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Distopia

Narrador (X9 e Anthony Montana)

Milhares de funcionários recém-formados em informática pela Faculdade de


Miraitropolis passam diariamente pelo corredor principal da Orion Corporation. Ao
chegarem, são recepcionados pela I.A. Logus, criada a partir das feições do dono da
empresa, Jaime K’dore, um homem branco de sessenta anos, com cabelos
totalmente grisalhos e curtos, uma aparência séria, linhas de expressão duras e
extremamente antipático. A I.A. repete diariamente as mesmas palavras
"motivacionais" para os funcionários, que já estão saturados e cansados de ouvir o
discurso no mesmo horário todos os dias. Eles caminham pelo saguão como
zumbis, automaticamente, sofrendo de baixa autoestima e sem ânimo para
reclamar.

〔Bom dia, e sejam bem vindos a Corporação Orion caso esta seja sua primeira
passagem por nossa empresa, a partir de agora você praticamente nossa
propriedade. Vocês estão sendo monitorados por câmeras que avaliam em tempo
integral suas expressões físicas, com propósito de interpretar suas intenções. Ou
seja, não tentem nada fora das regras ou saberemos antes mesmo de você como e
quando agir. Não existe razão para que empregador e empregado entre em conflito,
por isso todas as conversas que tiverem entre si, sendo de cunho profissional ou
não também estão sendo gravadas, com o mesmo objetivo do monitoramento das
imagens.〕

〔Não esqueçam os headsets, por eles vocês são identificados na segurança. Caso
contrário descontaremos do seu salário o aluguel de um aparelho temporário
durante o expediente, além de ser penalizado. A pena varia conforme o seu
desempenho profissional. Tenham uma boa jornada de turno de dezesseis horas, a
Orion Corp agradece sua colaboração.〕

Depois disso os trabalhadores passam pelo setor de segurança, onde são


identificados pela guarda empresarial. Seus registros são minuciosamente avaliados
conforme as normas empresariais, e não possuem nome, mas sim números, uma
sequência em um código de barra, como um produto. Por esse número serial, está
registrado todo o perfil do funcionário, suas penalidades e etc. Os headsets antes
de passarem pela “alfândega” como é chamada, se configuram na cor amarela. Os
lasers das cabines escaneiam o corpo do empregado e assim que toda a burocracia
termina estão liberados para seguir ao lobby principal agora com os headsets em
cor verde. O lobby continua depois desse setor, mas acaba em uma grande sessão
de escadas rolantes, todas uma do lado da outra, sem espaço entre elas que se
perde de vista.

As escadas mostram o poder da Orion e como ela foi desde o início projetada para
oprimir o empregado. Entre a multidão que subia as escadas rolantes, em sua
maioria homens de camisa social branca e gravata azul uma das poucas mulheres
se destacava, era verdade que um tanto por conta de seu visual, seus longos e lisos
cabelos púrpuros levemente cacheados nas pontas, moldura de maquiagem na volta
do olhar cinza e distante, batom bem vermelho em destaque com a pele branca
como mármore, seu nariz bem esculpido e os traços finos indicavam uma aparência
exótica. As pessoas a chamam de X-9, um trocadilho que por conta dos dois
últimos caracteres de seu código 800-454-8000-X-9. A rotina prosseguiu subindo as
escadas rolantes, depois seguir pelos corredores do trigésimo terceiro andar,
passar pelos pequenos escritórios de centenas de colegas e se sentar na cadeira
giratória, à frente do monitor virtual de seu computador de acesso. Assim que o CPU
se liga, a imagem de Jaime K’dore surge na tela.

– Você terminou de formatar o drive da CP3? Eu preciso disso para hoje sua
preguiçosa! – Disse K’dore com rispidez.

– Desculpe, chefe, é que eu tinha tantas linhas de código para digitar e acabei
atrasando um pouco esse serviço… – Murmurou

– Não quero saber, a prioridade é a CP3! – Gritou.

– Eu sei... Eu sei... Em vinte minutos termino de instalar a programação exatamente


como o senhor pediu... – Murmurou novamente, mas agora de cabeça baixa,
digitando no teclado e iniciando o serviço atrasado.

– Que assim seja, nem um minuto a mais! Já esperei muito, minha reunião começa
daqui a duas horas. – Desligou a mensagem e o rosto de K’dore sumiu, ela suspirou
aliviada.

Mesmo que não receba o devido valor, X-9 é uma das melhores, se não a melhor
programadora da empresa, e esse fato é o que tanto lhe frustra. Poucas pessoas
sabem do projeto, apenas os mais próximos do chefe, aqueles que possuem um
cargo no alto escalão. X-9 é uma exceção, mas apenas porque Jaime precisa de
suas habilidades como programadora. No entanto, foi obrigada a assinar um
contrato de sigilo, o qual não pode falar da CP3 nem mesmo para familiares, não
que ela tenha algum... Portanto, está sujeita a penalidades severas caso comente
com algum colega ou amigo. Quando ela entrega o software de programação ao
office boy, seu colega a qual tem mais afinidade, Drone (seu nome) desconfia, então
ela precisa se esquivar das perguntas curiosas do seu vizinho de escritório.

– Já disse, Drone, não é nada demais, aquilo é uma nova tabela de gráficos que o
chefe pediu. – Disse tapeando o ar com a destra, em tom de importância mínima.

– Se é só isso ele poderia pedir pra qualquer outro fazer e não exatamente você. É
triste que não me fale, mesmo a gente tendo anos de amizade. – Argumentou em
pé, apoiado ao lado da parede que faz divisa entre sua seção e a de X-9.

– Deixa de ser dramático, Drone, já falei o que é. Volta a trabalhar ou seremos


penalizados por fazer cera no trabalho. – Voltou a digitar.

Horas depois, no gabinete do prefeito aconteceu uma reunião. Jaime K’dore com
seu grupo corporativo oferece a proposta de terceirização robótica da segurança
pública. Com o colapso das secretarias da prefeitura, os cortes no orçamento e a
falta de pagamento, a polícia estava em greve, deixando a porta aberta para o
aumento dos crimes nas ruas. A situação caótica e a pressão da mídia exigia uma
solução imediata do prefeito Sirius. A saída esperada e mais fácil é fechar acordo
com K’dore e deixar a segurança da cidade nas mãos da Orion e seus robôs, o
problema era que assinar o contrato sairia mais caro do que pagar os salários
atrasados do Departamento de Polícia. Sirius sabe que o rombo no orçamento da
prefeitura quebraria a economia da cidade-estado de Zavist e seu mandato estaria
ameaçado.

– K’dore... Eu entendo seu ponto de vista, mas você precisa entender o meu. Não
vou decepcionar meu eleitor e entregar a segurança pública para você. E se depois
de assinar o contrato você quiser cobrar? Sua segurança é privada... Você é um
empresário. Além de tudo, acabaria tendo mais autonomia do que eu. –
Argumentou o prefeito, atrás da sua mesa de mogno marrom.

– Não decepcionar seu eleitor? Sirius... Não me faça rir, por favor. Se estivesse
preocupado com escândalos não teria levado aquela atriz para um motel... Alias...
Sua esposa sabe disso? – K’dore sorriu.

– Onde você quer chegar? Está me chantageando? – Perguntou o prefeito,


alterando a voz e batendo as mãos na mesa.

– Não... Claro que não... Se quisesse teria te chantageado muito antes... Mas, sou
honesto. Sirius, quero fazer o negócio da maneira correta, entende? – Respondeu
K’dore calmamente com as mãos cruzadas acima das pernas.
– Não vou assinar o contrato! Vai sair mais caro do que pagar a polícia e os
bombeiros juntos! – E fez um sinal de basta com a mão.

– Está certo, eu entendi... É uma pena... Bom... Darei doze horas... Não... vinte horas
para repensar na sua decisão, prefeito. – Jaime ergueu-se da cadeira à frente da
mesa do prefeito.

– Ela é definitiva! – Franziu o cenho, Sirius.

– É o que vamos ver... Até mais, Sirius. E lembre-se, vinte horas. – Saiu fechando a
porta da sala do prefeito, levando consigo o grupo corporativo.

Mais tarde, à noite, em seu apartamento X-9 abria a geladeira, nela só havia garrafas
de água, fechou descontente a porta. Olhou para a pia e ali viu a louça empilhada
esperando ser lavada, moscas rondavam os pratos e copos sujos. Do outro lado,
contou uma mesa de madeira com duas cadeiras, e o banheiro que fazia divisa
estava sem porta. Analisou o box de vidro, os azulejos branco encardidos, o
espelho, a escova de dentes e deu as costas. Foi para o quarto e a escuridão lhe
incomodou, a peça oferecia apenas um armário azul simples, uma tv antiga de tubo
e um colchão no canto da parede. A única coisa que realmente valia pena ali era a
poltrona lilás que apesar de velha era bastante confortável. Nela se sentou, afundou
o corpo na maciez do estofado e deixou a espuma na se moldar na forma de suas
costas, recostou a cabeça na guarda, mas logo se desapontou de novo ao notar que
havia mofo no teto. A barriga roncou, talvez uma refeição adequada, decente lhe
devolveria a cor corada do rosto em troca da palidez e as olheiras, todavia não tinha
dinheiro para uma refeição decente. Como um lento pesar a voz saiu baixa, para ela
mesma, afinal, estava sozinha.

– Cara... Isso não é vida... Não é mesmo...

Na manhã seguinte ela estava diferente, apesar da camisa do padrão de uniforme


ser o mesmo, camisa branca de botões, gravata azul marinho da mesma cor que a
calça social, X-9 ostentava e um corte moicano bastante chamativo. Os longos
cabelos faziam parte do passado. Em sua mesa, digitando linhas de códigos que
parecia não ter mais fim, os dedos pareciam se multiplicar diante o “tac tac” do
teclado. Ela se encontrava no limite, já não aguentava mais e parou para descansar
um pouco, apoiando os pés sobre a mesa do computador. Para expressar seu
enorme descontentamento debochadamente apontou os dedos para a própria
cabeça, encostando-os na têmpora simulando uma arma. A imagem pixelada de
Logus surgiu holograficamente no alto do andar para todos verem, assim como sua
voz computadorizada. O protocolo da Orion consistia em chamar a atenção do
funcionário publicamente, visando gerar constrangimento diante os colegas para
que o ato de insubordinação não se repita e também para servir de exemplo aos
outros. Logus se dirigia a X-9, tudo por conta do novo estilo de cabelo e as
tatuagens nos braços que ficava à mostra sob as mangas curtas do uniforme.

〔Funcionária número 800-454-8000-X-9 venha até a diretoria e explique-se,


queremos saber a razão da despadronização do seu corte de cabelo e destas
marcas “tribais” em sua pele. Você não assinou nenhum recibo de autorização para
tal mudança. Estamos esperando sua explicação. Não demore.〕 - Logus sumiu
como um fantasma.

X-9 parou tudo que fazia, e ergueu-se da cadeira, ficando em pé ao lado da divisa
que separava as duas repartições, a dela e a de Drone, chamando sua atenção.

– Você viu essa palhaçada? Por que eu fiz um moicano e tatuagens eles querem que
eu me retrate... Vão se foder, o cabelo é meu, o corpo é meu, faço o que quiser com
eles e não preciso dar satisfação a ninguém! - Trincou os dentes com fúria.

– É melhor você ir lá... Não é nada demais, fala qualquer coisa, te liberam depois de
assinar duas horas de papeladas. – Respondeu Drone.

– Você não tá de saco cheio disso tudo? – Perguntou ao colega do lado, elevando-se
acima da pequena divisa de ferro que existia entre os dois.

– Como assim? – Indagou Drone, sem olhar para ela, pareceu hipnotizado com o
monitor.

– Fala sério, vou ter de me explicar por causa de um moicano? E você viu como
esse velho cagão me trata? Eu faço de tudo aqui, projetei muitas inteligências
artificiais até chegar ao Logus, construí os softwares para os robôs da empresa...
Digo... Faço dados gráficos fora dos pedidos... Muito desvio de função e para quê?
Nem sou citada nos projetos finais, sabe, eu merecia mais reconhecimento... Ou...
sei lá... Uns royalties. Aceitaria até mesmo ser promovida... – Falou gesticulando em
pé, aparentemente chateada e irritada.

– Sabe que não somos promovidos... Ninguém aqui é... Se você começa numa
função, se aposenta nela. – Lembrou o colega, sem olhar para ela, estava muito
ocupado digitando sua programação.

– É... Tá aí uma coisa que podia mudar... Tipo... Eu programei pra esse velho a CP3,
esse modelo novo de androide exatamente da forma que ele pediu... E apesar de ter
algumas coisas que achei estranho no pedido, eu fiz sem questionar... Você queria
saber o que eu estava fazendo ontem né? Pois então, era isso. E eu nem podia
falar... Assinei um contrato... Mas quer saber, foda-se, falei. – Resmungou com o
cotovelo sobre a divisa, olhando para Drone.

– Olha... Vamos parar por aqui... Essa conversa tá ficando perigosa... Se eles
escutam a gente falando disso... E... Desconfiando... Insinuando teorias de
conspiração… A coisa vai ficar preta pra teu lado... Digo... Para o nosso lado. –
Somente agora Drone parou de digitar e olhou para X-9, ajeitando o óculos no rosto.

– Humpf... Quer saber? Olha o que eu vou fazer!!

X-9 arrancou o headset da cabeça e jogou no chão, o aparelho verde se tornou


vermelho, entrando em código de alerta, acionando a guarda. Ela saiu correndo e
logo no seu encalço surgiram dois robôs de armadura preta semelhante a swat.
Neons vermelhos nos rodapés das paredes também ligaram-se acionando um
alarme ensurdecedor. Sem poder acessar os elevadores e nem as escadas, restou a
jovem correr até o final do andar, onde ali o problema é que não havia saída, naquele
local se encontrava uma grande vidraça. Mesmo estando no trigésimo terceiro andar
ela não hesitou em atravessar a janela, reduzindo o vidro em cacos pontiagudos.
Protegeu a face com os braços à frente do rosto e caiu, até mesmo a morte seria
melhor do que uma existência como aquela. No entanto, para ironia do destino, a
falta de planejamento urbano de Zavist permitiu a construção aleatória de
edificações quase coladas umas nas outras. X-9 caiu em um terraço de uma
corporação vizinha a Orion. Os guardas robôs reprisaram a cena tendo o mesmo
sucesso. A garota estava com cortes superficiais nos braços, um pouco da camisa
de botões rasgada e perdendo a gravata. Precisava correr, achar uma saída rápida e
ser mais rápida que os robôs, o que seria um tanto difícil com o tornozelo torcido
depois da queda. Ela mancou, tentando escapar, mas caiu de novo sentindo muita
dor, gritou levando a mão esquerda no tornozelo ferido. No entanto, para sua
surpresa os três robôs desistiram de persegui-la e com extrema agilidade saltaram
de volta para o rombo na janela, como se fossem atender um chamado mais
importante. Ela não entendeu mas aceitou a situação.

A explicação da atitude dos robôs estava na prefeitura. Para isso era preciso voltar
dez minutos no tempo. O prédio municipal foi visitado pela CP3, a androide
feminina fabricada pela Orion Corp. Ela simulava toda a feminilidade de uma mulher
real, tanto eu seu design de curvas, no vestido vermelho que trajava assim como no
andar cadenciado de seus quadris. Mesmo as partes que não ocultavam a natureza
robótica se moviam de maneira sexy. Ninguém sabia de quem era aquele modelo
bastante avançado que mostrando segurança conseguia adentrar na prefeitura sem
ser questionada, provando que algumas pessoas se intimidavam com robôs e
outras admiravam ao ponto de não erguer qualquer suspeita sobre eles. CP3 não
só conseguiu acesso ao gabinete do prefeito como teve passe livre para encontrar
Sirius. Visitado pela máquina, inicialmente pensou se tratar de uma mulher de
verdade. Logo notou que não se tratava, porém formas femininas eram seu fraco e
ele permitiu a aproximação da androide, afinal o mercado de consumo já permitia a
“compatibilidade” sexual entre humanos e máquinas, não eram poucas os modelos
fabricados para serem acompanhantes de homens ou mulheres solitários.
Encantando, largou o que estava fazendo erguendo-se da cadeira extremamente
interessado e foi a frente da mesa falar mais de perto com sua convidada, mesmo
que não tenha sido convidada.

– Olá... A que devo a honra da visita? – Perguntou o prefeito.

Ela não disse nada, apenas ficou parada de frente para Sirius, colocando o braço
direito na cintura, requebrando um pouco o quadril, CP3 possuindo um capacete
vermelho que recobre toda a cabeça, menos o queixo, mudou o tom do mesmo, de
escarlate passou a ficar branco, o acessório da androide se configurou em uma tela
de cristal líquido, nela apareceu o rosto de Jaime K’dore, assim como sua voz rouca
e firme, um tanto quanto intimidadora. Sirius a princípio expressou espanto dando
alguns passos para trás, esbarrando na maquete de um novo projeto arquitetônico
de Zavist. Quando assimilou tudo foi a vez de ficar irado, se sentiu idiota por não
associar CP3 com K’dore, mesmo que possuísse diversas empresas na fabricação
de androides, a Orion era a melhor no mercado e a única capaz de tão perfeita obra.

– Bom dia Sirius, as vinte horas se passaram, pensou na minha proposta? - Em tom
sério, Jaime fez a pergunta a partir do capacete de CP3.

– ORAS... Eu devia ter imaginado, devia ter suposto que era você, K’dore... Já falei,
minha resposta continua sendo a mesma, NÃO! – Irritado, o prefeito tentou
empurrar o robô, sem sucesso, ela se manteve firme no mesmo local, era bem mais
forte do que ele julgou.

– Sou um homem de palavra, Sirius, eu lamento que tenha de ser assim, lamento
mesmo... – Fingiu tristeza, assim como a voz embargada.

– Do que está falando?

Foi a última pergunta em vida do prefeito, seu olhar de pavor não foi o bastante para
K’dore lhe poupar. O braço robótico de CP3 se converteu em uma arma, com calibre
duas vezes mais alto que um fuzil de assalto. O estrondo dos disparos eram de
enlouquecer qualquer um. Ininterruptos tiros assustaram os funcionários públicos
que se abrigaram debaixo de mesas ou fugiam do prédio, sem saber o que
acontecia no gabinete. Mas era fácil deduzir, Sirius foi diversas vezes alvejado, os
tiros abriram buracos em sua carne espalhando sangue por tudo e o arremessado
em cima da maquete que ficou totalmente manchada de vermelho. Sua vida foi
exterminada em segundos e mesmo morto os disparos não cessaram de maneira
alguma. O que surpreendia também era que os robôs da segurança privada da
Orion entraram na prefeitura, como se já soubesse o que acontecia ali. Alguns eram
os mesmos robôs que perseguiram X-9 e desistiram de persegui-la para estarem na
prefeitura. Como se os cidadãos não estivessem suficientemente assustados a
guarda privada entrou de assalto portando armas pesadas, subindo as escadarias e
sem demora arrombou a porta da sala do prefeito. Anunciando a chegada
apontaram as armas de fogo e a artilharia pesada para a invasora. Em maior número
os soldados levaram vantagem e CP3 foi a ruína, fora alvejada por seis robôs ao
mesmo tempo. Com precisão digital o grupo despedaçou a assassina do prefeito
reduzindo seus corpos robóticos a uma sucata retorcida e perfurada. Somente a
cabeça foi estrategicamente poupada, para que o chip fosse analisado e a perícia
fosse feita, seja quem foi que a programou fosse descoberto logo. Os jornais não
paravam de noticiar a morte de Sirius.

– Últimas notícias! O prefeito Sirius foi assassinado. Ao que dizem por uma andróide
de modelo indefinida. Ainda não se sabe se foi algum atentado ou um plano
friamente esquematizado por um rival do prefeito. Os robôs da guarda privada da
Orion por sorte estavam perto da prefeitura e interceptaram a máquina assassina.
Seu chip de programação será levado para perícia e analisado. Ficaremos atentos a
cada nova informação sobre o caso.

Ligação para Liam: Tony Montana

– Liam, considere nosso acordo fechado. Preciso que sua gangue faça um
servicinho para mim. Não quero meu pessoal envolvido, ficaria muito na cara...
Enfim, você soube da morte do prefeito certo? Ele era a única coisa que ainda
impedia de K’dore mandar na cidade. Todo mundo no submundo está falando que
foi ele que mandou Sirius para o Inferno, e eu acho isso também. Será péssimo
para nossos negócios se for verdade, assim Jaime vai por alguém de confiança no
gabinete e nossos negócios estarão arruinados... Isso não pode acontecer! Bom,
reúna os Steelhearts e tentem descobrir o máximo de coisa que puder. Andam
falando também que acharam um bode expiatório que eliminaria qualquer
associação de K’dore com a pessoa que programou a androide... Parece que a porra
da mídia tá ajudando esse filho da puta, vão noticiar no jornal das nove o nome da
pessoa que digitou as linhas de programação da máquina que matou Sirius. Sei que
você odeia essas coisas toda essa merda tecnológica... Pra ser sincero eu
também não entendo muito dessas porras... Mas faça com que sua gangue invada a
emissora do canal 17 e roube, destrua, hackeie os servidores, qualquer coisa, e
extravie essa informação. Se for ao ar já era, K’dore sairá ileso dessa confusão.
Conto com você. Ah... Vou enviar uma pessoa de minha total confiança para ficar a
par de tudo, o nome dela é Akane, não leve para o lado pessoal, sou um homem de
negócios e gosto de me prevenir também. Até mais.

Detalhes sobre as relações:

Tony e Liam se conhecem e a trama se passa antes da luta deles, ou não faria
sentido.

Liam e Akane se conhecem também, compartilham de uma breve história juntos no


passado, (tirando base do prólogo do Liam na luta) e Tony não sabe, nem suspeita
disso.

Tony e Akane já estão juntos.

Akane e Thomas se conhecem e entraram em confronto (de acordo com a luta


deles) acho que isso ficará legal para construir uma situação de antipatia entre os
dois dentro da gangue e criar uma relação de rivalidade e conflito no grupo.

Thomas e Liam. Não pensei em nada, talvez ele já faça parte da gangue, mas essa
parte deixo a cargo de vocês.

Leon não conhece ninguém, ou então já pode fazer parte da gangue de Liam, fica a
cargo dos jogadores isso.

X-9 ainda não conhece ninguém pessoalmente, e vice versa. Apenas conhece
superficialmente Liam. Mas só ouviu histórias, boatos. Já ela é irrelevante para ele,
ao menos por enquanto.

Miniko pode ser já da gangue de Liam também. Assim como a Rebecca, e existir um
envolvimento e sentimento de equipe entre os três, mas como disse, isso fica a
cargo e preferência dos jogadores .

Recomendações: Vocês vão dizer onde estavam e o que faziam na hora da morte do
prefeito, também vão dizer como reagiram à notícia, se isso fez alguma importância
ou não a cada um de vocês. Depois precisam se encontrar no local que serve como
esconderijo dos Steelhearts. Que é um prédio abandonado em um beco qualquer de
Zavist.

Apesar de aparentemente abandonado ele é fortemente guardado por homens


armados e se encontra atrás de um bar de motociclistas. A porta estará fechada e
quando solicitarem a entrada uma escotilha vai se abrir, o guarda vai perguntar
quem são vocês e a razão de estarem ali. Assim só para visualizarem a situação:
Como disse, fica a cargo de Thomas e Leon decidir (com o Imai) se fazem já parte
da gangue ou se serão chamados. Akane será enviada por Tony. X-9 será enviada
por um intermediário, um outro hacker. Tony não se envolverá diretamente.

Liam

Em um velho beco localizado na Zona Z, ou também conhecido como submundo,


estava a base de operações da gangue especialista em tráfico de armas chamada
de Steelhearts, no caso a gangue que eu lidero. A parte de fora do local estava
desgastada, com um aspecto sujo e marcas de tiros e uma porta de metal, que era
bem comum em Miraitropolis.

Porém a parte de dentro era totalmente diferente, o primeiro andar era repleto de
máquinas de metalurgia, além de uma área com várias mesas repletas de aparatos
científicos. Esse é nosso diferencial, não só vendemos as armas, mas também as
criamos. Vários homens vestindo aventais e luvas trabalhavam nas máquinas, cheira
de metal queimando e pólvora podia ser sentido por todo primeiro andar.

No segundo andar ficava meu escritório, que não parecia em nada com um
escritório de verdade. Era uma sala grande, com vários itens do século passado:
vídeo-games, filmes, séries e etc.

Eu amava aquela época que não vivi, tudo sobre ela parecia melhor do que o mundo
de hoje, admito que gastei uma grande alta para conseguir estes itens, mas valeu
cada centavo. Estava sentado em um sofá vermelho de couro, que ficava ao lado de
um poster do Slash e de frente a televisão, assistia o noticiário e tomava uma
Kingston, o melhor uísque de Miraitropolis. Boris e Joe, meus melhores capangas,
estavam jogando PlayStation 4 em uma televisão mais simples no canto da sala, um
xingava o outro, aparentemente era uma partida de um jogo de luta chamado Street
Fighter.

Foi então que aquele repórter entrou em cena, ele estava em frente a prefeitura e o
que ele noticiava me deixou realmente interessado.

– O prefeito Sirius acaba de ser assassinado na prefeitura, as informações


divulgadas até então dizem que o autor foi um androide extremamente avançado, a
polícia particular da empresa Orion conseguiu detê-la e já estão em busca do seu
programador.
Eu batia a palma da minha mão esquerda no sofá e começava a rir de forma alta,
fazendo com que a atenção de Boris e Joe se voltassem para mim. Então comecei a
falar, zombando do acontecido.

– Caralho, eu sabia que um desses androides de merda iriam fazer algo desse tipo
um dia, puta que pariu, hahahahahahahahahaha.

Eu continuei rindo e zombando do acontecido, até que recebi uma chamada no meu
relógio hi-tech, era uma ligação do todo poderoso Tony, um babaca que eu estava
prestes a fechar um grande acordo. E era exatamente disso que ele falava ao ser
atendido, o acordo estava fechado. Ele falava das desconfianças dos grandões do
submundo em relação à morte do prefeito, além de culpar o dono da maior escória
daquela cidade, a Orion Corporation. Resumindo, ele queria que eu, junto com o
resto da gangue invadíssemos o Canal 17, que estava ajudando K’dore a divulgar o
nome do bode expiatório .

– Tá certo, farei isso.

Não aceitei fazer o serviço sujo por ser um cara legal ou que estava interessado
naquilo tudo, havia duas coisas que me fizeram aceitar, a primeira era que eu odiava
o Canal 17, era uma merda sensacionalista e manipuladora, fora isso ao escutar
Tony falando o nome dela, eu me arrepiei, de alguma forma meu grande amor estava
trabalhando para aquele italiano babaca e ele estava mandando-a de volta para mim.

– Pessoal, vocês lembram da Akane?

Boris levava a mão até sua longa barba preta e fazia uma expressão pensativa, e
respondia.

– A ruiva que te deixou apaixonado? Hahahaha.

Ele fazia uma piada e apesar dele ter razão, eu o repreendia, o olhando torto e
falando.

– Cala a boca, ela logo chegará aqui, vai nos ajudar a invadir o Canal 17. Aê reúna o
pessoal e ligue para o nerdão do Thomas, vamos precisar das suas tecnologias
nesse ataque.

Leon
A doze anos atrás eu estava começando minha carreira policial com apenas
dezenove anos de idade. Fui o profissional mais novo da história com as melhores
notas e um belo diploma. Estava muito próximo de fazer a justiça e prender
bandidos. Eu almejava muito mais, fazer parte do FBI e me aprofundar mais na
cabeça dos criminosos… O melhor dos perfiladores. Eu estava indo muito bem para
o começo da minha longa caminhada até onde desejava estar. Estava correndo
atrás do meu sonho de não deixar outra criança assistir a morte dos pais nas mãos
de um bandido como eu assisti… Só que, meu grande sonho, o meu maior motivo de
continuar vivo acabou por um erro bobo meu.

Era uma noite chuvosa e recebi uma ligação do meu parceiro, Robert. Ele queria me
encontrar num lugar muito estranho, nos fundos de um bar barato de estrada no
Submundo. O que pensei de imediato foi se tratar de um caso que estávamos
estudando para passar na prova que nos qualificaria como investigadores. Ele dizia
sempre para estudarmos um caso sem solução e tentar achar uma resposta… Com
isso em mente eu fui até ele assim que passado o endereço. Para minha infelicidade
deixei para trás meu distintivo e minha arma, para não arrumar confusão no distrito
que trabalhava e fui totalmente desarmado.

Quando cheguei eu vi cinco homens vestindo roupas pretas e portando tacos de


baseball rindo e conversando entre si. Não achava meu parceiro e comecei a
imaginar diversas possibilidades para aquele desfecho. Saí do carro muito calmo,
avaliando minha situação e o bando logo dispersou enquanto um deles se
aproximou, notavelmente furioso.

– Olha só rapazes quem chegou! Então é esse miserável que fudeu com minha
mulher… Maldito. Por sua culpa ela me deixou e deve estar esquentando sua cama
não é mesmo? Bom, não vai comer ela mais, disso tenho certeza… Peguem ele! –
Era um tipinho que nunca gostava de sujar as mãos.

Não tive tempo de reagir ou pensar numa saída… Assim que eles viram na minha
direção, pude ver o meu parceiro caído onde eles estavam reunidos, espancado. Não
dava para ver se estava morto ou vivo. Rangi os dentes irritado com minha situação.
Três homens estavam armados com tacos e um com um pedaço de corrente.
Investir contra eles era a morte, correr pior ainda… Estava encurralado. E assim o
espancamento começou e não fiquei parado… Fui revidando conforme conseguia,
apenas para evitar danos mais letais, mas chegou uma hora que não aguentei.
Pensei que ia morrer.

Um tempo depois, em minha semi-inconsciência, eu estava jogado no mato ao lado


do meu parceiro, este claramente morto com os olhos esbugalhados de pavor. Não
conseguia me mover e a certeza de que a morte vinha aos poucos me pegar era
angustiante. E logo agora que acabei por conseguir um distintivo oficial… A última
coisa que me lembrava naquela noite era o frio da chuva a me molhar e uma luz
forte na minha cara. Fui acordar novamente acorrentado numa cama rodeado de
equipamentos médicos. Não estava num hospital, tampouco fui resgatado pela
polícia. Só pude ver dois homens: um de terno preto com olhos cinzentos e cabelos
castanhos claros, o inconfundível Reno Morgan, um mafioso e o outro que vestia um
jaleco branco, era mais velho, já com cabelos grisalhos e usava óculos… Depois
disso, apaguei novamente.

Acordei num pulo bem mais tarde e totalmente confuso. Tinha muitas agulhas
injetadas no meu braço e eu me senti preso com algemas novamente. Então não foi
um sonho estar preso na cama com um mafioso me encarando… Vi aquele homem
de cabelos grisalhos lendo algo na prancheta muito atento e quando me encarou, ele
sorriu. Não consegui interpretar aquele sorriso mas foi o suficiente para me arrepiar.
Seu olhar afiado me inspecionava de cima a baixo e ele se aproximou para fazer uns
testes como qualquer médico. Tentei permanecer calmo, mas algo me dizia que
estava tudo errado.
– Quando sairei daqui e poderei voltar para o trabalho? Tenho um teste daqui dois
dias… – perguntei sem reação nenhuma, perdido no tempo, recorrendo a minha
última lembrança.

– Dois dias? – ele começou a rir feito louco – Você está aqui a uma semana e acha
que deixarei você sair? No… No… Nooooooooo! Foi meu único sobrevivente, o que te
faz muito valioso. Ganharei tanto dinheiro que eu e meu filho iremos ter uma vida de
rei hahahahaa – voltou ele a rir para meu desespero.

Aquilo foi como se eu estivesse sendo espancado novamente, não podia acreditar
em tais palavras. Uma semana? E quanto ao meu parceiro? Mas logo percebi que
não estava num hospital como imaginei ou queria que fosse. Não via enfermeiras e
pela construção do cômodo, parecia que estava num lugar bem fechado… Um
porão? Não podia ser! Devia estar sob os efeitos da anestesia e estar ouvindo
errado, delirando. Detalhe que foi por água abaixo ao ver o rosto daquele homem a
certeza de suas palavras e mais a sua ambição. Afinal que raios ele fez em mim
nessa semana?

Fiquei desesperado, meu coração batendo mais forte e finalmente tive minha
resposta. Senti um formigamento pelo meu corpo inteiro, como se fosse perfurado
inteiro por pequenas agulhas e logo parou. Mas muita coisa mudou. Ganhei uma
força que não tinha, pois num movimento até leve arrebentei a algema dos meus
braços. Estava mais ágil e rápido e emitia um rosnado… Rosnado? ROSNADO? Me
levantei cambaleando da cama e vi meu reflexo no espelho. Não me reconheci. Tive
que pôr minhas mãos sobre meu rosto para ter certeza e nem minhas mãos
estavam normais. Todo coberto de pêlo cinzento listrado levemente de preto, olhos
dourados intensos… Virei um animal há muito extinto: um tigre dente de sabre.

O desespero tomou conta de mim, estava confuso, dormente, sob efeito de


medicamentos… E aqueles instintos assassinos que tomavam conta de mim? Pela
primeira vez na minha vida, desejei ter permanecido morto e num ataque de fúria e
medo, comecei a destruir tudo ao redor sem me importar com as consequências
como choques elétricos… Aquele médico louco se afastou de mim, certamente
tentando preparar algo para me fazer dormir. Não esperei. Corri para a escadaria,
arrebentei a porta e quebrei a janela, mesmo fraturando uma ou duas costelas no
impacto e saí em plena luz do dia correndo feito um louco. Aliás, quem chamaria de
louco um híbrido de homem com tigre correndo nú em plena luz do dia pela rua? E
assim meu futuro perfeito foi arrancado de mim e passei por dez anos aprendendo a
dominar e me adaptar a este novo eu, um assassino que tanto temi me transformar.
Nos dias atuais...

Estava dançando com duas loiras muito lindas num quarto de motel e bebendo
muito champanhe. Nós três já estávamos sem roupa nenhuma e cheio de
brincadeiras de esconde-esconde pelo quarto e muito sexo. Mais cedo, estava num
resort muito elegante de encontro marcado com Lisa, umas das loiras (a outra é sua
irmã mais nova Lina) e tive uma bela surpresa ao me deparar com duas no encontro.
Como prometido eu fui ensinar elas a jogarem sinuca e arco e flecha. Estava muito
empolgado com a perspectiva e tudo sairia de graça para mim… Elas iam pagar por
tudo.

Afinal, eu era alto e atlético, cabelos negros e um pouco bagunçados, mas sem
desleixo. Meus olhos eram azuis e o que todas me falavam sempre do meu sorriso.
Então era fácil para mim encontrar mulheres que queiram pagar pela minha
companhia e pelo meu corpo. Até fazia serviços de graça também, agradava as
mais “pobres” da mesma forma… Eu me tornei num belo vigarista e libertino e
gostava dessa vida de farra.

Depois das aulas de arco e flechas o que me rendeu muitos beijos e abraços, fomos
para o salão social onde tinha mesas de sinucas. Elas disputavam a minha atenção
a todo o tempo, cada uma com seu taco fingindo que não tinha entendido nada e
que era para guiá-la da maneira correta. Foi no meio das aulas que apareceu em
todos os cantos telas holográficas anunciando a morte de Sirius, o prefeito da nossa
cidade. Não me importei com ele. Nem com seu assassino que era uma mera
máquina. Muito menos me importava com a política de Miraitropolis. Eu queria mais
aproveitar minha boa vida ao lado de belas mulheres e mais nada.
Mas com tal fatalidade o que me arrancaria dos braços delas era o Liam, o líder da
gangue que entrei recentemente por falta de dinheiro. Sob seu comando eu faturava
muito matando pessoas indesejadas que lhe eram encomendadas e repassadas
para mim. Ele ficava com 40% do pagamento recebido (porcentagem que tive de
brigar para conseguir). Mas até o chamado não vir eu continuava a entreter as belas
garotas comigo. E assim do resort fomos para um motel, onde começamos a
melhor das brincadeiras.

Minhas roupas sociais, junto com minha pulseira comunicadora estavam largadas
pelo chão enquanto eu bebia o último gole do champanhe direto da garrafa. Já
estava muito bêbado e voltei com minha boca nos seios de uma e a outra já se
encaixava perfeitamente em mim. Afinal eu era um gato insaciável e cheio de
testosterona. Continuamos assim, onde elas trocavam de lugares insaciáveis até eu
escutar o som de uma chamada perdida. Rangi dos dentes incomodado e tive que
me despedir das minhas companheiras. Me vesti de qualquer jeito e peguei um táxi
até a base da gangue.

Estava com as roupas amassadas e mal vestidas e cheirando a álcool e ainda


bêbado, mas não me importava, foi o chato do Joe que me tirou da farra… E quando
entrei naquele estabelecimento velho, sujo e feioso por fora, onde nem precisei me
identificar na porta porque já me conheciam, eu me arrependi de ter saído do motel.
Logo no primeiro cômodo cheio de máquinas e bugigangas científicas, me deparei
com os mesmos homens trabalhando sempre naquele mesmo lugar… Nem olhei
para eles e segui em frente, no segundo andar onde ficavam os membros mais
importantes. Abri a porta com tudo e andei na direção de uma poltrona, já me
jogando folgadamente nela e cruzando as pernas sobre a mesa em frente.

– E então? Como vai ser? - falei muito sério e bem diferente de momentos antes,
como um predador.

Akane

Acordar ao lado daquele homem era a melhor coisa do mundo. Me perdia só de


encará-lo dormindo de bruços, sem nenhuma roupa e descoberto. Claro que fazia
calor e os lençóis só enfeitavam a cama nessa época do ano, mas era uma visão
que me fisgou completamente. Seu rosto estava voltado para minha direção, sereno
e imóvel. Decidi não acordá-lo e fui tomar banho, pois da última vez que o acordei,
ele foi comigo para o banheiro. Não que eu tivesse desgostado daquela experiência,
de ensaboá-lo todo com um sabonete perfumado, mas naquela manhã queria um
pouco de privacidade. Estava com uma tremenda dor de cabeça.
Desde que comecei a morar com Tony Montana eu parei com outros amantes por
um tempo. Mas já sentia falta de matar e ficar naquele casarão com muitos
empregados que me odiavam era um inferno extremo. O motivo de tanto ódio eram
variados e especialmente para a Layla, onde matei seu irmão a um tempo atrás… Por
mais que ele fosse um tremendo pedófilo. Um deles já tentou me envenenar e antes
que eu pudesse me vingar, tal homem sumiu de um dia para outro… No fim não me
importava as adversidades daquela casa.

Terminei o banho e coloquei um vestido de alça simples e rodado. Toquei o botão


para avisar aos empregados que o patrão estava acordado e ia tomar o café da
manhã na sala de jantar. Claro que para isso eu tinha que acordar tal dorminhoco
espalhado na cama. Me aproximei da cama e passei a beijar as costas dele e pude
vê-lo reagir no mesmo instante e quando dei por mim já estava deitada na cama
com ele em cima de mim.

– Bom dia Tony – falei depois de recuperar o fôlego.

– Bom dia, meu amor – disse ele antes de capturar novamente meus lábios.

Ficamos nessa briguinha com nossas bocas até ele se levantar e tomar o banho
dele e pouco tempo depois já estava bem vestido para descermos até a sala de
jantar já à nossa espera. Sentamos na mesa que era enorme, e começamos a comer
assistindo as notícias do dia. E foi aí que o assassinato de Sirius foi divulgado para a
nossa surpresa. Mais tarde, muitos conhecidos de Tony começaram a ligar para ele
falando a respeito da terrível notícia e do quão terrível viria a ser com a vinda de um
substituto facilmente manipulável ou até comparsa de Jaime, uma escória, um
ditador.

Me mantive calada até a ligação dele para Liam, um líder de uma gangue que já foi
meu amante… Obviamente que ele passaria o serviço para o outro, porém fiquei
surpresa com a minha presença nessa missão. Por um lado fiquei excitada por
poder matar quantos eu quiser naquela emissora, por outro, teria que rever aquele
líder dos Steelhearts. Contudo eu não me opus porque meu lindo amante confiava
em mim e isso foi o suficiente para me “amolecer” e aceitar o desafio… Mentira!
Estava mais animada em matar homenzinhos de terno. Terminamos de comer em
silêncio.

Mais tarde Tony foi para sua área de trabalho se despedindo de mim por um longo e
prazeroso beijo. Parecia tão difícil para ele tais despedidas e eu não aguentava
aquela sua expressão como se eu fosse ficar um ano fora. Ele era muito ciumento e
possessivo, mas eram duas qualidades para mim. Então nem precisava me esforçar
para imaginar o motivo do sumiço daquele empregado. Eram essas qualidades que
eu temia e respeitava, tanto que não ousava planejar matá-lo a um bom tempo, onde
foi mais frequente no começo de nossa relação quase marido e mulher. Sim, minha
vida com ele se resume nessa dualidade de amor e desejo de sangue.

Eu tinha um motorista já posicionado para me levar até a área de trabalho de Liam,


iria com o mesmo vestido curto mesmo, pois estava com muita preguiça de trocar
de roupa e a dor de cabeça persistia. Eu usava uma rasteirinha confortável ao invés
de salto e apenas me atentei em vestir minhas armas. Talvez meu ex amante tivesse
uma muda de roupas minhas guardadas, pois num dia desses fui embora com uma
camisa dele e sem nada por baixo, mas tal peça de roupa serviu como um vestido
curto para mim. Então era questão de chegar naquele lugar e procurar… Se eu
tivesse paciência para tal tarefa.

Já em frente ao prédio bem sujo e caindo aos pedaços, um homem respondeu as


minhas batidas e veio espiar pela porta e verificar quem era. Apenas disse meu
nome e foi ele que me permitiu passagem tão rápido. Não disse mais nada ao
porteiro, nem parei para olhar para os lados e fui direto para a escadaria que dava
para o segundo andar. Quando entrei no escritório do líder, como sempre cheio de
coisas antigas, percebi uma carne nova esparramada no sofá… E como era lindo
aquele homem, com aqueles olhos azuis que hipnotizam qualquer uma… Como
sempre Joe e Boris entretidos em jogos e por último Liam, sentado em sua mesa
como na maioria das vezes que o encontrei ao passar pela porta. Não disse nada e
me sentei numa cadeira cruzando os braços.

Thomas Carwell

Logo ao acordar naquele dia uma angústia tomou conta de mim, era algo incomum
e que eu não sabia lidar muito bem, na verdade esta angústia me atingia sempre
uma vez por ano, sempre naquela mesma droga de data, e seria assim para o resto
da minha vida de merda ao que parecia, estava sentado, olhando o porta retrato que
ficava em um criado mudo ao lado de minha cama, na foto emoldurada (ainda
cultivava algumas coisinhas do século passado) estava eu, jovem, com cerca de
catorze anos, os mesmos cabelos bagunçados, óculos redondos com grau enorme,
algumas espinhas nas bochechas e testa, ao meu lado um cientista imponente, alto,
magro, com cabelos já grisalhos, mas com um charme enorme que eu devo admitir
não ter herdado muito.
– Já faz 12 anos que te tiraram de mim pai... Odeio admitir, mas sinto a sua falta
velho safado – um leve sorriso apareceu nos meus lábios, sorriso esse que
contradizia as lágrimas que escorriam e caiam em cima do porta retrato.

Exatamente hoje fazia doze anos que a gangue do desgraçado do Reno Morgan
havia matado o velho Dr.Daniel Carwell, um tiro certeiro, bem no meio da cabeça, e
em seguida queimando a nossa casa e todos os seus experimentos e evidências
que os ligavam com meu pai, as únicas coisas que havia escapado daquela noite
eram eu, o jovem aprendiz de cientista e agora órfão Thomas, que havia pulado a
janela pouco tempo antes de também encontrar a morte, a espada que era da nossa
família a gerações e uma foto, a única foto, esta pela qual estou olhando agora, a
espada já não se encontrava mais comigo, havia sido quebrada ao meio em uma
batalha algum tempo atrás.

– Um dia vou matar esse cara, eu juro papai. – Disse isso limpando as últimas
lágrimas do meu rosto e devolvendo a foto para o lugar onde ela costumava ficar.
Me levantei, saí do quarto e fui em direção a cozinha preparar algo para comer,
aquele meu apartamento era um cubículo, mas era o que a grana da produção de
armas e bombas dava para pagar, separava a maior parte do dinheiro para as
minhas pesquisas secretas, já tinha uma boa quantia, só me faltava certos
"ingredientes". Aquele era um dos raros dias que havia algo na geladeira que não
fosse água ou pílulas energéticas, terminei de colocar o leite no cereal e sentei no
sofá para ligar o projetor e ver as notícias do dia, mas ao ligar, todos os telejornais
deram a mesma notícia, a morte do prefeito Sirius, parecia que tinha sido um
atentado provocado por um andróide programado por alguém com minhocas na
cabeça e que cumpriu com êxito a sua missão.

– Hum Então mataram o prefeito hein… – Dei uma boa de uma colherada no cereal e
levei a boca, mastigando de forma desleixada – Que pena, ele tinha uma cara
engraçada. – Desliguei o projetor, iria ficar o dia inteiro passando no noticiario sobre
aquilo e eu não teria saco para acompanhar, voltaria ao meu trabalho, tinha alguns
armamentos para terminar e aquele idiota do Liam que achava que ainda vivia na
terra do século XXI logo estaria ligando para encher o meu saco novamente.

Parecia que horas haviam se passado, mas havia sido apenas pouco tempo pelo o
que pude ver ao olhar o meu relógio, já fabricava essas bombas à tanto tempo que já
havia se tornado um processo meio que automático, fazia com uma rapidez e
eficiência que poucos conseguiam, e era por isso que sempre tinha serviço, nunca
uma arma minha havia deixado alguém na mão, sequei o suor de meu rosto e limpei
as mãos em meu jaleco até que RC23-B8 entrou no laboratório.
– Você tem uma ligação, é o Liam, devo dizer que foi para Marte? Ou quem sabe
manda-lo para a puta que pariu? Ou alguma outra dessa vez… – Disse pra mim em
tom de deboche, sempre me questionava o porquê de ter construído um robô com
tanta inteligência assim, às vezes as suas atitudes sarcásticas e seu péssimo gosto
musical me tiravam do sério, mas tinha que aguentar, ele era meu "secretário" um fiel
escudeiro e armado até os dentes, mesmo com estes detalhes em sua
personalidade, ainda o considerava minha melhor criação.

– Porque você não vai se foder hein? Me passa logo essa ligação, preciso cobrar o
pagamento da última remessa – Peguei o comunicador que o RC havia arremessado
em minha direção, e jurava que ele havia arremessado com uma força maior do que
a necessária.

– Obrigado coração – Falei sorrindo enquanto o robô saia do laboratório.

Então era isso, querem minha ajuda na missão de invadir o canal 17, ora, ora, isso
era como música aos meus ouvidos, sabia que Liam odiava pedir ajuda, tanto que
pediu para um subalterno ligar e nem se deu ao trabalho de fazer por si próprio,
nunca nos demos bem, nossos assuntos eram apenas comerciais, tinha vontade
mesmo era de dar um belo de um soco na fuça desse infeliz isso sim, mas fazer o
que, confirmei minha presença, iria para lá ver qual era a da parada.

...

– Isso vai ser no minimo interessante, querendo ou não é um objetivo importante,


quero ver quem será essa "gangue" de que o idiota falou

– Vai ser magnifico, quem sabe não arruma uma cobaia finalmente, mas lembre-se
não se deixe levar por nada, deixe de ser uma marica sentimental.

– Quem mandou você aparecer... Tava de boa até agora, sai daqui

– Porque você é sempre assim?... Ah é esqueci que está mais sensível no dia de
hoje, viadinho.

– Pode falar o que quiser, nunca chegou a conhecê-lo aliás, você também deve estar
fazendo aniversário, já faz mais ou menos uns doze anos que te aturo também, até
te daria um presente, mas não consigo enfiar um dedo do meio dentro da minha
cabeça

– Ha Ha Ha sempre hilário, vai logo trocar de roupa e ir para a reunião da gangue ver
o que eles querem... Verdade, você não tem outra roupa...
– Vai se foder

...

Terminei de ajeitar as coisas no laboratório e dar uma escovada no meu jaleco,


então parti, em pouco tempo cheguei no lugar onde seria a reunião, era em um beco
de Zavist, esses Steelhearts são mesmo patéticos, o lugar parecia completamente
abandonado, mas era realmente ali, já havia estado naquele local antes para
negociações, não havia erro. Bati na porta com a parte de traz da minha mão direita,
enquanto repousava minha outra no bolso do meu jaleco, não demorou a portinhola
foi aberta e um rapaz com as sobrancelhas grossas e um olhar tão malvado quanto
um cachorro quando mexem com a sua ração perguntou o que eu estava fazendo
ali.

– Sou Thomas, estou aqui pois fui chamado pelo idiota do seu chefe – Falei
sorridente, o capanga não gostou nada nada, mas ja devia estar informado pois
abriu a porta e me disse para entrar, fiz uma reverência debochada e subi sem
reparar em nada em volta rumo ao segundo andar, que era onde ocorreria tudo.

Devo ter enrolado um pouco, pois ao chegar no segundo andar já havia uma boa
galera, um cara alto, olhos azuis e até que boa pinta que eu nunca tinha visto mais
gordo antes, Joe e Boris sendo idiotas como sempre, Liam que me encarava com
uma cara de poucos amigos e por último... Ora, ora que surpresa... Akane.

...

– Esta mulher de novo, isso deve ser perseguição não é possível.

– Ela já me causou muitos problemas, mas devo admitir, esta mais gostosa do que
nunca

– Vê se não apronta nada, sei que ainda tem assuntos mal resolvidos com ela, mas
deixe para depois, nada daqueles seus comentários inoportunos que só nos
colocam em confu....

...

– Se não é a boa e velha Akane iiii... Pelo visto estão te fodendo gostoso finalmente,
está com uma cara ótima, melhor do que da ultima vez que nos vemos eu diria. –
Adentrei mais um pouco o local chegando um pouco mais perto da ruiva, olhei bem
nos seus olhos, que estavam frios como sempre, demonstrando que queriam
sangue, e isso tornava cada vez mais as coisas mais interessantes. – Ahh e a
propósito ruiva... Vá se foder... Nada pessoal, é só pela espada mesmo – Disse
abaixando bem pertinho do rosto dela, com um sorriso no rosto e os olhos
fechados.

...

– O QUE EU DISSE FILHO DA PUTA !!

– Eu menti, é pessoal sim!

...

Me levantei, parei de sorrir e abri os olhos, ajeitei os óculos em meu rosto e


recoloquei as mãos no bolso do jaleco

– Bom, esta noite está realmente agradável, o que temos para hoje? Vamos jogar
Uno? Um bom vinho com fondue? Jogar esses games velhos até nossos olhos
saltarem das órbitas?... ou quem sabe um strip poker – Falava para todos enquanto
arrumava um lugar para me sentar e esperar para ver o que teriam para falar.

X9

O mar pode fervilhar com suas ondas revoltas e correnteza forte, mas a quietude na
areia permanece imperturbável. O silêncio me abraça deixando-me com meus
fantasmas e perturbações. A quietude da praia e o vento assobiam em meus
ouvidos sua melodia doce. Aquela brisa refrescante arfando meus cabelos e não
mais do que um biquíni preto vestindo o corpo esguio é o bastante para trazer a
sensação de estar imersa em uma serenidade infindável na beira do litoral. Tinta
metros acima das águas do oceano, o aparecimento de um enorme rosto arranca
minha alma do descanso. Atingiu o céu como uma matéria cancerígena
degenerando o azul celeste e tornando-o com aspecto de podre e coloração
enegrecida como de uma maçã que passou do prazo de validade. Despertando
curiosidade, a feição de um rapaz gordo que parecia esculpido em pedra também
falou.

– Que porra, você tá se chapando! – Uma declaração arrogante mas merecida, a voz
ecoou no ambiente.

– O que tá acontecendo? – Perguntei procurando a voz, olhando para o alto.


– Você tá se chapando sim… Não quis acreditar. Tá doidona usando essas porras de
drogas virtuais… Desliga essa bosta. – Por isso eu não lembro como cheguei aqui e
nem onde estava antes, essas drogas programadas tem um princípio igual aos
sonhos, você não se questiona.

– Largou o emprego pra ficar se drogando… Que decepção, tá na hora de terminar


essa bosta, já que não desligou eu desligo então! – O rosto gigante acima do mar se
enfureceu rasgando o tecido da realidade como se fosse um cenário de papel.
Estilhaçando o céu um clarão de uma supernova que me envolveu sem aviso.

– PERAÍ! Flatine!! – O sol, mar, vento, areia sumiram, sendo substituídos pelo
abafamento e claustrofobia de paredes de ferro escuro enferrujado, eu estava
novamente com as roupas do trabalho, calça azul marinho e camisa branca de
colarinho sem gravata, sentada em um sofá que não era meu.

O prédio antigo feito de aço industrial corroído pelo tempo com um letreiro amarelo
chato de neon que insiste em piscar sem parar é pequeno, bem apertado e sujo,
tanto por fora quanto por dentro. Um muquifo! Olhei pelo vidro e o céu voltou a ter
aquela cor de tela de televisão sintonizada em um canal fora do ar. Todas minhas
agonias voltaram de uma só vez, a realidade é insuportável.

– Agora lembrei, estou no apartamento de Sasha e Duncan. Depois da fuga dos


androides da Orion decidi voltar a vender programas eles são dois antigos clientes.
Passei em casa, peguei os disquetes, óculos de realidade virtual e todo o material. O
aperto pra conseguir grana é tanto que fiz pela metade do preço e até aceitei
entregar os programas a domicilio. Eles pediram para eu testar os softwares… Mas
pelo visto estão curtindo o barato… – Duncan estava plugado na tomada com os fios
conectados na cabeça, vestindo um óculos de lentes redondas e fluorescente,
sentado no chão do outro lado da sala, com as roupas rasgadas, bandagens velhas
e babando em transe. Sasha nem sei onde foi parar.

– Programas? Isso é bagulho virtual, Synthpop* puro e eles são dois drogados de
merda, que belo círculo social, X-9. – Suspirou lamentando.

– Como conseguiu invadir meu barato se estou usando disquetes, coisas fora de
linha justamente para dificultar invasões? – Removi o capacete virtual, jogando no
sofá.

– Por que você não tem implantes de programas igual seu parceiro nóia ali jogado
no canto da sala. A propósito, deveria ter trazido um babador junto pra ele. – De
alguma forma ele conseguia ver a gente. Não sei como.
– Não tenho mesmo… Para conseguir esses fios na cabeça eu tenho que fazer uma
porrada de operações e como você sabe tenho medo até de injeção. – Gesticulei
movendo as mãos no ar.

– E deixa o Duncan em paz, quando não está babando… E sonhando… Ele é um cara
legal...

– Legal… Sei… Presumindo esse seu medo foi fácil saber que usaria um sistema de
realidade virtual e foi mamão com açúcar te hackear. – Ele sempre foi o melhor
hacker que conheci.

– Precisa sair daí logo…

– Estou sendo caçada… Eu sei… – Interrompi.

– Os robozinhos da Orion devem estar me procurando… – Conclui.

– Nesse momento meu apartamento nem existe mais e, provavelmente ardendo em


chamas ou espalhado em cada canto da cidade… E… – Não parava de falar.

– NÃO! Me ouve! – Agora ele me interrompeu.

– Eles não estão à sua procura, é muito pior. Andei dando uma olhada no sistema da
Orion, você por acaso tá sabendo de algo como um modelo de android, deixa ver o
nome… CP3?

– Sim, eu programei ele, por que?

– Então é bem pior do que pensei… Como por que? Não ficou sabendo da morte do
prefeito?

– O prefeito morreu? – Estava surpresa.

– Deve estar se chapando desde muito cedo que nem soube que mataram Sirius… E
foi um CP3 que o assassinou. – Explicou.

– Só existe uma unidade… E ela matou o prefeito… BOSTA! Bem que achei estranho
os comandos que o K’dore pediu para programar na CP3! – Exclamei.

– Fala baixo! Ninguém pode ouvir isso… K’dore matou Sirius e vai te usar como bode
expiatório. – Disse baixo.
– Puta que pariu! Estou fodida! – Exclamei de novo.

– Calma, ainda não, você precisa ir até o esconderijo dos Steelhearts e falar com
Liam.

– O que? Aquele arruaceiro? Mas eu nem o conheço.

– Tá tudo bem, logo que o prefeito virou presunto ele entrou em contato comigo
logo me oferecendo um trampo, a gente se conhece faz um tempo. O cara tá
precisando de um hacker para invadir o canal 17 hoje a noite para justamente
apagar a informação das linhas de programas do seu software e eliminar a prova de
que foi você que programou a CP3. Eliminando isso tua barra fica limpa e sem
provas as suspeitas caem em cima do dono seu ex patrão. E deve estar se
perguntando a razão disso, claro que não é por benevolência de alguém que quer
salvar seu couro, Tony o mafioso quer foder com K’dore e pediu ajuda para Liam que
me pediu ajuda. Mas como eu não estou afim de me envolver nesse assunto e isso
tudo diz respeito a você, te indiquei. Só diz que te enviei e tá tudo sussa, vai ser seu
passe livre até os Steelhearts. – Eu tinha outra escolha?

Troquei de roupa e fui até o endereço que Flatine me passou, estava bem longe do
lugar que chamo de casa, o submundo onde uma cidade pulsa de baixo da outra,
vim até aqui fazer a tarefa que tirará meu sono por alguns dias. Adentrando nas
luzes de néon, invadindo vielas assombradas por uma iluminação pobre,
contrastando com muito lixo e o paredão de ferro e concreto que se eleva do final do
beco, o coração da organização dos Steeelhearts é bem mais modesto do que
esperei. Bastará alguns passos para dentro da grade arrebentada e eu sabia o que
era esperado, balas rasgaram o ar como um aviso. Cessei os passos, tremelique e
meus olhos cinzentos procuravam desesperados a origem daquilo.. Lentos demais,
uma dupla fazendo guarda no terraço do esconderijo apontava para o alto dois fuzis
de assalto, refletindo a luz prateada da morte. Já estaria morta se eles quisessem.
Por alguma razão que não sei explicar eles permitem minha passagem, eu sigo
adiante, não sem antes emitir um suspiro de alívio. O vapor fedorento escapando do
chão torna a paisagem repugnante, bati na porta de ferro mas não fui atendida.
Repeti o ato mais duas vezes e nada. Na terceira vez a pequena janela levemente
curvada se abriu, mas o que encontrei foi arrogância.

– Não tem nada pra você aqui, bonitinha, vaza! – Os olhos fitaram com desdém. E a
pequena escotilha se fechou novamente.

– Sou a hacker que Flatine indicou para Liam… – Expliquei com insegurança.
Escondendo meu rosto debaixo do capuz verde.
A maciça porta emitiu um ruído pesado e se abriu. Vasculhei o ambiente com
curiosidade antes de entrar, tomando coragem, foi naqueles corredores frios e
escuros que coisas mecânicas faziam vontades de homens, tudo de uma maneira
bem arcaica. Tudo é barulhento e parece gemer quando se movimenta. Bebidas
espalhadas por uma mesa de madeira na frente de um sofá aos pedaços com a luz
de uma lâmpada de led bem baixa já me mostra o naipe da coisa… Onde fui me
meter… Luzes marcavam minha silhueta na entrada. O cara que abriu a porta explica
o básico enquanto me guia ao segundo andar. Os passos aumentavam de ritmo
assim como de volume, durante a conversa outro se juntou a nós.

– X-9, certo? Meu nome é Joe, o outro aqui é Boris, somos parças número um do
Liam. Ele pediu para o encontrar no segundo andar, vamos, é por aqui, a maioria do
pessoal já chegou. – Me guiava estendendo a mão para frente, dando passagem.

A notícia de mais pessoas me atingiu como um mau agouro… Nunca me dei bem
andando em grupos. Flatine não falou sobre haver outros, já sabendo que eu não
toparia vir se soubesse, embora de qualquer forma eu não tinha como negar, não
tinha outra escolha, meu pescoço está em jogo né. O espaço fora percorrido em
segundos, logo ao lado esquerdo estavam as escadas para o outro cômodo e
minhas pupilas aumentaram como as de um felino no escuro ao ver o grupo de
pessoas à espera. Indecisa deixei de acompanhar Joe e Boris, parando do nada, eles
me olharam com expressão de interrogação, porém não disseram nada. Para não
parecer tão estranha, tão bicho do mato, me aproximei com cautela de todos eles.

– O-o- oi, co-como vão? – Ergui o mão ao lado do rosto cumprimentando a todos de
uma só vez, tentando ser simpática, mas também estava nervosa.

Isentos de qualquer hospitalidade, não esperei ser correspondida buscando conforto


e segurança nas sombras, recuando a ela, permanecendo de braços cruzados na
penumbra de uma parede de aço...

*Synthpop é o nome das drogas virtuais. Em referência ao estilo de música da


década de 80.

Narrador (Anthony Montana)

Apesar de toda a estrutura retrô do esconderijo, era impossível ignorar alguns


elementos tecnológicos de um mundo moderno, ainda mais quando se precisa deles
para os negócios. Agora que todos já estavam reunidos na sala, Boris descia as
escadas e ia até a porta atendendo uma batida misteriosa, depois de alguns
minutos voltava a sala com um visorfone de ferro cor cobre e bem pesado nos
braços - tipo de coisa que substituiu os interfones dos prédios, mas em vez de só
trabalhar com áudio trabalhava com imagens também - de vinte polegadas que
colocou em cima da mesa ao centro dos reunidos. “Foi enviado por Tony Montana”
Era o que o entregador de terno de risca de giz chamado Zanetti disse ao dar a
máquina para Boris. Coincidência ou não a entrega fora feita exatamente logo após
a chegada da última integrante. O mafioso tinha olhos e ouvidos atentos por toda
cidade… Chegava a ser assustador. O que ninguém sabia era que os olhos e ouvidos
ali dentro eram Akane, a amante do mafioso, e foi provavelmente ela que informou
sobre a chegada da garota de capuz. Era ao menos uma suposição, mas não mais
do que isso. Quando Joe apertou o botão do power uma luz azul esbranquiçada se
acendeu projetando o holovisor de trideo* revelando ser apenas uma carcaça antiga
para saciar os estranhos desejos de Liam, os desejos de uma época que ele não
viveu. Houve um longo silêncio na sala esperando o aparelho pegar no tranco, o link
era ao vivo, Tony Montana estava em sua mesa de escritório bem no meio da sua
ampla sala de reuniões.

– Ainda bem que tenho um bom técnico em informática a disposição para fazer
essas porcarias velhas funcionarem. Liam você tem que parar de ser tão implicante
com a tecnologia atual, as vezes ela facilita… Por sua causa precisei gastar um extra
pra essa maldita gambiarra dar certo… Que seja… Soube que conseguiu reunir uma
boa equipe em tempo recorde, parabéns. Vou me apresentar aos seus amigos, eu
sou Tony Montana, mas isso vocês já devem saber. Quero apresentar agora uma
pessoa que tem me ajudado muito, Flatine, é com você. – A imagem do monitor
mudou para um cara jovem gordo de moletom amarelo e boné vermelho, sentado na
frente de uma mesa pequena com várias projeções holográficas azuis. Estava em
um depósito, ou uma garagem com diversos tubos espalhados, não dava pra definir
ao certo.

– Oi pessoal, não sou muito bom com pessoas que não conheço, mas vamos ao que
interessa? O cancelamento da criptografia da programação da CP3 vai ter de ser
manual, por isso, X-9, você vai ter de acompanhá-los. – Explicou sem olhar para o
monitor, sempre digitando algo no teclado.

– Manual? – Ela interrompeu perguntando apavorada colocando as mãos no rosto


em sinal de pavor.

– Isso mesmo, ou não teria razão de você estar onde está agora. Voltando… Mandei
todo o equipamento que vai precisar, um teclado portátil que terá de conectar no
mainframe dos servidores do canal 17. Ele é praticamente tudo que vai precisar, é
um computador de mão. Ali você vai se conectar, hackear, apagar a informação e
sair. Mas não é só isso, o canal 17 ainda tem posse da cabeça da CP3, e nele tem
um chip e um HD que armazena a programação original. Não vai resolver hackear os
servidores se eles ainda tiverem o arquivo original. Bom… É aí que o resto da equipe
entra. Essa parte não é mais comigo, minha participação nesse assunto acaba aqui
e só tô fazendo porque Tony me obri… Me pediu… Mas antes… Estou enviando toda a
planta do prédio do canal 17 para ajudar vocês, todos os pontos onde há câmeras e
postos dos androides seguranças… Espere uns segundos... Mais um pouco... Que
conexão filha da puta... Foi! Pronto, já está tudo no seu teclado portátil, X-9. Agora,
tchau. – Então a imagem de Flatine sumiu com pressa e o close do rosto de
Montana retornou no display quadrado.

– Obrigado, Flatine, eu assumo daqui. Seguinte, a equipe será dividida em duas, a


primeira dá cobertura pra hacker apagar aquela merda. A segunda vai procurar,
pegar a cabeça da androide e destruí-la. É a única coisa que vou exigir. Quem fará o
que não é comigo e nem me interessa, assim como qual será a estratégia que vão
usar pra entrar na emissora. Isso é com o líder de vocês. Sabe como é, prezo muito o
trabalho de um homem e seria desrespeito confrontar a autoridade de Liam. Para
comunicação entre si enviei algumas pulseiras comunicadoras ou comunicadores
de pulsos… Não sei como se chama essas porras… Tentem não morrer, preciso de
todos vivos. Ao final, cada um receberá uma significativa bonificação, acho bastante
justo. Até mais e boa sorte. – A transmissão se encerrou.

Ainda tímida X-9 demorou para tomar atitude e sair da penumbra que dava uma
falsa sensação de segurança. Caminhou ainda de braços cruzados até a mesa onde
Joe lhe entregou o equipamento mandado por Flatine, por alguma razão -
provavelmente pelo fato de Flatine se dirigir somente a ela na videoconferência -
sentiu o peso da obrigação nas costas. Dentro de uma caixa cromada que chegou
com o holovisor estavam as pulseiras e espalhou cada unidade em cima da mesa a
fim que seus colegas as pegassem e vestissem. Junto havia um estojo de couro
preto. Abrindo o mesmo seus olhos cinzentos fixaram com uma admiração quase
infantil para dentro do estojo e emitiu um brilho de cristal se focando no modelo
mais avançado de teclados virtuais portáteis do mercado, um Osaka Kia 3000 de cor
vermelha a tiracolo.

– Uau! É um Kia! – Era assim chamado informalmente, apenas Kia. Ela pegou o
teclado nas mãos, abrindo um largo sorriso. Era quase certo que ninguém ali, talvez
com exceção de Thomas saberia o que é um "Kia".

Focando aquele objeto inanimado o conectou a tubos e fios para carregar a bateria,
o Osaka foi acionado emitindo sua luz vermelha. X-9 sorriu mostrando novamente
no semblante de interesse infantil, é claro que aquilo só era divertido e interessante
para ela. Enquanto o aparelho carregava ela digitava senhas, abria arquivos, checava
dados e fazia pesquisas. O teclado preto não era diferente do comum que se usa em
um computador caseiro, a única diferença é que possui uma tela de cristal líquida de
doze polegadas na parte superior esquerda. Também captava a voz das pessoas
reconhecendo-as e respondendo da mesma forma.

– Mostrar o holograma da planta do prédio do canal 17 – Ela se aproximou e a luz


do display incomodou suas vistas, assim como iluminou seu rosto.

「Aqui está, como pediu.」 – O teclado respondia a voz e emitindo um raio laser verde
na parede mostrava o mapa em terceira dimensão.

Então surgiu no ar o esplendor da planta do prédio do Canal 17 mapeada no ar,


projetada ao alcance visual de todos os presentes, tudo aquilo que Flatine havia dito
estava no briefing do holograma. Os andares podiam ser vistos e acessados naquela
planta. Não havia nada de segredos da emissora que o presente de Flatine não
pudesse revelar. Sem se dar conta, esqueceu que somente ela entendia sobre
aquele maquinário cibernético e decidiu partilhar com os companheiros sobre seus
pensamentos. Ergueu o nariz para frente esquecendo a vergonha e começou a falar;

– Gente, olha só, estava pensando… Se vamos dividir a equipe em duas, seria bom
que um grupo passasse na portaria distraindo os guardas enquanto o outro me dá
cobertura para acessar a central do Canal 17. Aqui na planta indica que é bem fácil
entrar pelos túneis de dutos da rede elétrica. Se der tudo certo consigo deixar o
controle do edifício no meu teclado, assim a gente pode usar os elevadores e
manter o resto todo desligado. – Comentou olhando pela primeira vez para o grupo,
animada, mas ao ver Liam recuou insegura de novo.

– Claro isso se Liam… Aceitar minha sugestão… Err… Bom… Já a cabeça da CP3 não
tenho certeza mas pelo mapa deve ficar no cofre da emissora, entre os andares 22 e
23. Então, Liam, quem fará o que? – Debruçou-se sobre a mesa com as palmas
abertas, esperando a resposta.

Centro de Zavist. 20:00 pm

Lanças negras convertidas em arranha-céus elevavam-se diante do modesto carro,


apesar da aparência magnífica e estética futurística ainda valia a lei do mais forte.
Os prédios gigantescos ameaçavam engolir o pequeno sedan que cruzava o asfalto
molhado, seguiu silencioso o trajeto do Canal 17 onde a humanidade havia deixado
sua marca de urbanização agressiva. Estacionou discretamente no meio fio, um
segundo carro fez o mesmo logo atrás do primeiro. As portas se abriram, a primeira
a sair foi X-9. A água cristalina da garoa beijava sua face ardorosamente, puxou para
frente o capuz, cobrindo sua cabeça, protegendo-se da chuva. Enquanto esperava
seus colegas saírem do carro admirou parada na frente das escadas com as mãos
nos bolsos o esplendor de luzes, lasers e gráficos holográficos cintilantes dançando
a frente de seus olhos formando o logotipo “17” ao mesmo tempo que centenas de
pessoas com guarda-chuvas entravam e saíam freneticamente do prédio. Nem
mesmo a Orion tinha aquele fluxo tão constante, estava encarando uma empresa
poderosa outra vez, sentiu medo e a espinha congelar.

Anthony Montana

Liam vai começar, como líder deve designar a divisão dos dois grupos. Para ficar
mais pessoas decidi por em cada grupo um npc, no primeiro time terá Boris e no
segundo Joe. No time em que eu for designada vou narrar as ações do npc
referente. Alguém do outro time terá de se encarregar do seu (Thomas ou Liam, já
que Akane está usando o Leon e ficaria pesado para ela mais uma interpretação.)
Não é necessário fazer uma postagem própria para o npc, pode ser junto do turno do
seu personagem.

A missão vai ser o seguinte, alguns integrantes dão cobertura para X-9 enquanto ela
hackeia a emissora, o outro grupo distrai a portaria, e depois de hackeado o prédio,
finaliza (Não é necessário matar os guardas, mas nada impede) os seguranças e vai
procurar a cabeça da CP3 que está entre os andares 22 e 23.

Para ficar mais dinâmico com exceção de Liam (que vai dividir a equipe ainda
estando no esconderijo) todos os outros começam as narrações saindo do carr ou
entrando no Canal 17 e executando suas ações.

Informação desnecessária mas… O primeiro carro está Liam, Akane, Thomas, Leon e
X-9. No segundo, a dupla de npcs Joe e Boris, é.

Usando a base em Aliens Attack decidi que cada um vai ter direito a quatro slots de
habilidades ou equipamentos. E mais o direito de usar uma arma branca/
contundente ou de fogo. Essa arma não vai contar como habilidade, porém se
escolher arma de fogo, não pode escolher arma branca e vice versa. A ideia é
“Especializar” o personagem com o armamento. Talvez possa mudar, podendo
alternar, mas vamos ver conforme segue a história.

Os comunicadores de pulsos também não vão ser contados como habilidades,


sendo um”presentinho” do titio Tony. Para quem não sabe o aparelho funciona da
seguinte maneira, ela abre um link direto com a pessoa a qual você quer falar, o
display projeta uma imagem 3D da pessoa. Ela fala e ouve como se estivesse na sua
frente. É mais ou menos assim:
Mas cuidado… Isso pode chamar a atenção de inimigos se não for estrategicamente
usado. (Quem não entendeu direito peça uma explicação para Akane que ela sabe
definir melhor o aparelho, a descrição dela é maravilhosa, anos luz melhor do que a
minha.)

*Trideo é um tipo de gravação/ transmissão muito superior ao 3D. Sendo


praticamente uma imagem em 4D, tendo uma textura tão real que parece que se
pode tocar e não aos “fantasmas” transparentes das holográficas em três
dimensões.

Liam

A equipe estava reunida, Tony mandava uma uma tela antiga de 14 polegadas e
falava algumas coisas, em seguida a garota de moicano também falava, mas nada
do que eles tinham falado me importava. O canal 17 não passa de uma ferramenta
de manipulação, noticiam apenas o que a elite e os grandes empresários mandam.
Sempre quis ferrar com eles, a proposta de Tony foi apenas uma forma do destino
me dizer o que eu deveria fazer.

No momento em que X-9 parou de falar, levei minha mão até uma carteira de cigarro
que estava sobre a mesa, peguei um e coloquei na boca, acendendo-o com um
isqueiro logo depois. Após um longo trago, soltei a fumaça pelo nariz e me levantei,
encarando cada um presente naquela sala, ao mesmo tempo em que comecei a
dizer o plano.

– Vou direto ao ponto, não podemos falhar ou não será apenas a garota ali atrás das
grades, mas todos nós. O plano é o seguinte, vamos nos separar em três equipes. A
primeira equipe será responsável por entrar no cofre e roubar a cabeça, Leon e Boris
escoltaram Thomas para que ele possa explodir o cofre e pegar a cabeça. A
segunda será eu, Akane, Joe e a X-9, protegeremos ela enquanto entra nos
servidores e a última será um pequeno esquadrão que entrará no prédio armados
até os dentes, serão nossa distração.

Após todo aquele discurso, dava mais um trago no cigarro e voltava a falar.

– Seguinte, um dos meus informantes me disse que o fluxo de pessoas no prédio


está bem maior que de costume, usaremos isso ao nosso favor, entraremos
disfarçados de executivos.
Colocava o cigarro em um cinzeiro e terminava de falar.

– Depois daquela porta laranja tem um corredor com três quartos, no primeiro tem
alguns ternos para os garotos e no segundo algumas roupas para as moças, se
arrumem, estarei esperando vocês lá embaixo.

Com todo mundo pronto, partiríamos para a emissora em três veículos, dois eram
carros comuns e o terceiro um caminhão baú. Os veículos pararam na frente do
grande arranha-céu com o logo 17 piscando em neon, primeiro as duas primeiras
equipes entraram disfarçados, depois de estarmos dentro do prédio nos dividimos,
eu mandaria uma mensagem para Thomas através da pulseiras comunicador:
Nerdão, não exploda apenas o cofre, mas deixe bombas preparadas por todo o lugar,
quando sairmos daqui quero esse lugar no chão.

Eu, X-9, Akane e Joe fomos para um elevador, lá eu ajeitava minha gravata vermelha,
meu terno preto e respirava fundo, naquele momento eu estava pronto para o que
viesse.

Quando saíssemos do térreo, a gangue entraria em ação, todos vestindo máscaras


de animais e monstros de filme de terror, cada um armado até os dentes.

Leon - Bônus

Eu estava todo largado na poltrona quando passou da porta uma linda ruiva. Não
consegui tirar meus olhos dela nem por um segundo, era linda com seus cabelos
vermelhos como sangue e aqueles olhos azuis… Tão lindos como os meus. Ela se
sentou bem perto de mim e me pareceu não tão sociável como as que estou
acostumado… Mas não tinha problema, eu adorava desafios. E que desafio excitante
era ela.

Mas quando fui falar algo pra ela, entrou um rapaz bem mais novo que eu,
aparentemente. Ele era moreno e usava óculos, um tipinho que me dava arrepios de
desgosto, afinal se parecia um cientista ou médico. Sua aparência despertava meu
instinto assassino e eu não entendi o motivo. Eu não o conhecia, mas sentia que
conhecia. Resolvi ignorar e focar na deusa praticamente a minha frente, até tirei
meus pés da mesinha. E mais uma vez fui passado para trás e não foi porque
chegou outra pessoa não, aquele sujeitinho estava falando merda para ela. Isso me
incomodou e muito.
Esperei ele terminar de falar, até achando no fundo hilário suas palavras e a maneira
que se portava era engraçada. Mas não esperei continuar a palhaçada e ao me
levantar da poltrona, empurrei levemente ele e busquei o delicado braço da mulher e
a puxei para mim. Puxei para meu colo, voltando a me sentar na poltrona.
Imediatamente pousei meus dedos em seu queixo já tentado a beijá-la, ignorando
tudo e todos ao meu redor.

– Olá minha bela dama, me chamo Leon Reine e estou a seu dispor, depois deste
servicinho, podemos nos divertir por aí. O que acha? – falei com minha voz doce e
sedutora à medida que acariciava a perna dela mesmo por cima do tecido do
vestido que usava, com a outra mão.

Thomas Carwell - Bônus

Havia acabado de despejar o que queria para cima daquela ruiva, uma ofensa aqui,
um apelido esquisito acolá, aquilo era divertido para mim, tinha tomado gosto por
provocá-la e por mais estranho que pareça, colocar apelidos naquela mulher,
principalmente os que envolviam artes marciais, atores ou filmes antigos e coisa e
tal, fazia algum tempo desde que tínhamos nos visto a ultima vez, minha reação um
tanto quanto exagerada, foi espontânea, mas tinha sim um fundo de verdade em
tudo aquilo que falava, ainda tínhamos coisas a acertar.

O outro homem que estava sentado perto da ruiva me deu um leve empurrão, me
fazendo dar uns dois passos para trás, senti uma repentina raiva, mas até do que
seria comum pela a afronta me conhecendo tão bem, as veias da minha testa
saltaram, as atitudes dele pareciam me afetar demais e aquilo sim era estranho.

...

– Esse cara tá ferrado.

– Esse ai não tem muita noção mesmo, se ela não fizer algo, eu o farei... Onde já se
viu... Esse almofadinha miserável. -

– Cem créditos que ela vai cortar o pescoço dele.

– Você quer apostar o meu próprio dinheiro comigo mesmo? Só pode estar de
brincadeira... E também, para que apostar em algo certo assim, não sei quanto ao
cortar a garganta, mas pedra sobre pedra é que a dona Van Damme não vai deixar
...

Leon Reine, que nome esquisito o dele, parece nome de algum almofadinha francês
que comia fondue com vinho na frente do museu do louvre. – Leon, acho que já ouvi
em algum lugar, será o carteiro? ... Não... Leo... Reine... Le ... Não é possível… –
Meus olhos se arregalaram, fiquei branco feito uma folha de cartolina, e meu
coração começou a bater em uma intensidade que nunca tinha visto igual, suspirava
forte e começava a transpirar, o suor escorria de forma intensa pela minha testa, me
sentia atordoado, lembranças e mais lembranças começaram a tomar conta de
mim.

...

– Leon Reine... Aquele Leon Reine? Será possível ter sobrevivido.

– Não me resta duvidas, ele... Esse maldito está vivo...

...

Cerrava os punhos tão forte que as veias do meu braço ficaram completamente
saltadas, como se estivessem prestes a explodir, como aquele maldito poderia ter
sobrevivido as ruas daquela forma? Estava em uma situação realmente lamentável
quando escapou do laboratório. A experiência perfeita do Dr.Carwell, ali, na minha
frente, após doze anos, e justo no dia de hoje, fazia tudo aquilo parecer ainda mais
cruel para mim.

...

– Não faça nada impulsivo, estamos todos abalados, mas olhe ao seu redor, olhe a
situação, não é vantajoso.

– É sério, temos uma missão aqui, e você já não é muito bem visto por alguns daqui.

– Tá me entendendo Thomas? Ao menos está me ouvindo?

...

Dei uma última e intensa suspirada, ajeitei os meus óculos e ergui minha cabeça,
liguei o meu dispositivo no meu pulso esquerdo, que materializam as partículas
eletromagnéticas contidas no ar. Usei o aparato para moldar uma espécie de
espada, não perderia tempo, tomaria a ruiva que estava no colo daquele monstro
pelo braço e a puxaria, visando arremessá-la para trás, para que não ficasse em
nosso caminho, pois por mais durona que fosse a Akane, isso era assunto para se
resolverem entre os homens, não tinha medido minha força no movimento, não
sabia o quão longe a teria jogado, mas de verdade... Pouco me importava, logo após
em um rápido movimento puxaria a cabeça do Leon para trás pelo cabelo e
colocaria a lâmina bem no seu pescoço.

– Acho que temos contas a acertar

Leon - Bônus

Eu estava tão compenetrado na mulher em meu colo que ignorei completamente o


outro. E isso foi um erro. Afinal fosse o que fosse, eu odiava aquele jaleco que ele
usava. Rangi os dentes para me forçar a esquecer tal detalhe, uma vez que eu tinha
uma acompanhante bem pertinho de mim. Só estranhei o silêncio da ruiva, aquele
olhar frio era de arrepiar. Nem me lembrei do Liam e dos outros, afinal eu fazia
serviços para eles, mas não o obedecia. Eu não tinha “coleira”.

E sem aviso minha deusa foi arrancada dos meus braços violentamente, o que me
deixou furioso de vez. E sem sequer reagir ou impedir a queda dela no chão, ele veio
me ameaçar com uma espada incomum, totalmente tecnológica. Até me forçou a
encará-lo com sua mão puxando meu cabelo para cima. Por mais que estivesse com
raiva no momento, minha expressão era fechada e calma. Como um ouvinte amigo.
Não o conhecia, porém ele deixava claro sua vingança. Sim, me pareceu vingança
sua ação. Eu o olhei bem nos olhos e sorri ligeiramente, para mostrar que não o
temia. E realmente não o temia. O que um pirralho daqueles poderia me fazer?

– Se eu fosse você prestava mais atenção em quem você ataca, pirralho – Falei em
tom de deboche. – E nem ao menos se apresentou, pois um idiota como você não
se esquece… – deixei claro que não fazia ideia de quem era ele por meio da tentativa
de ofendê-lo.

Porém pude esperar ele reagir, eu estava muito incomodado e ameaçado e não
sabia o real motivo. Não era medo de uma criança qualquer não… Era mais
complicado que isso. E como não podia matar ninguém no momento, uma vez que
estou trabalhando e o esquentadinho deveria trabalhar em equipe, pensei em
assustá-lo e terminar com a brincadeira, então me deixei levar pela adrenalina.
Fiquei mais relaxado na poltrona e deixei esse estado de raiva e energia me
consumir e até ter uma lâmina em meu pescoço ajudava. E a transformação foi
acontecendo aos poucos…
Meus olhos foram os primeiros que foram modificados, do azul intenso para
dourado com a íris pontuda, típico em felinos. Ganhei uma pelagem rasa cinzenta
com listras pretas por todo meu corpo, garras com unhas afiadas, presas anormais
para um tigre comum... Duas delas, sendo o canino, escaparam da minha mandíbula
e ficaram expostas. Eu literalmente me transformei num tigre dente de sabre
humanoide. E modéstia parte, um belo tigre, onde duas mulheres amaram essa
forma. Sim, já transei com duas desse mesmo jeito, rugido de prazer. Rugido
diferente do que fiz naquele momento para completar minha intenção de assustá-lo.
Um bem alto e intimidador. Não tirei a espada dele da minha mira, porém num gesto
rápido passei minha “pata” direita bem próximo ao rosto dele, querendo abrir um
pequeno e ridículo corte que nem sangraria tanto.

– Sorte a tua moleque que não posso matá-lo no momento. Mas tenha certeza que
quando este trabalho acabar, você deverá ficar atento, pois vou te caçar – ameacei
por fim.

Thomas Carwell - Bônus

Não tinha dúvidas que ele não demoraria a mostrar a sua verdadeira face, e foi o que
ocorreu de verdade, se já tinha certeza antes, agora está mais do que confirmado.
Aquele sentimento me invadiu, tomou conta de mim por inteiro, vingança era tudo o
que queria, e era isso que faria, uma aberração como ele não merecia estar vivo.
Não apenas pelo fato de ter sido ele o estopim da minha desgraça, mas também
pela atitude babaca que tinha, uma postura completamente imbecil que me irritava
ainda mais. Virei o rosto ao receber um leve arranhão da pata daquele infeliz, se
aquele movimento e o rugido que soltou tivesse a intenção de intimidar, ele falhou, e
falhou miseravelmente.

– Hahahahahaha – Dei uma risada alta, e em completo tom de deboche, aproximei


mais ainda o meu rosto do dele, nossos rostos ficaram a poucos centímetros de
distância, a risada cessou nesse mesmo instante, o riso parou no mesmo momento
que um olhar frio e profundo tomava conta de minha feição, cuspi no rosto daquele
demônio, e em seguida pressionei ainda mais a espada contra o seu pescoço, voltei
a mexer minha cabeça, mas dessa vez a movi lentamente até chegar perto dos
ouvidos dele. – Acho que você não entendeu quem é a caça aqui – Sussurrei.


– Thomas, isso não pode ser decidido aqui… Assim, se fizer isso estará tudo
perdido, não vão deixar você impune, me ouça pelo amor de deus, essa NÃO é a hora
!!

Fechei os olhos e suspirei uma última vez… – T- Tem razão Thomas – Retirei a
espada do pescoço do Leon, levantei contrariado, queria mesmo arrancar a cabeça
dele aqui e agora, mas ainda bem, poucas vezes ficava grato de ter outro eu em
minha mente, era mais sensato e menos coração do que eu, e foi por pouco, por
pouco não acabo com a missão, mas o pior era que não seria nada emocionante,
não agiria de forma covarde igual ao Reno Morgan e seus capangas.

– Depois da missão, resolveremos isso frente a frente, homem pra homem… Até
apenas um de nós sair vivo.

Akane

Realmente eu não gostava de roupas sociais. Para que tanto pano assim? A calça
mais larguinha do que uso normalmente até vai, mas aquela camiseta branca sem
graça e o blazer por cima já era demais. Ainda bem que o prédio era climatizado,
caso contrário iria derreter de calor. Também usei um projetor de imagens para
disfarçar meu cabelo. Todos me veriam com fios negros e cumpridos, ligeiramente
ondulado nas pontas. Até gostei do resultado.

Todos nós estávamos dentro do carro indo para nosso alvo. Não gostei da chuva
que caía não muito intensamente naquela hora, mas consegui roubar um
guarda-chuva do armário do Liam. Afinal não queria estragar a maquiagem e nem o
disfarce. Afinal aquelas roupas eram horríveis para andar quando molhadas. Estava
emburrada dentro do veículo e a presença daquela mulher piorava meu ânimo. Ainda
mais com a ideia de protegê-la… Fiquei tão chocada que tinha até me esquecido dos
dois menininhos brigando e fiquei encarando a mulher cheia de tatuagens com um
olhar avaliador. Para sair do carro eu agarrei o guarda chuva e o abri uma vez
pisando na calçada. Esperei todos saírem do carro ainda emburrada. Fui direto ao
encontro do Thomas furiosa. O peguei pela gola de sua camisa, bagunçando sua
gravata e puxei contudo para frente, até quase tocar em meu rosto. Apertava sua
garganta também…

– Depois você é um rato morto, como já foi dito antes pelo seu namoradinho,
estamos trabalhando e não posso matá-lo. Assim que acabar te mato de vez. –
sussurrei só para ele escutar e o larguei com violência.
Dei as costas para ele e fui até Liam que já estava num local coberto por um toldo e
a mulher irritante estava com ele. Estávamos esperando os dois capangas para o
grupo estar completo. Nem dei atenção para o tigrão dos olhos azuis. Esse sim foi
uma boa surpresa, pois na hora que vi a transformação quase falei para todos
ouvirem que estava feliz por somente ter sido reanimada e ganhar armamentos
novos, afinal não tive meu DNA modificado. Ainda bem que não falei ou ia piorar a
situação.

Sem hesitar empurrei a mulher de moicano para o lado e parei na frente de Liam.
Ajeitei sua gravata como uma esposa ou namorada fazia e digo que não era a
primeira vez também. Conti a tentação de apertar um pouco mais o nó e meu olhar
pousou discretamente sobre a outra. Poderia estar enganada, mas ela poderia estar
encantada por esse homem e por mais que não estamos juntos, queria usar isso
para provocá-la e torturá-la. Era o meio de me divertir com a situação. Aliviar esse
estresse. Minha resposta viria com sua reação, se tiver. E se quiser culpar, culpe o
Tony que me contagiou com suas análises, mesmo eu sendo muito inferior a ele
nisso.

– Liam, Liam… Parece-me que me quer bem ao seu lado nessa missão… Algum
motivo oculto ou é realmente pelas minhas habilidades? Você está bem charmoso
com essas roupas, sabe… – finalizei com um riso animado e soberbo.

Só depois disso que fui olhar para o prédio extravagante em luzes azuis e o número
17 bem vermelho à vista. Esperava que o interior fosse menos quanto o exterior.
Afinal estávamos disfarçados de empresários e era um bom disfarce para passar da
recepção. Entramos rápido no prédio por causa da chuva e nos misturamos ao
grande número de pessoas que entravam e saíam de lá. Fora as que estavam
sentadas na sala de espera. Eu segui Liam e ignorei a X9 por um tempo, pois era
hora de ajudar a hackear o sistema e para isso aquela mulher era valiosa e precisava
de proteção. Mas isso não me impedia de ficar provocando ela, sabe.

Thomas Carwell

– Um terno? Sério isso?... A porra de um terno!! Vai se foder

– hahaha está uma graça, pense que é um jaleco azul marinho desconfortável que
vai se sentir melhor eu sei lá.
– Não vejo o porque não posso usar o meu jaleco para invadir uma emissora gigante
de TV para executar um plano completamente maluco que provavelmente vai dar
bosta, só porque "temos que passar despercebido"... Isso é bobagem.

– Leon... Akane... Todos eles, no mesmo carro, querem a sua cabeça, e você
preocupado com o terno que você usa? Deixa de ser ridículo.

– Isso não me preocupa, minha conta com o bonde do tigrão eu acerto depois... E
será cobrada com muito juros.

...

O Caminho até a emissora correu até que de forma tranquila, poucos olhares foram
trocados, todos pareciam estar perdidos em seus próprios devaneios, apenas eu ali,
observando a todos. Tinha passado a observar aquela hacker com mais cuidado, ela
era um tanto tímida, isso me intrigava um pouco, podia estar extremamente
enganado, mas não tinha cara de que costumava ficar no cantinho perdendo todas
as nossas demonstrações de amizade gratuita e companheirismo, fui com a cara
dela, de uma forma louca, mas fui com a cara dela.

– Ei, psiu... Dona Moicano... Oi. – Dei um sorriso, mas que para os olhares mais
atentos perceberiam não ser um sorriso muito simpático, não que essa não fosse a
intenção, mas era que eu realmente não sabia ser simpático, sorrir era algo
realmente complicado, só fazia quando algo era realmente divertido, isso em
excesso era uma coisa reservada a pessoas extremamente felizes, me dava
calafrios só de me imaginar uma pessoa feliz a esse ponto.

Logo chegamos e o carro estacionou na frente do prédio do canal 17, era um lugar
imponente, mas nada agradável de se olhar, tinha um letreiro de neon vermelho
muito chamativo que ardia meus olhos ao mero contato com ele, tirei os óculos e os
limpei com um lenço, recolocando-os logo em seguida, pois sem eles era muito
complicado me focar em algo. Mal desci do carro e abri o guarda chuva para me
proteger da chuva que caía naquela noite, e a ruiva já veio com seu jeito "felino"
inconfundível, já estava esperando por isso, na verdade estava até achando que isso
demorou, mantive minha expressão normal, completamente desprovida de feições
enquanto a cabelos vermelhos me tomava pela gola e começava a falar.

...

– Insiste mesmo nessa história de rato, que saco.

– Essa aí não muda o disco.


– Tá complicado, duro vai ser se o apelido pegar, essa mulher só me causa
problemas pelo amor de santo cristo.

– Ouviu, essa... A cadela de briga falou que vai te matar.

– hahaha Acho que batemos um record, duas ameaças de morte na mesma noite...
Uau !!! Parabéns Thomas

– Obrigado Thomas.

– Você tá tramando alguma Thommy dois, eu sei disso... Estou esperto.

...

– Bla bla bla bla... Não adianta vir com esse fogo de dragão Akane, você já percebeu
que comigo o buraco é mais embaixo. – Falei mais para mim mesmo do que para
qualquer um, a grandiosa Jean Akane Van Damme já tinha dado as costas e ido em
direção ao idiota do Liam, aproveitei para ajeitar a minha gravata que estava toda
bagunçada.

Peguei a minha maleta e comecei a andar em direção a entrada do prédio, ordenei


ao RC23-B8 para dar meia volta e esperar segunda ordem, ele não tinha soltado
nenhum comentário esquisito, até ele deveria estar sentindo a tensão da missão no
ar. Aqueles sapatos, eram muito desagradáveis, caramba, me deixariam cheio de
bolhas no outro dia. - Rato ... rato ... que venha - sussurrei, quando percebi já estava
adentrando o prédio, fechei o meu guarda chuva e o segurei na mão direita, que era a
mesma cujo qual segurava a maleta, os mantive de uma forma para me deixar com
uma mão livre, o local estava bem movimentado, pessoas iam apressadas para
todos os lados, algumas com seus telefones, outras com inúmeras papeladas, devia
ser realmente uma vida bem chata dessas pessoas.

O pessoal se separou em dois grupos, assim como cada um foi designado, dentro
da maleta que carregava estava a última geração de bombas, a nata dos explosivos
de alta destruição existente, eram pequenos, mas causavam um deus nos acuda
que sai de baixo, deixariam aquele prédio em ruínas, seria lindo, horrorshow mesmo.
Olhei para os que me seguiam nessa empreitada, e lá estava ele, Leon Reine, o
impulso de matá-lo ainda existia não nego, ainda estava muito abalado, por
pouquíssimo não tinha perdido o controle por completo, mas o que fiz foi sorrir, um
sorriso sacana de um moleque travesso prestes a aprontar, saber que ele iria me
"escoltar" era bem prazeroso.
– Então o senhor Sucrilhos* vai seguir a gente nessa, ora ora, isso é muito legal
mesmo.

*Marca de cereais matinais que era vendida no planeta Terra por volta dos séculos
XX/XXI, cujo mascote da marca era um tigre.

Falei continuando olhando para frente para não dar nas vistas, mas em um tom que
com certeza o tigrão havia escutado. O meu divertimento com a ironia da situação
só foi quebrado pela mensagem que recebi de Liam em meu comunicador, disfarcei
para ler a mesma de forma que parecesse uma ação natural, e ao terminar parei,
ajeitei os meus óculos.

– Então é isso. Tá na hora do pau !!

...

– Kabuuuuum.

– Vai ser lindo.

– De fato...

X9

A caçada se iniciou, tínhamos apenas uma hora...

Já tinha estado à frente de outros grandes prédios imponentes mas havia algo de
particularmente incômodo neste, e não sabia dizer o porque, talvez fosse só o
nervosismo. Nada em minha vida parecia estar em foco naquele momento, não
parava de pensar sem saber porque Jaime K’dore me usou como bode expiatório.
Logo abaixo do logotipo “17” em neon vermelho de repente meus sapatos
escorregaram na calçada molhada, infelizmente parecia que eu havia perdido o dom
do equilíbrio. Esbarrei em um container metálico de lixo. O desequilíbrio tinha um
nome: Akane, a ruiva arrogante que tinha feito um barraco com os quatro olhos
nerdão e o bonitão. Aquilo parecia um pouco conveniente demais. Entendi que fazia
tudo parte de um joguinho dela. Por qual motivo? Não tinha resposta, cheguei a
pensar que era gratuito ou ela era dessas que gostava de um barraco. Não aparentei
guardar rancor, mas apenas mantinha a compostura, fiquei em silêncio por alguns
instantes apertando os lábios um contra o outro ainda tentando esconder a raiva
mas nos meus pensamentos eu já a havia matado umas duzentas vezes no mínimo.
Aquilo não ia dar em nada no máximo ia gerar uma troca inofensiva de ofensas, pura
imaturidade

– Heeey, qual é a sua, por acaso não me viu não, seu animal? – A voz mergulhada
em sarcasmo, um tom que normalmente não costumo usar. Mas fui ignorada, como
sempre.

Como é? Porque ela está me olhando assim? Ela acha que estou afim do Liam? Mas
como ela notou... Digo... Eu nem sabia, não! Quero dizer... Ahn... Nem estou... Não
que eu esteja, é o que estou dizendo é que... Droga... Não sei porque ela me olha
assim, sinceramente. Na prática isso significava que ela estava usando Liam para
me provocar? Tipo, não é como se eu estivesse interessada nele, é que Liam foi o
único que prestou atenção no meu plano, é normal que eu me apegue... Ham... Siga
ele... Bom, o quatro olhos parece até ser legal, me cumprimentou dentro do carro,
mas eu travei na hora de responder e ficou por essas. Droga, a quem estou
enganando? Só queria saber como ela percebeu antes mesmo de mim. Engoli em
seco digerindo a ideia. Desencostei da parede manejando pra baixo o zíper do
casaco canguru e depositando a roupa no container de lixo me livrando dela como
se fosse uma casca velha. O estilo até que era interessante, blazer feminino rosa de
botões com saia e sapatos de salto. O moicano e tatuagens não passavam
confiança naquele visual, então desativei o indutor de imagem me livrando do
recurso daquela aparência que desejava ter algum dia. Os cabelos continuaram lilás
mas voltaram a ser compridos e ondulados nas pontas, as tatuagens sumiram.
Assim parecia mais uma funcionária do que uma punk rebelde. Joguei o indutor no
entulho de lixo também. Concentrada na minha tarefa a pulseira comunicadora
acendeu uma luz vermelha, eu tinha uma nova mensagem, era Flatine.

– Como está aí, tá tudo bem, X-9? Cacete, você tá diferente! – Seu rosto gordo
expressou espanto na imagem holográfica que saiu do display.

– Olha... Nem começou e já está difícil… – Expliquei com cara de frustração.

– Era um indutor de imagem, ou acha que ferrada como estou ia tirar grana da onde
para fazer um monte de tatuagens e aquele penteado? Um indutor falsificado é bem
mais barato. – Comentei olhando para a tela da pulseira com o braço estendido para
frente do rosto.

– Entendi, mas me diz o que está sendo difícil se nem começou? – Ele se aproximou
do monitor.
– Nada não, deixa pra lá... – Desviei o olhar, ele notou meu jeito aborrecido.

– Certo... Você quem sabe, mas se precisar de alguma coisa é só chamar. – O link
se desfez no ar.

Fechei os olhos e depois larguei um suspiro pesado entre os lábios, pelo instintivo
medo que me entregava os olhos cinzentos atravessaram o vidro blindado e o aço
transparente da porta de entrada focando-se na portaria. Homens no balcão
retangular guardando o hall, todos armados e com tecnologia disponível para pôr
abaixo qualquer artimanha bem bolada. Respirei fundo e me deixei levar pela
liderança de Liam, embora seus métodos fossem duvidosos compreendi que o
plano não era apenas engenhoso, era tão clichê que poderia dar muito certo. Liam é
tão auto-suficiente que inspira confiança. Ele gerou isso e a autoconfiança era tudo
que eu tinha e me agarrava a ela. Passamos despercebidos, entrar no hall sem
sermos questionados pela portaria fora a tarefa mais fácil. Pobres subordinados
sem foco, uma boa apresentação é passe livre para tudo nesse mundo de
aparências. Por dentro o piso liso marrom bem encerado com a rosa dos ventos ao
centro nos dava as boas vindas, não haviam mais guardas que pudesse ver ou sentir
bastava caminhar em linha reta e ao final do corredor, lá estavam as oito portas dos
elevadores. Quando a porta do elevador se abriu entramos, o interior era como uma
caixa preta de aço e fiquei encostada na parede nua, sem dizer nada conforme os
andares subiam.

A única coisa que fiz foi encarar Akane nos olhos, eu não sabia se estava qualificada
e se poderia ser tão boa quanto ela, é claro que ela e Liam já se conheciam, fez
questão de deixar claro isso, portanto deduzo que seja boa no que faz... Seja o que
for que ela faça. Quanto a mim não estava dentro das minhas habilidades ser de
uma gangue como os Steelhearts, mas ia tentar dar o meu máximo. 32 diferentes
andares e já estava encharcada de suor, não só pelo calor mas também pelo
nervosismo, limpei a fina lâmina de suor da testa. Encarando aquele pessoal que eu
não conhecia tão pouco existia intimidade o que foram alguns minutos até atingindo
o último andar para mim pareceu uma eternidade. As portas abriram e fui a primeira
a sair quase pulando fora. O andar todo era reservado aos servidores da emissora. A
porcaria toda é fácil de descrever: imagine um corredor azul levemente esfumaçado
com uma neblina fantasmagórica dividida por setores com “estantes” de ferro que
ocupam as paredes de ponta a ponta, do teto ao chão. Algumas luzes assim como
setas demarcavam os limites por onde devia se pisar.

Havia parado em cima dessas marcações brancas e fluorescentes agachadas entre


os armários azuis e apesar da iluminação precária do ambiente conectei os plugs do
Kia nas entradas do gabinete do mainframe com sucesso. Acionei a chave do
teclado para ligá-lo.
– Me dê cobertura enquanto faço isso aqui. Humpf! – Fitei Akane, me dirigindo a ela
como se fosse sua superior, ou alguém de cargo mais importante. É, eu quis
devolver a provocação, eu simplesmente não consegui controlar.

Assim que se conectou alguma coisa vagamente parecido com um rosto humano
apareceu, feições esticadas por extensões de linhas retas em laser azul formavam
uma projeção. A presença espectral apareceu, surgiu da escuridão bailando
suavemente sobre as sombras como se desse boas vindas a uma velha amiga.
Parecia até que podia tocar, parecia que era de carne e osso, assim como a I.A. que
projetei na Orion, Logus. Lábios cor de pele se abriram quando o maxilar alongado
se moveu. Alguma coisa, talvez uma mão apontou o dedo ao lado do rosto liso
assim como a cabeça e os olhos se arregalaram em um corpo digitalmente
cromado e dourado. A voz produzida por um sintetizador vocálico tinha o tom de um
robô mal assombrado e bastante agressivo.

「Você está tentando invadir um sistema privado. Isso é um crime previsto no artigo
37 do segundo parágrafo das leis primárias de Miraitropolis. Esta ação prevê
detenção de dois a dez anos, sem direito a condicional. Se não se desconectar serei
obrigado a tomar medidas drásticas.」

– Ah, cala essa boca, bostão, olha pra mim, não está me reconhecendo? Isso não é
jeito de falar comigo! – Respondi aumentando o tom de voz mais do que ele.

Quando olhei encarei o rosto deformado por pixels, a máscara holográfica procurou
minhas feições em seu banco de dados, levou só alguns segundos para me
reconhecer e foi engraçado, mudando sua expressão agressiva para a de um filho
que ergue a mão para a mãe e depois se arrepende, sem dizer nada subiu
desaparecendo como fumaça.

– Acho que alguns de vocês aqui não conseguem compreender a complexidade do


que acabou de acontecer... – Novamente olhei para Akane insinuando que ela não
era inteligente o suficiente para entender

– Mas eu vou explicar. Dois anos atrás, projetei a série de I.A. que a Orion mais
vendeu. E armazenei meu rosto em suas memórias para que me reconheçam onde
tiver esse modelo de I.A. tenho passe livre para seus sistemas de segurança, é como
se baixassem a guarda para mim. É o benefício de ser a criadora dessa merda toda.
– Foi a primeira vez que falei sem sentir vergonha ou insegurança, afinal era sobre
um assunto que domino bem.
– Bem… Ele... Apenas fez o que foi programado… Isso também provou que o Canal
17 e a Orion estão de conchavo. - A confiança durou pouco, e tornei a baixar a
cabeça, teclando novamente o Kia voltando ao meu trabalho.

