Tem um nome para isso? — Eu nem consegui disfarçar
meu choque, Aneska gargalhou e enquanto Oliver dirigia guiado por
ela, nós duas estávamos conversando como se fossemos
conhecidas de décadas — Chocante.
— O mais chocante é que as pessoas realmente se dedicam
a isso, mas é sempre amar ou odiar. Até agora eu sou bastante
amada.
— Queria saber qual é a sensação.
— É normal que no começo ainda exista um pouco de… ódio.
Às pessoas tendem a não gostar do desconhecido quando ele é
jogado assim de cara, ainda mais a relação de vocês que foi
repentina para quem estava de fora.
— Com você foi assim? — Ousei perguntar, aquilo me
deixava bastante angustiada.
— Sim e não.
— Ane e Bash namoram desde 2016 — Oliver falou.
— Uau, isso é muito tempo. Nunca fui de acompanhar muito
futebol mas sempre acompanhei fofoca, não sabia que Sebastian
namorava há tanto tempo.
— Poucas pessoas sabiam, na verdade. Alguns colegas do
time e nossas famílias, ficamos com muito medo de julgamentos e
então passamos… quase três anos escondendo nossa relação. Mas
aí quando conheci Libanesca, sempre estávamos nós quatro juntos
e as pessoas acabaram associando uma coisa à outra. Percebemos
que era hora de assumir.
— Ah, entendi — Não quis perguntar assim de primeira
porque eles não assumiram logo, mas como eu não lembro de
nenhum escândalo gigante envolvendo o nome de Sebastian, minha
mente começou a tentar resolver aquele enigma.
— Estamos chegando já! — Aneska apontou para um prédio
antigo, mas que aparentava estar em ótimas condições — Entra a
direita para poder estacionar o carro.
Oliver assentiu com a cabeça e obedeceu a ela, Ane apertou
o controle do portão e naquele momento percebi como era enorme.
— Sua casa é o prédio inteiro? — Tentei não parecer tão
pobre ao perguntar isso, Aneska era casada com um jogador
renomado, claro que eles tinham dinheiro. Além do que, Oliver tinha
mencionado que ela era uma arquiteta caríssima.
— É um prédio de bombeiros que foi desativado. Eu achei o
lugar espaçoso e fiz algumas modificações para poder ficar como
uma casa.
— As pessoas podem comprar prédios de bombeiros?
— Eu também achava que não, mas eu vi em Grey’s
Anatomy que eles compram e quando decidi me mudar, pesquisei
só por curiosidade e achei esse tesouro…
E realmente, aquele lugar era um tesouro mesmo.
As paredes eram altas e lisas, todas pintadas em off-white. O
que deveria ser a garagem tinha espaço para mais uns três carros,
além do conversível que já estava estacionado. Ao fundo tinha uma
espécie de espaço para treino e academia e ao lado dela havia uma
porta tão grande quanto o resto do cômodo. Vendo o tamanho do
prédio, eu realmente, por alguns segundos, imaginei que aquela
parte debaixo seria maior, mas poderiam ter repartido o terreno na
hora da venda.
— A casa fica lá em cima, vocês querem tomar um banho
antes de conhecer tudo ou…
— Banho, por favor. Eu sinto a sujeira dessa cidade
impregnada em mim! — Oliver foi o primeiro a se manifestar e eu só
assenti em concordância.
— Certo então — Ela respondeu, olhando o telefone — Meu
Deus, eu mal posso esperar pela reação do boudeur a essa foto! —
Aneska murmurou assim que estacionamos e quando eu ouvi a
palavra sair em francês de sua boca, quis gritar de felicidade.
— Ei, Bash está te ensinando francês? — Oliver perguntou
quase que por mim, fingindo inocência — Mande ele parar.
— Porque você não me ensina sueco? — Fingi estar triste e
Aneska empurrou Oliver, pegando minha bolsa de equipamento
enquanto eu deixava Oliver carregar o mais pesado — Sebastian
está transformando a esposa dele em uma rainha poliglota enquanto
você nem tenta ensinar sua língua natal para mim! Você, Oliver, é
um péssimo marido.
— É Oliver, por que você não ensina sueco a ela? — Aneska
riu maldosamente e eu percebi certo incômodo vindo de Oliver.
— Porque eu não preciso da Anna-Rose gritando comigo em
mais uma língua, ela já faz isso em duas.
Eu sabia que a situação estava deixando ele um pouco
incomodado porque ele mantinha aquele sorriso de boca fechada.
Quase abri a boca para dizer que Natasha sabia sueco porque ele
havia ensinado, mas ficaria um clima pior do que eu poderia
aguentar.
Eu conseguia lidar com as piadas e fazer comentários
maldosos sobre isso, Oliver não.
Eu tinha quase certeza que, se o nome de Natasha fosse
mencionado, ele ia chorar.
De novo.
— Se quiser te ensino alemão, Anna.
— Merci! — Respondi, piscando para Oliver enquanto
pegávamos o elevador. UM ELEVADOR! Eu amo gente rica —
Então, Ane… Porque você e Sebastian demoraram para assumir a
relação? Juro que não queria perguntar assim de cara, mas eu
fiquei muito curiosa.
Não resisti.
— Porque nossa família acha que somos primos — Uma voz
grave soou do outro lado da porta de metal e quando abriu, quase
soltei um “uau” — Você esqueceu de desligar o alto-falante do
elevador mais uma vez, Ane.
— Désolé, mon amour — Desculpa, meu amor. O sotaque
dela era tão lindinho! — Bem, você prefere ser apresentada a ele
primeiro ou saber o resto da fofoca?
Era como perguntar se urso caga na floresta.
— Oi Sebastian, tudo bem? Tudo massa, depois eu falo com
você. — Puxei Aneska pelo braço para mais longe dos dois, como
se eles não soubessem da história — Agora me conte tudo.
Aneska riu, seus olhos azuis quase sumindo na franja preta
que cobria seu rosto. Ela parecia um neném de tão linda.
— A irmã da minha mãe, também conhecida como minha tia
de sangue, casou com a mãe do Sebastian. Só que, nem Bash, nem
os irmãos são filhos de sangue de minha tia, mas todo mundo da
família os trata como se fossem de sangue. E eu também tratava
até… ficar presa numa loja com ele no meio do Natal, sem energia e
sem ter ninguém conhecido por perto. Uma coisa levou a outra, ele
me deu uma viagem perfeita como presente de aniversário e nessa
brincadeira nós começamos a namorar. Quando contamos para a
família foi… horrível. A irmã dele quase nos comparou a Cersei e
Jamie Lannister.
— Eu poderia ouvir isso com um balde de pipoca na mão
facilmente — Comentei, mais para ela não falar sozinha do que
qualquer coisa — E aí?
— Continuamos juntos, mas com medo. Se nossas famílias
tiveram aquela reação, o que as pessoas de fora poderiam falar?
Toda vez que éramos vistos juntos e alguém perguntava algo sobre
a relação, ficávamos focando na parte que somos primos. Até que
não combinou mais aquela mentira e aí… você já sabe.
— Sinto que acabei de assistir cinco temporadas de uma
série muito boa em dois minutos. Uau. Isso é horrível e ao mesmo
tempo sensacional, sinto muito que tenham passado por tanta
coisa.
— Não era tão ruim, sendo bem sincero. A privacidade era
uma dádiva — Foi Sebastian quem respondeu e eu tomei um susto
quando percebi quão perto ele estava — Agora você pode falar
comigo por favor? Eu estava doido para te conhecer!
— Bem, viens ici — Venha cá. Abri meus braços em sua
direção e fui recebida com um caloroso abraço. E nossa, como o
corpo daquele homem era quente! Quer dizer, com todo o respeito a
Aneska, a temperatura dele era realmente quente — Oliver me
contou sobre o romance de vocês, eu estava muito ansiosa para
conhecer o namorado do meu marido.
Oliver me olhou feio.
Eu sabia que seu humor não estava dos melhores no
momento, mas isso era com ele e sua consciência pesando ou não.
Eu não tinha absolutamente nada com o que me preocupar, meus
pais estavam completamente OK com a situação e minha melhor
amiga sabia da verdade.
Eu era invencível naquela mentira.
— Nós terminamos, ele não te contou? — Bash perguntou
assim que me soltou — Ter um namorado e uma esposa é muito
caro.
— Bem, como eu ainda não sei como funciona isso, vou fingir
que entendo como é caro manter tudo isso — Aneska se intrometeu,
fingindo olhar de forma ameaçadora para Oliver — Porque vocês
dois não vão tomar banho e nós pedimos algo para jantar? Eu estou
morrendo de fome.
— Igualmente, eu poderia comer um elefante.
— Perfeito, vou mostrar onde fica o quarto de vocês, fiquem á
vontade, por favor. — Quando Aneska se afastou um pouco de
Bash, sussurrou a parte seguinte — Sério mesmo, se sentirem sede
ou qualquer coisa, podem abrir a geladeira e pegar o que quiserem,
Bash ama servir visitas, mas ele não pode por causa da mão.
Assenti com a cabeça e Oliver fez o mesmo.
A primeira coisa que fiz ao entrar no quarto foi respirar fundo
e parar de sorrir, eu sentia que os cantos de minha boca poderiam
rasgar a qualquer momento de tanto ficar com aquele sorriso
estranho na boca. Eu estava me divertindo, muito, mas ter que ficar
tão perto de Oliver, ter que parecer que eu gostava de ter intimidade
com ele.
Era desgastante.
— Vou tomar banho — Falamos juntos.
— Pode ir — Disse, antes dele.
— Não, eu prefiro que você vá antes!
— Oliver, pode ir. Eu vou lavar o cabelo, pode demorar um
pouco. — Menti, queria ficar longe dele um pouco, para poder
respirar ar puro e me sentir um pouco menos casada e mais quem
eu costumava ser — Sério mesmo, pode ir.
Felizmente, Oliver parecia realmente querer um banho e não
insistiu muito. Pegou suas coisas e foi para o banheiro. O quarto de
hóspedes da casa de Aneska tinha uma pequena sacada que
poderia servir facilmente como varanda — ou como o lugar em que
você senta para se esconder do seu suposto marido e poder pensar
um pouco e chorar em paz.
Peguei meu celular e coloquei no modo avião — depois de
avisar para meus pais que eu havia chegado e estava tudo bem — e
abri a galeria.
Não gostei de ver as fotos com Marcus naquela tela. Ao olhar
para ele, sentia um frio na barriga que só sentia quando fazia coisas
erradas e meus pais me colocavam de castigo. Lembrava do tom de
sua voz naquela ligação.
Queria vomitar.
Mas ventava com bastante vontade e com minha sorte, se eu
vomitasse iria voltar em minha direção. Então respirei fundo e toda
vez que sua barba ou cabelos loiros apareciam em minha direção,
eu clicava. Foto por foto.
Tremor por tremor.
No final, havia mais de 400 fotos selecionadas. Apaguei
todas. Fui na lixeira e excluí definitivamente todas elas. Parei de
seguir ele em todas redes sociais, apaguei menções e stories.
Todas as mensagens. Sai apagando uma por uma no Instagram.
Músicas que ele havia me mostrado.
Até mesmo um joguinho estúpido que ele baixou no meu
telefone porque não tinha mais espaço no dele.
Vai com o capeta, projeto de demônio.
— Anna? — Ouvi meu nome ser chamado por Oliver —
Anna?
— Oi! — Respondi, a voz — Aqui fora.
— Ah — Oliver apareceu pela janela, seu olhar foi direto para
meu celular — Pode ir tomar banho.
— Certo.
Não respondi mais nada, por mais que eu conhecesse em
partes Oliver, eu ainda ficava sem graça com o fato de estar
tomando banho com ele ao meu lado. A nudez do corpo humano
para mim era algo normal, mas não quando se tratava do ex de
minha amiga.
E ainda era um pouco traumatizante lembrar que eu dormi
com ele.
Em partes eu dizia para mim que não, Oliver e eu não
tínhamos transado.
Mas eu vi camisinhas usadas no chão. Quer dizer, tinha porra
dentro delas. E também, eu conhecia minha vagina muito bem para
saber se tinha transado ou não.
A resposta era sim.
O mais perto de ver ele nu tinha sido sua bunda e um
contorno rápido do seu pau pela toalha, as duas vezes na manhã
depois do incidente. Eu evitava até mesmo estar perto do banheiro
quando ele estava tomando banho. Acho que, por não estar em
casa, era mais fácil eu saber que não deveria fazer tal coisa.
Ele não.
Ele esquecia que estavam usando o banheiro e entrava.
Ele esquecia que eu estava dormindo no quarto e entrava.
Era… estressante demais.
Mas dessa vez, graças a todos os deuses, éramos visitas.
Estávamos na casa de alguém e eu poderia — nem que por poucos
minutos — ter uma privacidade completa.
— Hm, você vai demorar muito? — Perguntei a Oliver. Ele
estava sentado na cama mexendo no celular como se não tivesse
que sair.
— Eu já terminei.
— E porque você não saiu do quarto ainda?
— Bem, esse quarto também é meu no momento.
— Oliver, eu quero tomar banho.
— Não é como se eu fosse entrar no banheiro com você,
pode ir tomar seu banho.
— Mas eu quero que você saia! — Quase gritei, minha voz
saiu naquela coisa meio quebrada como quem está estressada e
quer gritar de verdade — Eu quero poder tomar banho sabendo que
não tem ninguém no cômodo ao lado!
— Mas eu estou no cômodo ao lado! — Oh, Oliver aprendeu
a gritar também — Nós somos casados, ok? Não é estranho que
você queira que eu saia para tomar banho?
— NÃO SOMOS CASADOS! — A primeira coisa que
apareceu na minha frente foi meu shampoo. Que magicamente,
escapuliu de minha mão e foi com tudo na direção do meio de suas
pernas — Eu não sou sua esposinha, não vou tomar banho com
você ao lado e não quero, em hipótese alguma, você perto de mim
enquanto eu estiver vulnerável ou nua o bastante para não poder te
arrastar na rua. Então, Oliver Karlsson, você vai sim sair do quarto
enquanto eu estiver tomando banho.
‘Ela jogou um frasco de shampoo no meu pinto! Essa mulher vai me
matar a qualquer momento, só não vê quem não quer!”
(Mensagem de Oliver para Ed)

— Quem, exatamente, vai te matar? — Edward perguntou do


outro lado da linha e eu podia visualizar ele segurando a vontade de
dar risada — Anna Banana com um frasco de cosmético?
— Eu não acredito que atendi o telefone para isso, você
poderia só ter respondido minha mensagem, cara.
— Não, nunca vou deixar de ouvir sua voz com vergonha por
ter sido atingido por um… frasco de shampoo. Me conte mais sobre
isso.
— Ela quer privacidade — Parecia até ridículo falar aquilo em
voz alta, Anna tinha privacidade. Ela tinha meu quarto só para ela.
Meu banheiro só para ela. Minha casa tinha virado um covil de Anna
e Gucci contra Oliver Karlsson — Fez um escândalo só porque eu
estava no quarto e ela queria tomar banho.
— E porque você não saiu?
— Porque tinha uma porta que nos separava, qual a
necessidade de eu ter que sair do quarto enquanto ela toma banho?
Eu não ia entrar no banheiro!
— Oliver, deixa de ser idiota. Ela precisa da privacidade dela!
Anna saiu da casa dela para morar com você, teve que ficar ouvindo
as pessoas a chamarem de tudo de ruim enquanto você não sofria
nem 1% das consequências, ninguém quer tirar outra pessoa do
próprio quarto para poder dormir. Você acha que quando finalmente
você também é um invasor, ela não vai ficar bem o bastante para
poder tomar um simples banho sem ninguém perturbar o juízo dela?
Se liga!
— É só um banho. Vocês dois estão fazendo muito drama por
pouca coisa.
— Olha Oliver, até eu estou irritado só ouvindo você falar
sobre o assunto, não me surpreende que ela tenha jogado um
shampoo no seu pinto. Eu teria jogado um tijolo.
— Eu não quero mais falar com você. Até meu próximo
problema.
E desliguei na sua cara.
Eu estava escondido naquela varanda que tinha encontrado
ela minutos atrás. Saí sem fazer barulho e depois sai do quarto
também, não queria que ela percebesse que eu só tinha me retirado
agora. Depois de jogar o shampoo em mim, ela entrou no banheiro
com tudo e se trancou. Eu tinha certeza absoluta de que Aneska e
Sebastian tinham ouvido pelo menos metade daquela confusão.
Eles haviam pedido três pizzas e estavam totalmente
entretidos no sofá enquanto conversavam com alguém por chamada
de vídeo. O que foi ótimo, não parecia que nenhum dos dois
carregava aquela aura de culpa de “Ops, eu ouvi sem querer que
seu casamento é uma farsa.”
— Ei, demorei demais? — Perguntei antes que eles falassem
algo.
— Que nada, Anna está no banho ainda?
— Sim, ela disse que ia lavar o cabelo — Sorri amarelo —
Então, fofocar e pizza?
— Esse é meu plano favorito quase sempre — Bash
respondeu — Percebi que estou velho demais para sair o tempo
todo, então ficar no sofá é a melhor coisa.
— Eu passo metade de minhas férias em casa também,
parece exaustivo demais ficar saindo para aproveitar o tempo —
Sentei perto deles e tentei parecer mais relaxado do que eu fingia
estar — Vocês estavam fazendo fofocas super privadas ou algo que
eu possa ouvir?
— Na verdade, estávamos falando de minha irmã — Aneska
se manifestou — Ela está namorando e meus pais estão meio…
desgostosos com a situação.
— Ugh, pai ciumento com a bebê da família?
— Pior que não — Foi a vez de Bash falar — Ela está
namorando uma menina da sala dela e eles ainda estão
processando o fato dela ser lésbica.
— Que merda, pelo menos ela tem o apoio de vocês nisso
tudo, é melhor do que estar completamente sozinha na situação.
— Sim! Eu até disse que ela poderia vir comigo agora já que
está de férias, mas ela não quis, disse que preferia ficar com a
namorada em casa.
— Não consigo imaginar como deve estar sendo para ela —
Sebastian murmurou, seu braço em Aneska como se estivesse
consolando ela.
— Eu sei.
Aparentemente, Anna-Rose estava pronta. Bem, pelo menos
eu podia voltar para o quarto.
Ninguém falou nada até ela sentar na poltrona ao lado da
minha e se espreguiçar. Anna vestia uma calça de moletom cinza
que fazia ela parecer ainda mais alta, pantufas de unicórnio e uma
blusa simples de alcinhas. Seu rosto estava sem nenhuma
maquiagem e seus cabelos loiros estavam ainda um pouco úmidos,
como se ela tivesse tirado o excesso da água com uma toalha.
— Alguma coisa aconteceu? — Anna soou curiosa — Porque
ninguém mais está falando? Ou comendo pizza? Alguém morreu?
Não tive coragem de falar nada, nesse meio tempo ela olhou
para mim e pela falta de maquiagem, seus olhos pareciam ainda
mais escuros que o normal. Sempre achei que Anna-Rosie tinha
olhos verdes, mas naquela noite pareciam castanhos. Tão escuros
quanto o céu lá fora.
— Pode pegar a pizza — E numa quebra de clima, Anna
pegou a primeira caixa de pizza e passou para mim — Eu não
entendi o que você quis dizer — Aneska foi a primeira a tomar
coragem para dizer algo — Você sabe o que?
— Como sua irmã se sente — Respondeu de boca cheia —
Se meus pais perdessem a memória, eu ia me fazer de doida só
para não contar de novo.
— Contar o que? — Bash parecia agoniado — Eu juro que
não entendi uma simples palavra do que você disse.
Ela olhou para mim chocada, como se eu fosse entender do
que diabos ela estava falando.
— O Oliver não contou? — Me fiz de doido com sua
pergunta, mas Ane e Bash negaram com a cabeça — Eu sou
bissexual.
— O que? — Quase gritei.
E, aparentemente, fui o único chocado.
— Você se assumiu com quantos anos? — Aneska
perguntou, parecendo não achar nada uau naquela notícia.
— Quinze. Meu pai aceitou até bem, minha mãe que surtou.
Minha avó também, muito. Depois disso foi tudo bem normal,
quando levei meu primeiro namorado para casa minha mãe o odiou,
ela me disse que não tinha passado anos se acostumando com a
ideia de eu ser bissexual para trazer um homem para casa.
— Mas ser bi não é isso? — Bash pareceu curioso e eu ainda
estava processando toda situação. Quer dizer, eu nunca tinha sido
melhor amigo de Anna, mas eu a conhecia há anos, como não sabia
disso? E como Natasha nunca me contou?
— Aparentemente, minha mãe achava que só porque eu
fazia parte da comunidade LGBTQI+, eu deveria namorar uma
mulher. Expliquei para ela mil vezes que não tinha isso de escolher,
mas na cabeça dela eu só deveria namorar mulheres para
realmente ser bissexual.
— Isso não te tornaria lésbica?
— Por isso se torna engraçado! Com Oliver eu achei que ela
não ia odiar tanto a ideia, mas ela foi um pouco… com todo respeito,
uma vaca. Mas ela gosta muito da Natasha, então acho que é mais
um instinto protetor.
Claro que, eu ainda estava totalmente atônito.
Todos eles conversavam animadamente sobre isso e no meio
tempo Anna pegou até o número da irmã de Aneska para que
pudesse conversar com ela sobre toda a situação, a primeira caixa
de pizza até havia acabado e eu continuava com cara de merda, me
sentindo enganado e burro.
Muito burro.
— Quer dizer que aquela menina que morava contigo…— Fui
capaz de falar depois de bons minutos — Não era só sua colega de
quarto?
— Não, totalmente minha namorada. Ex-namorada, no caso.
Concordei com a cabeça, que tipo de segredos Natasha
escondeu de mim durante todos esses anos?
— Você não sabia? — Sebastian me perguntou, gargalhando
como se eu tivesse contado a piada mais engraçada do mundo —
Sua esposa é bissexual e você realmente não sabia?
— Não fazia ideia — Respondi — Porque você nunca me
contou? — Direcionei minha pergunta a Anna.
— Todo mundo ao meu redor sabia, eu achei que você
soubesse! — Anna ainda sorria, como se aquilo fosse engraçado.
Quer dizer, porque eu não sabia? — Oliver, eu já saí em encontros
duplos com você, Natasha e a Alyssa.
— Eu achei que ela era sua amiga!
— Nós duas dividimos uma sobremesa!
— Natasha me disse que ela era sua amiga!
— Quem é Natasha? — Aneska perguntou e por um minuto,
eu completamente havia esquecido que eles dois estavam do nosso
lado. Bash arregalou os olhos para ela como se ela tivesse falado
algo errado e nesse momento eu percebi que em momento algum,
alguém contou a Aneska sobre Natasha.
Bem, talvez por isso Nat não tenha me contado sobre Anna
ser bissexual. Ou ela realmente achava que estava na cara, ou
partia do princípio que talvez não seja necessário saber de tudo.
— Minha melhor amiga — Anna respondeu, mordendo a
pizza de forma claramente desconfortável.
— Mas… — Aneska apontou para mim e depois voltou seu
olhar a Anna — Você disse como… não sei, pareceu que Oliver e
Natasha eram… Espera. Natasha, aquela Natasha? — Perguntou
para Bash, que só assentiu com a cabeça — Natasha, sua Natasha
é melhor amiga dela? — Dessa vez, fui eu quem assenti de forma
sem graça — Você casou com a melhor amiga de sua ex-
namorada?
— Sim — Anna-Rose, que estava quase da cor do pepperoni
que estava na fatia que ela deveria estar comendo, respondeu — E
por favor, antes que você ache que eu sou uma vadia sem
coração…
— Não é assim — A interrompi, porque o que Ed disse mais
cedo pesou para mim naquele momento — Anna e eu escondemos
a relação de todo mundo porque parecia o certo a se fazer.
Tínhamos medo do que poderiam falar, de como tratariam ela… Sei
que parece pior ainda falando assim, mas Anna-Rose me ajudou
muito quando Natasha e eu terminamos. E não foi uma substituição
de nenhuma das partes, eu não troquei uma pessoa pela outra,
longe disso. Mas, foram coisas ruins que aconteceram no momento
certo. Natasha entende, ela sabe o que aconteceu e antes de tornar
público, fomos até ela conversar e colocar os papéis na mesa.
— Se você ficar desconfortável com a situação… podemos ir
embora. Não tem problema mesmo, eu entendo que…
— O que? — Aneska interrompeu Anna — Não, pelo amor de
Deus, não! Não vou te mandar embora e muito menos sei lá, achar
que você vai virar minha amiga para poder roubar meu marido… É
que ninguém me contou. E vocês não podem negar, é uma fofoca
muito boa.
— Como casar com seu primo? — Anna rebateu e no mesmo
momento, entendi que não era uma… resposta ruim. Ela só rebateu
na mesma moeda.
— Touché. Bem, do que estávamos falando antes mesmo?
— Eu não faço ideia — Bash respondeu, pegando mais uma
fatia de pizza e se espreguiçando no sofá — Só sei que essa
semana vai ser muito boa.
No momento seguinte, Aneska levantou do sofá, roubou uma
caixa de pizza inteira e depois alegou estar roubando
temporariamente minha esposa.
Eu poderia dizer que o fim de semana foi basicamente isso,
que Bash e eu ficamos conversando enquanto Anna e Aneska
faziam sei lá o que no quarto, mas não era verdade. Quinze minutos
mais tarde, as duas saíram completamente arrumadas e quando eu
ousei perguntar para onde elas iam, a arquiteta fez questão de
corrigir, falando o local que iríamos naquela noite. Sem pizza e
calmaria. Uma boate que Aneska adorava e quando eu vi que
Sebastian já estava indo tomar banho para se arrumar, percebi que
era uma luta perdida.
Mas de propósito, no outro dia obrigamos as moças a irem
numa corrida de cavalos. E no terceiro dia, elas sequestraram o
carro e a chave de casa, nos deixando trancados no apartamento.
Como se pode imaginar, essa competição durou até o momento em
que eu e Anna estávamos voltando para Denver.
E no final, Bash e eu perdemos tão feio que nem quisemos
contar o placar.
“Não fala com ele que eu te contei isso, mas fiquei sem graça
de mencionar com Bash e Ane que precisaria de outra cama. Então,
fiz Oliver dormir no chão num amontoado de lençóis, isso me torna
uma chata?”
(Mensagem de Anna para Ed)

A viagem para Nova Iorque tinha sido bastante satisfatória,


não podia negar isso.
Por mais que tenha sido extremamente irritante ter que ficar
sempre grudada nele e postando fotos — especialmente com
pessoas que nos paravam na rua —, Oliver tentou ao máximo não
ser uma companhia terrível. Felizmente, Aneska me sequestrou de
qualquer obrigação e me fez refém, o que eu adorei.
Enquanto Bash e Oliver faziam suas coisas de astros dos
esportes, nós fofocamos e comíamos pizza o tempo todo e tudo de
ruim que poderia aparecer em qualquer barraca a nossa frente.
Mas, como nada que é bom dura muito, aquela viagem de
negócios — que foi mais prazer do que realmente negócios —
serviu como um amortecedor para o que estava vindo agora.
Estávamos viajando para Suécia.
Isso mesmo, sem volta.
Me jogar do avião parecia uma opção bastante viável. Torcer
para que meu banco explodisse e eu morresse no meio do caminho.
Eu não tinha problemas específicos com sogros, não mesmo, gostei
de todos que cheguei a ter, mas eu nunca fui boa em contar
mentiras.
Mas àquela altura do campeonato, o casamento nem parecia
mais uma mentira. Sabe aquele ditado, conte uma mentira até que
ela se torne verdade?
Era uma boa definição. Eu tinha enganado meus pais, a
maioria de minhas amigas, os amigos de Oliver, a mídia, até minha
avó! Mentir para minha avó não era uma opção que eu escolheria
com certeza absoluta do que estava fazendo.
Então, digamos que, mentir para os pais de Oliver e seus
irmãos, não fosse (seria) uma tarefa tão difícil. Eu não conhecia o
temperamento deles em relação aos namoros de Oliver, afinal, eu
era uma amiga do casal que sempre estava com os dois. Não sabia
como seria a relação que eu podia ter, tinha medo do apego à
Natasha e à ligação que eles tinham com ela.
E lá estava eu, num avião novamente e a caminho de outro
continente, bem mais longe do que eu geralmente costumava ir.
Europa. Suécia.
Ok, que diabos eu estou fazendo com minha vida?
Isso é muita falta de noção.
Puta que pariu.
Puta que pariu!
— Você está bem? — Oliver tirou-me dos pensamentos
autodestrutivos e eu arregalei os olhos, como se dissesse que não
— Anna-Rose?
— Eu quero morrer — Murmurei, vendo pelo canto do olho
um celular apontado a nossa direção — E para completar, tem
algum fanboy seu ali no cantinho.
— E o que você acha disso? — O sonso murmurou,
acenando para o telefone.
— Acho tudo massa, quero morrer inclusive — Vi uma
risadinha em seu rosto e pensei que poderia ser presa caso minha
mão acertasse seu nariz — O que sua mãe espera de mim?
Ele hesitou.
— Eu devo ser legal ou falar a verdade? — Engoli em seco, o
medo tão presente em mim que era grotesco — Ela acha que você
me roubou da Nat. Eu já expliquei um milhão de vezes que foi
Natasha que terminou comigo e você não tinha nada a ver, inclusive
me ajudou a tentar reconquistar ela, mas a velha não acredita. Só...
tenta não se prender a isso, certo? Eu fui honesto com você agora
porque eu quero que você seja você quando estivermos na minha
casa. Seja a pessoa que eu me casei, não alguém que quer a todo
custo agradar meus pais. Eles são difíceis, orgulhosos, apegados
demais a família e insistem que são nórdicos de verdade, mas não
tem nada de vikings nele. Menos a Linnea, eu tenho certeza que ela
é de alguma forma, descendente direta de Björn.
— Sua irmã não merece esse elogio, não acredito que você
ofendeu meu pai Björn dessa maneira. — Rolei os olhos, sentindo
desprezo. As palavras dele realmente haviam me pego de surpresa,
tirando claro, a parte que a mãe dele não gostava de mim. Eu já
esperava isso com cem por cento de certeza — E se seus pais me
expulsarem de sua casa?
— Nós vamos para um hotel. — Simplificou — Ou voltamos
para casa, você veio para conhecer eles, não tem sentido ficar aqui
se eles não quiserem conhecer verdadeiramente a pessoa
maravilhosa que você é. — Seu tom cínico era quase perfeito,
qualquer pessoa que ouvisse ao redor ia achar que Oliver realmente
estava falando a verdade — Além do mais, ela até pesquisou sobre
você na internet. Surtou um pouco com seus peitos e sua bunda
também, mas nada como quebrar a família tradicional sueca.
Ok, morrer, volta aqui morte.
Rapidinho.
Só pra eu tirar uma dúvida bem básica.
— SUA MÃE O QUE? — Gritei. As pessoas me olharam feio
logo em seguida, a maioria delas já estava tentando dormir. Ouvi até
um xingamento vindo de alguém lá atrás. PROBLEMA SEU
QUERIDO, VOCÊ NÃO DESCOBRIU QUE SUA SOGRA VIU SEUS
PEITOS!
— Não encana com isso, Anna-Rose. Ela nem vai pensar
nisso. Dorme um pouco que a viagem é longa ainda. — E então o
filho da puta beijou minha cabeça como se nada tivesse acontecido
e colocou uma máscara de dormir.
Ai meu Deus.
Eu devia cuspir na orelha dele e lamber seu nariz.
Mas só respirei fundo e fingi que aquilo não era comigo.
Ele não tinha motivos para mentir para mim, não tinha
mesmo. Se ele disse que ela não pensaria nisso, talvez ela
realmente não pensasse. Eu não consegui dormir, o que era óbvio.
Oliver só faltava roncar e eu estava me matando por dentro, a
ansiedade consumia cada pedacinho de mim aos poucos.
Uma coisa que eu não compreendia era sua calmaria. Seus
pais e sua irmã, pelo que eu sabia, amavam a ex dele e o fato de eu
ser amiga dela piorava tudo de um jeito insuportável.
O primeiro momento de tensão foi no aeroporto. Sua família
estava lá. Lukas, Linnea, Karin e Kristofer. Linnea tinha uma placa
na mão e isso era a melhor parte.
O. Karlsson
Meu nome totalmente esquecido. Quer dizer, não era grande
coisa um nome, mas dali eu sentia a má vontade presente naquela
ação.
A relutância de aceitar. O sorriso sumiu no rosto de Karin e
Linnea assim que me viram.
— Anna! Ollie! — Lukas tomou atitude, quebrando o clima
ruim e vindo abraçar o irmão — Você engordou.
— Músculos o nome — O capitão deu de ombros e foi
abraçar a irmã — Eu ia perguntar se você diminuiu, mas já que isso
é impossível, dessa vez você se safou.
— Não enche, eu sou só 20cm menor que você, mas falando
em gente alta... — Ela olhou para mim, o desgosto claro em sua
face — Quanto você tem de altura? Eu não lembrava que você era
tão alta.
— Talvez não seja tão impossível assim encolher... — CALA
A BOCA SEU PEDAÇO DE MERDA. VOCÊ VAI MORRER — Eu
tenho essa altura desde os 18.
— E quantos anos você tem, querida? — Karin perguntou. Só
falta a velha me falar que eu vim atrás de um sugar daddy porque
Oliver é seis anos mais velho que eu.
— 22, faço 23 em outubro.
— Oh, tão nova! Tem certeza que não acabou sua vida com
isso? Quer dizer, casamento é mais sério do que parece.
Olhei para Oliver com toda a raiva que tinha em mim. Ele
tinha compreensão no olhar e assentiu logo em seguida. Era um
sinal verde para que eu não ficasse ali agradando ninguém, que eu
podia ser eu mesma. Havia compreensão no seu olhar.
— Divórcio está aí para isso, senhora Karlsson. — Sorri da
forma mais sonsa possível — E pode deixar que eu não quero tirar o
dinheiro de seu filho, eu sei que você parece precisar muito para
achar que alguém vai roubar toda a fortuna dele, mas eu sei me
manter muito bem sozinha.
O silêncio durou apenas alguns minutos.
— Bem, podemos ir? — Lukas se meteu, quebrando o clima
mais uma vez. Assim que todos começaram a sair, ele me abraçou
e foi me puxando — Você realmente está mais alta.
— Eu estou usando saltos. — Sussurrei em seu ouvido para
que mais ninguém ouvisse — Mas eu ainda tenho 1,80.
— Essa criança de vocês dois vai ser enorme.
— Eu não sei qual. — Respondi gargalhando e Lukas parou
bruscamente, os outros já haviam engatado uma conversa mais a
frente — Lukas?
— Ollie me disse que estava grávida. — Dessa vez quem
parou fui eu.
Não sabia como reagir.
O que falar.
Minhas pernas mostravam que até andar eu não sabia mais...
— Ai meu Deus. — Ele segurou meu braço com mais força,
como se eu estivesse prestes a desmaiar e eu estava sim prestes a
fazer isso. Meus olhos começaram a tremer e meu tique nervoso
ficou ainda mais forte — Precisamos conversar, não é mesmo?
Assenti.
— Os três.
— Os três o que? — Oliver se meteu e eu o fuzilei com tanta
raiva que minha intenção era matar ele ali mesmo.
— Nada, Oliver. — Frisei seu nome e não falei mais nada até
chegar em casa. Eu queria que ele soubesse que eu estava com
raiva.
Porra, o acordo sempre tinha sido ir direito com a mentira. Se
eu não falei algo absurdo nesse nível para meus pais, porque ele
mentiria para o irmão? E precisava mentir para o coitado do Lukas?
E NÃO ME AVISAR? Isso deixava a mentira num nível que eu não
sabia descrever! Era algo muito chato de se fazer.
O caminho não foi muito longo e para piorar minha situação
com a querida família, eles começaram a falar sueco no meio do
caminho e eu fiquei totalmente excluída daquilo. Quando Oliver
percebeu o que eles estavam fazendo, tentou puxar um papo
comigo falando sobre os filmes que lançaram naquele mês, mas
como eu não dei muita importância pela raiva que estava sentindo,
Linnea voltou a falar em sueco.
Sinceramente? Eu queria que eles se fodessem bem lindo, —
menos o Lukas, eu gosto do Lukas. E o Kristofer não fez nada
demais, mas ele é bem palerma e que não dá opinião em nada.
Meus pais são muito mais legais. Minha mãe é birrenta e fica
se metendo nas coisas, mas não do tipo que chega pra falar nessa
cara de pau. Ela pelo menos disfarça. E meu pai fala. Dá opinião. E
claro, eles são inteligentes o bastante para não terem outros filhos.
Cara, meus pais pisam muito na família Karlsson.
Eu havia acabado de tomar meu banho, estava sentada na
cama tentando conectar ao Wi-Fi, mas ao que parece, não pegava.
Ou eles haviam só me passado a senha errada mesmo. Eu não
duvidava que fosse a segunda opção.
Duas batidas breves chamaram minha atenção.
— Ollie? — Era Lukas.
— Oi Lukas, sou eu. — Respondi, indo até ele e abrindo a
porta que estava trancada — Pode entrar, Oliver está no banho.
Você quer falar com ele?
Queria que sim, porque eu estava saindo. Se uma vez eu
havia delimitado as coisas em relação à privacidade no banho, devia
fazer o mesmo com Oliver.
Lukas sorriu de forma contida. Ele estava usando uma blusa
de lã e calças moletom. Era incrível o quão parecido os dois eram,
até mais que Linnea que era irmã gêmea de Oliver. Dei espaço para
ele entrar e encostei a porta.
— Você disse que devíamos os três conversar. — Lukas
encostou o corpo no umbral da porta e cruzou os braços, olhando
para o banheiro. O barulho do chuveiro parou e não demorou muito
para que Oliver saísse só de moletom.
— Alguma reunião? — Oliver parecia confuso.
Enfiei as mãos nos cabelos, sem saber o que fazer em
relação ao fato dos limites de fingimento. Oliver me olhava ainda
mais confuso e o misto de olhar dos irmãos Karlsson em cima de
mim parecia ainda mais agoniante, eu não sabia o que fazer, o que
falar, como agir.
— Não é verdade. — Joguei a verdade de cara, falando o
mais baixo possível para que ninguém do lado de fora ouvisse —
Oliver e eu... Podemos conversar no banheiro? — Eu me sentia
bem mais segura lá.
Não falaram nada, só foram e eu fechei a porta, olhando
Oliver sentado na ponta da banheira e Lukas na privada.
— Oliver e eu nos encontramos em Vegas, estávamos muito
bêbados e acabamos fazendo a velha merda clichê. Casamento. A
empresária dele nos convenceu de que iria ser muito ruim para a
carreira de Oliver se ele aparecesse casado e terminasse na
semana seguinte…Só que até lá, temos que fingir um casamento
porque rede social existe — Tudo saiu tão rápido que foi como
comida entalada — Em uma das nossas conversas pensamos em
introduzir um bebê que morreria em alguns meses, como uma
desculpa para estarmos casados. Eu não concordei com nada disso
e quero ir embora desde o momento que pisei no aeroporto, além do
mais, eu não pertenço a essa família. Alguém quer falar algo?
Lukas levantou a mão — ele era tão fofo!
— Toda vez que eu pensar que sou azarado, vou olhar para
vocês dois. Caramba! Tantas pessoas no mundo e você tinha que
casar com a melhor amiga de sua ex-namorada! Caramba, Oliver!
— Você não suspeitou? — Oliver começou a rir de nervoso,
seus olhos ainda tinham aquele medinho de Lukas sair correndo e
contar para todo mundo o que estava acontecendo ali de verdade.
— Claro que sim, eu te conheço tem quase 30 anos, Oliver.
Mas eu achei que era só neura minha por não compreender o amor
das pessoas. — Ele processou bem mesmo. Era isso. Pronto.
Indolor. Sem plano maquiavélico de contar para o mundo. Sem
briga. Sem sermão. Uma piada sobre azar. — Vamos jantar, eles
estão nos esperando.
Ok, bom demais para ser verdade.
Engoli em seco e assenti com a cabeça, tão cabisbaixa que
eu poderia ser considerada facilmente triste ou até pequena. A
mesa de jantar estava linda e eu quis dizer que era vegetariana só
para pirraçar eles, mas não fui tão má. Bem, até agora não.
Coloquei minha comida e respondi uma coisa ou duas,
sempre fazendo questão de estar dentro do assunto para não
transparecer minha má vontade. Oliver estava sentado ao meu lado
e ele conseguia disfarçar, fazendo um carinho ou dois na minha
mão, falando alguma coisa no meu ouvido ou sei lá, fingindo que ele
realmente gostava de mim.
Na hora da sobremesa, eu havia descoberto que Kristofer era
fã de filmes de heróis e estávamos debatendo sobre como a Marvel
estava se saindo bem nas últimas séries e que, por mais que
metade do elenco tivesse saído de algum esgoto radioativo, toda a
produção estava impecável.
Não falei mais nada por medo de parecer fangirl demais.
Logo quando chegamos no assunto novo filme do Flash, Karin disse
que era hora de lavar a louça. Tudo bem né, não escolhemos tudo
de bom na vida pra sempre.
— Eu preciso só que me digam onde vocês guardam a louça.
— Me manifestei, recolhendo os pratos e equilibrando com minha
experiência de garçonete ao longo dos anos..
— Nos armários — Oliver beijou meu ombro depois de falar e
começou a rir. Estreitei os olhos para ele, que deu de ombros logo
em seguida e começou a juntar as sobras para guardar — Deixe
secar que meu papai guarda.
— Não se estresse com isso, Anna. — Karin tirou os pratos
de minhas mãos e eu já achei estranho demais — Você é nossa
convidada e é da família, é até vergonhoso para mim que você faça
isso no primeiro dia na minha casa.
— Eu só estava querendo ajudar. — Disse, um tanto sem
jeito, com sua gentileza.
— Ah não, vocês têm muita louça para lavar em casa, não é
todo dia que eu recebo meu filho com sua esposa. Kristofer, faça o
que Oliver está fazendo. Ollie, vá fazer companhia a sua mulher. —
Todos obedeceram a ela sem ao menos hesitar. Isso é ser mãe de
família — Ah, vocês têm alguma foto de vocês aí? Eu comprei
retratos novos para a estante. Vá, Anna, você vai gostar do que tem
lá.
Assenti e olhei por cima do balcão, vendo uma enorme
estante próxima à lareira. Havia realmente muitas fotos lá e eu achei
isso a coisa mais preciosa do mundo. Como fotógrafa, ver fotos
antigas reveladas e guardadas era como achar um pote de ouro
depois do arco-íris.
— Anna? — Oliver me chamou, respondi com um hm, mas
eu estava mais próxima da estante do que dele. Fotos ou Oliver?
Fotos. — Ei, não veja isso! Só tem besteira. Ei... — Seu último aviso
foi mais alto e eu estranhei. Ok. Se ele estava falando...
Mas o que custava dar uma olhada?
As primeiras fotos eram deles pequenos. Os bebês Karlsson
eram as coisas mais preciosas do mundo todo. As fotos de
adolescência e infância estavam bastante misturadas e logo tinham
fotos de Oliver no Canadá. As últimas fotos eram mais atuais. Sorri
com algumas, além de serem fotos que eu tirei, eu lembrava de
cada um deles.
— Olha só! — Gargalhei, apontando para uma foto que Lukas
estava no chão rindo, Natasha estava com o rosto melado de
sorvete e Oliver com o resto do sorvete esmagado na cabeça. Havia
tirado com a Polaroid que ela tinha me dado de aniversário — Eu
me lembro desse dia, lembro muito bem. Você enfiou o sorvete no
nariz da Nat e ela pegou o sorvete e jogou em você.
— Sim, eu lembro. — Ele parecia um pouco sem graça e eu
não entendi, apenas ignorei.
Comecei a rir e Oliver me analisou por alguns segundos
antes de me acompanhar. Tínhamos aventuras um tanto
engraçadas, a alma de adolescente que acha que é imortal estava
presente em todos. Haviam fotos de quando Nat e eu viemos para a
Suécia porque ela estava com medo de vir sozinha. Do jantar que
Linnea e eu brigamos e depois, várias de Oliver e Natasha como um
casal.
Eu não podia negar e nem o faria, mesmo em um milhão de
anos. Oliver e Natasha eram aquele tipo de casal que você se
apega mesmo de longe, eles eram tão lindos juntos que doía. Parei
numa fotografia que eu tinha certeza de conhecer. Eu não havia
tirado. Mas estava na foto, ou bem, deveria estar. Oliver, Natasha e
eu. Eles haviam me cortado da foto.
Ok, tudo bem. Mais uma foto que eu estava lá e fui cortada.
Uma foto de Natasha que estava comigo e só ela estava no porta
retrato. Várias fotos de Natasha sozinha.
Arqueei a sobrancelha, olhando para Karin na cozinha. Ela e
Linnea tinham o sorriso mais orgulhoso do mundo.
Você vai gostar do que tem lá.
Ok Oliver, sua mãe quer guerra? Ela vai ter guerra.
— Você tem uma coleção linda de fotos, senhora Karlsson.
Aliás, falando em fotos, eu fiquei sabendo que a senhora andou
procurando as minhas. Gostou do que viu?
A cara de Oliver não estava das melhores e quer saber?
Foda-se. Eu tinha que aguentar sua família e sua mãe, tinha que
ficar brincando dessa merda de casamento e aquelas birras
ridículas.
Ele sentou no sofá já resmungando algo em sueco e eu, que
não sou otária, já fui em sua direção e sentei em uma de suas
pernas. Comecei a fazer carinho em seu rosto enquanto esperava
alguma resposta.
— Você tem fotos lindas, Anna. Tanto como modelo como
fotógrafa. Seu trabalho deveria ser mais reconhecido. — Ok, ela
entrou no meu jogo.
— Oh, é o que eu sempre digo. Mas eu estou com um projeto
novo, 365NUS. É sobre o tabu que a sociedade impôs no corpo do
ser humano e minha missão é desmistificar sobre isso. Fotos no
mais natural possível, desde o ato do sexo até o nascimento de uma
criança. Oliver já me ajudou muito, tirou várias fotos e é meu modelo
principal, vendi uma foto de corpo inteiro dele por uma boa grana e
essa foto ficou exposta numa feira de artes durante... eu não lembro
amor, você lembra?
— Umas duas semanas, eu acho. — Achei que Oliver não iria
entrar na brincadeira comigo, mas o sorriso de traquinagem em seu
rosto era impagável — Nat e Anna tiraram fotos juntas, mostrando a
irmandade, ficaram lindas.
— Acho que você ia adorar colocá-las na sua coleção! —
Levantei, indo até as duas que não pareciam mais tão radiantes —
Mas você vai ter que colocar algumas tarjas, não acho que esse tipo
de foto seja o que você se orgulharia — Quando ela não respondeu
nada, continuei — Da próxima vez que quiser saber algo sobre
minha vida, é só perguntar. Eu não tenho vergonha alguma de dizer
o que eu fiz ou deixei de fazer.
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, mudei a
direção dos meus pés para o quarto. Eu pretendia ir dormir e
descansar o máximo possível, aguentar eles tinha tirado toda minha
vontade de viver.
— E outra — olhei para elas por cima do ombro, antes que eu
esquecesse —, existem jogos mais criativos para serem jogados.
Google não serve só para olhar o que não deve.
Se elas tinham algo para me falar depois disso, eu não ouvi.
Fui para o quarto que devia ser meu e vasculhei tudo, olhando se
não tinha talco no secador ou até mesmo uma cobra dentro da
privada. Não é algo que eu me orgulhasse de fazer, mas também
não era eu que tinha armado aquela baderna lá embaixo. As vozes
começaram a ficar bem altas e quando Oliver entrou, sem o mínimo
de humor nos lábios, eu soube que não foi nada legal.
— Ela me odeia já? Porque eu estava olhando as passagens
de volta.
— Não, sinto lhe informar. Ela não falou nada sobre expulsar
você daqui e eu tenho que pedir desculpa pelas fotos. Eu tentei
pedir para ela tirar aquilo de lá, mas ela não me ouviu e disse que
não tem sentido tirar.
— Sua mãe é uma velha rabugenta. Qual a razão disso tudo?
— Resmunguei, rolando os olhos em seguida — Eu preciso da
senha do Wi-Fi, sua irmãzinha fez o favor de me dar a errada.
Oliver rolou os olhos.
— Eu não acredito que ela é uma criança de 28 anos. —
Pegou o telefone de minha mão e colocou a senha, no mesmo
instante apitou e as mensagens começaram a chegar.
— Posso deitar? — Oliver apontou para o espaço ao lado do
meu na cama e eu dei de ombros, não conseguia me estressar com
espaço pessoal naquela noite.
Havia certo respeito — não um pelo outro, mas por Natasha
— naquele acordo. Claro que, como duas pessoas que nunca
haviam se gostado muito, tinha um pouco de birra e brigas idiotas
para todo o lado, mas havia momentos em que brigas não eram a
coisa mais importante a se fazer.
Aquele era um desses.
— É melhor dormimos, amanhã vamos ao Skansen, Museu
do Vasa e ao Palácio Real de Estocolmo. Também tem um lugar que
eu sei que você vai amar.
— Qual? — Perguntei interessada. Pagar uma de turista
deveria acalmar meus nervos.
— Fotografiska — Sorriu — É um centro de fotografia. Uma
coisa meio contemporânea, lembra que queríamos te levar da última
vez, mas você foi embora mais cedo por causa da briga?
Arregalei os olhos.
— CLARO QUE EU LEMBRO! — Quase gritei. Tudo bem, eu
gritei — Eu gastei meu rim na passagem de volta, nunca vou
esquecer isso, fiquei sem poder comer direito até arranjar um
ensaio.
— Vá dormir, Rosie — Oliver sorriu com vontade e levantou
em direção ao banheiro. Mostrei a língua para ele, mas logo depois
já estava realmente me aprontando para dormir.
Como meu sono sempre foi leve, não demorou muito para
que eu adormecesse.
Às seis da manhã Oliver me puxou da cama para o banho,
ele disse que sairíamos às sete e eu precisava estar pronta até lá.
Quando Oliver Karlsson diz que você tem que estar pronta às
sete, você tem que estar pronta às sete. Porque eram seis e
cinquenta quando eu estava tentando comer uma torrada e ele saiu
disparado até o carro dos pais, ficou lá durante dez minutos. Às sete
em ponto as buzinas começaram. Eu fiquei boa parte do caminho
emburrada, mas logo depois já estava com minha câmera, captando
cada momento e eternizando aquilo.
Os lugares eram lindos e por mais que a Fotografiska tivesse
tudo para ser minha favorita, o Museu do Vasa era o melhor de
todos. Foi uma homenagem à marinha sueca e construída durante a
guerra contra a Polônia, o melhor de tudo era o fato que o navio —
original, que estava lá e era MAGNÍFICO — passou só vinte minutos
no mar antes de naufragar. Mas cada detalhe dele era tão bonito, a
construção e ornamentação feita com tanto minimalismo. Eu não saí
antes de fazer um ensaio inteiro só dele.
Só havíamos percebido que as horas haviam passado
quando a fome bateu, ambos não comemos muito no café e já
passava das treze quando decidimos almoçar na rua mesmo. Foi
uma refeição rápida e fomos para casa só depois das dezesseis.
Pra variar só mais um pouco, Karin não estava com uma das
melhores caras quando chegamos em casa.
A mulher estava batendo o pé na cozinha e com a mão na
cintura.
Sim, era agora que eu saía correndo.
“EU JURO QUE QUERIA AJUDAR.
NA VERDADE, NÃO.
EU MINTO.
NÃO QUERO AJUDAR. TE VIRA.”
(Mensagem de Anna para Oliver)

Quis rir com a mensagem que mandei, mas me controlei.


— Oliver Karlsson! — Era Molly Weasley falando com Rony
após ele pegar o carro escondido e fugido de madrugada — Você
não avisa que vai sair, você não leva o telefone, eu não sei o
telefone desse ser que você casou, você não aparece para o
almoço e o quarto está trancado mas ninguém atende. Você quer
me matar do coração?
Desse ser que você casou.
Cada dia eu agradecia mais por não ter a presença de Karin
Karlsson em minha vida. Era definitivamente muito bom não ser
nora dela de verdade.
Soltei o ar como quem desiste, eu não ia discutir com essa
mulher. Nem ia perder meu precioso tempo com isso, eu não tenho
sanidade mental para me humilhar desse jeito.
— Karin Karlsson — O tom de Oliver me assustou, estava
bem... enraivado — Em primeiro lugar, eu tenho 28 anos. Assim que
você disse que eu tinha que ficar na sua casa e não num hotel, eu
deixei bem claro que eu não ia ficar avisando tudo que eu fosse
fazer. Se você agisse menos como uma criança birrenta e aceitasse
o que está acontecendo agora, perceberia que tem um aviso na
geladeira e o número de Anna-Rose Carbain Karlsson. Não esse ser
que você casou, se você quer que eu volte para casa mais vezes,
lembre que ela é minha esposa, ela é minha família agora e você
não vai fazer nada para acabar com isso. Eu não peço que você
ame Anna, mas respeite minha mulher.
Estreitei os olhos para Oliver, um sorrisinho de prazer estava
em meus lábios porque aquela era totalmente uma situação que eu
não esperava. Ele já havia me falado que nunca ousou confrontar a
mãe durante toda a vida dele, agora mesmo que a velha me odeia.
Transformei o filho dela num rebelde.
Ela arregalou os olhos e eu saí logo dali, se eles fossem
brigar, que não fosse na minha frente. A casa estava meio
bagunçada e comecei a arrumar o que estava ao meu alcance, não
era a pessoa mais organizada do mundo, mas também não gostava
de bagunça demais. Nenhum dos filhos de Kristofer e Karin
moravam com eles, então era claro que, quando todos se juntassem
de novo a casa viraria uma baderna.
Algum tempo mais tarde, Oliver me achou e, sem falar nada,
começou a arrumar também. Eu não queria perguntar o que
aconteceu, o que eles tinham falado ou se ele ainda era filho da
mãe dele. Sua cara de cansado quando terminamos não era pela
limpeza, eu sabia que não.
Tirei meus sapatos e limpei os pés no tapete antes de me
jogar no sofá e pegar meu celular, Oliver sentou na ponta contrária e
seus pés se esticaram até meu colo. Olhei feio para aqueles pés
esquisitos e Oliver não deu a mínima, cada vez que eu tirava, ele os
colocava de volta.
Aceitei a derrota e deixei seus pés fedidos no meu colo.
Oliver não estava sendo uma companhia tão insuportável
naquela viagem como eu imaginei, na verdade, parecia que ele
estava tentando deixar tudo o menos horrível o possível para mim.
Aquilo era uma amizade de negócios, eu fingia o máximo que
podia para sua família e ele estava pagando minha colaboração
com lugares legais e comida gostosa.
Eu só percebi que havíamos dormido ali quando Lukas veio
nos acordar para jantar, nem ele nem Linnea passavam o dia em
casa, então eles só vinham à noite. Demorei muito para sair do sofá,
eu não estava com vontade alguma de aguentar a família deles
mais uma noite. Fui lavar meu rosto antes de aparecer na mesa,
Oliver já estava lá e conversava com o pai. Me sentei, dando boa
noite.
— Como foi o dia de vocês? — Perguntei, fingindo interesse.
Lukas foi o primeiro a se manifestar, falando alguma coisa sobre seu
trabalho. A verdade era que minha cabeça estava dormindo ainda,
eu não processaria nada direito até mais uns dez ou quinze minutos.
A comida estava com um gosto um pouco esquisito, eu não sabia se
eu estava enjoada mesmo ou realmente tinha algo ali que eu nunca
havia comido, talvez algo sueco e estranho como todas as coisas
desse país — Desculpe interromper e a pergunta, mas o que tem
nessa macarronada?
— Linnea disse que viu na Internet — Karin respondeu, ela
não tinha malícia na voz e muito menos desgosto — Molho Alfredo
primavera.
— Por favor, me diga que você não usou pimenta nesse
molho.
— Não, ela sempre faz sem porqu...
— Sim, usei pimenta, algum problema? — O tom irônico de
minha cunhada dizia muita coisa. Oliver arregalou os olhos e correu
até alguma coisa que havia ali mesmo na cozinha.
Filha da puta!
Como um click, comecei a tossir. Minha respiração estava
começando a ficar mais pesada e eu sentia a garganta fechando,
assim como meus olhos ardiam.
— Anna é alérgica a pimenta! — Ouvi Oliver gritar e depois,
tudo virou uma bagunça. Karin ajudava ele a achar o que quer que
ele estava procurando e Lukas veio para cima de mim, Kristofer
começou a gritar com a filha e eu não entendia mais nada, minha
cabeça pesava.
Como pesava.
Meu corpo parou numa coisinha macia e aconchegante e
então, senti uma dor horrível na minha perna, como uma agulha.
Doeu tanto.
E essa agulha continuava pressionada contra mim, mas não
doía tanto. Quer dizer, eu ainda não era masoquista o bastante para
achar particularmente boa a sensação de uma agulha em mim, mas
comecei a sentir um certo alívio.
— Você está bem?
— Ela está bem?
— Está respirando?
— O que aconteceu?
— Você é doida?
A briga ainda me deixava confusa, porque ninguém naquela
casa falava sem fazer outra pergunta?
Quando minhas pernas voltaram a funcionar, a primeira
reação que tive foi correr o mais rápido possível até o banheiro mais
próximo, vomitando tudo o que estava no meu estômago ali
mesmo.
Oliver estava atrás de mim segurando meu cabelo e depois
de vomitar até minha bile, consegui respirar com mais calma. Limpei
minha boca e meus cabelos foram soltos no momento que a porta
foi fechada, ouvi o barulho da tranca e olhei para Oliver.
— Eu vou matar essa vadia! — Nem me importei que a vadia
em questão era sua irmã, ela tinha acabado de tentar me matar —
Eu vou arrancar a porcaria daqueles olhos dela e depois vou forçar
ela a come-los!
— Respira. — Foi o que ele disse. Respira? RESPIRA?
Aquele pedaço de decepção tinha acabado de enfiar veneno pela
minha garganta — Você pode esmurrar a cara da Linnea se você
quiser, mas espera um pouco, você pode vomitar de novo.
Então eu notei que sua voz estava calma. Cada milímetro de
seu corpo transmitia calmaria, o problema não era esse.
Era que Oliver não era calmo, ele era agitado, brincalhão e
falava muita merda, também era estressado e qualquer provocação
nos jogos era briga na certa. Me afastei, sua respiração começou a
ficar mais forte e eu não fui capaz de prever que ele estava surtando
mais que eu.
— Você quer matar ela, não quer? — Perguntei e ele
assentiu — A porta é toda sua, essa casa não é minha e você pode
pagar outra caso essa quebre.
Foram precisos cinco segundos para que Oliver esmurrasse
a porta. O primeiro murro foi o mais forte, depois era mais barulho e
bem, eu estava querendo rir de tanto ódio que sentia. Sentei na
privada porque eu ainda estava um pouco enjoada mesmo. Quando
percebi que ele se machucaria, fui até ele e segurei sua mão antes
de atingir o pedaço de madeira mais uma vez.
Nunca gostei do tipo de cara que bate na parede quando algo
acontece. “Ugh, minha namorada me deu um fora, deixa eu
esmurrar a parede.” Me pareceu sempre coisa de moleque idiota.
Mas com uma família daquelas? Fique à vontade.
— Eu não sei porque ela está fazendo isso! — Oliver
resmungou enquanto eu lavava suas mãos em água corrente —
Quer dizer, hoje eu conversei com mamãe e falei para ela que não
era assim, que era você de agora em diante e que nada iria mudar
isso. Falamos sobre essa birra delas duas e ela disse que iria
conversar com Linnea e que iria convencer ela a fazer o jantar. Eu
sempre falei sobre sua alergia, sempre. Desde antes quando ela
ligou pedindo para que eu viesse com você.
— Não se estresse tanto com isso. Essa é a única vez que eu
venho para Suécia com você, depois disso temos só mais alguns
meses até a separação e elas não vão mais encher seu saco por
minha causa. Agora respira fundo, você é muito chato quando está
estressado assim.
Oliver começou a rir e lavou o rosto em seguida, fazendo
algum tipo de exercício de respiração que jogadores de hockey
deveriam fazer para não tentar matar os adversários em todos
jogos.
Voltamos para a cozinha.
A única coisa que eu ousei beber foi água porque eu sabia
que não tinha como Linnea mexer na encanação, mas só por via
das dúvidas, cheirei antes de beber. Ela estava sentada no sofá com
a cara enfezada, com certeza a encheram de reclamação.
Oliver encostou no umbral da porta e eu fiquei confusa, eu devia
falar com ela ou esperar que ela falasse comigo?
— Quer saber? Isso é ridículo! — Ela explodiu e eu arqueei a
sobrancelha, típico de única filha mulher que tem tudo nas mãos.
Oliver ousou intervir, assim como o resto da família. Fiz que não
com a cabeça e voltei meu olhar para a mulher, eu realmente
gostaria de ouvir o que ela tinha a dizer — Eu não vou pedir
desculpas para essa vadia! — E vamos de sexismo, uhul! — Eu
queria que ela tivesse um treco ali mesmo e assim pelo menos, eu
teria a consciência limpa de que meu irmão não é casado com uma
interesseira que nem espera a cama da amiga esfriar para deitar
nela.
Não falei nada, Linnea estava andando na minha direção e
eu parada, olhando para ela com todo o sarcasmo que tinha em
mim.
— Você nem é mulher de verdade, Anna. Nem saiu do colo
da mãe ainda e já está por aí fodendo com quem tem dinheiro
porque teve que mostrar os peitos para conseguir alguma coisa na
vida. Você sabe o que você é? Você não é a mulher de meu irmão,
você só é a putinha de luxo dele.
— Terminou? — Perguntei calma, o que ela tinha falado
entrou num ouvido e saiu pelo outro — Caramba, eu não achei que
alguém podia ser tão sexista, babaca e burra numa frase só. Você
ganhou, Linnea, parabéns pela criatividade. Quer um prêmio?
Sua mão voou para minha cara logo depois, mas eu consegui
segurá-la antes de atingir minha bochecha. Segurei seu pulso com
força e comecei a apertar em seguida, eu podia não ser o exemplo
de pessoa forte, mas eu tinha uma mão bem pesada.
— Você sabe o que é ridículo? Agir desse jeito porque não
aceita que o irmão está com alguém que você não gosta. Você acha
que eu vim aqui para o que? Pedir sua benção? Querer que você
seja minha nova irmã e que sejamos melhores amigas? Deixa te
falar uma coisinha, eu sou filha única e amo isso. Eu quero que você
pegue qualquer desculpa e enfie na sua bunda, porque você não é
nem gente direito. Falar que eu não sou mulher de verdade? Isso
soa errado de tantas maneiras.
Respirei fundo.
— A única pessoa que está sendo ridícula nessa história é
você. Você. Que tentou envenenar a esposa do irmão, me deu a
senha errada da internet e jogou fora o bilhete que eu deixei na
geladeira com meu número e com o aviso de que tínhamos saído.
— Ela parou, assustada — Você acha que eu não vi o bilhete no
meio das suas coisas espalhadas pelo sofá? Pois é, Linnea, talvez
você não seja tão inteligente assim.
Soltei seu braço em seguida, vendo que meus dedos
estavam marcados em sua pele.
— E outra coisa, eu acabei de tomar uma injeção de
epinefrina por sua causa. A única coisa que eu queria era uma
cama, mas nem sei se posso dormir direito porque você pode ter
colocado algum bicho no colchão… — Eu sentia tanta agonia que
minha vontade era começar a coçar minha pele, arranhar meu
pescoço para não surtar naquele momento. Eu nunca achei que
fosse me meter na porra de uma relação assim, sempre tentei não
ser amante porque uma das coisas que eu menos gostava, era
brigar por homem.
Mas isso?
Ter que segurar um tapa da irmã do meu suposto marido?
Caralho, que tipo de síndrome de Édipo as pessoas naquela
família tinham?
— O que eu fiz ou deixei de fazer não é nem da sua, nem da
conta de ninguém desta casa. Eu fiz o que estava em minhas mãos
e para conseguir o meu dinheiro, porque desde a última vez que eu
conferi, eu não tenho um jogador de hockey famoso como irmão
para pagar minha faculdade. Você pode me chamar de prostituta,
vadia, achar que eu não sou mulher de verdade e até falar que sou
a putinha de seu irmão, mas você tem que saber que, quando esse
seu show acabar, ele vai voltar para casa comigo e no segundo
seguinte vamos ter esquecido de sua patética existência. — Soltei o
ar com força e olhei para os pais de Oliver — Foi um prazer estar
aqui com vocês, mas se não se importam, eu vou para casa.
Eu não ia, diretamente, para casa. Não tinha nem como
porque ainda não conseguia me transportar. Só corri para o quarto
de Oliver e quando finalmente pude respirar em paz e sozinha, fiz as
duas coisas que mais fazia quando estava em crise.
1. Comecei a chorar.
2. Liguei para Natasha.
“Tudo o que eu preciso hoje é um machado e familiares
insuportáveis para afiar ele.”
(Tweet postado por Anna-Rose em sua conta pública)

Eu não conseguia nem processar o que minha família estava


dizendo. Lukas parecia totalmente possesso, eu sabia disso porque
sua voz era a mais alta daquela confusão. Meu pai dizia muito
pouco, Linnea e minha mãe quase não falavam.
Então, era isso.
Tudo o que tinha acontecido nos últimos minutos parecia ruim
demais para qualquer coisa, acho que até uma novela de baixo
orçamento não teria esse tipo de reviravolta. Quer dizer, apelar para
alergia? Sério? E geralmente não é a outra pessoa de um triângulo
amoroso que faz isso? Porque diabos tinha sido minha irmã a pior
da história?
Pior. Não. Termo errado. Ela tinha sido a vilã, totalmente a
vilã. Anna-Rose só se defendeu e com muita razão, aquilo tinha
sido… Um tipo de loucura totalmente diferente do que pensei poder
aturar.
— Oliver?
Ouvi meu nome ser chamado, mas não dei atenção. Eu não
queria falar com nenhum deles.
Queria voltar para minha casa, com minha cadela e aquela
gata insuportável que tinha virado melhor amiga da Zara.
— Oliver?
— O que foi? — Minha voz saiu grossa antes mesmo de eu
perceber. Lukas esquivou um pouco e me estendeu o telefone,
percebi que éramos os únicos na sala.
— Amy está te ligando.
Pisquei algumas vezes e assenti, pegando o aparelho da
mão dele.
Pela mãe, porque diabos Amy estava me ligando quando ela
estava de folga?
— Oi — Respondi assim que atendi.
— O que aconteceu? — Amy ao menos me deu tempo de
respirar.
Será que ela tinha implantado um chip em mim?
— Como assim?
— O que aconteceu, Oliver?
— Porque, exatamente, você está me perguntando isso? —
Joguei um verde.
— O que aconteceu, Oliver? — Ela repetiu, seu tom ainda
mais rígido que o normal — Anna-Rose twittou “Tudo o que eu
preciso hoje é um machado e familiares insuportáveis para afiar ele”
e cinco minutos depois, Natasha Flowers retuitou dizendo “Me fale
mais sobre isso, posso usar vários machados e algumas irmãs…”.
Então, eu vou te perguntar só mais uma vez. O que aconteceu,
Oliver?
Suspirei longamente, massageando minhas têmporas e indo
até geladeira porque eu precisava muito de alguma coisa congelada
na minha cabeça no momento.
— Bem, Linnea tentou matar a Anna.
— O que? — Amy gritou tão alto que parecia que estava no
viva-voz.
— E minha mãe cortou Anna de todas as fotos e deixou só
Natasha e eu. Eu tenho certeza de que haviam fotos que nunca nem
estiveram aqui.
— Eu ainda estou processando a primeira coisa, apesar da
segunda ter sido ridícula também. Linnea fez o quê? Como assim?
— Ela sabia que Anna é alérgica a pimenta e colocou na
comida. De propósito. E depois ainda fez um show dizendo que
estava tentando se livrar de Anna porque ela não era mulher para
mim. Você consegue acreditar nisso?
— Não, absolutamente não. Mas… Esse tweet vai trazer
problemas, a associação vai ser automática e vocês por favor,
tentem não postar mais coisas assim. Todos seus fãs sabem que
vocês estão em Estocolmo, tentem postar frases motivacionais ou
qualquer merda só para que as pessoas esqueçam isso. E por favor,
peça para sua esposa apagar aquele tweet.
— Certo. Vou pedir.
Antes que ela pudesse desligar, perguntei só mais uma coisa.
— Amy?
— Oi.
— Minha irmã é uma pessoa terrível ou ela foi terrível só para
Anna?
— Não posso responder isso para você, Oliver. Ela é sangue
do seu sangue, mas eu também acho que esse termo foi criado por
familiares tóxicos para justificar que eles te tratem mal. Se fosse só
com Anna, eu até perdoaria, não sei. Mas Natasha concordou e elas
duas conversam, então deve ter mais alguma coisa aí. E no final de
tudo, você é velho o bastante para decidir isso.
E desligou na minha cara.
Fácil assim.
Fui até o quarto, pensei em bater, mas a porta estava
encostada. E havia vozes vindo de dentro, altas e femininas. Duas.
Reconheci o tom de Natasha antes de entrar no quarto.
— Você acha que devemos contar? Que eu devo contar, na
verdade.
— Para eles? Não, ela é uma pessoa horrível, mas a família
consegue ser ainda pior. Mas acho que devemos contar para Ollie.
— Não — Anna corrigiu Natasha e naquele momento, eu
nem estava mais ligando que estaria ouvindo a conversa delas —
Você conta. Eu guardei esse segredo por anos graças a sua índole
boa demais para causar brigas, eu sempre quis contar e você não
deixou.
— Claro, porque eu vou chegar no meu ex-namorado e dizer
“Olha, sua irmã não achava que você era bom o bastante para mim,
além de ficar tentando fazer eu te trair com amigos dela! Muito legal,
realmente. Isso se não contarmos com o fato dela ficar daquele jeito
estranho contigo.
— Ugh, não. Eu não aguento nem lembrar de como ela
ficava… Ugh, não.
— Eu lembro que ela invadiu o banheiro e ficou tentando
entrar no box! Deve ser por isso que Linnea colocou pimenta na sua
comida, talvez ela não tenha aceitado que você recusou às milhares
de investidas dela.
— Eu não aguento minha sorte com lésbicas malvadas, para
mim todo mundo tem que ser alguém bom… Já somos tão
maltratados lá fora, aí eu encontro alguém numa família que eu
estarei com minha melhor amiga, pronta para viver meu romance
sáfico europeu e ela me trata daquele jeito? Nem os caras escrotos
que eu namorei chegaram aos pés de tamanha babaquice.
Encostei na porta sem querer e o barulho ecoou.
Anna-Rose e Natasha automaticamente viraram em minha
direção e eu não soube o que falar ou fazer.
— Ollie?
Nat quem perguntou, mas não tive como responder porque
tinha uma espécie de bolo na minha garganta, como se algo
estivesse me impedindo de respirar direito. Na verdade, eu
realmente sentia que não havia ar suficiente para mim naquele
cômodo.
Não tinha.
Encostei na parede, porque de repente tudo estava turvo
demais.
Aquela sensação ruim na garganta se espalhava pelo meu
corpo, descendo até meu peito e agindo como um murro odioso, tão
forte que… que eu nunca havia sentido dor tão forte.
— Ollie? — Anna quem perguntou dessa vez, os olhos dela
em cima de mim. Não conseguia responder, eu não conseguia
formular nenhuma frase — Oliver, fala comigo.
Eu tentava abrir a boca, mas doía ainda mais.
— Oliver! — Anna gritou de novo, Natasha não estava mais
lá. Eu não ouvia mais sua voz — Socorro! Alguém ajuda!
Seus gritos eram cortantes, parecia que meus tímpanos iam
estourar.
Quando minha família chegou no quarto, mais gritos.
Tão altos que parecia que eu poderia desmaiar a qualquer
momento.
Eles discutiam entre si com tanta raiva, Anna gritava mais
que todos.
Não consegui ouvir mais nada depois do grito mais alto.
— O que vamos falar a ele? — Era minha mãe falando, sua
voz parecia rouca. Como se ela tivesse passado muito tempo
chorando.
— Eu não sei o que aquela vaca inventou para ele, devemos
esperar Ollie acordar? — Linnea. Linnea que falou isso.
— Quando seu pai chegar, vamos decidir o que fazer em
relação a eles dois… — Minha mãe mais uma vez — Coitada da
Natasha. Não merece o que os dois fizeram com ela.
Linnea respirou fundo.
— Não é assim, mãe. Natasha aparentemente não liga, elas
duas devem ter uma relação também. Anna era lésbica antes, talvez
o dinheiro tenha transformado ela em hétero.
Idiotas. Eram duas idiotas.
Falando de Anna como se ela não estivesse ali…
Onde estava Anna?
— Anna… — Tentei chamar e não conseguia soar alto como
eu queria — Anna-Rose?
— Oliver? — Linnea chamou. Abri a boca para tentar
responder, mas minha garganta estava seca demais — Mãe, ele
está acordando! Chame os médicos!
Ela saiu no momento seguinte, apertando alguma coisa com
barulho irritante enquanto falavam uma em cima da outra. Eu queria
saber onde estava Anna.
— Anna?
Não houve resposta.
Porque elas não estavam respondendo? Porque ninguém me
dizia onde Anna-Rose estava?
— Anna? — Forcei o máximo que pude, minha garganta
estava realmente fodida.
— Ela não está aqui, querido — Minha mãe respondeu.
Aquilo era óbvio.
— Anna? — Perguntei mais uma vez. Onde estava ela?
O médico entrou e nada de Anna. Onde estava Anna?
— Minha esposa…— Foi tudo o que consegui dizer.
— Esposa? — O médico pareceu genuinamente confuso —
Você me disse que ele não era casado.
O que?
— Ele não é — Linnea respondeu, porque elas estavam
falando isso? Onde diabos estava Anna?
— Eu sou — Murmurei mais uma vez — Anna?
— Eu não entendo, ele é ou não é? Porque você está
dizendo que ele não é casado quando ele diz que é?
— Eu sou — Repeti — Anna-Rose.
Minha mãe, Linnea e o médico começaram a discutir. Mais
brigas. Mais gritos.
Eu queria saber onde ela estava.
— Preciso conversar com o paciente sozinho — Graças aos
deuses alguém tinha semancol — Preciso que vocês se retirem por
alguns minutos.
Mesmo com alguns resmungos e certa relutância, elas
saíram.
— O que aconteceu?
— Você chegou tendo uma crise de ansiedade, já tinha tido
alguma antes? — Neguei com a cabeça — Posso solicitar um
encaminhamento para você iniciar terapia, se assim quiser. Mas é o
mais recomendado, precisamos estudar o que pode ocasionar os
gatilhos necessários para essas crises.
— Anna-Rose — Falei mais uma vez, não sabia o que fazer
comigo mesmo caso algo tivesse acontecido, caso alguém de minha
família tenha feito alguma coisa… — Minha esposa — A palavra
saiu quase sem desgosto de minha boca — Onde ela está?
— Só sua mãe e irmã estavam aqui… — Ele realmente não
parecia saber onde Anna estava — Quer que eu peça para
procurarem na lista da recepção? Ela pode ter tentado entrar e não
conseguiu.
Eu duvidava muito dessa situação.
— Ela só fala inglês. Minha família não gosta dela.
Foi como um flash de compreensão em seus olhos, como se
ele entendesse realmente o que Anna estava tendo que lidar.
— Anna-Rose?
— Isso, Anna-Rose Karlsson ou Anna-Rose Carbain.
— Ok — Ele pegou o telefone no bolso e começou a digitar
alguma coisa, segundos depois guardou novamente — Falei com as
recepcionistas, assim que houver alguma chamada, elas irão me
avisar e autorizar sua esposa.
— Obrigado.
— Agora me conte o que aconteceu.
E eu comecei a contar.