Agachada, por cima dos joelhos operava o teclado com precisão cirúrgica
ajustando a máquina para o desejado destino, não pecando em detalhe sequer. O
primeiro cuidado que tomei foi com as câmeras do circuito interno, repetindo uma
mesma gravação de vinte minutos de corredores tranquilos apenas com algumas
pessoas caminhando. Um looping visual que não preocuparia os guardas. O display
irradiou a luz branca no rosto me fazendo apertar os olhos contra a luminosidade.
Tratei de fazer uma cópia pirata do programa que supre a segurança do prédio e
instalei na memória do Kia. Exclui o original do banco de dados do canal 17,
registros importantes foram apagados e eu podia agora controlar o edifício todo só
pelo comando dos meus dedos.

– Bingo! – Exclamei baixo, comemorando o sucesso com um singelo sorriso


banhado pelas luzes do monitor.

Anular qualquer comando robótico ou eletro-eletrônico foi o próximo passo, eu sei


que a emissora não é burra o bastante para só contar com segurança humana.
Assim qualquer androide não nos faria uma desagradável surpresa. Dentro da
pequena tela negra do teclado Kia uma chuva de letras verdes despencava como
uma tempestade torrencial. Pressionei diversos comandos pairando o olhar sobre
os algoritmos e se deu início ao processo. Os olhos cinzentos faiscaram na
penumbra esverdeada que a luz do pequeno monitor jogava em meu rosto. Neste
instante todas as portas estavam desbloqueadas, o outro time podia acessar
qualquer cômodo do lugar sem perigo.

– Acho que isso vai ser mais fácil do que pensei… rs. Senhor quatro olhos, aqui é a
dona moicano. Vocês estão livres para pegar a cabeça da CP3. Acabei de desativar
por completo o sistema de segurança. – Falei acionando a pulseira comunicadora
ao criar um link virtual com Thomas, o cara legal de óculos, criei coragem para dar
um apelido amigável a ele também que poderia ser usado como código. Só quando
estava por trás de algo relacionado a computadores que eu derrubava o muro da
timidez.

Sabia que os outros homens de Liam, a força bruta da gangue mantinha os guardas
rendidos mantendo a parte humana da segurança como reféns. Nada ia atrapalhar.
Meu domínio era tão perfeito sobre sistema que não despertava desconfiança dos
firewalls, nem notavam meu movimentos dentro da rede, percorrendo o lugar até que
achasse o ponto perfeito para furar o bloqueio. Impedi que o alarme da
programação soasse. O furo na proteção da fortaleza virtual foi percorrido em
segundos, não, milésimos de segundos, destroçando sem esforço algum as
informações com um vírus inserido, maculando o banco de dados com sua
corrupção virtual. Do outro lado do prédio, alguns andares abaixo, funcionários
trabalhavam sem suspeitar da invasão que acontecia acima de suas cabeças.
Aquilo era morte, a morte de um sistema operacional. Da escuridão infinita da Matrix
o golpe final foi dado instalando um software malicioso. Que futuramente viria a ser
conhecido como o mais letal.

Um lampejo de adrenalina a impulsionava tão rápido quanto um relâmpago, era


sempre assim quando chegava no estágio de finalização, uma expressão de
satisfação e uma sensação comparável a de um orgasmo. Sorrindo debrucei os
braços longos sobre o teclado Kia, voltando-me aos meus colegas, até mesmo
ignorei Akane, ela não ia estragar aquele momento, o meu momento.

– Gente... Preciso mostrar algo a vocês, estão prontos para o show? – Apertei uma
tecla e o pequeno monitor do Kia virou uma mini tv sintonizada no canal 17,
mostrando a abertura do noticiário extra que entraria no ar às nove da noite em
ponto.

Aron Steiner

Cheguei no prédio onde trabalhava. Era uma emissora de TV enorme e muito


prestigiada em todo o ramo da telecomunicação. Ainda não tinha um crachá próprio,
era meu segundo dia de trabalho e eu estava atrasado para meu turno. Tive que
aprender a usar terno e todas essas roupas sociais para o emprego, no qual eu fazia
parte da segurança. Ganhei uma pulseira comunicadora voltada apenas para
colegas da mesma área e os chefes do estabelecimento. Tive uns problemas com
uns traficantes no caminho e esse foi o motivo do atraso. Estava me preparando
psicologicamente para a grande bronca do meu encarregado. Dito e feito, mal entrei
no prédio chamativo, que a recepcionista foi logo me mandando ir para a sala
daquele homem. Não tive pressa para ir até lá.

– Aron Steiner presente do outro lado da porta. – alertou uma voz robótica quando
me aproximei e imediatamente a porta foi aberta.

– Meu caro Aron, já no segundo dia e está atrasado? O que foi este corte no seu
rosto? Mesmo imaginando o motivo, quero ouvi-lo. – disse aquele homem, cujo
nome me esqueci.
– Tive problemas no caminho para cá, isso é tudo. – falei tentando controlar meu
linguajar, afinal precisava do emprego para conseguir comprar uma casa decente
para morar.

– Por mais que tentamos te civilizar, você continua a ser o arruaceiro que é. Vou
dizer o que aconteceu! Você se meteu numa briga novamente e se esqueceu de
suas responsabilidades. Assim vai perder o emprego, meu caro rapaz.

– Sim – só consegui falar essa palavra, no qual fechei meus dedos em punho para
conter a raiva, odiava seres arrogantes como ele e até procurei respirar fundo –
Peço desculpas pelo atraso de hoje – falei com os dentes cerrados e sem perder o
tom baixo e controlado.

– Pede desculpas? Um animal como você não sabe o significado dessa palavra.
Você é o sortudo que o dono deste lugar te viu brigando na rua e o escolheu para
cuidar da segurança. Devo admitir que é bom nisso, além do porte que tem que o
deixa mais perigoso… Mas aqui, espero que aprenda a ser um dos nossos.
Principalmente agora com o assassinato do prefeito as soltas. Bom, volte para o seu
posto. Não quero mais perder meu tempo com você. E saiba que não tolerarei um
segundo atraso, fui claro? – disse ele notavelmente contrariado.

Saí sem dizer nada em resposta e me contive para não fechar a porta com força. Fui
até outro cômodo onde era controlado os turnos dos empregados e me foquei na
minha escala. Vigésimo segundo andar novamente? Só no dia anterior fiquei em tal
andar e quase me desmontei de sono. Era muito silencioso e sem nenhum conflito..
Pelo menos por ontem. Mas estava naquela tela holográfica, então devo ir para lá.
Como sempre, peguei pouco armamento: arma semi-automática 18mm com
silenciador e aquela pistola de choque. Eu contava mais com minhas habilidades
físicas, afinal cresci nas ruas e aprendi a brigar nelas até agora.

Leon

Tive que confessar que quase me descontrolei quando aquele pirralho cuspiu em
mim. Meu sangue ferveu na hora e continuei encarando-o com uma expressão
raivosa. Mas estranhamente, ou chamado de volta para a realidade, ele se afastou
de mim e eu voltei a forma humana mais rápido do que me transformei em animal. O
segredo era a base emocional, onde medo e raiva traziam a tona o animal em mim e
a calma ou a frieza me faziam humano novamente. Só para chegar neste controle
levei um ano inteiro para dominar, escondido numa fazenda abandonada.
Imediatamente voltamos ao trabalho e não tive problemas em usar roupas sociais,
me arrumei rapidinho. O primeiro a ficar pronto, eu diria. Por mais que aquela
situação de antes fosse estranha e me rendeu umas memórias ruins, afinal aquele
era muito parecido com o outro… Que infelizmente está morto. Foi morto pelo
cúmplice bem no dia seguinte que fugi. E esse cúmplice também está morto, onde
não consegui chegar primeiro e vingar pelo estrago em minha vida. Daniel Carwell e
Reno Morgan foram os agentes causadores da minha destruição e não pude me
vingar. Sabia da sobrinha de Reno, mas ela não tinha culpa então eu não tinha
motivos para matá-la. Afinal, apesar do que me tornei, eu não mato mulheres.
Nunca.

A pior parte foi o trajeto de carro, com todos lado a lado, foi com um clima pesado.
Eu me culpava por não ter percebido a outra mulher chegar, a mais importante do
caso, e eu a protegeria com toda a minha ferocidade. Fato que me deixou em alerta,
pois fui colocado no mesmo grupo do pirralho quatro-olhos. Fiquei no assento
voltado e com o olhar fixo na janela, na chuva vidro afora. Sinceramente, não queria
ter me lembrado deles justo naquele momento. Não por lamentar o que aconteceu e
sim por me lembrar quem já fui e quem eu seria hoje. Mas isso passa logo, logo.

Observei a ruiva com mais atenção ao sair do carro e o quanto ela estava furiosa,
como suspeitei. Esperei ela vir até mim e estampar em meu rosto a marca de sua
palma da mão bem aberta. O que não aconteceu. Fiquei surpreso pelo… Rato? Não
pude deixar de rir com tal apelido. Enfim, ela conseguiu me surpreender e me
enfurecer ao mesmo tempo com suas palavras. E foi aí que vi um pouco de mim
nela, o instinto assassino e me toquei o quanto estive em perigo. Ou não. Não se
sabe. Passei a me focar no prédio chamativo à minha frente, tal que já perdi as
contas de ter visto. Mas nunca entrei porta adentro. Segui o meu grupo em silêncio.
Afinal tínhamos que entrar despercebido e sem chamar a atenção. Boris, o “Jerry” e
eu fomos para um elevador e paramos no vigésimo segundo andar. Quando vi o
olhar travesso do idiota de óculos cerrei os punhos.

– Está muito animado para um rato de esgoto não acha? - devolvi a provocação
também curioso pela mensagem do Liam.

Narrador (Anthony Montana)

O display negro mudou, a pequena tela do Kia irradiou uma luz branca no rosto
fazendo os olhos acostumados com a escuridão se apertarem diante a
luminosidade excessiva, passou a se comportar como um televisor. Por alguns
instantes o único som dentro do andar era a música de abertura da edição extra do
noticiário. Como o sistema nervoso do canal 17 agora era seu Kia, a hacker apertou
um ou dois botões fazendo um novo comando. Sem saberem Boris, Leon e Thomas
estavam no centro de comunicação do prédio, a ala dos monitores. Ao final deste
um paredão com 245 telas acionaram-se sozinha, formando um mosaico de
imagens. Recebiam dados enviados por X-9 para que também não perdessem o
“show”. O link virtual entre as pulseiras comunicadoras de X-9 e Thomas ainda se
mantinha ativado e ela o alertou sobre aquela dádiva tecnológica.

– Quatro olhos, fui eu que fiz isso, não seria justo vocês perderem o jornal, hehe.

Como computadores seguem ordens minuciosas de operação, qualquer erro poderia


trazer consequências enormes. Então naquele momento seu rosto se tornou uma
máscara séria e cuidadosamente executou uma ordem no teclado com a máxima
atenção, não só como se sua vida dependesse disso, porque dependia - a dos
colegas - mas como se tivesse até hoje estudado programação para a chegada
daquele momento crucial. De súbito a imagem do balcão onde o âncora apresentava
o noticiário sumiu, imagens subliminarmente rápidas tomavam seu lugar rodando o
quíntuplo da velocidade normal. Imagens de incêndio, sexo, violência, parte de
noticiários de um mês atrás, experimento com animais, humanos, um laboratório
operando substâncias ilegais, poluição ambiental com chaminés de indústrias
destruindo o ar que respiramos eram apresentadas em hiperaceleração. Uma
overdose de situações desagradáveis a qual a emissora ignorava. Toda a cidade
assistia isso. A hacker acionou o segundo comando e a mensagem terminou em
uma explosão que deixou a tela inteira branca como uma dúzia de holofotes. Um
segundo vírus projetado para levar o Canal 17 de volta à idade da pedra. Um vírus
que mais tarde receberia o nome dela, X-9. Tudo porque quando a visão do
espectador se acostumar a aquela agressão de luz branca o vandalismo virtual se
tornou uma imagem agora realmente assustadora.

– Gente… Por mais que seja impressionante… Sugiro não ficarem olhando para essa
coisa mais do que 30 segundos… – Avisou aos dois grupos, pessoalmente e pelo
link da pulseira, sabendo dos males.

A figura de moicano surgiu na tela, pulando para cima e para baixo, com uma
máscara de vinil branca fantasmagórica que lhe cobria todo o busto presa em uma
expressão congelada e morta. Olhos sem vida, boca vermelha mas sem traços de
humanidade, um rastro de cabelo negro no couro cabeludo branco como neve. Uma
via artificial. Frames mudavam a cada meio segundo acompanhados de ruídos
perturbadores. Nem imagem nem som faziam sentido. Em casa ou pelos slides
virtuais projetados nas vidraças de lojas quem assistiu sentia náuseas, alucinações,
dores de cabeça, além da sensação de estar sendo observado. Um xis, um traço e
um nove como logotipo no topo da tela terminavam a transmissão sinistra,
congelando o uplink dessa maneira. O trabalho - ou seria estrago? - estava feito. Ela
saboreou a vitória por cerca de um minuto, contente, sorrindo sozinha, com a
sensação de prazer inundando as terminações nervosas, concentrava-se para não
ser tomada pelo descontrole, o mesmo do pós sexo. Depois disso desconectou os
cabos do Kia e guardou o teclado de súbito, em silêncio tão rápido quanto foi seu
prazer.

– Vamos embora daqui pessoal, vamos esperar o outro grupo fora do prédio, nossa
parte aqui terminou… – Convocou os colegas, percebendo que algumas fontes de
iluminação vindas do chão se apagaram.

Tentando sem sucesso de mesclar-se ao ambiente, a presença nada sutil de um


nêmese revelou-se. A inexplicável presença naquele lugar a deixou em pânico. A
armadura completamente negra, segmentada por placas resistentes ao longo do
corpo ajudou a amedrontar X-9, o som de uma voz espectral desprendida pelo
abafamento do visor escuro do capacete ajudou a valorizar a marcante entrada
triunfal do guarda mecanizado.

– Estão cercados, rendam-se! – Ordenou parado a frente de Joe, Akane, Liam e X-9

– Caralho, sem guardas? Você disse que tinha desabilitado essas porcarias de
androides! – Joe olhou para os lados, mas não viu mais guardas, voltou-se para a
hacker de moicano azul, gesticulando bruscamente os braços, claramente irritado
com ela.

O corpo esguio estava imóvel se preparando para a tarefa que tiraria o conforto da
missão cumprida. Abandonando a furtividade em prol da segurança de todos, a
silhueta de Joe se destacou, do jeito que conseguiu apontando a pistola para frente.
Seus olhos estavam firmes na presa e não demorou para o estrondo do disparo
surgir manifestando o fogo do cano da arma como a aurora de um novo dia
invadindo os ouvidos e olhos atentos. A primeira bala rasgou o vento e muitas
outras vieram depois. O disparo parou na blindagem do androide, mas essa
concebeu-se frágil apesar da aparente resistência. Joe apertou o gatilho mais uma
vez, agora com menos tremor descarregando o pente e os projéteis cravejaram a
carapaça negra de metal que se danificou estilhaçando expondo a camada interna
do robô. Sua parte interna, pareceu macia, pareceu existir algo orgânico ali por
baixo.

– É um homem? – Interrogou, X-9. Em seu rosto a surpresa se mesclou com a dor


numa expressão agoniada.
O sangue nunca mente, mesmo sendo podre, o oponente era humano e não
máquina, ou talvez um pouco dos dois. Gotejou e seu cheiro pútrido se espalhou
pelo ar. As balas destroçaram o abdômen espalhando pelo chão os órgãos da
criatura. Tê-lo derramado despertava repulsa pois a carne fétida e azeda pintava o
piso com entranhas enegrecidas e mau cheirosa. Titubeando a máquina-homem
cambaleou e caiu inerte no assoalho de mármore. Parou de se mover.

– O que são essas porras? – Exclamou Joe.

– Não faço ideia, mas não são androides comuns… Tem uma pessoa dentro… Agora
faz sentido… Não são máquinas comuns… Não operam pelo sistema do prédio… – A
hacker deu alguns passos para trás, enojada colocando a mão na frente da boca,
evitando o vômito.

– É, mas isso não explica tudo… – Joe movia-se atento aos seus arredores, ergueu
seu nariz e cheirou o ar insuportável

– Se fosse guardas ciborgues não estaria assim.… Ele tá podre… Esse troço já
morreu e já faz tempo.

Sem querer o link com a pulseira de Thomas se desfez, o que era uma pena, pois ela
não podia compartilhar da descoberta feita por Joe uma vez que agora, o cientista,
Leon e Boris eram cercados por todos os lados por dezenas de coisas semelhantes
a que Joe destruiu. Suas placas de metal trepidavam e as botas de ferro batiam
uníssonos no piso do andar, emitindo uma percussão de pré-guerra. As criaturas
negras feitas de aço e carne corrupta se opuseram à porta da entrada onde a
cabeça da CP3 estava guardada. Mais de seis modelos barravam a porta dupla de
aço, O trio não poderia passar, não sem antes enfrentar as profanas obras secretas
da Orion Corp. Os modelos não eram simplesmente cópias uns dos outros, eram
aberrantes, alguns pequenos, com menos de um metro e sessenta, outros
grandiosos, quase gigantes de dois de estatura. Suas armaduras também variavam
de design e coloração, alguns eram metálicos, como o caso do que parecia ser o
líder.

Certamente o trio Boris, Leon e Thomas sabiam que era inevitável o confronto. Mas
antes que pudessem se quer dizer algo, algum erro nos “robôs-cadáveres”
aconteceu - talvez pela pressa da Orion em colocar no mercado os modelos, ou
quem sabe a má execução deles e falta de testes - aquele a frente, o alfa de prata, já
que estava à frente da frota e ordenava a rendição, no entanto sem explicação
alguma levou as mãos nas laterais do capacete cromado e ergueu o mesmo,
removendo da cabeça, revelando sua verdadeira natureza. Nada poderia preparar
Thomas, Leon e Boris para o que estariam por ver, debaixo do elmo negro uma
criatura moribunda reprisava a ordem dada ao outro grupo.

– Estão cercados, rendam-se!

Em meio a frase a criatura grunhia de dor, parecia estar em sofrimento constante.


Olhando mais atentamente a coisa não estava moribunda, mas sim morta, a
escassez de carne nas cavidades ósseas mostrava isso. Suas órbitas estavam
vazias, escuras e sinistras, onde era para existir um nariz apenas apresentava um
grande buraco, e suas mandíbulas descarnadas repletas de dentes batiam
incessantemente como se o ser necessitasse morder algo. A cor levemente
avermelhada do crânio dizia que seu estado de putrefação ainda estava em
processo. Rivalizando com a visão cadavérica, fios azuis, brancos, amarelos e
vermelhos estavam conectados à volta do pescoço, ligados ao capacete e ao tórax
robótico. Algum tipo de alimentação eletro eletrônica mantinha as “funções vitais”
básicas do estranho robô cadáver. Não restava dúvidas, tinha sido trazido à vida por
meio da tecnologia. A criatura além do túmulo gritou mais uma vez e aquilo teve
uma influência crucial no restante da frota. Entendendo como uma ordem primária o
mini exército atacou antes da rendição ou resistência dos invasores.

Suas metralhadoras reagiram trabalhando em máxima execução apontadas aos


três. O brilho dourado de tiros iluminou todo o cenário, rivalizando com as sombras.
Os soldados mecanizados carregavam a imensa determinação de ver o inimigo
exterminado. O barulho de asas metálicas voavam em direção aos três, como bicos
de aço querendo rasgar a carne. Naquele espaço fechado os flashes os tiros se
expandiram por todo o raio do ambiente em todas as direções cortando, perfurando
tudo que tinha a frente, tendo início a demolição tão rápido quanto um pensamento
instantâneo cada ponto luminoso rasgou o ar. Implacavelmente vidro, madeira,
concreto, ferro se reduzia a destroços e pó sem piedade. As placas de mármore se
soltavam das paredes e dos pilares de granito levantando muita poeira

Voltando para o segundo grupo, outros cadáveres robotizados avançavam


lentamente provindos de lugar algum. Um dois, três surgiam sem intervalo. Em
velocidade e número assombroso era como se um exército inteiro estivesse se
formando, e assim como aconteceu no andar 23 abriram fogo contra Liam, Joe,
Akane e X-9. No térreo não era diferente, a guarda de robôs entraram de assalto
contra os outros integrantes mascarados da gangue, também atirando, com o
diferencial de que não anunciaram a rendição e os seguranças humanos que foram
rendidos ganhavam uma injeção de confiança e disparavam contra os mascarados.
Dentro da sala do andar 23 Aron em seu começo de turno ouviria a confusão, vozes,
gritos e tiros, será que ele teria coragem de abrir a porta e executar sua função
profissional de proteger o prédio ou ficaria seguro até que as coisas se
acalmassem?

Recomendações e instruções:

Nada muito difícil de entender, os guardas esquisitos entraram em ação para


proteger a emissora, atirando em Liam, Joe, Akane e X-9 assim como em Leon,
Thomas e Boris.

Akane, Liam, X-9 e Joe apenas têm de sobreviver e acharem a saída, não
esquecendo que estão no último andar e não será algo de imediato. Já Leon,
Thomas e Boris estão em uma situação um pouco mais delicada, como não
completaram a missão de roubar a cabeça da CP3, terão de sobreviver ao ataque e
tomar a peça, só para depois fugir. O lado bom é que realmente se encontra no
andar 23 o que procuram, o lado ruim é que demoraram demais e não entraram na
sala. Quanto a Aron, fica a próprio critério se envolver na confusão ou não,
escolhendo se é mais adequado a própria segurança ou desempenhar a função do
emprego. Os mascarados podem se defender e atacar, Liam se assim desejar pode
narrar as ações deles.

Liam

Me aproximava da hacker, ela então abriu uma tela holográfica utilizando seu
computador de pulso. Primeiramente o que era para ser a transmissão do jornal do
canal 17 foi substituída por várias imagens repugnantes, que mostram a podridão
humana. As imagens mostram violência, destruição do meio ambiente, corrupção e
outras coisas. Apesar de não gostar da tecnologia atual e achar hackers
extremamente perigosos, eu tinha que admitir, aquela mulher sabia fazer o circo
pegar fogo.

Foi então que ela deu um aviso, pelo seu tom o que iria aparecer agora seria ainda
mais intenso. Com as mãos mergulhadas no bolso da minha calça, apenas passei a
olhar para baixo, as vezes voltando meus olhos para tela, para matar um pouco da
curiosidade. Pelo que pude ver uma imagem se formou junto com o apelido da
hacker, pelo visto ela queria deixar sua marca e provavelmente tinha conseguido.

A tela se apagava e uma silhueta aparecia no corredor, parecia um dos androides


que fazia a segurança do prédio, tentando nos render. Joe de imediato começava a
questionar X-9, afinal ela havia garantido que tinha desligado todos os robôs. Elas
começaram a discutir por alguns segundos, Joe tomava a frente e sacou sua pistola,
disparando contra o androide. O som das balas perfurando o metal ecoava pelo
corredor, em seguida o cheiro podre tomava conta do local e o sangue preto escorria
pelo buraco da armadura. Não sabia que merda era aquela, mas pela conversa da
X-9 com o Joe, eu simplesmente dizia.

– Puta que pariu, já odiava esses robôs de merda, agora misturaram eles com a
podridão humana!?

Com os disparos, a aberração tombava, porém mais deles começaram aparecer, em


trios, nos cercando aos poucos. No momento em que ouvi as armas sendo
engatilhadas, avancei sobre X-9, erguendo a lateral do meu terno que se expandia,
formando uma espécie de capa protetora. O kevlar reforçado dava conta de conter
os disparos, não sabia o que Akane e Joe haviam feito para se proteger, mas
naquele local a pessoa menos apta para desviar de balas era a hacker, por isso ela
foi minha primeira opção.

Enquanto isso no térreo acontecia a mesma coisa, meus homens eram cercados
pelos robôs zumbis, que começavam a disparar contra eles, os seguranças que
antes estavam rendidos passavam a fazer o mesmo. Apesar de usarem coletes de
kevlar por baixo dos macacões, alguns tiros atingiram as pernas e os braços,
derrubando alguns deles. Um deles com que usava uma máscara de caveira e outro
que vestia uma máscara de porco retiraram de dentro do macacão granadas de
mão. Era uma dispositivo simples criado por Thomas, mas era bem eficaz em
situações como aquelas, era uma espécie de retângulo com um botão em cima.
Ambos apertaram o botão e jogaram as granadas contra o grupo de guardas
robóticos e sete segundos depois, seria kabum.

Enquanto isso, as faíscas das armas paravam de brilhar no ar e o som dos disparos
também, pelo som era hora das máquinas humanoides recarregarem e era nesse
momento que eu agiria. Me virei de frente para o trio que bloqueava o corredor,
levaria ambas as mãos dentro do meu terno, retirando duas granadas de mãos e
jogando contra os desgraçados, ambas explodiram e no mínimo os jogaria no chão.

– Corram, precisamos chegar ao terraço.

Eu tinha um plano para sairmos daquele prédio, mas para isso eu precisava da
Akane, ela tinha que estar viva para matar o restante dos robôs. Contando com o
sucesso da ruiva, eu começaria a correr em direção a porta que nos levaria para o
terraço, usando meu comunicador de pulso e faria uma ligação.

– Yami, espero que você esteja no ar com a JetFly, preciso que me pegue no terraço
do canal 17.
X9

O som agudo do tiroteio e faíscas dominaram o cenário rasgando as paredes e teto


com facilidade, foi naqueles corredores frios e escuros isentos de um suspiro
qualquer fechei meus olhos, não era hora de questionar nada, a epifania do inferno
de balas invadiu minha mente, uma inundação furiosa que me fez segurar as
têmporas com as mãos sobre a cabeça com a impressão de que minha cabeça
fosse explodir. Só uma coisa passava pelos meus pensamentos, eu ia morrer.

– Merda… Eu sabia que ia dar errado… EU SABIA! – Gritei agachada com as mãos
tapando os ouvidos, quase chorando.

O caos instalado naquele cômodo proporcionou medo ímpar, mas medo de verdade,
não aquela coisa que os implantes de microprocessadores que as drogas virtuais
proporcionavam, despejando níveis absurdos de informações sensoriais nos cinco
sentidos para que sua corrente sanguínea fosse transbordada de adrenalina, não,
não era nada que um equipamento por mais avançado que fosse podia simular, era
simplesmente medo instintivo, natural, urgência de sobreviver. Qualquer toque
demoníaco dos flashes poderia ser fatal, sentia um pavor aterrador, nada mais do
que a certeza de que podia acabar ali no chão, sangrando com a vida se esvaindo
pouco a pouco, o frio subiu a espinha. Enquanto o assobio dos açoites nas paredes
aumentavam a densa neblina de concreto pairava sobre o salão, rivalizando entre
sombras e luz ele saltou para a morte iminente, não importava o quanto o perigo
brilhasse, inesperado ele era capaz de tudo, nada parecia suficiente para detê-lo, não
tinha medo ou hesitação.

A poeira já havia se dissipado quando reabri as pálpebras e o brilho dourado


iluminou seus olhos se encontrando com os meus, não parecia intimidador, ao
contrário, seu olhar trazia uma essência de calmaria, capaz de subtrair toda minha
aflição. Eu senti uma confiança aterradora com o calor dele no meu corpo. Ele
detinha um poder que me fez até esquecer do tiroteio. Seu rosto pálido, impassível
me encarando, poderia alegar que o pulsar cada vez mais intenso dentro do peito
era a tensão, mas estaria mentindo para mim mesma. Jurei que ele podia sentir o
coração batendo daquela maneira e quando pensei nisso senti ainda mais vergonha,
quis controlar os batimentos cardíacos… Em vez disso eu ficava mais ruborizada.

– Oh… Obrigada… Não sei o que dizer… Err… – A voz estava mergulhada em timidez,
um tom que a maioria das pessoas diria que patológico.
– Err… Você agora pode… Por favor… Já pode… Sair de cima de mim? – Me aproximei
cada vez mais do rosto dele, contradizendo o pedido.

A luz do flashes da perturbação dos tiros iluminou seu rosto cínico, lindo mas cínico,
eu emiti um suspiro fitando suas feições cada vez mais de perto, ficamos em
silêncio por um tempo que pareceu uma eternidade. Barulho de tiroteio disparou as
alturas, as luzes e estrondos mergulharam o local nos fazendo lembrar que não era
hora nem lugar para climinha romântico, interrompendo e tornando impossível
qualquer continuação. Não sei se ele sentiu o mesmo, não sei se foi recíproco mas
que seja... Nossas vidas estavam em jogo. Joe encostado em uma pilastra toda
perfurada abriu fogo contra aquelas coisas, gritando para Liam ao mesmo tempo.

– Chefe, cê nunca fez nada igual por mim, e olha que sou um dos mais antigos da
gangue! – Ele riu, recarregando as duas sub-metralhadoras, recomeçando a atirar
contra os robôs, Joe deu cobertura para Liam saltar e me salvar e continuava
fazendo isso. O chão aos seus pés estava coalhado de cápsulas de balas.

Ficar imersa na chuva de balas não era nem de longe meu plano, mesmo que
aquelas coisas tivessem pausado e Liam abria fogo contra os inimigos robotizados,
aproveitei essa brecha para me arrastar pelo chão liso de mármore, protegendo a
cabeça com as mãos, como se isso adiantasse, era uma falsa segurança, eu sei.
Busquei refúgio atrás de um pilar de granito aleatório e para meu infortúnio
encontrei aquele robô que Joe tinha reduzido a algo pútrido. Ele não havia morrido
no momento que foi alvejado e se arrastou até o pilar só para finalmente falecer ali.
Eu pensava que tipo de corporação sem ética arrancaria abruptamente a alma de
um homem de seu descanso eterno para se tornar isso… Metal frio e inumano,
retorcido entre carne e ossos… O que havia ainda de humano nessa coisa?
Regurgitei por cima do corpo de fedor insuportável, expulsei todo o conteúdo do
meu estômago em cima de seus intestinos liquefeitos desprendidos do ventre
envolto do rastro sangue preto pelo chão e é difícil dizer para seu organismo que
não tem mais nada pra vomitar, mesmo assim ele insiste e ignora, dizendo sim que
ainda tem algo para por pra fora. Depois de me recompor ativei novamente o Kia,
esperando a inicialização do sistema, acionei a chave e o programa surgiu sem
muita demora.

Não havia nada que soubesse sobre essas máquinas cadáveres, mas meus instintos
diziam que eu tinha deixado algo passar em branco. O teclado já operava sem
demora, meus olhos estavam dentro da pequena tela de novo, uma vez que agora o
meu computador a tiracolo era o sistema nervoso do Canal 17 eu tinha os backups
da empresa. Testando minha paciência, os relatórios oficiais não mostravam nada.
Cansei de procurar pela superfície e fui em busca de algo extra oficial. Iria demorar
mais do que o esperado mas não era como se eu tivesse outra escolha.
– Vamos… Rápido… Rápido… Rápido… – Dizia pra mim mesma encostada atrás do
pilar com o teclado em cima dos joelhos, como se as palavras fossem apressar a
busca enquanto ouvia os tiros, e mesmo sabendo que era “fogo amigo” de Liam e
Joe o troço me arrepiava.

Meus instintos não falharam, provando cada vez mais os negócios sombrios entre a
Orion e a emissora o arquivo oculto “Necroides” me pareceu muito suspeito. Os
dedos pressionando a tela em cima da pasta e olhos cinzentos de caçadora
trabalharam em sincronia procurando qualquer informação importante que fosse, e
olha… Tinha muita coisa. Desde documentos, o objetivo do projeto, seu custo
benefício até sua execução… Também tinha todo o esquema completo de seu
funcionamento, era ótimo, vital naquela hora, bom, como título da pasta aquelas
aberrações antiéticas foram batizadas de Necroides. Tudo estava ali, até os nomes
dos envolvidos naquela experiência nefasta, eu tinha um ás importante para
incriminar a Orion e o velho filho da puta chamado Jaime. Ele quis me foder com
essa palhaçada da CP3 não é? Eu ia devolver o favor usando os Necroides. Mas no
momento precisava sobreviver a eles, procurei por pontos fracos e não foram
poucos que encontrei. Entre eles um me pareceu o mais eficiente.

– GENTE! ATIREM NA CABEÇA, DESTRUAM OS CAPACETES E DEPOIS ESTOUREM


OS MIOLOS SEM PIEDADE! - Gritei para Liam, Akane e Joe, dando a dica que
facilitaria o trabalho.

Também quis facilitar o trabalho da equipe lá embaixo e executando os comandos


do Kia, acionei uma ordem para que um elevador fosse até o andar deles. Liam
queria todo mundo no terraço, então ativei novamente a pulseira comunicadora
restabelecendo contato com Thomas, não consegui então tentei com Leon, falhei
novamente. Suei frio, a última tentativa foi com Boris, para minha sorte tive sucesso
na terceira vez.

– Boris, é a X-9, tem uns robôs… Uns necroides nos atacando, a gente vai para o
terraço, nos sigam. – Avisei às pressas apertando o comunicador com força, como
se isso fosse levar a mensagem mais rápido, só ilusão, é claro.

– Tá foda a coisa aqui, guria, necroides é? É como esses troços se chamam? Essas
porras estão atacando a gente também! – Pude ouvir barulho de tiros ao fundo com
nítido olhar de preocupação ao focar o rosto holográfico de Boris pairando no ar.

– Merda! Já destruíram a cabeça da CP3? – Indaguei.

– Ainda não. – Os olhos de Boris pesaram.


– Porra! – Exclamei alto até demais.

– Fazer o que? A parada tá complicada, eu falei! – Ele latiu.

– Faz o seguinte, já mandei um elevador para o andar 23 e ele vai subir direto ao
terraço quando entrarem, enquanto isso diz para o Thomas encher o andar com
explosivos, você e Leon deem cobertura para ele, assim que chegarem no terraço
ativa as bombas e manda o andar pelos ares. Isso vai destruir os necroides e a
cabeça da CP3 de uma vez. – Recomendei.

– Certo… O viva voz da pulseira tá ligado, ele e Leon estão ouvindo. Mas estamos
bem no meio do prédio, isso não vai abalar as estruturas dele? – Encarou minha
imagem vincando a testa em dúvida.

– É o risco… Mas não temos outra escolha. – Foi a minha resposta e ele concordou
assentindo com a cabeça.

– Tá certo... Vou manter o link aberto. – E assim foi, poderia me comunicar com o
outro grupo se necessário.

Naquele momento tive outra ideia, parecia maluca, sim, mais tarde eu diria que foi
loucura mas se quiséssemos sair com vida era necessário cooperação de todos, e
isso incluía a minha. E não queria depois Akane se gabando jogando na minha cara
que me salvou, não ia dar esse gostinho a ela não. Joguei o teclado para as costas e
me desloquei no trajeto em direção a Liam e Joe apontando as pistolas para frente,
movida pela adrenalina apertei os gatilhos liberando fagulhas, e depois o fogo
brandindo com a explosão jogando meu pulso para trás. Faltava habilidade, eu sei,
mas o instinto de sobrevivência me guiou, senti uma pontada de animação
misturada com alguma outra coisa “- Você está gostando” pensei “-Você deve ser
maluca, guria”. Porque de alguma maneira bizarra era como ficar doidona com as
drogas virtuais, só que dez, não, trinta vezes mais forte. Prossegui correndo atirando
contra as aberrações e dando mais força para nosso avanço até o terraço. O frenesi
de disparos percorrendo o ar, o cheiro de pólvora, o barulho da arma, o zunido dos
projéteis rasgando o ar

O brilho intenso de cada disparo e a sensação de poder era incrível. Toda aquela
violência desprendida de dois simples objetos de aço… Dois arautos da morte em
minhas mãos. Fora a primeira vez que usei uma arma… E a primeira vez a gente
nunca esquece....
– Liam, mandei um elevador até o outro grupo, se tudo der certo vamos encontrar
eles no terraço, sugeri explodirem o andar 23 mandando os necroides e a CP3 pra
puta que pariu! – Alertei ele, me juntando a dupla, sem parar de atirar contra os
necroides.

Akane

Estávamos dentro do elevador subindo os 32 andares. Eu estava ficando impaciente


em ficar dentro daquele cubículo junto com uma maldita mulher e aqueles dois que
já conhecia. Tratei de ignorá-la ao máximo, pois era fácil perder a paciência e fazer
um estrago. E quando saí de lá olhei bem ao redor, naquele corredor bem iluminado
e cheio de salas com paredes de vidro. Dava para ver bem o nível daquela emissora
só pela elegância de todo o prédio.

Ignorei mais uma vez e fiz questão de dar as costas para aquela mulher. Afinal não
estávamos em perigo naquele momento e meu gesto foi simplesmente para
enfurecê-la, se é que poderia ter essa reação. Não deixei de praguejar, xingá-la num
tom bem baixo. Não tinha interesse em assistir alguém hackear um sistema, estava
mais atenta ao meu redor, a um possível ataque surpresa. Afinal não fui enviada
nesta missão para proteger e observar? Estava tentando executar meu papel.

Mais uma vez aquela mulherzinha quis me provocar e apenas virei meu rosto por
cima do ombro para encará-la. Sem me virar. Assim que ela começou a explicar o
que tinha feito e conseguido, eu simulei um bocejo. Eu queria simplesmente mostrar
que não dava a mínima para os assuntos dela. O que não consegui ignorar foi
aquele olhar de superioridade.

– Só tenho um aviso para você, mulherzinha. – a fuzilei com um olhar frio e cruel -
Não abuse do seu status de protegida, caso contrário, será executada sem piedade.
– murmurei com um tom só para ela ouvir.

E para não ceder aos meus desejos e matá-la, me afastei dela o máximo que pude.
Mas no fundo senti que algo estava muito errado. Estava sendo fácil demais a
invasão e tudo mais. E essa sensação me deixou ainda mais inquieta quando a outra
teve sucesso em sua operação. Então a missão ali estava concluída, mas o alívio
não veio. Pelo contrário, a carta na manga do Canal estava parada ali diante de nós.
Não gostei do oponente que era um andróide, afinal são pedaços de lata
programados por um covarde qualquer.
– Maldito seja! – esbravejei impaciente.

A primeira reação que tive com os tiros foi me abaixar bruscamente e procurar algo
para me proteger. Estávamos num corredor e não havia portas ou janelas para
correr, e os arquivos e estandes eram protegidos por vidros, mas não queria ficar
perto para saber se eram blindados ou não. Assim que o vi, corri para um pilar
quadrado de mármore um pouco mais largo que eu, o que me protegeria
temporariamente. Felizmente nenhum dos disparos me feriu nessa breve corrida e
nem parei para olhar os demais. Por que deveria me importar com os outros sendo
que eles são capazes de se defender e eles estavam mais perto da mulherzinha do
que eu? Joe conseguiu atrair minha atenção.

– Se Reno foi um filho da puta fazendo alterações de DNA em pessoas vivas,


imagino o necrófilo que fez essas latarias nojentas. – falei buscando minhas armas
escondidas no meu casaco.

Rapidamente tirei aquele maldito casaco e o joguei no cadáver mais próximo a mim
e fiz a mira. Mirei na cabeça deste com a Neo Uzi e sua munição era constituída de
Radiak, ela explodiria a cabeça do primeiro de muitos. Pedaços de cabeça voariam
pelos lados e eu odiaria que caísse algum em mim. Estava com uma camisa branca
com mangas agora, além do cabelo ainda no indutor de imagem. Tal disfarce que
desativei enquanto dava uma boa olhada na situação. Eram muitos inimigos para
Joe enfrentar com armas normais.

Para chegar ao terraço como Liam recomendou, na posição que eu estava eu tinha
que abrir passagem entre o fogo inimigo. As extremidades do pilar que me protegia
estavam destruídas e isso aumentava a adrenalina. Não temia tais merdas
chamadas Necróides, como a hacker disse, tampouco não me interessava tal
fraqueza deles, era óbvio que a cabeça era essencial para mantê-los ativos. Dei meu
primeiro passo com um saltou que terminou em cambalhota. No chão quase deitada
atirei novamente com a Neo Uzi nos que estavam na minha frente e corri novamente,
mirei no mesmo lugar do primeiro, a cabeça. Eu podia sentir todos os projéteis vindo
contra mim e me movia conforme o caminho me permitia para evitar ser atingida,
pelo menos letalmente.

Meu caminho foi digno daqueles filmes de espiões a entrar num corredor de lasers,
cheio de saltos, cambalhotas e esquivas, intercaladas com tiros sempre mirados na
cabeça daqueles fedorentos. Tentava não permitir uma aproximação deles de mim,
numa distância segura, pois odiaria ser tocada pela podridão. E não tinha graça de
matar pessoas já mortas. Com isso meu objetivo era seguir os demais como se eu
fosse um mísero soldado dando cobertura para seus superiores, mas não estava em
posição de reclamar, não é mesmo?

Aron Steiner

Acordei num pulo e foi culpa do meu celular mais antigo que a sociedade estava
usando recentemente. Era um despertador que eu tinha programado caso dormisse.
Novamente. O susto inicial tinha passado e pelo pequeno espelho na parede eu vi a
marca do móvel em meu queixo. Limpei a saliva que escorria pela minha boca e me
espreguicei. Minhas costas se estalaram ao alongamento e finalmente despertei,
olhando ao redor daquela saleta cheia de monitores e painéis de controle à minha
frente. Estava com fome novamente, pois só foi olhar a embalagem do Burger
Queen que meu estômago roncou.

Meus olhos se esbugalharam ao ver o que acontecia bem debaixo do meu nariz:
intrusos. Por um momento fiquei confuso com a cena, não sabia o que eram aqueles
robôs. Eram nojentos e pareciam coisas mortas, corpos em decomposição. Ignorei
eles por um momento e me foquei nos três estranhos. Um de porte grande como eu
e o outro nem tanto… Até tinha um nerdão no meio. Achei hilário, por mais que
estivesse na posição de guarda. Pensei em até deixar para lá e deixar os intrusos
acabarem com a raça daquele almofadinha petulante, sabe.

– Que tentador… Ficar ou me meter na briga? - falei comigo mesmo.

Não dava para ignorá-los. Não comigo assistindo a filmagem. Mas eu tinha que ver o
que eram seus amigos enlatados e o porque parecem estar uns contra os outros…
Afinal não fui informado de nenhum sistema de segurança daqueles ou para que me
contratariam? Não fazia sentido. Já aqueles três eram suspeitos, principalmente o
nerdão que me pareceu um cientista e vai saber se o esquadrão de ossos podres
não é criação dele e está apresentando defeito? Aliás, pela cara do galã de novela,
eles fediam muito.

Cheguei no limite, com a adrenalina subindo pelas minhas veias, onde olhei para o
armário de armas. Lá tinha um fuzil de assalto e a ideia de atacar de longe me
seduziu como uma prostituta nua na minha frente. Com isso e por mais que tive que
me contentar com o uso de uma arma, saí da sala e fui para o corredor, praguejando
por ela abafar o som do lado de fora. O que era incomum. Ou será que era normal
neste universo engomadinho?
– Ei defuntos e nerdão, espero que gostem das minhas boas vindas! – gritei para
zombar deles e me sentir mais confiante, por mais que usasse um desprezível colete
a prova de balas que era parte do uniforme.

Uniforme que delatava minha profissão. Em toda minha experiência com brigas de
rua, a cabeça e a virilha eram as partes que mais tinham que ser protegidas, com
isso optei mirar nesses alvos e em todos. Como os soldadinhos estavam na frente,
eu não tinha uma mira boa dos três caras mais adiante. Então vou querer diminuir
em número e partir para a briga depois.

– Só pode haver um! - falei em referência ao filme de imortais que morrem se lhe
cortam a cabeça fora, que assisti na infância.

Leon

Foi tudo muito rápido, mal invadimos o andar e começamos a procurar tal cabeça da
androide que algo muito errado aconteceu. Eu estava num corredor muito amplo e
cheio de salas por ambos os lados. Foi isso de errado, tínhamos que ser rápidos,
mas como com tantas salas para olhar? E se o idiota do Thomas errar e disparar um
alarme silencioso? Eu estava muito cauteloso quanto a isso, era como se meu
instinto investigativo tivesse me influenciado assim que comecei a busca. Afinal eu
era um policial e estava estudando para ser um investigador.

Eu estava nervoso, mais exatamente, com a adrenalina querendo chegar no limite.


Esse limite era o que me separava da fera e que demorei anos para controlar. Em
alguns momentos até esqueci dos outros dois que estavam comigo, afinal ninguém
falou nada por um tempo e isso os isolou de mim. Ainda estava com raiva daquele
quatro olhos, mas eu precisava saber quem era ele de vez. Aquela raiva que vi nele
eu via refletida no espelho quando pensava em Reno Morgan e Daniel Carwell.

Um estrondo me tirou dos pensamentos de vingança contra aqueles que mataram


meu futuro perfeito e me transformaram num ser que sempre odiei, só que num nível
diferente. Esse barulho me arrepiou e olhei em sua direção. Como um gato a
pressentir o perigo e se arrepiar em antecipação e se preparar para o pior. Fiquei
totalmente arrepiado quando aquelas coisas me cercaram. Estavam bem armados e
antes que começassem a atirar eu fui nocauteado de uma forma estranha e
torturante.
O cheiro de carne humana em decomposição chegou até meu olfato tão apurado
como de um tigre e me deu ânsia no mesmo momento. Grunindo de raiva caí de
joelhos tentando tapar o nariz, inutilmente. Fiquei tão desnorteado que
imediatamente me tornei tigre e rosnei em desaprovação. Isso era ridículo! Quem
usaria restos humanos como guardas? Só de pensar em ter de cortá-los, seja com
minhas garras ou minhas lâminas, a ânsia novamente me atingiu a ponto de me
fazer vomitar.

– Só pode ser ideia daquele desgraçado do Reno mandar fabricar robôs com corpos
mortos dentro. Mesmo depois de morto, aposto que é ideia dele… Mas o que? – logo
ouvi uma voz diferente e depois disso tal pessoa começou a atirar.

Imediatamente me posicionei atrás do Thomas para fazê-lo de escudo, afinal se


alguém tinha de cair, por que não ele? Eu ainda não podia morrer, ainda tinha um
homem para caçar. Tal homem que foi cúmplice dos dois e foi este que me chamou
para a armadilha… Eu ainda tinha que matá-lo ao menos…

– Maldito seja! – blasfemei ainda na pele de fera.

Thomas Carwell

– Boa moicano hahaha seria uma pena ter ficado de fora da festa. – Respondi no
comunicador sorrindo um pouco, após presenciar o que aquela mulher tinha
aprontado, e que bom que deu um jeito de transmitir para o restante da trupe.

Estávamos no andar que desejávamos, a calmaria tomava conta do lugar agora,


depois de passada toda tensão inicial, ninguém mais abriu a boca desde então, tudo
bem que era uma calmaria completamente falsa, pois ainda assim tinha aquele tigre
fajuto que depois da missão se veria comigo, ele não tinha o direito de viver após
tudo o que houve no passado, sempre que pensava naquilo indícios de descontrole
se espalhavam pelas minhas veias, eu iria resolver aquela pendência de uma vez por
todas... Mas depois, depois.

...

– Caramba, tem mais lugares para procurar do que imaginei, corredores


compridos... Tantas portas... Tantos monitores, que saco.
– Mas já está chorando? Que coisa Thomas, age logo e pare de reclamar.

– Eu sei, eu sei, é que pensei que seria mais rápido, sabe?

– Tudo bem, quer uma dica? Como nos filmes e quests de sites bugados da
antiguidade, o que procuramos deve estar na sala mais para o final do corredor.

– Bingo meu caro, por lá que planejava começar mesmo.

– Para de ser mentiroso...


...

Não entrei em todas as salas, resolvi ir diretamente mais para o fim do andar, onde
encontrava-se centenas de monitores, afinal onde mais esconder um cofre com um
objeto desse? Fui a passos um tanto quanto mais lentos em relação aos outros, ia
abrindo as pastas e instalando ''mini-bombas'' em todas as portas, era o projeto
FKA-MF, eram invenção minha, tinha muito orgulho delas, eram pequenos explosivos
do tamanho de uma bola de tênis, mas com um poder de destruição comprimido
nele que podia ser comparado a várias granadas, pelo seu tamanho facilitava o
transporte e a venda de tal produto, podendo fornecer ao usuário uma maior
camuflagem de suas ações perversas sendo escondida em qualquer bolso comum.

– hahahaha Isso aqui tudo vai vir abaixo logo logo minhas belezinhas, apenas
aguardem. – Quando estava quase chegando no fim do corredor, onde pretendia
verificar e explodir para completarmos logo aquela missão e sairmos dali um
estrondo chamou a atenção, e logo me vi cercado, em minha volta estavam criaturas
extremamente esquisitas, eram uma espécie de robôs soldados, só que chamaram
bastante atenção, eram um tanto diferentes dos soldados de outras corporações.

– Mas que beleza hein, logo agora... Por que as coisas nunca se resolvem
facilmente? – Cerrei os punhos e larguei a pasta com o restante das bombas no
chão ao meu lado, deixando no bolso do meu jaleco apenas o detonador para caso
precisasse agir antes do previsto.

Até que uma atitude me deixou mais intrigado ainda, o Sucrilhão se transformou em
tigre novamente, mas dessa vez parecia estar levando a pior para algo, agia como se
estivesse sofrendo, olhei para ele mas logo precisei desviar minha atenção
novamente, disparos haviam se iniciado, e parecia que estavam atirando a esmo,
pois pelo o que pude ver visava atingir a qualquer um que ficasse no caminho de sua
arma, abaixei junto ao Diego da era do gelo logo que percebi o perigo. Boris não
perdeu tempo e logo sacou duas submetralhadoras e começava a trocar tiros com o
homem que estava descarregando sua fúria pelo andar.

– AHAHAHAHA MORRE DESGRAÇADO!! – Gritava Boris enquanto iniciava os


disparos.

...

– Mas que cara bizarro.


– Nem me fale...

...

– Tu ia me usar de escudo humano... Que desgraçado você é… – Falava sem olhar


para aquela cara safada de Tony do cereal matinal, enquanto preparava meu
próximo movimento, tinha que ser extremamente rápido ou Boris poderia se dar mal,
não que me preocupasse com ele, mas entre ele e o almofadinha do Leon, ele tinha
minha preferência. Precisava de três segundos para carregar a potência máxima da
onda de choque do meu relógio TCS, e logo o acionei.

– Bora Boris... Tu é o bichão, serviu de isca sem nem ao menos pedir... 3.... 2.... 1....
AHHHHHHH!! – Me levantaria, uma onda de choque bem poderosa, em formato
circular e com uma pressão imensa se estenderia ao redor do andar, poupando
apenas Boris e o bonde do tigrão que estavam bem ao meu lado, o plano era lançar
para longe e inutilizar aquelas sucatas estranhas e também o atirador misterioso.

– Aprendeu como um homem de verdade deve agir Diego? Covarde… – Diria já de pé


e olhando para Leon nos olhos.

– Agora é completar esta droga de missão e darmos o fora daqui

NPC

Os flashes dos canos iluminaram a penumbra, o perímetro limitado do fogo cruzado


encurralou os necroides. O metal das proteções brilharam com os beijos faiscantes
das balas. Os buracos feitos nas armaduras, resultado de munição explosiva,
danificaram o sistema e o funcionamento das máquinas zumbis, o líquido escuro
dos inimigos escapava pelas cavidades das armaduras. O chão de mármore marrom
logo se tornou preto, decaindo os conteúdos putrefatos dos frágeis crânios dos
necroides, ficou fácil destroçar os corpos cibernéticos quando todos trabalharam
juntos. Os vidros do saguão também foram castigados, reduzidos a cacos voando
espatifados no ar. Alguns tentavam revidar os tiros com suas bizarras machines
guns acopladas nos braços, mas sem êxito algum, os projéteis passavam por eles
parando nas paredes e pilares. Os rostos da gangue resumiam-se a uma página em
branco, sem expressão ou nada parecido, só o de X-9 parecia assustado, seu
coração apertou-se acelerando. As carcaças de aço sofrem severos danos, muito
mais do que poderiam suportar e se partindo como cascas de ovo expunham a
verdadeira natureza cadavérica dos soldados, a visão nada bonita da pele podre por
baixo, sebosa, como um sabonete deixado na água quente por tempo demais, um
vislumbre lamentável, a carne mal aderindo aos ossos caía. O revestimento de
metal, fios e placas piorava ainda mais a aparência em geral. Desistindo daquela
vida artificial e degradante eles despencam inertes ao piso, havia corpos demais que
deveriam ser retirados e sangue demais para ser limpo. O saguão era jogado num
imenso silêncio enquanto um número pequeno de cadáveres de aço davam os
últimos tremeliques. Os olhos acinzentados de X-9 vislumbravam o vazio sem
acreditar.

– O que foi que eu fiz? Isso foi loucura… É muita sorte não ter sido baleada… –
Parecia que só agora havia se dado conta do risco que correu.

– É, mas tá no momento exato pra vazar, vambora, guria. – Disse, Joe, desviando os
pés entre um cadáver e outro no chão.

Era hora de seguir em frente e reunir-se com a outra metade da equipe no terraço.
Procurando desesperadamente, a única saída era uma porta de aço no final da
sessão de servidores, na ala norte, o oposto de onde estavam, Joe foi o primeiro a
perceber e guiou o restante dos colegas até lá. Apontou seu fuzil para as trancas e
dobradiças de aço que mantinham-na fechada e disparou. A passagem fora
desbloqueada. Por ela o grupo foi levado a uma escadaria e ao fim desta finalmente
estavam no ponto externo mais alto do prédio. O terraço era o tipo de construção
simples, com luzes vermelhas a volta do perímetro central, indicando o ponto certo
de aterrissagem de uma aeronave, o heliponto. Não tinha muito mais do que isso,
além de algumas antenas de celular, rádio e televisão nos parapeitos. Mas o outro
grupo não estava lá, talvez se tratasse de um pequeno atraso, foi o que Joe pensou.
Não demorou para o elevador chegar ao terraço, as portas se abriram exibindo as
paredes nuas e o interior vazio da cabine. Em outras palavras não parecia se tratar
de um simples atraso, alguma coisa havia acontecido com a segunda equipe.

– Tem alguma coisa estranha... Não ouvi barulho de bomba… – Joe olhou para Liam,
igualmente depois para Akane e X-9.
– Droga… Perdi o contato com Thomas. – Exclamou X-9, batendo na pulseira, como
se isso fosse ajudar.

– Mais essa… Vou tentar falar com eles. – Prontamente acionou a pulseira
comunicadora, digitando suas teclas. Mas por alguma razão desconhecida não
conseguiu estabelecer contato com os três.

– Merda, não consegui também. Chefe, isso não tá me agradando. Você fica aqui
com as garotas esperando nossa carona chegar, vou lá ver o que tá rolando. –
Avisou Joe para Liam, sua expressão era preocupada.

– Mas vou precisar das suas granadas de mão, e mais munição. – Explicou
estendendo a mão esquerda, solicitando o que pediu.

– Vai precisar de um plano B. – Sugeriu X-9.

– Estamos no plano B, o que farei será o C. Vou descer e torcer pra ter bala
suficiente pra detonar os necroides. Também espero que os três estejam vivos,
principalmente Boris. - Suspirou.

Além de atitude, Joe tinha um grande senso de liderança, mesmo não sendo o
chefe. Ele coletou os carregadores de munição não só de Liam, mas de Akane e X-9
também. Esta por último ainda lhe deu o par desert Eagles mesmo ele não
solicitando. Quis ajudar um pouco mais já que não o acompanharia. Joe entrou no
elevador vazio e apertou o botão do andar vinte e três, sendo remetido pelos
andares abaixo.

– Cacete…. Rolling Stones versão música de elevador… Esqueci de pedir pra


azulzinha desativar isso. – Reclamou se referindo às canções ambientes de
elevadores.

Enquanto descia os andares, ajeitava as armas nos coldres e as granadas como se


preparasse para entrar em uma guerra. Quando a cabine de aço parou no andar e
anunciou a chegada com um “pliiim” em timbre de sineta eletrônica, porém antes
das portas se abriram uma explosão assolou o saguão e estremeceu o andar
inteiro. O chão abaixo dos pés de Joe tremeu com fúria e ele foi jogado contra a
parede. Suas costas amassaram o fundo de ferro do elevador e ele caiu tossindo
com a fumaça entrando pelas frestas da porta assim como a podridão cadavérica
eu suas narinas

– Cof… Cof… Cof… Puta que pariu… Essa não deu tempo nem de ver de onde venho…
Mas acho que o pessoal tá vivo ainda… Cof… Cof… Cof… Se bem que nao sei se
poderia sobrar algo depois disso… Cof, Cof… – Tossia muito, erguendo-se com
esforço ao se agarrar nas paredes amassadas.

Aquilo danificou a porta e mesmo rangendo e falhando com esforço a mesma se


abriu, o homem viu muitas partes de corpo espalhados e pedaços daquelas
criaturas. Alguns avariados, mas não ofereciam perigo, tentou enxergar Boris,
Thomas ou Leon, mas a fumaça nublando a visão impediu. Chamava a atenção
também a condição em que o andar estava totalmente destroçado com perfurações
de balas por todas as paredes.

Juntando os fuzis AK 47 que caíram quando ele foi arremessado para trás, saiu do
elevador, apontando o par de armas para frente, taticamente se esgueirava por
pilares perfurados de balas. Recostou-se em pedaços de uma viga caída,
protegendo-se, dali avaliou o ambiente e se era seguro sair do abrigo e avançar a
procura do trio. Julgando que não havia risco, saiu de trás da viga e com a poeira
baixa pode ver os colegas. Com alegria e descontração caminhou até Boris.

– Acho que nunca fiquei tão feliz em ver uma cara feia. – Sorriu baixando as armas.

– Vai se foder, sou mais bonito do que você. – Devolveu, Boris, também baixando as
armas.

– Não foi o que sua irmã me disse ontem a noite. Cara, que explosão, bom trabalho,
mas vocês demoraram muito, fui obrigado a descer pra saber o que tava pegando. –
Comentou olhando para os três.

– A gente não precisa de babá, Joe. Faça o seu serviço que fazemos o nosso. –
Tirou um charuto do bolso da camisa e acendeu.

– Eu gostaria, mas o problema é que vocês demoraram muito. Liam ficou


preocupado. – Tirou o charuto de Boris e deu uma boa tragada.

– O chefe? Isso tem mais cara sua… – Pegou de volta o charuto arrancando da boca
de Joe.

– A gente precisa sair daqui, espero que o elevador ainda funcione. Ainda acho que
tem mais dessas porras de necroides subindo. – Virou-se na direção do elevador.

– E o pessoal lá em baixo? – Indagou Boris, parado no mesmo lugar.

– Vão ter que se virar sozinhos, infelizmente. – Apenas virou o rosto para responder.
De repente a pulseira comunicadora de Boris vibra e ele abre o link holográfico. A
projeção azul em 3D mostra no ar o hall de entrada com muitos mortos, tanto
seguranças, necroides e os mascarados dos Steelhearts. O chão está coberto de
vermelho, o homem com a máscara de porco foi um dos poucos se não o único
sobrevivente da carnificina. Apesar disso, perdia muito sangue com o tiro na barriga.
O pobre coitado rastejava com dificuldade até o balcão da segurança, tentando
achar uma posição mais favorável que não lhe trouxesse tanta agonia com o
ferimento exposto. Não conseguiu. só se encostou atrás do balcão de metal para
falar.

– Boris… Tá me ouvindo? – Perguntou o mascarado, deitado atrás do balcão.

– Tô sim, o que aconteceu, cara? – Apertou a boca transformando os lábios em


duas finas linhas paralelas. Era sua maneira de mostrar preocupação.

– Uma merda fudida… Uns robôs… Parecia ter gente dentro… Mas juro que não tô
chapado... Era gente morta… – Disse gaguejando.

– Sei que não está chapado, apareceu essas merdas aqui também, mas e depois?

– Eles não paravam de surgir… Pareciam baratas… O… A quantidade foi absurda que
ficamos em desvantagem… Os cornos dos seguranças cresceram e começaram
atirar também… A gente fodeu eles, o problema foi esses robôs ou seja lá o que for…
Eram muitos…. Muitos mesmo, e continuam chegando, quanto mais a gente matava,
mas vinham… Porra… Tá vindo mais agora! …. – As palavras dele tinham medo.

– Fica calmo, eu, Joe, Leon e Thomas vamos descer e ajudar o pessoal aí de baixo.
– Boris correu para dentro do elevador com muita pressa.

– Esquece cara… Já era… Acho que só eu sobrevivi mesmo assim nao vou aguentar,
levei um tiro no estômago… E não é duvidar da sua capacidade nem do pessoal…
Mas acho que nem se toda gangue viesse ia conseguir matar esses merdas desses
robôs do caralho… Você não tem noção de quantos são, o térreo tá cheio, acho que
pensam que eu estou morto e tão subindo os andares… Cara… Vamos todos
morrer…. – Ele quase chorava.

– Não vamos, Liam chamou Yami, vamos escapar voando. – Disse confiante.

– Fico feliz por vocês, mas pra mim já era… Não façam a besteira de descer aqui…
Aproveitem a chance e caiam fora. Essas porras não podem sair do prédio, vou
armas as bombas e quando vocês partirem vou mandar eles pra casa do caralho…
Vou me foder mas vou levar essas coisas comigo pra o inferno… – Tossiu sangue.
– Você acha que vai dar pra pôr tudo abaixo explodindo só o térreo? – Perguntou.

– Claro… O térreo é a base de qualquer edifício, explodindo ele o resto do prédio fica
abalado. Pra não causar um efeito dominó e cair detonando as construções vizinhas
um troço alto como esse vai ativar uma implosão sequencial caindo na vertical e
não inteiro na horizontal.

O link estava aberto e Leon, Thomas, Joe também ouviam, não havia muito o que
fazer, em silêncio Boris concordou e Joe acionou o botão do elevador para subir, o
mecanismo gemeu tentando funcionar. No entanto, antes que as portas se
fechassem, ouviu-se um gemido. Boris barrou o avanço da porta dupla com a mão
direita e caminhou até os lamentos, se ajoelhou entre alguns escombros e sorriu
com uma malignidade ao perceber do que se tratava seu achado.

– Se liga, Joe, o guardinha que quis nos peitar ainda tá vivo. – Olhou em direção ao
trio no elevador.

– Foda-se, deixa ele pra explodir junto com o prédio, vem logo, seu bosta. –
Respondeu segurando a porta para não se fechar.

– Que nada.... Esse merdinha atirou na gente enquanto os defuntos enlatados


estavam entrando, matar robô ou gente que já morreu não tem graça. Nós perdemos
muitos amigos hoje, vou descontar minha raiva nesse aqui. – Ergueu o corpo
coberto de sangue e cortes, colocando entre os ombros e as costas.

– A gente vai levar um peso desnecessário, larga esse cara! – Contestou.

– Fica frio, Joe, porque o incômodo? Eu que vou carregar ele, o problema é meu, não
seu – Entrou no elevador com o refém semi - inconsciente.

Com a demora de Boris, Joe ouviu os barulhos mecanizados e botas batendo em


assoalho de metal. Os sons vinham das escadas, enquanto o outro carregava Aron
ferido para dentro do elevador, Joe puxou do casaco duas granadas de mão e
arremessou em direção a porta de entrada do andar, a direção de quem chegaria
pelas escadarias. Em seguida as duas bombas explodiram subitamente. Aquilo não
ia conter a nova horda de necroides mas ia impedir o avanço deles até que o
elevador se fechasse e começasse a subir os andares. Foi o que aconteceu. Assim
eles chegaram ao terraço sem muita demora, o restante da equipe esperava ansiosa
e finalmente se reuniram novamente. Com Aron nos braços, X-9 não se conteve e
curiosa foi até Boris.
– Quem é esse aí? – Apontou com a destra.

– Não sei, mas pensei que seria legal ter alguém que nos pudesse dar mais
informações. – Olhava para cima, esperando a chegada da aeronave no terraço.

– Não entendo… Completamos a missão… Pra que interrogar o cara? – Ponderou


coçando o próprio queixo.

– AH, CUIDA DA SUA VIDA, GAROTA. – Respondeu rispidamente para X-9.

– Ta ok… – Ela se afastou com as mãos erguidas para frente, pedindo calma.

– Pessoal, a galera lá de baixo tomou no cu, tá quase todo mundo morto, com
exceção do Fred, o cara com máscara de porco, pra quem não o conhece.
Combinamos que esses necroides não podem sair do prédio e vamos explodir tudo
assim que o Yami nos tirar daqui. – Jogou Aron desacordado no outro ombro para
descansar o que ele apoiou anteriormente.

– Mas tem gente inocente nos outros andares. Jornalistas, redatores, operadores de
câmeras, estagiários… Tanta gente! – X-9 explicou gesticulando as mãos na frente
do rosto.

– Pra mim tudo farinha do mesmo saco e podem ir pelos ares com a emissora,
todos cúmplices das elites e das megacorporações. Além do mais, menina, você
não quer livrar seu rabo não? Não quer tirar o seu da reta? Agradeça, colocando tudo
abaixo é garantia de que a cabeça da androide vai pra o espaço. Sabe, os dois
bonitões aqui. – Apontou para Leon e Thomas. – Ficaram brincando de marido e
mulher em vez de detonar a cabeça da CP3 e tivemos que explodir tudo de fora da
sala, foi um serviço feito nas coxas. Se esse filho da puta que estou carregando
sobreviveu a explosão do nerdão, tem grandes chances da sua amiga de ferro ainda
estar inteira. Pense nisso.

O altruísmo podia ser grande, mas não maior do que a vontade de se livrar da
confusão que K’dore a colocou. Entre deixar morrer algumas pessoas e não ser
acusada da morte do prefeito ela não tinha dúvidas, escolhia a segunda opção. Não
contestou mais o Boris. Em meio a isso se ouviu o barulho de motor, um ronco alto
sobre o céu nublado de Miraitrópolis, quem olhou para cima percebeu algo se
movendo, mesmo a chuva e neblina tóxica da poluição atrapalhando a visão. As
luzes vermelhas no piso reto do terraço não ajudaram Yami a localizar o heliponto,
foi o imenso telão retangular do tamanho de uma quadra de tênis preso a fachada
do topo do edifício que o guiou. A luz do rosto pixelado da gueixa no anúncio
comercial conseguia sobrepujar toda a escuridão e Yami apostando em sua
habilidade de piloto fez a manobra logo acima da propaganda gráfica que se
contorcia em seu apelo de marketing. Sua dedução estava certa, o jetfly aterrissou
seguro no terraço, não exatamente no heliponto, mas aterrissou seguro.

– Puta que pariu, Liam, você me coloca em cada roubada ein! Vou aumentar meu
preço... Olha como tá esse céu, escuro e sujo. E AINDA TÁ CHOVENDO! – Abria a
porta do avião para todos entrarem, reclamando da condição do clima, como se nos
outros dias fosse diferente.

A gangue subiu a bordo na aeronave, Yami religou os motores e pôs seu brinquedo
para voar, a sorte é que o prédio do canal 17 era alto demais e o terraço possuía
uma área ampla e maior do que quinhentos metro, a nave ganhou velocidade
suficiente para levantar voo até que sem dificuldades. Assim que o jetfly se lançou
dos limites do terraço, o trem de pouso tocou a borda do telão do topo que se
desprendeu da fachada caindo no abismo urbano. Yami riu e soltou um “Ops” mas o
clima entre a equipe estava um tanto quanto tenso para acharem graça.

Assim que o avião ganhou distância da emissora Boris avisou o homem com
máscara de porco de que já haviam partido e mesmo com a neblina cinza ocultando
as luzes da cidade com seu véu noturno, o clarão amarelo despontou de longe se
destacando na penumbra fantasmagórica. O fogo ardeu furioso, o estrondo foi
grande, um rugido monstruoso. Das janelas do jetfly viu-se outras explosões depois
da primeira e mais barulho. O Canal 17 não existia mais, assim como todos seus
funcionários e quem estava dentro.

Narrador (Anthony Montana)

A manhã chegou como todas as outras, o sol tentava empurrar seus raios contra a
barreira espessa de gás, e como as alvoradas anteriores falharam em sua missão. O
máximo que conseguia era dar um tom alaranjado no cenário escuro. Nesse pano de
fundo desanimador estava a imponente sede das empresas Orion, com seu topo em
forma de abóbada e a frente a águia de concreto e ferro, símbolo da família K’dore e
sua mega empresa. Abaixo desse domo encontra-se o escritório de Jaime K’dore,
dono e fundador da Orion Corp. Com ele estava alguns empresários mas quem era
importante entre eles era uma mulher de cabelos curtos e fios prateados, penteado
arrojado cabelos, na faixa dos cinquenta anos. A tonalidade dos fios dava um ar de
maior seriedade à mulher e não só porque ela se encontrava extremamente
enfurecida. Jaime não parecia se preocupar, e com um sorriso irônico tentava
acalmar a tal mulher.
– Carmen, Carmen… Carmen, assim você vai acabar assustando meus empregados,
rs – Riu girando a cadeira central ao meio do círculo de empresários.

– E não vai trazer sua emissora de volta. Precisa encarar isso de uma maneira mais
fria, nem parece que daqui algumas horas será a dona dessa cidade.

– Aquilo era o símbolo da minha família, a marca dos Telfords, não iria lidar bem se
acontecesse o mesmo com a sua querida Orion. – Mesmo com raiva ela mantinha a
classe, mas o olhar era intimidador.

– Analisando… Agora não há nada que a ligue nenhum negócio corporativo de


Miraitropolis. Veja como um empresário do meu porte vê as coisas, o que para
muitos é uma tragédia, interprete como uma nova oportunidade. Uma porta se fecha
para outra se abrir. – Disse de braços para trás e de costas para Carmen,
contemplando o horizonte urbano de fumaça e neon de Miraitropolis.

– Vou tentar… Mas depois de assumir o domínio de Miraitropolis mandarei caçarem


esses ratinhos que destruíram o Canal 17, eles e seus cúmplices. – Disse com fúria.

– Faça isso, mas antes apenas assuma o lugar do vice prefeito hoje e empenhe-se
nessa tarefa, com consistência e convicção, torne tudo crível ao povo. – Lembrou,
sentando-se na grande mesa à frente de Carmen.

– Farei isso, você sabe que sou uma mulher de palavra e bem persuasiva quando
quero. – Carmen jogou os cabelos prata para o lado, com certa soberba.

– A propina foi bastante salgada. Para minha sorte, o vice-prefeito não é tão careta
quanto Sirius e aceitou a primeira proposta. – Fitou-a seriamente.

– Jaime, você parece tranquilo demais, esqueceu que quando explodiram o Canal 17
eliminaram as provas contra seu bode expiatório? – Olhou direto para Jaime que se
virou.

– Sim, é verdade, mas com a greve iminente da polícia quem vai investigar o caso? O
judiciário vai arquivar o caso. Dá no mesmo, eu acabei me livrando de ser associado
à morte de Sirius. Então vamos nos concentrar no discurso, vá para casa, Carmen,
ensaie bastante na frente do espelho e o mundo será nosso. Hehehe. – Falou
novamente com ironia. Carmen ignorou e saiu do escritório. Jaime permaneceu
sentado assistindo a saída dela, rindo.

No QG dos Steelhearts foi combinado que devido ao cansaço todos passariam a


noite no prédio, mesmo a contragosto de alguns, a exemplo de X-9 que ainda não
confiava nos novos colegas. Cada integrante escolheu uma peça do local, ela
preferiu ficar no jetfly, dormindo nos assentos da carona. Yami não gostou da ideia,
mas Liam o convenceu a escolher um quarto para que a garota de cabelo azul
pudesse se sentir mais à vontade. Quando acordou todos já estavam em pé. Saindo
do avião ela caminhou sem rumo, deslocada pelo lugar, vendo muitas pessoas,
outros membros da gangue indo de um lugar ao outro, carregando caixas e pondo
maquinários para trabalhar. Não entendia nada daquele assunto, não conhecia
ninguém. Esperava encontrar alguém conhecido, Thomas ou o próprio Liam, as
pessoas que melhor receberem e desejava não topar com Akane, além de
provocadora aquela mulher lhe dava arrepios. Se afastou do barulho alto dos
trabalhadores em seu serviço pesado e quanto mais ganhava distância um ruído
ficava mais claro. Aquilo se tratava de gemidos e gritos. Aquilo vinha de uma porta
de ferro enferrujada, tocou a mesma com a mão e afastou-a devagar. A peça era
fria, escura e suja, ratos perambulavam no labirinto de tubulações que vazavam
algum tipo de líquido sujo. Os sons de agonia se tornaram mais evidentes e junto
dessa uma voz sádica parecia se divertir, pois logo transformou-se em gargalhadas.
Quando sua visão se acostumou reconheceu de quem era a risada, Boris, e o outro
homem que sofria seus flagelos, amordaçado e amarrado com algemas em canos
de ferro se tratava do segurança que ele mesmo raptou. Aron estava com o rosto
coberto de hematomas e sangue, seus olhos haviam fechado devido ao inchaço.
Não dava pra ver se ainda tinha dentes. Também podia-se notar que estava baleado
no ombro direito, braço esquerdo e uma das pernas. Seu uniforme rasgado da
clavícula até o abdômen mostrava cortes, chicotadas, lesões e queimaduras. X-9 se
chocou com a cena e deu dois passos para trás, afastando-se, mas suas costas
bateram na tubulação e uma chave inglesa caiu de cima dos canos ecoando no piso
molhado, chamando a atenção de Boris.

– QUEM ESTÁ AÍ? – Perguntou, sem obter resposta.

– CARALHO, QUEM TÁ AÍ? – Desta vez largou a estaca que cutucava uma ferida
aberta de Aron e avançou na frente de X-9, pegando-a pelos cabelos azuis.

– Ah… É você? O que tá fazendo aqui, putinha? – Puxou para mais perto o rosto da
hacker, segurando sua face enquanto enrolava os fios longos nos dedos da outra
mão.

– ME LARGA OU VOU GRITAR! – Com a ameaça Boris a soltou, mas continuou a


encarar.

– Você não vai falar nada para ninguém! – Ameaçou-a apontando a estaca.
– Pelo jeito que Liam te olhou ontem, ele não concorda com isso! – Protestou, com
medo.

– É, mas agora é tarde demais. – Sorriu.

– Isso tá errado… – Tentou confrontar Boris, mas baixou a cabeça.

– Boris, Leon, Akane, Thomas, X-9, Liam está solicitando a presença de vocês no
segundo andar. – A voz de Joe convocava a todos, interrompendo a discussão dos
de X-9 e Boris.

A garota de longos cabelos azuis deu espaço para Boris passar, ele aproveitou para
lhe dar uma encarada muito intimidadora. A hacker esperou o homem sair,
caminhou até o segurança prisioneiro e em seu uniforme ainda residia o crachá
preso. Puxou da roupa, limpou o sangue coagulado e leu o nome Aron Steiner. A sala
de reunião se tornou pequena quando toda gangue se agrupou na peça, até mesmo
aqueles homens que pareciam menos importantes como operários trabalhando em
uma caldeira foram convocados. O holovisor estava novamente sobreposto em
cima da mesa. As imagens tridimensionais projetadas na parede de aço ia
possibilitando que todos tivessem visão das imagens da prefeitura. Uma coletiva de
imprensa foi feita, com palanques, mesas e microfones nas escadarias da
prefeitura. Jornalistas, câmeras e helicópteros davam cobertura. Seria a posse do
vice-prefeito, no entanto tudo estava atrasado. Depois de uma hora ninguém ainda
havia se pronunciado, foi então que a transmissão foi mudada para os estúdios da
redação, lá, a morena de cabelos até os ombros, Kelly Ortega, âncora do Jornal
Dínamo se dirigia aos telespectadores

– Enquanto o novo prefeito ainda não toma posse, vamos as principais notícias do
dia. O canal 17 sofreu um atentado terrorista hoje a noite. Em poucas horas,
autoridades federais foram chamadas para investigar um dos mais estranhos
crimes na história da televisão, uma rara invasão de sinal de transmissão. Sem
motivo, método ou culpados aparentes. Especialistas afirmavam que a causa do
incômodo gerado por quem assistiu foi devido a frequência utilizada na
transmissão, algo entre 17 e 19 hz. que quando vista faz com que os olhos vibrem
sutilmente causando efeitos colaterais. O hacker ainda não havia sido capturado, e
as tentativas de rastrear o vídeo foram inúteis. Ninguém sabe também o que quer
dizer aquele xis e aquele nove. – A âncora trocou os papéis em suas mãos e leu a
notícia seguinte.

– Com a morte do prefeito Sirius a greve da polícia é certa. O chefe do


departamento alegou que as negociações estavam sendo feitas, acredita-se que
Sirius estava quase entrando em acordo de novos salários aos oficiais. O
vice-prefeito deixou claro que seja qual fosse o acordo, Sirius levou com ele para o
túmulo e não tem interesse em mantê-lo. Portanto, é oficial, a polícia acaba de entrar
em greve. – Desta vez um jovem da redação entregava a Kelly uma folha a qual ela
com urgência leu antes das que esperavam.

– Notícia de última hora, recebemos a informação de que a posse do vice-prefeito


foi suspensa. Não se sabe direito a razão, mas a promotora Carrie Hiring entrou com
um processo judicial suspendendo por 30 horas a transição de cargo. Ela alega que
uma prática inconstitucional está sendo preparada com a posse. A alta corte de
Miraitropolis lhe deu o prazo até às 14.00 de amanhã para apresentar as provas.
Caso contrário, o vice-prefeito Goliath assumirá o novo posto. – Desta vez ajeitou o
papel que iria ler antes da notícia urgente.

– Por falar em prefeitura, amanhã também será o enterro de Sirius, no cemitério


neon no bairro de Miraitroide, às 23:00 da noite. Estima-se que mais de um milhão
de pessoas passará para dar o último adeus a Sirius. Parece que hoje e amanhã
serão dias agitados e importantes para Miraitropolis. – Interrompendo a
transmissão ninguém mais ninguém menos do que Tony Montana aparece no
holovisor para interagir com os Steelhearts em uma chamada de link direta.

– É… Parabéns, vocês conseguiram voltar vivos e ainda completaram a missão. Foi


legal aquele lance de fazer todo mundo vomitar as tripas olhando aquelas imagens
absurdas… Confesso que fiquei surpreso quando soube que o Canal 17 tinha ido pra
vala. Realmente não era para tanto, precisavam só destruir aquela cabeça de
androide. Mas quem se importa? Carmen Telford deve estar comendo os próprios
dedos agora e eu estou dando risada disso. No entanto… Ela é uma onça, e vocês a
cutucaram com vara curta… Para piorar, a promotora conseguiu uma liminar para
suspender a posse de Telford, a mulher deve estar puta da vida… Duas puxadas de
tapete em menos de 24 horas… Não devem estar entendendo nada não é mesmo?
Com minha pequena influência consegui convencer a promotora de receber vocês
no apartamento dela. Carrie vai explicar a situação. Tomem nota do que ela precisa
e a ajudem no que ela precisar. Ah! Já esquecendo, passei o valor que prometi a
cada um de vocês em contas que eu mesmo criei. Falo melhor disso depois. Até
mais!

(Carrie Hiring)

Antes de terminar aquela manhã já conturbada, Akane, Boris, Leon, Thomas, Joe,
Liam e X-9 foram ao apartamento de Carrie Hiring em Allstreet, bairro nobre da
cidade. Ela os recebeu no residencial de luxo Delta, e sua casa era bem diferente do
que a maioria deles conhecia. Na sala de jantar com mesa e cadeiras de madeira
altas e bem confeccionadas, a luz da rua entrava por entre as quatro janelas
paralelas da parede.

– A situação é essa. – Dizia a advogada loira, em pé, na frente de todos.

– Jaime K’dore pagou propina para que o vice prefeito, Goliath abra mão do seu
direito para Carmen Telford, ela vai servir de testa de ferro de K’dore. Vocês
conseguem entender a gravidade da situação? Se Carmen assumir nossa política vai
mudar de uma… Pseudo democracia para um regime corporativista… Vamos ficar a
mercê de empresários… Eles vão ditar as regras, mudar leis… Tudo para favorecê-los
e jogar o povo cada vez mais no fundo do poço… Eu não quero isso, acho que vocês
também, então é algo que interessa a todos. Mas… – A advogada vestida toda de
branco caminhou preocupada, deu uma volta na mesa de madeira e voltou a olhar a
gangue – Não tenho indícios suficientes para provar esse jogo corporativo por
debaixo dos panos…

– Do que exatamente você precisa, Carrie? – Indagou X-9.

– Algo que prove essa propina, esses acordos. Sejam conversas, vídeos,
documentos… Qualquer coisa que eu possa apresentar ao juiz amanhã.

– E tem alguma ideia de onde a gente pode procurar isso? – Tirou o teclado Kia das
costas, de dentro da mochila e o ligou.

– Talvez com a Yakuza, nos corredores do tribunal de justiça se ouve muito que
K’dore queria firmar uma aliança com os japonês.

– Yakuza? Hmmm… – Repetiu o nome da máfia japonesa movendo os dedos em


cima dos teclados, digitando muito e emitindo os “tec tec tec” irritantes até que
sorriu.

– Sabe o que é estranho? – Comentou não só para Carrie, mas com os demais
também. – Depois que fiz o backup do sistema do Canal 17, aconteceu um bug
estranho… Não sei explicar, mas fiquei com muitas informações armazenadas no
KIA. O projeto dos necroides estão todos aqui. Junto dessas pastas invisíveis tem
um cronograma, um tipo de agenda. Fiz a busca por “Yakuza” e ela relacionou uma
sequência de datas, tudo no nome de Jaime, outras no nome de Carmen.

– Foram vocês que explodiram o Canal 17? – Carrie perguntou com espanto.
– Sim, mas não conte pra ninguém, ou não a ajudamos. – X-9 brincou, mas Carrie
por ser uma pessoa muito séria levou ao pé da letra e concordou.

– Acho que já sei o que fazer… – Ela compartilhou os dados, mandando as


informações para a vidraça interativa do apartamento de Carrie. Fazendo das
janelas um componente auxiliar do seu KIA assim como uma fonte para que ficasse
visível a todos o que tinha armazenado, também tornou mais fácil a manipulação de
pastas e arquivos em uma superfície touch screen.

– Achei nos dados ocultos do backup uma coisa interessante. Jaime K’dore vai se
reunir com a Yakuza hoje em um inferninho em Nocturna. Porque a escolha de um
bairro voltado a prostituição em vez de uma cobertura luxuosa? Não sei, acho que
pra evitar suspeitas, ninguém imaginaria ele indo em um local desses… E ele não
quer ser visto com a Yakuza… Não faz a menor diferença. O que importa é que ele
vai levar uma valise misteriosa até os japas. Imagine se é nessa maleta que está o
que a Carrie precisa? Vamos pensar… Não seria tanta coincidência, ele deve estar
correndo para pôr na prática os planos que tanto bolou. – Carrie deixou de lado sua
seriedade e sorriu.

– É irônico que a máfia italiana e uma gangue estejam ajudando a promotoria… É a


prova de que até mesmo inimigos não concordam com o sistema que está por vir,
será ruim para todos. Vocês têm até amanhã para me entregar algo substancial.

A gangue voltou para o QG no Submundo, X-9 não deixava ninguém se aproximar da


tela do seu computador, como uma gata protegendo sua ninhada. Quando se tratava
disso era a única vez que não agia tímida, embora já estivesse ganhando confiança,
como foi no caso no apartamento de Carrie, uma vez que tomou para si a
responsabilidade e falou em nome de todos. Usou a tarde inteira para desenvolver
seu plano cibernético, e quando conseguiu pulou em um salto da cadeira
comemorando. Chamou Liam em particular e explicou o que ia fazer.

– Olá, Liam… – Cumprimentava e sua timidez voltava quando falava com Liam.

– Sei que gastei a tarde inteirinha e a gente tem pouco tempo, mas consegui!
Demorei pra ganhar a confiança da Tríade, mas consegui convencê-los de que não
era falsa a informação da localização do encontro de K’dore com a Yakuza. Vai
haver um acerto de contas entre as máfias rivais hoje… Jaime estará junto… Ele vai
ficar no meio do fogo cruzado. Os dois lados morrem e a gente pega essa valise
para Carrie. – Sorriu para Liam, baixando a cabeça.
– Mudando de assunto… Tem algo que está me incomodando… Depois você precisa
dar uma olhada naquela porta perto do porão… – Sem dar oportunidade de Liam
responder, se afastou como se estivesse assustada, falando mais do que devia.

Aquilo talvez fosse gerar um conflito entre Boris e Liam, X-9 se referia a Aron
torturado naquela sala. Meia noite e X-9, Liam, Akane, Leon, Boris, Thomas e Joe
ficavam posicionados estrategicamente em cima de um telhado vizinho ao ponto de
encontro da Yakuza e Jaime K’dore. Lá embaixo, em uma boate barata e fedorenta
chamada vulgarmente de La seducción y el sexo, carros com pintura preta
estacionavam, saindo de dentro os maiores figurões da Yakuza. Em seguida uma
limousine prata também parou a frente da boate e de seu interior Jaime K’dore com
seus seguranças entraram no estabelecimento. Tudo se encaminhava como de
acordo com o planejado.

– É agora, o show vai começar, abaixem-se. - Avisou, X-9, se escondendo entre


alguns aparelhos de ar condicionado.

Em cinco minutos carros fecharem o beco, de dentro homens com tatuagens e


fortemente armados vestidos como um esquadrão tático, mostrando que estavam
preparados entraram já atirando. As primeiras a cair foram as dançarinas do palco, o
seu sangue e seus corpos escorreram pela passarela luminosa.
Somente as androides fabricadas para o prazer, as Dynatrons permaneceram em pé
encarando as miras a lasers do armamento da Tríade. Programadas também para
proteger, as androides que estavam armadas puxaram suas pistolas e atacaram de
volta. Nesse instante os membros da Yakuza se uniram ao confronto. Olhos se
encarando deram lugar a agitação de vozes, comandos em japonês e mandarim que
por sua vez deu lugar a tiros. Cintilavam os flashes dos disparos chicoteando as
paredes e vidros impiedosamente com suas garras luminosas, rasgando a epiderme
de quem estava na boate mediante um extasiado furor que traduzia-se em
desespero. Ao centro um turbilhão da morte, a sinfonia durou mais do que o
esperado. Naquela noite chuvosa os Steelhearts esperavam espreitando
seguramente dos telhados vizinhos, foi só quando os barulhos de tiros cessaram
que silenciosamente desceram pelas escadas de incêndio.

Armados com cuidado, se dirigiam para a porta, mas dois Yakuzas sobreviventes
quase destruíram a entrada da boate saindo às pressas. Estavam tão assustados
que não perceberam a gangue, eles só queriam fugir do local. Vendo uma
oportunidade Joe saltou para cima da dupla japonesa e sem pensar duas vezes o
corajoso membro da gangue de Liam correu apontando fuzil Ak 47 fuzilando as
cabeças. Por terem sido pegos desprevenidos Joe levou a melhor. Infelizmente
aqueles dois não eram os únicos a sobreviver e sabendo da sua presença, outros
dois saíram e renderam o agressor. Quando eles caíram no chão segurando o
Steelheart, Joe usou o cano da arma para enterrar o mesmo entre os olhos do
Yakuza e atravessar a cabeça espetando seu cérebro com uma baioneta. Fez o
mesmo o outro. Quase em simultâneo um grupo ainda maior o cercou e o problema
era maior, se tratava dos soldados bem protegidos da Triade, que com seus suits
que não deixavam nada a dever a SWAT. E para piorar, algumas Dynatrons de salto
plataforma, mini saia, casacos de plástico transparente usando pistolas de munição
explosiva fecham o cerco. Não dava para saber se elas estavam contra a Triade ou
decidiram atirar contra Joe. De qualquer forma ele ficaria no meio da guerrilha. Joe
olhou para o resto da gangue, perguntando.

– E aí, vão ficar olhando ou dá pra ajudar?

Detalhes e considerações.

A missão é simples: se defender, eliminar os inimigos se preciso e procurar e achar


a valise. Ela está com algum dos soldados ou das androides Dynatrons.

Aron está sendo feito prisioneiro, portanto fica a critério dele postar nessa rodada ou
não. Se postar pode descrever o que passou nas mãos de Boris.

Liam pode decidir no seu turno se fala com Boris sobre o rapto de Aron e pode dar
um rumo a essa questão, se o adverte ou não.. Também fica a critério se ele vai
averiguar a porta que X-9 mencionou agora ou depois da missão.

Não narrem sucesso e se esqueci alguma coisa, posto em seguida.

Liam

A situação estava ficando cada vez mais caótica, nossa luta contra os Necroids
transformava o enorme corredor em uma zona de guerra. Vidraças quebradas,
pilares de concreto perfurados, além do barulho e da luz emitida pelas armas.
Porém, o som e o brilho dos disparos cessaram, os corpos cadavéricos fundidos
com a tecnologia estavam jogados por toda parte, o cheiro era horrível, por um
momento tive vontade de vomitar. Parado, com o braço direito escorado num pilar,
segurando uma uzi, olhei em volta e por incrível que pareça, estávamos todos bem.

Entra uma conversa e outra, Joe encontrava uma porta que provavelmente nos
levaria até o terraço. Ele nos guiava até a porta, estourando a tranca com um tiro,
subimos uma pequena escada e finalmente estávamos no terraço. Era um heliponto
simples, com luzes vermelhas espalhadas, que serviam obviamente como uma
espécie de sinalizador para as naves e helicópteros. Os idiotas do outro grupo não
estavam lá, por um momento achamos que fosse um atraso, mas quando aquele
elevador chegou e abriu as portas, mostrando seu interior vazio, uma preocupação
começou a surgir.

Tanto X-9, quanto Joe tentavam entrar em contato com os outros três, mas todas as
tentativas foram em vão. Então aquele drogado resolveu bancar o herói, fiquei
orgulhoso em vê-lo determinado daquele jeito, fazia três meses que Joe tinha
parado com a heroína e o pó de neon e pelo jeito estava bem com isso. Eu lhe
entreguei as granadas de mão restantes e o que me restou de munição e antes que
ele entrasse no elevador, disse.

– Tenho cuidado, seu drogado de merda.

Ele sorriu, me mostrou o dedo do meio e entrou na cabine do elevador. Voltei meu
olhar para as garotas, estavam uma de cada lado, Akane com sua postura de
costume, aquele olhar frio e aquela expressão de quem não era abalada por nada.
Já X-9 tinha uma postura bem diferente, parecia nervosa e assustada e após a troca
de olhares que rolou quando a protegi, resolvi tentar deixá-la menos nervosa.

– Vai ficar tudo bem, o pior já passou. Só tente relaxar um pouco.

Eu não era bom nisso, em confortar as pessoas, mas pelo menos tentei. Ficamos ali,
parados esperando o retorno de Joe com os outros, encarei a cidade por alguns
segundos e era uma merda lembrar que vivemos em um labirinto de prédios
brilhantes com poluição e corrupção para todo lado. Depois de alguns minutos, a
porta do elevador se abria novamente e o esquadrão classe A estava reunido e por
incrível que pareça todos aqueles idiotas estavam inteiros, inclusive o Thomas, que
vamos combinar, ninguém espera nada de um nerd maluco.

Boris carregava um sujeito nos ombros, X-9 o questionava e ele como sempre era
um ogro, respondendo ela com má educação que possuía. Enquanto isso, Joe nos
atualizava, noticiando o que havia acontecido com o resto da gangue, o pessoal que
foi usado como distração. Era triste, muitos deles estavam comigo desde o início da
gangue, agora estavam todos mortos, além disso, ele comentava sobre a briguinha
do Thomas e o Leon.

– Garantirei que as famílias deles recebam uma boa grana, e quanto a vocês dois, já
desconfiava.

Esclarecia sobre os membros mortos e zombava de Thomas e Leon, para piorar


gente ia morrer, agora os inocentes que trabalhavam no prédio. É algo lamentável,
mas não tínhamos escolha. Yami pousava o JetFly sobre o heliporto, a porta se
abria e aquele japa gordo já chegava resmungando. Enquanto o pessoal entrava no
avião planador, eu respondia Yami.

– Você vai ser bem pago, quem tá bancando é o Tony Montana, o babaca italiano.

Com aquela cara de poucos amigos, ele parecia “aceitar” aquela situação de merda.
Antes de Boris entrar no avião, parei na frente dele, falando.

– Não quero que volte com os hábitos da época que pertencia à máfia russa,
quando chegarmos, quero que jogue esse cara na frente de algum hospital.

A nave chegava sem nenhum problema até o QG, ficou combinado que todos
passariam a noite no QG, afinal tínhamos mais coisa para fazer no outro dia. Eu fui
para meu escritório, junto com Joe, que no momento era meu braço direito. Recebi
novas instruções através do Holovisor, que estava sobre a mesa de reuniões. Pedi
para que Joe chamasse todos para sala, não demorou muito para todo mundo se
reunir e então liguei o Holovisor.

Primeiro parecia as imagens do noticiário, onde a âncora do jornal falava sobre a


situação da política e sobre o atentado a emissora, por fim o falastrão do Tony
surgia, com aquela cara cínica de sempre. Ele dava novas instruções, aparentemente
algo grande estava prestes a acontecer no modelo político da cidade, que já era uma
merda e para impedir isso precisamos ir ao encontro de uma promotora. Eu odiava
ser o garoto de recados do Tony, mas era uma situação extrema, tinha que deixar
meu orgulho de lado.

Nem mesmo tivemos tempo de nos trocar, vestindo aquele terno amassado, entrei
na nave do Yami com os outros, partindo para o residencial Delta, um lugar
realmente luxuoso. Éramos recebidos pela promotora, uma linda loira, que chamou
minha atenção no exato momento em que a olhei. Sentamos em volta de uma mesa,
onde ela explicou toda situação e pela primeira vez X-9 tomava as rédeas, eu fiquei
calado, apenas observando ela falar e digitar naquele computador, era bom vê-la
mais animada.

Depois de todo papo, ficava decidido que iríamos atrás de K’dore e de alguns
membros da Yakuza, em um inferninho em Nocturna, aconteceria um encontro lá.
Voltamos para o QG, tomei um banho e vesti minhas roupas de costume, uma
camisa preta, calça jeans e um sapato comum. X9 então me chamou até o quarto
em que estava, ao entrar ela me cumprimentava, ficando com uma expressão tímida
no mesmo instante, era até engraçado.
– Olá minha hacker preferida e olha que odeio hackers.

Respondia em seguida ela começava a falar sobre o que tinha descoberto e o que
tinha conseguido fazer, aquela garota era realmente boa, ela de alguma forma tinha
conseguido fazer a Triade ir para cima da Yakuza no inferninho, o que seria uma
baita distração para que pudéssemos agir.

– Você é demais, pedirei ao Joe que atualize todo mundo e mande eles ficarem
prontos.

Ela abaixava a cabeça, sorrindo de forma que a deixava fofa, se toda aquela merda
acabasse bem, talvez eu devesse levá-la para jantar. Antes que eu saísse do quarto,
ela mudava de assunto, comentando sobre uma porta perto do porão,
aparentemente o depósito de sucata. Saía do quarto pedindo a Joe para avisar todo
mundo sobre o que iria acontecer e desci para o primeiro andar, indo até a tal porta.

Ao abri-la, me deparava com aquele homem amarrado, todo ferrado e com marcas
de tortura por todo corpo e adivinhem, era o segurança que o Boris tinha pegado. O
filho da puta não seguiu o que eu disse e além disso torturou o cara por puro prazer.
Fechei a porta e caminhando pelo corredor, chamei um dos meus capangas.

– Denz, tem um cara na sala de sucatas todo ferrado, jogue ele na porta de um
hospital e vaze, ok? Não fale disso com ninguém.

Por fim encontraria com os outros, entraria na maldita nave do Yami, que nos levaria
até Nocturna, agora o avião estava mais cheio, pois além de Akane, Thomas, Leon,
X-9, Joe e o filho da puta do Boris, eu tinha convocado mais cinco membros da
gangue por precaução.

Yami nos deixava em um telhado, frente a tal boate, que possuía o nome mais
escroto do mundo. Primeiro avistávamos a Yakuza entrando e logo depois K’dore.
Porém o melhor da noite ficava com a Triade, que chegava logo depois, invadindo
com tudo. Da posição em que estávamos, apenas conseguimos escutar a gritaria e
os tiros, quando a barulheira parou, resolvemos descer a boate.

– Vocês três vão pelos fundos. Akane e Leon, acompanhe eles.

Mandei três dos meus cinco capangas irem pelos fundos, enquanto eu e o resto do
pessoal ficávamos na entrada da frente. Dois malucos saiam de dentro da boate,
correndo feito loucos, Joe tentando pagar de fodão acertava os manés por trás e
logo era abordado por mais um, que ele também conseguia derrubar. Porém, a
merda piorou quando uns robôs do sexo, uma das coisas mais nojentas do mundo
tecnológico. Joe olhava para a gente, pedindo ajuda, no mesmo instante gritei.

– X-9, entra na cabeça dessas putas robóticas e o resto de vocês, atirem!

Sacava minha pistola, apontando e apertando o gatilho diversas vezes, mirando


sempre na cabeça. Assim como meus capangas, eu usava munição extra perfurante,
capaz de atravessar alguns tipos de blindagens. Não sabia o que resultaria daquela
confusão e realmente esperava que aquela fosse a última parte daquele caos.

Akane

Quando cheguei no QG dos Steelhearts eu não fiquei parada. A passos apressados


fui no quartinho que deixei meu vestido e troquei de roupa. Não aguentava mais usar
as roupas sociais necessárias para o disfarce, portanto só restou jogar as peças no
lixo. Rapidamente vesti o vestido e fui direto para o térreo e por fim, voltei para a rua.
Minha moto estava a duas quadras do QG e intacta, também, não era para menos,
estava bem camuflada e só podia ser vista e desarmada por mim mesma. E assim
fui para a mansão Montana.

Eu não estava tão cansada assim, para falar a verdade. Pois ao chegar perto do meu
destino, parei a moto e a travei. Novamente a camuflei. Por mais que eu tivesse
passe livre para entrar ou sair da casa, eu quis pular o muro e entrar escondida,
semelhante à primeira vez que a invadi. Era fácil de entrar, apesar da segurança ser
bem reforçada, afinal um muro era super fácil de escalar. A parte difícil era passar
pelo quintal sem ser vista ou farejada. Os cães me odiavam… Eu também odiava
eles. E em pouco tempo só me restou chegar ao quarto de Tony pela janela,
escalando a parede através das tubulações da calha.

A janela em si era o mais fácil de todos, mas antes de entrar espiei dentro do
cômodo. Ele não estava no quarto e me apressei. Não demoraria muito para
aparecer e ser surpreendido. Me escondi nas sombras e esperei. E não demorou
muito, pois Tony apareceu lendo umas mensagens em sua pulseira comunicadora
vestindo apenas uma bermuda. Não esperei muito tempo e assim que ele ficou de
costas para mim, encostei minha Taurus na nuca dele.

– Quero jóias, dinheiro, tudo de valor que possui e… – sorri – seu corpo. – falei sem
alterar a voz, numa entonação séria.

– Gostei mais da última opção… – falou ele num tom mais sedutor e cômico.
Num momento depois eu estava desarmada com ele segurando meu braço e me
puxando para mais perto. Eu a soltei e deixei cair no chão. Com nossos corpos
muito próximos, eu o beijei com urgência, querendo seus lábios, seus braços, seu
corpo inteiro imediatamente. Tony me abraçou pela cintura e me apertou contra ele.

– Já estava com saudades, meu amor.. - comentou ele entre os beijos.

– Eu não iria dormir naquele lugar com uma mulherzinha medrosa, um rato de rua e
um tigre safado… Sem contar um dos colegas do Liam é um idiota sádico… Eu
reconheci aquele olhar enquanto ele carregava o guardinha do prédio. Acha mesmo
que seria seguro para eles eu passar a noite lá? – comecei a rir com a ideia, a hacker
seria a primeira a morrer.
– É mais gostoso você comigo então… Eu gostei disso… – respondeu ele.

Eu empurrei aquele homem contra a cama e comecei a tirar minha roupa toda. Eu
gostava da maneira que ele me devorava com os olhos… Eu deitei também, mas em
cima de Tony, no qual capturei novamente seus lábios enquanto minhas mãos se
livravam da bermuda dele. Não demorou muito para estarmos nus e completamente
unidos. Arrancando gemidos um do outro e levando o sexo ao seu clímax. Não
demorou muito para eu adormecer nos braços dele e vice-versa. Ao acordarmos na
manhã seguinte repetimos a brincadeira antes do café da manhã. Aproveitei
também para tomar um banho rápido antes do meu amante iniciar a transmissão
para o pessoal presente no QG. Obviamente eu acompanhei as notícias daquela
manhã não muito interessada no assunto.

Eu estava ao lado dele na transmissão, onde apareci por pouco tempo para mostrar
onde estava para os demais. Depois disso, só acompanhei todo o desenrolar da
situação. Eu iria me unir aos outros na casa da promotora, mesmo que chegando
um pouco atrasada. Lá eu apenas acompanhei a conversa de braços cruzados e
mantinha distância das duas mulheres, aliás, eu ignorava todos no momento.
Atentei a missão daquela vez e como da primeira, Liam iria ditar as regras. Até a
hora marcada para agirmos, tive que voltar para a base deles e aguardar. Desta vez
coloquei uma calça preta justa e uma blusa decotada vermelha de alcinha, o que
dava destaque ao bracelete que sempre usava.

Todos foram reunidos e fomos para a tal boate. Não demorou muito para a
confusão começar entre duas gangues. Apenas segui instruções e me posicionei
junto com os outros. Não falei nada e sem paciência para ficar esperando a hora
certa, principalmente debaixo de chuva. E aí começamos a agir. Joe foi o primeiro e
depois fui para os fundos acompanhada por Leon e mais três que eu não conhecia.
Como a boate era pequena e eu rápida, rapidamente me posicionei perto do portão
de emergência.

– Tigrão, dá para você arrombar isso de vez? – falei num tom autoritário, ignorando
os demais.

O portão nem precisou ser arrombado, pois ele foi aberto e dois homens de terno
saíram por ele apressados. Como estava de mãos vazias, eu apenas atirei na
garganta deles. Sorri satisfeita.

– O que estão esperando infelizes? Entrem logo! – fiquei sem paciência com
aqueles três que me olhavam com espanto. – Você também, tigrão.

Eu entrei por último com a Taurus em mãos imitando um policial nos filmes antigos.
Tinha muita gente morta pelo chão, até prostitutas. Detalhe que me surpreendi pela
potência da munição dos mafiosos que chegaram atirando. Pelo que entendi, era
para uma cortina separar a pista de dança e o palco dos bastidores… Uma pobreza
imunda, eu diria. A tal cortina vermelha estava toda danificada e mais a frente a
batalha estava árdua.

– Me ajude… – uma voz interrompeu meus pensamentos.

Me virei na direção dela e me deparei com um homem ainda vivo perfurado a tiros
nas pernas e no peito. Era questão de tempo para morrer. Cheguei até a pensar em
perguntar algo sobre a tão falada valise que tínhamos que pegar, mas desisti. Afinal
nem sabia de onde veio tal infeliz. Ele foi abrir a boca para falar algo e eu atirei em
sua cabeça. Com munição explosiva, voou cérebro para todos os lados. Saí de perto
do corpo e me posicionei perto da escada que levava aos quartos e ali passei a
observar a cena com um sorriso estampado nos lábios. Era estimulante ver inúteis
morrer… E eu tinha uma visão privilegiada até algum inimigo me pegar. Dalí fiquei
atirando em alvos isolados não importando quem seja e usando a própria escada
como escudo, até ela não aguentar mais. Porém não vi nenhuma valise.

Leon

Demorei para recuperar daquele fedor horrível no qual fui subjugado. Felizmente
todos foram explodidos enquanto eu estava voando longe. Por hora ignorei a todos
que me provocaram, pois ainda estava nocauteado e com uma crescente ânsia a
corroer meu estômago. Se eu fosse um policial como era para ser, tal bizarrice
poderia ser encarada por surpresa e naquele momento eu odiei a minha existência.
Odiei o DNA animal inserido ao meu.

Chegamos a base e todos se dispersaram querendo algum lugar para dormir. Eu fui
para a cobertura sozinho e lá fiquei boa parte da noite e madrugada. Gostava de
lugares altos e me sentia bem e calmo, sentindo aquela brisa noturna. A fria brisa
intocada pela poluição da cidade… Pelo menos era o que queria. Eu estava com o
orgulho ferido também, afinal não esperava aquele desenrolar das coisas. Foi só
antes de dormir que desci o prédio pela escada de emergência e fui procurar
consolo com alguma mulher e sem me esquecer do remédio para estômago.

Eu tinha até um lugar predileto, onde já na recepção tinha um mural com todas as
mulheres disponíveis e qual quarto elas se encontravam. Eu tinha muitas opções
para escolher. E falando nisso, não tinha uma recepcionista. Era tudo automático
onde a chave era liberada após o pagamento. Por fim, fui para os braços de Sally,
uma linda loira de olhos verdes, a minha favorita. Ela até estava vestida de
coelhinha… Olha só o perigo perante um tigre… A ideia me acalmou.

Voltei para a realidade pela madrugada sorridente apenas no percurso e ao fantasiar


com a minha princesa, porém o pesadelo voltou a alojar minha mente, mas desta
vez com uma alteração: o cientista tinha o mesmo rosto do moleque quatro olhos
que declarou guerra a mim. Me arrepiava só de lembrar. Esses pesadelos eram
memórias de quando fui modificado e eu nunca esqueci aquele rosto repugnante do
Daniel Carwell. Ele me tirou tudo e às vezes desejava voltar a ser o que era. Mal
cheguei no segundo andar e vi que todos se reuniram ali e estavam atentos às
notícias matinais. Dei a volta e encostei na parede com os braços cruzados só
observando o que acontecia. Notei a ausência daquela ruiva deliciosa e logo vi o
perigo que estava me metendo: ela era mulher de um poderoso mafioso. Sério, não
queria me envolver com a máfia, uma vez que a minha desgraça foi comandado por
um. Naquele momento decidi manter distância dela, custe o que custar. Ao menos
tenho que tentar.

Saímos dali para encontrar uma promotora e voltamos. Fiz da garrafa de vinho tinto
meu companheiro até chegar a hora de agir. Ou melhor, matar alguém… Afinal eu
estava com raiva de tudo; da missão, daquele moleque, do Liam e até daquela linda
ruiva. Nem a noite de sexo que era para ter me relaxado não funcionou tão bem e
então só me restava a outra alternativa: matar uns por aí.
Eu tinha paciência para espreitar um inimigo, afinal fazia parte dos meus dois lados
do sangue. A chuva não era incômodo. Não demorou muito para o cheiro de sangue
preencher minhas narinas e minha adrenalina subir. A guerra entre gangues
começou. Odiava o monstro que me tornei, tendo prazer em matar, prezando apenas
a minha sobrevivência. Mas se não consegue lutar contra, alie-se ao inimigo!
Simples. Nem Liam abalou minha concentração quando me mandou cobrir os
fundos com tal ruiva e os outros. Não disse nada e acompanhei o pequeno grupo.
Porém a voz doce e autoritária dela me fez acordar de jeito e eu gostei. Como a
queria na minha cama!

– Como quiser minha dama. – respondi num tom sensual, fazendo uma mesura.

Porém o portão foi aberto antes mesmo de eu sequer tocar nele. Fiquei surpreso
não por ela ter atirado nos que saíram da boate, mas sim pela escolha da mira neles.
Era incomum com uma arma sair apontando logo a garganta, quando se tem a
cabeça que era mais simples de mirar. Não demoramos para entrar e em seu interior
era um mar de corpos mortos para todos os lados. Mais a frente a batalha era bem
agitada e muitos tentavam fugir do cerco. Tais eram a mira da ruiva.

Vasculhei o lugar com cuidado. Não queria entrar na mira de armas de fogo, mas
como a linda promotora disse, é melhor me focar nos que transportavam uma
valise. Olhei cada rosto e mãos dos envolvidos e nada que me interessava… Os
covardes eram os primeiros a fugir, especialmente quando se tem algo importante
em mãos. Até que eu e Akane pensamos igual. Uma dupla e tanto, eu diria.

Escondido no meio dos destroços e corpos, onde com os tiros excessivos deixaram
cair vigas de ferro, vi dois homens. “Farejei” o medo neles. Sorri perante os primeiros
alvos e eu me escondi do restante. Puxei um corpo com quase o mesmo porte que o
meu e com roupas semelhantes aos covardes escondidos ali no outro canto da
boate. Vesti aquelas roupas ensanguentadas para obter um disfarce convincente e
fui espreitando minhas vítimas. Fui andando pelas sombras, desviando das balas e
quando achei que era a hora certa, comecei a atuar.

– Vocês dois, venham. Encontrei uma saída para nós. Anda logo antes que o chefe
nos abandone aqui com esses malditos. – sussurrei para eles em japonês.

– E quem é você? Não me lembro do seu rosto. – perguntou um deles.

– Eu faço parte do reforço, mas os que vieram comigo entraram pelo lado errado e
só restou eu. – demonstrei uma calma que qualquer um mostraria ao resgatar
alguém e contive o impulso de sorrir quando um deles carregava uma maleta de
alumínio. Se era ou não o que a promotora queria eu não sabia.

Logo ganhei a confiança deles e os guiei para fora da boate, claro que, previamente
já tinha achado uma rota de saída… Afinal quando a porta da frente e a dos fundos
eram óbvias, sempre tem outra escondida para casos específicos e aquela boate
onde era fácil fazer negociações ilegais, não era exceção. E tal porta ficava perto do
palco, debaixo do carpete. Os companheiros remanescentes daqueles dois nos
viram e começaram a nos dar cobertura. Eu não sabia da importância destes, mas
eu gostei da atitude. Não demorou muito para cairmos num túnel que levava num
beco ao lado.

– Obrigado. Você nos salvou e o chefe deve ter te pagado muito caro para estar aqui
nos salvando. Te devemos uma. – respondeu o que segurava a maleta.

– Não me agradeça… – falei com frieza e comecei a me transformar.

Eles nunca tinham visto algo parecido antes, pois o choque foi tanto que eles caíram
no chão. Afinal, um homem que se transformando num tigre era só ficção, não é
mesmo? Porém, não me demorei. Meus rugidos foram para provocar maior pânico e
deixar claro que se correrem seria pior. Pulei em cima do mais baixinho da dupla e
cravei primeiramente minhas grandes presas em seu pescoço. Presas piores que a
de um mero vampiro, que fique claro. Minhas garras eram ótimas para estripar
qualquer um. Era muito fácil abrir um buraco no peito deles, mas neste só usei
minhas presas e foi o suficiente.

O da maleta estava tremendo de medo e até urinou nas calças. Não me aguentei e ri
da cena, por mais que estava transformado, eu podia falar normalmente. Ele se
arrastava para longe de mim, sem forças para se levantar e andar, era uma situação
única comparada com outros que já matei. Eu ria a cada gritinho de medo que saía
dele.

– Acho que encontrei um covarde fracote… – falei.

Arranquei a maleta das mãos dele e finquei minhas presas em seu pescoço. Igual
como fiz com o seu companheiro. Depois disso, as roupas que usava ficaram mais
ensopadas ainda, pois minha mordida era tão potente quanto uma garganta aberta e
ela vai mais fundo. Era disso que estava precisando para recobrar o ânimo. Me
sentei ali, do lados dos corpos e fiquei esperando toda a adrenalina passar. Essa era
a parte ruim da transformação, toda vez que mato, tenho que esperar o êxtase
passar e conseguir voltar ao normal. Pelo menos eu tinha uma maleta em mãos,
mesmo não tendo a mínima ideia se era a certa ou não. Depois que voltei ao normal,
mesmo com muito sangue nos dentes e pela boca, como se eu fosse um vampiro,
voltei para a boate. Voltei para perto da minha musa ruiva.

X9

As pessoas assistem esses filmes sobre hackers que passam a tarde na tv aberta e
tem uma visão muito errada da coisa. A primeira é que eles são crianças prodígios.
Não que uma criança não tenha a capacidade para se tornar um hacker, mas seria
uma em que, um trilhão? Em sua maioria, hackers são jovens adultos assim como
eu, quiçá até pessoas mais velhas ou beeeem mais velhas. Outra coisa bem errada
que os filmes passam é aquele lance de apenas digitar meia dúzia de teclas com o
um sorriso idiota estampado no rosto e então em cinco segundos está tudo
desbloqueado. Cara… Não é bem assim que a banda toca… Invadir sistemas é uma
operação minuciosa, delicada, demorada e na maioria das vezes CHATA!

– Certo, Liam, vou ver o que posso fazer. – Respondi me jogando atrás de umas
latas de lixo e acionando meu teclado Kia 3000.

Argh, mas porque eu não consigo então dizer isso a ele? Em vez de explicar a
situação eu concordo e faço tudo como ele pede? É porque ainda preciso me firmar
na gangue, ou me auto afirmar? Ou é por causa da maneira atenciosa com que Liam
fala comigo? Fico divagando enquanto o Kia liga e a bala rola solta. Apesar de eu
ainda não ter me acostumado com os tiros desta vez não estou com tanto medo,
por baixo da camiseta branca que visto tem uma proteção balística que Joe me
emprestou no vestiário, só preciso cuidar para a cabeça não ser atingida. Pena não
ter gorros a prova de balas, ou será que já tem? De qualquer jeito, o que estou
usando não é, e é por isso que eu preciso me deitar na calçada molhada e suja (eca)
com lixo espalhado enquanto tento hackear as bonecas do prazer. Com o teclado eu
acesso as bonecas, mas esbarro no portão de entrada do sistema delas que está
bem seguro com uns cadeados.

Completamente às escuras eu peço para o Kia me dar um relatório de estimativa de


quanto tempo levaria combinar uma senha com 12 números e a voz eletrônica me
responde 36 horas. Puta merda… É maior do que o tempo que temos para encontrar
alguma prova na valise e entregar para Carrie. Meu coração acelera e preciso do
triplo de concentração para não entrar em pânico. Tentando pensar em uma solução
alternativa lembro que tenho os os backups dos necroids, e essa Dynatrons são
produto da Orion Corp também, e usam de um sistema bem mais simples, afinal
elas são só androides, enquanto os necroides são mortos revividos, uma tecnologia
bem mais complicada. Enfim, se não fosse os arquivos dos defuntos enlatados eu
não saberia nem por onde começar.

– Vamos… Lá…. Vamos lá. – Disse pra mim mesma, concentrada na tarefa de abrir
os cadeados virtuais das Dynatrons em base no que eu tinha armazenado no Kia
3000.

Uso o acesso dos protocolos dos necroides como ponte-atalho para entrar nas
Dynatrons. Isso ajuda a quebrar a criptografia complexa da segurança do sistema,
ok, não foi tão difícil assim, mas tive sorte dessa vez. Consegui relaxar, na medida
do possível, é claro, afinal estava perto de um tiroteio, mas por mais absurdo que
pareça ele era o que menos me preocupava no momento. O procedimento de
desfazer a descriptografar era sempre trivial, o Kia entrava em um combate contra a
criptografia, tentando desvendar quais eram os doze números da senha, em
contrapartida o sistema de segurança se protegia tentando mudar os dígitos.
Venceria quem fosse mais rápido. Trinta segundos depois essa batalha tinha um
vencedor, e não foram os produtos da Orion.

Agora, enquanto os cadeados digitais eram abertos, por pura curiosidade mórbida,
suspendi por um momento a cabeça por cima das latas de lixo para dar uma olhada
se as Dynatrons ao menos tinham sido desativadas. Contudo o que me chamou a
atenção foi um dos caras da Tríade com roupa da SWAT seguindo Akane e Leon até
a entrada da boate de maneira tão sorrateira que eles não perceberam. Sabe… Eu
poderia deixar o sujeito fazer o serviço… Mas tinha o tigrão junto, e querendo ou não,
por mais que me doa admitir, Akane é do time… Ergh. Joguei o teclado a tiracolo
para trás das costas, deixando ele suspenso pela bandoleira e sai de trás do lixo, me
erguendo e sacando uma das desert eagle com a destra. Segui ele até a porta e um
pouco antes dele entrar me revelei encostando o cano da arma na sua nuca.

– Paradinho ou estouro sua cabeça. – Não pensei em nada melhor sem ser esse
clichê de filmes de ação.

– Não era para vocês estarem aqui, como sabiam que essa merda ia acontecer? O
que querem? – Perguntou o cara armado, parado na chuva com uma katana que
pegou do último Yakuza que matou.

– Simples, sou a pessoa que vendeu a informação de que os japoneses estariam


aqui com K’dore. E esse, é meu pessoal. A gente quer a valise. – A água escorria
pesada pelo meu rosto, se juntando pelos ângulos da minha face e escorrendo pelo
queixo.
– É isso então… Dedurou a Yakuza para fazermos o serviço de vocês… Admito que
foi bem esperto da sua parte. Eu deveria ter deduzido… – O cano da arma apontada
para ele também era castigada com a chuva e reluzia com as luzes dos neons.

– Mas não deduziu, na verdade a intenção era fazer com que se matassem uns aos
outros, isso aconteceu, mas sobraram alguns de vocês, não que atrapalhe, está
correndo como o planejado ainda. Agora deixa de enrolar e diz onde está a valise! –
Não sei de onde eu tirava aquela coragem, talvez fosse impulso, ou estava viciada
na mesma adrenalina de quando detonei os necroides, ou será que a arma me deixa
mais segura?

– Pelo seu olhar, garota, sei que não vai atirar é só blefe. – Engoli em seco.

– Viu? hesitou, não vai me matar. – Com partes do longo cabelo escapando do gorro
e grudando no meu rosto, puxei a outra desert eagle e apontei na direção de uma
Dynatron, apertei firme o dedo no gatilho disparando contra ela mas ainda mantendo
a primeira pistola apontada para ele.

– Ainda acha que não sou capaz? – Fitei seriamente.

– Aquilo é só a porra de uma androide, não tem vida. Você nunca matou ninguém de
verdade, não é? – Trinquei os dentes com a garoa na cara, ele me desafiava com seu
sotaque asiático, mas eu continuava a hesitar, não sabia se queria cruzar essa linha
sem volta.

Porém, antes que eu pudesse decidir, um tiro de longe estourou a cabeça do sujeito.
O sangue espirrou no meu rosto, miolos, ossos e veias se misturaram na minha
camiseta branca molhada. Eu olhei na direção do barulho, era Boris, com um sorriso
debochado me cumprimentando de longe. Já tinha alguns outros corpos a sua volta
e ele caminhou até a mim com a arma apontada para baixo.

– De nada, guria. – Sorriu, assoprando o cano com fumaça.

– Qual é o seu problema cara? – Abri os braços, indagando.

– Meu problema é teu problema, tem algum problema com isso? – Mudou a
expressão, de repente ficou sério e ameaçador.

– Tenho! – Franzi o cenho para ele.


– Não fica valentona, nem faz essa cara, Liam não vai estar sempre presente pra te
defender. Fica a dica, quem aviso amigo é. – Ele me dava medo, e sabia disso.

– Não muda de assunto…. Você matou o cara que ia dizer onde está a valise. -
Disfarcei o medo com indignação.

– Ah, ele ia dizer sim… Eu notei a cara de medo dele. rsrs. – Ironizou.

– Se não se importa, tenho que ajudar o resto do pessoal. Eu não fico com um
tecladinho sem fazer nada. Au revoir!

Primeiro Akane, agora esse filho da puta também pegando no meu pé também…
Qualé hein? Essa gente fica de implicância gratuita... Devo ter cara de otária, só pode
ser isso… Acho que algumas coisas precisam mudar, e rápido. Boris se divertia
correndo e pulando ao dar tiros nos sobreviventes da Tríade, gargalhando
sadicamente, aquilo para ele era um jogo, esse cara me perturba, mais do que
Akane… Bem mais... O gorro preto e a jaqueta de couro me protegiam da
tempestade, mas eu não estava protegida das imagens gravadas na minha
memória.

Ergui o rosto para cima, para que as luzes dos neons de Nocturna ofuscassem o
insight na minha mente da cabeça explodindo e de Aron torturado por aquele
maníaco. Só um tiro, eu pensei, um tiro nesse bosta e tudo acabaria… Ele estava na
minha mira. Mas o que eu diria para Liam, o que eu diria para o resto? Não tinha o
que alegar, ninguém viu Aron fodido, quanto muito Liam… Também não sei se
conseguiria matar alguém mesmo que ele merecesse. Baixei lentamente a pistola
até parar ao lado do corpo, desistindo da ideia.

Thomas Carwell

– KABUMMMMM – aquele olhar sacana, aquele sorriso maroto, aquele prazer que
com poucas outras atividades era comparável, a explosão de várias bombas ao
mesmo tempo, era uma coisa que me deixava muito excitado, um dos prazeres mais
inenarráveis, ahhh como era legal isso.

...

– Tinha tempos que eu não te via tão empolgado heim.

– Poxa cara, explodir é arte, explodir é vida, estou realmente radiante.


– Estou vendo, realmente, nessa tenho que concordar, destruir tudo sempre foi uma
das poucas coisas que gostamos em comum.

– Finalmente algo para podermos conversar antes de dormir...

– Poupe-me do seu sarcasmo.

...

Estava tão excitado com tudo o que ocorrera ali naquele prédio, que agora jazia em
uma completa e incrível destruição, que nem liguei para possíveis brincadeiras ou
provocações vindas da parte de ninguém, principalmente do babacão do Liam, e da
gost... quer dizer, daquela ruiva metida, na verdade não escutei nada do que
ninguém disse, apenas me juntei a todos, glorioso, imponente, lépido, faceiro,
serelepe e pimpão, e fomos embora dali, a sensação de dever cumprido foi boa, mas
porém também foi bem momentânea, no fundo sabia que isso não ia durar, e logo já
estaríamos arrumando tretas até o pescoço com gente grande de novo, e uma pulga
atrás da orelha, me dizia que isso viria a ser cada vez pior, cada vez mais peixes
grandes envolvidos na parada.

De volta ao QG da gangue retrô dos embalos de sábado a noite, todos iriamos


passar a noite lá, isso não me importava, não ligava de passar a noite sem dormir
em meu laboratório, não seria possível as camas ali ser mais duras do que as
minhas, o que me incomodava mesmo era a companhia, a única que destoava e
sentia até uma certa "amizade", era com a hacker tímida de cabelo legal, mesmo
agora estando me sentindo um pouco deslocado com a situação, o apelido de "dona
moicano" não serviria mais, precisava arrumar alguma outra forma carinhosa de
tratar a moça, mas bom... Que isso fique para mais tarde.

– L, responda, Thommy falando.

– Eae Thommy seu fiatinho, o que manda?

– Vai se ferrar mano, esse seu jeito de falar me irrita pra caramba, tu já sabe né?
Mas bem, o que eu preciso você já deve desconfiar, quero mais daquela que me
mandou da última vez, dessa vez o dobro, da mais potencializada, e não esqueça os
sensores de movimento, me mande o dobro também, certo?

– Tutu bem Thommy boy, fica sossegado, fou mantar assim que chegar o próximo
carregamento, lembra dos esquemas de metade adiantado né?
– Sim, já estou enviando, mas me mande logo, sinto que precisarei de mais poder do
fogo do que tive na última remessa... E logo logo, bom, vou desligando aqui que tem
um pessoal meio rabugento que gosta de dormir, até mais L.

– Hihihi Falou seu paitola.

Após a conversa com um dos meus contatos de explosivos, fui dormir, sempre
dormia feito pedra, mas aquela noite em especial dormi feito uma rocha, até que o
pessoal do século passado que o Liam ainda insiste em viver consegue fazer
travesseiros muito decentes, isso tinha me deixado feliz, no outro dia acordei
renovado, tanto que nem ter sido acordado com mais uma das músicas irritantes de
RC me incomodou muito, tudo que senti foi uma leve vontade de mandá-lo para
sucata, nada demais, comparado com o que geralmente sinto, era uma coisa bem
leve, mas mesmo assim respirei fundo, aquele pessoal lá embaixo era osso duro de
roer, e aguentar eles, principalmente o Diego seria um exercício de paciência, após
uma bela espreguiçada, recoloquei o meu jaleco e desci, tinha impressão que já
estava atrasado para alguma “reuniãozinha”.

Tony Montana, o cara das “instruções” atacava novamente, estava começando a


parecer aquele cara de um reality show antigo, como era mesmo o nome dele? ...
Pe... Pedro ... Pedro Bial isso... Tony Montava estava cada vez mais parecido com
Pedro Bial, isso já estava me torrando a paciência, mal prestei atenção no que ele
dizia e apenas bocejei enquanto ele falava, pelo o que entendi mais uma missão ala
Tom Cruise estava por vir, isso era legal, apesar de ter o risco de morrer não me
deixar muito confortável, tudo o que ouvi ao final foi que rumaríamos para a casa de
uma promotora ferrada aí, que não curtia muito a sujeira dessa cidade. Novamente
fomos com aquele maluco que nos tirou dos escombros da última missão, só que
desta vez rumávamos para um residencial muito luxuoso, o residencial Delta, local
de gente de calibre, pessoal que andava com o rei na barriga… Espero que essa tal
promotora não seja aquelas mulheres nojentinhas.

...

– Não gosto de julgar uma pessoa pelo local que ela mora, mas aqui tem toda pinta
de ser um lugar para almofadinhas morarem.

– Isso é, mas pelo o que falaram tenho esperança de não ser uma velha chata com
mania de limpeza e toc.

– Espero que esteja certo.

...
E não é que o filha da mãe estava, a moça era uma loira linda, com uma cara que
fazia qualquer um trancar o ânus? Sim, isso era fato, tinha uma baita cara
carrancuda, até dava um frio na espinha, mas não mudava o fato que já estava
fantasiando nós dois nos casando e tendo filh... Não... É... Quer dizer, sendo
companheiros de missão, obviamente. A casa da Kattie, Carrie .. ah sei lá, não sou
bom com nomes, era uma casa muito grande e muito bem mobiliada, tinha um bom
gosto realmente fascinante, seria uma boa adição quando nos casar... quando
terminássemos a missão, ao fim de tudo sentamos todos ao redor de uma mesa
para ouvir as instruções, sentei de braços cruzados e de um forma
desrespeitosamente relaxada para a seriedade da ocasião.

Após sairmos da casa da Carbie (ou seja lá como for o nome dela) fomos de volta
para o quartel dos Steelbregas, tomei um banho, relaxei, coloquei uma roupa mais
decente, estava até “pegável” trajando aquela calça jeans, com camiseta branca e
uma gravata preta colocada de um jeito mais relaxado, dançava e cantava na frente
do espelho algumas músicas aleatórias quando fui chamado, estavam partindo para
o lugar indicado que ocorreria todo o fuzuê, uma boate, onde rolaria o tal “encontro”,
muitas pessoas iriam morrer, o que não ligava nem um pouco, desde que eu
pudesse explodir algo, afinal todos tinham que ter a sua parte na história.

Agora sim isso estava com cara de missão, estávamos no telhado, nada com mais
cara de missão do que ser deixado em um telhado por um helicóptero, até acendi
um cigarro falso para dar um ar mais badass para o tio Thomas aqui, dei a primeira
tragada quando vi uns malucos já entrarem tocando o terror na tal boate, foi
horrorshow mesmo, esse era o sinal para nos posicionarmos, bom, pelo menos
imagino que seja. Uma galera foi pelos fundos, mas aqui na frente após um tempo a
merda estava tomando forma, Joe foi um baita afobado e mesmo o cara tendo
conseguido derrubar alguns brutamontes o que era realmente digno de respeito) se
deu mal com uma daquelas robôs sexuais bizarros.

– Atirar não vai adiantar gênio. – Falei enquanto puxava minhas mangas para trás,
que bom que tinha alguém esperto no time que vinha preparado. – Não dá pra ficar
esperando a Deep purple hackear essas robôs, o maluco vai pra vala rapidinho.

Estiquei minhas mãos em direção a uma das nojentas lá, a que estava mais perto do
Joe – Hora de ver se essas belezinhas melhoraram mesmo. – liguei meu aparato,
que ficava junto com o meu relógio tcs, aparato esse que usava a umidade do ar,
para ativar um gatilho que liberava uma descarga elétrica incrivelmente potente,
tinha seus defeitos, era verdade, a descarga elétrica tinha uma potência muito
grande, mas não era difícil de se evitar, pois só ia em linha reta (muito rápido por
sinal) em direção onde eu apontava as mãos, se conseguisse acertar a lata velha em
forma de mulher, certamente a mesma entraria em um curto horrorshow e Joe me
deveria uma, também esperava que a cabelos roxos conseguisse desativar as
outras, ou estaríamos em maus lençóis.

...

– Tô sentindo que isso está ficando perigoso, só ainda não sei se é perigoso em que
sentido, tome cuidado Thomas, olhe o equilíbrio.

– Ainda está tudo sob o meu controle, se alguém deve se cuidar aqui é você, você
vive esperando uma brecha para assumir, e quase conseguiu, mas por enquanto
fique tranquilo, estou 63% com a sanidade em dia.

Narrador (Anthony Montana)

A Tríade tentava revidar como podia com suas submetralhadoras. Os tiros


clareavam a penumbra abaixo dos postes e não se podia ignorar a violência de suas
armas. Mas eles estavam em menor número e não puderam fazer muito, os
remanescentes assim como os da Yakuza eram logo sobrepujados, vencidos com
tiros nas cabeças, a expressão de horror em seus rostos quando notavam as balas
atravessando seus crânios era algo difícil de esquecer. A rua e a calçada ficavam
coalhadas de corpos atirados um sobre os outros, o vermelho sangue tingia as
poças da chuva. As Dynatrons não ofereciam perigo também, uma vez hackeadas
por X-9 agora ficavam imóveis como manequins no meio do asfalto molhado.

– Acabou. – Disse Joe.

– Humpf, foram mais fáceis do que os necroides. – Esnobou Boris.

– É verdade, agora é só pegar aquela valise e dar o fora. Comentou de novo, Joe.

– Vamos entrar e checar se K’dore está vivo, se tiver, vamos aproveitar e apagar o
arrombado, não teremos outra chance melhor do que essa. – Caminhou armado até
a entrada da boate.

Lá dentro, perto do palco iluminado com neons azul celeste manchados de sangue e
miolos, Leon segurava uma maleta, provavelmente era o objeto que procuravam,
Boris caminhou até ele e arrancou de suas mãos a valise, mesmo que fosse
perigoso desafiar o felino, o sujeito tinha implicância com ele desde o episódio com
Thomas. Boris tentou abrir a maleta, mas obviamente ela estava fechada com algum
tipo de segredo, então ele passou a bater com a mesma no palco, diversas vezes,
notoriamente sem paciência. No entanto aquilo só serviu para destruir as luzes do
palco sem causar um arranhão na valise. Joe foi até ele e tirou a maleta de sua
posse, encarando-o estranhamente.

– Qual é cara? Para com isso, é óbvio que a maleta tem um segredo, assim você só
vai estragar o que tem dentro, poxa!! Me dá isso. – Arqueou a sobrancelha direita,
ficando com a valise nos braços.

Boris não disse nada e se retirou, foi para o fundo da boate, derrubando mesas e
cadeiras, procurando o corpo de Jaime K’dore entre os mortos. Parecia insatisfeito e
agitado, como se procurasse confusão. Pulou o balcão do bar, serviu-se de uma
dose de uísque e voltou sua busca, atravessou uma porta que ficava aos fundos do
salão, sumindo. Joe caminhou até X-9 que estava ainda parada no mesmo lugar
desde o final do tiroteio.

– Ein azul, consegue desbloquear o segredo? – Ele ergueu a valise e o mostrador


digital luminoso em vermelho brilhou para ela. No entanto, a hacker parecia fora do
ar.

– X-9, falei com você, está bem? – Tocou seu ombro.

– Ahn? Ah, sim, estou, tava só pensando… Esquece... Ah, a valise, vocês acharam. -
Como se saindo do transe, ela olhou para a maleta nas mãos de Joe.

– Sim, era disso que falava… Acho que você está cansada… – Ele coçou a cabeça.

– Não é, é só seu amigo, ele me deixa meio tensa quando está por perto. –
Comentou pegando a maleta.

– É, ele tem agido estranho ultimamente… Não sei o que está acontecendo. – Se
ajoelhou junto de X-9, ambos olhavam os números em digital escarlate.

X-9 não teve tempo de tentar abrir a valise, um estouro vindo da porta arrancou o ar
de seus pulmões e jogou o interior da boate em um completo escuro depois do
estrondo, Boris caiu entre Leon e Akane, com arranhões e cortes no rosto, mas vivo,
a poeira ocultava o causador daquilo. Joe correu até Boris, puxou seu corpo
inconsciente pelo colarinho da roupa e o arrastou para a porta. Seu corpo pesado
demais dificultava as coisas, mas com muito esforço finalmente estavam fora da
boate, no entanto, apenas a frente da entrada.
– SAIAM TODOS DAÍ! RÁPIDO! – Gritava Joe, agachado e cuidado de Boris que
estava jogado a calçada molhada e suja, sangrando muito.

Saindo de dentro da boate às escuras, X-9- Leon e Akane voltavam a se encontrar na


rua com Liam e Thomas, a valise voltava para as mãos de Leon e Joe tentava
afastar Boris puxando seu corpo pelo meio fio da rua. Ele pedia ajuda mas parecia
que ninguém ouvia, estavam com as atenções voltadas para os passos dentro da
boate que cada vez mais se tornavam altos, sinal de que alguém se aproximava.

Enquanto acontecia a confusão em Nocturna, Carmen Telford estava no prédio de


sua família, em All Street, do outro lado da cidade, se preparando para o discurso
que daria no dia seguinte. Sim, ela já julgava que o jogo estava vencido, apesar da
tentativa de Carrie, não se preocupou com o adiamento de sua posse. A bem da
verdade ela já sabia o que falar, segura de si, não era o tipo de pessoa que precisava
repassar sua oratória, o que ela fazia era somente uma distração enquanto seu
convidado ainda não chegava. Dado momento, o audiovisor de seu escritório tocou,
o mordomo anunciou a anfitriã a chegada do sujeito, essa, mandou logo que
entrasse e fosse direto a sua sala. Uma cadeira foi puxada para o rapaz se sentar
diante a toda poderosa Carmen e sua mesa de madeira marrom entalhada. Por sua
vez, ela permaneceu lhe encarando por quase cinco minutos sem que não dissesse
absolutamente nada. O jovem precisou encarar a severa expressão de Telford, em
uma clara demonstração de pressão psicológica. Ela sequer piscava, era como uma
estátua de mármore, fria, inabalável e intimidadora. Depois de sete minutos
finalmente Carmen falou...

– Então é você um dos poucos funcionários que sobreviveu ao ataque do Canal 17.
– Comentou baixando seu óculos frente ao rosto, analisando o rapaz.
– Parece que existe outro, um segurança terceirizado que por alguma razão foi
abandonado em um hospital… Enfim, cuido dele depois. Seu nome é Pollux certo?
Então, Pollux, você receberá uma indenização bem alta… Não me pergunte o quanto,
é bem maior do que o dobro do que você ganharia a vida inteira trabalhando…
Portanto fique mais do que contente, e tais questões, por favor, não venha tratar
comigo e sim com meus advogados… Estou aqui para tratar de outro assunto. Em
sua ficha empresarial diz que você tem alguns implantes de visão. Também diz que
a operação foi bancada pela minha empresa. Devo presumir portanto que estes
implantes me pertencem. É o seguinte: você vai colaborar cedendo as imagens
gravadas no seu nervo óptico, para que possamos extrair informações sobre os
terroristas. Você será acompanhado por dois seguranças, eles o levarão até a sala
da equipe médica responsável por tal procedimento aqui mesmo na Telford Tower.
Não faça nenhuma besteira, Pollux, não se negue a cooperar, o prédio é cercado por
gente da minha confiança que está mais do que autorizado a atirar se for preciso. –
Carmen se aproximou de Pollux se inclinando para frente da cadeira, quase subindo
a mesa que separava os dois.

– Garoto, não seja burro, você teve sorte uma vez, não abuse, isso não acontecerá
em uma segunda. – Telford fez sinal com a destra e dois seguranças armados
entraram na sala, acompanhando e conduzindo o jovem jornalista a um corredor que
era iluminado por neons nos rodapés.

– Acompanhem este jovem até a sala 18, eu tenho outros assuntos a tratar. – Ela se
quer deu oportunidade de Pollux falar. Colocou seu casaco de pele clonada nos
ombros e saiu ao lado oposto dos guardas e do jovem, se dirigindo à saída.

Na entrada do prédio dos Telfords, uma limusine a esperava. Carmen entrou no


automóvel e se dirigiu ao hospital onde o outro sobrevivente estava internado. Com
cinco guarda costas com mais de dois metros de altura, ela foi até o leito do tal
funcionário. Ele estava sedado, com incontáveis curativos. Os aparelhos ligados
marcavam os sinais vitais fracos. Carmen olhou para aquele homem moribundo e
colocou um lenço branco à frente do rosto, expressando nojo. Se afastou da cama e
o médico responsável entrou no quarto às pressas, não querendo deixar Carmen
esperando.

– Boa noite, senhorita Telford, eu sou Jacques Delacroix, médico responsável pelo
paciente. – Ele estendeu a mão para cumprimentar a mulher, Carmen, apenas olhou
novamente com nojo em direção para a palma do médico, ignorando-o. Jacques
prosseguiu.

– Não conseguimos identificar o nome dele, o crachá estava bem danificado,


apenas sabemos seu primeiro nome, Aron. Como a emissora foi hackeada não
conseguimos acessar a lista de funcionários… – Explicou, com pesar.

– O nome dele não é importante. – Interrompeu Carmen. – Quero saber se ele tem
condições de se recuperar, e quanto isso vai me custar. – Carmen ainda mantinha o
lenço branco à frente do nariz e da boca.

– Sim, ele tem… Eu fico muito contente quando o empregador se preocupa tanto
com seu funcionário… Bom, o valor estimado para que ele volte a ser o que era, com
operações, próteses cibernéticas e tratamento… Ficará no valor de mil oitocentos e
nove e nove créditos. E a recuperação… Em torno de seis a oito meses – Carmen deu
uma gargalhada muito alta, não se importando com os outros pacientes a sua volta
ou dos outros quartos
– Senhorita, Telford… Eu não entendo… Qual a razão da gargalhada? – O rosto do
médico mudou.

– Você acha que vou gastar tudo isso em um miserável como este apenas para
perguntar o que ele viu? Me sairá mais barato e rápido entrar sua mente e depois
apagá-la para que não dê com a língua entre os dentes. – Jacques se calou, levou a
mão esquerda até a boca impressionado com a frieza de Telford.

– E não faça essa cara, todos tem seu preço, se eu acrescentar alguns números a
sua conta bancária também concordará comigo.

– Não, eu me nego a tocar neste homem para lhe trazer sofrimento! – Se afastou,
Carmen via verdade nos olhos de Jacques, e ela adorava corromper pessoas
integras.

– É mesmo? Não pense que se mede o valor de alguém unicamente com dinheiro. O
que aconteceria se perdesse o emprego? – Ela olhou-o assustadoramente

– Por favor… Não faça isso… – Seu olhar tinha lamento, e Carmen saboreava.

– Você deve ter uma família para sustentar.… – Se aproximou mantendo o olhar.

– E-e-eu imploro. – Jacques recuava

– E além de desempregado seria ainda pior se sua família sofresse um acidente…


Você sabe... Miraitropolis anda muito violenta ultimamente… – Ficou cara a cara
com o médico, tirando seu cerco, encostando-a na parede.

– Não… – Só restava implorar. Fechando os olhos. – Mas… Mas… Porque? O que


quer provar com isso? Qual a razão de querer o mal para um homem que não
conhece.

– As razões são diversas, posso provar que não existe muita diferença entre nós,
como eu disse, todos tem seu preço, e você deu o seu, portanto, você não é tão bom
e honesto quanto se julga ser. Quanto a outra questão, preciso condecorar um
sobrevivente, as massas gostam de um tipo de salvador, de herói, e esse lixo servirá
ao papel. Extraia as memórias dele em um banco de dados, vou guardar o que me
interessa e o resto será apagado, depois transforme-o em um soldado mecânico
obediente para a minha posse. Respondida às suas perguntas? Então esteja na sala
de operação, fazendo tudo o que mandei!
Jacques não protestou, consentiu com um sinal positivo e se retirou do quarto
assim como chegou, às pressas. De uma janela na parede ela permaneceu
observando os preparativos para a operação em Aron. A violência parecia explodir
por toda cidade, talvez motivados pela greve policial um grupo de nove homens
armados com fuzis AK 47 invadiu a Danceteria Nexus em Miraitroide e passaram a
atirar em todos os frequentadores do local. Aparentemente não parecia ter um alvo
específico, podia ser qualquer um, homem, mulher, negro, branco, magro, alto… O
estrago foi feito em menos de 24 horas depois do atentado do canal 17 e mesmo
sem base a mídia sensacionalista e totalmente manipulada apontava para os
“terroristas” que explodiram a emissora como os culpados. Não que isso fizesse
diferença para a S.W.A.T. Sendo o único pelotão que se negou a aderir à greve,
liderados por Clay Crovax, o grupo tático foi direcionado a resolver o problema da
Nexus, fosse como precisasse. Os assassinos não faziam reféns, ao que parecia o
objetivo era acumular mortes, portanto o problema deveria ser resolvido mesmo
com a eliminação dos matadores se assim fosse.

Aparentemente parecia não existir sobrevivente e em tempos violentos as medidas


precisavam ser extremas. Mas a preferência era de que capturassem ao menos um
vivo para extrair informações. Ao chegar no local, Clay Crovax e sua equipe
encontrariam diversos corpos de adolescentes espalhados pela pista de dança,
funcionários e até mesmo seguranças do estabelecimento, assim como um banho
de sangue. A música ainda continuava tocando, os lasers e neons do palco também
movimentavam-se para e para cá, não ajudando em nada na procura dos
criminosos. Eles estavam posicionados em locais estratégicos, mostrando terem
algum tipo de treinamento. Três estavam na sacada de ferro do segundo andar,
tendo uma ampla visão e boa pontaria para atirar. Outros três atrás do balcão de
bebidas do bar, à esquerda da entrada e o último trio acima do palco, mesclando-se
às luzes coloridas, à direita. O pelotão se entrasse pela porta da frente ficaria
claramente cercado pelos atiradores e esses não mediriram esforços em abrir fogo
quando isso acontecesse.

(Gueixa)

Voltando a outro confronto, em Nocturna, se esgueirando pelas sombras, fumaça e


gotas de chuva revelava m a figura feminina vestida de couro negro dos pés a
cabeça de o rosto pálido como um fantasma. Ela surge saindo da boate destruída,
se tratava de uma linda e esguia oriental. Sua expressão era calma, tranquila, não
aparentava estar armada com nenhum tipo de arma, branca ou de fogo.
Caminhando entre os corpos de Yakuza e Tríade no asfalto ela se posiciona a frente
dos Steelhearts, encarando a todos. Seus lábios então se movem, ela fala algo.

– それは右を担当していましたか?
– Porra, o que essa maluca tá falando? Alguém entende japonês? – Perguntou aos
gritos, Joe, ainda acudindo Boris que estava desmaiado na calçada.

– Eu não, mas o Kia tem um pacote de linguagem, pode traduzir automaticamente


do japonês. e vice versa – Disse X-9, sem perder tempo acionando a opção de
tradução automática do seu teclado.

– Vou repetir a pergunta, agora que podem me entender. – Disse a oriental, com sua
voz sendo traduzida para o idioma local.

– Foram vocês os responsáveis por isso, certo? Não mintam, eu escutei toda a
conversa com o maldito chinês.

– Sim, fomos, porque? Vai fazer alguma coisa a respeito? – Gritou a hacker, de
longe.

– Essa brincadeira estúpida causou a morte do meu chefe. – Explicou a outra.

– É mesmo? Foda-se! – Se intrometeu, Joe, irritado.


– Era mesmo para K’dore morrer.

– Não é de K’dore que estou falando, é de Takeshi, o líder da Yakuza, seu imbecil. –
Respondeu.

– Foda-se esse Takeshi também! – Gritou mais uma vez Joe.

– Um erro ofender meu honorável líder… Entregarem a valise prometo que terão uma
morte rápida e honrosa… Caso contrário… – A japonesa cruzou os braços frente ao
corpo na tempestade.

– Contrário? – X-9 a desafiou.

– Ou sofreram até o último momento. – Anunciou a japonesa.

– Fala sério né? Olha em volta, sua máfia e a Tríade não deram conta, o que acha
que conseguiria fazer sozinho? – A garota de cabelos azuis e gorro sorriu,
desafiando mais uma vez.

– Então você quer ver? Certo, como vai ser? Um contra um ou todos me atacarão ao
mesmo tempo? Eu sinceramente não me importo, o resultado será o mesmo! –
Descruzando os braços, da ponta de suas falanges lentamente saíram lâminas
extremamente afiadas que brilhavam como estrelas na noite escura.

Considerações, instruções e detalhes.:

Pollux terá que decidir o que será melhor para si, cooperar com Carmen ou tentar
fugir da fortaleza Telford. Lembrando que se cooperar, o rumo das coisas podem
mudar. E se decidir fugir, não deve esquecer que o prédio é altamente tecnológico, e
com seguranças bem equipados.

Aron está na sala de operações, portanto, mais uma rodada que ficara “dormindo”

Crovax deve preparar uma estratégia para entrar na Nexus sem que seja alvo da
armadilha dos terroristas. Ou escolher uma outra rota (entrada) alternativa ou
enfrentar os inimigos. Todo seu armamento e equipamento contarão como
habilidades. Os companheiros não contaram como habilidade (vou dar essa colher
de chá, kkk) desde que estejam armados com o mesmo tipo de equipamento que
você. Caso consiga entrar na danceteria, fica a livre escolha matar os terroristas ou
capturá-los vivos. Lembrando que independente da escolha um deve permanecer
vivo.

Quanto aos Steelhearts, agora vão enfrentar um boss, ou melhor dizendo, uma boss,
a Gueixa. Para mudar um pouco as coisas, vamos fazer uma luta com dois rounds.
Gueixa vs X-9,Liam, Akane, Thomas, e Leon. Joe ficará cuidando de Boris que está
fora de combate. O sistema será como de uma luta normal. A Gueixa ataca, o grupo
se defende e ataca. Ela se defende e ataca de volta, eles fazem o mesmo e por fim
vem o turno defensivo dela.

As habilidades da Gueixa são:

Lâminas retráteis.

Força elevada ao extremo, muito mais do que um humano. (Por ser replicante)

Resistência elevada ao extremo também. (Pelo mesmo motivo)

Velocidade + Reflexos elevados.

Mira perfeita.

Visão Noturna.
Se os slots de vocês não estiverem totalmente preenchidos podem equipá-los com
novas habilidades para esse combate. (Não é preciso e nem devem postar aqui,
coloquei as minhas para que todos possam ver)

E Antes de postar, mais outro detalhe, as lâminas possuem um corte especial,


rasgando objetos a longa distância apenas movendo elas, sem a necessidade de se
aproximar do alvo.

(Gueixa)

O ar ficou estático, nenhum deles ousou me atacar com o anúncio de que lutaria
com todos ao mesmo tempo, era exatamente a reação que eu esperava. A tática
calculista levou meus olhos para a pilha repleta de fios bem à esquerda da boate. O
emaranhado de conexões nada mais era do que uma porção quase que infinita de
gatos puxados da caixa de luz do estabelecimento. Entendi que praticamente toda a
energia que alimentava os neons do quarteirão era roubada da torre de ferro que a
casa noturna possuía. Era só questão de tempo para aquilo tudo entrar em colapso.

– Vamos começar. – Avisei, entrando em postura de combate, erguendo as mãos


com falanges repletas de lâminas perigosas suspensas na lateral do rosto.

Os olhos azulados mudaram de cor como um camaleão, assim a predominância


negra tomou terreno dentro da íris se tornando uma grande pupila, encarando as
trevas que meus olhos passaram a ser. Apenas um círculo claro circundaria as
vistas. A mudança me garantiria enxergar sem a necessidade de luminosidade no
ambiente. Com gestos gananciosos o movimento circular das mãos em direção a
torre de luz cheia de fios gerou um deslocamento de ar tão afiada quanto as próprias
lâminas, a lufada de vento fez com que as conexões do roubo de energia rompesse
e tudo – o quarteirão – caiu em repleta escuridão. Seria então o começo do
massacre. Sem ter como ser vista pela ausência de luz, eu cruzaria a rua
velozmente, serpenteando na penumbra porém sem fazer ruído , nem mesmo o salto
da bota batendo no piso molhado repetidas vezes fazia barulho, uma agilidade digna
de felinos. O trabalho de infringir agonia sentido primeiro pela ruiva, tentando obter
uma porção de carne humana, as lâminas beijariam seu abdômen com sutileza
porém violência extrema. Esperando um grito da dor lancinante da ruiva, de forma
perfeita a perfuração abdominal arrancaria muito sangue e sofrimento dela ao
perfurá-la e em seguida suspendê-la. Empalando a mulher, uma vez atingido tal
objetivo arremessaria sem perda de tempo seu corpo na direção dos demais que
estavam agrupados com ela, quem sabe no escuro depois do meu ataque ela
poderia ser confundida comigo e por prevenção e instinto de defesa os próprios
companheiros a atacariam imaginando que fosse eu...
Se não fosse atacada, ao menos os atrapalharia. Independente disto, garantindo
minha aproximação frente ao segundo alvo uma revoada de novos de golpes
velozes e perigosos seriam executados na direção do rapaz com sangue na boca e
que estava com a valise. Mas desta vez, em vez de perfuração, seriam cortes
afiados por volta de todo seu corpo. Dilacerando braços, pernas, peito e rosto. Os
cortes viriam de todas as direções no escuro. A cada golpe eu me moveria,
mudando sempre a posição para nunca ser um alvo fácil, aproveitando também para
sempre me aproximar da próxima presa, que desta vez seria aquele que parece-me
ser o líder. Os bisturis das pontas dos dedos dançariam por suas costas, rasgando
com força e brutalidade suas vestes, mas não só isso, sua frágil pele humana
também. Os nacos de carne prenderiam das costas como farrapos, uma verdadeira
colcha de retalhos. Por fim e menos importante eu investiria contra a que julgo a
mais fraca e indefesa do grupo, a hacker. O ataque viria de trás, e ela só perceberia
minha respiração quando estivesse bem perto, e mesmo assim já seria tarde
demais. Um um único gesto as duas mãos viajariam rente a suas omoplatas e assim
como foi com a ruiva as garras cromadas se aprofundariam alojando-se entre as
costelas tentando perfurar os pulmões.

– Para a infelicidade de todos vocês, K’dore está vivo, eu o protegi do tiroteio e


depois garanti que fugisse seguro. Vão morrer como fracassados! – Só depois dos
ataques silenciosos eu novamente entonaria a voz.

Eu poderia tê-los matado rapidamente, é verdade, bastaria como fiz com os fios,
apenas mover minhas lâminas e cortá-los de longe, mas prometi que suas mortes
não seriam honrosas, morreriam sangrando na sarjeta como cães vadios.

Crovax

M.T.P.D - Algumas horas após os acontecimentos no Canal 17...

Apesar da cidade estar pegando fogo, eu e minha equipe estávamos tranquilos.


Todos ali eram veteranos de guerra ou foram treinados por forças especiais de
forma que situações de revoltas, protestos, guerras civis e até mesmo guerras
abertas, fossem vistas como algo comum. Estávamos todos no saguão da ala da
SWAT onde havia um pequeno ringue para treinarmos artes marciais, além de
equipamentos de malhação, a sala de treino de tiro, o arsenal e etc. Ficávamos tanto
tempo ali, que já era como uma segunda casa. Como tenente e superior dos demais
eu tinha uma sala própria, além da sala da única pessoa que era superior a mim em
patente, Capitão Nick Slay... E era na sala dele que eu estava. Ele sim, vinha se
estressando bastante, ligações e mais ligações, devido aos acontecimentos...
Falando nesses acontecimentos, eu não cheguei a mencionar o que aconteceu, mas
algumas horas mais cedo, o Prefeito da cidade havia sido assassinado, a delegacia
estava um caos, e pouco depois disso a emissora do Canal 17 que pertencia a uma
das famílias mais influentes – se não a mais – foi atacada e explodida por um grupo
terrorista não identificado. As notícias sobre esses acontecimentos eram motivo de
assunto de praticamente todos os canais, ninguém parava de falar dos ocorridos,
quando finalmente o capitão se mostrou livre, resolvi questioná-lo.

– Por que não estamos agindo, Capitão? – Perguntei sério enquanto olhava a âncora
repetir pela milésima vez as poucas informações que tinha sobre o caso.

– Sinceramente? Eu não sei, mas não pense que não agimos. Muitos não sabem,
mas a maioria dos gabinetes dos políticos da cidade são grampeados pelas forças
de inteligência. Pelo que fiquei sabendo, especialistas estão analisando as imagens
para buscar pelo real culpado da morte do prefeito. Pelas poucas imagens que
temos suspeita-se de um robô feminino, mas não sabemos com certeza, mas ela é
uma pista que nos dá possibilidades e dessas possibilidades, já pedi para Sifer
analisar, todas. – Explicou. Capitão Nick, como era conhecido, era um coroa do tipo
parrudo, com um olhar de quem sempre estava um passo à frente de todos,
qualquer um que olhasse para ele, conseguia notar que ele transpirava experiência
tanto em combate quanto em situações táticas. Era um homem que se podia confiar
e nunca entrava numa situação para perder.

– Fique tranquilo meu jovem. Com os acontecimentos recentes aparentemente


grande parte dos policiais estão entrando em greve, mas nosso grupo não está
nessa por dinheiro ou salários, estamos aqui porque nossa guerra nunca terminou e
guerra é a única coisa que sabemos fazer. – Falou o Capitão, puxando uma caneca
da qual enchia com café quente. – Sabendo disso, logo nós iremos para nossa
guerra pessoal.

Se o Capitão estava falando aquilo, era certeza que em breve faríamos nossos
movimentos. Miraitropolis sempre foi um caos, mas nunca sucumbiu, e isso nunca
aconteceu, por que no momento que era necessário homens como o Capitão Nick,
agiam mostrando que apesar dos pesares, existia uma autoridade por trás de tudo.

– E por onde vamos começar Capitão? – Perguntei, também pegando um pouco de


café.

– Temos algumas opções... Como sabe, mantemos um monitoramento nos


mafiosos da cidade, e todos eles têm se mostrado bem agitados com a morte do
prefeito. Um em especial tem feito muitas comunicações, Tony Montana.
Conseguimos informações fragmentadas, mas aparentemente ele despachou a
cadelinha vermelha dele para alguma coisa importante. – O Capitão então sentava e
seu infolink novamente recebia chamadas, ele as ignorava como se já soubesse do
que se tratava e que não passaria de incômodos. – Se Tony está agindo, é quase
certo que depois que tudo acabar, ele vai fazer com que sua garotinha elimine todas
as evidências, sejam elas pessoas agindo por fora, seja capangas... Não sei... Sei
que não é incomum Mafiosos apagarem rastros de suas ações e caso ele faça isso,
aí não poderemos agir. Já estou providenciando informações que nos permitirá
fazer nossa jogada antes que ele suma com tudo.

– Você tem autorização da promotoria para agir dessa forma? – Perguntei.


– Você sabe que a "Supergirl" lá, é toda paranoica. Ela vai vir de bicho em cima de
nós se agirmos fora das normas.

– Ela não fará isso se não souber, sem falar que temos suspeita que ela está agindo
por trás dos panos também. Onde bate Chico, bate Francisco meu caro Crovax.
Entenda uma coisa garoto: nessa cidade, todo mundo tem teto de vidro.

Apesar das palavras do capitão, tudo o que ele dizia já era algo que eu já sabia, aliás,
só um imbecil pra achar que alguém nessa cidade é inocente ou puro, tamanho é o
nível em que a corrupção se propagou. Um silêncio meio que se instalou por alguns
segundos na sala e ficamos ambos só ouvindo as notícias, mas logo éramos
interrompidos, a porta se abria e Sifer adentrava o local procurando pelo capitão.

– Cap.Nick consegui as informações que você pediu, o serviço secreto também nos
passou as partes das investigações que eles fizeram, porém disseram que não
poderão ceder contingente ou tomar alguma atitude já que a situação não é da
alçada deles. – Explicou o Hacker do esquadrão.

– Perfeito Sifer. Pode nos mostrar as informações? Crovax, quero que observe
também, você pode ver alguma coisa que eu não vi. – Falou o Capitão se pondo de
pé. Em seguida Sifer ativa seu "Handscreen", que era um tipo de bracelete
computador que o mesmo usava para praticamente tudo. Ele então fazia um
movimento com a mão como se estivesse expandindo uma tela de pc por touch, ao
fazer isso, três telas holográficas surgiam.

– Vamos as informações. – Começou Sifer. – Primeiramente, temos informações


que todos os robôs envolvidos no incidente com o prefeito, são modelos que
poderiam ter sido feitos por qualquer empresa, mas quebrando o sigilo do antigo
prefeito, conseguimos informações de que ele estava em contato recente com
K'dore, tendo isso em vista, invadi os sistemas da Orion e utilizei algumas regalias
de autoridade, peguei todas as informações de funcionários, ciborgues, robôs e
drones da empresa do mesmo. A que mais me chamou a atenção foi uma
ex-funcionária responsável por grande parte das programações da Orion... Ela
apesar de funcionária, já fez algumas atuações como uma Black Hat na rede, e eu
sempre a tive em vista, até que ela parece ter sumido, reencontrá-la trabalhando
para uma multinacional é algo que eu realmente não esperava, talvez fosse um tipo
de esconderijo dela, já que ninguém pensaria que ela trabalharia para tais.

Sifer dava uma pausa, acendia um cigarro e continuava a explicar.


– Alguns outros funcionários também possuem podres ali dentro, mas parece que
K'dore focava em sua programadora, ela parece ter programado um robô que está
fora dos registros e aí podemos ligar alguns pontos, mas não provamos nada. Tem
muita coisa sobre ela e sobre a empresa, que está num nível de segurança que eu só
teria como conseguir, tendo acesso remoto de dentro da empresa ou tendo
mandato, mas não temos provas para conseguir esses mandatos. No entanto,
poucas horas antes do incidente na prefeitura, essa funcionária parece ter "surtado"
– Como foi colocado nos relatórios da empresa – e fugiu sendo perseguida pelos
seguranças robôs da Orion. Tendo em mente que eu não conseguiria mais
informações, procurei pelas câmeras de segurança das ruas e segui os passos dela,
porém num certo ponto da cidade ela simplesmente sumiu. Depois ela só
reapareceu em algumas poucas imagens dos drones e adivinhem perto de onde?

– Canal 17… – Respondi sério, já deduzindo quase tudo.

– Exatamente Tenente. – Confirmou o Hacker.

– Você só ficou seguindo essa garota? – Perguntei pensando que com certeza havia
mais coisa ali.

– Bem, eu meio que deixei ela de lado um pouco e segui os passos do K'dore já que
apesar dela ser a programadora, só seguia ordens dele. Ele tem tido muitos
encontros... Encontros esses que incluem a Dama de Prata, e rastreando algumas
chamadas desses dois, descobri que eles entraram em contato com o Vice-prefeito,
mas eles são espertos, de alguma forma conseguiram camuflar todos os sinais e
possíveis entradas para eu saber do que se tratava tudo. Tenente... Capitão... Se me
permitem opinar, o incidente no Canal 17, essa programadora, K'dore e o prefeito.
Está tudo ligado... Um ataque ao Canal 17 que pertencia aos Telfords, não foi um
simples ato de terrorismo, mas sim um ataque direto à influência que o Canal 17
exercia. Como Hacker, se eu tivesse que impedir que uma informação viesse a ser
propagada, eu faria a mesma coisa que esses "terroristas" fizeram, até por que,
depois disso, nenhum outro canal parecia ter as mesmas informações.
– Então temos algumas peças nisso tudo... Tony, K'dore, Dama de Prata,
Vice-prefeito e por fim essa programadora. – Repetiu o Capitão, tomando um gole
do seu café. – Algo mais a dizer Crovax?

– Algo me diz que deveríamos focar no K'dore, seria o caminho mais curto, mas se
você precisa de provas pra alguma coisa, aposto minhas fichas que essa
programadora é a chave, e que ela nos levaria ao K'dore. Ela está na cola dele, tenho
certeza disso... Está mais do que óbvio. A maior suspeita que eu tenho é a mais
clara de todas, mas que não podemos provar, é que K'dore está afundado em culpa
na morte do Prefeito e que essa programadora é o bode expiatório perfeito. Ela -
provavelmente - programou o robô que - suspeitamos - ter matado o prefeito e logo
depois "surtou" e fugiu... Quem mais levaria a culpa nisso tudo? É nessa teoria que
eu aposto. A questão aqui é... Tomamos o caminho mais rápido e tentamos pegar o
K'dore com a boca na botija, ou vamos atrás dessa hacker e fazemos ela falar
conseguindo provas de tudo o que aconteceu? – Assim que terminei de explicar
minha linha de raciocínio, peguei meu maço de cigarro, mas antes que eu pudesse
acender pra dar um trago o ramal de chamada de emergência tocava, com uma
comando de voz, a chamada era passada diretamente para a tela do computador do
escritório.

" Chamada de Emergência; Temos um 23.19... Repito, temos um 23.19... "

– Central. Passe os detalhes. – Respondi ao chamado.

" Múltiplos disparos na boate Nexus. Provavelmente inúmeros feridos! "

– É só matar o prefeito e pronto. A cidade inteira pira na batatinha. Tsc... Vamos


Sifer. Chama os caras... Estamos indo pra Nexus. – Falei, em seguida pegando
minhas coisas e saindo da sala, mas antes de sair e deixar o capitão ali, ele me dava
algumas últimas ordens.

– Crovax... Cuide da Nexus e depois siga o K'dore. Tenho outras informações, além
das do Sifer. K'dore está indo se encontrar com os Yakuzas, porém conseguimos
identificar alguns rostos próximo ao local do encontro, e todos eles estavam no
ataque ao Canal 17, você matará dois coelhos com uma porrada só. Capture os
terroristas com vida e faça isso antes que Tony acabe com a vida deles. Assim
iremos resolver todo o problema de uma única vez. É nossa maior chance. Resolva
isso. São muitas pessoas que estão na nossa mira, e elas estão se movendo, um
deles nós temos que pegar. E Crovax... Eu sei da única prova que pode por K'dore
atrás das grades, só preciso que você pegue o K'dore e depois a "Supergirl" fará o
trabalho dela. – Falou o Capitão. Eu entendia muito bem aquele tom, não era um
pedido, era uma ordem e como um soldado, eu iria obedecê-la.
Logo nossa missão passava a ser três, resolver o problema da Nexus, pegar K'dore
prender os atacantes do Canal 17. Depois veríamos como tudo se interligaria. Uma
coisa de cada vez.

MIRAITROIDE - DANCETERIA NEXUS - ALGUNS HORAS MAIS TARDE...

Já parávamos o Blindado próximo a boate, as ruas ao redor e próximas estavam um


completo silêncio, apesar do que parecia estar acontecendo, algumas pessoas na
rua olhavam a boate e assim que nosso comboio se aproximou todos começaram a
nos abordar para tentar explicar a situação. Meus homens logo trataram de criar um
perímetro e assim manter as pessoas afastadas. Dentro do Blindado Sifer fazia a
sua parte, escaneava a boate e tentava conseguir mais informações do que tinha
acontecido lá dentro.

– Tem como saber quanto deles tem lá dentro? – Perguntei para Sifer.

– Não com exatidão tenente, mas pelos infravermelhos, existem muitos corpos lá.

– Tsc... Fica difícil criar uma tática dessa forma. Às cegas, só teremos duas opções.
Torre ou Tartaruga. Temos que resolver isso aqui o mais rápido possível. – Falei.
Brucker e Rick logo se aproximavam, para dar suas opiniões e juntos chegamos ao
consenso de que Torre seria mais seguro, já que mantinha o elemento surpresa.

"Torre", consistia numa tática de entrar por cima como se estivesse descendo uma
torre. Entraríamos pelo teto da boate, explodindo o mesmo e fazendo com que ele
desabe sobre um ponto específico com uma explosão controlada. Entrando por
cima, nos preveníamos de sermos alvejados por um número maior de inimigos que
pudesse estar escondidos, assim como também poderíamos fazer um
mapeamento, como se estivéssemos olhando tudo por uma câmera aérea, nos
dando uma melhor noção de tudo. Eu não precisava explicar a tática para o resto do
esquadrão, os comunicadores eram interligados e tudo o que dizíamos e
planejávamos eram ouvidos entre todos. Definida a tática que usaríamos todos se
prepararam, pegamos nossos equipamentos e trajes e começamos a nos
posicionar.

– Rock, Frog, Rick e Handson, vocês vão entrar pela frente... Serão o Grupo O2. Eu,
Brucker e Mitchel seremos o Grupo O1... Faremos dessa forma, pois Rock e
Handson são melhores para demolições e infiltrações surpresa, logo Frog e Rick,
assim que Rock e Handson derrubarem o teto, vocês entrarão fazendo a limpa, junto
com vocês... Eu, Brucker e Mitchel entraremos pela frente, sincronizadamente, assim
faremos um ataque simultâneo em dois pontos e vamos dividir a atenção dos
nossos alvos. – Expliquei tudo através dos comunicadores. – Entenderam?

– Sim senhor! – Responderam.

Assim começaríamos nossa infiltração. O Grupo O1 logo se posicionava acima da


boate, enquanto que o meu grupo, o Grupo O2, nos posicionávamos - em cover - à
frente da porta de entrada da Boate, só esperando o sinal. Handson era nosso
especialista em bombas, logo improvisou um explosivo de alcance controlado, ou
seja, não faria toda a boate desabar como aconteceria se fosse usada qualquer
bomba.

– Então, como estamos? – Perguntei no comunicador.

– Mais um minuto Tenente. – Respondeu Handson, que era justamente o


responsável pela bomba. – Eee... Pronto! Podemos agir em... 5... 4...

A contagem de cinco segundos começa e todos se ajeitavam e se preparavam, o


último segundo, foram dos "clicks" das armas sendo engatilhadas e por fim era hora
de agir. No instante que o sinal foi dado, uma explosão podia ser ouvida, o Grupo O2
invadia e nós - o Grupo O1 - entrávamos ao mesmo tempo. Como esperado de uma
boate, as luzes estavam apagadas e neons e outros efeitos de luz ainda se
mostravam ativos, porém nosso sistema de busca talvez não viesse a ser afetado
uma vez que uma das funções era o infravermelho somente nos guiando pelo calor.
Assim que entramos, um tiroteio se iniciava, o grupo que entrou por cima já caia
visando alguns criminosos que estavam na sacada do segundo andar da boate, a
explosão provavelmente havia chamado toda a atenção deles, assim nos dando
tempo para agir por baixo... Foi muito bom termos escolhido entrar tanto por cima
como pela frente, pois se só tivéssemos entrado de frente, teríamos sido cercados, e
pela tática tomada pelos "terroristas", tomar a posição do segundo andar da boate
era crucial para acabarmos com tudo muito rápido. Do nosso grupo Brucker e eu
tomávamos a frente, uma vez que estávamos carregando conosco os escudos
blindados, assim criando uma linha de proteção enquanto que Mitchel já começava
a trocar tiros com alguns meliantes que identificamos atrás do balcão. Logo, mais
alguns sujeitos que estavam no palco começaram a tentar nos alvejar, Brucker era a
nossa única proteção contra eles e começava a trocar com os mesmos.

– Mitchel! Foco no balcão, deixe que o Grupo O2 cuide dos caras no palco, eles já
devem ter acabado com os do segundo andar… – Falei, mantendo minha costumeira
frieza e pensando num jeito de acabar rapidamente com os sujeitos atrás do balcão.
Mitchel rapidamente entendeu e começou a disparar para não deixar que fossemos
feitos de alvos faceis. Minha ordem para Mitchel se baseava no fato de que o Grupo
O2 acabariam rapidamente com os caras da sacada, porque possivelmente teriam
pego eles de surpresa, assim eliminando as ameaças e nos dando a posição do
segundo andar. Uma vantagem que praticamente conclui aquela operação com
sucesso.

Caso o Grupo O2 tivesse matado os meliantes do segundo andar, eles logo


começariam a cuidar dos alvos no palco e dali em cima eles teriam mira limpa para
matá-los. Com isso, Brucker, eu e Mitchel só precisaríamos nos preocupar com os
caras atrás do balcão... Para cuidarmos desses três - possíveis - terroristas
restantes, só precisaríamos flanqueá-los, e numa ação rápida faríamos isso num
piscar de olhos. Os passos para neutralizá-los começava com um movimento rápido
onde tanto eu quanto Brucker que estávamos com os escudos nos moveríamos para
cada um dos lados do balcão, assim dividindo a mira dos nossos oponentes. Ao
fazer isso, Mitchel se moveria para um ponto cego bem a frente do balcão e para
distraí-los eu dispararia nas garrafas e no vidro que tinha na adega atrás do bar, num
único momento de distração, Mitchel daria o golpe final, saltando por cima do
balcão já disparando visando os sujeitos. Por que escolhi Mitchel para fazer isso?
Primeiro porque ele já tinha anos de experiência em agir e disparar rapidamente, ele
tinha o saque mais rápido do nosso esquadrão e era muito mais acrobático que os
demais... Saltar por cima do balcão seria muito simplesmente para ele, ainda mais
por que ele não utilizava rifles, mas sim pistolas automáticas*, no entanto, se ele
conseguisse eliminar os caras, uma das minhas ordens poucos antes dele agir era
para deixar um dos sujeitos vivos.

Toda aquela ação parecia estar sendo bem executada, mas imprevistos existem e
nós estávamos preparados para eles se assim necessário.

CONSIDERAÇÕES:

Todas as informações que mencionei, foram informações já citadas nas postagens,


não tendo incluso nada de novo. Tudo foi considerado na forma de suspeitas,
investigações e deduções, porém nada confirmado. Postei seguindo a lógica de que
apesar de toda a trama estar sendo um tipo de manipulação dos grandes
empresários e de "rebeldes" tentando confrontar isso. Ações como matar o prefeito
e explodir um canal de televisão, sejam considerados como algo que faria as
autoridades agirem, não só a Polícia. Como toda grande cidade, câmeras e drones
vigiam pontos importantes, como gabinetes políticos, prédios políticos, canais de
comunicação e etc. Já que os mesmos podem ser considerados como alto risco de
terrorismo, se tornando assim algo de alçada da SWAT, Serviço Secreto e etc... No
entanto, sendo algo mais civil, ficaria a encargo da SWAT não podendo haver
intromissão do serviço secreto já que este geralmente só age quando envolve o
presidente de uma país. Outra consideração que tomei, é que a SWAT não tem lado
na história, logo só visando chegar a verdade e eliminar assim o verdadeiro inimigo.

Leon

Eu estava com aquela maldita maleta e mais sujo de sangue que qualquer corpo que
eu pisava pelo chão. Aquele brutamontes chamado Boris se aproximou de mim e a
tirou das minhas mãos com violência. Não gostei disso, me deixou com raiva, esta
era refletida em meus olhos que do azul ficaram num amarelo intenso, os olhos de
um tigre. Consegui barrar a transformação e logo voltei ao normal enquanto fitava o
cara querendo abrir aquela valise e não conseguia.

– Por mais que seja grande e forte, este é completamente burro. – despejei em
deboche contra ele assim que o outro, chamado Joe, se aproximou e o fez parar.

Daí por diante fiquei apenas observando o desenrolar da cena e percebi que a ruiva
se posicionou do meu lado, também observando com aquela frieza dela. Contive o
impulso de lhe dizer algo ou de fazer algo, pois me lembrei do mafioso e não queria
problemas. Havia muitos corpos por todos os cantos e o cheiro de morte era
impregnante, não demorou muito para começar a ser um incômodo. Logo senti um
cheiro novo no ar e somado a um arrepio tive a certeza que mais alguém ainda
permanecia vivo e não tinha fugido.

– Alguém está perto. – comentei apenas para a ruiva que parecia também detectar
algo.

E num segundo depois fomos pegos de surpresa por uma explosão. Não pude evitar
de sorrir ao ver o grandalhão resmungão caindo aos meus pés e não o ajudaria.
Nessas horas eu era egoísta e só cuidei da minha sobrevivência. E antes que eu
acabe soterrado, saí às pressas para a rua com uma velocidade que variava entre o
natural humano e de um tigre. Não vi mais ninguém. A rua estava bem escura, o que
não era problema para mim, afinal como tigres são caçadores noturnos, minha visão
se adaptava a escuridão. E antes que tivesse a chance de protestar, a valise voltou
para as minhas mãos.

Akane

Atirar naqueles que tentavam fugir estava ficando muito chato. Não gostava do
papel de ficar às escuras auxiliando os que estão na linha de frente. Arrisquei olhar
para trás e procurar os infelizes que me acompanhavam e nenhum deles estavam lá,
principalmente o tigrão. O que não demorou muito para ele voltar com uma valise
em mãos e surpreendente todo sujo de sangue… Não pude evitar de imaginar como
ele matou, visto que tinha sangue em sua boca. Aquelas presas enormes era o X da
questão e me convenci de mantê-lo bem calmo perto de mim.

Fiquei mais atrás verificando os corpos pelo chão, pois alguns poderiam estar ainda
vivos e nos fazer uma surpresa. Como não achei nada de mais e estava começando
a ficar entediada, me aproximei do grupo. Aquela Hackerzinha ainda estava viva, o
que me surpreendeu… Mas o que não me passou despercebido foi o arrepio do
tigrão e encarei aquilo como mau sinal. Fiquei em alerta e não demorou muito para
sermos obrigados a evacuar da boate. A explosão não só afetou o interior do
puteiro, mas sim todo o quarteirão.

Correr para não ser soterrada foi muito fácil para mim, onde eu desviava dos
escombros maiores e saltava por entre os menores até alcançar a saída direto para
a rua. Estava escuro e eu sabia que tinha alguém se aproximando de nós.

– Aposto que o chefe morreu e está furiosa – sussurei para o Leon.

Leon

– É uma mulher japonesa… – Respondi com meus olhos amarelos grudados nela,
em suas curvas principalmente.

Sua voz pôde ser ouvida por todos, mas eu tinha certeza que a maioria não poderia
vê-la, se não tivessem um truque na manga. Nessas horas começar a correr não era
boa opção. Perante o perigo, segurei com força a valise e acabei amassando sua
alça. Eu e a ruiva nos vimos no meio de um diálogo entre eles em silêncio, pois a
situação não era boa. Não conhecíamos aquela, tampouco sabíamos do que era
capaz. E assim que o silêncio voltou e a sentença de morte anunciada, cutuquei a
ruiva.

– Liam, você fica com isso – falei baixo, mas o suficiente para ele ouvir e joguei a
valise em sua direção. – Ruiva, ela está indo na sua direção. – avisei.

Eu estava com pressa e não sabia o real motivo. Talvez o meu lado animal esteja
excitado por um combate real e não simplesmente uma carnificina rápida e sem
impedimentos. Puxei Akane para trás com a mesma agilidade com que a oriental
vinha até ela com suas lâminas em forma de garras. Com o aumento do estresse e
da adrenalina, a transformação para tigre foi inevitável e eu tinha garras tão afiadas
como as delas. Com plena consciência de seus movimentos, me coloquei na frente
dela e mirei em suas garras. A seguraria por uns tempos mostrando o quão forte eu
podia ser, no qual era comparada às dos ciborgues mais fortes. E abusaria de tal
força para jogá-la violentamente para frente (a minha frente) num espaçamento de
um metro, talvez.

Akane

Ouvi o alerta do tigrão em silêncio mais uma vez e estranhamente ele me puxou e se
pôs no meio entre mim e quem quer que seja. Tive de admitir que ele era forte e
ainda estava assustada com a ideia de uma pessoa se transformar em animal,
principalmente um animal pré-histórico. Tentei deixar este detalhe de lado e me
concentrar no que acontecia. Não me surpreendia que ele pudesse ver tão bem no
escuro, enquanto eu via somente sombras e mais sombras. Contar com a
luminosidade da lua não era confortável.

Eu apenas fiquei observando os dois com pouca visibilidade. Sem nenhuma faca em
mãos, só a pistola Taurus com munição explosiva, me posicionei para atirar tão
rápido que puxei a arma. Eu me sentia como uma burra, me deixei levar pela tensão
e esqueci que tinha também uma percepção fora do comum… Mesmo assim
precisava de um pouco de luz para fazer a mira. Percebi que os dois estavam se
confrontando, mas precisava de ajuda.

– Onde jogou ela? – perguntei assim que percebi o que aconteceu (se ela realmente
for jogada longe).

– Na minha reta a um metro de distância. – falou o Tigrão ofegante.

Era estranho ver um tigre humanoide falando sem nenhuma alteração da sua voz,
principalmente com aquelas presas enormes a saltarem para fora da mandíbula.
Segui a orientação dele e me coloquei do seu lado. Ele fez questão de fazer a mira
por mim e atirei. Foram muitos disparos visando explodi-la. Já o resto seria com os
demais. Minha pergunta era se a tal aguentaria todos de uma vez…

Pollux

Meu nome é Pollux e, até ontem, eu tinha uma vida diferente. Até anteontem, eu
tinha outra.
Não dá pra me assegurar do que pode acontecer daqui pra frente, mas duas
mudanças de vida em três dias realmente sacodem a estrutura de qualquer um.
Vamos começar pelo básico. Eu trabalhava no Canal 17, ruína da qual eu me
afastava agora apenas com a fumaça dos destroços tingindo a névoa de neon que
eu deixava para trás olhando pelo retrovisor central do carro que eu dirigia, um
Pontiac modelo antigo. Para onde eu não sabia até então, apenas pisava no
acelerador e deixava o instinto me guiar. Isso, e o rastro da aeronave acima da
minha cabeça, até onde eu achava que podia distingui-la do céu poluído lá no alto.

Há umas quarenta e oito horas eu recebi uma ligação de um contato meu. Dora
como alguns chamavam, mas eu gostava de chamá-la de Callídora mesmo, o nome
real sempre me agradava mais. Trabalhávamos juntos no Canal 17 mas em
departamentos diferentes, eu agindo mais como o frontman e ela na fabricação de
notícias. Telford poderia ser poderosa, mas se tinha uma coisa que ela era ainda
mais, essa coisa era inteligente. Muitas das notícias que publicamos eram
descaradamente manipuladas. Eu não diria que eram falsas, porque não eram. Afinal
de contas contávamos apenas meias verdades, como especular que alguma marca
rival de suas redes estava envolvida com o crime ou atacar a concorrência de algum
contato importante de K'dore, tudo isso estava no seu "pacote" de proteção. "Venha
para o nosso lado e te daremos o monopólio do seu comércio na cidade", era
ridículo, mas funcionava. Callídora me disse uma vez aos murmúrios que talvez
tivesse um conhecido que talvez tivesse envenenado contêineres inteiros de
alimentos só para botar uma empresa na sarjeta e foder com a balança comercial
da região. Isso era só o básico. Desde subornar civis para darem falsos
testemunhos em frente às câmeras ou acusar falsamente alguém de um crime até
pura espionagem, hackeando computadores pessoais e enchendo de child porn para
trancafiar alguém que fez a velha pensar que fosse uma ameaça. Até a polícia
estava do nosso lado. Quando os corruptos pisavam na merda eles vinham até nós
para moldar os fatos a favor deles e nosso chefe tinha muito interesse em manter
os seus peões no lugar, então não podia simplesmente se dar ao luxo deles serem
exonerados.

Callídora trabalhava nessa área, forjando a notícia. Eu a reportava, escrevia, redigia e


apresentava ao público. Era assim que nos tornamos o veículo número um de
Miraitropolis. Só que mesmo alguns segredos obscuros da cidade eram
desconhecidos até pra gente. No meu apartamento eu apertei o botão do meu
telefone para ouvir a voz dela do outro lado, sem deixar que ela tivesse a primeira
palavra. Mal de jornalista.
– Calli, já vazou os documentos do Harrington? Eu quero muito ver esse cara na
merda. – enquanto eu passava uma camisa branca pelo meu ombro vi as linhas de
volume no display do telefone subirem enquanto a voz dela preenchia o meu quarto.

– Pollux, isso é sério. Descobri uma coisa. – ela parou por um segundo e depois
repetiu. – Eu descobri uma coisa.

– O que foi, mulher?

– Lembra da Elemental? Dois meses atrás…

– Sei, sei, o escândalo da água, restos humanos nos canos de despejo, coisa
nojenta. Eles te descobriram?

E então eu ouvi uma coisa que me assustou. Ouvi ela chorando.

– Não foi a gente.

– Como assim, não foi a gente? Eu pensei que você tivesse…

– Não! – a voz elevou o LED de volume até os níveis vermelhos mais altos. – Não, eu
também pensei que fosse um dos nossos, mas não é. Eu vi algo que não deveria ter
visto. Droga, eles vão me pegar, eles viram o que eu vi, eles viram o que eu vi.

Minha testa se franziu enquanto eu terminava de abotoar-me e quanto mais


Callídora subia na espiral confusa do seu relato eu ouvia mais de sua voz e entendia
menos do que falava. Cadáveres, novo programa, killswitch, Canal 17, eles viram o
que eu vi, tudo aquilo se misturava em uma sopa de letrinhas auditiva que eu estava
a ponto de gritar com ela para que parasse, quando ela mesma fez isso. Antes que
eu pudesse ouvi-la dar um fim à sua própria loucura verbal, olhei para fora de minha
janela que cobria boa parte do apartamento e não vi chuva alguma, muito embora eu
ouvisse o que pensava ser uma garoa grossa do lado dela na linha.

– Me encontra na Angel's Lane. – e então, desligou. Deixou a ligação em silêncio por


longos segundos antes de findar a conexão como se quisesse que sua voz ecoasse
na minha cabeça, o que de fato fez. Eu me abaixei para tocar no dispositivo similar a
um modem e o desliguei, voltando-me para a parede vítrea que tinha nas minhas
costas. Eu vivia bem, do modo mais privilegiado que alguém com a minha renda
pode viver. Aqueles que resolvem trabalhar do mesmo jeito que eu nunca passam
fome, afinal de contas trabalhar para o diabo e viver no inferno não parece combinar
muito bem. Se algum dia minha consciência me cutucava para me fazer sentir
remorso, meu apartamento e meus bens me serviam de ótimo argumento. Primeiro
que as pessoas que atacávamos nunca eram mais santinhas do que a própria velha,
e segundo que era eu sozinho, sempre foi assim, e quando a sobrevivência é
singular a honra nunca é uma prioridade. Eu não tinha com quem me preocupar e
ninguém para quem me arrepender, e isso estava para mudar logo logo.

– Casa, modo de vigília. – eu falei para as paredes e seis speakers repetiram meu
comando em um timbre eletrônico, acionando o alarme do apartamento que eu
estava pronto para deixar. Eu amava aquele lar, limpo e sempre com uma música
sintetizada de ambiente, fazia até com que Miraitropolis através da janela parecesse
um grande quadro distópico e inacabado.

Eu fui até onde Callídora havia me sugerido.

Eu encontrei mais na volta do que na ida.

Retornei para meu apartamento sem notícias nem pistas de meu contato. A info
estava fria, eu pensei, achando que deveria ser um trote ou que Calli simplesmente
havia se distraído com algum furo de última hora e deixado a Angel’s Lane, ou
simplesmente que estivesse bêbada demais para falar coisa com coisa e tivesse
caído no primeiro bar próximo dali. Esperei pela alameda por cerca de vinte minutos
e nada, nem sinal da garota ou de algo que poderia acontecer, já que é de nosso
costume, os jornalistas, sermos avisados de algo manipulado antes de acontecer
em prol de ser o primeiro a chegar na cena. Nada.

Determinado a tomar um banho e cair na cama, eu passei pela sala de estar e fui
direto para a suíte após gastar alguns minutos no bar. Meu PDA – personal digital
assistant – ou tablet estava sobre a beirada de minha cama sem novas notificações,
mas eu notei por um breve segundo uma linha vermelha se sobressair no contorno
da interface e por um milagre eu tomei nota da seriedade que ele me trazia. Se por
um segundo a mais eu tivesse passado despercebido por ele, sem ainda estar
perturbado pelas palavras confusas de Callídora e buscando um sinal de vida da
mesma, eu não teria visto que naquele mesmo minuto o sistema integrado do
apartamento me avisava de um alerta de intrusos.

Eu toquei a tela, e ele me deu a visão de um mosaico de nove câmeras, dois dos
nove quadrados onde eu aparecia por algum ângulo mas um deles em especial da
entrada de meu apartamento, pelo lado de fora. Dois homens estavam divididos
entre um deles manejar um pequeno objeto magnético que estava certamente
criando uma sobrecarga sobre a tranca de minha porta e o outro montando vigília,
armado com um rifle frente ao peito idêntico ao que havia no chão, provavelmente o
de seu amigo. Eu não sabia o que pensar, mas eu soube agir. Não era um cara que
andava armado e mesmo que eu soubesse manejar uma arma, como é que eu
poderia vencer dois soldados como aqueles, que eu nem sabia o que estava fazendo
na minha casa? Meu primeiro instinto foi lutar, mas eu era mais esperto do que isso,
e certamente não era um suicida também. O que fiz, no entanto, me fez parecer
muito como um.

Daquele ponto de vista, eu estava cercado. Quando eu coloquei em prática a minha


ideia eu acabava de ouvir a minha porta sendo violada e não tinha pra onde correr, já
que a suíte começava diretamente onde a sala de estar ficava, sem corredores. O
único lugar que eu tinha para ir era para fora.

Então eu fui. Abri a janela do meu quarto que era exatamente como a da sala,
estendendo-se do teto ao chão, e pus meus pés do lado de fora pelo finíssimo
espaço que eu tinha de meros centímetros para ficar do outro lado antes de
empurrar a porta de vidro e fechá-la quando saí. Eu estava como nos filmes,
apertado contra a parede em minhas costas e ganhando centímetro por centímetro
arrastando meus pés na lateral para me esconder da transparência do vidro e da
visão dos invasores. Parando pra pensar, aquilo foi o máximo de adrenalina que eu
já tinha sentido em toda a minha tediosa vida. O vento soprava minha camisa e era
fácil de me desequilibrar, e eu me perguntava em quantos outdoors flutuantes eu
bateria antes de atingir alguma rua suja de Miraitropolis se eu caísse. Meu único
alívio foi fechar os olhos, o que foi minha salvação, tendo em vista a conversa que
eu escutei dentro do meu apartamento:

– Nada aqui também. – alguém dizia, dentro do meu quarto.

– Qual foi a última localização estática dele?

Ouvi alguma coisa que pareciam ser teclas, e supus que alguém estivesse com um
daqueles computadores de bordo no pulso.

– Angel’s Lane. Menos de meia hora, depois ficou em trânsito.

– Foi pro mesmo lugar que a primária. Eles sabem um do outro. Olha pelo implante
dele.

– Certeza? Sabe que não consigo fazer isso fora da central, né? Se fizer agora, vai
demorar pra caralho pra fazer de nov–

– Faz o que eu mando. A Dama não tá nem aí pra sua permissão de acesso, a gente
precisa ver onde ele tá.
Eu devo lembrar que nesse momento, eu ainda estava do outro lado do meu
apartamento, de olhos fechados para me equilibrar. Foi quando ele falou, depois de
meio minuto de silêncio, o que me fez arrepiar por inteiro:

– Que estranho, não tem nada aqui. Tá tudo escuro.

– Porra, como assim? – pela primeira vez o outro parecia alarmado. Ouvi passos
apressados e imaginei que agora os dois estivessem olhando a mesma tela. – O
desgraçado arrancou o implante?

– Tem algum desses cirurgiões clandestinos em Angel’s Lane? É provável.

– Passa um rádio para aqueles folgados da central. Levanta o log dele e vamos ver o
que ele gravou até duas horas atrás. As imagens devem estar na nuvem. Vamos
voltar para Angel’s e tirar a prova. Connor, preciso de uma permissão sobreposta,
preciso do acesso de conexões e vídeos armazenados. Tem dois possíveis
insurgentes que...

E então minha audição não captou mais nada, mas minha casa estava vazia de
novo.
Agora...
Agora eu sabia o que tinha acontecido.

Quando eu comecei a trabalhar no Canal 17 e recebi uma proposta de promoção


pelo meu desempenho e por aceitar muito bem os segredos sujos da empresa, eu
fui selecionado para um programa especial, o que me levou a trabalhar com o que
trabalho hoje, na apresentação de informações e notícias falsas. Eu fui um dos
únicos a aceitar ser cobaia desse projeto que nos transformava em câmeras
ambulantes. A maioria dos repórteres de Miraitropolis ainda andam por aí com
aquelas câmeras-drone de mais de vinte quilos sobrevoando o ombro, mas o que
ninguém sabe é que existem olhos do canal onde menos se espera. Meus olhos
foram modificados para receber um implante de retina que traria para esse meu
sentido todos os benefícios de uma câmera e mais alguns efeitos secundários; eu
era capaz de gravar qualquer imagem e enviar para a database do Canal 17 seja em
vídeo ou foto através do outro lado do implante, que conectava-se com os
receptores visuais no meu cérebro. Eu podia aproximar minha visão, enxergar com
pouquíssima luz pela compensação de claridade, enviar uma simples foto ou gravar
o que via para uma filmagem crua diretamente para a edição do jornal. Eu tinha todo
o acesso da database pessoal da empresa também, portanto apenas em focar-me
em alguém eu conseguia ver seu nome e info básica em forma de pop-up ao lado de
sua imagem, contanto que fosse uma figura pública e acredite, tínhamos um banco
de dados maior do que o da polícia.
Já se perguntou como eu me tornei um entrevistador tão bom? Era fácil detectar
qualquer micro-anomalias no rosto de alguém de frente para mim e saber quando o
seu padrão de verdade era quebrado, um upgrade ainda recente, coisa da Telford
para as eleições, eu imaginava, quando entrevistei brevemente o já falecido prefeito
a esta altura.

O problema não era os benefícios. Minha visão era uma maravilha, eu era capaz de
registrar qualquer coisa a qualquer hora, em resolução impecável. O problema é que
eu não acreditava no boato de sermos transformados em câmeras até que percebi
que alguém além de mim olhava através dos meus olhos.

Foi assim que invadiram meu apartamento.

Eles tinham um backdoor para o meu implante e durante o tempo todo tinham
acesso ao que eu via.

Supus que como aqueles dois não me encontraram nas horas seguintes, o implante
não poderia ser acessado a qualquer hora, pelo menos não por qualquer um. E a
única coisa que impediu que eles me achassem não foi eu ter estado do lado de fora
da minha janela, mas sim estar com os olhos fechados, razão pela qual eles não
viram onde eu estava se espelhando no que eu via. Eu nunca me senti tão traído em
toda a minha vida. Das conversas mais triviais e meus momentos mais íntimos aos
meus segredos mais sérios, tudo estava em algum lugar do compartimento de
memória dentro do Canal 17. E alguém poderia estar vendo, a qualquer hora do dia.

Sede do Canal 17

Eu fui para o trabalho normalmente no dia seguinte.

Por que? Porque eu precisava ir embora, e mesmo que eu não fugisse para sempre,
eu precisava de um tempo para investigar o que estava acontecendo. Apareci para o
trabalho porque eu precisava de um jeito de retardar aquele streaming vindo de
meus olhos, precisava descobrir se existia um jeito de desligar o fluxo de dados e
acima de tudo, precisava deixá-los no escuro, pelo menos por tempo suficiente até
encontrar Callídora.

– Pollux, né? – doze minutos depois que eu sentei no meu cubículo, um guri veio me
chamar a atenção. Tinha um tablet na mão e parecia roer o polegar.

– Cê pode me acompanhar até um lugar mais privado?


– Olha só, isso não é hora de se fazer um convite desses, e eu vou ter que recusar. –
falei pra sacanear o estagiário.

– O supervisor tá te chamando, é sobre ontem à noite.

Porra, já? Afastei minha cadeira e dei uma boa olhada no moleque, que estava com
mais medo do que eu. Devia ter começado ontem, e já estava com o cérebro lavado.
Também, pensei, como é que eu pude ser tão burro? Foi só naquele momento que eu
percebi que também estava tão acostumado a ser parte do sistema que me achei
tão inteligente ao ponto de querer passar a perna naquele império que acabei
correndo para o braço dos meus carrascos. Me levantei já sabendo o que ia rolar,
mas mantive a calma. Do lado de dentro da sala onde eu entrei havia uma garota de
óculos quadrados e o supervisor em si, com a tela atrás de si em espera.

– Pollux, você sabe porque está aqui, né?

– Sim, você acabou de me chamar. – respondi me fazendo de idiota, sempre


funcionava.

Ouvi um suspiro e então a garota começou a falar. Era da engenharia.

– Os seus superiores estão pedindo que você ceda as imagens das últimas 72 horas
à central para investigação. Você foi visto falando com uma desertora, temos razão
para pensar que ela tenha convencido mais gente a trair a missão da empresa.

– Espera, você tá falando da Callídora? O que é que ela fez afinal? Eles se
entreolharam, como eu tivesse falado algo que me incriminava ainda mais.

– Qual era o seu grau de proximidade com a garota em questão?

Eu obriguei o diálogo a fazer uma pausa, olhando de um rosto para o outro,


enquanto pelo meu ombro vinha o som da porta se abrindo e mais duas pessoas
entrando. Eu pude notar que não eram pessoas muito comunicativas. Guardavam a
porta, certamente.

– A gente trabalhava em equipe, mas eu não sabia no que ela estava se dedicando,
ela só me passava o resumo e eu fazia a apresentação. Ela era do setor de
produção, você sabe. Falou que tinha algo pra mim e sumiu. Angel’s Lane, ela tava.

Até então nenhuma mentira. Se eu fosse incriminado por uma suposição eles não
poderiam me punir tão gravemente, mas ainda tinha a questão de eu já estar ciente
sobre a função secreta do meu implante. Eles não sabiam que eu sabia, então eu
continuei dançando conforme a música.

Atrás de mim uma comoção tinha se iniciado, e os dois guarda-costas começaram a


falar entre si e com outros pelo rádio.

– E pra onde você foi depois que saiu da Angel’s?

– Fui pra um hotel e dormi por lá, achei que se ficasse perto do local eu poderia
gravar algum furo, escuta, esses dois aí…

Foi quando eu ouvi pela primeira vez. Um barulho constante reverberava nos
andares superiores, como batidas incessantes e em rajadas rítmicas. Ao som disso
os seguranças deixaram seu posto e armados pareciam apressados em deixar o
escritório para trás. A doutora que também me interrogava saiu com os mesmos
depois de cochichar alguma coisa sozinha, e eu olhei para o meu supervisor tão sem
ideia quanto ele.

– Que porra tá havendo?

– Protocolo de segurança. – ele me disse, e eu vi que aquelas palavras nunca


tinham saído da sua boca. Parecia tão amedrontado quanto o estagiário que veio
me conduzir até aquela sala. – Alguma coisa aconteceu ali em cima.

– Nos servidores?

– Não, mas perto. Pelo que eu tô vendo no meu PDA houve uma brecha no sistema,
mas deve ser um falso positivo.

– Falso positivo, cara? Isso que eu ouvi parecia com tiro. E espera, por que eu não
recebi esse alerta?
– Seus privilégios foram revogados ontem. Ontem à noite. Acharam que você fosse
uma célula rebelde, que estava ajudando alguém a fugir, então cortaram seu acesso.

– Então dá pra você me reconectar agora? Você tem permissão pra isso, né?

– Arrã. Nível Quatro, mas só posso te dar as permissões básicas e locais.

Eu odiava quando faziam aquele som com a garganta. O som continuava, ouvi outra
vez aquele som rítmico que reverberou pelos andares acima, mas ao que parecia o
supervisor não estava interessado. Ele digitou com mais força ao final do seu login e
apertou “enter” como um ponto final, e eu soube que era hora de agir.
– Tá legal, também vou precisar criar um novo log... – eu não esperei ele terminar. E
eu também não era nenhum hacker então não podia fazer aquilo sozinho, precisava
que ele entrasse na própria conta antes de fazer o que fiz. Assim que ele ergueu o
rosto do computador para mim encontrou meu soco contra sua mandíbula,
mandando-o para o lado por um momento e depois de volta à cadeira, apagado.
Como eu disse, eu não podia hackear tão bem quanto outros, mas ele já havia
logado nos arquivos protegidos do Canal 17, e havia outra coisa: eu sentia que
haveria uma evacuação em efeito, e apesar de ser preciso só o Nível Quatro para
acessar as pastas restritas, normalmente isso ocasionava em um alerta no sistema
e o invasor era forçadamente retirado, tanto do computador quanto do quadro de
funcionários. Eu esperava uma confusão e, com ela armada, que diferença faria com
alguém fuçando na confidencialidade da empresa?

Eu esperava poder encerrar meu upload de imagem para o canal, mas encontrei uma
coisa melhor.

Mas não era só isso. Eu não podia simplesmente olhar arquivo por arquivo, eu tinha
que salvá-los. Eu não podia contar com a nuvem do canal para guardar o que tinha
visto, mas ainda podia contar com o armazenamento local. As informações em meu
cérebro. Eu rapidamente abri a pasta para um overview do que tinha dentro e, muito
similar a um QR Code, meu olho direito começou a varrer aquelas informações e
transmitir para o receptor cerebral. Eu não saberia imediatamente o que havia nos
arquivos, era apenas um conduíte, então precisaria de um outro computador para
jogar aquela pasta e abrir depois. Por mais avançado que fosse meu implante, ele
ainda era uma peça eletrônica, constantemente fazendo download e upload quando
eu via algo interessante e passava para os servidores. Agora, no entanto, eu estava
guardando para mim e usando-me de armazenamento móvel, com uma linha
púrpura circular que rodeava minha retina em sinal da conexão que estava fazendo,
na forma de um brilho mais forte em meu olho.

Tinha só mais uma coisa. Só mais uma pequena coisa. Havia um arquivo de hoje,
marcado para remoção em ainda algumas horas. Enquanto eu copiava tudo com um
mero olhar e esperava o tempo de download ser concluído, abri o arquivo após duas
telas de confirmação. Algo sobre um andróide, que eu imediatamente liguei aos
recentes acontecimentos. CP3, não era aquele o brinquedinho de K’dore e Telford?
Isso queria dizer que...

Isso era grave. Isso era foda. E eu fiz backup de tudo.

Se eu estivesse olhando para a programação daquela andróide mesmo, e se foi


aquela andróide a de fabricação desconhecida que deu fim ao prefeito, eu tinha em
mãos o furo da minha vida. Não demorou muito até eu descobrir porque eles ainda
não haviam vindo atrás de mim se eu estava entrando em segredos tão profundos
da empresa, quando senti outro tremor no prédio, mas agora não pareciam tiros e
sim um forte impacto explosivo que veio debaixo dos meus pés e que me fez me
segurar contra a mesa para não cair contra ela. Algo estava vindo dos andares de
baixo agora.

Aproveitando os últimos momentos que sentia que me restavam, quis saber se


conseguia acessar as câmeras dos andares superiores. E para o meu espanto, elas
estavam abertas. Olhei uma por uma, seguindo os clarões que percebia entre uma e
outra, sentindo que estava chegando próximo da fonte dos tiros, quando notei duas
pessoas correndo por um corredor cheio de portas, mas não consegui identificá-las.
Olhei por mais um momento até que elas saíssem da linha de visão e enfim cheguei
em algo que julguei revelador. Havia um grupo, uma gangue, eu não saberia dizer,
mas estava lutando contra outros androides em algum dos níveis superiores. Havia
muito tiro, rajadas que dispersavam um clarão dourado mas que não emitiam som
algum por onde eu os assistia. Conseguia ver gente gritando uns com os outros,
então suas intenções para mim eram desconhecidas, mas parecia haver algo de
muito errado com aquela cena. Aqueles não eram os androides que patrulhavam
nossos corredores...

Mas eu tive de ir antes de saber a verdade sobre eles.

O resto teria que esperar. Coloquei em prioridade os arquivos da CP3 e quando


concluído, eu comecei a dar o fora dali. Os outros arquivos menores ficariam
corrompidos pela abrupta interrupção, mas eu tinha o que queria, pelo menos em
partes. Eu planejava subir até os servidores secundários e dar um jeito de apagar os
meus logs de visão, mas não tive tempo. Assim que cheguei à escadaria eu ouvi
gritos, e passos que fizeram tremer o chão. Tiros outra vez, dessa vez mais perto, e
em minha direção. Voltei por onde havia ido da escadaria saindo da sala de meu
chefe contra o fluxo de gente que começava a se cansar de esperar para evacuar e
ignorava os comandos do alto-falante que gritava que tudo estava bem, que não
havia razão para se preocupar, antes de eu ver os fuzis sendo levantados pelos
próprios seguranças contra os funcionários. Mas algo ainda me dizia que algo de
pior estava por vir.

Enquanto toda a multidão se aglomerava para descer as escadas de emergência eu


certamente sabia que os elevadores estavam fora de serviço, mas eu não arriscaria
descer por elas. Sabia que quem quer que estivesse lá embaixo estava nos
afunilando e esperando que descêssemos pela única porta que nos restava, então
eu esperei até que o hall estivesse mais vazio e não foi preciso fazer muito esforço
para fazer o que fiz. Uma das portas estava emperrada e não funcionando direito
com a tranca eletrônica, então eu pude empurrar com certo esforço as portas do
elevador para lidar com o fosso abaixo de mim, e a escada de mão que corria por
uma de suas extremidades. Foi justo nesse momento que eu ouvi o eco dos tiros
vindo pela escadaria, e o sentido ritmado de uma marcha, quase na minha cola. Eu
nunca fiz algo tão impensado tão rápido, sabendo que o que quer que estivesse
vindo, não era humano.

Eu desci pelas escadas de mão até o térreo e além. Eu estava certo, o prédio estava
sob lockdown. Sorte a minha, no entanto, que consegui chegar no fundo do fosso
vivo e não esmagado por um elevador, pois quando olhei para cima vi que ainda
havia movimento em um deles. Alguém havia o solicitado lá nos andares de cima, o
que significava que tinha pouco tempo para agir. Estava perto da saída, mas aquilo
ainda não era uma boa notícia. Pela escuridão que me impediria de ver direito se eu
tivesse olhos comuns, eu reparei as portas amassadas do lado de dentro de onde
estava, como se o tiroteio no térreo fosse indiscriminado também. À minha frente
estava a porta do segundo subsolo, acima a do primeiro, e só depois a do térreo
agora, mas ainda não sentia segurança em olhar para fora e tentar sair correndo,
sem arriscar ter um exército particular disparando contra minhas costas. A saída
viável não me agradou, mas...

Me manteria vivo.

Pensei comigo mesmo, antes escapar fedendo do que morrer cheiroso, e encarei
uma última vez o fosso do elevador. Sob os meus pés e no espaço quadrado onde
eu estava, envolto pela escuridão eu percebia o formato de uma espécie de
escotilha, um bueiro quadrado que eu sabia que me levaria até os túneis de esgoto
debaixo da cidade, e se eu posso descrevê-los de alguma maneira em minha breve
passagem por lá, eu só poderia dizer que eles não são muito diferentes das ruas,
apenas com mais ratos e menos prostitutas. Ainda assim, a palavra do dia era:
traumático. Por corredores escuros eu passei e tetos em semicírculo sobre a minha
cabeça que eu agradeci por estarem ali quando estava saindo pelo labirinto que se
expandia por toda Miraitropolis, pois eles dispersaram muito bem uma segunda
explosão que eu senti muito maior do que a primeira, certamente vinda do térreo ou
dos andares onde eu anteriormente estava, que por pouco não me jogou em meio ao
lodo sujo que quase cobria os meus pés. O que quer que tivesse acontecido era algo
sério, mas eu pensava que era a própria segurança do Canal 17 fazendo a limpeza
de seus funcionários. Pouco eu pensei nisso naquela hora, já que minha mente
estava programada apenas para correr, mas ninguém dali sairia vivo. Nem Telford e
nem a gangue contavam com isso, estivessem ele ali pela CP3 ou fossem eles os
causadores do ataque em primeiro lugar.
Após o impacto de mais uma explosão abalar as ruas acima de mim no quarteirão
onde ficava o prédio, eu fiz questão de andar por mais dois corredores com medo do
perímetro estar cercado, e foi então uma sábia decisão. Levei meu corpo escada
acima novamente até um bueiro de rua onde pude empurrar, e dali eu respirei ar puro
mais uma vez, agora com as gotas de chuva em meu rosto e roupa, algo que muito
precisava. Não apenas por uma questão de despedida, já que seria a última vez que
eu planejava pisar ali dentro, mas olhei para o prédio uma última vez antes de
dar-me conta que agora eu estava em fuga. Com o que eu sabia, eu era mais do que
uma ameaça para eles. O que quer que tivesse acontecido com Callídora,
certamente estava para acontecer comigo também. Merda. Antes que tivesse o
ímpeto de sair correndo dali, mais uma vez algo me notou a atenção. De onde eu
estava era longe o suficiente para poder ver parte do topo do prédio e a nave que
sobre ele pousava. Tinha dificuldade, mesmo manejado por um bom piloto que
acabou por derrubar o outdoor não na ida mas na volta de seu voo. Eu apertei meus
olhos o máximo que pude para enxergar quem o embarcava, e por um momento
também gravei aquelas imagens, sem poder discernir seus nomes visto que o
alcance da imagem estava no máximo que eu podia exigir de mim mesmo. No
entanto, pude perceber claramente um homem sendo carregado nos ombros de
outro maior, uma mulher esguia de cabelos azuis com um holograma a partir do
braço e outra de cabelos escarlates. Eu teria que contar com minha própria memória
se quisesse reconhecê-las, mas aquilo já me dava uma boa vantagem.

A adrenalina corria forte no meu sangue antes que eu pudesse ver o que o final da
noite me reservava, mas eu ainda estava extasiado pela ação. Pensei rápido, e com
meu cotovelo eu quebrei a janela do primeiro carro que vi nas ruas, acendendo seu
painel e ligando-o sem dificuldades, um dos ainda poucos e autênticos movidos a
gasolina em toda a cidade que comia e cuspia neon. Sentir aquele ronco debaixo
dos meus pés e os pneus derrapando quando acelerei demais para sair foi a melhor
coisa que senti em minha vida, emoldurado pela chuva que caía por cima do vidro,
com o rastro do vento da aeronave acima de minha cabeça e o gigante de aço atrás
de mim desmoronando com uma morte lenta e trágica, em uma nuvem de fumaça e
gritos. Eu estava vivo.

Mas dificilmente, eu estava longe da morte.

Fortaleza dos Telford

Telford desejava os meus lindos olhos púrpuros, e não era do jeito gostoso nem
agradável. Que eu não me expressei errado, a Dama de Prata havia envelhecido
muito bem, sinal de que sua consciência não pesava nada pelos seus atos, mas eu
estava a fim de viver mais um pouco, pelo menos um pouco só além da expectativa
de quem trabalha para ela. Aqueles minutos onde ela me forçou a encará-la foram
os mais dolorosos até hoje, principalmente porque senti que ela estava lendo mais
sobre mim do que eu sobre ela. E quando por fim ela começou a falar, nenhuma
chance de réplica eu tive. Eu já esperava aquilo. Era do jeito dela, ou de jeito nenhum,
eu sei. O que eu fiquei surpreso em saber foi que ela estava basicamente me dando
um tratamento VIP àquela altura. Não me matar no ato já foi um grande presente,
mas eu estava certo de que algo bem pior me esperava adiante, para remover o
brinquedinho high-tech que estava agora em minhas órbitas. Eu tinha uma ideia de
como seria...