— Anna-Rose Karlsson — Repeti para a recepcionista, eu


não aguentava mais ficar andando com aquele tradutor aberto no
celular para cima e para baixo — Meu marido está internado.
Repeti o que o Google havia me dito, mesmo eu sabendo que
provavelmente era algo bem longe daquilo.
Desde ontem eu tentava a todo custo ver como Oliver estava
e não tinha sucesso algum. Linnea e Karin disseram que eu não
deveria entrar e achei que esperaria um pouco na recepção e logo
depois estaria com Oliver dentro do quarto. Mas não. Elas disseram
que eu era uma ex-namorada que ficava assediando Oliver a todo
momento e que em hipótese alguma, eu deveria passar daquela
recepção.
Mas toda vez eu tentava.
Eu não poderia largar o homem sozinho ali quando tudo
aquilo tinha sido culpa minha.
Não podia mesmo.
— Anna-Rose? — Um segurança perguntou e eu me virei,
ele era alto e assustador — Me siga, por favor — Falou em inglês.
Ótimo, agora que eu ia ser presa.
Segui ele porque não tinha muitas opções e, por incrível que
pareça, o lugar a que estávamos indo não parecia um calabouço ou
onde poderiam prender ex-namoradas perseguidoras. Subimos o
elevador para outro corredor e, no final, estávamos em frente a um
quarto normal.
Quarto 712.
A ficha presa na porta tinha escrito Oliver Karlsson.
— Oliver? — Chamei antes que pudessem abrir a porta e,
quando vi aquele brutamontes lá dentro, quase tremi de alívio —
Pela deusa, eu estava tão preocupada.
Meu primeiro impulso foi abraçá-lo e o mais engraçado foi
que Oliver nem hesitou em me abraçar de volta.
— Temos que conversar — Oliver falou para que só eu
ouvisse — Muito o que conversar.
— Eu sei — Me afastei e percebi que havia um médico com
ele na sala — Oi! — Murmurei de forma sem graça.
— Olá — Ele sorriu de volta — Vou buscar sua alta, já volto.
— Então… — Assim que o médico saiu, comecei — Sua
família disse que eu era sua ex-namorada sociopata e que não
poderia entrar nunca.
— Ele me disse, não sabia que eu era casado até o momento
que acordei… Sinto muito que você tenha passado por isso.
— Sinto muito que escondemos essas coisas de você — Era
o mais importante ali — Natasha não queria causar brigas e… eles
ainda são sua família, Linnea está com você desde o útero, não
seria justo.
— De justiça para justiça, o que elas fizeram com você de
longe compensar todas as coisas boas que já fizeram para mim. —
Ele segurou meus dedos e eu assenti, ainda me sentia culpada por
ontem — Se nosso casamento fosse real — Ele sussurrou, tão
baixo que eu quase não ouvi — Imagina você ter que aguentar elas
para sempre.
— Fico feliz que não.
— Eu também — Oliver sorriu, tinha mágoa no seu olhar e eu
queria muito saber de quem — Tenho que fazer terapia agora.
— Todos temos, essa é a graça do caos.
Às pessoas tinham o costume tenebroso de sempre julgar
quem fazia terapia e tratar isso como a pior coisa do mundo, isso só
mostra quem está certo ou errado na história.
Eu mesma era uma dessas pessoas, mas uma situação em
que meus pais precisaram começar terapia — e eu também —
mudou completamente meu modo de pensar. E isso porque eles
também eram assim, relutantes. Mas meu pai — o mecânico que
também trabalhava como lenhador e deveria ser o mais cabeça dura
de todos — foi quem cedeu primeiro para nos mostrar que sim,
aquela era a melhor saída.
Depois que o médico voltou, ele explicou tudo o que Oliver
precisaria fazer quando retornássemos para o Colorado.
E aquela tinha sido a parte fácil.
O pior estava por vir: voltar para a casa dos pais dele e pegar
todas nossas coisas.
— Vou chamar um Uber — Assim que saímos do hospital,
Oliver disse — Quer comer algo antes? — Só de pensar em comida,
meu estômago roncava. Mas não, achava melhor pegar tudo antes
para poder ficar em paz para comer. Neguei com a cabeça —
Pronto, agora só esperar.
Suspirei aliviada.
Não demorou muito para esse alívio acabar.
— Oliver!
Karin. Karin estava gritando com o filho no meio de um
estacionamento público.
— Oliver Karlsson!
Mas dessa vez, Oliver parecia tão armado e puto quanto às
outras vezes.
Não preciso dizer que as cenas que vieram a seguir não
foram nada agradáveis.
“Oliver Karlsson, capitão do Colorado Blizzard, foi visto discutindo
com sua irmã Linnea num parque.”
(Hockey Agora)

— Oliver Karlsson é visto brigando com irmã num parque. —


Amy começou, o celular em frente aos seus olhos, olhos esses que
pareciam estar possuídos pelo próprio satanás — Numa entrevista
antes de decolar, o capitão do Colorado Blizzard diz que estará de
volta à Suécia numa visita de uma semana com a esposa. NUMA
VISITA DE UMA SEMANA! — Gritou, gasguita como era — Qual o
nosso combinado, Oliver? Qual a porra do nosso combinado desde
que você me contratou? O que foi que eu te disse assim que você
assinou meu contrato?
Bufei, ela estava certa.
— Nunca dar muito detalhe — Engoli em seco, sabendo que
não tinha acabado por ali. Amy tinha me acordado às seis da
manhã, uma careta horrível estava estampada na sua cara e com
um pouco mais de estresse, ela me mataria ali mesmo. Estávamos
na porta do meu quarto, eu, no sofá que ficava ali e ela, em pé e
com uma voz bem potente. Havíamos saído de Estocolmo ainda de
madrugada e para piorar, fizemos a ponte em Dallas. Minha agente
estava cuidando da Zara para mim nos últimos dias e havia
prometido que trazia minha cadela para casa assim que eu
chegasse. Eu não esperava que o “assim que eu chegasse” dela,
fosse duas horas depois de eu finalmente ter pousado em Denver.
— Oliver Karlsson é visto brigando com irmã num parque em
Estocolmo, fontes afirmam que o jogador havia dado entrada no
hospital e, horas antes da confusão acontecer, expulsou os
familiares do seu quarto. Acrescentando ao fato de o jogador ter
voltado da viagem cinco dias mais cedo, temos certeza absoluta de
que alguma coisa aconteceu, não sabemos o que era, mas no
aeroporto da capital suíça a cara dele e da sua esposa, Anna, não
estavam das melhores. Será que tem alguma coisa ligada aos
tweets postados por Anna antes? Só saberemos nos próximos
capítulos. Notícia sujeita a mudança por via de fontes novas.
— Sueca, caralho, qual o problema desses jornalistas
estudarem geografia? É bastante diferente. — Foi a primeira coisa
que veio à minha mente, eu não queria falar daquilo, especialmente
com Amy, ela era uma ótima empresária e por mais mandona que
fosse, sempre resolvia tudo. Mas eu não queria dizer para ela o que
tinha acontecido, eu não queria aumentar minha humilhação
daquela maneira desastrosa.
— Foda-se a Suíça, foda-se a Suécia! Eu quero saber é de
você, seu babaca! — Os olhos dela ainda pareciam com algo
relacionado à possessão — Como vamos explicar isso? Como
vamos ajeitar as coisas, Ollie?
A porta do meu quarto foi aberta no momento seguinte.
— Porque vocês estão gritando a essa hora da madrugada?
— Anna saiu do quarto toda coberta. Literalmente, toda coberta. Era
uma cena engraçada demais, ela estava com um enorme edredom
cobrindo tudo menos o nariz, eu não sabia nem como ela estava
andando sem se bater nas coisas.
— E agora está levando estranhas para a cama sendo que
combinamos que você não faria nada disso até se separar da...
Anna? — A cena da cabeça de Amy entortando ao olhar a fotógrafa
era impagável. Eu podia facilmente guardar esse momento como
um dos mais épicos de minha vida. Nunca, desde 2011 quando eu a
contratei, eu tinha visto Amy ficar chocada. Nem quando eu fui
nomeado capitão, nem quando Natasha terminou comigo ou sei lá,
quando eu resolvi casar em Las Vegas — Você estava na cama do
Karlsson?
— Desde a última vez que eu chequei, essa era a cama dele
sim. — Ela ainda estava sonolenta, sentou do meu lado no sofá e
colocou a cabeça em meu colo, esticando o corpo no móvel e
voltando a fechar os olhos — Parem de gritar, tem alguém tentando
dormir. Gucci já me bateu porque vocês não a deixam fechar os
olhos.
— O que você estava fazendo na cama de Oliver?
— Dormindo, Amy, o que as pessoas fazem em suas camas?
— Ela nem percebeu o duplo sentido de sua frase, só rolou os olhos
e virou o lado, se encolhendo ainda mais em meu colo.
— Ok, isso é estranho. Vocês... Vocês... — Ela estava sem
graça. AMY ESTAVA SEM GRAÇA. Esse, com toda certeza, era o
dia mais feliz da minha vida — Vocês! É... Eu ainda preciso pedir os
papéis de divórcio?
Anna levantou a mão num joinha no mesmo momento que eu
assenti com a cabeça.
— Eu não sei mais o que fazer com a minha vida — Ela
bufou, sentando no chão e encostando-se à parede, os olhos
estavam na escada à sua frente — Você não me paga o suficiente,
Oliver. Vocês brigam, choram, gritam um com o outro, eu fiz essa
menina vir morar aqui quase com algemas, você dorme no sofá e
agora estão transando — Pensei em dizer que não estávamos
transando e senti Anna dar risada debaixo do lençol, talvez não
fosse tão ruim assim enganar Amy — E eu estava com pena porque
você passou quase vinte e quatro horas entre aviões e aeroportos e
aí descubro que seu cansaço era outro. Eu vou embora.
— Tchau, Amélia! — Anna murmurou, a voz abafada pelo
pano. Eu ia rir, mas a negra me olhou feio e eu contive minha
gargalhada.
— Eu vou fingir que vocês não vão transar de novo e dizer
para mim mesma que eu estou indo realmente embora, não sendo
expulsa! — Ela levantou, descendo os degraus e parando na
metade — Ah, adotem um bicho. Preciso de algo que seja filho dos
dois, não que pareça como casamentos diferentes. Comprem,
adotem, achem na rua, qualquer coisa. Só preciso que anunciem no
Instagram ou no Twitter e me façam feliz uma vez na vida.
Depois disso, ela sumiu escada abaixo.
Ok, não era tão fácil assim. Adotar um bicho que fosse nosso,
era uma vida em jogo.
O bicho iria se apegar a nós dois e depois? Anna e eu nos
separamos e aí como ficaria? Guarda compartilhada? Eu sentia que
Zara era sozinha e precisava de uma companhia, Gucci e ela
estavam se dando bem até, mas Gucci não ficaria ali para sempre.
E se Anna pensasse o mesmo sobre sua gata? Que gostaria
de uma companhia, mas não algo dos dois? A ideia de um bichinho
por ali derreteu meu coração, eu adorava filhotes, sempre estava
em fundações de animais para ajudar. Tanto que eu peguei Zara de
uma delas, uma que Edward havia me levado pela primeira vez
assim que eu entrei no time, a dona era quase uma mãe para mim e
me tratava como se eu fosse seu filho perdido na Suécia. Minhas
namoradas até então, nunca tinham sido levadas lá. Eu não sabia
porque, mas era uma coisa minha demais.
Bem, parece que hoje eu vou ter que quebrar essa tradição.
— O que você está pensando? — Perguntei a Anna, que
parecia ter dormido novamente. Ela levantou rapidamente e tirou o
edredom do rosto, ajeitando os fios bagunçados do cabelo.
— Que é nojento que Amy agora ache que transamos.
— Não sobre isso, Anna — Gargalhei, mas realmente parecia
estranho — Mas sim, é nojento. Porém, eu estava falando da
adoção.
— Guarda compartilhada.
— Mas… Você não acha exagero?
— Não temos que pagar faculdade, nem plano de saúde e
nem colégio. Se no fim disso um quiser arrancar a cabeça do outro,
o cachorro pode ficar com meus pais.
— E o que faz você pensar que eu desistiria do cachorro
assim tão fácil?
— Vamos fazer assim, você adota mais um cachorro e eu vou
adotar outro gato. Um de cada, sem brigas depois.
— E nossa casa vai virar um zoológico?
— Sua casa vai virar um zoológico pelos próximos meses,
depois disso vai ser você e seus cachorros.
— Não sei se gosto da ideia. Mas enfim, — dei de ombros,
sem ter muito o que falar — quais os compromissos de hoje?
— Eu lá tenho cara de agenda, Ollie? — Ela tinha sim, mas
eu não ia falar alto para não receber um empurrão. Anna era
organizada demais, essa organização era ótimo para que ela
lembrasse do que eu esquecia — Não sei, eu estou com sono
ainda, fui acordada com muita pressa.
Suspirei, sentindo pena dela.
— Você acordou mesmo com os gritos da Amy?
— Não! — Anna gargalhou e negou com a cabeça
abruptamente — Eu tive um pesadelo que sua irmã me forçava a
ouvir Kanye West!
— Porque pesadelo? Kanye não é tão ruim. — Ela me olhou
chocada.
— Bata na sua cara antes que eu bata. — Segurei a risada
porque Anna estava séria — Eu só não te expulso dessa casa,
Oliver, porque ela ainda é sua. — A loira levantou num pulo e saiu
em seguida, a coberta arrastava no chão e eu pensei que minha
mãe mataria alguém se visse aquilo — Eu vou tomar banho, por
favor faça café.
Assenti.
Não fiz café, claro.
Fui à cafeteria mais próxima e comprei tudo o que eu não
podia comer no café da manhã normalmente. Eu adorava o café da
minha mãe e a insistência dela em tentar me fazer saudável, o que
claro, teria sido uma tarefa de sucesso se eu tivesse tomado algum
café dela na viagem. A Suécia havia sido um desastre, maior do que
a última vez.
Já havia dito para mim mesmo que eu só aparecia lá de
novo, solteiro.
Falando nisso, Linnea estava tentando falar comigo há um
dia. Eu não queria ouvir o que ela tinha a falar, eu não queria ver a
cara dela nem mesmo se ela estivesse fantasiada num donut
gigante.
Eu estava magoado, extremamente chateado com ela e não
sabia como as coisas ficariam coerentes na minha cabeça, muito
menos quando.
Eu me sentia quebrado, tanto quanto quando Natasha foi
embora e me deixou.
Na verdade, a dor se assemelhava muito.
Porque eu sentia que tinha sido traído pela vida quando ela
me deixou, soou sem explicação para mim e eu respeitei sua parte,
mas nunca entendi. E como um segundo impacto, agora isso
acontecia.
Como eu deveria reagir? Nem isso eu sabia.
E por todas as entidades divinas, eu estava com raiva. Com
muita raiva. Não tinha um jogo para descontar, não tinha ninguém
que pudesse acalmar a parte mais insana de mim. Não tinha nada.
E, por graças aos deuses, existia comida. Separei tudo o que eu
achei que Anna ia comer — ela come como um leão — e ataquei
tudo que estava na minha frente.
Quando a comida acabou, eu quase pude ouvir meu treinador
me batendo com um saco de areia. Lembrar de dizer para Anna que
eu não estava com fome e que eu comprei comida só para ela. E
escovar os dentes para tirar isso tudo.
Entrei no banheiro sem bater e encontrei Anna.
Não, ela não estava pelada. Nem tomando banho.
Eu não sei como a mulher tinha conseguido fazer aquilo, mas
ela estava sentada na privada com as pernas encolhidas, lendo
algo. Tentei olhar a capa do livro, mas pelas expressões estranhas,
concluí que era francês.
— Você já tomou banho? — Ela negou com a cabeça e eu
quis me matar. Dava tempo de eu dar uma passada em marte e
morrer esperando por Anna — Ok, lê lá no quarto, eu preciso de um
banho.
— Eu vou tomar banho, só me deixa terminar o capítulo
dezoito.
— Anna, eu não sou sua mãe. Só quero tomar banho, vamos
lá, levanta a bunda daí. — Ela me olhou tão feio que eu achei que o
livro fosse ser jogado em minha cabeça, mas depois fez muito pior.
De roupa e tudo, ela entrou no box e ligou o chuveiro, afastando o
livro só o bastante para que ela pudesse ler sem molhar — Ok, vai
ser assim? Certo. Só cuidado para não aparecer pimenta nas
páginas deste livro.
Eu não ia colocar pimenta lá, claro que não. Mas ia ser
engraçado.
Fui para o quarto, esperando a boa vontade da mulher para
que eu pudesse tomar meu banho. Minha tela de bloqueio dizia que
hoje era 15 de julho. Arregalei os olhos assim que percebi que dia
era hoje. 15 de julho eu e Anna fazíamos um mês de casados. Quer
dizer que tínhamos só mais cinco meses na farsa.
— O que você está lendo? — Gritei, levantando e indo em
direção ao banheiro novamente. Anna estava de costas para mim
dessa vez, só sua calcinha estava em seu corpo e ainda assim, o
livro estava encostado do outro lado do box, no apoio para produtos
de higiene.
Sai de vez antes que ela pudesse virar e ver que eu estava
invadindo seu espaço pessoal. Merda.
Tinha olhado rápido, mas parecia ser o bastante. Merda mais
uma vez.
Anna deveria realmente investir com mais vontade no
trabalho de modelo. Suas pernas não eram torneadas, mas também
não eram magras demais. A cintura estava um pouco mais reta pela
academia excessiva que ela me disse estar fazendo quando o
último semestre chegou, precisava aliviar o estresse em algo.
Eu sabia que ela tinha uma tatuagem na costela, mas nunca
havia perguntado o que significava. De repente, uma súbita vontade
de estar perto o bastante para ver o que tinha escrito ali, tomou
conta de mim.
— É assim que acaba — Ela estendeu a mão para pegar o
sabonete e eu me senti incomodado com o reflexo de seus seios.
Claro que eu já havia visto Anna nua, eu havia procurado na internet
quando ela me disse, mas era estranho ter a visão pessoalmente.
Engoli em seco mais uma vez e virei em direção a porta — Eu sei
que você está olhando a minha bunda. Eu juro que já vou sair do
banho, eu só preciso terminar o capítulo vinte e dois.
— Você não estava no dezoito dois segundos atrás?
— Eu sou rápida. — Ela pausou o barulho e o chuveiro
cessou. Ouvi o barulho do box abrindo e logo depois a toalha estava
ao redor de uma Anna que passou por mim quase correndo — E a
Hoover me mata do coração em todos os livros, eu tenho que ler
rápido se não morro.
— Colleen Hoover? — Gritei do banheiro, ela não parecia
nem minimamente incomodada com o fato de eu estar no cômodo
ao lado — Ela é francesa? Eu jurava que era americana.
— Ela é americana. — Anna me corrigiu e eu comecei a tirar
minhas roupas para tomar o meu banho — Só que minha amiga
conseguiu autografado em francês para mim, claro que eu não ia
perder essa chance.
— Bem, um presente desses não se nega. — Comecei a
tomar banho, a água gelada me fazendo respirar profundamente —
Feliz um mês de casamento.
— Puta merda. Já? — Pois é garota, eu também estava bem
assustado com isso. Sua voz estava um pouco abafada por causa
do barulho do chuveiro e logo depois eu me lavei por completo,
terminando o banho e tirando o excesso de água. Amarrei a toalha
na cintura e fui para o quarto — Se os próximos meses continuarem
assim, eu posso passar mais alguns anos casada com você.
— Isso deveria ser um elogio? — Perguntei, pegando uma
cueca e logo depois, uma muda de roupas. Ela olhou em minha
direção e só gargalhou, dando de ombros — Ei, vamos direto para o
canil?
— Eu nem sei se realmente vamos para o canil. — Anna foi
sincera — Isso soa malvado para mim, Oliver. Você promete que vai
cuidar depois? Caso ele não queria ficar comigo ou sei lá.
— Posso prometer de dedinho se você quiser. — Estendi
meu mindinho, passando a cueca por baixo da toalha logo em
seguida, Anna não falou nada. Nem uma única palavra, reclamação
ou coisa do tipo. O que estava acontecendo ali?
— Podemos passar no aeroporto antes? Eu tenho uma
encomenda que preciso pegar o mais rápido possível. — Assenti,
dando de ombros e terminando de me vestir. Anna usava uma saia
escura e muito justa… Ao diabinho parado em meu ombro que me
fez olhar no banheiro, eu te odeio com todas as minhas forças.
Quando chegamos no carro, ela já havia devorado tudo e
tinha apenas o copo com o café na mão.
— Você gosta de ler?
— Não muito. — Respondi, olhando rapidamente para o livro
em suas mãos enquanto tirava o carro da garagem. Ela meio que já
estava acabando o livro, essa mulher come páginas — Por que?
— Nada. Ei, eu posso te pedir uma coisa? — Confirmei —
Dois personagens do livro fazem isso e eu achei algo bem
interessante. Então, me conta uma verdade nua que está passando
pela sua cabeça nesse momento?
Engoli em seco, passando a mão em minhas próprias pernas
para não tentar pensar em mais nada além disso. O aeroporto não
era tão longe de minha casa, eu já o avistava de onde estava.
Queria também chegar o mais rápido possível para Anna esquecer
que me perguntou isso.
— Você não vai querer ouvir minha verdade nua, Rosie. —
Fui sincero, mas pelo canto do olho eu podia ver que ela ainda me
olhava daquele jeito, curioso e destemido. — Ok, você pediu. —
Respirei fundo e dei mais uma olhada para ela, voltando minha
atenção para a pista — Você está muito gostosa com essa roupa.
Me sinto sujo de pensar nisso.
— Uau — Ela cruzou as pernas e me olhou. — Bem, acho
que é a minha vez, não é? — Dei de ombros, pensando que se eu
me jogasse de uma ponte poderia não ser tão doloroso assim. — A
encomenda na verdade é Natasha e ela está nos esperando na
porta do aeroporto.
Eu parei o carro tão bruscamente que meu rosto foi direto
para o volante. Anna se encolheu no banco do carona, os olhos
transmitiam desespero e agora eu sabia porque ela estava tão
afundada no livro.
Senti o gosto de ferrugem na minha boca e passei a língua
pelo lábio inferior. Eu não disse nada nos momentos seguintes,
voltei a dirigir até avistar a figura loira no estacionamento do
aeroporto. Se eu passasse mais três segundos dirigindo aquele
carro, a merda ia estar feita já. Desliguei e joguei a chave para
Carbain, dando a volta e abrindo a porta. Natasha não me disse
nada, ela parecia tão sem ação quanto eu.
E o melhor, ela havia achado que eu tinha dado a volta para
abrir a porta do carro para ela, quando na verdade eu só entrei no
banco do fundo e tranquei as portas em seguida. Anna já havia
parado de ler e entendido meu recado, estava já no banco do
motorista e sua amiga havia acabado de sentar no carona. A
mistura de perfume das duas estava me deixando enjoado, somado
com o sangue na minha boca, estava tudo uma merda mesmo.
— Porque o bebezão lá atrás está com raiva? — Nat
perguntou e eu rolei os olhos, virando a cabeça para vê-la melhor.
Tudo o que aconteceu nos últimos meses estava de volta, era
uma confusão, uma verdadeira confusão. Mas não era uma
confusão ruim. Não era como ver a ex que te deu um pé na bunda e
ficar se martirizando por isso.
Eu já havia aceitado há muito tempo que Natasha e eu não
íamos voltar. Já havia superado tudo e todas as nossas lembranças
dos anos juntos eram só isso, lembranças. Eram momentos bons.
Foi uma época boa, ótima. Mas foi. Passado.
Eu a amava, claro que sim, mas pelo fato de que ela teve a
decência de chegar para mim e ser completamente sincera, por ela
ter me contado como se sentia quando o sentimento veio à tona, por
acabar com o que tínhamos antes de alguma besteira acontecer.
Eu nunca havia tentado ser amigo de nenhuma ex-namorada
minha, mas acho que aqui podia ser um bom começo.
— Quem disse que eu estou com raiva? — Perguntei,
sentindo meu lábio inchado — Eu estou ótimo, muito bem, já é a
segunda vez num período de duas semanas que eu sou colocado
para trás com Anna, ela fica se apossando das coisas.
— Eu conheci Natasha oitenta e seis anos antes de você e
ela começarem a sair. — A fotógrafa retrucou, olhando para mim
pelo espelho — E eu não tenho culpa se Aneska e Bash gostam
mais de mim do que de você, eu sou bem mais legal.
— Isso não é uma mentira. — Nat se meteu e eu fingi estar
ofendido — Anna é bem mais legal.
— E não tem uma família de doidos, pode dizer, eu sei que
você quer falar isso. — Anna completou, rindo de forma nervosa em
seguida — Ollie, vamos para o canil?
— O que vocês dois vão fazer num canil?
— Vamos adotar um cachorro. — Respondi, me
arrependendo segundos depois. Não era para soar assim, como um
casal indo adotar uma criança — Quer que eu dirija ou você coloca
no GPS? — Anna levantou os dois dedos e eu peguei o telefone
para conectar e deixar o endereço correto. Não falaram mais nada
durante todo o caminho, Nat perguntava alguma coisa e Anna
também, mas parecia que um clima mais tenso havia pairado sob
nós.
Como eu já havia dito, não era aquela mágoa de
ressentimento, como se eu e Anna estivéssemos juntos antes de
Nat terminar tudo. Era mais aquela coisa estranha. Uh, você está
dormindo na cama que eu dormi com ele.
O que na verdade é mentira, porque eu me mudei e doei as
coisas antigas e logo depois voltei por causa da copa, então, Anna
havia sido a única mulher a encostar lá.
Então eu lembrava o porquê de estar tão desconfortável com
a situação.
As duas iam conversar sobre a relação delas, sobre como
tudo isso mudaria. Não tinha nada a ver comigo, eu era um intruso
mesmo.
Chegamos ao canil um pouco tempo depois e eu fui o
primeiro a sair do carro.
— Ollie! O que foi isso na sua boca, menino? Você arranjou
briga jogando de novo? Jovens! — Senhora Edmund apareceu
assim que adentrei a sede. Ela era a dona, uma senhorinha de
pouco mais de cinquenta anos e que com toda certeza parecia a tia
hippie que todo mundo tem. Pensei em explicar para ela que nem
estávamos na temporada dos jogos, mas percebi que era uma
partida perdida e dei de ombros — A senhorita Amélia me disse que
você vinha hoje para olhar nossos bichos, como a Zara está?
— Muito bem, ela até fez amizade com uma gata.
— E essa gata é aquela loira ali? — Eu quis rir e logo depois
percebi que ela tinha visto Natasha logo atrás de Anna. Eu não
sabia qual das duas ela estava se referindo — Eu conheço você de
algum lugar!
Gelei, não sabia se era também dos peitos.
Mas não eram peitos fáceis de esquecer, tinha que assumir
tal coisa. E quer saber? Não tinha problema conhecer ela pelos
peitos.
Eram lindos. Ela pagou as contas dela.
Ninguém tem nada com isso.
— Eu já sei! Você fotografou o casamento de minha filha!
Você se lembra da cerimônia de Liana e Natalie?
Ótima escolha de nome, eu devia apontar. Anna riu de forma
nervosa e Natasha quase engasgou com o ar.
— Claro que sim! O que uma cadelinha entrou com os anéis,
não é? Eu não ia esquecer disso nem se quisesse. — Respondeu
de forma cordial, nem parecia ter sido afetada por nada.
— Isso mesmo, seu trabalho é maravilhoso, eu tenho todas
as fotos reveladas em minha casa, fizemos um mural e álbuns só
com elas. Lee disse até que tem vontade de casar de novo. — Anna
sorriu em agradecimento, não sabia mais o que falar. Ela estava
bastante sem graça e eu percebi que nunca tinha visto isso, alguém
elogiar seu trabalho o bastante para que ela ficasse envergonhada
daquele jeito. As bochechas estavam bem coradas e ela não sabia
como agir, totalmente sem ação e até adorável — Como o mundo é
pequeno, eu não sabia que conhecia meu menino Ollie! Vocês são
parentes? São bem parecidos.
— Mais ou menos. — Respondi por Anna, rindo em seguida.
Ela e Natasha estavam segurando a gargalhada — Somos casados.
Por dois segundos, achei que a senhorinha ia ter uma parada
cardíaca.
— Isso é fantástico. Eu fico muito feliz por vocês dois, muito
mesmo. — Ela nos abraçou de forma apertada e finalmente,
percebeu Natasha ali — E você, querida? Está acompanhando-os?
— Sim, eu sou a ex-namorada do Ollie — Natasha apertou a
mão da mulher de forma ávida — E melhor amiga da Anna. Natasha
Flowers ao seu dispor.
Ok, agora eu podia dar risada? Anna não se segurou e
começou a rir, a senhora Edmund parecia tentar processar as coisas
e não estava dando muito certo. Agradeceu Nat por ter vindo junto e
depois disse algo como:
— Eu não entendo esses jovens de hoje em dia.
— Bem, viemos adotar um cachorrinho. Sem preferências em
geral, melhor se for de porte grande para aguentar as brincadeiras
pesadas de Zara... Anna, alguma coisa? — A loira deu de ombros e
senhora Edmund começou a falar dos novos filhotes que haviam
chegado, mas Anna e Natasha nem ligaram. As duas estavam
conversando e pelo jeito que olhavam para mim, eu sabia qual era o
assunto.
Eu não quis saber o que elas estavam conversando, não era
da minha conta — quer dizer, era sim, mas elas não queriam que eu
ouvisse.
Como já era de casa e sabia onde tudo estava, comecei a
olhar as áreas dos cachorros sem prestar muita atenção, eu era um
homem com fortes ligações com os animais — porque eu era um
gato também, não é? — e não estava sentindo isso com nenhum
deles.
Claro que, eles eram fofos, lindos, dava vontade de levar todo
mundo para casa. O coração chegava a apertar no pensamento de
que, algum deles poderia nunca encontrar um lar.
Foi aí que eu senti uma coisa quente em mim. Não, não era
amor. Muito menos uma ligação especial com algum deles. Era
quente mesmo, na minha perna, xixi. Puxei minha perna de vez e o
bicho logo perdeu o equilíbrio, caindo no chão.
Deus, será que eu o empurrei? Mas não, o motivo de sua
queda foi um pouco maior que isso.
Ele não tinha uma das pernas traseiras.
Anna-Rose Karlsson e seu marido, Oliver, postaram stories
num abrigo de animais abandonados. Porém, o mais absurdo dessa
história é que Natasha Flowers estava acompanhando o casal. O
que será que os Karlsson aprontam enquanto dormimos?”
(@subcelebrities)

Os olhos castanhos viraram em minha direção e a quentura


do xixi nem foi tanta assim comparada ao que eu senti naquele
momento. Era um cachorro bem grande e muito peludo, mas eu
podia ver as marcas de sofrimento debaixo de todo o pelo. Peguei
no colo e fui em direção à coordenadora, que falava com Anna e Nat
sobre cachorros de pequeno porte.
Aqueles de madame que você carrega numa bolsinha. Não
parecia fazer o tipo de Anna, já que ela tinha uma carinha quase
imperceptível de desgosto. Já Natasha estava tão empolgada que
eu não duvidava que ela saísse dali com um também.
— Senhora Edmund, esse cachorro mijou em minha perna.
— A mulher quase morreu ali mesmo, os olhos pareciam que iam
pular.
— Senhor Karlsson, eu sinto muito. Maya é muito levada
mesmo, me desculpe por qualquer constrangimento e...
— Quando eu assino os papéis de adoção? — Perguntei,
empolgado, olhando para Anna com aquela de bobo que eu tinha
quando ficava perto de muitos animais. Ela quase caiu do salto de
tão rápido que correu até mim. Pegou a cadela no colo e afagou sua
barriga.
— É ela? — Maya lambeu a cara de Anna em seguida e eu
percebi que ela havia gostado da loira também — Você é tão linda,
Maya. Olha só, nós temos duas meninas lá em casa que vão amar
você, eu tenho certeza que Gucci vai rosnar, mas ela demonstra
amor assim. Ela rosna para mim também.
Deixei as duas brincando e me afastei, Senhora Edmund já
havia ido pegar a documentação e Natasha olhava para Anna de
forma orgulhosa. Parecia realmente uma mamãe orgulhosa vendo a
filha fazer algo que não fazia. Foi aí que eu lembrei da marca em
sua mão, do medo, pavor de como ela se sentia perto de cachorros
grandes. Maya não era tão grande quanto Zara, mas era quase do
mesmo tamanho e meu peito se encheu de orgulho ao ver que ela
ao menos tinha percebido o que estava fazendo quando na verdade,
já estava.
— Essa é a primeira vez que eu vejo Anna brincar tão
calmamente com um cachorro que tenha mais de doze quilos. —
Natasha murmurou baixinho, os olhos ainda na fotógrafa.
— Acho que é por causa da Zara. — Respondi, Zara gostava
mais de Anna do que de mim. Aquela traidora de trinta quilos.
— Vocês estão muito próximos, não é? — Havia
preocupação na sua voz. Eu conhecia Natasha, sabia quando ela
achava que alguma coisa ia dar merda — Eu não vou pedir para
vocês se afastarem e nem interferir com minha opinião em algo que
claramente não é da minha conta, mas tentem tomar cuidado. Eu
amo vocês dois, mas vocês não percebem o que está acontecendo
em relação a tudo isso.
— Nat… Não é assim.
— Anna me disse que vocês não dormem juntos, mas… você
a leva para os eventos. Anna me disse que estão conversando
normalmente, sem brigas e com sinceridade. Ela me disse que
vocês tomaram banho um no mesmo cômodo do outro hoje e sem
nem ligar para a nudez… Eu não sei como dar essa notícia, mas
vocês estão se tornando um casal de verdade.
— Você está exagerando. — Afirmei, havia apenas um mês
que estávamos casados. Anna e eu já nos conhecíamos antes do
casamento, era muito mais fácil continuar com uma conexão já
existente, aquilo tudo era só um fortalecimento de amizade que
nunca havia existido — Nós nunca nem nos beijamos, nunca
fizemos nada além disso. Anna e eu não somos um casal — Afirmei
com certeza — E ela tinha namorado.
— Um que ela nem ao menos gostava. — Natasha tinha uma
sobrancelha arqueada e um sorriso presunçoso nos lábios. O olhar
de quando ela estava certa e doida para soltar o velho: “Eu te
avisei.” — Me responda algumas coisas, certo? Sem pensar, a
primeira que vier à sua cabeça. — Assenti, com medo do que
estava por vir. Anna apareceu na nossa frente e sorriu por estarmos
juntos e conversando.
— Eu vou assinar os papéis, continuem aí. — Piscou de
forma maliciosa e saiu em direção ao escritório. Maya foi atrás da
fotógrafa e ao menos olhou para mim.
Qual é?
Mais uma?
— Sua melhor amiga acabou de me deixar sozinho com você
e sorriu daquele jeito de quem vai aprontar. Ela tá me jogando para
você. Como é que dizem? Eu te avisei. — Minha vez de sorrir de
forma presunçosa.
— Como Anna dorme? — Ela ignorou minha fala e perguntou
— Eu digo, com que roupa ela dorme?
— Com umas blusas antigas e os moletons da faculdade. —
Respondi, sem entender qual a finalidade daquilo.
— Você sabia que quando ela começou a sair com o Marcus,
ela comprou pijamas? Porque ela não se sentia confortável para
dormir de blusão perto dele.
— Nat, eu e Anna nos conhecemos há anos. Ela começou a
andar de sutiã pela manhã e disse que, como eu já tinha visto de
biquíni, não tinha problema nenhum.
— Anna não anda de calcinha e sutiã nem dentro de casa,
porque ela tem vergonha que o pai a veja de lingerie.
— Porque a mãe não sabe da tatuagem dela, Anna já me
contou antes, nós somos amigos e só amigos, Nat. Ela conta as
coisas para mim como qualquer outro amigo contaria, somos
amigos só que casados. Eu posso fazer isso o dia inteiro, Natasha.
Nada do que você disser vai justificar essa doidice que você colocou
na cabeça.
— Ela te contou também que ela namorou uma menina
durante um semestre inteiro na faculdade?
— Sim, ela já me contou.
— Ótimo, ela também te contou que no ensino médio, ela fez
uma aposta com as amigas que conseguia perder a virgindade em
menos de uma semana e ganhou 300 dólares porque ela conseguiu
fazer em um dia? E depois escondeu o dinheiro na caixa de correio
da casa dela porque estava com muito nojo de si mesma? Que a
mãe engravidou quando ela tinha 12 anos e ela que levou a mãe
para o hospital, sem saber dirigir ou até mesmo ter idade para isso?
Que ela viu a mãe quase morrer e perder o bebê por negligência
médica e é por isso que ela odeia hospitais?
Eu nem sabia o que falar, não conseguia nem processar um
por cento daquelas coisas.
Ela devia ter um irmão?
Eu não precisei responder porque a minha cara de merda era
o bastante para tudo isso.
— Oliver, eu conheço você há muitos anos. Conheço Anna
desde os meus dezessete anos, vocês são as pessoas mais
próximas da família que eu tenho sem o meu sangue. Eu sei essas
coisas de Anna porque eu sou a melhor amiga dela, não você. Do
mesmo jeito que eu sei um bocado de coisas suas que ela não
sabe, porque eu fui sua melhor amiga durante esses anos — Ela
suspirou, eu percebia que o assunto não a deixava irritada e nem
constrangida. Percebi que a amizade delas duas era o que mais
importava e não havia outra relação ou pessoa que pudesse apagar
isso. As duas precisavam trocar apenas um olhar para saber que
tudo estava bem — Eu quero muito que nenhum dos dois termine
isso magoado disso, mas se vocês pretendem mesmo terminar com
esse casamento em dezembro, vocês precisam colocar uma cerca
na relação.
— Cerca na relação de quem? — Anna surgiu das trevas e
eu quase gritei assustado. Tudo bem, eu posso ter gritado
levemente.
— Vai matar a Gucci do coração — A repreendi, percebendo
que ela ainda queria uma resposta — Natasha disse que eu preciso
colocar uma cerca nos meus relacionamentos e família, que eles
não têm que interferir em nada.
— E ela está completamente certa. — Anna assentiu com a
cabeça e eu me senti instantaneamente mal por mentir para ela —
Bem, Oliver, você é oficialmente pai de Maya Carbain-Karlsson. —
Ela me entregou os papéis de adoção e meu sorriso naquele
momento foi o mais bobo possível. Maya estava cheirando Natasha
e eu percebi que ela não tinha dificuldade em andar, mesmo com a
perna a menos — Atropelamento. A Senhora Edmund me disse que
ela era uma cadela de rua e atropelaram ela, mas não prestaram
socorro. A perna ficou tão machucada que não tinha jeito de curar, o
jeito foi amputar.
— Ela é uma guerreira mesmo, não é? — Nat estava fazendo
carinho ainda e virou para Anna — Ela precisa de uma madrinha.
Obrigada pelo convite, sou eu. — Beijou a cabeça do bicho e
levantou.
A senhora Edmund logo depois veio se despedir da gente
porque tinha uma emergência, Anna levou Maya para o carro e a
cadela parecia estar perfeitamente acostumada com aquilo, já que
entrou e sentou na maior tranquilidade do mundo. Dessa vez
Natasha estava no fundo com a afilhada e eu estava dirigindo, nem
lembrava mais do lábio inchado. Não sabia onde ela iria ficar, mas
não fazia mal algum almoçarmos juntos e sim, eu estava com fome.
Fomos para a minha casa e eu percebi a curiosidade de Natasha, já
que ela não havia conhecido o condomínio novo.
De início, Maya e Zara se estranharam. Ficaram cheirando a
bunda uma da outra e tinha aquele ciúme básico, Anna pegou uma
coleira de Gucci que mudava de tamanho e colocou em Maya.
Parecia que havia sido feita para ela e a cadela adorou, ficou
balançando a cabeça para fazer o barulho do sino soar.
Gucci detestou, claro. Gatos gostam de alguma coisa?
Obviamente, tiramos fotos e atualizamos todas as redes
sociais possíveis, assim como Amy havia mandado.
Natasha e Anna dominaram a cozinha, começaram a
bagunçar tudo para fazer a comida e eu sabia que eu teria que
limpar depois. Depois de quase duas horas e muitos resmungos
meus de que estava com fome, finalmente o almoço ficou pronto.
Anna vestia um top de academia e legging, já Natasha vestia
só uma calça de moletom e uma daquelas blusas curtas. As duas
faziam passos de dança no Just Dance, estavam suadas como a
porra e eu só assistindo porque não ia dançar com aquelas loucas.
De repente, ouvi um toque. Achei que era meu telefone, mas
era só o de Anna mesmo. Um número desconhecido, provavelmente
um cliente.
— Anna, seu telefone está tocando. — Gritei e assim que ela
entendeu o que eu disse, pausou o jogo, indo beber água.
— Põe no viva-voz. — Assenti e atendi o telefone, pondo no
auto falante assim que os números apareceram — Anna Carbain
falando, boa tarde?
— Anna, é bom ouvir sua voz. — Natasha e Anna gelaram ao
mesmo tempo e eu fiquei mais atento, não sabia quem era a pessoa
que estava falando, mas provavelmente nenhuma das duas gostava
dele — Como anda a vida de casada? Pelo que você passou nas
redes sociais, visitou a Suécia ainda essa semana e agora adotou
um cachorrinho, isso não é lindo?
Quando eu ia abrir a boca, Anna negou prontamente com a
cabeça e tentou pegar o telefone de minha mão, mas eu não deixei.
Marcus. Era isso. O ex-namorado dela estava ligando, eu só
não sabia para o que.
— O que você quer, Marcus? — Ela perguntou, sua voz tinha
um tom mais ameaçador que o costume — E de quem é esse
número? Eu lembro que eu bloqueei você de tudo, como você anda
vendo minhas redes sociais?
— Não importa como eu estou fazendo isso, eu já fiz. E você
sabe o que eu quero, Anna. Quero que venha conversar comigo,
pessoalmente e sem seu jogador de estimação. Ou você vem ou eu
mostro para o mundo que na verdade, seu relacionamento atual é
bem mais falso do que o nosso foi, além de arruinar sua carreira,
você vai ficar bem menos popular entre sua família. Eu tenho
nossas mensagens, tenho as fotos que você me mandava e que eu
tirava suas. Tenho até mesmo a gravação do dia que eu te liguei
para conversarmos sobre seu lindo casamento. É tudo ou nada,
espero que você pense com carinho.
A ligação foi desligada e Natasha e eu olhamos para Anna,
que estava encolhida no sofá e com lágrimas nos olhos. Ela parecia
amedrontada, como se estivesse com mais medo que o necessário
dessa ameaça.
Mais medo do que uma carreira e reputação em jogo.
— Anna... — Natasha começou, alisando o cabelo da amiga
com as mãos — Porque não nos contou antes, meu amor? — Os
olhos da fotógrafa começaram a brilhar e o choro veio mais rápido
do que o esperado. Puxei ela para perto de mim e deixei que
chorasse em meu ombro, Nat ainda fazendo carinho em sua cabeça
— Não é a primeira vez que ele liga, não é? — Ela negou, ainda
chorando. Beijei sua testa e limpei as lágrimas, olhando bem nos
olhos dela.
— Porque você não me contou antes? — Perguntei de forma
calma — Podíamos ter feito algo, eu... Eu tinha conseguido um jeito
de tudo isso acabar. Porque você não pediu uma restrição para a
polícia? Rosie, isso é sério.
— Eu sei que é. — Foi sua única resposta — Mas eu não
sei... Não achei que ele fosse manter isso. Marcus sempre foi muito
vazio com tudo, achei que ele estivesse blefando e... Me desculpe,
Ollie. Eu fui egoísta, nem pensei como sua carreira poderia ser
prejudicada com isso.
— Foda-se minha carreira. Ninguém liga para isso enquanto
eu ganhe taças e esmurre pessoas, vamos focar em você. —
Natasha soltou o cabelo de Anna e apontou para o próprio telefone
do outro lado da sala. Assenti com a cabeça e ela levantou, saindo
de perto de nós — Você quer encontrar com o Marcus? Podemos
fazer uma coisa mais armada e protegida.
— Ei! — Anna se soltou, arregalando os olhos como se
tivesse uma lâmpada acesa em cima de sua cabeça — Ei, Ollie, eu
preciso fazer uma ligação. Agora. — Ela pegou o telefone e
começou a digitar desesperadamente, nem Natasha nem eu
entendemos sua reação — Oi Ava, prima, eu não tenho tempo para
isso. Quando você vem em Denver? Ok, me diga o dia que eu vou
te buscar no aeroporto e te levar para casa dos meus pais, você
pode ficar até comigo se não tiver problema. Sim, eu casei mas
ninguém liga para isso. Eu preciso do seu trabalho, aquele tipo de
trabalho. Certo, só dia 29? Não tem problema. Beijo, eu amo você,
depois nos falamos com mais paciência.
Ela desligou o telefone e começou a dançar.
Ok, esse com toda certeza era o momento mais estranho do
meu dia. O que tinha acabado de acontecer?
Natasha começou a rir e voltou a falar no telefone, dando de
ombros. Ela entendia que Anna não batia muito bem da cabeça,
mais que eu.
— O que foi isso? — Perguntei em dúvida.
— Piper Ava Withmann Carbain. Ela é filha do irmão mais
velho do papai, delinquente da família e uma ótima hacker. Ótima
mesmo. Ela vem para Denver semana que vem e vai me ajudar a
apagar tudo o que o Marcus tem meu.
— Não precisa transportar sua prima sei lá de onde para
Denver só para isso. Eu conheço alguns hackers, Anna.
— Nenhum deles foi preso aos 15 anos por tentar invadir o
Pentágono, foi?
— Ok, você ganhou.
O dia mal tinha começado e já tinha se tornado um dos mais
estranhos de minha vida. Para começar, minha agente me acordou
aos gritos seis da manhã, achou que eu estava dormindo com
minha esposa que não é minha esposa de verdade; minha falsa
esposa estava nervosa por algo e tinha tomado banho na minha
frente mesmo sabendo que eu estava olhando para sua bunda;
fomos adotar um cachorro e eu descobri que minha ex-namorada
que era amiga de minha falsa esposa vinha ficar com a gente; um
cachorro mijou na minha perna e eu adotei ele; o ex-namorado
chantagista de minha falsa esposa tinha ameaçado ela e por fim,
Anna tinha uma prima doida e tínhamos um quase plano para salvar
ela dos abusos dele.
Bem, pelo menos era um começo.
Eu só não sabia para onde.
“Querida Anna, estou esperando a sua resposta.”
(Mensagem enviada de Marcus para Anna)

Na manhã do dia 28 de julho eu recebi dois telefonemas.


O primeiro foi às quatro da manhã, xinguei todas as pessoas
do mundo por estar recebendo uma ligação a merda das quatro da
manhã.
Os celulares já deveriam ter uma opção de presença que não
tocava quando seu dono estava dormindo. Mas assim que meus
olhos pararam no visor e eu vi o nome de Piper, entendi.
Ela normalmente trabalhava de madrugada porque era
quando tinha paz. Ava era formada em TI e nas horas vagas
trabalhava com o que a polícia não deixava. Desde detetive
particular a stalker, e coisas bem ilegais, já havia sido presa duas
vezes, mas por falta de prova da segunda vez, ela foi solta bem
rapidinho.
A garota era uma gênia, daquele tipo que você entra no
quarto dela e vê oitenta copos de café vazio, três tipos diferentes de
teclado e quatro telas de computador espalhadas em sua bancada.
Também tinha uma aparência de delinquente — palavras de
sua avó materna. Os pais de Ava e meus tios, morreram quando ela
tinha onze anos num acidente de carro, isso causou parte da
rebeldia? Mais ou menos. Ela sempre fora meio fora da linha, mas
na família Carbain, ninguém ligava de verdade. Ela era nossa garota
de 21 anos, capricorniana, com uma sobrancelha feita de lápis e
estranha na cabeça — ela gosta de raspar a sobrancelha —, olhos
escuros e uma mente que deveria ser estudada.
— Oi, Ava. — Minha voz soou arrastada.
— Anna, eu vou ter que adiar a viagem de amanhã, apareceu
um trabalho de última hora e a mulher vai me pagar uma grana
deliciosa, eu já adiei para dia cinco a passagem, você tem muita
pressa? Porque eu posso fazer por aqui mesmo.
— Não sei se tem problema, é uma situação meio bizarra. Eu
prefiro pessoalmente porque nos últimos dias eu não tenho dado um
passo sem achar que tem alguém olhando.
— Meu amor, ninguém mandou você casar com o capitão do
Colorado Blizzard e campeão da copa do mundo de hockey — Eu
esqueci de mencionar a parte que Piper era fanática por hockey e
torcedora dos Arizona alguma coisa lá? Acho que sim, eu totalmente
esqueci — E você esqueceu que se trata de mim que estamos
falando, nem a força russa consegue rastrear essa ligação. Mas já
que agora você tem um marido rico e não vê problema em gastar
milhões numa passagem, não tem problema. Te vejo dia cinco?
— Não é assim também, eu comprei essa sua passagem
com as milhas que eu estava juntando para depois da formatura.
Porque alguém me disse que vinha visitar os avós e não precisava
de passagem. — Era óbvio que eu não iria deixar Oliver pagar a
passagem — Dia cinco então, beijão. E manda um beijinho para o
Evan.
— Graças às deusas maternas, ele está dormindo, então eu
mando quando ele acordar. Beijo. Amo você.
— Também te amo. — Logo depois ela desligou.
Ah, eu também esqueci de mencionar que Ava era mãe do
Evan? Um menininho prematuro de oito meses. A faculdade traz
coisas incríveis para nossas vidas, eu sei.
Voltei a dormir mais sossegada e foi perto das oito que recebi
a segunda ligação. Era de outro estado, mais especificamente a
Califórnia. Não dizia a cidade e era um número fixo. Demorei um
pouco para atender e quando não ouvi ninguém reclamando, notei
que provavelmente, Oliver já havia ido treinar.
— Anna Carbain falando, bom dia? — Forcei para não sair de
forma preguiçosa. As pessoas tinham que achar que eu era alguém
ativa e que acordava às seis da manhã para fazer sei lá o que.
— Bom dia senhorita Carbain. Meu nome é Harriet e eu sou
da Agência Greta de Modelos, ouvi algumas recomendações da
senhorita, estamos procurando modelos de free lancer para uma
campanha interna de uma nova linha de cabelo. Eu sei que é uma
coisa boba, mas o seu tom de loiro é o perfeito para o que a
campanha condiz.
— E eu precisaria pintar meu cabelo para a campanha? —
Gelei. Meu cabelo era loiro natural e eu nunca tinha tocado 1ml de
tinta nele. A não ser colorida, mas isso foi uma fase na
adolescência.
— Só matizar, mas caso a senhora não goste, temos um
shampoo que as modelos usam para tirar o efeito do produto. É bem
simples.
— Ah sim, tudo bem. Mais alguma coisa? — Tentei não
parecer rude, mas só percebi meio segundo depois que havia
falado.
— Sim, você tem a intenção de entrar para uma equipe de
fotografia? Estamos procurando novos membros para um contrato
até dezembro deste ano e de preferência mulheres, algumas das
modelos estão com queixas de assédio em relação aos fotógrafos.
— Bufei, isso era bastante comum. Homens, né? O que falar deles?
— Mas claro, você não precisa aceitar agora. O convite se estende
até o fim do mês.
Respirei fundo. Eu precisava de dinheiro, não é? Que mal
faria?
— Ok, caso eu aceite agora mesmo, quando é o primeiro
ensaio que preciso fazer e como vou viajar para Califórnia? A
empresa vai se responsabilizar pelas passagens?
— Nós temos sedes espalhadas por todo o país. Somos uma
empresa mãe que trabalha com outras menores, mais como um
auxílio, buscamos os trabalhos e pessoas e encaminhamos para
eles. Então, caso você aceite agora mesmo, precisaremos do seu
endereço apenas para buscá-la amanhã para o contrato assinado e
falado, as propostas e então, as fotos.
— Ok, eu aceito, aceito mesmo, se vocês tiverem como me
buscar agora eu vou, só preciso escovar os dentes. Tanto para
modelo como fotógrafa.
— Ok! — Harriet gargalhou com minha empolgação e falta de
profissionalismo — Então, podemos fazer todo o processo jurídico
juntamente ao cabelo hoje e amanhã as fotos, ok?
— Ok!
— Foi um prazer fazer negócio com você, senhorita Carbain.
Entraremos em contato ainda pela manhã para a solicitação do
endereço, certo?
— Senhora Karlsson — Pausei, pensando no que tinha
acabado de fazer —, agora eu sou uma mulher casada. — A corrigi
fingindo normalidade, rindo de nervoso em seguida — Sim sim,
podem ligar à vontade. Eu atendo ligações a qualquer hora do dia,
até mesmo às quatro da manhã! Tchau então?
— Tenho certeza que a FMA vai amar trabalhar com você!
Até mais, Senhora Karlsson.
Comecei a pular pela casa logo em seguida, eu não
aguentava mais fazer eventos para crianças, antes do desastre em
Las Vegas, eu estava indo bem.
Cotada para projetos especiais, workshops e marcas
importantes, mas depois tudo desandou.
Eu estava me sentindo um lixo porque dependia do Ollie em
boa parte das coisas, não queria gastar o dinheiro dele, mas ele
insistia em não me deixar pagar as coisas.
Claro que eu não negava, era difícil sobreviver de fotografia
quando se é uma destruidora de lares, antes era mais fácil porque
minha pior fama era dormir com meus modelos. O que não era de
total mentira, até namorei com um.
O barulho da porta abrindo chamou minha atenção e eu só
consegui sair correndo antes de começar a gritar para Oliver e as
cadelas.
— EU CONSEGUI! — Tropecei alguns degraus na escada e
cheguei até ele o mais rápido que pude, alcançando os seus braços
e pulando o máximo que eu conseguia — Eu consegui um emprego,
Ollie! UM EMPREGO.
— UM EMPREGO? — Ele começou a pular comigo e nada
podia expressar como eu estava feliz naquele momento. Depois de
perceber que os bichos estavam agitados demais por causa de
nosso agito, Ollie me pegou no colo e girou, abraçando com tanta
força que eu podia morrer ali mesmo.
Apertei de volta, colocando também toda minha força e
sacudindo o abraço.
Finalmente, após alguns segundos, nos soltamos.
O problema era que estávamos próximos demais um do
outro.
A respiração dele estava batendo em meu queixo e eu ainda
podia sentir sua barba pinicar em minha pele. Os olhos de Oliver,
tão profundos e pertos de mim que eu poderia desenhar sua íris e
incluir todos os detalhes dela.
E eu pensei em todos os motivos pelo qual eu não devia
fazer isso.
Pelo qual era errado.
Pelo qual Ollie e eu nunca ficaríamos juntos na vida real.
Não consegui listar nenhum deles, como se uma pane atingisse
todo meu sistema.
Mas era tentador. Ele estava próximo demais.
Eu conseguia sentir todas as partes do meu corpo
responderem positivamente a isso.
Mas ele foi mais rápido, se afastou e me olhou com tanta
dúvida que eu senti algo estranho dentro de mim.
— Você ia me beijar?
Eu não soube o que fazer. Como fazer.
O que responder e qual resposta ele queria ouvir.
Na verdade, qual era a resposta que eu queria ouvir?
Eu queria beijar ele?
Por que aquilo soava tão errado?
E o pior de tudo, porque Oliver me olhava tão espantado?
Porque o olhar dele se assimilava tanto a nojo? Engoli em
seco e apenas neguei com a cabeça, um sorriso amargo em meu
rosto. Dei as costas a Oliver e fui em direção ao quarto dele,
pegando minhas coisas e indo até o banheiro para tomar banho.
Nojo.
Era o que eu estava sentindo, nojo de mim mesma.
Por dois segundos, querer algo tão errado como beijar Oliver.
Não era para acontecer, não devia acontecer. Eram mundos muito
diferentes que só tiveram uma colisão por uma falha imensa do
destino.
Eram batidas o que eu ouvia da porta, mas eu não conseguia
assimilar o que ele estava falando. Eu queria ir para casa, a minha
casa.
Queria distância de Oliver, para me proteger. Para proteger o
pouco psicológico que eu tinha.
Coloquei as roupas rapidamente, abrindo meu aplicativo de
mensagens e checando que sim, havia um carro vindo até meu
endereço para que eu pudesse chegar ao destino.
Isso é tão legal!
Usei a pouca habilidade que eu tinha em maquiagem para
fazer um delineado mediano e borrar minha boca com batom. Eu
não consegui prestar atenção no que Oliver falava a partir do
momento que eu abri a porta do cômodo, mas ele parecia
incomodado com algo. Quando eu cheguei na porta, com os bichos
aos meus pés e Oliver atrás de mim, olhei em sua direção e me
permiti sorrir de maneira falsa.
— Algo errado? — Perguntei, olhando em sua direção de
maneira falsa.
— Você está estranha. — Sonso. Era isso que Oliver era.
Sonso — Tem certeza?
— Sim. Eu estou atrasada, posso ir?
Não ouvi sua resposta, mas no momento seguinte eu já
estava andando até a portaria do condomínio, pensando em
maneiras de fugir dali o mais rápido possível.
Será que ele vinha atrás de mim?
Não se iluda tanto, Anna. Não é isso que vai acontecer.
A realidade precisa que você volte para ela.
Aquele momento. Aquele mínimo e maldito momento, havia
acabado com meu dia. Eu soube disso no carro, quando o simpático
motorista conversava comigo e minhas respostas eram vazias e
curtas. Quando, na presença de Amélia, eu assinei o contrato mais
importante do meu ano e fui enviada para um salão no mesmo
prédio, onde matizaram meu cabelo e me deixaram parecendo um
mulherão.
Eu estava no salão quando meu telefone tocou mais uma vez
com o nome de Ava na tela.
Não atendi. Eu não queria falar nem mesmo com Ava. Não
falaria com minha mãe se ela me ligasse.
Não falaria com Oliver se ele me ligasse. Não falaria com
Sebastian Stan se ele me ligasse — não falaria nem com John
Legend que era um dos cantores que eu mais gostava no mundo.
Nem com Beyoncé.
Ok, talvez, eu falasse com Beyoncé se ela me ligasse.
Quando eles me liberaram, pedi um Uber de volta para casa.
Só que ele só chegaria em quinze minutos e esses malditos quinze
minutos poderiam custar a minha alma. Abri o Facebook, que era
uma rede social que eu mal entrava, e a primeira notificação no meu
feed, foi uma maldita lembrança de dois anos atrás.
Oliver, Natasha e eu.
Inferno.
Não. Eu não ia me submeter a isso.
“Cade você, Anna??? Atende o telefone!”
(Mensagem de Oliver para Anna)

Funguei, sentindo o ar parecer rarefeito ao meu redor. Eu...


eu tinha que ajeitar algumas coisas no meu Instagram.
O perfil tinha se tornado praticamente pessoal, já que eu não
tinha mais trabalhos para fazer porque as pessoas não gostavam de
mim.
Quando a internet carregou e minha biografia apareceu logo
abaixo do sobrenome que não me pertencia, senti qualquer
resquício de comida ficar preso na minha garganta. Mexi nas fotos
arquivadas, achando coisas que eu não queria ver. Muito pior que
Nat e Ollie como fantasmas em minha vida.
Marcus.
Fotos nossas.
Que ele postava escondido em meu perfil e depois arquivava
para só nós dois vermos. Eu também tinha a senha dele, por isso
nunca foi um problema para nós dois. E então eu olhei cada foto,
cada momento que passamos juntos. Cada fagulha de um possível
sentimento que podia ter aparecido se o tempo tivesse sido justo
conosco. Mas não, eu não merecia Marcus. Assim como ele
também não me merecia.
Eu... acho que no fim, realmente tinha sido horrível com ele
pelo casamento.
E agora, o karma havia chegado até mim. De alguma forma
ou de outra, parecia uma praga do destino. Mas bem, todo mundo
colhe o que um dia plantou, não é assim que a vida funciona?
Engoli o choro, a sensação de que eu vomitaria minhas tripas
ainda estava bem presente em mim. Eu podia realmente vomitar
meus órgãos naquele momento.
E então, recorri a quem sempre estava ao meu lado, não
importando quem dormia comigo ou quem era o ex-namorado de
minha melhor amiga.
Leslie.
Leslie e eu nos conhecíamos desde crianças. Éramos
vizinhas e o destino nos quis amigas, não sabemos até hoje o
porquê, já que somos completamente diferentes. Quando Natasha
podia ser facilmente minha irmã gêmea, Leslie era o oposto.
Baixinha, muita carne distribuída em seu corpo — principalmente
nas coxas, braços e bundas —, a pele negra e cachos por toda
parte. Leslie era uma das que haviam viajado comigo para Las
Vegas. Ela e Hunter, o namorado.
Eles também tinham sido a razão pela qual eu enchi a cara
de álcool e acabei a noite casada. Porque eles estavam brigando e
eu tinha tido a ótima ideia de sair só com eles.
Procurei o contato de minha amiga e mandei a mensagem.
A: Me diga alguma coisa interessante!
A resposta veio minutos depois, porque eu sabia que naquele
momento, ela provavelmente estava na cama, procrastinando para
levantar a bunda dali.
L: Eu tinha dois cachorrinhos quando era criança, Canopus e
Betelgeuse, você lembra deles? Então, eu disse que inventei os
nomes deles, mas é mentira, eles tinham nomes de estrelas.
Tombei a cabeça, absorvendo aquela informação.
Eu acreditei durante todo aquele tempo!
A: Sua mentirosa! Eu fui feita de trouxa pelos últimos 15
anos?
Eu podia ouvir a risada de escárnio dela quando a resposta
chegou.
L: Bem-vinda a vida adulta
Quando eu ia responder, outra mensagem chegou.
L: Falando em vida adulta, como anda a vida de casada?
Minha reação foi automática e o vômito preso se fez presente
na lata de lixo ao lado do banco que eu estava sentada.
Casada. Poxa, porque ela tinha que lembrar disso? Porque
as pessoas não esqueciam aquele maldito pedaço de minha vida e
deixavam para trás? Porque eu só era Anna Karlsson, agora? Eu
passei 22 anos da minha vida sendo Anna-Rose Carbain. Foda-se
esse sobrenome maldito.
Eu sou Anna-Rose Carbain.
Assim que o Uber chegou, sorri da maneira mais amarga e
sentei ao seu lado, pedindo que ele mudasse a localização para um
ponto muito bem conhecido, obrigada. Candlelight Tavern.
Quando a plaquinha verde da taverna apareceu em meu
campo de visão, um sorriso nostálgico surgiu em meus lábios.
Guardei a aliança em minha bolsa e deixei ela lá esquecida.
Paguei ao motorista e adentrei o local, a decoração era
antiga e rústica, os atendentes pareciam lenhadores e era por isso
que eu conhecia tão bem aquele bar. Meu pai era um ávido
frequentador, e isso, automaticamente, me tornava...
— Luz da minha vida! — Ouvi a voz gasguita de Candy e um
sorriso enviesado surgiu em minha frente. Candy era mulher de
Ronald, o dono do bar. Os dois eram exóticos de sua maneira.
Ronald era ruivo, tinha uma longa barba e gostava de fazer
tranças nesta, ele conseguia ser maior e mais largo que meu pai. As
tatuagens cobriam o rosto, braços, pernas, barriga e Deus sabe que
eu não tinha interesse em saber mais aonde. Já Candy era também
obcecada, mas com furos. Ela tinha alargadores nas duas orelhas,
furos por toda a cartilagem, dois piercings no nariz e um no septo,
um entre as sobrancelhas e três em cada sobrancelha. A língua
também tinha, as bochechas em cima das covinhas. O lábio inferior
tinha duas argolinhas. Ela não tinha nenhuma tatuagem, era
extremamente pequenininha, magrela e com cabelos brancos.
Sim, brancos. Não platinados, brancos. Porque ela tinha 64
anos.
E eu também não queria saber como ela mantinha aqueles
furos, devia ser algum pacto que envolvia sangue de virgens e
bebês sacrificados.
— Seu pai sabe que você está aqui? — Candy perguntou e
eu mostrei a língua para ela. Essa pergunta costumava ser
frequente quando eu fugia na adolescência para aquele bar.
— Isso parou de ter graça quando ela fez 15 anos, querida.
— Ronald surgiu, limpando um grande copo e colocando-o em
minha frente. Eles me davam bebida sempre que eu pedia, mesmo
sendo ilegal. Era só fazer carinha de cachorro e lá estava, qualquer
coisa que eu quisesse e de graça. Claro que, hoje em dia eu
pagava, mas antes não tinha dinheiro para isso — Qual vai ser
hoje?
— Qualquer uma que me faça esquecer meu nome com
menos de três doses. — Cocei o nariz, o cheiro de álcool já estava
presente. Ronald estreitou os olhos para mim, aquele aviso de que
alguma coisa ruim poderia acontecer e eu dei de ombros. Ele não
falou nada, mas eu vi quando a garrafa proibida estava bem ali —
Eu não acredito!
A garrafa proibida era absinto, eles nunca tinham deixado eu
beber antes porque sempre disseram ser forte demais para alguém
da minha idade. Eu tinha uma vaga lembrança de Rony dizendo que
só quando eu estivesse muito no lixo, iria me dar uma dose
caprichada daquele veneno.
Ok, então eu parecia mesmo estar no lixo.
— Eu te conheço bem o bastante para saber duas coisas,
florzinha. — Era assim que ele me chamava quando eu era mais
nova — Um: você precisa dessa dose mais que a garrafa, mesmo
que não seja nem meio dia. Dois: você não quer conversar sobre
isso, não é?
— Não. — Olhei para a dose e sorri amarga — Eu não vou
dar trabalho, juro que não. Só quero ficar um pouquinho tonta, eu
vou voltar para casa. Promessa de dedinho. — Estendi meu dedo
para ele, que me olhou com desconfiança, mas logo depois apertou
meu mindinho e saiu para atender outro cliente.
Cheirei o líquido verde e logo meus olhos se encheram de
lágrimas.
Mas, se me lembro bem, um ditado dizia: se a vida te der
limões...
Esprema-os nos olhos das pessoas.
Bebi de vez e quase vomitei mais uma vez, cada parte de
mim queimou e eu podia colocar fogo em alguém só com meu
hálito. Fechei os olhos com força, ainda sentindo o gosto amargo da
bebida.
Quando consegui levantar o copo vazio, logo tinha mais uma
dose linda de fada verde para mim.
Não desceu como água, queimou mais uma vez, talvez pior
que a primeira.
Eu senti o vômito subindo minha garganta.
E foi por isso que pedi mais uma. Me atrapalhei na terceira,
rindo quando meu celular tocava. Eu não conseguia ler o nome que
estava escrito lá, mas eu tinha certeza que tinha sim uma coisa
escrita.
A quarta foi quase interrompida, não queriam me dar, mas
deram. Logo depois as risadas ficaram baixas demais e eles
começaram a girar.
Porque eles estavam girando? Será que não ficavam tontos?
— Quero ir pra casa — Pedi para Candy com a pouca e
quase mínima consciência que eu tinha.
Eu estava só risadas, por mais que não estivesse ouvindo
muito o que falava.
O vinho era forte demais.
Vinho.
Espera aí...
Eu bebi vinho?
— Vinho é uma palavra engraçada, não é? — Perguntei ao
motorista do bar, ele parecia ser filho de Candy — Caaandy. Candy.
Caandyyyyyy. Por que isso é tão engraçado?
O homem começou a rir e quando eu me remexi no carro, a
aliança caiu de minha bolsa e o tilintar do metal foi mais engraçado
que o nome.
— Olha! O Ollie caiu! — Pisei na aliança, sorrindo como se
eu estivesse pisando na cara do próprio Oliver — Ih, não fale para
sua mãe que eu casei, certo? Ela vai me mataaaar porque eu não a
chamei. Mas quer ouvir um segredo? — Me aproximei de acordo
com o cinto não me enforcar — Eu não chamei nem minha mãe.
— Suponho que, como você está pisando na sua aliança do
seu casamento sem convidados, você esteja assim em pleno meio-
dia por causa dele?
— Não — Respondi rapidamente, minha língua embolando
no som das letras finais — Eu estou assim por causa de mim.
Droga, eu odeio os momentos de sobriedade na vida de
bebum.
Tossi um pouco, toda a graça do mundo tinha ido embora.
Olhei para o homem que estava me levando para casa e... como ele
sabia meu endereço? Não se pode mais confiar nas pessoas hoje
em dia né.
Eles descobrem seu endereço muito rápido. Tudo culpa do
Mark Zuckerberg.
Abaixei a janela e deixei o barulho do vento tomar conta de
mim, tirando minha vontade de vomitar. Estávamos perto de casa e
eu não entendi porque o segurança do condomínio estava vestindo
uma sunga quando eu atravessei a portaria.
Tudo estava veeeeeeeeeeerde.
Verdinho verdinho.
Como uma fada.
Tinker Bell!
Eu devia ter um gato com esse nome.
A buzina do carro parecia um caminhão de tão alta. Será que
carros daquele tamanho podiam ter buzinas daquela? Talvez...
Talvez aquele fosse o Optimus Prime.
— Ai meu Deus, obrigado! — Ouvi uma voz que eu não
queria ouvir atrás de mim e quando eu me recusei a abrir a porta,
Oliver enfiou a mão pela janela e abriu. Eu quase caí e beijei o chão,
mas parecia ter uma coisa brilhante no chão... Será que as estrelas
estavam lá? — Você tem telefone para que? Postar foto bêbada é a
única função dele?
Rolei os olhos. Papai falava assim.
Papai, cadê ele por acaso? Uh, eu precisava ligar para o
papai.
Quando Oliver agradeceu ao menino/rapaz/motorista, ele
entregou alguma coisa na mão do jogador e eu acho que era a
versão dele que eu estava pisando dentro do carro.
Minhas pernas pararam de querer funcionar e aí os braços do
jogador Oliver me pegaram pelas minhas pernas não funcionantes e
ele me carregou até dentro de casa. Ele tinha braços grossos, não
era?
Poxa, braços tão bonitos.
Me deixa checar se são grossos mesmo ou é só a bebida.
— Anna-Rose Carbain, porque você está apertando os
músculos do seu marido? — Estreitei os olhos quando eu ouvi
aquela vozinha conhecida. De onde tinha vindo?
Ih, eu comecei a ouvir coisas.
Macacos me mordam.
Olhei para o barulhinho da alucinação e vi Ava.
Ok, oficialmente, sem absinto pelos próximos vinte e oitenta e
cinco anos.
— Caramba... Ollie, eu tô vendo a Ava! — Falei um
pouquinho mais alto no ouvido do loiro e ele fez uma careta. Devia
ser o cheiro. Ou sei lá, ele podia estar com nojo de mim de novo né.
Não é para isso que homens cis servem? Procriação e decepção.
— Eu tô mesmo aqui, sua bêbada maluca! E para de gritar
porque o Evan tá dormindo! — Ela me olhou feio e eu quase senti
medo daquela criatura de meio metro de altura. Ok, ela parecia uma
formiga, talvez eu pudesse pisar nela que nem a versão pequena do
Ollie!
— Eu disse que ela estava aqui e você dizendo que não! —
Empurrei os ombros de Oliver e ele não falou nada. Me colocou no
sofá da sala e se afastou, sentando do outro lado, perto da
escadiiiinha — Evan está aqui?
— Sim.
— O EVAN ESTÁ AQUI! — Comemorei, sentindo uma mão
tapando minha boca e eu arregalei os olhos. Sequestro?
— Você bebeu o que? — Ava me perguntou e eu coloquei a
mão na boca dela.
— Não fala! Tem um pessoal aqui querendo sequestrar a
gente! — Sussurrei a segunda parte para que não ouvissem — Eu...
Você não ia vir hoje!
— Era mentira, eu queria fazer uma surpresa. — Fechei um
dos olhos, assentindo com a cabeça e rindo em seguida. Ok! Ela
tinha vindo fazer algo apimentado aqui no Colorado — Ollie me
contou tudo e eu já entrei em contato com o seu ex pelo seu número
e marquei um encontro com ele, seu marido que pediu por esse
encontro. Vai ser tudo vigiado e... — Ela começou a falar um monte
de coisa que eu não entendi, parecia... árabe? Meu Deus, será que
a Ava estava aprendendo árabe? Virado professora? Uh, a Rússia
devia ter contratado ela. Ela falou alguma coisa sobre ter apagado
tudo e eu assenti, não entendendo nada.
Olhei para o tapete branco, lembrando do quanto Ollie era
cuidadoso com ele.
Ele sempre dizia ser seu tapete favorito porque era de sua
avó, que era da avó dela e... essas coisas de velho que sempre tem
uma ligação que ninguém mais liga.
Ele não deixava nem mesmo Zara brincar lá.
Dei risada.
Com esse pensamento eu abaixei minha cabeça.
Vomitei todas as tripas e tudo que estava dentro de mim. Ou
não, eu acho que não dá pra vomitar meus órgãos.
Mas seria legal.
Olhei para a mancha de vômito verde no sofá e pensei só em
uma coisinha.
— VAI DALLAS!
“Anna-Rose Karlsson postou um story sem aliança! Será que os
comentários maldosos estavam certos e o casamento dos Karlsson
não bateu nem o recorde da Kardashian? Anna, nos conte por
favor!”
(GOSSIP CELEBS)

O banheiro estava uma bagunça. Uma bagunça total.