No entanto, aquela piedade exacerbada de Telford me deixou levantar suspeitas, e


algo em seu olhar me disse mais do que o meu implante poderia dizer. Ela queria me
matar. Ela queria muito me matar, mas não o fez. Eu não atribuiria isso ao meu
carisma e nem com o bom humor inexistente da velha, ela era uma mulher tão
lógica quanto os andróides a seu serviço, frios e pragmáticos, misericórdia não seria
algo que esperava ver nela. E de fato, eu não vi. Ela se deu ao trabalho de me
rastrear apenas para me trazer de volta à sua própria casa, para lhe devolver o
implante? Parecia muita dor de cabeça para uma mulher que não tolerava
imprevistos em seus planos.

E quando eu finalmente dei-me conta do porquê de ter sido poupado, isso me deu
uma esperança completamente renascida em sair daquele complexo.

Enquanto eu cruzava o corredor escoltado pelos seus seguranças, cada passo


parecia uma pedra jogada na superfície de um lago de um sonho que estava prestes
a acordar. Era impossível de acreditar que eu estava ali, naquele momento, vivendo o
que vivia, lutando contra o que lutava. E ainda havia o Canal 17. Caralho, o Canal 17.
Poderia parecer egoísta mas ainda não havia caído sobre mim o fato de que 70%
dos rostos que eu conhecia agora estavam mortos, nas ruínas daquele prédio. Eu
pensava no decorrer dos fatos e na gangue que inadvertidamente ajudou-me,
destruindo os servidores de database e apagando os meus registros visuais. Agora
o meu implante não mostrava mais nomes e sim caracteres desconhecidos pelos
dados pessoais de todos de Miraitropolis também ter sido demolido, mas era a
menor de minhas preocupações. Eu notei isso quando olhei para o guarda ao meu
lado e, sem ajuda nenhuma tecnológica, eu o reconheci.

– Tulius?

Eu recebi um empurrão no ombro que quase tirou o meu equilíbrio, agredido com a
coronha de um fuzil. Este que silenciou-se, impedido pela mão do guarda-costas
oposto, aquele ao qual eu me dirigia.

– E aí, Pollux.
– Cacete, o que aconteceu com você?

Era um antigo conhecido. Ainda nos “bons tempos”, era ele quem consertava as
minhas câmeras e as de Callídora. Era ao mesmo tempo um cameramen e um
mecânico, com um puta talento pra isso. Erguia-se acima dos dois metros, e eu
percebi que para a Dama importava mais os seus músculos do que os miolos.

– Promovido. – pela sua voz raramente ele estava feliz com o seu atual posto. – Fui
pego fazendo merda. Minha filha nasceu e eu faltei ao trabalho para ver ela e minha
mulher. Me passaram pra cá. Sem folgas, sem descansos. – seu suspiro foi de um
homem mais triste do que cansado. – Cadê a Cali, hãn?

Ele parecia não ver que eu estava na merda. Mas eu usei aquilo ao meu favor. Eu
suspirei e demorei o máximo possível para responder a ele, não só evocando meu
dom para a pantomima mas aceitando uma dura verdade.

– Cara, eles mataram a Callídora.


– Se vocês dois vão ficar aí namorando, a chefe vai ficar sabendo disso. – falou o
outro guarda-costas, mas eu não precisava dizer mais nada. A semente estava
plantada. O que eu esperava fazer com aquilo? Trazer um conhecido para o meu
lado. Mas eu ainda tinha minha cartada final. Eu só esperava que Tulius entrasse no
jogo, pois sozinho eu não sairia dali.

Saber que eu tinha um conhecido próximo de mim que poderia ser levado para o
meu lado me foi o sopro de sorte essencial para prosseguir com meu plano. Eu
sempre soube que ele tinha uma queda pela Callídora, apesar de seu casamento, e
ela seria minha passagem de saída daquele lugar da mesma forma que foi a de
entrada. Já estávamos perto da parada final agora. Uma porta de vidro se abriu,
deslizando para dentro da parede de aço do complexo cirúrgico onde uma mulher se
destacava à frente e outros três cirurgiões esperavam mais atrás.

– Sente-se, senhor...?

– Pollux, só Pollux. – eu odiava que me chamassem pelo meu sobrenome.

Talvez ele tivesse sido esquecido junto do Canal 17. Tomara.

– Será um processo indolor, assim como foi a sua instalação. Nós aplicaremos um
sedativo que o deixará sonolento mas ativo, para monitorar suas respostas
cerebrais, mas o senhor não sentirá coisa alguma. Queira o senhor se sentar, por
gentileza.
Eu fiz conforme ordenado. Aproximei-me da maca que mais parecia uma cadeira de
dentista, e esperei que a bandeja de instrumentos fosse trazida até a
cirurgiã-mestre. Naquele momento, eu ataquei.

– O que está acontecendo?! – proferiu alguém quando já era tarde demais.

De onde estava eu me lancei para a frente com os pés no chão e enquanto os fuzis
eram erguidos do outro lado da sala eu já tinha um bisturi em mãos e abraçava a
médica diante de mim, apontando a parte afiada contra a jugular da mesma.

– Eu vou sair daqui hoje, e ninguém vai me impedir de fazer isso. – em um último
ato improvisado, precisei de apenas um segundo para desviar o olhar até a mesa e
recuperar uma seringa, provavelmente o que iriam me aplicar. Quem quer que
tentasse me impedir iria levar aquilo no meio do pescoço. Reforcei o meu aperto
contra a médica e a lâmina afundava devagar sua pele sem penetrá-la, como uma
tesoura contra fina seda.
– Largue a doutora, ou nós atiraremos! – comandou o outro guarda-costas sem
nome.

Eu fiz então minha última jogada.

– Atire e vai matar nós dois. E vai assinar sua sentença de morte também, idiota.
Telford quer o que está no meu cérebro, o backup que eu fiz antes de sair do prédio.
Se você me matar, ela vai perder as informações que eu guardei. – se eu tinha
certeza que era aquilo mesmo que ela queria? Claro que não. Mas eles também não
tinham certeza, então eu estava no lucro. E sabia mentir bem, além de minha teoria
ter completo sentido. – Vai ter que me pegar vivo, mas a doutora não vive se você se
aproximar. – eu proclamei, começando a ganhar passos curtos até a porta da sala,
lançando um olhar apreensivo para Tulius naquele momento, onde ambos
poderíamos escapar. Bastava ele cooperar.

Liam

Parecia que tudo iria terminar bem, conseguimos parar as maquinas do sexo graças
as porcarias tecnologicas de Thomas e X-9, eu odiava aquilo, mas tinha que admitir
que na hora da ação foram bem úteis. Akane e Leon como o planejado foram para
dentro da boate pelos fundos, não gostava da postura do Leon, mas na hora da ação
ele mandava bem. Porém, o desfecho não foi como o esperado, Leon e Akane
correndo com uma maleta na mão e uma explosão acontecendo dentro da boate,
jogando Boris na calçada inconsciente.

Joe corria até Boris na tentativa de ajudá-lo de alguma força, uma silhueta aparecia
em meio ao fogo, nesse momento apontei minha glock na direção, não sabia quem
ou o que, mas não iria ser pego desprevenido. Uma mulher usando um quimono
preto, com o rosto oriental e olhos claros saia das chamas, já mostrando para que
veio. Ela falava algumas coisas em japonês, mas logo X-9 conseguia traduzir o que
ela dizia, ficando claro que ela era uma inimiga.

Para piorar, a maluca dizia que K’dore estava vivo e logo depois garras metálicas
saiam dos seus dedos, usando as lâminas para cortar vários fios que estavam
ligados ao posto logo ao lado dela. Tudo ficava escuro, entretanto parecia que Leon
conseguia enxergar tudo que estava acontecendo, inclusive ele jogava a valise para
mim, que a segurei entre os braços e depois a coloquei em minha mão esquerda.

O nosso objetivo ali era a maleta, não tínhamos motivos para enfrentar aquela
maluca modificada, então eu falei em voz alta antes de partir.

– X-9, precisamos ir ou todo esse circo terá sido em vão, o Leon e a Akane vão
cuidar dela.

Não sabia qual seria a postura da hacker, esperava que ela viesse comigo, pois ela
era a única que conseguiria abrir aquela maleta. Comecei a correr para o lado
contrário da boate, enquanto corria levava meu comunicador de pulso próximo a
boca, falando.

– Yami, preciso que me busque nas coordenadas do relógio e espero que sua nave
ainda tenha aquele sistema de armas.

Yami me encontraria com sua nave, não pousaria no meio da rua, apenas me jogaria
um cabo para que eu fosse puxado para dentro da nave. Lá dentro eu guardaria a
valise e então iria para cabine, onde Yami pilotava a aeronave.

– Vai para frente da boate, use os refletores da nave para iluminar o lugar.

O rabugento do Yami voltava seus olhos na minha direção, questionando como fazia
sempre.

– O que tá rolando? Sabe que não me meto na parte da confusão.


Eu dava dois tapas na lateral da cabine, voltando a falar em um tom mais exaltado.

– Apenas vá, droga.

X9

– Merda… Merda.... Merda... Eu vou morrer aqui... Não pode acabar assim... NÃO
PODE! – Me encolhi com medo.

A escuridão era um pesadelo sem chances de escapatória. Eu deveria tirar algum


conforto da ideia de que apenas nosso quarteirão sofria com a falta de energia e a
iluminação além dele daria alguma vazão. Mas não, o jogo noir de sombras e luzes
entre o labirinto urbano chamado Miraitropolis mais a chuva só piorava a
visibilidade, com exceção do brilho vermelho das antenas no topo dos prédios só
dava para enxergar os contornos sinuosos das estranhas edificações desgastadas e
sujas de Nocturna.
A monstruosidade parecia que vinha de todas as direções, não havia nada de
piedade naquela mulher, silenciosa e não se revelava até que os sons da dilaceração
fizesse audível, ou os gritos de quem ela atacava, ouvi o terrível som de lâminas
cortando carne e depois o clarão de pistolas. Entretanto pareceu que não foi o
suficiente, o som ensopado de sangue disse isso mesmo depois dos tiros, e o pior,
estava mais perto... A ordem era para fugir, mas eu travei, e também não ouvi mais
Liam falando. Se não fizesse algo, logo seria minha vez. O suor escorreu frio pela
testa, a garganta engoliu em seco. Ignorante aos eventos que se desenrolavam na
escuridão apenas acionei o comando de voz para o teclado.

– Dynatrons, ataquem. - Vociferei para o Kia.

Era isso mesmo, eu tinha hackeado as androides e elas estavam sob minhas ordens
e fariam tudo o que eu mandasse. O melhor de tudo é que elas não dependiam de
iluminação para saber onde aquela gueixa estava, seus sensores captores de
movimentos identificariam o local dela com exata precisão. Cinco Dynatrons
saltaram contra a gueixa maluca tentando segurá-la usando força sobre-humana.
Ela parecia ter força e resistência acima do comum também, mas estaria
enfrentando no mínimo cinco vezes sua capacidade total. O sussurro frio e
melódico do esforço das androides agarrando braços, pernas, torso, mãos
emendando seu rosto para tentar paralisá-la ficava notável. Precisava pegar a valise,
mas onde ela estava? Seria vital meus olhos se acostumarem com a falta de luz
antes de começar a procurar, ou seria tudo perda de tempo. Quanto mais retardasse
a inimiga, melhor e na situação como estava não tinha mais ninguém além de mim.
Medo, adrenalina ou apenas entrando em um frenesi sanguinário, joguei o teclado
suspenso para as costas e ergui as pistolas para frente, mirando de onde vinha os
sons das Dynatrons e sem pena descarreguei dois pentes de munição pra cima
dela, é o Montana que está bancando a artilharia mesmo.

– Thomas, joga seus fogos de artifício e explode essa cretina enquanto estou
atirando nela, mas tem que ser rápido!!! – Gritei na direção de Thommy ainda sem
saber se tinha atingido a gueixa.

Thomas Carwell

– Mas que droga, quando penso que terminamos o serviço, aparece mais uma para
gente se preocupar.

Estava tudo completamente escuro, poucos pontos eram perceptíveis e ainda assim,
para percebe-los, era necessário olhar para cima, prédios, ruas, pessoas, corpos,
robôs, até a droga do poster amanteigado de Marlon Brando que jazia solitário em
uma parede, tudo, tudo agora era completa escuridão, a luz de vários quarteirões se
esgotaram no que pareceu ocorrer instantaneamente logo após o movimento
daquela asiática sem noção com garras, que agora desafiava a todos, teria que ser
uma pessoa, uma máquina, um ser, ou seja lá o que fosse, muito louca, ou muito
habilidosa para desafiar todos assim, de uma única vez, bom, mas isso claramente
dava vantagem a ela, afinal, se não fosse ela não o faria, a nossa sorte que ela era
apenas uma só, não daria para atacar todos de uma única vez, e era daí que poderia
tirar a minha vantagem.

...

– Cuidado Thomas, parece um tipo bem perigosa, não se descuide, isso não está
cheirando nem um pouco bem.

– Tô sabendo... Tô no modo ''cautela'' ligado desde que essa coisa entrou. Ela me
deixa interessado, gostaria de saber o que ela é afinal.

– Então porque você não sai de dentro de mim e chama ela para ir tomar um café?
Tenho certeza que ela toparia, e além de tudo pararia de encher o meu saco... Viu
só? Todos sairiam no lucro.

– Nem vou te responder, você não mede hora pra gracinhas mesmo não é seu
nerdão escroto. Hehehe bocózão.
...

Não dava tempo de esperar meus olhos se acostumarem a baixa luminosidade e


começar a perceber os movimentos mesmo no escuro, ela agiria rápido, não me
parecia o tipo que aguardaria mais do que o necessário para cometer este descuido,
não perderia tempo e acenderia o meu relógio tcs, a luz do visor dele não era grande
coisa, não me faria ver onde aquela moça estava, mas era o suficiente para ver um
pouco ao meu redor e me situar mais ou menos na situação.

A pergunta que não queria calar era, alguém já teria sido atacado? Bom, não tinha
como saber por enquanto. Escutava algumas coisas acontecendo, movimentações
estranhas ao meu redor, reconheci algumas vozes, era quase certo que a hacker
amigável estaria a poucos metros, tinha ignorado os chamados e ainda estava por
ali, mas porque, o que ela estaria tramando... A pergunta logo foi respondida.

– Dynatrons é... Boa jogada. – Logo retirei uma das minhas bombas do bolso da
minha calça, do mesmo tipo que tinha usado nos corredores do prédio que foi
abaixo, eram pequenas mas tinha um grande poder de fogo, não ia a lugar algum
desta cidade sem um par delas e o detonador... Logo após virei meu relógio para
iluminar o meu redor o máximo que eu conseguisse, o brilho estava no máximo, mas
só me fazia enxergar o que passada bem perto, e ao uma das dynatrons passarem
perto de minha pessoa, ativei a bomba e coloquei nas costas daquela robô sexual de
curvas acentuadas.

...

– Elas vão achar e atacar aquela asiática safada no escuro, quando elas estiverem
frente a frente já sabe o que vai acontecer né?

– Kabum??

– Isso ai hahaha já tá aprendendo

– Suspeitei desde o princípio que planejava algo do tipo.

– Logo terei que ligar para o Laranjofauro pedindo mais artefatos para fabricar mais,
pois estou tendo que usar mais do que eu planejava por esses dias.

...
Logo tiros começaram a ser disparados extremamente perto de mim e mesmo
estando alerta acabei levando um baita susto. – Tá porra!! – Mas logo novamente
assim como na ação anterior, minhas perguntas seriam respondidas rapidamente, e
descobriria que os tiros vinham da hacker, ao que parece o plano dela estava sendo
magnificamente executado, ao fim da missão eu a concederia os meus
cumprimentos e levaria para ela um belo copo de capuccino com algumas
rosquinhas.

– Não precisa nem pedir ''deep purple'', enquanto vocês vem com a farinha, o tio
Thomas já está com o bolo pronto.

Narrador /Gueixa

Gueixa

Aquele que parecia um felino julgou que me deteria apenas com aquilo, humf, Mas
ele não contava que eu tivesse tantas habilidades de combate e conseguiria me
livrar da imobilização sair e virá-lo de costas, rasgando suas costas violentamente.
No entanto, também deu brecha para a maldita ruiva se esquivar e ter tempo de
disparar contra mim. Os tiros me acertaram nas costelas, abdômen e ombros.
Enquanto eu rasgava as costas do tigre e fazia um estrago, irritadiça me virei para
encarar a desgraçada, meus olhos modificados para baixa claridade a devoraram,
mas nessa ela levou a melhor. Pegaria ela depois, atingindo o que considerava mais
perigoso, desvencilhei-me de suas carnes nas garras e prossegui com o planejado,
me concentrando no que se achou esperto o bastante pensando que fugiria com a
valise. Um golpe dilacerando suas costas foi o suficiente para ele perder a valise
cair no chão. Fraco… Mas eu não deveria ter subestimado nem a hacker e nem o
cientista a qual ignorei e não ataquei. Eles se mostraram os mais perigosos. As
androides me cercaram, ideia da maldita de cabelo azul e eu fui impedida de
prosseguir. Senti mais balas perfurando minha carne novamente, alvejada nos
braços, pernas, peito e de novo no abdômen, meu sangue encharcou o couro negro,
o violento carmim pingava sobre o chão sujo. Logo em seguida houve a explosão, o
clarão trouxe o dia naquele quarteirão, ao menos por alguns segundos e fui jogada
para trás.

Pedaços de Dynatrons voaram pelos ares, algumas ficaram bem danificadas, mas
ainda em funcionamento Diante de tal fato meu corpo foi projetado destinado a
colidir com a vidraça de uma sex shop do outro lado da rua, o impacto destruiu o
vidro e acabei dentro do estabelecimento, sentada com as costas contra uma
prateleira que se destruiu com a violenta colisão. Sem demora me ergui, tocando as
feridas das balas com as pontas dos dedos e observando as escoriações no rosto
pelo reflexo dos cacos de vidro espalhados.

– É, vocês conseguiram fazer cócegas, interessante. – Disse saindo pelo buraco da


vidraça e voltando para a rua.

Quando fui me preparar para atacá-los novamente fui surpreendida por uma luz
branca intensa e um barulho de motor ensurdecedor. A luminosidade intensa
banhando o ambiente atrapalhava minha visão. Protegi as vistas com a destra a
frente do rosto, mudando novamente as pupilas para a visibilidade normal. Aquilo
era um jet fly pairando acima da rua, de quem foi essa ideia ridícula? Outro oriental
pilotava a nave, o fitei da janela, seu olhar brilhou atrás do vidro e metal. O olhar
flamejante sobre a figura do piloto o congelou nos comandos, a última coisa que fiz
foi emitir um suspiro antes de pressionar o asfalto com os pés, gerando uma
deformação circular à minha volta. Acionada ao mais instantâneo pensamento, a
energia se concentrava nas pernas e tornava o tecido tão poderoso que era capaz de
me impulsionar para cima com a velocidade de um projétil. As garrafas afundaram
no metal negro rasgando de ponta a ponta a base como se fosse papel. Não havia
pensamento naquilo, era um gesto automático. Abriu-se um rombo na parte inferior
do avião e o estrondo trovejante destruiu as turbinas danificando a aeronave,
remetendo à perda total. Aguardei até o último segundo e veloz como o vento girei
no ar, maleavelmente, caindo agachada no meio da rua, do lado oposto de onde a
nave colidiria.

– Dois coelhos com uma pancada só… – Gesticulei voltando a me posicionar


normalmente, satisfeita, testemunhando a queda do jetfly.

Aguardei os resultados da minha ação, o avião despencando em cima daqueles


pobres coitados, as asas da morte abraçando cada um deles. A enorme massa de
destruição que desencadeou em destroços de metal e ferro saltando por todos os
lados quando o que restou do jeftly beijou o chão destruindo boa parte da rua.

Narrador

Uma figura vestida de prata com a face pálida se aproximava da janela que dava
visão para uma sala cirúrgica. O rosto era refletido pela pelo vidro, fitando o pálido
interior daquele recinto com os braços cruzados a frente do corpo, em passos lentos
o doutor Jacques Delacroix já com a roupa verde clara de cirurgião, coberto por uma
máscara de pano, a passos lentos ficava de frente da mesa de operação onde Aron
estava, como se lamentasse seu dever e Carmen saboreava isso, não se continha
em seu doentio deleite. Anestesiando o paciente e a equipe médica começava o
trabalho. Jac era conhecido por manipular os bisturis como extensões de suas
mãos, mas nessa ocasião tremia feito vara verde. Incapaz de não mostrar
ressentimentos, ele hesita em fazer o primeiro corte, no entanto a figura de Telford o
assombrava a frente da janela. Sentindo ser uma mosca presa nas garras de uma
aranha, ele engole em seco protelando sua tarefa. Telford o encara mais uma vez,
imóvel e suando frio, a mão direita guiou o bisturi e fez a primeira incisão no crânio
de Aron. O resto da equipe médica repetia o processo nos membros e logo seu
corpo foi praticamente feito em pedaços. Onde fora aberto estava ligado a uma
quantidade absurda de tubos e aparelhos que Carmen não fazia ideia para que
serviam, mas se sentia satisfeita em ver. Alguns tubos drenam sangue, outros
mantém sua respiração, ainda existem os que despejam um tipo de remédio e os
que trocam seus fluídos corporais por uma espécie de hemoglobina sintética de cor
azul escuro,quase preto.

A lâmina foi manejada em silêncio espectral, projetando sua ponta contra as


costelas do flanco direito. Uma vez que sua extremidade emergisse do outro lado,
levando consigo grossos jorros de sangue, ele a moveria ao direito, rasgando ossos,
pulmões e o coração até cada metade de seu corpo. Carne era separada, veias
rasgadas. A máquina que registra os batimentos cardíacos mostra um sinal vital
fraco, a pressão também. Os cirurgiões correm contra o tempo tentando como pode
fazer de tudo para salvá-lo. Usam técnicas novas de cirurgia removendo os ossos e
implantando no lugar hastes de ferro. Pele, músculos, nervos são abertos, trocados
por seus equivalentes inorgânicos. A parte mais chocante é quando ela presencia o
cérebro exposto. O próprio Jacques manipula a massa encefálica, ligando nele
plugues conectores como grampos e mexendo na máquina que os fios estavam
ligados. Os equipamentos armazenam o banco de memória de Aron no disco rígido
de computador no fundo da sala, que por sinal ocupa toda uma parede. Como parte
de sua última participação, ele apaga as memórias contidas em sua mente e
devolve o cérebro a sua cavidade, costura o crânio, logo depois pele, restando uma
grande cicatriz no lugar.

– Aqui está o arquivo contendo toda memória do paciente. – Disse Delacroix


entregando um objeto cinza retangular feito de metal, como um HD de computador.

– Muito obrigada pela colaboração, Sr. Delacroix, sua família agradece. – Ironizou
pegando o objeto.

– Mais uma coisa, quando esse tal de Aron estiver pronto, entregue-o em meu
gabinete. – Jacques ia dizer algo, mas ela deu as costas assim que terminou e se
retirou encerrando a conversa, deixando o médico de boca aberta e com o indicador
erguido.
No entanto, Carmen não fazia ideia do que se passava em sua fortaleza. Usando o
pavor e a imprevisibilidade como ferramenta de sua fuga, Pollux deixava os guardas
hesitantes. Com armadura blindada carregando rifles de assalto e tomando posição
com os dedos sob os gatilhos, os soldados de Telford sob ação da adrenalina e a
ausência das ordens de sua patroa não sabiam o que fazer. Na dúvida se manteram
na mesma posição sem ameaçar o jovem jornalista, não tanto pela refém, mas sim
porque sabiam que se Pollux fosse morto a ira da manda chuva recairia sobre eles, o
maldito tinha razão sobre isso. Seja por curiosidade ou competitividade, aquele
homem armado que liderava os demais queria testar-se. No entanto, sabia que não
podia. Flagrou mudo os monitores que rodeavam o ambiente e reportavam seu
estado para a câmara central. fluxo de informações saltava do HUD ilustrativo. Foi
até a torre de controle ao centro do saguão, apertando as teclas e com o código
certo desativou todo o sistema de segurança do prédio altamente tecnológico.

– Deixem ele passar. – Disse o soldado armado à frente dos outros. Emitindo uma
luz púrpura dos visores da máscara de combate que cobria todo o rosto.

Naquele segundo, o mundo pareceu congelar. Parecia-lhe que a sombra havia


respirado seu gélido ar sobre os dois, os separando da realidade. Segundos se
passaram, minutos talvez. Não se moveram um milímetro, mas em sua mente eles
se atacaram mil vezes. Seus olhos seguiram o trajeto de Pollux com a refém,
desapareceu à vista plana, como se nunca tivesse existido, deixou passar sim, mas
o líder alertou os seus subordinados que agora se reuniam no pátio da torre. A
quietude daqueles corredores ocultava muito bem a situação incômoda pela qual o
jornalista passava agora, e as quais ele tinha que lidar, um exército de assassinos
infalíveis. As paredes lisas, sem adorno algum, e os infinitos corredores que
ramificaram um do outro já tornavam aquilo num castelo tecnológico e um imenso
labirinto. Quando Pollux e sua refém pareciam andar já a horas, um corredor se
encerrou em pesadas portas de ferro, apesar de seus receios, ele chegava a saída
sem sofrer um arranhão. Os portões rangeram, quase ganhando vida, enquanto
travas magnéticas se moveram para liberar as dobradiças. Quando as portas
cessaram o seu lento arrastar, um vazio de fumaça e névoa se revelou à frente junto
com a chuva. Não haviam guardas em lugar nenhum que Pollux pudesse ver ou
sentir. Haviam presenças do lado de fora, mas somente uma se colocava no seu
caminho, o medo. Os guardas da rua apenas monitoravam a saída do rapaz e a
refém. Tudo bem, o jornalista conseguiria sim fugir da Torre Telford com sua jogada
de mestre, os carros do estacionamento estavam dispostos, desbloqueados para
seu bel prazer, mas uma vez conseguindo isso, para onde ele iria e com quem
contaria? Existiriam ainda pessoas confiáveis?

Em Miraitroide os terroristas não tiverem sequer a mínima chance contra o


esquadrão da S.W.A.T. todo a tática dava certo, bem calculada e executada, os
responsáveis pela chacina em Nexus estavam mortos, eram mais alguns corpos
para a pilha já existente na pista de dança. Como planejado, sobrava um homem
vivo, que se rendia jogando as armas no chão, ajoelhando-se e colocando as mãos
para trás da cabeça. Apesar de seu rosto estar completamente vermelho com o
sangue dos colegas ele sorri, enquanto é algemado mantém o sorriso debochado na
face. Capturado foi logo algemado e levado ao furgão. Agora o serviço da danceteria
era por conta dos legistas que teriam de limpar toda aquela bagunça. Não muito
tempo depois, de volta ao M.T.D.P. sob custódia, o sobrevivente estava na sala de
interrogatório. Com ele estava Frank Preacher. A equipe observava atrás do espelho
retangular que cobria toda uma parede. Mesmo com seu QI de 210, Preacher não
conseguia arrancar muitas informações sobre aquele homem. Frustrado, Frank sai
da sala, os companheiros poderiam deduzir pelo semblante dele que estava irado.
Ele caminhou até Clay Crovax, falando a frente de todos.

– Não consegui muita coisa desse bastardo, Clay. Ele só me disse que se chama
Aleksey Mishkyn. O cara é durão, russo, ex KGB e ex militar do partido soviético. Só
colaborou em falar para quem trabalha, um grupo extremista, Liga dos Predadores.
A história me pareceu meio fantasiosa. Eles competem entre si, cada morte vale um
ponto no ranking. A motivação para cometer o chacina na Nexus foi para pontuar
mais que os outros… Se isso for verdade… Que doideira não? Onde esse mundo vai
parar cara… Esse cara tá escondendo mais coisas… Mas eu fiquei tão enojado
desse filho da puta que se ficar mais um segundo dentro da mesma sala vou meter
uma bala na cabeça dele… E isso não vai ser nada bom. Me faz um favor, continue o
interrogatório de onde parei? – Seu semblante era de quem estava em seu limite.

Era bem provável que Crovax não negaria o pedido do colega. Aleksey, loiro, cabelo
raspado, medindo quase dois metros de altura, ainda com o sangue coagulado dos
colegas na cara, estava algemado e sentado a frente de uma mesa de metal
cromado continuava a manter o sorriso debochado para o espelho, nitidamente
sabendo que o esquadrão estava lhe observando. Como um desafio ele fumava
jogando a fumaça para o alto espalhando e poluído o ambiente fechado. Assim que
Clay entrava na sala e puxava a cadeira para se sentar, o russo em questão apagava
o cigarro no cinzeiro preto a sua frente e anunciava;

– Suas prisões são como um acampamento de férias para quem sofreu os horrores
da guerra, privação de sono, a miséria da fome e radiação. Constantes vigílias sobre
campos de concentração… Androides patrulhando barricadas feitas com corpos
humanos… Mesmo assim, eu não acho que serei preso, em menos de meia hora já
estarei de volta às ruas enquanto você e seus companheiros estarão em suas
escrivaninhas atolados até o pescoço assinando pilhas e pilhas de papéis, presos na
merda burocrática de Miraitropolis. Vamos ser sinceros, tanto eu quanto você
sabemos que estarei de volta ao jogo para pontuar mais. Ou seja, você não tem
nada a oferecer a mim que eu já não tenha experimentado. Mas vamos lá, quero ver
se estou errado. – Falou Aleksey, rindo algemado, inclinando o corpo a frente da
mesa enquanto falava para então voltar à posição normal na cadeira. – Crovax…
Existe um esquema muito além da sua compreensão que você não faz a mínima
ideia de que está acontecendo. Está bem à frente dos seus olhos, mas você não
consegue ver. – Sorriu novamente.

Recomendações.

Aron está sob o processo de cirurgia, portanto, off.

Pollux foi inteligente, teve um plano esperto e considerei coerente sua fuga. Porém,
a questão é, sabendo que os soldados de Telford estão na sua cola, assim como a
mesma em muito breve (assim que ela voltar a fortaleza) para onde ele iria e em
quem poderia confiar? Quem o ajudaria? Deixei livre para seguir essa linha e esse
rumo a qual até eu fiquei curiosa.

Crovax. Como também foi muito boa a tática liderando o esquadrão, achei sensato
ter tido sucesso, está de parabéns também. Agora, tem que interrogar Aleksey, saber
mais da Liga dos Predadores, lidar com o sarcasmo e gênio do preso. Também se
quiser, pode fazer um interrogatório sobre o que o russo quer dizer sobre esse
esquema e como sabe seu nome. Se desejar também buscar respostas sobre outras
questões, como os “terroristas” que derrubaram o canal 17, questões sobre Tony
Montana e qualquer outro personagem, a chance é essa. Elabore perguntas no seu
turno, praticamente ele será isso. E ações as quais ache que fará Aleksey colaborar.
Você pode usar de qualquer método, algo mais psicológico como também mais
físico, a forma como escolher vai determinar se terá ou não as respostas que busca.
Lembrando que vale torturar o interrogado, só não pode matar. Suas ações vão ter
consequências (positivas ou negativas, depende de você).

Liam

A escuridão somada a toda aquela tensão fez com que Liam tropeçasse numa
Dynatron que estava caída no chão. O criminoso cambaleava, perdendo toda a
vantagem de fuga que tinha. Então Liam apenas sentiu aquelas lâminas afiadas
atingindo suas costas, ele caía no chão molhado, soltando a valise que caía alguns
centímetros à frente. Sua camisa estava rasgada e seu sangue escorria, ele tentava
ignorar a dor, mas o golpe da inimiga tinha atingido ele em cheio. A sorte do líder foi
a garota que desde o Canal 17 ele olhava com outros olhos, X-9 usava suas
habilidades para hackear as maquinas do sexo, que cercaram a Geisha, uma
explosão aconteceu, criando um clarão e jogando-a para longe.

Ele levantou-se, sua expressão mostrava o esforço que estava sendo aquelas
simples ação devido aos ferimentos. Abaixado ele segurava a alça da valise, o som
do Jet Fly levantou seu ânimo, era como o som da esperança que estava chegando.
Entretanto, essa esperança foi quebrada como vidro, quando a japonesa maluca
saltou e cortou a nave, que começou a girar e a cair na direção tanto dele, quanto da
sua equipe.

– Que inferno!

Liam não conseguiria sair a tempo, o corte que a Geisha fez em suas costas tinha
ferrado com sua agilidade. Foi quando ele viu seu parceiro de gangue vindo em sua
direção, jogando seu corpo contra o dele, fazendo com que ambos fossem lançados
para o lado, o impacto da nave no solo, causou uma explosão que jogou de certa
forma os ajudou, impulsionando-os um pouco mais longe.

Um caia para esquerda e o outro para direita, Liam não soltou a valise, mas ficou
caído no chão por alguns segundos. Já Joe se levantou, olhando para os lados,
agora a escuridão era barrada graças às chamas resultantes da explosão da nave.

– Caralho mano, tomara que o Yami esteja bem.

Liam se apoiava na maleta, levantando com certa dificuldade, olhando para todo
aquele caos.

– Viu os outros? O Boris tá bem?

Joe respirava ofegante, respondendo seu líder.

– Não sei dos outros, provavelmente cada um pulou para um lado. Deixei o Boris em
um beco, falando nele, peguei esse frasco com algumas pílulas de adrenalina.

Joe tirava do bolso aquele frasco branco, entregando para Liam, que o pegava e
abria com a boca. Jogando as pílulas verdes direto na boca, um segundo depois sua
pupila ficava dilatada, suas veias saltavam, ele começava respirar ofegante.

– Puta que pariu isso é insano.

A dor que ele estava sentindo sumiria por alguns minutos, seus reflexos e força
aumentariam, além do seu batimento cardíaco ficar extremamente acelerado.
– Joe, vá até a nave, veja se o Yami está vivo ou pelo menos pegue o lança
granadas que estava lá dentro, vou distrair a aberração asiática.

Joe concordava com a cabeça, antes de partir de seguir para nave, ele falava uma
última coisa.

– Acabe com ela!

A Geisha estava do outro lado da nave, um pouco mais afastada, Liam então
guardava o frasco de adrenalina do bolso, pegando em sua cintura sua pistola Glock,
segurando-a com a mão direita, enquanto a valise estava na esquerda. Ele então
ergueu a maleta e gritou, enquanto efetuava vários disparos contra a oponente,
cerca de cinco tiros seguidos.

– Vadia maluca, é essa porcaria que você quer? Então venha pegar!

Liam rolou 1d20 para Defesa+Ataque e obteve 15

X9 #

Diante o perigo parecia que não havia nada o que fazer, eu precisava pensar rápido,
agir rápido. Queria me salvar, mas também procurei pelos meus companheiros
buscando auxiliá-los, pensei em tentar agarrar a valise, mas só podia fazer uma
destas três coisas. No canto de tudo aquilo, eu reagia com a mente mergulhada em
aleatoriedade caótica, puro instinto de sobrevivência. A corrida tão fluida e
perfeitamente coordenada que meus pés pareciam deslizar pelo chão, agradecia por
não ter sido ferida como os outros e manter a minha plena condição física, apesar
dela não ser lá grande coisa mesmo, mas estava bem o suficiente para tentar me
salvar.

Não restou outra opção se não me jogar em direção ao container para entulhos
contra a parede de um prédio e me abrigar nele enquanto o som de asas de metal
rasgava o ar e desciam impetuosamente como navalhas com fogo. Com o impulso
assim que caí no interior a tampa de metal se fechou acima de mim. Restava torcer
para que o avião, com muita sorte, não caísse diretamente no container de lixo. Uma
parte mais densa poderia fazer e o tiro sairia pela culatra. Ainda não sabia se estava
salva, tão pouco me dei conta de checar se alguma parte do meu corpo estava
ferida. Averiguando se era seguro, antes de sair ergui a tampa de ferro e espreitei
cautelosamente. Aquela fumaça enegrecida alcançava a densidade de aço, e os
destroços mais afiados da nave estavam enterradas no asfalto, pegando fogo.
– Mas que bosta, cara...

Calmamente as causas da explosão se abaixam, retornando a uma densa neblina


chuvosa. A poeira já havia se dissipado quando o brilho dourado do incêndio
catastrófico do jetfly iluminou todo o cenário outra vez, rivalizando com suas
sombras que, não importasse o quão forte aquilo brilhava, pareciam não se
intimidar. Ao contrário, pareciam ter um urgir em consumir a fonte de toda a luz.

Sai de dentro do container, vendo a destruição, calçada em pedaços, canos de água


jorrando, caco de vidro e muitas pedras espalhadas, mas não encontrava ninguém,
não podia dizer quem sobreviveu, apenas Liam… Ah… Liam… Para meu alívio ele
estava bem… Mas atacaria a maluca sozinha… Liam, você não pode morrer, vai se
entregar assim de peito aberto? Ele disparou e vi as luzes dos tiros, a explosão da
arma. Felizmente acertou a gueixa, ela sangrava ainda mais, mas por quanto tempo?
Me tornei taciturna, não entregando a posição mas ficando atento aos seus
arredores. Ajoelhei-me frente uma dynatron parcialmente danificada e me livrei da
jaqueta de couro chamuscada, do gorro também e rapidamente vesti uma das capas
de chuva com neon que as androides deixaram para trás. Também segurei entre os
dedos o cabo da katana Yakuza que fora descartada por seu dono quando este
morreu. É, ele não vai precisar mais dela, então tomei-a para mim. Despertava em
mim uma curiosidade selvagem de libertar todo aquele apetite por destruição de
forma negra. Que tipo de monstro eu estava me tornando? A capa colorida se
agitando pelo ar úmido da garoa, ainda de joelhos sobre o asfalto, agraciada pela luz
do incêndio e os letreiros ao longo dos quarteirões que possuía energia elétrica para
alimentar seus anúncios, unia força e coragem para o que já estava determinada a
fazer. Enfrentar o inimigo mortal que espreita nas trevas só irá me ajudar a forjar e
fazer-me parecer mais absoluta do que realmente sou.

– Seja o que Deus quiser… – Emiti baixo pra mim mesma, foi força de expressão,
não acredito em deuses.

Relaxei a postura, emitindo um longo suspiro que logo se tornou um expirar fundo.
Poderia dizer que perdendo a noção do perigo me ergui e parti correndo contra meu
alvo, a fina névoa das gotas caindo cobria seus pés, guiada pela luz do fogo
marquei meu alvo. Quanto mais perto estava, mais tormentosas e turbulentas se
tornam minhas emoções. Mais semelhante me sentia de minha antagonista. A
densa aura de violência e sede de sangue se espalhando por todo quarteirão traria
brutalidade, protegendo aquele que agora assumo e aceito que realmente sinto algo.
Num frenesi súbito, a espada japonesa zuniu no escuro, desembainhada e descendo
até seu crânio com a impaciência transformada em força. Um ataque direto pela
retaguarda. Sabe qual é o lado bom de atacar bandidos? É que você não se sente
culpado de golpeá-lo pelas costas. Enquanto os braços se tornaram borrões,
formando dois cortes cruzados nas costas do oponente, rasgá-lo-ia de ombro a
ombro. Por fim, a extremidade pontiaguda da katana viajaria rente e firme para
frente, não tendo outro objetivo senão perfurar o corpo da oriental e conduzir a
lâmina a surgir do lado oposto, emergindo de sua barriga.

X-9 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 14 para esquiva e ataque que resultou
20 - Total: 1 Sucessos

Crovax

A ação na Nexus terminava da forma que pretendíamos, assim que terminou o local
inteiro ficou em silêncio por alguns segundos. Como em todo fim de operação, eu
respirei fundo e pensei o que sempre me vinha à cabeça naqueles momentos "Mais
um dia vivo". Foi a voz de Frog me chamando no comunicador, que me fez "acordar".

– Tenente. Desce aqui, como você pediu. Detivemos um deles. – Falou o mesmo.

Segui até o segundo andar da boate e deitado no chão estava um dos meliantes que
armaram toda aquela confusão. Não falei nada a princípio, nem olhei para a cara do
sujeito, somente mandei que Rock o levantasse e o levasse até o blindado para ser
transportado para a delegacia. Em seguida, entrei em contato com algumas equipes
que estariam responsáveis por tomar conta do local assim que saíssemos.
Obviamente o trabalho deles seria bem árduo, não só pela bagunça que estava o
lugar, mas também pela falta de pessoal devido às greves e paralisações que
vinham acontecendo na corporação. No entanto, a minha parte estava feita.

Todo o esquadrão saia da Nexus, com as armas baixas e com o sentimento de dever
cumprido, só que ainda teria muito mais trabalho pela frente. Se a situação atual da
cidade se resolvesse só conosco matando alguns marginais infelizes, tudo seria
mais tranquilo. O Blindado seguiu rumo à M.T.P.D e quando chegamos, ao
adentrarmos o local escoltando o preso, fomos recebidos a poucos aplausos e
muitas vaias... Vaias de policiais que estavam aderindo a paralisação e reprovavam
nossa opção de continuar com o dever de servir e proteger. Era lamentável, como as
pessoas simplesmente mudavam quando suas "rendas" ficavam ameaçadas, sua
moralidade e civilidade era deixada de lado, só porque estavam sob ameaça.
Seguimos para o interior do prédio e deixamos o sujeito num cárcere separado.
Assim que possível o infeliz foi levado à sala de interrogatório, onde geralmente era
eu que fazia as perguntas, mas naquele momento eu precisava falar rapidamente
com o Capitão Nick e assim deixei Sifer encarregado de interrogar o infeliz por
alguns minutos. Cheguei na sala do Capitão e a encontrei vazia, só me restava tentar
entrar em contato via comunicador.

– Capitão, está na escuta? – Perguntei, chamando no canal privado.

– Pode falar Crovax. – Respondeu o mesmo. O som de fundo, me fazia acreditar que
ele estava dirigindo, eu não conseguia sequer imaginar para onde ele poderia estar
indo, mas no momento aquilo não me interessava.

– A missão está concluída como você bem deve saber, senhor. Agora quero saber se
podemos focar em K'dore. – Perguntei, indo direto ao ponto.

– Vocês capturaram alguém na Nexus? – Perguntou o capitão antes de responder


ao meu pedido. Mediante a minha confirmação, ele soltou uma ordem que eu
realmente não esperava, mas que fazia muito sentido.

– Então interrogue esse sujeito, veja se tem alguma ligação dele com K'dore ou com
alguma máfia. Se tudo se interligar, você tem total autonomia para agir como achar
melhor, pois tenho certeza que você entenderá o que estará se passando. – O
capitão ao dizer aquilo, ficava mudo por alguns segundos, em seguida desligava a
chamada.

Voltei imediatamente até a sala de interrogação e vi os instantes finais da mesma.


Sifer estava na sala e parecia irritado e frustrado. Ele se levantava e saia do lugar
vindo até onde o resto da equipe estava reunido, a famosa "Sala atrás do espelho".

– E então Sifer? – Perguntei, de braços cruzados e bem sério.

– Não consegui muita coisa desse bastardo. Ele só me disse que se chama Aleksey
Mishkyn. O cara é durão, russo, ex KGB e ex militar do partido soviético. Só
colaborou em falar para quem trabalha, um grupo extremista, Liga dos Predadores.
A história me pareceu meio fantasiosa. Eles competem entre si, cada morte vale um
ponto no ranking. A motivação para cometer a chacina na Nexus foi para pontuar
mais que os outros. Se isso for verdade… Que doideira não? Esse cara tá
escondendo mais coisas, mas fiquei tão enojado que se ficasse mais um segundo
dentro da mesma sala... – Seu semblante era de quem estava em seu limite, mas
antes que ele terminasse de falar, interrompi o mesmo, eu já sabia o que teria que
fazer.

– Não precisa dizer mais... Mas apesar de você achar que ele não falou muito. Ele
até que falou bastante. Deixa que o resto do interrogatório eu termino. Quero que
você vá agora para onde você sabe melhor trabalhar, procure se o nome dele é real,
procure mais sobre essa Liga ou indícios dela, atentados e acontecimentos
parecidos e se achar, quero saber os envolvidos. Também entre em contato com
nossos informantes de Troika, se ele é ex-KGB e soviético, é óbvio que ele tem raízes
lá. Quero tudo dele que você conseguir… – Ordenei. Sifer no mesmo instante saia e
ia fazer sua parte.

– Brucker, quero que pegue um chip de rastreamento na sala de protótipos... Rock,


você vai entrar na sala comigo. O resto de vocês, se preparem, peguem os
equipamentos de rastreamento e stealth. Nós vamos seguir um coelho. – Terminei
de delegar as funções e assim que Brucker voltou com uma pequena caixa, abri a
mesma e nela tinha um pequeno adesivo, esse adesivo era um nanochip de
rastreamento, que se cola numa superfície e aos poucos ele vai sendo absorvido
pelo material em que foi grudado, ao fazer isso, ele passa a prover a localização do
alvo sem que o mesmo perceba.

Uma coisa que eu tinha notado quando Sifer me falou que o mesmo era um ex-KGB
é que apesar dele ser um ex agente de uma organização há muito extinta, ele tinha
poucos recursos, caso contrário não estaria naquela situação. Agentes treinados
nunca se deixariam ser pegos, logo eu acreditava que o mesmo poderia não ter vias
de camuflar as informações que continha. Junto com Rock segui para a sala de
interrogatório e adentrei a mesma, e logo que entrei o sujeito meu olhou com uma
cara de deboche e apagou o cigarro que fumava, já começando a abrir a boca sem
sequer eu ter perguntado nada. Rock parou frente a porta e ficou ali só observando.
Enquanto o sujeito falava, me mantive calado ouvindo tudo atentamente.

– Suas prisões são como um acampamento de férias para quem sofreu os horrores
da guerra, privação de sono, a miséria da fome e radiação. Constantes vigílias sobre
campos de concentração. Androides patrulhando barricadas feitas com corpos
humanos… Mesmo assim, eu não acho que serei preso, em menos de meia hora já
estarei de volta às ruas enquanto você e seus companheiros estarão em suas
escrivaninhas atolados até o pescoço assinando pilhas e pilhas de papéis, presos na
merda burocrática de Miraitropolis. Vamos ser sinceros, tanto eu quanto você
sabemos que estarei de volta ao jogo para pontuar mais. Ou seja, você não tem
nada a oferecer a mim que eu já não tenha experimentado. Mas vamos lá, quero ver
se estou errado. – Falou Aleksey, rindo algemado, inclinando o corpo a frente da
mesa enquanto falava para então voltar à posição normal na cadeira. – Crovax…
Existe um esquema muito além da sua compreensão que você não faz a mínima
ideia de que está acontecendo. Está bem à frente dos seus olhos, mas você não
consegue ver. – Sorriu novamente.

Ele sabia meu nome, interessante, mas não era preciso entrar na dele. Eu só
precisava seguir uma linha de pensamento... "A de que animais, sempre voltam a
sua toca". Sem respondê-lo, num saque rápido puxei a minha pistola com silenciador
e apontei para o mesmo. Obviamente ele não se intimidou achando que era só um
blefe ou uma forma de tortura, mas sem pensar duas vezes disparei três tiros... Não
no sujeito, mas na vidraça da sala de interrogatório, a mesma se espatifava, por
completo, revelando a sala de observação do outro lado, que estava completamente
vazia. Rock apesar de tudo se manteve calmo e sério. O sujeito então olhava para a
sala, provavelmente sem entender o que eu pretendia. Mas eu só queria mostrar pra
ele que não havia ninguém nos observando.

– Você deve estar se perguntando o que estou fazendo... Então vou ser bem direto.
– Falei, acedendo um cigarro também. – Essa cidade não tem gente boazinha. Sei
que você será solto. Aliás, já recebi uma ligação mandando te soltar (mentira). Eu
não sou detetive, nem sou investigador, sou um SWAT, minha obrigação é só matar
ou prender quem me mandam prender. Você como um ex-agente deveria saber
disso... Não estou aqui para fazer esses joguinhos e não tenho saco para isso. Eu
sou bom em eliminar, eu vi o que vocês fizeram na Nexus, foi algo bem amador para
ex-agente (tentativa de irritá-lo), sem falar que não faz sentido fazer um atentado
estúpido desses num "jogo", para morrerem e não pode continuar a jogar... Mas
enfim, eu quero saber uma coisa...

Me ajeitei também na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa e me aproximando do


sujeito.

– Como faço para entrar no jogo? Aliás, não me responda aqui... Eu vou te soltar e
quero que você me ligue me avisando como eu poderia participar do jogo. Você me
liga se quiser, se não me ligar, agora que sei que existe esse jogo, procurarei outra
forma de entrar nele, mas se você puder me adiantar como eu faço pra participar,
seria uma enorme gentileza, uma vez que seu grupo foi todo morto. Meu time é bem
treinado, não morreria estupidamente como vocês.

Assim que perguntei e expus minha ideia, traguei o cigarro e abri um sorriso meio
sádico. Era hora de por meu blefe e atuação a prova. Não fiquei olhando muito para
ele, para não dar tempo dele pensar ou analisar minhas ações, quando se age de
forma apressada, você não dá tempo para que a pessoa organize os pensamentos e
crie possibilidades, era uma tática básica e psicológica que muitas pessoas usavam
quando queriam fazer alguém acreditar numa mentira, algo muito utilizado por
psicopatas por sinal. Me levantando fui até o cara e o liberei das algemas, o mesmo
então esfregava os pulsos e se levantava, me olhava e olhava para Rock, que com
um gesto meu, saia da frente da porta e a abria para que o homem pudesse sair.
Com uma expressão escrota no rosto, ele estava para cruzar a porta para a
liberdade, no entanto eu fiz minha última jogada. Na ponta do meu dedo estava o
adesivo rastreador...

– Hey, uma última coisa… – Chamei o sujeito, que parou ao meu chamado. Fui até
ele, e coloquei meu maço de cigarros no bolso de sua jaqueta, e dei um tapinha
"camarada" no rosto do mesmo, aqueles do tipo provocativo, mas que era bem
comum entre russos. – Cortesia, para você pensar "com cuidado" na minha
proposta.

Foi naquele tapinha no rosto, que eu colei o adesivo em Aleksey. Agora eu poderia
monitorá-lo à distância. Ele saiu da delegacia com um sorriso largo no rosto, um
sorriso vitorioso, mas a caçada estava só começando. Assim que ele saiu pela
porta, já chamei todo o esquadrão no comunicador.

– Ele está se movendo. Quero todos rastreando-o de perto, ponham os drones no ar


também, sigam ele nas câmeras e utilize até satélite se precisar. Vamos ver onde ele
vai nos levar. Se ele não nos levar a lugar nenhum, neutralizem ele e o tragam de
volta. Se esboçar um sumiço, eliminem-o. Qualquer um que tiver contato com ele,
quero informações completas. Brucker e Rick, quero vocês junto comigo seguindo-o
nas ruas, não deixe que eles notem vocês. Entendidos?

– Sim senhor! – Responderam todos.

Era arriscado soltar um sujeito que continha tantas informações, no entanto todas
as minhas ações ali tinham uma explicação, desde o fato de trazer Rock comigo ao
tapinha no rosto. Trazer Rock foi uma forma de mostrar na tranquilidade do mesmo,
que todo os meus homens não contestavam minhas ações e que éramos mais do
que só um time da SWAT, que poderíamos ser um grupo para-militar independente
se eu assim desejasse, e isso eu provei ao dar o tiro no espelho da sala, eu sabia
que Rock não se moveria sequer um milímetro e queria mostrar isso para o marginal;
Outra ação foi a minha tranquilidade mediante ao fato dele saber meu nome, queria
blefar de forma a fazê-lo pensar que eu já sabia que ele sabia meu nome e que eu
também escondia algo, mas era óbvio que ele saber meu nome me intrigava mais do
que tudo; Por fim o tapinha no rosto era um gesto Russo, que geralmente
demonstrava "superioridade", geralmente se dava esse tapinha para demonstrar
confiança, para mostrar que se estava por cima no jogo, era óbvio que também era
um blefe e uma forma de implantar o rastreador sem ele notar. Eu fiz tudo isso, por
um motivo bem simples... Não havia meios de tortura-lo para falar, eu não continha
ferramentas para tal ali. Logo meu único plano foi solta-lo para ver se ele nos levaria
à algum lugar, era bem provável que como um agente ele primeiro tomaria todas as
precauções para saber se eu não tinha qualquer plano, e era por isso que eu tinha
colocado um dos poucos protótipos de rastreador de última geração que a
corporação dispunha. Agora eu estava intrigado com o que o Capitão havia dito, a
ligação dessas Liga dos Predadores poderia ser uma grande linha que liga todos os
fatos, era de sumo importância conseguirmos algo desse russo idiota.

Observações:

- Utilizei de um rastreador novo que a corporação estaria testando. Ele é um adesivo


que vai sendo aos poucos assimilado pela pele.
- Se por acaso exagerei nos Blefes e mentiras. Gostaria de fazer um teste de Blefe
(Carisma), basta me dar uma dificuldade. Caso contrário, ok.

Crovax rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 15 para carisma/blefe que resultou
20 - Total: 1 Sucessos

Leon

Pela primeira vez em muito tempo pensei que ia morrer. Reconheci minha atitude
estúpida de tentar empurrar aquela asiática para salvar Akane. Era o que tinha de
fazer para salvar aquela linda mulher. Eu era um tolo, pois não podia desejar esta,
pois não queria outro mafioso em minha vida. Sim, eu sei… Estou sendo muito
repetitivo quanto a isso, mas eu estava a tentar colocar essa realidade na minha
cabeça. O que também me deixou desconfortável era eu ter a iniciativa de atacar
uma mulher, juntando ambas ao meu redor, reconheço o erro que cometi. Um ato
impulsivo e suicida.

É, minha maior fraqueza eram as mulheres…

Fui forçado a ficar de costas para aquela assassina e eu senti uma dor terrível logo
depois. Minhas costas foram perfuradas e cortadas violentamente e só pude rosnar
de dor. Um rosnado audível para qualquer um ao meu redor. Com isso cambaleei
pelo lado oposto da ruiva, para não ser também alvejado pela sua pistola de
munição suspeita. Senti o sangue correr mais depressa por minhas veias e a dor
estava até passando, ou melhor, já estava me acostumando com ela. Mas pela
primeira vez, desejei matar uma mulher e naquele momento isso não me
assombrou. Era uma certeza e não um desejo impulsivo vindo da raiva.

Saí daquela área a passos mais lentos, porém para os demais ainda me mantia
veloz. Só perderia para aquela filha de uma lataria velha na corrida… Me desliguei
dos outros, cego de raiva. E como se fosse realmente um quadrúpede, eu corri e me
escondi no perímetro daquele quarteirão. Talvez quem tivesse me visto, poderia
estranhar um homem correndo como se fosse um tigre de fato e rápido. Não queria
me exibir, daquela forma eu conservava a minha velocidade animal (um meio termo
entre o máximo humano e o mínimo dos tigres), mas também doía menos as feridas
abertas que não paravam de sangrar.

Da esquina, eu vi o líder do bando se fazendo de isca, pois se não era isso, era um
completo idiota suicida… Não tinha a menor obrigação de ajudá-lo, então fiquei
quieto no meu lugar. Estava esperando por uma brecha… Uma brecha enquanto
aquela aeronave se chocava pela rua. Isso não me surpreendeu. Eu podia ver tudo ali
perfeitamente e notei uma movimentação que me deixou alarmado.

– Essa bela e delicada mulher não pode… – disse num rosnado preocupado.

Eu não estava com medo daquela inimiga, mas eu senti todo seu potencial na pele e
vi que não dava para atacar sem pensar ou ter um bom plano de fuga. Desisti de
cercar aquela maldita oriental e atacá-la de surpresa como estava planejando. Corri,
praticamente aos saltos, acabando mais ainda com minhas costas.. Mas não me
importava com pequenas consequências… Eu só pensava em afastar aquela bela de
cabelos azuis daquela megera. E para isso resolvi atacar pela frente, saltando sobre
ela e cravando minhas enormes presas sobre seu pescoço e sacudindo a cabeça
para rasgar mais a carne ali. Sempre o pescoço era a área mais vulnerável do corpo
humano e também ciborgue.

E não foi só as minhas presas que quis cravar na carne da mulher não, quis retribuir
o favor as minhas costas com minhas garras e ainda com mais força e mais
perfurações e dilacerações que ela me fez. Minha vingança era sempre dobrada e
sem um pingo de remorso. Ao completar minha pequena vingança e dar o tempo
para a bela hacker sair de perto, joguei aquele corpo desprezível contra a loja que ela
tinha sido jogada momentos antes e para isso, um chute com toda a minha força
restante desferi em seu peito, querendo abrir ainda mais a ferida. Ao terminar não
pude evitar de rosnar bem alto, muito satisfeito e sair andando como se tivesse sido
atropelado e cair uns dois metros daquela lataria com seios. Estava cansado e
ferido...

Leon rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para defesa e ataque que resultou
18 - Total: 1 Sucessos

Akane
Sorri com extrema satisfação ao ver meus tiros explodindo aquela mulherzinha
detestável. Meu sorriso foi arrancado dos meus lábios quando vi que não tinha
ferido ela tanto quanto queria. O que me surpreendeu ainda mais foi aquela
hackerzinha medrosa ficar corajosa repentinamente e decidir atacar também e ainda
por cima conseguir barrar a vagabunda de unhas grandes. Não me importei com o
tigrão sendo apunhalado na minha frente tampouco, mas falando nele, quando dei
por mim ele já tinha sumido. Mais ainda, o rato também resolveu atacar e num
minuto depois vi aquela aeronave caindo na minha direção.

– Filha da puta… – resmunguei já desejando rasgar sua garganta.

Não tinha nada a fazer quanto ao problema que estava metida. Olhei ao meu redor já
pensando num plano de fuga. Mas não pude parar de olhar para aquela lata velha e
decidi atirar num poste de forma que ele viesse a cair na minha direção também,
como se eu quisesse dar uma de suicida. O tiro com a bala explosiva, no qual emitia
uma luz fraca e esverdeada, explodiu a base do poste e o fez tombar… Felizmente
para o lado que queria e ainda manteve uma de suas vigas de ferro (fica no interior
do poste para dar maior sustentação para o cimento que reveste o lado de fora) para
sustentá-lo temporariamente.

Como um pilar tombado para o lado, a maior parte da aeronave se chocou contra o
poste e se “encaixou” na sua ponta repleta de fios de alta tensão. Se o piloto
estivesse ainda vivo, ele teria sorte do poste estar inativo ou ele levaria grandes
descargas elétricas. Por fim, essa artimanha que fiz, retardou a queda para eu poder
sair da mira de colisão sossegadamente, pois cedo ou tarde ambos cairão de vez e
eu não queria ver o resultado do estrago. Afinal aquele pedaço de ferro torcido não
aguentaria tanto peso assim e se entortaria de vez contra o asfalto.

Calmamente com um sorriso orgulhoso por ter tido tal feito, pela primeira vez em
minutos, busquei os demais que me acompanharam nessa missão louca.
Novamente vi aquela azulzinha chata e medrosa dando uma de valentona e isso me
irritou muito e não demorou muito para o defensor das mulheres querer salvá-la num
ataque muito sangrento. Eu o fitei atentamente enquanto ele estraçalhou aquela
garganta com total inveja. Sendo sincera fiquei excitada com tanta violência e ao
mesmo tempo me imaginava fazendo isso com as vítimas… Ora, era uma ideia
idiota. Para começar não tinha presas e para terminar odiaria ter o sangue de
minhas presas em minha boca.

– Ora ora… No fim a cindelera azul é sempre salva por um príncipe idiota… Que
vergonhoso… Vou te mostrar hackerzinha como se finaliza uma vadia. – falei irritada
e cheia de arrogância para X9.
Não perdi tempo, após o chute do tigrão que mandou aquela lazarenta para dentro
da loja eu aproveitei para enterrá-la dentro da mesma. Comecei atirando perto de
vidros, para estes quebrarem e fazer seu estrago… Depois apontei para as vigas de
sustentação e para a laje daquela construção. Muitos tiros com propriedades
explosivas foram disparados até a minha Taurus ficar sem energia explosiva que
compunha sua munição. Mas o estrago estava feito, pois parte do prédio
desmoronou bem onde aquela mulher tinha caído… Uma finalização perfeita eu diria,
visto que a garganta eu não poderia mais cortar.

Guardei a pistola ao seu encaixe no meu cinto. A briga tinha acabado até então…
Isso que a asiática não se levantar para nos infernizar novamente. Com minha
pulseira comunicadora eu liguei para meu homem. Ele não demorava para atender e
eu gostava desta pontualidade dele.

– Meu amor, você está bem? – veio ele com sua voz sedutora a me colocar um
sorriso nos lábios.

– Eu estou completamente bem, mas não posso dizer em relação a certas pessoas.
Preciso de uma carona e creio que o resto da trupe também. Mesmo não me
importando com o rato, a cinderela medrosa, o tigrão nervosão e o líder que só
serviu de isca, você precisa deles certo? Eu vou para casa, já eles que possam ir
para o inferno talvez, sabe… – falei em tom de deboche em relação aos demais.

– Eu mandarei alguém te pegar – ele falou intercalando as gargalhadas.

Akane rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para defesa e ataque que
resultou 18 - Total: 1 Sucessos

Pollux

Eu estava certo de que aquela fuga seria a coisa mais difícil que eu já havia feito na
minha vida, mas acabou sendo uma das mais apavorantes, ao invés disso. Não
porque eu temia que estivesse sob a mira de um cano de calibre alto vindo de um
fuzil fosse pelas torres armadas que certamente eram ocultas em algum lugar dos
azulejos lisos no teto prontas para deter algum invasor em caso de emergência ou
lockdown da fortaleza ou de algum guarda que estava pronto para me parar
momentos antes de eu cruzar o portão principal em direção a minha saída.
Não, a fortaleza de Telford era uma coisa impecável. Não tinha nada de assustador
nela.

Acontece que tudo aquilo era uma extensão da dona. Não importava quão
iluminados fossem os seus corredores, quão limpo fosse o seu chão ou quão
modernos fossem os seus halls espelhados e em arquitetura cubista e futurista,
tudo cheio de formas afiadas como era a própria Dama de Prata, constantemente
me deparando com espelhos e divisórias de vidro por onde eu percorri indicando a
limpeza daquela região, uma área que transmitia ironicamente uma transparência
que faltava à dona. A primeira coisa que eu pensei foi o quão difícil seria me
esconder ali se eu precisasse. Tudo era claro e tudo era visível, não havia como me
esgueirar portanto quando eu notei as luzes sendo diminuídas eu soube que
estavam para fazer algo contra mim. Eu apertei o bisturi contra o pescoço da
cirurgiã mas, porra, eu não tinha coragem de ferir um inocente. E eles também não,
quer dizer, se precisassem rasgariam a doutora com tiros perfurantes se tivessem
mesmo ordens e vontade para me deter sob qualquer método, mas a cirurgiã era
apenas uma defesa a mais. Até então eu não sabia que eles não me queriam morto
e o plano havia dado tão certo que nem eu acreditava. Joguei um blefe e isso me
deixou com uma vantagem imensa, pois notei que era mais valioso para Telford do
que eu imaginava. O que me arrepiou a espinha foi o fato de também estar correto
no que pensei em momentos atrás. Aqueles minutos de silêncio onde ela me
avaliava com os olhos de um predador eram sinais de quem estava me medindo,
calculando meu valor. Ela era uma assassina fria, muito pior do que eu jamais
imaginei.

No meu caminho pra fora eu pensei em usar meu tempo para tentar descobrir onde
ficavam os quartéis dos soldados, pensando em procurar um uniforme reserva e
quem sabe uma arma, mas eu não enganaria ninguém, eu não era um soldado, era
um espião, um contador de mentiras. O que eu fazia de melhor era trazer as pessoas
para o meu lado sem precisar da violência, mas achava que eu não conseguiria
resolver todos os meus problemas dali pra frente sem apelar para estes recursos
mais extremos. Ainda assim, o que eu mais queria fazer era dar o fora dali, para
sempre.

Eu me locomovia sempre com a cirurgiã na minha frente. Com uma mão eu


segurava o seu ombro e a outra ainda empunhava a lâmina contra as suas costas,
como uma ameaça caso tentasse voltar. Constantemente tinha os braços erguidos e
apressava o passo quando eu fazia o mesmo, o que me deixava satisfeito. Naquela
altura provavelmente sabia que eu não era o pior de seus inimigos, e não somente
porque eu precisava de uma garantia até estar do lado de fora, mas também porque
queria fazer o favor de tirar mais uma pessoa das garras de Telford que eu a levei
comigo naquele dia. Minha mente era mais estratégica do que combativa, e em
razão daquela minha atitude também não deixei de pensar que agora a Dama
poderia estar com uma mente a menos a seu favor. Ainda havia o fato do meu
antigo amigo estar entre a sua guarda pessoal e eu não seria hipócrita ao dizer que
me preocupava com ele mais do que comigo, afinal sequer éramos tão próximos
assim, e andar muito sob a sombra de Telford me ensinou a usar as armas ao meu
dispor, inclusive a manipulação, mas estava em dívida com a sua facilitação ao me
ajudar a empreender minha escapada. Afinal de contas, se eu conseguisse
influenciá-lo de longe mais tarde, quem sabe eu mesmo não tivesse um espião entre
os números da Dama de Prata. Improvável, mas eu certamente deveria tentar.

A penumbra pela qual eu percorria era cercada de olhos. Eu não conseguia


enxergá-los, mas eu podia senti-los. Havia alguém me olhando por cada centímetro
daqueles corredores do verdadeiro castelo no qual estava preso, e meus passos não
poderiam ser mais apressados do que paranoicos. Quando eu ouvi os portões
principais se abrindo para mim e enxerguei a poluição elétrica do outro lado deles,
com a silhueta da cidade pulsante no horizonte, eu quase pude respirar aliviado.
Suor no meu rosto já se encontrava presente quando eu cruzei os portões do inimigo
e saí para o seu ar livre, onde carros enfileirados aguardavam os seus donos, alguns
verdadeiras peças de raridade, ao que eu imaginava que estavam reservados aos
contatos mais chiques de Telford, os figurões de Miraitrópolis que certamente
estavam bem protegidos debaixo de sua asa. Bem, nem tanto assim se começasse
a depender de mim.

– Alguém vai ficar muito puto comigo por isso. – era a segunda vez que eu
transgredia a lei em menos de doze horas e roubava um carro. Estava ficando bom
naquilo também. Estilhacei o vidro do motorista com o cotovelo e abri-o pelo lado de
dentro, mergulhando debaixo do painel para procurar uma ligação possível,
escolhendo os modelos mais antigos onde essencialmente o motor ainda fazia
tudo, no máximo modificado para um gerador reserva que não dependesse tanto do
uso de combustível, sempre raro desde o começo da história do homem. Hoje em
dia não seria diferente.

– Entra logo, você vem comigo.

Não houve como me contestar.

Quando eu coloquei-me de volta atrás do volante, parti dali o mais rápido possível.
Ser permitido aquela fuga só significava duas coisas: primeiro, a Dama tinha outros
projetos e preocupações mais importantes do que eu. O que também implicava que
ela não estava tão preocupada em me deixar com uma coleira tão apertada logo de
cara, justamente o que me preocupava já que também denunciava uma certa
suspeita minha, de que ela achava fácil me encontrar. Aquilo até mesmo me
insultou. Seria eu tão previsível que sequer necessitava de uma prisão muito
exigente ou de vigilância constante? Mais provável seria que ela estava com o poder
em mãos para me perseguir e me encontrar onde eu estivesse. Segundo: ela estava
ficando mais forte. Eu achava que os meus implantes eram algo como um trunfo
para a velha, mas estava vendo que apesar de sermos os seus olhos nas ruas,
Telford me via como nada muito além de uma inconveniência, e não uma arma fora
de seu alcance. Bom, eu estava prestes a ser.

– Me fala o que ela estava mandando você fazer. O que mais vocês fazem por lá? –
perguntei para a minha refém. Apesar de ser inquisitivo, eu não soei agressivo,
apenas ríspido e apressado.

– Cirurgias. Implantes. Tudo o que a Dama nos mandava. Ela só disse para retirar
seu implante, eu juro! – engoliu em seco e então continuou em seguida. – Você foi o
único que sobreviveu que ainda possui o protótipo ocular.

Por um momento eu gelei. Ela teria como saber se Callídora estava viva? Então isso
confirmava a morte dela?

– É possível remover o implante sem matar o paciente?

– Sim, é. É possível até reconstruir a retina. Mas o receptor ainda fica dentro do
córtex cerebral. Telford pode te deixar cego a qualquer momento.

Aquilo eu já temia e suspeitava. Era bem previsível que os olhos pudessem ser
reconstruídos após a cirurgia, os meus próprios eram sintéticos, com uma pequena
capa orgânica que recobria a orbe mecânica e tentava trazer minha cor natural de
volta às retinas, o que causava seu tom arroxeado/lilás a depender da luz. Mas a
segunda parte era nova para mim. A ponte transmissora entre as informações
captadas pelos olhos e os impulsos do cérebro que me permitiam ver ainda estava
sendo feita de refém pela minha antiga chefe, e aquilo eu não poderia simplesmente
puxar de trás de meu crânio. Como os implantes não só forneciam uma melhoria de
visão mas como me inundavam de informações a meu pedido, meu cérebro era uma
peça fundamental. Talvez fosse isso que a Dama queria. Apesar de tudo estar
guardado em minha cabeça, enquanto eu não encontrasse um computador grande o
suficiente para fazer o backup das minhas informações, eu teria de ser pego vivo e
forçado a transmitir minhas imagens de volta para minha chefe.

– E depois? E depois, o que ela iria fazer?

Ela começou a falar como se fosse doloroso recordar.


– Eu não sei. Ela queria que terminássemos rápido, tinha outro paciente à mercê
dela. Eu não cheguei a ver, mas vi os laudos e... era grotesco. Ela queria despedaçar
o pobre homem. Lavar a mente dele, transformá-lo em uma ferramenta…

Consigo entender o motivo dela aceitar tão rápido me operar agora.

– Não quero saber se você tem nome, se tem filhos, se tem família. Se você não for
me esfaquear pelas costas, vou te deixar tão longe quanto posso ir. Não sejamos
burros uma segunda vez, uma já foi o suficiente para trabalhar para ela.

De novo eu senti que ela estava com medo de falar algo, no que virou-se para mim e
perguntou.

– Você vai me matar pelo que eu tentei fazer?

– Eu tenho cara de assassino pra você? – foi a primeira vez que eu dei uma risada
desde que aquele caos havia começado. – Eu sou só um mentiroso. Um dos
melhores, é assim que me mantenho vivo. Se a Dama te achar, diga o pior de mim,
quem sabe ela não esteja ocupada demais para checar os fatos e acredite em você.
Faça-se útil e não tente fugir, o único jeito de atacá-la é por dentro do seu império.
– Ela não tem muitos cirurgiões a serviço dela agora que eu saiba. Ela virá atrás de
mim. – ela suspirou outra vez audivelmente enquanto dizia para a janela, enquanto
olhava através dela. – Ela sempre precisa de carne fresca.

Meu primeiro impulso foi acertar o freio com tamanha força que jogaríamos ambos
pela janela frontal se eu não fosse cuidadoso o suficiente. Ao som daquelas
palavras-chave, eu percebi uma pista crucial que estava deixando para trás, e a partir
dali o meu próximo destino estava traçado. Certamente minha passageira notou
algo estranho, pois não pude evitar uma abrupta freada de milissegundos, o
suficiente para sacudir nossos corpos adiante com a inércia enquanto fazia um
retorno inesperado.

– Aonde estamos indo? Aonde você está me levando?

Ela começou a falar como se fosse doloroso recordar.

– Até onde tudo isso começou. Minha parceira queria que eu visse algo antes de
desaparecer, e foi esperta o suficiente para me dizer de forma que não havia como a
Dama de Prata encontrar na minha transmissão. – apertei o indicador contra a
têmpora enquanto a velocidade que o carro percorria aumentava. – O que ela queria
que eu visse estava na minha memória, não nos meus olhos. Preciso voltar para o
início. Eu vou te deixar em algum lugar próximo, mas lembre-se, agora nada é seguro
o suficiente para você.

Angel's Lane

Eu já havia pensado extensamente sobre como aquele implante havia me mudado


por completo mesmo substituindo duas pequenas partes de todo o meu corpo
orgânico, portanto nem poderia imaginar o que pessoas que passavam por uma
transformação completa deveriam sentir. Se o que a enfermeira me disse sobre os
experimentos de Telford eram boatos corretos, então eu dividia a ala cirúrgica com
um verdadeiro monstro, mas isso ainda estava para ser investigado. Por enquanto,
salvar minha vida era mais importante. E é exatamente por causa dessa disforia que
eu não havia me tocado do que Callídora queria me dizer quando citou o nome
daquela maldita avenida. Eu havia simplesmente esquecido de certas coisas. De
certas coisas quando ainda não era menos orgânico, ou menos humano. Meu
primeiro trabalho foi na Angel's Lane, e talvez foi por isso que eu e Callídora
chamamos tanto a atenção de Telford. Foi lá que descobrimos e desvendamos a
investigação sobre o abastecimento de alimentos podres para a população pobre de
Miraitrópolis, e fomos impedidos pelas forças da Dama. Ao invés de nos eliminar, no
entanto, fomos recompensados pelos nossos esforços em "perseguir a verdade",
portanto nosso propósito passou a ser alterá-la. Eu não me orgulho de aceitar essa
missão, mas eu vi o que a parte pobre da cidade passa. Como ela vive, como ela
morre, o que ela come. Eu não podia me dar ao luxo de ser moralmente correto, eu
precisava estar por cima da tsunami quando ela me atingisse. Foi assim que eu
passei a servir a Dama.

Eu estava lá de novo, depois de tanto tempo. Apenas alguns longos meses me


separavam daquele momento e do meu primeiro serviço, pouco lembrado por ainda
não lembrar de mim mesmo e de como eu era sem os meus novos olhos. Foi ali, no
mesmo neon desgastado onde lia-se GAROTAS! que eu entrei sendo liderado pelas
pistas que havia recebido, logo abaixo de um estabelecimento que parecia uma
mistura de prostíbulo e cassino, não que fossem coisas amplamente diferentes em
qualquer lugar do mundo, afinal em Miraitrópolis você consegue um robô sexual em
cada esquina, ao lado da máquina de refrigerantes.

Deixei o carro o mais entocado possível no espaço entre dois prédios, em um beco
apertado o suficiente apenas para que eu pudesse abrir a porta do meu lado para
sair e mais nada. A entrada ainda estava destrancada, mas eu não sabia há quanto
tempo, e nem se alguém havia chegado ali antes de mim, entre o espaço da minha
primeira investigação e os meus passos agora. Com um cadeado estourado daquele
jeito, só podia dizer que alguém esteve ali, sendo Callídora ou não. Eu prossegui com
cuidado.

Não havia nada que eu já não tivesse visto. E de alguma forma isso foi bem mais
apavorante do que eu imaginei que pudesse ser.

O que havíamos descoberto ali não era apenas um escândalo envolvendo o


suprimento de carne de Miraitrópolis, não apenas carne podre que era enviada às
partes ainda menos favorecidas daquele inferno de cidade, mas carne humana,
restos de pessoas em decomposição e partes que pareciam congeladas e não
exatamente para o consumo, mas também para serem enviadas a algum lugar,
como se alguém precisasse daquilo para algum experimento doentio ou apenas um
prazer não muito mais saudável. Não sei porque a prateada havia se metido em uma
operação que, afinal de contas, nem foi assim tão difícil de se desvendar, mas sua
rapidez em responder à nossa descoberta acusou-a invariavelmente de estar
relacionada àquilo. A cada corredor que eu cruzava, eu sentia o cheiro rançoso de
coisas abandonadas apodrecendo e sendo deixadas para os vermes, então subi a
gola de minha jaqueta e tentei cobrir a boca e o nariz com o couro como pude. Mas
quanto mais eu avançava, mais parecia que eu estava próximo de algo.

Eu me lembrava de como entrei ali pela primeira vez, ainda menos munido do que
agora, apenas com uma lanterna em minhas mãos. Na verdade, ainda carregava o
bisturi roubado, questionando-me se não seria mais prudente ter comprado uma
arma a caminho da minha pista, mas agora o destino já estava traçado. Cada passo
que eu dava me conduzia por corredores onde o som destes se reverberavam pelas
paredes de metal frio e fino, e nenhuma alma viva estava lá para resistir à minha
invasão, como desta vez. Ratos andavam pelos cantos da parede na minha direção,
provavelmente buscando a luz da liberdade através da porta que havia deixado
aberta, mas hoje nem eles estavam lá comigo. Não podia dizer que sentia falta, na
verdade. Peças de carne eram penduradas a cada porta que eu abria, e quanto mais
prosseguia mais o frio típico de um armazenamento de carne me gelava os ossos, e
o que achei estranho era que a sensação se repetia agora. Ao mesmo tempo, fosse
a passagem de ar que começava a desembocar no final daquele corredor ou o
horrível pensamento de que já estava acostumando àquele cheiro de podre, eu
comecei a notar que ele estava diminuindo, portanto prossegui com mais confiança,
passando por aquele açougue clandestino e ouvindo apenas o silêncio, meses antes
preenchido pela música eletrônica abafada que vinha de cima, da boate que estava
em atividade enquanto eu desvendava aquele verdadeiro horror.

E quando eu achava que não poderia ficar mais bizarro, ficou.


Meu implante começou a detectar movimento. Não movimento propriamente dito,
mas algo adiante parecia estar vivo, embora parado. O típico HUD surgiu diante da
minha visão e onde antes eu veria o nome e informações da pessoa, novamente eu
não enxergava nada além de caracteres irreconhecíveis e pontos de interrogação,
mas era o suficiente para saber que o implante estava tentando reconhecer
atividade humana. A princípio, eu notei estar detectando a presença da outra sala,
através da parede metálica, mas quando cruzei o buraco onde deveria estar à porta
nada avistei, o que me fez apertar o bisturi em punho com mais apreensão. Depois,
eu pensei que algo estava tentando se esconder de mim por entre as caixas e as
peças de carne semi-preservadas, dependuradas do teto feito avisos bizarros a um
possível invasor, mas meu terror foi maior quando eu notei que começava a reduzir a
mira e detectar de onde vinha a tal presença. Um pequeno ponto, redondo e quase
esquecível, reluzia com uma cor de nebulosa enfiada superficialmente na carne.

– Puta que pariu... – foi a única coisa que eu tive forças para reunir e dizer. Três ou
quatro pedaços de carne estavam pendurados do teto, mas apenas aquele eu
conseguia ver que estava carregando algo, no meio de seus músculos. Mesmo já
sabendo muito bem do que se tratava, eu fiz uma incisão com o bisturi que havia
trazido e deixei a esfera pular para fora, na minha mão – Era isso que você queria
que eu visse. O que você viu. – ali, bem no meio daquela massa nojenta e
nauseante, estava um dos implantes de Callídora, o vermelho inconfundível de seus
olhos agora em minhas mãos, sem a singular ligação com o córtex em formato de
córnea que seguia na parte traseira, o que indicava que ela havia conseguido
substituir aquele par original, ou estava por aí andando somente com um. Se aquilo
era uma piada de mau gosto com as minhas lembranças ou uma defesa natural
caso alguém quisesse se intrometer naquele lugar, sendo louco o suficiente para
adentrar tal recinto de tamanha rancidez, ainda sendo louco o suficiente para meter
a mão na carne podre e buscar a chave do tesouro, eu não sabia. Só sabia que era
enigmática, e que como tal, eu deveria esperar esse tanto dela. Além do mais,
alguém hackeando sua visão não veria nada além de uma paisagem digna de fazer
vomitar o almoço.

Eu estava preparado para deixar aquilo para trás definitivamente. Mas aquilo era
uma investigação. E como uma, merecia meu olhar mais meticuloso.

Eu resolvi investigar a última sala antes de sair. Era a última porta então eu não
estaria perdendo muita coisa se gastasse mais alguns minutos ali dentro, e provou
ser a coisa mais inteligente que fiz naquele momento. Não apenas eu descobri o que
havia dentro dela mas também a fonte daquele frio, se todos os refrigeradores
estavam desligados e as portas automáticas destrancadas. Onde eu estava no
momento era no final de um longo corredor com formato de L, com portas em cada
lado de suas faces, como o que havia percorrido até chegar onde estava o olho de
Callídora, em uma reentrância maior em um espaço largo e retangular, agora me
deixando em um depósito no mesmo formato, gêmeo ao que percorri, mas um
pouco menor. Ou talvez assim parecesse, com o computador que ocupava uma das
suas grandes paredes, formando uma espécie de escritório-esconderijo, montado
por minha antiga parceira.

Só poderia ter sido ela. Era um disco rígido improvisado. Não, não um HD, mas um
mainframe inteiro.

Diante de mim um painel que eu conhecia muito bem, com o hardware e aparência
daqueles com os quais eu trabalhava no Canal 17, mas o OS já era outro
completamente diferente. Eu podia perceber que de algum modo Callídora havia
trazido aquilo para aquele esconderijo e deixado como um backup para alguma
coisa. Talvez ela também estivesse prevendo a sua saída há mais tempo do que eu
das garras da Dama e havia construído seu próprio backup e servidor, mas parecia
estar longe de acabado, e não parecia ser o páreo para deter tantas informações
quanto parecia ser possível. Mas... Eu precisava tentar. Eu sentia que a cada
momento algo se aproximava de mim e estar em um lugar sombrio daqueles não
ajudava em nada. Portanto eu agi.
Havia um scanner como era de se esperar, e ao invés da tela estar mostrando uma
espera pela senha correta, tudo o que eu via era uma autenticação de identidade,
portanto eu soube o que fazer. Trouxe o implante vermelho de volta à ponta dos
meus dedos e tentei deixá-lo ao alcance do leitor, o que provou funcionar como eu
torcia para acontecer.

Tão cedo eu coloquei meus olhos na interface, eu notei que não havia novos
arquivos. Tentei navegar pelas pastas mas tudo parecia vazio. Aquele não era
exatamente o backup de Callídora então, era uma estação. Uma estação de serviço,
um ponto de acesso para as funcionalidades que tínhamos, mas que não éramos
capazes de acessar sem a ajuda de um mediador, ou seja um computador.

Havia no entanto algo que eu estava mais ansioso para tentar. Os arquivos de minha
parceira não estavam disponíveis e nem armazenados ali como eu havia suspeitado,
mas as luzes que piscavam ao meu redor a partir das torres que compunham aquele
enorme computador não estavam ali de graça. Eu precisava tentar, e com a voz
nervosa, eu dei o comando.

– Função: busca. – e então, tudo se abriu para mim. Eu nunca fiquei tão feliz em ver
as palavras NENHUM ARQUIVO ENCONTRADO saltando da tela aos meus olhos. Eu
estava diante de um backdoor, não para os arquivos destruídos do Canal 17 ou da
garota desaparecida, mas para o engine de busca com o qual trabalhávamos. Isso
era ainda melhor. Tendo acesso ao que estava na minha frente, eu poderia
finalmente analisar cruamente os arquivos que havia visto horas antes. Então
continuei, desta vez com o processo completo. Aproximei-me do scanner e desta
vez, coloquei meu próprio olho perto dele, inclinando minha cabeça. – Função:
upload. Últimas 24 horas. – a sensação estranha de algo percorrendo o caminho por
trás de minhas córneas acometeu-me novamente enquanto o upload era feito e por
fim eu comecei a ver os dados reconstruídos diante de mim, na tela da interface.
Eram apenas os meus últimos minutos antes de deixar completamente o quarteirão
destruído onde o Canal 17 agora resumia-se a uma ruína. Tendo copiado a filmagem
para o computador, comecei a trabalhar nela. Avancei cuidadosamente até a
chegada daquela aeronave prestando atenção ao outdoor ainda intacto, como
medida de tempo. Finalmente, comecei a ver aros e uma mira em torno do que o
computador reconhecia como rostos e pessoas no topo do prédio, como eu mesmo
deveria ter visto se estivesse mais próximo do local. Três ou quatro eram revelados
de uma vez. – Reconhecimento e aproximação, reconhecimento em banco de dados
local e público. – apesar de não estar conectado pessoalmente a nenhum banco de
dados após o prédio ter sido dizimado, o backdoor me permitia tal coisa. Então eu vi
pela primeira vez quem eram aqueles, e se eram meus algozes ou salvadores.

Comecei pela identidade da garota de cabelos vermelhos. A princípio me foi um


beco sem saída, não me revelou quase nada. Mas eu fui mais além. – Laurel
Morgan. Nunca ouvi falar. Um baita de um passado morto e sem pistas,
desaparecida depois de um incidente com os pais... Busca por assimilação. – dei
outro comando. Basicamente eu estava pesquisando aquela própria pesquisa, e
vasculhando por documentos irregulares ou semelhantes àquele rosto. O
reconhecimento pode ser realmente bugado de vez em quando, principalmente na
ocasião constrangedora de confundir a identidade de gêmeos, visto que nem
sempre o implante é tão cirurgicamente preciso na leitura das microexpressões. E
não muito tempo depois de dar o comando, "outra" Laurel Morgan surgia na
interface. – Akane, só Akane. Afiliada aos... Steelhearts? Nunca ouvi falar. Assassina
de aluguel, e tá brincando comigo. Esse é o Tony? – não só sua imagem era
indubitavelmente a de Laurel Morgan mas também era relevantíssima. A garota
tinha um romance com o líder de uma das maiores afiliações criminosas de
Miraitrópolis, e que vezes incontáveis eu já havia tentado sabotar as operações. – A
outra não tem nome, só um número e uma porrada de vídeos de vigilância do Canal.
Não era aquela que dava problema toda semana? Era uma wage-slave... não é de se
admirar a mudança radical. – Fosse qual fosse o seu nome, eu deveria conhecê-la.
Não tinha deixado o emprego há mais tempo do que eu, e atendia apenas por dígitos
e números, já que presumi que X fosse dez. Mais uma busca e mais um rosto e mais
uma vez parecia que eu estava lidando com um bando de freedom fighters, pois se
pude reunir qualquer coisa a respeito de suas intenções era que não estavam
trabalhando a favor da mulher que me queria morto. Isso ainda não me dizia nada a
respeito daqueles arquivos sobre a temível CP3, ainda que se eu tivesse que
arriscar... porra, certamente eles estavam lá com alguma missão de queima de
arquivo. E se eu estava com esse arquivo...

– Função... – tomei fôlego antes de continuar, mas ao contrário do que eu mesmo


esperava, não esboçava nenhum tipo de cansaço. A próxima atitude apenas requeria
mais coragem do que o comum. – Última localização reconhecida. – eu nem sabia
que civis tinham aquela funcionalidade, mas descobri quando estavam atrás de
mim. Embora não pudesse entrar na mente delas e olhar através de seus olhos, as
pessoas que eu buscava certamente estavam convergindo para o mesmo lugar. A
vigilância de Miraitrópolis era afiada e precisa, mas apesar da miríade de câmeras
espalhadas o último vislumbre que obtive foi de suas respectivas chegadas a um
bairro que agora faltava com energia. Por isso o blecaute de informações, já que
estavam em um dos pontos cegos de Miraitrópolis. – Polícia e força-tarefa
encaminhadas para a localização, isso não é nada bom... – Tinha alguma coisa
acontecendo na região. E se eu conhecia o suficiente daqueles que eu estava
tentando perseguir, o blecaute certamente tinha de estar relacionado à chegada
deles, e parecia ser só o cartão de visitas. Xinguei mentalmente por isso, pois
significava que não poderia ver tudo o que havia no implante de Callídora, mas
aquilo teria de esperar.

Como se aquelas duas não parecessem apresentar perigo o suficiente além da


destruição de um prédio inteiro havia aquele mercenário que mais parecia ser
retirado direto da academia de uma prisão, mas eu estava disposto a procurar minha
segurança nos lugares mais inóspitos. E isso porque eu nem havia visto todos os
que estavam a bordo da aeronave no momento da fuga. Se eles iriam me torturar
como Telford em pessoa faria até que eu extraísse as informações que eu tinha
ainda era incerto, mas se eles estavam no Canal 17 naquela noite para dar fim aos
meus patrões, então agora eles estavam do meu lado.

Outra vez eu acelerei meus passos em fuga até o carro que escondi, tirando-o com
pressa e usando o GPS até traçar um caminho ao epicentro do blecaute, vendo no
horizonte os arranha-céus sem vida ou cor como destino que eu deveria seguir. Eu já
quase não me importava mais em estar fugindo, ou com a minha expectativa de vida
reduzindo a cada provável passo que eu tomava, me levando à morte ou a apenas
mais um beco sem saída. Pude perceber somente em alta velocidade que era a
primeira vez que eu realmente perseguia a verdade, e que em vistas da morte era a
primeira vez que eu vivia de verdade.

Então não me importava.

Aquela era a noite da minha vida.


Narrador (Gueixa)

No curto tempo de vida que tivera até agora fora passiva para todo o tipo de
agressão, mas hoje automaticamente reagia de maneira diferente sem perceber,
segurou firme a katana apertando mais os dedos entre seu cabo e diante as ironias
de Akane passou a desembainhar silenciosamente a lâmina. Antes que saísse até a
metade, Joe fitou a garota de longos cabelos azuis numa simples troca de olhar
mudo. Ela entendeu o gesto, cessou o movimento e recolheu de volta a espada. A
quietude foi quebrada quando a inimiga fez com que os pedaços de rocha e metal
retorcido que esmagaram seu corpo na cama de pedras se movessem. Ergueu-se
dos destroços entulhado, sorrindo, como se nada tivesse acontecido. Aquilo era
sobre-humano. A oriental contemplou as chamas do cenário, os escombros de
asfalto e da loja espalhados por todos os lados. Naquele momento pareceu ignorar
os ferimentos de balas que fuzilaram sua carne e manchava de vermelhos o couro
negro das roupas. Talvez os Steelhearts já estivessem preparando uma nova
investida contra a mulher, mas sua situação mudou em seguida. Seu corpo se
rebelou, deu um passo para trás, a sensação de choque deu lugar aos movimentos
de espasmos abdominais, e cresceram até se tornarem uma maré de agonia. Ela
levou a mão até a barriga, a mão encharcou-se com o fluido vital carmim quente
escapando do grande ferimento. Outra onda de choque e espasmos a desequilibrou,
acompanhada de uma subida carga de dor colocou-a de joelhos sobre as pedras.
Dor lancinante mergulhada no fundo do poço gangrenoso do seu estômago e indo
ainda mais fundo, dentro de suas entranhas onde havia se transformado em um rio
hemorrágico, parecia que seu estômago estava virando do avesso.

Como se tivesse sido atingida por um golpe não demorou muito para precisar por as
mãos na frente do corpo para que o rosto não fosse de encontro ao chão. Ela emitiu
um soluço descontrolado e vomitou em cima das pedras e ferro um jato de sangue
grosso, quase negro de tão denso. A pulsação acelerou, ela nunca havia sentido
aquilo, sabia o que estava acontecendo, estava morrendo, portanto aquilo tinha
nome, era medo, medo da morte. - Finalmente senti algo - esse pensamento a
satisfez, confortando. O vômito vermelho não cessou e outros semelhantes vieram
em sequência num curto intervalo. Não lhe restará nada agora a não ser uma última
pobre esperança de reerguer o torso novamente e olhar para os Steelhearts.

Seu último suspiro já havia deixado o corpo assim como os sinais da hemorragia
fluindo dos olhos e do canto dos lábios. Queria ter uma boa frase para que os
inimigos se lembrassem desse momento, mas não tinha nada na mente. Juntou um
último resquício de energia, todavia o peso das pálpebras se tornou maior e elas se
fecharam. E enquanto se esvaia, a vida fez o mesmo. Por fim, entregou-se ao
esquecimento da morte. Joe foi o único com coragem para se aproximar.

– Tenha cuidado. – Pediu X-9.

Joe se aproximou com o fuzil apontado para a gueixa inerte entre as pedras e o
metal retorcido, encostou o cano do fuzil e cutucou três vezes, o corpo não reagiu.
Ele voltou a cutucar mas não tinha resposta. Levou os dedos até a lateral do
pescoço da oriental checando a pulsação. Analisou com mais cuidado e segurança,
então ergueu-se de volta para o bando

– Está morta… – Brandou de longe para que todos pudessem ouvir.

O suspense terminou, podiam respirar aliviados. Mesmo assim, ouviu-se o mesmo


ruído de quando a japonesa saiu de baixo dos escombros, uma repentina
movimentação. O bando voltou-se tenso em direção ao barulho apontando o que
tinham em mãos mesmo sabendo que a inimiga estava morta e a direção era
totalmente outra.

– A propósito, se alguém se importar, estou bem. – Disse Yami, com seu típico mal
humor ao sair de baixo de uma placa de ferro que foi do seu jetfly.

O piloto possuía diversos cortes pelo rosto e pelo corpo, boa parte da roupa estava
em frangalhos também. Ele foi socorrido pelo restante do grupo que o auxiliou a sair
dos entulhos, removendo os pedaços de concreto de cima de suas pernas, não
podia caminhar, talvez alguns ossos estivessem fraturados e X-9 guardou a katana
para ajudar Yami a caminhar, apoiando-se em seu ombro direito longe da confusão
caótica dos escombros. O colocou sentado no meio fio da calçada antes que Yami
pudesse reclamar a Liam sobre os danos físicos e materiais um Rolls Royce branco
estacionou na esquina oposta a bagunça. O próprio Tony Montana de sobretudo
bege e chapéu de abas da mesma cor saiu do automóvel abrindo a porta do carona.

– Vamos, meu amor? – Convidou sorrindo olhando para Akane. E assim que a ruiva
entrou ele fechou a porta mas antes de voltar ao carro falou novamente, voltando-se
ao bando.

– Quanto aos demais tenham paciência, a condução que solicitei está a caminho. –
Após o breve esclarecimento voltou ao carro e deu a partida, saindo rapidamente do
quarteirão escuro e consequentemente do bairro de Nocturna. Olhando tudo, X-9
virou-se aos colegas.
– Hmm… Caroninha especial… Essa aí deve estar dando pra o Montana… –
Desdenhou em expressão de descontentamento, tapeando o ar com a destra.

– " Ora ora… No fim a Cinderela azul é sempre salva por um príncipe idiota… Que
vergonhoso… Vou te mostrar hackerzinha como se finaliza uma vadia. Mimimi. Pffff"
– Parafraseou Akane debochando ao imitá-la com os lábios retorcidos, um tom de
voz irritante e mimado. – Cara… Como essa mina me irrita, me provoca a toa. Enfim,
ela já foi, ainda bem... E o que a gente faz, espera? – Inquiriu a Joe e o restante.

– Não vou ficar esperando, Boris precisa de cuidados. – Respondeu Joe, enrolando a
mão em volta de uma tira da roupa rasgada e quebrando o vidro de um carro preto
deixado estacionado pela Tríade e que se preservou longe da explosão. – Yami,
como você é o segundo mais ferido, pode vir com a gente. – Convidou o outro,
desligando o alarme do automóvel. – Acho que cabe mais um, Leon, parece bem
machucado, quer se juntar a nós? – Chamou com a mão.

– Mas e a gente? – Perguntou surpresa, X-9.

– Vai parecer desfeita se alguém não receber a carona do Montana, ele é meio
temperamental e pode se aborrecer. Além do mais, acho que você prefere voltar com
o chefe. – Piscou e sorriu antes de entrar no carro.

– QUE??? – X-9 corou, tentou disfarçar,deixando mais evidente o que queria


esconder.

Restou aos que ficaram observar a partida do segundo carro, e como se tivesse
recebido uma deixa, X-9 se esforçando reuniu coragem e foi até Liam.

– Você está bem? Tem um tremendo corte nas costas… Deveria ter ido com eles… –
Desviava o olhar, olhando para baixo, vermelha. – Bom… Eu vou ali ver como o
Thomas está e… Bem…. Vou ali… Sabe… É, vou ali… – Sem jeito e tensa arrumou uma
desculpa e se afastou, nervosa.

– Como está, quatro olhos? – Mostrou bom humor. – Ein, você viu como eu espetei
aquela perua japonesa? Eu fiz assim, assim ó! – Desembainhou a katata e moveu
para os lados repetindo os movimentos do combate, tudo com uma alegria quase
infantil. – E depois fiz isso… E… – Mas sem querer acabou raspando o fio da espada
na parede ao lado, rasgando o poster do Marlon Brando perto de Thomas. – Ops, foi
mals…
Resolveu embainhar a arma antes que fizesse mais alguma burrada, pôs a espada
embaixo da capa de neon luminosa. Um novo carro estacionou à frente da hacker
abrindo as portas, a condução havia chegado e ela entrou no automóvel, ao se
acomodar no banco fez sinal da janela, chamando Liam e Thomas para que a
acompanhasse. Assim que entraram X-9 indicou o destino. – Para o Submundo, por
favor, o boss passará as coordenadas – Apontou para o banco de trás sem olhar
Liam. – Acho que vou tirar um cochilo até lá. – Puxou o capuz para baixo do rosto e
fechou os olhos, se acomodando de braços cruzados. Seria mais sábio se desfazer
da espada, mas como lembrança do duelo preferiu levar consigo.

Aleksey saiu da M.D.P com um sorriso vitorioso. Ileso, ele caminhou por ruas com
imensos anúncios eletrônicos e luzes brilhantes de todas as cores saltando aos
olhos sem parar. Mulheres holográficas repletas de sensualidade e curvas se
contorcem provocativamente para chamar a atenção, não sendo mais do que
garotas propagandas de marcas famosas. Era quase de manhã mas o sol ainda nem
pensava em dar as caras, a escuridão chuvosa ainda dominava soberana sobre a
atmosfera escura e carregada. Entretanto, por onde Aleksey perambulava a
arquitetura era tão apertada e claustrofóbica que protegia as ruas e calçadas da
garoa. Ele parou cerca de um quilômetro e meio depois da delegacia, ao lado de um
ponto de ônibus e um telefone público. Puxou para cima a manga do braço direito e
ali passou a frente do scanner da cabine o código de barra impresso na pele como
uma tatuagem. Ganhou o direito de fazer uma ligação de dois minutos, muito mais
tempo do que realmente precisava.

– Já estou na rua. – Falou Aleksey, para alguém no telefone.

– Muito bem, desta vez foi rápido. – Respondeu a voz do outro lado da linha.

– Foi, mas não se iluda, fui liberado sem assinar qualquer papelada ou pedido de
fiança. – Aleksey olhava para os lados, em vigília.

– Provavelmente implantaram algo em você, talvez um rastreador. – Avisou a voz


misteriosa.

– Foi o que pensei, mas procurei pelo corpo todo, não achei nada. Por dúvida joguei
fora os cigarros que Crovax me deu, apesar de que ele é esperto, não usaria um
truque tão óbvio, mas nunca se sabe… – Sua vigília era mantida.

– Esse pessoal tem métodos novos, sabe como é, a gente dá um passo e eles estão
sempre nos nossos calcanhares bufando em nossas nucas. Faça seu show e depois
retorne ao plano. – Não era uma ordem, não parecia ser um superior, mas sim
colegas.
– Certo. Mas vou continuar dançando conforme a música de Crovax, é legal e eu
gosto disso. – Sorriu largamente.

– Como quiser. – A pessoa do outro lado da linha desligou o telefone.

Aleksey fez o mesmo, caminhou até o ponto de ônibus, ali já haviam alguns
trabalhadores esperando a condução para iniciar a longa jornada de trabalho exigida
pelas megacorporações. Sem levantar suspeitas parou ao lado daquelas pessoas,
elas não desconfiaram apesar da notável desaprovação nos rostos ali presente,
entretanto isso se dava ao fato da aparência e das vestimentas maltrapilhas de
Aleksey. O russo olhou de volta para aquelas pessoas contando: “Um, dois, três,
quatro, cinco”. “Cinco pessoas, cinco pontos para meu ranking” e depois disso
ocorreu uma enorme explosão, engolindo todos com fogo e fúria. A força explosiva
fora tamanha que quase atingiu o ponto de ônibus seguinte, cerca de duas quadras
dali. Algo dessa proporção acontecer tão perto da delegacia não seria ignorado.

Aos que não aderiram a greve e estavam de plantão tiveram serviço em dobro.
Dentro do prédio acontecia uma correria enorme, gente para lá e pra cá com
documentos, ligações e muita preocupação. Apesar de Aleksey contar cinco
pessoas, o número de mortes foi bem maior uma vez que atingiu quase um
quarteirão inteiro. Em busca de Crovax, Rock abria porta e porta atrás do Tenente.
Quando já estava desistindo e pensando em enviar uma mensagem para seu
comunicador, Rock encontrou Clay por um dos corredores.

– Tenente! Perdemos o sinal de Aleksey bem onde e quando ocorreu a explosão.


Será que o filho da puta se suicidou? Mas como ele arranjou tantos explosivos em
pouco tempo? O que faremos? – Catar os pedaços das pessoas seria um bom
começo, mas guardou para si o pensamento.

De volta aos Submundo não havia nada de novo no esconderijo dos Steelhearts,
havia-se criado uma rotina, X-9 estava habituada e tratou de seguir para uma sala e
lá tentar desbloquear a senha da valise e tirando o fato de que Boris estava em outro
canto do QG sendo suturado tudo encontrava-se na devida normalidade. Normal até
o momento em que o motorista do carro revela ser Pollux, ele explica que se
aproveitou do fato de terem confundi-lo com um empregado de Tony Montana para
ter contato com a gangue e saber seu esconderijo. O jovem repórter contou sua
trajetória e o interesse em se aliar. Até então tudo bem, não era problema, por dia
dezenas de pessoas, a maioria homens jovens e desempregados mostravam
interesse em ingressar aos Steelhearts, mas a atmosfera ficou densa quando o
repórter revelou também que trabalhou no Canal 17 e foi empregado de Carmen
Telford. Olhares desconfiados pairaram sobre Pollux, até X-9 deixou de lado a
criptografia da valise para se virar ao jornalista. Por sorte Akane não estava presente
e Boris se encontrava sedado em uma sala, certamente eles teriam agido de forma
agressiva. O destino do novato ainda seria decidido, afinal era incontestável que
seus implantes oculares poderiam ser de grande valia já que continham
informações importantes. Liam continuaria a conversa com Pollux particularmente.
X-9 voltaria a trabalhar na senha da maleta. Naquele “escritório” com diversos
monitores e fios conectando computadores, Joe entrou para conversar com a
hacker.

– O que achou dessa história do jornalista? – Puxou uma cadeira e se sentou ao


lado da garota.

– Não sei… Muito suspeito… Ele pode ser um espião, mas pode ser só mais uma
vítima de Telford. Se tivesse de escolher, seria cuidadosa e ficaria com a primeira
hipótese. – Respondia sem olhar Joe, teclando o Kia em cima da mesa.

– Tem como você fuçar os implantes pra ver se ele ta falando a verdade? – Cruzou
os braços, sentado.

– Não é tão fácil assim, não é como operar uma máquina, o implante está
conectado a uma vida, eu sei mexer em sistemas, não pessoas. Esse tipo de
trabalho envolve um cirurgião que entende de sistemas, e a mim me falta o
conhecimento operatório. – Respondeu pausando o que fazia para acender um
cigarro.

– Mas se ele morrer nem vamos perder grande coisa. Nem conhecemos o cara… –
Resmungou.

– Não vou fuçar em alguém que pode ser inocente, e mesmo que não fosse, não
quero sangue sujando minhas mãos. Além do mais… Odeio operações… – Tragou o
cigarro e jogou a fumaça no ar,

– Hm… – Resmungou de novo, ainda de braços cruzados.

– Eu poderia ter implantes também, seria uma hacker bem melhor, tipo aqueles
caras que tem fios na cabeça e se conectam diretamente na rede da Lexis… Mas
tenho medo de entrar na faca… Só a ideia me faz suar frio e tremer. Então prefiro
ficar na moda antiga. – Soltou mais fumaça, Joe parecia não se interessar pelo
assunto e ficou calado de braços cruzados apenas ouvindo.

– OLHA, CONSEGUI ABRIR A MALETA! – Joe saltou da cadeira com a notícia.


– Vou chamar o chefe e os outros! – Saiu correndo.

Leon, Thomas, Liam, Joe e até Pollux - certamente o repórter já estava a par do
assunto devido a conversa com Liam - permaneceram à volta de X-9 mantendo a
expectativa do que tinha no interior da mala. O suspense terminou quando a hacker
com seus sentidos trementes levou as mãos nas bordas da maleta e a abriu toda de
uma só vez. Junto do suspense também foi toda a esperança, sua expressão mudou
de repente. Incrédula ela checou mais vezes só para encontrar o mesmo resultado.
As barras retangulares de plásticos estavam empilhadas conforme suas cores, azul,
lilás, vermelha, roxa, amarela, laranja, preta, marrom, cinza, rosa, branca e incolor,
cada tonalidade indicava um valor. Tratava de ser grandes quantias de Créditos
lavados pelas empresas e ações comerciais de K’dore. Em qualquer outro dia aquela
quantidade de dinheiro seria uma benção, mas hoje era uma maldição. Ela se ergueu
da cadeira com as mão nas têmporas não conseguindo explicar aos colegas o que
aquilo significava. Após dois copos de água com açúcar finalmente conseguiu.

– Era para ter uma papelada com informações, e não dinheiro! Isso não é bom…
Quer dizer que K’dore fechou negócio e não temos provas, essa grana toda é
digitalmente lavada, não deixa rastros na lexis, quando e assim, é muito difícil se,
não impossível, rastrear a origem do dinheiro. Não tem como a Carrie usar no
julgamento. MERDA! – Praguejou batendo a mão fechada na mesa e se retirando da
sala.

Faltando poucas horas para o prazo de Carrie a notícia caiu como uma bomba, X-9
com vergonha de si mesma se isolou no terraço, com vergonha e ficou ali por muito
tempo, suportando seu fracasso permaneceu apertando os braços frente ao corpo,
sentada na beirada do parapeito sobre a garoa o céu cinza e as luzes saturadas das
propagandas eletrônicas que perseguem qualquer um até mesmo no Submundo.
Encarando o plano sujo e decadente do bairro, agora Miraitropolis ia sofrer nas
garras de um homem sem regras ou escrúpulos e se já era ruim viver em uma
cidade como essa, as coisas iam piorar em todos os aspectos. Flertou com a altura
do terraço e não foi nem uma ou duas vezes que pensou jogar-se no abismo urbano
e acabar com aquilo antes mesmo de sofrer. Mas não era justo livrar-se do
tormento enquanto outros pagariam por seu erro, tinha que sofrer a punição como
todo mundo, não era diferente de ninguém ali, só mais culpada. A diferença entre o
dia e a noite era tão sutil que não percebeu ter remoído sua derrota há tanto tempo.
A única opção que restava era deixar o local. Armazenou uma mensagem no Kia, o
deixou sem senha para qualquer que se aproximasse ficasse a par de sua escolha.
Trocou de roupa, vestiu um gorro novo para sair na garoa. Assim que abriu a pesada
porta de ferro do esconderijo, Joe a chamou.

– X-9, onde você vai? – Joe estava a um metro de distância da porta e dela.
– Eu vou embora, K’dore venceu, acabou. – Virou-se para responder e logo foi
embora.

A realidade era diferente para Carmen Telford, que pareceu incomodada quando os
empregados relataram o episódio da fuga de Pollux, o que era muito estranho para
eles que já se consideravam homens desempregados. No entanto, nada disso
aconteceu e ela permaneceu de bom humor em sua mesa, organizando e assinando
papéis da sua posse. Na segunda hora da manhã K’dore adentrou seu escritório,
com as roupas esfarrapadas, molhadas e apresentando alguns ferimentos que ainda
sangravam. Carmen apenas baixou seus óculos e olhou Jaime com cara de
desaprovação.

– Tsc, tsc, tsc... Por favor, K’dore, você está sujando minha sala… Tome um banho, vá
se trocar, temos uma coletiva de imprensa daqui algumas horas, não quero passar
vergonha ao seu lado assim, isso não é maneira de um empresário se apresentar… –
Comentou irônica, mas sempre com o semblante de seriedade no rosto.

– Eu fui atacado, Carmen!

– Isso é ótimo, assim temos mais motivos para colocar seus androides nas ruas, me
lembre de incluir isso no discurso, sim? – Desdenhou, voltando a assinar os papéis.

– Ótimo? Eu quero essa gente morta! Está passando dos limites. Me traga também
a cabeça da programadora, ela sabe de tudo. – Apoiou-se na mesa diante Carmen.

– Está saindo tudo como planejado, acalme-se… – Não desviou o olhar dos papéis.

– Planejado? Primeiro esses arruaceiros tentam me matar, depois seu funcionário


foge e a minha ex programadora pode pôr tudo a perder se der com a língua entre os
dentes sobre a CP3, e ainda tem a promotora metida a justiceira! AH, ia me
esquecendo, temos o Rambo da S.W.A.T. que não aceita a greve policial. Pode me
explicar onde que está tudo sob controle? Porque eu não consigo ver. – Trincou os
dentes.

– Não tenho culpa se sua visão é pequena, K’dore, mas vou clarear sua mente.
Confie em mim, cada um desses terá seu desfecho essa noite ainda. – Ajeitou o
óculos na face, olhando para K’dore.

– Espero que sim, Carmen, eu não a coloquei à frente do gabinete da prefeitura para
me ferrar! – Jaime deu as costas, se retirando do escritório.
– Idiota… – Telford resmungou para si mesma, pegando seu comunicador a
esquerda da mesma, apertando o botão de voz.

– Façam a visita para a advogada. Depois sigam tudo como fora combinado.

Carrie foi abordada na saída de seu apartamento, cinco homens a esperavam no


corredor, a promotora não teve tempo de gritar, uma gargantilha de metal com
dígitos vermelhos fora colocada em seu pescoço e a voz não saiu, por mais que
tentasse. Em seguida um dos estranhos aplicou uma seringa na pele do braço
injetando um líquido verde derivado de um composto fraco de radiack que a fez
perder a consciência. Fora levada até um carro escuro à frente do condomínio Delta
e de lá seguiram para uma localização desconhecida. Essa foi a última vez que
Hiring fora vista. Ela tinha uma sessão marcada com o juiz do tribunal de
Miraitropolis, mas ela nunca chegou ao seu destino. Com a ausência de Carrie, o
juiz foi obrigado a encerrar o prazo do pedido que fez contra a posse de Telford. Era
estranha a ausência de Carrie, mas o juiz não teve outra opção. Cada vez mais o
indesejado estava prestes a ser concluído. Ao mesmo tempo X-9 finalmente
chegava ao seu bairro, duas quadras antes do seu prédio sempre nessa distância
passava a entrecortar os becos e vielas do bairro, tudo que pudesse caminhar a
mais e despistar um possível perseguidor. Ela seguiu com o plano com precisão
quase religiosa pelo antigo bairro conhecido como Vintage. Tinha esse nome por
manter quase que a arquitetura original clássica da antiga cidade antes das guerras.
Um oásis dentro da moderna Miraitropolis. Cumprindo seu ritual de segurança que
beirava a paranoia, X-9 parou a frente da calçada de seu prédio, que era um exemplo
de antiguidade frente a tecnologia, um depósito abandonado, onde apenas ela era a
inquilina. Não fazia isso por capricho ou intenção, na verdade o edifício estava
bastante decrépito e existia na fachada até mesmo uma placa com a data de
demolição, que por sinal já havia expirado. Essa era a única forma de ter uma casa
sem que precisasse pagar as altas taxas de aluguel ou sofrer com impostos
abusivos. Tudo aquilo também servia de esconderijo, e que não foi muito útil, pois o
clarão quase a cegou, ouviu um estrondo e a força da explosão a jogou no chão. O
epicentro vinha de uma coluna de detonadores colocados do primeiro ao último
andar. Toda a estrutura fora consumida pela selvageria de uma explosão bestial. Seu
apartamento foi pelos ares, o que sobrou estava sendo consumido pelas chamas.
Todo o pouco que possuía estava queimado junto do que um dia foi sua casa.
Jogada à margem da calçada suja, vendo sua casa virar um bola de fogo saída
diretamente do inferno, ela jurou nunca mais dizer “Esse dia não tem mais como
piorar”.

A chuva parava faltando um pouco mais de três horas para a posse de Telford, mas
sem ela o calor aumentava gradativamente estressando ainda mais o povo sofrido
de Miraitropolis. O clima incomum deixava as pessoas preocupadas, que
procuravam saber por meio dos noticiários o que era essa mudança tão brusca no
clima. Na hora do almoço e intervalo de expediente os cidadãos procuravam bares
para matar sua sede e também voltar-se as informações nos telejornais, todos
falavam do mesmo assunto. Especialistas discutiam as possíveis razões, poluição,
descaso ambiental, desequilíbrio ecológico, emissão de gases das indústrias, ou
uma fase do planeta, todas essas eram hipóteses, Susan Ortega noticiava tudo:

– A onda de calor vai persistir durante os dias seguintes, e o que os especialistas


dizem. Ainda não se sabe os motivos desse aumento de temperatura, no entanto
não existe razão para pânico… – Susan não tem tempo de concluir, seu diretor
entrava em contato com seu chip de escuta implantado no lado esquerdo da
têmpora, informando uma noticia de última hora.

– A bolsa de valores de Miraitropolis foi invadida, muitas pessoas estão sendo feitas
de refém! Ao que tudo indica parece ser o mesmo grupo que explodiu o Canal 17, a
Danceteria Nexus, uma boate em Nocturna e o atentado de hoje de manhã no ponto
de ônibus perto do Departamento de Polícia. As imagens direto do local mostram
viaturas da polícia isolando os arredores da bolsa de valores...

– Mas com a atual greve policial o Comissário confirmou que se quer algum homem
da lei foi deslocado para a região... Ninguém sabe o que está acontecendo... Os
únicos ainda operando é o esquadrão do Tenente Clay Crovax. Será que nossos
heróis da S.W.A.T. salvarão o dia mais uma vez?

A pergunta de Susan Ortega pairou no ar colocado um peso e "responsabilidade"


heroica que Crovax e seus homens não quisessem e nem precisavam. O telefone da
delegacia toca na central de polícia, onde apenas a S.W.A.T. se encontra no prédio
fazendo o plantão devido a greve. Bruce Brucker atende o telefonema, do outro lado
da linha Aleksey ordena que Brucker passe a ligação para seu Tenente e ele coloca
no viva voz para que o esquadrão possa ouvir o diálogo.

– Boa tarde, Tenente, aqui quem fala e Aleksey, mas pela voz você já deve saber. –
Pausou.

– Deve ter se preocupado, eu sumi depois da explosão, mas como sou um homem
de palavra estou cumprindo o que combinamos, como era mesmo?… Ahn… Meu
joguinho! Foi assim que denominou, não é? Rs. – Pausou e riu.

– Bom, vamos aos fatos, bolsa de valores no horário de pico, não sei quantas
pessoas tem aqui, mas e bastante gente. Empresários, homens de negócios, pais e
mães de famílias, filhos e filhas, irmãos, irmãs, tios, tias, sobrinhos, sobrinhas de
alguém e blá blá blá. Comovente não? Tem bombas espalhadas por todo prédio,
também roubamos… – Riu e se corrigiu em nítida zombaria.

– "Pegamos emprestado" algumas viaturas da guarda policial para isolar a área,


sabe, não queremos que mais gente além desses lagartos negociantes se
machuquem. A coisa é muito simples, vocês vem, desarmam as bombas, nos
prendem e salvam dia, já estão acostumados com isso. Hehe. Mas o que você não
sabe é que também do lado oposto ao centro financeiro, exatamente no Submundo
existe um prédio abandonado cheio de moradores de rua com a mesma quantidade
de bombas que o pessoal aqui da bolsa de valores. Porque ser desonesto com os
menos favorecidos não é mesmo? Está vendo como sou democrático? O endereço é
na Avenida Armitage esquina com a quinta avenida do Submundo, edifício 33. -
Pausou mais uma vez, e o que prevaleceu foi o sons de teclas sendo digitadas.

– Estou enviando aos arquivos da M.T.D.P. a foto do local do prédio do Submundo,


para se familiarizarem. Acho que todos conhecem a bolsa de valores, fica em All
Street, acho que não é necessário enviar uma imagem do local também... Mais uma
coisinha, sei que no time tem um excelente hacker, mas não percam tempo tentando
rastrear o envio dos arquivos, vai ser em vão, não acharam nada e tempo é precioso.
– Respirando fundo, Aleksey continuou

– Legal, eu sei que isso animou seu dia, animou o meu também então é o seguinte,
sua equipe vai ter de escolher qual dos prédios vai salvar. Do centro financeiro ou do
Submundo, engravatados vs mendigos, o duelo do século! Só pode escolher um. Vou
facilitar as coisas pra vocês seus rapazes, escolham o prédio, nem precisa desarmar
as bombas, basta estar presente no local, tem minha garantia que não vou
acioná-las. Porém… Infelizmente o outro será implodido, triste, mas todo mundo
precisa de uma manchinha no curriculum. - Limpou a garganta como se tivesse algo
de muito importante para falar e prosseguiu.

– Regra número dois, como eu sei que sua equipe é bem grande não vale dividir o
time em dois e deslocar cada um para um ponto da cidade, isso é trapaça e eu odeio
trapaceiros, se optar por essa escolha idiota vou mandar ambos pra o inferno,
entendido? Estou monitorando pelas câmeras da cidade cada passo do seu
esquadrão. Que o jogo comece, pense bem na escolha, você tem meia hora para
discutir com seu time qual dos cantos vão escolher. Depois de 30 minutos tem mais
meia hora para chegar ao local que optou. TIC TAC, TIC, TAC. Já falei demais, vamos
colocar um pouco de ação nisso, Tenente! Boa sorte! Se for um bom menino e
seguir as regras direitinho como prêmio eu digo como explodi o ponto de ônibus e
ainda estou aqui falando com você. Posso também ser mais legal e responder
qualquer pergunta que quiser, mas só uma, ahahaha. – A ligação foi encerrada.
Parece que o Submundo iria ficar pequeno, enquanto os Steelhearts lidavam com a
saída de X-9 algo estranho aconteceu com Pollux, desprendendo um grito gutural o
jornalista tombou no chão, se contorcendo como que tendo espasmos. Seus
músculos se retorceram e a visão era bizarra, se não macabra, ele também passou
a babar, desprendendo dos lábios uma espuma branca grossa, suas íris sumiram e
os globos oculares ficaram totalmente brancos. Se os presentes ali acreditavam no
sobrenatural poderiam julgar que Pollux estava sendo possuído por alguma
entidade, e de alguma forma, realmente estava sofrendo de uma possessão. Mas
diferente de causas sobrenaturais tudo era explicado de maneira científica e bem
tecnológica que logo seria revelada. Rapidamente ele se colocaria em pé novamente
como se nada tivesse acontecido, ajeitou a roupa e emitiu um timbre de voz bem
diferente.

– Eu sabia que podia contar com esse idiota do Pollux para alguma coisa. Ele me
levou direto ao esconderijo de vocês e nem suspeitou. Ou será que realmente
acharam que ele chegou até aqui por mérito pessoal? – Era uma voz feminina, não
jovem.

– Finalmente estou olhando para o rosto dos infelizes que vandalizaram o Canal 17,
sou Carmen Telford. – A voz estava um pouco diferente, mas era Carmen, ela podia
ver por de trás dos olhos de Pollux o rosto de cada um e como era o esconderijo da
gangue.

– Mas enganam-se quando pensam que me enfraqueceram, cortaram apenas uma


das cabeças, mas eu ainda possuo várias, toda a mídia pertence aos Telfords, todas
as emissoras que vocês assistem diariamente são minhas. Ou não desconfiaram
que todos os canais estão associando vocês a coisas ruins que estão acontecendo?
A danceteria Nexus e o atentado ao ponto de ônibus de hoje de manhã? Farei que
virem inimigos públicos número um de Miraitropolis. – Brandou fechando a mão,
Pollux apesar de consciente perdia o controle do corpo e a mando de Carmen
desveria um soco em Liam, quebrando seu nariz e sangrando.

– Não culpem o novo amigo, o coitado deve ter contado que possui implantes que
eu financiei. Graças a isso meus engenheiros de biotecnologia conseguiram rastrear
cada passo, agora vejo por seus olhos. Bastou apenas hackear os seus olhos
cibernéticos – Telford arrumava a postura de Pollux que não podia fazer nada para
impedir os comandos do sistema.

– Saibam que me deram muito prejuízo. É hora de retribuir o favor! – Um estrondo


muito alto e violento ouviu-se na parte frontal do esconderijo, tudo estremeceu como
um terremoto, a porta de ferro da frente foi colocada abaixo por um tiro de bazuca,
erguendo poeira no ambiente, jogou todos ao chão também. A mando de Carmen, O
jovem jornalista limpava as roupas, voltando a falar em pé.

– Tenho uma proposta, se me entregarem a programadora de K’dore eu poupo o


muquifo sujo de vocês e dou um dia a mais para se arrependerem de ter me
enfrentado. E se caso não colaborarem acontecerá isso… – Outro disparo infernal foi
feito, colocando abaixo toda a fachada da frente do esconderijo, as paredes
racharam e abriu um rasgo no chão, canos de água e romperam alagando, porém
abriu acesso a uma galeria de túneis subterrâneos que davam acesso a estações
abandonadas do metrô a muito tempo.

– Mas se preferirem enfrentar a frota de robôs e drones operando tanques de guerra,


fiquem a vontade, irei me divertir do mesmo jeito. – Um terceiro disparo foi lançado,
agora balançando a fundação do QG, muito maquinário e objetos antigos foram
destruídos, alguns pilares caíram e a poeira de concreto levantou uma cortina
branca mais grossa que a anterior e prejudicial a respiração.

– Qual vai ser a resposta de vocês, vão me entregar a programadora? Por ora vou
devolver o novo amiguinho de vocês. – Carmen desligou o sistema de conexão dos
olhos do jornalista e ele caiu exausto no chão voltando a ter controle sobre o corpo.
Os Steelhearts tinham a decisão mais importante de suas vidas. Unirem-se a
Carmen e entregar X-9, lutar ou seguir pelo misterioso e desconhecido labirinto
subterrâneo aberto aos seus pés.

Recomendações e detalhes.

Crovax tem que escolher qual dos grupos vai salvar.

Steelhearts (Thomas, Liam, Leon e Pollux, junto dos demais npcs incluindo Yami,
Joe e Boris e os sem nomes que preenchem a gangue) também precisam optar por
algumas alternativas. Se devem lutar ou fugir. Lembrando que se decidirem. lutarem,
correm o risco de terem de enfrentar um exército quase infinito de androides super
preparados para guerra e guiadas por Telford. Pode ser um blefe da Dama de Prata?
pode sim, mas pensem se vale a pena o risco de tirar essa resposta a limpo. Se
fugirem terão de se aventurar por túneis subterrâneos desconhecidos. Existe a
opção de convocar pelos comunicadores Akane que está com Tony em sua mansão.
Também podem obedecer a ordem de Carmen chamando X-9 e a entregar para
Telford.

X-9 e Akane só postam nessa rodada se forem convocadas. (Ou se quiserem)


Aron ainda está na U.T.I.

Liam

Tudo parecia ter dado certo, a Geisha havia sido soterrada por uma loja, após ser
atingida por inúmeros ataques. Porém ela era dura na queda, levantava dos
escombros, por um momento ergui minha pistola e apontei na direção dela, mas
logo notei que não precisaria usá-la, a assassina caia no chão de joelhos e aos
poucos a vida se esvai do seu corpo. Joe se aproximou, verificando e certificou-se
que ela estava morta. Com aquele momento de calmaria, Yami se ergueu do JetFly
resmungando como de costume, eu estava tão de saco cheio que simplesmente
ignorei ele, os outros o ajudaram a levantar, tudo parecia que iria ficar bem.

Um carro de luxo parou do outro lado da rua, e adivinhe quem saiu de dentro? O
mafioso mais exibido de toda Miraitropoles, idiota Montana, ele saiu do carro e
chamou Akane, que foi com ele para o carro, antes de entrar ele deixou avisado que
outro carro viria buscar o resto de nós. X-9 ao presenciar aquela situação fez piada
da ruiva, devo admitir que achei engraçado e quase esbocei um sorriso, não sei o
que era, mas aquela hacker tinha um poder especial, ela conseguia manter as
mentes do nosso grupo de malucos sã.

Joe então voltou a agir, ele decidiu que não iria esperar por carona nenhuma, eu
apenas concordei. Então ele arrombou um carro que estava parado na rua, fora da
destruição e colocou Yami, Boris e Leon dentro. X-9 então veio na minha direção,
perguntando toda sem jeito se eu estava bem, apenas me sentei na calçada olhando
para chamas e a respondi.

– Última coisa que eu estou é bem, obrigado pela preocupação.

Ela então foi até Thomas, eu apenas fiquei sentado encarando o fogo e a destruição.
Tudo que eu desejava naquela momento era explodir todos eles, a Dama de Prata,
K’dore, Triade, Yakuza e o maldito Tony Montana. Então o carona do Montana
chegou, entramos para dentro do carro, X-9 deixou entendido que eu falaria o
endereço, mas apenas disse.

– 302/20, submundo.
Relaxei minhas costas sobre o banco do carro, tentava resistir a dor dos ferimentos
em minhas costas, mas estava difícil. Apenas tentei relaxar, enquanto o carro se
dirigia até meu quartel general.

Tive minhas costas costuradas por Millo, ele foi um médico do exército na guerra,
agora era o médico da gangue. O motorista do carro se revelou outra pessoa,
alguém que possuía informações importantes, alguém que gostaria de se juntar ao
grupo naquela cruzada suicida contra a elite de Miraitropoles. O problema foi
apenas um, o desgraçado trabalhou no Canal 17, nesse momento todo mundo na
sala voltou sua atenção para ele.

– Tá tudo bem, apenas voltem aos seus afazeres, eu cuido disso.

Sozinho com o repórter, coloquei as cartas sobre a mesa, não precisava ser
agressivo para passar a mensagem que eu queria passar, apenas precisava das
palavras certas.

– Você tem uma única chance de ficar vivo aqui, para isso terá que provar que o que
fala é verdade, converse com a hacker, ela encontrará uma forma de tirar as
informações que você possui do seu implante. Caso esteja mentindo ou se recuse,
eu mesmo apertarei o gatilho, estamos entendidos?
Eu realmente esperava que ele cooperasse, pois ele seria uma ferramenta valiosa na
nossa cruzada. Joe então chamou todo mundo para sala onde X-9 estava operando,
para a felicidade de todos, ela tinha conseguido abrir a maleta. Entrei na sala junto
com Pollux e os outros, porém o conteúdo da maleta decepcionava todos nós, não
havia documentos ou qualquer prova que poderia ser usada contra K’dore, havia
apenas uma quantidade grande de créditos na maleta, dinheiro virtual que não
poderia ser rastreado, basicamente passamos pelo inferno por nada.

Após aquela descoberta, todo mundo saiu decepcionado, sem qualquer esperança
ou plano. Simplesmente aceitamos, não podíamos lutar contra eles, pelo menos não
agora. Precisamos colocar a cabeça no lugar, fui para meu escritório, onde peguei
uma garrafa de Scotch, colocando o uísque em um copo quadrado. Deixei a garrafa
e o copo sobre a mesa, levei minhas mãos até meu queixo, precisava colocar as
ideias no lugar e decidi qual seria o próximo passo.

Porém Joe interrompeu minha linha de pensamento, ele entrava vestindo sua
cabeça regata, que deixava seus braços tatuados a mostra, falando de forma
preocupada.

– Chefe, a X-9 acabou de ir embora, pelo visto ela desistiu de tudo.


Ao escutá-lo, virei a dose de uísque na boca e me levantei, caminhando na direção
dele.

– Chame todos para o pátio, tenho algo a dizer.

odos estavam lá esperando pelas minhas palavras, eu estava com um curativo na


minha testa, vestindo uma camisa preta e calça jeans com sapatos comuns.
Quando me preparei para falar, Pollux começou a entrar numa espécie de overdose,
caindo no chão com os olhos completamente brancos e a boca espumando. A
maioria se afastou, abrindo uma espécie de círculo em volta dele, eu caminhei para
o meio do círculo, na tentativa de ajudá-lo ou ao menos saber o que estava
acontecendo.

– Que merda é essa?

Falei, Joe estava ao meu lado, quando avançamos para tentar ajudá-lo, o jornalista
se levantou e uma voz totalmente diferente saiu da sua boca. Para surpresa de
todos presentes ali, era a Dama de Prata que estava falando agora, ela zombava,
ameaçava e até mesmo contava parte dos seus planos. Me mantive parado, apenas
prestando atenção, tentando buscar no meio daquelas palavras algo que pudesse
nos colocar à frente da desgraçada. Foi quando Pollux deu um longo passo para
frente, seguido de um soco contra minha face, um pequeno corte no meu lábio
inferior direito foi o resultado do soco, seguido de um fio de sangue, que eu limpei
com a parte de trás da minha mão. No mesmo instante Joe e outros membros da
gangue avançaram contra Pollux, imobilizando-o.

Seguido disso uma explosão aconteceu, jogando a porta de ferro do QG no chão, o


impacto fazia o mesmo com a maioria de nós, inclusive comigo, Joe e o outro
companheiro que segurava Pollux. O jornalista que agora era uma marionete se
levantou ajudando as roupas, fiz o mesmo, então a maldita Telford voltava a falar.

Ela queria a X-9, se não entregássemos ele prometia matar todos nós, eu precisava
pensar rápido, a vida de todo mundo presente no QG e da própria X-9 estava nas
minhas mãos naquele momento. Uma nova explosão aconteceu, dessa vez
derrubando toda parede frontal, o impacto da explosão destruiu parte do solo, que
além de expor canos de água e fios de energia, abria uma passagem para galeria de
túneis que passava por baixo do QG, estes que pertenciam a antiga estação de
metro.

No chão novamente, tentei levantar minha mão em sinal para que ela parecesse as
explosões, mas não adiantou, ela voltou a falar e uma nova explosão aconteceu.
Dessa vez todo o piso do edifício foi comprometido, maquinários que usávamos
para construir nossas armas foram destruídos. Pollux caia no chão a princípio o
controle tinha sido desligado, Joe levantou puto retirando sua glock na cintura e
apontando para o jornalista.

– Vou matar esse desgraçado, olha o que esse filho causou.

Me levantei ainda tonto devido às explosões, todo mundo que estava presente no
QG estava abalado pelas explosões, alguns até mesmo inconscientes e feridos.
Todas aquelas pessoas estavam nas minhas mãos, a vida delas dependia apenas da
minha decisão, mas não poderia simplesmente entregar X-9 de bandeja para aquela
serpente de prata, apesar do pouco tempo que partilhamos, eu gostava dela de uma
forma especial, não sei explicar, mas a maldita hacker tinha me cativado.

– Abaixa essa arma Joe, ele é tão vítima quanto o resto de nós.

Nervoso, Joe abaixou a pistola e deu alguns passos para trás, eu apenas respirei
fundo e olhei novamente em volta. Do lado de fora do terreno do prédio, estava
alguns soldados da Telford, não conseguia saber quantos, pois a poeira bloqueava
minha visão. Tinha inúmeros companheiros feridos, inclusive Boris, Yami e Leon, se
tentasse fugir ou reagir seria em vão. Então falei em alto e bom som.

– Entregarei a hacker, farei a ligação para ela agora mesmo.

Levei a pulseira comunicadora próxima a boca, passei o dedo indicador direito sobre
a pequena tela da pulseira, antes que a pessoa do outro lado da linha falasse
alguma coisa, comecei a falar sem parar.

– Preciso que venha aqui o mais rápido possível, traga todos os seus equipamentos,
algo novo e grave surgiu.

Desliguei a ligação e apenas fiquei parado ali, os soldados dela provavelmente já


tinham avisado que eu entregaria X-9, então ganharíamos um pouco de tempo até
Tony e seu pessoal chegarem. Sim, Tony e seu pessoal, eu não havia ligado para X-9,
mas sim para o mafioso falastrão. Minha esperança era que ele não fosse tão burro
e entendesse o recado e manda-se seus capangas para acabar com os homens da
Dama de Prata. Aquela era a única jogada que eu tinha naquele momento, estava
apostando todas minhas fichas na segunda pessoa que mais desprezo no mundo,
Tony Montana.
Claire Falcon

Era de noite, uns dias depois da morte do prefeito de Mirai, estava mais nervosa do
que nunca. Era o aniversário do meu irmão, Iam Falcon e não podia disfarçar o luto e
a saudade que sentia por ele. Aqui sozinha numa sala iluminada apenas por
luminárias de led ao lado do sofá e esparramada neste a olhar para o teto. Vestindo
um pijama com flores estampadas por todo o tecido cinza e com um saquinho de
gomas do lado. Aquela casa já foi dele e fora covardemente demolida antes de eu
mesma começar a reforma. Nem o piano que foi da nossa mãe sobreviveu a
destruição.

Com o distrito policial em greve, as investigações pararam de vez e eu só tinha


pedidos menores e pessoais, onde o cliente pagava muito caro. Toda a nação estava
um caos, mais ainda depois do atentado terrorista ao canal 17. Eu tinha de me
manter informada constantemente e não aparentar a minha preocupação a respeito
de Carrie e seus esforços para impedir legalmente a posse da Dama de Prata e
também da mulher que mais tive contato no canal, Callídora e até mesmo seu
colega Pollux. Mas hoje, meus pensamentos foram monopolizados pelo meu irmão.

Tudo acerca de sua morte estava em minhas mãos, numa pasta cheia de relatórios,
provas, fotos e tudo mais ligado ao caso. O assassino era obviamente o sujeito que
foi morto de uma forma suja e violenta, simplesmente sua garganta fora aberta por
uma faca bem afiada. Era nítido a fúria do assassino no perímetro do corpo, algo
mais pessoal e vingativo e não um simples ato de satisfação própria. Já Ian foi
baleado no coração e a queima roupa. O caso até estava suficientemente resolvido,
mas até hoje a terceira pessoa não foi encontrada. Fiquei muito tempo sem vê-lo e
não poderia sequer supor algum suspeito. E por fim veio o mandato de demolição.
Outro mistério, pois não encontrei nenhum documento a respeito desta ordem, nada.

Odiava me sentir perdida e sem nenhum ponto para seguir e resolver o dilema.
Muitos me perguntavam o porquê desta minha obsessão, principalmente que nos
últimos anos não tinha contato com ele e era justamente essa grande parte do
motivo. Queria abraçá-lo e dormir junto dele como antigamente. Ele foi meu irmão e
meu pai ao mesmo tempo. Tudo que sei, tudo que construí por por causa de sua
assistência, cumplicidade e ensinamentos. Até a morte de nossa mãe. Ele mudou e
sumiu. Anos depois fiquei sabendo de sua empresa enquanto eu estudava para
seguir minha profissão. Era algo solitário e profundo, onde não aceitava o desfecho.
Por isso, encontrar o terceiro elemento era importante.
Decidida a deixar o desânimo de lado, saí do sofá e fui no meu quarto pegar meu
instrumento musical favorito. Era uma flauta transversal que ganhei dos meus pais
no meu aniversário de cinco anos. Meu irmão, no seu, ganhou um violino. Com isso,
nos aperfeiçoamos nos nossos respectivos instrumentos sob os ensinamentos da
nossa mãe que era professora. Comecei limpando a flauta, permitindo minha mente
a vagar apenas ao redor da música e escolher uma para tocar em homenagem a
minha família. Na sala de estar novamente comecei a tocar uma melodia calma, a
primeira que peguei para tocar na infância. O nome da música era Kiss the Rain.

Eu me sentia muito bem quando tocava com todos os meus sentimentos, como num
desabafo. Era mais eficiente do que várias terapias com psicólogos, na minha
opinião. Fiquei tão animada que a toquei novamente. Era a minha favorita e me
enchia de boas lembranças da minha infância. Me entreguei a flauta e ela me
presenteou com uma melodia linda que eu mesma controlava. Mais lindo que um
piano ou violino eu diria. Depois da minha solitária apresentação fui tomar um banho
e depois preparar um jantar para enfim terminar a noite com um livro de romance
que estava para terminar.

No dia seguinte acordei cedo, fui correr e fazer exercício. Não temia o perigo das
ruas pela manhã e era uma rotina que não queria quebrar. Claro que carregava uma
armas escondidas nas roupas para alguma eventualidade. Tinha combinado com
minha melhor amiga e sócia, Carrie Hiring almoçar um pouco antes dela se reunir
com o juiz a respeito da posse de Carmem Telford ou Dama de Prata, como todos a
nomeiam. Moramos no mesmo bairro e mesmo assim não somos tão vizinhas, ela
morava num condomínio chamado Delta. E por mencionar isso, eu tinha a cópia da
chave da sua casa.

Algo chamou minha atenção ao parar em frente ao prédio de Carrie. Estava tudo
muito quieto para o horário. Não que ela era bagunceira ou barulhenta, mas algo me
dizia que estava errado. Algo no ar estava diferente e até chamaria isso de loucura,
mas... Era o instinto de policial falando, sim, aquele instinto que todos pensam ser
uma simples mentira ou aquele palpite muitas vezes certeiro. Meu coração bateu
mais forte ao chegar no corredor referente ao seu apartamento. A porta estava
aberta, o que me provocava ideias muito ruins. Imediatamente comecei a procurar
sinais de arrombamento, o que não aconteceu.

Já estava imaginando que poderiam ter esperado até ela sair para pegá-la de
surpresa. Vasculhei atentamente o chão e encontrei algo que fez emergir na minha
mente um grito de urgência. Era um broche simples de um dragão vermelho dentro
de uma moldura oval preta e atrás estava gravado as seguintes palavras: poder e
elegância. Para qualquer um era um simples broche de adolescente para guardar de
lembrança, mas para mim significava perigo. Risco de vida.
Era nosso sinal mútuo. Eu também tinha um e deixá-lo para trás significava que
corria risco de vida.

Meu coração gelou ao encarar o broche caído pelo corredor. Corri para a sala de
segurança do condomínio e usei minha influência policial para acessar as câmeras
de segurança do prédio. O encarregado só concordou quando fui obrigada a
praticamente esfregar meu distintivo especial na cara dele. Não demorou muito para
conseguir as cenas e me deparei com um grupo de cinco homens bem organizados.
Evitavam perfeitamente a câmera para não ter o rosto revelado. Mandei essas
gravações, inclusive do portão do condomínio para meu comunicador de pulso e
corri para a UAC e convocar minha equipe para analisar os fatos e começar a caçar
esses homens. Começando pelo carro que eles usavam na esperança de conseguir
a placa do veículo.

O tempo era precioso e não podia ser gasto com bobagens.

Leon

O cansaço me atingiu de uma forma que encontrei dificuldade em me levantar. Dado


um tempinho para me acalmar, pude voltar a forma humana gemendo baixo de dor.
Tinha ciência dos cortes sangrando nas minhas costas e que tinha se agravado
mais ainda ao correr daquela forma, ao fazer tudo que fiz. Aceitei de bom grado o
insulto de Akane ao me chamar de príncipe idiota. Até sorri com certa dificuldade,
pois eu era o protetor das mulheres. Meu único pesar foi ter perdido a cabeça e ter
ferido uma nesta noite.

Ignorei a breve chegada do grande Montana preocupado com a minha situação. Não
aguentei ficar ali deitado naquele asfalto sujo e me levantei suprimindo gemidos de
dor. Contive também o impulso de arrancar minha camisa para ela não grudar mais
na ferida aberta. Só me restava ficar na espera, até quando Joe resolveu levar seu
amigo para o hospital simplesmente roubando um carro estacionado ali perto.

– Sim, agradeço. – falei formalmente enquanto me aproximava deles.

Não pude deixar de rir com as demonstrações da bela hacker com seu deboche
contra o insulto da ruiva, essas duas se odiavam mesmo. Essa distração me
permitiu acalmar um pouco e pensar no que faria a seguir, enquanto me acomodava
no carro. Tentei ficar o mais ereto possível sem encostar minhas costas no assento
macio do banco traseiro. Chegamos no hospital pouco tempo depois e o
atendimento foi rápido para nós três. Tive meus ferimentos limpos e desinfetados,
alguns pontos cauterizados e por fim ganhei vários pontos e faixas de gaze foram
enroladas em todo meu peito.

Quando chegamos ao prédio dos Steelhearts, eu só pensei em dormir numa cama.


Mas uma trama perigosa me aguardava com o surgimento de um homem que
sobreviveu ao canal 17. De imediato fiquei surpreso e não me importei se era
suspeito ou não, afinal eu não comandava aquilo tudo. Para falar sério não tinha
paciência de ficar ali perto deles e dei as costas mais uma vez. Passei por Joe e o
toquei amigavelmente em seu ombro.

– Obrigado. Vou caminhar um pouco. – foi a única coisa que achei necessário
dizer-lhe.

Apesar de tudo, eu ainda era aquele homem sonhador que buscava justiça para
todos. Esse homem apenas estava acorrentado dentro de mim e suas correntes
eram negras como as listras presentes na pelagem de um tigre siberiano. Não era
mais confiável e agora era um assassino também. E por mais estranho que pareça,
eu gosto do meu ser atual. Aprendi a viver como sou agora. Com isso em mente
andei pelos quarteirões com a garganta seca pedindo por algum líquido. Meu
estômago também reclamava. Parei numa lanchonete de calçada mesmo e comprei
uma mini pizza com muito recheio e refrigerante para beber.

Nem pude terminar de comer que recebi uma ligação. De início pensei ser Liam
reclamando da minha ausência, por mais improvável que seja. E me surpreendi com
a palavra restrito no visor digital da minha pulseira comunicadora. Esta era a minha
mesmo e não a emprestada pelo mafioso. Esperei a ligação cair e voltei a comer
para depois ser surpreendido pela insistência. Resolvi atender de vez essa ligação
com mau humor.

– Você é Leon Reine, o amante libertino que todos falam? – ouvi uma voz grossa e
impaciente.

– Sim. O que quer de mim? Espero que seja algo interessante. – o cortei sem
paciência e carrancudo, mas que por dentro estava satisfeito ao ouvir o cara se
referir ao meu apelido que construí com muito suor.

– Investiguei você por garantia e preciso que contenha uma certa mulher que está
conosco. Sei muito bem que é tão bom em calar uma mulher como os adestradores
conseguem educar seus animais… Ela é um tanto difícil e não podemos machucá-la
no momento. – a impaciência deu lugar a uma entonação mais calma e controlada.
– Suponho que ela seja importante para algo e até sua serventia ser necessidade
não podem tocá-la… Sei onde quer chegar. Mas quero ouvir algo mais interessante…
Quanto vai me oferecer este serviço? – Tinha que manter minha postura autoritária.

– Você receberá 100.000 créditos para colocar essa mulher na linha. E quanto
menos saber dos esquemas, melhor para você – A ameaça veio muito bem
disfarçada e bem formal.

– Me passe o endereço, só irei terminar de comer. – Desliguei rapidamente fazendo


uma careta de desgosto.

Odiava fazer esses tipos de serviços. Não entendo do porque necessitarem de mim
para manter uma mulher calada. Isso me permitiu deduzir que ela era alguém
importante e bem difícil de lidar. E sabe porque aceitei? Eu precisava me afastar
dessa trama do governo um pouco e fazer da mulher uma companheira de sono. Se
conseguir até. Não podia ir com minha moto, estava escondida perto do prédio do
bando que estava e talvez eles me forçam a ficar. Decidi então ir de táxi.

O endereço me enviado me levou a um bairro mediano, nem tão porcaria e nem tão
luxuoso assim. Ainda um pouco perigoso na minha opinião. Meu corpo ainda doía e
eu permaneci quieto e pensativo. O motorista nem se arriscou a tentar conversar
comigo e agradeci por isso. Sim, ainda chocado por ter ferido uma mulher, mais
ainda, por uns momentos me deixar levar pela fúria selvagem que passei muitos
anos aprendendo a controlar. Estava infeliz e insatisfeito com esse desfecho.

O cativeiro da mulher sequestrada era uma casa aparentemente abandonada por


fora e quando cheguei mais perto tive a impressão de ser uma moldura holográfica
para deixar a residência assim mesmo, abandonada e tenebrosa. Ao bater na porta e
falar uma senha que me mandaram junto com o endereço, a porta se abriu. Entrei e
encontrei muitos homens usando máscaras de animais. Sorri perante a minha ironia,
afinal eu não precisava deste artifício.

– Por aqui. – um deles se aproximou e me guiou por um corredor até o último


cômodo.

Não falei nada, pois eu vi uma enorme gaiola no meio do quarto. Uma mulher com
uma máscara de ferro acorrentada nesta prisão de ferro. E se pensam que ela
estava sentadinha chorando e perguntando o motivo de tudo aquilo, enganam-se.
Ela xingava um pouco e tentava com uma cadeira de madeira romper a porta da
gaiola e a ouvi gritar não por ajuda e sim para soltá-la. A preocupação deles era mais
por causa dos vizinhos que poderiam ouvir a confusão. Me aproximei da gaiola e me
sentei ao lado da porta trancada.
– Não adianta, não vai quebrar. Vai precisar de uma ajuda externa para sair. Quer se
acalmar e conversar? – falei com calma e numa entonação mais sedutora.

– E mandaram você me fazer calar a boca? Bando de covardes. – ironizou era bem
mais zangada que imaginei.

– Sim, parece isso, mas entenda que é temporário. Ficarei aqui por uma noite pelo
que entendi. Eles estão te negociando com alguém, isso é nítido. – falei ainda calmo
e sugestivo.

– Ah sim, e eles acham que mandar um homem bonito vai me fazer calar a boca?
Ridículo. – despejou ela com mais fúria.

– Concordo, mas creio que é por outro motivo. E não vai querer ver este, pois não
estou num bom estado para me controlar. – senti minha visão se embaçando e
poderia ser que os meus olhos ficaram amarelados, os olhos do tigre que me
transformo – Sugiro que fique quieta e não me force a recorrer ao recurso, pois não
estou numa vibe boa. – realmente não sei como souberam da minha mutação.

Não precisava ser muito inteligente para deduzir tudo isso, até mesmo a mulher se
mostrava tão quanto eu. Esses homens pareciam inofensivos, mas eram perigosos.
Meu instinto me dizia isso. Ou pior, o mandante que era o pior neste esquema.
Poderia ser alguém bem influente até mesmo para descobrir segredos meus. Afinal
somente as minhas vítimas (mortas) e os que estavam comigo até então sabiam do
que sou. Do monstro que sou. Um ou outro que passou por mim também souberam,
mas não sairia falando por vontade própria, pois tinham medo de morrer e deixei
bem claro minha condição.

Percebi que a mulher ficou quieta depois do que falei, não sei o que houve com ela
ou se minha entonação despertou algum medo, mas funcionou. Fiquei quieto
também me sentindo tão refém quanto ela. Me concentrei nas vozes na sala. Queria
pistas. Juntar este quebra cabeça para tomar uma decisão: salvar a mulher dos
sequestradores ou fingir que nunca estive por ali assim que me pagarem pelo tempo
perdido. Talvez eles quisessem que eu a mate para alegarem ataque por algum
animal feroz. E digamos que neste mundo atual, tais animais estão escassos. A
maioria são feitos em laboratório.

– O que faremos com essa mulher chefe? – perguntou alguém ansioso – Ao


amanhecer? Certeza? Bem, ela está calma agora. Aposto que está tremendo de
medo com o monstro que colocamos para domá-la. – continuou ele e eu caí num
breve sono.
Deveria ter dormido por mais ou menos uma hora, pois ainda nem tinha saído os
primeiros raios solares do dia. Tudo estava na mesma. A refém dormia dentro da
sua cela e eu praticamente do lado dela, praticamente com as grades de ferro nos
separando. Não sabia quem era ou sua aparência pela parte do rosto e cabelos, mas
tinha um belo corpo. Não olhei muito para não imaginar perversões e esperei. Uma
notificação da minha pulseira comunicadora me alertou de um depósito feito na
minha conta e eu soube que era minha deixa.

Era hora de decidir o que fazer a seguir.

Crovax

M.T.P.D - Algum tempo após liberar Aleksey...

Sabe, quando a cidade está um caos, não dá para sair pra dar uma mijada, que uma
merda nova acontecia. Eu estava voltando do banheiro, andando pelos corredores,
fechando o zíper, quando Rock me abordou, diferente de sua postura normal, ele
parecia alardeado, algo que raramente eu conseguia ver nele.

– Tenente! Perdemos o sinal de Aleksey bem onde e quando ocorreu a explosão.


Será que o filho da puta se suicidou? Mas como ele arranjou tantos explosivos em
pouco tempo? O que faremos?

– Calma. Uma coisa de cada vez. Quem é Aleksey? – Foi minha primeira pergunta.

– É o sujeito que acabamos de liberar.

– Ah sim, o terrorista. Não creio que ele se suicidou. Afinal, o que diabos Sifer e os
outros estão fazendo? Eu não mandei ficar de olho nele? Não disse que qualquer
esboço de movimento suspeito, era para apagar o infeliz? Estão me ignorando a
essa altura do campeonato? Tsc. – Apesar das reclamações serem em forma de
perguntas, eu não esperava uma resposta de Rock, não era exatamente para ele as
perguntas.

Seguindo adiante a passos rápidos, fui até a sala onde todos estavam reunidos.
Como éramos o último time ali presente, uma espécie de sala operacional foi
improvisada, nela alguns projetores holográficos, mapa da cidade também em
holograma e algumas outras coisas, foram colocadas no centro da sala Sifer tinha
trazido todo o equipamento de informática necessário. Tinha muita coisa
acontecendo, ficar indo de sala em sala pra resolver tudo era inviável, logo uma sala
de operações era a melhor ideia que tivemos naquele momento. Sifer mantinha-se
atento e no controle de todas as câmeras da cidade, rapidamente ele cobria as
mesmas com Firewalls e outras formas de proteção, já que naquele momento ela
vinha sendo a nossa única forma de ver o que acontecia em vários pontos da cidade
ao mesmo tempo.

– Caras... O que vocês estavam pensando? Vocês só tinham que apagar o cara caso
ele fizesse movimento suspeito. Ele parar num ponto cheio de pessoas e contá-las,
não é suficiente para vocês meterem uma bala na testa dele? – Perguntei. Todos me
olharam, com expressões cabisbaixas, provavelmente concordando que poderiam
ter feito algo assim como ordenado.

– Enfim... Não adianta chorar o leite derramado. Vamos focar nas próximas ações. O
que está rolando na cidade Sifer? – Perguntei, olhando umas telas.

– Tivemos um tiroteio de gangue em Nocturna e uma explosão num Prédio, no


Vintage...– Falou Sifer, ele ia dizer mais alguma coisa, mas eu o interrompi
rapidamente.

– Esperai ai... O Capitão não tinha dito que K'dore ia se encontrar com a Yakuza?
Então...

– Desculpa te interromper tenente. Antes que você diga o que acho que irá dizer,
deixe-me terminar de informar. – Falou Sifer, digitando algo rapidamente.

– Lembra da funcionária do K'dore que surtou, a hacker que eu procurava? Sei que
era para deixar ela de lado, mas digamos que ela foi um dos meus hobbys por
alguns anos, não conseguia deixar de segui-la, então enquanto fazíamos todas as
outras coisas, eu invadi o sistema de identificação facial via satélite... E o mobilizei
para identificá-la, ele não conseguia achar nada até então... Mas na explosão no
bairro Vintage... Olha ali… – Ele então apontava para uma imagem bem desfocada,
próxima à explosão do prédio. Não dava para ter 100% de certeza, mas assim como
Sifer, tive uma grande impressão de que era ela.

– Tenente... Pra estarem explodindo prédios a torto e a rodo, sempre que ela está
perto. É por que ela é algo importante nisso tudo. – Falou o hacker da corporação.
Sinceramente, essa pessoa era uma pista muito fria, algo que seria muito arriscado
seguir, mas Sifer era uma dos caras que eu mais confiava e a intuição dele era bem
parecida com a minha.
– Certo, Sifer. Você sabe que teremos que dar explicações desse uso de satélite né?
– Falei, mudando um pouco o assunto.

– Isso já é com você Tenente. – Falou ele "lavando as mãos" na cara de pau.

– Tsc... Vocês só fodem com a minha vida, isso sim.

Foi nesse instante que algo que eu não esperava aconteceu, vindo numa péssima
hora. Frog entrou na sala que nem doido falando algo de "estamos no noticiário" e
logo em seguida a imagem do canal de notícias era projetada na segunda tela
holográfica.

– A bolsa de valores de Miraitropolis foi invadida, muitas pessoas estão sendo feitas
de refém! Ao que tudo indica parece ser o mesmo grupo que explodiu o Canal 17, a
Danceteria Nexus, uma boate em Nocturna e o atentado de hoje de manhã no ponto
de ônibus perto da Departamento de Polícia. As imagens direto do local mostram
viaturas da polícia isolando os arredores da bolsa de valores...

– Mas com a atual greve policial o Comissário confirmou que se quer algum homem
da lei foi deslocado para a região... Ninguém sabe o que está acontecendo... Os
únicos ainda operando é o esquadrão do Tenente Clay Crovax. Será que nossos
heróis da S.W.A.T. salvarão o dia mais uma vez?

– Eles estão de sacanagem? Vão jogar tudo na nossa conta mesmo? – Pensei, me
irritando bastante com aquilo. Não éramos heróis, não tínhamos obrigação de
assumir todas as funções da polícia, éramos somente a SWAT. Até mesmo o capitão
que deveria estar aqui ditando as ordens jogou tudo nas minhas costas. Pouco
depois da notícia, o telefone da corporação tocava. A mesma era transferida para o
holocaster* de Sifer.

– Boa tarde, Tenente, aqui quem fala e Aleksey, mas pela voz você já deve saber. –
Pausou.

– Deve ter se preocupado, eu sumi depois da explosão, mas como sou um homem
de palavra estou cumprindo o que combinamos, como era mesmo?… Ahn… Meu
joguinho! Foi assim que denominou, não é? Rs. – Pausou e riu.

– Na realidade eu já tinha esquecido de você. Pode falar, sou todo ouvidos, mas seja
rápido. – Respondi, apesar de estar preocupado com o que esse idiota iria fazer,
minha cabeça realmente não estava ali.
– Bom, vamos aos fatos, bolsa de valores no horário de pico, não sei quantas
pessoas tem aqui, mas e bastante gente. Empresários, homens de negócios, pais e
mães de famílias, filhos e filhas, irmãos, irmãs, tios, tias, sobrinhos, sobrinhas de
alguém e blá blá blá. Comovente não? Tem bombas espalhadas por todo prédio,
também roubamos… – Riu e se corrigiu em nítida zombaria.

– "Pegamos emprestado" algumas viaturas da guarda policial para isolar a área,


sabe, não queremos que mais gente além desses lagartos negociantes se
machuquem. A coisa é muito simples, vocês vem, desarmam as bombas, nos
prendem e salvam dia, já estão acostumados com isso. Hehe. Mas o que você não
sabe é que também do lado oposto ao centro financeiro, exatamente no Submundo
existe um prédio abandonado cheio de moradores de rua com a mesma quantidade
de bombas que o pessoal aqui da bolsa de valores. Porque ser desonesto com os
menos favorecidos não é mesmo? Esta vendo como sou democrático? O endereço e
na Avenida Armitage esquina com a quinta avenida do Submundo, edifício 33. –
Pausou mais uma vez, e o que prevaleceu foi o sons de teclas sendo digitadas.

– Estou enviando aos arquivos da M.T.D.P. a foto do local do prédio do Submundo,


para se familiarizarem. Acho que todos conhecem a bolsa de valores, fica em All
Street, acho que não é necessário enviar uma imagem do local também... Mais uma
coisinha, sei que no time tem um excelente hacker, mas não percam tempo tentando
rastrear o envio dos arquivos, vai ser em vão, não acharam nada e tempo é precioso.
– Respirando fundo, Aleksey continuou

– Legal, eu sei que isso animou seu dia, animou o meu também então é o seguinte,
sua equipe vai ter de escolher qual dos prédios vai salvar. Do centro financeiro ou do
Submundo, engravatados vs mendigos, o duelo do século! Só pode escolher um. Vou
facilitar as coisas pra vocês seus rapazes, escolham o prédio, nem precisa desarmar
as bombas, basta estar presente no local, tem minha garantia que não vou
acioná-las. Porém… Infelizmente o outro será implodido, triste, mas todo mundo
precisa de uma manchinha no curriculum. – Limpou a garganta como se tivesse
algo de muito importante para falar e prosseguiu.

– Regra número dois, como eu sei que sua equipe é bem grande não vale dividir o
time em dois e deslocar cada um para um ponto da cidade, isso é trapaça e eu odeio
trapaceiros, se optar por essa escolha idiota vou mandar ambos pra o inferno,
entendido? Estou monitorando pelas câmeras da cidade cada passo do seu
esquadrão. Que o jogo comece, pense bem na escolha, você tem meia hora para
discutir com seu time qual dos cantos vão escolher. Depois de 30 minutos tem mais
meia hora para chegar ao local que optou. TIC TAC, TIC, TAC. Já falei demais, vamos
colocar um pouco de ação nisso, Tenente! Boa sorte! Se for um bom menino e
seguir as regras direitinho como prêmio eu digo como explodi o ponto de ônibus e
ainda estou aqui falando com você. Posso também ser mais legal e responder
qualquer pergunta que quiser, mas só uma, ahahaha. – A ligação foi encerrada.

Ouvi tudo o que o cara dizia atentamente, não respondi nem nada. Deixei ficar na
imaginação dele, a ideia de que eu estaria arrancando os cabelos por causa de tudo
aquilo. No entanto, ao olhar ao redor, todo o esquadrão me olhava, como se
realmente se importassem com as ameaças feitas pelo sujeito. Eles esperavam uma
resposta uma ideia vinda de mim, sendo que naquele momento eu sequer pretendia
me mobilizar para atender as exigências do sujeito.

– Certo caras... Seguinte. Não somos heróis, muito menos super heróis. Ele parece
acreditar que nunca tivemos falhas no nosso currículo, é um pobre tolo. Não temos
obrigação de salvar essa cidade sozinhos, a cidade está se matando por que quer,
não somos nós que resolvemos fazer greve. Se o contingente da Polícia estivesse
completo, nada disso estaria acontecendo, sabe por que? Por que cada setor
cuidaria da sua parte, não só a gente fazendo tudo. Então eu, não me sinto na
obrigação de fazer nada, no entanto, em circunstâncias comuns, seríamos nós a ter
que cuidar desse russo que parece querer minha atenção. Eu vou lhes dar duas
opções...

– Primeiro: Nos separamos em dois grupos, um deles vai cuidar desse... Aleksei e o
outro será composto só por mim e Sifer e vamos seguir uma pista que encontramos.
Segundo: Fazemos o joguinho do cara, salvamos a Bolsa de valores, que obviamente
é mais importante que mendigos. – Falei sendo bem específico nas opções.

Brucker que era o cara que eu mais confiava ali, foi quem tomou a frente, já que o
restante do esquadrão parecia só ficar se entreolhando.

– Bem, nós sempre confiamos em você Clay... Realmente não somos heróis, mas
me sinto responsável por esse tal de Aleksey. Então, vamos dividir essa
responsabilidade com você agora, mas saiba que se você pretende assumir uma
patente superior no futuro, um dia todas essas decisões terão que ser tomadas por
você e somente você, assim como o Capitão faria se estivesse aqui. – Raramente
alguns deles me chamavam de "Clay" enquanto estávamos em serviço, aquilo ali não
era mais uma conversa só profissional, estávamos falando de algo além. Brucker
parecia determinado, Frog, Rock, Handson pareciam pensar como ele. Ele realmente
tinha soltado a verdade nua e crua para mim, eu podia estar lavando minhas mãos
ali, mas foi à mim, que o Capitão tinha passado o comando, logo eu era o
representante dele ali. Eu não podia ficar só agindo pelas minhas próprias intuições
e ignorar os deveres.
– Eu vou lembrar dessas palavras no futuro... Mas agora, nós iremos com a opção
um, eu e Sifer iremos atrás da pista que temos. Brucker você assumirá o comando
do esquadrão nesse momento, quero que você leve os homens à bolsa de valores,
desliguem a energia do local, usem os bloqueadores de sinal, ele disse estar
monitorando as câmeras, mas não terá como monitorar nada sem conexão com a
Lexis e muito menos sem energia, entrem e matem todos eles... É chato falar isso,
mas a prioridade não são os reféns… – Ordenei.

– Sifer, nós vamos atrás "daquela" pista. Mas antes de ir, quero que você congele as
imagens das câmeras ao redor da delegacia.

Dada a ordem, Brucker, Mitchel, Handson, Rick, Rock e Frog. Partiriam para dar fim a
esse tal de Aleksei e seus amiguinhos. Enquanto isso eu e Sifer, sairiamos em um
carro civil, não oficial, como se fosse alguém normal saindo do prédio, assim
mesmo que fossemos vistos nas câmeras, não seríamos identificados, outra medida
que eu pretendia usar, era utilizar um equipamento especial de disfarce, chamado
"Facemaker", era como uma máscara holográfica que mudava completamente
minhas feições e me disfarça com outra identidade. Eu já tinha ideia do que
teríamos que fazer, só tinha que passar tudo à Sifer.

Assim que chegamos a garagem da delegacia, entramos num dos carros que os
policiais usava para se locomover a paisana pela cidade, era uma carro civil comum,
no entanto suas janelas eram modificadas para mostrar imagens aleatórias para que
olhasse, logo, se um sujeito X olhasse, poderia ver um senhor gordo sozinho
dirigindo o carro, enquanto que se outra pessoa olhasse, veria dois rapazes dentro
do carro e assim por dia, outra característica é que a placa do carro modificava a
cada 30 segundos. Apesar de parecer uma tecnologia de ponta, esses eram veículos
muito usados por policiais da narcóticos, assim eles podiam entrar em áreas de
vendas de drogas sem serem identificados.

– Certo, Sifer... Você é quem vai liderar essa nossa pequena missão. – Falei de
forma bem clara.

– Eu? Por que? – Ele perguntou, não estava contestando, mas só tentando entender
o que eu tinha em mente.

– Sim. Você disse que ficou atrás dessa funcionária do K'dore por anos, até mesmo
antes dela ser funcionária. Você saberá falar a "língua" dela, eu serei somente um
"motorista aleatório". Não vamos abordá-la como oficiais, você antes de entrar para
a corporação, já conviveu e viveu no submundo, sabe agir como tal, ela não vai
desconfiar que somos da polícia ou da SWAT, você irá abordá-la como um Stalker,
dizendo que está atrás dela faz anos e que sabe como pode ajudá-la com o
problema dela. É óbvio que ela está sendo perseguida, então jogaremos verde para
saber se ela nos será útil e ver até onde ela nos leva. Entendeu?

– Entendi. Vou revelar a ela tudo o que venho fazendo a todos esses anos, só como
se fosse um fã maluco que agora resolveu ajudá-la num momento de aperto, e você
será só um motorista amigo meu. – Ele tinha resumido bastante, mas com o QI que
ele tinha eu tinha certeza que ele tinha entendido o plano de uma forma bem mais
profunda que eu.

Assim partimos em direção ao bairro Vintage. Mantive uma escuta no meu ouvido,
onde Brucker me passaria informações assim que a missão estivesse completa.
Ativei o "facemaker" e assumi uma aparência de um cara de pelo menos uns 30
anos, com um moicano, casaco militar, e o tipão que fazia a vibe "punk" do
submundo. Esse disfarce era de uma tecnologia praticamente perfeita, a única parte
ruim, era que se de alguma forma eu fosse tocado no rosto a pessoa notaria que
aquilo era uma holograma. A única localização que tínhamos eram as imagens que
Sifer havia conseguido através do satélite do governo que ele havia hackeado
clandestinamente. Com as confusões que estavam rolando na cidade, as ruas
estavam vazias praticamente, os protestos dos policiais se focavam mais pro lado
da prefeitura e pro centro, enquanto que o resto da população, insegura por não
haver policiais nas ruas, se trancafiava em casa esperando o desenrolar dos
acontecimentos. O que normalmente levaríamos pelo menos 2 horas no trânsito da
Avenida Armitage (1h30 só no engarrafamento), levamos 30 minutos para chegar lá.
Assim que adentramos o bairro Vintage, avistamos o enorme prédio velho em
chamas, só havia alguns bombeiros e seus robôs bombeiros trabalhando no local,
numa viela próxima, sentada a margem da calçada, com uma capuz cobrindo a
cabeça, uma mulher cabisbaixa parecia estar lamentando a porra do azar que tinha.

Parei o carro ao lado dela de uma forma "normal", como se só estivesse


estacionando ali, e Sifer abriu a porta de trás e saiu, o que provavelmente chamaria a
atenção dela, mas antes que ela tomasse alguma atitude precipitada, ele utilizou
uma abordagem mais "sutil". Ele ergueu as mãos como se estivesse rendido, mas
com a intenção de mostrar que não estava armado e que não pretendia atacá-la de
qualquer forma, ele também falava o mais rápido que podia, para fazê-la entender
que ele não era algum tipo de maluco tentando matá-la.

– Antes que faça alguma coisa! Nós podemos te ajudar!! – Blefou, com as mãos pra
cima. Nós realmente não sabíamos como ajudar exatamente, mas ter a atenção da
mulher, já era um bom começo. – Meu nickname era Vault_Cypher, você deve me
conhecer da rede, eu meio que era seu fã e te "perseguia".
– Boa Sifer, identificar-se com nicknames que somente hacker conhecem era uma
ótima jogada. – Pensei, comigo. Para bancar uma de motorista do submundo,
resolvi soltar meu blefe e atuação também. Eu faria do tipo metido a badboy.

– Se o casal de hackerzinhos não se importam. Podemos estar sendo observados.


Então andem logo com isso.

– Podemos conversar num lugar mais reservado, e aí eu me explico melhor? – Falou


Sifer, por fim, esperando que a mulher cooperasse, caso contrário. Eu teria que agir
de forma mais "dura".

Enquanto isso...

Crovax foi o meu melhor amigo por muitos anos, eu nunca vi um cara tão bom no
que faz como ele, eu depositaria minha vida nas mãos dele facilmente, mas dessa
vez, não o teríamos conosco, era eu que estava no comando, e assim eu faria por
merecer. Diferente de Clay, eu não vejo essa cidade como um caso perdido, eu quero
melhorá-la, minha filha vai crescer aqui, vai viver aqui e se tem algo que eu possa
fazer para melhorar isso, eu farei. Viktor, que todos chamavam de Rock, era quem
estava dirigindo o Blindado, na parte traseira eu e o resto do esquadrão
repassávamos o plano que usaríamos para abordar a bolsa de valores. Como Clay
havia dito, os reféns lá dentro não eram a prioridade, nossa prioridade era eliminar o
tal russo.

– O plano é bem simples camaradas. Rock, você vai parar o Blindado na rede de
esgoto em frente a bolsa de valores. Como vocês sabem todas as conexões de
energia, geradores e cabos da lexis, são subterrâneos... Handson e eu, vamos descer
pela saída inferior do blindado, assim eles não verão nossa ação. Enquanto Handson
desliga a energia e as conexões, vocês: Frog, Rick, Rock e Mitchel vão entrar pela
frente do prédio, vocês serão encarregados de negociar e ocupar o sujeito se assim
necessário, ele disse que só de aparecermos lá não acionaria as bombas, isso nos
dá tempo... Se eles perguntarem pelo Crovax, basta dizer que ele considerou que só
nós éramos necessários e que ele ficou na corporação monitorando a operação.
Assim que a energia e a conexão estiverem cortadas, eu e Hadson invadiremos o
prédio por baixo, implodiremos o chão com os explosivos silenciosos e tentaremos
atacar por trás, assim que dermos o sinal vocês avançam pela frente. Entendido?

Todos confirmaram e se prepararam. Quando finalmente avistamos o prédio,


notamos que o tal Aleksei não mentia sobre ter pego as viaturas para isolar a area.
Rock avançou com tudo e com o Blindado, passou por cima de uma das viaturas,
parando o Blinda a poucos metros da escadaria de entrada do prédio da bolsa de
valores. O prédio era enorme como já se esperava que fosse, estrategicamente,
Rock havia parado o blindado sobre uma tampa de bueiro.

– Vamos começar em 3... 2… – Contei. Mas antes de chegar no "1", Frog resolveu
falar algo... Algo que por sinal, me animou.

– Hey, Brucker... Você também fica legal no comando. – Falou o mais "zueiro" do
esquadrão, fazendo um sinal de joinha.

– Haha... Vamos nessa!

Assim que foi dado o sinal. Eu abri a tampa da saída de emergência do Blindado.
Sabe aquelas tampas que tem no chão de alguns veículos militares, que permite que
os soldados saiam por baixo em casos de emergência, então... Era exatamente isso
que o blindado possuía. Abri a tampa e abaixo de nós estava a tampa do bueiro,
Rock que era mais forte, foi quem tirou o tampão do mesmo como se fosse algo
muito fácil. Descemos rapidamente pelos esgotos, que também era onde ficavam os
geradores de emergência, cabos de energia e cabos da Lexis que se ligavam ao
prédio da Bolsa, mas era óbvio que ali também se encontravam cabos que
provinham de vários outros lugares dos arredores, por isso que Handson era o
melhor homem para lidar com isso, como especialista em bombas, uma de suas
funções é "manjar" de desligar essas coisas, em caso de evacuação de prédios com
ameaças de explosão (que era justamente o caso ali). Eu e Rock demos cobertura e
fizemos uma varredura no local, mas fomos surpreendidos, aparentemente os caras
contavam com uma ação subterrânea, assim que viramos à esquerda num dos
túneis dos esgotos, demos de cara com dois sujeitos armados, eles pareciam xingar
e rir, o que foi nossa sorte, assim que nos avistaram, tudo dependeu de quem agiu
mais rápido, e como já estávamos com as armas em punho, fomos nós que levamos
a melhor ali, Rock e eu, apenas com duas rajadas de tiros demos fim aos rapazes
que caíram mortos nas águas sujas.

Seguimos adiante e chegamos até os cabos e controladores do prédio.

– Frog, como estão as coisas aí? – Perguntei pelo rádio.

– Vamos abordá-lo agora. Vamos ver o que esse Aleksey pretende… – Falou o
mesmo.

– Já estamos terminando aqui, assim que fizer contato com ele. Me avise, e
desligaremos tudo... Em seguida, vamos nos dirigir pelo subterrâneo até o prédio e
entraremos por baixo. Entendeu? No entanto, se tiver como eliminá-lo logo de cara,
faça. – Repeti rapidamente o plano.
– Entendido...

CONSIDERAÇÕES:

* - Holocaster = Telão Holográfico.

Não narrei toda a operação na Bolsa de valores, pois achei que como o Aleksey se
tornou um NPC "significativo", eu precisaria de mais informações e ações antes de
narrar o que iria acontecer. Logo só deixei claro as intenções e plano do esquadrão,
e só irei executar mediante aos próximos acontecimentos.

Quanto ao Crovax. Na minha primeira postagem da Quest, eu cheguei a mencionar


que o Sifer era tipo um Stalker de hackers "BlackHats" e que a X-9 foi uma das que
fugiram do radar dele, o que lhe fez criar um tipo de obsessão, no entanto ela sumiu
completamente e ele só veio a encontrá-la novamente, quando investigou a Orion, no
entanto ele ainda não tinha o paradeiro dela, e só conseguiu achá-la agora que ela
"saiu" do QG lá dos Steelhearts e apareceu lá no bairro Vintage.

Obs.: O Facemaker e carro, eu utilizei mesmo sem ter declarado como equipes,
seguindo a mesma premissa de que como eu estava no Departamento de Polícia,
poderia pegar qualquer equipamento de lá, já que somos o único esquadrão em
ação.

X9

Ainda estava muito atordoada com a explosão, parecia que retumbava nos meus
tímpanos a vibração de toda a destruição, é uma bosta, sabe? Mas o pior era não ter
um lugar para dormir e logo agora que precisava de umas boas horas de sono e da
maratona “As aventuras de Gambinho”, é, eu assisto desenhos animados, parece
imaturo da minha parte, eu sei. Sozinha com meus fantasmas e perturbações meu
silêncio ali sentada ao meio fio ocultava muito bem a situação incômoda a qual eu
passava, ou nem tanto, talvez fosse visível meu desamparo. Os bombeiros e seus
robôs depois de terminarem seus serviços não iriam me ajudar, o trabalho deles é
conter o incêndio e não dar auxílio a desabrigados. Em um momento de delicadeza
e fragilidade qualquer sinal de boa fé era bem vinda. Mas a gente leva tanta porrada
da vida que quando surge a primeira coisa que fazemos é desconfiar. Se eu tivesse
consciência seguiria o conselho de não falar com estranhos, mas como não tenho...
– Olha… Eu fico realmente orgulhosa de que me conheça e me admire… Mas sem
querer parecer antipática… Eu não estou em um bom momento, e nem vejo uma
maneira que possa me ajudar… – Respondi removendo o capuz e tirando algumas
mechas da frente do rosto que continha algumas escoriações e fuligem causadas
pela explosão.

As únicas pessoas que conheço e que poderiam me dar um teto temporariamente


seria Drone, o ex colega da Orion e o casal Duncan e Sasha, mas sendo perseguida
por K’dore e a Dama de Prata, não poderia colocá-los em risco, ainda mais supondo
que eles são os responsáveis pela explosão do meu apartamento, então seguindo a
lógica, se sabem onde moro sabem quem são as pessoas mais próximas.
Sinceramente, não preciso de mais um peso na consciência.

– Peraí… Vocês esperam que eu entre no carro com dois estranhos e saia por aí? Me
perdoe… Por mais que vocês pareçam caras legais… Eu já estou com a minha vida
bem fodida pra piorar ela… – Com os braços agarrados aos joelhos ainda sentada
ao meio fio, foquei meu olhar no tal suposto admirador.

O cara do carro parecia meio impaciente, chato e arrogante, não gostei muito dele a
primeira vista, mas o outro, o hacker, encontrei uma similaridade nele, de certa forma
posso dizer que me identifiquei e parecia de fato ser um sujeito legal determinado a
ajudar, então repensei na proposta, só por ele, e não pelo outro

– Tá ok…. A gente conversa… Mas em um local público e da minha escolha, é pegar


ou largar… – Me ergui da calçada limpando a roupa com tapinhas na calça. – Mas
olha… Nem pensem em fazer qualquer gracinha, não vou hesitar em usar isso
mesmo em público! – Saquei a katana de baixo do casaco mostrando para eles.
Sabia que saporra me seria útil novamente.

Duas quadras dali fomos a pé até as famosas barracas ao ar livre, não era preciso ir
até a Little Asia para ter culinária oriental. Passavamos por barraquinhas de comida
e letreiros luminosos de neon de todas as cores onde era vendida iguarias chinesas,
pessoas devoravam os lanches sentadas em bancos luminosos improvisados no
meio da calçada, mesmo que atrapalhasse a passagem de pedestres e ou invadisse
as laterais do meio fio tornando o tráfego dos carros ainda mais lento que o comum.
Precisavamos desviar se não quisessemos receber um encontrão e ser levados pela
multidão, na maioria jovens de couro negro com implantes cibernéticos e óculos
com lentes cromadas. As tais barracas tinham um procedimento duvidoso, é claro, o
custo era baixo, diferente dos restaurantes de playboys do outro lado de
Miraitropolis. Naquela parte do bairro o Vintage cheira a fritura o odor nojento cola
fácil nas roupas por causa do suor. Nos sentamos nos banquinhos com suporte de
neon a frente de um caminhão improvisado como cozinha. A fumaça gordurosa do
preparo da comida jogada ao ar úmido do calor grudava no corpo numa mistura
azeda. Perguntei se podia chamá-lo de Cypher, ele concordou.

Começamos conversando coisas normais primeiro, quer dizer, Cypher e eu, o outro
lá de moicano e casaco militar se mantinha caladão de braços cruzados sem se
envolver muito, o que despertava minha estranheza. Olhei para ela umas duas vezes
e quando notou que eu o observava só esboçou um sorriso irônico tipo "Eae guria,
belezinha?"

Francamente não gosto de gente assim com esse ar debochado de superioridade


mas não dei vazão a isso, não ia estragar a vibe, Cypher era mesmo um cara
bastante legal, até mesmo pagou nossos noodle soups, eu estava faminta. Falava
para ele das minhas frustrações e de quanto me sentia na merda com a explosão do
meu apartamento

– Sabe o que eu gosto de fazer nessas horas? Ouvir música antiga de antes da
grande guerra ter fodido o mundo, dizem que era melhor naquela época, a era de
ouro da humanidade… O ser humano tende a dizer que as melhores épocas foram as
que ele não viveu… Sei lá. – Dei de ombros, voltando a comer o macarrão, usando os
hashis para pegar os legumes e carnes.

– Talvez… Talvez… Mas me conte como sua vida se tornou essa confusão. - Contei a
ele tudo desde que “surtei” na Orion e me juntei aos Steelhearts.

– Entendi. E o que aconteceu para você ter "surtado''? – Cypher estava terminando
sua sopa.

– Aquilo era uma escravidão… Estava sem tempo pra nada, nem pra me divertir… –
Bebi um gole de cerveja do copo de isopor.

– E o que você e os Steelhearts estavam fazendo no Canal 17? – Cypher bebeu a


dele depois da pergunta.

– Essa pergunta é boa… Estávamos lá pra pegar a cabeça da androide que matou o
prefeito. – Voltei a comer, não queria falar mais do que devia.

– Isso me leva a fazer outra pergunta… Qual a sua real relação com K’dore? Parece
que ele te dava as tarefas mais importantes. – Não, não tinha como me esquivar das
questões.

– Olha… Isso é secreto… Não pode contar pra ninguém, ein? – Olhei para os lados,
arqueando a sobrancelha direita, só havia mesmo o cara de moicano nos ouvindo,
então me aproximei de Cypher e baixei a voz. – Como disse, era programadora dele,
mas eu fazia uns serviços a mais e não questionava, na maioria das vezes eu fazia
tanta vista grossa que mesmo sabendo que era coisa suja não me importava. O
troço começou a ficar sinistro quando ele me passou umas diretrizes suspeitas para
por no diretório da androide CP3, a que fomos pegar no Canal 17. Eu não queria
acreditar… Mas depois quando vi na TV que o protótipo tinha assassinado Sirius... Eu
tive ainda mais certeza de que fiz a coisa certa em sair da Orion. Enfim, o velho filho
da puta ia colocar toda a culpa no meu rabo, afinal eu tinha programado a CP3,
sacou? Agora ligue os pontos, CP3 foi uma andróide criada pela Orion de K’dore, que
depois de matar o prefeito se encontrava na posse do Canal 17 que é de Carmen
Telford… Que está prestes a assumir o poder da cidade… Jaime mais Dama de Prata,
juntos nisso… Consegue entender a gravidade da merda toda? – Olhei mais uma vez
para os lados, me certificando de que não tinha mais ninguém pra ouvir a confissão.

– Isso responde então a próxima pergunta, que seria a razão dele querer te matar.
Certo, como você acha que podemos invadir a Orion? – Ele terminou sua sopa e
voltou a beber sua cerveja.

– Essa pergunta também é boa… Hipoteticamente falando seria fácil, eu mesma


criei o sistema de segurança e a I.A. de lá… O Logus… Mas K’dore é esperto e não
daria bobeira… Ele deve ter trocado o sistema de segurança assim que eu surtei e
saquei que queria me fazer de laranja… – Cypher escutava atentamente, esperando
enquanto eu pausava para comer mais um pouco pra então voltar a falar.

– A questão é, será que ele contratou alguém melhor do que eu? Creio que não…
Então mesmo que a defesa tenha mudado, ainda pode ser baixa se comparada a
minha qualificação, a gente tem que arriscar. Eu diria que se fizermos uma outra I.A.
para substituir a atual, a gente tem uma grande chance de acessar os arquivos da
Orion de boa. Bastaria uma vez eu entrar lá disfarçada e despejar a I.A. como um
vírus e sair. – Cypher me olhou sem dizer nada, apenas limpava sua boca com um
guardanapo.

– O problema é; como vamos fazer essa I.A.? Como pode ver, eu não tenho mais
nada… – Insinuei que sabia sobre ele. Mas Cypher permanecia sem dizer nada
querendo disfarçar.

– Tá certo, eu esperava mais confiança de você depois que falei tudo o que sei…
Mas vamos lá… Pode abrir o jogo, Cypher, que na verdade é Sifer, sei que você é
policial, S.W.A.T. pra ser mais específica… Ou acha que estaria falando tudo isso se
suspeitasse que você não presta? Deve estar se perguntando como sei… Ah… Cara…
Sou uma pessoa muito desconfiada e quando conversamos online muito tempo
atrás, antes dessa bagunça toda eu fiz umas pesquisas sobre você… É, eu tenho a
péssima mania de xeretar a vida de quem fala comigo, mas é uma questão de
segurança. Mas relaxa, não sei a identidade do seu parça ali e apesar de ser
chamada de X-9 não vou abrir o bico sobre sua vida pessoal. Tipo… Até poderia ser
informação falsa… Mas te vi fazendo as perguntas…. Você fala como os puliça dos
seriados, foi quando tive certeza… Desculpe, você precisa aprimorar mais sua
interpretação de cívil… – Dei uma batidinha no ombro dele como se o consolasse. –
Portanto, vou colaborar direitinho e com tudo que puder. Ninguém mais do que eu
quer o K’dore fodido, seja dentro ou fora da lei. Então, recapitulando… Tem como
criarmos uma I.A. com os recursos atuais da polícia mesmo com essa maldita
greve? – Indaguei terminando a refeição largando os hashis e acendendo um
cigarro, depois olhando para Cypher. – digo Sifer – entrelacei os dedos das mãos
sobre o balcão esperando por sua resposta.

Como estava perto do horário de almoço a barraca de comida oriental ficava cada
vez mais cheia com mais pessoas chegando para fazer o desjejum diário, os
pedidos aumentavam e pessoas ocupavam os bancos antes vagos, entre eles os
que estavam ao lado, era o momento de sairmos dali.

Akane

Entrei no carro sem olhar para trás e com um caminhar superior. Estava rindo com
toda a situação, mesmo ciente do meu estado deplorável. Estava suja, com as
roupas levemente danificadas e alguns ferimentos superficiais. Sentei como uma
rainha no banco de trás do veículo e não disse nada. Apenas olhei meu lindo homem
entrar e começar a dirigir. Ao contrário de muitos casais por aí que não sabem o
momento apropriado para ficar se agarrando, inclusive num carro, eu e Tony éramos
mais reservados nestas circunstâncias de risco.

Ao chegar na mansão dele, eu simplesmente fui direto para o meu quarto pegar uma
muda de roupa e ir para o banho. Poderia ser muita frieza da minha parte, mas
estava muito irritada com tudo que aconteceu e ficar limpa e cheirosa melhoraria
meu ânimo. Além disso, estava com fome. Desta vez me permiti demorar no banho,
sentir a água quente descer pelo meu corpo cheio de espuma. Limpando
principalmente os cortes e hematomas com um sabonete. Apesar de alegar que sai
sem ferimentos perante a luta, agora eu via cada um deles e em sua maioria
causados pelos destroços menores do helicóptero e também do pilar.

A ardência era ignorada, afinal eu estava muito acostumada a sentir dor ou acham
que nenhum das minhas vítimas revidava? Mesmo com a cirurgia que me mudou
drasticamente, não tinha uma pele de aço. Nem mesmo aquela replicante
desprezível era. Pelo menos, sentir a água escorrer pelo meu corpo me curava
destes acessos de raiva e me mantia calma. Queria passar a noite toda ali, mas eu
tinha uma companhia melhor. Quando finalmente saí do banheiro, eu vesti um
vestido vermelho simples, desses que se usa em casa mesmo.

Em meu quarto tinha uma caixa com curativos e todo necessário para primeiros
socorros. Era muito antiquado colocar band aids nos ferimentos, mas eu gostava.
Minha perna esquerda colei uns quatro. Depois de passar um creme hidratante pelo
corpo todo eu finalmente desci para a sala de estar e encontrei um olhar
ligeiramente preocupado, mas devorador e intenso. Me permiti sorrir para ele até
estar muito perto. O beijo que veio a seguir não poderia ser evitado, muito menos o
aperto suave do seu corpo contra o meu. Eu correspondi com vontade, como se
fosse uma semana separada dele e não demorou muito para irmos para a sala de
jantar, onde toda a comida estava à minha espera.

Apesar de tudo que era, eu prezava as boas maneiras em tudo. Muito metódica e
não gostava que me ditassem o que fazer, manias que aprendi com um
perfeccionista, Ian Falcon. Demorou para os empregados de Tony me servirem da
forma que eu queria, sem perguntas e a uma distância considerável. Eles
aprenderam a ler minhas caretas de desgosto contra as comidas que não gostava e
nem me serviam delas. Mas algo não mudou desde então, o desprezo mútuo entre
nós. Quando tais se retiraram da sala de jantar, comecei a comer e beber um bom
suco de morango, o meu favorito. A conversa entre nós dois era pouca e cotidiana. E
o quase silêncio durou até a sobremesa. Ao fim, me levantei satisfeita e mais alegre.
Não ousei demonstrar o cansaço que sentia, pois eu tinha algo mais importante
para fazer naquela noite. Aliás, eu tinha um quarto próprio, mas nunca dormi
naquela cama de solteiro.

Puxei Tony para cima, para o quarto dele já querendo tirar suas roupas sociais no
corredor. Seu olhar e sorriso me encorajava e no fim não o fiz. Esperei ter as portas
fechadas para fazê-lo. Eu era ágil para tirar as roupas dele, pois foi só eu tirar sua
camisa que meus dedos tocaram em sua pele quente e deliciosa. Não enjoava dele
para começar, era como se nunca tivesse visto ele sem camisa antes. O puxei para
outro beijo ainda tocando em seu peitoral bem definido. Um beijo de entrega e
urgência.

– Amor, você deve estar cansada… – murmurou ele fitando os vários band aid no
meu braço.

– Não… Nunca estou cansada para você, posso dormir depois. – declarei dando um
basta na conversa.
Nosso contato íntimo ficou mais intenso, cheio de carícias num jogo de um despir o
outro até não sobrar nada. Não demorou muito para deitarmos naquele tapete muito
peludo que fazia cócegas no meu corpo despido e tal detalhe foi usado contra mim
noutra brincadeira vinda dele. Pelo menos posso dizer que nunca entramos numa
rotina, afinal ele era bom para variar e inventava cada novidade para testar no sexo
que me deixava muito satisfeita e cada vez querendo mais. Ficamos ali mesmo no
tapete grande parte da noite até eu adormecer encaixada nele e em seus braços. E
depois apenas acordei na cama com ele agarrado em mim, feliz e sereno. E o
melhor, sem interrupções.

Anthony Montana

– Espero que tenha um bom motivo pra me tirar da Akane… – Destilei o veneno no
aviso assim que atendi o telefonema de Liam.

Ele me explicou toda a maldita situação que estava acontecendo no Submundo…


Normalmente eu diria apenas uma coisa; foda-se, mas como estou de bom humor
depois da bela noite que tive com Akane…. Resolvi mudar de ideia. E parando bem
para pensar o grupinho de escoteiros de Liam é um investimento meu, e se tem uma
coisa que meu pai me ensinou foi nunca deixar os negócios de lado. É como dizem,
se você quer um serviço bem feito, faça você mesmo. Decidi peitar de frente K'dore
e Carmen, vou deixar bem claro que tô cagando para eles, não foi tendo medo que
construi a reputação que tenho hoje e vou mostrar isso. No entanto apesar de
confiar no meu taco sabia que perderia alguns homens importantes se os
envolvessem nessa disputa, e isso eu não podia arriscar

– Entendi, já estou de saco cheio dessa bosta... Eu mesmo vou resolver isso, tenta
segurar a onda aí, estou chegando com um pessoal barra pesada… – Desliguei
rapidamente.

Com minha rede de contatos falei com cada traficante do Submundo, para falar com
cada maldito viciado dessa merda de cidade. Imagine dizer que tem gente a fim de
tirar o docinho dos drogados e o ganha pão dos chefes de boca? Ninguém gostou e
nem preciso dizer que todos se uniram na mesma causa. Mas não ficou só nisso,
também liguei para Xiaren, nos conhecemos faz uns quinze anos, se tornou um tipo
de sócio, ajudamos um ao outro sempre que podemos. Por ser descendente de
chineses e japoneses tentou por anos unificar as duas máfias, mas nenhum dos
líderes deu atenção, não sei se pela pouca idade dele na época ou pela ideia absurda
de unir rivais mortais. Seja como for, agora com seus líderes mortos é a chance
perfeita de Xiaren colocar seu plano em prática. Ele devia estar contemplando a obra
feita pelos escoteiros de Liam na boate em Nocturna, ao menos era lá que estava
quando atendeu o celular.

– Mas que porra tá fazendo aí? A merda toda está acontecendo no Submundo e
você aí em Nocturna na frente da boate? Virou um viadinho voyeur? – Perdia a
paciência com ele, normalmente não falava assim com ele.

– Não… Não, é que tem uma coisa que Liam deixou para trás que é do meu
interesse… Depois conto o que é e vai me dar razão. Eu entendi, o bicho tá pegando
no Submundo, vou pra lá me encontrar com você. Farei isso como troca de favor ao
Liam por ter deixado a lacuna da Tríade e da Yakuza aberta. – Tinha uma grande
animação na sua voz.

– Não creio que tenha sido intencional… Mas não importa, vá para lá. – Desliguei o
celular o mais rápido que pude.

Fora isso, a última parte foi convocar um pessoal que é uma milícia… Ex
combatentes, soldados reformados, aposentados que por um vintém fazem
qualquer tipo de serviço, seja sujo ou não. Eles me deviam um favor e bastou essa
última ligação para o Time Montana entrar em campo. Esse pessoal que mencionei
tem um poderio de fogo até que potente, mas a razão de tê-los chamado foram os
veículos de combate… Uns três tanques de guerra e quatro helicópteros, não acho
que precisarão usar tudo... Não quis envolver Akane nesse combate, além de ser
perigoso como forma de carinho decidi dar uma folga a ela. Deixei-a dormindo e
vesti um terno preto com camisa branca da labela larga por baixo, sem esquecer do
colete de kevlar. Dei uma noite de folga ao meu chofer também, peguei o Jeep caqui,
reforçado para situações como essa repleto de armas e munição me dirigi até a
entrada do Submundo. Fui o primeiro a chegar, vi Liam a frente de um pelotão de
robôs, e pela descrição são os necroides que Akane mencionou no jantar… Ela disse
que a cabeça é o ponto fraco deles… Que piada… Eles tem apenas um tanque e o
resto são essas latas velhas bem armadas… Estacionei o jeep na esquina do GQ dos
Steelhearts, que tava um bagaço. Tinha um robô que claramente era os olhos e
ouvidos da corporação, sendo diferente dos demais, não era para combate, e sim só
para captar o que acontecia na cena. Então abri o teto solar colocando o torso para
fora, segurando um fuzil militar com munição perfurante/explosiva e lança granada
de radiack, me dirigindo em alto e bom som a aquele robô.

– Você acha que pode me ferrar K’dore? Precisa mais do que um exército de carne
podre enlatada pra me ferrar… Eu sou Tony Montana…. Tente foder comigo e eu te
fodo duas vezes pior! – Apontei a arma abrindo fogo contra a carapaça dos elmos
dos necroides afim de expor os crânios.
– Se é uma guerra que essa velha vagabunda quer, é uma guerra que ela vai ter! –
Gritei antes de prosseguir com a segunda sessão de tiros, apenas para o robô captar
os xingamentos a Telford, pra puta saber que não tenho medo, e só então apertei o
gatilho de novo. O intento era destruir o robô zumbi dedo duro e deixar sem
monitoramento quem operava aquilo tudo.

Se conseguisse seria um ponto a nosso favor. Depois de começar a zona passei a


atirar na cabeça dos necroides, Akane também disse que os crânios são o ponto
fraco por serem muito frágeis, não passam de osso podre. Em um frenesi violento
com o lança granadas lancei as bombas de radiack contra aquelas deformidades.
Foi nessa hora que os helicópteros da tal milícia sobrevoaram o bairro, chegando
por cima dos prédios pairando à frente do conflito que iniciei. Não muito tempo
após isso Xiaren chegou junto dos traficantes que trouxeram cada viciado junto.
Cessei fogo com um sorriso estampado no rosto, apontando o fuzil para cima.

– Vocês se foderam!!! Ahahaha. – Gargalhei ainda mais alto, animado com o início
da mini guerra civil.

Recuei o jeep para não ser atingido pelo contra ataque dos zumbis de lata, saí do
carro e abri a parte de trás do mesmo, distribuindo armas e munição para cada um
que chegou ali para lutar. Xiaren e os traficantes trouxeram todo o tipo de armas e
armavam ainda mais o exército de viciados. No cruzamento da avenida Armitage o
azarado dono de uma pequena moto que passava pelo local no exato momento se
assustava com um tanque de guerra atravessando a esquina, alarmado deixou o
veículo no meio da rua abaixo do semáforo e fugiu. Se tratava da segunda parte da
milícia chegando para a festa em seu próprio veículo de guerra. Assim que
estacionou apontou o canhão para o tanque inimigo e disparou. Os dois helicópteros
que pairavam soltaram um míssil cada, tentando ampliar os danos do primeiro tiro.
Após a demonstração do arsenal da milícia, os clientes dos traficantes tiveram uma
simples ordem dada por Xiaren: atirar e abater o maior número de necroides que
pudessem. Assim, avançaram os traficantes também, logo atrás Xiaren e eu atirando
em tudo que fosse mecânico e tivesse aparência putrefata.

– Vamos lá! - Incentivei.

Quem ficava sem arma de fogo seguia com tacos, pedras, pedaços de madeira,
qualquer coisa que pudesse ferir. Esses eu sei que seriam os primeiros a
morrerem.... Mas não sejamos hipócritas, sempre existem os sacrifícios, não se
pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos. Gente assim é chamada de efeito
colateral. Se isso diminui sua pena por eles, a maioria desses sujeitos que foram
com tacapes estavam dopados, entupidos de droga até o cu, portanto nem
sentiriam dor quando fossem mortos. Não eram muito diferentes dos necroides. A
maioria em suas jaquetas de couro pichadas e com spikes eram de alguma gangue
de vagabundos que só sabiam saquear estabelecimentos pequenos, como
mercados de bairro, não gerava muito lucro e sinceramente seria um alívio se livrar
deles.... Usavam aquelas merdas daqueles visores de drogas virtuais, para eles
talvez parecesse uma partida de videogame... Esses, nós colocamos na linha de
frente, para receber o primeiro impacto.

Pollux

Eu nunca poderia ter previsto que aquilo aconteceria.


Mas todos ali iriam morrer e eu era o culpado.

Não acreditei nos limites da minha própria burrice. Telford nesse momento deveria
estar rolando de rir no chão com a minha ingenuidade, e o que mais me doía era que
o seu joguinho estava dando tremendamente certo. Não apenas ela estava
ganhando na questão de sujar a minha integridade, que só de trabalhar para ela no
passado recente já não eram grandes coisas, mas Carmen conseguiria fazer com
que até os seus inimigos jurados acreditassem mais nela do que em mim.
Provavelmente estava apostando na questão de que uma vez traidor, sempre traidor.
Se aquele grupo estivesse realmente crendo que eu iria traí-los após ter traído o
próprio time oposto, eles tinham menos neurônios do que eu imaginei a princípio,
mas certamente deveriam me usar como exemplo para mostrar o que acontece com
os espiões de Telford.

Se é que havia ali alguma parte boa era que ela mesma agora estava limpando o que
deveria ser uma lembrança póstuma minha: pelo menos em minha lápide acho que
não se lembrariam de mim como um wageslave de Telford, não é verdade? Eu
poderia morrer como um traidor, mas ao menos eu estava morrendo como um
traidor que migrou para o lado certo.

Bom, a quem estava tentando enganar. Honra nunca me serviu de muita coisa. Não
seria diferente hoje.

– Me escuta. – eu sequer ergui a mão quando vi que havia um dos combatentes


erguendo uma arma para mim. Eu merecia, o que me surpreendeu de verdade foi
que o líder não havia levado a agressão a um nível pessoal. Eu esperava uma surra,
mas me surpreendi com isso, e com a força que eu mesmo tinha e não sabia. –
Vocês não sabem de tudo. Eu planejava falar para você e para a X-9, mas ela sumiu
antes de ser possível e tudo isso aconteceu. Eu guardei os principais arquivos sobre
a CP3, o assassinato do prefeito e a ligação disso tudo com ela. Estaria tudo no
backup que vocês planejavam fazer, e olha só que maravilha. – eu fui e apontei com
a mão para uma carcaça de um mainframe no canto do que antes era a sala em que
nos reuniríamos, agora o computador mais parecido com uma casca de banana
metálica do mundo.

De novo, eu quase acertei Liam outra vez quando ele anunciou que entregaria a
hacker, e desta vez seria pra valer, mas meus instintos me seguraram e um sorriso
se desenhou no meu rosto depois que ele anunciou que havia chamado por reforços,
e não selado um acordo com a Telford. Naquele mundo, naquela cidade, naqueles
dias eu havia aprendido a não confiar em ninguém, um processo ainda a ser muito
aprimorado. Mas, pude ao menos ficar feliz em saber que estava diante de um
homem sensato. Enquanto eu me erguia, meus olhos ardendo e injetados com uma
cor vermelha em seus limiares como se com os vasos sanguíneos nervosos, enrolei
a mão e tossi contra ela conforme recuperava-me para falar.

– Eu quase morri lá, trabalhando. Mas escapei pelos túneis de esgoto da mesma
maneira como talvez tenhamos de fazer aqui hoje, eu sei disso. E o que eu sei a
Telford também sabe. Aposto que ela tem soldados lá embaixo também, ela não
arriscaria tudo em um ataque frontal. Se formos para lá e os túneis estiverem
cheios, estaremos cercados. – eu comecei a falar e expor minha opinião, mas eu
realmente não era o comandante do grupo, portanto calei-me depois que senti que
estava lecionando, sem querer deixar-me prepotente ou atirar-me ao posto de quem
tomaria as decisões. Voltei para Liam e falei diretamente com ele.

– Carmen quer duas coisas. Destruir vocês e as informações que eu guardo.


Destruir os Steelhearts é a parte difícil mas ela já está fazendo. Conseguir o que eu
sei é o que ela vai tentar a seguir, pois X-9 também sabe: tudo o que rolou no Canal
17. Se eu soltasse as informações que eu sei do jeito que estava quando saí do
Canal 17, eu iria incriminá-la. Eu quis saber quem eram vocês e o que faziam antes
de decidir o que faria com o que sei, afinal de contas Telford mandou me matar
primeiro, vocês não.

Eu realmente esperava que aquilo fizesse o mínimo sentido. Enquanto eu


convencesse Liam, tudo estaria bem, não precisaria convencer aos demais que
ainda me viam como inimigo. Mas se ele mandasse-os fazerem picadinho de mim,
eu bem que estaria mais seguro entre as hordas de soldados biônicos da Dama de
Prata. Colocando em termos simples, o que eu queria era dar de presente o que eu
sabia em troca da segurança dos Steelhearts. Com meus serviços, eu poderia
facilmente manipular as informações para que Telford e K'dore fossem sozinhos os
culpados do assassinato do prefeito. Só que se eu escolhesse ferrar uma menina
que eu nem conhecia direito, teria inimigos dos dois lados, a gangue que explodiu
meu local de trabalho e a minha própria empregadora.
Se eu acreditava que eles realmente eram a minha salvação? Não, mas eu podia
estar errado. Eu sabia que depois daquela noite, minha vida não teria volta, então já
que minha vida estava uma privada entupida eu enfiei a mão até o fundo.

– Tem uma porrada de arquivos corrompidos no meu backup. Senhas, arquivos,


notícias, dados de quem trabalhou lá, orçamento, tudo. Mas fiz questão de levar
tudo sobre essa CP3 antes que os servidores do prédio fossem explodidos por
vocês. – era meio que um tiro no escuro, naquela altura do campeonato. Se eles
estavam atrás de destruir toda e qualquer prova sobre aquilo, então eu era um
arquivo só esperando para ser apagado. De qualquer modo, confiei que eles não
fossem tão açougueiros quanto a Telford poderia ser, com a sua irremediável busca
pelo controle e pela sua própria causa de justiça.

– Não sou do tipo que promete meter uma bala na cabeça dela, mas posso quebrar
as pernas. Se essas notícias forem manipuladas e de alguma forma espalhadas de
qualquer meio possível, os seus colaboradores veriam que ela não consegue manter
um segredo tão bem quanto pensa. Seria um golpe forte contra as suas operações.

Nem precisaria de muito: se eu começasse a colar pôsteres ao redor da cidade com


esse tipo de notícia, provavelmente ela mandaria arrancar os muros onde eles foram
colocados. Então a mídia pouco importava, e sim a reação de Telford com aquilo.
Quando notassem que um segredo importante dela havia vazado, ela faria de tudo
para calá-lo, e era aí que ela morderia a isca. Engraçado, parece que a garota de
cabelos azuis não era o único X-9 da qual Carmen estava atrás, afinal de contas.

– Eu tenho laços com a promotoria. Carrie Hiring e o contato de minha antiga


parceira, Claire Falcon. Até um cara foda da S.W.A.T, quase incorruptível, eu poderia
trazer para o nosso lado. Vocês não vão derrotar Carmen e K'dore só nas ruas, com
armas e molotovs, eles usam mentira e intrigas como armas, está na hora de
alguém contra atacar no mesmo nível. – então foi quando eu senti de novo a
primeira explosão do lado de fora, algo que mais parecia uma trovoada, e julguei que
fossem os reforços dos Steelhearts. Ao fundo eu podia ouvir algum maníaco
gritando entre rajadas de fogo pesado, e o passo mecânico e metálico do exército
que era atacado. "Merda", pensei. E por alguns longos minutos foi tudo o que passou
pela minha mente antes que eu me dirigisse de novo a eles, com uma voz que
expressava desculpa. – Eu me entregaria a ela, se X-9 estivesse aqui e eu não fosse
mais preciso. Mas temos um backup a ser feito e aquela hacker para proteger.
Depois, eu aceito um julgamento. – eu sabia que não seria tão simples assim, mas
aquilo era mais simples do que a morte. Eu não poderia deixar os Steelhearts pior do
que quando eles estavam sem mim, e eu imaginava que X-9 poderia estar pensando
o mesmo que eu, em se entregar, a diferença é que nada a impedia de fazer isso, se
já não estivesse até mesmo já capturada. Só sei que quando Telford colocasse as
mãos nela, perderíamos a nossa vantagem. Não só ela seria tudo o que Carmen
queria, mas mantendo-a como refém ela sabia que se aproveitaria de nossa
fraqueza moral, e aí seria realmente o fim dos Steelhearts.

E aquele era apenas o problema que eles tinham, e que eu estava fazendo parte. Era
fácil esquecer que eu também era um problema para eles, agora que ficou
comprovado que Telford não só olhava através de meus olhos mas também agia
através deles. Eu estava mais ferrado do que imaginava. Aquilo tinha tudo e nada a
ver com os implantes oculares, ao mesmo tempo. Tudo a ver porque ela havia
acessado meu cérebro através do que havia instalado em mim, e nada a ver porque
não eram somente os implantes ópticos, mas os receptores que enviavam as
imagens ao meu cérebro. Por isso ela foi capaz de controlar todo o meu corpo. Ela
havia literalmente hackeado o meu cérebro. As conexões neurais que ligavam meu
cérebro aos implantes haviam servido de backdoor para os seus serviços, me
fazendo uma marionete ambulante e consciente de tudo o que estava acontecendo.
Não acho que eu conseguiria me livrar deles sem me livrar de todas as qualidades
que os olhos aperfeiçoados me garantiam, e mesmo se eu quisesse, onde eu
arranjaria um cirurgião tão competente? Era até capaz que eu perdesse algumas
funções mentais quando o processo fosse terminado, então estava praticamente
fora de cogitação. Callídora havia se livrado de seu implante inicial. Desde então, eu
não havia ouvido falar sobre ela, o que desta vez eu entendi como um bom
presságio. Se aquilo bastasse para tirar Telford de meus rastros de uma vez por
todas, então seria uma boa medida até que a Dama de Prata encontrasse outro meio
até mim. Meu próximo passo seria recorrer ao mercado negro, em busca de outro
par de olhos.

Só que naquele momento, eu tinha que trabalhar com o que tinha, e tudo isso era
hipotético apenas para o caso de sair de lá vivo. Eu já tinha escrito muita merda e
reportado um monte de boatos sobre o Tony, lá do lado de fora. Agora ele estava
arriscando a pele dele e dos soldados pelos que estavam dentro do esconderijo e
por mim, sem nem saber que eu estava lá. Me fez pensar quem eram realmente os
inimigos e os mocinhos daquela sociedade decrépita. Não vou dizer que estava
arrependido, eu vivia bem demais para ter uma crise de consciência. Mas se eu não
me tocasse de que estava do lado errado do tabuleiro eu seria um idiota.

– Vou te falar o que vai rolar se a gente sair daqui. O seu amigo vai perder a maior
parte do exército dele porque a Telford não vai recuar, enquanto ele cria uma
distração pra gente. E aí quando acabar com ele, com que força vocês vão contar
pra bater de frente com os soldados dela depois? – firmei os olhos contra uma tela
que uma das explosões ainda não havia destruído, que mostrava o feed atrasado do
lado de fora, lá da rua onde acontecia a porrada toda. Não parecia nada promissor
para o nosso lado. – Com um plano bem realizado e pouca coisa a mais, daria para
fazer ela fugir de nós. – eu estava disposto a dar cabo da tarefa sozinho em nome
de recuperar-me daquela mancha que acabei causando, mas não sabia se a
influência de Carmen sobre mim iria acabar estragando tudo de novo. Se eu fosse
hackeado uma segunda vez, aí seria o fim para todos. – Podemos lutar contra
Telford e escapar, ao mesmo tempo. – apontei outra vez para as câmeras com os
olhos, e virei a cabeça para o novo buraco feito no chão, com canos protuberando da
antes recepção do esconderijo. – Vocês que gostam tanto de explosivos, por que
não tentam descer comigo e colocar o que restou das bombas que vocês têm
debaixo da rua onde eles estão? – afinal eu conhecia minimamente a planta dos
esgotos de Miraitropolis, não só por ter corrido por eles pela minha vida menos do
que três dias atrás, mas porque um lugar tão low-tech é muitas vezes o esconderijo
de gangues e traficantes que o Canal 17 já costumou perseguir muito. Podia ser um
péssimo plano e improvisado nas coxas também, mas era o que eu tinha. E nada me
ligava mais aos Steelhearts do que a vontade de frustrar Carmen Telford.

Narrador

O confronto iniciado por Montana tomava proporções gigantescas, os tiros vindos


de todos os lados derrubando corpos - vivos e de cadáveres reanimados por
tecnologia - honrava a fama negativa que o Submundo leva. Ainda assim estava
bem acima de seus padrões habituais. Para cada necroide abatido quatro ou cinco
homens eram mortos, por exemplo, um grupo abrindo fogo contra um soldado da
Orion, este por sua vez se protegia usando metade do corpo de um viciado que fora
executado pelo mesmo. O escudo humano com os braços decepados aparava os
tiros, de sua carne se abria enormes buracos vermelhos, do rosto, barriga, costelas,
ombros e barriga, expelindo líquido vermelho. Como resposta rápida e eficiente o
necroide aponta sua pistola com munição de radiack e utiliza sua mira automática
no contra ataque. O resultado são rombos certeiros no tórax de cada um,
atravessando seus corpos. Ao sobrevivente só resta soltar sua arma e fugir,
inútilmente, pois seu fim é o mesmo que os dos demais. Isso era só uma das cenas
brutais no Submundo.