Anna passou aproximadamente dois dias eliminando todos os
resquícios do absinto e estava dormindo no banheiro. Sim, no
banheiro.
Eu não estava dormindo porque queria dormir lá, mas
tínhamos impasses muito grandes no quarto.
1. Meu quarto de hóspedes estava agora com
Ava e Evan ficarem, já que os pais de Anna magicamente
não estavam na cidade e tinham levado a chave de casa. E
quer saber? Era um absurdo Anna não ter a chave da CASA
DOS PAIS DELA!
2. Anna vomitava tanto que chegamos à
conclusão de que viver no banheiro social era o melhor que
podia ser feito, já que eu me recusava a limpar todos os
baldes de vômito que ela havia deixado na cozinha e na
sala. Além de claro, ter limpado todo o chão e a escada que
ela fez o favor de deixar um rastro bem notável de uma
gosma verde, eu não colocaria mais minhas mãos naquilo
pelos próximos doze anos. Ou treze. O resto da minha vida.
3. A sala estava impossível de dormir porque,
graças aos novos habitantes de nossa casa, Zara e Maya
não quiseram sair de lá ou deixar alguém dormir lá, elas não
gostaram da morena e acharam sensacional começar a latir
toda hora que veem a mulher, o que resulta em acordar
Evan e deixar todos nós mais uma vez, sem dormir.
Anna estava muito mais magra e ainda com uma raiva de
mim que eu não sabia de onde tinha vindo, ela não conseguia
comer nada além de um chá estranho que Candy — a mulher que,
mais tarde eu descobri, ser a dona do bar que Anna havia parado
para encher a bunda de cachaça — passou. Deu certo e pelo
menos os vômitos involuntários pararam, mas ela ainda não
conseguia chegar perto da cozinha ou dos baldes vomitados que eu
havia deixado esperando por ela na área de serviço externa.
Naquela manhã ela estava especialmente azeda, as olheiras
fortes debaixo de seus olhos mostravam que a noite havia sido tão
prazerosa quanto a minha. Anna havia acordado duas vezes nessa
madrugada e eu ouvi — porque eu estava dormindo na porta do
banheiro tinha ficado com medo dela engasgar com vômito — ela
dar descarga às duas vezes.
Ou era vômito ou era disenteria.
— Bom dia! — Forcei meu melhor sorriso para Ava, que
estava amamentando o filho sentada na pia. A mulher era tão
minúscula que eu juro que ela poderia caber dentro da pia, eu não
sei se ela era realmente pequena ou eu tinha só me acostumado
com uma mulher de quase minha altura dentro de casa.
Eu acho que ela era do tamanho das pernas de Anna.
Ok, eu estava exagerando.
— Bom dia! — Ela fez um aceno com a cabeça para mim e
voltou à atenção ao bebê — Ah, você não sabe o que eu consegui
fazer! — Seu tom de voz soou empolgado e eu dei graças a Deus
que pelo menos uma pessoa nessa casa estava de bom humor —
Lembra que eu disse que tinha conseguido acessar as fotos de
Marcus? Das galerias? Então, eu coloquei um programa em
qualquer aparelho que ele tente usar com a conta do iCloud dele
que, substitui automaticamente as fotos por outras e mesmo que ele
tente salvar num pen drive ou num CD, vão estar lá os novos
arquivos disfarçados dos antigos. Caso ele tente abrir uma foto da
Anna para postar ou mostrar para alguém, a prévia da foto vai
aparecer como a original e depois vai aparecer a versão nova.
— E se ele já tiver salvo a foto no pen drive? — Perguntei só
por curiosidade, eu sabia que aquela mulher era a encarnação do
capeta, como Anna havia dito.
— Meu vírus vai pegar qualquer coisa que tente usar uma
das fotos em outros dispositivos. Eu só realmente não tenho como
mexer nas fotos que ele possa ter revelado, fora isso está tudo
certo. Ah, e com prints também. Todos os prints são arquivos que
também estão disfarçados com as aparências antigas, mas são
coisas novas. — Coloquei cereal numa tigela enquanto ela falava,
assentindo com a cabeça em concordância quando terminou — Mas
eles precisam se encontrar mesmo amanhã? Sem as ameaças não
tem por que isso acontecer.
— Eu trabalho com um time inteiro de homens e além de ser
um, eu sei como alguns homens agem diante de algumas coisas.
Talvez o Marcus precise de um não pessoalmente. Ou ameaças. Ou
os dois.
— Homens... — Ela rolou os olhos e deu de ombros, apenas
sorri em sua direção e fui para a sala tomar café e aproveitar que
Anna havia saído com as meninas para caminhar, então, o sofá
ainda era meu.
Por hora.
A porta de minha casa foi aberta de repente e eu tombei a
cabeça para encarar as duas figuras masculinas que desconheciam
o sentido de uma porta.
Ben e Ed, dois folgados.
— Bom dia? — Indaguei com uma interrogação no rosto.
— Ah, oi Karlsson, Anna nos chamou pra tomar café aqui. —
Benji O’Connor disse como se estivesse falando a coisa mais
normal do mundo e eu dei uma risada nervosa.
ANNA O QUE? E o mais importante: desde quando ela era
amiga deles naquele nível?
Quer dizer, eu poderia facilmente me acostumar com a
amizade de Anna e Edward, mas agora até Benji estava no meio?
Ele não respondia minhas mensagens porque estava de férias, mas
vinha correndo no primeiro convite de Anna?
— E o mais legal foi que Anna não fez café para ninguém. —
Murmurei um tantinho azedo, apontando para a cozinha mesmo que
os dois soubessem onde ficava. Se eles quisessem comer, eles que
se servissem.
Mas na mesma velocidade que eles foram, Ed voltou
correndo e gritando.
— PORQUE TEM PEITOS NA SUA COZINHA? — Bati a
mão na testa e deixei uma risada engasgada sair de minha
garganta, ele era realmente um babaca. Logo depois, Ava chegou
com os olhos arregalados e Evan ainda no colo.
— PORQUE TEM DOIS HOMENS NA COZINHA?
— PORQUE TÁ TODO MUNDO GRITANDO? — Ben gritou
de volta, estava com a caixa de cereal na mão e comendo seco
como se nada tivesse acontecido.
Ok, eu odiava minha vida.
— Ava, você os conhece. — Uma voz mal humorada soou da
porta aberta e Anna saiu de lá com os dois cachorros no encalço,
usava roupa de corrida e óculos escuros — Você mesma dizia que
Ed era seu crush.
— Existe uma séria diferença entre Edward Groissant e
Edward Cullen, Rosie. — O tom de voz da prima de Anna saiu meio
embaraçado e eu jurei ver ela ficando vermelha, mas Ava saiu do
nosso campo de visão logo em seguida.
— Aliás, essa é a Ava, ela é prima da Anna. — Apontei para
a morena e depois para a loira — Ava, não precisa que eu
apresente os meninos, certo? Você estava os xingando ontem
mesmo.
— Oliver Karlsson! — Seu grito ecoou do andar de cima e eu
segurei minha risada — Se você falar mais alguma coisa com meu
nome, sua mulher vai ser viúva.
— Com o humor dela, não duvido que ainda ajude para que
seja viúva o mais rápido possível. — Resmunguei, rolando os olhos
e depois me virando em direção aos caras — Vamos tomar café na
rua? Por favor? — Arregalei os olhos daquele jeito me tirem daqui e
Edward foi o primeiro que pegou meu desespero no ar.
— Vamos. — Respondeu ele e deu um beijo na bochecha de
Anna em seguida, indo disparado em direção a porta. Ben ainda
estava com a caixa de cereais na mão, agindo como se aquela
fosse uma atitude normal — Benj, sugiro que entregue o cereal da
Anna antes que ela te esfole vivo.
— Alguém sensato — Dei risada de Ben, que deu meia volta
enquanto entrávamos no carro dele.
— O que aconteceu lá dentro?
Olhei para Ed com desespero saindo de minhas veias, nem
eu mesma sabia.
— Quase nos beijamos uns dias atrás e eu recuei porque
isso é errado, não é? Ela saiu de casa depois disso e voltou bêbada
como um gambá, desde que recuperou a sobriedade, me odeia.
— E você queria beijar ela? — Benji perguntou assim que
sentou ao meu lado, ótimo, ele tinha ouvido também. Ah, espera,
desde quando ele sabia? Olhei para Groissant atrás de mim e
tombei a cabeça, esperando que ele me contasse a grande
novidade.
— Eu não contei nada, foi a Anna. — Ele levantou as mãos
no ar e depois deu de ombros — Fui eu sim, mas foca no beijo
caramba, todo mundo do time meio que sabe a verdade porque
você não estava com Anna na Suécia ou no fim da liga, ou você
esqueceu que convivíamos diariamente com a vossa senhoria,
madame? Agora por favor, respostas: Queria beijar ela ou não?
— Não! — Falei num tom óbvio — Talvez. — Olhei para meus
pés e cruzei os braços — Na hora um clima foi criado, não era para
nada disso ter acontecido.
— Porque ela é amiga de minha ex-namorada. — A imitação
de minha voz que Edward fez foi horrível, só dizendo — Venha cá,
não era com a Nat que vocês estavam algumas semanas atrás?
— Era.
— E ela falou alguma coisa?
— Me ameaçou depois de passar uns dias com a gente e
disse que se eu magoasse Anna nesse meio tempo, ela me caçaria
viva e depois venderia meus órgãos no mercado de pulgas.
— Então, basicamente, ela deu passe livre pra vocês dois. —
Edward concluiu e eu dei de ombros, não tinha muito conhecimento
do código das mulheres — Anna provavelmente está melhorando a
convivência de vocês, já que ela basicamente levou um fora e vocês
vão estar juntos pelos próximos meses.
— Ok, isso é muito confuso. — Massageei minhas têmporas
e olhei para Benji — Só dá partida, por favor, eu não quero ficar aqui
por mais tempo.
Ele deu e eu arranjei todas as desculpas do mundo para
passar o resto do dia longe de minha casa, mas quando estava
ficando tarde demais, não houve uma desculpa que segurasse os
dois. Eu tive que ir e assim que cheguei em casa, encontrei Ava
com os milhões de computadores, os olhos vidrados e os reflexos
dos óculos com várias coisas que eu não entendi nem fiz questão
de entender.
— Onde você esteve? Anna fez almoço e janta, mas já saiu.
— Ela olhou em minha direção enquanto perguntava e eu senti
medo daquilo, seus dedos continuavam digitando como se ela
soubesse até em libras a posição de cada tecla.
— Ela disse que horas voltava? — Perguntei, deixando
minhas coisas no aparador e procurando os cachorros ou Evan.
— Não, disse que ia sair com Leslie e Liana, na verdade, tem
bastante tempo que ela saiu. — Ava olhou o relógio — Eu nem sei
quem são, mas você deve saber, certo?
Seus olhos grandes e castanhos me deixaram nervoso. Gucci
apareceu do nada, como se alguém estivesse chamando o demônio
e ela aparecia no momento certo. Esfregando o corpo em Ava e
miando, os olhos amarelados em mim.
Seus miados eram arrastados e ela dizia para Ava:
mentiroso.
— Sei sim. — Assenti com a cabeça, eu tinha uma breve
lembrança de Leslie, mas não fazia ideia de quem era Liana —
Conheço a Leslie, ela estava lá quando nos casamos. — Sorri de
forma amarela assim que lembrei quem era Leslie e não era
mentira, ela estava brigando com o namorado, segundo Anna, e por
isso ela começou a encher a cara. Pausei no meio da escada e olhei
mais uma vez para Piper — Quanto tempo que saiu?
— Olha, são... 21h26min. Ela saiu às cinco.
Engoli em seco, olhando para o sofá que ela tinha enchido de
vômito e lembrando dos baldes e o cheiro horrível que a casa tinha
ficado, mesmo com Ava e eu limpando tudo. Ótimo, mais uma noite
daquele jeito.
Mas como diz o ditado, falando do diabo...
A voz de Anna-Rose Carbain soou esganiçada do lado de
fora da casa e ela teve um pouco de dificuldade em acertar a
fechadura, eu conseguia ouvir o barulho da chave e a risada dela
ainda mais alta em cima disso. Parei ali mesmo e cruzei os braços,
eu não sabia quando eu tinha virado pai dela, mas parecia que Anna
queria ouvir um sermão.
Ótimo, ela quer ficar bêbada? Fique. A vida é dela e ela faz o
que quiser.
Mas eu não ia passar minha semana limpando bagunça de
alcoólatra, muito menos me estressando por criança de 22 anos. Ela
quer beber? Arque com as consequências.
Sozinha.
— Oi genteeeeeeee — Anna murmurou da porta que
finalmente tinha sido aberta e levantou os braços como se estivesse
comemorando algo super importante.
O sorriso em seu rosto sumiu e ela ficou séria, mas não era
uma cara séria normal, era aquela cara que você sabe que algo
ruim ia vir. No caso dela, coisas ruins viriam de seu estômago.
Corri até Anna e puxei seu corpo para o lado de fora o mais
rápido possível, daqui que chegássemos ao banheiro, ela já tinha
deixado mais um rastro na escada. Segurei seu cabelo e deixei que
ela vomitasse no jardim, ainda bem que as flores e a grama eram a
prova de vômito, eu odiaria vê-las murchas por causa de álcool.
— De novo? — Perguntei quando o primeiro round de
vômitos havia acabado, eu esperava que esse fosse o último, mas
não falei nada em voz alta.
E lá estava eu, ajudando-a depois de dias que ela não olhava
em minha cara.
O prêmio de idiota do ano vai para...
Mas sua atitude foi bem pior do que virar em minha direção e
vomitar em minha cara, na verdade, eu esperava que ela realmente
parasse e vomitasse em mim. Mas não, Anna virou em minha
direção e começou a chorar. Chorar. Ela se abaixou e encostou a
cabeça em meu peito, se encolhendo e chorando como se alguém
tivesse morrido bem na sua frente. Eu não soube o que fazer, passei
meus braços ao redor de seu corpo e deixei que ela chorasse em
mim, mesmo que o cheiro de bebida estivesse agoniante e me
deixasse nauseado.
— Ei... — Falei baixo, a voz mansa — O que aconteceu?
Mas ela não respondeu, só continuou chorando
copiosamente. Anna passou bons minutos chorando e só parou
quando eu acho que suas lágrimas secaram — mesmo sabendo
que isso não é possível — e mesmo assim ela não me contou o que
estava acontecendo.
Ava deu um banho nela e concordamos que a cama era
grande o bastante para caber elas duas e Evan. Com o cabelo
lavado, sem toda a maquiagem e de roupas de dormir, Anna
pareceu em paz. Mesmo que eu estivesse só um pouquinho irritado
com a mania de aparecer bêbada em casa, não pude deixar de ficar
pensando no que tinha a feito chorar daquele jeito. E como se não
bastasse isso na nossa noite estranha, Maya e Zara não tinham
feito nada comigo e ainda não dormiram no sofá, isso queria dizer:
finalmente uma noite boa de sono.
“Colorado Blizzard promove campanha pró adoção de
animais resgatados.
Iniciado por Oliver Karlsson, os jogadores promoverão um
leilão beneficente e adoção aberta ao público.”
(Colorado News)

— Acho que essa é a primeira vez que eu fico realmente feliz


em ver seu nome numa notícia nos últimos meses — Falei para
Oliver, que tinha ido orgulhosamente me mostrar a matéria sobre o
leilão.
Desde o começo, eu tinha dito que era uma ótima ideia.
Amélia discordou de mim, ficou resmungando que eventos daquele
porte não poderiam ser produzidos tão rapidamente sem
desorganizar nada.
Mas caramba, o cara é famoso, queridinho de todo mundo e
sabia convencer às pessoas com muita facilidade. Óbvio que ele iria
conseguir tudo sem nem tentar direito.
Além do que, bons contatos mudam o mundo.
E Oliver tinha ótimos contatos.
— Acho que essa é a primeira vez que eu fico empolgado
vendo meu nome numa notícia em meses — Ele respondeu,
sorrindo de orelha a orelha.
— Todo mundo do time vai? — Perguntei, era estranho ter
me acostumado com o fato de ter relações diretas com o time. O
Colorado Blizzard não era uma coisa tão distante, eu tinha me
acostumado com Natasha. Mas era estranho, eu era Natasha dessa
vez. Não a amiga de suporte emocional que eu era.
Meu Deus, eu preciso de uma Anna? Natasha seria minha
Anna?
Não, ela tinha se mudado para Califórnia, eu tinha que achar
uma Anna-Rose para ser minha amiga de suporte emocional.
Que grande merda.
— Sim, Aneska e Bash também estarão aqui.
Graças aos deuses.
— Ah, que legal. Vai ser bom ter quem conversar…
— Sim, mas o evento vai ser bem ocupado, duvido que você
se preocupe com isso — Oliver levantou, mexendo no celular
enquanto falava comigo quase no automático — Eu estou indo, vai
sair com Ava? — Concordei com a cabeça, tinha esquecido que Ava
estava ali até o momento que ele perguntou sobre ela — Te vejo
mais tarde.
E saiu.
Foi um alívio quase abismal ver Oliver sair de casa. Ouvir o
barulho do carro saindo da garagem foi ainda melhor.
Eu não sabia como agir quando estava perto dele, desde que
quase o beijei e passei os dias seguidos vomitando pelos cantos da
casa, tudo tinha virado de cabeça para baixo.
O quase-beijo foi o maior erro de todos, acho que não me
senti tão ruim nem quando percebi que tinha vomitado numa
herança da família Karlsson. A verdade é que, eu não estava
acostumada a lidar com rejeição. E o jeito que Oliver me olhou…
doeu.
Não porque era ele.
Eu não gostava de me sentir daquele jeito.
Eu geralmente ficava com borboletas no estômago caso
soubesse que gostava de alguém, mas não tinha isso com ele.
Não.
Então, eu não gostava de Oliver. Certo?
Eu sabia que não. Desde antes do casamento, eu mal
conseguia olhar na cara dele por muito tempo. Mas depois daqueles
dias em Estocolmo, eu senti que podia matar a próxima pessoa que
não me deixasse entrar no quarto dele.
Significa que viramos amigos, certo? Eu faria isso por
qualquer amigo que estivesse numa situação daquelas e com uma
família controladora como a de Oliver.
E bem, o clima ruim que ficou depois do quase beijo era
totalmente normal, ninguém fazia aquilo e ficava bem depois. Era
constrangedor para as duas partes.
Quando fomos adotar Maya, eu tinha ficado tão imersa no
livro que ao menos tinha percebido a intimidade criada por aquele
momento. Pela primeira vez, realmente não me importei que Oliver
estivesse no cômodo ao lado ou que tivesse entrado no banheiro
quando eu estava dentro.
— Anna! — Ava falou alto demais para quem estava tão perto
de mim e eu me assustei — Pelo amor de Deus, tem dez minutos
que eu chamo seu nome!
— Que mentira — Tentei me defender, totalmente sem
sucesso — O que foi?
— Você falou com seus pais sobre deixar Evan lá durante o
leilão?
Merda, esqueci completamente.
— Falei sim — Mentira — Meu pai disse que depois do
almoço pode deixá-lo.
— Ótimo, preciso de um pouco de diversão patrocinada por
pessoas ricas, sem ofensas, eu me divirto muito com você, mas
esqueço que também é rica agora.
— Eu não sou rica, Oliver é.
— E vocês são casados, uma das mulheres mais ricas do
mundo ficou assim por causa de divórcio. Rica de qualquer jeito.
Quis dizer sobre o casamento não ser real, mas já havia um
número bem grande de pessoas que sabiam do que não deveriam
saber. Ava era confiável, mas isso poderia ser uma coisa deixada
para depois.
Tratei de mandar mensagem para meu pai assim que Ava
saiu do meu campo de visão e implorei para que ele ficasse com
Evan, o que foi um pouco desnecessário porque ele nunca perderia
a chance de passar a tarde com um bebê, não quando seu maior
sonho era ser avô.
Bem, sonhar só serve dormindo.
— Oliver, cadê você? — Perguntei na caixa postal, aquele
idiota estava atrasado para o próprio evento e EU tinha que ficar
como dona daquilo aparentemente. Era tudo que mais queria, assim
como uma corda para eu poder me enforcar — Se você não
aparecer nos próximos dez minutos, eu vou bater tanto na sua cara
que… Oi, treinador Rogers! — Assim que o homem apareceu em
meu campo de visão, sorri falsamente e fingi não estar ameaçando
o querido capitão dele.
— Oi Anna, como é bom te ver! — Rogers veio me abraçar e
eu retribui, por mais que ele tivesse uma queda por gritar com os
jogadores do time, sempre tratava muito bem às namoradas e
esposas — E onde está nosso Oliver?
— Essa é uma boa pergunta — Resmunguei mais do que
respondi a ele — Não faço ideia, de verdade. Ele me disse que ia
resolver algumas coisas com Croissant e O’Connor.
— Aqueles três quando se juntam parecem crianças, mas
você se acostuma com o tempo.
Eu? Me acostumar?
— Mas não se preocupe, logo eles chegam! — E como se
tivesse feito algo para chamar o capeta, o triozinho ternura apareceu
como se nada tivesse acontecido.
Só que eles não estavam sozinhos.
Bash e Aneska vinham logo atrás.
Assim como um cara lindíssimo e enorme. Meu Deus, ele era
jogador de hockey também?
E depois, ninguém mais ninguém menos do que Dikker
Heckmann.
Hensel Becker.
E uma Libanesca muito grávida.
Comecei a gritar antes de chegar perto deles.
Não sei exatamente o que foi falado quando Libanesca e eu
nos vimos, mas soou muito como gritos e mais gritos e gritos que eu
não conseguia identificar e mais gritos estranhos — aqueles de
filmes onde meninas se encontram e sai da forma mais
estereotipada possível. Daquele jeito mesmo.
— Você está tão linda que eu poderia te beijar! — Fui a
primeira a falar algo coerente, apertando Lib com tanta força que eu
acho que o bebê poderia nascer ali mesmo — E esse barrigão?
Olha que coisa linda! Mas como diabos vocês vieram parar aqui?
Isso era o que você tinha que resolver? — Virei para Oliver
aumentando o tom de voz — Libanesca está vindo para a cidade e
você nem me fala?
— Eu vim para cidade por você, criança — Lib gargalhou, me
dando um beijinho no braço — Aneska me contou desse evento que
seu marido estava organizando e depois de muita terapia e muitos
testes, achei que vir para um lugar cheio de cachorros que eu morro
de medo me faria um pouco melhor.
— Você é ridícula! Que saudades — Abracei Lib mais uma
vez — E bem, eu preciso ser apresentada ao resto porque vocês
dois — Apontei para Aneska e Bash — Eu vi um dia desses, não
tem nem mais graça.
Aneska mostrou a língua para mim e Bash o dedo. Eles dois
eram sensacionais.
— Dikker Heckmann — Dikker estendeu a mão e eu contive
muito a vontade de dar uma risadinha afetada porque o homem era
lindo demais. Dikker era da altura de Oliver, tinha olhos castanhos e
cabelo da mesma cor. O homem tinha uma beleza bastante comum,
mas o charme dele que matava quem passava por perto.
Honestamente, eu poderia falar que ele é um deus grego mesmo
não sendo isso tudo. Lindo. Meu tipo de homem: aquele com a
beleza questionável e o caráter ainda mais.
— Muito prazer, Anna-Rose — Tentei não soar atirada porque
meu suposto marido estava lá, inclusive, segurando a risada
enquanto percebia que eu não sabia fingir normalidade. Eu não
acompanhava futebol, não fazia ideia do que esse cara fazia nos
campos. Mas todo jogador de futebol também vira modelo quando
quer e nossa… às campanhas de cueca eram tudo — E você é? —
Perguntei para o loiro lindo, ele tinha um rosto muito conhecido e
que eu sabia estar encarando demais.
De onde eu conhecia aquele homem?
Mas, infelizmente, a cara dele não era das mais amigáveis no
mundo.
— Benjamin Schnetzer, é bom conhecer uma colega de
profissão. Oliver me disse que é modelo.
Engoli em seco, só naquele momento percebendo de onde
diabos eu conhecia o rosto que valia milhões. Benjamin era só um
dos modelos mais bem pagos do mundo. O cara era tipo, um deus
entre a indústria da moda, além de sempre manter uma pose
impecável e nunca, nunca, ter tabloide algum falando mal dele.
— Eu tento ser — Respondi sem graça — É bom te
conhecer… E agora, você — Apontei para Hensel — Você está
ficando careca.
— Eu tenho mais cabelo que você, Anna. — Hensel me
abraçou e logo, todos começaram a ter conversas barulhentas e
muito calorosas.
Me afastei do pessoal, puxando Oliver comigo.
O evento iria ser dividido em duas partes. Agora, pela manhã,
iria acontecer a adoção aberta ao público. Todas as ONG’s e
abrigos foram chamados e a Senhora Edmund, dona do abrigo em
que adotamos Maya, foi a responsável por essa reunião. Cada lugar
tinha seu stand diferente e os animais estavam em cercadinhos e
gaiolas — os gatos que não estavam acostumados com as guias.
Haveriam palestras sobre a importância de vacinação e
castração de animais domésticos e para adoção de qualquer
bichinho, era pago uma taxa simbólica de 30 dólares que cobriria
despesas dos abrigos.
E de noite, o leilão. Cada jogador havia doado algum objeto
de valor emocional — e que, para fãs do esporte, seriam como
raridades da modernidade.
Se tinha quem pagasse, qual o mal daquilo?
— Você está duas horas atrasado!
— Oi Oliver, obrigada por fazer uma puta surpresa para mim!
Você é sensacional, lindo e cheiroso — Ele imitou minha voz e eu
quis socar sua fuça — Eu estava ocupado, não é?
— Olha, eu amei a surpresa. De verdade! Mas tive que
assinar meio milhão de contratos por você, tive que escolher onde
as coisas seriam colocadas, quais comidas deveriam servir
primeiro… Todas essas pessoas são sua equipe, Oliver. São
contratados por você, não por mim. E se qualquer coisa der errado,
vai ter a minha assinatura naqueles papéis.
— Não vai dar nada errado, fica calma. Vai dar tudo certo,
você é mais organizada nessa parte do que eu, aposto que leu cada
contrato e todas as linhas antes de assinar tudo. Se algo der errado,
eu me responsabilizo, ok? — Assenti com a cabeça e ele me beijou
na bochecha.
Meu estômago girou com tanta força que eu achei que fosse
vomitar.
— E outra coisa… — Oliver sussurrou, olhando para os
outros e rindo ao perceber que sim, todos os olhos estavam em
cima de nós dois — Se você realmente for se preocupar com algo…
— Ele enrolou uma mecha do meu cabelo nos dedos, enquanto
colocava a mão na minha cintura — O leilão hoje com certeza vai
ser muito pior.
Merda.

Ao menos escondi meu suspiro pesado quando vi o que


estava naquela caixa.
O vestido era branco gelo e de seda. Depois de vestir, pude
apreciar verdadeiramente a obra prima que era.
O decote reto e drapeado era colado no corpo até a linha da
cintura, a saia tinha um caimento fluído, mas que não era rodado
graças a abertura enorme que vinha até minhas pernas.
O maior detalhe eram as costas abertas, as alças eram finas
e seguravam o vestido num decote quadrado até meus quadris.
Eu me sentia uma… uma deusa.
E honestamente, fizeram meu cabelo! E minha maquiagem.
E eu estava num quarto de hotel enquanto tudo isso
acontecia porque o maior time do estado estava organizando um
evento luxuoso e eu era convidada de honra. Na verdade, eu era
quase dona da porra do evento.
Isso era incrível e assustador.
Eu não sabia como era ter alguém decidindo o que eu iria
vestir em eventos desse porte, era algo muito fora da minha
realidade.
Meus olhos pareciam ainda mais castanhos com aquela
maquiagem, minha boca estava rosada e os pequenos detalhes
dourados em meu rosto não passavam de detalhes. Era simples,
mas majestoso. Eles cachearam meu cabelo e colocaram um
aplique que ia até o meio de minhas costas, pareceu um pouco
pesado, mas me acostumei.
Eu poderia ser facilmente uma princesa de tão linda que
estava.
Uma deusa.
Qualquer coisa que exalte a beleza de uma mulher, porque
eu me sentia a rainha do mundo.
— Anna? — Ava chamou do outro lado da porta. Os
maquiadores e cabeleireiros haviam saído para que eu pudesse me
vestir.
— Pode entrar!
Ava entrou e ela estava linda. O vestido era preto e curto,
colado ao corpo mas parecido com o meu, plissado na cintura e com
uma pequena fenda na coxa. Ela estava de coturnos, lábios
vermelhos e maquiagem quase tão escura quanto os cabelos.
— Você está linda! — Cantarolei e a coloquei ao meu lado no
espelho — Vamos tirar uma foto.
Fizemos uma série de poses até que alguém batesse mais
uma vez na porta.
Oliver entrou antes que eu deixasse.
E, uau.
— Eu vou deixar vocês dois sozinhos — Ava disse e piscou o
olho para mim, disse um “vai com tudo, garota” silenciosamente e
saiu como quem não quer nada.
Safada.
— Você pode me ajudar com a gravata? — Oliver perguntou
e eu confirmei com a cabeça.
Foi uma péssima ideia.
Ele estava de preto da cabeça aos pés em um terno de três
peças.
Sua camisa social era preta, a gravata de seda pendurada
em sua mão. O blazer estava aberto e a camisa ainda por fora da
calça. Engoli em seco ao pegar a gravata em sua mão, fiz o nó
como costumava fazer em meu pai e puxei a ponta do tecido para
fora, não deixando nem apertado demais nem muito folgado.
Oliver colocou a blusa para dentro e eu fiz de tudo para não
olhar.
— Você está linda — Sua voz soou rouca de tão baixa.
— Obrigada, você também — Abotoei seu blazer até o limite
e tentei não suspirar a imagem que estava diante de mim.
Desde quando Oliver tinha se tornado bonito para mim?
Desde quando ele falava baixo e o meio de minhas pernas reagia?
Desde quando sua mão encostava em meu braço e eu sentia
arrepios por todo o meu corpo?
Que inferno.
Oliver estava deslumbrante.
Seus olhos eram castanho escuros, pareciam mais profundos
que o normal. Sua barba estava baixa e aparada num tamanho
compreensível, por mais que eu tenha percebido que ele ficava mais
charmoso com a barba por fazer. Nunca soube realmente quanto ele
tinha de altura, mas com os saltos eu estava de igual para igual.
Seus olhos estavam juntos aos meus olhos.
Seu nariz estava junto ao meu nariz.
Sua boca estava na mesma linha que a minha.
— Rosie — Quase suspirei, não sabia como agir quando ele
me chamava daquela maneira — Seu perfume cheira bem.
— Obrigada — Levantei meu pulso até seu rosto, mesmo
sabendo que passar perfume naquele lugar era inútil, sempre fazia
por costume.
— Não é esse… — Oliver segurou meu pulso e cheirou mais
uma vez — É algo mais… doce. Calmo. — Antes que eu pudesse
fazer algo, Oliver cheirou meu pescoço. A ponta do seu nariz
deslizou pela minha pele, fechei os olhos por impulso e quase não
senti vergonha do suspiro que saiu pela minha boca — É o seu
cabelo. Ele cheira bem.
— Se chama hidratação cara.
— Combina com você. O cheiro.
Sorri.
— Combina como?
— O cheiro é gostoso.
E como quem tinha acabado de jogar um balde em minha
cabeça, Oliver saiu.
“Olha só o Evan dormindo!”
(Mensagem de Joseph Carbain para Anna-Rose)

— Meu pai não para de mandar fotos do seu filho dormindo


— Disse para Ava, mostrando mais uma vez uma das milhões de
fotos que papai havia feito de Evan.
— Esse homem precisa de um neto com urgência… Sabe, eu
nunca fui aquela pessoa que fica enchendo o saco de uma mulher
para ter filhos logo e falar de instinto materno e aquelas bobagens…
Mas olha você e olha Oliver, esse filho ia nascer lindo demais.
Engoli em seco, eu ainda não tinha me recuperado do que
aconteceu no quarto do hotel…
Quer dizer, quando qualquer homem gostoso esfrega o nariz
em seu pescoço, obviamente você vai querer que ele esfregue o
nariz em sua boceta.
E depois a boca.
E aí a língua.
É como o tesão funciona. E no momento, eu me encontrava
frustrada. Completamente frustrada porque a coisa mais
interessante que eu poderia fazer era achar alguém que pudesse
acabar com a necessidade de dar para alguém que eu sentia. Mas
não.
Não.
Quando eu estou completamente gostosa, linda e cheirosa
num evento cheio de homens gostosos, lindos e cheirosos, eu não
posso dar para nenhum deles porque a porra do evento é de meu
marido. Que porra de marido.
Porra.
Eu preciso de sexo.
Eu preciso de um vibrador pequeno o bastante para eu enfiar
em minha bolsa e ir ao banheiro fingir que… vou fumar. Ou que vou
passar dez minutos retocando o batom enquanto um barulho
engraçado sai de uma das cabines.
Inferno.
— Anna-Rose Karlsson — Meu nome foi chamado por uma
voz desconhecida e eu virei em sua direção. Ava ao menos
disfarçou a cutucada que estava dando em meu quadril.
Ok.
Aja naturalmente.
Existiam jogadores ótimos como Oliver e existiam lendas do
hockey como Avan Ekoris.
E Avan Ekoris estava na minha frente agora.
Falando comigo.
— Olá — Respondi casualmente — Muito prazer…?
Desculpe, eu não sei o seu nome.
Eu podia sentir o olhar de Ava de quem estava prestes a dar
risada.
— Mil perdões, seu marido me disse que você não era fã de
hockey… — Meu marido, ugh — Avan Ekoris, eu me aposentei há
algum tempo.
Eu sabia bem a quanto tempo ele estava aposentado.
Avan era jogador do Dallas e sua história era bem parecida
com a de Oliver. Quase igual, na verdade. Veio do Canadá, pais
suecos. Estudou quatro anos em Harvard enquanto mantinha o
melhor time do país em hockey universitário. Saiu da faculdade aos
22 anos e de cara, foi contratado pelo Dallas. Com dois anos de
time, foi eleito capitão e assim ficou até se aposentar, doze anos
depois.
E aqui estávamos nós.
O Dallas sempre brigava com o Colorado quando se tratava
da NHL, era quase como um monopólio.
Outros times sempre disputavam o terceiro lugar, porque a
briga era quase injusta para o primeiro e segundo. Oliver era um
monstro no gelo, assim como Avan tinha sido.
E depois que ele se aposentou, o Dallas começou a perder
um pouco o destaque.
Li em uma página do Instagram que ele havia sido convocado
para ser treinador, mas não quis porque finalmente podia ficar com
suas filhas.
E a única razão pela qual eu sabia disso tudo era que,
Natasha e eu sempre fomos completamente obcecadas por ele.
Como em algum momento de sua juventude, minha mãe foi
obcecada por Tom Cruise ou Ricky Martin.
Na adolescência, Robert Pattinson era tudo para mim.
Depois disso, Carla Bruni.
E aí, Avan Ekoris.
Chegava a ser injusto com todo o resto.
— Avan! Sim, Ollie já me falou sobre você — Brinquei com o
canudo de meu drink, tentando não parecer que eu estava mesmo
querendo dar em cima dele — Jogava no Dallas, correto?
— Sim, correto. Joguei minha vida toda em Dallas.
— Isso mostra fidelidade, grande qualidade, eu diria — Sorri
em sua direção — Fez alguma doação para o leilão?
— Sim, doei o disco do meu primeiro jogo na liga
profissional.
— Ah, isso é fofo — Avan tinha cabelos loiros e olhos azuis.
Ele era lindo. Parecia um pouco com o marido de Libanesca, só que
tinha a barba raspada e deveria ser mais alto.
Não senti vontade de falar mais nada ou de sorrir. Eu sentia
como se fosse errado o que estava fazendo, mas ninguém podia
dizer que eu estava dando em cima dele. Era quase mais
internamente do que para as pessoas perceberem.
— Já foi leiloado? — Ava perguntou e só agora eu tinha
lembrado de que ela estava comigo — O seu disco.
— Não, até agora só o jantar com os jogadores.
— Esses jantares são individuais? — Mais uma vez, Ava
perguntou.
— Não, os jogadores estão leiloando individualmente.
— Oliver também, Anna?
— O que? — Perguntei, nem tinha me ligado no que eles
estavam falando. Só conseguia pensar em alguma pessoa
percebendo que eu tinha interesse em dar uns beijos no Avan.
Será?
— Oliver vai leiloar um jantar individual?
— Sim, vai sim,
— E você não liga? — Avan perguntou e não sei porque, seu
tom de voz me incomodou. Parecia… sugestivo — Quer dizer, os
fãs costumam assediar bastante os jogadores nesses jantares.
— Porque eu ligaria? — Bebi um longo gole de minha bebida,
olhando Avan no fundo dos olhos. Ele estava insinuando que Oliver
poderia me trair.
Que filho da puta.
— Bem, você sabe…
— Sei o que? Me explique, Avan. Porque eu ligaria que meu
marido vai jantar com um fã?
— Porque pode ser uma mulher.
— E…? Eu não estou entendendo, você pode por favor me
explicar nos mínimos detalhes?
— Não seja tola, mulheres são atiradas — Eu poderia jogar
uma garrafa na sua cara naquele exato momento — E não é todo
mundo que resiste.
— Bem, Avan Ekoris. Você está no meu evento sendo
extremamente sexista e me deixando desconfortável, pode ser até o
presidente que iria comprar o jantar com qualquer um desses
jogadores, se algum movimento não solicitado foi feito e acabou
sendo recíproco, vai do seu caráter. E não seja tolo, homens como
você não tem caráter algum.
— Ekoris — Oliver falou em algum lugar atrás de mim e eu
pude suspirar de alívio — Vejo que você está importunando minha
esposa.
— Karlsson — Ele olhou Oliver da cabeça aos pés — Vejo
que subiu de nível no romance, a última quase não falava.
Ele me segurou antes que eu fosse em cima do idiota.
— Vejo que você não se arrepende de ter sido expulso do
time, é bom quando as pessoas ainda acham que você é um herói,
não é? Seria terrível se soubessem da verdade — Assim que Oliver
terminou de falar, surgiu um tipo interessante de medo nos olhos de
Avan. Karlsson chegou por trás de mim e passou um dos braços ao
redor de minha cintura. Merda.
E outra coisa: expulso do time? Qual era a verdade? Eu
precisava dessa fofoca na minha mesa agora.
— Sabe, você foi mencionado na nossa casa há alguns
dias…
— Você não consegue tirar meu nome da boca, Karlsson.
— Não, foi a Anna na verdade — Olhei para Oliver surpresa,
eu? — Ela vomitou no chão e saiu verde. Igualzinho a você.
Avan olhou Oliver dos pés à cabeça mais uma vez, como se
estivesse medindo-o.
Quis começar a rir e percebi que Ava também estava
segurando às gargalhadas que poderiam sair de sua garganta a
qualquer momento. Merda. Isso estava muito bom.
— Foi péssimo conhecer você, Avan — Falei com um sorriso
tão forçado que deveria mostrar todos meus dentes — Agora, se me
der licença, meu marido precisa muito me contar porque você foi
expulso do time. Até mais.
Puxei Ava e Oliver com toda força que eu tinha para mais
longe. Oliver podia até segurar um pouco, mas ele era um fofoqueiro
de primeira. Ia me contar querendo ou não.
— Conta logo — Pressionei o homem assim que chegamos
num canto mais reservado.
— Pois é, Oliver, conta logo — Ava reforçou minha fala e
Oliver percebeu que ele não tinha muita saída naquele momento.
Ou contava por bem ou contava na força do ódio.
— Não sei porque vocês ficam tão empolgadas com coisa
ruim — Oliver rolou os olhos e eu quis bater nele pela demora —
Avan dormiu com a mulher do treinador.
Pisquei duas vezes.
— Era isso? Dormiu com a mulher do treinador?
— Que fofoca chata.
— E ela engravidou já estando grávida do treinador. E eles
tiveram lindos gêmeos que são totalmente diferentes porque são de
pais diferentes.
O que?
— Isso é possível? — Perguntei, tão chocada quanto poderia
estar.
— Acho que sim, em American Horror Story isso acontece
com um dos personagens.
— Mas é uma série, não pode ser usado para embasamento
científico.
— Sim, Anna, é possível. O treinador disse que se Avan não
saísse do time, ele sairia e espalharia a fofoca. Avan foi expulso,
mas mascarou com “uma aposentadoria” — ele fez aspas com as
mãos — E aí, um tempo depois o treinador saiu também.
— Isso sim é fofoca de qualidade — Peguei o primeiro drink
que passou na frente e pude finalmente me sentir aliviada por saber
da fofoca inteira — E qual o problema entre vocês dois?
— Ele assediou a Nat muito tempo atrás e ela jogou
champanhe na cara dele. Depois saiu dizendo para todo mundo que
minha namorada estava insatisfeita o bastante na cama para
procurar qualquer outro que pudesse suprir suas necessidades — O
que? Quando isso aconteceu? Como? Onde? E porque eu não
sabia? — Natasha ficou com tanta vergonha que não veio mais
comigo em nenhum desses eventos e acabou… vocês sabem,
ficando com uma fama ruim entre as esposas dos jogadores porque
elas achavam que isso era verdade.
O feminismo que me perdoe, mas, que bando de vacas.
— E Natasha me deixou falando que o cara era o amor da
minha vida mesmo sabendo de tudo isso? Preciso rever minhas
amizades com urgência — Peguei mais um drink porque a vida é
essa — Agora, se vocês me dão licença, eu vou conversar com
pessoas famosas.
Porque eu fiquei um pouco chateada pelo segredo não
contado da minha melhor amiga para mim.
Um pouco mesmo.
Não aquela chateação enorme que o mundo ia acabar.
Mas a chateação básica que iria passar em uma ou duas
horas.
Fui até a mesa que Libanesca e Aneska estavam
conversando animadas sobre alguma coisa do chá e fiquei ali
mesmo, distraindo meus pensamentos para que eles não me
levassem de volta para aquele quarto de hotel.
Muita coisa tinha acontecido e eu sentia que não estava
processando metade delas.
Quer dizer, Oliver tinha me chamado de gostosa e acendido
um fogo não autorizado entre minhas pernas.
O cara que eu achava O Máximo era um assediador de
bosta.
Minha melhor amiga guardou um segredo grande de mim —
mas eu casei com o ex-namorado dela, então aquilo era até bom.
O maior problema de todos era que em algumas horas, esse
evento acabaria.
E eu estava com álcool demais no corpo para dirigir para
casa.
Também não sabia o que fazer para explicar estar em outro
quarto que não fosse o de Oliver.
Muito menos não aparecer para o café da manhã entre
pessoas que eu gostava, amanhã.
Inclusive para minha prima que estava hospedada na nossa
casa.
Então ou Oliver dormia no chão.
Ou alguma coisa muito engraçada iria acontecer hoje.
“Você viu Anna-Rose em algum lugar, cara? Ela sumiu!”
(Mensagem de Oliver para Edward)

— Você já procurou no banheiro feminino? — Ed perguntou,


como se não fosse o primeiro local que eu tinha olhado.
Claro que não entrei eu mesmo. Pedi para Ava checar e ela
também não achou.
O leilão havia acabado e tudo de bom que poderia ter
acontecido, aconteceu. Conseguimos dinheiro o bastante para
reformar e tratar os animais e mais os que chegassem por muito
tempo. Todos os abrigos de Denver estavam em jogo, então aquilo
foi muito bom.
Mas, nesse meio tempo, eu tinha perdido Anna no meio da
multidão.
O que não era nem de longe a coisa mais esperta a se fazer.
— Você já procurou no quarto? — Ed, provavelmente pela
primeira vez na vida, foi mais rápido e esperto que eu. No quarto! —
Oliver, me diga por favor que eu não rodei isso tudo para você não
ter olhado no quarto ainda.
— Esqueci — E era a verdade. Eu estava tão focado no
evento que mal tinha percebido que o quarto era a opção mais
viável de todas — Vou olhar agora, me desculpa você é lindo, te
amo.
— Eu não sei o que você faria sem mim…
E assim que concordei com o que ele tinha falado, sai
correndo.
Passei o cartão no momento que cheguei e o barulho vindo
do banheiro era mais comum do que eu gostaria…
— Anna? — Chamei como quem não quer nada e a primeira
imagem diante dos meus olhos foi o vestido jogado no chão.
Travei meus pés na hora.
Ela ainda estava vomitando no banheiro.
— Anna? Posso entrar?
Não houve resposta, mas Anna tinha o terrível costume de
perder a consciência com a cabeça dentro de um sanitário ou pior,
cair no chão e engasgar em vômito.
Na verdade, eu não sabia qual das duas opções era
realmente pior.
— Eu estou entrando… — Anunciei antes de colocar os pés
dentro do banheiro.
Anna estava dentro da banheira completamente vazia. O
sanitário estava cheio de vômito de pura bebida, e eu fechei a
tampa, dando descarga antes que o cheiro ruim deixasse o local
inabitável.
— Posso ficar? — Anna concordou com a cabeça e se
encolheu ainda mais na banheira. Ela estava com os braços ao
redor do corpo, talvez cobrindo os peitos porque eu sabia que ela
estava sem sutiã, o vestido tinha um decote grande demais para o
uso do sutiã ser algo visivelmente bonito, como Anna havia me dito.
Bem, eu não tinha visto calcinha no chão jogada, então pelo
menos isso ela ainda vestia.
Sentei no sanitário fechado e virei o corpo em sua direção,
tirando o blazer do terno e entregando para ela.
— Vista — Pedi. Anna podia ficar levemente confortável com
nudez, mas ainda assim era algo que me incomodava um pouco.
Claro que eu não ficava desconfortável com toda nudez, como
qualquer adolescente cujos pais não sabiam ensinar nada sobre o
corpo humano e a sexualidade das pessoas, tive bastante contato
com revistas de mulheres peladas e pornografia. Anos mais tarde e
muitas namoradas depois, me explicaram que aquilo era errado e
todas aquelas coisas de discurso pronto. Mas eu tinha idade o
bastante para transar com quem eu quisesse e quando eu quisesse,
então me livrar daquilo não foi exatamente algo terrível e desafiador.
Mas naquele momento Anna parecia tão vulnerável que eu
fiquei… com vergonha.
Como se fosse eu pelado na frente de uma multidão de
conhecidos.
— Eu ia ligar a água — Sua voz parecia tão fraca que meu
coração doeu. Ela estava há pouco tempo sorrindo e alfinetando as
pessoas, porque agora parecia que uma retroescavadeira passou
por cima dela?
— Não tem problema.
E não tinha.
No meu closet haviam mais vinte iguais a ele.
Ela assentiu com a cabeça e eu me virei para que Anna
pudesse vestir o blazer. Quando voltei meu olhar para cima dela, ele
estava abotoado.
— Você vai me dizer o que aconteceu?
— Você não fica mal com isso? — Eu sabia que ela estava
falando do casamento — Mentir para as pessoas assim, enganar
nossa família.
— Claro que sim — Fui sincero — Mas não posso deixar isso
me afetar agora.
— Eu não sei como você consegue… Honestamente, toda
vez que Piper Ava faz uma brincadeira sobre eu ter casado com um
jogador ou meu pai manda mensagem perguntando como as coisas
estão na vida de casada, isso me mata. Muito.
— Eu tenho uma profissão cujo ponto principal é apanhar
para um caralho e ainda ter forças de bater nos outros e continuar
jogando, eu diria que é costume — Ela sorriu com minha piada e foi
quase uma brisa cheirando a hortelã de tão aliviado que me senti —
Vamos, me dê espaço.
Tirei o celular do bolso e tudo importante.
— O que? — Anna não entendeu.
— Me dê espaço para entrar na banheira. E ligue a água.
— Não acho que caiba nós dois aqui.
— Então coloque suas pernas em meu colo.
Anna não acreditou em mim até eu realmente entrar na
banheira e puxar seus pés para meu colo. Seus olhos mostravam
total descrença e tinha até um sorrisinho divertido em seus lábios.
Ela estava linda daquele jeito.
— Agora você pode ligar a água?
Ela levantou um dos braços para ligar a torneira quente e eu
vi um reflexo dos seus seios debaixo do blazer. Fingi que não, por
mais que ela tivesse uma mancha curiosa em um dos seios e eu
tivesse ficado levemente interessado em ver mais.
A manchinha, claro. Não os seios.
Tive a impressão de que parecia o México.
— Você estava mal só por aquilo, correto? — Ela concordou
assim que se ajeitou de volta ao seu lugar de origem. Consertei
suas pernas em meu colo, o cheiro bom que ela emanava parecia
ficar mais forte com o vapor da água subindo.
— Sim.
Mentira. Eu sabia que ela estava mentindo.
Tinha outra coisa deixando Anna mal e eu não sabia o que
era, não conseguia nem chegar perto do que poderia ser, na
verdade.
— É a questão com Marcus?
Seus olhos se arregalaram levemente quando ela ouviu o
nome dele.
— Eu não quero falar sobre isso.
— Anna… Eu sou a pessoa mais próxima de você no
momento e também culpado por essa situação, fala comigo.
— Oliver, eu não quero falar.
— Por favor, não gosto de ver você assim.
— Porque você se importa? Por que isso afetaria a sua
carreira?
— Anna… — Meu tom de voz tinha saído um pouco
magoado — Fala sério, com casamento “duradouro” ou não, a coisa
que mais afetou minha carreira foi ter dormido com a melhor amiga
de minha ex-namorada.
Ela não falou nada depois disso.
Mas ainda parecia mal.
Ainda parecia que poderia ter uma crise de choro ou vomitar
a qualquer momento.
— Meu maior problema é que eu não posso ter um conforto.
Eu não posso querer aliviar meus problemas com sexo ou querer
desabafar sobre às coisas ruins que estão acontecendo com
ninguém. Porque eu sou casada com você e isso seria traição. E
também porque eu não tenho amigos o bastante para chamar algum
deles e pedir para me comer porque eu desesperadamente preciso
de sexo.
Merda.
Eu quis poder falar que não tinha problemas em comer ela.
Quis poder falar que eu iria aliviar qualquer coisa que ela
estivesse sentindo.
Por Deus, eu quase pedi para Anna sentar na minha cara
naquele exato momento porque ela estava muito gostosa com
minha roupa.
Mas só imaginei e ajeitei minhas pernas o bastante para a
porra do meu pau ficando duro não fosse notado.
— Eu sou seu amigo — Quase não falei aquilo.
Porque era errado.
Desde quando Anna havia se tornado o tipo de pessoa que
eu cogitaria transar?
E porque ela ficava tão gostosa de cabelo molhado?
Engoli em seco, ajustando a calça.
— Para todos os efeitos, eu já transei com você, lembra? —
Anna gargalhou e eu fui junto, ainda bem que ela não tinha
reclamado do meu comentário — E você é o meu problema. Eu não
posso reclamar do problema com o dito cujo. Não teria sentido.
— Você tem razão, isso é um milagre.
— Ah, vai tomar no cu, Karlsson — Anna estava
genuinamente gargalhando e mesmo que eu não gostasse de ser o
único afetado, era bom ver ela sorrindo — Eu quero dormir aqui —
Sua frase saiu baixa o bastante para que eu ouvisse por pouco.
— Não pode dormir na banheira cheia de água.
— Mas eu posso dormir no seu colo e você vai me carregar
para a cama depois.
— Não quero você na minha cama toda molhada.
Anna me olhou de forma maldosa e eu sabia que ela tinha
entendido o outro sentido daquela frase. Sorri da mesma forma e
finalmente, não me importei.
Qualquer coisa que acontecesse entre nós dois ficaria entre
nós dois.
— Posso sentar no seu colo?
— Não, Anna. Não pode.
— Porque não?
Sonsa.
Sorrindo como uma diabinha.
Eu vou morrer.
— Porque eu estou de pau duro.
Fui completamente sincero e foi a melhor coisa que poderia
ter acontecido.
Anna ficou completamente vermelha e segundos depois,
começou a ter uma crise de riso. Completamente envergonhada e
mesmo assim, parecia entender o que eu estava sentindo. Ela não
parecia incomodada pela minha sinceridade, muito menos por
minha situação atual.
— Tudo bem — Ela levantou mesmo assim, a calcinha
graças aos deuses era preta e consequentemente, não tinha como
ficar transparente — Você malha, suas pernas são duras também.
Vai ser só mais uma coisa dura sendo pressionada contra minha
bunda.
— Anna… — Falei como um aviso.
Ela não ligou.
Sentou no meu colo e ajustou o corpo para que pudesse
apoiar sua cabeça em meu ombro.
— Eu fiquei molhada quando você esfregou seu nariz em
mim, nada mais justo que você fique duro e com raiva porque não
podemos transar. Isso se chama reparação histórica.
— Isso é uma briga que não podemos ver quem ganha.
— Oliver, eu estou casada com um homem que até um dia
desses eu não gostava. O casamento é uma mentira, meus pais
acham que é verdade e minha avó está fazendo tricô para os filhos
que não vamos ter. Enquanto isso, do outro lado temos um time
inteiro que está comprando essa história ridícula, uma ex-namorada
incrivelmente compreensiva e mais mentiras do que eu posso contar
nas duas mãos — Anna gesticulava de forma lenta, como se a
bebida tivesse misturado ao sono e conforto e o cansaço finalmente
estivesse batendo na porta — Não existem ganhadores, em
qualquer momento no meio disso nós vamos perder.
Não respondi.
Não consegui pensar em nada, na verdade.
Anna estava certa.
Anna estava completamente certa.
Era impossível passar meses convivendo diariamente com
alguém e continuar odiando a pessoa. Ou você estava fazendo de
tudo para ter propositalmente uma convivência terrível, ou você era
uma pessoa ruim.
E rapidamente, Anna e eu descobrimos que nossa relação
poderia sim ser baseada numa coisa boa.
Numa amizade que até então não existia.
— Você acha que Marcus vai ceder? — Mudei de assunto,
não aguentava mais pensar no que isso estava se tornando.
— Eu sei que não.
— Vale a pena tentar, Anna? Ava não consegue resolver tudo
sem você precisar ir até ele?
— Consegue, mas ainda assim, não é o suficiente.
— Tem certeza? — Eu não gostava daquela situação em
nada.
— Absoluta, Oliver. Eu preciso ir até lá.
— Tudo bem — Beijei seu cabelo, fechando os braços ao
redor do seu corpo como se isso fosse o bastante para protegê-la —
Mas não podemos ficar nessa banheira para sempre, você sabe.
— Você é muito chato, Oliver Karlsson.
— Eu sei disso, Anna-Rose Carbain — Cheirei seu cabelo
mais uma vez, sentindo aquele aroma era a coisa mais rara do
mundo — Você vai ficar doente.
— Não se você pegar minha toalha.
A empurrei levemente para que pudesse sair da banheira e
fui pegar sua toalha. Entreguei para ela e sai do banheiro, molhando
o quarto e olhando para aquela cama enorme, agradecendo aos
céus que o sofá daquele quarto era tão grande quanto.
Me sequei e troquei de roupa antes que Anna voltasse.
Quando ouvi o barulho dela se jogando na cama, suspirei
aliviado.
Que noite infernal.
“Esteja lá às 15h em ponto.”
(Mensagem de Marcus para Anna-Rose)

Foi perto das nove que elas começaram a fazer barulho.


Anna ainda estava um pouco quieta, mas com um sorriso no rosto
— o que já era muita coisa. Brincava com Evan quando cheguei à
cozinha e Ava estava fazendo ovos mexidos.
Nos últimos dias, poucas coisas a deixavam alegre.
Dei um bom dia bem cansado, apesar da noite calma de
sono, e me juntei a Anna nas brincadeiras com um Evan agitado e
risonho.
Nos últimos dias, Anna estava estranhamente quieta.
A risada da criança era tão gostosa que eu senti vontade de
sequestrar ele para mim. Nem percebi quando comecei a fazer a
brincadeira do Cadê o tio Ollie? Achou!, quando na verdade eu já
estava fazendo.
Anna parou a brincadeira dela e eu senti seu olhar em cima
de mim. Fiquei receoso de olhar de volta, não sabia se o bom humor
era graças ao bebê e se, eu tentasse falar algo e saísse qualquer
besteira, ela ficaria de péssimo humor novamente.
— Qual o horário que você marcou com o Marcus mesmo? —
Perguntei, finalmente virando em sua direção e qualquer que fosse
o brilho que seus olhos pudessem ter, não havia mais.
— Três. — Murmurou, olhando para Evan — Hoje é dia de
lavar roupa e é a sua vez, boa sorte.
— Ei! — Protestei, encarando a loira — Não é o meu nada,
eu lavei da última vez.
— Não, eu lavei! — Claro que não, eu havia lavado.
— Aposto cinquenta dólares que fui eu que lavei e vou adorar
assistir você lavar. — A desafiei, porque eu tinha certeza absoluta
que eu havia lavado da última vez.
— Eu lavo suas cuecas por um mês se você estiver certo,
mas como eu sei que você não está... Vou adorar gastar seu
dinheiro. — Ela piscou para mim e eu quase suspirei aliviado, havia
ainda alguma coisa dentro dela que não estava opaca. Aleluia —
Vamos olhar na grade do quadro branco.
— Vamos.
Sim, tínhamos uma grade de responsabilidades. Noite da
louça, quem lavaria a roupa, quem lavaria o carro ou a garagem.
Era muito bom não ter que fazer tudo sozinho, para variar um
pouco.
Quando chegamos ao quadro branco, não havia nada.
Nadinha. Estava todo branco e sem uma palavra sequer. Olhei para
Anna sem entender, mas ela já tinha os olhos de águia em cima de
Ava, que coçava a cabeça e ria de forma nervosa, como se
estivesse pedindo desculpas.
— Então... — Ela deu de ombros e colocou os ovos na mesa,
como se não fosse nada — Eu meio que fui me esconder da Zara aí
dentro e me esbarrei no quadro, com as costas. E manchou, eu fui
tentar limpar com a mão e manchou ainda mais e então... eu passei
álcool em tudo que tinha escrito para disfarçar minha mancha. Bem,
limpou, não foi? E eu tenho certeza que vi seu nome lá, Ollie.
— Isso! — Anna comemorou e eu rolei os olhos.
— Ou foi o da Anna? — Piper colocou a mão no queixo e
sorriu ainda mais amarelo — Talvez vocês dois devessem lavar as
roupas juntos. É mais fácil e não tem briga.
Olhei para Anna, que deu de ombros. Tudo bem, se ela fosse
me ajudar não tinha realmente problema. Fui para a área de serviço
ligar a máquina de lavar e ela foi para o quarto procurar o cesto de
roupa suja.
Comecei a colocar o sabão em pó e me distraí por alguns
segundos quando Ava me chamou, foi um pouco mais do que o
necessário, mas nada que fosse desastroso. Anna chegou e
começou a separar as roupas e eu fui na sala, pegar algo que Ava
havia pedido. Quando Anna terminou, apertou todos os botões
necessários e sentamos na cozinha para colocar nosso plano em
dia.
Ava tinha uma escuta — eu não perguntei como ela tinha
uma e nem como tinha conseguido — e uma câmera muito
pequena. A escuta estaria em Anna e a câmera já havia sido
colocada em um local apropriado para pegar no local que Anna e
Marcus se sentariam. A intenção era documentar qualquer ameaça
que ele pudesse fazer a ela para usar como prova na denúncia que
iríamos abrir contra ele.
A máquina de lavar fez um barulho estranho e Anna se
levantou para ver o que era, quando eu ouvi um barulho de queda,
levantei correndo e fui em sua direção para ver o que tinha
acontecido, mas, eu caí no meio do caminho e quase em cima de
Anna.
O motivo? Nossa área de lavar estava completamente cheia
de espuma.
Me arrastei até a tomada só para puxar da parede e evitar
que morrêssemos eletrocutados, mas a espuma estava me
encharcando e eu havia perdido Anna no meio dela. Puxei o cabo e
a máquina parou de espumar e o demônio que estava dentro dela
saiu.
— O que você fez? — Anna gritou comigo e eu finalmente
consegui enxergar ela no meio da espuma, ok, tinha muita espuma.
Ava apareceu na porta, começou a rir da gente e saiu em
seguida.
— O que você fez? Eu só coloquei um pouco a mais que o
necessário, eu já fiz isso antes e acredite, não causa essa confusão
o sabão no pote.
— Você colocou sabão no potezinho? — Ela gritou e parecia
perplexa.
— É o que as pessoas fazem quando vão lavar roupa!? —
Perguntei, como se fosse óbvio.
— EU COLOCO DENTRO DA MÁQUINA, JUNTO COM AS
ROUPAS.
Opa.
— Isso é culpa sua! — Joguei espuma em sua direção —
Você que lava a roupa errado. Olha isso! — Empurrei mais espuma
na direção dela e quase vi minha vida indo embora só pelo olhar
que ela me deu.
— Se você assumisse que era seu dia de lavar a roupa, nada
disso teria acontecido! — Ela jogou um amontoado de espuma em
meu rosto e quando eu joguei de volta, só tive tempo de ver Anna se
jogar em cima de mim e começar a passar a espuma por qualquer
parte de mim que estivesse em seu alcance.
Tentei revidar, mas ela estava sentada em minhas pernas.
Segurei sua cintura com força e puxei seu corpo para o lado,
trocando nossas posições e deixando ela jogada no meio da
espuma dessa vez. Deixei meus joelhos apoiados no chão para eu
não precisar sentar em cima dela e passei espuma por cada pedaço
de seu cabelo, pegando um punhado com a mão e esfregando nela
sem dó nem piedade. Quando Anna começou a engasgar no meio
das risadas, eu parei e cruzei meus braços, olhando para ela de
uma forma forçadamente autoritária.
— Admita que eu estou certo — Exigi.
— Eu precisaria morrer para isso! — Seu tom de voz saiu
mais birrento que o meu e eu me aproximei o bastante de seu rosto
para fazer um bigode de espuma nela.
— Ollie, você estava certo, eu sou a culpada disso tudo e vou
limpar a área de serviço sozinha.
— DEUS ME LIVRE! — Tentou se soltar de meus braços e eu
segurei ambos com as mãos e acima de sua cabeça, não
apertando, mas colocando força.
— Vamos lá, não é tão difícil.
— A roupa ainda está suja, Oliver. — Ela resmungou,
fechando os olhos e respirando fundo.
Foi aí que eu percebi: Anna tinha uma pintinha muito
pequena perto da boca, quase invisível a quem olhasse sem prestar
atenção.
Sua boca era convidativa de um jeito estranho, era como se o
formato fosse mais bonito que o das outras bocas.
E eu não sabia se era o sabão por toda parte — e até podia
ser —, mas ela cheirava bem de um jeito absurdo.
Quando ela abriu os olhos, eu não me assustei por estar
sendo observado de tão perto. Ela também não o fez, ficou me
fitando com aqueles olhos curiosos e eu senti sua respiração bater
contra mim, senti seu coração começar a ficar mais forte e com
batidas mais ansiosas.
Mas aí, ela disse o que eu não vi chegando.
— Se você me beijar, eu saio por aquela porta agora e nunca
mais volto.
Soltei suas mãos rapidamente e levantei as minhas em sinal
de rendição.
— Você já sentou seminua em meu colo, não é como se um
beijo fosse a coisa mais estranha de todas.
Anna estreitou os olhos para mim como se me acusasse de
algo que não fiz.
Eu não ia beijar ela, claro que não, só estava observando seu
rosto de perto.
Assim como fiz na noite do leilão.
Quando ela estava sentada em meu pau completamente
duro. E sabia daquilo.
Nada demais estava acontecendo ali.
Anna se desvencilhou de mim por completo e levantou,
começando a tirar a espuma de cima do corpo. Quando ela
terminou, não havia um pingo de emoção em sua voz ao proferir a
frase seguinte.
— A bagunça é sua, boa sorte.
E saiu, como se nada tivesse acontecido.
Eu quase podia ver Ed ao meu lado, dizendo bem feito seu
mané e Benj rindo de minha cara por aquela cena icônica. Ok, eu
merecia. Eu definitivamente merecia aquela patada. Fechei a cara e
comecei a limpar tudo.
O resto do dia passou lentamente e depois de almoçarmos,
Ava e eu arrumamos as coisas no carro. Ela ia ficar numa
lanchonete que foi escolhida justamente por ter outra bem ao lado,
vizinha de parede. Estaríamos nessa lanchonete monitorando tudo e
com o computador de Ava em mãos para conseguirmos nos manter
a parte de tudo.
Depois de muita insistência, Edward acabou vindo junto.
Anna não parecia animada, na verdade, ela estava verde.
Não tinha comido muito na hora do almoço e nem tirado um cochilo
depois dele, a maquiagem cobria em parte a cara de cansaço e
doente. Os cabelos estavam lavados e davam a ela uma aparência
mais animada, assim como a roupa.
Chegamos às duas e quarenta, ele não havia chegado e nos
posicionamos. Anna pediu algo, Ed, Ava e eu fomos para a
lanchonete do lado, Evan estava dormindo e testamos todo o
equipamento.
Estava tudo funcionando e eu pedi comida para acelerar o
processo do encontro dos dois.
Sairia tudo conforme o planejado: ele iria fazer as ameaças,
usaria a história de Vegas e ameaçaria vazar qualquer que fosse o
que ele queria vazar dela. Anna já tinha mudado a senha do
Instagram e do iCloud dela, mexido em tudo que ele tinha a senha e
rastreado apenas os dispositivos dela para que não aceitasse
nenhum novo. Todas as conversas deles dois haviam sido alteradas
por Ava e ninguém acharia rastro nenhum dela por lá.
A mulher era um gênio.
— Anna? — Ava chamou e Anna deu um pulo na tela do
notebook.
— Oi?
— Teste. Tapa aí a sua escuta para eu poder testar a câmera.
— Ela o fez e virou para a câmera — Fala aí.
— Você é linda.
— Obrigada meu amor, eu sei. — Ava riu e olhou para a tela
— Você vai se sair bem, se esse otário falar qualquer merda,
comemore, ele pode ir para a cadeia por isso.
— E você pode ir por alterar os documentos dele?
— Claro que sim, mas ninguém vai saber que eu toquei lá. Só
a Rússia, mas eles estão do meu lado, então... Acho que estamos
livres hoje.
— Ótimo, eu não queria ser preso hoje. Amanhã pode ser? —
Perguntei só para quebrar o clima terrível que estava ali. Eu sentia o
nervosismo de Anna e queria ir lá consolar ela, a coitada estava
quase vomitando. O que não era muito incomum, desde que nos
casamos, Anna havia se mostrado uma ávida fã do ato de vomitar.
— Você veio.
A voz de Marcus soou do outro lado
Anna pulou mais uma vez na tela e eu coloquei o outro fone,
Ava colocou para gravar a partir daquele momento e eu suspirei
fundo, sentindo meu coração começar a ficar agitado demais. Ok,
quem ia vomitar ali era eu.
— Eu disse que eu vinha. — Ela mexeu no cabelo,
claramente desconfortável — Podemos adiantar logo com isso? Eu
tenho compromissos.
— Com o seu marido? Eu imagino que sim. — O tom daquele
homem era desprezível e doentio. Ele devia estar bem longe da
sociedade, isso sim — Mas vamos ao que interessa, sim?
— Sim, por favor. Quando você vai apagar as minhas fotos?
E parar de me ligar? Eu não sei se você percebeu, mas nós
terminamos, Marcus.
— Só porque você casou com seu jogador de estimação não
quer dizer que você não vá enjoar dele como faz com todos. —
Engoli em seco e deixei meu ar sair lentamente, pedi mais um
refrigerante e uma porção de batata frita. Eu precisava comer para
me distrair — Eu estou aqui para te dar o melhor negócio.
— Eu não vim negociar, Marcus. — Ela estava ficando mais
feroz, ótimo. Tudo o que Anna não precisava parecer era medrosa
— Eu vim tirar você por completo da minha vida. Colabora comigo,
caramba. Você é novo, é bonito, tem uma ótima carreira pela frente,
me esquece.
— Anna está sendo muito mais paciente do que eu seria —
Ed murmurou ao meu lado e eu concordei. O cara não encanava por
nada.
— Anna... — Marcus segurou a mão dela e meu rosto se
transformou em uma careta logo em seguida — Nós temos algo tão
bom, você não gosta do Oliver. Eu te perdoo, eu esqueço tudo o
que você me fez passar e nós começamos de volta, eu nem preciso
esperar seu divórcio se você quiser.
— Marcus... Não. Aceita, para de viver na porra do passado.
Você é passado. Ollie é meu presente e meu futuro, não você. Você
nunca foi nada, nunca. Nós gostávamos de transar e erámos
monogâmicos, só isso, nem tínhamos um namoro de verdade. Você
precisa ir e me deixar ir.
— É isso, não é? Eu não tenho dinheiro, eu não tenho o
patrimônio que ele tem, os contatos que ele tem. Você é uma vadia
mesmo, sempre soube que era, mas agora eu tenho certeza.
Casada com o ex-namorado de sua melhor amiga! Você já dormia
com ele, não era? Quando ele e Natasha namoravam, com certeza
já.
Eu podia ver um brilho no rosto de Anna e quis ir lá enxugar
aquelas malditas lágrimas.
— Você acha mesmo que é dinheiro? Isso só prova o quanto
você não me conhece. — Ela enxugou o rosto e olhou para ele —
Eu estou me fodendo para o dinheiro que Ollie tem ou não tem. Eu
não dormi com ele quando ele namorava a Nat e mesmo que
tivesse dormido, isso é um assunto meu e dela. Mas sabe porque eu
estou com ele e não com você? Porque você nunca, nunca, vai ser
um por cento do homem que Oliver é.
Foi aí que eu senti minha visão ficar embaçada.
Como se uma nuvem estivesse pousada sobre mim.
Porque Marcus não respondeu Anna, não gritou ou fez
vexame como eu achei que ele ia fazer.
Ele meteu a mão na cara dela.
E depois de novo.
E mesmo quando eu pulei por cima do notebook de Ava e
derrubava todo mundo que vinha na frente, não conseguia
descrever o que eu tinha sentido naquele momento. Era como um
chute no estômago, como se qualquer esperança de vida fosse
arrancada drasticamente de você e nada pudesse ser feito em
relação a isso.
Entrei no restaurante e as pessoas estavam em cima dos
dois, uma mulher batia forte em Marcus com uma bandeja prateada
e tentavam empurrar ele de cima dela, mas lá estava a cena que
quase me fez chorar.
Anna estava no chão, os olhos inchados e um corte no lábio.
Sangue estava em seu rosto. Marcus tinha as mãos dele ao redor
do pescoço dela, os olhos de Anna estavam tão arregalados que eu
achei que iam pular.
Empurrei todo mundo mais uma vez e deixei toda a raiva
tomar conta de mim enquanto eu empurrava aquele canalha para
longe de minha esposa.
Quando Marcus finalmente saiu de cima de Anna, minha
primeira reação foi dar um murro em seu nariz e o barulho de algo
quebrando foi como melodia para meus ouvidos.
Depois disso foram só mais gritos, eu não conseguia
perceber o que estava fazendo, nem mesmo quando ele começou a
sangrar e Anna gritava atrás de mim.
Minhas mãos agiam por si só e eu fazia só o que elas
mandavam.
Não havia mais som, não havia ruído algum e nem nenhuma
outra cor no mundo, apenas o vermelho.
Foi aí que meu nome começou a ser chamado.
Abafado no começo, mas depois começou a ganhar vida e eu
senti a mão no meu ombro, a voz gritando meu nome atrás de mim
e os olhos machucados e desesperados de minha mulher
alcançaram meu campo de visão.
— Você vai matar ele. — Ela conseguiu segurar minha mão
antes de mais um murro — Não faça isso, não suje suas mãos.
Assenti, sem reação alguma. Foi aí que eu senti minhas
próprias lágrimas e comecei a chorar, apertei Anna contra mim com
toda a força que eu tinha.
Eu quase a tinha perdido.
Eu quase perdi a chance de ter Anna em meus braços.
De ouvir sua risada esganiçada.
De reclamar das pernas longas demais que me empurravam
na cama.
De ver ela e Gucci planejando a dominação do mundo.
De fazer alguma piada com os peitos dela e receber um
travesseiro na cama.
Eu quase perdi a chance de amar ela. Porque depois disso,
não haveria mais nada.
Foi aí que eu percebi: eu queria amar ela. Eu podia amar ela.
— Eu sinto muito, eu sinto muito... — Fiquei repetindo contra
a sua cabeça até que seu choro ficasse mais baixo e o sangue
parasse de escorrer.
Eu sentia tanto.
Tanto.
E eu sentia ainda mais por quase perder Anna-Rose Carbain
sem mostrar o mais importante: que ela valia a pena.
“Oliver Karlsson ainda está respondendo o processo por
agressão aberto pelo modelo Marcus Wilhelm. O capitão do
Colorado Blizzard foi preso e solto no mesmo dia por agredir
Marcus, testemunhas afirmam que foi legítima defesa, mas o
advogado do modelo afirma que as provas contra seu cliente foram
compradas.”
(NHL News)

— Você tem certeza de que não quer que eu vá com você?