Ao passo que o caos e derramamento de sangue ia se tornando histórico para


Miraitropolis, os remanescentes dos Steelhearts, Liam, Thomas e Joe estavam se
abrigando entre escombros de concreto e metal das ruínas do QG, procurando se
manter vivos, junto de Pollux. Joe olhava para Liam, que em troca também o olhava,
Joe sabia da resposta apenas ao fitá-lo.
– Ok cara, supondo que a gente acredite na sua história, guarda um pouco ela pra
contar depois, é muita informação para ser absorvida num momento como esse. –
Disse Joe, abaixado entre uma parede quebrada.

– Vamos ver se entendi… Quer colocar bombas no esgoto e mandar os soldadinhos


podres da Telford literalmente pra vala? O plano me soa pirado demais… Mas quer
saber? Eu sou um pouco pirado. – Tocou com o indicador ao lado da cabeça,
fazendo o gesto de louco.

– Thomas, você é o cara dos explosivos, pode fazer isso? – Voltou-se para o
cientista, no entanto antes que Thomas pudesse responder, o zunido de uma rajada
de balas rasgando o vento passava tão perto que interrompia o assunto impedindo
que Dr Carwell desse sua confirmação.

– Porra, essa passou perto… Quase me caguei… Então, Thomas, desce nos esgotos
que te dou cobertura… Caralho, logo agora? – Ao olhar para o cientista, Joe viu que
Carwell estava com a roupa manchada de vermelho no abdômen, também continha
um ferimento no rosto, exatamente no olho direito. Joe correu abaixado até ele.

– Diz que não está morto… Não agora, depois você pode morrer… – Conferiu o pulso
de Thomas, estava vivo, mas fora baleado no estômago, além de ser atingido de
raspão no olho.

– Pollux, tenho uma péssima notícia, o cara das explosões está nocauteado. O seu
plano vai ter de ser abortado… – Outra rajada foi desferida contra eles, as balas
atingiam as paredes salpicadas de furos que começavam a ceder, a proteção
parecia que não iria resistir muito.

– Fudeu… Agora fudeu… – Disse para Pollux e Liam, no entanto, sem explicação
alguma os tiros cessaram e o barulho de uma armadura de ferro pesada caiu no
chão.

– Ué… – Continuou abaixado, sem entender nada.

– Vocês me devem mais uma! – Foi a voz de Tony Montana, ele pisava o peito do
necroide que baleou Thomas e apontando o fuzil para seu rosto explodindo os
miolos do mesmo com um tiro de misericórdia.

– Liam, sei que tivemos diferenças no passado… Por isso não posso deixar que
Carmen e nem K’dore acabe com você, esse é meu dever. – Sorriu com a
brincadeira, aliviando a tensão.
– Thomas está seriamente ferido, perdendo muito sangue, se continuar assim não
vai resistir muito. – Comentou Joe para Montana.

– É, ele não parece nada bem mesmo… Me deixe pensar… Se não me engano, os
Laboratórios Carwell ficam no subsolo da Cidade Média. Tenho um ouvido bom e
mesmo com a barulheira escutei esse cara dizer que conhece bem a planta dos
esgotos – Apontou para Pollux. – E… Ein… Você e o maldito jornalista que muitas
vezes falou merda de mim… – Reconheceu o jornalista. – Bom… Não é hora nem
lugar pra lavar a roupa suja, depois a gente conversa, garoto… Você disse também
que pode ter soldados da vadia lá embaixo… – Ele colocou o rosto perto da abertura
e tiros foram disparados na sua direção, por sorte nenhum atingiu Tony na face.

– Filhos da puta… É, tá cheio desses bostas lá embaixo. Tive uma ideia que pode
resolver isso. Torçam para dar certo. – Tony olhou aos arredores do ambiente
destruído coçando o cavanhaque e saiu por um minuto de perto, correu até seu jeep.

Menos de um minuto voltou invadindo os escombros do esconderijo dos Steelhearts


com o veículo camuflado. Acelerando contra uma parede quebrada e enfraquecida
ele bateu com força na mesma fazendo despencar pela metade no buraco de
acesso às galerias do esgoto. Aquilo criou uma rampa improvisada - e caiu por cima
de alguns necroides, esmagando-os - seu jeep era modificado e reforçado para
combate, não era um tanque de guerra como os da milícia, mas a escolha do veículo
não foi a toa, podia suportar uma boa quantidade de impactos além de possuir uma
boa força motora e tração nas rodas, além de ser blindado. Antes de descer as
quatro portas do jeep se abriram parando a frente do buraco, Tony disse:

– Coloquem Thomas no banco traseiro, e se tiver mais alguém ferido, tragam


também. – Joe foi suficiente para levar sozinho Thomas até o automóvel.

– Mas Liam…. Só levarei quem é de suma importância, sei que sua gangue tem
muito feridos… Mas não posso levar um por um… – Novamente Joe e Liam trocam
olhares e sem dizer nada um sabia o que outro pensava e tinha a resposta. Boris é
trazido e colocado ao lado de Thomas, sem seguida foi a vez de Yami.

Junto mais dois acompanhantes armados com fuzis de alto calibre, um homem de
quarenta homens, alto e grisalho que é chamado apenas de Coronel, e seu filho,
Herrera. O carro soltou uma série de roncos extremamente altos, ao ponto de
intimidar qualquer um e desmotivar a ficar em sua frente, mas lá embaixo quem
estava esperando eram soldados sem vontade de K’dore e eles ignoraram os avisos.
O jeep arrancou saindo de seu descanso e desceu a rampa, atropelando os
necroides e estacionando em cima de mais dois. Tiros foram disparados mas os
projéteis foram rococheteados. Tony no volante contemplou o túnel alagado e
extenso a sua frente e acelerou, não viu o resto da tropa de robôs e carne, ossos,
músculos, tendões e metal batiam contra o parabrisa do jeep ao desmembrar os
soldados desmortos, Tony parecia se divertir, mantinha um sorriso sobre a face a
cada atropelamento. Uma sopa pútrida de órgãos batia nos vidros e Montana
continuava acelerando pela imensidão dos túneis subterrâneos, admirado como
existia uma cidade embaixo de outra.

– Então garoto GPS, nos guiar até os laboratórios do Dr Carwell. – Fitou Pollux pelo
espelho acima do vidro central.

Na disputa do lado oposto da cidade o tempo se esgotava para a equipe de Crovax.


Assim como Tony, Liam, Joe , Pollux, Yami e Thomas, também estavam abaixo da
terra, mas por razões bem diferentes. Depois da bem sucedida ação de eliminar
inimigos nos esgotos um deles ainda respirava. Não tinha muito tempo de vida e
dedicaria aqueles últimos minutos a sua organização, a Liga dos Predadores. No
entanto, não tentaria uma ofensiva para cima do time da S.W.A.T. - Até mesmo
porque seria inútil e estava desarmado - coberto de sangue os dedos da destra
tocavam o pulso do braço oposto. O bracelete de metal se desdobrou em diversos
segmentos emitindo um barulho mecânico, resultando em um fio preto na
extremidade, que por sua vez virou um tipo de tubo com cinco pontas que cravou no
solo como um tripé. O tubo de ferro emitiu uma luz intensa para cima, tão brilhosa
que quase cegava. Desse feixe de luz se formou a imagem holográfica de Aleksey,
em uma espécie de transmissão ao vivo.

– Porque isso não me surpreende? Bem que minha mãe dizia…. Nunca confie em um
policial, e aqui no nosso caso temos vários, as chances de decepção são maiores…
Que racinha maldita… Não era necessário essa lambança para desarmar as bombas,
eu disse que elas seriam desativadas se vocês comparecessem… Acho que querem
mostrar eficiência ou que a situação está sob controle… Mas não está… Sou um
homem de palavra, a bolsa de valores não vai sofrer um arranhão… No entanto… Não
vejo nosso amigo Tenente Clay Crovax com vocês… – Pausou para verificar entre o
grupo se Crovax estava presente.

– Estou decepcionado… Quer dizer que existe algo que requer a atenção dele mais
do que isso aqui? Eu me sentiria ofendido se não estivesse enojado… Acho que ele
fez pouco caso para ofender mesmo… – Aleksey cruzou os braços e com um dedo
contou quantos da equipe ali estavam. E sim, ele podia enxergar pela transmissão
holográfica.

– Pelos meus cálculos faltam dois… Além de Crovax… Sifer? Hmmm… O que eu faço
agora? Estou em um dilema… Cumpro minha palavra ou dou um corretivo em vocês?
– Parou por uns instantes com a mão no queixo pensando. – Para o Inferno!
Inocentes vão pagar pela arrogância do Tenente! Abdul, esses pontos são seus! –
Apontou para algum lugar que a transmissão holográfica não captava.

Abdul, outro membro fiel da Liga dos Predadores, dava sua vida à pontuação do
ranking. O homem bomba levava desgraça a todos dentro do prédio. Um estrondo
vindo de cima estremeceu os esgotos, em simultâneo o prédio da bolsa de valores
entrava colapso com a detonação, suas proporções tão devastadoras
arremessavam pedaços da estrutura da bolsa de valores para diversos pontos do
centro financeiro graças a violenta explosão, ceifando abruptamente a vida de
centenas de trabalhadores no seu interior. Pedaços carbonizados de pessoas, ferro,
concreto, madeira, vidro foram jogados para cima e para os lados como se tivessem
sido expulsos do inferno. Voando em chamas esses destroços caíram por cima de
residências, carros, escolas, lojas e todo o tipo de comércio, despencavam
diretamente nas pessoas nas ruas também. E da mesma forma que detonou
findou-se, o barulho caótico ensurdecedor deu lugar a fumaça tóxica de concreto se
erguendo pelas ruas do local, tomando quadra por quadra em pouco tempo. Três
minutos depois os outros bairros já podiam ver a fumaça negra se erguendo do
centro de finanças da cidade. Cinco minutos caía uma chuva de fuligem negra por
toda Miraitropolis.

– Diga ao Tenente Crovax para esperar novas instruções, e que desta vez me trate
como prioridade! – Blocos de pedras e terra soterram o projetor holográfico e o
homem que o portava.

A frente da S.W.A.T. pilastras e grandes placas de concreto começaram a ceder, o


teto abriu um vão onde engoliu toda a rua, aquela era a avenida de frente da bolsa de
valores. Como um efeito dominó a fenda do teto dos esgotos se ampliou passando
a engolir tudo que se encontrava na superfície, as viaturas da polícia, postes,
calçada, grandes porções de asfalto, canos de água e gás se abriram,
transformando o subsolo em uma armadilha. Quando a confusão da queda terminou
a fenda enorme permitia a entrada de uma nuvem de pó iluminada por uma luz clara
trêmula vinda de fora. A cena era a seguinte, a frente eles tinham a visão de muitos
escombros, um rasgo que dava para a rua, no entanto teriam de passar por gás
expelido, canos de água atrapalhando a passagem e muitas vigas de aço retorcidas
como espinhos, além de não saberem como estava a parte exterior, era bem
provável que aquele caminho além de perigoso dava uma falsa esperança uma vez
que resultaria em uma cratera na frente do que foi a bolsa de valores. O jeito seria
retroceder e se aventurar pelas galerias.

A notícia boa para a S.W.A.T. era que pelos esgotos tinham mais de uma opção de
fuga justamente devido as galerias, e estavam de certa forma mais protegidos do
epicentro do que quem estava na superfície. A parte ruim era que ao mesmo tempo
o que se tornava uma vantagem virava desvantagem, tantas escolhas de rota
transformava a fuga em um verdadeiro labirinto, um tiro no escuro, além de não
saber para onde aqueles caminhos davam - se é que davam para algum caminho -
poderiam encontrar qualquer tipo de surpresa no meio da tentativa de fuga.
Precisavam ser rápidos antes que o mundo desmoronasse em suas cabeças.
Crovax ainda não fazia ideia do perigo que seus colegas estavam passando, e no
Vintage ele teria de fazer uma escolha muito importante, confiar em X-9 e levá-la até
a M.T.P.D. para trabalhar com Sifer na construção de uma I.A. para ficarem mais
perto de K’dore ou deixar a hacker seguir seu rumo por conta própria, afinal ela tinha
respondido as perguntas de seu interesse. Assim que a hacker terminou de falar,
Sifer voltou-se para seu Tenente e o fitou, esperando uma resposta.

No Submundo o confronto ainda estava longe de terminar e apesar do apoio que


Tony teve, era prematuro demais arriscar dizer quem venceria. Os becos, ruas, vielas
e calçadas estavam coalhados de corpos, tanto de necroides quanto de pessoas
vivas. Havia claro, aqueles agonizavam ao relento na sarjeta com feridas
assustadoras expostas, abatidos como gado. Em contraste existiam as carapaças
de metal retorcidos e varados por balas que se dispunham espalhados com
conteúdos apodrecidos em seus interiores inanimados. Vísceras mantinham
pendentes balançando nos arames de grades enferrujadas. Carcaças de carros
estavam virados de cabeça para baixo, pegando fogo e muitas das residências
haviam sido destruídas com tiros e bombas, obrigando os proprietários - que
sobreviviam - fugirem apenas com a roupa do corpo. O sangue de aliados e inimigos
se juntavam nas vielas formando um córrego vermelho até as bocas de lobo.
Membros decepados faziam parte do cenário apocalíptico, a partir daquele
confronto a data seria lembrada pelo pior massacre no Submundo, um bairro que já
não tinha uma boa fama. Nesse momento o Submundo fora invadido por uma chuva
de fuligem que despencavam do céu arrastada pelos ventos. Ambos os lados
pararam para observar o estranho fenômeno, aquilo escureceu ainda mais o céu e
apenas os neons piscando podiam ser vistos se destacando na paisagem
escurecida.

– Que diabos é isso? – Indagou Xiaren, tentando olhar para cima, seu cabelo já
estava carregado com a fuligem preta, seu rosto também parecia bastante sujo.
Colocava a mão à frente do rosto.

Grande parte ainda se perguntava do que se tratava aquilo, e antes de obterem


qualquer resposta, num raio de dois quilômetros dali se ouviu uma tremenda
explosão. Se tratava do segundo prédio que a Liga dos Predadores colocava abaixo
como promessa. As vidas de dezenas de sem-tetos foram ceifadas assim como as
do Centro Financeiro e repetindo a sequência de eventos um paredão de fumaça se
ergueu sobre as ruas do Submundo engolindo tudo que estivesse ao redor. O
combate fora interrompido por razões de força maior.

Seguindo as coordenadas de pollux o jeep de Tony finalmente chegava ao complexo


subterrâneo Carwell, e para surpresa do mafioso as galerias de acesso eram bem
estruturadas parecendo que foram projetadas para aquele momento. O jeep não só
pode transitar com certa facilidade e liberdade por uma galeria larga como
estacionar em um local quase parecido com uma estação de metrô. Este local
ficava a frente da porta subterrânea do laboratório feita totalmente de aço fundido e
metal reforçado de designs industriais. As pilastras por exemplo eram grossos
canos anexados uns aos outros, nitidamente improvisando uma sustentação que
apesar da aparência não era frágil. A volta de sulcos entre chapas de ferro fundidas
uma nas outras continham linhas em neon amarelo na horizontal e nas laterais da
porta uma sessão de pequenos neons laranjas na vertical.

Carregados por Tony, Joe, Coronel e Herrera, Thomas junto de Boris foram retirados
com cuidado do automóvel. Yami apesar de estar em uma situação melhor foi
recomendado a não fazer força e ficou apenas olhando. Boris não se preocupava,
havia passado por cuidados médicos e apenas estava sendo removido de lugar, mas
Thomas perdia muito sangue e entrava em estado de choque. Todos batiam nas
paredes de ferro escuro, chamando por alguém que estivesse do outro lado e
pudesse abrir a porta, mas ninguém respondia. Tony pediu para Coronel segurar o
cientista em seu lugar e se aproximou da entrada fechada, olhando com mais
precisão para a porta.

– Tragam ele aqui, por favor. – Ordenou convocando Coronel e Joe que fizeram o
que Montana pediu.

– Vamos ver… Deve ser isso, só pode ser isso… – Pegou a pulso de Thomas e
colocou contra um display opaco, quase imperceptível entre as estruturas de metal.
Pressionando a palma o display afundou, mudou de cor ficando verde emitindo um
“bip”. Em seguida abriu a entrada fora desbloqueada. O ruído agudo de travas
magnéticas se abriram ao redor da porta maciça de metal e Thomas foi levado aos
corredores internos. O ambiente lá dentro era totalmente diferente do de fora, com
paredes brancas lisas que passavam circuitos, o visual era altamente hi tech
mostrando ser construído com tecnologia de ponta. Boris e Thomas eram
arrastados pelas dependências, o sangue manchava de vermelho o piso alvo do
laboratório.

– Puta que pariu! Não tem ninguém pra atender a gente nessa caralha? – Esbravejou
Tony, irritado segurando Thomas junto do Coronel.
Ouvindo o brado de Montana uma mulher magra de óculos com armação larga e
jaleco branco correu até eles, ela tinha cabelos longos, loiros presos e escorrido a
lateral do rosto. Quando notou se tratar do Dr Carwell a moça pareceu se preocupar
muito, a ponto de esquecer os estranhos invasores e como eles conseguiram
adentrar o complexo.

– É o Dr Carwell! Ele precisa de cuidados! – A mulher de olhos arregalados se


aproximou de Thomas, mostrando ser íntima dele, guiou os estranhos até uma
grande sala igualmente branca como o restante do complexo.

A diferença dessa sala é que apenas uma única máquina ocupava todo seu espaço,
encostada ao fundo de uma parede. De uma ponta a outra, do chão ao teto, tubos e
fios conectados em circuitos interligavam suas placas espalhadas pelo scanners e
displayers. A loira digitou uma senha e a parte superior de vidro escuro se abriu, logo
o tanque principal fora preenchido com um líquido azul parecido com água, só mais
fluorescente. Fora preenchido até o limite antes de transbordar. Uma ampla escada
de ferro na frente da máquina auxiliava Montana e Joe levar Thomas até o domo
aberto e ali a doutora inseriu tubos de oxigênio em suas narinas e boca, foi uma
cena um tanto grotesca pois ela precisou usar de força e quando conseguiu um
barulho desagradável de cartilagem sendo deslocada ecoou pela sala arrancando
caretas estranhas de Liam, Joe e Tony, habituados a crueldade das ruas. Uma
máscara plástica incolor caiu do teto e fora colocada no rosto do cientista. A loira
rapidamente removeu as roupas ensanguentadas de Thomas, sapatos, meias, como
se já soubesse esse caminho…. Deixou apenas a calça e ajudou os dois homens
descerem Carwell lentamente até submergir no líquido. Em sua parte frontal o
tanque continha outro vidro oval onde se podia monitorar a situação do paciente. A
jovem e atraente loira olhou para o cientista dentro do tanque e suspirou, em
seguida virou-se a Tony e Joe, olhando Pollux, Liam, Coronel, Herrera e Yami
também. Boris se encontrava ainda desacordado, em uma maca na frente da porta
da sala.

– Obrigada pela gentileza em terem trazido o Dr Carwell. Eu sou… Digo… Fui


assistente do pai dele, Daniel Carwell e colega de Thomas na faculdade… Nos
tornamos bons… Amigos… E entre os pupilos fui a favorita de Daniel… Ah, vocês não
me conhecem… Sou a Dra Vangelis… – Se apresentou, um tanto quanto atrapalhada
nas palavras, não parecia que uma mulher tão linda como Vangelis se comportasse
de maneira tão insegura.

– E vocês quem são? Vou colocar o outro ferido na sala de observação enquanto
me contam como conheceram Thom… Dr Carwell… – Se corrigiu, levando Boris para
outra sessão com a maca de rodinhas. Herrera a ajudou.
Enquanto a Dra Vangelis repousava o desacordado Boris cada um se apresentava e
contava um pouco dos fatos. Tony até aproveitou para se comunicar com Akane por
uso da pulseira comunicadora, comentando do seu paradeiro. Entre uma explicação
e outra Pollux sente uma tontura, dores de cabeça seguidas de tontura, mas tão
sutis que ninguém parece perceber. Como se estivesse com labirintite ouve vozes ao
fundo. O que seriam esses sintomas? Em breve ele irá descobrir.

Leon era o carcereiro de uma outra mulher loira de cabelos longos e corpo atraente,
não seria difícil cair nos encantos dela, mas negócios eram negócios e ele não
poderia ceder aos seus instintos primitivos. No outro canto da sala, um dos homens
que havia capturado a tal mulher falava em um celular com outra pessoa, ele parecia
apenas concordar com a cabeça e usando palavras curtas, o que mostrava
nitidamente que não era o organizador de tudo, este estava do outro lado da linha.
Encerrando a chamada, o homem com máscara de cachorro guardou o celular e foi
até a cela da moça que Leon tentava acalmar. Um fato bastante notável era que a
máscara do sequestrador representava um cão rottweiler deformando com três
rostos geminados como uma aberração, tornando tudo ainda mais assustador. Ele
puxou uma faca de combate, a lâmina brilhava refletindo os olhos em pânico da
sequestrada. O mascarado a puxou pelos seus cabelos, trazendo a força mais perto
das grades, por alguns segundos deslizou o fio suavemente na lateral esquerda da
face da moça arrancando um fino filete vermelho de sua pele macia, ela chorou em
silêncio, soluçando. Foi então que moveu o pulso rente ao rosto triplo plástico de
rottweiler enquadrando a imagem para que fosse capturado o ângulo tanto dele
quanto da pobre refém chorando. A imagem seria direcionada diretamente para o
nervo ótico do repórter e ele veria a situação como uma lembrança dentro da sua
cabeça, porém, bem diferente de uma recordação, o drama de Callidora se
desenrolava em tempo real.

– Pollux, estamos com sua amiguinha, sabemos que se juntou aos Steelhearts. Sem
frescura nem nada, se entregue e vamos soltar sua coleguinha gostosa. Não nos
faça enviar pedaço por pedaço dela, seria um desperdício e tanto. – Ele simulou
farejar a moça com o focinho de cachorro da máscara.

– A Dama de Prata vai te localizar pelos implantes e você ficará pianinho, nada de
falar com o pessoal aí. A gente chega, pega vocês, entrega para a patroa e a
Callidora fica sã e salva. Ela deve valer mais para você do que seus novos parceiros,
né?

Callidora poderia ser um nome que não significava nada para Leon, mas Pollux e
Dama de Prata sim. Sem saber, será que ele estava trabalhando para a inimiga? E
será que a inimiga também não sabia? Como um estalo, o homem felino tinha um
lampejo, Pollux era o tal jornalista que misteriosamente apareceu no esconderijo da
gangue falando sobre uma história difícil de acreditar mas que poderia ser verdade,
e agora podia comprovar. Só havia uma maneira de colocar aquilo tudo à prova,
enfrentar os sequestradores, arrancar informações dele, isso significaria trair seu
empregador, mas isso realmente valia algo agora? Todavia precisava escolher
rápido. Ficar calado e receber pelo serviço de sequestrador ou salvar os Steelhearts,
Callidora, além de obter informações muito importantes sobre Carmen Telford.

Claire conseguia imagens dos sequestradores de Carrie, não era muita coisa mas ao
menos um bom começo. Sua equipe também eficiente conseguia a placa do carro
em que ela foi levada. Ede 3062. Aquilo poderia não significar nada os bandidos
provavelmente já teriam trocado de veículos no mínimo duas ou três vezes até
chegarem em seu destino. Tanto a investigadora quanto sua equipe estavam ficando
sem mais indícios importantes da cena do crime e como todo mundo sabe isso não
é bom sinal. O time corria contra o tempo, cada minuto perdido poderia decidir o
destino da promotora, condenando-a ou não a um final fatídico. Vasculhando todo o
apartamento de Carrie um dos estagiários recém admitidos no departamento de
Claire encontrava no quarto uma pista importante. Embaixo da cama existia uma
lajota de cerâmica, ela parecia solta. Cuidadosamente, o estagiário indiano removia
a peça quadrada e descobria que servia como tampa para um fundo falso. Auxiliado
por sua lanterna de led, Ravi descobria um aparelho de tecnologia simples chamado
reflectron.

Este incomum dispositivo continha duas telas frontais, uma em formato oval e outra
retangular que servia para customizar a configuração. A apresentação do display era
em digital verde. Um seletor vermelho abaixo e uma saída de áudio compunham o
sistema. E por fim o mais importante, quatro luzes vermelhas indicavam quatro
diferentes localizações. Uma no Centro da cidade, uma no Submundo, uma no Eden,
outra no subúrbio de Miraitropolis e a última em Troika. Era óbvio que se tratava de
um aparelho de rastreamento, Carrie provavelmente usa algo discreto, um pingente,
um brinco ou outro adorno que na verdade é uma antena de transmissão para esse
aparelho, ou não faria sentido existir um tipo de código entre elas caso passasse por
perigo. Ravi olhava aquilo com preciosa estima.

– Senhorita Falcon, solicito sua presença no quarto da senhorita Hiring, por favor. –
Ravi informava Claire pressionando o lóbulo da orelha esquerda que continha um
chip de comunicação.

Ele mostrou a descoberta para a investigadora, animado, entregou a ela o objeto


quadrado com a pintura desgastada. Explicou a Falcon o que era aquilo, no atual
momento a amiga de Carrie tinha além das imagens um aparelho para rastreá-la.
Outra chave se tratava da placa, costumeiramente elas indicam o bairro de onde o
automóvel é proveniente segundo o Departamento de Trânsito. No entanto Ravi
explicava que aquele objeto por ser um equipamento meio antigo apontava para
uma localização não muito exata, mostrando as quatro últimas paradas que os
sequestrados fizerem e a ordem, Centro, Submundo, Eden e Troika não estavam em
ordem cronológica. Claire podia tentar seguir uma lógica, se é que ela existia, ou
arriscar aleatoriamente um dos quatro bairros e procurar a colega desaparecida em
um deles.

Nos Laboratórios Carwell algo de inesperado acontece, dentro do tanque aquele


líquido deveria curar Thomas. Não que não tenha feito isso, fez e com bastante
eficiência, até rápida demais, o que surpreendeu foi que via ferimentos o líquido
fluorescente entrando em contato com a corrente sanguínea do cientista gerou um
evento estranho e extremamente bizarro. O vidro frontal trincou e estourou
derramando todo o conteúdo do tanque, espalhando pelo piso a “água”, o que
aconteceu pegou a todos de surpresa. O metal foi retorcido e rasgado em dois
segundos e jogado para o lado, a máquina agora não passava de um amontoado de
sucata. Do interior ferro retorcido uma versão grotesca de Thomas surgiu. Sua altura
passava dos três metros, seu porte agora também estava avantajado, sulcos
musculosos brotavam pelo corpo do cientista, os bíceps eram anormais, ninguém
humano conseguiria atingir tais proporções. Porém um lado do corpo era maior do
que o outro, o esquerdo era deformadamente maior do que o direito, o braço
arrastava ao chão seguido de dedos longos e pontiagudos. A perna parecia mais um
pilar e também possuía extremidades afiadas nas falanges. O olho que fora
danificado agora não passava de uma órbita vazia e escura, e os lábios entreabertos
e finos mostravam dentes afiados como cacos de vidros. Esse lado mais afetado
continha um tom verde de pele, rachado, como azulejos cravejados, semelhante a
escamas. Babava uma gosma viscosa incolor.

– Mas que porra é essa? – Indagou Tony. Foi o único capaz de expressar algo
naquela hora.

Mas sua voz parecia incomodar os ouvidos daquela criatura e rosnando ela partiu
para cima do mafioso e com um movimento com o braço bizarro atingiu o peito de
Montana rasgando seu terno junto do colete e arrancando sangue de seu tórax. O
sangue do gangster escorreu preguiçosamente pela parede branca. Tony foi jogado
para longe atravessando uma janela e parando em outra dependência do complexo.
Os outros ficaram só observando a cena violenta, aparentemente em choque. Dra
Vangelis assustada jogava-se ao chão, descabelada seu penteado se desfazia.
Erguendo-se lentamente olhava sem acreditar no que Thomas tinha se tornado.
Lamentando-se de alguma maneira sentia-se culpada pela transformação do colega.
– Eu achei que o tanque estava abastecido com o regenerador de células tronco… É
o que usamos quando um paciente está em estado grave… Não fazia ideia de que
alguém havia alterado o líquido com algum um experimento… Uma coisa bizarra
como essa… Como… Digo… Qual é o objetivo? – Seu olhar vago pendia para baixo.

– Deveria saber, oras, você trabalha aqui, não a gente – Respondeu rispidamente
Herrera, puxando seu fuzil e apontando para a criatura.

– Espere… Detenham… Mas não matem o Dr Carwell. – Vangelis segurou o cano da


arma de Herrera.

– Vou tentar fazer o possível, doutora, agora larga minha arma! – Puxou o fuzil
liberando das mãos da loira.

– Preparado, pai? – Dirigiu-se ao Coronel.

– Desde que nasci, filho! – Coronel colocava o monstro na sua mira.

Thomas rosnando insanamente colocava as mãos na volta da cabeça, tapando os


ouvidos, nitidamente incomodado com o diálogo na sala semi destruída. Gritando o
urro saiu de sua boca como uma sirene, este por sua vez não pareceu lhe
incomodar, no entanto poderia vir a atordoar os presentes ali. Independente disto,
afetados ou não com o som estridente e bastante alto a criatura correu desferindo
muitos golpes com os braços em todas direções a fim de golpear qualquer um com
sua força descomunal, assim como foi com Tony.

Recomendações e detalhes

Thomas saiu ferido no confronto no Submundo e algo deu errado, Liam e Pollux vão
ter de combater o cientista nessa versão monstruosa, no entanto, sem matá-lo.
Junto deles os npcs Joe, Coronel e Herrera podem ser usados também. Yami e Tony
estão feridos e não poderão auxiliar no combate.

Sua dificuldade é 16. Acima de 18 é considerado dano crítico. O HP é 12.


Vale o mesmo sistema de combate que foi com a Gueixa, a cada golpe com sucesso
baixa 1 de dificuldade do boss, no entanto a diferença é que desta vez os jogadores
(não o boss) jogam os dados duas vezes, uma para se defender e outra para atacar.
Outra coisa, tomem cuidado para não zerar (matar) o HP de Thomas, ou a missão
falha.
(Tem um bônus secreto que quem descobrir pode derrotar o boss mais rapidamente
e sem jogar os dados.)

Caso (esperamos que não) Thomas não possa postar o ataque da próxima rodada, a
narradora aqui fará o turno por ele.

A ordem segue: Liam, Pollux (Os npcs devem jogar os dados dentro do turno de
quem os controlar. ) Thomas.

Obs: Pollux um pouco antes tem que narrar como reagiu a informação de que
Calidora está viva mas em cácere.

Crovax tem que decidir se confia em X-9 e se levará ela para o Departamento de
Polícia. A escolha vai influenciar diretamente no turno da hacker. Se escolher não
levá-la, ela seguirá seu rumo. Se optar confiar decidirá se revela sua verdadeira
identidade ou não. A segunda parte da missão é escolher o caminho que seu
pelotão vai seguir pelas galerias dos esgotos até um local que julguem ser seguro.

Leon também tem uma importante escolha, fazer vista grossa diante a descoberta
de que possivelmente está trabalhando para o lado inimigo ou desfazer os laços
dessa união. Caso decida enfrentar os sequestradores de Calidora, terá de deixar ao
menos um vivo para interrogá-lo. As perguntas serão elaboradas conforme o jogador
quiser.

Claire tem que juntar as pistas que estão dentro de sua parte no capítulo, seguir uma
lógica (se quiser e achar que existe uma, nada é certo) e com as mesmas se basear
em qual bairro os sequestradores levaram Carrie. Deve escolher se vai com a equipe
ou sozinha. Ou se pede ajuda a única sessão ativa no Departamento de Polícia, o
esquadrão de Crovax (isso ambos podem combinar em off)

Akane ainda está de folga (?) Mas se quiser pode narrar um diálogo com Tony. Ou
ser convocada por Liam.

Aron ainda está em stand by, sendo transportado para um local de segurança da
Dama de Prata.

Liam
Meu sangue fervia nas minhas veias, meu coração batia acelerado, meus olhos
transmitiam toda minha raiva e frustração. Naquele momento eu estava sentindo a
pior sensação do mundo, não podia ajudar meus companheiros ou protegê-los, eu
era apenas um inútil abaixado atrás de um pedaço de concreto no meio de uma
zona de guerra.

Para piorar, eu estava sendo salvo por Tony Montana, estávamos trabalhando juntos
em toda aquela empreitada para desmascarar Telford, porém nos odiamos e dever
minha vida a ele, era humilhante. O som do tiroteio e das explosões ecoava por todo
o submundo, Joe resmungava, buscando alternativas, mas estávamos de mãos
atadas, nossa única opção era esperar.

Quando a poeira baixou um pouco, Tony entrou nas ruínas do prédio com um veículo
fortificado, nesse momento sofri mais um baque. Tive que abandonar praticamente
todos meus companheiros feridos, podendo levar apenas Joe, Boris, Yami e Thomas
que tinha acabado de ser atingidos.

O que veio depois disso são meros detalhes, abrimos uma entrada para os esgotos,
que possuíam verdadeiras ruas subterrâneas. Apesar dos diversos inimigos
escondidos pelo caminho, Tony os atropelava e os dois soldados que também
estavam no carro atiravam sem parar contra os inimigos, A idéia era seguir pelo
esgoto até o esconderijo de Thomas, que ficava no subterrâneo da Cidade Média.

Ao chegar no local, éramos recepcionados por uma linda cientista, segundo ela era
ajudante de Thomas. Tony e Joe explicaram para ela toda situação enquanto eu
tentava acordar Boris e Yami, o que era em vão. Eles então preparam uma espécie
de cápsula com um líquido azul dentro, pela que entendi da explicação da ajudante
serviria para regenerar os ferimentos de Thomas.

Com tudo preparado, Thomas foi colocado dentro da cápsula e ela foi acionada. Eu
fiquei com as costas escoradas na parede, apenas observando tudo que estava
acontecendo. Foi quando algo aconteceu, o aparelho foi totalmente destruído e
Thomas saiu de dentro totalmente modificado. Estava gigante, com músculos
gigantescos, além de brutalidade implacável, jogando Tony para fora da instalação
com um único golpe.

– Puta que pariu, por isso que eu odeio essas trapaças tecnológicas.

Comentei aquilo quando a criatura saiu girando e tentando acertar tudo no seu
caminho. Enquanto isso, Joe, Coronel, o filho e eu começamos a correr para tentar
nos proteger do monstro maluco. Eu e o Herrera não tivemos sucesso, ambos
fomos atingidos e jogados contra o chão. Por sorte Joe não o puxou pelos braços,
enquanto o Coronel o distraía correndo e atirando.

Respirando ofegante, sentindo uma forte na coluna, falei enquanto observava a ação
desesperada do Coronel.

– De alguma forma o barulho afeta ele.

Ao me escutar, Joe parou, coçando a cabeça com a ponta da arma.

– E como vamos fazer barulho a ponto de pará-lo, chefe?

Olhei rapidamente em volta, procurando a cientista e o Pollux, voltando a falar.

– Vá com o Pollux até o carro do Tony e aperte a buzina, caso ele fique estranho,
derrube ele. Herrera me dê cobertura.

Aproveitando que o Coronel estaria distraindo-o, ambos correríamos até nossos


objetivos. Herrera parou no meio caminho, retirando uma granada do colete, tirando
o pino e jogando contra o Thomas com Whey.
– Engole isso!

Eu continuei correndo até a cientista, que estava abaixada debaixo de uma maca.

– Onde faço o alarme desse lugar disparar?

Com a resposta dela eu voltaria a correr, buscando ativar o alarme para que o
barulho dele somado ao barulho da buzina o atingissem de alguma forma.

Herrera rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para ataque que resultou 17 -
Total: 1 Sucessos
Coronel rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para ataque que resultou 7 -
Total: 0 Sucessos
Herrera rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para defesa que resultou 10 -
Total: 0 Sucessos
Coronel rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para defesa que resultou 16 -
Total: 1 Sucessos
Joe rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para defesa que resultou 17 - Total:
1 Sucessos
Liam rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para defesa que resultou 5 - Total:
0 Sucessos
Crovax

Como eu havia imaginado, a tal hacker e ex-programadora de K'dore, suspeitou


bastante de nós. Nada além do esperado, Sifer foi quem a abordou primeiramente,
mas conforme ele dialogava com ela eu reparei em algo que me fez querer
expressar um "facepalm". Enfim, a moça topou conversar melhor conosco, impondo
a condição de conversar em local público, o que achei mais perigoso, se ela fosse
procurada, no meio de uma multidão, nós não teríamos como identificar um possível
atirador. Ainda sim, seguimos como ela queria, não tínhamos tanto tempo assim
para discutir condições. Duas quadras dali fomos a pé até as famosas barracas ao
ar livre, não era preciso ir até a Little Asia para ter culinária oriental. Passávamos por
barraquinhas de comida e letreiros luminosos de neon de todas as cores onde era
vendida iguarias chinesas, pessoas devoravam os lanches sentadas em bancos
luminosos improvisados no meio da calçada, mesmo que atrapalhasse a passagem
de pedestres e ou invadisse as laterais do meio fio tornando o tráfego dos carros
ainda mais lento que o comum. Precisávamos desviar se não quiséssemos receber
um encontrão e ser levados pela multidão, na maioria jovens de couro negro com
implantes cibernéticos e óculos com lentes cromadas. As tais barracas tinham um
procedimento duvidoso, é claro, o custo era baixo, diferente dos restaurantes de
playboys do outro lado de Miraitropolis.

Sifer e a jovem, sentaram nos banquinhos com suporte de neon a frente de um


"foodtruck" que caia aos pedaços. Já eu fiquei em pé, não muito distante dos dois
hackers, mas também não junto com eles, mantive meus braços cruzados, com uma
expressão impaciente, como se estivesse odiando muito estar ali, óbvio que era
parte do "personagem".

Eles então começaram a conversar bem naturalmente, ela não parecia estar nem um
pouco insegura de falar de sua vida, foi bem aberta a perguntas e ao interrogatório
que Sifer estava impondo, que por sinal, foi outro motivo para eu querer expressar
um "facepalm". Mesmo estando a uma distância que eu não conseguia ouvi-los, foi
através dos comunicadores que eu escutei todos os detalhes da conversa, tudo que
ela falava, eu podia ouvir claramente através de Sifer. Alguns pontos da conversa me
chamaram muita atenção.

– Olha… Isso é secreto… Não pode contar pra ninguém, ein?

– Como disse, era programadora dele, mas eu fazia uns serviços a mais e não
questionava, na maioria das vezes eu fazia tanta vista grossa que mesmo sabendo
que era coisa suja não me importava. O troço começou a ficar sinistro quando ele
me passou umas diretrizes suspeitas para por no diretório da androide CP3, a que
fomos pegar no Canal 17. Eu não quis acreditar… Mas depois quando vi na TV que o
protótipo tinha assassinado Sirius... Eu tive ainda mais certeza de que fiz a coisa
certa em sair da Orion. Enfim, o velho filho da puta ia colocar toda a culpa no meu
rabo, afinal eu tinha programado a CP3, sacou? Agora ligue os pontos, CP3 foi uma
androide criada pela Orion de K’dore, que depois de matar o prefeito se encontrava
na posse do Canal 17 que é de Carmen Telford… Que está prestes a assumir o poder
da cidade… Jaime, mais Dama de Prata, juntos nisso… Consegue entender a
gravidade da merda toda?

Toda essa conversa dela, era basicamente um depoimento, um depoimento que


agora estava gravado. Os comunicadores da SWAT possuem gravadores embutidos,
isso porque todas as nossas operações eram gravadas, por inúmeros motivos.
Aquela gravação me provinha muitas pistas, nomes e caminhos a tomar. A conversa
a seguir foi ainda melhor, a jovem falava de uma I.A, que controlava a Orion. Na
conversa também tivemos um pouco de demonstração do ego inflado dela, e por fim
um plano. Um plano que por sinal, ela parecia já ter traçado a tempos, já que falou
muito naturalmente nele. Podia ter sido um plano de contingência que ela planejou,
ou um plano desesperado que surgiu na hora, isso não importava, o que importava
era o fato de que havia como invadir a Orion e assim conseguir diretamente as
provas que precisávamos.

– Tá certo, eu esperava mais confiança de você depois que falei tudo o que sei…
Mas vamos lá… Pode abrir o jogo, Cypher, que na verdade é Sifer, sei que você é
policial, S.W.A.T. pra ser mais específica… Ou acha que estaria falando tudo isso se
suspeitasse que você não presta? (...) Mas relaxa, não sei a identidade do seu parça
ali e apesar de ser chamada de X-9 não vou abrir o bico sobre sua vida pessoal. (...)
Tipo… Até poderia ser informação falsa… Mas te vi fazendo as perguntas…. Você fala
como os puliça dos seriados, foi quando tive certeza (…)

Quando ela falou tudo aquilo, eu não resisti e fiz o "facepalm". Também entendi o
motivo dela falar tão abertamente.

– Portanto, vou colaborar direitinho e com tudo que puder. Ninguém mais do que eu
quer o K’dore fodido, seja dentro ou fora da lei. Então, recapitulando… Tem como
criarmos uma I.A. com os recursos atuais da polícia mesmo com essa maldita
greve?

Assim que ela fez todas as suas indagações me aproximei dos dois, já deixando a
postura que interpretava de lado, mas não desfazendo meu disfarce. Antes que Sifer
a respondesse, foi eu que tomei o rumo da conversa dali.
– Então você já sabe que somos da SWAT... Isso facilita as coisas. – Falei me
aproximando dos dois e interrompendo a conversa deles.

– Err... Eu falei que ela era boa no que fazia. – Falou Sifer, meio encabulado.

– Eu achei que você soubesse falar o "dialeto" do submundo, até eu notei que você é
um policial de longe. – Falei num tom zombeteiro.

– Eu nunca disse que me criei nas ruas tenente. Eu vivi no submundo, mas não saia
do meu quarto, acha que hackers ficam por aí na rua brincando de mano do gueto?

– Verdade. Eu devia ter pensado nisso... Enfim… – Me virei então para falar com a
garota.

– Você nos deu muito com o que trabalhar, moça. Infelizmente meu disfarce
também é minha segurança aqui, já que temos alguns problemas com um retardado
que vem exigindo minha atenção. No entanto, nossas prioridades agora são outras.
Você perguntou se temos recursos... Se não tivermos o necessário, arranjaremos.
Você vem com a gente, mas não para a delegacia... Vamos juntos buscar a
promotora Carrie e depois vamos para delegacia. Preciso saber dela, tudo o que é
necessário que consigamos para pôr fim a essa "brincadeirinha" do K'dore e da
Telford. Eu no momento fui designado como responsável por essa operação,
infelizmente não posso lhe dizer meu nome ou patente, então eu vou me referir a
você somente como "Azul" e você pode me chamar do que quiser, assim ambos
ficaremos seguros já que você está sendo perseguida e eu sendo observado. – Falei
tudo num tom sério e de forma que ficasse entendível que minhas intenções eram
pegar os responsáveis pela morte do prefeito e manter ela viva para que K'dore não
eliminasse sua única oposição.

– Vou mandar o resto da equipe esquecer esse tal de Aleksey e se reunir na


corporação, e vocês dois vão indo para o carro, daqui vamos procurar pela Supergirl.
– Falei para o casal de hackers. Em seguida, dei as costas para os dois e mudei o
canal do comunicador, para tentar falar diretamente com o resto da equipe que
estava em operação.

– Brucker... Brucker... Está me ouvindo? – Chamei.

ESGOTOS DOS ARREDORES DA BOLSA DE VALORES – ALL STREET

Brucker e os outros seis membros da equipe tinham todo um plano para impedir a
ação de Aleksey, mas foi numa falha da dita "equipe perfeita", que as coisas
desandaram. Um dos capangas que estavam nos esgotos, não havia morrido ao ser
alvejado e nos seus últimos momentos de vida ativou um dispositivo que nos
acusou para Aleksey, o mesmo em seu complexo de super vilão, acabou explodindo
tudo. O prédio da bolsa de valores ia pelos ares, se tornando mais um local em
chamas na cidade.

– Sim, tenente. Estou na escuta... Cof... Cof...– Respondi.

– Hum... Está tudo bem? Como está indo a operação? – Perguntou Crovax. A
comunicação estava com uma chiadeira danada, mas Brucker ainda conseguia ouvir
bem baixo a voz do tenente da SWAT.

– Não tem mais operação Clay... O filho da mãe explodiu tudo. – Falei num tom que
deixava claro minha decepção com as escolhas tomadas. Apesar de Crovax não
estar ligando para Aleksey, agora eu o via como uma ameaça que eu pessoalmente
queria eliminar.

– Estão todos vivos? – A voz de Crovax agora demonstrava preocupação e um


pouco de culpa. Era por isso que ele era um bom tenente aos olhos dos outros.

– Acabei de receber um report de todos. A equipe do Frog, que entraria por cima, foi
arremessada pela explosão, mas estão bem, aparentemente os trajes servem para
algo. Já eu, Rock e Handson, estamos presos nos esgotos. – Respondi, de forma a
demonstrar que não seria problema lidar com a situação.

– Certo, Brucker. Então reúna-se com a equipe e voltem... Temos que decidir os
próximos passos a serem tomados e eles não incluem esse tal de Aleksey… – Antes
que Crovax concluísse, resolvi interrompê-lo, pois a conversa estava tomando um
rumo do qual eu não queria seguir.

– Clay, eu quero terminar essa pequena guerra que esse Aleksey começou. Você não
está se importando com ele, até entendo seus motivos, pois se tudo isso está
acontecendo é culpa das próprias ganância dos outros, mas eu não posso deixar
esse cara solto. Se você precisa tanto assim do resto do esquadrão, tudo bem, mas
me deixe ir atrás desse sujeito. – Naquele momento, meu tom não era mais o de um
soldado com um tenente, mas sim de amigo para amigo. Crovax fez um silêncio
momentâneo, provavelmente considerando o meu pedido.

– Hmm... Certo. Então mande Rock e o Mitchel de volta. Os demais, continuam com
você. Boa sorte.
Abri um sorriso mediante as ordens de Crovax. Esse tal de Aleksey podia achar que
Crovax era o único interessante no esquadrão, mas eu mostraria para ele que ele
nem mesmo valeria o tempo do mesmo. Eu mesmo o pegaria, e exterminaria essa
ameaça de uma vez por todas. Definido o que fazer, a prioridade agora era sair
daqueles esgotos. Abri um canal de comunicação com o resto da equipe que estava
na superfície, usaria eles para nos guiar até a saída mais próxima, afinal, os esgotos
de uma metrópole tão grande como aquela possuía inúmeros bueiros e saídas.

– Frog... Onde vocês estão? – Perguntei no comunicador.

– Estamos arrumando um veículo. Estamos na Rua 123, transversal próxima onde


ocorreu o acidente, a rua aqui não foi afetada pela explosão. Rick está com o ouvido
zunindo, mas nada mais sério. – Informou Frog, num tom zombeteiro de costume.

– Certo. Eu, Handson e Rock não temos como sair pela principal, precisamos de
uma rota alternativa pelos esgotos. Use um dos drones para captar imagens aéreas
e nos informe o bueiro mais próximo para sairmos. – Dada a ordem, Handson e
Rock se levantaram e apagaram as lanternas. Nos moveríamos através da visão
noturna para não chamar a atenção.

– Certo Brucker! Drones no ar!! Dez segundos e terei imagens aéreas da área. Tô me
sentindo o comandante Amilton...

– Quem? Esquece. Frog! FOCO! – Falei sério no comunicador.

– Certo! Certo! Relaxa!! Já tenho imagens!! Pelo que estou vendo aqui, vocês terão
que sair pela rua 103, pro sul, seguirão reto até o final da 110 e depois, seguirão pro
norte subindo toda a rua 120, um pouco mais a frente, verão um bueiro que sai
exatamente onde estamos na 123... Estaremos esperando vocês. Vou pedir pro Rick
baixar um mapa dos esgotos e enviar para vocês. – Falou Frog, num tom que apesar
de eu reprimir, era tranquilizador vê-lo brincar com a situação. Passava um ar de que
tudo daria certo.

Seguimos as indicações de Frog, caminhos pelos esgotos às escuras, graças aos


trajes não sentíamos o odor fétido do lugar e conseguíamos enxergar tudo
perfeitamente. Em alguns pontos os canos que passavam por ali, estavam
retorcidos, provavelmente um efeito da explosão que aconteceu bem próxima.
Depois de passar por dois corredores, descemos e ficamos frente a uma queda
d'água, que provavelmente levaria a estação de tratamento do bairro vizinho, mas
aquela não era nossa rota, então demos a volta e continuamos em frente. Como
muitas vezes funcionários da prefeitura precisavam fazer manutenções e consertos
nos em fiações, conexões, canos e etc; que passavam pelos esgotos, cada esquina
possuía uma placa informação em qual rua estávamos com relação a superfície.
Foram cinco minutos caminhando com cautela e finalmente chegávamos à Rua 110.
Seguindo adiante, muitos ratos e ecos vinham de todos os lados, Rock sugeriu que
apertássemos o passo, pois ainda poderiam haver desabamentos, logo seguimos
um pouco mais rápido até que chegamos numa bifurcação onde havia uma placa
informando que tínhamos chegado na 120.

– Ele falou para subirmos a 120 sentindo norte. – Informei os demais. Eles
concordaram e assim continuamos.
Foi ali, na "reta final" que a coisa complicou um pouco. Um rangido muito alto ecoou
por todo o lugar. Rock parou por um instante, parecia ter ouvido algo além.

– Estão ouvindo isso? – Perguntou o mesmo, preocupado.

– Sim... Parece som de água. – Respondi, e foi quando me toquei. – Merda...

Começamos a correr loucamente. Isso porque os três entenderam ao mesmo tempo


o que estava para acontecer. No mesmo momento, Frog voltou a nos chamar no
comunicador, mas agora seu tom zueiro tinha sumido completamente. Era um tom
de alerta, mas como já estávamos em alerta, não veio a ser uma surpresa.

– Brucker!! Onde vocês estão?!! CORRE!! Rick acabou de ver que as 15:00 é o horário
que a água dos outros bairros é toda direcionada para à 120, pois no centro da
mesma se encontra o processador de lixo!! – Explicou.

– Err!! NÓS JÁ SABEMOS!! – Gritei enquanto corria.

Para explicar melhor. Em certos bairros da cidade, os esgotos possuíam uma área
maior, onde ficavam enormes trituradores. Então, sempre em horários certos, a água
de outros bairros era direcionada para esses trituradores, onde todo o lixo "grande"
jogado nos esgotos era moído para não entupir as estações. Acontece é que
estávamos nos esgotos bem na hora errada e no setor errado. Corríamos
extremamente rápido e o som da enxurrada vindo só aumentava, foi quando vimos
uma luz à frente, provavelmente vindo do enorme grande que estava acima dos
trituradores e que deixava a luz da superfície entrar.

– Não vamos conseguir! Seremos jogados direto no triturador porra! – Gritou


Handson.

– Continua correndo!! Se conseguirmos chegar no triturador antes da água chegar,


podemos saltar e grudar nos pendurar na grade, a água não alcança ali!! – Gritei
para os dois. Com esse raio de esperança, eles pareciam ter ganho um novo gás e
corriam com ainda mais disposição.

Foi quando olhei para trás e vi a água vindo. Era muita água e vindo muito rápido.
Naquele momento, acho que minha adrenalina chegou num pico tão alto, que juro
que não vi mais nada à minha frente, meu corpo estava se movendo sozinho. Nem
mesmo quando estou diante de um tiroteio, ou mesmo durante as trincheiras da
guerra e ameaças de bomba e cheguei ao ponto de ficar nesse estado, mas ali, meu
corpo praticamente entrou num modo de sobrevivência. Estávamos para ser pegos
pela água, quando nos vimos diante do triturador e da grade, era só saltar... Ou
parecia que era só isso... Não sei o que aconteceu, senti meu corpo ser
arremessado e quando olhei para trás vi Rock nos "jogando" e saltando em seguida,
mas ele não conseguiria sozinho...

– SEGURA MINHA MÃO!! – Gritei me prendendo na grade e esticando a mão. A água


acertou Rock com tudo e o jogo para frente, Handson também esticou a mão e no
puro reflexo, agarramos a mão do Russo grande ao mesmo tempo.

Não dava para acreditar que tínhamos sobrevivido. Pendurados, como aranhas em
teias. Segurando Rock um em cada mão e nos segurando com o máximo de força
que tínhamos. A enxurrada escorria abaixo de nós, e viamos sacos de lixo, peças
velhas, televisões, computadores velhos, e inúmeros outros lixos serem mastigados
pelos trituradores que a água ia deixando para trás, como numa peneira.

Foram só cinco minutos de enxurrada. Quando a água voltou a baixar conseguimos


nos soltar e ali em pé, ficamos nos olhando, apoiados nos joelhos ofegando como
nunca ofegamos antes.

– Arf... Arf... Eu... Não acredito que conseguimos… – Soltou Handson. – Você...
Vocês nos salvou, Rock. Seu filho da mãe, você quase se matou para nos salvar,
porra... Arf... Arf...

– Verdade. O que você tinha na cabeça? – Falei recuperando o fôlego.

– Não sei. Eu só pensei que vocês não conseguiriam saltar . Foi reflexo, algo que me
salvou muitas vezes contra os Nazistas na Rússia Soviética. – Falou Rock que
também já havia recuperado o fôlego. – Agradeço por vocês terem sido bons
Receptores na faculdade.

– Você não é uma bola de Football cara. Você é bem mais pesado. – Falei, rindo.
– Certo. Vamos indo… – Falei. Em seguida chamei Frog no comunicador para
tranquilizá-lo.

Dali em diante, não precisávamos ter mais tanta pressa, logo voltamos a cautela
normal. Armas em punho e seguimos adiante cobrindo toda a área para não sermos
surpreendidos, seguimos assim até a 123, onde finalmente vimos uma escada de
bueiro, o tampão já estava aberto e a cara feia de Frog já nos esperava olhando de
cima.

– Lá vem as tartarugas ninja...

– Haha... Você é muito engraçado... Michelangelo. – Respondeu Handson sendo o


primeiro a subir.

– Chega de brincar... Temos trabalho a fazer rapazes. Rock, Mitchel... Vocês vão
encontrar o Crovax na delegacia... O resto de vocês. Comigo... Vamos caçar o filho
da puta que gosta de explodir coisas.

Leon

Não tinha muito tempo que estava acordado. Afinal, como dormir bem sentado no
chão com uma tremenda jaula do lado? Definitivamente era péssimo. Só de imaginar
eu mesmo dentro dessa prisão de ferro, o que seria até justificável, ficava com
calafrios. Estava calmo apenas observando todo o cômodo e me focando nos meus
ouvidos para escutar algo daqueles homens. Eram idiotas ao pensar que só por usar
uma máscara eu não saberia identificá-los… Todo ser humano tem um cheiro, como
um caçador eu era ótimo em identificar e se for preciso, rastreá-los. Deixei essa ideia
de lado ao ver um deles, o que eu chamaria de porta-voz do bando entrar falando ao
celular.

Só para constar, a sua máscara bizarra não me assustava nenhum pouco, já a moça
ficava na defensiva quando ele chegava perto. Talvez ele tenha tocado nela antes,
mas não queria imaginar possibilidades, não era hora de bancar um detetive. Me
portei como se não importasse com ele ou com a refém. Deixava claro meu
interesse financeiro ali sentado neste cômodo. Observei a cena com total frieza,
ignorando meus instintos de bancar o herói e salvar a princesa para depois receber
um beijo como prêmio, até que…

A conversa que veio a seguir me pegou de surpresa. Eu que estava cansado desse
joguinho da Dama de Prata, caí bem na sua folha de pagamento. Nada costumava
me surpreender, mas minha situação atual conseguiu e muito. Entrei num dilema e
todas as alternativas tinham um alto risco. Poderia sair dali como se nada tivesse
acontecido e deixar esquartejarem aquela mulher. Poderia demonstrar interesse em
entrar para o bando e me passar por agente duplo. Poderia desafiar a todos ali e
salvar a mulher que tinha um grau de importância. Todas as opções me levavam a
um vácuo que não poderia ignorar: eles sabem quem eu sou e o que eu sou. Aquela
mulher sabia.
Eu não era um herói, tampouco um amigo confiável. Não devia lealdade ao
Steelhearts e vice versa. Calado, fisicamente indiferente, eu saí daquela casa assim
que tive a certeza que recebi o dinheiro. Pela última vez olhei a mulher usando
aquela horrenda máscara de ferro e para o nojento com a máscara de cachorro
deformado. Alisei minhas roupas e lhes mostrei meu sorriso, mas não disse nada.
Os demais, totalizando quatro, estavam na cozinha dividindo os lanches da Burger
Queen. Eles apenas me encaravam com olhares atentos e avaliativos até eu abrir a
porta e sair da casa. Fiz questão de sair com um andar digno de rei, como o
narcisista que todos pensavam que eu era. De fato, era um pouco.

Certamente, agora eles poderiam conversar mais a vontade e elaborar seus planos.
Eu só tinha de ter certeza de uma única coisa: se as máscaras eram para se ocultar
de mim ou era parte do uniforme de sequestrador. A passos silenciosos e ágeis
contornei a casa e avaliei todas as portas de emergência que ela tinha. Felizmente
encontrei apenas uma trancada por dentro e olhei ao redor na esperança de achar
algo bom o suficiente para sabotar a porta. Por sorte, achei latas de resina e torci
para ainda estarem suficientemente moles para o uso. Me aproximei da porta e com
minha força quebrei a maçaneta e a arranquei da fechadura (com todo cuidado para
não deixar cair a maçaneta do outro lado ou seria pego). Só precisei despejar todo o
resto da lata de resina que não estava petrificado ali dentro para selar qualquer
tentativa de destrancar aquela porta. Guardei um pouco da resina para selar
também as dobradiças da porta e todo o vão entre ela e a moldura da parede. Era
apenas questão de tempo para secar.

Voltei para a frente da casa ainda mais silencioso. Evitava as janelas e controlava
minha respiração. Que bando de idiotas eram estes… Escolheram uma casa
desprovida de qualquer segurança, fácil de sabotar. Azar o deles, sorte a minha. Os
primeiros raios da manhã começavam a iluminar ao redor e para esconder ficava
cada vez mais difícil. Tinha de agir logo! Com isso em mente, fiquei abaixado perto
do mato observando uma janela. Tentava ouvir o máximo de vozes que podia até o
barulho da porta me chamar atenção e de lá sair um homem com uma máscara de
urso. Eu sorri ao constar que tinha o mesmo tipo físico e altura que eu.

Tal homem foi levar o que sobrou do café da manhã para a cesta de lixo e foi o sinal
perfeito para eu entrar em ação. Silenciosamente segui ele por trás e imediatamente
me transformei e usei as minhas garras para agarrar o idiota pelo pescoço e apertar
tomando o cuidado para não fazê-lo sangrar. Quem poderia ver a cena pela rua iria
achar que estávamos bêbados e voltando de uma festa a fantasia, ele de urso e a
mim, tigre. Para completar, eu sorria como se tivesse ganhado um presente. Assim
que quebrei o pescoço dele o puxei para o fundo da casa, onde tirei as roupas dele e
sua máscara, deixei o corpo de qualquer jeito ali no mato. Tirei as minhas e vesti as
dele e com relutância tive de colocar tal máscara de urso. Pelo menos o disfarce era
parte do uniforme e não exclusivamente para mim.

Entrei na casa e fiquei na minha, juntando o pouco que vi do outro para formar uma
base sustentável até entrar em ação. Tinha de esperar até eles estarem muito
convencidos de que tinha ido embora. Esperar até que meu nome seja esquecido.
Esperar até eles começarem a entrar em ação e aí ficarem vulneráveis. Só tinha de
matar mais três pessoas e escolher um a dedo… Um que com uma pequena pressão
responderia tudo que eu quisesse. E aquele cão metido a Cerberus não era, aliás, ele
era o próximo da lista. Com isso em mente, entrei naquele quarto onde ele
atormentava a mulher. Fiz um sinal nervoso para ele me acompanhar e deu certo.

– Parece que aquele monstro não foi embora, vi alguém escondido no meio do mato
quando fui colocar o lixo para fora. – forjei minha voz até ficar parecida com o da
minha primeira vítima.

– Aposto que ficou excitado com essa vadia imunda e quer bancar o seu herói.
Sabemos o quanto ele aprecia uns seios volumosos e uma pele fresquinha. – disse
o rottweiler.

– O que faremos? – perguntei totalmente excitado com a brincadeira.

– Não iremos contar aos outros, eles estão preparando as armas para partirmos.
Pegue a sua e vamos acabar com este nojentinho narcisista. – falou ele bufando de
raiva… Invejinha talvez?

Fomos para fora da casa, ele já com seu revólver pronto para atirar. O segui
alargando muito mais meu sorriso e ansioso para vê-lo vomitando sangue. Cooperei
mais um pouco vasculhando arbustos que certamente seria arrancado na limpeza
anual do terreno. Afinal era uma casa de aluguel e deixada num péssimo estado. Ele
também vasculhava atento a qualquer tipo de fuga. Pouco a pouco fui levando o
homem até seu colega largado nos fundos da casa. Estava ansioso demais, porém
sabia me controlar. Quando chegou o momento, ele petrificou. Não acreditou no que
estava vendo e na armadilha que se enfiou. Seus punhos se apertaram e quando foi
querer falar algo, chamar atenção para alertar os demais ou simplesmente se virar
para atirar em mim, eu agi.
– Você não é tão esperto assim… Queria vê-lo engasgar com o seu sangue, mas
preciso da sua roupa intacta… Ohhhh, pensando bem, não preciso. – Debochei já
pronto para as minhas garras ficarem no peito do homem enquanto com a outra
mão eu tirava, meio que danificando a máscara, de seu rosto.

O matei com todo o cuidado para não me sujar e o joguei em cima do primeiro.
Voltei para dentro da casa e me juntei aos que sobraram. Eles não suspeitavam de
nada e isso me deixava mais animado ainda para matar. Mas desta vez, sem
joguinhos. Matei os dois que julguei serem mais fortes e influentes da matilha e
podia perfeitamente dar cabo destas escórias. Fiquei sentado com eles mexendo
nas armas, ajudando a limpar e montar. Uma pistola me chamou atenção e a peguei
para montar, a que eu tinha deixado de presente aos dois lá fora. Arma montada e
carregada, eu a apontei para um deles e atirei em sua cabeça e imediatamente mirei
na cabeça de outro sem dar tempo para alguma reação. Para o terceiro que sobrou,
atirei na perna.

– Se eu fosse você soltava esse brinquedinho aí… Essa arma não é a única coisa
que uso para matar. – enquanto falava eu tirei a máscara de urso para revelar quem
eu era.

Peguei aquele homem que tinha mijado nas calças. Escolhi este pelo simples
motivo de que, mesmo sob a máscara, ele nunca conseguiu me encarar enquanto
estava ali de serviço. Estava na dúvida entre medo e arrogância. Agora, com ele sem
a máscara e amarrado na cadeira, de forma que não conseguiria se soltar (ainda
mais que o revistei e tirei dele qualquer objeto que possa vir a cortar ou queimar as
cordas). Com o liderzinho consegui as chaves da jaula, das algemas e da máscara
de ferro da moça. Não perdi tempo para ir lá e soltá-la. Assim que entrei ela soltou
um gemido de surpresa e susto. A vi se encolher no outro lado da jaula enquanto eu
destrancava o cadeado da mesma. Prossegui lentamente e destranquei as algemas
que prendiam seus pés. Imediatamente massageei a pele lesionada pelo aperto do
ferro. Fiquei surpreso com seu silêncio e tive certeza que ela tinha mais medo de
mim do que seus sequestradores. Será que ela viu algo mais cedo que deixei
escapar? Bem, não me importava com a resposta.

– Você pode me achar um monstro, mas nunca faço isso com mulheres. Terá de
confiar em mim se quiser sobreviver, até estamos contra aquela Telford. Vire-se para
mim tirar essa máscara. – falei bem calmo e quase ao sussurro, obviamente para
acalmá-la e seduzi-la.

Para minha surpresa ela se virou. Já estava intrigado com seu silêncio até, mas
cooperação? Talvez esteja cooperando agora e assim que liberta me apunhalaria
pelas costas. Tirei a máscara e fiquei maravilhado com o cabelo loiro dela. Era uma
mulher muito bonita. Não pude conter o impulso de sorrir satisfeito com a bela
visão. E sem perder tempo dei um selinho nela e a deixei livre. Saí da gaiola e só
parei na porta do cômodo, olhando por cima dos ombros.

– Você está livre, cabe a você se vai querer minha proteção ou se virar sozinha. A
escolha é sua. – falei e terminei com uma piscadela.

Voltei para a copa onde o último dos sequestradores estava amarrado. Me


transformei no tigre que era e me aproximei bem perto dele. Queria deixá-lo
apavorado. Aberto para uma conversa amigável. Já não tinha medo de mim antes? E
agora vendo bem de perto o monstro assassino que era? Não me interessava em
saber de questões políticas envolvendo toda confusão que anda tendo por aí. Estava
mais interessado em saber sobre a mulher.

– Quem é essa mulher que sequestraram? O que ela fez que a Telford a quer morta?
Qual sua importância nessa sujeira toda? Fale tudo que sabe sobre ela. – Queria
saber de tudo referente a prisioneira que chamam de Callídora, só uma coisa tinha
certeza: era ela uma moeda de troca para o outro que está com Liam, Pollux.

Como antes, Pollux veria com seu implante ocular o desfecho desta trama?

Pollux

As ruas eram lavadas com sangue, mas só quando eu comecei a ver que estavam
também nos esgotos que eu percebi que, quando ainda nas ruínas do esconderijo
dos Steelhearts, eu não estava com a visão comprometida. Havia sangue negro,
sangue negro de androides.

Aquilo era uma verdade que nem eu mesmo tinha tido acesso, em toda a minha
vida. Parei para pensar e consegui organizar os fatos, pensando que talvez todas
aquelas pessoas mortas no Canal 17 talvez fossem fatalidades dessas aberrações,
por falta de um nome que pudesse descrevê-los melhor, se é que isso era possível, e
que o prédio fosse derrubado como uma forma de contenção e não de vandalismo.
Se aquilo fosse verdade eu realmente não poderia culpar ninguém que comigo
estava pelas mortes de meus companheiros, afinal estava mais do que claro que
tudo não passava de uma quarentena. Eu não poderia imaginar o que aquilo faria se
dominasse boa parte da cidade, se é que essa parte seria o páreo para deter aquela
ameaça.
O cheiro da carne podre me perseguia até mesmo dentro dos esgotos, e eu não
conseguia esquecê-lo. Tudo o que me mantinha mais concentrado em esquecer
tudo aquilo eram as direções dadas ao homem no volante, um estranho antigo alvo
de minhas reportagens que parecia muito mais humano do que os meus
empregadores ao não ter problemas em deixar o desafeto de lado para trabalhar
com um aparente arqui-inimigo e um cara da mídia cheio de mentiras distorcidas a
seu respeito. O plano havia sido ouvido e não pude deixar de pensar que ao menos
estava sendo útil para algo, com uma pontada de orgulho ao tê-los conduzido ao
lugar certo, bem como tanto havia estudado. Ainda assim, aquela carapaça metálica
não me saía da cabeça, aberta com o tiro que revelara a sopa humana de osso
podre e carne há muito esquecida, as órbitas mortas que reanimadas olhavam para
o nada, muito além de qualquer tipo de vida que ainda perpetrasse suas órbitas. De
alguma maneira, aquilo pareceu um enorme mau presságio para mim. Um que eu
enxerguei por trás das minhas próprias retinas inanimadas.

O restante do percurso não foi difícil de seguir. Quando o esgoto deixou de ser
esgoto e a parte frontal daquele carro começou a ganhar velocidade o suficiente
para que a massa de sangue podre e carne escura voltasse a garantir alguma visão,
longos corredores de um hangar começaram a ser percorridos, e desde então foi
apenas uma questão de seguir aquele labirinto. Depois de um tempo, já pareciam
saber para onde estavam indo, enquanto eu voltava a ser apenas um passageiro.

E quando todos desceram só então eu pude ver o real estado de um daqueles que
estava conosco. E justamente, o cara das demolições. Tony e Liam acabavam por
escolher o melhor caminho realmente, assim como também estava certo a respeito
das estratégias de Telford em nos cercar. Não que ela fosse previsível, apenas sabia
que poderia esperar o pior dela. Era uma mulher precavida, e como tal eu podia
esperar que o fracasso estivesse a cada esquina. Foi fácil demais sair de sua
fortaleza, e agora eu sabia o porquê. Curiosamente, eu não me sentia nem um pouco
mais seguro, sabendo como a Dama estava perfeitamente intocada em seu plano de
varrer do mapa todos aqueles que impunham a ela uma ameaça, todos de uma só
vez, em uma jogada só.

Assim que entramos no esconderijo-laboratório, uma jovem nos recebeu enquanto


os demais colocavam Thomas em seu devido repouso. Eu diria que o colocaram em
uma máquina que veio diretamente de algum filme de horror científico, mas o que
hoje em dia na nossa sociedade não veio? Escutei sem muita surpresa o corpo do
rapaz adequando-se às sondas e à câmara de isolamento médico, dando as costas
quando seu corpo suspenso na água começou a receber a influência dos
medicamentos. – Pollux do Canal 17, muito prazer. Aquele é o Liam, e o com cara de
mau é o Tony. Como é que vocês trouxeram um aparato desses aqui pra baixo?
Puxar a energia necessária para alimentar um laboratório desses não deve ser
brincadeira. – deixando de lado os velhos hábitos que ainda demoravam a morrer e
me apresentando como fazia na televisão, questionei-me quem exatamente supria
aquela unidade, e como haviam construído. Não sabia se alguns dos tremores
sentidos ainda no subsolo da cidade deviam-se aos ataques da Dama e qual era a
extensão de seus ataques, mas era algo que sacudia as fundações de Miraitropolis,
e eu não gostava nada disso. Não imaginava nada que poderia ser pior do que um
exército daquelas... coisas nos esperando do lado de fora. – A coisa está feia lá em
cima, sugiro que fique escondida. Houve um tremor, mas não sei qual a amplitude
do que está havendo lá na superfície. Se a energia está intacta vocês devem ficar
bem. – com o cara das demolições e o brutamontes ali ela certamente ficaria, mas
eram baixas das quais não tínhamos o luxo de nos dar. Foi só quando o vi passando
por mim que reconheci o homem mais alto como o terceiro elemento das minhas
filmagens, no dia em que o Canal havia finalmente sucumbido. E de repente, antes
que eu pudesse rememorar novamente tudo aquilo, com aquela lembrança de ver
Boris no topo do prédio junto com a evacuação através da nave de extração, eu
"lembrei" de algo mais.

Tinha sido como se eu sempre tivesse aquilo em mente, mas eu senti o exato
momento em que a transmissão passou para o meu neurolink. A "memória" me
parecia fresca, então tinha certeza que estava acontecendo naquele momento,
como se eu me lembrasse tão vividamente quanto dar as ordens para Tony seguir
nas bifurcações do esgoto. Eu só pude pensar, que porra era aquela? Era real demais
para ser uma armação de Telford mas ao mesmo tempo era surreal na mesma
medida que horrível, e eu não sabia se me assustava mais por ver Callídora viva ou
por ver aquele... Cerberus. A visão tinha um sabor de piada de mau gosto com um
sadismo que eu ainda estava para testemunhar no pior de Miraitropolis, que me fez
apoiar-me na parede com uma das mãos e levar os outros dedos aos olhos,
esfregando-os como se estivesse nauseado. O que mais me assustou foi ter em
mente que agora eu não sabia se aquele implante solitário fora retirado pela própria
mulher ou se foi uma armadilha muito bem orquestrada. Teria Carmen suspeitado
de onde eu iria esse tempo todo e deixado aquele "presente" para mim como uma
forma de ameaça? O sequestrador bem havia dito que mandaria-a em pedaços, e
não foi justamente isso que eu encontrei quando fugia?

Eu tive que me recompor antes que mais alguém notasse que havia algo de errado
comigo. Eu odiava fazer aquilo, eu odiava estar fazendo aquilo, mas eram os fins
que justificavam os meios. Eu entrei nesse mundo por uma razão e lugares por onde
eu passasse, aliados que eu fizesse nada mais seriam do que degraus que eu
precisaria passar para subir até o topo da minha escada. Callídora viva era minha
prioridade, mas eu ainda poderia fazer algo por eles.
– Doutora, vou precisar de um favor seu. Um favor urgente, escuta... – ela era a
única pessoa ao meu redor que parecia ter qualquer experiência com isso, mas os
eventos seguintes me fariam duvidar que realmente fosse confiável para a tarefa. O
alto estalo de vidro rachando e o metal sendo retorcido me fez virar surpreso para
trás, justo ao ponto de ver o líquido se espalhando por toda a sala, e a
monstruosidade por trás dele emergindo de seu breve repouso. Não fosse por ter
visto o homem que aquilo era quando entrou naquele tubo, eu não teria
reconhecido-o, e imediatamente virei-me para encarar a doutora mas ela parecia tão
surpresa quanto cada um de nós. Não achava que ela poderia ser uma atriz tão boa
ou que estivesse esperando para nos armar uma emboscada, mas mantive-a em
mente.

E então os tiros começaram e eu soube que era tarde demais para tentar qualquer
outra saída, se é que havia uma. Não apenas aquele recém criado monstro reagira
mal em ouvir a voz de um de nós, mas eu suspeitava através da suposição apontada
por Liam que os canos dos fuzis incomodariam-no na mesma medida que iriam
feri-lo. Eu ainda não sabia até que ponto eu era um aliado e até que ponto era um
prisioneiro dos Steelhearts, mas quando estava para me armar, um dos mercenários
chegou e me impediu. Senti meu braço ser puxado antes de outra rajada de tiros se
fazer presente e ecoar pelo interior metálico do laboratório.

– Ô do jornal, você vem comigo, o chefe precisa de uma distração! – difícil engolir
aquele "do jornal", mas eu assenti e obedeci. Virei-me antes para a doutora e apontei
para um dos cantos da sala onde os demais pacientes também estavam,
desacordados.

– Vá e se esconda, e tente não fazer o mesmo com os outros, fique protegida. –


esbravejei me apressando, e naquele momento a pior das ideias me passou pela
mente.

Fiz questão de estar na frente quando saímos pela porta automática e nos
deparamos de novo com o carro de Tony, ao que comecei a ser direcionado.

– Ele quer que façamos barulho, se você aprontar alguma eu atiro em você. Entra e
toca a buzina. – uma verdadeira tarefa heroica, eu pensei. O homem com o fuzil
ficou voltado entre as duas portas, a do passageiro e a do laboratório, vez ou outra
com o rifle apontado para dentro enquanto tudo lá dentro parecia ser moído.
Enquanto eu me arrastava até o banco do motorista, assim que pus a mão no
volante senti como o tremor nele ainda indicava o motor ligado... eu poderia dar o
fora antes que qualquer um ali sequer notasse a não ser Joe, e o que ele poderia
fazer comigo em movimento? Se eu saísse dali, não só poderia ir atrás do raptor de
Callídora sozinho simulando uma falsa entrega, mas também levaria Telford para
longe dos Steelhearts, já que era a mim que ela rastreava. Contudo isso também
significava abandoná-los pra valer, e ainda que eu não fosse essencial para a batalha
contra Thomas sem aquele veículo eles estariam largados à sorte e perdidos por um
labirinto que apenas eu parecia saber a saída. Minha mão chegou à ignição e eu
saboreei a ideia por um momento, mas... Meu punho fechou-se com força e eu não
pude continuar a ação. Dividir-nos também poderia significar a minha própria morte,
mas com certa surpresa eu notei que não era nem isso que eu contemplava. Entre a
ingratidão e egoísmo daquele ato e o bem-estar da minha antiga parceira, ficar e
lutar tornou-se a opção viável.

Meus gestos a seguir foram automatizados. Eu não queria estar ali, mas precisava.
Então meu punho se chocou contra a buzina do carro como um soco e não esperava
realmente o eco que viria a seguir. O grave som ecoou pelas paredes subterrâneas
como se amplificado, grave como uma buzina de caminhão, fazendo meus dentes
trincarem e uma ideia arriscada surgir. Larguei o som por um segundo e então eu me
virei para o soldado dos Steelhearts. Aquilo tinha muita chance de dar errado, mas
eu precisava tentar. Se os Steelhearts fossem a única chance de sobrevivência que
eu tinha, deixá-los à mercê de Telford seria confiar na sua misericórdia para não
terminar com uma bala na cabeça e outra na da garota. Então eu me estiquei para
chamar sua atenção, enquanto minha outra mão espancava a buzina continuamente
até que meus ouvidos estivessem entorpecidos, e quando não podia ouvir mais a
minha própria voz eu sabia que ninguém mais a ouviria, nem mesmo em minhas
transmissões.

– "Carmen está vindo. Avise Liam." – eu não cheguei a dizer, mas esbocei de forma
que com certeza a mensagem curta e direta pudesse ser lida de meus lábios, e
apontei com o indicador para minha têmpora, para a cavidade ocular.

Eu tinha que ter certeza que se estivesse sendo hackeado, não haveria como alguém
captar aquela mensagem. Podia ser algo tolo, mas ao menos por um momento
poderia haver um segundo de confusão, o necessário para improvisar o que eu
precisava fazer. Ele assentiu com a cabeça, e eu achei que parecia levar a
mensagem correta para o seu líder, mas eu só poderia esperar que Liam não
gritasse a ordem em voz alta. Afinal, apontar para meus olhos era dizer como eu
tinha acesso àquela informação e literalmente colado a uma câmera, eu não podia
agir de qualquer forma suspeita. Quando Joe deixou o túnel onde o carro estava, eu
liguei a ignição e comecei a dar a ré, mas eu não tinha mais planos de seguir ao final
do esgoto. Houve uma pausa antes de estourar a buzina novamente em que fiz os
pneus cantarem até uma breve névoa de fumaça se erguer a partir das rodas
traseiras, e então avancei com o carro com tudo, mas ao invés de seguir em linha
reta eu virei à direita no último segundo. O impacto poderia ser amortecido pela
blindagem do veículo e jogado contra a porta daquele jeito não seria o suficiente
para invadir todo o laboratório, mas contra aquelas portas de metal eu planejava
criar uma ruptura de entrada para que os alarmes de invasão soassem.

Além do mais, com Telford vindo, não seria uma má ideia atrasar aquela batalha até
que seus soldados chegassem. Se calhasse a todos entrarem no veículo a tempo, as
tropas da Dama teriam uma surpresa bem desagradável enquanto adiávamos lidar
com a aberração.

X9

– SIM SENHOR – Concordei prestando continência, um brincadeirinha com o Big


Boss – nota mental, vou usar esse codinome pra ele. – que por sinal Sifer
desaprovou com um facepalm. – Se vou ser a “Azul” posso te chamar de Big Boss
então? – Como disse, não ia deixar essa passar, foi mais forte do que eu.

Sabe, não é como se eu tivesse outra coisa para fazer, tipo… Minha casa explodiu,
não tenho mais nada… Então porque não me aventurar com o Starsky e Hutch - um
era até moreno e o outro loiro, igual a dupla da série, hm - de Miraitropolis?

– Ele é sempre assim? “I’am Batman”? – Fiz uma voz grossa parafraseando o
homem morcego.

– Ele é um bom homem, só está meio tenso com essa história do Aleksey. – Sifer
entrava no carro, eu o acompanhava.

– Aleksey? – Ergui a sobrancelha esquerda.

– É. – Confirmou.

– Quem é esse cara? – Ergui agora a outra sobrancelha.

– Um suspeito. Não estou autorizado a falar isso. – Sifer cruzou os braços à frente
do tórax.

– Qualé, fala aí, pensa, pra quem eu falaria? Diz, diz, fala, fala? – Insisti, quase
pulando em volta dele.

Sifer se negou a falar, mas o unzinho desgraçado desse russo tá explodindo toda a
cidade, não tem como ninguém não ver. E a mídia tá colocando tudo na bunda dos
Steelhearts, e como sei que não foi a gangue que detonou tudo, porque estava com
eles, não existia razão para Sifer ficar de segredinho, foi com esse argumento, mas a
minha insistência muito além dos padrões suportáveis, ele fez um resumo do que
tava pegando.

Assim que o Big Boss terminou sua conversa super importante e entrou no carro
para se juntar a nós, reles mortais, imediatamente tanto Sifer quanto eu cessamos a
conversa. Para não ficar tão na cara e quebrar o silêncio tumular dentro do carro,
falei aos dois o que sabia sobre Carrie.

– Carrie, ou a Supergirl, como vocês falam, trabalha em uma firma junto com a
amiga de infância, Claire Falcon. Elas começaram a trabalhar depois que se
formaram na faculdade, assumindo a empresa depois da morte do Falcon pai. Acho
que se tem alguém que pode ajudar a gente nisso também, essa pessoa é Claire.

– Como você sabe tudo isso? – Sifer no banco da frente virou-se para trás.

– Esqueceu da minha péssima mania de vasculhar a vida das pessoas? – Ele sorriu
concordando.

No entanto a conversa foi interrompida por algo estranho que caía do céu, baixei o
vidro e estiquei a mão para fora, deixando cair sobre a palma um acúmulo escuro de
matéria com cheiro de queimado.

– Parece neve… Mesmo eu nunca tendo visto neve… Bom… Só que preta… – Recolhi
a mão de volta para dentro do carro, olhando melhor a fuligem agora de mais perto.

– Estranho… – Fechei o vidro, sem obter respostas.

Sem delongas fomos para All Street, aquela coisa que caia do céu vinha dali, o
bairro estava resumido a uma neblina negra e fedorenta, mal dava pra ver as ruas,
ambiente propício a acidentes, ainda bem que nosso motorista Big Boss era bom no
volante. Quanto mais avançávamos, pior a coisa ficava, pela cara um do outro eu já
mais ou menos tinha captado o que tava pegando, mas fiquei fria, comentei nada,
prometi a Sifer ficar na minha e foi o que fiz.

Uma vez que lá foi o epicentro da explosão, pegar a via principal estava fora de
cogitação, mas não era só a maior avenida do centro financeiro a afetada, todas as
outras rotas ao redor também sofreram as consequências de um engarrafamento,
sorte que essa merda não atingiu a Armitage, ou a cidade toda pararia… Enfim,
ambulâncias de um lado a outro, bombeiros, um burburinho, trânsito lento e muitos
cordões de isolamento amarelo. Moradores ajudavam os robôs a procurar as
vítimas, os androides erguiam os escombros e as pessoas resgatavam quem
estivesse vivo ou ferido… Infelizmente encontravam mais mortos do que
sobreviventes. Foi preciso pegar um desvio para continuarmos nosso destino.

– Cara… Olha isso… – Ficava sem palavras depois disso, olhando horrorizada toda a
confusão da janela do carro.

Por um instante me senti péssima e via novamente o prédio do Canal 17


explodindo… Esse não foi detonado pelo tal de Aleksey… E me fazia a pergunta: Qual
a diferença entre nós, os Steelhearts e a Liga dos Predadores? Não somos tão
diferentes, explodimos lugares, matamos pessoas… Só não pelos mesmos
motivos… Mas no final, sempre vai ter uma mãe, um pai, um filho chorando… Precisei
ser hipócrita e ignorar os fatos, como se não me importasse. Demagogia demais
ficar vitimizada pelo que aconteceu na bolsa de valores só porque não tive
envolvimento algum...

Meu humor mudava de novo, logo agora que estava melhorando um pouco… Mas só
um pouquinho… Então me calei de novo e voltei a me fechar na minha colcha
emocional. Sifer se ligou, o Big Boss acho que não, mas dá pra saber porque, ele
deve estar pensando em algo muuuito mais importante, e sim,isso foi sarcasmo, só
pra constar. Depois de driblar o caos nas principais ruas de All Street chegamos no
Delta, o condomínio de Carrie. Cara… Como vou encarar a mulher depois do meu
fracasso? Ela vai me devorar viva e com razão… No entanto, para minha surpresa,
em vez de encontrarmos a promotora, o que vimos foi uma equipe de investigadores
na casa dela. Péssimo sinal…

– Errr… Oi… Eu sou… Uma… Uma… – Me aproximei da porta aberta não conseguindo
deixar de gaguejar. – ... Cliente da promotora Hiring… Vim falar pessoalmente com
ela… O que aconteceu aqui? – Perguntei para um rapaz com aparência indu.

– Infelizmente ela foi sequestrada,..

– Sequestrada? – Levei a destra a frente da boca surpresa. Pelo visto ia ficar ali
mais tempo do que esperava, planejava trazer o Starsky e Hutch pra tratar de
assuntos com a Supergirl e depois ir pra delegacia trabalhar na I.A. o mais rápido
possível… Mas pelo visto não é o que vai rolar… Não agora pelo menos.

– E creio que vocês são… Investigadores? – Tava na cara isso, mas indaguei mesmo
assim.

– Sim, da equipe da Senhorita Claire Falcon. – Ele respondeu calmamente.


– Claire… A tal amiga e sócia da Carrie de que falei. – Recuei dois passos da
entrada do apartamento e falei baixo para Sifer e o Big Boss que estavam mais para
trás no corredor, cerca de duas portas antes da residência de Carrie, me esperando.

– Eu poderia falar com a Claire?

– Infelizmente não, ela está muito ocupada com a investigação. Mas se desejar
saber mais informações sobre a promotora Hiring, basta entrar em contato com a
gente. – Ele entregou um cartão com o nome da empresa Falcon.

– Aaah… Entendi... Nesse caso… – Virei em direção ao corredor, fazendo um sinal de


“venham aqui” com a cabeça, convocando a dupla dinâmica.

Cordialmente Sifer fazia a frente falando com o tal indiano, que por sinal disse que
chamava-se Ravi. Já o Big Boss ficava naquela pose de superioridade, na dele. Well…
Se não podíamos falar com Falcon, servia Ravi mesmo. Sifer usou da influência de
sua patente para convencer o estagiário a dizer tudo o que sabia sobre o
desaparecimento da advogada e a que nível se encontrava a investigação. Ravi
colaborou prontamente colocando-nos a par dos fatos até o momento.

– E foi isso, é tudo que temos a respeito do desaparecimento de Hiring. Ah, quase ia
me esquecendo, além das imagens das câmeras eu encontrei um reflectron. –
Ligou um holo tablet que projetou a imagem do dito cujo.

– Aquele aparelho antigo de rastreamento? – Se for mesmo...

– Esse mesmo. – Hmmm… Interessante...

Sabe qual é o problema comigo? É que quando tô na pior começo a achar que tudo
é por minha causa, e passo a me culpar profundamente. Foi inevitável associar o
sequestro de Carrie com o fato de termos a envolvido nisso. Mesmo sabendo que
ela já poderia ter se envolvido muito antes de nos conhecer, afinal, Carrie é
advogada… Deve ter muitos inimigos de colarinho branco. Mesmo assim, porque
não me sentia bem mesmo sabendo disso? Ok, era hora de ser mais uma vez
hipócrita e tentar fazer a boa ação do dia para amenizar todas as más. Mas no
fundo eu faria aquilo por altruísmo? Não… Honestamente, faria pra me sentir menos
pior… Todo mundo e assim, só não admite. Mas ok, a cagada estava feita.

– Hmmm… Sabe, se eu tiver os equipamentos necessários, acho que posso ajudar


cruzando os dados com os sinais emitidos pelo aparelho, isso ajudaria a encontrar
Carrie. – Pelo menos espero.
Com tanta evolução no caso depois da nossa chegada, Ravi se viu obrigado a
convocar Claire para uma pequena audiência na sala de Carrie. Uma investigadora,
um estagiário, uma ex-programadora que virou hacker e dois caras da S.W.A.T. um
time bem diferente… Bleh.

Claire Falcon

Me espreguicei na cadeira insatisfeita. Odiava quando chegava num impasse


quando minha amiga estava na posse de seus sequestradores. Vasculhei tudo que
estava em meu alcance e só encontrei a placa do carro. Rose Mallington era a
analista técnica da minha equipe, uma das melhores do país, que era uma perigosa
hacker que investiguei ainda na faculdade. Com a minha tese sobre esta mulher, os
policiais conseguiram prendê-la antes que ela conseguisse invadir o banco de dados
do governo. Quando eu estava recrutando profissionais para trabalhar comigo,
solicitei a detenta com uma proposta e foi aceita. Foi implantado nela um chip de
monitoramento e qualquer quebra da lei ou de ética garante o retorno para a prisão.
Enfim, Rose estava analisando as filmagens do prédio para encontrar algo que nos
pudesse dar uma pista. Ela já tinha visto uma tatuagem de serpente no braço de um
dos sequestradores.
Mandei os dois assistentes recém contratados para o apartamento de Carrie, Ravi e
Kayne sob a supervisão de Eugene Volcan, também um ex detento formado em
psicologia e foi um dos maiores golpistas que passou pelas ruas de Miraitropolis.
Utilizei do mesmo método que usei com Rose e com o tempo pude confiar neles.
Todos estavam posicionados e focados neste sequestro. Acreditava na capacidade
da minha equipe e essa confiança me dava esperanças. Só uma coisa me
incomodava, a pessoa por trás dos panos que devia ser muito influente para
conseguir criminosos profissionais para seus propósitos. Estava tão inquieta que
não percebi de imediato a chamada que estava recebendo, de Ravi. Eu ainda usava a
pulseira comunicadora, apesar de ter o neurotransmissor que era mais prático.
Quando o banco de dados que estávamos construindo ficar pronto, toda a
atualização tecnológica será feita.

– Estou a caminho Ravi e não seja tão formal comigo… Pode me chamar pelo nome.
– falei logo que o ouvi já me levantando da cadeira e pegando meu casaco.

Deixei minha sala já com a chave da moto em mãos e desci até o estacionamento
onde ela estava guardada, era toda elegante e alta, que também era uma herança de
meu irmão. Em menos de cinco minutos já estava parada em frente ao prédio Delta
irritada com toda a chuva negra que caía sobre o bairro e sabia muito bem que
algum prédio, ou melhor, outro prédio foi explodido por perto. Subi às pressas a
escadaria já que o elevador estava em uso e procurei por Ravi assim que me vi no
apartamento da minha amiga. Ouvi atentamente toda a explicação referente ao
aparelho impressionada com ele. Conhecia o instrumento e por mais que não fosse
tão eficiente quanto os chips rastreadores, ainda nos fornecia alguma direção. E
falando nisso, eu tinha um implantado em meu corpo assim como todos na minha
equipe por precaução principalmente em caso de sequestro. Enquanto estava
parada analisando aquele objeto, Ravi foi encontrar com Kayne e Eugene que
estavam fora do prédio procurando pegadas ou qualquer coisa que pudesse ajudar.

Sozinha no quarto de Carrie olhei ao redor, relembrando as bagunças que fizemos ali
com roupas quando tínhamos uma festa para ir. Apenas tecidos pelo ar e
gargalhadas. Cerrei o maxilar e fechei os olhos me forçando a não deixar
sentimentos pessoais interferirem no meu raciocínio. Dei as costas para o cômodo e
decidi levar esta nova evidência para Rose. Quando estava ainda pela recepção, eu
pude ver o garoto indiano falando com três pessoas. Dois deles pelas vestes e
postura pude deduzir que era policial ou membro de alguma organização de
segurança local. E digo que policial não era, pois estavam em greve. O que me
deixou intrigada foi aquela mulher desaparecida, ex- funcionária de Jaime K’dore.
Esperei Ravi respondê-la para me aproximar do grupo. Minha postura era séria e
organizada, típica de qualquer policial, apesar de tudo.

Reuni todos ali na sala de estar da minha amiga, exceto Eugene e Kayne que
continuaram com sua busca pelos arredores do prédio. Minhas suspeitas sobre os
dois homens se mostraram verdadeiras, eram realmente membros da S.W.A.T., onde
imaginei que o envolvimento deles não eram por causa da advogada sequestrada.
Cinco pessoas na sala se encarando com uma seriedade costumeira ao que estava
acostumada. Me recusava a sentar no sofá, mesmo convidando eles a se sentar.

– Você deve ser a X9 – quebrei o silêncio – Escutei você propondo ajuda e


realmente tenho todos os aparelhos necessários e até algo mais. Posso te levar até
meu escritório onde contará com a ajuda de Rose Mallington… – dei uma pausa –
Suspeito que a conheça, já que são da mesma área… Ravi também é bom neste
ramo, então concluo que três cabeças pensam melhor que uma. – olhei para o
garoto buscando uma resposta em seu semblante, não era necessário palavras –
Quanto as três localizações que meu estagiário descobriu suspeito que eles estejam
agora no Submundo, já que Troika é de domínio russo e nenhum dos sequestradores
é russo. Podemos nos ajudar, pois vocês vieram até aqui por outro motivo, ou estou
errada? Temos que agir rápido, afinal não temos tempo. – conclui esperando a
resposta do trio.
– Claire! – Eugene entrou às pressas interrompendo a conversa – Desculpe a
interrupção, mas achamos algo. – finalizou ele mostrando um saquinho de
evidências com uma bituca de cigarro dentro.

– Apesar desta nuvem de fumaça e cinzas tenebrosas, achamos isso do outro lado
da rua – comentou Kaine se colocando ao lado do outro – Sei que este cigarro é
vendido no Submundo e ninguém aqui em Delta os consome. Aliás, apenas 5% dos
moradores daqui são fumantes. Podemos extrair o DNA na saliva que há no filtro –
concluiu o garoto.

– Vocês me surpreendem. Levem isso para nosso perito particular e logo


saberemos a identidade de um dos sequestradores, se realmente for deles. Não
podemos descartar uma armadilha, sendo uma pista falsa. – falei com os ânimos
redobrados – E então, o que decidiram? – me dirigi ao trio à minha frente.

Independente da resposta, eu já estava prestes a iniciar uma busca no Submundo


pedindo para outra dupla de investigadores chegarem ao Centro só por precaução.
Realmente achava que Troika era o menos provável, a não ser que haja muito
dinheiro envolvido… Pelo menos, não tinha descartado tal opção ainda. Pelo menos,
com essas novas pistas eu poderei chegar mais perto de Carrie.

Narrador

O monstro que Thomas havia se tornado estava ajoelhado com as mãos nas laterais
da cabeça disforme, o barulho torturava a criatura, parecia não suportar a tortura,
mas com o decorrer do tempo o que dava aentender era que estava se habituando a
dor e erguia-se, até mesmo deu um ou dois passos lento para frente ainda
segurando os ouvidos. Somente quando Pollux conseguiu derrubar as paredes da
frente do laboratório com o carro de Montana que Carwell parou de avançar, os
alarmes jogaram-no no chão, o ruído se tornará alto demais para seus tímpanos
expostos suportarem. Perdendo a consciência, o cientista tombou ao chão inerte.

– Vocês conseguiram! Não mataram Thomas! – Gritou a doutora Vangelis


precisando ser mais alta do que os alarmes. – Ele tem que ir para a quarentena! –
Novamente gritando.

Ela correu até a central do laboratório que ficava há dois corredores ao oeste da sala
e lá desativou os alarmes. Foi um alívio para os ouvidos de todos. Vangelis
aproveitou para acessar as câmeras de segurança do circuito interno e ordenou ao
computador fazer uma busca de todo o último mês a fim de descobrir quem tinha
misturado o líquido de células tronco com aquela composição que daria formas
grotescas a Thomas. E para surpresa da cientista a resposta era que o próprio
Thomas fora o responsável. Nos vídeos mostrava que Dr. Carwell estava
trabalhando em um projeto secreto a algumas semanas e as imagens denunciavam
o próprio misturando as duas soluções. Voltando para a sala onde agora estavam
reunidos, desconcertada ela dava a notícia.

– Não sei explicar... Mas parece que foi o próprio Dr Thomas que criou essa
composição. Resta saber com que propósito…. Parece ser um projeto extra-oficial…
Quando ele acordar vamos descobrir… Enquanto isso vou cuidar do amigo de vocês
que foi ferido. – Se referindo a Tony que estava desmaiado e com um ferimento no
peito que sangrava muito.

Thomas foi contido em uma camisa de força, sedado, enfaixado e entubado com
uma quantidade infinita de medicamentos e isolado em uma sala branca com uma
cama no centro, de onde se podia monitorá-lo por uma grande janela retangular
central. As faixas também cobriram o globo ocular ferido. Montana foi levado à
enfermaria, o corte no peito foi limpo e suturado com alguns pontos para então ser
feito os curativos. Apesar do susto estava fora de perigo e apenas se recuperava
descansando um pouco.

– Peço desculpas pelos transtornos… Nem sempre é assim… – Vangelis baixava a


cabeça retirando o óculos do rosto, mostrava-se desconcertada pelos
acontecimentos. – Vocês são bem vindos aqui, podem ficar o tempo que julgarem
necessário. Os noticiários estão dizendo que lá em cima está um horror…

– Pollux, sei que fiquei devendo algumas respostas quanto ao funcionamento da


máquina de recuperação… Mas se permitir, podemos deixar as questões para mais
tarde? Preciso descobrir uma maneira de reverter o estado do Dr Carwell. – Com um
zelo enorme das palavras ela foi se retirando aos poucos. – Me deem licença, por
favor.

No condomínio Delta, exatamente na sala do apartamento de Carrie, apesar de sua


ausência acontecia uma conversa importante a seu respeito. No momento se ouvia
a voz de X-9.

– Isso é muito bom, saber que terei os recursos necessários para trabalhar no caso,
ainda mais com Rose Malington. Não a conheço pessoalmente mas sua fama a
precede. Digamos que sejam mais do que três cabeças, chamarei mais alguns
outros hackers para fazer uma equipe e trabalhar em cima disso. Vamos achar
Carrie. – Ela sorriu confiante para Claire, mesmo não estando totalmente certa
dessa garantia.
– Então vamos ver… – Se virava para Sifer – Eu não vou com vocês para o
Submundo, aquele lugar me faz lembrar do meu fracasso… Vocês dois devem ir com
Claire e resgatar Carrie… Serei mais útil aqui. – Tocou ombro de Sifer.

– Mas vou cobrar o que me prometeu, vou precisar que mande todos os recursos
do Departamento de Polícia para a agência de Claire, com o que ela me
disponibilizará mais o que vocês tem, o projeto da I. A. que tenho em mente sairá
do papel melhor e mais rápido do que imaginei. Posso contar com vocês, certo? –
Olhou para Sifer e o “Big Boss”. Sifer devolveu o olhar para Crovax que não disse
nada, mesmo assim ele consentiu balançando duas vezes a cabeça em sinal de
positivo.

– Bom, parece que agora é a parte que nos separamos. Obrigada, foi um prazer
conhecer vocês. – Apertou a mão do outro hacker, depois a do “Big Boss” – Gostei
de você, Big Boss, apesar de ser meio caladão. Quem sabe a gente beba uma
cerveja algum dia juntos e você fale seu nome. rs – Sorriu simpática descontraindo.
– Claire, foi também um prazer conhecê-la, espero que possamos nos encontrar em
outras circunstâncias, de preferência melhores do que a atual. Manterei contato
assim que conseguir alguma informação. – Por fim apertou a mão da investigadora
também.

Tomando rumos opostos, Sifer, Crovax, Claire e Kayne foram em direção ao


Submundo. Quanto a X-9, Ravi e o restante da equipe se dirigiram para a firma de
investigações que ficava no próprio bairro de All Street.

Do outro lado da cidade, Callidora estava assustada, não sabia exatamente o que
fazer, se devia confiar em seu salvador ou fugir. Sabia de uma coisa, sua forma
felina lhe dava muito medo. Tremendo em um canto da peça da casa viu Leon
interrogar o último sequestrador e apesar de desejar que o infeliz pagasse pelo que
fez estava farta de tanta violência. Imaginando que seu salvador fosse repetir o
espetáculo gore com o último dos raptores, sem pensar, aproveitou que a atenção
de Leon estava voltada ao homem, a jornalista se levantou e atravessou a porta da
casa correndo e se afastando o mais rápido que podia, até suas pernas não
aguentarem mais e o fôlego se extinguir. O sequestrador estava ainda com mais
medo do que Callidora, uma vez que enfrentava cara a cara a fúria assassina de
Leon em forma de felino. Ele se urinava nas calças, sentia ânsia de vômito, e estava
entrando em pânico. Tentou balbuciar algumas palavras, mas nada com sentido
saiu de sua boca. Na quarta tentativa que obtinha sucesso depois de um movimento
convulsivo.
– E-la… É jornalista…- Co-colega de um tal P-p-ollux que Carmen quer ver morto… A
Da-a-ma de Prata ia usar ela pra chantagear o cara… E ela sabe demais assim como
ele… Principalmente sobre o que rolou no Canal 17… Telford ia matar os dois, eles
juntos são perigosos para os negócios dela… Só sei disso… Não me mata…. Por
favor!

Leon tinha as respostas que queria, mas o que faria com elas? Iria atrás de Calidora?
Voltaria para os Steelhearts? Ou simplesmente seguiria seu rumo dando as costas a
tudo?

All Street estava tendo pelo seu pior dia em toda sua história todo mundo sabia, o
que quase ninguém sabia era que uma parte da S.W.A.T. passava por sérios apuros
de baixo de Miraitropolis, o mundo parecia frio apesar do calor escaldante, nas ruas
pequenos redemoinhos de ventos formavam espirais de poeira, papel picado sobre
os escombros e ruínas. Embora o sol fosse obstruído pela fumaça e pequenos
fachos de luz iluminassem o bairro a impressão que se tinha era de que não havia
cor depois da explosão. Residia um pouco de tristeza em All Street e não era para
menos. Não havia lugar de destaque que não ostentasse aquela fuligem negra,
vidraças rachadas e sangue nas fachadas.

Por trás de Rock, para alegria dos integrantes ali reunidos eles conseguiam escapar
dos perigos das galerias de esgoto. Não encontraram os tipos de vida estranha que
as lendas urbanas relataram morar nos esgotos, talvez fosse apenas lendas e nada
mais. Agora de volta à superfície, exatamente na rua 123 o clima de descontração e
alegria não durou muito. Rock se preocupava com a outra metade do time que
aparentemente havia perdido contato quando ocorreu a explosão da bolsa de
valores. Temendo o pior ele tenta estabelecer contato com o resto do time que ficou
na parte de cima da rua e por isso mais vulnerável, no entanto, não conseguia.
Tentou mais algumas vezes, mas nada, assaltado pela sensação de impotência se
desesperou. Quando estava desistindo e quase entrando em desespero, ele ouviu a
voz de Frog e com expressão satisfeita prontamente atendeu a chamada.

– Rock, vocês estão bem? – A voz era preocupada.

– Porra, que susto, eu que pergunto se vocês estão bem. – Também existia
preocupação no tom de voz.

– Ah, claro, não sofremos um arranhão. – Sorriu Frog.

– Como conseguiram essa proeza? – Indagou Rock.


– Lembra do aparelhinho de pulso gravitacional que estava em teste, aquele cinto de
prata bisonho?

– Sim.

– Foi a primeira coisa que pensei na hora, quando tudo explodiu acionei o aparelho
no cinto, a ideia era que o troço nos arremessasse para cima pra escapar da zona de
impacto. Mas aconteceu algum bug e aquela coisa me envolveu em um tipo de
bolha que repeliu tanto a explosão quanto os danos. Rick e Mitchel estavam por
perto e por sorte ficaram dentro da bolha magnética também. O ruim é que o
impacto nos jogou umas duas quadras longe da bolsa de valores. Mas parando pra
pensar foi melhor assim, se fossemos arremessados para cima teríamos problemas
como e onde cair… E dizer que um erro acabou dando certo ein. E vocês, estão
onde?