— Oliver perguntou no que parecia ser a milésima vez desde que
chegamos ao aeroporto e eu tinha medo de ser extremamente
grossa com ele.
— Oliver, eu tenho certeza. — Respondi e sorri de maneira
fraca, ainda doía que eu fizesse qualquer esforço, então eu não
podia forçar muito — Você está começando a ficar irritante com toda
essa preocupação! — Falei um pouquinho mais alto, chamando
atenção de algumas pessoas ao meu redor. Claro que, eu estava de
maquiagem e ninguém podia ver o estrago em meu rosto, mas não
queria dizer que eu não sentia como se todas as pessoas do mundo
estivessem olhando para mim.
— Mas eu... — Ele tentou falar e parou no meio do caminho,
olhando para o nosso redor e vendo que estava começando a
chamar atenção — Desculpa, estar por perto o tempo inteiro, eu...
Só estou com medo. Muito medo. Eu não passo um dia sem ter
malditos pesadelos com aquela tarde e eu não sei... — Passei o
dedo ao redor das feridas em suas mãos e soltei o ar lentamente.
— Eu vou para Alemanha e volto em alguns dias — Não dei
muita escolha para ele e sorri mais uma vez, tentando passar
alguma paz — Eu vou ficar na casa de Libanesca, Oliver. Aneska
estará comigo lá, vamos nos encontrar em Berlim para ir para
Dortmund, seus amigos vão estar lá! Você conhece todos eles,
ninguém vai fazer nada comigo, as pessoas não são iguais, Ollie.
Marcus não estará lá.
Oliver suspirou mais uma vez e mais forte que as anteriores,
cada pedaço de seu corpo mostrava cansaço e eu sabia que ele
queria ir para casa e tentar dormir um pouco. Mas também sabia
que ele ficaria aflito cada segundo de viagem até que eu mandasse
uma mensagem dizendo que estava na casa com Aneska.
Ou pior, eu tinha medo que ele só conseguisse ficar bem
quando eu estivesse em casa.
— Me desculpe... Eu não sou assim. — Ele passou as mãos
nos cabelos bagunçados — Eu só estou com medo de te perder.
— Tudo bem. — Ouvi a última chamada para meu voo e
beijei sua bochecha, segurando o passaporte e minhas coisas com
força — Mas Ollie... — Me afastei, olhando em seus olhos com uma
expressão triste — Você não pode perder algo que não tem.
Não consegui ficar para ver como ele me olhava, como seus
olhos refletiam o que ele tinha acabado de ouvir.
Eu tinha tantas coisas para dizer para Oliver, coisas que
estavam entaladas em minha garganta e faziam até minha
respiração doer.
Porém, eu tinha falado o que não queria falar.
O que estava entalado sim, mas que ele não precisava ouvir.
Não nesse momento.
Quando eu tinha quinze anos, minha mãe me proibiu de
xingar dentro de casa. Foi muito difícil para mim, como adolescente
com todos os hormônios à flor da pele, eu queria xingar. Vejam só,
eu fui uma menina criada entre lenhadores e mecânicos, eu sabia
todos os xingamentos que alguém pode saber, porém, minha mãe
ganhava de mim nesse quesito, ela não era filha de nada disso, era
esposa. E meus pais namoravam desde a adolescência, o que
significava que ela sabia tudo isso também.
Sem meus geniais xingamentos de mecânico e lenhador, eu
fiquei desolada. Batia meu pé e tinha que parar na metade para não
ver uma sandália voando em minha direção ou ficar de castigo.
Foi aí que eu tive a ideia mais brilhante que uma adolescente
poderia ter: xingar em outras línguas. A palavra que eu mais usava
era inferno, minha mãe odiava porque dizia que atraía coisas ruins
para nossa casa.
Então, eu fui para o Google e adquiri meu novo acervo de
xingamentos.
Iad. Isihogo. Helvete. Hölle. l'infern. Hel. Põrgu. Helvíti.
Ifrinn...
E eu criei uma entonação diferente para cada inferno
dependendo do nível de amor que eu tinha pelo país, um jeito de
falar que era quase como desgraça e merda num pedestal.
Nenhum desses infernos que eu criei podiam definir o que eu
me encontrava nesse exato momento.
As duas últimas semanas foram as piores da minha vida.
Pior que qualquer vez que eu já achei ter sido a pior.
Marcus estava preso e seu julgamento tinha sido transferido
para o fim do mês, eu não consegui sair da minha cama pelos
primeiros três dias e tudo sempre era um borrão. As ameaças
tinham sido gravadas e a surra também.
Ava acabou sendo inútil, já que as ameaças dele e nossas
mensagens acabaram vindo a calhar como prova da manipulação
que ele estava fazendo. Como se o destino já não fosse filho da
puta o bastante, o advogado dele processou Oliver, que estava
respondendo por agressão! POR AGRESSÃO!
Porque eu, com todos os machucados que estava sendo
obrigada a carregar, pela dignidade inexistente, pela preocupação
que causei aos meus pais, pelo ataque cardíaco que quase dei em
todo mundo, já não era prova o suficiente do motivo pelo qual Oliver
quase havia matado Marcus.
A emergência do hospital tinha sido uma confusão extrema.
Não que eu lembrasse de muita coisa, minutos depois que Oliver
finalmente parou de bater em Marcus, eu desmaiei.
Acordei com borrões claros demais e voltei a dormir. Doze
horas depois, eu finalmente estava consciente.
Nada quebrado, graças aos deuses.
Meu pescoço estava com grandes e espaçosas marcas roxas
de mãos, as de minha perna já haviam adquirido um tom
esverdeado, não lembro como ele conseguiu machucar minhas
pernas, mas acho que foi colocando o peso do corpo nos joelhos e
apertando na coxa. Os pequenos arranhões na minha clavícula já
tinham parado de incomodar e estavam só na casquinha. Meus dois
olhos estavam roxos, mas não inchados. O melhor de tudo, era que
ele havia partido minha pálpebra móvel. Sim, partido.
E os machucados estavam tão emaranhados que eu tinha
cicatrizes da testa até perto do nariz.
A maquiagem cobria a maioria das coisas, mas eu ainda
sentia.
Marcus batendo no meu rosto, seus dentes se forçando
contra minha pele, seu corpo me jogando no chão e a batida contra
o piso. Eu ouvia os gritos das pessoas, via a garçonete batendo na
cabeça dele repetidas vezes com a bandeja e por fim, Oliver
jogando Marcus do outro lado da lanchonete, de um jeito e raiva que
eu só via em filmes.
E eu achei que Oliver o mataria.
Por segundos, eu quis que Oliver o matasse, mas eu pensei
nele. Pensei na carreira dele.
Pensei no quanto Oliver seria prejudicado caso ele tivesse
uma morte em suas mãos e em como eu estava sendo egoísta
querendo algo daquele nível.
E se eu tinha achado que aquele momento era um inferno
terrível, eu não sabia o que me esperava a seguir.
A mídia caiu matando em cima, falando várias coisas sobre
Ollie e se perguntando se ele sabia o tipo de relacionamento que eu
mantinha antes dele. No que Oliver estava se transformando. Na
traição que estava em jogo. Claro que, o mundo não era só aquilo e
houveram pessoas que disseram coisas reconfortantes, que
disseram a verdade.
Que procuraram a verdade.
Oliver e eu, sem muitas escolhas, tivemos que optar pelas
redes sociais para se pronunciar sobre o assunto.
As pessoas já haviam visto vídeos amadores do momento, já
haviam visto as fotos que tiraram e publicaram, então, eu tinha que
colocar tudo em jogo.
Tirei fotos dos machucados, coloquei meu coração para
trabalhar numa mensagem sobre isso e desliguei o telefone no
momento que as fotos foram publicadas.
Oliver tinha se tornado super protetor.
Qualquer inferno de proteção possível.
Ele perguntava se eu estava bem em todos os momentos. No
banho. Quando eu estava comendo. Quando eu estava escovando
os dentes. Quando eu estava fazendo xixi. Quando eu estava
editando fotos. Quando eu respirava.
E isso não era uma coisa ruim, eu sabia que ele estava tão
afetado quanto eu, mas eu precisava de espaço. Precisava respirar.
Com alguém que não me olhasse com pena, ou de forma diferente
porque eu havia sido espancada pelo meu ex-namorado em público
e meu atual marido quase o matara.
Eu estava quase no corredor de passagem para o avião
quando olhei para trás uma última vez, só para confirmar o que eu já
tinha suspeitado: Oliver estava lá, parado, me olhando como se eu
tivesse acabado de pisar em todos os sentimentos dele.
E isso era doloroso, era sim.
Mas ninguém ligava para o quanto ele havia pisado nos
meus.
Porque eu sei que ele começou a agir diferente depois da
manhã que saiu com Ed e Benji. Ele devia ter ouvido algumas
coisas dos amigos e em poucas horas, já se achava no direito de
dar em cima de mim.
Quando ele havia me rejeitado, dias antes, ninguém
conversou comigo, ninguém ficou do meu lado ou ouviu o quanto
aquilo tinha me magoado.
Agora, se ele tivesse contado isso para os outros, eu seria a
malvada.
Mas eu não estava irritada com isso.
Não era certo estar verdadeiramente irritada com os
sentimentos de Oliver. Eu não podia pedir que ele forçasse algo ou
tentasse sentir algo que não iria acontecer. Eram pequenos passos,
desde quando eu percebi que queria beijar ele até o momento em
que estávamos juntos numa banheira.
Eu sabia que eram passos que partiam para uma mudança
na relação.
Mas não o bastante.
Até o desastre.
Depois disso, Oliver fazia todas as minhas vontades.
Perguntava sobre tudo, como eu já mencionei antes. Fazia carinhos
excessivos em mim e olhava como se fosse chorar a qualquer
momento pelo menos cinco vezes por dia. Quando Ava estava
prestes a ir embora, eu ouvi ela perguntar para ele porque ele
estava agindo daquela maneira.
Ele respondeu que achou que ia me perder.
E eu nunca me senti tão insignificante na vida de alguém
como naquele momento.
Nunca me senti tão ridícula por estar na beira da morte e só
ali, com um fio de vida me segurando na Terra, a pessoa que eu
dividia uma casa percebia que eu importava em alguma coisa.
Tão... dispensável.
Mas eu também me esforçava para entender o lado dele e
perceber que sim, as pessoas tinham a sua velocidade de aceitar as
coisas, tinham sua maneira de sentir e ninguém, absolutamente
ninguém, é obrigado a amar você. Por mais horrível que isso soe
numa situação como essa, as pessoas são livres e amam essa
liberdade.
E deuses, a viagem que eu havia marcado meses antes
nunca tinha sido tão útil.
Eu me arrependia muito de ter chegado a perguntar para
Oliver que tipo de país era a Alemanha, que não tinham fotógrafos
bons para que uma alemã tivesse que contratar alguém na América
para tirar as fotos de seu chá de bebê. Por todos os paraísos, eu
nunca tinha amado tanto a minha habilidade de fazer amizades até
com postes.
Porque lá estava eu, indo fotografar um chá de bebê no meio
da Europa e longe o bastante de todos os problemas que eu queria
que ficassem em Denver.
Depois de alguns filmes no avião e mais pensamentos que eu
gostaria, anunciaram que estávamos chegando em Berlim. Mais
rápido que eu havia entrado, estava no desembarque com minhas
malas e à procura da arquiteta.
Mas em vez disso, haviam dois homens enormes há alguns
metros de distância, atendendo alguns fãs e tirando fotos com
outros.
Me aproximei devagar, parando ao lado da pequena multidão.
— Oi, será que você pode autografar minha blusa? —
Perguntei, vendo os olhos de Sebastian pararem em minha direção
e a piada ficar presa em seus lábios — Para a pessoa que eu
deveria buscar no aeroporto.
— Anna! — Ouvi meu nome ser chamado em meio a um grito
e do outro lado do aeroporto, Aneska estava correndo em minha
direção enquanto carregava quatro copos de café. Ela rapidamente
os entregou para Bash e pulou em minha direção — Como você
está?
— Sendo sufocada por um duende, você? — Abracei ela de
volta, gargalhando com sua preocupação e empolgação — Atendam
seus fãs que Ane e eu vamos comer longe de uma multidão,
voltamos já.
— Quem é o gatão com o Bash? — Foi a primeira coisa que
perguntei para Aneska porque aparentemente, o inútil do marido
dela não sabia apresentar às pessoas.
Bem, não apresentar no sentido romântico, mas eu nem
sabia o nome do cara que iria viajar conosco.
— Alessandro Salvatore.
— Ugh, um vampiro — Brinquei — Ele é jogador do
Dortmund?
— Não, ele joga aqui em Berlim. Jogava em algum time
espanhol, não faço ideia qual…— Aneska pareceu tentar lembrar,
mas sem sucesso — Obviamente, ele é italiano.
Concordei com a afirmação quase óbvia.
— Encontramos ele aqui no aeroporto e eles ficaram
conversando.
— Ah, então ele não vai para o chá também?
— Não, foi só uma coincidência mesmo.
Aneska e eu conversamos e batemos perna pelas duas horas
que ficamos esperando nosso avião decolar até Dortmund, a viagem
não demorou muito e eu não sabia se tinha sido rápida mesmo ou
era o adicional Aneska e Bash ali, me distraindo de tudo.
Ao chegarmos no aeroporto de Dortmund, eu comecei a odiar
automaticamente a cor amarela.
Tudo era amarelo, eu parecia que tinha usado alguma droga
que me fazia enxergar apenas coisas amarelas. Comentei
rapidamente com Aneska sobre isso e senti que ela quase me
matou por falar uma besteira daquela sobre a cidade que respirava
futebol. Mais à frente de nós, havia a confirmação de que eu não
estava no lugar errado — o que eu sempre sentia pegando aviões
sozinha, meus pais me passavam segurança e mesmo que meu pai
fosse mais atrapalhado que eu, se estávamos com a mamãe,
estávamos com uma bússola ambulante.
A confirmação tinha pouco mais de um metro e meio, cabelos
longos que a deixavam ainda menor, roupas que pareciam ter saído
de uma loja de produtos exotéricos e muitas, muitas pulseiras nos
braços.
Na placa em sua mão, eu sorri por ver meu nome.
ANNA CARBAIN
Quando ela viu que nos aproximávamos, começou a acenar e
fazer barulho com as pulseiras.
— Graças a Deus que vocês chegaram, eu achei que tinha
perdido os três e já estava com medo de voltar de mãos vazias. —
Ela soltou o ar de forma aliviada e eu quis rir de seu modo de falar.
Parecia um vídeo de ASMR. O sotaque britânico era pesado e
misturado com o alemão, as palavras pareciam bem mais difíceis
quando ela as pronunciava — Eu sou a Tolkien. E você deve ser
Anna Carbain, a fotógrafa.
— Não, Nik. Certamente a fotógrafa é ela, não sua amiga que
você conhece há um milhão de anos e tem que aturar sua cara
sempre.
— Vai catar coquinho, Aneska. E porque eu tive que buscar
vocês? Você e Bash conhecem a cidade mais que eu, não faz
sentido.
— Porque estamos cansados e você é nossa criada — Bash
foi quem respondeu
— É um prazer te conhecer, Tolkien — Estendi a mão para
apertar a sua e ela apertou, a mão leve e macia, mas logo depois
soltou e fez uma pequena reverência para mim.
— Eu estava muito animada para te conhecer pessoalmente
— Tolkien sorriu — E me chame de Nik.
— Mas seu nome não é Tolkien?
— Nikolaj é meu sobrenome, acabou pegando o apelido
quando eu era mais nova. Por não ter muitas opções de apelido a
partir do meu nome.
— Seus pais gostam de Senhor dos Anéis?
— Amam — Ela rolou os olhos e percebi que Bash e Ane
andavam à nossa frente, como se quisessem nos deixar mais à
vontade uma com a outra — Era isso ou Galadriel.
— Sorte então que você não nasceu homem, eles teriam
colocado o que?
— Gandalf — Tolkien sorriu de orelha a orelha e eu percebi
que aquele era o tipo de mulher que você ficava obcecada.
Além de ter a típica beleza fantástica — o que eu definia
quando a pessoa era bonita mas estranha. Linda, mas tem traços de
quem saiu de um filme de fantasia e provavelmente seria uma
sereia ou ninfa —. E veja bem, não considero isso uma ofensa
porque sou eu quem encabeço a lista de beleza fantástica. Eu sou
bonita, mas às vezes sinto que meus traços são de sereias
malvadas e isso me entristece um pouco.
Mas ainda sou uma sereia malvada, tem um lado bom nisso.
Mas Tolkien… ela era leve.
Seria com certeza uma fada.
Tinha um jeito mais solto, se vestia como se sua
personalidade fosse definida por aquilo e parecia flutuar ao redor de
todos.
Tolkien deveria ser aquele tipo de pessoa que todo mundo
gosta.
— Meu nome é Anna-Rose, não tem graça nenhuma nisso.
— Você tem nome de flor também! — Tolkien bateu palmas e
o barulho de suas pulseiras ecoaram. Será que ela cheirava tão
bem porque estava afundada em maconha? Fazia sentido — Isso é
muito legal.
— Qual flor está no seu nome?
— Camellia!
— Tolkien Camellia Nikolaj, seu nome é bonito!
— Não, Tolkien Camellia Constantinova Nikolaj.
Uau.
— Seus pais são criativos.
— Eu sou adotada — Ela respondeu e já estávamos no
estacionamento — Quando meus pais me adotaram, eu me
chamava Camellia Constantinova. Eles só adicionaram os nomes
que queriam quando os papéis foram assinados.
— Tem uma história interessante aí então, melhor do que ter
um nome comum. Qual a graça disso?
— As pessoas não acham que você é estranho — Bash
respondeu já entrando no carro. Eu nem tinha visto que Tolkien
havia aberto. Talvez minha mente estivesse trabalhando ainda em
cima daquele nome estranho — Eu sempre sou o normal.
— O normal é chato sempre — Aneska retrucou o marido.
Fofos.
— Agora vamos, eu quero chegar em casa logo e não
aguento mais vocês — Tolkien tomou a frente e entrou no motorista.
Era tão pequena que estava praticamente colada ao volante e tinha
um travesseiro no assento para que ela ficasse mais alta.
Aquilo não era perigoso?
Deveria ser.
Bem, vida que segue.
“Impressão nossa ou todo mundo está tomando rumo até a
Alemanha? Libanesca Fürtwangler esqueceu só de nos chamar
para esse chá de bebê, que vacilo ein Lib? Será que no próximo
bebê alguém da equipe consegue uma espiadinha? Xoxo.”
(Daily Wags)

Demorou um pouco para chegarmos no condomínio fechado


e eu fiquei admirando o espaço, era no estilo do condomínio que
Oliver morava.
Aquelas coisas de rico, sabe?
Algumas casas depois, Tolkien estacionou o carro e eu
percebi que estávamos no fim daquela rua. Havia uma pequena
aglomeração de carros que já estavam lá e eu me perguntei se
nossos cálculos haviam dado errado e estávamos atrasados.
Quando entramos na casa, a loira gritou algo em alemão e
murmúrios na mesma língua vieram em resposta.
Ótimo, Suécia 2.0, maravilha.
— Nik, eu acho que temos que falar em... oi! — Dikker
Heckmann saiu de uma das portas falando em inglês e eu sorri de
forma tímida — Você não entende alemão, certo?
— Nem uma palavra.
— Então vamos facilitar isso, você já é familiarizada com a
dona da casa, então me dê licença para que eu possa sequestrar
essa arquiteta aqui porque ela me deve um projeto.
Procurei Nik porque Lib também não estava em lugar algum e
me senti mais deslocada do que nunca.
— Lib? — Gritei. A casa era enorme e eu não tinha outra
saída.
— Indo — Ela gritou de volta e em inglês, era desesperador
não saber quase nada da língua. Quer dizer, tinha dado tempo de
aprender o básico para que eu não ficasse perdida e sem saber
falar pelo menos um obrigada. Lib apareceu correndo em minha
direção e eu mal tive reflexos o suficiente para poder retribuir o
abraço da ruiva — Ouvi dizer que você roubou minha namorada.
— Qual delas? — Perguntei como quem não quer nada.
— Aneska, claro. Nik é minha prima, isso seria totalmente
estranho.
— Até porque não estamos em Game Of Thrones. — Eu e
outra loira, que saiu do mesmo cômodo que Lib estava antes de vir
até mim, falamos juntas.
A que Libanesca tinha já me mostrado antes ser sua irmã.
— Ok Lib, eu gostei da fotógrafa. Será que podemos ficar
com ela? — Pelo menos alguém ali era maior que mim. Os olhos
eram curiosos e tinham uma faísca de algo inocente. Suas
bochechas tinham maçãs altas e eram muito adoráveis, diante de
seu sorriso, eu diria que ela não tinha mais de dezessete anos — Eu
sou a Ingryd. Bem-vinda ao chá de bebê mais esquisito que você vai
presenciar em toda a sua vida.
— Não ligue para essas duas, o sangue das duas fica mais
forte quando elas estão juntas e sempre acaba em piada de Game
Of Thrones ou coisas sobre cobras — Aneska sussurrou a última
parte e eu juro que vi ela estremecer.
— E desde quando vocês duas são amigas? — Ingryd
perguntou, estreitando os olhos para Ane.
— Ela é esposa de Bash Carson — Brinquei, um sorriso
maldoso nos lábios — Eu sigo ele no Instagram. Tem ótimas mãos.
— Ah, eu amo essa conversa — Lib rolou os olhos e
começou a rir, pedindo licença para resolver algum problema que
soou em, provavelmente, alemão, do outro lado da sala.
Quanto mais tempo passava, mais pessoas chegavam. As
tradições na Alemanha eram bem diferentes, eles não haviam
contratado ninguém e estavam fazendo tudo sozinhos. A única
pessoa que estava realmente a trabalho ali, era eu.
Mesmo assim, eu era uma das convidadas! Todo mundo era
tão legal e eles se tratavam tão bem que parecia uma super família.
Encontrei Benjamin Schnetzer e falei que Oliver sentia falta
dele, ouvi um “Minha cama está ficando espaçosa demais sem ele”,
me permitir adorar aquele homem no mesmo momento.
Ah, um fato muito importante.
Todo mundo era muito bonito. Deus do céu, eu podia fazer
uma sessão de fotos ali mesmo e mesmo com os cabelos
bagunçados, rostos cansados e expressões azedas, eles
continuavam maravilhosos. Tirei fotos que ninguém viu e aos
poucos, fui registrando cada momento.
Eu mandaria aquelas fotos para Libanesca também.
Deixei as pilhas extras carregando e comecei a fotografar o
espaço da festa, dando ênfase em pequenos detalhes que eram
muito importantes: às pequenas nuvens que tinham virado doces,
os cupcakes com arco-íris em cima e, principalmente, o magnífico
bolo que tinha um pouco de Libanesca e sua família.
No fim, tudo foi perfeito. Eu não soube se era todo o
sentimentalismo que estava me cercando ou só a solidão naquele
momento, mas eu derramei uma lágrima ou duas quando ela
revelou que era uma menina.
Chorei ainda mais quando, no fim da noite, Hensel e
Libanesca estavam num sofá mais afastado, conversando com a
barriga dela e ela fazendo carinho em sua cabeça.
Quem queria espaço mesmo? Não sei nem o que é espaço.
Assim que eu olhei meu telefone e vi as mensagens e
ligações perdidas de Oliver, lembrei do espaço que eu queria.
Me despedi um pouco mais cedo e fui para a casa da russa
— todo o evento havia sido feito numa espécie de salão que
pertencia ao condomínio —, iríamos ficar na casa de Aneska, que
era na mesma quadra. A casa de Hensel e Lib estava ocupada
pelos parentes dele e dela, além de alguns amigos dos dois.
Eu não sabia que horas iria acabar, mesmo que todo mundo
estivesse bem cansado, eles pareciam ter ingerido uma quantidade
absurda de energético e continuavam fazendo todo o barulho
permitido pelo horário.
Deixei a câmera descarregando as fotos no notebook e fui
tomar banho no banheiro que havia utilizado mais cedo. Olhei para
o relógio do celular assim que entrei no banheiro, eram 02h23min.
Tirei tudo o que eu iria usar da nécessaire e soltei o ar
lentamente, tirando cada peça de roupa de forma dolorosa.
Eu nunca achei que não iria gostar de tirar a roupa. Mas eu
não estava gostando. Terminando o processo, embebedei algodão
no removedor de maquiagem e deslizei pelo meu rosto e pescoço,
fazendo minha pele começar a ganhar uma paleta de cor não tão
amigável.
Rapidamente, lágrimas surgiram e minha visão ficou
embaçada. Limpei com o peito da mão e levei tudo que eu usaria no
cabelo para o box, me deixando ser levada por uma ducha
relaxante, a água quente quase queimando minha pele e com toda
certeza ferrando meu cabelo, mas era o que eu precisava.
Finalmente, libertei as lágrimas, deixei tudo o que eu tinha
acumulado sair. Sem julgamentos, sem ninguém falando demais ou
de menos. Eu chorei, por cada coisa de minha vida que tinha
mudado.
Cada coisa que eu queria que voltasse a ser como era antes
e não podia acontecer. Cada coisa que eu não teria no futuro, cada
momento que eu perdesse por escolhas ruins.
Libanesca, Hensel, seus dois filhos e a barriga enorme
estavam como uma foto fixa na minha mente. Eu nunca teria aquilo.
Nunca. Aquela imagem de família perfeita, com pessoas perfeitas e
vidas perfeitas.
Não era algo que eu merecesse, não era algo que a minha
maldição de nascença deixasse acontecer.
Desliguei o registro e enxuguei o excesso de água, limpando
meu rosto e me amaldiçoando todos os nomes porque minha base
tinha ficado junto com o notebook na sala. Ok, todo mundo está na
festa. Ninguém vai ver. Vesti um conjunto de moletom e prendi o
cabelo molhado, escovando meus dentes e finalmente me rendendo
a sair daquele banheiro.
De início não ouvi nada, não havia ninguém na sala ou na
cozinha. Sentei em frente ao computador e só aí eu pude ouvir a
voz atrás de mim.
— Argila cinza ajuda a tirar esse tipo de marca, só avisando.
— Meu coração voltou ao normal quando eu percebi que era
Libanesca. Sorri fraco para a ruiva e dei de ombros, fingindo que ela
não estava falando dos machucados que eu tinha em meu rosto.
Os cabelos estavam bagunçados, haviam partes cacheadas
e partes lisas no meio do ninho que havia se tornado as madeixas
da mulher. A maquiagem só estava um pouco borrada, por mais que
não houvesse mais sinal de batom em seus lábios.
O melhor detalhe da roupa eram os círculos de mancha ao
redor de seus mamilos, onde provavelmente ela estava lactando.
Vantagens e desvantagens de estar grávida.
— Eu não vou conversar se você não quiser... — Ela sentou
ao meu lado e colocou os pés na mesa, como se fosse a coisa mais
normal no mundo. Tirou as botas e os pés estavam apertados
dentro do calçado, tanto que estavam avermelhados e suados —
Mas você precisa me confirmar que não foi o dono dessa aliança em
seu dedo que fez isso com você.
— Não! — Respondi rapidamente, uma gargalhada nervosa
saindo de meus lábios — Foi meu ex-namorado. Aparentemente,
ele não gostou muito que alterei meu estado civil.
— E como você está com tudo isso?
— Honestamente? Como bosta flutuando na água —
Libanesca riu de minha frase — Oliver está respondendo um
processo por bater de volta no cara que me bateu. Quase foi preso,
meu pai não dorme há dias e eu constantemente acho que Marcus
vai surgir do inferno para terminar o que começou aqui.
— E como Oliver está com isso tudo?
— Eu sinto que eu irei sufocar ele de volta a qualquer
momento.
— Anna!
— Não sufocar de verdade, mas ele vem me tratando como
se eu fosse um bebê. Sendo superprotetor o tempo todo, a cada
cinco minutos mandando mensagem.
— Talvez ele esteja preocupado, é como as relações
funcionam. Se algo assim acontecesse comigo, Hensel ia dormir e
acordar como se fosse um carrapato grudado em mim.
— Quando… quando você se acidentou — Quis falar dessa
maneira, não gostava de lembrar dos detalhes de quando aconteceu
— Ele ficou assim?
— Exatamente assim, mas não fui como você, eu virei um
vegetal que perambulava pelos lugares e não fazia nada. Se Hensel
me deixasse no sofá pela manhã, quando ele chegasse a noite eu
estaria no mesmo lugar. Era ele quem me dava forças para tomar
banho, comer e até mesmo lembrar que eu precisava reagir.
— Reagir?
— É, botar uma roupa bonita, passar maquiagem e hidratar o
cabelo. Reagir, sabe?
— Eu sei que Oliver quer me ajudar, sabe? Mas às vezes…
Homens são difíceis.
— Homens são sempre difíceis.
— Você não me parece ter problemas com homens.
— Ah, eu não sei. — Lib riu — Eu não aprendi o suficiente
ainda sobre homens, mesmo estando casada com com um e com
dois meninos dentro de casa. Acho que nunca aprenderei o
bastante. — Seus olhos varreram mais uma vez meu estado e ela
fez uma careta — É por isso que ele não está aqui com você?
— Oliver se voluntariou para as reformas nos abrigos de
animais.
— Daquele leilão?
— Correto.
— Ugh, eu tenho três tipos de ânsias lembrando daquela
manhã. Foi difícil não ficar a cada cinco minutos querendo fugir dos
cachorros…
— É verdade, eu esqueci completamente que você tem medo
de cachorro!
— Exatamente — Ela estalou a língua — Mas acho que você
precisa ter um pouco de paciência, tanto com Oliver quanto consigo
mesma. Peça o espaço quando precisar, mas deixe claro que ele
pode estar contigo e que não está fazendo nada de errado. Vocês
têm quanto tempo juntos?
— Três meses.
Quis rir.
Aquilo era uma piada.
Ninguém tinha tantas crises na vida real com três meses de
namoro.
Ou casamento.
— Não de casados, mas antes disso?
— Você não está muito ligada em redes sociais, não é? —
Lib fez que não com a cabeça e eu agradeci a Aneska por não ter
chegado para contar tudo assim. Era bom poder explicar minha
parte sem pré-julgamentos ou olhares estranhos — Então, já que eu
posso, me deixe contar do começo.
Aspirei e expirei todo o ar, tentando massagear minhas
têmporas e parando quando eu percebi que qualquer toque era um
inferno de dor em cima dos machucados na pele. Por onde eu
começava? Eu não iria espalhar a história de Las Vegas para todo
mundo, mas podia adaptar ela em algumas coisas.
— Eu conheci uma garota quando entrei na universidade.
Natasha, viramos amigas no máximo de tempo que as pessoas
podem virar amigas. Eu não lembro quanto tempo depois ela
começou a namorar, mas eu lembro do brilho nos olhos dela e do
jeito que ela falava dele. Oliver Karlsson, jogador de hockey e
menino prodígio enviado da Suécia. Oliver e Nat namoraram e
foram muito felizes até não serem mais — Lib me olhava estranho,
como se tentasse entender uma árvore genealógica cheia de
incestos — Nat percebeu que aquilo não era o que ela queria. Sabe
quando você ama uma coisa, mas se ama mais? Foi o que
aconteceu com eles dois.
Pausei.
Esperando Lib falar algo.
Se pronunciar.
Mas ela só concordou como se mandasse eu continuar.
— Lembro que Oliver me fez entregar cartas para Nat, ela
fugiu para meu apartamento com a mudança e todo dia, ele trazia
algum presente para ela e eu dava. Não funcionou, eles terminaram
mesmo assim. — Soltei o cabelo, começando a pentear com os
dedos — Porém, Oliver e eu nos encontramos na mesma merda. A
fossa parecia ter unido duas pessoas, sabe? Começamos a sair
depois de umas semanas, em abril, eu acho. Saímos uma, duas,
três vezes e uma coisa acabou levando a outra. Estávamos
gostando daquilo, daquela brincadeira ridícula. Continuamos porque
era bom, porque estava fazendo bem para os dois. Eu iria
comemorar minha formatura da faculdade em Las Vegas com
alguns amigos e no final, Oliver me surpreendeu aparecendo sem
avisar. Eu amei a iniciativa, resolvemos comemorar todos e alguém
falou alguma coisa de casamento. A próxima coisa que eu lembro é
acordar casada com ele no dia 15 de junho.
— Mas até então, tudo o que vocês tinham era secreto?
— Totalmente secreto. Natasha nem sonhava com isso e…
nesse meio tempo já me odiavam. Eu tinha dormido com o ex-
namorado da minha melhor amiga, tinha quebrado o código das
garotas e tinha acabado com o casal mais lindo do mundo.
Ela fez uma careta e eu não soube dizer se era de raiva deles
ou do que eu tinha feito. Libanesca tinha se mostrado bastante
sincera até agora com aquela situação, então provavelmente seria
honesta comigo.
— As pessoas são um lixo. — Lib levantou e foi pegar água
para nós duas — Sempre vai ter alguém que fale merda ou que
tente nos ofender de qualquer jeito.
— Porque eles são assim? — Perguntei retoricamente e ela
deu risada, bebericando sua água e dando de ombros. Resolvi
continuar — Me mudei para a casa dele, parei de receber propostas
de fotos e as poucas que eu tinha marcado antes, foram
canceladas. Nossa convivência é ótima, mas ainda parece que tudo
foi muito apressado. Resolvemos que aquele era o fim certeiro e
pedimos o divórcio, a juíza disse que ainda ia demorar um pouco,
mas logo ia conseguir.
— E vocês desistiram? — Havia uma pouca esperança em
sua voz.
— Não, estamos esperando o divórcio. Já foi solicitado. —
Fechei o notebook quando todas as fotos haviam sido transferidas
— Só que eu comecei a olhar para ele de outro jeito, como se...
como se eu nunca tivesse beijado ele, sabe? Como se, cada vez
que eu chego perto dele, parece que é a primeira vez que eu estou
o vendo. Meu corpo responde até mesmo a respiração dele perto de
mim, ao jeito que ele fala, ao sorriso dele... — E mais uma vez, as
lágrimas começaram a surgir, como se só o fato de mencionar ele
fosse um botão que direcionasse água aos meus olhos — Só que
ele não sente o mesmo. É como se eu tivesse começado a existir na
vida de Oliver dias atrás, quando eu fui espancada em público e
quase morta. E eu ouvi, ouvi, ele dizer a minha prima que estava
super protetor comigo por agora porque por alguns segundos, ele
achou que fosse me perder — Até mesmo minha voz estava afetada
pelo rio que descia meus olhos abaixo — Eu nunca me senti tão
insignificante quanto eu me sinto agora. Eu senti todas as coisas
que a pessoa que você gosta não deveria fazer você sentir. Eu senti
que não importava.
Eu não sei em que momento eu comecei a soluçar, quando
Libanesca me abraçou com força ou quando ela começou a chorar
comigo. Mas eram muitas lágrimas, meu cabelo estava ainda mais
encharcado e eu não sabia distinguir se eram minhas, de Lib ou da
água que eu havia utilizado para lavar ele.
Muitos minutos se passaram até que ela nos separasse e
limpasse as minhas lágrimas com sua manga e depois os borrões
negros que estavam no rosto dela, mas agora, sua cara inchada e
manchada de preto, me encaravam.
Por mais triste que a cena fosse, eu tive vontade de rir.
— Você quer que eu seja sincera? — Sua voz saiu um pouco
xoxa pelo choro, mas eu assenti em seguida — Pelo que você me
contou, você tem sido boa. Claro que não o tempo inteiro, ninguém
saiu de uma fábrica de robôs para ser boa o tempo inteiro, mas eu
sei que você é — Suas mãos massageavam as minhas enquanto
ela falava, aos poucos ficando mais calma — Mas às vezes e eu vi
essa frase num livro mas encaixa perfeitamente: escolhemos o amor
que achamos merecer. Eu não digo que você está se rebaixando,
mas talvez vocês dois precisem desse limite. Não uma situação de
morte, mas... Vivam cada dia como se fosse o último. Querida, a
vida é tão dura que nós temos que aproveitar cada pedacinho de luz
que ela nos manda, talvez Oliver seja uma lição para você, talvez
você seja uma lição para ele. Vocês são jovens, você tem o que,
vinte e dois?
Assenti, segurando toda minha vontade de começar a chorar
copiosamente mais uma vez.
Eu tinha virado uma fonte.
— Conselho de alguém que tem sua amizade e portanto, vai
usar o termo amiga: não destrate ele, não deixe ele te destratar e
sigam cada partícula de sentimento que aparecer entre vocês dois.
Mas quando os papéis do divórcio chegarem, assinem. Esse peso
que é o casamento pode estar afetando a vida de vocês dois, é
muito cedo para isso, vocês dois tem muita coisa para viver. Eu já vi
casos de pessoas que foram casadas por vinte anos, se separaram
e voltaram a namorar anos depois como se fosse a primeira vez
deles. Não existe nada, nada, no mundo, melhor do que se
apaixonar pela mesma pessoa todos os dias. Quando todo esse
peso passar, pode ser que o mundo tenha reservado algo magnífico
para vocês dois
Ela soltou um suspiro e olhou em direção a festa, um sorriso
ridiculamente apaixonado nos lábios.
— Sabe aquele ditado, alguns são a travessia e outros o
destino? — Assenti. Eu odiava aquele ditado. Era tão pesado. Tão
cruel. Tão inexistente de sentimentos — Só porque você pode
chegar a ser a travessia de alguém, não significa que você não
tenha que aproveitar tudo. Essa sua amiga, Natasha, pode ter sido a
travessia de Oliver até você. Assim como vocês duas podem ser a
travessia de alguém que o fará muito feliz no futuro... Meu conselho
é: não deixe para amanhã o que você pode falar hoje.
Assenti, processando lentamente tudo o que ela havia me
dito e nossa senhora, eu precisava de conselho de Libanesca com
mais frequência.
— O que você tem a dizer hoje? — Perguntei, quebrando o
clima — Que não pode ser deixado para amanhã?
— Usem camisinha. Tudo o que você não precisa é de um
filho quando não se tem certeza absoluta naquela relação. Ou
quando seu marido não sabe trocar fraldas.
— Ei! — Uma voz masculina foi ouvida e Hensel apareceu, a
expressão cansada por cima da emburrada, por mais que fosse de
brincadeira — Eu ouvi isso!
— Isso é ótimo, querido. Você não é surdo, ainda. — Lib
sussurrou a última parte para mim e quando ele chegou perto
demais da esposa, eu soube que era minha deixa. Guardei meu
equipamento e acenei para os dois, começando a organizar minhas
coisas.
Lib estava certa em partes. Eu tinha sim que ter amor próprio,
mas eu não podia falar da vida sem experimentar ela.
Eu não podia falar dessa relação sem pelo menos me arriscar
um pouco.
Quer dizer, eu já havia arriscado tanto por amores pela
metade, eu não sabia se o de Oliver podia ser inteiro, mas também
me fiz indisposta a descobrir.
Eu podia sair dali machucada, eu sabia que sim, relações
sempre estarão abertas a qualquer possibilidade, eu não era vidente
e nem pretendia ser.
Mas eu tinha que viver, parar de me privar por medo das
coisas.
Aproveitar as chances ridículas que a vida me dava.
Eu sempre reclamava que as pessoas não entendiam o
sentimento dos outros, porque quando era a minha vez de entender,
eu me tornava egoísta o bastante para não compreender e me
recusar a isso?
Peguei meu telefone e busquei o contato de Oliver, deixando
uma mensagem de voz porque eu não queria respostas imediatas
ou momentos constrangedores.
Eu só disse o que podia me ajudar no momento.
— Ei, eu sei que está tarde e não sei que horas são aí, mas
aqui são mais de três da manhã... Eu não entendo isso de fuso
horário. — Gargalhei, sem graça alguma — Mas eu só volto para
Denver em alguns dias e eu não... não quero ficar mais muito
tempo. Você pode tentar adiantar meu voo para amanhã? Vou
passar o dia com as meninas e amanhã de manhã eu quero ir
embora. É só isso mesmo, eu te mando algumas fotos depois, foi
tudo muito lindo. Boa noite, Oliver.
Não demorou muito para que ele respondesse com um texto.
Dizia o horário que meu voo havia sido transferido e o que eu tinha
que fazer.
Pessoas ricas e como o mundo era mais colorido para elas.
Depois de visualizar, sentei na varanda da casa e admirei
cada infinito presente naquele céu. Não sei quanto tempo se
passou, mas logo as pessoas começaram a chegar com as coisas
nas mãos. Doces que haviam sobrado, presentinhos, piadas
ridículas e risadas altas demais para o que era permitido aquele
horário.
Aneska, Bash, Nik e eu fomos para a casa deles andando,
que era pertíssimo.
Quando perguntei para Tolkien porque ela não ia dormir na
casa da prima, ela me explicou que dois ex-namorados seus
estavam lá também.
Assim que todas acordamos, perto das duas da tarde,
ninguém quis fazer comida ou limpar nada e foi por isso, que ela e
Lib resolveram bancar as guias de uma porção de namoradas de
jogadores do Real Madrid, Ingryd — que não precisava, mas mesmo
assim insistiu — e eu.
Aquela tarde, por mais simples e boba que tenha sido, foi
como a chave para a porta que eu estava precisando abrir.
Era o que Lib havia me dito: aproveitar a felicidade em
qualquer momento.
Aneska choramingou quando eu a abandonei — palavras
dela, não minhas — em Dortmund, mas foi me levar no aeroporto
com Libanesca e me desejou sorte. Era tudo o que eu precisava,
sorte.
O tempo da viagem parecia ter triplicado e eu não via a hora
de chegar em casa.
De abraçar meu gato, minhas cadelas e meu marido.
No desembarque, havia uma enorme e ridícula placa com o
meu nome.

ANNA BANANNA

E várias bananas desenhadas ao redor das partes em branco


do papel. Não pensei em nada que eu não pudesse fazer, em
qualquer medo que eu tivesse e em qualquer coisa que pudesse
atrapalhar meus pensamentos. Corri na direção de Oliver e passei
os braços ao redor de seu pescoço, apertando-o ao meu redor do
mesmo jeito que ele havia feito comigo na lanchonete.
Eu não sabia quando havia começado a nutrir sentimentos
por ele, muito menos como eles resolveram surgir da noite para o
dia. Mas era confuso, ridículo, patético e mais uma porção de coisas
feias.
Ao mesmo tempo era bom.
Era como ser adolescente.
— Vamos para casa. — Murmurei, perto o bastante de seu
rosto para que eu sentisse sua respiração bater contra minhas
bochechas — Eu preciso de seu talento com mãos, minhas costas
estão me matando.
— Sou todo seu. — Ele beijou minha bochecha e
permaneceu com um dos braços na minha cintura, o outro com
metade de minhas bagagens — E aí? Como foi lá? Gostou de todo
mundo?
— Eles são maravilhosos. — Respondi — Aliás, Benjamin
Schnetzer disse que a cama dele está vazia sem você. — Segurei
minha risada e dei de ombros, recebendo um olhar pirracento de
volta.
— Uma pena. — Ouvi Oliver dizer, mas eu nunca soube se a
frase que veio seguinte foi só meu pensamento, uma ilusão ou
qualquer coisa muito fora da realidade — A minha não.
“Cuide dela, se você fizer alguma coisa que deixe a Rose
machucada eu vou te caçar.”
(Mensagem super amigável de Libanesca para Oliver)

Os raios de sol invadiam lentamente cada pedaço do quarto.


Abri um dos olhos preguiçosamente e procurei por alguma das
cadelas, mas nenhuma delas estava lá. Cocei a barba, tentando
lembrar porque eu me sentia tão cansado.
Aeroporto.
Ok, eu já me lembro.
Eu tinha ido buscar Anna no aeroporto e passei pelo menos
duas horas tentando desenhar bananas no cartaz que queria fazer
para ela.
Eu consegui, claro que consegui, não significava que tinham
ficado bonitas, por mais que Anna insistisse que eram as bananas
mais lindas que ela já tinha visto na vida. Conversamos o caminho
todo sobre o chá de bebê que havia ido fotografar, ela estava
encantada sobre tudo em Dortmund, menos a cor.
Anna não era a maior fã de amarelo.
Conversamos pouco quando chegamos em casa, ela passou boa
parte da noite brincando com Maya e Zara, depois assistiu alguns
episódios de Friends com Gucci e finalmente subiu para tomar
banho e dormir.
O que eu não esperava estava bem nesse momento crucial.
Anna vestia uma das minhas blusas, era quase de praxe porque ela
tinha tomado conta de boa parte de minhas blusas. Mas esse não é
o foco, ela vestia uma das minhas blusas, estava com o cabelo
molhado e o rosto sem maquiagem alguma, o que significava que os
machucados estavam à mostra.
Eu não gostava de olhar para eles, odiava até mesmo estar
perto deles.
Era como se eu sentisse cada um daqueles machucados,
como se eu tivesse sido o culpado por eles.
Era como eu me sentia, culpado. Eu havia insistido para que
ela o encontrasse, ela nunca pareceu confortável com aquela ideia,
mesmo não me contando o motivo disso.
Mas ela deitou, olhou para mim e puxou a minha coberta, não
a dela. Se encolheu no meu corpo e encaixou a cabeça no meu
peito. Eu conseguia ver perfeitamente cada uma das marcas ao
redor do olho dela, engoli em seco sem saber o que fazer, mas só
coloquei o braço ao redor dela e apertei seu corpo com delicadeza.
Foi nesse momento que ela falou.
— Não foi a primeira vez que ele me bateu. — Engoli em
seco, sentindo minhas mãos já começarem a tremer — Marcus já
tinha me batido duas vezes. — Se afastou e seus olhos focaram em
mim. Agora sim, quem ia vomitar era eu. Eu sentia meu estômago
começando a dar voltas — Você lembra aquele livro que eu estava
lendo? “É Assim que Acaba”? — Assenti — Fala sobre isso. Eu não
queria ver algo que estava bem na minha cara, mas no momento
que eu passei a me colocar no lugar de cada um dos personagens,
eu me toquei que eu era uma daquelas pessoas.
Anna não falou nada por alguns segundos e passou o braço pela
minha cintura, apertando com força, como se eu pudesse sumir se
ela não me segurasse.
— Eu sabia que ele ia me bater, ou pelo menos tentar. Por
isso que eu chorei tanto nos últimos dias, por isso eu sempre
tentava beber para não pensar no assunto. Por isso eu quis ir
mesmo sabendo que alguma coisa ruim ia acontecer. Se eu não
tinha como provar antes porque fui covarde o bastante, eu pude
provar agora. — Uma risada amarga ecoou de seus lábios — Meu
pai ficaria muito decepcionado se soubesse que não foi a primeira
vez, ele sempre me disse para matar qualquer homem que ousasse
levantar a mão para mim.
Por mais que eu quisesse chorar, não tinha uma única
lágrima nos olhos de Anna.
Ela era muito mais forte do que eu poderia imaginar.
— Por que você não me contou antes? — Perguntei, afagando
lentamente seu cabelo molhado.
— Porque você não ia deixar eu ir. Ia segurar meu braço e
dizer que não era seguro. Porque Marcus poderia estar solto agora,
ainda com ameaças na manga e infernizando minha vida.
— Eu… — Hesitei, coçando a garganta sem saber como falar
aquilo — Recebi atualizações sobre o caso dele. — Os olhos de
Anna se arregalaram e ela me olhou como se implorasse que eu
contasse logo — Marcus foi acusado de aliciamento de menor,
agressão e estupro. A ex-namorada dele já tinha denunciado antes,
mas a ótima justiça que o dinheiro da família dele tem, conseguiu
apagar tudo. Assédio em local de trabalho e venda de drogas em
festas universitárias. A juíza do seu caso achou toda a papelada e
abriu novas entradas com as antigas acusações contra ele.
— Tomara que ele morra na cadeia. — Deixei uma risada
nervosa sair de meus lábios e beijei sua testa, encaixei meu queixo
acima de sua cabeça e fiquei fazendo carinho nela até que
dormisse.
Não demorou muito para que eu dormisse também.

Acordei no susto.
O barulho irritante vinha do andar de baixo e isso significava
que Anna tinha ido fazer o café ou qualquer outra coisa. Anna não
costumava gostar de acordar cedo para preparar comida, eu
também não gostava que ela fosse, Anna tinha uma ótima mão para
queimar as coisas.
— Bom dia? — Perguntei assim que eu avistei a mulher na
cozinha, brincando com panquecas no ar. Claro que, além das
panquecas estarem caindo, elas também estavam tostadas. 100%
queimadas. Pintadas de preto — Olha só, panqueca de lama! —
Perguntei só por perguntar, quase recebendo uma espátula na cara
— Meu prato favorito.
— Em minha defesa… — Anna começou, olhando para mim
de forma séria e eu me segurei para não rir da farinha de trigo em
seu rosto — Zara e Maya estão amando as panquecas.
— Elas comem pedra se você deixar, isso não é justificativa.
A loira me lançou um olhar tão feio que acho que o próprio
pai teria medo.
— Eu sempre fui amante do perigo, quero uma para viagem,
madame. — Fingi estar abaixando algum chapéu imaginário em
cumprimento e ela rolou os olhos.
— Você ofende os cowboys de verdade, Karlsson. — Peguei
meu telefone, ligando a câmera e filmando a tentativa dela de jogar
a comida para cima e pegar com a mesma espátula. O chão ficaria
super brilhante naquela manhã. Além da panqueca estar totalmente
preta, caiu no chão e Maya comeu em seguida. Nunca agradeci
tanto por ver comida no chão.
Anna me olhou feio por alguns segundos quando eu suspirei
aliviado e depois desligou o fogo, olhando para mim e para os
cachorros que poderiam ter algum tipo sério de infecção estomacal
mais tarde. Um par de segundos depois, ela se rendeu a realidade e
começou a rir também.
Sentou ao meu lado com o cabelo amarrado e eu pude ver a
paleta de cores que seu rosto tinha, engoli em seco e fingi não me
importar como em todas as vezes que eu olhava para os
machucados. Sorria e fingia que aquilo não era nada demais. Rosie
me passou o cereal e eu peguei as tigelas, enchendo de leite assim
que ela despejou o conteúdo crocante nos potes.
— Sua mãe ligou. — Assenti, fazendo uma careta em
seguida. Mamãe quase nunca ligava para o meu telefone fixo, eram
ocasiões raras — Linnea ainda está tentando falar com você e…
Ollie, você deveria atender as ligações dela, todo mundo erra
alguma vez na vida. Ela é sua irmã, sangue do seu sangue.
— Se você der um pouquinho mais de confiança para a
Linnea, ela pode tentar entrar no seu box mais uma vez… Ou
arranjar um novo marido para você, acho que essa é uma boa
opção. — Ok, eu era birrento? Sim. Rabugento? Claro. Rancoroso?
Com toda certeza.
Mas pelo menos ainda não era corno.
— Você deveria conversar com a sua irmã o mais rápido
possível. De verdade, alguma coisa pode acontecer nesse meio
tempo e você vai passar de rancoroso para cheio de remorso…
Tinha alguma coisa no tom de voz dela. Algo lá dentro, esperando e
pedindo atenção. Como se alguma coisa fosse acontecer ou já
estivesse acontecendo.
Olhei para as panquecas e tentei lembrar do único dia nesses
meses que Anna fez alguma refeição que não fosse obrigação dela
ou coisa assim. A pia estava brilhando e não tinha um único prato lá
— além dos que ela tinha acabado de usar, que estavam perto do
fogão ainda —, nada para enxugar ou guardar. Zara e Maya
estavam calmas, significava que elas já tinham ido passear.
Como um click, a máquina de lavar começou a fazer o
barulho da centrifugação.
— Anna-Rose Carbain… O que está acontecendo?
Ela sorriu, exibindo a fileira perfeita de dentes brancos e que
poderiam ser propaganda de clareamentos do Instagram. Era um
sorriso infantil, daqueles que você dá para seus pais quando sem
querer quebra algo ou bate no carro deles.
— Como eu disse, sua mãe ligou… — Ela falou como se não
fosse nada, olhando para os pés — E eu perguntei como estavam
sendo as coisas com a Linnea.
— E…?
— Por que tem que ter um e?
— Anna-Rose…
— Ok, tem um e! Ela começou a me falar como a Linnea
estava mal por causa disso tudo e como ela sente sua falta porque
você a bloqueou de todas as redes sociais, inclusive os números
que tem… Então eu… — Ela coçou a cabeça e riu em seguida,
como se estivesse dando bom-dia — Eu perguntei se eles não
tinham um tempinho para vir aqui nos visitar. E marquei um
churrasco com meus pais. — Ela sussurrou a última parte e eu
demorei uma fração de segundos para entender o que ela estava
falando.
— Você o que!? — Quase gritei, eu conseguia ver claramente
o fim bem na minha frente — Anna! — Passei a mão pelo cabelo,
suspirando pesadamente em seguida — Caramba.
— Sim, minha mãe vai matar a sua em alguns minutos. —
Ela concluiu com pesar e eu comecei a rir, mesmo que de
nervosismo.
Estendi minha mão para pegar a sua e escovei seus dedos,
acariciando lentamente a pele gelada da mulher à minha frente.
Aquela situação não era só difícil e complicada em milhões de
camadas, mas também uma situação em que qualquer um dos dois
podia sair pior do que entrou.
— O que estamos fazendo? — Perguntei, por fim. Meus
olhos fixos no de Anna, absorvendo atentamente cada detalhe que
ela me oferecia de seu rosto, do modo que ela mordia a boca por
dentro ou sugava as bochechas, da maneira que suas unhas
passavam lentamente pela pele do peito de minha mão, fazendo
desenhos sem sentido e que acalmavam ela.
— Eu não sei — Tinha um brilho em seus olhos e eu comecei
a torcer internamente para que ela não comece a chorar, porque se
ela chorar, eu choro também — O que vai acabar acontecendo com
nós dois, Ollie?
— Eu podia só não te conhecer.
— E isso seria mais fácil por qual motivo?
— Porque aí você sentaria no meu pau sem peso na
consciência.
— Oliver! — Anna começou a rir, mas eu sabia que ela ia
pensar naquilo com uma frequência adorável — Eu estou falando
sério.
— Eu não sei. — Repito sua resposta e solto o ar lentamente
— Eu queria saber. Seria muito mais fácil. — Pauso — Como você
acha que vai acabar?
— Eu só espero que não acabe. — Eu sinto toda a
sinceridade da sua voz e permito um sorriso mínimo em meus lábios
— Você dormiu bem?
— O cansaço me dominou. — Dei de ombros, sorrindo de
leve — Naquele dia, quando você conseguiu o trabalho de modelo…
— Comecei, usando a coragem para falar o que estava entalado. O
assunto era constrangedor para ela, pelo menos eu achava que sim.
— Você ia me beijar, não ia?
— Achei que isso fosse meio óbvio. — Havia amargura em
seu tom de voz e eu quis me bater. Burro, burro, burro, burro — E aí
você me olhou como se eu estivesse fazendo a coisa mais errada
do mundo.
— Bem, não te culpo. Eu também ficaria tentado a me beijar
se eu saísse do meu corpo, eu tenho uma boca muito bonita.
Anna-Rose arregalou os olhos e depois estreitou eles, ela
queria rir, estava mordendo a boca por dentro para não gargalhar.
— Se minha memória não falha e eu sei que ela não está
falhando porque eu não esqueceria algo assim nem se quisesse —
Seu tom cínico me fez perceber que eu iria receber de volta o que
havia alfinetado — Foi você quem esfregou o nariz em mim naquele
quarto de hotel. Também foi você quem ficou com o pau duro na
banheira e quem falou de sexo todas às últimas vezes.
Anna estalou a língua.
— No dia que fomos lavar roupa juntos, você ficou parado
encarando minha boca, só faltou tirar uma foto para beijar depois,
porque você sabe… esse é o único jeito que você vai chegar perto
da minha boca, Karlsson.
— Anna-Rose, você sonha com a minha boca. Até porque
naquele dia na casa de seus pais, foi você quem me beijou, não o
contrário.
— Porque era uma situação de vida ou morte, caso contrário,
eu nunca teria chegado perto dessa sua boca sebosa.
— Boca sebosa? — Soei ofendido — Você tem um cravo
enorme do lado de sua boca, eu tenho medo de quem for te beijar,
vai que ele estoura essa coisa horrível na sua cara e tem que comer
nojeira.
— Eu não sei como as pessoas se beijam na Suécia, mas
aqui não costumamos comer os lábios dos outros… Nem a pele. —
Ela cruzou os braços e tombou a cabeça, me analisando como se
fosse jantar Ollie à milanesa — Assuma que você quer me beijar.
— Assuma você que quer me beijar. — Encostei os cotovelos
na mesa e me aproximei dela, nossos rostos perto o bastante para
que eu comprovasse que sim, não tinha cravo nenhum naquele
rosto esculpido por algum demônio da luxúria — Eu aposto que
você vai assumir que quer me beijar e ser a primeira a ceder.
— Claro que sou eu que vou assumir, do jeito que você é
lento, eu teria que fazer um outdoor na frente do condomínio
dizendo que eu estou afim de você para que você percebesse algo.
— Você está dizendo que eu sou lento?
— Eu estou dizendo que para fazer você rir na quarta-feira,
eu tenho que contar uma piada na segunda.
Fechei minha expressão automaticamente e me afastei,
cruzando os meus braços e assumindo uma postura de quem não
gostou nadinha do comentário dela.
Eu não era lento nada! Quer dizer, às vezes não pegava os
comentários ou piadinhas internas, mas era só isso. Nunca tive
problema nenhum no quesito mulheres, nenhum. Bem, eu achava.
— Quem ceder primeiro vai lavar os pratos durante um mês.
— Lancei o desafio, estendendo minha mão para Anna, que
apertou, selando o acordo com um sorriso ridiculamente convencido
nos lábios.
— Vai ser ótimo ver você lavando cada um desses pratos,
vou fazer até questão de sujar mais.
Arqueei a sobrancelha e saí de lá.
O problema daquele jogo todo, era que Anna havia esquecido
o principal sobre mim. Eu sou um jogador. Eu ganho para isso.
Jogar é o que eu faço.
Eu jogo pra ganhar.
“Me atenda por favor!!”
(Mensagem de Oliver para Ed)

Depois de selar todos os contratos e acordos que poderiam


ser selados, resolvi que precisava sair de casa com urgência e
atualizar os dois maiores fofoqueiros que eu conhecia. Eu também
era um grande fofoqueiro, eu mesmo havia prometido para eles que
contaria tudo assim que possível.
Tomei um banho rápido e fui fazer mercado, comprei algumas
coisas para os bichos e algumas bebidas também. Quando eu
estava na área de frutas, ouvi meu telefone tocar e atendi,
apertando o botão do mini-fone que estava preso ao meu ouvido.
— Oi?
— Me atualize de tudo — Ouvi a voz de Benji e dei risada,
pegando uvas e morangos — Tudinho.
— Conversamos sobre nós dois hoje e colocamos as cartas
na mesa. — Respondi, analisando o pêssego — Também fizemos
uma aposta sobre quem vai ceder antes.
— Bem, eu gostei da aposta. Você consegue se controlar? —
Minha gargalhada saiu esganiçada, se eu conseguia me controlar?
Por favor, eu sou o rei do controle!
— Por favor, quem perder vai ficar com a pia por um mês
inteirinho. Eu podia ficar sem sexo até o próximo ano.
— Não é como se você já não estivesse fazendo isso, sua
cama está vazia desde…?
— O casamento? — Perguntei, como se fosse óbvio — Não
que conte, já que eu não lembro. Então, desde a copa.
— Se você pensar que só perdeu a virgindade aos 18 anos,
tudo bem. Isso é pouco tempo. — Fingi dar risada enquanto eu
socava seu rosto mentalmente.
— Benji… — Comecei, olhando para um pedaço de melancia
e pensando no que Anna havia me dito — Você acha que eu sou
lento? Tipo de não entender piadas?
— O que? — Sua voz saiu engraçada — Não, Ollie. Você
sempre foi saidinho demais, pelo menos até Natasha.
— Anna disse que eu sou lento. — Contei a ele e depois de
alguns segundos de silêncio, a voz de Groissant se fez presente
como um grito.
— Diz de novo, meu anjo.
— Anna disse que eu sou lento, eu estava perguntando para
o Benji o que ele acha disso. Eu sou lento, Edward?
— Você não é lento, Ollie. Você dormiu com pelo menos dez
torcedoras na semana do seu segundo jogo. — Groissant
respondeu e eu dei risada, em minha defesa, eu era jovem e achava
isso sensacional.
— Eu tinha acabado de descobrir o que era sexo, me
respeita. — Reclamei.
— Você ficou pior quando se tornou capitão, era um inferno.
— Mais uma vez, Ed falou e eu rolei os olhos. Tudo isso era inveja,
eu sabia que era — Até com a Nat, vocês começaram a namorar
depois de pouco tempo que saíram pela primeira vez.
— Não é verdade, não foi tão rápido… — Pensei, eu não
lembrava quanto tempo tinha sido de um para outro.
— Para quem estava do lado de fora, foi sim. Apostamos
para ver quanto tempo ia durar, claramente, todos perderam as
apostas. — Benji falou dessa vez e eu podia ver sua expressão
pensativa — Mas, se ela disse que você estava sendo lento e ela
está do lado de dentro disso tudo, significa que você precisa tomar
uma atitude.
— E ganhar essa aposta, por favor, honre o sobrenome que
você carrega.
Bufei, rolando os olhos e pensando nos motivos pelo qual eu
não deveria ter apostado. Caralho, eu queria também, nos
provocamos sem perceber e sempre tinha algum joguinho
envolvido.
— Os mestres querem compartilhar alguma dica? —
Perguntei, já passando minhas coisas no caixa.
— Faça ela implorar.
— Eu ia falar a mesma coisa, então… Ganhe essa merda.
— Ok mestres, eu vou desligar e não me liguem atrás de
mais atualizações, ok? Assim que um dos dois perder, eu aviso para
vocês.
— Mensagem, ligação, áudio, DM no Instagram, sinalizador,
um aviso no céu, letras feitas por fumaça de avião… Estamos
esperando.
— Vá a merda. — E desliguei.
Finalizei minhas compras e voltei para casa, cada pedaço de
minha cabeça trabalhava em algo bom o suficiente para que ela
cedesse o mais rápido possível.
Assim que eu estacionei, peguei as sacolas e entrei pela
porta dos fundos, ouvindo a familiar voz de Riley e Ava. Estranhei,
mas logo notei o notebook em cima do balcão da cozinha e Anna
encostada nele, a cadeirinha estava na sua máxima altura e a
fotógrafa parecia bem distraída.
— Cheguei! — Gritei, só para evitar ouvir alguma coisa do
papo calcinha, da última vez Anna e a mãe estavam falando sobre
sexo e prevenção e eu podia dormir sem ouvir a Sra.Carbain
perguntar se Anna precisava de camisinhas e qual era o tamanho,
porque o Sr.Carbain havia comprado uma caixa extra grande sem
perceber.
Extra grande…
Eu nem preciso repetir, certo?
— Você trouxe parmesão? Eu desejei um parmesão a manhã
inteira!
— Desejou? — Riley perguntou pelo computador e eu quase
estapeei minha cabeça — Que tipo de desejos, querida?
— Do tipo que você tem quando sonha com algo, mamãe.
Não do tipo de grávida, se acalma.
— Bem… — Ava começou a rir, aquele jeito doido que ela
tinha — O lado bom é que a tia Riley já tem cabelo loiro, se não ela
ia morrer pelos fios brancos que estão crescendo graças a vocês
dois.
— Ok, eu vou oficialmente desligar. — Anna sorriu amarelo
para as duas e acenou para a câmera. Me enfiei atrás dela e sorri
para as duas mulheres antes que a ligação fosse encerrada —
Trouxe o parmesão ou não?
— Trouxe! — Exclamei, rindo em seguida do seu desespero.
O cheiro do cabelo dela estava muito forte e era tão bom que por
alguns segundos, eu permiti uma aproximação só para confirmar se
estava assim tão cheiroso mesmo — O que você está fazendo? —
Anna perguntou, afastando o pescoço enquanto eu me aproximava.
Minha respiração bateu em seu ombro desnudo e eu pude
ver cada poro de sua pele tremer com o arrepio que passou por ali.
Sorri, apoiando minhas mãos nas laterais do banco que ela estava
sentada e aproximei meu rosto o bastante para arranhar sua pele
com a barba.
— O que eu estou fazendo, Anna? — Perguntei, o tom de voz
cínico e um sorriso sarcástico no rosto. Ela não respondeu, tirou o
cabelo do rosto e colocou atrás da orelha, não entendendo quando
o sorriso ficou ainda maior.
Anna-Rose, porque deixar as coisas tão fáceis para mim?
— Você ainda não me respondeu. — Sussurrei, próximo de
sua orelha. Ela, mais uma vez, não falou nada. Aproveitei minha
deixa para arrastar meu nariz pela pele exposta de sua bochecha,
sentindo o cheiro. Parecia… morango e manga, uma mistura
excêntrica dos dois que pendia com o gosto na ponta da minha
língua.
Era o mesmo cheiro que eu senti no dia do leilão.
Arrastei minha boca para cima, puxando levemente o lóbulo de sua
orelha com os dentes e então, uma gargalhada nervosa ecoou dela.
Suas mãos apertavam o balcão da cozinha com tanta força que os
nós de seus dedos estavam brancos.
Subi meus dedos, fazendo carinhos leves nas coxas de Anna
e desci a boca novamente, encontrando seu pescoço. Cada pedaço
de pele era extremamente saboroso e as reações dela eram ainda
melhores, eu sentia os tremores de Anna sob minhas mãos, ouvia
cada suspiro que ela dava.
Me afastei para tirar o excesso de cabelo de debaixo de sua
blusa e engoli em seco no momento que as marcas dos dedos de
Marcus entraram no meu campo de visão. Por alguns segundos, eu
tinha esquecido que elas estavam ali.
E Anna viu minha reação pela tela bloqueada do computador.
Seu corpo ficou automaticamente tenso e eu pensei em como aquilo
deveria soar para ela. Como ela se sentia, se vendo no espelho
todos os dias e lembrando do que ele tinha feito.
Ela me disse que quando via seu reflexo, lembrava como Marcus
tinha estragado alguma parte dela. Como ela tinha certeza disso.
Tirei todo o cabelo e o coloquei de um lado só, voltando a beijar
cada pedaço de seu pescoço. Anna levou uma das mãos até meu
cabelo e começou a acariciar os fios, colocando pressão nos dedos
e puxando de leve em seguida.
E aí ela me empurrou, girando o corpo de vez e parando de
frente. Apoiei minhas duas mãos no balcão, meu rosto praticamente
colado no dela enquanto suas mãos estavam em meu pescoço e
ombro.
— Isso foi fácil demais. — Suas bochechas estavam coradas
e a boca um pouco inchada, provavelmente estava mordendo —
Não teria graça se algum dos dois perdesse a aposta agora, não é?
— Você tem razão. — Assumi, roçando o nariz no dela. Anna
apertava o toque em minha pele e eu tentava não sorrir convencido,
estava concentrado demais na boca dela — Isso é realmente muito
fácil.
E então, apliquei o golpe final.
Me aproximei o bastante para brincar com seu lábio inferior
com meus dentes, sentindo seus dedos afundarem. Puxei e me
afastei, voltando minha atenção para a sacola do supermercado.
Como se nada tivesse acontecido, comecei a arrumar as compras.
Anna soltou o ar, frustrada. Levantou da cadeira como um raio e
saiu correndo até o banheiro mais próximo.
Missão cumprida.
Ela voltou muito tempo depois, o cabelo molhado e os dedos
enrugados. Não perguntei o porquê de seus dedos estarem tão
enrugados.
Se eu não fosse muito mais sonso e competitivo que ela,
estaria disputando a vaga do banheiro.
Havia acabado de chegar do terapeuta quando vi um carro
deixar Anna na porta de casa, seu rosto estava cheio de maquiagem
e por baixo de tudo, eu tinha certeza de que ela estava bem
cansada. Estacionei e deixei o suco dela em cima do balcão assim
que entrei em casa.
— Dia ruim? — Perguntei.
— Eu responderia século ruim, mas o final de The Vampire
Diaries não merece meu comentário. Então, sim, péssimo dia. Se eu
ver mais um único flash na minha frente, eu quebro todo.
— Rosie, você precisa de um descanso! Fica saindo de um
trabalho para outro e isso vai te matar. Vamos lá, eu quero assistir
alguma coisa, suba e tome um banho que eu preparo o cinema.
— Ok, papai. — Falou de forma birrenta e eu mostrei o dedo
do meio para ela — Você é maravilhoso.
— Eu ouço muito isso.
Anna beijou minha bochecha e saiu disparada em direção ao
quarto. Peguei uma muda de roupa limpa na máquina e tomei uma
ducha rápida no banheiro social, me trocando rapidamente para
poder ajeitar a sala de cinema e o fiz antes que Anna descesse em
seu conjunto moletom.
As pipocas estavam prontas, os copos de Coca-Cola
estavam gelados e o filme esperando um play.
— O que vamos assistir?
— Kong: A ilha da caveira. Já viu?
— Eu já assisti… — Ela deu de ombros, eu também já tinha
visto — Mas foi pelo Tom Hiddleston e bem, pelos efeitos especiais,
claro.
— Fala um então. Eu deixo você escolher.
— Bem… — Anna olhou para a pipoca, mexendo na borda
do balde enquanto pensava — O Agente da U.N.C.L.E. Você já viu?
— Não… — Eu realmente nunca tinha visto e era um filme
legal — Algum motivo especial?
— Adoro o sotaque da Alicia Vikander! — Rápido demais e
muito na defensiva. Ela mordeu a cabeça do dedo e passou a mão
pelo cabelo — Ok, Henry Cavill. Podemos não falar sobre isso?
— Eu só queria ver pela Alicia mesmo. — Dei de ombros,
recebendo um empurrão dela e rindo em seguida.
Pegamos os baldes de pipoca e os copos e nos ajeitamos no
sofá. Dei play no filme e em menos de vinte minutos, já não existia
pipoca alguma e nem vestígios do refrigerante.
Eu tinha que assumir duas coisas importantes de acordo com
o filme.
1 - Alicia Vikander realmente tem um sotaque lindo.
2 - Vale a pena assistir um filme só pelo Henry Cavill.
E mesmo gostando do filme, Anna e eu começamos uma discussão
sobre quem era mais bonito, Armie ou Henry. Ela insistia que Armie
não tinha graça alguma, que ele só fazia papéis chatos — além de
todas aquelas coisas estranhas que envolviam assuntos que
Hannibal Lecter adoraria conversar com ele.
Depois de mais algumas brigas pelo elenco, calamos a boca
e voltamos tudo que havíamos perdido e resolvemos não falar mais.
Até que, um pouco depois do plot twist mais interessante, a cabeça
de Anna encostou no meu ombro e sua respiração bateu contra meu
pescoço.
— Ollie… — Praticamente balbuciou, sua voz soou sonolenta
e inocente — Por que você não me beija?
— Por que você não me beija? — Retruquei.
Num movimento rápido, Anna passou as pernas ao redor de meu
corpo e sentou em meu colo. Seu olhar estava tão fogoso e cruel
que eu quis saber com certeza o que aquela mulher queria fazer
comigo.
— Bem, eu acho que eu vou dormir. Boa noite.
Sem saber nem o que ela queria dizer com isso, desejei o mesmo
de volta.
De repente, o sono dela parecia mais forte que a vontade de
ver filme. A respiração estava começando a ficar mais leve e eu
calculei se ela dormiria definitivamente até o fim do filme, porque se
eu levantasse para pegar o controle e pausar, ela acordaria.
Precisaria levantar para cama só no fim mesmo.
Só que céus, eu não conseguia me concentrar no filme,
porque a bela adormecida em meu colo se mexia. Eu não podia
perguntar se ela estava sentindo, mas eu sabia que, se estivesse
acordada, estaria sentindo a mesma onda de energia que eu. Que
nossos corpos estavam cientes de qualquer coisa que pudesse
acontecer.
Merda.
Podia acontecer depois, não?
Soou baixo, bem baixo, mas eu sabia que eu tinha ouvido
uma risadinha.
— Eu sei que você não está dormindo e nem quer dormir. —
Acusei e a risada ficou mais forte.
— Não, eu ia fazer a mesma coisa que você fez comigo hoje
de manhã, mas perdi a coragem no meio do caminho. Isso não é
algo que eu faria — Ela levantou o rosto e ficou muito próxima — Eu
só queria que você soubesse do que isso se trata.
— Nós? — Ela assentiu — Eu sei. Você quer que eu ceda,
não porque você vai ficar sem lavar a louça por um mês, mas
porque mostra que eu me importo, porque mostra que vale a pena.
— Me diz uma coisa — Engoliu em seco, se afastando — Por
que você não agia assim comigo antes? Por que só depois que ele
me bateu?
— Porque eu sou um idiota — Assumi — Eu não quero que
você ceda, Rosie, eu quero ceder. Eu posso falar coisas, fazer
brincadeiras sobre isso, mas eu não deixaria você me beijar e te
beijaria logo depois disso. Quando Marcus te bateu… Eu não
conseguia respirar, parecia que alguma tinha sido arrancada de
mim.
Eu não soube porque ela começou a chorar, mas beijei cada
uma das lágrimas que escorriam pelo seu rosto.
— E você não tinha sido arrancada de mim, estava bem ali.
Eu não queria te assustar nem nada, mas todos os dias, quando eu
limpava suas feridas ou ouvia você chorar, eu ficava ainda mais
desesperado. E então você foi para Alemanha e me disse que eu
não tinha você. Eu sabia que era verdade, que você não era minha,
mas me matou ouvir de sua boca, porque eu queria que não fosse
verdade, eu queria que você fosse minha.
— Você precisa se esforçar só um pouco mais. — Gargalhei
ao ouvir o que ela disse, assentindo com a cabeça porque eu sabia
que ela estava certa, eu precisava mesmo me esforçar mais. Parei
as mãos em seus ombros e comecei a massagear lentamente —
Não é justo que você não esteja apaixonado por mim, não quando
eu saí mais cedo da Alemanha por você.
— Acredite, Rosie, se você não tivesse me mandado aquela
mensagem dizendo que vinha mais cedo, eu ia aparecer lá.
— E aí você me beijaria no aeroporto, seria bem
emocionante.
— Ou você pegaria um avião sem me avisar e quando eu
chegasse lá, você chegaria aqui. Seria muito mais emocionante.
— Não estamos num filme de drama, você anda assistindo
muita comédia romântica.
— É, deve ser isso mesmo. — Dei de ombros, parando uma
das mãos na sua nuca — Mas se você não se importa…
Acabei com a distância entre nossas bocas e comecei aquela
merda. Anna não reagiu nos primeiros dois segundos, mas logo
depois ela abriu a boca contra a minha. Enfiei os dedos no seu
cabelo e firmei a puxada, sentindo seu gosto se espalhar por minha
boca e todo o meu corpo responder a isso. Uma de suas mãos
começou a puxar meu cabelo também e a outra desceu para minhas
costas, arranhando a pele por baixo da camisa e
consequentemente, aumentando a força de meu toque nela.
Era perfeito. A forma que se encaixava, como parecia dar
certo mesmo eu um dia achando que era errado, como trazia
calafrios ao meu corpo e ascendia alguma coisa dentro de mim.
Eu não sabia quanto tempo tinha passado, mas Anna mordiscou
minha boca e puxou os lábios com o dente, se afastando e puxando
o ar que estava faltando naquele momento.
— Só pra esclarecer as coisas, você ainda vai ter que lavar
os pratos durante um mês inteiro.
Sorri, não tinha problema.
Por mais beijos de Anna, eu lavaria até as privadas de um
vestiário masculino.
“Pombinhos na área! Oliver Karlsson postou uma foto com
direito a textão apaixonado e tudo ao lado da esposa, Anna-Rose.”
(@keepthesecret)