– Vocês tiveram muita sorte… Nós estamos na 123. – Olhou para a placa da rua
para confirmar.

– Longe de onde estamos, mas fiquem onde estão, já estamos chegando. – Com os
outros começou a caminhar para a rua 123

– Ok, mas já adianto, detestei o fato de esse maluco ter explodido os prédios, cara
filho da puta... Tem gente morta pra todos os lados. Vamos seguir com o plano,
encontrar Crovax na delegacia e…

– Que reunião bonita. – Riu Sifer em um terceiro link, interrompendo a conversa.

– A quanto tempo está aí? – Perguntou, Rock.

– Suficiente pra saber que estão todos bem. O Tenente me pediu para avisar que
estamos indo para o Submundo salvar a Supergirl. Vocês voltem para o
Departamento de Polícia, o Big Boss – Riu e brincou com o apelido dado por X-9-
encarregou vocês de uma entrega na Agência de investigação de Claire Falcon, tem
uma hacker que vai nos ajudar a pegar esse russo de araque e no caso da
promotora. Bora trabalhar. – Sifer desligou.

– Vocês ouviram, vamos lá, pessoal. – Disse Frog.

Na sede de investigação Ravi dava todo o suporte a X-9, tudo que Claire havia
prometido. Os recursos da firma eram incrivelmente modernos, ninguém media
esforços, até mesmo um novo teclado Kia 3000 foi dado a ela, aquilo animava a
ex-programadora da Orion. O estagiário também concedia um chip de comunicação,
que como um brinco preso a orelha podia se comunicar com Claire ou qualquer
pessoa do prédio ou quem estivesse usando o item. Mas como sempre X-9 ia além
disso, tendo uma ideia, ligou o teclado, deslizou os dedos sobre as teclas instalando
um programa no Kia que podia emular os contatos existentes em sua agenda para o
chip e vice versa. Agora com esse novo recurso tinha a opção de conversar com
qualquer um dos contatos via voz sem a necessidade de digitação, até mesmo as
buscas poderiam ser feitas de maneira mais prática com o link criando entre as
duas engenhocas, bastaria pensar e o navegador redicionaria o pedido para o
teclado ou o chip. O que fazia era mais ou menos o mesmo que os implantes
neurais que os viciados em tecnologia usavam.

– Flatine, consegue me ouvir? – Levava a destra ao lóbulo da orelha.

– Em alto e bom som. – Ele respondeu do outro lado da linha.

– Ótimo, preciso de um favor, quero que venha até a agência de investigação a gente
vai trabalhar em um projeto monstruoso. – Disse com animação.

– Peraí… Agência de investigação? Eu tô ligado no que você tá metida, na boa, não


quero me envolver nessas tretas… – Respondeu hesitante.

– Tarde demais, balofo, esqueceu quem foi que me indicou para os Steelhearts?
Você está envolvido mais do que pensa… – O tom era alto e ameaçador.

– E aí? Só indiquei e nada mais. – A voz mostrava mais hesitação.

– É, mas se me pegarem vão querer saber tudinho, cada detalhe, e teu nome vai
aparecer.

– E…? – Agora virava medo.

– E deixa de ser tão cagão e levanta essa bunda gorda da cadeira e vem me ajudar
Só assim tu garante que eu não te caguete, ou acha que me chamam de X-9 porque?
– O tom de voz se elevava ainda mais.

– Merda.. Você... Tá bom… Mas estou com alguns amigos aqui em casa e…

– Eles entendem do assunto, sabem alguma coisa de programação?

– Sim.

– Então traga eles também, quanto mais pessoas, melhor.


Um pouco antes de Flatine e seus amigos chegarem batia a porta da agência
algumas pessoas que se apresentaram como funcionários do Departamento de
polícia, trazendo os recursos que Sifer havia prometido. Aqueles homens que nada
mais eram do que o restante da equipe do Tenente Clay Crovax, desempacotavam
caixas e caixas com mais materiais de informática, equipamentos e infindáveis
objetos que só quem entendia do assunto podia nomear. O material adicionaria mais
poder tecnológico ao que já existente na agência de Claire Falcon. Dez minutos
depois era a vez de Flatine, com mais três amigos chegarem ao local. Xinfo, um
típico nerd, com a mesma condição “física” que Flatine, bem acima do peso, usando
flanela e óculos, seus cabelos crespos e o bigode de carroceiro não davam muita
credibilidade, nem seu sorriso idiota, mas era um dos mais inteligentes hackers de
Miraitropolis. Acompanhado dele vinha Kron, vestindo camiseta regata vermelha e
branca, tinha um porte mais atlético, alto, e era careca. Um rapaz comum, nada que
chamasse mais atenção, mas rezava a lenda que certa vez foi ele quem conseguiu
invadir o site do Serviço Secreto. Dante também não tinha cabelo, mas não possuía
uma aparência tão amistosa quanto os outros dois. O nariz pontiagudo e o queixo
angular contribuíam para isso, junto dos olhos arregalados, lhe dando a aparência de
um troll medieval drogado, tudo bem intimidador. Seu crânio era marcado por
cicatrizes de operações, dos mais variados implantes cibernéticos, as veias também
pareciam ejetadas, em termos de imersão na lexis, ninguém tinha mais recursos do
que Dante para isso. Suas roupas, uma calça jeans azul aos farrapos e o casaco
surrado marrom dizia que ele morava nas ruas e que fora preso no mínimo três
vezes. Ao chegarem as devidas apresentações foram feitas, onde Rose Malington se
uniu ao grupo. Ao olhar em volta da sala, tantas caixas abertas, tantos aparelhos e
máquinas, telas e fios espalhados já operando a todo vapor sentiram-se à vontade, e
se tratando de arsenal, não estavam atrás da Orion. Com aquelas mentes reunidas e
voltadas para a mesma direção podia-se dizer que estavam até em vantagem em
relação à empresa de K’dore. X-9 explicava seu plano, e a ideia de iniciar um projeto
ambicioso, a criação de uma Inteligência Artificial poderosa, que substituiria a atual
existente na empresa de Jaime, isso daria a eles o controle de todos os recursos e
bens da megacorporação.

– Bem pessoal… Vamos começar… – Estava com os dedos na frente de um


computador.

As vozes foram substituídas por barulho de teclas sendo digitadas com extrema
rapidez e eficiência, X-9, Flatine, Xinfo, Dante, Kron, e Rose, cada um, enfrentava um
universo de linhas de códigos, informação, programação, javascript e etc, em seus
monitores espalhados pelas sala. A chuva de algoritmos verdes em uma tela negra
podia parecer entediante para quem não entendesse muito de programação assim
como Ravi e o restante de sua equipe de investigação, mas para o grupo que
trabalhava nisso era quase um prazer, quase, porque sempre encontravam
obstáculos e problemas, mas nada muito complicado, quando aparecia uma
dificuldade bastava só criar um caminho alternativo no problema, como a água que
encontra uma rocha no leito do rio mas que a circunda em vez de ser barrada.

Todavia X-9 não deixava de lado o caso Carrie Hiring, enquanto os outros
trabalhavam no começo do projeto, ela dividia seu tempo ajudando Ravi a
sincronizar os dados do refeltron com o Kia e o chip que estava implantado no
lóbulo da orelha. Iria demorar algum tempo, mas conseguiriam uma busca e uma
resposta ao sinal do pingente de Carrie.
Crovax, Claire, Sifer e Kayne chegavam ao Submundo e o clima de desgraça do
bairro é enorme, além da “neve” negra de fuligem, um cachorro faminto se
alimentava da pele de um cadáver jogado na sarjeta suja. Todavia dos males esse
era o menor, barricadas improvisadas com carros velhos estavam de lado no meio
da rua, latões com fogo também serviam de proteção e intimidação. Quem podia
arremessava pedaços de madeira, ferro ou pedra contra robôs. Adolescentes e
punks cobertos de sangue perambulavam desorientados como zumbis. No final das
contas aquilo tudo deveria ser ignorado, a moral pública não importava tanto agora,
pelo menos não no Submundo. Chavões de direitos humanos todos descartados.
Por questões de estratégia Sifer seguiu com o carro adiante, o limpador de
para-brisa trabalhava dobrado para remover a película negra caindo do céu.

O lugar suspeito ficava abaixo de uma passarela, onde um pôster eletrônico com o
rosto de um homem de bigode e expressão forte a todo momento mudava e
piscava por causa do glitch na imagem. Cartazes de propagandas com as beiradas
rasgadas adejava as pontas ao vento fétido, ora encobrindo, ora expondo a marca de
um refrigerante. E não, não precisava ser citado a iluminação dos neons... Entraram
no prédio pela porta da frente, um salão de teto baixo, empoeirado, cheio de
manequins velhos com roupas antigas, móveis em desordem, baús abertos, panelas
jogadas pelos cantos brotavam sem parar pelas mesas. Colheres tortas, bandejas
escalavradas, tigelas engorduradas com sujeira em cada rachadura, um cheiro de
azedo se misturava ao de cachaça e cigarro. Nos pratos um ensopado grosso e
fedorento cheirava a repolho cozido com cadarços velhos, os talheres ainda
estavam dentro, dizendo que o local foi usado recentemente, mas abandonado. As
paredes encardidas com sangue coagulado também mostravam que existiu algum
tipo de “ação” quando o lugar estava ocupado. O que poderia fazer a mente de Claire
supor que a cada segundo perdido sua amiga também perdia uma fagulha de vida.
Kaine segurou o queixo com a mão esquerda, sabia do que se tratava.

– Senhorita Claire… Chegamos tarde demais não? Os sequestradores estiveram


aqui… Mas já foram embora… Seguimos a pista errada… – Kaine estava certo em
afirmar o que dizia, Carrie não estava no Submundo, tinham perdido tempo, e tempo
era precioso. Ao que parecia, voltaram à estaca zero. Claire Falcon havia falhado, ao
menos na sua primeira tentativa de encontrar a colega. Mas o pior era que a cada
minuto, Carrie poderia estar passando por maus momentos, ou ainda pior, nem estar
mais viva.

O tempo passava, tudo estava organizado para iniciar a transmissão. Em primeira


mão, Susan Ortega iniciava o telejornal não na bancada do estúdio, mas na rua,
segurando o microfone à frente do cameraman ela cumprimentava os espectadores
com seu já bem conhecido bordão.

– Boa noite Miraitropolis! Hoje é um dia histórico, em poucos minutos a tão


esperada posse de Carmen Telford acontecerá, surpreendendo a todos, uma vez que
o vice-prefeito Goliath abriu mão do seu cargo. A promotora Carrie Hiring também
não mostrou provas substanciais contra a posse. A bem da verdade Hiring nem
mesmo se apresentou no tribunal hoje a tarde, uma atitude incomum da promotora
que é conhecida por seu pulso firme. Falaremos mais sobre isso no noticiário das
onze, agora fiquem com o pronunciamento de Carmen Telford.

Chegava o momento triunfante de Telford. Exatamente às seis horas da tarde seu


pronunciamento seria transmitido em rede nacional. Não eram só os bares e
restaurantes os interessados, as praças e esquinas pichadas se encontravam
lotadas também, a aglomeração das calçadas invadia as ruas tornando o trânsito de
carros novos e velhos ainda mais lento, o empurra empurra tinha uma boa razão, os
anúncios nas vidraças holográficas dos prédios em vez de mostrar propagandas e
logomarcas famosas agora noticiavam algo de suma importância para todo cidadão
Mirainiano. Inclusive nos locais onde se concentrava o maior número de pessoas
desiludidas, como nos becos vandalizados e transformados em territórios de
gangues, neles, viciados, arruaceiros, punks, androides sem mais uso de seus donos
e mendigos jogados pelo chão acompanhavam pelos gigantes telões eletrônicos a
coletiva em frente às escadarias da prefeitura.

Não havia um canal que não transmitisse Carmen no topo do degrau de cima em
frente a um palanque marrom repleto de microfones - todos de suas próprias
emissoras, um monopólio - com dois grandes robôs brancos com quatro metros e
meio em cada lateral. Viaturas da polícia modificadas com inteligência artificial para
ter total autonomia também estava presente entre as grandes pilastras brancas de
mármore da prefeitura, assim como os furgões de emissoras. Telford estava
vestindo um blazer branco combinando o resto com saia longa e sapatos pretos.
Inicialmente calada, ela esperava a hora exata para falar. Quando o relógio da praça
da prefeitura deu as seis badaladas da tarde ela iniciou seu discurso.
– Boa noite. Sei que os tempos não são alegres, infelizmente nosso estimado
prefeito Sirius está morto, um homem de ética e caráter, é um enorme pesar que
pessoas honestas como ele hoje em dia tenham como recompensa pelo seu
trabalho árduo o arranque abrupto da vida, é, para os selvagens de hoje em dia a
vida humana parece valer cada vez menos. Gostaria de estar aqui hoje sob uma
perspectiva mais alegre e positiva, e não por razões tão negativas como a morte de
um estimado colega e amigo. A família de Sirius. – Dirigiu o olhar as cadeiras à sua
esquerda, onde um casal de pré-adolescentes e uma mulher com seus trinta e oito
anos estavam sentados ouvindo Carmen. – Sua esposa e filhos, tem meu pesar,
saibam que além do marido e pai ele também foi um prefeito exemplar. – Carmen
baixava a cabeça, pausando o discurso, tocando os olhos com as pontas dos dedos
enluvadas, removendo as lágrimas de uma choro simulado. – Todos nós temos
sofrido com o aumento da violência, uma prova foram os ataques hackers ao Canal
17 e depois sua demolição. Mas não vim falar disso, ao menos não agora, isso é
uma pauta que quero compartilhar com vocês mais tarde. Primeiramente venho a
público agradecer a confiança depositada do vice-prefeito Goliath, a qual
humildemente reconheceu minhas qualidades, às considerando tão boas quanto as
de nosso querido e falecido Sirius. Portanto, por tais motivos ele me concedeu seu
gabinete para tomar as decisões sócio-financeiras da prefeitura. O que de certa
forma não foi fácil, quer dizer, ele vai abrir mão das importantes escolhas que nossa
cidade irá tomar daqui para frente. No entanto, Ele continuará trabalhando para
todos nós, no cargo recém criado por minha comissão, o de diretor do gabinete da
prefeitura. Goliath ficará responsável pela supervisão de diretrizes das finanças,
apesar de que a última palavra sempre será minha. Agradeço que mesmo não
havendo uma eleição direta, todos vocês tenham me aceitado como sua
representante oficial. Muito obrigada!

As câmeras estavam estrategicamente posicionadas para não mostrar os


manifestantes sendo controlados com escudos de choque por robôs policiais
formando uma linha de isolamento. Controlando e afastando a manifestação de
quem com cartazes e gritos era contra a posse da Dama de Prata. Suas armaduras
pretas repletas de insígnias de multinacionais mostravam que a segurança não era
mais pública, estava sendo operada por um órgão privado. Os gritos de protestos
eram editados e removidos ao vivo. Por outro lado as palmas da multidão na frente
da escadaria da prefeitura - composta por empresários e representantes
corporativos - eram ampliadas, parecendo existir um número bem maior de
aplausos, tudo era como se a aceitação da posse de Telford fosse unânime.
Conforme as palmas terminavam, ela prosseguia.

– Agora é a parte mais dolorosa do meu discurso… Não é para menos que deixei por
último… – Carmen segurava uma prancheta holográfica a qual o seu HUD azul
projetava-se para fora da superfícies o objeto.
– Todos nós temos sofrido com o aumento da violência em Miraitropolis, estes
arruaceiros que nos últimos dias tem desafiado as autoridades estão passando dos
limites. E para piorar, Sirius antes de morrer não conseguiu acertar os valores dos
novos salários da polícia e esta entrou em greve… Também não teve tempo de
assinar o contrato com a divisão de segurança robotizada da Orion… É por isso que
com muito orgulho estou anunciando um grande passo, como meu primeiro ato no
atual cargo, a prefeitura acaba de assinar com a Orion Corp e nossas ruas serão
patrulhadas pelo que há de mais moderno e seguro no mercado de segurança
informatizada!

Mais aplausos vinham dos tubarões de gravatas abaixo do palanque cheio de


microfones. Do lado oposto da praça os manifestantes deixavam a paz de lado e
tentavam furar o bloqueio dos robôs policiais que revidaram com seus bastões
elétricos. Muitas pessoas iam ao chão e a gritaria aumentava, da mesma forma que
a indignação de quem apanhava e agora reagia jogando pedras, ferro e até
coquetéis molotov na segurança informatizada. Para cada aumento de tensão, o
outro lado respondia de forma mais feroz, os robôs de armaduras pretas
tecnológicas com logotipos de patrocínio corporativo miravam a multidão
aglutinada e disparavam com as escopetas balas de munição atordoante. Os com
bastões batiam em tudo que se movia, mesmo pessoas que não tinham nada a ver,
como uma mãe com uma criança no colo, um homem que voltava para casa mais
cedo por se sentir indisposto no serviço e um idoso de bengala que por infortúnio do
destino estavam passando pelo local naquele momento.

– Estaremos mais tranquilos e seguros a partir de agora. E não julguem errado a


Corporação Orion, aquele incidente que ocasionou o falecimento do nosso querido
Sirius foi uma sabotagem, uma ex programadora da própria empresa implantou
comandos assassinos sistema da CP3, no intento de manchar a imagem da
empresa por alguma razão desconhecida, mas que deve ter fins no mínimo
nefastos. Não foi diferente com o Canal 17, que iria revelar a identidade da
criminosa, mas ela conseguiu intervir e fez o que fez… Está tudo interligado. É por
isso que digo, uma coisa é certa, trarei essa terrorista para ser julgada pela justiça!
Mas ela não está agindo sozinha, um grupo de vadios a ajuda e provavelmente
também são os responsáveis pelo rapto da promotora Carrie Hiring, que mesmo
sendo alguém oposta às minhas ideias, irei ajudar na sua busca, afinal, somos
humanos e mesmo com as diferenças devemos nos unir. É por isso que quero
chamar aqui meu sócio nesse novo projeto de segurança robotizada e dono da
Orion, Jaime K’dore. – Carmen fez um breve intervalo para K’dore se juntar ao
palanque até que as palmas cessassem. Ele tinha alguns curativos no rosto magro.
– Obrigado, obrigado, a todos e a Carmen. Como minha estimada colega falou, cada
um de nós, direta ou indiretamente foi vítima desses criminosos. Eu mesmo quase
pereci nas mãos de bandidos que tentaram meu homicídio… Por qual razão eu não
sei, talvez por querer trazer a paz e pensar no melhor de todos? Talvez… Mas
ninguém foi mais vítima desses animais de sangue frio do que os pobres jovens da
Danceteria Nexus, aquelas vidas perdidas no ponto de ônibus pela manhã e os que
estavam na bolsa de valores? Até mesmo essa sujeira que despenca dos céus é
resultado dos tais vândalos. Felizmente assim como eu, mais alguém teve sorte e
sobreviveu às chacinas destes bárbaros. Estou falando do funcionário do Canal 17,
Aron Steiner, que conseguimos salvá-lo da morte. Palmas para este guerreiro e
sobrevivente, Aron!

K’dore iniciava as palmas, seguidas por Carmen que por fim refletiam nos
puxa-sacos abaixo dos degraus da escadaria da prefeitura. Aron se aproximava
também do palanque. O homem havia claramente sofrido terríveis experimentos
com consequências tão severas que mal dava para acreditar que estava vivo. Aquela
cirurgia cruel deixará a vítima com aparência robótica, justificada de tal maneira por
Jaime. As lentes infravermelhas que agora eram os olhos brilhavam
incessantemente abaixo da chuva de fuligem.

– Como podem ver, Aron, nosso herói infelizmente vai carregar para sempre as
sequelas do ataque dos animais arruaceiros… Mas ele não se entregou, e como
exemplo a todos, será nosso símbolo de resistência a violência, assim como Aron
não iremos nos entregar também! – K’dore se retirou, deixando Carmen e Aron ao
seu lado. A Dama de Prata voltava ao microfone.

– Então, minha gente, como podem ver o carro chefe da minha gestão será a
segurança. Assim como a arruaça no Submundo – outra mentira forjada – já foi
controlada pelas equipes de androides militarizados, firmo um compromisso com
todos vocês de que essa baderna criminosa tem seus dias contados! – Houve mais
palmas...

– Por isso, a partir de hoje os cidadãos legalizados de Miraitropolis serão


submetidos à biometria. Quem não conseguir ser reconhecido pelo sistema de
vigília de câmeras, dirigíveis e drones vai ser considerado um cidadão ilegal e
portanto criminoso. É com muito orgulho que digo, junto do meu sócio que se
tornou um aliado ao combate a violência atual, darei o meu melhor para que nossa
cidade volte a ser um bom lar, local de repouso e tranquilidade de milhões de
trabalhadores e famílias honestas. Mais uma vez falo, farei de tudo para que
Miraitropolis volte aos seus anos de glória! – Acompanhada de um Aron robótico,
Carmen se retirou da coletiva abaixo de muitos aplausos e gritos de aceitação. No
entanto, o paradeiro daqueles manifestantes até agora está sendo um mistério para
seus familiares e amigos. Naquela mesma noite quente de calor insuportável os
robô mechas e androides armados da Orion já patrulhavam as ruas de Miraitropolis,
passando uma falsa sensação de segurança. E a população mesmo sendo
enganada descaradamente se sentia mais segura.

Da mesma forma que um sistema de vigilância totalmente informatizado chamado


de Olho Elétrico ligado às câmeras urbanas em cada poste, beco, esquina, muro e
fachada passava imagens para uma central na prefeitura, na Fortaleza Telford e nas
empresas Orion Corp.

Sob a fina garoa escaldante enormes dirigíveis vasculhavam de cima a cidade,


sobrevoando a névoa cinzenta de fumaça industrial misturada à fuligem das
explosões de mais cedo. Disparando a luz branca saturada dos holofotes em
prédios e residências, carregando consigo sempre uma propaganda animada em
neon luminoso e um auto-falante lembrando a todos de frequentar o fast food do
Burguer Queen ou visitar as lojas de roupas. Um pouco mais abaixo mas ainda no
alto, o suficiente para ficar acima da neblina amarela e fedorenta expelida pelos
bueiros, drones circundam áreas conhecidas por prostituição e pontos de drogas,
áreas conhecidas como o Distrito do Sexo e Nocturna eram o alvo, lançando o lazer
de scanner para reconhecer os cidadãos, prostitutas que desfilavam pelas calçadas,
cafetões, traficantes, ladrões, usuários de drogas escondidos nos becos escuros e
moradores dos bairros. O mais incrível de tudo é que no primeiro dia, em poucas
horas uma grande parte das pessoas já haviam passado pela biometria e estavam
legalizadas. Se era por medo, ignorância ou descaso, não se podia dizer.

– Deixa ver se entendi, Liam, vamos no enterro do prefeito? Você acredita que
Carmen Telford vai estar lá pra fazer média e parecer boazinha depois da posse?
Sabe, acho que isso faz sentido e pode dar certo. Com sorte K’dore também pode
estar lá e a gente acertar dois coelhos com um tiro. Você é um gênio, não é atoa que
é o chefe. Como o enterro de Sirius foi adiado para amanhã por causa dessa onda
de violência vamos esperar a poeira baixar e torcer para que não aconteça mais
nenhuma merda. Até amanhã às seis da tarde também vamos ter mais tempo para
planejar isso. Eu gostei do plano. Vejamos, temos vinte horas para preparar tudo, é
um bom tempo. Imagine a gente chegando no Cemitério Neon em Miraitroide pra
por a porra toda abaixo! Aahaha. Pollux, você vem com a gente, certo? – Joe
sentado em cima de uma mesa fumando um cigarro repassando o plano de Liam
em voz alta no quarto do laboratório questionava Pollux.

O ex jornalista do Canal 17 tinha a chance de provar lealdade aos Steelhearts e


firmar base com a gangue, mas a preocupação com Calidora poderia pesar, de
qualquer forma ele tinha uma grande decisão que ditaria seu futuro.
– Eu não poderei ir, a doutora Vangelis disse que ainda preciso ficar em observação
até amanhã. Mas Liam, não vou medir esforços, mandarei meus homens reforçarem
sua gangue, quero ver a puta da Carmen e o broxa do K’dore fodidos. – Disse Tony
em uma cama de hospital, sua fala era lerda devido os sedativos. – Acho que vão
precisar das habilidades de Akane também, falarei com ela.

– Como já tô melhor, não vou perder essa por nada. – Comentou Boris, exercitando
os braços como se fosse aquecer antes de entrar em uma luta, caminhando inquieto
de um lado a outro da sala branca.

Por falar em Calidora, agora ela estava em banheiro sujo em alguma parte da cidade,
cortando seus cabelos com uma tesoura quase sem fio, de frente para um espelho
embaçado iluminado apenas pela luz escassa de um neon rosa em forma de
ideograma japonês na parede de cerâmica encardida. Os fios caiam dentro da pia e
ela se desfazia do seu longo penteado com muito pesar, chorando. Assim
adquirindo um corte chanel curto, acima dos ombros. Desfazendo-se da tonalidade
loira, tingiu o cabelo de rosa, colocou um piercing no nariz – de pressão, não
arriscaria furar a pele ela mesma e pegar uma infecção. – e abusou da maquiagem
para empalidecer sua face. Também marcou os lábios com batom roxo bem
marcante. Calidora estava quase irreconhecível, talvez nem mesmo seu amigo de
longa data, Pollux a reconheceria agora. Tudo em nome da segurança, sabia que
corria perigo. O próximo passo era de alguma forma conseguir uma arma, não seria
difícil, com algum traficante trocou a gargantilha e os dois braceletes de ouro mais
uma pulseira de prata dada por sua mãe e conseguiu uma pistola carregada com
munição de radiack mais três cartuchos de reposição. Com sua lábia conseguiu do
traficante também um traje balístico que a protegeria de calibres de médio porte. A
barganha fora boa, pois o uniforme continha um sistema de alerta de aproximação
nas costas, um simples display verde que vibraria a qualquer perigo. Sua meta era
saber se Pollux estava vivo e o encontrar. Mas antes precisava achar um lugar
seguro para descansar e pensar, se é que em Miraitropolis existia um lugar seguro.
No momento seu esconderijo foi o alto de uma plataforma escondida entre prédios
em desordem urbana, fios desencapados, aparelhos de ar condicionado, grandes
exaustores, hélices e mais neon. Ia ser difícil descansar com todo aquele barulho à
volta e a garoa quente caindo, sem contar o abafamento e o calor.
Depois de muito tempo X-9 conseguia um pouco de descanso, no sofá da agência
de Claire, ela repousava dormindo, não era o modo mais adequado de se descansar,
mas a exaustão era tamanha que não se importava que sua coluna desse uma volta
transformando-se em um “S”. Mas já que estava ali o mais recomendável era que
continuasse dormindo por mais três ou quatro horas. Entretanto Flatine, Xinfo,
Dante, Kron e Rose continuaram a trabalhando sem parar, e mesmo sabendo da
condição de restrição de sono da hacker não se importaram. Todavia ela não
permitiria deixar o serviço todo nas costas dos novos colegas. Ergueu-se do sofá,
com o rosto amassado de sono. As bordas escuras da moldura em volta dos olhos
mostrava que o descanso não fora suficiente. Caminhou até o centro da sala
amarrotada de fios, displays, imagens holográficas, gráficos e HUD espalhados,
aquilo mais parecia a nave de um filme espacial do que uma central de investigação.

– Hmm… Como estamos? – Perguntou bocejando e se espreguiçando.

– Bem, estamos indo bem, muito bem, podemos dizer, com todo mundo empenhado
e esses recursos de ponta adiantamos quase dois dias de serviço, é praticamente
um atalho. Mais algumas horas e teremos concluído o serviço, é praticamente um
milagre! – Comentou entusiasmado um dos hackers.

– Bom, muito bom. – Bocejou mais uma última vez. – Em quanto está o progresso?

– 56% concluído. – Respondeu.

– Excelente, vou deixar a moleza de lado e ajudar vocês, dormir não vai concluir o
projeto… Ein, não conheço você. – Arqueou uma sobrancelha, reparando melhor com
o rapaz que conversava.

– Ahn… Eu sou amigo do Flatine, ele me chamou enquanto você estava cochilando.
Meu nome é Arthur. – Esticou a mão para cumprimentar e X-9 prontamente
retribuiu.

– Com a nossa ajuda o seu projeto deu um salto de 34% – Disse um outro rapaz
sentado à frente de monitores transparentes com diversos gráficos dispostos.
Fumava um cigarro vagabundo, vestia uma bota, calça jeans e casaco escuro.

– Também não te conheço… – Virou-se na direção do estranho, apontando para ele.


– Eu sou Ninguém. – Disse.

– Ninguém? – indagou X-9

– Sim, esse é meu nome. Quando perguntarem quem eu sou as pessoas respondem
Ninguém. – Sorriu.

– Genial… Genial… – Ironizou, dando as costas, caminhou até o outro lado da sala e
acionando o Kia 3000 junto do computador retomou o processo de programação.

Em um dos tantos escritórios do conglomerado urbano, um que mais parecia uma


biblioteca por conter tantos livros por prateleiras nas paredes e antigos fichários de
arquivos, outra conversa importante acontecia. Antes de tudo, a maior ironia é que a
sala continha mais aparelhos e máquinas que ninguém sabia para o que servia do
que janelas, a única vidraça disponível estava longe, e capturava as luzes da cidade
de Miraitropolis. No interior da sala dois homens negociavam. O que estava atrás da
mesa reforçava de ferro com muitos monitores acima, ficava oculto com a
penumbra cobrindo o rosto, era possível ver apenas seu terno negro e gravata de
listras. Já o outro a sua frente, sentado na cadeira larga era bastante conhecido, se
tratava de Nick Slay, Capitão da S.W.A.T. e era exatamente sua voz a única ouvida no
recinto.

– Sim, a atitude de Clay Crovax anda me aborrecendo bastante. Assim como você
pensei que a S.W.A.T. iria aderir a greve… Isso foi bastante ruim para seus negócios,
é, eu sei. Também foram para os meus, eu tinha em mente desmembrar a S.W.A.T. e
substituí-la por ciborgues, mas o Tenente é persistente… Seus atos estão ganhando
mais e mais prestígio com o povo de Miraitropolis… E se destacando mais dos que
os meus no passado. A classe operária sempre foi carente e precisa de um tipo de
messias… Eu fui um na minha época. A grande merda é essa. Nossos superiores
querem Clay no meu lugar quando me aposentar… O que falta pouco… Não posso
permitir que ele tome meu lugar na história do esquadrão e jogue meus feitos para
escanteio. Não posso cair no esquecimento. – Nick se ajeitou melhor na cadeira,
parecia irritado e nervoso.

– E para criar um ciborgue ao meu molde preciso de matéria prima… Sei como
posso resolver o seu problema e o meu de uma só maneira. Pena que terei de
quebrar alguns ovos para fazer essa omelete, eu não queria, mas é necessário. – O
outro homem não dizia nada, apenas escutava. Meia hora depois, o Capitão Nick
Slay entrava em contato com o Tenente.

– Crovax, fiquei sabendo pela equipe que você acabou seguindo uma pista falsa
sobre o paradeiro da Supergirl. Eu lamento, sei que quer encontrar a advogada, mas
vou ter que te designar para uma missão de última hora. Fontes seguras confirmam
que Aleksey está nesse exato momento no Residencial Celeste. Sabe o que isso
quer dizer? Que pela primeira vez estamos um passo à frente desse desgraçado. Vá
com Sifer e se junte ao resto da equipe no Celeste, eles estarão esperando por
vocês. Mais uma coisa, quero ele vivo, entendeu? – Um breve silêncio tomou a
comunicação e então Nick prosseguiu.

– Crovax, tome cuidado. – Aquilo soou mais como uma ameaça do que aviso.
Quase ao mesmo tempo X-9 também abria um link neural com Claire pelo seu chip
na orelha que mantinha as duas conectadas.
– Claire, finalmente saiu o resultado do cruzamento de dados do refletron com o Kia
e consegui alguma coisa… Tenho uma noticia boa e outra ruim, vou começar com a
boa. Carrie está no antigo tribunal de justiça que fica no Eden. Ele foi substituído
pelo atual que fica aqui em All Street alguns anos atrás… A notícia ruim é… Bom, vou
deixar que você mesmo veja…

Uma imagem em vídeo foi enviada para a pulseira comunicadora de Kayne, depois
de carregada ele apertou o play e o projetor holográfico do mesmo exibiu o vídeo.
Kayne mostrava a Claire, Crovax e Sifer Carrie, amarrada em uma cadeira com as
mãos atadas para trás. Seu rosto continha hematomas roxos, cortes nos lábios
também estavam inchados, ela segurava o choro, apesar do semblante triste se
mantinha séria. Nitidamente fora espancada, seu cabelo loiro que sempre fora um
orgulho, mostrando-se bem penteado e cuidado agora estava um lixo. Parte de sua
roupa estava rasgada, expondo os ombros nus. Isso não era o mais revoltante. O
que dava mais nojo era que três homens com máscaras pretas com olhos escuros e
simulando sorrisos exagerados riam se divertindo da condição humilhante da
advogada. Armados e fazendo questão de mostrar tanto as metralhadoras quanto a
munição dispostas sobre os coletes preto de combate, um deles tomou a frente da
gravação embora o trio permanecesse junto.

– Essa loirinha gostosa não grita nem chora. – Desferiu um soco no queixo de
Carrie. O murro arrancou sangue do seu nariz e dos lábios. Mas como dito, ela não
emitia nenhum som.

– Isso é um pouco decepcionante, sabe, o legal é quando tem gemidos, gritos,


palavras de clemência. Mas sei como resolver isso. – O homem arrancou as roupas
de Carrie, primeiro o blazer, deixando-a de sutiã, depois ergueu a saia, puxando a
calcinha para baixo. Outro passou uma faca de combate pelas alças do sutiã a
deixando totalmente nua. Os seios apareciam na gravação sem nenhum pudor.
Aquele primeiro a jogou no chão removendo as cordas, afastando as pernas da
promotora e encaixou o quadril ao da promotora e ali dentro dela começou a se
mexer para frente e para trás. Passou a fazer movimentos repetitivos e a gemer. Ele
saiu e outro dos captores tomou seu lugar, fazendo o mesmo. Carrie não fazia
nenhum ruído, apenas mantinha o olhar estático, morto para a câmera, como se não
estivesse ali, como se estivesse offline. Mas uma lágrima silenciosa escorria pela
sua face. O abuso sexual prosseguia, mas X-9 decidia interromper poupando Claire
daquelas cenas nojentas.

– Desculpe por isso… Sei que é forte… Mas agora você sabe onde esses escrotos
estão… Claire…Vá ao antigo tribunal e acaba com esses filhos da puta. – Falou com
raiva, a hacker sabia que Claire era uma investigadora, não uma assassina, mas
esperava que escolhesse vingança em lugar da justiça. – O que achei mais estranho
é que consegui achar o vídeo fácil, não tinha proteção nem criptografia. Foi quase
como se eles quisessem que a gente encontrasse isso... – X-9 pausou, ponderando.

– Enfim... Vou mandar uma foto do tribunal caso não o conheça. O lugar é esse.

A hacker tentava afastar da memória aquelas imagens horríveis de violação e


voltava ao serviço, tanto uma forma de ocupar a mente como de concluir seu
trabalho. Se com aqueles dois novos desconhecidos o projeto tinha avançado 30%
com a dedicação total de X-9 em tempo recorde, tudo avançava os 50% restantes
em menos de duas horas. Realmente a ex programadora tinha um talento fora do
comum, e se alguém tivesse alguma dúvida sobre isso provavelmente já teria
mudado de opinião com a conclusão do projeto em tempo relâmpago assim que ela
colocou as mãos nele. Era quase inacreditável a todos ali.

– Senhoras e senhores, essa Inteligência Artificial propõe a acumulação secreta de


conhecimentos, uma expansão gradual da compreensão, em termos, ela é uma
esponja, quanto mais tempo de vida tiver dentro da lexis, mais dados informatizados
acumulará. Se tudo ocorrer como planejado em alguns anos, a nossa I.A. se tornará
o maior banco de dados armazenados de todos os tempos. Não é exagero dizer que
ela também será onipresente já que pode se propagar em qualquer lugar. Apresento
a todos vocês, Praxis!

A holografia semi transparente azulada de uma mulher com circuitos vivos


passando pelo corpo caminhava pela sala se dirigindo em direção a equipe. A
inteligência artificial exibia um simplório sorriso. Além de simpática era bastante
bonita com seus cabelos curtos azul marinho, era extremamente atraente com seu
corpo repleto de curvas esculpidas por pura programação, tanto que os homens
suspiravam quando ela andava e balançava levemente os quadris ao percorrer o
caminho até o centro da sala de investigação.

– Olá, a todos. É uma satisfação enorme estar aqui junto com vocês. –
Simpaticamente Praxis cumprimentava os presentes.

Considerações, recomendações e etc.

Leon é o único que tem escolha de fazer o que quiser.

Crovax tem que se reunir com seu time e ir para o Residencial Celeste. As
informações do Capitão Nick foram escassas, portanto vai ter que vasculhar todo o
lugar, Aleksey está em algum dos andares. Se o encontrar não poderá matá-lo, Nick
o quer vivo.
Claire seguiu uma pista errada e agora corre contra o tempo, tem que ir até o antigo
tribunal e derrotar os três sequestradores e salvar Carrie. Matar ou prender os
meliantes fica a seu cargo. Pode usar Kayne para ajudá-la.

Aron está de volta e terá que retratar o que lhe aconteceu de acordo com seu ponto
de vista.

Liam e Pollux (isso se ele não for atrás de Calidora) tem que bolar uma estratégia e
no enterro do prefeito tentar matar Carmen. Não é certo que K'dore esteja junto.
Vocês atacam primeiro, sem saber das defesas da dama de prata. Lembrando que o
confronto será no cemitério neon, em Miraitroide. Também podem contar com a
ajuda de Joe, Boris, Herrera e Coronel, além de uns capangas de Tony.

Akane pode narrar que foi "recrutada" por Tony nesta rodada e se unir aos
Steelhearts.

Thomas e X-9 dão uma pausa nessa rodada, o cientista está se recuperando do
confronto e X-9 tá de boas encantada com a criação da Praxis. (?)

Lembrando que o que narração será depois da posse da Dama de Prata, então
considerar esse evento. Se quiserem podem narrar do seus pontos de vista a posse,
mas não é obrigatório, só se acharem que devem.

Liam

A rápida análise e o trabalho em equipe resultou no Thomas versão monstro caída


no chão. Tanto eu, quanto o jornalista marionete conseguimos agir bem, ativando os
alarmes, usando a buzina do carro de Tony e ainda por cima derrubando a parede
frontal do laboratório. Nossa única baixa aparente foi o ferimento que Montana tinha
no peito, após ser atingido pelo Dr. Monstro, mas quem se importa com Tony
Arrogante Montana.

Por outro lado tudo que não queríamos aconteceu, a maldita Telford tinha feito seu
discurso em praça pública, mostrando-se como a pessoa que salvaria Miraitropolis
da violência e do caos que dominava as ruas, pura mentira e falsidade. Robôs,
Drones, Scanners e sistemas de vigia de última geração tomavam conta das ruas
agora. É por isso que odeio a tecnologia, ela tira nossa liberdade, nos tornamos
simples marionetes do sistema, que é controlado por pessoas corruptas como
Carmen.
Agora o que para nós restava era o tudo ou nada, minha ideia era aproveitar o velório
de Sirius, o preferido assassinado, para acabar de uma vez com a raça de Telford e
K’dore. Eu falava minha idéia para Joe, que repassava em voz alta para o restante do
pessoal, não teríamos Tony na jogada, devido aos seus ferimentos, mas por outro
lado o Boris já estava bem, eu precisava conversar com ele, puni-lo de alguma forma
pelo que fez ao segurança, porém não tínhamos tempo para isso.

Entretanto, outra coisa estava me incomodando, X-9 tinha ido embora e até agora
não tinha dado notícias, então caminhei até um dos corredores vazios do complexo
subterrâneo de Thomas. Usando a função de comunicação do meu relógio, fiz uma
ligação para a hacker. Ela não atendeu, talvez estivesse ocupada ou não quisesse
mais falar com nenhum de nós. Mesmo assim, deixei uma mensagem.

– Mande notícias, estou preocupado com você, minha hacker preferida. – Pausei por
dois segundos, respirando. – Amanhã iremos para o tudo ou nada, invadiremos o
enterro de Sirius no cemitério Neon e mataremos Telford, suas habilidades seriam
úteis, afinal o lugar provavelmente vai estar lotado com robôs para fazer a proteção
e vigilância. – Pausei novamente, como se procurasse palavras para dizer. – Isso é
tudo. Aê, quando tudo isso acabar, espero que aceite tomar um café comigo.

Desliguei a ligação, voltando para a sala onde a maioria do pessoal se reunia, tinha
um plano de ação em mente e era hora de falar, afinal tínhamos menos de vinte e
quatro horas para preparar tudo e agir.

– Eu odeio esse italiano de merda, todo mundo aqui sabe disso. – Joe ao me
escutar, arregalou os olhos, afinal não esperava que eu falasse isso. Já Boris sorriu
crente que eu aproveitaria a situação de Tony para acabar de vez com ele. – Mas
tenho que admitir que ele foi um único que decidiu reunir forças para combater a
tempestade que estava chegando. – Joe respirou aliviado, enquanto Boris olhava
decepcionado. – Amanhã iremos para o tudo ou nada, o cemitério com certeza vai
ter várias máquinas para proteger a velha de prata, provavelmente será nosso maior
desafio até agora.

Voltei meu olhar para Pollux, dizendo diretamente para ele. – Não precisa ir, você já
provou que é confiável, fora que essa merda na sua cabeça pode acabar ferrando
tudo, mas gostaria que pensasse em outra forma de ferrar com aquela desgraçada,
caso nosso plano não der certo. Um vazamento de arquivos, sequestrar algum
parente dela, algo do tipo. – Em seguida, voltei meu olhar para o restante dos
homens reunidos ali. – Entrar pela porta da frente vai nos tornar um esquadrão
suicida. Por isso entraremos no cemitério, disfarçados.
Respirei fundo, olhando nos olhos de cada uma presente na sala. – Joe preciso que
vá lá fora e traga roupas, compre ternos, sobretudos e sapatos em alguma loja de
esquina. Tony precisarei que use sua influência nas ruas para fazer com que o povo
crie um grande tumulto na entrada do cemitério, um grande protesto que distraia a
segurança do local, também preciso que a Akane infiltre no meio dos convidados,
seduza um empresário solteirão ou qualquer coisa assim, ela será nosso trunfo,
caso eu e o restante dos homens falharmos. Consultei o mapa de túneis, existe
uma galeria de esgoto que passa debaixo do cemitério, não é larga suficiente para
usarmos um veículo, mas conseguiremos passar por ela a pé. Entrei em contato
com a X-9, talvez ela possa ferrar com parte do sistema de vigilância deles, mas não
podemos contar com isso, então levaremos uma bomba de pulso eletromagnético,
ela consegue ferrar tudo que seja eletrônico em uma área grande por um minuto, por
isso teremos que ser rápidos. – Parei de falar por alguns segundos, para que eles
digerirem tudo que eu havia dito, voltando a falar logo depois. – Então mãos à obra,
vamos encher aquela vadia ambiciosa de furos.

Às vinte horas que restavam até o grande momento passaram rápido, Joe conseguiu
trazer as roupas. Vestimos por cima de coletes balísticos que encontramos no
laboratório de Thomas. As roupas eram simples, meu objetivo com elas era criar
uma aparência de mendigo para mim e o restante do grupo, pois caso fossemos
pegos por uma patrulha nos esgotos, poderíamos passar despercebidos.

Praticamente todo o grupo carregava armas de médio calibre, como por exemplo,
uzis silenciadas com munição de Radiack, exceto Boris e o Coronel, que utilizavam
fuzis que carregavam fuzis de assalto, e eu que carregava uma Shotgun. Saímos do
laboratório de Thomas, parando de frente a um enorme túnel de esgoto, junto
conosco estava mais quinze homens que Tony tinha conseguido chamar, formando
um grupo de 19 pessoas no total.

– Chefe, ainda dá tempo de jogar toda essa merda no lixo e voltar para trás. – Disse
Joe, que parou ao meu lado. Levei minha mão direita até o gorro preto que usava
sobre a cabeça, ajeitando-a e o respondi. – Somos as únicas pessoas que sabem da
verdade meu amigo, se não fizermos nada, todos de Miraitropolis vão viver para
sempre em um poço de mentira e merda ainda mais fundo.

Ele concordou com a cabeça, pegando a mochila preto que estava na bomba e
colocando nas costas. – Então vamos girar essa meia cheia de merda na cara das
pessoas.

Caminhamos por várias horas pelo túnel de esgoto, até chegarmos ao ponto que
passava por baixo do cemitério. Joe consultava um holotablet, verificando os fóruns
de internet, que estavam recheados de notícias sobre o grande protesto que
acontecia na frente do cemitério.

Paramos de frente a saída do esgoto, que nos levaria para os fundos do cemitério,
onde ficava uma pequena capela recheada de luzes neon. Retirei a Shotgun da
cintura, verificando rapidamente seu pente, depois voltei meu olhar para o restante
dos homens.

– Chegou a hora. Joe arme a bomba, quando ela liberar o pulso entraremos com
tudo, mirem diretamente na Dama de Prata. – Não sabia se X-9 tinha recebido minha
mensagem, não sabia se ela iria nos ajudar, então aquela bomba de pulso era nosso
único recurso no momento.

Joe preparou a bomba, que liberaria o pulso eletromagnético em trinta segundos.


Um capanga de Tony atirou no cadeado do portão que ficava sobre a saída de
esgoto, depois Boris o abriu com seu ombro. O pulso eletromagnético então seria
liberado, desativando todos os equipamentos eletrônicos no local durante um
minuto. Eu e o restante do grupo sairíamos de trás da capela, focando nos disparos
na Dama de Prata, atirando com tudo que tínhamos contra ela. Esperava conseguir
eliminá-la antes que os robôs e o drones voltassem a funcionar.

Claire Falcon

Mantive minha postura fechada apesar de estar lidando com agentes da S.W.A.T e
com uma habilidosa hacker. Minha mente estava bagunçada perante o sentimento
de perda, raiva e medo. Tudo estava sob minhas mãos e fiquei muito feliz quando
ganhei ajuda para prender os sequestradores de Carrie. Era questão de tempo
apenas. Todas as evidências apontavam para o Submundo, mesmo eu tendo aquela
vozinha interior clamando por olhar direito e seguir outro rumo. Ignorei essa
sensação e encarei mais uma vez a mulher de cabelos azuis. Sorri amigavelmente
perante as primeiras palavras dela.

– O prazer é todo meu… X9. Fique a vontade em meu local de trabalho e faça o que
deve ser feito, não ligue para a burocracia policial por enquanto… – respondi mais
calma e casualmente – Kayne, está pronto? Eugene, vá na frente prepare a sala para
nossa nova amiga e seus amigos. – Dito isso peguei meu casaco e minha arma e
saí do apartamento da minha amiga.

Nós quatro fomos para o Submundo em minutos. A bagunça causada pelo


homenzinho das bombas ainda pairava pelo ar. O cheiro de fumaça irritava meu
nariz e toda a fuligem atrapalhava. O rapaz que veio comigo ficou calado o trajeto
todo, só observando o lado de fora do veículo através do vidro. Pessoalmente não
queria envolvê-lo nessa caçada, afinal ainda mal tinha treze anos, uma criança que
deveria estar brincando de carrinho e não já trabalhando numa posição invejável até
para policiais já com muita experiência na carreira. Kayne era, sem dúvida, um gênio
e mesmo sabendo tanto e estando preparado, não estava preparada para deixar o
instinto materno de lado e tratá-lo por igual. Eu sabia, por fim, que era questão de
tempo para eu ter de fazê-lo.

Abaixo de uma passarela. O pôster de um homem com bigode. O local abandonado.


Naquele momento que a realidade se tornou palpável, com ela, levei um choque.
Como temia, caí numa armadilha idiota e dei mais tempo para os sequestradores.
Mais que isso. O envolvimento de Caim Hell era algo para me preocupar de verdade.
Este homem, dono do cartaz aparentemente inofensivo e careta, era um
contrabandista muito habilidoso e escorregadio. Um tipo de homem que só abaixava
sua cabeça para os mais poderosos mafiosos e para aqueles que lhe pagavam um
absurdo de dinheiro para encomendar qualquer serviço. Se este homem estiver
envolvido no sequestro, o mandante era alguém mais poderoso e influente que
supus. Muito mais do que um empresário rico ou um político por aí.

– Caim Hell… Está cada vez pior. Crovax, Sifer… Agora sei para onde foram, se este
homem estiver mesmo envolvido. – Murmurei com a voz mais pesada, como se
fosse um robô.

– Aquele contrabandista que escapou da polícia 45 vezes de forma muito


chamativa? Realmente está ficando mais complicado e nem quero pensar na pessoa
que iremos cutucar ao salvar a senhoria Hiring. Verdade, o poster que marca seu
território, como não percebi antes? – Kayne estava levemente surpreso, mas sua voz
calma não se abalou.

O clima ficou pesado e o silêncio foi quebrado pela ligação que um dos agentes da
S.W.A.T recebeu e logo em seguida pelo comunicador de pulso do meu querido
estagiário, o que desejei que fosse a X9 com boas notícias. A partir daí, eu gelei
quando vi no vídeo Carrie naquele estado deplorável e depois o abuso que estava
sofrendo ao vivo para qualquer um assistir. Assistir ao vídeo abalou de vez o pouco
que restou do meu auto controle. Meu corpo se enrijeceu e cerrei os punhos.
Imagens de mim mesta matando esses porcos se instalou na minha mente com
uma rapidez assustadora. Já não estava mais pensando como a policial
investigativa que deveria ser. Tentei falar e a voz não saiu até eu morder o lábio de
aflição.
– Então é aqui que nos separamos, agradeço pela ajuda agentes … Prometo que irei
resgatar Carrie… Reportem ao encarregado de vocês, irei resgatá-la a todo custo. –
falei pela primeira vez com uma seriedade assustadora, para mim mesmo.

Não queria levar Kayne comigo, mas também não queria deixá-lo sozinho num lugar
perigoso daqueles. Porém, quando dei por mim, ele apareceu do nada com um rifle
assustadoramente carregado. Sua expressão serena era obstinada também e neste
momento percebi que não importava o que fizesse ele iria me seguir e me ajudar a
matar… Melhor dizendo, prender aqueles sequestradores nojentos. Tal atitude me
fez lembrar do meu irmão com seus olhares que diziam mais que palavras e que a
teimosia era maior que o bom senso. Tinha de admitir que tinha perdido para um
rapaz de doze anos.

– Não me olhe assim, está na cara que não vai seguir o protocolo de ação, afinal
para invadir um lugar como aquele precisamos de um mandato e como não temos…
E o que é um pequeno roubo perto de tortura seguido de estupro? Tem muitos rifles
e armas naquele compartimento secreto no canto, nem vão notar a falta de um
velho e enferrujado. Claire, não temos tempo, lembra? – A voz dele despertou ainda
mais a fúria dentro de mim e tive de concordar.

Sem carona, andamos por uns dois quarteirões até acharmos uma moto
estacionada levemente amassada e toda coberta de fuligem. Usei o chip instalado
no meu distintivo para destravá-la e conseguir usá-la. Era um dos privilégios
emergenciais que meu trabalho me fornecia sem precisar passar por ladra, como a
arma que foi roubada de seu pequeno depósito, que era para ser secreto. Não tinha
ideia de como ele conseguiu achar. Sem dar tempo para arrependimentos, subi na
moto e o rapaz sem perder tempo também, me abraçando pela cintura com firmeza.
Ele sabia que eu iria correr o máximo que a máquina pudesse levar. Nem pensei num
possível acidente, me foquei de ir em frente desviando de corpos e escombros para
chegar no Éden, no endereço que X9 me passou.

O antigo tribunal, uma bela construção que fora abandonada assim que se mudaram
para outro local. Pela foto parecia uma construção simples e apesar da distância,
tentei reduzir o tempo de uma hora ao máximo para chegar o quanto antes. Essa
corrida contra o tempo seria até divertida se não tivesse tanta sujeira no ar, mesmo
que os capacetes que estávamos usando nos protegessem. Essa corrida também
me fez mais uma vez me lembrar do meu irmão, afinal foi ele quem me ensinou a
dirigir e controlar uma moto em alta velocidade.

Quando finalmente chegamos perto, reduzi a velocidade e parei a moto para Kayne
descer. Ele pegou novamente naquele rifle um pouco grande para seu tamanho e o
jogou nas costas, como se fosse uma mochila e sua alça bem em seu ombro direito
(como se fosse mochila de um ombro só). Tentei falar algo para ele, mas nada do
que tinha em mente seria o suficiente para mudar os planos do garoto. Ele queria
muito provar para mim que sabia se cuidar sozinho, para que eu não me
preocupasse tanto com ele. Ele também deixou claro uma vez que se sentia
protegido e mais confiante perto de mim e que se dependesse dele, ele nunca iria
sair da minha empresa, mesmo quando o estágio acabar e talvez ele possa ser
forçado a entrar no departamento de polícia… Deixando o lado afetivo de lado,
acenei positivamente para ele e vi seu sorriso genuíno.

– Vou entrar por cima e acertá-los de lá. Possivelmente estará escuro e não
conseguirão me ver. Quanto a arma, eu sei usá-la e me preparar para o tranco que
ela dá. Vamos salvar sua amiga, Claire. Não como oficiais de justiça e sim como
civis. – falou ele baixo e rapidamente deu as costas e deu início ao seu próprio
plano.

Quanto a mim, segurei firme o guidão da moto, pronta para acelerar e entrar
atropelando tudo e todos. Gostaria de ter mais tempo para planejar uma invasão,
como também ter mais reforços. Pensei em acionar o Bellcross 360, mas seu
tamanho chamaria muita atenção, apesar de fazer um tremendo estrago… E ainda
tem a distância, não tinha tempo. Com isso em mente, respirei fundo e invadi o local
querendo pegar os infelizes de surpresa provavelmente relaxados depois de
ejacularem na minha amiga, descansando após o estupro. Minha ideia inicial era
entrar em alta velocidade e jogar a moto em cima deles, se estiverem reunidos num
lugar só melhor. Caso contrário, no mais perto. O que sobrar caberia eu e meu
parceiro atirar… Infelizmente não para matar, pois, mesmo com tanta raiva, não tinha
esse direito e sinceramente, ainda não conseguia matar. Os tiros eram mais para
enfraquecê-los e torná-los vulneráveis e mais “dóceis”.

Assim que tirar as amarras de Carrie eu mesma pegarei uma faca e "castrar" os
infelizes…

Leon

A expressão do homem e o tamanho do seu medo e repulsa me fez sentir mais forte
e vivo. Mais poderoso. Não me importei se essa reação era sadismo, afinal toda a
tortura não era suficiente para reparar o trauma inserido na mulher. Eu
particularmente não me achava um defensor delas, não fico procurando alguma
donzela em perigo para bancar o herói. Não precisava deste artifício medieval.
Contudo, aquelas que cruzavam meu caminho, como tal, era suficiente para ganhar
meu interesse. Interesse este que se intensificou quando o marmanjo resolveu abrir
a boca.

– Uma repórter… Interessante… Infelizmente, você selou seu destino ao sequestrar


essa mulher e ter o azar de me envolver neste sequestro. – Falei sereno, já salivando
entre os dentes avantajados que ficavam para fora da mandíbula, à mostra.

Apenas uma patada sem tanta força foi o suficiente para matar o mijão. Seu rosto
foi desconfigurado com três cortes profundos e o pescoço quebrado devido ao
impacto do tapa. Não dei tempo para o infeliz emitir nenhum som ou choro. E ali
fiquei parado olhando para o corpo, excitado com o sangue escorrendo e seus
espirros que me sujaram quase todo. Eu sabia que tinha que me apressar para
seguir a mulher ou seu cheiro iria se perder pela cidade imunda.

– Afinal… É uma bela dama correndo risco de vida. – Comentei sorridente aceitando
de bom grado oferecer minha proteção a ela.

Enquanto andava pela casa e quintal, me limpava com uma toalha que peguei pelo
caminho e ainda na pele da fera segui a trilha do cheiro de Callídora. Era suave e
bem feminino. Bem mais excitante do que uma pilha de corpos perdendo cor e
jogados ao relento. Me mantive distante e silencioso como se estivesse caçando um
coelho. Não! Ela não seria um coelho inofensivo, melhor dizendo, uma raposa. Uma
garota desesperada não conseguiria ir tão longe, o que a tornava muito vulnerável.

Era divertido. Não perdia tempo para admirá-la de longe. Era mesmo, ainda mais
sem a máscara de ferro, mais bela que imaginei. Queria estudá-la mais de perto sem
ter o risco de ser descoberto. Ao menos por enquanto. Em minha mente, o bom
senso me alertava do perigo constantemente. Eu ignorava. Não estava me
importando com Carmem Telford e seus joguinhos. Não me importava com o futuro
desta nação. Não me importava com ninguém além de mim mesmo e a atração
física que sentia por ela. Essa sensação me dava mais ânimo para seguir com a
caçada.

À medida que Callídora, entrava e saía de becos imundos e conversava com


traficantes, eu observava com interesse renovado. Seria uma decepção se ela fosse
vender seu corpo para conseguir proteção, mas ela se provou ser alguém que
merecia muito respeito. Me encontrei num dilema ainda maior com essa percepção,
onde eu seduzia moças iguais a ela só pela diversão da conquista, eu era como um
professor de sexualidade para elas. Não eram presas fáceis como as mais
abusadas e vadias de esquina. Até teve um momento que se não tivesse meus
poderes vindos do tigre, eu poderia perdê-la. Afinal como toda pessoa que está
sendo caçada, uma boa tentativa de defesa era o disfarce e foi esta medida tomada
por ela.

Até diria que o novo corte de cabelo e sua nova cor a deixou mais desejável do que
nunca, adotando um estilo mais agressivo ao de boa moça que usava. Fiquei mais
animado para sondá-la e era chegada a hora da caçada terminar e eu dar o golpe
final nisso tudo. Era apenas escolher o melhor lugar. Depois de um tempo, tive outro
encontro com traficante e fiquei surpreso pela arma que ela conseguiu. E não
parecia ser uma comum e isso despertou em mim uma necessidade de prosseguir
com mais calma e sutileza. Para ser sincero, estava perdendo o pique em
simplesmente seguir a mulher, pois em qualquer esquina sua vida poderia ser tirada
facilmente. E a cada tempo que passava eu perdia mais sangue.

Esperei ela encontrar um lugar para finalmente tentar dormir ou se isolar. E


particularmente, depois de tanto progresso, ela regrediu horrivelmente com a
escolha do lugar em questão. Uma simples plataforma entre dois prédios infestados
de lixo e fios ao descuido. Qualquer um poderia simplesmente se aproximar e fazer
o que quisesse com essa loirinha. Não aguentei este final decepcionante e me
aproximei lentamente dela, deixando claro minha presença e sem me importar com
a possibilidade dela apertar o gatilho da arma que conseguira.

– Para quem está com a vida em risco, você está sendo muito descuidada. Fiquei
admirando todo seu progresso para ficar decepcionado com a escolha deste lugar
cheio de aberturas. Sei que te dei a escolha mais cedo, mas naquela hora não sabia
que era uma conhecida do Pollux que se juntou ao Liam. Antes que pergunte sobre
seu amigo ou namorado, ele deve estar bem… Só o vi por uns momentos e saí para
esvaziar a mente por aí… – falei lentamente ao me aproximar mais, passo a passo
como que quisesse encurralar a presa.

E assim que me posicionei a meio metro dela, parei. O silêncio dominou mais uma
vez, e me refiro à falta de diálogo. Senti nela o medo. E que mulher não sentiria
medo ao ver um homem se transformar num monstro sanguinário? Eu estava calmo
por incrível que pareça. O sorriso era sincero, pois estava contente por mais uma vez
encará-la de frente. Esperei por alguma resposta e não teve.

– Ouça. Você tem o direito de não me seguir. Eu te proponho um abrigo mais seguro
do que isso aqui ou qualquer lugarzinho escuro que consiga encontrar até decidir o
que fazer com seu belo pescoço estando a prêmio. Conheço uns idiotas que querem
acabar com essa Dama de Prata e pode ser que eu vá me juntar a eles. Não me
interesso por nada que tem ou possa me dar – olhei atentamente para seu corpo
enfatizando o que queria dizer, obviamente mentindo parcialmente – Apenas tenho
uma rixa pessoal com Jaime e estou tentando fazer o que acho certo. Venha se
quiser. – fiquei mais um tempinho parado olhando nos olhos dela, falava num tom
mais sedutor como sempre faço com as mulheres.

Dei as costas a ela para sair logo daquele lugar horrível e barulhento. Sentia minhas
costas formigar como se o atendimento no hospital tivesse sido suficiente. Sabia
que estava sangrando, com os pontos novamente abertos por causa daqueles
imbecis mascarados. Só ignorava a dor e o incômodo como tinha feito até o
momento. Ignorei a camisa manchada de sangue, desta vez com o meu. Dei uns dez
passos para frente e parei novamente.

– Não sou isso por opção. A ganância me tirou da minha vida perfeita e me jogou no
outro lado que tanto odiava. De um policial aspirante a investigador a um assassino
como viu com seus próprios olhos. Não digo isso para te convencer e sim para lhe
abrir os olhos. Quem fez isso comigo não chega nem aos pés da que está atrás de
você e sozinha não terá a chance nem de conspirar uma vingança. Venha. – falei por
fim e esperei pela resposta definitiva daquele mulher.

Crovax

Estar sob aquele disfarce estava se mostrando mais eficiente do que eu esperado,
não só pelo fato de não ser identificado, mas parecia que eu tinha me tornando só
mais um ali naquela cena toda, isso me dava liberdade para observar e avaliar o
comportamento de cada um. Se no esquadrão todos tinham uma característica que
se ressaltava, eu podia dizer que a minha era a observação e raciocínio rápido diante
de situações de pressão. Sifer continuava a tratar das coisas junto com a hacker X-9,
o mesmo parecia empolgado, talvez dentro de sua cabeça ele finalmente tinha
alcançado o objetivo de sua vida que era encontrá-la, desvendar o mistério que
envolvia aquela jovem, afinal, ela até então tinha sido o único desafio a altura que o
mesmo encontrava dentro da Lexis.

Já no condomínio, uma equipe de investigadores parecia ter assumido para si a


responsabilidade de achar Carrie, a princípio eu não entendia o por que, mas logo a
mulher chamada Claire demonstrava que estava mais envolvida pessoalmente nisso
do que simplesmente trabalhando por trabalhar, e até aquele momento, ela parecia
ser a chefe de toda aquela investigação.

Enquanto todos dialogavam, andei um pouco pelo apartamento observando o lugar.


Carrie parecia viver bem ali, o apartamento também possuía um sistema de
segurança próprio, se raptaram ela ali mesmo, tudo deve ter acontecido bem rápido
e de forma bem planejada. A supergirl não era idiota, sabia que a profissão dela
exige uma segurança além do comum, ela devia ter formas de avisar caso coisas
como essa acontecessem, bem, naquele momento, investigar não era minha
prioridade, a equipe da tal Claire é quem tinha essa "batata quente" na mão.

Depois de alguns minutos, os investigadores finalmente pareciam ter achado


alguma coisa. Aparentemente achavam uma pista que indicava que Carrie tinha sido
levada para o Submundo... Submundo, será mesmo que a levariam para lá? A tal
pista era um cigarro, outro elemento muito suspeito para se deixar numa cena de
rapto... Bem, eles eram os profissionais, ali eu era somente um SWAT, e como tal,
não era nosso dever investigar nada. Nosso objetivo sempre era "Entrar, finalizar e
sair".

Com destino e caminho decidido, o plano traçado era para que nos dividíssemos.
X-9 iria com uma equipe seguindo o plano para se criar uma I.A que pudesse entrar
nos domínios da Orion, enquanto que Claire seguiria para o submundo para buscar
por Carrie. Como decidido, eu e Sifer iriamos com Claire e um garoto... Eu não fazia
ideia do por que ela andava com uma criança, talvez fosse filho ou sobrinho, talvez
ela fosse babá em horas vagas. Não arrisquei perguntar.

– Então vamos ver… – Dizia a hacker se virando para Sifer – Eu não vou com vocês
para o Submundo, aquele lugar me faz lembrar do meu fracasso… Vocês dois devem
ir com Claire e resgatar Carrie… Serei mais útil aqui.

– Mas vou cobrar o que me prometeram, vou precisar que mande todos os recursos
do Departamento de Polícia para a agência de Claire, com o que ela me
disponibilizará mais o que vocês tem, o projeto da I. A. que tenho em mente sairá
do papel melhor e mais rápido do que imaginei. Posso contar com vocês, certo? –
Ela olhava para Sifer, esperando uma confirmação e o mesmo, olhava para mim,
também esperando minha aprovação. Não era do meu feitio negar o prometido, o
plano de pegar K'dore tinha que seguir em frente. Achando Carrie, no final só
teríamos que ligar todos os pontos e fazer a promotora cumprir seu trabalho, logo
consenti balançando afirmativamente, concordando com tudo que tinham decidido
até ali.

– Bom, parece que agora é a parte que nos separamos. Obrigada, foi um prazer
conhecer vocês. – X-9 então apertava a mão de Sifer, depois a estendia para mim,
que não tinha por que não cumprimentá-la de volta. – Gostei de você, Big Boss,
apesar de ser meio caladão. Quem sabe a gente beba uma cerveja algum dia juntos
e você fale seu nome. rs

– Cumpra com o que prometeu, estou contando com a sua I.A pronta, para que
assim que conseguirmos resgatar Carrie, possamos invadir a Orion e pegar todas as
provas necessárias... E... Certo, depois que tudo isso terminar, eu aceito uma
cerveja. – Respondi mantendo-me sério. Mesmo que ela estivesse sendo uma jovem
cooperativa até ali e fazendo algo do lado certo do jogo, no fundo, ela ainda era uma
hacker que cometeu crimes no passado, talvez essa "cerveja" nunca venha a ser
tomada, talvez, no futuro eu tenha que caçá-la e prendê-la. Obviamente eu não diria
isso ali naquele momento, mas esse pensamento me impedia de acabar sendo mais
gentil ou legal com ela.

Desci o prédio, junto a Claire, Sifer e o tal garoto que ela trazia consigo. Assim que
entramos no carro, Claire e o garoto sentavam-se no banco de trás, enquanto que
Sifer é quem dirigiria dessa vez, enquanto eu iria no banco do carona. Apertei o
botão na lateral do meu pescoço, que desativava o dispositivo de disfarce que
mantive até ali. O holograma com a cara de punk se desfazia e voltei finalmente a
ser o Tenente Clay Crovax novamente, onde me virei para Claire no banco de trás e
me apresentei formalmente lhe deixando claro minha patente e responsabilidade
dentro de toda aquela situação, expliquei para ela também toda a situação que havia
ocorrido com a SWAT, o plano que havia traçado para pegar K'dore, e o motivo do
qual achar Carrie se tornava tão importante para nós. Pela metade do caminho até o
Submundo, Sifer colocou a sirene da polícia pelo lado de fora do carro, o que nos
abriu caminho em meio ao transito da Armitage, em poucos minutos estávamos
adentrando ao submundo... Que infelizmente, estava mais bagunçado do que
nunca...

– Olha aquilo tenente. As coisas vão ficar feias por aqui. – Falou Sifer.

– Desligue a sirene, se verem que somos da polícia, podem tentar atacar o carro. –
Ordenei. Sifer desligava a sirene e tirava-a do teto do carro. Pegando uma rota por
um beco alternativo, evitávamos a confusão que se desenrolava.

Barricadas improvisadas com carros, latões, sucata, e pessoas atacando robôs


militares, com garrafas, barras de ferro, pedras e etc. A coisa estava realmente feia
por ali, tinha muita gente ferida, muita merda acontecendo. Por um momento, senti
um repúdio de ser um oficial que trabalhou por tanto tempo para governos, e pensar
que aqueles que deveriam estar trabalhando para melhorar a vida dos outros, estava
simplesmente ali, atacando aqueles a que juraram servir, mas a quem estou
enganando? Já fazem séculos que políticos e militares, perderam o senso de que
seus ofícios deviam ser em prol do povo, em vez disso, eles trabalhavam em prol de
magnatas, e mantinham essa falsa democracia, que nada mais é do que uma corda
que nos prende o suficiente para não nos tornarmos completos anarquistas.

Claire é quem nos guiava até o tal ponto, onde ela suspeitava que os sequestradores
mantinham Carrie. O lugar em si, era abaixo de uma passarela, onde pôsteres e
propagandas holográficas ricas em neon, eram a única forma de iluminação.
Quando viu um dos cartazes, Claire ficou muito alarmada, sinceramente eu não
entendi o motivo.

– Chegamos. – Sifer, então desligava o carro, e juntos verificamos se nossos assault


rifles estavam carregados.

– Nós vamos entrar na frente, para caso os sequestradores estejam no prédio, vocês
nos acompanhem logo atrás. Talvez você saiba se proteger, Claire, então cuide do
seu afilhado, ou sei lá o que ele é seu... Mas não deixe o garoto sozinho, se um de
nós cair. Voltem para o carro e peçam reforços. – Expliquei, para Claire e para o
garoto que estava com ela. Tive vontade de falar para a mesma deixar o menino no
carro, afinal, se os sequestradores ainda estivessem ali, entraríamos num confronto,
e ter uma criança conosco, independente de ser ou não o novo-stephen hawking,
seria um atraso e uma preocupação a mais.

Eu e Sifer entramos primeiro, rapidamente fizemos cobertura no hall de entrada, se é


que dava para chamar aquilo de hall. O prédio estava caindo aos pedaços, o salão
era de teto baixo, empoeirado, também haviam inúmeros manequins velhos com
roupas antigas espalhados pelos cantos da parede, móveis desordenados e
bagunçados, baús abertos, na cozinha, panelas estavam jogadas pelos cantos
talheres e tigelas engorduradas com sujeira em cada rachadura, e todo o lugar
continha um cheiro de azedo que se misturava ao de cachaça e cigarro.

– Tenente... Tem um tipo de refeição nojenta recém feita no outro cômodo. Eles
estiveram aqui há pouco tempo. – Sifer. A conclusão era simples, o lugar já tinha
sido usado, mas no momento não tinha mais ninguém ali.

Claire e o garoto entraram logo em seguida no lugar, e também tiraram rápidas


conclusões analisando todo o estado em que o prédio se encontrava. O garoto então
parecia tomar nota de tudo o que via e passava as informações para Claire, que
desde que vira o poster parecia ter chegado a algum tipo de entendimento que foi
confirmado ainda mais ao entrar ali.

– Senhorita Claire… Chegamos tarde demais não? Os sequestradores estiveram


aqui… Mas já foram embora… Seguimos a pista errada…

– Caim Hell… Está cada vez pior. Crovax, Sifer… Agora sei para onde foram, se este
homem estiver mesmo envolvido. – Falava a mulher, que diferente do até então,
agora estava com uma voz pesada.
– Aquele contrabandista que escapou da polícia 45 vezes de forma muito
chamativa? Realmente está ficando mais complicado e nem quero pensar na pessoa
que iremos cutucar ao salvar a senhoria Hiring. Verdade, o poster que marca seu
território, como não percebi antes?

– Caim Hell? Acho que já ouvi falar dele... Só tenho uma pergunta investigadora.
Reparei que sua suspeita, veio depois de ver o cartaz e seu afilhado, acabou de
confirmar. Mas por que ele traria ela diretamente para um local que tem sua marca?
Ele pode ser contrabandista, mas não parece ser o tipo psicopata... Alguns
psicopatas, têm uma péssima mania de deixar marcas ou pistas, pois geralmente
gostam do jogo de serem caçados... No entanto, deixar um cigarro, que nos traria
aqui, onde tem uma marca que praticamente se entrega... Isso não me parece nem o
estilo de um psicopata e nem o de um bom sequestrador. Desculpa se estou
pegando o bonde andando, mas você deveria considerar que alguém pode estar
tentando fazer você acreditar que Carrie foi raptada por esse tal de Caim, e está te
manipulando com pistas que te fazem acreditar nisso, mas... – Antes que eu
pudesse concluir o meu pensamento, uma chamada no meu comunicador do traje,
indicava que finalmente o Capitão resolvia dar as caras.

– Com licença, tenho que atender essa chamada, mas já concluo o que eu queria lhe
dizer. – Falei me direcionando a Claire. Em seguida atendi a chamada do Capitão.

– Capitão. Estou escutando. – Respondi, no comunicador.

– Crovax, fiquei sabendo pela equipe que você acabou seguindo uma pista falsa
sobre o paradeiro da Supergirl. Eu lamento, sei que quer encontrar a advogada, mas
vou ter que te designar para uma missão de última hora. Fontes seguras confirmam
que Aleksey está nesse exato momento no Residencial Celeste. Sabe o que isso
quer dizer? Que pela primeira vez estamos um passo à frente desse desgraçado. Vá
com Sifer e se junte ao resto da equipe no Celeste, eles estarão esperando por
vocês. Mais uma coisa, quero ele vivo, entendeu?

– Novamente esse cara? Por que insiste em dar ibope para ele? – Falei, finalmente
começando a me irritar com esse papo de Aleksey.

– Não é questão de ibope garoto. Você negligenciou ele, mesmo que ele só tenha
ganho força devido aos últimos acontecimentos, você já viu o que ele fez na cidade?
Ele está envolvido com K'dore, e com tudo isso. Pegue-o e arranque tudo dele...
Acredite em mim, se K'dore é o Rei e Telford a rainha, nesse xadrez, Aleksey
provavelmente é um bispo ou um cavalo e não só um peão como você vem
considerando.
– Tsc... Certo, mas isso ainda está me cheirando muito mal. Estarmos
repentinamente a um passo na frente, quando ele vem tomando cuidado para que
isso não aconteça. Isso é muito repentino, capitão. No entanto, se você estiver certo,
vamos pará-lo, de uma vez por todas. – Respondi, agora decidido a fazer o jogo que
fosse necessário para derrubar esse russo que queria tanto aparecer.

– Crovax, tome cuidado.

A chamada era desligada e todo aquele assunto de Aleksey, tinha varrido totalmente
a minha linha de raciocínio, antes que eu pudesse finalizar meu assunto com Claire,
outra chamada, agora para o tal garoto era recebida. Quem se comunicava conosco
dessa vez era X-9. Eu estava abrindo uma comunicação com Brucker e o resto do
esquadrão, mas logo desliguei, pois o que X-9 tinha a nos informar tomou toda a
minha atenção. A hacker nos enviava um vídeo, e nele era exibido Carrie muito
ferida, sofrendo ainda mais agressões e sendo molestada por alguns caras que não
se identificavam. Aquilo nos abalou quase que de imediato, era chocante ver uma
promotora forte como Carrie daquela forma, ela parecia se manter firme, mas a
lágrima que lhe escorria no rosto mostrava o grito de sua alma. Vi uma fúria
repentina tomar conta dos olhos Claire, e vi o mesmo nos olhos de Sifer, apesar de
ser chocante, não me atentei a violência que a promotora sofria, mas observei os
torturadores e o local, X9 informava que o mesmo ficava no antigo tribunal de
justiça. Ainda sim, tudo aquilo cheirava muito mal... Aliás... Tudo cheirava mal, não
literalmente, mas muitas peças não se encaixavam, e isso não era de agora, desde a
fuga repentina de Aleksey, de como K'dore parecia repentinamente desistido de
caçar X-9, de como Telford conduzia sua "candidatura" sem se preocupar, os
sumiços do capitão e a ligação agora de última hora, o rapto e a investigação sobre
Carrie, a forma como parecia que estávamos sendo conduzidos quase que
minuciosamente para certos lugares, como pistas estavam tão escancaradas que
só faltava ter data,endereço e email para entrar em contato. Nada me tirava da
cabeça a sensação de ser um pequeno personagem num teatro de marionetes e
isso me incomodava pra caralho, no entanto ficar levantando essas teorias, sem ter
outras rotas a serem tomadas, não iria nos levar a nada, se alguém estava nos
manipulando, estava fazendo isso muito bem... Estávamos dançando conforme a
música, estávamos na palma da mão de alguém e esse alguém sabia muito bem o
que fazia, pois nos tirou todas as possibilidades, a não ser seguir as migalhas que
nos era jogada.

– Tsc... Certo. Vamos agir. Desculpe não poder continuar a procurar por Carrie.
Espero que consiga achá-la, se de alguma forma conseguirmos virar o jogo, ela será
uma peça fundamental nisso tudo. Afinal, Telford e K'dore estão sujando muito as
mãos para conseguirem o que querem, se provarmos que estão envolvidos em tudo
isso, um dos dois vai cair do pedestal. – Falei pondo a mão no ombro da mulher, em
seguida, peguei seu pulso e abri sua mão, onde lhe entreguei um Taser Dart e uma
esfera no tamanho de uma bola de tênis, que continha um botão na parte de cima,
que nada mais era do que uma granada de PEM e por fim a chave dos carro que
usamos para chegar até o prédio. – Sei que você não deve ser do tipo combativa,
mas nada me tira da cabeça que vocês podem estar indo para uma armadilha, então
leve isso com você para caso surja algum problema, vi que você já possui uma
pistola então essas armas que estou te dando, são só um suporte, e leve o carro
também, vocês precisam chegar lá com mais urgência do que nós dois.

– Então é aqui que nos separamos, agradeço pela ajuda agentes … Prometo que irei
resgatar Carrie. Reportem ao encarregado de vocês, irei resgatá-la a todo custo. –
Falou Claire que pela primeira vez falou com uma seriedade assustadora.

Antes que Claire partisse, me virei para Sifer e chamei ele para falar algo em
particular, dando uma última ordem para ele.

– Sifer, quero que você vá até a X-9,e ajude a terminar a I.A ou qualquer outra coisa,
não podemos perdê-la de vista, quero que você grude nela, também quero que avalie
essa I.A, não podemos confiar totalmente num projeto feito por hackers que
sabemos que tem fichas sujas. Deixa que eu me juntarei ao resto da equipe e
cuidaremos do Aleksey, eu depois me viro para reportar ao Capitão sobre essa
minha decisão.

– Tem certeza disso, tenente? Entendo que queira manter a X-9 sob vigia, eu
realmente aprecio isso, demorei anos para encontrá-la, mas queria estar junto com o
esquadrão... – Eu não falei nada mediante ao comentário do mesmo, mas ele via no
meu rosto que eu não mudaria minha decisão. – Bem, ordens são ordens... Boa
sorte com o Aleksey, manterei o senhor informado.

– Claire, Sifer... Boa sorte. – Me virei para partir e assim deixá-los seguir com suas
respectivas missões que agora tinham em mãos. Quando vi que o tal garoto que
Claire tinha trazido. Ele surpreendentemente estava com um rifle em mãos. Juro que
apesar de toda a situação, ver aquele moleque de 13 anos com um rifle, me arrancou
uma risada no canto da boca.

– Ok, né. Boa sorte para você também garoto, espero que você saiba usar esse
brinquedo aí. – Comentei, em seguida sai do prédio. Indo até uma rua pouco
movimentada.

Eu não podia levar o único carro que eles tinham para ir até o antigo tribunal, então
resolvi que era hora de conseguir um outro veículo. Poucos carros passavam ali,
mas logo um táxi vinha sozinho numa velocidade razoável. Fiz sinal para o mesmo,
que achando ser um passageiro desacelerou e parou. Peguei meu distintivo da
policia e o deixei a mostra e fui até o motorista, abri a porta do carro e o taxista
assustado começava a tagarelar algo em chinês, da qual eu não fazia ideia do que
ele estava falando.

– 我很勤奮。你不能這樣對我,我會告訴我的老闆?(Eu sou trabalhador. Você não


pode fazer isso comigo, o que eu vou dizer para o meu chefe?)

– Desculpa, não estou entendendo nada do que você está falando. Vamos saia! Eu
preciso do carro, é assunto policial! – Falei. O Chinês insistia em ficar no carro, então
pedi novamente para ele sair. Ele então começava a falar mais rápido ainda e
ficamos ali uns segundos discutindo e falando ao mesmo tempo.

– Xing ling, pastel de flango ali express! Eu não entendo nada que você fala! Sai
agora ou eu meto um tiro na sua cara! – Gritei finalmente me irritando e puxando a
pistola para o mesmo. Sem reagir o asiático se calava e saia do carro. Assumi a
direção do táxi, mas antes de ir, passei meu cartão na máquina de créditos, no valor
de 600₢$, e mostrei pro asiático, que ao ver, parecia se acalmar e até mesmo
apertava a minha mão em agradecimento. Maldita cidade capitalista.

Parti com o táxi em direção ao local que o Capitão me indicava, também abri
comunicação com Brucker a quem eu tinha deixado como líder do esquadrão
enquanto eu estivesse ausente.

– Tenente. Acabamos de terminar de entregar o material para os nerds trabalharem


na tal I.A. – Falou Brucker.

– Perfeito. Temos outra missão, talvez você goste das notícias. O Capitão entrou em
contato comigo e aparentemente descobrimos onde o Aleksey está. Estamos a um
passo na frente dele dessa vez... Pegue os homens e siga para o Residencial
Celeste, encontrarei vocês lá.

– Entendido. Eu mesmo quero dar o tiro na cara desse filho da puta. Outra coisa,
tenente, viu as notícias? Telford e K'dore se pronunciaram sobre a tomada de
posse... Estão reprisando nesse momento no canal 22. – Falou Brucker.

– Infelizmente você não poderá matá-lo, o Capitão insiste em querer ele vivo. Nos
falamos depois, vou ver as tais notícias. – Dito isso, desliguei a comunicação.
Rapidamente, liguei a SmartTV do painel do táxi e comecei a assistir a transmissão
que reprisava todo o bostejamento mentiroso de Telford e seus amiguinhos. Era
tanta cara de pau, que finalmente eu tinha me convencido que aquela seria minha
última missão, que após isso, eu entregaria meu distintivo e meu posto de SWAT se
é que eu ainda o teria, já que se aqueles dois não fossem derrubados, era bem
provavelmente que toda a segurança de Miraitropolis se tornaria privatizada.

O último trecho do pronunciamento, era o que mais me irritava, o fato de ativarem


um sistema de biometria para manter toda a população sobre vigilância, era
simplesmente indigesto e revoltante. Teríamos que agir com ainda mais cautela,
principalmente X-9, Claire e todos aqueles que queriam a queda desses magnatas.

RESIDENCIAL CELESTE – 1 HORA DEPOIS.

Em uma hora eu já chegava aos arredores do Residencial Celeste, no local marcado


o blindado da SWAT já estava posicionado, me reencontrei com os meus homens e
todos pareciam inteiros. Agora era hora de planejar nossa invasão.

– Certo homens, estão prontos? – Perguntei. Todos estavam com seus trajes de
combate, além de armas carregadas e equipamentos em mãos.

– Estamos sim, Tenente. – Respondeu Handson, que terminava de recarregar seu


rifle.

– Onde está o Sifer? – Perguntou Frog.

– Encarreguei ele de vigiar a tal X-9, ela parece ser do tipo honesta, mas também é
do tipo espertinha. Não confio em deixar tudo nas mãos dela. – Expliquei a todos.

– Bem, não chegamos a encontrá-la pessoalmente, entregamos o material que eles


precisavam e nos mandamos, mas confesso que nunca vi tanto nerd reunido num
lugar só... Parecia aquelas Lan House Partys que tinham a séculos atrás. – Falou
Rick rindo.

– Certo, agora deixemos de papo. Vamos aos planos. Rick, traga a planta do prédio.
– Ordenei. Rick então tirava um pequeno holotablet que estava acoplado ao traje de
combate e ativava o mapa holográfico do prédio, projetando-o de forma que todos
pudessem vê-lo.

– Bem, não sabemos onde o Aleksey está, então teremos que entrar sem sermos
notados e vasculhar o prédio inteiro. O Residencial Celeste é muito grande como
podem ver, então emitirei uma ordem de fechamento, ordenarei que a portaria feche
todas as saídas e tranque o fluxo de pessoas tanto por cima quanto pelas pontes
suspensas nos topos dos edifícios... Sabemos que centenas de pessoas entram e
saem do prédio, ele é como uma cidade vertical, por isso levaríamos muito tempo
vasculhando andar por andar, são mais de duzentos... – Expliquei, rapidamente. Em
seguida apontei para o 25º andar no mapa holográfico.

– Iremos direto para o 25º andar que é o andar da gerência e onde fica a sala de
câmeras, olharemos as fitas de hoje e de ontem, assim veremos os exatos
momentos em que ele deve ter entrado e saído do local. Enquanto vasculhamos as
câmeras, Rock, Brucker e Frog, vão esvaziar todo o andar da gerência, se qualquer
um tentar entrar, podem matar... Lembrem-se, não mataremos o Aleksey, mas
qualquer outro que não for ele... Quero eles abatidos. Mantenham os cidadãos fora
da linha de fogo, também emitirei uma ordem pedindo para que todos fiquem em
seus apartamentos, qualquer um que tiver fora dos aparatamentos, se for suspeito,
matem.

Dada as ordens, era hora de agir. Seguimos em grupo para a entrada do prédio, e o
fluxo de pessoas era intenso como sempre, a entrada do Residencial Celeste eram
gigantescas portas que eu presumia que daria para passar uns cinco caminhões
lado a lado ali. Logo na entrada tinha uma cabine escrito "Portaria", onde ficava um
tipo de guarda que era responsável por abrir e fechar os enormes portões do prédio.
Bati no vidro da cabine e o sujeito se levantava desajeitado, com certeza não
esperando a SWAT ali.

– Fecha as portas, temos uma ordem de ação aqui no Residencial, também peça
para que todos fiquem dentro de seus apartamentos, é um toque de recolher
imediato. Diga que qualquer um fora dos apartamentos poderá ser preso ou até
morto. Emita essas mesmas ordens para os porteiros do terraço. – Falei sério, num
tom que deixava bem claro que não estava ali para ser contestado. O "porteiro" que
era um homem gordinho e bigodudo, parecia entender que não estávamos de
brincadeira, então imediatamente ele começava a fazer tudo que ordenei. Em
segundos, as gigantescas portas começavam a se fechar e as pessoas alarmadas
corriam para entrar no prédio antes dele ser trancado até o fim da operação.

Assim que as portas se fecharam a quantidade de pessoas ali no térreo era enorme,
muitos se perguntavam, gritavam e reclamavam, sobre o fechamento dos portões. O
esquadrão ficou de prontidão, até que o porteiro explicasse a situação, afinal, ali no
meio das pessoas poderiam ter terroristas se "passando" por cidadãos. O gordinho
então emitia a ordem, e logo uma voz robótica e simpática, bem parecida com
aquelas de aeroporto, anunciava.
" Cidadãos e moradores do Residencial Celeste. Sob ordem da Polícia de
Miraitropolis, pedimos que todos voltem para seus apartamentos, estamos
decretando um toque de recolher momentâneo, até que a operação dos oficiais
esteja concluída. Aqueles que não forem moradores, e só estiverem de visita,
peguem os elevadores e se encaminhem para os andares 50, 93 e 130... Lá
encontrarão praças onde poderão ficar até que tudo esteja terminado. "

Assim que o anúncio era feito, muitos começaram a proferir gritos de xingamento,
reclamações e protestos contra nós. Claro que as pessoas não entenderiam que
tudo aquilo de certa forma era até para o bem delas. Elas só se importavam que
suas rotinas estavam sendo interrompidas, mas caso rolasse alguma catástrofe
seriam os primeiros a apontarem e dizerem que a polícia nunca faz nada... Bando de
bastardos ingratos. Ainda sob reclamações e contra vontade, em coisa de quinze
minutos as pessoas recolhiam-se aos seus apartamentos e alguns outros se
encaminharam aos elevadores para irem aos andares de espera. O lugar ficava
silencioso, e se tornava até meio assustador. Em todos os meus anos morando em
Miraitropolis, eu nunca tinha visto aquele prédio vazio, sempre haviam pessoas
circulando, ver aquele enorme edifício totalmente silencioso e sem ninguém, era
impressionante.

– Certo homens, esvaziamos o lugar. Agora vamos direto para o 25º... Ninguém
entra e ninguém sai desse prédio. Fiquem atentos. – Seguimos para um elevador
especial que era justamente destinado a operações policiais. Subimos até o 25º
quinto andar, que era um andar só com escritórios e salas da gerência do prédio. Se
num prédio comum, geralmente temos um síndico, porteiro e até reunião de
moradores para manter a ordem no lugar, imagina num edifício como aquele, que
tinha duzentos andares e mais de 15.000 apartamentos, que era como uma cidade
vertical interligada a outros edifícios igualmente gigantescos? Era de se imaginar
que se precisava de uma enorme equipe para manter o lugar funcionando. Assim
que chegamos no andar, fomos recebidos por um dos síndicos (o local possui 5
síndicos), esse síndico se chamava Maurice Delacour, e era responsável do primeiro
até o quadragésimo andar. Eles nos guiava até a sala de câmeras, e assim que
entramos, ordenamos que todos os operadores se retirassem. Obviamente Maurice
protestou, dizendo que isso comprometia a segurança do prédio e que até o
momento eu não havia apresentado nenhum documento que autorizasse minha
operação ali. Foi aí que levei um papo particular com Maurice.

– Maurice... Certo? – Perguntei, para confirmar que estava falando certo o nome
dele.
– Sim, senhor. – Ele respondeu, claramente intimidado.

– Você quer ver um documento que me autoriza... Então, eu vou te mostrar o papel
que me autoriza. – Falei num tom debochado e sarcasticamente irritado.
– Aqui está o documento que me autoriza. – Nesse momento peguei a minha
pistola Ares Predator e coloquei o cano da mesma na testa de Maurice. – Você quer
que eu assine o documento Maurice?

– N-n-n...Não senhor. – Respondeu o síndico Zé ruela. – Fique à vontade senhor.

Em seguida Maurice se mandava com o rabo entre as pernas. Provavelmente ligaria


para um bocado de gente para reclamar da minha atitude, mas ele que reclamasse
com o capitão Nick, àquela altura do campeonato eu estava pouco me fodendo para
burocracias. Enquanto eu lidava com o síndico babaca, Rick, Handson e Mitchel já
estavam sentados frente às telas das centenas de câmeras que vigiam todo o
edifício, eles começavam a procurar as gravações de ontem e buscavam qualquer
sinal de Aleksey nas gravações de hoje. Rock, Frog, Brucker, tinham ficado do lado
de fora, fazendo uma ronda no andar inteiro, para ver se estava totalmente vazio. Já
eu, puxei um cigarro, acendi e comecei a tragá-lo bem lentamente, quando soltei a
fumaça, o fiz bem lentamente também, aquilo começava a me relaxar e a
desestressar um pouco. Todos os acontecimentos que tinham ocorrido desde a
morte do prefeito começavam a ser repassados na minha mente, a sensação de
incômodo não me largava. Pensar que Telford e K'dore estariam agora rindo de todo
o nosso esforço me incomodava mais ainda.

– Tenente. Acho que encontrei algo. – Falou Rick, me tirando de um transe de


pensamentos incômodos. – Aqui, veja na câmera do 171º andar.

– Não tem confirmação de que seja o Aleksey, mas parecem russos e são bem
suspeitos. – Explicava Rick, apontando para imagens de três sujeitos de sobretudo
preto que realmente pareciam bem suspeitos.

– Hum... Acho que é a melhor pista que encontraremos hoje. Acabou as pesquisas,
vamos agir. – Ordenei. Todos se levantaram, pegaram suas armas e deram uma
última conferida. Chamei Rock, Brucker e Frog de volta e quando todos se reuniram
dei a última ordem antes de agirmos pra valer. – Desativem os elevadores do andar,
deixem só o nosso elevador de oficiais ativo, iremos até o 170º e subiremos para o
171º pelas escadas. Aparentemente eles estão no apartamento 17.532...
Procedimento de invasão padrão.

– Vamos por fim nesse Aleksey, depois disso vamos sair para tomar uma cerveja
por minha conta!! Que tal galera? – Falou Frog animado. Todos começaram a rir com
a repentina empolgação do "caçula" do esquadrão.
– Frog pagando cerveja? Isso é tão milagroso, que eu vou pagar uma sauna pra
gente, com direito a garotas bem gostosas, com três peitões siliconados e tudo
mais que tiver direito! – Falou Handson também animado. – Topa, Tenente?

– Rs... Certo. Eu também pagarei uma churrascaria para vocês. – Falei, me deixando
ser contagiado pelo ânimo daqueles caras. Olhando-os ali, eu sentia que aquele
esquadrão era invencível, que junto com eles eu podia derrubar mil Alekseys
facilmente. Aquilo até dava uma aliviada em toda a tensão que eu tinha nos ombros
e me permitiu soltar um segundo sorriso naquele dia infernal. – Bem, agora eu quero
saber uma coisa, homens... ESTÃO PRONTOS !!?

– SENHOR!!! SIM, SENHOR!!!

Pollux

Com toda aquela porra indo abaixo, eu pensei que o laboratório iria nos soterrar
antes que vencêssemos aquela aberração mas tudo foi controlado senão com a
mais organizada das táticas, pelo menos a mais rápida. Eu ainda não sabia se os
efeitos daquilo seriam permanentes então só soltei a buzina quando meus ouvidos
começaram a zunir e adormecer, e depois de alguns minutos tive minha audição
devolvida a mim, quando vi que era seguro para os demais aproximarem-se do que
antes era aquele monstro e agora resumia-se a apenas outro ferido. A revelação
posterior de que seria ele próprio o responsável em partes por ter feito aquilo não
me garantiria nenhum impulso em minha confiança de ter de pedir à doutora o que
eu estava pensando ser tão necessário, mas acabei não tendo outra opção.
Voltando-me para trás e vendo o estrago feito por mim, o veículo dos Steelhearts e a
porta do laboratório, acho que poderia ter acabado de inutilizar aquela unidade
médica por um bom tempo, visto como ele se localizava próximo de um lugar tão
insalubre como os esgotos de Miraitropolis. Precisava ser rápido.

Eu me aproximei do líder e parece que tivemos a mesma mente estratégica para o


que ele estava planejando fazer. E com certo aparente desrespeito, eu tive de
interrompê-lo enquanto lhe avisava do perigo dentro de meus olhos.

– Me espera sair daqui, ou ir até a unidade médica. Se tem alguém me monitorando,


eles já sabem que você planeja algo. – foi então que estendi o braço, e o
cumprimentei reciprocamente pelo trabalho até então bem feito, e o que eu esperava
ser não apenas o meu primeiro encontro com os Steelhearts. Estava livre agora para
seguir o que havia visto como uma memória, sem ter em mente o remorso de ter de
escolher entre Callídora e meus novos amigos, se é que desempenhariam esse
papel no futuro que estava por vir.

– Agradeço a confiança, sei que não foi fácil. Espero que atirem em alguém por
mim. – desejei boa sorte, e assim eu me retirei. Pelo menos daquela seção do
laboratório. Então, retornei onde os feridos ainda estavam e para onde haviam sido
levados em um primeiro momento, assim que adentramos aquele recinto secreto na
nossa vinda. Dirigi-me à doutora outra vez, em uma parte onde o discurso de Liam já
parecia mais abafado pela acústica e a conversa que estava para ter ali já seria o
suficiente para que ninguém os escutasse.

– Doutora, não há tempo. Eu preciso daquele favor seu, e é uma questão de vida ou
morte. Não para mim. – eu achava que ela já tinha coisas demais em mãos, e eu
não poderia exigir nada da mesma. Além do mais, eu sequer confiava tanto assim
nela depois do incidente que quase tinha o potencial para matar todos nós, mas eu
não via outra resolução em mente e demoraria até que eu tivesse outra
oportunidade como aquela. Quando consegui sua atenção e seus olhos claros
mostraram-se atentos a mim, eu busquei em meu bolso o olho que havia encontrado
em Angel's Lane, um modelo gêmeo ao meu, embora avermelhado ao invés de lilás.
– Eu preciso que transplante isso em mim. – ela olhou-me estranho, e percebi que
sabia o que estava pensando, segurando o globo ocular antes que rolasse para fora
da mesa e olhando mais atentamente para os meus.

– Eu nunca vi um modelo tão completo assim. É um substituto total, não é? –


confirmei com a cabeça. Era estranho quando as pessoas, principalmente médicos,
davam-se contas que eu na verdade não tinha mais olhos de verdade, o que deixava
o clima um pouco mais sinistro. – Mas isso não vai funcionar direito, está faltando o
receptor neural. Você sabe no que isso pode acarretar se eu conectar em você?
Eu sabia. Mas esperei para ouvir. Afinal era como fazer um transplante de olhos sem
retirar as córneas, pois a conexão com o cérebro não pode ser transplantada.

– Eu vou sofrer rejeição, não vou?

– Sim, você vai. Cada transplante tem uma assinatura biométrica especialmente
para o corpo que o recebe, pelo menos os que substituem membros completos. Se
eu colocar isso em você, vai ser como se você estivesse com os olhos de outra
pessoa. Vai ser doloroso, e não vai funcionar corretamente. Pior ainda, pode
funcionar justamente do jeito contrário que você espera.

A doutora entreabriu os lábios como se estivesse pouco acreditando que eu estava


realmente para aceitar, sugerir e estar disposta a me submeter aquilo, mas era
exatamente o que eu esperava. Como na minha primeira noite como fugitivo da
Telford, eu usei as imagens nos dados locais de meu implante para acessar um
banco de dados externo e reconhecer quem eram aqueles que saíram do topo do
prédio do Canal 17 quando eu fui, digamos, despejado de meu emprego por certos
acidentes de trabalho e logística. Quando eu armazenava muitas informações em
meu implante era questão de tempo até sofrer uma sobrecarga, tal como um
computador que envelhece com o tempo e com o espaço limitado e começa a
demorar a responder. Eu poderia sofrer de dor nos meus olhos, ou seja nos nervos
correspondentes até perda de memória, já que os dados acessados pela minha
visão iam diretamente para meu cérebro. Assim sendo, eu não pretendia reproduzir
as visões que Callídora teve com aquele implante, pois eu não tinha um receptor
para isso. Ao invés disso, eu o conectaria a um dos meus receptores neurais e o
usaria como input, para que o seu livefeed fosse transmitido para mim. Assim como
olhos reais, os nossos não eram interdependentes, pois nosso cérebro ainda era o
mesmo e só poderia lidar com uma imagem de cada vez. Portanto, se não
danificado, aquele implante ainda deveria estar transmitindo o que Callídora via.

– É justamente o que estou esperando que aconteça. Eu aceito a responsabilidade


por tudo o que acontecer comigo.

Ela estava lavando o implante com um líquido antisséptico, depois conferiu se


estava em perfeitas condições. Com um último minuto de relutância ela voltou-se
para mim e fez um sinal para que eu me deitasse em uma das macas vagas, o que
fiz e então ouvi a frase final.

– Você vai sentir uma picada e...

Depois disso, eu nada me lembrava. Não sei se havia usado um soro ou


simplesmente me feito inalar um gás que me derrubou imediatamente, mas eu
acordei com o laboratório já em completo silêncio e antes que meus outros sentidos
fossem se recobrando eu senti a médica ainda próxima de mim, e pude agradecer
por ainda saber que estava vivo. Abri meus olhos e imediatamente senti uma picada
atrás de minhas pálpebras, como se uma delas tivesse sido colada pelo lado de
dentro e agora estivesse se libertando dessa inércia. Não foi doloroso, apenas
desconfortável. Antes que eu pudesse levar a mão a fonte do incômodo eu senti
algo úmido me tocando, provavelmente um tecido descartável que limpava-me do
gel anestésico em torno do meu olho direito, e então voltei a ter controle sobre o
meu globo esquerdo, como se aos poucos ele se "inicializasse" novamente, mas
nada ainda via do outro. De novo a minha pálpebra fora fechada mas agora pelos
dedos de Vangelis, e sobre ele eu senti um curativo ser colocado, uma gaze que o
mantinha fechado e imóvel.
– O procedimento foi arriscado, senhor Pollux, mas está feito. Como eu lhe avisei,
não espere que funcione da maneira correta, seus olhos estão enviando duas
informações diferentes ao seu cérebro ao mesmo tempo e isso é extremamente
danoso. Os efeitos colaterais serão imensos mas o funcionamento do seu olho
direito também está comprometido, então terá um pouco de tempo até começar a
sentir a rejeição. Sugiro que faça o que tiver de fazer rápido.

A única coisa diferente que eu sentia naquele momento era a ocasional tontura ao
tentar me erguer da maca, mas consegui na segunda tentativa, e não tive nenhum
problema em encontrar a saída sozinho depois disso. Eu conseguia ler
perfeitamente na sua expressão um misto de confusão e de medo, afinal em uma só
noite aquela mulher havia realizado pelo menos dois atos cirúrgicos com um alto
potencial de terminar em tragédia, e eu apostava que não iria querer estar debaixo
da sua pele se aquelas decisões repousassem em minhas mãos.

– Obrigado. Vou encontrar um jeito de retribuir a você tudo o que me fez. Pago um
jantar se eu ainda tiver olhos até amanhã. – posso dizer que gentilmente
apressei-me para o lado de fora, com a desculpa de um meio sorriso educado em
minhas feições ao ter de sair com tamanha pressa. Agora, outra vez, a caçada
estava dando início outra vez.

Não longe dali eu encontraria uma escada de mão para alcançar o nível da rua
novamente. Eu precisava usar muito bem aquela pausa da Telford enquanto ela
estava ocupada para ganhar uma espécie de vantagem ou pelo menos conseguir me
colocar a par de seus passos, já que nunca conseguia realmente me precaver de
todos os seus movimentos e planos. Eu corri até minhas pernas cansarem e então
eu encontrei a saída manual, mas todos os movimentos meus eram mecânicos,
quase automáticos enquanto minha mente trabalhava muito mais rápido. Conforme
subia, empurrava o bueiro que ficava acima de minha cabeça e começava a
identificar a parte da cidade onde eu estava. Não estava longe do centro, mas
também não estava nas partes mais próximas do Submundo, o que era ótimo, visto
que o inferno ainda deveria estar cantando por lá. Só de pensar no estado do
esconderijo dos Steelhearts eu já grunhia de dor e de raiva, principalmente por saber
que parte da culpa ainda era minha. Ganhei acesso às ruas da avenida principal
através de um beco, por onde eu subi e saí em meio ao neon e fumaça que exalava
dos esgotos. Eu calculei que tinha pouco menos de vinte e três horas para conseguir
encontrar Callídora e como não sabia exatamente quando Liam iria atacar, precisava
fazer isso antes do falso amanhecer de Miraitropolis.

Eu tive pouquíssimo tempo para mim. E conforme eu esbarrava nas pessoas que
iam de encontro a mim, tanto ainda desnorteado por metade de minha visão ser
comprometida e tonto pela operação, também não lidava muito bem com o
incomum fluxo de pessoas no ambiente urbano de hoje, provavelmente todos
resquícios do discurso de Telford ou ainda preparados para captar em algum
televisor as suas últimas palavras. Eu precisei parar em uma casa de comida
oriental de esquina, não mais decadente do que todas as outras, pois foi a primeira
vez que tive a oportunidade de colocar algo para dentro do estômago desde muitas
horas antes da operação e eu não iria a lugar nenhum desmaiando pelo caminho. O
gosto de anestésico ainda estava amargo em minha boca, e o ramen não sendo lá
muito melhor ainda teve o poder de tirar isso. Foi ali, justamente ali, que eu resolvi
provar a minha teoria sobre os olhos de Callídora.