Meus dedos desceram até alcançarem o limite do elástico de


seu moletom e espalmei minha mão em seu abdome assim que eu
sinto o jeito que ele estremece em consequência ao meu toque. Os
lábios de Oliver estão massageando meu pescoço e eu não sinto
mais o incômodo que antes sentia pelos machucados, correntes
elétricas pousam sob minha pele e se transportam por toda e
qualquer parte de meu corpo.
Era difícil demais resistir a isso.
Oliver agarrou as duas bandas de minha bunda e me puxou
para que eu fique em cima dele, deixei uma risada nervosa escapar
de meus lábios enquanto ele apertava minha carne, enfiando os
dedos contra minha pele e arrancando um grunhido baixo vindo de
mim.
Amaldiçoo a calcinha que eu estava usando, era pequena e
facilmente acabava dentro de minha bunda, minha única proteção
contra a ousadia de Oliver, eram as camisas dele de basquete que
eu vestia — mesmo que fosse quase inútil, já que ele é apenas
alguns centímetros maior que eu.
Cruzei meus braços em cima de seu peito e apoiei meu
queixo nas minhas mãos, observando os traços sonolentos e
cansados de Ollie. A barba escura está maior que qualquer vez que
eu tenha visto e chegava até um pouco abaixo do maxilar, os olhos
estão fechados e seus cílios ficam ainda mais espessos, parecendo
cortinas que protegiam seus olhos. Sua boca estava avermelhada e
inchada, graças aos beijos e mordidas que eu havia dado.
Desenhei seu lábio inferior com o polegar e ele abriu os olhos
rapidamente, mordendo a cabeça de meu dedo bem de leve.
Um pedaço do paraíso tinha acabado nos olhos de Oliver, eu
apostava que ele havia roubado toda a luz de alguma estrela e a cor
do mundo em plena primavera.
Impulsionei meu corpo mais para frente, alcançando seus
lábios e capturando-os. Oliver deu espaço para que eu enfiasse a
língua em sua boca e uma risada baixa ecoou de seus lábios. O
gosto de nossas bocas rapidamente se misturou e tudo virou uma
confusão de azedo e ruim, já que nenhum dos dois havia escovado
os dentes ainda.
— Sua boca tá com gosto de merda — Murmurei contra sua
boca, arrancando uma risada dele em seguida.
— A sua também. — Ollie respondeu, enfiando as mãos em
meu cabelo — Você se importa?
— Na verdade, não. — Gargalhei, voltando a atacar seus
lábios enquanto as mãos de Oliver exploravam cada pedaço de meu
corpo.
— Os limites — Ele me lembrou, sua boca descendo meu
pescoço até a clavícula, sua língua passeava deliciosamente
deixando um rastro quente enquanto cada pedaço de mim
respondia aquilo da maneira errada. Segurei o pescoço de Oliver
com as duas mãos e o puxei para cima, deixando-o ereto enquanto
estava sentada em seu colo. Oliver segurou meu cabelo com força,
puxando um punhado de fios o bastante para que minha cabeça se
afastasse dele uns bons centímetros — Eu não consigo seguir a
porra dos seus limites se você não cooperar comigo.
Bem, nenhum dos dois, na verdade.
Eu sou uma verdadeira idiota.
Ollie e eu havíamos concluído que os dois queriam aquilo,
mas que seria algo muito mais difícil porque não era um beijo que
você dá na pessoa e depois vai para a sua casa na espera de
encontrá-la no dia seguinte.
Quando nós dois excedemos nosso limite, a cama foi a
opção. Mas dormimos juntos. Na mesma cama. Na mesma casa. E
puta que pariu, éramos adultos!
Você não fica brincando de dar beijos em ninguém quando
começa a dar outras coisas.
Principalmente quando descobre que dar é tão gostoso.
Então, havíamos estabelecido os limites.
Não faríamos sexo até termos certeza do que estava
acontecendo.
Porque éramos diferentes. De mundos e vidas diferentes.
Porque eu era sexo casual e gostava de trepar e sumir,
porque Oliver comia groupies mas gostava de namorar e ter um
compromisso, e o simples fato de eu não poder ter o que eu queria
e ir embora na manhã seguinte com um bilhete, piorava 100x.
— São beijos, Ollie, conseguimos ter controle disso, não é?
— Resmunguei de volta, roçando nossos lábios à procura de um
beijo.
— Você está sentada no meu pau, Anna. Não existe controle
— Seu resmungo foi quase inaudível, porque ele encontrou meus
lábios assim que terminou de falar.
Estar com Oliver era gostoso em todos os sentidos. Eu não
sabia como havia controlado qualquer coisa antes, porque agora eu
não sabia nem como manter minhas pernas eretas quando ele se
aproximava. Sua respiração me arrepiava, o jeito que ele olhava
para mim fazia meu estômago revirar e qualquer toque que ele
desse em meu corpo, já deixava o meio de minhas pernas
palpitando.
— Você… — Ele sussurrou contra minha pele, as mãos
descendo até meu quadril e apertando com força, como se ele
estivesse contendo qualquer outra reação. Não estava conseguindo
ficar tão bem, já que eu sentia a reação dura e quente debaixo de
mim — Caralho, porque você tem que ser tão gostosa?
Sua voz soou rouca e eu quase tive um orgasmo só ouvindo
isso.
Suas mãos moveram meus quadris para frente e eu fechei
meus olhos em resposta, sentindo o meio de minhas pernas se
esfregar nele. Afastei nossos rostos e comecei a me movimentar
com mais vontade, sentindo seu pau ficar cada vez mais duro e
seus olhos mais escuros.
Desejo.
Toda e qualquer parte de nós dois exalava apenas desejo.
Oliver soltou um grunhido e me apertou com mais força,
direcionando a boca ao meu colo e espalhando beijos e chupões lá,
ele mordia levemente e puxava a pele com os dentes em seguida.
Sua boca desceu um pouco mais e encontrou o meio de meus
seios, ainda cobertos pela blusa fina. Ollie passou a língua no
decote e se o que eu senti não foi um palpitar, com certeza minha
vagina aprendeu a bater palmas.
Eu só lembrei do acordo quando ele já estava abocanhando
meu peito por cima do tecido.
— Não vamos conseguir parar. — Tentei avisar, mas a blusa
nem existia para a língua dele — Não.
Ollie parou no mesmo momento e se afastou, percebendo nossa
posição e o que estávamos fazendo.
Mordi a boca por dentro e esperei que ele falasse algo, mas o
loiro apenas me olhou por alguns segundos antes de cair na risada.
Não resisti e logo o acompanhei, cobrindo meu rosto com as mãos
e sentindo a vergonha tomar cada canto de meu rosto.
— Eu… — Comecei, rolando os olhos em seguida e tirando
as mãos do meu rosto — Eu não acredito que você está tão
desesperado para me comer.
— Eu? — Ele riu — Você está doidinha para trepar comigo.
— Não seja tão pretensioso, Oliver. Existem homens no seu
time com a fama muito melhor que a sua. — Beijei sua bochecha e
levantei da cama num pulo, esfregando minhas pernas para tentar
fazer a calcinha absorver a umidade, mas a calcinha parecia quase
mais úmida que a boceta.
Vi seu reflexo pelo espelho, Oliver estava apoiado na
cabeceira da cama, os braços cruzados e aqueles músculos
deliciosos bem à mostra. Sua sobrancelha estava arqueada e o
sorriso desafiador em seus lábios era ainda pior.
— Eu tenho fama do quê, Carbain?
— Ah, você sabe… — Listei todas as vezes que ouvi Natasha
falar de Oliver e percebi como nossa amizade era forte. Só agora os
elogios faziam sentido. Percebi que estava ficando vermelha e dei
de ombros, pegando roupas limpas e virando em sua direção com a
mão levantada — Já que você insiste… — Dei de ombros,
levantando o mindinho e balançando no ar antes de correr para o
banheiro e trancar a porta antes que Oliver viesse atrás de
explicações.
Que os deuses me perdoassem por chamar Oliver Karlsson
de Pinto Pequeno. Quer dizer, eu nunca soube o porquê dessa falsa
obsessão das pessoas por paus grandes e grossos. Eu sempre
ficava com a mesma média, aquela que você sabe qual é e eu não
preciso ficar falando como se eu lembrasse que o pau de tal homem
tinha 20 cm. Enfim, sempre fiquei com essa média, até que um dia,
cansada de ouvir sobre paus grandes e como eles eram os
melhores porque ninguém gostava de pinto pequeno, fui atrás de
um carinha da faculdade.
Ele era de Direito e tinha bons pares de anos a mais que eu.
Ótimo aluno, os professores o amavam, jogava basquete e abaixava
para passar nas portas, seu apelido entre as mulheres era tripé.
Sim, tripé.
Quando eu dormi com ele, nunca mais na minha vida eu quis
aquilo. Primeiro que, eu quase menstruei de tanta cutucada que
recebi no útero. Mal conseguia andar no outro dia. Não era nada
prazeroso e eu me senti arrombada.
Quase fico sem garganta também. Era horrível fazer xixi
porque por dentro eu estava toda machucada.
Era uma vez Anna Carbain e pintos grandes. Ninguém viveu
feliz para sempre. Meu útero me odeia até hoje. Fim.
Aonde eu estava? Pedindo perdão por chamar Ollie de
pequeno. Ah não, eu conseguia sentir, ele não era pequeno, mas
graças a Odin não era um monstro que iria me empalar.
Você está virando viciada em pinto, Anna.
Homem cis só serve para procriação e decepção. Diz de
novo.
Repeti a mesma frase para mim mesma até terminar o banho
e me vestir. Chega de pensar no que faz os bebês nascerem e
como isso é bom. Nada. Pensamentos puros. Pensa em bebês.
Gatos. Fotos de bebês.
Oliver estava ao lado da mesa, sem camisa, com o corpo um
pouco molhado do banho e outra calça de moletom, dessa vez
preta. Ele tinha uma caixa de alguma coisa nas mãos e lia o rótulo
como se estivesse lendo os números da loteria.
Percebi seu sorriso convencido nos lábios e logo depois me
toquei que ele estava fazendo aquilo de propósito. Ótimo, Oliver.
Você é capitão de um time, mas quem manda nessa merda sou eu.
— Você viu minha caixinha de macarrão com queijo? —
Perguntei de forma casual e ele negou com a cabeça — Eu queria
comer mas não achei, acho que Ava comeu e eu acabei
esquecendo de comprar. Mas me deixa procurar…
A dispensa estava um pouco na frente de Oliver e eu me
abaixei, deixando as pernas levantadas o bastante para que minha
bunda e pernas ficassem totalmente empinadas em sua direção. Ele
não respondeu, eu sabia que não ia responder também.
Tateei a borda da pia para conseguir impulso e sair quando senti
uma farpa entrando em meu dedo indicador.
— Inferno — Murmurei com dor, tentando sair de lá e me
vendo presa.
Oliver soltou uma risada e se abaixou, a mão segurando a
minha para que meu dedo ferido não batesse contra a madeira e a
farpa entrasse ainda mais. Foi quando eu senti, ele totalmente
encaixado atrás de mim e o roçar nada delicado que suas partes
faziam na minha. Apoiei o peso do meu corpo nele e levantei com
sua ajuda, agora sentindo a respiração dele bater em minha direção.
Fingi que nada tinha acontecido e virei, olhando a farpa em
meu dedo e fazendo uma careta.
— Você pode tirar para mim?
Oliver assentiu, foi no kit de primeiros socorros e buscou uma
pinça. Sem que eu olhasse, ele puxou rapidamente a lasca de
madeira e eu nem senti, vi o sangue descendo.
Rapidamente, ele puxou meu dedo para sua boca e chupou o
sangue, me olhando como se eu fosse alguma divindade que os
deuses precisavam proteger.
Oliver soltou meu dedo, limpou com um algodão em álcool e
colocou um band aid em cima. Cocei a garganta, fingindo não ter
acabado de passar por aquele momento esquisito e comecei a
organizar as coisas da cozinha em ordem de cor, olhando os
temperos e tentando saber qual a paleta de cor eu deveria colocar
ali.
Sabia que eu devia organizar as coisas que iríamos usar hoje
no churrasco, mas metade de tudo já estava temperado.
— Seus pais chegam em Denver que horas? — Ollie
perguntou atrás de mim e eu parei, olhando por cima do ombro e
engolindo em seco mais uma vez. Graças a Mãe Vagina ele já
estava com uma camisa — Porque os meus chegam em quarenta
minutos e eu vou buscar eles no aeroporto.
— Ah, não tem problema. Eles chegam perto das onze só,
quer que eu vá buscá-los depois? Ou mando pegarem um Uber?
— Eu vou, de qualquer maneira. O pai sabe qual o caminho
da minha casa, vou passar no mercado e deixar o carro com eles,
depois eu venho e pego seus pais. — Assenti, sorrindo para ele em
seguida. Ele sorriu de volta e alguma coisa pulou dentro de mim.
Pela mãe natureza, no pior dos casos seria um cisto. No ainda pior
dos casos, seriam sentimentos — Vai querer alguma coisa?
— Shitake. Manjericão. Menta. Amora e framboesa. Acho que
só. Ah, refrigerante também!
— Você não vai beber? — Ele estranhou e eu neguei com a
cabeça, vamos deixar a bebida um pouco para trás — Ok então,
Rosie. Até logo.
Oliver se inclinou e deixou um beijinho em meus lábios. Sorri
quando ele saiu e senti aquele friozinho na barriga. Ok cistos,
podem ir parando por aí.
“NAT! Socorro, meus pais e os pais de Oliver estão vindo!
SOS URGENTE!!!!!”
(Mensagem de Anna-Rose para Natasha)

Deuses, eu realmente precisava de sexo. E não era qualquer


sexo, era sexo com ele. Eu podia ter brincado mais cedo e trocado
insultos carinhosos, mas eu realmente estava sedenta por Oliver na
minha cama, quer dizer, na nossa cama.
Não tinha para onde correr e nem como. Cada dia aquele
maldito acordo se tornava mais doloroso.
Tentei não pensar em trepar loucamente feito um coelho e me
concentrei nas coisas que tinha que fazer. Nosso quarto de
hóspedes finalmente estava vazio e não dormiríamos mais no sofá
por causa de visitas. Zara e Maya estavam bem treinadas e não
implicavam com toda e qualquer visita. Gucci estava em cima da
televisão, olhando para toda a sala com aquele olhar de quem sabe
todos os seus mais profundos segredos.
Ollie havia mandado emoldurar algumas fotos e uma amiga
dele fez uma pintura de uma fotografia minha. Sim, daquelas fotos
que mostram meus peitos e um pedaço de minha bunda.
Claro que, era algo mais abstrato e não estava claramente
desenhado, mas quem já tinha visto a foto, reconhecia de cara.
Maya e Zara ganharam também pinturas, Gucci não porque Ollie
disse que ela o odiava, mas eu sabia que só estava guardada
porque ele queria me dar de presente.
Não demorou muito para que, durante a limpeza, eu ouvisse
o toque do interfone. O porteiro ainda não havia liberado a entrada
dos pais de Ollie e eu logo autorizei, tentando não ficar tensa e
olhando minha roupa de faxina.
— Santa Freya, que o dia seja sem brigas e que ninguém
atire carne no outro. Que minha mãe não implique com tudo e que a
Sra. Karlsson não seja birrenta e maluca novamente. Por favor.
Foi quando a campainha tocou. Quis começar a chorar e fui,
lentamente e em passos de tartaruga, até a porta. Abri com um
minúsculo sorriso no rosto e quem me esperava era Kristoff.
— Anna! Como é bom te ver! — Suspirei aliviada e abracei
meu sogro, sorrindo ao ver Karin logo atrás dele.
— É muito bom que tenham vindo, de verdade. —
Cumprimentei minha sogra da mesma maneira e deixei os dois
entrarem, alertando que haviam duas cadelas de porte grande em
casa. Os dois logo se acomodaram no quarto de hóspedes e eu me
senti inquieta ao perceber que Linnea não estava ali — Onde está a
Linnea?
Karin me olhou como se fosse me matar. Isso mesmo, ótimo
momento de fazer perguntas inoportunas.
— Ollie e ela foram para o supermercado juntos.
Suspirei aliviada e quase me joguei no chão de felicidade.
Ótimo. Eles estavam conversando e isso já era algo 100%
fenomenal. Tentei me distrair com tudo e me segurei para não
telefonar para Oliver e perguntar o que estava acontecendo.
Conversei com todos e puxei assunto até onde não existia.
Não havia mais foto alguma quando ouvi a porta abrir e saí correndo
para a entrada da casa. Linnea me analisou dos pés à cabeça e
saiu correndo para o outro lado da casa.
Ok.
O que aconteceu?
Oliver estava bem atrás, o rosto não muito contente. Foi até o
balcão e pegou a chave do carro e olhou para mim daquele jeito que
eu não sabia explicar o que sentia. Parecia um ursinho necessitado
de carinho e atenção.
— Você precisa de alguma coisa? — Perguntei para o
homem parado na porta de casa.
— Você. — Ollie soltou o ar e passou a mão no cabelo —
Vem comigo, por favor.
Não falei mais nada, apenas assenti e calcei meus sapatos.
Oliver deu ré no carro e colocou na posição de partida quando eu
entrei ao seu lado.
Ele não disse uma única palavra, dirigia focado na estrada e
achava que estava disfarçando alguma coisa com sua raiva
concentrada nas mãos, ele achava mesmo que eu não conseguia
ver que o volante estava prestes a explodir?
Se Oliver apertasse só um pouco mais, ele pilotaria o carro
com um controle remoto. Ou não, ele compraria um volante novo só
para poder quebrar também.
Espera ainda, Oliver não vai quebrar esse volante. Deixa de
neura, Anna-Rose Carbain.
Chequei o horário no celular, faltavam ainda vinte minutos
para que o vôo de meus pais pousasse. Quando entramos no
estacionamento do aeroporto, apontei para uma vaga mais afastada
e agradeci por ser meio de semana, não estava tão movimentado
quanto nos horários comerciais ou de madrugada — quando as
passagens eram mais baratas e você podia viajar para qualquer
lugar.
Quando finalmente o carro estacionou, tirei o cinto e encolhi
minhas pernas, abraçando meus joelhos e encostando minha
cabeça neles.
— Você quer começar a falar? — Sugeri.
— Eu… — Oliver mordeu a boca por dentro e soltou o cinto,
afastando o banco por completo para ter mais espaço — Eu posso
não falar sobre isso pelos próximos dez minutos?
— O que você quer fazer nos próximos dez minutos?
— Senta aqui no meu colo. — Oliver deu dois tapinhas na
perna e sorriu sem mostrar os dentes — Eu só quero cheirar você
ou qualquer outra coisa esquisita que um casal faça.
— Você passa anos namorando e vira para mim pra falar
sobre coisas esquisitas que casais fazem? — Perguntei incrédula,
levantando de meu assento e sentando em seu colo logo em
seguida. Encostei minhas costas em seu peito e senti o encaixe de
seu corpo no meu. Oliver passou os braços ao redor de meu quadril
e encostou o queixo em meu ombro.
— Linnea e eu conversamos.
— Achei que não quisesse falar sobre a Linnea. — Murmurei,
virando o rosto na direção dele.
— Eu não quero. — Ele passou o nariz em minha bochecha e
soltou o ar lentamente — Mas se você puxar rápido, dói menos.
— Então, pode começar. — Beijei a ponta de seu nariz e
levantei os olhos até os dele — Ou não. Você quer falar sobre isso?
— Perguntei mais uma vez e ele sorriu fraco, negando — Vocês
estão se falando, pelo menos? — Assentiu, enfiando o rosto no meu
cabelo. Não ousei perguntar, eu sabia como ele se sentia em
relação àquela briga em especial. Era alguma coisa muito forte entre
os dois, uma conexão que vinha desde o útero e isso era algo que
eu não me metia — As coisas vão eventualmente ficar bem, Oliver.
Talvez agora não seja o momento certo para vocês dois, é cedo
demais. Por você tentar já é uma coisa maravilhosa e ninguém vai
te julgar se você parar por aí.
— Minha mãe fez chantagem emocional.
— Exceto por sua mãe. — Soltei uma risada nervosa e dei de
ombros — Mas ela é mãe de vocês dois, claro que vai fazer
qualquer coisa para que voltem a se falar. Está tudo bem. De
verdade. — Deixei meu corpo de lado e comecei a passar os dedos
pela barba dele — Ninguém vai te julgar se você não estiver bem.
— Você é minha esposa favorita, definitivamente. —
Estreitei os olhos com o comentário dele e deixei a risada
sair, negando com a cabeça em seguida. Oliver ficou me olhando
nos olhos por bons minutos, eu não conseguia desviar nem nada
parecido, era como… uma explosão acontecendo bem ali. Minha
barriga estremecia e minha boca pedia por ele.
— Eu não quero ir para casa, aguentar aquele churrasco e
me estressar mais. Eu quero dormir, ir para a cama com você,
nossas cadelas e nossa gata, ficar lá até sentir sono por não fazer
nada e reclamar de fome.
— Soa ótimo para mim. — Encostei minha testa na dele e
fechei meus olhos — Mas temos essa responsabilidade e em dois
dias seus pais vão embora, podemos só fingir que nada disso é
absolutamente terrível? Olhar o lado positivo das coisas, tipo… o
hambúrguer de meu pai é uma delícia.
— Esse é um ótimo argumento. — Oliver afastou meu rosto o
bastante para que encarasse meus olhos. Ok, se eu não virasse
gelatina naquele exato momento, eu sobreviveria a tudo nessa vida
— Eu não sei se eu já te disse isso antes, mas daria uma
mão inteira só para passar o dia inteiro só com você. De verdade, se
eu soubesse que poderíamos funcionar tão bem juntos, o primeiro
mês seria muito melhor.
— O segundo também — Dei de ombros, nosso segundo
mês não havia sido tão empolgante assim, mas pelo menos havia
aparecido um lado bom.
— O terceiro foi até bom, mas o quarto está sendo melhor.
Oliver puxou meu corpo e eu ajeitei minhas pernas, deixando-
as soltas atrás do banco. Seus braços fecharam ao redor de minha
cintura e eu aproveitei o abraço, encostando a cabeça em seu
ombro e respirando lentamente.
Porém, as intenções dele eram diferentes.
A boca desceu até meu pescoço e sua língua começou a
massagear minha pele, transportando arrepios por toda a área. Sua
mão foi parar na raiz de meu cabelo e só a menção do puxão
ascendeu minha buceta, era como se minha pele fosse feita de um
imã negativo e só Oliver fosse o lado positivo que grudasse.
Sua massagem subiu até a linha de meu maxilar e eu soltei um
suspiro fraco, fazendo o aperto dele em meus cabelos ficar ainda
mais forte.
— Ei… — Alertei Oliver, tinha alguma coisa que nos impedia
de fazer aquilo. Alguma coisa, não era? O que era? Engoli o gemido
e forcei minha voz — Não é justo que eu seja a única reagindo a
isso, Oliver.
Sua resposta me matou.
O desgraçado não podia simplesmente dizer que eu não era
a única, não, ele tinha que esfregar meu quadril no dele e forçar o
pau contra minha bunda.
Merda, descobri que quero que Oliver coma minha bunda
também.
Eu não conseguia, foda-se esse acordo. Nós queríamos
aquilo, nós iríamos fazer aquilo. Não tinha nada que pudesse
impedir isso.
— Seu telefone está tocando. — Ele me alertou e só aí eu saí
do meu estado de transe. Olhei o aparelho e vi o nome de minha
mãe na tela.
Eles haviam chegado.
Pronto Anna, agora é só você pensar que não tem nada que
te impeça de ganhar um milhão de dólares.
“Corra o mais rápido que puder, amg! Ninguém no mundo
merece isso!”
(Mensagem de Natasha para Anna-Rose)

Demoramos um pouco para buscar os pais de Anna, acho


que não era a coisa mais razóavel do mundo entrar no aeroporto
com a porra de um pau duro.
— Anna… — Chamei a mulher ao meu lado e um sorriso
sacana pousava em seus lábios, mesmo com os pais atrás, ela
parecia ter criado seu próprio mundo e nada a afetaria no momento.
Ela estava tão… linda. Espontânea. Alegre. Podia facilmente se
passar por um arco-irís.
— Oi?
Dei risada e neguei com a cabeça, rindo de mim mesmo. Eu
estava ridículo. Muito ridículo. O que diabos tinha acontecido?
Não era assim.
Bem, antes não era assim.
Eu sempre ouvi que todos os dias nos tornávamos pessoas
diferentes.
Sempre.
Nunca acreditei.
Se eu fosse uma pessoa hoje, como diabos eu poderia ser
outra amanhã? Parecia bem confuso na teoria. Na prática foi ainda
pior, era… aterrorizante. Nunca me falaram que esse termo era
usado em questão de ter outras pessoas envolvidas. Nunca me
falaram que você se torna outra pessoa por querer ser alguém
melhor a cada dia que passa.
Todos os dias eu queria ser uma pessoa nova.
Alguém melhor para Anna.
Alguém que ela gostasse de agarrar pelo corredor e reclamar
do bafo de manhã cedo. Era como…
Não, não. Não podia ser isso.
Anna percebeu minha nova expressão assustada e não falou
nada, mas perguntou com o olhar. Dei de ombros, respondendo
para ninguém em especial e fingindo não notar seus movimentos a
cada cinco segundos. Eu deveria prestar atenção na estrada,
deveria sim.
Assim que chegamos em casa, lembrei que eu tinha que
apresentar os pais de Anna aos meus.
Xinguei todos os demônios e soltei o ar lentamente, forçando
meu melhor sorriso e lidando com aquilo da pior maneira possível:
como um menino birrento.
— Ollie? — Anna me assustou, surgindo ao meu lado com
aquela cara de interrogação — Aconteceu alguma coisa?
— Não! — Rápido demais, Oliver. Sorria, acene, finja
tranquilidade — Por que? — Isso, se faça de sonso. Se fazer de
sonso é sempre uma boa opção.
— Nada. — Ela me olhou desconfiada e ajeitou a blusa, a
mãe parou ao lado dela e eu observei todas as semelhanças. Sorri
para Joseph e ele fez o mesmo, retribuindo meu ato. Pela primeira
vez em todo o tempo que eu conhecia os pais de Anna, como genro
ou só amigo da filha, eu não senti medo.
É o apocalipse.
Abri a porta de casa, Linnea ainda não estava à vista e eu
não me importei, meus pais arrumavam algo na cozinha e eu tentei
não rolar os olhos, isso era a cara da minha mãe.
Cocei a garganta, chamando atenção da mulher que me
colocou no mundo. O sorriso dela ficou tão largo que eu estranhei,
ela estava mesmo feliz?
— Mãe, essa é Riley Carbain e seu marido, Joseph. —
Apontei para os dois ao meu lado e logo me adiantei — Esses são
meus pais, Karin e Kristoff. Minha irmã também está aqui, mas ela
está…? — Olhei duvidoso para minha mãe.
— Tomando banho, Linnea estará conosco em breve. —
Assenti e os quatro se olharam, por favor não se odeiem — É um
prazer te conhecer! Anna e Ollie enchem vocês dois de elogios, e
bem, você! — Ela apontou acusatória para Joseph e eu gelei —
Você faz meu filho ter medo do escuro.
Bati minha mão na testa e Anna começou a rir, Joseph
abraçou minha mãe e meu pai, cruzou os braços e me olhou
incrédulo.
— Eu sou uma pessoa tão pacífica, menino. Deveria ter
medo dessa mulher aqui, ela sim é perigosa no escuro. — Ele
apontou disfarçadamente para a esposa e todo mundo começou a
rir.
— É o machado — Confessei, dando de ombros com um
sorriso envergonhado no rosto — Mas Riley também dá medo.
— E isso porque ele é capitão de um time de hockey, imagina
só se jogasse futebol? Ia ser mais frouxo ainda! — Fiz uma careta
para Anna e ela me mostrou a língua em seguida, soltando um beijo
no ar — Eu vou colocar um vestido e volto já, ok?
Assenti para ela e voltei minha atenção para os convidados.
— Meu filho, você está me decepcionando assim… — Meu
pai brincou e eu percebi que eles estavam se enturmando. Pedi
licença e balancei o telefone na frente de Anna, mostrando que eu
precisava fazer uma ligação.
Disquei o número de um dos meus amigos e fiquei o mais
distante possível da casa, me encostando numa árvore no quintal,
sempre observando se alguém estava se aproximando. Quando
Benj atendeu, eu tentei não entrar em desespero.
— Ei! — Me cumprimentou — O que foi?
— Ben… — Engoli em seco, pensando em como estava
sendo infantil — Como eu agia quando me aproximei da Nat?
— Que tipo de pergunta é essa? — Ele acusou — Você
ficava… bem, você ficava alegre demais, no começo pareciam dois
idiotas e sorriam o tempo todo. Mas era normal, Ollie. Você era um
homem apaixonado. Por que?
— Anna. — Tentei não entrar em pânico — A Anna… Eu…
— O que? Você acha que ela está apaixonada por você?
— Em que mundo você vive!? — Quase gritei no ouvido do
homem — Ela já assumiu isso. Eu estou falando de mim, seu
grande panaca. Eu acho que eu estou apaixonado pela Anna.
— Ê caralho — Obrigada! Aí sim uma definição que me
completava — Eu poderia perguntar como diabos isso aconteceu,
mas você deve saber melhor que eu. Certo?
— Você acha que eu sei? — Tentei não entrar em desespero
— Seja sincero comigo, por favor. — Pausei — Eu estou fazendo
algo errado?
— Por estar apaixonado por Anna? — Quis esmurrar ele mas
eu sabia que era uma pergunta retórica — Claro que não. Você não
escolhe, seu cabeção. Pode parecer errado pela Natasha, por soar
rápido demais. Mas ela não liga, Natasha não liga. Por que você
deveria ligar? Anna é uma pessoa maravilhosa e você sabe disso,
sabe que você pode dar tudo o que ela merece e tudo que ela quer.
Segurei o sorriso idiota que estava prestes a brotar em meus
lábios.
Calma aí, senhor apaixonado.
— Não surta com isso, não é como se vocês tivessem
escolha diante disso. Aconteceu. Agora, por favor, larga essa
porcaria de telefone e vai atrás dela. Se não eu vou te encher de
murro.
— Tudo bem, mamãe. — Respondi de forma malcriada e rolei
os olhos, rindo — Obrigada, Benj.
— Vai logo, Oliver.
Desliguei a ligação e guardei o telefone.
Diante do fato que eu achava e quase tinha certeza,
precisava encarar tudo diante de mim. Voltei para a cozinha e fiquei
no umbral da porta observando minha família com a dela. Por
incrível que pareça, Riley e minha mãe estavam no canto da
cozinha cortando frutas para assar, conversavam furtiva e
divertidamente.
Elas estavam conversando mesmo? E eu achando que as
duas não iam se dar bem. Anna, meu pai e Joseph estavam fazendo
hambúrgueres, pareciam animados com aquele pedaço de carne e
mal notaram quando eu fui lavar as mãos para ajudar as matriarcas.
Minha mãe congelou uvas e morangos, deixando um creme pronto
na geladeira. Riley estava fazendo o recheio de um cheesecake que
elas haviam tirado do inferno, mas ficaria pronto para mais tarde.
Linnea foi destinada a acender a churrasqueira e ir comprar mais
cerveja. Claro que, minha mãe havia sugerido que eu fosse com ela
porque ela podia se perder. E eu disse que ela sabia usar GPS.
Estávamos todos lá fora, já comendo e bebendo quando ela voltou
com mais cerveja. Peguei as caixas de sua mão e coloquei no
freezer, não fazendo muito caso disso.
— Ei. — Anna chamou minha atenção, sentando no balcão
mais baixo assim que eu parei. Suas pernas me alcançaram e eu
me deixei ser encaixado, passando os braços ao redor da sua
cintura
— Você está distante. É por causa da sua irmã?
— Não. — Respondi em meio a uma risada, brincando com o
seu cabelo — Eu só… — Me aproximei de seu rosto, beijando sua
pele muito de leve — Eu quero terminar o que comecei no carro.
Ela paralisou, nem havia mais sorriso em seu rosto.
Ah, ela estava imaginando variações do que poderiam ter
acontecido.
Eu poderia perceber em qualquer momento.
— Anna? — Riley a chamou e ela virou rapidamente com a
cabeça, não sabia pronunciar o próprio nome se tentasse — Tem
mais molho na geladeira, você pode buscar para mim? — Anna
assentiu e me empurrou bem levemente, desencaixando as pernas
de mim e pulando para direção da casa.
Foi quando eu vi, o jeito que ela me olhou ao adentrar a casa.
Um chamado.
Eu não era nem louco de recusar.
— Distraia eles. — Pedi para Linnea e eu sabia que ela ia
entender, pouco me importava se eu estava falando com ela ou não.
Mal entrei em casa quando meu corpo foi jogado contra a parede e
a boca de Anna contra a minha. Segurei suas coxas com força e
puxei para cima, trocando rapidamente a posição e a pressionando
contra a porta. Enfiei uma das mãos em seu cabelo e tentei conter
minha vontade de puxar os fios, mas ela me olhou de um jeito tão
necessitado que eu não hesitei em fazer força contra as madeixas.
Não quando eu ouvia um gemido tão gostoso como aquele saindo
de sua boca.
Anna rebolou contra meu pau e uma gargalhada sensual
ecoou de seus lábios entre os meus. Me afastei e estreitei os olhos
em sua direção, me segurando para não voltar o beijo naquele
momento mesmo.
— Nossos pais estão lá fora. — Ótima observação, Anna,
muito boa mesmo.
— Sua mãe pediu o que? — Perguntei baixinho, brincando
com sua pele entre meus dentes e me segurando para não morder
agora mesmo.
— Hmm, molho. — Essa voz não está ajudando. Não.
Nadinha.
— Molho. — Repeti, a ideia surgindo de forma tão suja que
eu quase senti vergonha. Quase.
Desvencilhei suas pernas de mim e beijei seu rosto de forma
casta antes dela cambalear até a cozinha. Eu notei o jeito que ela
esfregava as pernas uma na outra e não quis comentar nada porque
era provável que eu recebesse um prato na cara.
Não podia e nem iria julgá-la, eu estava da mesma maneira e era
até doloroso caminhar até ela, mas mesmo assim o fiz.
Fiquei parado ao lado da geladeira e quando percebi que não tinha
chance de o molho cair no chão, a puxei pela cintura e tirei a vasilha
de sua mão, deixando em cima do balcão e prendendo seu corpo
ali.
— Se minha mãe aparecer aqui, eu te mato. — Anna
começou a rir e eu fingi que não era comigo, massageando seu
pescoço com a língua. E ela poderia ter me ajudado, poderia sim,
mas não, ela não ficou quieta e começou a esfregar a porra da
bunda em meu pau — De onde surgiu esse fogo todo?
— Sua culpa. — Fiz questão de morder seu ombro antes de
receber outra rebolada dela — Um homem apaixonado não pode
ficar duro por sua esposa extremamente gostosa?
Eu sabia que ela tinha notado. A escolha de palavras. O jeito
de revelar. A forma banal de dizer aquilo como se fosse um simples
bom dia, mas com significados muito maiores do que nós dois
podíamos saber.
— Então eu tinha que marcar um jantar. — Mais uma vez,
aquele maldito rebolado. Ela alcançou minha mão e a levou até a
borda do vestido e começou a puxar como se não fosse nada
demais — Uma mulher apaixonada não pode chupar seu marido na
cozinha em plena luz do dia! Você devia ter me avisado antes.
Eu não respondi, estava ocupado demais trilhando os dedos para
dentro de sua calcinha. Ocupado demais sentindo a umidade em
sua carne. Ocupado demais brincando com seu clitóris inchado e
causando arrepios na pele dela. Ocupado demais enfiando dois
dedos boceta adentro e causando ainda mais reboladas
amaldiçoadas.
Se pudéssemos disputar qual dos dois estava mais excitado,
seria uma brincadeira ridícula.
Anna retirou minha mão e se virou para mim, seus olhos
escuros de tanto desejo.
Eu já havia visto muitas cenas como aquela, mas eu soube,
no momento que aconteceu, que eu nunca superaria Anna-Rose
Carbain lambendo meus dedos e trazendo minha mão de volta para
sua calcinha depois.
Fazendo movimentos circulares ao redor do próprio clitóris
com a minha mão por baixo, guiando, mostrando.
Eu não aguentei.
Avancei em sua boca e concentrei tudo o que eu queria fazer
com ela, naquele beijo.
Não parei para respirar.
Nem quando uma de suas pernas enroscou em mim, dando
mais acesso a minha mão enquanto eu conseguia ouvir o barulho
dos meus dedos trabalhando.
Nem quando ela enfiou uma mão em meu cabelo e começou
a me arranhar com outra.
Nem quando ela soltava gemidos baixos e murmúrios
parecidos com meu nome.
Eu só parei quando Anna mordeu minha boca com força e se
afastou, fechando os olhos em seguida e tremendo em meus
braços.
Os gemidos baixos que saíam da boca dela, eu podia ouvir
aquilo para sempre.
A forma que ela apertava as unhas em minha pele com sua
boceta se contrariando ao redor de meus dedos para avisar que
tinha chegado lá.
Um sorriso extremamente ridículo pousou em seus lábios e
eu juro que eu poderia fo…
— Crianças! Vocês vieram fazer o molho?
Rapidamente escondi minha mão para não mostrar onde ela
estava e sorri abertamente para minha sogra.
— Nos distraímos, mil desculpas. — Riley veio até o balcão e
pegou o molho atrás de Anna, não estava prestando muita atenção
na gente.
Então ela não viu quando eu tirei a mão de dentro da calcinha
da filha dela, muito menos quando deslizei os dedos melados pelos
lábios de minha esposa e lambi em seguida.
— Vocês, jovens… — Ela parou no portal da cozinha e voltou
sua atenção para nós dois — Vocês deveriam vir comer, o molho de
Anna é uma delícia e quase nunca dura.
— Já comi e não posso negar — Anna arregalou os olhos e
eu lambi até a última gota dela de meus dedos —, o melhor que eu
já pude provar.
— Estamos indo, mãe! — Sua voz finalmente saiu e assim
que sua mãe desapareceu, ela me deu um tapa — Eu odeio você.
— O que eu fiz? — Perguntei de forma inocente, brincando
com a borda do vestido dela e tentando não pensar na ereção
latejante no meio de minhas pernas. Bolas azuis, aí vou eu — Você
fez molho quando comemos nachos semana passada, nunca comi
melhor que aquele.
— Oliver! — Ela me bateu mais uma vez e eu beijei sua
bochecha, pensando se uma compressa de gelo aliviaria a minha
situação.
— Você é muito maldosa, Senhora Karlsson. — Rolei os
olhos e ajudei ela a se recompor — Mas eu quero mais molho sim,
por favor.
— Quer? — Sua pergunta soou maliciosa e ela olhou
rapidamente pela janela, apontando para o meio de minhas pernas
e fazendo cara de birra quando eu neguei porque não dava tempo.
Não com nossas famílias lá fora.
— Quero.
— Quando?
Gargalhei com o tom ansioso de sua pergunta e respondi em
seu ouvido antes de subir para nosso quarto e dar um jeito naquele
volume.
— Hoje de noite. Direto na minha boca.
“Summer Park promove o primeiro
desfile de sua nova coleção.”
(Daily News)
Dizer que eu estava frustrada ao entrar em meu quarto era
eufemismo, eu queria matar alguém.
Explodir uma pessoa.
Colocar fogo e ficar assistindo.
Dar alguém de presente para Hannibal Lecter e depois jantar
com ele.
O motivo de toda essa raiva era até infantil, bem imaturo e
com certeza, sentimentos de uma mulher que está com todos os
hormônios à flor da pele. Todos. Inclusive com sangue além de
hormônios. Muito sangue.
Eu estava menstruada.
Havia esquecido completamente da porcaria da pausa do
anticoncepcional e quis morrer de ódio.
E queria assassinar todo mundo que aparecesse em minha
frente, porque além de estressada, eu estava doida pra dar.
Eu mal conseguia respirar perto de Oliver sem querer montar ele e
ficar ali até doer as pernas ou bem, o pau dele.
Foi uma situação bem engraçada. Estávamos no churrasco.
Com mais fogo que o inferno.
Meus pais conversavam animadamente com os pais dele. Até
Linnea estava menos insuportável. Eu levantei para pegar mais
cerveja e senti o corpo do jogador encostar por trás do meu.
Estava toda feliz achando que ia receber mais alguma coisa.
Ouvi as palavras que menos queria ouvir na minha vida:
— Seu vestido tá todo melado de sangue.
E de fato, estava. O pior de tudo não era o fato de eu estar
menstruada quando Oliver e eu acertamos tudo e colocamos todas
as cartas na mesa — na verdade, era o pior sim, mas vamos fingir
que não —, mas sim o pequeno detalhe que a vida gostava de me
mostrar a cada período.
Eu não menstruava regularmente, era toda fodida em relação
a isso. E com esse pacote, minha TPM não era antes da
menstruação, e sim durante. Por isso que, eu tinha me isolado no
quarto e não estava querendo falar com ninguém. Eu ficava
insuportável quando tinha sangue no meio de minhas pernas.
No momento? Pés pendurados na parede, álcool e algodão
no umbigo e uma compressa quente por cima do ventre.
Minha gata massageava levemente meu braço para poder
fazer de travesseiro e minhas duas cadelas estavam deitadas ao
meu redor. Oliver não ousou encostar, porque, segundo ele, a girl
gang da casa iria se juntar contra ele.
Eu já tinha tentado fazer milhões de coisas e tudo tinha dado
errado. Tudo. Tudo. Meu Photoshop havia vencido, o Lightroom não
queria atualizar e Maya havia feito o favor de comer o cabo de
minha câmera, empatando minha possibilidade de descarregar as
poucas fotos que eu tinha que entregar. Lib já havia selecionado as
dela e era de pouca preocupação, a russa tinha pego tudo.
Mas eu precisava entregar as fotos da agência e nenhum dos
outros fotógrafos tinham como me emprestar um cabo.
Ouvi a porta batendo levemente e pelo barulho alto demais,
ajeitei a cabeça para ver Oliver entrar no quarto.
Sua cara não era das boas.
Ele estava abatido.
Os olhos avermelhados.
Como se um caminhão tivesse passado por cima dele.
— Ollie? — As meninas logo foram em cima dele e Oliver não
conseguiu dar muita atenção para as cadelas. Ele sentou na cama e
eu me desfiz de todas as coisas e ignorei as dores para encostar
nele — O que aconteceu?
Ele respirou de forma profunda aproximadamente duas vezes
antes de falar.
— Se Amy chegasse aqui agora e falasse que podemos nos
divorciar, o que você falaria?
Congelei.
— Porque você está me perguntando isso?
— Eu estava com o treinador e depois fui para terapia e… O
terapeuta começou a me perguntar um monte de coisa e isso veio à
minha cabeça. Essa pergunta. E eu queria saber o que você
achava, eu preciso saber o que você acha porque eu sinto que a
resposta que eu espero não é a mesma que você quer.
— Oliver, do que você está falando?
Eu não gostava do rumo daquela conversa.
E honestamente, o que eu mais estava pensando era como
às coisas estavam bem demais e poderiam acabar naquele exato
momento — e eu não tinha sentado na porra daquele pau ainda.
— Se Amy chegasse agora e pedisse os papéis do nosso
divórcio, você aceitaria?
— Sim — Respondi.
Oliver me olhou de forma magoada.
— Sim? — Sua voz falhou.
— Não porque eu não quero ficar com você, mas… Ser
casada é totalmente outra coisa. Eu quero ir a encontros, eu quero
sair para jantar e ficar empolgada com um beijo… Receber flores ou
qualquer outra idiotice. E eu queria que em qualquer outra situação,
não precisássemos estar fingindo uma coisa mais elevada do que já
é.
Oliver engoliu em seco de forma aliviada.
Me senti importante naquele momento.
— Então você acha que devemos pedir o divórcio?
— Sim, Oliver.
— Mas devemos continuar juntos?
— Se você quiser, sim.
Oliver não pensou duas vezes antes de vir até mim.
Suas mãos foram até meu pescoço e sua boca bateu
diretamente contra a minha.
O fato de eu estar menstruada piorou tudo de um jeito
descomunal, no momento que eu senti sua língua entre meus
lábios, imaginei ela no meio de minhas pernas.
Quando Oliver puxou meu cabelo com mais força, imaginei ele me
comendo de quatro e fazendo força contra meu cabelo para que eu
ficasse rente a ele.
Quando sua boca desceu meu pescoço e sua língua
encontrou minha pele, imaginei que estava sentando no pau de
Oliver com força enquanto seus gemidos eram abafados contra meu
decote suado.
Inferno.
Milagrosamente e sempre com um timer perfeito, o telefone
de Oliver começou a tocar.
— Um momento…
Oliver beijou minha cabeça levemente e se afastou, me
deixando encolhida no canto da cama.
Eu ouvi cumprimentos. Concordâncias. Muitas palavras.
Ollie voltou logo depois e eu ainda estava no mesmo lugar.
— Ei… — Sua mão brincou com meus cabelos e eu levantei
o rosto levemente, com medo de ser mais alguma pergunta sobre
divórcios que eu não sabia mais responder — Você acha que tem
condições de viajar esse fim de semana?
Estreitei os olhos. De verdade? Não. Mas eu precisava fugir
do ócio.
Era uma chance e procrastinar não era exatamente uma
opção.
— Depende, é para trabalhar?
— Não. — Sua voz ainda estava calma, Oliver acariciou meu
rosto e eu beijei sua mão — Mas vamos precisar pegar um avião.
— Você vem também? — Ok, se meus olhos brilhassem,
seria mais ridículo. Mas eu tenho certeza que eles brilharam.
— Eu recebi o convite há algum tempo, mas… — Ollie
pausou e sorriu em seguida — Você está doida pra saber o que é,
né?
— Ursos nem cagam na floresta — Sentei na cama num pulo,
arregalando os olhos e balançando a mão dele.
— Você se lembra do Benjamin?
— Modelo famoso, lindíssimo, embaixador da Prada e
provavelmente para quem eu venderia meu rim contanto que ele me
colocasse nas passarelas?
— Mais tarde falaremos sobre esse seu crush no Benj… —
Oliver rolou os olhos e eu senti uma pontada de ciúmes que sua voz
transpassava — Enfim, você não vai precisar vender seu rim.
— O QUE? — Nem fingi que não estava gritando, era maior
que eu.
— Isso mesmo, senhorita — Ollie me deu um beijinho na
testa, na verdade nem sei como ele havia conseguido isso porque
eu pulava feito um pinsher — Agora, se você começou a gritar com
a menção do desfile, se me permite… — O homem tapou as orelhas
e eu sabia que poderia surtar naquele momento — Você conhece
Summer Park?
Oliver tapou os ouvidos de idiota, porque eu nem consegui
gritar.
Summer Park era uma das ex-modelos mais bem pagas do
mundo, dona de uma grife de bolsas belíssimas — e que só uma
delas pagaria minha faculdade — e uma das pessoas mais
influentes da Europa. Tudo o que Summer tocava, virava ouro.
Isso se não falarmos do gostoso do filho dela.
— Eu vou desfilar para Summer Park?
— Se você aceitar, é claro. Uma das modelos torceu o
tornozelo e Schnetzer me ligou na hora, ele disse que mexeu uns
pauzinhos lá dentro para que você pudesse entrar.
— Puta merda.
— Posso dizer que você aceita?
— CLARO QUE SIM! Eu preciso arrumar minhas coisas, eu
preciso esfoliar meus pés e fazer minha sobrancelha. Meu Deus, eu
preciso hidratar meu cabelo — Comecei a me desfazer dos lençóis
e levantei rápido demais, enganchando meus pés na cama e caindo
com a cara direto no piso de madeira do quarto. Meus braços
estavam jogados para trás em desistência e eu estava tão fodida
que nem liguei para dor no momento — Mas primeiro eu preciso
levantar. Amorzinho, me levanta. — Falei com a voz mais fofinha e
simplória possível, estendendo um dos braços para um Oliver que
estava segurando a risada com todas as forças do cu.
Mas ele só me ajudou a levantar e falou as palavras que aqueceram
meu coração de uma forma inimaginável:
— Quer gelo para o rosto e chocolate quente para os
ânimos?
— Marshmallow também.
— Eu acho que minha menstruação foi embora. — Disse
para ninguém em especial ao apreciar o absorvente limpo. Quer
dizer, foram três limpos seguidos, não é possível que a vida fosse
me foder tanto assim.
Mas eu não podia apostar. Ela gostava de fazer isso.
Por pura precaução, coloquei um absorvente na bolsa e uma
calcinha limpa.
Eu estava exausta, morta de cansaço. Não consegui pregar o olho
uma única vez no avião e para completar, tive que comprar um cabo
de última hora e me livrar de todas as antigas fotos que estavam no
meu cartão, já que eu não achava nenhum dos extras que eu
carregava comigo para todos os lugares.
Eu não duvidava que Zara tivesse comido ele.
Oliver perguntou um milhão de vezes porque eu estava
levando minha câmera se eu ia trabalhar como modelo, mas
ninguém em sã consciência deixaria uma situação dessa escapar.
Nunca.
Não quando você vai desfilar para uma pessoa muito famosa
e tem tanta gente influente por perto.
E também o fato de, como boa abestalhada, eu queria
registrar tudo.
Com qualidade.
Ollie, por outro lado, estava estirado na cama no seu décimo
oitavo sono. Iríamos para o evento em uma hora porque eu
precisava estar lá muito antes das pessoas começarem a chegar.
Por liberdade e intimidade que eu mesma havia dado, me
permiti ligar para Benjamin Schnetzer e xingar ele de todos os
nomes que eu sabia.
Numa conversa bem civilizada — e em francês, pois eu havia
descoberto que ele também falava a língua —, eu disse que se ele
arranjasse outro evento para mim e só me avisasse dois dias antes,
eu seria a razão pela qual ele não teria filhos.
E por dentro eu pedia para ser mãe deles.
Pegamos um voo nessa madrugada e reservamos um quarto
de hotel para uma única manhã. Quando o evento acabasse,
iríamos direto para o aeroporto e depois, casa.
Aí sim, eu tinha certeza de que eu dormiria toda a viagem.
— Ollie? — Chamei suavemente, empurrando seu ombro de
forma leve. Nada. Nem se mexeu na cama. Era bem difícil empurrar
um homem de quase 2m e que é coberto de músculos — Oliver?
Nada.
Pulei em seu colo e apertei minhas coxas ao redor de seu
quadril, me abaixando até ele para passar meu cabelo por seu rosto
e ouvir o espirro forte e um xingamento seguido.
Ok, ele estava acordado.
— Se isso é uma tentativa de me tirar da cama, você foi
péssima. — Suas mãos foram para minha cintura e eu soltei uma
risada nervosa, era sim — Podemos ficar por mais uma semana na
cama?
— Só se você conseguir adiar o evento por uma semana. —
Beijei seu rosto e a mão que foi parar na minha nuca, me impediu
de se afastar.
Nossos lábios se esbarraram e eu nem estava louca de negar
aquilo. Abri a boca contra a dele e deixei nossos gostos se
misturarem, sua língua brincar contra a minha e o desejo por ele
dominar cada parte de meu corpo. A mão restante de Oliver desceu
até minha bunda e eu recebi um aperto junto com um empurrão
contra seu pau.
E aí eu me toquei.
Eu não estava menstruada.
Eu tinha certeza de meus sentimentos por Oliver.
Oliver tinha certeza dos sentimentos por mim.
Nada estava entre nós dois.
Bem, exceto por um evento que duraria metade de um dia e
que me colocaria num avião por umas dez horas e depois, jet lag e
cansaço que me fariam dormir por dois dias.
Só isso.
Mas brincar nunca foi ruim.
Até que eu percebi que uma mão estava tentando se infiltrar
em minha saia.
Abortar missão.
— Não. Não. Não. — Repeti, mudando o tom de voz para
cada vez que eu falasse — Nada disso.
— Nem se for rápido?
— Olhe bem para meus olhos e me diga com certeza
absoluta de que se formos trepar nesse exato momento, vai ser
rápido. — Ele não conseguia mentir tão bem. Não quando havia
muito tempo de tensão sexual entre nós dois e tanto desejo
acumulado que eu podia ficar facilmente trancada um mês inteiro no
quarto com ele.
Ollie estreitou os olhos. Aqueles olhos castanhos lindos e que
me levavam do céu para o inferno em duas piscadinhas.
— Eu tenho… — Ele pausou, fazendo uma careta e me
jogando do outro lado da cama em seguida — Eu não sei mentir.
Comecei a rir e ele mostrou a língua para mim num ato
infantil, se encaixando entre minhas pernas e me apertando contra
si. Oliver ainda me estudava quando eu peguei minha boca na dele,
mordendo seus lábios antes de iniciar o beijo.
A língua dele se movia de um jeito… de um jeito que eu podia
facilmente pensar que era aquilo que ele faria… que ele faria
quando...
Quase engoli em seco.
Mas foi Oliver quem diminuiu a velocidade do beijo. Foi ele
quem me puxou pelo quadril e me sentou no colo dele, os lábios se
mexendo suavemente contra os meus. Massageando. De forma
lenta e gostosa. Apreciando. Aproveitando o gosto.
Passei os braços ao redor de seu pescoço e comecei a fazer
carinho em seu cabelo, sentindo suas carícias em minha pele e
sabendo que aquele momento era uma tentativa singela de suavizar
as coisas naquele quarto. De dizer que precisávamos ir devagar.
Era carinho. Puro. Amoroso.
— Precisamos ir daqui a pouco. — Ollie disse contra minha
boca. Ainda de olhos fechados, assenti com a cabeça, sentindo
meus lábios tocarem seu rosto e sua boca — Abre os olhos.
Eu obedeci.
E quase chorei com o que estava em minha frente.
Raios de sol atravessavam as cortinas e janelas e pareciam
ter pousado diretamente nele. Seu cabelo brilhava contra a luz e
seus olhos tinham tanta iluminação que pareciam castanho em vez
de preto. A boca dele estava avermelhada e ainda com resquícios
de que eu estive ali. A barba grande, com pêlos maiores e
bagunçados.
O sorriso apaixonado em seus lábios. Estampado com aquele
jeito bobo.
Aquele brilho que só quem está do outro lado, consegue
enxergar.
Era lindo. Minha própria pintura.
Nem mil câmeras seriam capazes de capturar como eu pude
vê-lo naquele momento. Nem o melhor fotógrafo do mundo faria jus
a obra de arte que estava em minha frente.
E aquele jeito que ele me olhava. O desejo em seus olhos, o
carinho e paixão. O zelo.
Eu podia facilmente ver essa cena todos os dias da minha
vida antes de dormir e ao acordar.
E o clique foi bem rápido e indolor.
Eu podia facilmente ver essa cena todos os dias. Pelo resto
da minha vida. Eu queria ver essa cena pelo resto da minha vida.
Eu não tinha certeza se eu conseguia respirar.
— Você parece que vai vomitar.
Eu sentia que ia sim vomitar. Que se abrisse minha boca, ia
sair qualquer merda que não fosse o que eu realmente queria dizer.
Respirei fundo e ignorei a água em meus olhos, o nariz ardendo e a
vontade enorme de chorar.
— Eu preciso te perguntar uma coisa. — Minha voz saiu um
cu de fraca e eu engoli tão seco que doeu. Oliver enxugou minhas
lágrimas e eu queria me bater e me mandar ficar calma — Se
tirarmos esse título de esposa que foi algo que não tivemos
escolha… o que eu sou sua?
Havia dúvida no olhar dele. Não por não saber, mas por
querer entender porque diabos eu estava perguntando aquilo.
— Você é minha namorada.
Ok. Eu ia morrer. Ia sim. Eu ia morrer nesse exato momento e
no meu documento de óbito ia estar bem grande: a culpa foi de
Oliver Karlsson.
— Eu sou sua namorada?
— Você está bem? — Ele perguntou só para saber se eu
estava realmente ouvindo o que ele falava — Você é minha
namorada. Minha melhor amiga. Meu amor. Minha fotógrafa. A
mulher que eu sou apaixonado. Minha parceira. O que você quer
ouvir?
— Não era isso. — Meu nariz ardia tanto que eu sentia que ia
morrer — Não era nada disso. Ai meu Deus, ai meu Deus. Olha pra
mim. — Ele o fez e eu sentia que o conhecia tão bem aquela altura
do campeonato, que podia facilmente detectar qualquer sinal de
mentira — Se os papéis de divórcio chegassem agora, você
assinaria?
Refiz aquela pergunta maldita que tinha atormentado minha
vida dias atrás.
Só que agora nem eu sabia mais o que estava vindo.
Era uma pergunta que ninguém sabia se queria ouvir. Mas a
resposta foi cavar minha cova e comprar um caixão bem lindo e
cheio de glitter para mim.
— Não.
E eu sabia que era verdade.
— Vá tomar banho. Temos um evento em meia hora. —
Disse com toda autoridade em minha voz — E se você for rápido, eu
deixo você dormir na minha bunda.
Oliver começou a rir, ele percebeu meu nervosismo, minha
corrente de emoções e tudo que estava borbulhando dentro de mim.
Se desfez de meus braços e me deu um beijinho rápido.
— A última coisa que eu faria com sua bunda era dormir nela.
Joguei um travesseiro em sua direção e comecei a rir. O dia
estava lindo. O mês era lindo. A vida era linda. Abracei o travesseiro
que continuou na cama e sorri de orelha a orelha, tentando não
parecer uma maluca.
No mesmo bom humor, saímos do hotel quando Ollie ficou
pronto. Todo o equipamento e malas estavam com a gente para que
partíssemos direto do desfile.
Não demorou muito para chegarmos e eu tentei agir com
toda a naturalidade do mundo, eu tinha que me acostumar com
pessoas assim. Famosas e ricas.
Era totalmente normal e… aí meu Deus, aquela é a Rihanna?
Ok, Anna. Agir normalmente.
Segui direto para o camarim e quando entrei, fiz de tudo para
não soar como alguém que nunca tinha lidado com gente muito
famosa antes. Uma coisa era você me colocar diretamente com
jogadores de futebol ou sei lá, Benjamin Schnetzer, outra coisa era
estar no mesmo cômodo que a Bella Hadid. Eu ia desmaiar.
— Oi — Ela falou comigo. Por todos os deuses existentes.
Ela falou comigo — Eu te conheço de algum lugar, certo? Você…
Você estava com Benjamin Schnetzer num evento um tempo atrás,
correto?
— Sim — Foi o máximo que consegui falar — Anna-Rose —
Estendi minha mão para ela, que apertou com vontade e um sorriso
enorme no rosto — É um prazer te conhecer.
E depois disso, tudo só melhorou.
Além de Summer Park ser uma das pessoas mais simpáticas
do mundo, ela me convidou para participar do próximo lançamento e
pediu o contato do meu advogado para mandar os contratos. Eu
nem tinha um advogado para resolver isso.
A maquiagem havia sido simples, já que o foco deveriam ser as
bolsas, que por acaso estavam tão lindas! As roupas seguiam a
linha monocromática, cada modelo usando um tom que destacava a
bolsa que carregava.
Quando chegou a minha vez, quis desmaiar.
Mas imaginei que todas aquelas pessoas haviam comparecido ao
evento por mim e dei o meu melhor. Oliver estava nas primeiras
cadeiras, sorria de orelha a orelha e seu celular estava me
gravando.
Ele podia ser a própria Kris Jenner nesse momento.
Tentei não respirar fundo na frente dos flashes, mas havia me
acostumado demais a ser quem estava daquele lado e não desse.
Quando terminei a volta e retornei para o lugar de partida, percebi
que minhas pernas não haviam tremido em nenhum momento. Meu
coração, pelo outro lado, parecia que ia sair pela boca.
E por incrível que pareça, aquela sensação era incrível.
Eram muitas pessoas bonitas, muita decepção entre quem eu
considerava famoso e surpresas maravilhosas em quem eu achava
ser insuportável.
O tempo foi passando e mais cansada eu ficava. Eu queria
dormir durante horas e não sabia nem como iria pegar um avião
com a cara de ressaca que eu provavelmente tinha estampado em
meu rosto.
— Ei! — Benjamin surgiu logo ao meu lado e eu arregalei os
olhos rapidamente, tomando um susto e sorrindo — Você e o Oliver
vão dormir na casa da minha mãe.
— Oi?
— Ollie estava me dizendo que vocês dois tiveram um dia
louco e eu disse que vocês iam dormir na casa de minha mãe e que
depois voltariam aos Estados Unidos.
Encarei o britânico, não acreditando no que ele estava
falando. Eu já era íntima de todos os modelos, segundo eu mesma,
então deixei minha mão na cintura e fiz cara de brava.
— O capitão sabe disso? — Benjamin começou a rir quando
eu perguntei.
— O seu capitão ou a minha capitã? — Arqueei as
sobrancelhas para a piada dele e logo sua risada foi calada — Não,
ela não sabe, mas Elizabeth não está em casa e tem total ciência de
que o verdadeiro dono da casa dela sou eu, então ela não vai
questionar, vai por mim.
— Confio em você. Pelo menos eu acho. — Dei de ombros e
aceitei a derrota. Quem era eu para questionar quem tinha
conseguido realizar meu sonho.
Muitas horas depois — só uma, mas muitas na minha cabeça
—, estávamos indo para casa. Fui dispensada e questionei a mãe
de Benjamin trinta vezes se não era incômodo mesmo que eu
dormisse em sua casa. Ela nos passou o endereço e Ollie e eu
fomos antes de Benjamin e seus convidados, estávamos muito
cansados. Os seguranças já haviam sido informados e ao ver o
tamanho da casa, eu soube porque Elizabeth não tinha se
importado.
Nossa senhora.
Agora fazia total sentido Oliver ter passado coordenadas para
achar o quarto.
— São letras. São a porra de letras. — Murmurei, me
sentindo num tipo de universo paralelo que eu nunca entenderia —
Um dia eu vou ser tão rica que eu vou chamar Elizabeth Alexander
pra dormir na minha casa — Quarto B. Nós somos importantes.
— Eu vou chorar quando ver essa cama — Oliver murmurou
ao meu lado e assim que achamos o quarto, foi quase isso que
aconteceu.
A cama enorme e totalmente convidativa estava lá, lindíssima
esperando alguém se jogar nela. Fechei a porta e eu nem pude
colocar direito às bolsas na cômoda que o barulho de Oliver se
jogando contra a cama soou mais alto.
— Ollie, você está sujo. Levanta daí, a cama tá limpa.
— Deixa disso — Me censurou, rindo em seguida e rolando
de um lado para outro — Me ajuda a tirar os sapatos.
E só porque eu estava de bom humor, ajudei. Mas também forcei
ele a tirar os meus e fiquei pelo menos dez minutos deitada no chão,
apreciando como a vida tinha suas surpresas.
— Ei. — Chamei Oliver, que estava deitado na cama com a
cabeça pendurada em minha direção — Eu amo você.
Seu sorriso foi tão sereno que eu não podia ter recebido uma
resposta melhor.
— Espera, eu preciso rolar para o chão e você diz de novo.
— E como se não fosse nada demais, ele realmente rolou pela
cama e caiu no chão, vindo em minha direção e parando ao meu
lado com aquela cara linda que eu queria sentar — Repete.
— Eu amo você. — Apertou os braços ao redor de mim com
força e encheu meu cabelo de beijos — E eu não estou dizendo
querendo que você imediatamente se sinta pronto para me dizer o
mesmo, eu estou dizendo porque eu preciso que você saiba.
— O que é uma pena, eu estava prestes a repetir essas
palavras. — Ollie segurou meu queixo e levantou em sua direção
— Eu amo você.
Na busca de uma reação melhor, avancei em seus lábios de
forma devagar, no mesmo ritmo que estávamos mais cedo.
Dedos e cabelos. Braços e pernas. Duas pessoas se enrolando pelo
chão. A lentidão foi se perdendo em meio ao caos que se formava
naquele chão.
Fui a primeira a me incomodar com roupas, sumindo com a
camisa de Oliver.
Sua língua deslizou para meu pescoço e eu tremi quando
meu cabelo foi puxado com tanta força que minha cabeça se
inclinou junto. Tremi quando ele abaixou as alças de meu cropped
com os dentes, espalhando saliva e mordidas por toda minha pele.
E então ele parou.
Do nada.
Parou.
Parou.
— Você não estava menstruada?
Ah, vai pra puta que pariu.
— Eu nem estava aqui se estivesse menstruada, seu idiota.
A compreensão atingiu seus olhos.
— Precisamos conversar.
— Eu acho que esse não é o momento certo para isso, Ollie.
— Arregalei os olhos em obviedade e soltei o ar lentamente,
afastando o homem de mim — Fala.
— Eu… — Ele coçou a barba e deu risada, estava ficando
vermelho. Vermelho como um pimentão. Oliver estava com
vergonha? — Se eu fizer algo que te machuque, você pode me
avisar?
— Por que diabos você me machucaria? — Não entendi sua
pergunta.
— Por causa dos machucados já existentes — Compreendi,
mas aquilo não era exatamente algo que eu queria lembrar agora
— Eu tenho medo de apertar alguma coisa e doer.
— Oliver… — Quase cantarolei, não sabia como desenvolver
aquilo de forma certa — Você tem liberdade para fazer qualquer
coisa que quiser, se doer ou me machucar, eu te aviso. Ok?
— Tem certeza?
— Eu faço terapia o suficiente para saber que você não vai
tentar me matar aqui, nem me sufocar com força o bastante para
que eu morra. Eu confio em você.
— Certeza?
Perguntou como se fosse uma aprovação. Como se
perguntasse o que eu achava.
Sorri para ele de orelha a orelha, dedilhando sua perna.
— De uma coisa eu tenho certeza absoluta, Oliver. Vou ficar
muito decepcionada se minhas pernas estiverem inteiras amanhã.
“Ed, você é a última pessoa que eu espero dizer isso, mas
não sei se consigo falar desse assunto com Nat. Acho que vou
transar com Oliver hoje e preciso de apoio moral para não surtar. É
isso, obrigada.”
(Mensagem enviada por Anna-Rose para Edward antes
deles chegarem à casa de Elizabeth)

Anna me encarava assim como eu a encarava. Sem


nenhuma reação para o que poderia vir a seguir.
Eu sei que soava idiota aos olhos de outras pessoas, porque
nós não estávamos adiantando tudo? Porque não tínhamos
começado aquilo que tanto queríamos?
Pelo olhar dela, eu sabia que nenhum dos dois conhecia a
resposta para aquela pergunta.
— Eu posso tentar ser mais carinhoso. Se você quiser.
Anna suspirou longamente, eu não sei como ela não tinha me dado
um murro ainda. Mas a ideia de causar qualquer tipo de dor nela me
deixava assustado demais.
— Vamos deixar uma coisa clara, ok? — Anna levantou e
puxou seu corpo para cima — Eu quero que você me foda como
nunca fodeu outra pessoa. Que você faça tudo o que sabe fazer e
deixe quantas marcas quiser. Eu amo você, Ollie. Eu sei que você
não me machucaria. O que acontece entre nós dois aqui não tem
relação alguma com o que aconteceu no passado com qualquer
outra pessoa. Estamos entendidos?
Mesmo Anna já tendo me dito basicamente aquilo, sua
atitude foi como uma bandeira verde para que eu finalmente
prosseguisse.
Segurei as pernas dela e puxei de vez, encaixando-a ao
redor de meu corpo e segurando com força o bastante para que
conseguisse encostar Anna-Rose na parede do quarto.
Ela correspondeu rapidamente, os lábios desesperados pelos meus,
às coxas se apertando ao meu redor como se não quisesse sair dali
nunca. Me afastei só para puxar de uma única vez o cropped que
ela estava usando, a deixando totalmente nua da cintura para cima.
Havia algum tipo de fogo no olhar de Anna.
Nunca uma faísca.
Sempre um vulcão.
E eu nunca quis tanto me queimar como agora.
Trouxe seu corpo de volta a cama e Anna não teve tempo o
bastante de raciocinar antes que eu sugasse um dos seus mamilos
com força o bastante para que um grunhido saísse de sua garganta.
Minha língua acariciava sua pele sensível e intercalava às carícias
com mordidas que faziam as pernas de Anna tremer fortemente.
— Eles... — Minha voz saiu rouca, como se toda a vontade
de comer ela estivesse me consumindo de dentro para fora —
Desde o dia que eu vi aquelas malditas fotos eu sonho com o gosto
deles. Eu sonho em fazer isso... — E olhando dentro dos olhos da
mulher à minha frente, encaixei os dentes ao redor do mamilo e
puxei lentamente, arrastando a carne e finalizando com um chupão.
— Oliver, pelo amor! Minha boceta está doendo de tão
molhada que eu me encontro, me foda agora por favor.
Seu tom de voz era desesperado e isso me deixou mais duro
do que eu poderia estar, parecia que a merda do pau ia rasgar
aquela cueca infeliz.
— Eu nem comecei a brincar de verdade.
Puxei o zíper da saia dela e me livrei da peça rapidamente,
girando o corpo dela e deixando sua bunda para cima. Anna
observou por cima do ombro e precisou exatamente o momento que
eu puxei sua calcinha com força, enfiando e esfregando o tecido de
um jeito lento o bastante para que fosse gostoso quando se
esfregasse contra sua boceta molhada.
— Você só quer que eu te coma, Anna? — Anna fechou os
olhos de prazer no mesmo momento que um forte tapa foi proferido
contra sua bunda. Forte e duro. De uma única vez e arrancando
tremedeiras fortes dela. O segundo foi bem mais gostoso e pareceu
ecoar por todo o quarto — Não quer brincar antes?
Anna não respondeu nada, só enfiou a cara no travesseiro
para gemer.
Que barulho delicioso.
Então ele foi substituído pelo barulho ainda mais gostoso de
renda sendo rasgado.
— Só isso? — A fotógrafa me desafiou.
Talvez fosse a pior coisa que ela podia ter feito.
Tão rápido quanto eu era no gelo, segurei a raiz do cabelo de Anna
e enrosquei nos dedos, puxando com força o bastante para trazer a
mulher até mim. Ela choramingou alto, a dor era tão gostosa que
devia ser pecado.
Ela se esfregou em mim com força o bastante para sentir o
pau duro contra si e com tempo o bastante para que, com a mão
livre, eu puxasse o resto da calcinha pela bunda, tão enfiada no
meio da boceta de Anna que a fricção arrancou um gemido baixo.
— Eu não deixei você destruir minha calcinha. — A
provocação saia de seus lábios antes mesmo que ela pensasse de
forma coerente sobre isso.
— Eu compro mais cinquenta pra você. — Eu tinha uma
calmaria ridícula na voz, estava tão centrado que se eu não fosse
comer ela agora, Anna poderia me socar de ódio. Eu conseguia ver
isso em seu olhar.
Em como ela odiava quando eu fingia indiferença.
Quando agia como se nada daquilo o afetasse.
Empurrei o quadril da mulher para baixo e a fiz ficar de quatro mais
uma vez, levantando só um pouco para que desse espaço para
deitar a cabeça bem debaixo dela. Exatamente no meio das pernas
dela.
Anna me olhou como se esperasse a ordem.
— Senta na minha cara.
E ela sentou.
Comecei a movimentar minha língua contra seu clítoris como
se estivesse beijando sua boca, Anna se deitou contra o colchão e
os barulhos que saíam de sua boca eram fenomenais, o corpo dela
se contraia de acordo com os movimentos de minha boca.
Eu me movia majestosamente, alternando longos chupões
diretamente no clítoris e arranhões em sua bunda. Minhas mãos
estavam espalmadas em cada banda da sua bunda, apertando e
empurrando mais ela em minha direção, me afundando no paraíso
que havia acabado de descobrir.
Como se não pudesse melhorar, Anna começou a rebolar.
De forma lenta, mas fazendo seus lábios inferiores
deslizarem pela minha boca, sua entrada recebendo mais atenção e
a roupa da cama estava muito distante de onde originalmente havia
sido colocada.
Eu tinha certeza de que Anna era meu banquete especial
daquela noite e esperava saboreá-lo com toda a demora possível.
Anna começou a tremer um pouco mais tarde, estava tão absorta no
limbo que havia criado naquela situação que ao menos lembrou de
levantar o quadril antes de gozar na minha boca. E como se não
fosse nada, continuei chupando, me lambuzando no que havia se
tornado meu sabor favorito.
— Você consegue levantar? — Perguntei, a voz ainda
abafada contra suas pernas.
Anna resmungou algo incoerente e aquilo deveria ser um
não.
Ao perceber que ela estava sem a força das próprias pernas,
segurei as pernas de Anna e levantei meu corpo, me arrastando por
baixo da fotógrafa, lambendo cada pedaço de pele e deixando uma
marca que ficaria como uma recordação nova de coisas ruins.
Nossas bocas se encontraram na confusão que havíamos formado.
A bagunça gostosa e ridícula que era aquele momento. Anna não
ligou para a barba úmida ou para o gosto dela na minha boca,
afundou sua língua querendo cada parte que conseguia de mim.
Porque agora era a vez dela.
E por mais que meus instintos mais primitivos me alertasse
para que eu ficasse no comando, não ousei negar. Afrouxei os
dedos no cabelo dela apenas para ela separar sua boca da minha,
empurrando meu corpo contra a cama e ficando por cima para que
começasse a beijar qualquer e outra parte.
Anna-Rose Karlsson deslizava a língua lentamente pelos
meus músculos, a saliva se espalhando por minha pele e trazendo
arrepios logo em seguida. Espalhava chupões e mordidas, beijando,
apreciando cada parte do meu corpo, parecendo querer fazer aquilo
a tanto tempo quanto eu queria fazer nela.
— Sabe, eu queria tanto você… Eu pensava comigo mesma
que achava ridículo te desejar… Mas eu quero isso mais do que
quero respirar.
— Então me chupe.
Me permiti gemer ruidosamente quando minha calça foi parar
no chão, a cueca fazendo companhia logo em seguida.
O lençol amassado entre os dedos quando os lábios macios de
Anna entraram em contato com minha extensão, o membro
pulsando por mais daquele toque enquanto a fotógrafa lambia e
chupava, me provocando com carícias tão lentas que eu seria capaz
de morrer.
Aguentei aquela lentidão infernal por exatos 3 minutos e 57
segundos antes de empurrar minha namorada e a olhar com toda
vontade de foder que existia em mim.
— Fica paradinha aí que eu vou foder tua boca.
Foram as únicas palavras que Anna precisou ouvir para ficar
de joelhos no chão e abrir os lábios em formato de o, só esperando.
Apoiei os dedos na nuca da loira e comecei a me movimentar
lentamente, tentando não tirar o ar da mulher e mesmo assim
aproveitar o momento. O ritmo veio aos poucos e eu me deliciava,
metendo como se estivesse prestes a acabar a brincadeira.
Mas ela não estava nem na metade.
Foi por isso que parei quando senti que o limite não estaria
tão longe.
Não.
Não podia acabar com a brincadeira tão cedo.
Me abaixei até ficar do mesmo tamanho dela, os joelhos
colados e os corpos se unindo em meio a salivas e marcas, a porra
de muito tesão acumulado e amor.
Bagunçando numa mistura de sentimentos que parecia
sangrar, deslizando como um rio que havia atingido seu limite e
precisava atingir outras coisas para se saciar.
Beijos e juras de amor
Nomes e gemidos.
Tantas promessas sujas que nós poderíamos findar a
eternidade naquele mesmo quarto.
Anna deitou no chão, fingindo que a cama não estava lá
porque nada daquilo importava. Nada mais no mundo importava.
Afastei suas pernas, me concentrando unicamente em seu rosto
quando, num único movimento, me enterrei por completo dentro
dela.
— Porra — Gemi contra sua boca, não sabia exatamente o
que inferno eu estava sentindo. Ela era quente e tão gostosa, sua
buceta estava recebendo meu pau tão bem. Inferno. Nunca havia
me sentido tão apaixonado, tão adorado como naquele momento. E
nunca havia percebido que era tão bom fazer o mesmo, que era tão
bom adorar cada parte dela — Porra Anna, você é muito gostosa.
Porque ela era minha igual. Ela era quem estava ao meu lado
o tempo todo e eu a amava. Deuses, era ótimo pensar e dizer em
voz alta.
Eu a amava.
E amava.
E amava.
E isso se repetia como um ciclo em minha mente, com o
barulho das estocadas se fazendo mais alto, com o cheiro dela se
perdendo junto ao meu, com o jeito que Anna fechava os olhos e
arranhava minhas costas com tanta força que era como se
necessitasse disso para viver.
Como se cada gemido dela fosse minha melodia mais
preciosa.
Um som que me descobri completamente viciado.
Que queria ouvir todas as manhãs.
E todas as tardes.
E todas as noites.
E quando parecesse normal demais, agradá-la para que
soasse de uma maneira nova.
Uma ideia infame surgiu rapidamente e comecei a perder o
ritmo, carregando às pernas de Anna com a força que eu não tinha
mais e a puxando completamente para meu colo. A carreguei até a
parede, prendendo seu corpo contra a superfície lisa e gelada. Anna
pôs mais forças na perna, prendendo ao redor do meu quadril.
Havia uma mistura de brilhos nos olhos dela.
Pirraça.
Desejo.
Desafio.
— Sabe... — Sua voz estava rouca e nunca tinha soado tão
sexy — Eu nunca fui fodida contra a parede.
Foi o único incentivo que precisei.
Mas, diferente da primeira vez, posicionei o pau na entrada
de Anna, deslizando de forma tão lenta que foi uma tortura para
mim.
Sentia cada centímetro meu a preenchendo, o encaixe
perfeito que soava mais como uma encomenda. Anna enfiou os
dedos entre os fios de meu cabelo, empurrando minha cabeça em
direção a sua.
O beijo foi tão lento quanto às estocadas que seguiam o
mesmo ritmo. Lentas. Tão gostosas que era um pecado. Eu senti
cada pedaço dela se contrair ao redor do meu pau.
E eu odiei descobrir que aquele era o único paraíso que eu poderia
estar: onde estivesse sozinho com ela.
E por mais que estivesse delicioso, eu tinha uma missão
naquela noite:
Deixar as pernas dela sem funcionar amanhã.
Aumentei o ritmo das estocadas, afundei o rosto na curva do
pescoço dela e abafei os gemidos que saíam de minha boca com
mordidas fortes. Qualquer pessoa que passasse poderia ouvir que
eu estava me metendo com força em Anna. Com tanta força que
queimava minhas pernas, que latejava de forma insana.
— Shh — Tapei sua boca, o suor escorrendo pelo seu
pescoço enquanto Anna não entendia porque não podia gemer —
Escuta. Escuta meu pau entrando nessa boceta gostosa.
E ficou mais forte
Mais forte
E mais forte
Tão forte que eu me afastei. Que Anna mordeu meus dedos
para não rosnar como ela queria.
E quando ela abaixou a cabeça e fechou os olhos, não pude
deixar.
— Não — Minha voz soou como um rugido — Eu quero você
olhando pra mim. Desse jeitinho. — Sem carinho algum, segurei o
queixo dela na direção do meu. Olhos nos olhos. Hálitos trocados e
sons compartilhados — Eu quero que você me olhe enquanto eu te
fodo.
Sua boceta se contraia voluntariamente numa reação ridícula
a minha voz. Era como se aquilo fosse um estímulo. Como o pornô
mais sujo.
Para completar, fechei as mãos ao redor da garganta de
Anna. Apertando mais nas laterais daquele jeito que era gostoso,
que fazia os gemidos dela saírem de forma mais sofrida e numa
melodia deliciosa junto às batidas de sua bunda contra a parede.
E eu só queria mais.
Mais.
Mais.
Mais daquilo. De se dar. De compartilhar suor e saliva. De
trocar insultos e arranhões. De chupar e morder. De gemer e gozar.
De amar e foder.
Anna começou a gemer com mais força, aqueles ruídos finos
e desesperados. Contraindo os dedos e deixando suas pernas mais
trêmulas do que já estavam.
Olhando para mim.
Imersa em algum tipo de desejo, ela gozou.
A beijei em seguida, sentindo que minha vez também estava
próxima porque não tinha como ninguém aguentar quando uma
buceta o apertava com tanta vontade.
Parecia um acúmulo tão forte que eu sentia como se fosse
um vulcão prestes a explodir, estava tão quente. Como se eu
precisasse entrar em erupção para viver. Como se naquele
momento eu só tivesse necessidade disso.
E então, a erupção chegou.
Tão forte que Anna se encolheu diante de mim, dos gemidos.
Da força imensa que eu havia colocado em todos meus movimentos
finais. Da delícia que era jorrar dentro dela.
E tão forte foi que minhas pernas fraquejaram. Viraram gelatinas.
E, no momento que seria o melhor de nossas vidas, eu, Oliver
Karlsson, não previ que realmente poderia perder o movimento de
minhas pernas e cair naquele exato momento.
Caí.
Um baque horroroso soou pelo cômodo e tudo começou a
doer de um jeito horrível.
— Meu útero — Anna rolou para o lado, se encolhendo de
dor — Você quebrou meu útero no meio!
— Meu pau — Resmunguei, tão encolhido que não sabia
qual parte de meu corpo doía mais. As costas por bater no chão, a
bunda por receber parte do impacto, o pau por receber o impacto de
Anna ao redor ou meu corpo inteiro pelo que tinha acabado de
acontecer.
— Seu idiota! — A raiva de Anna estava tão grande que ela
ao menos perdeu tempo antes de pensar direito e me chutar com
ódio — Você e sua brilhante ideia de trepar contra a parede.
Arregalei os olhos segurando a vontade de rir.
— Você fica agitada assim toda vez que faz sexo? —
Empurrei seu ombro, percebendo que meu cotovelo estava doendo
também. Ótimo. Eu deveria estar calmo. Deveria estar aproveitando
um nível de relaxamento que era extremamente gostoso. Mas só
soltei uma risada sem graça e arrastei meu corpo até Anna — Eu te
machuquei?
Ela negou com a cabeça, mas sua cara dizia algo contrário.
— Eu tenho a sensação de que enfiaram um dildo em mim.
Eu vou menstruar de novo só por causa disso. — Anna resmungou,
tanto drama que não cabia nela. Mas só comecei a rir, ignorando
minhas próprias dores e colocando o bem dela na frente de tudo.
Segurei as pernas e braços de Anna, puxando-a para cima e
deitando seu corpo na cama logo em seguida.
— Ahhh — Anna gemeu de alívio — Eu sinto como se
pudesse morrer nesse exato momento e morrer feliz porque eu tive
a melhor foda da minha vida — Ela se arrastou pela cama, suas
pernas ainda um pouco vermelhas da queda — Meu corpo só não
está doendo mais porque metade dele ainda está anestesiado do
orgasmo. Fora isso, eu tenho certeza de que não irei conseguir
sentar durante uma semana. Pelo menos se eu não ficar sentada no
gelo durante duas horas.
Não falei nada, só me abaixei em sua direção e comecei a
beijar suas costas, acariciando as partes que eu tinha forçado mais.
Um barulho estranho soou da garganta de Anna, quase como um
choro
— Você está bem? — Minha voz saiu num sussurro — Eu te
machuquei?
Anna negou levemente com a cabeça, fazendo manha o
bastante para fingir estar sem forças.
— Você tem certeza? — Perguntei mais uma vez e ela
assentiu em concordância, rindo fraco.
Deitei ao seu lado, fazendo carícias curtas em seu cabelo
para que ela não dormisse.
— Certeza absoluta, não é? — Anna me olhou como se
quisesse me bater, mas abriu um grande sorriso diante dos beijos
que comecei a espalhar em seu pescoço — Que bom então, você
acha que a dor para em até meia hora?
Ela estreitou os olhos sem entender.
— Meia hora pra que?
— Como assim pra quê? Você acha que já acabou?
Anna gargalhou de forma nervosa e ao perceber que eu não
estava brincando ao dizer aquilo.
Não.
Realmente não havia acabado. E ele sabia que ela ia preferir
ficar sem conseguir andar do que perder a chance de passar a noite
montada em mim.
Inferno.
Até eu não ia conseguir andar direito amanhã.
“Anna-Rose Karlsson pousa ao lado de Benjamin Schnetzer,
Summer Park e Sophie Turner em evento de lançamento. A
canadense recebeu vários elogios pela performance e promete ser o
próximo destaque das passarelas europeias.”
(Fashion UK)

Eu não queria despertar. De jeito nenhum, a minha opção


mais propensa a ser levada a sério era levantar da cama e aturar
um dia inteiro de responsabilidades. Não.
Ainda mais quando um dos peitos de Anna era meu
travesseiro e eu só precisava arrastar um pouco o rosto para
abocanhá-lo.
— Não.
Ouvi a voz mais acima e sorri de forma amarela, os olhos
quase fechados pela claridade.
Anna estava com tanto sono quanto eu. Me permiti olhar para
o relógio e já eram nove horas.
Para quem tinha ido dormir cinco, era pouco tempo de sono.
Na verdade, desde o desfile em Londres, tudo o que não
tínhamos era sono.
Vontade de dormir.
Na manhã seguinte, Anna acabou fingindo cair no banheiro
para poder justificar o jeito manco de andar quando os olhos
claramente estavam nos dois no café da manhã. Claro que, as
marcas espalhadas pelo corpo não tinham essa justificativa toda.
Mas eles fingiram que acreditaram, pelo menos.
Era como se fôssemos dois adolescentes que tinham acabado de
perder a virgindade juntos. Dois coelhinhos. Fizemos a descoberta
milenar do que era o sexo. Ao chegarmos em Denver, nenhum dos
dois fez menção de ir buscar os bichos, nem mesmo abrir as janelas
ou falar com os vizinhos.
Qualquer interação social.
Fomos direto para o sofá.
E mais tarde, no balcão da cozinha.
Depois na banheira.
Descansamos mesmo quando chegamos na cama.
Na mesma madrugada começamos o esquema mais uma
vez. Claro que, aos poucos, o ritmo foi diminuindo e voltamos ao
mundo real onde não podíamos ficar trancados no quarto durante
semanas e honestamente, era uma bosta.
— Eu não tinha intenção alguma de morder seu peito. — Me
justifiquei para minha namorada, subindo beijos delicados pelo seu
colo e pescoço até seu rosto.
— Mentiroso — Ela se arrastou e passou os braços ao redor
de mim, encostando a cabeça na curva de meu pescoço —
Parecemos um casal que descobriu que a esposa está no período
fértil e querem muito ter um filho.
A consciência chegou alguns segundos depois e eu nem
disfarcei ao arregalar os olhos na direção da mulher ao meu lado.
Período fértil era quando?
Como sabíamos que ela não estava no período fértil?
Por que não lembramos de usar camisinha na primeira vez?
A camisinha, porra. A porra da camisinha.
— Quais as chances de você estar grávida? — O medo falou
mais alto que meu senso e a pergunta saiu num pulo. Levantei da
cama rapidamente e fiquei olhando em sua direção na espera de
uma resposta.
— Nós precisa…
— Porque nunca sentamos para falar sobre isso — Comecei
a andar pelo quarto.
— Sim, mas eu…
— E fomos tão irresponsáveis! — Exclamei, bagunçando os
cabelos e quase abrindo um buraco no chão de andar em círculos.
— Oliver, me deixa…
— Nós precisamos ajeitar tudo isso. Colocar em pauta e
achar uma solução…
— ME OUVE, CARALHO! — Anna gritou e rapidinho olhei em
sua direção. Eram nove da manhã e ela estava gritando — Eu sou
estéril. Infértil. Meu útero não é um bom hospedeiro e não deixa
nem o esperma se instalar, agora você por favor pode parar de
andar porque esse pinto balançando tá me deixando extremamente
agoniada?
Nem se eu quisesse eu ia continuar andando.
Em primeiro lugar, ótima conversa para as nove da manhã.
Em segundo, ótima conversa às nove da manhã.
Também era um ótimo jeito de abordarmos todas as questões
juntas, sim sim.
Me permiti respirar e voltei para a cama, sentado ao lado dela
e procurando algum intuito em seus olhos de que aquilo era
brincadeira.
— Nenhuma chance? — Perguntei num sussurro e Anna
negou com a cabeça levemente — Agora eu estou triste.
Nunca tinha parado para pensar naquilo até aquele exato
momento. Nunca pensei em querer aquilo até colocar em pauta e ter
a opção tirada de minhas mãos tão rapidamente. Enlacei seus
dedos nos meus e Anna encostou a cabeça no meu ombro.
Os machucados de Marcus estavam na última fase, quando
você mal percebe mas ainda assim, consegue ver.
Ela escondia com maquiagem quase sempre, mas em casa
era outra coisa.
As nossas marcas ainda estavam no primeiro estágio e eu
me perguntei como ela não se incomodou com isso, como ela não
ficou afetada e gostou do fato de eu ter deixado roxos nela.
— Como você descobriu? — Perguntei baixinho, aquele
assunto não era do agrado dela, pelo visto.
— Ano passado. Ninguém sabe, nem meus pais. Eu nunca…
me senti confortável para contar para eles, meus pais são loucos
para ter um neto e eu sou a única possibilidade deles. — Sua mão
apertou a minha e eu fiz o mesmo gesto de volta — Eu tenho ovário
policístico, significa que eu tenho vários cistos pequenos espalhados
pelo meu ovário e os remédios que eu tomo, exercícios e dieta às
vezes… — Anna riu fraco — São para não deixar eles aumentarem.
Ela pausou, como se houvesse uma pedra em sua garganta.
Pensei em dizer que ela não precisava contar, mas ela continuou.
— Minha ginecologista falou algo sobre uma ovulação
extremamente fraca e eu fiquei curiosa, pedi o requerimento para ir
num médico especializado em fertilização e fiz todos os exames que
ele passou. Dosagem hormonal, ultrassom transvaginal,
histerossalpingografia, histeroscopia e mais um monte de exame
que eu não sei falar o nome. Cada exame era uma confirmação e no
resultado final, a médica me disse que eu era 100% estéril e que
estava absolutamente pobre depois de gastar meus orgãos em
exames médicos.
— Sinto muito — Foi o que eu consegui dizer e beijei sua
testa em forma de conforto, fazendo carinho na palma de sua mão
— Eu fico feliz que você tenha compartilhado isso comigo.
Muito feliz.
Nem os pais dela sabiam. Significava que eu guardava muito
mais que seu coração no momento.
Eu guardava seus segredos.
E de repente, eu me senti como se pudesse guardar todos
eles pelo resto de minha vida.
— Você é totalmente sortuda, se você tivesse um filho meu,
ele ia nascer com essa cabeçona, olha. — Apontei para minha
cabeça e arregalei os olhos como se fosse um absurdo — E dentes
tortos, ele iria usar aparelho por um bom tempo. — Anna começou a
rir e eu apontei para meus pés — E olha esses pés, a criança ia ter
problemas em achar sapatos. Quer dizer, ela ia calçar 46! Coitada.
E pelos deuses, Anna. Olha nossa altura, se tivéssemos um filho,
ele ia ser apelidado de girafa e ia sofrer bullying na escola porque
com certeza ia ser o mais alto da turma.
Anna começou a rir de um jeito nervoso e se encolheu na
cama, mostrando o dedo para mim daquele jeito lindo que só ela
conseguia fazer.
— Mas quantos seriam? — A pergunta dela me assustou,
porque para quem acabou de falar que é estéril, eu não esperava
esse feedback.
— Bem… — Cocei o queixo — Três. É o número ideal. O
mais velho cuidaria dos mais novos, o do meio provavelmente iria
semear a discórdia e o mais novo seria o queridinho de todos.
— Eu gosto de três — Ela esticou o corpo na cama e fixou os
olhos no teto, como se estivesse sonhando — Dois meninos e uma
menina.
— A menina seria a do meio. — Me permiti sonhar com ela,
ficando na mesma posição e encarando o teto também. Não era de
todo ruim, a planície branca ajudava na imaginação — Eles seriam
tagarelas. E teriam dois anos de diferença cada um.
— Eu acho que a menina deveria ser a mais nova. — Anna
negou com a cabeça logo depois de falar — Não. Do meio está
ótimo, ela poderia namorar os amigos do irmão mais velho e do
mais novo!
— Rosie! — A censurei, rindo com a cara sonsa que recebi
em seguida — Tagarelas, hm?
— Sim! Tagarelas. E estudariam depois do túnel, então
poderíamos dizer que se eles falassem, o túnel cairia sobre o carro.
— Anna sussurrou, como se estivesse contando a história para
nossas três crianças imaginárias — E não falamos nada, até o rádio
podemos abaixar. Eles iam respirar baixinho com medo, um ficaria
olhando o outro esperando que ninguém fale porque o túnel pode
cair.
— Seriam os cinco melhores minutos de paz que poderíamos
ter. Eu queria que esse túnel durasse meia hora.
— E quando formos visitar meus pais? Eles vivem dizendo
que vão se mudar para o Canadá! E se eles se mudarem? Ir de
carro pro Canadá é sempre bom.
— Mas são horas de viagem. Como vamos manter os três
distraídos durante essa viagem?
— Bem… — Ela pensou por alguns segundos — Minha mãe
ligaria para eles! Pediria para um contar as motos, outro os carros e
outro os caminhões. Ou os carros vermelhos, brancos e pretos.
— E quando chegássemos na casa deles, eles diriam o total!
— Gargalhei com a ideia genial e meu sorriso sumiu logo em
seguida, não é como se ela estivesse grávida ou pudesse estar
grávida… Não tinha porque nós dois estarmos falando sobre aquele
assunto se não tinha nem por onde começar aquela história de
filhos.
Anna percebeu o ar estranho que pairou sobre nós dois e
coçou a garganta.
— Estávamos falando sobre camisinha, ein? — Ela voltou
com o assunto, ainda rindo — Eu já tomo a pílula por causa do
ovário policístico, então…
— Então…? — A incentivei.
— Não estamos transando com mais ninguém, Ollie. Meu
histórico está limpo e eu tenho certeza que o seu também, correto?
— Confirmei — Então… poderíamos não usar camisinha.
— Eu… — Fiquei sem palavras por alguns segundos e
assenti com a cabeça, era um assunto interessante e algo que
simplificava muita coisa — Gosto dessa ideia.
Ela sorriu e não falou mais nada. Um silêncio agonizante
estava diante de nós dois e eu não soube do que falar até que Anna
virou pra mim com todo o deboche do mundo.
— Estamos conversando sobre sexo, como nós somos
adultos! — E apertou minhas bochechas como se eu não tivesse
quase 30 anos… Ei! Aniversários. Aniversários! — Seu aniversário
não é dia 22?
— Não! — Anna quase gritou em resposta e eu quase recebi
um tapa com a cara que ela fez. Ok, talvez alguém não gostasse
tanto assim de aniversários… mas eu tinha lembranças dela muito
feliz em aniversários anteriores — Eu só não quero fazer muito
alarde sobre isso, ok? Vamos fazer algo entre nós dois. Talvez com
meus pais e eu não sei, alguns amigos. Mas nada exagerado.
— Podemos não fazer nada se você quiser. Eu vou para o
treino, você tira suas fotos e modela por aí, chegamos no fim do dia
e comemos um pedaço ou dois de torta de limão e depois você abre
meus presentes.
— Torta de limão e presentes no plural. — Anna estreitou os
olhos — Oliver Karlsson, você sabe mesmo conquistar uma mulher.
Pisquei para ela e beijei levemente seus lábios, capturando
cada pedaço que era nos dado daquele paraíso. Eu podia passar
dias assim, horas, talvez o resto da minha vida sem ao menos
reclamar.
— Pxi — Anna fez um barulho com a boca e se afastou um
pouco — Eu tenho um evento hoje, você vai comigo?
— Você sabe que os clientes não gostam quando você me
leva para os eventos.
— Não! — Ela riu — Eu não vou fotografar, senhor Chamo
Muita Atenção, eu sou palestrante
— O evento já é hoje? — Arregalei os olhos assustado,
quando os jogos começavam, minha percepção de datas para o
mundo real era uma coisa terrível.
Anna havia sido convidada para ser palestrante no She for
They. Uma palestra anual com mulheres sobre mulheres, mais como
uma roda de conversa só que com intuito educativo. Graças às suas
fotos e as desgraças mais recentes, haviam pedido que ela falasse
sobre violência doméstica — caso não sinta problemas com o
assunto — o tabu da nudez feminina, assédio na área de modelo e
fotógrafa e até como se lidava com os padrões de beleza na vida
profissional. Confesso que, quando ela recebeu o e-mail, o choque
foi mútuo.
Eu tinha conhecimento dos movimentos feministas, claro que
tinha, não era nenhum troglodita que vivia numa caverna. Mas eu
sempre tentei respeitar e me manter perto apenas o suficiente:
eventos de caridade ou palestras que o time promovia por
conscientização.
— Que horas você tem que chegar? — Perguntei, me
afastando um pouco dela.
— O evento começa às quatro, mas eu queria chegar mais
cedo para conversar com as organizadoras.
— Então comece a se arrumar porque eu vou fazer um café
rápido e depois tentar decidir o que pedir para o almoço. — Anna
concordou com a cabeça e jogou os braços ao redor de meu corpo,
afundando a cara contra minha pele.
E eu senti medo.
Dela falar em voz alta sobre a agressão e desabar, de
lembrar daqueles momentos terríveis.
Eu sabia que ela tinha força, quem não tinha era eu. Era
aterrorizante ter que reviver aquelas coisas.
E eu era só um espectador naquela história.
Depois disso, o tempo passou voando e logo estávamos a
caminho do local. Anna estava nervosa, eu percebia isso pelo jeito
inquieto que ela balançava os pés. Quando ela achou as
organizadoras, rapidamente engatou uma conversa sobre quem
mais iria ser palestrante hoje e eu resolvi achar meu lugar, lendo os
folders que elas estavam distribuindo.
Anna era a terceira a falar, logo depois da organizadora do
evento e uma ativista famosa da Nigéria. O que chamou minha
atenção foi o Anna-Rose Carbain Karlsson bem grande ao lado de
sua foto.
Coisinha linda.
Quanto mais o tempo passava, mais eu aprendia. Muitos
conceitos do meu dia-a-dia que eu achava meramente normais e
que não eram nada disso. Também descobri — um pouco atrasado,
ouso dizer — que era uma palestra interativa. Os convidados
falariam com base nas próprias experiências diante das perguntas
vindas da plateia. Pelo fato de eu ser um dos únicos homens lá e ter
ouvido dezenas de vezes que homem cis não tem fala no
feminismo, eu me mantive quieto e calado.
Pelo bem do meu pênis.
Duas palestrantes sírias fizeram uma apresentação rápida
com slides e gráficos falando sobre o feminicídio em países
emergentes. Pude ver Anna perto de algumas cortinas e como era
evidente que suas mãos estavam tremendo. Ela sorriu para mim e
acenou, se ela não entrasse nos próximos cinco minutos, eu tinha
certeza de que ela só sairia dali para um hospital.
— Nossa próxima convidada é Anna-Rose Carbain Karlsson,
vinda diretamente de Banff e… — A mulher passou alguns minutos
falando coisas que eu já sabia sobre minha esposa e alguns
aplausos depois, Anna entrou no palco e saudou todo mundo.
Coçou a garganta rapidinho e seu peito subia e descia mais
lentamente, como se ela estivesse ajustando sua respiração
naquele momento.
Ela estava pronta.
— Quando… quando me convidaram para ser palestrante, eu
pensei que tinha sido um engano, ninguém pode me julgar — Sua
risada soou baixa e Anna deu de ombros, vestia uma blusa branca
de manga comprida e calças jeans surradas, por mais que eu
tivesse insistido que ela poderia usar saltos e que não via problema
que ela ficasse mais alta que eu, Anna optou por coturnos que,
segundo ela, a deixavam muito confortável — Eu não sou um
exemplo a ser seguido ou uma pessoa que outras querem ouvir.
Rosie, você nunca esteve tão errada.
— Eu fui criada pelos meus pais, um casal heterosexual e
extremamente normal. Minha mãe é bibliotecária e meu pai sempre
variava entre lenhador e mecânico, por mais que eu sempre tive
minhas crises de feminices, o lado de meu pai pendia mais.
Quando… quando eu era adolescente, eu me achava superior a
todas as outras garotas porque eu não ia para as festas do colegial,
porque eu não gostava muito de maquiagem e não me importava
tanto assim com o estado do meu cabelo. Eu analisava a lista do
Oscar com minha mãe e assistia cada um dos filmes para me sentir
mais inteligente, de longe pensando que, quem gostava de
Crepúsculo não tinha nada na cabeça. Eu gostava de Red Hot e
Green Day e quando alguém aparecia falando de Britney Spears ou
não sei, Justin Timberlake, eu estreitava os olhos daquele jeitinho
julgador e pensava: nossa, essa menina é tão fútil, ainda bem que
eu não gosto dessas coisas de menininhas — Nossos olhos se
encontraram e eu assenti com a cabeça, tentando incentivar ela —
E quer saber? Eu não era melhor que elas. Eu nunca fui, nem 1%
melhor que elas porque eu gostava de Green Day e não de Britney.
Eu até fui num show da Britney e meu Deus, aquela mulher é
maravilhosa! E filmes do Oscar? Superestimados, mas claro,
Crepúsculo ainda é bem ruim e ninguém me diz o contrário.
Algumas risadas preencheram o local.
— Eu conheci o feminismo quando tinha quinze anos. Tinha
acabado de entrar no ensino médio e apostei com alguns colegas
de classe que eu conseguia perder a virgindade em uma semana.
Perdi em um dia e ganhei 300 dólares. O cara que transou comigo
espalhou para toda a escola e eu senti tanto nojo de mim mesma
que escondi o dinheiro, fingi estar doente e não quis falar com
nenhuma das minhas amigas. Quando elas souberam como eu
estava e porque eu estava daquele jeito, elas foram até minha casa,
pegaram um pouco do dinheiro e compraram várias pizzas,
chocolate, filmes com homens lindos e todas as coisas que eu
precisava. Uma delas disse que era só uma embalagem fácil de
quebrar e eu nunca esqueci que fiquei mal por causa de uma
embalagem, que eu fui difamada por causa de uma embalagem que
sangrava. Que esse mesmo cara, tinha transado com metade de
nossa escola e não tinha fama nenhuma porque ele era um homem.
Ele tinha um pênis e alguém, muito tempo atrás, decidiu que eles
podiam fazer o que queriam porque tinham um negócio pendurado
no meio das pernas e duas bolas murchas em baixo deles.
Estreitei os olhos na direção dela e me permiti rir.
— Mas Anna, você odeia os homens? Às vezes sim, meu
marido ali pode explicar isso de forma mais clara, oi amor — Ela
acenou para mim e todos olhares vieram em minha direção, apenas
sorri e acenei, fingindo não estar com vergonha — Eu odeio um
modelo que eu fotografei que não aceitou o fato de que eu não
queria dormir com ele e já tinha dormido com outros modelos antes,
porque, qual é? Eu tinha dormido com outros e não queria dormir
com ele? Que absurdo era esse? Ele ficou bem puto e começou um
boato entre as agências e olha… Damien Holder, querido, estou
mandando um beijo diretamente daqui para dizer que, você pode
falar o que quiser, eu ainda sou uma ótima fotógrafa e ótima modelo!
Ah, Marcus, vocês conhecem o Marcus. Ele tentou me matar mês
passado porque eu tinha seguido em frente e ele não, ele me bateu
até não sobrar um pingo de dignidade em mim. Era isso que eu
achava, que não tinha mais dignidade alguma em mim. Mas eu
precisei viajar milhares de quilômetros para ouvir o que eu iria ouvir
dentro de minha própria casa: que ele não tinha mudado nada em
mim. Que todos os hema…
Anna parou para respirar e algumas lágrimas intrusas
surgiram em seus olhos. Queria estar lá para poder enxugar cada
uma delas.
— Que todos os hematomas que ele causou em mim não
mudariam na pessoa que eu sou.
Os olhos castanhos foram diretamente em minha direção e
eu senti meu mundo tremer, só agora percebendo que sim, talvez
meu mundo estivesse tremendo porque ele estava bem na minha
frente, chorando.
Foi quando piscou como um letreiro em neon na minha
mente: eu faria qualquer coisa no mundo por essa mulher.
— Aí eu descobri a palavra sororidade. Já tinha sido usada
antes, mas eu nunca percebi a importância da sororidade. Não até
casar com o ex-namorado da minha melhor amiga. Não quando
meus peitos e minha bunda estavam online para quem quisesse
procurar. Não quando eu fui agredida de maneiras diferentes em
público e fui exposta até o último fio da minha alma na minha forma
mais fraca. — Finalmente, Anna foi até a cadeira mais próxima e
sentou — Quando você se expõe a uma vida pública, todas as
coisas mais podres do mundo acabam vindo junto. Você tem a
obrigação de seguir um padrão de beleza, e, olha só! Eu sou branca
e loira, o que eu posso falar sobre isso? Às vezes eu era julgada
com um corpo muito masculino porque eu não tinha uma cintura fina
e uma barriga bem parecida com a de meu pai. Você é chamada de
puta traidora porque as pessoas não aceitam que um casal acabou
sim e você não teve nada com o término dos dois. Não aceitam que
sim, meus peitos estão na internet e qual é? São peitos! São só
peitos!
Anna suspirou fortemente e sorriu, limpando as próprias
lágrimas. Eu queria chorar sim, não de tristeza, nunca.
De orgulho.
Pela mulher que estava bem na minha frente.
— O maior problema da sociedade é tratar um movimento
político tão importante como o feminismo, como se fosse um bando
de mulheres histéricas que estão mostrando os peitos por aí só para
poder usar saia curta. O feminismo está no ato de votar, de poder
ter opinião, de não receber cantadas a cada metro quadrado, de
sentir o que quer sentir, de beijar quem você quer beijar, de ter ou
não filhos, de gostar ou não de limpar uma casa, de querer ou não
uma família de propaganda com uma cerca branca e um jardim fofo.
O feminismo está desde os pequenos aos maiores dos atos. Desde
as nossas meninas às mulheres. A falta de igualdade afeta tanto os
homens como as mulheres, você nasce oprimido e tem que morrer
oprimido porque as pessoas não querem que você se liberte. O
feminismo é sobre isso. Seja quem você quiser ou o que você
quiser.
Os aplausos começaram mais uma vez, mais altos do que na
primeira e Anna se encolheu completamente na cadeira — como se
isso fosse possível — e chorou. Chorou porque ela estava numa
sala com mulheres como ela. Chorou porque todas as lutas delas
estavam começando a fazer efeito.
Anna chorou poder.
Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram com o poder que
ela emanava.
— Meu nome é Anna Carbain, eu conheci o feminismo com
quinze anos. Minha vida não foi a mesma desde então.
“Eu vou enfiar essa sua bagunça no seu cu e empurrar até sair pela
boca, seu porco!”
(Anna-Rose ameaçando Oliver por mensagem)
— Oliver! — Chamei meu namorado, fingindo não estar
completamente puta com a bagunça que estava naquele closet.
Oliver costumava ser 8 ou 80, quando ele não organizava
suas roupas por cor, ele deixava tudo um caos completo e qualquer
pessoa que lutasse para achar o mínimo. Aquele closet era o
exemplo do segundo caso, a parte ruim. Desde que minhas coisas
haviam achado seu local permanente aqui, ele não consegue achar
suas próprias roupas e bagunça às minhas.
Mamãe havia pedido minha opinião para comprar roupas e
eu prometi que iria sair com ela às 16 e jantar depois. Eram
14h53min e eu nem sabia onde diabos estavam minhas roupas.
A única coisa que eu verdadeiramente sabia onde estava
eram minhas calcinhas, porque ele não tinha como mexer nisso
para achar algo dele.
— OLIVER! — Gritei dessa vez, um pouco mais sem
paciência do que o normal.
— Oi! — Ele respondeu de volta, sua voz estava distante —
Que foi?
— Vem cá — Não aguentava mais gritar pela casa.
Oliver apareceu diante de mim com um sorriso tão bonito no
rosto que imediatamente perdi a coragem de gritar com ele ou
reclamar de algo.
— Olha essa bagunça! — Falei o óbvio, tentando ao máximo
não exaltar meu tom de voz — Isso não está certo, se minhas
coisas são arrumadas diariamente, porque elas estão tão
bagunçadas quanto às suas?
— Culpado — Oliver sorriu amarelo — Eu estava procurando
uma camisa de gola alta preta, mas basicamente todas suas roupas
são pretas então eu não consegui achar de primeira.
— Então sua solução mais inteligente foi tirar tudo do lugar
para procurar?
— Sim.
— E não colocar nada de volta no lugar?
— Eu esqueci — Parecia uma criança quando fazia coisa
errado — Me desculpe, de verdade. Isso não vai acontecer
novamente, até porque eu percebi que eu sou 8x seu tamanho
então é meio difícil confundir nossas roupas, eu que não prestei
atenção.
— Certo — Aceitei, não tinha muito o que reclamar — Você
viu meu vestido branco?
— Qual deles?
— Aquele canelado, manga curta…
— Não faço ideia.
— Eu o deixei aqui! — Apertei a toalha ao redor do meu
corpo e apontei para a arara do closet — Não posso sair de calcinha
na rua.
— Eu ia ficar com muito ciúmes se você fizesse isso — Oliver
me olhou e piscou, fingi não estar afetada com isso e mordi a boca,
contendo a fala provavelmente grossa que iria sair dela — Essa
toalha está pingando no carpete, deixa eu colocar ela no varal que
você procura o vestido.
Concordei e dei a toalha para ele. Não havia notado que
estava tão molhada, merda.
Mas era impossível achar verdadeiramente alguma coisa
naquele caos que era o closet no momento. O máximo do vestido
branco que cheguei perto foi uma calcinha que eu não fazia ideia do
que estava fazendo naquela bagunça.
— Oliver! — O chamei mais uma vez.
— Oi!
— Você andou cheirando minhas calcinhas?
— Sim, porque?
Na maior cara de pau.
— Porque tem calcinhas espalhadas pela sua bagunça! —
Reclamei — Se você for um pervertido, por favor, coloque minhas
coisas no lugar depois!
— Achei que o lugar delas fosse em você — Ele apontou
para a calcinha que eu estava usando sem nem vergonha na cara
— Eu deveria tirar essa para colocar outra no lugar?
— Oliver… — O que deveria ter saído como uma ameaça,
soou como um bichinho medroso.
— O que foi? Ah, já entendi — Ele se abaixou diante de mim
e encaixou os dedos nas laterais da calcinha — Você quer que eu
cheire diretamente a fonte, tudo bem.
E tirou minha calcinha, vergonhosamente já molhada.
— Você estava cheirando minhas calcinhas mesmo?
— Claro que não, Anna — Oliver riu contra minhas pernas,
sua cabeça perigosamente perto do meio delas — Eu estou
cheirando sua buceta.
— Eu tenho compromisso daqui a pouco — Murmurei, minha
voz saindo ligeiramente falhada diante do jeito que ele beijava
minha pele. Merda.
Tudo dentro de mim tremia.
Sua boca se arrastava sob minha pele, subindo aos poucos,
a língua deslizando entre meus seios até que chegasse ao meu
pescoço, deixando os beijos mais lentos e barulhentos.
Puta que pariu.
Eu amava os barulhos de qualquer merda que Oliver fizesse
comigo.
— Eu também tenho um compromisso — Ele pegou sua mão
e levou até seu pau. O desgraçado nem estava usando uma cueca
debaixo da calça de moletom — Preciso comer você nesse closet.
— É sério, Ollie. Preciso sair — Insisti, mesmo sabendo que
minha mãe chegaria pelo menos 30 minutos atrasada.
O que me dava uma vantagem generosa ainda.
Quer dizer, só é daqui há uma hora.
— Pronto — Ele me largou. Do nada. Tirou minha mão da
porra do seu pau duro e sorriu do jeito mais canalha possível —
Pode ir.
Porco.
Eu queria socar a cara dele.
Trouxe Oliver até mim e o beijei. Seus lábios bateram no meu
e não pensei duas vezes antes de abrir a boca para que ele
pudesse fazer o que quisesse. Oliver fechou uma das mãos ao
redor do meu pescoço, grunhi diante do ato.
Amava quando ele fazia isso.
— Como você vai me comer, Oliver?
— Em pé — Ele respondeu contra minha boca enquanto
puxava uma das minhas pernas para cima, encaixando ao redor de
seu quadril, se esfregando contra minha boceta molhada, o tecido
macio de sua calça fazendo uma fricção deliciosa contra mim. Eu
nem mesmo liguei de estar na ponta do pé, só queria que Oliver me
fodesse logo — Só que eu não quero você assim.
Não?
— Fique de costas — Ordenou e eu obedeci sem vacilar.
Oliver desceu uma das mãos até minha boceta, esfregando o clítoris
sem dó enquanto meus gemidos ecoavam pelo espaço pequeno do
closet.
E como se não fosse nada, ele parou.
Saindo dali e voltando momentos depois.
Não saí do lugar.
Oliver apertou um botão barulhento e logo depois o tão
conhecido ruído do meu vibrador foi o silêncio mais alto que eu
poderia ter ouvido.
O corpo dele encostou no meu por completo, eu podia sentir
cada parte de Oliver contra minha pele desnuda. Podia sentir seu
pau se esfregar contra minha bunda, ela desejando tanto atenção
que era quase maldoso.
Oliver posicionou Henry Cavill — sim, esse era o nome do
vibrador — contra meu clítoris na velocidade máxima. Meu corpo
seguia a vibração do aparelho, sua mão livre foi para minha boca.
Chupei seus dedos imaginando que era seu pau ali. Lambi
com vontade, tentando ao máximo não gemer como realmente
queria. Ollie começou a mexer o vibrador em movimentos circulares,
minhas pernas tremeram em resposta imediatamente.
— Sabe o que eu estava pensando, Anna? — Sua voz soou
rouca, eu não sabia como desgraça esse homem conseguia manter
aquela postura enquanto eu estava prestes a desmaiar. Neguei com
a cabeça — Que esse seu cuzinho precisa de atenção.
— Sim — Às palavras saíram fracas de minha boca.
— Peça.
Não pedi.
Eu não ia ceder às suas vontades.
Olhei por cima do ombro para Oliver, sentindo que todas
partes de mim tremiam ao seu toque.
— Peça, Anna-Rose.
Não. Eu não ia pedir.
— Por favor.
Eu ia sim ceder às suas vontades.
— Vamos lá, Anna. Você faz melhor que isso — Oliver
empurrou seu corpo contra o meu e retirou imediatamente o
vibrador do lugar.
Filho da puta.
— Por favor, Oliver.
— O que? — Perguntou com a boca encostada em minha
orelha.
— Por favor, me foda. Me foda agora.
— Muito bem — Ele beijou meu ombro, voltando com o
vibrador para seu lugar de origem — Onde você guardou aquele seu
pênis de plástico? Eu quero testar uma coisa.
Arregalei os olhos. Ele saber exatamente onde Henry Cavill
estava já era vergonhoso, descobrir que ele conhecia a existência
do Jason Momoa era ainda pior.
— Naquela caixa — Apontei com o queixo para uma das
caixas mais altas do closet, eu tinha comprado um tênis e aquele
era o esconderijo perfeito.
Eu era uma mulher adulta independente, não devia ter
vergonha desse tipo de coisa, mas parte de mim ainda ficava um
pouco… eu não sabia definir exatamente como estava me sentindo
em relação a isso.
Oliver ficou na ponta dos pés para pegar e o maldito estava
em suas mãos.
Não pude deixar de sorrir, Oliver Karlsson segurando um pinto de
15cm era algo interessante.
— O que você vai fazer com isso? Quer que eu te coma? —
O desafiei.
— Hoje não, Anna-Rose — Ele mexeu no pênis, como se
estivesse curioso sobre a textura — O que você acha de dupla
penetração?
Sorri de orelha a orelha.
— Interessante.
— Então vamos fazer assim — Oliver se aproximou de mim
com aquele sorriso lindo de quem não valia um único dólar.
Me guiou até o espelho enorme que ficava naquela parede,
eu conseguia ver completamente nós dois. Oliver pegou uma das
minhas pernas e levantou até o terceiro andar de sua sapateira,
deixando um ângulo de 90 graus para que ele pudesse fazer
qualquer coisa.
— E se quebrar? — Apontei para a sapateira, um pouco
agoniada com a paciência com que ele fazia tudo.
— Eu mando fazer outra — Oliver se afastou só para poder
estudar meu corpo.
Eu não tinha vergonha, não quando se tratava dele. Pelo
desejo em seu olhar, toda vez que ele me analisava algo crescia em
meu peito.
E em minha buceta.
— Me deixe tirar uma dúvida interessante — Diabólico, era
assim que ele soava
— Seu pênis de borracha tem ventosa?
— Sim.
— Como eu imaginei, não poderia ser mais perfeito.
Então ele veio até mim e grudou o pênis no espelho, na altura
perfeita para que penetrasse na minha vagina. Como se eu já não
estivesse completamente aberta, Oliver tirou uma caixa da puta que
pariu e puxou um lubrificante de dentro dela. Ok, estávamos
fazendo isso mesmo.
Oliver encaixou Jason Momoa em mim, empurrando meu
corpo para frente na medida que o pênis deslizava em minha
buceta. Ao mesmo tempo, o líquido gelado do lubrificante começou
a ser espalhado lá atrás, ele enfiando levemente os dedos para que
facilitasse a passagem.
— Você vai se mover quando eu me mover, ok? — Concordei
com a cabeça, nunca tinha feito aquilo antes. Tudo bem que eu
esperava que minha primeira experiência de dupla penetração fosse
com dois homens, mas se eu fingisse que realmente era Jason
Momoa ali, tudo estava certo.
Senti o pau de Oliver penetrando aos poucos, a sensação era
completamente estranha e ao mesmo tempo, deliciosa. A cada
movimento que eu fazia, ele estava atrás de mim enfiando mais,
colocando com mais vontade e apertando tudo.
— É muito apertado — Oliver sussurrou, sua voz estava
realmente sofrida. Quis rir.
— Levanta mais minha perna — Pedi e ele o fez.
Quando Oliver ajeitou só um pouco o ângulo que eu estava, jurei ter
visto estrelas.
Enquanto me forçava contra o pênis de plástico, seu pau se
encaixou completamente em meu cu e num deslize perfeito. Era um
gostoso completamente estranho e eu me sentia tão cheia e ao
mesmo tempo sedenta por mais. Oliver aumentou a velocidade,
empurrando meu corpo com mais vontade e encaixando uma das
mãos ao redor do meu pescoço enquanto a outra segurava meu
corpo de apoio.
O barulho que estávamos fazendo.
Os murmúrios desconexos saindo de sua boca.
Os sons pornográficos que o deslize molhado que os paus
saindo e entrando faziam era muito mais do que eu poderia
aguentar.
Gozei sem nem perceber, perdendo completamente o
controle de meu corpo. O suor descendo de minhas costas e meu
cabelo completamente grudado em minha nuca.
Oliver demorou mais um pouco, suas estocadas aumentando
enquanto sons animalescos saíam de sua garganta.
Ele lembrou de segurar em mim dessa vez quando finalmente
gozou.
— Puta merda — Sua cabeça se apoiou na minha e a
respiração estava tão forte e acelerada que fazia pequenos tufinhos
de vento — Puta merda.
Gargalhei, eu estava me sentindo do mesmo jeito. Só não
conseguia falar.
Ou murmurar qualquer coisa.
Seria muito interessante inclusive se eu conseguisse me
comunicar mentalmente com ele, assim eu poderia falar como
estava me sentindo.
Meu corpo todo estava dormente, minhas pernas ardiam e as
marcas vermelhas causadas pelos seus dedos latejava em minha
carne.
Meu Deus, eu amava esse homem.
“Qual sabor de bolo você acha que Anna vai querer? Pensei em
recorrer ao red velvet de sempre, me matenha atualizada!”
(Mensagem de Riley para Oliver)

— O que você acha da Escócia? — Perguntei assim que Anna


adentrou a cozinha, ela me olhou com curiosidade e uma pitada de do que
diabos você está falando no rosto.
Há uma semana os jogos haviam começado, os primeiros eram
sempre com aquele gosto de quero mais e de quem descansou demais
nas férias e queria trabalhar dobrado dessa vez. Não, eu não me sentia
assim no momento.
Havia uma nuvem ruim pairando sob mim de um jeito que eu não
sabia explicar. No começo, achei que realmente era cansaço. Entre os
treinos de pré-temporada e viagens que eu fazia com Anna para que ela
não se sentisse sozinha quando trabalhava, me vi perdidamente
entediado e com uma dependência terrível da presença dela.
Queria que ela estivesse comigo, mesmo quando ela não poderia
estar.
Queria chegar em casa e encontrar ela logo.
E não era só cansaço físico, na verdade eu não me sentia cansado
fisicamente em momento algum.
Era mental.
Estávamos em outubro, faltavam dois dias para o aniversário de
vinte e três anos de Anna-Rose.
E não saber o que comprar para ela estava me tirando do sério por
completo.
Eu sabia que a loira gostava de carros e motos em geral, ela havia
comentado comigo que crescer com um pai mecânico contribuiu para
aquele lado. Mas Anna surtaria se eu comprasse um carro para ela, na
verdade, tenho certeza absoluta de que se eu aparecesse com uma
bicicleta, Anna me faria devolver a loja.
Quando tudo isso começou, eu achei que ela tinha um carro. Até
comentei que ela podia colocar ele na minha garagem e não tinha
entendido o olhar enviesado dela até saber que seu carro tinha sido
vendido para pagar alguns débitos da faculdade e o meio de locomoção
que ela ainda tinha seria sua moto, que quebrava a cada quinzena e
nunca tinha um conserto verdadeiro — Joseph havia comentado comigo
que já tinha tentado fazer Anna desistir daquela lata velha mil vezes, mas
o apego emocional dela com o veículo era demais.
Então, sem carro. Sem moto. Um livro era simples demais, um anel
era exagero…
Então, uma viagem para a Escócia seria a coisa certa a se fazer.
Ou qualquer outro lugar que ela quisesse ir.
Anna-Rose havia comentado rapidamente sobre a Escócia no
inverno, sobre como as montanhas eram fenomenais e que parecia muito
mais interessante a mistura simples do branco da neve com a sujeira de
pegadas e o restante da vegetação morta fazendo fundo. Palavras dela,
não minhas.
E aquela poderia ser nossa viagem no fim do ano, quando o
recesso entre Natal e Ano Novo acontecesse e finalmente pudéssemos ter
um pouco de paz.
— É meio injusto que você me pergunte isso diante de minha
obsessão nada saudável por Outlander e romances de época que se
passam nas Terras Altas.
Sorri.
Os raios de sol outonais eram poucos, mas atravessavam as
janelas sem problema algum. Um desses raios ousados pairava
exatamente sob Anna.
O brilho dourado de sua pele era lindo, assim como seu cabelo
parecia quase branco diante de tanta luz. Havia poucos resquícios dos
machucados em seu rosto, talvez só a cicatriz dos pontos tão fina que era
quase prateada acima de seus olhos.
Anna parecia como o ponto final perfeito. Nada de vírgulas ou
pontos de continuação, ponto final.
— Então, se eu quiser te levar para a Escócia como um presente
de aniversário, eu posso? —
Ousei perguntar, talvez fosse ainda pior fazer sem a informar
antes.
— Depende, você vai se fingir de escocês e vestir um kilt para me
impressionar? — Ela retirou manteiga de amendoim da geladeira e
começou a comer direto do pote com uma colherzinha.
— Só se eu puder te comer usando o kilt.
— Essa viagem mal começou e já está perfeita — Anna sentou ao
meu lado e parecia tão feliz quanto uma criança com um pirulito gigante
na mão — Quando vai ser?
— Depois do Natal, para que você possa passar com seus pais.
Ficaremos lá até o dia dois de janeiro.
— Então quer dizer que meu sugar daddy vai patrocinar uma
viagem perfeita, totalmente de graça e ainda realizar minhas fantasias de
leitora?
— Exatamente, senhora — Roubei sua colher e peguei um pouco
— Então, a viagem de graça não te deixa incômoda?
— De jeito nenhum — Anna deu de ombros — Isso não significa
que você possa me dar um carro de Natal.
— Droga, Anna. Você descobriu meus planos cedo demais.
— Eu estou confortável demais usando seu carro para que você tire
isso de mim rapidamente, não.
— Então eu posso comprar um carro novo para mim e aos poucos
deixando esse com você para que você não perceba que é seu? — Anna
me olhou feio de um jeito lindo, seus olhos castanhos quase sumiram
quando ela os estreitou o bastante para parecer brava. Era como se cada
parte de mim vibrasse com a mínima indicação de felicidade vinda dela —
Você mora na minha casa e come minha comida, porque aceitar as outras
coisas é tão difícil?
— Eu moro na sua casa porque você me enfiou num contrato sem
saída e eu tenho que parecer mais do que já sou — Como se não fosse
nada, Anna respondeu aquilo. O soar das palavras ecoando nos meus
ouvidos tinha uma sensação agridoce — Eu sou sua namorada, seria
normal se eu usasse sua casa assim como você poderia usar a minha…
Também é normal eu voltar dirigindo o carro do meu namorado quando ele
bebeu o bastante para que você, Ed e Benji não acham nem a porta de
casa.
— Eu não estava tão bêbado assim — Protestei, mas era mentira.
Fomos jogar poker com bebida e eu não lembro de absolutamente nada
porque sou péssimo no poker. Acontece que Anna joga muito bem e
deixou três homens bêbados como o cão.
— Você perguntou se eu tinha namorado, Oliver.
— Eu estava testando sua lealdade.
— E quando eu disse que tinha, você começou a resmungar.
— Isso só mostra o quão apaixonado por você eu sou, quem disse
que o romance acabou?
— Eu nem vou discutir isso! E outra coisa, não faço ideia do que
dar de presente para você e não gosto dessa situação. Imagine só a
minha revolta!
— Eu não quero presentes.
— Então você sabe exatamente como me sinto — Anna roubou a
colher de mim mais uma vez, sorrindo de orelha a orelha e cantarolando
enquanto saia da cozinha com a manteiga de amendoim em mãos — E
diga à minha mãe para cancelar a festa que ela está planejando!
Deus me livre de atrapalhar Riley Carbain em seus planos.

— Hmmm — Anna murmurou pela enésima vez, fazia caras e


bocas enquanto estava comendo e nem pensava duas vezes antes de
expressar seu amor pela comida — Oliver, você é rico. Compra esse
restaurante, ou melhor, contrata os chef’s para que eles possam cozinhar
para gente.
Anna-Rose e eu havíamos jantado literalmente no primeiro
restaurante que apareceu na frente porque ela queria comer algo delicioso
antes de completar vinte e três anos e como um anjo murmurando em seu
ouvido, o restaurante eleito havia sido completamente perfeito.
Além de estarmos na véspera do seu aniversário, Anna-Rose foi
acordada hoje com a notícia de que Marcus continuaria preso até o
próximo julgamento — que só seria em dezembro. Depois disso, ela
passou o dia com um sorriso aterrorizante no rosto. Não quis perguntar
sobre porque eu tinha medo dela sorrir ainda mais ou começar a passar
mal, me limitei a gostar da notícia e não comentar muito sobre.
Verdadeiramente, eu estava esperando minha terapia na semana
que vem para entender como eu me sentia. Ainda era angustiante pensar
em tudo aquilo.
— Oliver! — Anna estalou os dedos em frente ao meu rosto como
se estivesse fazendo aquilo há algum tempo — Você vai querer outra
sobremesa?
O garçom estava parado ao nosso lado como se também
esperasse o pedido.
— Não, eu estou cheio. Obrigado — Sorri amarelo, na verdade eu
não estava. Mas Riley tinha toda uma festa organizada na minha casa
naquele momento e eu tentei ao máximo não comer muito.
— Pode trazer a conta por favor — Anna sorriu para o garçom
enquanto se deliciava comendo sua sobremesa — Então, eu vou ter que
fingir surpresa quando chegar em casa?
Arqueei a sobrancelha olhando em sua direção.
— Não sei do que você está falando.
— Sério — Ela suspirou, mordendo o sorvete diretamente com os
dentes. Estranha — Não quero aniversário, minha mãe sabe disso e
sempre faz. Ela te colocou no meio sem escolha, não foi?
— Só finja estar feliz — Pedi, Anna não escondeu em momento
algum que sabia sobre a festa surpresa da mãe — Sério, sua mãe está
tendo o maior trabalho com essa festa. Finja que você gostou.
— As pessoas vão levar presentes?
— Acho que sim — Dei de ombros.
— Então eu posso fingir perfeitamente. Sua missão é me enrolar no
restaurante até ficar perto da meia-noite? — Assenti com a cabeça, ela
saber que eu sabia, me tirava um pouco daquele peso horrível nos
ombros — Ok, vou fazer isso.
E ela fez, assim que Anna chegou em casa e foi recepcionada por
sua família e alguns amigos — inclusive Natasha —, ela começou a
chorar falando que estava extremamente feliz e que nunca iria imaginar
aquilo. Sonsa.
Abriu cada um dos presentes com um sorriso imenso no rosto e
comeu a torta quase sozinha, parecendo que não tinha comido uma única
grama de comida o dia inteiro.
Os convidados não puderam comer o resto do bolo porque Maya
subiu na mesa e comeu tudo.
Como Zara estava trancada no quarto porque não era muito fã de
multidões, a mais velha viu ali a oportunidade de poder fazer a festa. Claro
que, como a boa gata que planeja tomar o mundo,
Gucci estava no canto só observando às pessoas e julgando sua
irmã canina.
É isso que eu chamo de teatro.
Sua mãe havia arrumado tudo antes de ir embora, acho que até
mesmo havia organizado nossa dispensa no meio tempo.
Anna-Rose estava surpreendentemente feliz, mesmo com suas
reclamações constantes sobre não querer um aniversário surpresa, a
quantidade de presentes que ela havia ganhado mudou totalmente o rumo
das coisas. Não gostei de saber que Anna amava receber presente dos
outros, só os meus que ela automaticamente vetava.
— Todo mundo te deu um presente hoje menos eu — Comentei
como quem não quer nada, enxugando meu cabelo com a toalha
enquanto saia do banho.
— Então faça assim, eu amo seu quarto. Finge que ele é meu e
tudo certo.
A única coisa vantajosa no meu quarto era o tamanho, fora isso era
completamente normal. Cama, closet, a poltrona que ela usava para ler,
um espelho e agora uma penteadeira porque havíamos trazido a de Anna-
Rose para cá. Mais nada. Até às cores, tudo era completamente branco,
os móveis pendiam para o bege e a coisa mais escandalosa naquele
quarto era a colcha rosa choque que Anna usava para dormir. Fora isso,
nada.
— Uma coisa normal, Anna. Não fingir que eu estou te dando
coisas que já são suas.
— Então… — Ela pareceu pensar, um bico congelado em seus
lábios enquanto ela batia a escova que penteava o cabelo no tapete,
parecendo ansiosa enquanto refletia — Me deixe fazer suas fotos nu.
— O que?
— Sério, me deixe fazer suas fotos nu. Você todo ano é chamado
para isso e nunca aceita, se você ficar confortável comigo talvez mude de
ideia.
— Você já me vê nu, porque quer tirar fotos?
— Porque eu sou fotógrafa, Oliver — Ela rolou os olhos e foi até
sua bolsa pendurada na arara do closet e tirou uma Instax de lá, antes
que eu pudesse falar qualquer coisa, o flash estourou na minha cara. Ela
pegou o papel que saiu e balançou, trazendo até mim com um sorriso no
rosto.
A foto era basicamente eu parado olhando para ela. Só isso. A
toalha amarrada na cintura enquanto outra se encontrava em minhas
mãos.
— O que isso quer dizer? — Perguntei, sem entender.
— Posso fazer aqui. Não vão para lugar nenhum e ninguém tem
acesso a elas, só nós dois — Seu sorriso pidão era quase maldoso — Por
favor.
— Tudo bem — Dei de ombros — Mas com você em cima de mim.
— O que?
Oliver não podia estar falando sério.
Quer dizer, se o ensaio deveria ser dele, porque diabos eu estaria
nele? Não fazia o mínimo sentido.
— Você não entendeu a parte de ser sobre você.
— Mas eu quero você comigo.
— Oliver… Se você não quer fazer não precisa.
— Eu quero — Ele veio até mim e me deu um beijinho na testa —
Mas quero com você sentada em meu pau.
— Porque eu sinto que todas nossas últimas interações foram
sobre sexo? — Estreitei os olhos em sua direção, colocando as mãos na
cintura e batendo o pé — O que você tem em mente?
— Eu sentado naquela poltrona que você usa para ler e você no
meu colo. Quero olhar enquanto você monta o meu pau.
Não pensei muito, se analisasse demais a situação daria merda.
Dei de ombros, tirando a roupa que tinha acabado de colocar sem
nem esperar Oliver fazer isso por mim. Ele trouxe a poltrona até em frente
ao espelho, deixando em cima do tapete para que não saísse do lugar.
Desamarrou a toalha e jogou na cama, exibindo o pau já duro feito pedra.
Suspirei.
Oliver era lindo por inteiro. Seus músculos não eram gigantescos,
mas proporcionais ao seu corpo longo. Do ombro até o cotovelo, aquela
parte de Oliver era toda tatuada, uma mistura de flores e chamas, alguns
nomes no meio que supus ser da sua família ou qualquer coisa
importante. Eu nunca tinha parado para olhar com atenção.
Seu abdome tinha um caminho de pêlos que seguia até a barriga,
depois disso nem um único pelinho para contar história. As veias saltadas
do seu pau pareciam desenhos e eu queria colocá-lo todo na boca.
Tirei mais uma foto.
Oliver sentou na poltrona em frente a mim, às pernas abertas e
aquela pose de quem mandaria e eu obedeceria sem hesitar.
Repeti o processo, era muito gostoso ver ele tão à vontade.
Parei em sua frente, entregando a câmera para Oliver antes de
ficar apoiada nos joelhos para poder abocanhar seu pau. Oliver segurou
meu cabelo entre os dedos, empurrando minha cabeça na sua direção.
Lambi a glande lentamente, chupando em seguida e arrancando mais
gemidos dele. Sua cabeça foi para trás, os olhos apertados e a boca
sendo mordida.
— Olhe para mim — Pedi — Quero você olhando para mim.
Nunca pensei que fosse gostar de falar algo e ver ele obedecendo
sem nem hesitar.
Era gostoso, eu me sentia poderosa.
Mas nada, nada.
Comparava quando ele mandava em mim.
Oliver apontou para o espelho, apertando o botão para tirar mais
uma foto.
Suguei com mais força, cuspindo em seu pau para que minha mão
deslizasse sobre o membro. Levei minha boca até ás bolas e às chupei,
ouvindo os sons de agrado vindo de meu namorado e fazendo com mais
vontade, movimentando minha mão mais rápido e sentindo Oliver tremer.
— Se você fizer assim eu não vou aguentar muito — A voz dele
estava arrastada — Senta aqui.
Levantei, ficando de frente ao espelho e pegando a câmera de sua
mão. Empinei a bunda em sua direção para que Oliver encaixasse seu
pau em mim. Ele guiou lentamente, brincando com minha entrada
enquanto empurrava meu corpo lentamente até que ele estivesse todo em
mim.
— Abra as pernas um pouco mais — Assenti e fiz o mandado —
Agora incline o corpo bem pouquinho para trás — Oliver guiou meus
movimentos e eu pude perceber porque ele pediu para fazer aquilo.
O nosso reflexo era hipnótico.
Oliver nos olhava pelo reflexo, seus olhos tão escuros, cheios de
desejo. Suas mãos foram até meus quadris, movendo minha bunda numa
lentidão terrível para frente e para trás.
— Olhe Anna — Sussurrou em meu ouvido, às mãos subindo até
meus seios e apertando com tanta vontade que doía no meio de minhas
pernas. Era estranhamente delicioso poder ver seu pau entrando e saindo
de mim naquela lentidão cruel. Observar o pau grosso de Oliver dentro de
mim, ver a expressão de prazer afundada em seu rosto, consumindo cada
parte de si — Olha como é gostoso entrar e sair de você. Olha como é
gostoso ver você rebolando em meu pau.
— Oliver… — Gemi seu nome, tentando ir mais rápido mas sendo
parada por ele. Inferno, ele não deixava que eu fizesse mais força, que eu
fosse mais rápido — É meu aniversário, não me faça pedir por favor. Por
favor.
Ele tirou a câmera de minhas mãos e a colocou no chão.
— Só porque é seu aniversário — Oliver me empurrou para frente,
abrindo mais as pernas e soltando meus peitos. Desceu uma mão para
minha buceta, esfregando meu clítoris com tanta força que doeu —
Segure em mim, quero ver seus peitos pulando.
Inclinei meu corpo para trás, apoiando minhas mãos em seu
pescoço para que tivesse equilíbrio.
Oliver levantou o corpo só um pouco, afastando minhas pernas da
sua e começando a estocar com força, suas bolas batendo na minha
bunda e o barulho ecoando pelo quarto.
Não consegui tirar os olhos da cena.
Não consegui parar de assistir Oliver me comendo.
Seu pau saindo e entrando com velocidade, o bater de nossos
corpos fazendo aquilo ainda mais prazeroso. Seus dedos que haviam
encontrado o ponto mais quente em mim. Era como morrer. Ele me
dedilhava com maestria, alternando os movimentos do próprio corpo
enquanto gemia em meu ouvido.
Senti meu corpo começar a ceder, minhas pernas tremendo com
força e Oliver parecendo estar da mesma maneira. Me segurou dos dois
lados do corpo dessa vez, os dedos molhados de mim e escorregando em
meio ao suor que banhava minha pele.
— Porra — Ele gemeu, aumentando o ritmo de um jeito absurdo —
Porra!
Gozou ao mesmo tempo que eu, não demorando muito para
desmoronar na poltrona e me levar junto. Não consegui nem levantar
direito de seu colo, me ajeitando o bastante só para sentir sua porra
escorrer levemente pelas minhas coxas.
— Feliz aniversário — Oliver murmurou, a voz intercalada com a
respiração forte.
Porra. Feliz 23 anos com vontade.
“Pela primeira vez na arena como número um de Oliver
Karlsson!”
(Tweet postado por Anna-Rose em sua conta pública)

— Animada? — Perguntei para Anna que era um ponto


ambulante azul e vermelho. Ela vestia uma touca azul-escuro com
um pompom enorme na ponta, all star vermelho e uma calça branca
para compensar. Minha camisa do time estava batendo em suas
coxas e KARLSSON 92 estampado nas costas. Para completar, em
suas mãos estava uma placa com OLLIE cheio de glitter e corações
adesivos colados a ela.
Eu não podia amar mais aquela mulher.
— É estranho ir a um jogo como sua esposa — Havia um
sorriso tímido em seus lábios. Anna tímida não era algo que eu
estava acostumado a presenciar.
Mas ainda assim, era uma coisa fofa.
— Você vai estar em boas mãos — Beijei sua bochecha e ela
apontou para os bichos em seguida, que tinham sofrido do surto de
empolgação que Anna adquiriu.
Como era Halloween, Anna achou totalmente compreensível
e aceitável vestir Zara, Maya e Gucci de Oliver Karlsson. Às três
usavam perucas com um fio de nylon segurando embaixo para que
não saísse do lugar, estavam com jerseys que também continham o
meu nome atrás. Quer dizer, Gucci deveria estar também com a
peruca, mas a gata havia arrancado muito tempo atrás,
praticamente segundos depois que Anna havia colocado.
Minha fantasia estava separada para usar depois do jogo, era
uma grande rosa em homenagem a minha esposa, já que ela estava
vestida de mim, eu deveria ser ela. Achei na internet poucas
semanas atrás essa maldita fantasia e escolhi na hora, nem tendo
muito para onde correr. Sapatos escuros para representar a terra, a
legging extremamente apertada de um verde claro para mostrar que
era o caule e, a melhor parte: um collant rosa com glitter ao redor,
formando curvas que representavam as pétalas. Completei com
uma peruca rosa e lentes verdes, porque aquilo fez sentido para
mim.
Eu ainda estava com a roupa pré-jogo e como ainda tinha
que colocar o uniforme, Anna não tinha visto ainda, eu sabia que ela
ia amar.
O jogo de hoje era contra Dallas e o primeiro jogo de Avan
Ekoris como treinador do time. Todo mundo sabia que ele só havia
entrado porque o antigo finalmente se aposentou, só amava Ekoris
quem não o conhecia ou não sabia do seu histórico. Além de ser um
grande assediador, os próprios jogadores não se sentiam
confortáveis ficando em cômodos como o vestiário com ele. Nunca
tinha ouvido nada concreto, mas haviam sim muito boatos sobre
assédio entre ele e os colegas de time também.
E quem faz uma vez, faz duas.
Eu precisava chegar na Ball Arena em uma hora, para Anna,
mais duas. Mas ela insistiu em ir comigo, estávamos só esperando
que a babá chegasse para ficar com os bichos e entregar os doces.
Como era Halloween, muitas pessoas batiam na porta e as meninas
não eram exatamente fãs de ter pessoas estranhas na porta, a babá
que estava vindo era uma das cuidadoras do abrigo que adotei Zara
e Maya, então além de ter certa experiência com cachorros, ela
sabia cuidar bem.
E num passe mágico, a campainha tocou. Eu já havia avisado a
portaria com antecedência, então era mais rápido.
— Alina chegou — Anna arregalou os olhos, pegando sua
carteira e enfiando em sua bolsa rapidamente — Vamos.
Conversamos rapidamente com Alina e logo fomos para o
carro, eu queria que Anna — na verdade, insisti — fosse num jogo
em casa primeiro antes de se aventurar fora.
Como jogador e torcedor — porque obviamente, como o
único time norte-americano que eu havia jogado era o Colorado
Blizzard, eu não podia torcer para outro —, eu poderia afirmar sem
nenhum receio que jogar em casa, ver todas aquelas pessoas
gritando meu nome e torcendo por mim e pelo meu time… Não tinha
nada parecido com aquilo.
E esse dia finalmente chegou.
Chegamos rapidamente na arena, Anna não desgrudou de
mim em momento algum. Benji e Edward se prostraram como
segurança da mulher e ninguém, nem a multidão lotada ou qualquer
pessoa poderiam chegar perto da barreira que os dois fizeram ao
redor dela.
Não vou mentir, fiquei um pouco aliviado.
Hockey era um esporte violento e eu mesmo amava isso,
mas às vezes às pessoas lá fora confundiam tudo. Ainda mais que
eu ainda estava sendo processado por Marcus, mas ninguém da
diretoria quis me suspender ou punir de qualquer forma, o que eu fiz
foi o certo a ser feito.
Qualquer pessoa faria aquilo.
Anna ficou sentada enquanto conversávamos sobre o Dallas
nas últimas partidas, Ekoris era muito metódico e isso fazia o rival
ser diabólico e extremamente bom no que estava fazendo, assim o
Dallas estava só dois pontos abaixo de nós na tabela geral. Pela
primeira vez na temporada, teríamos que nos esforçar para sair do
jogo com pontos o bastante para não ficar tão apertado.
— O’Connor, foco no Zimmerman — Benji concordou com a
cabeça, ele atuava na defesa e era um poço de músculos e
tamanho. Eu tinha 1,95 e era bons dez centímetros menor que ele.
A vantagem de ser um monstro enorme e musculoso era que as
pessoas te associavam automaticamente a burrice, lentidão e
agressividade. E só na última acertariam, porque Benji O’Connor era
um monstro no gelo. Perdi a quantidade de vezes que ele mandou
algum adversário para o dentista com minutos no gelo — Quero
Wrath e Green prontos para te substituir a qualquer momento.
Groissant e eu vamos bloquear qualquer pessoa que chegue perto
do Watson — Apontei para o goleiro — Fora isso, LeBlanc e Kudrov
já sabem o que fazer.
Bati na mão de cada um deles e conversei um pouco com
quem estaria no banco hoje, explicando quem deveríamos atacar
quando eles entrassem no jogo.
— Oliver Karlsson — Anna chegou por trás de mim e beijou
meu ombro por cima da blusa social, já que eu havia tirado o terno
há algum tempo — Você fica ainda mais gostoso com esse seu jeito
autoritário.
— Eu sou gostoso sempre — Sussurrei para ela e alguns dos
jogadores começaram a soltar beijinhos em nossa direção. Mostrei o
dedo do meio para eles — Você vai subir agora para a área VIP?
— Sim, a esposa do Zimmerman me intimou a ficar com ela e
às outras wags — Havia um pouco de desconforto em seu olhar e
isso me entristeceu um pouco, Anna ainda não gostava do título de
esposa mesmo que nós dois agíssemos como tal, eu sabia que ela
gostava de ser minha namorada no momento. Esposa quem sabe
algum dia, mas agora não — Estou indo, bom jogo.
Ela me deu um selinho rápido e saiu.
Aquilo tinha sido um pouco constrangedor.
Conversei mais algumas coisas com o time antes de
vestirmos os uniformes.

Megan Zimmerman era uma das pessoas mais doces que eu


havia conhecido, além de parecer um pontinho saltitante e alegre,
ela contagiava às pessoas ao seu redor com aquela aura animada.
Eu não estava suportando ficar perto dela.
— Não é maravilhoso? — Ela perguntou pela enésima vez e
eu sorri em resposta, tentando ao máximo não parecer aquela
pessoa azeda que eu estava me sentindo no momento.
Estar no jogo de Oliver era aterrorizante. Enquanto eu
conversava com Benji e Ed, não sentia tanto o peso nos meus
ombros, até mesmo outros jogadores do time me transmitiam mais
paz no momento.
Senti falta de Natasha.
Sei que era pedir demais, sei que Nat não poderia estar aqui
e talvez, se estivesse, sentisse a mesma estranheza que eu sentia.
Ser colocada naquele posto de wags era estranho e
sensacional ao mesmo tempo. Megan comia batatas e estava com
um copo enorme de refrigerante ao seu lado, ela até havia oferecido
mas só um copo daquele tamanho de vodca para me deixar mais
calma.
Sabia dos olhares estranhos em cima de mim.
Pude sentir cada um deles.
Megan disse que deveria ser impressão minha, que os
torcedores geralmente só encaravam muito quando qualquer
pessoa subia para área VIP.
Fingi acreditar.
Jogos de hockey tinham três tempos de vinte minutos cada e
com intervalos equivalentes ao tempo de jogo, às vezes aconteciam
acréscimos mas nada muito longo — o time que estava perdendo
poderia exigir. A coisa toda era mais interessante porque o
cronômetro só controla geralmente quando o disco se move, então
se houver pancadaria ou até conversas rápidas com o treinador, o
tempo para.
Às vezes parecia ser mais longo do que deveria ser por
causa disso.
Oliver conversava com o juiz antes do jogo começar
realmente. Analisei o time do Dallas e não pude deixar de fazer uma
careta ao ver Avan Ekoris do outro lado. Odeio esse cara.
— Eu preciso que você me explique um pouco sobre o jogo
— Pedi para Megan, que conversava com Liv Altmann, irmã de um
dos jogadores — Eu sei as regras básicas, mas não como acontece
no jogo em si.
— É bem simples, na verdade — Liv foi quem respondeu,
apontando para a pista de gelo.
E então ela começou a falar. Algumas coisas eu já sabia, mas
também linhas vermelhas, impedimentos, zona de ataque, zonas
neutras… Eu tentava acompanhar, mas ela era uma enciclopédia
ambulante sobre hockey.
— O’Connor marcou — Megan gritou, apontando para Benji
— Está vendo como Groissant não deixa ninguém chegar perto do
Watson? Isso facilita as coisas.
— E o fato de carregarmos um dos melhores times das
últimas temporadas. Karl foi eleito um dos melhores ala esquerda da
década, e ele nem tem 30 anos.
— Karl? — Perguntei, curiosa.
— É como o resto do time o chama. Capitão Karl.
— Ó capitão! Meu capitão — Recitei um dos meus filmes
favoritos e rolei os olhos em seguida
— Isso é legal, na verdade. O jogo em si.
— Esse jogo está bem sem graça na verdade, os meninos
provavelmente estão se fingindo de mocinhos porque você está
aqui.
— E por qual motivo?
— Bem, você é a esposa do capitão — Liv deu de ombros e
Megan concordou — Existe certo respeito nesse título.
— Então, a melhor parte do jogo, que são murros e dentes
caídos, não vai acontecer?
— Com certeza vão, daqui a pouco eles falam alguma
besteira e qualquer um dos nossos vai se estressar rapidamente.
Karl é um dos mais controlados, quase não o vejo brigar.
— É porque ele faz terapia.
Às duas me olharam como se tivesse acabado de falar que
Oliver devora corações, mas se tinham algum comentário maldoso a
fazer sobre isso, se mantiveram quietas.
O jogo se manteve interessante mas acirrado, Colorado e
Dallas estavam batendo testa nos pontos. Assim que um fazia um
ponto o outro ia lá e revidava.
O primeiro e segundo tempo foram bem lentos na verdade,
em alguns momentos me vi entretida mais no Instagram ou na
conversa sobre as fantasias que usariam mais tarde. Comemos
mais batatas e tomamos mais refrigerante, no meio do segundo
tempo eu me rendi a água porque o nervosismo estava me deixando
com o estômago doendo e eu não queria ir correndo para o
banheiro caso uma coisa importante acontecesse.
Porém, no começo do terceiro tempo eu senti que minha
bexiga ia explodir e saí correndo para o banheiro. Foi como uma
daquelas vezes que você falta um único dia de aula e tudo de bom
que poderia acontecer, acontece quando você não está no colégio.
Comecei a ouvir o burburinho misturado com o xixi caindo e
me limpei porcamente, correndo em direção a arena e vendo a
merda acontecer. Eu estava bem empolgada para presenciar a
primeira briga do time na temporada, só que minha empolgação não
se estendia ao ver meu namorado brigando.
— O que está acontecendo? — Minha voz saiu esganiçada e
eu parecia a única preocupada com a situação. Liv e Megan acho
que só não apostaram quem ganharia a briga porque eu estava ao
lado delas.
— Townsend falou alguma coisa para o Karl e aí ele partiu
para cima.
Simples assim.
Oliver estava batendo por cima do capacete com força e o
cara parecia não ter a mínima chance. Outro jogador do Dallas foi
em cima do meu namorado e O’Connor não deu chance e foi para
cima do cara. Ninguém fazia nada.
Parecia que tinha mudado de esporte e estávamos assistindo
MMA em vez de hockey.
Quando o capacete de Townsend caiu no chão, finalmente o
árbitro foi em cima dos jogadores para separar aquela briga.
E eu sabia que era assim que funcionava.
Porém, Oliver não soltou Townsend. Não.
Ele ficou ainda mais bravo, começou a bater com ainda mais
força.
Como quando ele bateu em Marcus.
Vi sangue no gelo e outros jogadores em cima de Oliver, o
próprio Ekoris puxando seu jogador na direção contrária do meu
namorado enquanto Edward e O’Connor traziam um Oliver
machucado para longe do ringue.
— Oliver Karlsson foi expulso do jogo — Ouvi alguém
murmurar.
Merda. Merda.
Muita merda.
— Anna, fica calma! — Olivia disse num tom calmo e eu
poderia socar a cara daquela mulher agora mesmo.
Minha respiração estava acelerada e eu sentia, sentia as
mãos tremendo e com certeza não era pelo frio de outubro. Outras
pessoas estavam em cima de mim, me ofereciam água e tentavam
me acalmar porque aquilo era comum.
Porra, eu sabia que era comum. Eu já tinha visto brigas em
jogos de hockey.
Mas parte de mim sabia que alguma coisa havia acontecido,
alguma coisa a mais do que uma briguinha boba entre os jogadores.
Ollie me disse que às vezes eles encenavam. Que às vezes
combinavam antes do tempo começar porque aquilo deixava os
torcedores indo à loucura.
Porém, Oliver havia voltado para o vestiário.
Havia jogado o capacete na direção do árbitro e quebrado ele
aos pés do homem.
Como achavam que isso era normal?
— Eu preciso ir atrás dele — Murmurei, tentando levantar
mas sendo segurada por Megan Zimmermann. Ela me puxou
calmamente para o canto da área VIP e longe das outras pessoas.
— Liv é irmã, para nós duas… Eu sei que é diferente — Sua
voz era mais calma — Você não pode ir ver Oliver agora, ele só
pode sair de lá quando o jogo acabar e declararem quais serão suas
punições nos próximos jogos. Não reaja muito, as pessoas são
maldosas e até mesmo aqui dentro vão sair falando coisas sobre
você. Se mantenha quieta, converse comigo o quanto você quiser
— Ela chegou mais perto, abaixando seu tom de voz — Aquilo não
foi uma briga legal.
Eu sabia bem disso.
“Oliver Karlsson briga com Brian Townsend e é expulso do
primeiro jogo em casa da temporada. Após a saída do capitão no
terceiro tempo, o Colorado desandou completamente e acabou
perdendo para o Dallas.”
(Sports News)
Colorado perdeu para Dallas por cinco pontos.
Todos os jogadores haviam saído do vestiário, boa parte
deles fantasiado de algo e indo direto para festas.
Menos Oliver.
— Me digam, por favor! — Gritei com toda força que tinha
nos pulmões — Porque eles brigaram?
Nem Benji nem Edward falaram um único A para mim. Desde
a hora que saíram, os dois simplesmente se prostraram ao meu lado
e se recusaram a responder qualquer e toda pergunta que eu
fizesse. Liv e Megan haviam partido juntas para uma festa de
Halloween, assim como Zimmermann e Altmann.
Como o jogo havia sido em casa, os jogadores não
precisavam de transporte. Eu estava sentada no banco do motorista
esperando por Oliver. Não queria ficar dentro com os torcedores,
não quando muitos deles faziam comentários maldosos sobre como
Natasha era a melhor e que
Oliver tinha sido expulso do jogo porque eu era pé frio.
O celular de Edward tocou e ele se afastou para atender,
pedindo licença. Aproveitei que Benji era muito mais fácil de
arrancar os segredos.
— Benji… — Tentei mais uma vez, sorrindo amarelo para o
jogador — Ele vai jogar na próxima partida?
— Você é bem chata quando quer, alguém já te disse isso?
— Sim — Não, Anna. Ele não vai jogar na próxima partida, nem em
mais duas depois dessa. Oliver teve sorte de não ter sido expulso
do time já que ele praticamente agrediu o árbitro.
Engoli em seco.
— Você não vai me dizer mesmo porque eles brigaram? —
Tentei pela enésima vez, vendo o homem rolar os olhos ao meu
lado.
— Ele fez um comentário que eu não gostei… — Ouvi a voz
de Oliver à minha frente e um tipo de alívio atravessou o meu corpo.
Corri em sua direção, abraçando-o com toda força que existia em
mim — E o árbitro ficou do lado dele. Eu me estressei mais do que
deveria.
— Meu amor… — Segurei o rosto de Oliver entre minhas
mãos e quis chorar diante do roxo intenso que cobria seu maxilar —
Você quase me matou de preocupação.
— Eu estou bem — Ele beijou minha testa e me abraçou
mais uma vez — Você quer ir para a festa de Halloween da Megan?
Analisei sua expressão, ele parecia cansado.
— Podemos ir para casa, se você quiser — Sugeri, um
sorriso mínimo no rosto.
— Uma festa não vai fazer mal — Oliver repetiu o gesto e
beijou minha testa mais uma vez —
Além do que, acho que você vai querer ver minha fantasia.
— Definitivamente — Benji segurou a risada, olhando para
Edward que tinha acabado de voltar da ligação.
— Com toda certeza do mundo você vai querer ver a
fantasia, Anna Banana — Ed piscou em minha direção e eu dei de
ombros.
Talvez uma festa não fosse de todo mal.

A festa com toda certeza não havia sido de mal algum. O


hotel escolhido por Megan era gigantesco e acontece que acabei
descobrindo minutos depois que também era seu aniversário.
No qual eu cheguei sem presente algum e com a mesma
roupa que estava no jogo.
Mas Oliver…
Oliver tinha roubado a festa.
Ele tinha se fantasiado de rosa. Da flor, rosa. Usava uma
legging verde extremamente apertada, um collant rosa com glitter, a
peruca da mesma cor e maquiagem tão espalhafatosa quando a
fantasia já era.
Até mesmo Megan e Joran Zimmermann que tinham se
fantasiado de Daenerys Targaryen e Khal Drogo perderam o posto
— era uma fantasia comum e teria sido totalmente sem graça se ele
não estivesse vestido da Khaleesi e ela do personagem mais
gostoso do Jason Momoa.
— Você quer mais cerveja? — Perguntei para Benji que
estava bebendo aquilo como se fosse água. Ele nem poderia estar
bebendo tanto, já que tinha mais um jogo em alguns dias.
Ao contrário de Oliver, que havia sido penalizado.
Ele poderia beber o quanto quisesse.
Mas Oliver não colocou um único gole de qualquer tipo de
álcool na boca.
— Acho que quero comer algo — Benji murmurou, apontando
para onde a comida estava sendo servida — Você também quer,
Karlsson?
Oliver negou com a cabeça, por mais que ele estivesse
sorrindo e brincando com todos ao redor, ele não transparecia quem
queria estar lá. Já havia perguntado mil vezes se ele não queria ir
para casa, mas em todas às vezes ele negava. Não bebia, não
comia.
Oliver estava parado e prostrado num banco desde o
momento que chegamos.
— Não acha estranho que Oliver esteja daquele jeito? —
Perguntei para Benji assim que nos afastamos. Megan havia
inspirado o aniversário em festas de Halloween de adolescentes.
Então tinham batatas, nachos e todas as porcarias que comíamos
quando éramos mais novos — Parece que a partida o deixou
abatido demais.
— Ah, você sabe como Oliver é… — Benji deu de ombros —
Ele fica mal quando as pessoas falam de vo…
Benji O’Connor parou a frase na metade e me olhou como se
tivesse acabado de descobrir o segredo da Coca-Cola.
— Quando falam de mim?
Benji não respondeu. Só enfiou mais um punhado de batatas
na boca para que estivesse cheia o bastante para ele não falar —
ou não ser compreendido.
— Benji… — O alertei, olhando-o com todo o ódio que
poderia ter em mim no momento.
— Eu não sei de nada — Murmurou com a boca cheia,
palavras saindo erradas e sua boca.
— Então, se eu perguntar para qualquer outro jogador, eles
vão responder a mesma coisa?
Benji concordou.
Eu fui até cada um deles, perguntando sobre o que a briga
tinha sido e nenhum.
Nenhum deles respondeu a minha questão.
Magicamente, todos os jogadores do Colorado Blizzard não
faziam ideia porque Oliver Karlsson tinha batido em outro jogador
daquele jeito.
Não sabiam uma ova.
— Você mentiu para mim — Acusei Oliver assim que me
aproximei, a essa altura do campeonato ele já estava sem a peruca
rosa. Ele me olhou da cabeça aos pés e massageou as têmporas,
como se soubesse o que estava por vir — Eu te perguntei sobre o
que havia sido a briga e você mentiu para mim.
— Rosie… — Seu tom era quase como um aviso — Por
favor, não aqui.
Minha respiração estava começando a ficar acelerada
demais. Sentia as mãos dormentes e as lágrimas teimosas
querendo romper a barreira e descer pelo meu rosto.
— Por qual motivo aquela briga aconteceu, Oliver? — Insisti.
— Por nada demais — Seu tom estava impaciente.
Aquele era um Oliver que eu não conhecia.
— Por qual motivo, Oliver? — Gritei, mal me importando que
todos ao nosso redor estavam começando a prestar atenção —
Porque diabos você bateu naquele homem? Porque você brigou
com um cara do nada e quase bateu no árbitro? Porque não ignorou
uma provocação idiota?
— Por nada, Anna.
— Mentiroso! — Gritei — Você é um mentiroso!
— Porque ele falou de você! — Oliver gritou de volta, vindo
em minha direção com o que pareciam lágrimas nos olhos —
Porque ele disse que você não apanhou o suficiente de Marcus, que
talvez eu precisasse te dar lições!
Travei.
Meus pés pareciam que haviam sido colados no chão.
— O que?
— Anna, é melhor vocês conversarem sozinhos — Megan
apareceu ao meu lado, às mãos em meu ombro como se tentasse
me consolar. Ela não parecia minimamente chocada com a
informação de Oliver.
Nenhum deles parecia ter acabado de descobrir aquilo.
— Não — Tirei sua mão de mim lentamente — Não.
— Anna…
— Não! — Havia virado a porra do show particular daquelas
pessoas. Às lágrimas descendo em meu rosto, meus dedos
trêmulos enquanto minha voz saia quase como se minha bateria
estivesse no fim — Você mentiu para mim.
— Eu te protegi! — Oliver respondeu ríspido, os olhos tão
vermelhos quanto os meus — Eu te protegi porque não aguentava
aquele desgraçado te xingando toda hora, porque toda vez que ele
falava eu lembrava de como Marcus quase te matou!
Eu não conseguia respirar.
Parecia que tinham retirado todo o ar do mundo e só eu tinha
sentido falta dele.
E a coisa que mais tilintava em minha cabeça era que: minha
primeira briga com Oliver e ele estava vestido de flor.
A porra de uma flor.
Sentei numa das cadeiras, apoiando meus pés na almofada e
pouco me importando que estavam sujos. Megan me trouxe um
copo de água, beberiquei enquanto todos falavam ao meu redor,
mas tudo o que eu ouvia eram vozerios.
Como se fosse um compilado de ruídos que não faziam
sentido algum.
Oliver quase havia sido expulso do time.
Ele foi penalizado.
Oliver era o capitão, talvez um dos jogadores com mais
prestígio de todo o país.
Durante dez anos de carreira, ele havia brigado talvez cinco
vezes no máximo. E 99% das brigas eram armadas.
Ele tinha todos os dentes. Mal chegava com roxos em casa e
mantinha uma conduta impecável. Oliver não era o tipo de cara que
fazia coisas irresponsáveis assim e não se importava com as
consequências.
E agora…
Tudo isso por culpa minha.
— Eu quero ir para casa — Consegui finalmente falar e disse
na direção de Edward. Benji estava muito bêbado para dirigir e eu
não queria ter que conversar com Oliver agora.
Mas ele já havia levantado e recolhido a chave do carro.
Como se fossemos sair juntos.
— Por favor, Ed. Você pode me levar em casa?
Edward olhou para Oliver e depois para mim, como se
estivesse escolhendo um dos lados naquele projeto de briga.
— Vamos — Ed pegou a chave do próprio carro e ao menos
olhou na direção do amigo antes de estender a mão para mim.
Segurei e seguimos para fora, apertava seus dedos contra os meus
como se só por alguns segundos fossem soltos, eu poderia cair e
quebrar.
Assim que entramos em seu carro, senti que poderia respirar
normalmente.
— Se você não quiser conversar, não iremos conversar.
Concordei com a cabeça, eu não queria conversar em nada.
— Quando Oliver chegar eu estarei melhor — Respondi,
colocando o cinto antes de Ed arrastar o carro na direção da minha
casa.
Da casa de Oliver.
Os minutos se passaram e minha cabeça martelava tudo o
que tinha acontecido.
“Porque ele disse que Marcus não te bateu o suficiente."
Que tipo de pessoa falaria isso? O que leva alguém a ofender
o outro desse jeito?
Com algo tão pesado?
O que eu fiz para esse filho da puta vir falar isso para o meu
namorado no meio do jogo?
Talvez ele só tivesse realmente falado porque queria atingir o
lado ruim de Oliver. E deu certo.Ele se deixou atingir e quase foi
expulso da porra do time que ele era capitão há quase uma década.
Quando chegamos, Edward quis descer mas eu não deixei.
Queria ficar sozinha.
Mandei mensagem para Oliver informando que eu havia
chegado em casa mas não respondi todas que vieram em seguida.
Queria que Edward passasse a questão de eu quero muito ficar
sozinha.
Dispensei a babá dos cachorros e tomei um longo e quente
banho, a água pelando contra minha pele e destruindo
completamente o resto de dignidade que meu cabelo descolorido
tinha. Se eu tivesse só um pouco menos de amor próprio, teria
dormido com ele molhado.
Gucci, Maya e Zara me seguiram até a cozinha. Quando
sentei no balcão com o notebook em mãos, às três dormiam aos
meus pés como uma matilha unida e amável.
Respondi a alguns enquanto bebia chá.
Propostas de trabalho. Comentários maldosos — quem
mandava hate por e-mail? — e alguns contratos que precisavam ser
revisados. Entre eles, o nome AMÉLIA HASTINGS piscava como
importante.
Amy estava de férias há quinze dias, mesmo assim não
falhou ao encaminhar a solicitação de divórcio que o advogado
adiantou. Como geralmente demorava para sair, era necessário que
fosse solicitado um tempo antes. E como ninguém sabia disso, não
geraria nenhuma notícia sensacionalista em cima da situação.
Respondi que sim tanto no meu e-mail quanto no de Oliver e
quando meu cabelo estava completamente seco, subi para dormir.
Não lembro de mais nada depois de me jogar na cama.
“Venha para casa de minha mãe, precisamos fofocar e comer
porcarias.”
(Mensagem de Natasha para Anna-Rose)

Quando acordei, Oliver estava dormindo no sofá.


Fiquei feliz por ele ter respeitado meu espaço pessoal, mas
parte de mim — a parte que não sabia lidar com discussões e
conversas que eu não queria ter — desejou acordar ao lado dele
para que pudesse o beijar pela manhã e resolver com sexo.
Muito saudável, eu sei.
Fiz panquecas com mirtilos e deixei um potinho de Nutella ao
lado para passar. Café preto e sem açúcar. Mamão, morango e
bananas cortadas.
Arrumei tudo na bandeja e deixei os pratos, talheres e xícaras
na mesinha de canto para que não quebrasse nada ou desse fim em
alguma coisa cara que eu não poderia pagar depois.
Vestígios de glitter pintavam o rosto de Oliver, mas ele havia
tomado banho. Além do cheiro do sabonete de lavanda que ficava
no banheiro social, ele vestia um pijama de Natal com várias renas e
presentinhos. Talvez fosse a única roupa limpa que ele tivesse
acesso sem entrar no quarto.
Cutuquei sua perna levemente e ele se remexeu no sofá.
Continuei os movimentos até empurrar com a mão toda,
fazendo Oliver abrir os olhos de imediato e quase pular com o
susto.
— Oi — Disse, um tanto sem graça.
— Bom dia, Rosie — Sua voz saiu rouca e ele sorriu
levemente.
— Fiz café da manhã como pedido de desculpas — Falei
antes que outra conversa surgisse.
Oliver piscou os olhos algumas vezes, como se ainda fosse
se acostumar com a luz.
Sentou no sofá, analisando a bandeja acho que só para checar se
eu não tinha queimado nada dessa vez.
— Quem deveria pedir desculpas sou eu — Ele se
aproximou, lambendo os lábios. Oliver ainda estava acordando, pelo
visto.
— Ollie…
— Não, Anna, é sério. Eu deveria estar te pedindo desculpas
— Oliver suspirou, passando a mão nos cabelos bagunçados e os
deixando ainda mais com aquela aparência de quem tinha acabado
de acordar — Deveria ter falado com você. Senti que se você não
soubesse, não ia doer tanto.
Sua voz estava trêmula e eu senti que ele poderia começar a
chorar de novo.
Merda.
Se Oliver chorasse, eu também choraria.
— E isso acabou com tudo. Aquele idiota sabia como me
atingir e com todas essas coisas que aconteceram recentemente,
não achei que fossem usar uma coisa tão baixa.
— Eu acho que um deve desculpas ao outro — Interrompi —
Você me deve desculpas por não ter contado e eu por ter reagido
tão mal e por não querer falar contigo ontem. Se eu tivesse sido…
menos cabeça dura, poderíamos estar numa boa agora. Só não
faça mais isso, por favor.
— Então, estamos bem? — Ele perguntou, os lábios
apertados num daqueles sorrisos que não deveriam ser um sorriso.
Não sabia explicar bem, mas ao mesmo tempo que era fofo,
transmitia certo nervosismo.
— Estamos — Beijei o canto de sua bochecha — Agora
vamos tomar café, eu preciso sair daqui a pouco — O apressei e
logo Oliver despertou completamente. Comemos sem muita pressa
e por mais que muitas vezes eu me incomodasse com longos
silêncios, hoje foi uma coisa boa.
Era extremamente pacifico e relaxante sentar ao lado de
alguém e não sentir a necessidade de falar algo a cada cinco
minutos.
Gostei disso.
Tomei um banho e me arrumei rapidamente, pegando o carro
de Oliver — porque minha moto estava com meu pai mais uma vez
— e seguindo na direção da casa dos Flowers, onde Natasha
estava.
Ela havia chegado em Denver um pouco antes do meu
aniversário e estava passando uns dias com a família. Como os
últimos dias haviam sido conturbados, não tivemos tempo de nos
encontrar nem para um simples café. Hoje finalmente nossas
agendas estavam compatíveis e eu poderia passar o dia inteiro
agarrada com minha amiga.
— Anna Banana! — Nat gritou da porta assim que eu
estacionei.
— Não acredito que esse apelido realmente pegou —
Resmunguei — Edward é um idiota.
— Ele me chama de Natasha Romanoff, nada mais me
atinge.
— Olhando pelo lado bom, você é uma viúva negra
extremamente poderosa, que salvou a Terra com seu sacrifício e
ainda por cima veste roupas muito maneiras e que te deixam
gostosa — Pisquei para Nat, finalmente a abraçando com força —
Eu sou uma fruta. E ainda uma fruta amarela! Eu odeio amarelo.
— Anna-Rose e seu ódio, a cor mais linda de todas — Ela me
puxou para dentro, subindo às escadas e arrastando a minha
pessoa diretamente para seu quarto. Passei de relance por sua mãe
e mal consegui dar um oi — Vamos ficar aqui.
— Amiga! — A repreendi — Eu mal consegui dar um oi para
sua mãe!
Quando fui em direção a porta, Natasha me puxou de volta
mais uma vez.
Dessa vez com mais força.
— O que foi? — Perguntei, sem entender.
— Acho melhor que você não fale com minha mãe — Um
sorriso sem graça beirava seus lábios.
— Porque eu não falaria com sua mãe? Eu adoro ela!
— Anna… — Agora era um tipo de vergonha que estava
presente em sua voz — Não vá falar com minha mãe.
A compreensão finalmente me atingiu.
Natasha não queria que eu falasse com sua mãe porque ela
não gostava mais de mim.
Por causa de Oliver.
Por causa daquele casamento.
— Merda.
Foi a única coisa que consegui dizer.
— Muita merda — Nat suspirou, indo até a porta olhar se
estava tudo seguro e voltou para a cama, deitando de vez.
Por um momento, parecemos as mesmas Natasha e Anna de
quatro anos atrás, com horário para chegar em casa, com tatuagens
escondidas e que escondiam bebidas num baú velho que Nat
guardava os lençóis de cama. O dia que o pai dela descobriu não foi
nada legal.
Nat se culpa até hoje pelo divórcio dos pais. Mas nossa
senhora, se aquele homem não fosse embora por boa vontade, eu
mesma iria expulsar ele de lá.
— Mas então, quais as novidades? — Perguntei antes que
ela falasse a mesma coisa. Parte de mim ainda ficava um pouco
desconfortável em falar com ela sobre Oliver. Natasha havia sido a
primeira pessoa que realmente apoiou a confusão que éramos eu e
Oliver no começo de tudo.
Mas ainda assim, eu me sentia errada.
Suja.
Eu sabia que ela não sentia mais nada por ele, quando Nat
me disse que queria terminar com Oliver, a confrontei mil vezes, o
tempo todo perguntando se era realmente aquilo que ela sentia.
E era.
Ela pensou sobre isso durante semanas até ter coragem de
chamar Oliver para conversar e dizer que aquilo não era mais o que
ela queria, que não era com ele que ela via seu futuro. E por muitos
dias eu senti que tinha doído mais em mim do que nela mesma. Mas
Natasha era muito boa em esconder o que estava sentindo, eu
sabia que ela estava sofrendo muito e que aquela decisão era algo
que nunca acharia que poderia tomar.
— Eu fui promovida! — Dei gritinhos histéricos com sua
novidade e Natasha começou a pular em minha direção — E eles
querem me transferir para Nova Iorque!
— Você precisa ir! — Afirmei — Meu Deus, Nat! Isso é tão
bom — Abracei minha amiga — Estou muito feliz por você.
— Eu estou tão nervosa! — Nat fez um biquinho — Aceitei, é
claro. E eles já começaram a fazer minha mudança da San Diego
para a cidade que não dorme e vai ser tão emocionante, queria que
você estivesse comigo lá!
— Mas eu vou, é só me chamar. Posso te ajudar na
mudança, podemos comprar várias coisas para decorar seu
apartamento novo ou não sei, assistir vários vídeos sobre decoração
e pintar nós mesmas! Sempre foi algo que queríamos fazer, não é?
Talvez seja a oportunidade perfeita!
— Seria tão melhor se você pudesse morar comigo lá…
— Nat — Estreitei os olhos em sua direção, engolindo em
seco porque estávamos chegando perto do que eu não queria
conversar — Você sabe que eu não vou para Nova Iorque.
— Sei — Ela rolou os olhos — Porque seu marido está aqui.
— E meus pais. Não vou deixar meus pais aqui sozinhos.
Muito menos forçar Oliver a mudar de time.
— Eu posso terminar com ele por você, já fiz isso antes —
Natasha piscou em minha direção e eu ri de sua piada sombria —
Mas já que chegamos no assunto, o que você tem para me contar?
Vocês transaram?
— Meu Deus, você fica muito confortável falando disso — Foi
minha vez de fazer bico — Será que eu fico mais constrangida que
você? Natasha Flowers está falando de sexo e sou eu quem está
sem graça?
Nat riu.
Ela sempre tinha sido muito reservada em relação aos
namoros e casos. Quando começou a namorar Oliver, eu achei que
ela não gostava dele de verdade. Natasha mal falava do cara e não
me dava nenhum detalhe quando chegava dos encontros, achei
mesmo que ela estava arranjando um jeito de dar um fora nele. Até
o dia que bebemos muito e ela me contou tudo que tinha para
contar e o que não tinha, detalhe algum passou despercebido
naquela noite.
E depois, ela confessou que não se sentia confortável falando
sobre sexo com outras pessoas.
— Transamos sim — Confirmei e Natasha ficou parecendo
uma criança que tinha ingerido muita cafeína e muito açúcar.
— Você vai me contar os detalhes? Ou eu vou ter que
implorar? Por favor, não me faça implorar.
— Você não acha estranho? — Finalmente, tive coragem de
perguntar — Que eu tenha transado com seu ex-namorado.
Natasha pareceu pensar por alguns segundos mas acabou
dando de ombros.
— Se eu fingir que é só um cara que você gosta, talvez não
seja tão estranho.
— Tudo bem então.
— Ahá! — Ela gritou em minha direção e eu arregalei os
olhos no susto — Então você gosta dele!
— Amiga! — Fiz olhinhos de cachorro em sua direção e sorri
com toda alegria que sentia no momento — Eu estou apaixonada
pelo Oliver.
Natasha esbugalhou os olhos e começou a gritar, pulando
alegre.
Pela deusa, eu não merecia aquela amizade nem se
quisesse.
— Eu amo tanto vocês dois — Ela disse por fim, me
abraçando de canto — Sério, Anna. Eu estou tão feliz por vocês, sei
que pode parecer falso que eu realmente esteja feliz com minha
melhor amiga estar casada com meu ex-namorado, mas eu sinto a
felicidade de vocês e isso me faz feliz. Não sei, eu sinto que depois
que terminei com Oliver, parte de mim deixou de acreditar no amor
verdadeiro, mas… se algum Deus existe lá em cima, ele trabalhou
bem juntando vocês dois.
Comecei a chorar.
Nem quis disfarçar, as lágrimas caiam do meu rosto como se
uma torneira estivesse aberta.
Nat veio logo depois de mim, ela era muito mais manteiga
derretida do que eu pensei em ser um dia. Apertou os braços ao
redor de meu corpo e beijou minha cabeça, às lágrimas descendo
pelo seu rosto enquanto ela tinha um super sorriso estampado.
— Agora que esclarecemos às coisas, que porra aconteceu
ontem? — Eu amava a intensidade de Natasha. Em um momento
ela estava chorando emocionada e no outro havia me empurrado
por fofoca — Eu vi tudo por cima nos sites de fofoca, mas não
soube exatamente o que aconteceu e bem… fiquei com vergonha
de perguntar.
Suspirei, enxugando minhas lágrimas enquanto pensava em
como explicar.
Mas resolvi ser direta.
— Um dos jogadores do Dallas falou besteira pro Oliver e ele
perdeu a cabeça, daí ele…
— Quase foi expulso do jogo e do time, eu sei disso —
Estranhei então, se ela sabia daquilo, do que estava perguntando —
Quero saber porque vocês brigaram na festa de aniversário de
Megan Zimmernmann?
Oi? Como Nat sabia daquilo?
— Edward te contou? — Perguntei.
— Anna — Seu tom tinha um aviso que eu não queria saber
— Isso está em todos os sites de fofoca.
Gelei.
— O que?
— Aqui — Ela abriu o Instagram e literalmente, o primeiro
post que apareceu havia sido um dos vídeos e o título embaixo dizia
“SERIA ANNA-ROSE O MOTIVO DA QUEDA DE OLIVER
KARLSSON?” — Não dá para ouvir do que vocês estavam falando,
mas está em todos os lugares. Vocês brigam, começam a gritar um
com o outro e aí você sai chorando com Ed enquanto Oliver
continua na festa, chorando.
Bile subiu minha garganta.
Seria Anna-Rose o motivo da queda de Oliver Karlsson?
Dei poucos passos até chegar ao banheiro, vomitando tudo
que estava no meu estômago até eu sentir que minhas tripas
poderiam começar a sair junto.
— Anna? — Nat chamava ao meu lado, mas não sabia o que
responder, minha garganta doía muito.
A queda de Oliver Karlsson.
— Fala comigo! — Insistiu e eu levantei a mão em sua
direção, pedindo para ela esperar, como se pedisse paz por cinco
segundos.
Fui até a pia e enchi a boca de água, bochechando seu
enxaguante bucal logo depois para que aquele gosto terrível saísse
de mim.
— Townsend disse para Oliver que Marcus não me bateu o
bastante — Minha voz saiu num fiasco — E ele não me disse isso,
eu só descobri na festa porque um Benji muito bêbado começou a
soltar sem querer o que havia acontecido e eu fui tirar satisfação
com Oliver.
Natasha colocou a mão na boca, sentando na cama como se
precisasse de algo para apoiar seu corpo antes que qualquer outra
merda acontecesse.
— E nesse momento, eu estava chamando-o de mentiroso
porque todos ao meu redor sabiam do que tinha acontecido, menos
eu.
— Amiga… — Sentei ao seu lado e Nat apoiou a cabeça em
meu ombro — Sinto muito.
— Eu também.
Sabia que aquilo ia pesar negativamente para a carreira de
Oliver. Seria burrice não pensar nisso quase que automaticamente
quando tudo aconteceu.
Mas ser acusada de ser a causa de sua queda?
Como se eu tivesse dado minha cara para aquele filho da
puta bater.
Como se eu tivesse pedido para o filho da puta do Brian
Townsend falar cada uma daquelas coisas e provocar Oliver
repetidamente.
— Poderia ter sido pior — Natasha tentou me consolar e olhei
enviesada na direção dela — É sério! Realmente poderia ter sido
pior e eles poderiam ter pego o áudio da briga. Até um amante um
dos dois iria ter se o áudio fosse compreensível.
Me permiti rir, só Nat para falar uma bobeira daquelas.
— Só de pensar nisso me dá um tipo novo de ânsia… —
Respirei fundo, meu coração ainda estava acelerado e minha
barriga tinha começado a doer — Você acha que eles vão falar mais
coisas de Oliver?
— Claro que sim, do mesmo jeito que também sempre terão
pessoas que ficarão ao seu lado. Toda história tem quem acha que
está certo e quem realmente está, não deixe os achismos te
atrapalharem nessa história em particular. Você e Oliver são as
únicas vítimas aqui.
Isso era verdade. Eu sabia bem.
Ainda não entendia porque Brian Townsend tinha falado
aquilo, parte do meu cérebro não processava que alguém poderia
ser assim por motivo algum.
— Você acha que eles têm alguma ligação? — Perguntei
para Natasha que me olhou estranho — Townsend e Marcus.
— Bem, o mundo é um ovo, não podemos cortar todas
conexões imediatamente, mas… — Seu sorriso endiabrado dizia
outra coisa — Ainda temos acesso a internet e uma capacidade fora
do normal de ser stalker.
— Ou podemos falar com Ava — Natasha gostava de brincar
de jornalista investigativa nas horas vagas, era a stalker mais
estranha que eu já havia conhecido e eu não contava com Ava no
meio porque minha prima era um caso à parte. Um caso muito
estranho à parte.
Nat fazia aquilo porque gostava e porque seus livros favoritos
eram da Agatha Christie, vez e outra ela achava que era a versão
feminina de Hercule Poirot.
— Ava estragaria tudo, ela é boa demais no que faz. Vamos
deixar isso para os amadores.
E como a Haley em Modern Family, Natasha pegou o
notebook e começou a fuçar. Em menos de dez minutos tínhamos a
ficha completa do cara.
E nenhuma ligação com Marcus. Sem amigos em comum,
não se seguiam nas redes sociais e ele não tinha manifestado
nenhum apoio público ao meu agressor — e acredite em mim, às
pessoas achavam normal postar Justiça por Marcus no Twitter.
— Nat! — Gritei para minha amiga enquanto passávamos as
fotos de algumas campanhas antigas para uma marca esportiva que
Brian era embaixador e lá estava aquele filho de uma puta sorrindo
com todos os dentes e seu cabelo seboso.
Marcus Wilheim.
— Aqui! — Ele estava sem barba e parecia muito mais novo,
talvez por isso não fosse possível reconhecer de primeira.
Sempre admiti que por mais filho da puta que fosse, Marcus
era lindo.
Mas naquele momento ele parecia tão… inferior.
Até mesmo um pouco feio sem a barba.
— Acha que são amigos só que não públicos? — Concordei
a pergunta de Natasha — Então descobrimos qual era o problema
de tudo.
— Sim! Queria que mulheres se defendessem como os
homens, isso é incrível — Apertei a ponta do meu nariz — Preciso
contar isso para Oliver.
— Calma gafanhoto, mais tarde você conta.
Assenti e respirei fundo. Precisava aproveitar um pouco os
momentos com Natasha, no momento eu tinha mais contato com
Oliver do que com ela.
É difícil quando a vida adulta bate nas suas costas e você
não pode passar o dia inteiro fofocando com sua melhor amiga —
bem, passamos o dia inteiro fofocando, mas não era algo que
poderia ser frequente.
Saímos para almoçar e depois para fazer compras, sempre
falando mal dos outros e julgando quem fazia isso. Quando nem eu
nem Natasha tínhamos mais perna o suficiente para poder andar
por aí sem rumo e com mais sacolas na mão do que meus dedos
aguentavam, fomos jantar e depois deixei ela em casa.
Parte de mim estava muito ansiosa para chegar em casa e
contar para Oliver porque diabos aquele filho da puta tinha falado
daquele jeito no jogo — e eu entendi Natasha se sentir um detetive
de livros de suspense, eu mesma me sentia um nesse exato
momento.
— Cheguei! — Gritei assim que entrei, Maya e Zara pulando
ao meu redor e cheirando às sacolas. Comprei algumas roupinhas
para ela e uma guia nova para Zara, a antiga estava apertada em
seu peito — Oliver?
Guardei as sacolas e segui para a cozinha.
Oliver estava sentado num dos banquinhos do balcão, com
papéis na mão e um copo de um líquido âmbar ao seu lado. Era
terça-feira e ele estava bebendo? Será que tinha visto as notícias
maldosas?
— Ollie?
Ele empurrou os papéis em minha direção e fui olhar.
Eram as solicitações de divórcio.
“Cara, você não vai acreditar no que Anna fez…”
(Mensagem de Oliver para Benji)
— O que isso significa? — Perguntei para Anna assim que
ela entendeu o que estava nos papéis.
Depois de uma longa conversa com a diretoria do time e uma
explicação decente sobre a merda que havia acontecido ontem — e
hoje, porque todas as fofocas eram sobre isso —, eu queria paz.
Deitar na minha cama e não pensar em mais nada, sentir o
colchão macio sob meu corpo e fazer cenários mentais sobre
qualquer porcaria que eu deveria ter feito há algum tempo, mas
estava procrastinando.
Minha terapeuta não pode me atender de emergência, mas
tivemos uma conversa rápida pelo telefone.
Tudo estava quase bem até que o carteiro veio entregar
documentos enviados por Amy.
Documentos sobre a abertura do divórcio entre Anna-Rose e
eu.
Que eu havia confirmado que queria, assim como Anna
ontem de noite, Amélia me disse quando a confrontei sobre o que
era aquilo.
Só que ontem de noite eu não tinha confirmado nada. Na
verdade, cheguei em casa de madrugada e só fiz tomar um banho
quente para relaxar antes de dormir no sofá.
Olhar aqueles papéis que precisavam de minha assinatura
era doloroso. Na falta de melhores palavras, era como se eu
engolisse uma coisa pontuda e tivesse que forçar para que
descesse garganta abaixo.
Agonizante.
— O que isso significa? — Perguntei mais uma vez, olhando
em sua direção e percebendo que
Anna não tinha confusão no olhar. Dor ou nenhum por cento
daquele sentimento horrível de traição que inundava meu corpo.
— Não achei que fosse chegar tão rápido — Finalmente
respondeu, sentando ao meu lado.
— Você quer terminar comigo?
Perguntei, arrancando a ferida.
— O que? — Anna pareceu assustada com minha pergunta
— Que diabos, Oliver? Porque eu terminaria com você?
— Porque você pediu o divórcio? — Perguntei como se fosse
óbvio, do que inferno ela estava falando?
— Bem, para começo de conversa porque não somos
casados de verdade — Mantive minha boca calada, meu coração
acelerado e os dedos suados — Somos namorados, Oliver. O
casamento é uma coisa que vai ficar para alguns anos.
— Porque não continuar casados? — A questionei, não sabia
nem como estava conseguindo falar direito. Honestamente, eu me
senti tão triste vendo aqueles papéis. Talvez mais triste do que
quando Natasha chegou para conversar e terminou nossa relação
do nada.
Talvez eu tenha fetiche em mulher que gosta de me fazer
sofrer sem razão.
— Você mesmo disse que iríamos pedir o divórcio, Oliver!
Porque do nada você mudou de decisão e quer espelhar os seus
atos em mim?
— Muito tempo atrás, Anna! — Falei alto, me arrependendo
em seguida — Nós conversamos semanas atrás sobre o divórcio,
tudo bem que era um momento que os dois já sabiam o que o outro
estava sentindo, mas não achei que você quisesse ficar longe de
mim. Eu não quero soar como o cara dramático que eu sei que sou,
mas isso me magoou.
Anna segurou minhas mãos, dando um beijinho em cada
antes de levantar os olhos até os meus.
— Oliver, acho que essa é a primeira relação saudável que
tive em toda minha vida. Eu gosto de morar com você, mas queria
morar com você sendo sua namorada. Não precisamos divulgar
para as pessoas do divórcio…
— Todo dia existem pesquisas sobre nosso divórcio, você
acha mesmo que ninguém vai saber?
— Bem, eu espero que elas não saibam.
— Anna, isso não existe! O que você vai dizer para seus
pais? Olha, eu me divorciei de Oliver porque não quero ser esposa
dele, mas ainda quero ser sua namorada.
— Você não está fazendo o mínimo sentido, Oliver! — Ela
gritou, acho que finalmente ficando estressada com isso — Eu não
quero ser sua esposa quando você não me pediu em casamento!
Eu não quero ser obrigada a subir naquela porcaria de área VIP
porque às esposas ficam lá em cima juntas! Eu não quero ser sua
esposa quando eu nunca nem fui sua namorada! Porra,Oliver, eu
nem sei mesmo se quero continuar morando com você!
Não respondi.
Anna arregalou os olhos quando percebeu o que tinha falado,
se afastando em seguida.
— Você brigou no jogo e disseram que foi minha culpa. Eu
não pude nem brigar com meu namorado numa festa entre amigos
antes de ir parar na Internet como uma pessoa escandalosa e ainda
sendo taxada de tóxica. De ruim. Tudo que você fizer de errado, o
mundo vai colocar a culpa em mim.
— Não é assim, Anna. Ontem foi um caso à parte.
— Foi? E se você fizer um passe errado? E se outra pessoa
falar merda para você e mais uma vez, você for expulso do jogo?
Oliver, ontem quase custou sua carreira.
— Você está distorcendo tudo!
— Eu estou? Brian Townsend é amigo de Marcus! Amigo da
porra do cara que tentou me matar! E se não estivesse no jogo
quando ele falou isso? E se aquele filho da puta nos parasse no
meio da rua para te provocar, Oliver. Você teria partido para cima
dele e mais uma vez, quase perdido a carreira por minha culpa!
— E teria valido a pena!
— Não teria — Os olhos castanhos se arregalaram em minha
direção, lágrimas pendendo como se esperassem algo doer ainda
mais para cair — Não teria valido a pena você quase perder sua
carreira inteira por minha causa! Porra, você tem um processo nas
costas por causa de mim e agora isso! Como você acha que eu me
sinto? Eu odeio isso. Odeio. Odeio mais do que odeio
Marcus. Isso é minha culpa, eu envolvi você nessa merda.
— Nós dois casamos juntos, Anna. Você não me obrigou.
— Você nem sabe disso! Nem eu nem você sabemos quem
teve a porra da brilhante ideia de acabar com a vida do outro com a
merda de um casamento!
— Pronto — Suspirei, massageando minhas têmporas — Eu
não vou acabar mais com sua vida.
Assinei onde meu nome era solicitado e empurrei os papéis
em sua direção.
— Do que você está falando?
Não respondi. Continuei andando até a escada para poder
gritar com às paredes e chorar em paz sem parecer um completo
idiota. Era isso que eu era: um idiota.
— Oliver, do que você está falando?
Travei os pés só para poder virar em sua direção.
— Você acha que consegue arrumar suas coisas até
amanhã?
— Espera, deixa eu ver se entendi — Anna parecia que ia
voar em minha direção, me olhando como se eu tivesse esfaqueado
alguém de sua família — Você está me expulsando daqui?
— Eu estou terminando com você, Anna — Dei de ombros —
Você a tão sonhada entrada de divórcio. Aí está ela. Boa sorte.
‘Oi filha! Como estão as coisas em NYC? Não vi Ollie em
nenhuma das fotos que você postou, ele não foi te visitar?”
(Mensagem de Riley para Anna-Rose)

— Eu estava pensando em ir naquela padaria que você gosta para


tomar café, o que acha?
Olhei em sua direção sem saber responder, parecia que até
mesmo a capacidade de falar havia sido roubada de mim. Inferno,
eu não sabia nem se eu queria levantar da cama hoje para fazer
nada. Na verdade, eu tinha certeza de que ontem também não
levantei da cama.
Nem antes de ontem.
— Não, vou terminar o livro que eu estava lendo —
Respondi.
Natasha me olhou com pena e eu odiava isso. Odiava que as
pessoas me olhassem com pena.
Odiava que as poucas coisas que eu tinha — minha
penteadeira, minha pequena estante ou boa parte do meu
equipamento profissional — ainda estivessem na casa de Oliver
porque ninguém poderia me ver fazendo outra mudança.
Para o resto do mundo, eu só ia passar um tempo em Nova
Iorque com minha melhor amiga. Foi assim que fui instruída a
postar. Foi assim que eu precisei fazer.
No primeiro dia, tirei várias fotos com roupas diferentes e fiz
um tour pela cidade, registrando tudo para manter minhas redes
sociais atualizadas para que ninguém desconfiasse nem que fosse
minimamente sobre o que estava acontecendo.
Só de pensar nisso, um bolo se formava em minha garganta.
— Anna, o livro não vai sair correndo de você — Natasha
respondeu, eu sabia que ela estava sendo cordial e feliz com o
propósito de me manter daquele jeito também. De tentar o tempo
todo que eu fizesse algo. Céus, Natasha até havia tentado me enfiar
na empresa que trabalhava com marketing digital para que eu
assumisse a produção de imagem e fotografia das propagandas.
Eu não quis.
Não conseguia levantar.
Não queria levantar, falar com ninguém, comer.
Nada disso.
— Mas esse livro é bem importante para a saga, eu não
posso deixar de terminar — Quis me justificar.
Eu não fazia ideia se aquele livro era realmente importante
para a saga. Por preguiça de seguir indicações mais profundas,
comecei os livros da Cassandra Clare porque eu sabia que eram
muito mais de dez. Acabei me enfiando num universo com mais de
vinte livros — acho — e os primeiros nem eram bons.
— Não. Eu não aguento mais você sentada nessa janela o
dia todo com um livro na mão.
— Eu não estou sentada nessa janela o dia todo com um livro
na mão, eu organizei sua despensa de comida, seus produtos de
limpeza e também sua geladeira.
— O que?
Natasha foi até a dispensa e abriu, se deparando com
milhares de potes herméticos e toda sua comida catalogada. Eu
também comprei dispenser para os produtos de limpeza e passei
horas cortando papel contact preto e escrevendo o que era o que
com caneta branca de giz. Sua geladeira além dos nomes, tinha a
data de validade e de quando cada item foi colocado ali.
Tudo isso por causa do TikTok.
O apartamento de Natasha era um loft consideravelmente
grande — porque dinheiro nunca foi problema para Nat e sua
família, ainda mais agora que ela estava sendo bancada pela
empresa que trabalhava —, seu quarto ficava acima da cozinha com
um banheiro grande o bastante para caber uma banheira e ao
mesmo tempo pequeno o bastante para você perceber que só uma
pessoa usava ele. No nosso caso, dividimos a guarda do banheiro.
A cozinha era enorme, eu amava essa parte. Bem dividida e
com tudo que eu poderia mexer sem que ninguém percebesse e
fizesse qualquer coisa que ocupasse minha mente.
No final, Natasha e eu de fato decoramos o apartamento
juntas.
Não foi empolgante como eu achei que poderia ser.
Foi um saco, na verdade.
Mas eu gostava de lá. Talvez, se eu tivesse dinheiro o
bastante, aquele seria o local que eu poderia morar para o resto de
minha vida. Gucci fazia companhia ao meu lado, todos os dias
sentada aos meus pés enquanto eu ficava sentada na bancada da
janela lendo.
Às janelas eram lindas, eu tinha que assumir.
A vista não era tão ruim assim. Quer dizer, não era aquela
vista mais interessante do mundo, mas também tinha algo especial
em passar o dia como uma stalker desocupada vendo a rotina das
pessoas.
— Bem, obrigada por organizar minhas coisas.
— De nada.
Voltei a fingir que estava prestando atenção no meu livro
porque eu não estava afim de conversar. Eu queria ter filmado tudo
e postado. Queria mesmo. Mas e se percebessem que aquela não
era a casa de Oliver? Eu não era alguém que simplesmente
chegava na casa de desconhecidos para organizar seus
mantimentos e deixar tudo bonito.
Nunca fazia nem na minha casa direito, quanto mais isso.
Mas qualquer tipo de bagunça me deixava ansiosa. Eu não
podia ver nem mesmo um prato na pia que acabava o meu dia. Não
conseguia dormir direito, a não ser que eu tenha ficado 48h
seguidas sem dormir, aí sim eu deitava no sofá cama e cochilava
tão rápido quanto alguém que tomava remédio para fazer isso.
Eu não esperei o dia seguinte, quando Oliver subiu as
escadas e foi até o quarto de hóspedes, tirei todas minhas roupas.
Todas maquiagens.
Produtos de higiene.
Sapatos.
Até os livros que estavam na casa dele.
E às onze da noite, apareci na casa de Natasha com tudo
dizendo que eu ia para Nova Iorque com ela. Quando a mãe dela
atendeu a porta, desabei e contei tudo para que ela não me odiasse
ou se recusasse a me abrigar naquele momento.
Deixei os papéis assinados no mesmo balcão da cozinha e
nenhum bilhete, ele sabia bem onde eu estava.
Isso foi quinze dias atrás.
Em menos de dez dias, meus pais, minha avó e a mãe de
Natasha viriam para comemorar o dia de Ação de Graças e eu
estava odiando a situação, não queria olhar para cara de nenhum
deles e muito menos fingir que eu estava grata por alguma merda
aquele mês.
Foda-se toda ladainha de agradecer por ter uma vida, comida
na mesa e todas essas coisas. Caralho, eu era grata por tudo isso.
Era muito grata. Mas eu não queria sentar numa mesa e falar coisas
que eu não sentia. Não queria sentar numa mesa com minha família
e fingir que em algum momento, eles iriam perguntar o que
aconteceu entre Oliver e eu.
E merda, eu estava com tanta saudades dele.
Comecei a chorar antes que percebesse que realmente
estava chorando.
Natasha veio até mim e neguei com a cabeça, eu não queria
consolo agora. Precisava de um banho longo e quente, passar pelo
menos uma hora na banheira e enrugar minha pele em oito lugares
diferentes.
Tirei meu Kindle do carregador e preparei meu banho,
trancando o banheiro e deixando música alta porque eu não queria
que Natasha falasse comigo. Em algum momento no meio disso eu
sentaria com ela para pedir desculpas por estar sendo insuportável
e talvez muito cabeça dura.
Mas não hoje.
Ignorei às 109 páginas de livros já adquiridos no dispositivo e
comprei mais um romance bobo que melhoraria meu dia e me faria
pensar que os homens na vida real são daquele jeito e que os dos
livros podem sair para ficar comigo.
E quando estava em 50% do livro, percebi que era hora de
sair da banheira e arranjar mais alguma coisa para organizar aquela
casa.
Terminei de me limpar, penteei o cabelo e fui organizar as
roupas de Natasha, passar cada uma e deixar seu guarda-roupa
separado por paleta de cor. Depois que terminei isso, fui para seus
sapatos fazer a mesma coisa, troquei sua roupa de cama, adicionei
essência nos difusores e passei o aromatizante nos lençóis novos.
Ataquei seu banheiro no final, pensando se ela perceberia se eu
pintasse tudo de preto e colocasse dispensers no box em vez
daquela cesta pendurada que eu odiava.
Depois de analisar o trabalho que eu teria caso fosse sair de
casa para comprar tinta, desisti de pintar o banheiro. Peguei meu
livro físico e sentei na janela, não funcionou. A escrita daquela
mulher estava me deixando enjoada e acho que isso era uma coisa
que aconteceria em algum momento, já que eu tinha lido doze livros
seguidos daquela saga.
— Acho que vou na livraria — Falei para Gucci, esperando
ela responder e depois percebendo que minha gata ainda não
falava. Droga, só de mencionar sair de casa, Maya começava a
pular e ficar me cercando como se quisesse que eu adiantasse para
ela poder sair também.
Eu estava com saudades de Maya.
Não pensei muito nela, eu fazia de tudo para não pensar nela
e em Zara.
Elas eram um grude comigo, eu amava o grude das cadelas
comigo.
Sempre fui uma pessoa de gatos, nunca cogitei a ideia de ter
um cachorro, mas tudo mudou com elas duas.
Que inferno.
Mais cedo, Lib havia mandado mensagem para mim com a
foto de uma mãozinha linda e pequena. Analy tinha nascido.
E minha única resposta foi: “Mais uma escorpiana na família,
boa sorte aos envolvidos.”
— Olha Gucci — Peguei ela no meu colo e apontei para um
semáforo logo após a casa de Natasha — Se aquele semáforo ficar
verde agora, vamos sair de casa para comprar livros novos.
Em dois segundos, a porra do semáforo ficou verde.
Se isso não era realmente um sinal do destino, eu não sabia
o que era.
Peguei minhas coisas e a chave da casa, segui até a livraria
mais próxima e me permiti respirar fundo ao adentrar o local. Eu
amava ler, amava fugir dos meus problemas para o universo mais
próximo e como eles estavam lá por mim quando eu mais
precisava.
— Posso te ajudar? — Uma menina que trabalha lá me
perguntou e eu neguei com a cabeça, às vezes precisava conversar
internamente com os livros para poder saber se era aquilo que eu
queria ou não.
Não estava afim de ler nada de máfia. Nem um inimigos para
amantes. Amigos também não, odiava quando eram amigos de
infância que se apaixonam e um deles não é tão apaixonado e fica
naquela merda chata.
Por fim, percebi que queria um livro para chorar e decidi
pegar A Vida Invisível de Addie LaRue porque eu havia visto vídeos
de pessoas chorando com aquele livro.
Bem, acho que essa era minha vida agora.

Ou Anna-Rose tinha trocado de número, ou ela não queria


me atender nem que eu a oferecesse um milhão de dólares. Por
Deus, acho que se eu fizesse essa proposta aí sim ela não me
atenderia.
Minha suspensão havia acabado há dois dias e eu agradeci
aos deuses por isso, senão já teria enlouquecido só dentro de casa
e participando dos treinos — isso porque eu insisti muito, mas eles
não queriam me deixar nem chegar perto do time no começo.
Aparentemente, eu tinha virado um homem agressivo e sem
controle das próprias ações, então o time ia ficar melhor sem o seu
capitão.
Besteira.
Eu só poderia voltar a jogar quando minha psicóloga
liberasse e eu juro por todos os deuses que, se ela não tivesse feito
isso essa semana, eu trocaria de profissional.
Uma coisa era ficar sem jogar quando Anna estava aqui…
Agora com ela longe.
Era um inferno.
Nem às cadelas mais aguentavam sair de casa tanto porque
eu não conseguia passar muito tempo naquele lugar.
Tentei ligar mais uma vez e nada. Nem um único toque.
Eu merecia tudo aquilo.
Apelei para alguém que eu achava que nunca seria a pessoa
que me ajudaria em problemas com meu relacionamento. Ou antigo
relacionamento, não tive muito tempo para processar o término.
Dessa vez, no quarto toque a pessoa atendeu.
— Eu odeio você — Natasha falou do outro lado da linha, seu
tom de voz nada amigável — Eu odeio tanto você, Oliver.
Suspirei.
Como eu disse, eu merecia aquilo.
— Como ela está? — Ousei perguntar, mesmo não querendo
saber a resposta.
Parte de mim, a parte mais egoísta e doentia que existia em
mim, ficaria um pouco decepcionado se Natasha me falasse que
Anna estava bem.
— Como Bella em Lua Nova.
Merda.
— Não entendi.
— Teu rabo, eu sei que você maratonou Crepúsculo com
Anna, ela me contou tudo.
— Então, ela está mal — Conclui. Bella tinha ficado um caco
em Lua Nova — Porque ela não atende quando eu ligo?
Natasha suspirou.
— Eu poderia dizer que ela não te atendeu porque você é um
nojento, filho da puta, idiota e extremamente egoísta que não
merece nem 1% de todo amor que ela te deu. Mas, Anna não
atende ninguém. Ninguém. Ela não responde às mensagens e eu só
consigo falar com ela quando estou em casa. Fora isso, ela passa
metade do dia vendo TikTok e a outra metade lendo.
— Ela fez algum trabalho?
— Dos que você recomendou? Nenhum.
— Eu não recomendei trabalho nenhum — Menti, mais uma
vez.
— Oliver, eu conheço todos seus contatos. Sei que você
recomendou Anna aqui em Nova Iorque, mas ela recusa todos.
— Tudo bem — Massageei minhas têmporas, coisa que
parecia que era meu movimento mais feito nas últimas semanas —
Se eu te ligar quando estiver em casa, você acha que ela falaria
comigo?
— E porque eu deixaria você falar com ela? — Natasha foi
curta e grossa. Pelo menos eu poderia dizer de quem viu os dois
lados, que elas se protegiam na mesma intensidade — Olha Oliver,
você pode ter pensado bem nesses últimos dias e decidido que não
era a coisa certa a fazer, que você foi um filho da puta com ela e
que se arrependeu. Mas o mundo não funciona assim, você não
pode simplesmente terminar com minha amiga, expulsar ela da sua
casa, recomendar um ou dois trabalhos para ela e esperar que ela
simplesmente esqueça de como você foi. Mesmo se ela
esquecesse, eu a lembraria todos os dias.
— Por favor, Natasha. Eu amo Anna, preciso falar com ela.
— Se você a amasse de verdade, teria pensado duas vezes
antes de fazer o que fez. Fora isso, você não passou duas semanas
sem fazer nada? Os aviões ainda estão funcionando, desde a última
vez que eu vi.
Natasha desligou antes que eu pudesse falar mais alguma
coisa.
É, pelo visto eu teria que ir até Nova Iorque se quisesse falar
com Anna.
“Eu só não sei mais o que fazer com ela, sabe? Nos últimos dias ela
esteve melhor, acho que a viagem para Escócia pode ser a decisão
final. Ou Anna melhora ou piora de vez.”
(Mensagem de Natasha para Edward)
Minha mãe estava esperando deixar meu celular jogado de
qualquer jeito para que ela pudesse fuçar e achar qualquer coisa
que explicasse porque Oliver não estava lá.
Muito importante, eu tinha que falar, mas meus pais não
sabiam que estávamos terminados. Até chegar aqui, ela achava que
eu tinha ido trabalhar e estava aproveitando para passar um tempo
com Natasha, eu não ia desmentir isso.
Pela primeira vez desde que tínhamos terminado, mandei
uma mensagem para Oliver.
Finja que está na Suíça.
Fiz de proposito.
Ele não me corrigiu, não. Só respondeu um “ok”, não pediu
para que eu olhasse alguma das 322 mensagens não lidas que
tinha dele, ou que eu retornasse alguma de suas 98 ligações
perdidas.
Ele só respondeu aquilo e não falou mais nada.
— Oliver vai chegar mais tarde? — Meu pai perguntou,
jogando na cara de minha mãe que ele tinha coragem o bastante
para fazer uma simples pergunta em vez de ficar me sondando feito
uma doida.
Isso mesmo Joseph, mostra para sua esposa que ela está
assistindo You da maneira errada.
— Ele foi para Suécia — Menti, Natasha piscando na minha
direção.
O que ela queria dizer com isso?
— Achei que vocês fossem passar juntos… — Mamãe
comentou, falando daquele jeito como se tentasse deixar algo no ar.
— Eu não ligo para esse feriado, vocês sabem — Dei de
ombros — Só chamei vocês porque Natasha insistiu.
E era verdade.
— Bem, se você não faz questão da nossa presença, não sei
porque estamos aqui.
— Deixa de ser dramática, Riley. Se ela não ligasse
realmente, não estaria fazendo comida para nós, não é minha filha?
— Minha avó perguntou e eu concordei, ter sido a neta mais
próxima dela me dava vantagens relacionadas a sua presença.
Vovó sempre estaria ao meu lado, não importa qual situação.
— Temos que aproveitar esse momento — Papai murmurou,
terminando de ajeitar os talheres na mesa de jantar.
Minha mãe e a mãe de Natasha começaram uma conversa
calorosa sobre decoração e o que aquela casa precisava, meu pai e
minha avó estavam falando da comida enquanto eu puxei Natasha
pelo braço para mais longe deles, tentando falar baixo o bastante
para que ninguém escutasse.
— Porque você piscou para mim? — Perguntei.
— Sua história estava boa, eu tentei dar um aval de
aprovação — Dei de ombros, tentando ver se ela estava mentindo
ou não — O purê de batata ficou muito gostoso.
Era uma das minhas comidas favoritas, mas eu não estava
com fome.
— Amanhã eu como então.
— Anna! — Ela reclamou — Seus pais sabem que você ama
purê de batata com o peru no jantar de Ação de Graças, você acha
que eles não vão perceber caso você não queria comer?
— Na verdade, eu não estou com fome no geral. Acho que
provar a comida enquanto ela estava sendo pronta me deixou
cheia.
— Mentira! Eu te observei hoje, Anna, mal colocou uma
colher de comida na boca. Chega disso, sério. Se você não comer,
eu conto para eles tudo o que está acontecendo.
Olhei feio em sua direção e Natasha não se atingiu nem 1%,
mantendo sua ameaça em pé. Ótimo, agora eu ia ter que comer se
não a falsa da minha amiga ia entregar para meus pais as coisas
erradas que eu estava fazendo escondida.
Bem-vindos de volta ao ensino médio.
Meu pai terminou de arrumar a mesa e quando Sylvia
Flowers decidiu que era hora de comer, fomos comer. O jantar
estava desconfortavelmente quieto.
Primeiro que, Nat montou meu prato por completo,
exagerando mais que o normal nas porções. Quando nossa família
percebeu que aquilo estava estranho, ela montou o prato de todos
numa tentativa falha de disfarçar.
— Então, Anna, como está sendo trabalhar na cidade que
não dorme? Sempre quis conhecer Nova Iorque… — Minha avó
começou, olhando para meu prato sem disfarçar, talvez percebendo
que eu não tinha comido uma ervilha sequer.
— Você já veio para Nova Iorque antes, vovó.
Foi tudo o que consegui responder.
Não sabia o que estava acontecendo comigo. Foi como se eu
perdesse a vontade de me comunicar com qualquer ser, eu não
sentia prazer algum em engatar uma conversa ou até mesmo
interagir com todos ao meu redor. Sempre fui tagarela, sempre odiei
quem pedisse para eu falar baixo ou me cortasse por estar
empolgada em qualquer conversa.
E hoje, eu facilmente seria quem pediria por favor, abaixa o
tom. Você está falando alto.
— Mas ver a cidade com os olhos jovens é algo totalmente
diferente, não é? As noites de Nova Iorque, visitar os lugares
andando sem precisar pegar táxi toda hora… Até mesmo provar
alguma das atrocidades que vendem em barraquinhas sem começar
a passar mal na hora pelo excesso de sal! Parece um sonho.
Comecei a rir.
Do fundo do meu coração, eu comecei a gargalhar. Imaginar
minha avó com dor de barriga por comer um cachorro quente ou
pretzel de barraquinha foi a coisa mais engraçada que poderia ter
surgido no meu dia.
Felizmente, todos acompanharam minha gargalhada e num
passe de mágica, o humor na mesa havia melhorado.
— Os carrinhos com comida não são tão ruins como
antigamente, vovó. Alguns até são gourmet e caros, você devia
provar um que tem aqui perto — Natasha falou — O café de lá é
divino! Anna-Rose bebe pelo menos dois todos os dias.
— Já falei para Anna-Rose parar com a cafeína — Mamãe
reclamou e eu rolei os olhos. Minha mãe tinha uma teoria de que
sua dificuldade para engravidar era resultado da cafeína e por isso,
ela não deixava eu tomar café quando estava sob o mesmo teto que
ela.
Novidade mãe, se você espera que diminuir meu café vai te
dar um neto, você está muitíssimo errada e se iludindo com
devaneios lindos e cruéis.
— Bebi café minha vida inteira, isso não me impediu de ter
filhos — Vovó Safira resmungou, imitando o gesto de rolar os olhos
— Queria que tivesse impedido.
— Mãe!
Olhei para meu pai segurando a risada e fiz o mesmo.
Acho que minha avó tinha bebido mais do que eu tinha visto.
Na verdade, acho que minha avó havia bebido mais do que
todo mundo tinha visto.
Seguimos todo o jantar com uma aura melhor, eu tinha
certeza de que meu pai colocava um pouco de conhaque para
minha avó escondido toda vez que ela respirava, mas de certa
forma ver minha mãe focada em desviar das alfinetadas da mãe —
e não focada em me alfinetar — era quase tão aliviante quanto
passar meia hora querendo fazer xixi e finalmente chegar ao
banheiro.
Minha mãe geralmente era a pessoa que fazia tortas para os
vizinhos e não ligava para o fato da filha ser bissexual e aparecer
com namoradas para apresentar a ela. Na verdade, nem ela nem
meu pai. Mas desde que casei com Oliver e levei ele para que
finalmente fossem apresentados de uma nova forma, senti que ela
estava diferente comigo.
Eu sabia que mamãe tinha traços narcisistas, quer dizer…
nossos pais foram criados dos anos 70 em diante, óbvio que eles
iam ter traços narcisistas, de vez em quando ela falava sobre o fato
de minhas pernas serem muito longas ou eu ter ossos mais largos e
como ela tinha uma cinturinha fina na minha idade e o tamanho
ideal. Mas ela casou com um gigante de quase dois metros e que
deveria pesar mais de cem quilos, como ela esperava que eu
nascesse pequena?
Mas tudo isso tinha piorado.
Eu não sei se ela achava que nada daquilo era real ou se só
não gostava mesmo de Oliver, por mais que a relação deles tivesse
melhorado bastante nos últimos meses — eu a ouvi dizendo que
Oliver era como o filho que ela nunca teve.
Não perguntei para ele sobre porque não queria inflar seu
ego, mas às vezes acho que sonhei com aquilo.
Mas não fazia o mínimo sentido ela não gostar dele e o tratar
dessa forma, não, minha mãe era o tipo de tia chata que falava tudo
que tinha para falar na sua cara.
Mas mesmo assim, o jantar seguiu um ritmo leve e que me
deixou feliz.
Era reconfortante em partes, a normalidade da rotina de
meus pais em cima de mim. E era muito bom sentar como
antigamente e conversar como antigamente. Fingir que nada mudou
e que seria assim de agora em diante.
Comi tudo que estava em meu prato sem nem perceber.
Quando minha mãe tirou duas tortas de frutas vermelhas do
forno, soube que ainda tinha espaço o bastante para uma fatia ou
duas.
Nat tinha comprado sorvete de baunilha para comermos com
a torta e começamos a servir, colocando duas bolas de sorvete para
cada fatia.
— Eu não aguento comer mais nada — Nat murmurou com a
boca cheia, seu prato completamente limpo e nem sinal da torta que
um dia esteve ali.
— Eu acho que ainda aguento alguma coisa — Comentei,
rindo dos olhos arregalados que Natasha mandou em minha direção
antes de começar a rir.
— Não posso rir, minha barriga dói.
— Eu posso, ninguém mandou ter o estômago de um
passarinho.
— Eu não tenho culpa se você tem o estômago do seu pai —
Nat beijou a careca de papai antes de levantar, começando a
recolher os pratos para colocar na pia. Obviamente, minha avó
levantou junto para ajudar antes de começar uma discussão sobre
ter que fazer aquilo e todas as coisas que pessoas velhas dizem
sobre ter que fazer tarefas domésticas quando elas não aguentam
ao menos ficar muito tempo em pé.
Mas aquela era uma briga injusta, além de ser muito
faladeira, minha avó conseguia fazer as pessoas obedecerem a ela
rapidinho. Já Natasha usou o melhor argumento que poderia: lava-
louças. Ela deixou minha avó tirar o resto de comida dos pratos
antes de colocar cada um deles organizado na máquina.
Minha mãe e Sylvia começaram a guardar a comida que
havia sobrado e quando me ofereci para ajudar, elas simplesmente
me mandaram sentar no sofá para assistir o resto do jogo com meu
pai.
Quem sou eu para negar tal pedido?
— O que está acontecendo nesse jogo? — Perguntei para
meu pai, olhando a televisão sem entender nada do que diabos
estava acontecendo ali.
— Eu sei lá, esse jogo é reprise — Papai sussurrou, pedindo
segredo — Eu vi isso em Friends, se eu fingir que estou assistindo
um jogo, sua mãe não me pede para fazer nada.
— Então certo, vamos fingir que isso é um jogo importante.
Papai e eu engatamos uma conversa baixa para que
ninguém prestasse atenção que o jogo não era tão interessante
assim — e velho —, ele estava me explicando sobre a nova peça
que teria de comprar para que a minha velha moto não
desmontasse completamente depois de andar dois metros. Eu tinha
desistido dela já, mas fingia que não porque ele gostava de fazer
tudo isso para mim.
A campainha tocou e eu estranhei, olhando para Natasha que
tinha o mesmo olhar de confusão no rosto. Não estávamos
esperando ninguém.
— Eu atendo! — Me manifestei, levantando e indo em
direção a porta. Minha avó tinha falado algo engraçado e as três
mulheres que estavam na cozinha com ela começaram a rir em alto
e bom som.
Quando abri a porta, Oliver estava do outro lado.
Não pensei duas vezes antes de ir para o lado de fora e
fechar.
— O que você está fazendo aqui? — Consegui perguntar,
sentindo minha garganta doer com vontade de chorar ao olhar
aquele filho da puta. Merda.
Eu queria muito chorar.
— Eu queria conversar com você — Oliver respondeu, me
olhando como se esperasse que eu o deixasse entrar para estar
com minha família que tinha certeza de que ele estava em outro
continente.
Oliver vestia uma camiseta branca simples, a jaqueta grossa
por cima para afastar o frio. Calças normais e botas de cargo. Suas
mãos estavam dentro dos bolsos da jaqueta e na sua cabeça, havia
uma touca grossa que encobria todo seu cabelo. Fora isso, ele
estava com a barba muito maior que o costume, olhos
avermelhados e bolsas profundas abaixo.
Se eu achava que estava ruim, Oliver parecia que tinha
ficado debaixo de um trator.
— Oi Oliver, como você está? Eu estou muito bem, passei os
últimos dias mal levantando da minha cama e me torturando por ser
uma má pessoa para o filho da puta do homem que eu amava, mas
tudo bem porque eu quero que ele se foda muito e suma da minha
frente quando tudo que eu poderia fazer era quebrar dez pratos em
sua cara — Suspirei, sentia meus lábios tremendo a cada fala e
meus dedos acompanhando. Na verdade, meu coração batia tão
forte que podia pular do meu peito e sair correndo na direção
contrária ao homem à minha frente.
— Por favor…
Seu tom de voz era fraco.
Oliver tirou a touca da cabeça e meu coração parou.
Ele tinha raspado o cabelo por completo.
Tudo o que sobrava agora eram fios escuros tão pequenos
que estavam quase rente a sua cabeça.
E…
Ele havia ficado lindo. Não tão bonito quanto normalmente,
mas ainda assim, lindo.
Oliver não conseguia ficar menos feio nem se quisesse.
— Eu preciso falar com você. Preciso pedir desculpas. Anna,
por favor.
Queria deixá-lo entrar. Queria fingir que nada daquilo tinha
acontecido e falar SURPRESA ao entrar com Oliver por aquela
porta agora mesmo e sorrir feito uma idiota ao ver o sorriso de meu
pai ao ver ele ou fingir que não queria rir com às piadas de minha
avó sobre a bunda dele ser linda.
Eu queria voltar para Denver nesse exato momento, para a
casa branca de dois andares, com minhas duas cadelas e minha
gata, com Oliver reclamando que não sobrava espaço na cama para
ele deitar com todo mundo nela ou que eu não conseguia assistir
nem dez minutos de filme antes de dormir.
— Vá embora.
— Anna… — Ele pegou na minha mão mas eu soltei
rapidamente, empurrando seu toque para longe de mim.
— Oliver, por favor. Vá embora.
Seus olhos encontraram os meus, a vontade de cair
chorando tomando conta de todas as partes de mim, todo pedaço
do meu corpo queria desabar naquele momento.
Me afastei, abrindo a porta lentamente para que entrasse
sem fazer barulho.
Olhei para Oliver mais uma vez, respirando fundo antes de
fechar a porta e trancar.
— Quem era? — Sylvia perguntou e eu esqueci que havia
uma plateia do lado de dentro.
— Endereço errado — Menti, voltando ao sofá para me
aconchegar em meu pai — O que eu perdi?
“Lembrar de comprar comida.”
(Lembrete que Oliver programou para si mesmo naquela
manhã)

A primeira mensagem que recebi do dia foi Amélia me


lembrando que eu precisava assinar os papéis e entregar a ela. O
processo de divórcio estava sendo bem normal e por vontade de
Anna, sem as duas partes se encontrarem.
Pedi para Amy que fosse com separação de bens para que
Anna ficasse com algumas coisas, mas ela disse que a fotógrafa
negou prontamente quando tal coisa foi sugerida.
Da última vez que vi minha mulher, espera, ex-mulher, ela
fechou a porta na minha cara e me fez ter gastado quase dez horas
num avião por nada. Esperei na porta de Natasha por um dia inteiro
e quando acredito que Anna tenha comentado com a amiga sobre
eu estar do lado de fora, ela foi até simpática e me trouxe torta de
frutas vermelhas, um pouco de purê e peru.
No momento que perguntei se Anna ia falar comigo, Nat
pediu que eu fosse embora antes que ela alertasse os seguranças
ou chamasse a polícia.
E como todos sabíamos que minha imagem era mais
importante que o sentimento das outras pessoas no mundo, era
melhor eu ir realmente embora.
Não fui, passei mais um dia num hotel esperando que
qualquer uma das duas me desse alguma resposta. Enviei flores
para a casa de Anna-Rose e Natasha e o que eu recebi de volta foi
uma foto de Riley com as rosas vermelhas postadas no Instagram e
a legenda feita pela mulher foi: “Amor de mamãe, Anna sempre
sabe como me agradar.”
E no calor da raiva que senti naquele dia, voltei para Denver
espumando de todas as formas possíveis.
Me arrependi assim que pisei no Colorado.
Minha vantagem era que agora, pelo menos, tinha seu
endereço.
Nas últimas semanas, mandei donuts, pizza, doces exóticos
que eu achava navegando pelo Instagram, velas aromáticas, roupas
para Gucci e tudo que poderia fazer Anna me responder.
Mas ela ainda não dava nem sinal de vida para mim.
Por pouco não havia me bloqueado.
Natasha estava menos arisca comigo, ela me mandava fotos
que tirava sem Anna-Rose perceber. Anna comendo os donuts,
Anna sentada brincando com Gucci que vestia asas de morcego,
Anna comendo a pizza enquanto assistia algo, Anna lendo no seu
Kindle novo enquanto a vela de seus personagens favoritos estava
acesa ao seu lado.
Mas nada dela.
Ouvi a campainha tocando.
Ed e Benji estavam na minha porta. Groissant com cafés,
donuts, bolinhos e todas as porcarias possíveis para tomar café da
manhã, já O’Connor tinha uma sacola de supermercado cheia de
frutas congeladas e leite de amêndoas. Na sua mão restante, um
envelope branco.
— Não lembro de ter convidado ninguém para tomar café
aqui.
— Eu amo quando você está de bom humor — Benji me
empurrou com o quadril, indo em direção a cozinha — Viemos tomar
café.
— Vocês não têm o que fazer? São seis horas da manhã
numa segunda-feira, temos que treinar daqui a pouco.
— A pergunta mais interessante é: como diabos somos
amigos tão bons ao ponto de acharmos coisas abertas para fazer
um café da manhã de aniversário para nosso capitão às seis da
manhã?
Arregalei os olhos, verificando o calendário preso à parede só
para sanar a pior dúvida de todas.
Hoje era meu aniversário.
— Ah não Oliver, fala sério. Você esqueceu que hoje era seu
aniversário? — Benji perguntou, já separando os utensílios que ele
iria precisar para fazer sua vitamina.
— Sim.
— Porra cara, você não toma banho há quantos dias? —
Edward cheirou meu corpo e fez uma careta — Sua barba está
ridícula, você fede, tem salgadinho em seu moletom e não lembra
que seu aniversário é hoje — Ele suspirou longamente, olhando a
pilha de pratos que estava na pia — Não quero nem saber se está
-3º lá fora, vá tomar um banho e aparar esse mato que você chama
de barba. Quero você pronto em meia hora para tomar café com a
gente.
Eu nem ousei pensar em desobedecer a ele, só dei de
ombros e cheirei meu moletom. Fedido.
Subi para tomar um banho quente e fiz tudo o que Edward
mandou, lavando o cabelo — o que sobrou dele — e a barba
também. Espalhei o modelador de barba lentamente, penteando
para fora numa tentativa horrível de saber o que deveria ser cortado
ou não. Aparei na medida do possível.
Vesti roupas limpas e quando voltei para a cozinha, tinha
cheiro de padaria e estava brilhando de tão limpa.
Um cupcake com uma vela única estava afastado das outras
coisas, quando me aproximei, eles o ascenderam e trouxeram até
mim.
— Vai, faz um desejo logo e apaga isso.
Desejei que Anna me respondesse e apaguei a velinha.
Me senti patético.
— O que você pediu? — Benji perguntou e Edward o bateu
em seguida.
— Não pode falar o que pede de aniversário, se falar você
perde o desejo! — Groissant repreendeu o mais alto entre nós e deu
de ombros em seguida — Mas vamos comer.
Sentamos silenciosamente nas banquetas do balcão, os três
se apertando no espaço pequeno, mas aparentemente, sem
vontade nenhuma de sair dali. Eu não fazia muita questão, com a
casa vazia não fazia sentido usar a mesa.
Mas daquela vez eu usaria. Ed e Benji tinham caprichado de
um jeito que eu fiquei levemente emocionado, tudo o que eu
gostava de comer estava naquela mesa. Benji até tinha feito
panquecas com mirtilo — e eu lembrei de Anna, mas não quis ser
mais idiota que o normal —.
— Vocês fizeram café? — Estranhei, apontando para a jarra
cheia de café.
— Eu poderia te dar uma resposta irônica, mas não. Não
fizemos, achei que ia ficar mais bonitinho o café na jarra então
derramei todos os copos que eu trouxe ali dentro e deixei na mesa
para cada um se servir — Benji deu de ombros e eu comecei a rir,
idiota do caralho. Só mesmo Benji O’Connor para pensar em algo
tão idiota quanto aquilo — Ah, seu porteiro pediu para entregarmos
isso a você.
Benji me estendeu o envelope branco que estava em suas
mãos quando abri a porta para os dois e estranhei, limpando minhas
mãos antes de abrir delicadamente para não danificar o conteúdo.
Antes eu tivesse jogado aquela merda no fogo.
Os papéis finais do divórcio.
Depois que eu mandasse aquilo assinado para Amy, ela iria
oficializar tudo e eu seria um homem divorciado.
Tirei o resto dos papéis de vez daquela merda de envelope e
segui para sala, pegando a primeira caneta que vi na frente para
poder terminar com aquela merda que eu havia começado seis
meses atrás. Ideia do inferno. Quer dizer, quem porra fica casada
com outra pessoa por seis meses para manter às aparências? Enfia
essa merda no cu.
Guardei todos eles de volta no envelope e deixei na sala,
voltando para a cozinha com nenhuma sobra do bom humor que
estava comigo minutos atrás.
Benji e Ed pararam de falar na hora, se entreolhando como
se guardassem um segredo.
— O que foi? — Perguntei, olhando para a mão de Benji que
tinha um papel amassado — O que é isso?
— Eu… — Benji suspirou, massageando as têmporas —
Olha, caiu do envelope.
Estendeu em minha direção.
Não era maior que um post-it, desamassei os lados, sentindo
meu coração pesar quando reconheci a letra.
Feliz aniversário! Sinto muito
Aproveite o cupcake.
Às lágrimas perderam em meus olhos, respirei o mais fundo
que pude para impedir elas de caírem.
— Foi ela? — Perguntei, apontando para o cupcake.
— Ela encomendou tudo — Benji disse, tentando não
transparecer que também estava triste. Fofo, agora eu passo a
tristeza para as pessoas por osmose — Ed e eu já íamos vir agora,
mas a intenção era te levar para jantar mais tarde, não tomar café.
Então, Anna me acordou às quatro e meia da manhã.
— Depois ela me ligou também — Ed estalou a língua — E
disse que nós teríamos que parar nos lugares certos para pegar as
coisas certas porque ela tinha se virado em várias para conseguir
tudo o que queria nesse horário. E então, pediu para não contarmos
para você.
— Acho que ela esperava que você não abrisse isso agora —
Meu amigo apontou para o papel branco em minhas mãos — Só por
favor, não deixe isso estragar seu dia.
Comecei a rir.
— Estragar? — Perguntei, tentando entender de que merda
eles estavam falando — Vocês acabaram de me dizer que minha
ex-mulher fez um puta esforço para que eu não comemorasse meu
aniversário sozinho e acham que isso é uma notícia ruim?
— Bem… — Edward pareceu pensar, acho que só
raciocinando agora o que estava realmente acontecendo — Isso é
bom! — Ele gritou, a ficha só caindo agora — Então quer dizer que
ela se importa!
— Isso, porra! — Gritei de volta — Anna se importa!
Benji coçou a garganta, chamando minha atenção.
— Estamos tirando a possibilidade dela só ter ficado com
pena de você? — Benji perguntou e eu olhei feio em sua direção.
Quer dizer, aquilo era uma possibilidade. Mas parecia ruim demais
para eu considerar — Porque eu não quero te iludir, cara, mas Anna
literalmente te deixou do lado de fora do apartamento por um dia
inteiro em Nova Iorque e ainda ameaçou chamar a polícia.
— Natasha ameaçou chamar a polícia — Edward o corrigiu.
— E elas não são tipo, irmãs gêmeas que se protegem o
tempo todo e pensam igual?
— Benji, você está estragando toda a situação — Ed
reclamou, sentando de volta — Mas ele tem um ponto, Ollie. Talvez
ela esteja sendo uma boa pessoa. Quer dizer, você deu uma viagem
para a Escócia de aniversário para ela.
— E o que aconteceu com essa viagem mesmo? —
O’Connor me lembrou e eu tombei a cabeça, lembrando só depois o
que tinha acontecido.
— Ainda está de pé, passei as minhas passagens para o
nome de Natasha, elas vão juntas. Eu não sou filha da puta o
bastante para tirar um presente.
Edward e Benji se olharam, como se a mente deles estivesse
maquinando algum plano ruim digno de filmes de comédia
romântica cujo orçamento eram tão baixos quanto as peças de
escolas.
— Mas então, você não vai?
— Não, eu literalmente acabei de dizer isso.
— Mas e se você for?
— Qual o ponto dessas perguntas sem sentido? Eu já disse
que não vou para a Escócia.
Ed coçou o queixo, sorrindo de orelha a orelha como o
coringa ruim do Jared Leto.
— O que vocês dois estão planejando? — Perguntei, ainda
sem entender o que diabos estava se passando ali e também, como
Ed e O’Connor estavam decidindo tudo sem ao menos terem
conversado algo alto. Eles não são telepatas, muito menos falavam
baixo o bastante para eu não ouvir.
Com certeza tinham planejado aquilo no carro antes de vir
para cá.
— O melhor plano do mundo.
É agora que eu me fodo na mão desses dois.
“Anna-Rose Karlsson é vista embarcando sozinha para a
Escócia. Por mais que estivesse um pouco escondida e fugindo de
qualquer pessoa, outros passageiros reconheceram a modelo e
tiraram algumas fotos com ela.”
(@welovewags)

Eu iria matar Natasha na primeira oportunidade que


aparecesse.
Em primeiro lugar, você não ganha uma viagem, totalmente
de graça e ainda atrasa quem está viajando. Em segundo lugar,
além de atrasar, você não faz sua melhor amiga viajar para outro
continente sozinha porque tinha uma reunião e teve que adiar seu
voo.
Filha da puta.
Aqui estou eu com vinte quilos de roupa numa mala, um
casaco cinco vezes maior que meu corpo e botas que me faziam
escorregar a todo momento. Eu morava num lugar frio, meus pais
inclusive haviam me mandado fotos deles brincando na neve porque
estava fazendo -9° na casa deles e era aquilo que eu estava
acostumada.
Mas não, no momento que eu pisei os pés em Edimburgo me
tornei burra e que nunca pegou uma neve na vida.
— Senhorita Anna-Rose? — Meu nome foi chamado por um
homem gigante, com sotaque pesado e um jeito muito lindo de
enrolar o R na boca.
— Sou eu, me chame de Anna — Sorri de orelha a orelha,
estendendo a mão para o senhor que parecia assustador e ao
mesmo tempo, bem simpático. Na verdade, ele parecia uma versão
europeia de meu pai, talvez com menos tatuagens — Senhor
Aberdeen?
— Então, me chame de Douglas — Ele estendeu a mão para
minha mala e a pegou como se não fosse esforço algum — Vamos,
o carro da senhora está esperando.
Parei meus pés.
— Na verdade, Douglas — Tentei não soar irritada porque só
de lembrar da amiga da onça que eu tinha, meu pescoço coçava —
Eu informei que não iria para Inverness assim que chegasse pois
minha companhia teve um atraso.
— A Senhorita Natasha terá seu próprio carro quando chegar,
pediu que você fosse levada antes para verificar se tudo está de
acordo com o que as senhoritas querem.
No começo, estreitei os olhos, desconfiada.
Depois, percebi que não tinha como ele saber o meu nome e
o que Natasha tinha falado.
E no final, senti um certo amargor por perceber que eu era
Senhorita novamente.
Depois de Douglas colocar todas minhas coisas na mala do
carro, ele explicou cuidadosamente que nossa viagem até Inverness
seria de 250 quilômetros — o que eu descobri dar mais ou menos
155 milhas — e duraria cerca de 03h30min contando com os
imprevistos. Informou que faríamos uma rápida pausa em Perth
para pegar mais um passageiro, ir ao banheiro e esticar as pernas
um pouco. Assenti e entrei no carro enquanto ele conversava algo
em gaélico com outro motorista, provavelmente falando sobre
Natasha.
Gostei dele.
Seu carro era um Transit Connect da Ford, do tipo que é
usado para transportar pessoas mesmo.
O bom desse tipo de carro era que você ficava confortável
mesmo com as malas.
Antes de partirmos, Douglas perguntou se eu queria comer
alguma coisa antes da viagem e logo neguei, além de estar
estressada e isso nunca dar um resultado bom quando se tratava do
meu estômago, procurei Perth no Google e estava só há uma hora
de distância.
Tudo o que eu precisava estava comigo.
Um chaveiro com teaser, uma ponta arromba janelas e um
apito de socorro. Minha garrafa de café cheia até a medida do
possível e Os Dois Morrem no Final em mãos.
O que foi totalmente inútil. Sempre achei que a Escócia fosse
um país para ser visitado no inverno e eu nunca pude estar tão
errada como eu estava agora.
Tudo o que meus olhos viam era neve. Neve cobrindo pastos
que um dia foram verdes, lagos congelados, árvores cheias de
neve, placas cheias de neve e carros cheios de neve.
E por mais que fosse em parte decepcionante — não que eu
fosse assumir que estava lá por Outlander, eu não iria —, eu amei.
Nunca fui uma pessoa do verão.
E por mais que eu tenha nascido no outono, cheguei ao
mundo dois meses antes do previsto.
O que foi maravilhoso, já bastava sempre ter meu aniversário
associado ao Halloween.
Dividir ele com Jesus Cristo tirava toda a atenção que eu
gostava de ter.
E eu ganharia só um presente, qual a graça disso?
Hoje iria jantar no hotel — e só estou contando com minha
presença mesmo, do jeito que a vaca da Natasha era enrolada,
capaz de bater na minha porta só amanhã pela manhã.
Nosso primeiro passeio era uma excursão que saia às
9h00min para às Terras Altas, visitando os locais de filmagem de
Outlander e depois, locais históricos. Creio que o campo da Batalha
de Culloden, mais outra coisa que o nome havia fugido de minha
memória. E durante a tarde, iríamos a Monadliath — seja lá o que
isso seja —, Lago Ness e a Ilha Fraser. Antes de partirmos de volta
para o hotel, conheceríamos o Castelo Leoch.
Parecia divertido e o mais importante: cansativo.
Tudo o que eu mais queria era passar o dia inteiro fazendo
algo para não pensar naquele que não deve ser nomeado.
Ah e falando de Voldemort, depois de amanhã o passeio era
no Expresso de Hogwarts. Eu tinha certeza de que o nome era
outro, mas tudo o que minha mente dizia era Harry Potter.
Acho que no final de tudo, mesmo se Natasha não
conseguisse vir, essa viagem seria melhor que muita gente.
— Chegamos em Perth — Douglas avisou, estacionando o
carro numa lanchonete. Sai de imediato porque precisava fazer xixi
e comer alguma coisa, minha barriga roncava de fome. Tudo o que
meu estômago pedia era um Burger King, mas tinha certeza de que
não ia achar isso parando aqui rapidamente — Em vinte minutos
partiremos novamente.
Concordei com a cabeça e entrei na lanchonete, comprando
mais café e perguntando onde era o banheiro. Às maravilhas de
fazer xixi quando se está apertada são quase tão boas quanto beber
água com calor.
Me limpei e lavei minhas mãos depois, sentando numa das
mesinhas dentro da lanchonete para poder comer meu muffin com
café. Avistei Douglas do lado de fora conversando com um homem
alto e que parecia ser uma delicinha. Seu corpo era musculoso, às
pernas longas e torneadas… E de cabeça raspada.
Eu tinha descoberto que até gostava de cabeça raspada.
Mandei mensagem para meus pais avisando onde estava —
depois de pegar o Wi-Fi com a moça da lanchonete — e minha mãe
parecia estranhamente empolgada, mesmo eu dizendo que Natasha
estava atrasada. Quando faltavam cinco minutos para o horário que
iriamos sair, voltei para o carro. Estava mais quente que do lado de
fora e eu queria puxar papo com o meu mais novo companheiro de
viagem.
Mas ele não estava no carro.
Droga.
Informei Nat que um cara gostoso ia viajar comigo e ela não
me respondeu, provavelmente estava ajeitando tudo para poder vir
para cá.
Ainda bem.
Percebi pelo canto dos olhos que o homem se aproximava e
continuei mexendo no celular para me fazer desinteressada.
— Posso sentar ao seu lado?
Levantei os olhos de vez porque nem em mil dias eu não
reconheceria aquela voz.
— Oliver?
Oliver.
Oliver Karlsson estava na minha frente.
Oliver Karlsson sorria de orelha a orelha, a cabeça raspada
que eu havia esquecido, os olhos castanhos brilhando em minha
direção, o tom de voz mais sonso que uma pessoa poderia ter.
Meu ex-marido.
— Posso me sentar ao seu lado, senhorita? — Repetiu.
Que porra era aquela.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei, nem
disfarçando meu desespero.
— Viajando, ué. A Escócia fica linda no inverno, não acha? —
Ele entrou no carro que parecia pequeno para seu tamanho — Acho
que a senhorita não quer que eu sente ao seu lado, com licença.
Ele passou por mim, deixando o banco do meio sem ninguém
e sentando na outra janela.
— Sou Oliver.
Estendeu a mão para mim, ainda mantendo o sorriso e o tom
cordial.
Ou alguém tinha me enfiado num universo paralelo ou todos
ao meu redor estavam doidos.
— O que inferno você tá fazendo? — Perguntei mais uma
vez, começando a ficar nervosa com aquilo.
— Indo para Inverness, Anna-Rose. Assim como você.
“Nat, pelo amor que você tem a mim. Por favor. VENHA
PARA A ESCÓCIA!”
(Mensagem de Anna-Rose para Natasha)

— Natasha vai te matar quando chegar.


Oliver estalou a língua, abaixando o tom quando Douglas
entrou no carro e deu partida.
— Natasha não vem.
— Como assim, Natasha não vem?
— Ela não vem. Eu pedi que ela não viesse e ela não virá
mais.
— E desde quando Natasha faz o que você pede?
— Desde que eu peça com carinho.
Cretino.
Eu ia matar aquele homem.
Ia aproveitar o Lago Ness e afogar ele até que seu corpo
boiando fosse apontado como mais uma vítima do monstro terrível
que vivia ali.
Filho da puta.
— Porque você está aqui, Oliver?
— Porque eu vou sair com você hoje. Num encontro.
— Eu não vou sair com você — Afirmei, nem que ele me
pagasse eu sairia com ele — Eu vou voltar para casa.
— Ah Anna, deixa de drama — Oliver rolou os olhos — Você
não é mais minha esposa, você não é mais minha namorada.
Porque não podemos viajar como amigos?
— Porque eu não sou amiga de quem sento na cara —
Sussurrei em sua direção, arrancando uma gargalhada seca de
Oliver.
— Mas eu sou.
Respirei fundo, senti meus dedos tremendo do tanto de ódio
que havia em mim naquele momento.
— Eu não acredito que Natasha tenha feito isso, você está
mentindo.
— Ah, é? — Ele pegou o próprio telefone e começou a ler —
Amanhã vamos ver os lugares que Outlander foi gravado. E os
castelos e lugares históricos, posso citar cada um deles. Depois de
amanhã vamos conhecer ruínas antigas, praias congeladas e o que
deveria ser uma cachoeira linda que é escondida do mundo mas vai
estar congelada também. Tudo isso atravessando no Viaduto de
Glenfinnan que é aquele trem de Harry Potter. No dia seguinte não
vamos fazer nada porque você quis passar um dia no hotel de
bunda para cima… Vamos ver, uma excursão de três dias pelas
Ilhas de Orkney e você também quis mais uma excursão por outra
ilha… Qual sua tara com ilhas?
— E? — O desafiei — Isso só mostra que você é um stalker
doente.
Olivier estendeu o celular em minha direção e a traição
estava diante de mim com direito a Olívia Rodrigo cantando “traitor”
ao fundo. Natasha disse tudo isso para ele, às mensagens que os
dois trocaram eram basicamente ele implorando que ela trocasse de
lugar com ele e explicando aquela merda que fiz no seu aniversário
e como isso era um sinal de que poderíamos voltar a ser quem
éramos.
Isso mesmo Anna-Rose. Fique com esse coração mole de
merda e deixe os fofoqueiros dos amigos do seu ex-namorado
estragarem tudo.
— Por favor, vamos fingir que não nos conhecemos e aí no
fim do dia tudo estará perfeito novamente.
— É, isso não vai acontecer — Oliver deu de ombros —
Meus passeios são os mesmo que os seus, meu quarto fica ao lado
do seu. Vamos passar o ano novo juntinhos, Anna-Rose, você vai
me forçar a beijar uma estranha na virada do ano?
— Eu te forçaria a beijar um sapo se achasse um.
Minha resposta foi infantil e imatura, mas nada eu poderia
fazer diante disso.
Tudo de ruim que poderia acontecer — no sentido dramático,
não estou desafiando os céus de mandarem esse carro virar agora
só para eu ver se ficaria viva — estava acontecendo. E Oliver ainda
queria que eu fosse jantar com ele, como se em algum momento
minha sanidade foi dar adeus para que eu concordasse em fazer
tais coisas,
Mas… eu poderia concordar.
— Saio com você hoje se me deixar livre nos próximos dias.
— Vamos ficar sete dias aqui, Anna-Rose. Você sai cinco
comigo e eu te libero por dois dias.
— Eu saio dois e você me libera por cinco.
— Quatro a três e não se fala mais disso.
— Saio três dias com você, você me dá três dias de folga e
no sétimo vamos fingir que não conhecemos um ao outro.
— Fechado — Oliver estendeu a mão para mim, o sorriso
convencido e lindo estampado em seus lábios. Seboso — Mas saiba
que eu teria fechado dois a cinco.
— E eu teria fechado cinco a dois, mas você cede fácil.
Oliver estreitou os olhos, me analisando da cabeça aos pés
antes de lamber os lábios.
Droga.
— Ótimo fazer negócios com você. Espero que se divirta nos
seus dias livres.
— E eu espero que você caia do Expresso de Hogwarts.
“E aí, Oliver? Me responde porra, você não me deu nenhuma
atualização, não contou qual foi a reação de Anna, não falou N A D
A! Que tipo de amigo você é? Me conte tudo, quero detalhes. E
LOGO!”
(Mensagem de Edward para Oliver)

O resto da viagem foi pacífica. Chegamos em Inverness


quase de noite e estava muito mais frio do que eu esperava, mas o
clima me acalentava um pouco. Era reconfortante de certa forma.
Oliver não falou comigo quando saímos do carro, me despedi
de Douglas e quando fui pegar minhas malas, o brutamontes ao
meu lado já havia levado para nossos quartos vizinhos que além de
tudo eram conjugados.
Por todas as mortes, eu não merecia isso.
Arrumei tudo dentro do guarda-roupa que estava disposto
para os hóspedes e fiz anotações mentais para compensar o que
estava acontecendo.
Em primeiro lugar: tinha um aeroporto em Inverness, porque
passar horas num carro se podíamos somente pegar outro avião
para chegar no local?
Em segundo lugar: o que diabos Oliver tinha vindo fazer
aqui? Não fazia o mínimo sentido ele querer estar aqui quando na
prática, um não queria olhar na cara do outro. Pelo menos eu não
queria olhar na sua cara tão cedo.
E terceiro mas não menos importante: porque ele parecia
estranhamente empolgado com isso?
Um café da manhã não quer dizer nada, não foi porque liguei
para metade de Denver e encomendei tudo o que Oliver gostava e
depois coloquei os amigos dele à força até a casa dele para ele não
começar o dia sozinho que eu realmente queria voltar.
Não é?
É, faz todo o sentido. Ele só está louco mesmo.
Deixei meu celular carregando e tomei um longo e quente
banho, ficando mais tempo que o necessário na água e mais uma
vez, estragando meu cabelo mais do que eu gostaria. Porque eu
tinha lavado meu cabelo mesmo?
Passei o protetor térmico antes de secar e quando terminei,
vesti apenas calcinha e sutiã, pegando o Kindle para passar o
tempo porque a programação na televisão escocesa não era uma
das coisas mais interessantes. Além de tudo, alguns dos programas
estavam em gaélico e se você não é James Fraser, eu não ligo para
gaélico.
Batidas soaram da porta de entrada e eu estranhei, era muito
cedo para o serviço de quarto.
— Não precisa, obrigada! — Gritei e mesmo assim, as
batidas continuaram. Vai que a camareira não falava inglês, também
era uma possibilidade. Procurei no Google como dizer isso e tentei
repetir o que a moça do tradutor disse, mas ainda tinha aquele
barulho irritante vindo do outro lado.
Coloquei uma blusa e fui até a porta, abrindo lentamente e
deixando só meu rosto do lado de fora.
E qual foi minha surpresa ao ver que Oliver estava lá?
— O que você está fazendo? — Perguntei irritada.
— Te chamando ué, pensei que íamos sair hoje.
— Pensei que eu teria paz antes de você vir tirar ela. Você
tem ciência de que seu quarto é conjugado com o meu, não é? Se
você bater naquela porta, vai entrar aqui do mesmo jeito.
— Mas eu quis ser um cavalheiro e te chamar da sua porta,
não tem graça dali.
— Tanto faz — Resmunguei, suspirando longamente e
percebendo que Oliver realmente já estava arrumado e
incrivelmente cheiroso — Vai, entra que eu vou me arrumar.
Dei espaço para Oliver entrar e ele mal estava em meu
quarto quando começou a gritar e colocar as mãos nos olhos.
Procurei qual era a coisa que ele estava tentando não olhar e
não entendi.
— Qual o problema? — Perguntei, já que ele continuava só
com os olhos tapados.
Ele apontou para mim.
— Você está de calcinha, Anna-Rose.
— Sim, eu estou de calcinha. Qual o problema?
— Eu não posso te ver de calcinha.
— Você fala como se não tivesse a memória gravada em sua
cabeça — Um sorriso surgiu debaixo da mão que tapava seus olhos
e Oliver deu de ombros.
— Estamos saindo pela primeira vez, Anna-Rose. Não sei
qual tipo de encontro você foi, mas eu não vejo a pessoa que
começou a sair comigo naquele momento de calcinha.
Vesti minha segunda pele, depois colocando uma calça
grossa e que não faria minhas pernas congelarem. A verdade sobre
o frio é que minha parte favorita dele era me esquentar e ficar
confortável.
— Já vesti minha calça, pode olhar.
Fiz de propósito porque estava de sutiã. Só deu tempo de
Oliver tirar a mão e dar outro gritinho em forma de reclamação e
tapar seus olhos novamente.
É, até que aquilo era engraçado.
— Vem cá, vamos conversar — Pedi e sentei na cama,
batendo ao meu lado para que ele fosse também. Mas Oliver não
quis, continuou na minha frente com os olhos tapados — Eu juro
que eu vesti minha blusa já e um suéter por cima.
Ele espiou entre os dedos e tirou a mão quando confirmou
que sim, não precisaria se preocupar com isso.
— Por que você está fazendo isso? Porque veio até aqui?
Sem brincadeiras, sem piadinhas.
Oliver suspirou e parte daquela máscara que ele havia
aprendido a usar nos últimos dias sumiu completamente. Era
estranho vê-lo assim.
Triste.
— Eu quero começar de novo.
Simples e curto.
— Sem essa, Oliver.
— Eu quero ajeitar tudo, Anna… Pisei na bola com você e
quero consertar isso aos poucos, quero que comecemos do zero
mais uma vez.
Suspirei pesadamente, apertando a ponta do meu nariz.
— E…? Não é como se você tivesse terminado comigo e
depois se arrependido, você me expulsou da sua casa.
— Foi no ódio do momento, eu não queria ter feito isso.
— E se você ficar assim novamente? E se você em um belo
dia acordar e perceber que não quer mais aquilo, vai me expulsar
novamente?
— Anna… — Ele se aproximou ao mesmo tempo que me
afastei — Foi a bebida falando mais alto ali, eu sentia que tudo
dentro de mim estava machucado e… não sei.
— E se a bebida falar alto mais vezes?
— Você me conhece, sabe que eu não sou assim. Esteve
comigo nos últimos meses e eu nunca fiz nada daquilo com você —
Ele tinha um ponto. Nunca tinha nem elevado a voz comigo.
— E eu passei metade da minha vida fingindo que não
gostava de mulheres, às pessoas mentem. Aquela casa é sua,
aqueles móveis são seus, tudo ali é seu. Eu entrei na sua vida do
nada e tive que me acostumar com coisas que não estavam ao meu
alcance.
— Eu vendo tudo, vendo aquela casa e compro outra no seu
nome. Vendo todos os móveis e mandarei fazer outros do jeito que
você quiser, se você disser agora que quer uma casa toda cor de
rosa ou não sei, preta, eu irei fazer.
— E esse é o seu conceito de começar do zero? Comprar
uma casa para mim e me comprar com ela?
Por puro costume, percebi, Oliver passou as mãos nos
cabelos como se quisesse puxar eles de frustração.
Me segurei para não rir.
— Acho que essas coisas são coisas que podemos discutir
no jantar, não?
— Não — Ele respondeu rapidamente — Eu não quero
sentar num jantar com você e discutir sobre os erros do passado, eu
quero jantar com você do zero.
— Oliver, isso não faz nem sentido!
Ele veio até mim e se abaixou, sentando ao meu lado e
segurando minhas mãos.
— Você disse que não poderia casar com quem nunca
namorou, então me deixe fazer isso… Te levar para jantar pela
primeira vez, te beijar na porta e sair com vontade de mais, te
mandar flores no dia seguinte. Me deixe fazer isso, Anna. E aí eu
vou te mostrar que você pode fingir o quanto quiser, mas nós dois
vamos acontecer novamente e você vai entender que todo esse
esforço que eu estou fazendo vale a pena. Porra, eu iria até o
inferno por você se pudesse.
— Acho que essa é uma história diferente — Sussurrei,
parecia que meu cérebro tinha caído e estava brigando com meu
coração — E também não é um assunto para o primeiro encontro.
— Você tem razão — Ele se aproximou, beijando minha
bochecha e se afastando em seguida — Acho que você precisa
pensar sobre. Estarei esperando no meu quarto.
Assenti com a cabeça e observei ele sair.
Não achava que aquilo seria uma ideia ruim, pelo contrário.
Era muito boa.
Quer dizer, claramente ele estava arrependido.
Ninguém fazia o que ele tinha feito se não estivesse, certo?
Viajar para Nova Iorque e passar um dia inteiro do lado de
fora do apartamento esperando a boa vontade de alguém ir até ele.
Mandar presentes durante uma semana.
Comprar um Kindle para mim.
Assinar o divórcio sem problemas — mesmo que isso fosse
sua obrigação. Oliver não era uma pessoa ruim.
E tinha mostrado com toda certeza do mundo que não era
uma pessoa orgulhosa. Meu Deus, eu tinha certeza de que se eu
pedisse para ele comprar uma ilha para mim, ele a compraria e
colocaria um nome bobo e romântico.
Me arrumei com vontade. Cacheei as pontas do meu cabelo
e fiz um delineador. Passei o perfume mais cheiroso que havia
trazido comigo. Pus meias grossas de lã antes de calçar minhas
botas de cano alto — para não encharcar com a neve — e sem salto
— para que eu não caísse na neve.
Para quem amava neve tanto, eu tinha que assumir certos
problemas com ela.
Me arrependi de não ter botas de couro comigo, elas eram
mais resistentes e não me causariam uma gripe mais tarde.
Não sabia se o lugar que iríamos era perto ou não, na
verdade nem sabia que tipo de roupa deveria usar. Mas Oliver
estava com roupas casuais, o que significava que eu poderia ser
casual também.
Coloquei todos meus documentos dentro da bolsa antes de
tirar o celular da tomada e bater na porta conjugada a minha.
— Estou indo — Oliver abriu a porta, sorrindo de orelha a
orelha. Ele vestia calças escuras e um suéter de lã e gola alta. Seu
blazer também era preto e batia na altura dos joelhos. A única coisa
que chamava atenção era um gorro berrante em sua cabeça que
tinha a estampa da bandeira da Escócia e vários kilts desenhados
nela — Pronta?
Estendeu a mão para mim e pensei muito sobre aquilo.
Mas no fim, peguei a mão de Oliver.
— Para onde vamos? — Perguntei, guardando o cartão do
meu quarto na bolsa.
— Você me diz que tipo de restaurante gosta, Anna-Rose, eu
te conheci hoje.
— Então me diga onde você encontrou esse gorro que eu te
direi que tipo de restaurante eu gosto.
Oliver gargalhou, atravessando seu braço com o meu num
ato íntimo.
Senti meu corpo formigando em resposta a isso.
— Comprei em Perth enquanto esperava o carro chegar. Eles
me disseram que era uma touca de crochet feita por artesãs locais,
achei bonitinho — Oliver deu de ombros e eu quis beijá-lo — Sua
vez.
— Eu gosto de massas em geral, mas como qualquer coisa.
Porém, eu sei que aqui eles têm costume de comer vísceras e eu
não quero comer isso.
— Pois bem então, não vamos comer vísceras. Eu também
não sou fã disso.
Saímos do hotel e Oliver não pediu um táxi ou entrou em
nenhum carro, então iriamos procurar por um restaurante perto do
hotel. Eu tinha olhado no Google antes, haviam muitos ali por perto.
— Porque você quis que viéssemos de carro se aqui também
tem um aeroporto?
— Não sei do que você está falando — Ele apertou seu braço
mais contra o meu e sorriu em minha direção.
— Então não direi quais sobremesas eu gosto de comer.
Oliver parou, os olhos carregados de desafio.
— Estamos fazendo isso? Uma pergunta pela outra?
— Eu não sei, Oliver — Puxei seu braço, o forçando a voltar
a andar — Estamos?
Seu sorriso era lindo. Aquele momento, eu não sei, tinha
alguma coisa naquele momento, que me deixava feliz.
— Quis vir de carro porque eu tinha duas vantagens. A da
surpresa, que obviamente funcionou e, passar mais tempo com
você, o que falhou miseravelmente já que você mal olhou na minha
cara até chegarmos aqui.
— Petit Gateau ou brownie, daqueles feitos com chocolate
em pó. São minhas sobremesas favoritas.
Oliver assentiu com a cabeça, apontando em seguida para
um local à nossa frente.
Era um restaurante pequeno mas parecia muito
aconchegante. Os detalhes, desde o umbral da porta até às mesas
de dentro, eram entalhes e runas na madeira. Luz amarelada
banhava a maior parte do local e o que pareciam ser chifres
cervídeos servia como um grande lustre no centro.
Me lembrava muito um restaurante temático com a estética
da casa Baratheon de Game Of Thrones.
Fomos guiados para uma mesa mais ao canto, não era tão
iluminado como o resto e por isso, necessitava de candelabros
espalhados e com um ar mais romântico.
Sorri de orelha.
Parece que o desgraçado do Oliver teria sorte em sua
missão.
“Oliver Karlsson e Anna-Rose são vistos juntinhos em um
restaurante na Escócia! Por mais que os dois estivessem sem
aliança, segundo relatos de quem estava no local, conversavam de
forma íntima e animada. Haviam boatos sobre a separação dos
dois, mas acho que tudo está certo com nosso casal favorito!”
(Daily Wags News)

Acordei com uma encomenda de flores naquela manhã.


Dormi com um sorriso ridículo no rosto e acordei do mesmo
jeito.
A noite havia sido normal. Excepcional mas ainda assim,
normal.
E eu amei cada pedaço daquilo.
Conversamos a noite toda trocando curiosidades e respostas
um do outro.
Oliver assumiu que, como ele dormiu assistindo Eclipse,
maratonou Crepúsculo todo mais uma vez para poder assistir o final.
E depois disso, viu Senhor dos Anéis e Hobbit seguidos.
Falei que, mesmo não gostando, acabei insistindo em
Breaking Bad e continuei não gostando. Abandonei na segunda
temporada e Oliver ficou chocado com minha informação,
extremamente desgostoso — segundo ele, isso era decepcionante.
Compartilhamos um petit gateau e depois, ele me deixou na
porta do quarto, fazendo questão de entrar pela sua porta em vez da
que dividimos.
Não nos beijamos naquela noite, por mais que tivesse ficado
tentada, respeitei o limite do primeiro encontro.
Eu não era uma pessoa que gostava de flores. Não, nunca
fui. Achava sem graça o fato de você dar um presente que morreria
em alguns dias, murchariam e faria sujeira.
Mas aquelas rosas eram perfeitas. Tinham um significado
maior do que eu poderia colocar.
Tomamos café juntos no hotel e depois, partimos para a
excursão.
Confesso que foi um pouco decepcionante passar o dia
inteiro vendo gelo e gelo e gelo, eu amava aquele véu branco que a
neve fazia nas coisas e odiava admitir, foi burrice minha fazer isso.
Mas ouvir a história de cada local fez valer a pena.
— O que iremos fazer hoje? — Oliver me perguntou,
sentando ao meu lado enquanto esperávamos o resto da excursão
se juntar a nós — Pela noite, no caso.
Estreitei os olhos. Parte de mim queria assumir que não
precisava de todas aquelas coisas, que nada daquilo seria
realmente necessário para nós dois porque, caralho, todas às vezes
que eu ouvi alguém falando que não se namora novamente quando
um dia você está casada, achei que era exagero.
Mas eu não queria aquilo.
Podia soar como uma cadela indecisa, não me importava
com isso.
Eu queria passar a noite toda vendo Game Of Thrones —
que eu descobri recentemente que Oliver não terminou de ver
porque Edward deu um spoiler horrível para ele —, comendo pipoca
e falando mal da vida dos outros.
Queria transar com ele hoje, poder beijá-lo até que meus
lábios doessem.
Queria sentar nele até que minhas pernas doessem.
Que ódio, queria que Oliver não tivesse planejado isso tudo
para eu poder fazer tudo do meu jeito e já ter adiantado essa
merda.
— Podemos ir para algum cinema — Comentei de forma
despretensiosa.
— Cinema? — Oliver parecia indignado — Você veio para a
Escócia e quer ir ao cinema?
— Porque não? — Questionei — Eu gosto de cinema.
— Mas isso não é lugar de turista!
— E qual é o lugar de turista, Oliver? — Brinquei com seu
nome — Eu tive a ideia mais estúpida do mundo ao querer vir para a
Escócia no fim do ano e tudo que eu vejo ao meu redor é neve! Eu
não quero ver só neve e lagos congelados, isso eu vejo em casa.
— Meu amor… — Ele brincou com meu cabelo, as mechas
dançando entre seus dedos enluvados — Podemos vir para a
Escócia no outono novamente se você quiser, ou até mesmo no
verão… Não vejo problemas.
Suspirei, ao menos quis disfarçar o que estava fazendo.
— Então, tivemos um encontro e você já me chama de meu
amor e me promete viagens? — Estalei a língua, me aproximando
dele para beijar sua bochecha gelada — Podemos ir para o hotel e
ficar assistindo qualquer coisa, comer pipoca na cama e…
Oliver não ia completar minha frase. Não.
Ele estendeu a sobrancelha e sorriu de canto, aquele sorriso
perverso e lindo.
— Eu sei que você planejou isso tudo e eu admiro muito suas
intenções de fazer o que eu queria desde o começo, mas não é tão
interessante quanto eu achei que seria. Sair em encontros?
Superestimado. Receber flores? Pior ainda! Você não “poder” me
beijar quando a coisa que eu mais quero é enfiar minha língua em
sua garganta? Tortura.
Oliver começou a rir. O canto dos seus olhos se enrugando
quando ele forçava demais o rosto, sua barba desenhando seus
traços, o nariz reto e angulado deixando-o ainda mais lindo que o
normal.
— Eu não fazia mais ideia do que fazer para te agradar —
Oliver assumiu e eu arregalei os olhos com sua afirmação,
totalmente surpresa com aquilo. Filho da puta — Não sabia mais
onde ir ou o que você iria gostar de fazer enquanto estávamos aqui
na Escócia, achei toda aquela programação tediosa. Na verdade,
hoje o dia foi um verdadeiro porre.
Comecei a rir com ele, ao menos percebendo o que estava
fazendo.
Aquilo era mais ele do que poderia ser descrito.
— Então, você perguntou quais os meus planos para hoje
porque não fazia ideia do que fazer?
— Sim senhora — Ele beijou minha bochecha, passando um
dos braços ao meu redor. Todos já estavam embarcando no ônibus
e provavelmente, iríamos partir logo — Sendo bem sincero, sabe
qual era minha jogada final?
Apoiei minha cabeça em seu ombro.
— Qual?
Oliver pegou o celular e começou a fuçar sua galeria,
parando na foto de uma estante linda e completamente cheia de
livros.
— Você iria comprar uma estante para mim? — Indaguei —
Eu tenho uma, Oliver.
Ele não pareceu se afetar com o que eu tinha dito.
— Passe as fotos, Anna-Rose.
Deslizei meu dedo pela tela, vendo a mesma estante mas de
outro ângulo. A que eu costumava ter parecia ridícula perto
daquelas, cada uma devendo medir aproximadamente quatro
metros e com doze nichos, ocupando em altura e largura toda a
parede que ficava ao lado da janela — abaixo dessa janela, havia
um baú acolchoado e que parecia ser muito confortável.
Os móveis eram brancos assim como aquele quarto
estranhamente conhecido, uma poltrona estava posicionada
próxima à janela, uma máquina de café, xícaras, um frigobar e potes
herméticos etiquetados com grãos de café, açúcar, cubos de açúcar
e diferentes chás, também com uma chaleira elétrica próxima deles.
Uma escrivaninha chamou minha atenção. Era muito larga,
acima dela havia duas prateleiras com o que pareciam porta pincéis,
alguma coisa estava escrita nele mas não consegui ler. Ao lado,
caixas pequenas de armazenamento. Uma cadeira de presidente
encaixada abaixo dela e um par de pantufas. Porém, o que
realmente chamou minha atenção foi um ANNA provavelmente em
MDF, pintado de preto logo acima.
Então, vi quais fotos estavam espalhadas por aquele
cômodo.
Minhas fotos.
Aquela era minha poltrona.
E aquele era a porra do quarto de hóspedes da casa de
Oliver.
Voltei rapidamente para a primeira foto, meus livros estavam
ali. Meus livros estavam ali junto com outros mil livros que eu nunca
tinha comprado. Meus livros estavam ali quando até ontem eu
achava que eles estavam em Nova Iorque.
— O que você fez? — Minha voz mal saiu, parecia que
estava sem bateria naquele momento.
Oliver deu de ombros, como se aquilo não fosse esforço
nenhum.
— Um escritório para você.
— Um escritório!? — Às palavras soaram esganiçadas da
minha garganta — Você comprou livros para mim!
— Sim, comprei alguns livros para você.
— Oliver! — Bati em seu ombro — Você encheu um quarto
de livros! Como você sabe quais eu li? O que meus livros estão
fazendo em sua casa? O que aconteceu?
Oliver me puxou mais para perto de si, seu corpo quente sob
meu toque gelado.
— Perguntei a Natasha quais livros você tinha e ela me
passou o nome de todos, me disse quais eram seus gêneros
favoritos e me mandou seu e-mail e senha da Amazon para que eu
soubesse quais estavam em sua lista de desejos e quais você já
tinha comprado como e-book no Kindle. Depois disso ela me
mandou todos os seus livros pelo correio um dia antes de você
viajar e uma diarista supervisionada por Amy arrumou tudo.
Se um dia eu soube falar, tinha acabado de esquecer.
— Nat também me disse que você tinha começado a amar
essas coisas de organização do TikTok, então encomendei aqueles
potes e suas etiquetas e eu mesmo organizei seu frigobar do jeito
que tinha visto em vídeos. Comprei um moedor de café, mas acho
que não deve ter chegado ainda… — Ele rolou os olhos, fazendo
parecer que aquele simples detalhe era o fim do mundo — Você não
vai precisar ficar descendo para fazer café ou chá, os dois estão ali
com o intuito de que você não perca tempo. A cadeira é para que
fique confortável enquanto edita fotos ou trabalha, aquela
escrivaninha tem espaço para seu notebook, seu HD externo, sua
impressora e Gucci dormir quando ela quiser ficar grudada em ti.
Aqui em cima você pode deixar as lentes e os pincéis que usa para
limpá-las.
Oliver apresentava cada item com empolgação, mostrando
que tinha pensado milimetricamente em tudo aquilo.
— A poltrona já era sua, então você sabe a função dela, mas
eu sei que você gosta de mudar de posição enquanto lê, por isso
mandei fazer aquele banco na janela para ter mais opções, dentro
dele tem algumas almofadas para que escolha quantas quer. E bem,
os livros não necessitam de explicação.
Eu não conseguia respirar.
Honestamente, sentia como se não houvesse mais ar no
mundo.
Como se tudo que eu passei a minha vida inteira ouvindo
fosse mentira.
Como se os livros de romance não valessem nada perto
daquilo.
Como se Oliver fosse um homem escrito por uma mulher.
— Eu não estava processando que você tinha comprado
alguns livros, isso é… Eu nem sei descrever o que isso é.
— Sou eu pedindo que você volte para casa.
— Oliver… — Comecei, meu coração doendo com tudo
aquilo. Só não ia começar a chorar naquele exato momento porque
eu não gostava de passar vergonha na frente dos outros — Vamos
para casa.
Não sei como Oliver e eu entramos no quarto, talvez com chutes até
que a porta cedesse ou alguma magia que desfez a matéria para
que conseguíssemos atravessar. Não lembro exatamente de quem
passou o cartão no meu quarto, mas estávamos na cama nesse
exato momento.
Arranquei as roupas de Oliver assim que estávamos do lado
de dentro, tirando peça por peça sem paciência para saborear como
realmente era. Ele fez o mesmo com minhas roupas, se
atrapalhando no fecho da saia antes de jogá-la para longe de nós
dois.
— A porta está fechada? — Perguntei ao perceber um brilho
vindo do lado de fora, Oliver olhou para a porta escancarada e
começou a rir, indo correndo para fechar de vez e voltando, pulando
na cama como um idiota e com um sorriso enorme no rosto — Por
pouco você não a quebrou.
— São ossos do ofício — Oliver deu de ombros, esticando
suas pernas e ocupando a cama toda quase sozinho — Agora vem
cá sentar em meu pau.
Comecei a rir, engatinhando até ele na cama.
Abocanhei seu pau, ficando de joelhos em sua frente e
movendo a pele sob meus lábios. Lambi a glande, cuspindo na
minha mão para que ela deslizasse mais fácil em seu pênis.
— Isso — Oliver grunhiu, aquela imensidão de homem
delicioso se contorcendo por mim — Chupa gostoso esse pau,
Anna.
A cada palavra que ele murmurava, minha boceta respondia
rapidamente.
Contrai minhas bochechas, apertando o pau contra a pele
macia e chupando rapidamente, inclinando minha cabeça num vai e
vem rápido, sentindo Oliver tremer cada vez que eu aumentava a
velocidade. Fiz dele meu banquete pessoal, a coisa mais gostosa
que eu poderia colocar na boca.
— Não — Sua mão segurou meu cabelo com força, puxando
as madeixas contra seus dedos — Eu vou gozar na porra de sua
boca se você continuar assim.
A mão de Oliver escorregou até meu rosto, desenhando
meus lábios antes de dois dedos penetrarem na minha boca para
que eu os chupasse.
Chupei, lambendo em seguida.
— Quero você montada em mim.
Obedeci, segurando o membro para conseguir me encaixar
nele. Oliver se encaixava ao meu redor devagar, o pau grosso me
alargando conforme minha boceta o engolia. O capitão à minha
frente ajeitou a postura, sentado ereto e com o rosto alinhado ao
meu. Me movi contra ele, sentindo cada terminação nervosa dentro
de mim respondendo a suas ações.
— Oliver… — Gemi seu nome, rebolando para a frente e
para trás, suas mãos apertando minha bunda como se fosse um
guia.
— Isso — A mão restante foi até meu pescoço, apertando
nas laterais daquele jeito delicioso — Me diga, Anna — Oliver
sussurrou, forçando meu rosto na direção dele — Me diga, você se
tocou em algum momento pensando em mim?
Não respondi, só conseguia gemer.
— Você se tocou pensando em mim? Você usou aquele
pênis de borracha pensando que era o meu dentro de você? —
Seus olhos me fitavam, escuros como a noite mais selvagem de
todas — Me responda.
— Sim.
Uma resposta esganiçada saiu de meus lábios, mal
conseguia pensar em algo enquanto cavalgava nele, enquanto me
movia de forma tão vagarosa que chegava a ser dolorido, que sentia
doer dentro de mim.
Querendo mais.
Implorando por mais.
— Você se tocou assim? — Seu dedão pressionou meu
clítoris, movimentos lentos circulares que estremeciam tudo dentro
de mim — Você se tocou assim pensando em mim?
— Sim!
Grunhi, não sentia nada além daquilo.
Não sentia o dedo dos meus pés.
Oliver começou a se mexer com mais força, movimentando
seu corpo de forma mais ágil e me levando junto. Inclinou o peito só
o bastante para me agarrar a ele.
Pele com pele.
Suor se misturando enquanto nossas respirações eram uma
só.
A cama fazendo um barulho irritante e repetitivo, mas não era
nada comparado a ele entrando e saindo de mim. Ao seu dedo
ligeiro e delicioso, ao barulho que minha buceta completamente
molhada fazia em resposta a isso.
Então, eu vi.
O pequeno espaço reservado no paraíso para todas as
tentações que levaram Eva a cair no submundo do pecado. A
sensação maravilhosa que corroeu minhas pernas e entranhas, que
invadiu meu corpo, franzindo meus dedos. Que libertou um ruído
animalesco garganta a fora enquanto estava olhando para ele.
Imersa naquele infinito presente nos olhos do homem que eu
amava.
Oliver gozou em seguida, o som que saiu de sua boca
parecia grotesco de tão gutural.
Levantei levemente, minhas pernas doíam levemente mas
nada pavoroso. Deitei ao seu lado a tempo de Oliver puxar a
coberta para que nós dois estivéssemos protegidos do frio que até
então eu tinha esquecido que existia.
— Então, você sempre faz isso no segundo encontro?
Empurrei seu ombro assim que ele questionou, começando a
rir em seguida.
— Isso significa que estamos juntos novamente? — Sua
pergunta me pegou de surpresa, mas assenti a cabeça quase
imediatamente — Ótimo, isso significa que eu vou poder dormir
aqui?
— Qual o ponto de pagar um quarto de hotel se você não vai
dormir nele?
— Qual a graça de você estar dormindo ao meu lado se não
posso dormir na sua cama em vez da minha? — Ollie beijou minha
cabeça, cheirando meu cabelo em seguida. Meu coração estava
quentinho, assim como o resto de mim.
Era como felicidade da forma mais pura.
— Você vai voltar a morar comigo mesmo?
Quis bancar a durona e dizer que não, mas antes de terminar
eu já estava sorrindo feito uma idiota.
— Acho que sim, não posso dispensar aquele quarto — Beijei
sua mão, segurando-a entre as minhas em seguida — Além do
mais, quantos livros mesmo você comprou?
— Eu enchi quase todas as prateleiras, Anna. Imaginei que
se deixasse completo, não iria ter graça para você comprar livros
depois e lutar para achar espaço.
— E eu trabalho com números, Oliver.
— Quinhentos e treze.
— O que? — Gritei, me arrependendo em seguida — Achei
que… Achei que… Não sei, quando fiz as contas na minha cabeça
achei que fosse menos.
Oliver gargalhou, me apertando. Seus braços grossos ao
meu redor passavam uma sensação de segurança que não poderia
ser descrita, era como se o mundo pudesse cair na minha cabeça
mas ele não deixaria nada disso acontecer.
— Eu não ligo para isso, você sabe. Eu disse que mudaria de
casa se você pedisse e eu mudaria mesmo, por mais que depois
disso seria meio difícil transportar todos esses livros — Sua cara de
sonso era impagável — Mas se você quiser mudar qualquer coisa,
nós mudaremos. Se você quiser construir mais um andar, eu vou
construir mais um andar por você.
— Odeio furar sua bolha, mas esse é o único exagero que
vou deixar você fazer por mim — Levantei minha mão até sua nuca,
acariciando o local delicadamente — E sua casa é perfeita do jeito
que é, não quero mudar nada.
— Você é uma estraga prazeres — Seus olhos se reviraram
— Mas tenho uma coisa em mente… para fazermos assim que
chegarmos nos Estados Unidos.
— Além de mandar minhas roupas e coisas de volta para
Denver?
— Ah, Natasha já fez isso — Oliver avisou como se não fosse
nada — Quando estávamos no ônibus eu mandei mensagem para
ela empacotar tudo que eu pagava o transporte.
— Ok, sem surpresas. Qual a coisa que vamos fazer quando
chegarmos em casa?
— Adotar um gato.
— Um gato?
— Sim, e colocar o nome dele de Vegas.
Comecei a rir, beijando seu ombro e absorvendo o cheiro que
ele tinha.
Eu amava cada parte daquele homem.
— Oliver Karlsson, mal posso esperar para ver o que a vida
nos reserva.
— Eu também, Anna-Rose. Mas só me prometa uma coisa.
— O que?
Oliver virou a cabeça em minha direção. Seus olhos
castanhos tinham um brilho especial, nada iria nos atingir, eu tinha
certeza daquilo tanto quanto Oliver tinha de volta.
— Promessa de dedinho — Ele estendeu o mindinho em
minha direção e eu o agarrei com o meu, apertando nossos dedos
numa promessa — Da próxima vez que casarmos, me prometa que
estaremos sóbrios.
UM ANO E BOLINHA DEPOIS
Houve um silêncio absoluto.
Dois segundos depois, a música explodiu e os gritos
voltaram.
A batida eletrônica estava tocando tão alto que talvez nem
mesmo Las Vegas estivesse preparada para aquele evento. Não,
uma vez era cilada, duas era algo fenomenal, no terceiro casamento
do casal, Anna e eu poderíamos fazer nossa própria versão de Love
Drunk e gritar a todos os ventos sobre isso.
— EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊS ESTÃO CASANDO DE
NOVO! — Ava gritou através da música e Anna só conseguiu
responder com uma risada escandalosa e altíssima. A prima estava
se esfregando no namorado havia um bom tempo e eu tinha certeza
que minha esposa só encostou para poder roubar o copo de bebida
que pendia na mão dela.
Nem eu acreditava.
Cinco semanas atrás, Anna e eu quisemos comemorar um
ano e alguns meses que tudo tinha voltado ao normal e decidimos
viajar para Ibiza — e a decisão final do julgamento daquele que não
deve ser nomeado, que agora passaria um bocado de anos
apodrecendo na cadeia.
Só que, ninguém achou que numa noite louca de bebedeira,
acabaríamos encomendando convites de última hora e
extremamente caros para o casamento que aconteceria naquele
verão.
E quando acordamos e nos batemos com todas as
felicitações e perguntas de como decidimos isso, percebemos no
que havíamos acabado de nos meter mais uma vez.
Mas nessa altura do campeonato e com todo mundo sem entender
porque já éramos casados, mantemos aparências para fazer tudo
de acordo com o que a fita mandava e fingir que aquilo era uma
simples cerimônia de renovação de votos.
Mas não como qualquer outro casal faria.
No estilo Oliver e Anna-Rose Karlsson.
Que era basicamente passar as próximas semanas muito
bêbados e oferecer o triplo do que a melhor cerimonialista cobrava
para poder jogar tudo nas mãos dela. A opção de pedir para Ava
hackear o computador de todos eles e apagar o convite também era
plausível, mas depois Anna e eu mais uma vez, ficamos bêbados
demais para isso acontecer e acabaram deixando rolar.
Foi aqui mesmo, na capital espanhola dos pecados, que emprestei
meu sobrenome para minha namorada mais uma vez. Dessa vez da
maneira certa, com família e amigos.
— Você está tão linda! — Megan Zimmermann puxou a loira
para um abraço e ela se permitiu gargalhar de volta — E onde está
seu marido?
— Bem ali! — Anna gritou, apontando para um homem
tatuado do outro lado da praia.
— Anna! — Megan a repreendeu, rindo ainda mais — Aquele
ali é o meu marido.
— E aquele? — Perguntou duvidosa, apontando para outro
tatuado.
— Aquele é não é um cantor famoso? Espera, Oliver ao
menos tem tatuagens visíveis?
— Oh, verdade. Ele precisa de tatuagens. Vou atrás dele
para falar isso, encontro você já!
— Eu estou atrás de você — Anna deu um pulo quando falei,
pulando em meus braços em seguida.
Do outro lado da praia particular, achamos uma Libanesca
que estava ouvindo os gritos de incentivo vindo de Sebastian e
Ingryd, os dois gritavam para que ela segurasse mais a respiração e
acabasse com todo o conteúdo da garrafa da vodca que jorrava
como uma fonte em sua garganta. Honrando toda a sua linhagem,
Lib segurou só mais um pouco a respiração e deixou o conteúdo
acabar de vez, engolindo tudo e rindo quando nem sentiu mais o
ardor do álcool.
— Casamento. Isso é muito bom, se casem mais vezes. A
terceira pode ser na Grécia? Eu ia adorar um casamento na Grécia.
— Hensel murmurou embolado, sua língua estava presa por conta
da bebida, mas ele não estava nem de perto tão louco quanto a
ruiva.
— Ir num show de Maroon 5 de graça mais vezes? Com
certeza! — Lib gritou de volta, pulando no pescoço de Hensel e
enchendo ele de beijos — Eu não acredito que Adam cantou Sugar
para Anna, isso é sensacional. Aquele ali é o Andrew? Eu preciso
falar com ele!
— Andrew? — Hensel pareceu não gostar — Desde quando
ela começou a tratar Hozier pelo primeiro nome? — O jogador de
hockey deu de ombros e procurou alguém por cima do ombro, não
sabia quem era, a bebida estava forte demais para que ele
lembrasse o que estava fazendo.
— Eu devia estar com alguém? — Perguntei, um tanto
confuso.
— Sua esposa? — Hensel perguntou com obviedade, rindo
quando percebi que já tinha perdido Anna mais uma vez naquela
multidão.
No meio do caminho encontrou uma modelo famosa que
sabia não ter simpatia por Anna, minha esposa sempre dizia que a
irmã dela era muito mais legal e que tinha todo um rolê com
cantores famosos e ex-namoradas.
Lucy Hale conversava com algumas pessoas e me deu
felicitações formais, perguntando onde diabos minha esposa estava.
Era uma ótima pergunta, nem eu sabia.
Era comum perder a própria esposa? No casamento?
Thadeus Bertolini estava isolado com uma garrafa na mão,
não ousei perguntar, sabia que o cantor havia sido abandonado pelo
casal de amigos que haviam chegado com ele. A cena mais
assustadora de todas foi também a mais improvável, Vin Diesel ao
lado de meu sogro.
Eu nem queria saber o que os dois estavam conversando.
Passou direto pelo aglomerado de futebol da Alemanha,
porque sabia que se entrasse ali, ia passar horas conversando com
todos e nunca encontraria Anna.
— Ei! Parabéns! A cerimônia foi linda! — Benji O’Connor
surgiu, me puxando pelos braços para a direção contrária do que eu
achava que estava indo — Você viu Anna? Não falei com ela ainda.
— Eu não faço ideia de onde ela está.
— Isso acontece quando sua esposa fica mais famosa que
você, quem diria hein?
— Ela já desfilou para Donatella Versace, isso aqui é fichinha,
metade da população dessa festa está aqui por ela.
— Achei sua esposa, de nada.
Foi tudo o que Benji disse antes de sumir entre os
convidados.
Seu vestido vinho de seda cobria todo o corpo curvilíneo e
tinha uma fenda que começava na coxa esquerda. Os cabelos já
não tinham ordem alguma e muito menos a maquiagem, havia
perdido seus sapatos e a única coisa que tinha certeza que estava
com ela — não, não era a calcinha — era aquele anel pesado em
sua mão.
Do resto, o que importava?
— Bom dia! — A voz de Anna soou por toda a praia e
levantei a mão para que ela me visse. Nem era de manhã para
Anna estar dizendo bom dia e o que diabos ela fazia com aquele
microfone? — Alguém por favor pode localizar meu marido? Eu o
perdi depois do eu vos declaro marido e mulher.
— Aqui! — Gritei, os convidados abrindo espaço para que eu
passasse.
— Ei gente! Aquele é meu marido!
Anna largou o microfone de qualquer jeito e veio correndo na
minha direção, pulando do palco para que eu a pegasse no colo a
tempo.
— Realizando um pedido especial do casal e com horas de
atraso porque ninguém conseguia achar os dois, vamos todos
prestar atenção na primeira dança de nossos pombinhos. — Uma
música lenta começou assim que a cerimonialista parou de falar.
Coloquei Anna no chão e nos posicionamos, sorrindo de forma
cúmplice. Estávamos bêbados, com calos nos pés e nem de longe
tão bonito quando começamos a tarde, mas já eram três da manhã
e ninguém realmente ligava para nossa aparência.
— O quão sóbrio você está? — Anna ousou perguntar, rindo
baixinho.
— Não sei se o bastante para não tropeçar, areia demais. —
E só de pirraça, me afastei dela a rodopiando na areia — Me
prometa que no nosso terceiro casamento, um dos dois vai lembrar.
— Você acha que eu vou esquecer desse casamento? —
Anna soou chocada, tocando a ponta do meu nariz — Nem se eu
tomasse todo o absinto do mundo eu esqueceria disso.
Não respondi, começando a rir e apertando ainda mais o
corpo dela contra o meu. Não sabia se era a voz melodiosa
contagiando sua alma ou se a bebida estava realmente forte demais
em meu corpo, mas não conseguia ouvir nada além dos cantores e
da respiração da mulher que eu mais amava no mundo.
Eu poderia casar com Anna-Rose quantas vezes ela quisesse. Se
no próximo mês, Anna virasse para mim e pedisse uma nova
cerimônia em Fernando de Noronha, eu perguntaria quantas malas
teríamos que levar e compraria as passagens em seguida.
— Amy vai nos matar depois.
— Quando ela não quer nos matar? — Anna perguntou de
deboche. Amélia era uma segunda mãe naquela altura do
campeonato para minha esposa.
Não ligava se ela reclamasse depois, não ligava se ninguém
falasse nada, contanto que Anna chegasse em casa e encontrasse
o sorriso do marido, tudo ficaria bem. Era como se aquela fileira
arrumada de dentes trouxesse toda a calma do mundo para a
modelo.
— Quando eu te conheci, te achei sensacional, sabe? — Comecei,
arrancando um olhar curioso de Anna — E aí anos depois
acabamos nos metendo naquela confusão e tudo ficou tão…
estranho. Meu mundo estava tão cinza que eu não consegui
acreditar que você tinha trazido um pouco de cor para ele. Eu
percebi que minha vida estava sem graça e tudo o que eu precisava
era de você, de bagunça. Uma bagunça completa. — Os olhos de
Anna se encheram de lágrimas e antes de perceber, ela já estava
chorando — Um furacão passou por minha vida e destruiu tudo, foi
como uma tempestade horrível que nunca acabava para que eu
tivesse direito ao meu arco-íris. Benji e Edward, eles me disseram
que você não era meu arco-íris, que eu não deveria esperar
somente coisas felizes vindas de você, que você era como qualquer
outra pessoa e que às vezes, também era um evento natural ruim.
— E aí? — Ela perguntou, curiosa.
— Eu descobri que você nunca tinha sido um arco-íris,
tempestade ou qualquer outro evento natural comum. Você era a
minha avalanche. Meu pedaço de neve que causava uma bagunça
terrível e ao mesmo tempo era tão lindo, que impactava tudo ao seu
redor e mesmo em meio a toda miséria, conseguia dar beleza aos
momentos mais tristes. É por isso que eu te amo, porque você me
ensinou a ser mais humano em todos os momentos.
— O final do seu discurso não fez sentido nenhum. — Uma
Anna chorona e com os olhos coçando murmurou, sorrindo feito
uma idiota — Mas isso não é justo, Ollie! Eu não tenho um evento
natural para te nomear. Não consegui pensar em nada disso.
— Anna! — A repreendi, apertando seu corpo ainda mais e
beijando seus lábios — Em dois anos, nos casamos duas vezes. Eu
acho que ainda temos muitos casamentos para que você escolha
um desses para mim.
Ela não protestou, eu estava certo.
Nós ainda teríamos muitos anos para isso. E se a tradição de
um casamento por ano continuasse, também teríamos muitos
casamentos pela frente.
— Oliver! Eu esqueci de te dizer uma coisa muito importante!
— Anna gritou, o tempo não tinha feito ela aprender a falar baixo.
Alguns podiam achar que ela diria que estava grávida — só
quem não era próximo —, outros poderiam achar que ela falaria
alguma coisa linda sobre matrimônio ou até mesmo um bicho novo
que ela podia ter adotado escondida.
Mas não.
Anna sorriu para o mim e sussurrou em meu ouvido:
— Você precisa de tatuagens visíveis.
FIM
Eu não poderia começar isso aqui sem a pessoa que esteve
ao meu lado durante todo o processo, puxou meu cabelo um monte
de vez, me ligava para fazer Sprint e me forçava a sair de casa para
escrever nos meus dias ruins. Luandra é praticamente a
responsável por todo esse projeto e “Avalanche” não existiria de
maneira alguma sem o apoio emocional que ela trouxe a mim.
Roberta e Rebeca, quem estavam comigo quando esse livro
era só mais uma fanfic de hockey: nós conseguimos!
Genevieve, você foi o anjo que me ensinou pacientemente a
fazer toda parte difícil e eu sou eternamente grata a isso!
A empresa de energético Monster que eu espero um dia ser
patrocinada, vocês me ajudaram a trabalhar muito nesses últimos
meses.
A todes que vieram do Wattpad, eu espero que Oliver e Anna
ainda estejam nos corações de vocês e que essa história continue
significando tanto!
Obrigada a você, leitor do ClaryVerso e quem está comigo a
todo momento. As meninas do grupo do WhatsApp, que mesmo me
ameaçando sempre são parte disso tudo.
E a minha família, continuem lendo só os agradecimentos.

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