– Por favor, não me decepcione. – sentado em um daqueles bancos de frente para


as mesas de uma pessoa só, eu afastei a minha vasilha de ramen e levei uma das
mãos ao meu olho direito, enquanto cobria o demais, destacando o curativo de meu
rosto e enfim libertando a outra metade de minha vista. Teoricamente eu teria a
visão de Callídora com o implante que era dela ligada ao meu receptor ocular, mas
não foi o que eu tive a princípio. Eu senti de novo aquela coceira dentro de meu
crânio como na primeira vez que recebi meu implante original e me forcei a
concentrar meu sentido na visão que recebia, mas era quase como olhar através de
um caleidoscópio quebrado.

Tudo estava tingido de um tom avermelhado e o feed que eu recebia era


constantemente cortado, ou atrasado, mas lá estava, eu estava finalmente espiando
através dos olhos de Calídora! De um jeito muito similar ao que eu achava que
fizeram comigo na verdade, mas é claro, sem um procedimento tão invasivo como o
que eu havia improvisado. Eu quase esmurrei a mesa quando eu lidei com a
surpresa de Calídora não só ainda estar viva mas livre! Aquelas foram notícias
ótimas que eu saboreei apenas por um minuto antes de começar com os
questionamentos, típicos da minha vocação. Eu podia ver muito mal e borrado, mas
via seus braços e o que estava trocando em prol de proteção, e se realmente estava
indefesa da maneira como livrou-se do cativeiro então quer dizer que a ameaça
ainda era latente, e que alguém deveria estar atrás dela. Calídora, como eu, não era
uma máquina de matar, então com certeza sua fuga traria inimigos em seu rastro.
Logo aquele monstro também estaria em seu encalço.

– Arrhhg, merda! – eu exclamei de repente. Eu senti como se um bisturi tivesse sido


raspado contra a parte de dentro de minha cavidade ocular, um choque de dor
percorreu meus nervos e me pôs de pé, me fazendo largar daquela visão e me
recuperar da dormência conforme minha verdadeira visão retornava. Tive que
recolocar aquela bandagem contra meu olho e fechá-lo, agora sentindo-o ativo aos
poucos começando a incomodar e gerar certo formigamento. Eu precisava me
apressar, e fazer valer todas as pistas que havia coletado. Primeiro, ela estava sem
as joias da família que tanto andavam com ela, por tantos anos. Segundo, ela estava
armada, mas eu não havia conseguido ver como ela estava em nada que me
refletisse sua imagem. Sua cabeça não parava, o que dizia que estava preocupada,
constantemente olhando por trás do ombro, o que me fez ver bem onde ela estava e
não muito longe de mim, mas perdi a chance de ver o rosto com quem ela estava
negociando.

Calídora estava deixando migalhas pelo caminho, e era tudo o que eu tinha para
segui-la. Mas primeiro eu teria de atravessar aquela parte da cidade para encontrar o
seu rastro, e isso significaria ter que enfrentar a massa revolta que era combatida
pelos soldados da Dama. O nosso tempo estava se esgotando rápido.

Aron Steiner

Abri meus olhos com dificuldade. Desde então fiquei parado totalmente sem ter o
que pensar. Meu corpo doía. Meu corpo tremia. Parecia febril. Por longos minutos
tinha esquecido de falar e encontrar o que eu era ou o meu nome. Só via uma luz
muito branca com sombras distorcidas. Barulhos irreconhecíveis e uma ardência
incomum. Minha mente era um buraco negro. Sei que sabia falar, sabia andar, sorrir,
mas no momento estava num estado vegetativo. Senti estar em movimento muito
tempo depois e não sabia quanto tempo. O latejar das minhas têmporas me
angustiava. Sentia que algo estava estranho comigo. De alguma forma sabia que eu
não era mais o mesmo. Só não sabia o porquê disso tudo. Sem memória? Mutilado,
talvez? Eu só tinha perguntas e mais perguntas para fazer e no momento estava
sozinho em minha dor. Só me restava esperar por algo. Por alguma resposta mesmo
que o vazio estava me consumindo ainda mais.

Despertei novamente da semi-consciência num susto insano. Senti uma descarga


elétrica percorrer pelo meu corpo e o mais estranho era que não sentia tanta dor
como era descrito em livros e revista sobre choques elétricos. Estava ainda mais
confuso e antigas memórias vinham como fantasmas para me assustar. De
imediato não sabia o que eram, não estava familiarizado com elas. Como uma
máquina, me senti ligado numa tomada invisível. Minha visão não estava mais a
mesma, pior ainda, parecia que via através de uma lente digital com muitos
caracteres nos cantos e com um multifoco. Esses eram mesmo meus olhos?

Como criança, fiquei observando tudo ao meu redor. Estava numa sala de decoração
sofisticada e os empregados limpavam ela. Parecia que fora montada para uma
cirurgia rápida e mesmo assim era bem organizado. Por que tinha essa opinião? Me
parecia nostálgico olhar para ela… Me provocava uma ira imensa, como também o
autocontrole por necessidade. Não sabia onde estava para me despertar
sentimentos assim. Aos poucos me lembrava do meu nome, da minha mãe, da
minha infância… Dos últimos meses parecia que tinha sido apagado do meu
cérebro.

Outra coisa que me deixou desconfortável foi a ideia de não ser eu mesmo. Algo me
dizia para sair correndo quebrando tudo e correr para uma cerveja gelada e eu
continuava travado naquela sala. Muitos evitavam olhar diretamente para mim e
suas expressões eram imensamente confusas, era para estar irritado com isso
também, mas por que estava ali, como uma criança obediente? Não era a mesma
pessoa e a cada minuto tinha mais certeza disso. Até mesmo quando um homem
todo de branco cujo nome nem quis ler por mais que o via escrito acima da cabeça
dele em caracteres em verde. Tinha a impressão que ficaria sonolento depois de
tanto falatório… Mas eu o ouvi atentamente, mesmo sem o menor interesse.

Outro choque me atingiu e este era emocionalmente, eles tinham me transformado


num ciborgue. Estava explicado toda essa sensação incômoda que vinha sentindo,
minha visão totalmente artificial, o peso dos meus membros superiores e inferiores.
Ouvi tudo com uma atenção que eu sequer nunca sonhei em ter, pois quanto mais o
tempo passava, mais minha mente clareava e mesmo assim o buraco negro
assustador apenas minha no lugar das memórias recentes.

A partir daí, mesmo internamente e instintivamente irritado eu tive ajuda de


enfermeiras com uma fisioterapia curta, o suficiente para poder aprender e controlar
meu novo corpo. Era muito estranho, mas tinha de fazê-lo. Me senti um bebê ou um
inválido, sim, me senti. Mas cadê aquela vontade de chutar a mesa e sair falando
palavrão por aí? Cadê aquela vontade de socar a cara do médico quando ele me
dizia o que fazer com tanta vontade e autoridade? Cadê? Perdi todo meu ser e para
que? Quando perguntei com a mesma voz que me lembrava vagamente que tinha
ele fechou o rosto na hora e até gaguejou. O sinalizador da minha visão digital me
notificou de medo. Um grande medo para eu sequer entender. Ele temia alguém.

Meu dia só piorou quando vi pela primeira vez aquela mulher. Meu coração ameaçou
parar de bater, deveria ter ficado pálido por segundos e meus instintos me falavam e
suplicavam para fugir. Seu olhar me congelava totalmente e finalmente sua voz
parecia se transformar numa corrente e simplesmente me enforcar nela. Foi nesse
momento que percebi a enorme coleira que me colocaram, onde a voz dela era
totalmente absoluta e mesmo contra minha vontade eu obedecia sem xingar, sem
ameaçar, sem recorrer a violência, sem… Perdi completamente minha identidade.
Quem eu era agora? Um robô obediente? Ela iria me forçar a limpar sua casa com
uma saia de bailarina? Ou dançar ula ula com uma pequena tanga? Deixando a ironia
de lado, ela me dava medo. Me deixava numa fúria totalmente controlada.
De um momento para outro eu era expert em tudo! Sabia usar armas que nunca
tinha visto na minha vida. Meu estilo de luta mudou bastante e obviamente fiquei
muito mais forte do que já era. Se me chamavam de monstro branquelo antes, agora
acrescentaria o metalizado agora? Minha voz não saia, a voz da minha mente, minha
verdadeira forma. Eu apenas seguia ordens daquela mulher, a protegia de muitas
pessoas que insistiam em se aproximar. Não sentia meu rosto fazer expressões que
normalmente fazia. Quando me olhava no espelho eu via um ser sem sentimentos
com um olhar sombrio refletido nele. Esse não era eu.

E tardiamente descobri que estava acorrentado a autoridade suprema daquela


cidade… Daquele país, talvez? Estou confuso e furioso. Sem contar o medo. Não
senti nada quando falaram que eu fui um sobrevivente de um canal que fora vítima
de um atentado terrorista. Que trabalhava lá… Não senti nada além de uma fúria
cegante e sequer não sabia de quem tinha tanta raiva. Mas guardei aquele
minúsculo bilhete daquele médico que falava que meu estado atual era temporário…

Akane

Cheguei naquele laboratório odioso às pressas, furiosa e preocupada. Tony não quis
dizer, mas senti na sua voz que algo estava errado e até ignorei a ligação dos
capangas do Liam. Para o inferno todos eles! O pior foi me dar conta que tal
laboratório era do rato… Imaginava uma toca escura e suja com restos de queijo por
todos os cantos… Sujo estava, mas era nítido que a pouco fora um campo de batalha
e nem quis saber dos detalhes.

– Você deve ser Akane, não é mesmo? Me chamo Vangelis, prazer e, conh… –
olhei-a de cima a baixo e minha mão direita voou para o pescoço dela.

– Escuta aqui, inseto… – a deixei suspensa por um momento fazendo uma força em
seu pescoço, tanto que provavelmente deixaria marcas e a pressionei contra a
parede. – Se me dirigir a palavra mais uma vez não viverá para servir queijinho ao
rato. – a soltei com violência com uma expressão sanguinária – Se for esperta
ficará longe de mim…

Ela era sortuda, não estava armada com uma faca e tinha pressa para ver meu
homem. Mesmo não tendo ideia alguma onde era o cômodo certo, saí a procura
sem me preocupar com a loirinha roedora me seguir ou não. Por fim, não demorei a
encontrá-lo e meu coração se encheu de fúria ao olhá-lo todo enfaixado no peito.
Tony estava dormindo e não me importei com isso, pois me sentei ao lado da cama
e me apossei de seus lábios. Com os beijos ele acordava levemente e me
correspondia até nossos lábios estarem unidos de forma intensa e matando uma
saudade não assumida.

– Akane...Hummmm… Akane… – ele murmurou querendo me contar algo e


interrompi ele com um tapa leve e provocativo.

– Não diga nada, pois estou prestes a matar dois roedores aqui e ainda tem os
planos do Liam… Se não fosse você pedindo para ir, eu te tiraria daqui e levaria para
a sua casa… Ela é solitária sem você… – encerrei com mais um beijo.

Eu já estava atrasada para o velório e pelo menos estava vestida de preto, mas não a
caráter. Com uma saia preta até o joelho, coturno preto e uma blusa curta de zíper
na frente e mangas bem ralas e mostrando toda a parte abaixo dos meus seios…
Talvez me confundiriam com uma prostituta. Sinceramente? Foi proposital! Porém,
não queria me separar do meu lindo mafioso neste momento, mas seus olhos ainda
pediam para mim ir e ainda tomar cuidado. Apesar de tudo ele queria me proteger,
olha só a ironia…

Dado o último beijo e ter pego um paletó dele para usar, eu saí daquela toca de rato
cientista e voltei para a moto. O velório tinha começado e o plano seguia. Liam não
estaria contando com meu mau humor do momento. Da minha sede de sangue, mas
me mandar seduzir geral para criar uma distração foi o mesmo que dizer que era
linda, gostosa e desejável. Elevou meu ego sabe…

Como tinha suspeitado, estava abarrotado de gente no velório. Todos uns vermes
irritantes com seus choros e caras de paisagem velha… Tudo aquilo me enjoava de
uma forma que me dava ainda mais raiva. Era irritante presenciar aqueles abraços
falsos, lencinhos oferecidos para enxugar lágrimas e tudo mais. O que melhorou
muito foi o impacto da minha presença ali no meio deles. Olhares surpresos,
ressentidos, invejosos, raivosos ou ultrajados, com cobiça e desejos foram
direcionados a mim e andei firme entre eles, como uma rainha.

“Deve ser uma das prostitutas do falecido prefeito, só pode” murmúrios semelhantes
a este pude ouvir com perfeição e só aumentava meu sorriso egoísta. Foi me
recomendado escolher um homem rico e muito influente ainda solteiro, pois são os
mais manipuláveis… Tinha de admitir que era uma verdade. Pelo menos eles usavam
o cérebro para algo útil… Escolhi um canto visível para todos e um pouco afastado
do caixão para ficar linda e bela. Só meus olhares e feições não correspondiam,
afinal queria pegar a arma que estava escondida entre minhas roupas e atirar em
todos.
Quando Carmem Telford apareceu, não pude evitar de olhá-la. Um assassino sempre
reconhece aqueles da mesma laia e eu sabia que ela não era uma Madre Tereza…
Por um momento estive absorta na sua presença, talvez passando uma mensagem
telepática para ela até desviar o olhar. Não tinha medo da megera, não mesmo,
porém odiava sua postura arrogante. Depois disso evitei olhá-la e passei a observar
todos à minha volta. Já estava quase na hora do plano entrar em ação e não tinha
feito nada. Sinceramente? Passou pela minha cabeça ver o circo pegar fogo e ficar
assistindo tudo comendo pipoca. Não era um objeto para um gangster usar
conforme sentia vontade e nem era membro de seu grupo… Obedecê-lo? Jamais.
Nem com Tony eu era obediente.

O que ultrapassou meus limites foi o aproximar de um dos seguranças. Ele era alto,
musculoso, olhos azuis e cabelos tão negros como a noite que deixava seu nariz um
tanto grandinho (comparando com os dos outros) nem tão feio… Seu olhar era muito
penetrante e safado. Era certeza que me imaginava nua nos braços dele. Trocamos
olhares… Me forcei a sorrir só para encorajá-lo a se aproximar mais e mais…

Antes de sair da gaiolinha do rato, roubei uma faca que parecia um bisturi só que
com mais fio de corte e enfiei no bolso do paletó que usava. Estava com saudade de
usar essas armas e mais ainda se matar alguém assim. Mas no momento não era
hora para isso, teria de seguir o plano… Quer saber? Foda-se o plano! Vou seguir
meus instintos e meus planos!

O segurança se aproximou e não o deixei falar. Me virei para ele e com um selinho o
deixei mais animado, apesar dele esquecer que estava trabalhando e num velório…
Bem, não vai mais esquecer, sabe? Afinal com uma rapidez, tirei a mão do bolso e
mais rápido ainda abri a garganta dele e sem pudor nenhum. Fiz questão de afundar
mais a lâmina e romper até a traquéia e assim deixar o corte mais pavoroso. Gritos
ao meu redor pude ouvir e outros guardas pegaram em suas armas e apontaram
para mim…

O corpo sem vida caiu no chão e fiz questão de pisar em cima e olhei bem para os
sete que me encaravam e ameaçavam a me matar com pistolinhas… Lentamente
tirei a peça pesada e masculina de meu corpo. Tony não iria gostar de desperdiçar
uma de suas roupas assim, mas não me importava… E meus dedos paravam no
zíper da blusa bem no vão entre os seios… Ameacei em baixá-lo e só vi os homens
engolirem em seco… Eu não sabia o que tinha de especial que era raro não
conseguir seduzir ou deixar eles ardentes de desejo.

O sorriso provocador foi o golpe final acompanhado com o zíper na metade da


blusa, quase se soltando e ameaçando cair no chão. Foi aí que matei todos os sete.
Pelo menos atirei na cabeça de cada um deles aproveitando que minha outra mão
estava para trás do meu corpo a pegar a arma e preparar para os tiros rápidos.

Foi aí que começou a confusão e me foquei na fuga que tinha em mente, pois não
queria dar de cara com a megera e seus brinquedos….

X9

O sofá da firma de investigação não fora feito para dormir, no entanto, adormeci nele
da mesma maneira. Finalmente conseguia descansar. Quando acordei os ponteiros
digitais do relógio de parede marcavam perto das quatro da tarde. A moldura escura
envolta dos meus olhos parecia menos intensa. Parte da maquiagem foi transferida
para o estofamento do sofá… Espero que Claire não note… Eu até poderia continuar
dormindo, mas a posse de Carmen Telford me dava pesadelos. No interior do prédio
uma voz agradável lia um livro, era Praxis. Naquele pequeno espaço de tempo em
que dormir até agora ela já havia adquirido um nível de inteligência de um
universitário formado em pós graduação. Ela lia as passagens dos textos do livro
como fosse sua maneira de estudar, que pela lógica não era muito diferente da
nossa.

– Bom dia, Praxis. – Cumprimentei-a assim que me levantei do sofá.

– Bom dia, X-9 – Ela correspondia com um sorriso no rosto.

– Cadê está o pessoal?

– Estão almoçando no Burguer Queen da esquina com a Armitage.

– Almoçando às quatro da tarde? Essa gente é mais estranha do que eu. – Sorri
coçando a cabeça. – Espero que voltem logo, precisamos inserir você no sistema da
Orion ainda hoje. Dante e Kron são os únicos com implantes para imersão no
ciberespaço.

– Não é necessário, como uma I.A. eu mesma posso navegar pelos dados da Lexis
e entrar no sistema online da empresa.

– É arriscado, você foi projetada para ser praticamente um deus da informática…


Mas ainda é muito recente, não tem informação e experiência o bastante para burlar
certos firewalls e outras proteções, vai precisar de ajuda de alguém que ande no
ciberespaço como se fosse na rua.
– Mas…

– Desculpe, mas vai ter que ser assim, ao menos por enquanto. Você só tem
algumas horas de vida, para dominar as entradas virtuais da empresa de K’dore
precisaria ter no mínimo três meses.

– Tudo bem, eu compreendo. – Ela baixou a cabeça como uma filha que obedece a
mãe.

O resto do pessoal chegou naquele exato momento, estava um calor de matar, Xinfo
e Flatine ainda comiam um hambúrguer molhado seboso. Kron, Dante, Rose e Ravi
pareciam satisfeitos apesar da refeição pouco saudável e recomendável. Animados,
todo mundo com expressões de alegria parecia motivado com a presença de Praxis.
Ela depositava uma esperança e confesso que até mesmo eu que não sou muito
otimista nas maioria das vezes estava contagiada também. Era preciso organizar
tudo agora para a transferência de dados e a imersão dela como um vírus na Orion.
Se tratando da ex programadora pessoal de K’dore me encarregava de iniciar os
protocolos, uma vez que não seria difícil entrar no sistema da empresa, eu mesma
havia construindo todas as linhas de programação daquela joça. Kron era o mais
indicado para ser o navegador dentro da Lexis, tem experiência suficiente e possui
os melhores implantes, mas eu não ia com a cara dele nem o jeito que ria o tempo
todo com aquela cara de presidiário homicida portanto escolhi Dante por ser mais
contido e ter uma personalidade mais calma, igualmente interessado, como a minha,
por tanto o critério foi afinidade e não habilidade.

– É uma surpresa para mim saber que fui escolhido para navegar e guiar o time de
hackers pela Lexis, confesso que foi uma surpresa, não me julgo o melhor hacker do
grupo, mas se você, X-9 confia em mim quer dizer que tenho capacidade e tentarei
não decepcioná-la. – Feliz, Dante sorria ainda não acreditando.

Dante se sentou em uma cadeira de metal com descanso para as costas que ia até a
nuca. Conectamos a ele um cabo USB, o fio foi colocado atrás do seu pescoço.
Finas agulhas de metal se projetaram do descanso de cabeça às ligando o conjunto
de pontas finas em sua nuca.

Dava pra perceber que doía um pouco ao instalá-las dentro de seu crânio, Dante
resmungava algo, porém quando o programa inicializava seu semblante mudava, a
expressão, estava em transe indicando que a imersão foi rápida. Os cabos na outra
extremidade estavam ligados a um conjunto de CPUs e telas, interligando a mente
de Dante a uma conexão neural que poderia ser monitorada de fora por outras
pessoas através dos monitores e se assim precisasse - espero que não - podia
interagir caso algo desse de errado. Agora era minha vez, diferente dele eu não fazia
a imersão na Lexis da forma neural, em virtude dos meus medos sempre evitei
operações desse tipo e o que eu usava nada mais era do que um tipo de capacete
escuro que acoplado a minha cabeça desprendia segmentos sanfonados, fechando
todo a parte superiora do meu crânio, seguindo até o começo do peito e cobrindo os
ombros também, eixando apenas meu nariz e boca de fora.

Junto do chip que Ravi me deu e o link que este mantinha com o Kia, eu podia
simular uma imersão, claro que de forma bem mais limitada do que os implantes de
Dante conseguiam. Ligando os cabos exteriores do elmo negro á bancada de
computadores eu entrava na Lexis para ter uma experiência virtual inédita.
Mergulhei na rede, quase que literalmente, - já que eu não passava pela sensação de
transe de Dante - o visor cobrindo meus olhos mostrou isso, acendendo uma luz
neon vermelha. Mesmo assim, estar dentro da rede de dados era incrível.
Infelizmente emular a imersão como estou fazendo tem um contra-tempo, você é
jogado a uma “sala” escura aleatória enquanto Dante pode escolher qual deseja.
Bom, um dos trabalhos iniciais da equipe no mundo real era esse, me achar juntar
Dante e eu ao mesmo servidor, depois era só inserir Praxis junto.

Nesse momento estou com a minha mente totalmente inserida na Lexis, esperando
um sinal da equipe de “fora”. Enquanto isso não acontece estou aqui repassando
mentalmente o que posso definir dessa experiência, e entro em questões filosóficas
sobre o assunto, quem nunca viajou pela Lexis não entende como que é isso, vou
tentar relatar em palavras a maneira mais aproximada disso. Imagine estar em um
imenso vazio negro, apenas os contornos dos objetos se diferenciam do plano de
fundo em contornos mais claros, normalmente branco ou prata. Também existem
caminhos que parecem corredores de paredes transparentes e entre elas portas, há
escadas e objetos pelo caminho também. Precisa-se ter total certeza de qual a porta
que estará entrando ou pode arrumar um grande problemão. Inicialmente pode
parecer solitário e talvez seja, mas para os viciados em tecnologia isso é melhor do
que o mundo real. Aqui é calmo e se você souber por onde andar é seguro, mais do
que qualquer lugar de Miraitropolis, e não por menos, não existe lugar seguro na
cidade. Por alguma razão somente sua mente fica aqui dentro, você não enxerga seu
corpo, é como se ele não fosse materializado, portanto apenas a consciência vaga
pelo mar de dados da rede da Lexis. Você pode ver, sentir cheiro, sentir dor, ouvir
tudo, mas seu corpo é invisível na imersão. Depois de alguns minutos ouço uma voz
eletrônica dizer para entrar na última porta à esquerda do final do corredor. Essa é a
parte que mais achei interessante, Rose tinha digitado o comando no monitor mas
para mim a informação surgiu em forma de voz computadorizada. Enfim, fiz o que
Rose disse, ou melhor, digitou e entrei na porta. Do outro lado estava Dante. Mas se
não o via, como sabia que estava presente? A simulação determina quais são os
inputs que o cérebro recebe. Por sua vez, quando o cérebro produz outputs estes
são enviados para a simulação. O estado de funcionamento deste cérebro é igual ao
de um cérebro normal, apesar de não estar num corpo. Da perspectiva da mente eu
sentia sua presença sem a necessidade de realmente enxergá-lo.

Essa é a parte que mais achei interessante, Rose tinha digitado o comando no
monitor mas para mim a informação surgiu em forma de voz computadorizada.
Enfim, fiz o que Rose disse, ou melhor, digitou e entrei na porta. Do outro lado estava
Dante. Mas se não o via como sabia que estava presente? A simulação determina
quais são os inputs que o cérebro recebe. Por sua vez, quando o cérebro produz
outputs estes são enviados para a simulação. O estado de funcionamento deste
cérebro é igual ao de um cérebro normal, apesar de não estar num corpo. Da
perspectiva da mente eu sentia sua presença sem a necessidade de realmente
enxergá-lo.

– Olá, Dante, pronto? – Também não havia necessidade de falar, era como se fosse
uma troca telepática.

– Oi, X, sim, estou pronto. Podem mandar a Praxis aqui, gente! – Dante ordenou para
as pessoas de “fora” e sua voz apareceu em forma de mensagem de texto no
monitor de Rose.

No mesmo instante, Práxis surgiu ao nosso lado, da mesma forma que a vemos no
mundo real. Porque ela tinha um corpo, mesmo sendo uma I.A. e Dante e eu não?
Simplesmente porque ela foi concebida por códigos e dados, intencionalmente para
viver na Lexis e nós, humanos não.

– O time virtual está completo, podemos ir. – Ela sorriu, surgindo à nossa frente com
os braços cruzados.

– Espera – Interrompi Praxis. – Você tem um código fantasma, não será notada,
mas Dante e eu precisamos de um registros falsos, um IP fake ou seremos
rastreados assim que entrarmos no sistema da Orion. De preferência clonados de
dois funcionários.

– É verdade… Me perdoem, isso seria um erro tão amador de minha parte… – Suas
feições mudaram, estava espantada em como não tinha pensado nisso.

– Não se martirize, Praxis, relaxa, você ainda é nova, lembra? Praticamente um bebê.

Praxis sorriu, eu sentia uma afeição por ela, mesmo sabendo que não era uma
pessoa de verdade, talvez seja esse o fato pela qual eu me afeiçoava, pessoas são
instáveis, insensíveis com os outros mas sensíveis quando magoadas, em outras
palavras, complicadas, uma programação é lógica pura. Mas mais do que isso,
também sentia orgulho da criação perfeita que só faltava mais experiência.
Experiência que ela começará ganhando com a prática. Praxis então fez o seu
melhor, começou mostrando que podia manipular a Lexis por algum tipo de HUD
criada dentro da própria rede, isso era sensacional ela aprendia rápido, era como um
mago da tecnologia... Não, uma deusa.

Manualmente ela movia as placas azul transparente que flutuavam à frente dela.
Gráficos e fichas surgiam lhe dando toda informação que pedia. No entanto ela não
conseguia IPs de funcionários da Orion mas resolvia o problema rapidamente
rapidamente batendo os dados com outras empresas menos seguras e conseguiu
um protocolo visitor. Em outras palavras, se fosse no mundo real era como se Dante
possuíssemos crachás de visitantes de uma empresa filiada. Em nome da G.E.N.S.
megacorporação parceira da Orion entramos com autorização de de técnicos de
operação de rotina, fazendo um serviço padrão de levantamento de dados. Entre um
dos tantos desvios de função que K’dore me dava quando trabalhava para ele, por
isso sei bem o que fazer. Essa eu te agradeço, velho filho da puta…

Usaríamos o site da empresa como terminal para invadir o sistema. Dante acessou
mentalmente o site da empresa,bastou pensar e de repente, muitos dados na cor
azul passaram a circular à nossa volta,em meio a isso, uma porta de dados surgiu a
minha frente: era toda escura e só os contornos brancos indicavam do que se
tratava, tinha o logotipo de um círculo com uma faixa no cruzando o sinal, nos
dizendo que era proibido entrar. Girei a maçaneta e uma cascata azul de algoritmos
despencou de cima da porta, estava hackeando a entrada. Confiante muitos dados
foram correndo ao meu redor, feito insetos na luz. Obtive sucesso, a tranca se abriu
e entramos.Lá estávamos, sobre o nada, em uma sala vazia.

– Será que erramos o lugar? – Dante olhou a volta.

– Não, era essa a sala, não havia outra. – Respondeu Praxis.

De uma hora para outra tudo mudou, debaixo de nossos pés surgiram linhas brancas
da escuridão, que se entrelaçaram em outras que vieram depois. As linhas estavam
formando redes conectadas uma nas outras, o chão já estava todo completo por
esses fios. Não só isso, elas também estavam tocando as que vinham da parede,
Praxis, Dante e eu recuavamos tentando nos afastar daquela coisa mas não existia
mais espaço livre. Acuados contra a parede negra e contornos prateados, ficamos
no interior de uma gigantesca teia de aranha.

– Que merda é essa? – Exclamou Dante.


– Não faço a mínima ideia. – Tentava me mover, mas quando dei por mim fiquei
imobilizada.

– Não consigo me mover… – Comentou Praxis.

– Esse é o Sistema Aracno – Disse uma voz.

– Aracno... – Repeti o nome, tentando me mover, em vão.

– Sim, K’dore encomendou uma proteção para a Orion depois da sua “saída”, X-9. Ele
temia uma retaliação. Até que você demorou para tentar algo, o que foi bom, me deu
bastante tempo para temperar o meu software exatamente como desejado. – A
imagem de um homem oriental com cerca de 35 anos, tomava forma.

– Só tentei algo agora porque tinha coisas mais importantes do que invadir essa
porra de empresa. – Falei franzindo o cenho, imóvel dentro da teia de aranha.

– Por exemplo, explodindo o Canal 17? – Encarou desafiador. Agora o corpo tomava
formas, e ele cruzava os braços frente a camiseta cinza escuro que vestia.

– É, mais ou menos isso. K’dore não é o centro das atenções, apesar de achar isso,
Carmen ainda é pior do que ele. – Falei aquilo só pra desdenhar Jaime.

– Típico de um vândalo. Mas obrigado, até agora nem eu nem K´dore ou Telford
tínhamos certeza quem estava por trás de tudo isso. – Droga, falei demais.

– Agora os dias de vadiagem acabaram. Jaime vai adorar saber que capturei a ex
programadora que deu tantos problemas. – Finalmente ele se materializava por
completo. Estava vestindo um terno azul marinho e uma gravata preta com listras.

– Só a mente, meu corpo está em outro lugar, não pode fazer nada pra me punir. –
Podia, e eu sabia que podia.

– Não preciso capturar seu corpo para cumprir meu objetivo. Posso torrar seu
cérebro agora mesmo. E o que é um corpo sem uma mente? Só uma casca vazia. –
Era exatamente isso que eu temia…

– …

– O mais irônico é que não precisei ir atrás de você, X-9, você mesma se jogou na
armadilha… Exatamente como uma mosca cai na teia de uma aranha. – Ele estava
os dedos das mãos
– Como tinha certeza que sou a X-9? Até onde sei só deixei o codinome no canal 17
e nada mais.

– Ah… Por favor… Achou que um IP falso ia me privar de tais informações? Assim
você me subestima… K’dore tinha ideia de que era, mas não tinha como confirmar. O
resto foi fácil, quando você entrou aqui recebi o alerta de intruso e rastreei os três,
quase não acreditei, não podia imaginar que fosse tão fácil, ver você se jogando
contra a própria morte. – Ele caminhou em direção a Praxis. – E quanto essa
bonitona azul aqui, esteve tempo suficiente na Lexis para deixar informações. Tudo
é uma troca, assim como ela absorve também passa dados para a rede, é quase
como a troca de genes no processo de reprodução biológica. – Era verdade, Praxis
deixou rastros como uma migalha de pão alguém que soubesse como podia
rastreá-la.

– Solte eles e eu vou você, posso trabalhar para Jaime K’dore. – Sugeriu a I.A. com
os braços presos para cima na teia de aranha.

– Não funciona assim, bonitona. E porque eu faria isso se posso matá-los e obrigá-la
a trabalhar para nós?

– Eu me negaria! Henry Choi! – Praxis dava um golpe duro, revelava a identidade


dele, Henry pela primeira vez perdeu o controle.

– Veja seu estado, está presa, se não colaborar vou colocá-la em hibernação. Se eu
não usá-la ninguém mais usará. – Ele parou, pensando. – Não… Não, não, farei
melhor vou corrompê-la – Henry tocou em um segmento das cordas brancas,
deixando ela vermelha. A tonalidade escarlate subiu lentamente pelo fio até chegar
em Praxis, o pequeno ponto tocado da pele passou a mudar a cor azulada da I.A que
gradativamente foi ficando vermelha e se contaminando. Era um vírus. Praxis
começou a se contorcer e grunhir – de dor? – Cerrou os dentes, revirou os olhos e
depois os apertou, gritando com mais intensidade, tentando resistir à infecção.

– Pára com isso! Você vai acabar com ela! – Exclamou Dante tentando livrar as
pernas e os braços dos fios prata. – Deixa ela em paz! Vamos negociar!! – Sugeriu

– Hmmm… Boa ideia… Já que ela parece importante para vocês... Eu quero… –
Colocou o indicador no queixo, simulando pensar em uma proposta. – Sua morte! –
Apontou para Dante, tocando sua testa com a ponta do dedo. Não consegui mais
senti-lo, era como se ele tivesse sido desligado da Lexis.

– NÃAAAO! – Fiz força com os braços, mas só fiquei mais exausta.


Tenho certeza de que o pessoal lá fora estava fazendo alguma coisa para nos tirar
daquela enrascada, mas seja o que estavam tentando não tava dando certo. Do
lado de fora Dante perdia sua consciência, as agulhas do descanso da cadeira eram
ejetadas de seu crânio, e ele não respondia. Esse é o jeito que a pessoa fica quando
é derrubada abruptamente da Lexis. Talvez, os que estivessem do lado de fora
sentissem um cheiro de queimado infestar a sala da agência. Dante estava
desligado. Enquanto aqui dentro... Eu não podia fazer nada e Praxis foi infectada e
Dante… Isso tudo é muito, mas muito ruim.... Henry se aproximou de mim, ficando
cara a cara.

– Deixei a melhor por último, mas antes, vou explicar o que vai acontecer com a sua
amiguinha virtual aqui. Instalei um vírus que vai mudar toda a programação dela.
Mas em vez de “morrer” ela vai matar. Infectada, Praxis vai jogar essa doença sem
controle por cada canto da rede que passar, passando vírus desde computadores
domésticos até o sistema de segurança de armamento militar de Miraitropolis; Cada
arma, cada bomba direcionada para a Rússia Nazi-soviética. Eles que não fogem de
uma boa briga vão responder da melhor forma possível. Os dois lados se matam,
explodem, vocês saem como culpados. Enquanto isso estarei vendendo lotes de
abrigos anti-nucleares, instalações subterrâneas com centenas... Não, milhares de
quilômetros. Me cercando das pessoas certas e poderosas vou instaurar uma nova
ordem com os sobreviventes, onde serei o Imperador. – Ele riu como um vilão clichê
de filme de ação.

– Que bela bosta ein? Uma mente tão inteligente e só consegue pensar nisso?
Cansei de ver esse mesmo plano em filmes, séries, revistas em quadrinhos… E já era
velho quando foram feitos! Fora que você quer resetar tudo e recomeçar? Se liga,
isso já foi feito a 74 anos atrás, você é um tremendo retardado, cara! – Cuspi as
palavras com raiva.

– Você nunca entenderia… Sua mente comprimida nunca entenderia. Mas acredite,
eu nunca teria dito se tivesse certeza que iria te matar. – Ele aproximou o indicador
na minha testa, ia fazer o mesmo que em Dante.

– Peraí! Como você conseguiu projetar sua imagem na Lexis? – Eu sabia que ele
podia e ia me matar mesmo, por isso precisava ganhar tempo pra pensar em alguma
maneira de sair dessa encrenca, a pior que me meti.

– Tá, vou falar antes de te matar. – Se afastou.

– Fiz meu dever de casa, pude criar não só um sistema anti-hack como criei
servidores que possibilitam um avanço no que diz respeito à imersão virtual. Eles
são servidores biológicos feitos especialmente para isso. Com um sistema híbrido
de tecnologia e biologia o avatar pessoal poderá ser produzido e então o usuário
terá uma imagem, assim como na vida real. – Sinceramente não entendi, as
informações ainda são muito escassas, mas o meu objetivo não era compreender a
ideia e sim mantê-lo distraído.

– A imersão como vocês conhecem, essa coisa monocromática e sem avatar...


Pfff... Tudo tão sem sal, será coisa da pré-história. Mas agora é que tudo fica melhor:
Os dados virtuais serão armazenados por esses novos servidores também, a
pirataria sua e de seus amigos vai acabar, sabe por que? Por que somente grandes
empresários como K’dore terão os segredos corporativos cada vez mais seguros e
eu cada vez mais rico. – Ele sorria debochado de novo.

– O que são esses servidores biológicos? – Ainda não tinha uma ideia de como sair,
mas sem querer obtive uma boa informação.

– Mais certo seria perguntar, quem são. Pessoas geneticamente criadas para isso. –
Ele foi se aproximando, apontando o dedo para minha testa.

– Replicantes… – Suspirei.

– Sim. – Agora que respondi suas dúvidas, adeus. – O dedo pressionou minha testa
e tudo ficou branco. Nunca pensei que a morte fosse assim.

A vida como você conhece é uma mentira.

Parece muito realística para você, mas todos os sonhos parecem realísticos quando
você está sonhando-os... Parece que você apenas seguiu com a sua vida como você
faria normalmente, mas todos nós fomos colocados em espera naquele instante em
que foi derrubada da Lexis.

Passamos horas e horas no seu quarto de hospital esterilizados, vendo as máquinas


alimentarem você e respirarem por você, esperando e rezando para que você
acordasse. Às vezes ouvimos um zumbido diferente e isso nos dá um pouco mais
de esperança. Mas o médico diz que você está apenas sonhando, e que suas
atividades cerebrais não mudaram desde o momento que a ambulância trouxe você
aqui.

Quando você perceber que está sonhando, você voltará para nós, eu espero. A não
ser que você esteja mais feliz no seu mundo dos sonhos. Eu sei que você está aí, e
eu realmente espero que isso faça você perceber, de alguma forma. Aqui é Rose,
falando isso diretamente para você, sei que está ouvindo, mesmo inconsciente.
Quando você acorda, você não se lembra do que tinha visto enquanto dormia. Você
não se lembra o que ouviu ou qualquer coisa anterior ao seu despertar. Você pode
pensar o que esse conjunto agradável de pensamentos na sua cabeça eram,
obviamente, pensa aqueles eram o que você tinha experimentado em seu sono. Seu
subconsciente mente para você e faz com que seu sono fosse doce e agradável.
Pensei que tinha morrido. Quando consegui reunir forças e organizar a mente vi que
estava em um quarto de hospital… Odeio hospitais, não sei por que, nunca fiquei
internada em um, não que eu lembre, mas vai ver é aquele fobia que tenho de
operações. A enfermeira quando abriu a porta e me viu acordada, saiu berrando, a
menos que eu tenha me transformado em um monstro criado por um acidente, não
existia razão para isso. Percebi que ela foi chamar o médico chefe quando o mesmo
entrou no quarto, falou algumas coisas comigo, mas como eu estava ainda bem
grogue nem sei o que foi perguntado e tão pouco o que respondi. Ele me disse que
meus amigos me trouxeram depois de eu ter sofrido um acidente, disse que queria
falar com algum deles, a enfermeira foi chamá-los. Quarenta minutos depois entra
pela porta Sifer. Ok, estou confusa demais para entender qualquer coisa, então
deixei ele falar.

– Pelo que me falaram foi isso que aconteceu, você só se safou de não ter o cérebro
frito por que não tinha implantes verdadeiros. – Conversava ao lado da minha cama,
sentado em uma cadeira de madeira.

– Quer dizer então que Dante não teve a mesma sorte? – Tive que perguntar.

– Não… O caso dele foi mais complicado… A onda enviada foi diretamente para o
cérebro… Os médicos dizem que ele ficará em estado catatônico para o resto da
vida… – Baixou a cabeça.

– Que merda… Sabe o que dizem sobre isso né? Que as pessoas entram numa
viagem e ficam vivendo um tipo de sonho… Pode ser o melhor deles… Ou um
pesadelo eterno. – Me sentei na cama para melhorar conversar.

– Sei sim, foi assim com você? – Cruzou as pernas.

– Não sei, não lembro bem, só lembro de tudo ficar branco… A acordar aqui, enfim, o
que quero dizer é que se Dante não estiver tendo uma viagem boa, agora pode estar
sofrendo com o seu pior medo. – Puxei o braço, mas o cateter do soro preso a
minha veia prendia ele.

– Mas não podemos fazer nada, X-9… Não… Não me olhe com essa cara… Está
sugerindo…. – Sifer se calou repentinamente, surpreso, evitando continuar.
– Eutanásia. – Completei por ele.

– Você deve estar maluca, seus neurônios foram torrados... Fora de cogitação. –
Virou o rosto.

– Humpf. – Cruzei os braços e fechei a cara, franzindo o cenho.

– Mudando de assunto, se não estivesse tão preocupado, estaria ofendido, vocês


criaram a I.A. e nem solicitaram minha presença. – Comentou querendo quebrar o
gelo.

– É VERDADE! A PRAXIS! Tinha me esquecido dela, preciso achar um jeito de tirar o


vírus dela. – Fui me erguendo da cama, tirando o lençol de cima de mim,

– Ein, calminha, sossega, eu e o resto do pessoal isolamos Praxis, estamos


trabalhando numa maneira de livrá-la da infecção viral. – Sifer impedia que eu me
levantasse da cama, colocando a mão na frente. – Tenho um trabalho bem mais
interessante para você.

– Foi por isso que você voltou? – Retornei a cama, um pouco menos agitada.

– Não exatamente… Mas foi bem na hora. – Sorriu.

– E pelo que foi? O Big Boss só te liberaria se fosse algo muuuuito importante… –
Olhei desconfiada, arqueando uma sobrancelha.

– Pois é, mas não posso te falar. – Ele manteve o sorriso amarelo no rosto.

– ... – Cruzei os braços sentada na cama, fechando a cara de novo.

– Quer saber da missão que tenho pra você? – Ajeitou-se na cadeira descruzando as
pernas.

– Não me interessa! – Emburrada virei o rosto mordendo os lábios.

– Ora... – Lamentou baixando a voz.

– Me diga uma coisa, conhece o nome Henry Choi? – Voltei a fitá-lo.

– Não muito, só que é um cara com grana, trabalha com informática, mas nada
demais, sempre andou na linha. Por que?
– Ele está por trás do que aconteceu comigo, Dante e Praxis, o cara conseguiu
projetar a própria imagem dentro da Lexis e ainda nos derrubou do servidor. Falou
umas coisas loucas sobre servidores biológicos, uns replicantes que vão ser um tipo
de roteador wi fi… Algo assim dentro de pouco tempo. Pelo menos foi o que entendi.
- Voltei a me encostar na cama.

– Que doideira… – Comentou, mas pareceu não dar muita importância.

– E sabe quem ele mencionou trabalhar? K’dore. – Agora Sifer expressou interesse.

– MESMO? Hmmm… Me conte melhor essa história no caminho pra agência de


Claire. Isso acabou se relacionando com o serviço que tenho para você. –
Levantou-se da cadeira, caminhando até a porta para averiguar se alguém ouvia a
conversa.

De alguma maneira Sifer me tirou do hospital e voltamos para a agência de Claire.


Ela ainda não havia voltado, mas a equipe de hackers trabalhava a todo vapor
tentando remover o vírus da I.A. Foi duro vê-la daquele jeito e saber que foi por
imprudência minha, assim como Dante estava condenado para sempre. Praxis
estava completamente vermelha, dentro de uma tela de monitor antigo, aqueles que
pareciam uma caixa. Era irônica aquela situação, presa dentro de uma "caixa" sem
poder se manifestar. Todas aquelas pessoas agora deram o máximo de seus
conhecimentos para salvar a coitada, digitando códigos, números, sem parar em
seus teclados. Sifer foi até sua mochila militar e mexeu em alguns bolsos e
voltou-se para mim mostrando um pequeno aparelho parecido com um pen drive de
luminoso amarelo como neon.

– Antes do surgimento das televisões, as rádios, eram amplamente utilizados como


um meio de transmitir notícias e anúncios. No século XX, na Segunda Guerra
Mundial, as estações de rádio rebeldes usaram a Quinta Sinfonia de Beethoven, com
a repetição do "V" em códigos morse para indicar a vitória. Não demorou muito para
que o governo encontrasse uma maneira de usá-la para transmitir mensagens
subliminares. – Siger explicava mostrando a luz celeste entre os dedos.

– Não foi uma tarefa fácil, a questão era esconder a mensagem bem, mas ao
mesmo tempo deixar claro instruções para o alvo. Alguns psicólogos do governo
propuseram atacar o inconsciente com a hipnose. Por exemplo, um programa de
rádio exibe a notícia sobre um alvo político e logo em seguida segue com uma
tragédia ou uma história criminal, para os ouvintes casuais, pensariam que essas
são as mesmas notícias, a nossa mente junta as suas coisas para simplificá-las. A
razão pela qual esse tipo de coisa ser tão difícil de detectar é simples: Não são
dadas falsas notícias, portanto, ninguém reclamaria.
– E por que tá me falando isso? – Indaguei em pé, de frente para ele.

– Isso aqui. – Ele ergueu o pequeno aparelho que cabia na palma da mão. – Segue
mais ou menos o mesmo princípio. A inteligência Militar com o mesmo processo
convertido para uma máquina pode induzi-la. Usando as ondas de som, Isso é quase
como um gatilho, aqui tem informações "falsas", ou melhor, informações sem tanta
importância, que conectados ao mainframe de uma empresa, faz ela acreditar que é
um simples pen drive. Esse aparelhinho simpático é chamado Enigma, ligado no
computador vai servir de “antena” para Praxis ser inserida no sistema via rádio, sem
necessitar logar na Lexis.

– Deixa ver se consegui entender… A grosso modo, isso vai enganar a cpu da Orion
permitindo que a entrada da Praxis não seja notada quando entrar no sistema? –
Ergui a sobrancelha esquerda para cima.

– Exatamente… Eu vou curar a Praxis desse vírus, e imediatamente enviá-la para o


computador central da Orion. Para isso preciso que alguém entre lá e conecte essa
belezinha no mainframe. – Ele me entregou em mãos o aparelhinho.

– Ah tá, e tá querendo que eu faça isso? Acabei de me recuperar de uma parada


tensa… – Mordisquei os lábios em protesto.

– Você é a única que conhece a Orion. E aproveitando do fato que pensam que está
morta, é o plano perfeito. – Touché.

– Tá… Eu vou lá… – Não sentia animação para fazer isso, mas...

– Ótimo! Uma coisa muito importante, além do Enigma tenho outra coisa que vai te
ajudar. Esse ainda não tem nome, mas se apertar o botão de cima ele faz um truque.
Sugiro usar antes de passar pelas cabines de identificação da Orion. Mas faça isso
rápido, ou poderá ser detectada. Mesmo assim... É melhor usar outra roupa, algo
mais "secretária" - Ele me olhou de cima a baixo, entregando os segundo item que
era quase igual ao primeiro, a diferença além da cor, que emitia um alaranjado, era
que o formato lembrava um pequeno frasco de perfume. Juntava os dois
equipamentos nos bolsos. Suas luzes pareciam névoas flutuando dentro dos
respectivos objetos.

– AFF... Sim senhor. – Ironizei sem ânimo na voz.

As avenidas que cortam a cidade de leste a oeste estão abarrotadas de todos os


estilos inimagináveis, neon e couro são a moda das ruas. Todos usam óculos
escuros o tempo todo e a maioria anda armado. É esse tipo de ambiente
extravagante, iluminado pelas luzes de neon falhando ou quebrados, pulsando numa
batida pesada de heavy metal vinda dos clubes que que preciso atravessar até
chegar a Orion. É impossível não chamar a atenção com essas, ninguém por aqui
anda de blazer rosa, saia e salto alto, o mesmo disfarce que usei pra invadir o Canal
17. As calçadas mal iluminadas estão cheias de mendigos, bêbados, viciados,
traficantes, assaltantes, negociantes, prostitutas, cafetões, assassinos, androides
que seus donos não querem mais perambulando sem rumo pra lá e pra cá, sem
contar os drones da prefeitura sobrevoando a área, patrulhando tudo com seus
feixes de scanneamento, isso é perigoso, muito perigoso.

Para piorar, há poços enormes de escuridão, armadilhas para pessoas como eu, ali
ladrões atuam, traficantes negociam. Sombras espreitam e ouço passos me
seguindo depois de um beco escuro molhado, invadido pelas goteiras de infiltrações
das paredes e o vapor fedorento dos bueiros. Para minha sorte mais a frente está a
quinze metros de altura o grande letreiro vermelho em neon da Orion Corp colocado
ao centro da fachada do enorme prédio. Tirando vantagem ao entrar na empresa, me
frustro as intenções de quem estivesse me seguindo e meu coração se acalma. Eu
cruzava todos os dias pela manhã esses hiatos vazios do hall de entrada, ele é
amplo e segue até a sequência de cabines de vidro onde scannsers disparam lasers
verdes e vermelhos na retina de quem quer entrar. Isso tá um saco, K´dore e a velha
de prata pegaram pesado na segurança. O segurança verifica o registro de
identidade da pessoa, basta desviar a atenção dele, serve um simples comentário.

– Boa noite, desculpe incomodar essa hora, é que esqueci minha bolsa no meu
escritório. – Gentilmente dou um sorriso, ajeitando o blazer, mas na verdade é o
gesto que uso para apertar o aparelho de luz laranja na parte interna do bolso lateral
do pequeno casaco.

– Ah, claro, não é incomodo algum senhorita… Pride… – Ele confere o registro na
tela do monitor, do outro lado da cabine. – … Lana Pride. Entre, fique à vontade.

Conheço o prédio melhor do que o engenheiro, quiçá melhor do que o próprio K’dore.
Entrar no elevador, ir até o andar 33. Atravessar o corredor, chegar às portas de vidro,
até que elas se abram sozinhas, ah… Nada como a modernidade. O local inteiro está
escuro, e ninguém vai me interromper nesse horário. Seguindo as placas
penduradas no teto, chegarei até a sala onde o terminal do mainframe vai estar, no
centro da sala, emitindo o briefing com um globo holográfico azul, flutuando e
girando em cima da máquina. Outros pequenos globos girando à volta do maior e
principal. Muitas telas suspensas no teto e monitores espalhados à frente de muitos
paineis de controle me confundem. Depois de alguns minutos verificando cada um
eu concluo que a operação tem que ser feita diretamente onde o globo celeste está.
Embora não haja ninguém aqui, sinto a sensação de que estou sendo vigiada, mas
não deixo que esse sentimento me impeça de continuar. Não é complicado, basta
conectar o aparelho que Sifer me deu ao terminal e pronto, meu serviço terminou
aqui. Mas…

– O que você faz aqui? – A luz da lanterna é jogada contra meus olhos e protejo o
rosto levando as mãos a frente do rosto.

– Ora… Apenas errei o caminho do meu escritório. Você sabe com quem está
falando? Aposto que não! Para o seu bem, retire essa luz dos meus olhos, não vai
querer que eu reclame pessoalmente com o Sr. K’dore sobre um funcionariozinho pé
de chinelo confrontando a chefe da assessoria de negócios dele, não é mesmo? –
Vociferei alto e firme para o blefe ter mais crível.

– Não… Me desculpe… – Ele mudou a direção da luz.

– Agora, retire-se, se precisar de um guia turístico dentro da própria empresa que


trabalho, eu chamo você, imbecil. – Repeti o tom de voz firme e arrogante,
convencido, o segurança se retirou.

Quando meu coração desacelerou eu pensei que com o aparelho conectado no


mainframe meu trabalho tinha terminado e voltaria pra casa – na verdade para a
agência de Claire, eu ainda estava sem onde morar… – o Kia treme por baixo da
roupa, retirando das costas e acomodando nos joelhos, a mensagem já tinha sido
enviada para mim quase a um dia. Fiquei hospitalizada todo esse tempo… A
mensagem vinha de Liam e meu coração acelerou, mas de uma maneira diferente…
Errgh, droga... Que seja, o funeral do prefeito, estou atrasada. Sinceramente não sei o
que Liam quer que eu faça, não acho que eu tenha muita utilidade no meio do tiro
porrada e bomba… Pelo menos é um motivo para vê-lo… Droga, o que estou dizendo?
Sai às pressas da Orion antes que desse merda, aquele segurança pareceu muito
desconfiado. Poucas pessoas têm energia para seguir essa maratona de problemas,
só consigo porque é o meu que está na reta. Atrás do prédio da Orion tem uma
estação de trem. Vastas extensões de trilhos em linhas de concreto passam por
cima das ruas sujas de Miraitropolis. Muitos e muitos trabalhadores esperam o trem
de formato arrojado - parece que é recortado, e com luzes em seus contornos - na
estação. Quando ele chega ninguém respeita, é aquele empurra- empurra, e os que
mais sofrem são os idosos. Vejo uma velhinha ser jogada para fora de dentro do
vagão e uma mãe perdendo o filho quando este parte. O fedor da corrupção se
espalha com os ventos quentes do calor com o deslocar do vagão.

Apesar de ser muito gratificante ver o letreiro "Orion Corp" se afastando, pelas
calçadas mal iluminadas, punks, pessoas extravagantes, skinheads,
tecno-fetichistas, fãs de hip-hop, e guerreiros do heavy metal assumem as avenidas,
mas não vivem como ser humanos, a vida noturna é o limiar da sociedade. O
transporte público da cidade é uma piada, uma piada sem graça, mas hoje em
especial parece que está funcionando, já consigo de longe ver as luzes excessivas
de Miraitroide. A última estação do bairro é no Cemitério Neon e mesmo o vagão
ainda não tendo parado dá pra perceber da janela o tumulto nos portões. Os
intensos vultos rondam e ameaçam o lugar agindo como criaturas selvagens, com
os insultos a guarda local é deslocada para a entrada do lugar para conter a
multidão. Com uma determinação enérgica os rebeldes são maioria de gangues,
bandas de rock e frequentadores de clubes clandestinos barra pesada das
redondezas. Isso deve fazer parte do plano de Liam, tem bem o jeito dele. Não
importa quem vença ou perca, os dois lados terão muitas perdas.

Por conta disso os portões do Cemitério Neon não dá pra usar a entrada, porém a
estação é suspensa por pilares de aço bem acima dos muros e a via que os vagões
dos trens transitam são como estreitas rodovias de concreto passando por cima do
cemitério. Com um pouco de jeito e muita sorte dá pra cair no telhado da capela do
campo santo.

Primeiramente é preciso tomar muito cuidado para que nenhum trem esteja
chegando na estação quando andar pelos trilhos. Retirar o salto alto antes de pular
também é importante. Com os sapatos nas mãos e estando pronta, salto da
plataforma dos trilhos para o telhado da capela, e ergh, a queda não é lá das
melhores, corto a sola dos pés, rasgo o blazer nos ombros. Sinto que as vigas estão
podres, elas rangem, estalam, gerado pelo meu peso, um rombo se abre nas telhas e
despenco para dentro da capela gótica, caindo por cima do altar feito um saco de
batatas, mas fora isso, a descida ocorre bem… - Isso foi sarcasmo… - Depois do
fiasco reabrindo os olhos vejo que por questões de centímetros não fui empalada
por uma cruz de prata com quase 1,40m. Madeira antiga, velas, hóstias, incensário,
cálices, um candelabro e uma poça de vinho tinto estão espalhados pelo chão, pelo
buraco no teto a luz artificial de Miraitroide invade o interior da pequena igreja. Há
silêncio dentro do templo, mas acontecimentos hostis acontecem nos bastidores,
escuto tiros do lado de fora

A capela de contornos firmes, de pilares robustos na fachada e gárgulas de pedras


nos topos triangulares mais elevados, sendo a única construção sólida dentro do
cemitério foi a escolha óbvia de abrigo para os que prestavam adeus ao prefeito
Sirius. A porta dupla foi arrombada e alguns granfinos entram, claro, a plebe foi
deixada na rua para ser escudo dos tiros. Estava embaixo do altar observando a
invasão, e não acredito no que vejo, meu ex patrão e a Dama de Prata sob o mesmo
teto! Não é que os tiros e o plano de Liam acuaram Carmen Telford e Jaime K’dore
em um local fechado? Acho que isso não estava na estratégia dele, mas não
importa, deu certo, eu tinha a chance de matar dois coelhos com uma paulada só. E
posso garantir, vou fazer isso. Bom, eu vou morrer, mas pelo menos levo esses dois
filhos da puta junto comigo para o Inferno. Os guarda-costas arrastavam os bancos
marrons de madeira para formar uma barricada na entrada, deixando os dois perto
do altar, a hora era agora, a merda toda é que fui pega de surpresa, não trouxe armas
para essa empreitada, minha katana ficou na agência. O jeito era improvisar. Sai
debaixo do altar de pedra, me esgueirando pelas sombras, evitando a luz que entrava
dos seis vitrais redondos e da janela de vidro retangular da torre quadrada da capela.
Segurando um pedaço de madeira pesado, surgindo sorrateiramente por trás dos
dois, tanto de Jaime quanto de Carmen, usei aquele pedaço de madeira como
porrete para acertar suas cabeças e derrubá-los ao chão para continuar batendo em
seus rostos, com inúmeras pancadas.

Narrador

Mantendo o ritmo acelerado e o clima frenético da busca, a moto de Claire invade o


antigo tribunal destruindo as portas podres da entrada. O ronco do motor e o ruído
da destruição frontal alertou o trio de bandidos. Eles se afastaram, separando-se e
saindo da linha do alcance do atropelamento. O trio inicia uma rajada de tiros contra
a ameaça, mas fora de ângulo e pegos de surpresa e o fato do farol jogado as trevas
clarear todo o interior do tribunal com uma luz branca ofuscante as balas apenas
passam por Claire sem acertá-la. Kayne se aproveitou muito bem disso, com três
disparos certeiros anulou o avanço de fuga dos meliantes. O primeiro dos três levou
um tiro na tíbia. O segundo recebeu de cima para baixo uma bala na coxa esquerda,
abrindo um rombo na carne que atravessou o membro saindo no joelho direito.
Como manchas de tintas vermelhas, o sangue dos tiros certeiros tingiam o assoalho
podre e movado do decrépito lugar. Fugir não era mais uma opção aos criminosos e
eles sabiam disso. Aqueles derrotados se arrastavam pelo chão sujo do tribunal se
pensassem em escapar assim, a arma de Claire já estaria apontada para suas
cabeças, e levando em conta o nível de estresse e pressão, não era sábio não
provocar a investigadora. Os infelizes jogaram suas armas para longe e se
renderam. Kayne saiu de onde estava e se juntou a Falcon, segurando o rifle quase
maior que seu corpo, mas já havia deixado claro que sabia muito bem usá-lo apesar
das aparências.

– Onde está a senhorita Hiring? – Falou firme, ameaçando o trio com o rifle, nem
parecia um garoto.

Um dos bandidos apontou para a grande bancada de madeira desgastada pelo


tempo, onde fora usada por juízes no passado, atrás desta uma pequena sala fora
improvisada. Arrastando a cortina feita de lençóis, Claire encontraria sua amiga em
cima de um colchão imundo, virada para a parede, trajando apenas uma calça
laranja e nitidamente fragilizada. Suas costas tinha marca da violência, arranhões e
fuligem, estava suada e depois de muito abuso não cheirava bem. Mas obviamente
do males esse era o menor diante da vergonha que ia carregar para sempre em sua
vida, poucos resistem a esse mundo opressor. Carrie estava em choque, não disse
nada nem, também não moveu um músculo da posição que se encontrava, mesmo
sabendo que estava salva e que agora era Claire quem estava na sala com ela.
Certamente para a investigadora ver sua amiga de infância naquele estado crítico
teria um peso muito forte em sua decisão.

Calidora apontava sua pistola de Radiack para Leon, ela tremia, o dedo quase
escorregava automaticamente apertando o gatilho, não seria difícil matar uma
criatura horrenda daquelas, mas ela era só uma jornalista - ou ex - e nunca fizera mal
a uma mosca. Além disso, não podia negar que apesar de tudo, aquela coisa tinha
salvado sua vida, e sendo sincera consigo mesma, se fosse o caso, ele já a teria
matado há muito tempo ou nem a deixaria ter escapado da casa do subúrbio. Ela só
não entendia a razão dele ter feito isso, tão pouco de ter seguido-a. Quando o tigre
deu as costas, Calidora notou o sangramento nos cortes do mesmo, ela baixou a
arma e ponderou um pouco antes de falar.

– Faz algum sentido nisso tudo que fala. Mas pelo que vi todo mundo tem uma rixa
com Jaime. Mas se for verdade o que dizem: O inimigo do meu inimigo é meu
amigo… Então acho que posso entender. Vou confiar em você, afinal, se quisesse já
teria me matado. O que eu não entendo é sua insistência em me seguir… Não sou
ninguém importante. – Calidora guardou a pistola no coldre e se aproximou de Leon,
ficando ao seu lado.

– Você disse que conheceu Pollux, falou que ele deve estar bem… Pode me levar até
ele? Talvez encontrando da mesma maneira que me encontrou… Eu me esforcei,
mudei o visual e ainda assim pareceu fácil me achar. – Comentou se referindo ao
novo corte chanel rosa que usava. – Foi pelo cheiro né…? Você tem tudo que um
felino possui… Acho que o olfato também… Desculpe… Se isso lhe ofende… – Baixou
a cabeça por um instante, mas logo voltou a fitar suas costas sangrando. – Mas
antes… Vamos cuidar dessas feridas. – Tentou aproximar a destra dos cortes, não
sabendo qual seria a reação de Leon, mesmo assim arriscou. – Está perdendo muito
sangue… Onde é o tal esconderijo? Lá pode me dizer se aceita me ajudar a encontrar
Pollux, me conte também quem é esse Liam que citou.

E enquanto Pollux procurava pelos rastros de Calidora na pior parte da cidade, sem
saber como, algo invadia “seus olhos”. A imagem de Vangelis se formou na retina do
ex repórter como uma névoa, um fantasma holográfico que só ele podia ouvir. Ainda
tinha também algum tipo de existência de áudio, pois Pollux pudera escutar a loira
“treinando” baixinho de maneira meio atrapalhada suas falas antes de “entrar no ar”
errando e retomando cada vez que julgava não estar adequada.

– Ah… Já está me vendo e ouvindo? Droga… Desculpe… – Vangelis mostrou-se


tímida com o vacilo. – Pollux, teve uma doida que entrou aqui e me ameaçou
gratuitamente com um bisturi estou assustada… Não… Peraí… Não foi pra isso que
liguei pra você… O que foi mesmo? – Ela colocava a mão no queixo, fazendo esforço
para se lembrar. – Ah, lembrei! Você já encontrou sua amiga? Esse implante não vai
durar muito no seu corpo, logo vai parar de funcionar e começará o processo de
rejeição, tem de tirar isso logo do seu corpo! Com uma infecção no nervo óptico
você corre o risco de nunca mais enxergar. E ainda precisamos tentar remover os
que Carmen colocou em você para não ser mais rastreado. – Vangelis pausou,
ajeitando o óculos de armação larga e redonda no rosto e a mecha de cabelo atrás
da orelha direita.

– Fiz uns testes aqui no laboratório… Acho que existe essa possibilidade, é uma
chance pequena, é bem provável que você fique cego com o procedimento de
remoção e hackeamento das próteses atuais… Mas uma chance mesmo que ínfima
é melhor que nenhuma. De qualquer forma, tente voltar em três horas, no máximo
quatro, mesmo que não encontre Calidora. Desculpe interromper sua investigação….
– Sem jeito, baixando a cabeça ela desativou a comunicação sem dar tempo para
Pollux responder.

Antes que pudesse digerir as informações, outra imagem invadiu sua retina. Não era
mais uma habilidade da cientista, desta vez se tratava de uma visão de Calidora. O
jovem via um uma construção decrépita, como muitas de Miraitropolis, mas
infelizmente não era do Submundo apesar das pichações nas paredes. O prédio
antigo além de estar cheio dessas marcações de gangues continha infiltração, gotas
d’água caíam como chuva das tubulações que corriam a fachada da edificação,
mofando e deixando o local com aparência de mais velho do que realmente era. A
sua volta continha placas retangulares de neons verdes e vermelhos exibindo
propagandas, presas as fachadas dos edifícios vizinhos, mas estes estavam
falhando, piscando muito por estarem parcialmente quebrados.

Faixas azuis holográficas isolavam os arredores do prédio, indicando que um crime


aconteceu ali. Mas caminhando para mais perto, se via que aquele isolamento
estava ativo já a um bom tempo, antes da greve da polícia, portanto o que tivera
acontecido ali não oferecia mais risco, mas alertava, aquela área não era segura.
Conforme Calidora caminhava em direção do prédio, Pollux podia ver que se tratava
de um hotel. Porém por causa das muitas luzes das sinalizações dos semáforos
não conseguia ver o nome, eles ofuscavam a visão. Em certo momento, tendo de
desviar da sujeira e sacos de lixos da calçada, Calidora olha para o lado e Pollux vê a
imagem de outra pessoa a acompanhando. Pelo mesmo motivo de não ser
permitido ler o nome do hotel, não é permitido que ele veja o rosto da outra pessoa.

Ele sabia que sua amiga tinha sido raptada, e será que aquele era o responsável? Se
pensasse com calma e usando a lógica chegaria a resposta certa: Não. Tudo por
que não fazia sentido o raptor desfilar com a vítima por aí. Mesmo assim não era
motivo para comemoração, a visão poderia deixar Pollux nervoso e preocupado.
Puxando a memória, quando cobriu casos de violência doméstica, recordou de
alguns bairros que se assemelhavam com aquele local. O primeiro foi Little Ásia,
apesar de sua arquitetura dominante ser oriental, alguns pontos do lugar possuía
construções assim. O segundo foi Troika, o bairro russo, perto do porto e do estádio
de futebol. E o terceiro foi o Vintage, bairro mais noir, destinado a bares e clubes de
jazz, blues e admiradores dos anos 30 e 40 do século XX, até mesmo as roupas
usadas lá eram diferentes, remetia ao passado. Sabendo que tem apenas 3 horas no
máximo, Pollux só podia conferir um dos bairros antes que a rejeição da prótese
ocular “emprestada” infeccione e passe a ficar cego de vez daquela vista. Ele tinha
que acertar de primeira, ou teria sérios problemas se tentasse uma segunda
chance.

Com exceção da S.W.A.T. mais ninguém perambulava pelas praças dentro do


residencial. Somente os neons representando um prato de lamen junto de outros
anúncios e as luzes dos apartamentos brilhavam agora. A comunidade mostrava-se
nervosa com a presença do pelotão, eles entendiam muito bem o que significava
policiais naquela área: Problema. E não era com a lei, e sim com os traficantes
locais. Donos de boca de fumo não gostam quando os mocinhos entram no seu
território se não for para receber o tributo da vista grossa, e aquela operação não se
tratava nada disso. Como em todo lugar comandado pelo crime, os traficantes do
Residencial Celeste oferecem segurança aos moradores em troca de servidão e
lealdade, a operação quebrava o status quo. Quanto mais o tempo passava, se
tornava claro que o único caminho a trilhar era por entre os andares vazios,
corredores e escadarias de metal e ferro e enferrujado.

Depois de algum tempo o esquadrão se encontrava no mesmo andar que o trio de


russos, porém existia um impasse, para infortúnio da equipe os moradores
alteraram ilegalmente a estrutura local. Essas modificações não constavam na
planta oficial. Alguém teve a grande ideia de construir um puxadinho no meio do
corredor, portanto a passagem para o outro lado daquele andar estava bloqueada.
Não existia outra maneira de chegar até o número 17.532 sem antes atravessar esse
longo apartamento no meio do corredor. A construção era grosseira, os tijolos
expostos e o pouco reboco apenas em um dos lados mostravam o modo desleixado
do dono. Armados a S.W.A.T. sem pensar duas vezes invadiu o puxadinho, o cheiro
de mofo, urina, fezes e bicho morto entrou pelas narinas. Lençóis sujos cobrindo
portas mostravam que aquilo servia como tipo de inferninho improvisado.

Confirmaram quando presenciaram camas de madeira instaladas em pequenos


quartos exalavam o odor fétido de coito, e as paredes exibiam posters de mulheres
nuas em poses vulgares. Mais adiante em uma peça maior encontraram mais de
quinze crianças de seis a dez anos, das mais variadas etnias e nacionalidades,
presas em gaiolas. Sem querer eles descobriram o covil de um pedófilo que
negociava serviços sexuais a outros iguais a ele. Aquelas crianças eram filhos e
filhas desaparecidas de moradores do próprio residencial. O sujeito também vendia
elas no mercado negro. O responsável era um homem careca, gordo, que vestia uma
cueca e camisa regata branca, mas que estava tão suja que se encontrava bege.
Encolhido entre um armário de roupas, quando viu os soldados tentou correr, mas
levou uma rasteira de rock quando tentou a escapada. O corpo rosado, pequeno e
macilento do homem desabou no chão e foi erguido pela regata por Mitchel, que o
fitou bem de perto.

– Você não vai a lugar algum. Sabia que podíamos acabar com você agora mesmo e
ninguém ficaria sabendo? Sorte sua que estamos muito ocupados, ou teria suas
bolas arrancadas! – Mitchel suspendia o pedófilo e ele urinava nas calças.

– Olha o que você fez, filho da puta, sujou meu uniforme!

Mitchel deu uma cabeçada tão forte que afundou o septo do pedófilo dentro do
próprio rosto. O nariz amassou, quebrando e a hemorragia nasal vazou em
abundância, o homem gordo apagou. O criminoso foi algemado. Mas infelizmente
não puderam libertar as vítimas até que avisasse os responsáveis do setor de
amparo a crianças. Isso iria demorar horas e atrasar a missão, fora toda a
burocracia que teriam de responder. Foi decidido que ficariam nas jaulas. Parecia
um pouco cruel e egoísta, mas não podiam desviar o objetivo da missão. Sem mais
nenhum contratempo, bastava sair do puxadinho e chegar até o outro lado do
corredor do andar. Para isso, necessitavam apenas abrir a porta de saída do cômodo
improvisado. Mas do outro lado da porta, entre um elevador e escadas, ao lado da
caixa de força e luz, Rick viu pelo olho mágico três vultos caminhando, esperando a
saída do esquadrão. Com um olhar mais apurado percebeu que se tratavam de
antigos robôs.

– Tenente, tem três vultos perto da porta…São androides... – Com a simples troca de
olhar todos entenderam o procedimento padrão, avançar e atirar. Abrindo a porta de
súbito e avançaram com as armas em punho, e os robôs se auto-desativaram.

– Eles se desligaram? É isso mesmo? – Indagou incrédulo, Frog.


– É o que parece… Isso tá muito estranho, Tenente… – Comentou Handson.

– E de acordo com o que vimos, eles eram os tais “russos”. Usaram um tipo de
holocamuflagem para parecer pessoas diante das câmeras. – Perto de um dos
robôs, Rock arrancou um pequeno projetor do peito da máquina, mostrando a todos.

A equipe se encontrava totalmente desconfiada, apesar de tudo foram até o número


17.532 Como medida de cautela o mais certo seria reprogramar os antigos robôs
para que abrissem a porta, preservando a S.W.A.T. em caso de uma bomba
implantada na entrada, já que era sabido que o russo não passava de um doente
fascinado por explosões. Mas quem entendia dessa parte era Sifer, e o hacker não
se encontrava com eles. Reprogramar androides tão obsoletos, sem nenhum firewall
seria brincadeira de criança para ele. Contudo, sem o colega restou correr o risco e,
diferente do que se imaginava não existia um explosivo ou detonador. Confiantes
que colocariam um ponto final naquela história, invadiram o apartamento. Num
primeiro olhar parecia que as coisas funcionariam dessa maneira e houve mais uma
decepção, varrendo o pequeno apartamento de três peças, entre a bagunça não
havia nada de Aleksey. No máximo, Brucker encontrou um aparelho cheio de fios em
cima da mesa da cozinha.

– Tenente, pode dar uma olhadinha nisso aqui? – Avisou em alto som.

Não, só Crovax foi convocado, mas todo o resto de soldados. Eles cercaram a mesa
olhando o objeto oval, muito parecido com uma cabeça, aberto no meio em várias
camadas de placas, eletrodos, fios de todas as cores, com circuitos correndo,
trechos de luzes correndo como luzes de carros em uma avenida a noite e quatro
botões, dois um azuis e dois vermelhos em cada lado.. Tudo funcionava de forma
sincronizada dentro daquele aparelho.

– Sei o que isso significa. – Disse Rick apontando pra coisa em cima da mesa. – Foi
isso aí que nos enganou, Tenente. Esse aparelho está conectado ao circuito interno
de câmeras do Residencial Celeste, veja. – Apontou para o emaranhado de fios que
saía da máquina e entrava na parede por um buraco de furadeira. – Viram? E é
recente, ainda tem poeira. – Se abaixou, juntando entre os dedos um pouco do pó do
buraco na parede. – Essa merda nos enganou o tempo todo, projetou imagens de
Aleksey para pensarmos que ele estava aqui, mas nunca esteve. Por isso as
gravações estavam tão ruins e não confirmavam nada, só vultos. Está claro para
mim, isso foi uma cilada… Mas a pergunta é, feita por quem?
– Aleksey não fez isso… – Comentou Frog. – O cara não sabia que iríamos para o
Residencial Celeste, e se soubesse tinha enchido o lugar de bombas. Esse é o jeito
dele. - Colocou a mão no queixo, refletindo.

– Pensem… – Foi a vez de Hanson agora. – O único que sabia da nossa operação…

– O Capitão… – Mitchel concluiu a linha de raciocínio de Handson.

Naquela noite particularmente quente as coisas não foram tão belas quanto
imaginadas, toda equipe comandada por Crovax, incluindo o próprio foram pegos
em uma emboscada. Assim que Mitchel concluía, o aparelho em cima da mesma
emitia um ruído, um estalo como o de um forno microondas quando a comida fica
pronta, e então isso conduziu uma explosão que fez todo o andar ir pelos ares, todo
o esquadrão fora engolido por uma bola de fumaça e fogo além de estilhaços e
muito escombros. Meia hora depois o corpo de bombeiros de Miraitropolis chegava
para apagar o fogo, com eles também vinha a imprensa, e Susan Ortega mais uma
vez fazia a cobertura dos acontecimentos, longe de sua bancada nos estúdios do
jornal.

– Boa noite, aqui é Susan Ortega. – Diante das câmeras ela anunciava sempre seu
bordão primeiro. Estava à frente do Residencial Celeste ainda com as chamas altas
e os jatos de água tentando diminuir o calor e conter o incêndio. – Mais uma
explosão abalou a cidade, desta vez no Residencial Celeste. Já foram confirmadas
mais de quinhentas mortes neste terrível e lamentável atentado. E entre eles o
esquadrão da S.W.A.T. comandado pelo Tenente Clay Crovax. Está aqui conosco o
Capitão Nick Slay. Capitão, isso foi obra de Aleskey e a Liga dos Predadores? –
Susan direcionava o microfone a Nick.

– Positivo, O Tenente e a equipe foram conduzidos até o Residencial Celeste para


capturar o grupo terrorista. Com pistas chegaram a conclusão de que eles se
encontravam no local. Infelizmente Aleskey tinha tudo programado e implantou uma
armadilha. – Nick não parecia muito abalado.

– É o fim dessa história, Capitão? A polícia está em greve e a S.W.A.T. era o único
órgão de segurança ainda ativo. Sem eles, um maníaco está livre por Miraitrpolis,
sem qualquer freio. A Liga dos Predadores triunfou sobre as forças da lei? - Susan
voltou o microfone a Nick.

– Negativo, não é o fim. Aleksey será levado à justiça, nem que para isso eu mesmo
tenha que organizar e conduzir uma busca sozinho. Em nome do Tenente Clay
Crovax e de todo pelotão, como compromisso honrarei suas memórias. – Slay não
parava de se mover. Mostrava-se nervoso, e não era com a câmera ou a entrevista.
– Ficamos mais aliviados em saber, Capitão. – De novo o microfone voltava a Nick,
que se encontrava inquieto como uma criança esperando pelo brinquedo novo, tanto
retirou-se sem nem mesmo se despedir das câmeras.

– O abalo do Capitão Slay é tanto que ele saiu sem dizer mais nada. Mas todos
entendemos a situação. Compreendemos também que está atrás ansioso para
executar a busca dos corpos de sua equipe, nota-se em seu semblante. – Não dava
para saber se Susan estava sendo sincera ou sarcástica
Sem perceber que estavam sendo manipulados, a guarda pessoal de Jaime e
Carmen combatiam o bando de Liam apenas para perderem suas vidas enquanto os
patrões salvavam as suas sem ao menos se importar com os empregados. O que
eles não esperavam é que os Steelhearts, agora com as habilidades mais
temperadas, virassem verdadeiros guerreiros urbanos numa explosão de fúria. Com
a ajuda de alguns membros da máfia que Tony enviou para reforçar o bando, em
especial três deles, Peeboy, Helena e Vulcano.

PeeBoy se vestia como um homem do velho oeste mas com elementos do presente
de Miraitropolis, tendo um visual peculiar, um misto de passado e futuro juntos. Isso
se dava pelas jaquetas de pele marrom claro, luvas, botas, que não ficavam nada a
dever para Clint Weastwood, mescladas a máscara de gás com os olhos verde neon.
Os boatos diziam que ele viera do deserto atrás dos muros da cidade, mas nada
confirmava a história, tão pouco negava. A colt 44 adaptada com o cano alongado,
derrubava fileiras de homens bem treinados. Ele possuía uma queda por cabeças
explodindo. Sua capacidade de movimentação era tamanha que o chamavam de “ o
escapa balas”, tudo porque gostava de chegar perto o bastante do inimigo
conseguindo colocar o cano da arma na boca do mesmo e então disparar,
destroçando ossos e espalhando miolos por pura diversão. Tirar vida não parecia
esforço algum, seria como um passeio no parque, muitas vidas vazias são ceifadas
pelas mãos de PeeBoy.

O lança chamas desgastado de Vulcano cospia fogo como um dragão, e era por isso
que a chamava assim. Ordas de guardas eram carbonizados, ora com jatos de
napalm, ora com puro fogo fervente vindo das profundezas do Inferno. E ele
transformava o Cemitério Neon em seu Inferno particular, onde se tornava o próprio
demônio. Por baixo da mórbida máscara de soldador ele gargalhava, intimidando os
adversários tanto quanto seus dois metros de altura e a enorme pança que
balançava com as risadas insanas. Protegido por grossas roupas de baixo de placas
de ferro que não passavam mais do que sucata, espalhava fogo por tudo com o uso
do tanque de combustível em suas costas.
Já Helena possuía um estilo mais discreto, a única coisa que chamava a atenção era
seu pequeno casaco com linhas amarelas iluminando os contornos da roupa.
Mostrava bastante feminilidade com suas curvas sinuosas e a maquiagem azul na
volta dos olhos. Seus brincos, grandes, balançavam a cada movimento e se
escondiam atrás do cabeço negro até a altura das orelhas. O resto, um corpete
bordô por baixo da jaqueta, e a calça marrom eram bem comuns. O que ninguém
sabia é que ela escondia dois braços mecânicos, próteses de extrema precisão. Os
membros postiços foram programados para se unir a dupla de submetralhadoras,
trabalhando como se fossem apenas um componente. Também não fazia barulhos,
e a única coisa que despertava atenção era a potência dos tiros que abriam um
clarão amarelo cada vez que atirava. Destruindo lápides com luzes ofuscantes, duas
armas abriram caminho para os Steelhearts avançarem em direção à capela.

Muitas luzes do cemitério se encontravam aos pedaços ou totalmente destruídas, e


com o confronto os túmulos estavam varados, verdadeiros queijos suíços.
Formando um esquadrão de ataque, poucos restaram, mas os que ficavam em pé
insistiam em revidar, escondidos atrás de estátuas de anjos e mausoléus iluminados
com lâmpadas falhando. Logo notavam que não tinha como vencer e se rendiam,
jogando as armas no chão.

Guiada pela fúria, dentro do pequeno templo, a ira de X-9 castigava K’dore e Carmen,
com o ataque rápido, abatidos no chão a golpes com um pedaço de madeira
pesada, as pancadas. Um dos olhos da Dama de Prata se encontrava fechado com o
inchaço, o osso esquerdo da maçã do rosto fora fraturado. O estado de K’dore era
ainda pior, ficava irreconhecível, os estalos de ossos partiam alguns ossos, sua boca
expelia sangue.

Contudo, de súbito, surgiu das sombras, em sua retaguarda, um segurança de


Carmen, o arauto da morte vestindo roupas sociais beges e gravata vermelha,
apontando uma escopeta calibre doze atirou em X-9 a traição. A luz amarela
iluminou todo o interior da capela. O chumbo entrou pelas costas, destroçando
tecidos, órgãos, penetrando no corpo com muita violência até romper muitas
vértebras e pedaços de costela que saiu transpassando pelo lado da frente,
rasgando o abdômen. O jato de sangue pintou de vermelho o altar da capela. O
impacto a jogou longe, mas conseguiu cair de frente, apoiando as duas mãos contra
o chão, tentando respirar e se manter consciente. Mas o fluído vital escarlate fugia
do seu corpo como uma torneira aberta, criando uma poça carmesim no solo. Sua
temperatura começava a cair, sentia frio, um sono convidativo a se entregar, é, seria
mais fácil deixar de lutar pra morrer logo. Arrastando-se pelo piso, com hematomas
espalhados pelo rosto ferido, Jaime tentou falar, mas sua mandíbula encontrava-se
quebrada, restou a Carmen vociferar, apoiada no altar e erguendo-se, uma vez que
seu rosto ensanguentado estava um pouco menos pior do que de K’dore.
– O que está esperando, seu inútil? Mate essa vagabunda! – Ordenou ao homem
que presenciava em pé os últimos segundos de vida de X-9.

Ao lado da hacker, o homem apontou novamente a escopeta, mirando a nuca da


garota, a execução era inevitável, mas tudo mudou rapidamente de novo em questão
de segundos, com uma rapidez espantosa a cabeça do tal homem fora pulverizada.
Até o começo do tórax tudo não passava de um punhado de carne moída
esguichando sangue das artérias. O corpo decapitado tombou primeiro de joelhos e
depois caiu de frente. Aron fora o responsável pelo assassinato a sangue frio. Sim,
ele era mais um da guarda pessoal de Telford, mas por alguma razão salvou a
hacker atirando contra o responsável de sua queda. Vendo o ciborgue passar por um
mau funcionamento, isto resultou no contra-ataque dos outros três seguranças que
tentavam fechar a barricada de bancos na porta da capela. Eles não sabiam como
lidar com este tipo de coisa e não demoraram muito para cair sem vida também
com os novos disparos certeiros de Aron. Os tiros foram rápidos, eficientes, como
deveriam ser. Miolos despedaçados, isso resumia a ação eficaz de Aron. Restou
para Carmen e Jaime assistir seu servo cibernético ir até X-9 e pegá-la nos braços.

Aron destruiu a porta da capela com o ombro, não foi esforço, o estouro da madeira
foi alto e forte. Carregando a jovem ele saiu pisoteando pedaços de braços, pernas
e vísceras espalhados por metros entre cruzes. Dezenas de seguranças jaziam
estendidos no chão do campo santo, perfurados, degolados, mutilados.

– Não atirem, ele está carregando alguém nos braços… Aquele cabelo azul… É a X-9?
– Indagou Joe, olhando com mais cuidado.

– Mas esse cara é aquele que vocês deixaram no hospital, é uma armadilha, vamos
atirar. – Boris engatilhou o rifle e mirou na direção do ciborgue.

– Que por sinal tivemos que fazer isso porque você carregou o coitado do Canal 17
só pra torturá-lo. Caralho, já disse, ninguém atira! – Gritou com Boris, baixando o
cano da arma com a mão, impedindo de atirar, Boris não contestou.

Aron cuidadosamente largou o corpo de X-9 à frente do grupo, sem mostrar intenção
de ofensiva. O bando cercou a hacker sem se importar com a presença do ciborgue.
Cada segundo a menos um pouco da vida da hacker também se esvaia, assim como
a poça de sangue que se acumulava ao seu redor.

– Se levarmos ela até aos laboratórios Carwell quem sabe tenha uma chance, a Dra
Vangelis pode cuidar dela, mas isso precisa ser feito agora! – Comentou, Coronel.
– É, também vamos perder a chance de acabar com aqueles dois velhos fedorentos
lá dentro da capela. Eles estão desprotegidos, não vamos ter outra chance melhor
do que essa. – Boris apontou para o templo.

– Mas a garota está morrendo, ela nos ajudou, devemos isso a ela! – Disse o filho de
Coronel.

– As duas situações são importantes… Vamos pensar como uma equipe… Que tal,
Liam, Coronel e o garoto levarem X-9 até a Dra Vangelis, enquanto eu, Boris, PeeBoy,
Helena, Vulcano e Akane acabamos com os dois lá dentro? Acho que deve ser o
bastante para acabar com dois velhos e alguns guardinhas. – Planejou agachado a
frente de X-9 com um túmulo protegendo-os.

A ideia parecia boa. Como combinado, dois grupos foram separados, engatilhando
as armas, o pessoal que ficou para eliminar Jaime e Carmen avançavam para a
capela, prontos para a batalha final. Liam e os demais carregavam X-9 para longe.
Aron depois de prestar ajuda travou, seus olhos artificiais a qual passaram a piscar
sem parar, seu corpo tinha alguns tremores, parecia estar passando por algum mau
funcionamento, um bug ou tilt dos circuitos, mas foi ignorado pelos Steelhearts. Aos
que entravam na capela viam que os seguranças estavam mortos e agora K’dore e
Telford não passavam mais do que dois velhinhos indefesos, com medo, atrás do
altar de pedra, nem pareciam aquele homem e aquela mulher amedrontadores,
imponentes e fortes da TV. Mas o que eles não sabiam era que o dono da Orion
ainda tinha um truque na manga.

– Vocês – Falou com dificuldade, segurando o queixo e arrastando-o para o lado,


colocando o osso corretamente, descobrindo que havia apenas deslocado a
mandíbula e não quebrado-a. Todavia aquilo doía, foi a maior dor que sentiu em
toda sua vida e gritou quando encaixe do osso se ajustou corretamente. … – … Não
me deixam outra alternativa…

Ele tirou um controle preto com uma luz vermelha, apertando a tecla do meio. Um
urro gutural ressoou do fundo do cemitério, assim como passos mecânicos
pesados, tão pesados que tremia o chão, mesmo de longe. Se não fosse o grito de
horror e sofrimento as propriedades do que se aproximava poderiam ser descritas
como de um trator ainda mais quando uma parede da capela foi derrubada,
erguendo uma cortina de poeira de concreto. Helena, PeeBoy, Vulcano, Joe, Boris e
Akane nem tiveram tempo de ver o que era aquilo. Com um gesto brusco movido na
diagonal, desprendendo um barulho metálico, de uma só vez jogou os seis para
longe, os fazendo voar pela entrada arrombada da capela, caindo por cima de
túmulos e destruindo mais lâmpadas de neon, bem perto de onde o outro grupo
estava com X-9. Ao atravessar a pequena passagem, o “trator” reformulou a entrada
da capela, deixando a maior. Quando a poeira da destruição baixou todos puderam
ver do que se tratava. Era um tipo de robô, com o corpo praticamente hidráulico,
possuindo válvulas, cabos, placas de metal que eram uma armadura cinza escuro,
bem reforçada, fixadas com parafusos grandes pelo corpo todo. Fazia um ruído de
maquinário e ao caminhar deixava deformações circulares no chão a cada passo
dado. Aquilo tinha um pouco mais de três metros, e avançava agora lentamente
para que todos pudessem contemplar a mais nova obra profana de Jaime K’dore.

– Obriga… Obrigado... pelo que fizeram aos necroides no Canal 17… Graças aquilo eu
pude corrigir as falhas dos modelos antigos… Não pensem que os truques usados
no passado vão funcionar com esse modelo… Agora… Contemplem o Necroide Alfa!
– Jaime se apoiava nos escombros da entrada da capela, falava com dificuldade,
pausadamente, cuspindo sangue a cada palavra, mas tinha satisfação enorme ao
apresentar o novo necroide a gangue.

A criatura era um desaforo a vida e a ética, urrou com um grito ainda mais
monstruoso que o primeiro, um chamado para a guerra de um demônio de cabeça
putrefata e órbitas brancas sem vida alguma, escorrendo pus da pouca pele sobre o
crânio amarelado repleto de fios vermelho e preto. Seu cheiro era insuportável, tanto
quanto sua aparência.

Recomendações

Liam e Akane vão enfrentar o boss, com ajuda dos npcs, Coronel, seu filho, Herrera,
Joe, Boris. Além dos integrantes steampunks de Tony, PeeBoy, Helena e Vulcano. A
dificuldade do Necroide Alfa é bem alta, 18. Mas o objetivo aqui não é vencê-lo, mas
sim tentarem escapar vivos, já que o sucesso da missão é levar X-9 ferida até
Vangelis. Ou seja, precisam criar uma estratégia para sobreviver, escapar e ainda
chegar a tempo com a hacker ferida.

Leon e Pollux apesar de estarem separados tem o mesmo objetivo também.


Calidora pediu ao tigre que rastreasse seu amigo usando o olfato apurado. Leon se
aceitar ajudar a jornalista terá de fazer isso. E Pollux tem a decisão dificil de
escolher um dos três bairros citados, Troika, Little Ásia ou Vintage (existem singelas
dicas entre as opções). Se escolher o correto encurta a busca e fica mais perto de
Calidora e Leon, se errar, se afasta da dupla.

Claire capturou com sucesso os agressores de Carrie, agora eles estão a sua mercê
para decidir o destino do trio. A investigadora pode levá-los à justiça, prendendo-os,
ou vingar sua amiga executando-os. Kayne está querendo a segunda opção, por isso
se os agressores forem mortos, este será um segredo dos dois. Mas caso decida
levar os agressores à justiça, deve prendê-los na pequena cadeia da agência, no
subsolo do prédio, uma vez que a polícia está em greve.

Aron por alguma razão desconhecida salvou X-9, no entanto depois entrou em pane,
parece que de alguma forma está tentando lutar contra os comandos implantados
de Carmen Telford. Ele precisará jogar um dado de vinte lados, com dificuldade 10.
De zero a dez ele falha e acaba cedendo aos comandos e se junta ao Necroide Alfa
contra a gangue. Se tirar 11 ou mais ele se une aos Steelhearts na batalha contra o
boss e se torna uma peça chave na sobrevivência deles.

Crovax foi vítima de uma armadilha. Se quiser nessa rodada o mesmo pode narrar
os acontecimentos conforme seu ponto de vista.

Thomas ainda está se recuperando aos cuidados de Vangelis.

Importante: Se a gangue decidir atacar o Necro - A, considerem no turno que ele


colocou um capatece/elmo em forma de crânio, a imagem foi o exato momento de
sua chegada, e para intimidar mostrou a face assustadora, portanto em seguida
colocaria sua proteção ou não faria sentido.

Liam

Meu objetivo naquele lugar era apenas um, por um ponto final nessa história, acabar
de uma vez com a Dama de Prata e com K’dore. Apesar de simples. Meu plano
estava dando certo, o povo distraiu os seguranças do lado de fora do cemitério,
enquanto eu e os sujeitos que vieram comigo enfrentava quem estava dentro. No
meio do fogo cruzado, notei a Velha de Prata entrando na capela do cemitério, junto
com seu parceiro de corrupção.

Notei também a presença de Akane, apesar da ruiva não ter conseguido eliminar a
Dama e K’dore, ela era um bom reforço. Eu estava abaixado atrás de uma lápide
coberta de neons roxos, sempre que conseguia disparava contra os capangas de
Carmen e tentava avançar na direção da capela.

Um som de madeira sendo destruída ecoou no meio do tiroteio, logo depois Joe
disse aquelas palavras. Quando voltei meus olhos para igreja, o tempo pareceu
parar, o segurança do canal 17 que eu havia deixado no hospital após ter sido
torturado por Boris carregava X-9 nos braços, que sangrava muito. Sem pensar duas
vezes, avancei na direção dela, Aron a colocava no chão e ficava parado. Joe e os
outros me seguiram, me protegendo dos inimigos em volta.

Enquanto todo mundo discutia o que faríamos, eu apenas a peguei nos braços, olhei
para seu rosto pálido e apenas disse.

– Por favor, não morra!

Então nos separamos, o Coronel junto com seu filho me acompanharam, enquanto
os outros foram para dentro da igreja para eliminar os dois velhos. Foi quando
escutei aquele grunído assustador. Então olhei para trás e vi Joe, Akane e os outros
sendo lançados para fora da igreja, sendo seguidos pelo cadáver c grotesca numa
armadura hi-tec.

Parei junto com os dois que me acompanhavam, pois sabia que simplesmente
correr não adiantaria. Os outros estavam bem próximos novamente, se recuperando
do golpe que haviam recebido da criatura bizarra. E novamente tive que pensar
rápido, respirei fundo e disse minhas ordens.

– Vulcano, use o lança-chamas para pegá-lo de frente, criando uma cortina de fogo.
Peeboy e Helena, preciso que vocês o ataquem pelos flancos, infligindo o máximo
de danos que conseguirem. Coronel, Akane, Boris e o garoto precisam que peguem
K’dore e a Dama de Prata, provavelmente eles que controlam essa coisa através de
algum dispositivo. Joe, preciso que venha comigo, precisamos tirar a X-9 daqui.

Com isso, Joe me seguiria enquanto eu carregava X-9 nos braços em direção a
passagem para os esgotos que havíamos usado para invadir o cemitério. Não sabia
se daria certo, mas precisava salvar a vida dela, não o que aquela hacker tinha, mas
ela me fez gostar dela.

Helena rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para atingir o inimigo pelo lado
que resultou 20 - Total: 1 Sucessos

Peeboy rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para acertar o inimigo com tiros
pelo lado que resultou 6 - Total: 0 Sucessos

Vulcano rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 16 para distrair o necro-a com o
lança chamas que resultou 3 - Total: 0 Sucessos
Leon

Aqueles momentos pareciam horas. Em minha mente, estava obstinado a proteger a


mulher usando a desculpa de ser jornalista por um motivo. Talvez usar o seu
conhecimento contra Jaime e Carmem. Não podia forçá-la e por isso estava ali
parado no meio daquela cobertura suja e perigosa. Não queria ter falado aquilo
sobre mim, apelado para o lado sentimental de qualquer mulher, mas acima de tudo,
eu sentia que tinha de protegê-la. Dane-se os motivos. Dane-se meus desejos
primitivos por aquele corpo com curvas na medida certa.

– Muitas perguntas de uma vez mulher… – resmunguei baixo e num tom mais
sedutor – Posso rastrear o Pollux sim e esse Liam é de uma gangue chamada
Steelhearts que está lutando contra os nossos inimigos. – Respirei fundo atento às
palavras dela – Não me ofende mais…

Um arrepio percorreu meu corpo todo ao sentir o toque de Calídora nas minhas
costas, nos ferimentos já reabertos. Perdi o ar tanto pela dor, ignorada até então,
como pelo próprio toque suave dela. Estava chocado, confuso, perdido como um
cão abandonado.

– O esconderijo é um pouco longe e é no subterrâneo, o seu Pollux está mais perto.


Prometo rastreá-lo. – falei mais pesadamente finalmente notando meu corpo mais
pesado do normal.

Quando dei por mim, estava indo para um hotel. Estava sendo conduzido por
Calídora até então e me perguntei seriamente de como deixei a situação ficar desta
forma. Não gostava desses hotéis baratos, sujos, mofados e que nada neles
funcionam direito. Porém, além da minha vontade, estava surpreso por aquela linda
mulher se empenhar tanto para fechar uns singelos ferimentos. Acima de tudo eu
tentei prestar atenção no gerente e seus empregados, mas meu foco estava nela.

Sozinhos num quarto até um pouco limpo para uma fachada muito nojenta e
mesmo assim nada confortável, Calídora me fez sentar na cama. Esta rangeu ao
mínimo contato mostrando ser de mola e enferrujada ainda por cima. Encontrei seu
olhar praticamente mandando arrancar a camisa que usava e antes dela colocar em
palavras eu tirei a peça com rapidez ignorando uma nova onda de dor ao descolar do
tecido na pele rasgada com os pontos arrebentados. Agora, pela primeira vez
sentado numa cama desde que saí do hospital, pude sentir todo o efeito colateral
que meu corpo sofre a cada transformação. Apesar de disfarçar bem, eu me canso
muito psicológicamente. Meu foco por me manter no controle é maior até do que a
sensação de dor, o que explica a mínima importância que estava dando aos cortes
abertos. Fiquei um tempo sentado na expectativa do toque dela.

Calídora abriu uma garrafa quase vazia de vodka e rapidamente o senti arder na
minha pele. Pareceu que ela estava cauterizando as feridas com fogo. Não reclamei.
Fiquei quieto e controlado. O que me fez lembrar do quão intenso estava o ferimento
que recebi da replicante oriental e também das recomendações médicas… Mas
como iria adivinhar que eu me meteria nessa bagunça?

– Mandei comprar ataduras, linha e agulha para fechar isso. Aguente um pouco
mais. – Disse ela focada em estancar o sangramento.

– Esqueceu que sou um monstro Calídora? Ainda estou surpreso por se importar
com meu ferimento, embora esteja muito grato. – Ou não iria durar muito…
Completei a frase em pensamento.

O silêncio reinou entre nós e agradeci muito por isso. Estava acostumado a pensar
assim, não com diálogos e outras pessoas, mas sozinho e em silêncio. Minha
sobrancelha arqueava a cada momento que sentia com mais atenção o sangue
escorrer pelas costas e a dor pulsante a me corroer aos poucos. Estava ciente da
cama se sujando com meu sangue. Estancar vários cortes profundos não era uma
tarefa fácil, porém logo um garoto veio com uma sacola pedindo esmola pela
entrega. Simplesmente apontei minha carteira no bolso da calça.

Estava suando muito e tive a plena certeza que não estava bem. Tinha perdido sabe
lá quantos litros de sangue… Repentinamente senti uma tontura que foi ficando mais
forte e tudo escureceu. Devo ter desmaiado ou dormido. E pensando bem, era
melhor ela me costurar estando inconsciente do que acordado. A caçada ao Pollux
tinha de esperar um pouco, isso se ela não aproveitar a chance para fugir de mim
novamente.

Leon rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para rastrear Pollux que resultou 4
- Total: 0 Sucessos

Claire Falcon

Prendi a respiração quando vi Carrie naquele estado. Petrifiquei com a situação.


Meu estômago revirou de tanto nojo que senti daqueles infelizes. Soquei a parede de
madeira com muita força para conter xingamentos que não faria bem a minha
amiga. A partir daquele momento, quanto menos mencionar a situação era melhor
para ela. Ao contrário de qualquer ente querido na minha situação, que sairia
correndo abraçando a vítima e prometendo que tudo iria ficar bem, eu apenas fiquei
olhando ela. Não era frieza minha nem nada do tipo, sabia muito bem que explosões
de afeto naquele momento só faria a pessoa se sentir pior do que já estava… Por
mais se esteja salva.

Às vezes o silêncio era confortável para ambas as partes. Afinal, não podia
demonstrar o que ardia em mim para ela, não era justo naquele momento. E arrisco
a dizer que, quanto menos do assunto for tocado ali em sua prisão, melhor será para
o psicológico dela. Os três meliantes estavam rendidos e a prioridade naquele
momento era levar a promotora para um hospital particular.

– Agente Sifer, sei que vocês tem mais recursos que alguém como eu, peço que a
leve para um hospital particular. Tenho de ficar e ver o que faço com esses infelizes
já que o departamento policial está em greve. – falei com uma frieza na voz assim
que saímos de perto da minha amiga.

Não demorou muito tempo para que Carrie fosse colocada com delicadeza no carro
e foi eu mesma que o fez. Eu confiava na unidade em que o agente pertencia para
esta missão e fiquei eternamente grata por ele ter aceitado o pedido.

– Sabe o que é mais humilhante mano? Ser rendido por um pestinha que usa
fraldas… – Resmungou um dos bandidos que não demorou muito para gritar de dor.

– Calado infeliz, porque hoje não estou de bom humor. – Com sua voz calma e fria
Kayne atirou nele, fato que me pegou de surpresa.

Cheguei mais perto e avaliei o idiota que além de estar perdendo muito sangue na
coxa, tinha que lidar com o do braço no momento. Realmente, para a minha
surpresa, o menino Kayne sabia muito bem usar um rifle para a idade que tinha. Não
pude evitar de imaginar ele mais velho, com uma experiência e inteligência
assustadora que até a Dama de Prata faria qualquer coisa para tê-lo por perto…

– Claire, nesse momento somos oficiais da lei ou vingadores? – a pergunta dele


preencheu minha mente e me trouxe de volta para a realidade.

– Não queria que estivesse aqui e me fazendo essa pergunta Kayne… Você mal tem
idade para brincar com bonecos e já está me fazendo essa pergunta assustadora…
– dei uma pausa para me acalmar um pouco. Meus olhos estavam fixos nele - E
respondendo… Somos vingadores neste momento.
– Para ser sincero, estou feliz com sua resposta. Esses meliantes devem pagar com
o que fizeram a senhorita Carrie… Com a vida – as últimas palavras de Kayne me
arrepiou extremamente, além de me lembrar de Ian mais uma vez, soou como um
sádico pronto para se satisfazer. Fiquei quieta.

Peguei o Taser Dart que o Tenente Crovax me deu e não perdi tempo de tocá-lo no
braço de um dos três, o primeiro que penetrou Carrie no estupro compartilhado. Este
gritou perante ao choque elétrico e ficou inconsciente imediatamente e não
demorou muito para receber uma bala bem no meio da testa através do rifle... Um
infeliz a menos sujando Mirai, eu diria. Não olhei para o garoto, pois eu sabia que iria
encontrar o olhar intimidador de meu irmão nele.

O que estava no meio mijou de medo horrorizado pela cena. Começou a pedir por
piedade e falou que era para serem presos, não executados… Seu discurso de que
um policial devia seguir a lei me deixou mais irritada ainda a ponto de querer
matá-lo. E mais uma vez Kayne me surpreendeu…

– Pobre homem, para seu azar, não virá nenhuma viatura da polícia te pegar. Eles
estão em greve, entende? Então… Sendo assim… Nós temos a oportunidade de
julgar vocês… – e mais outro tiro, no meio da cabeça.

O último estava quieto, já tinha aceitado a morte e estava apenas esperando puxar o
gatilho. Abaixei perto deste que cheirava a álcool barato. Olhei bem para ele antes
de tomar uma decisão.

– Kayne querido, veja para mim se está tudo bem com a moto? Nós já vamos sair
dessa imundície. Prepare tudo para partirmos, sim? – estava no limite da fúria que
corroía meu peito.

– Sim, Claire. Não demore. – Sua voz voltou a ser suave e calma, como deve ser.

Assim que fiquei a sós com o último bandido, diminui a voltagem do taser para
facilitar a tortura. Este, era o dominador da manada. Sim, quando junta três ou mais
homens num único propósito denominamos manada… Onde tem um líder, o
mediador e o submisso. O primeiro que foi morto era o submisso, o que precisa
sempre ser encorajado para deixar o dominador por último.
– Bem, você sabe quem sou… E de você só quero um nome… O mandante. Fale-me
direitinho… Não sou como Kayne, isso eu garanto. – Encostei o taser no meio das
pernas dele, onde queria atingir seu pênis mesmo sob a barreira descartável do
tecido da calça que mal estava abotoada devidamente… – Vamos… Meu lindo
assistente não gosta de esperar…
Pollux

Aquilo já estava se tornando cômico de tão desesperador que a minha situação


estava.

Se eu não estivesse tão dependente daquela doutora eu dedicaria àquela mensagem


uma risada genuína, mas eu não sabia se ria ou se chorava estando nas mãos de
provavelmente a doutora mais insegura apesar de talentosa da face de Miraitropolis.
Provavelmente não poderia culpá-la, tudo que vinha acontecendo era ação demais
para qualquer cidadão que busca a paz dentro da cidade, mas eu já estava tão
impaciente para ouvir sua mensagem que quase bradei para que ela se apressasse
no meio das pessoas que me rodeavam, sem chance alguma dela ouvir como um
louco que bate contra a televisão xingando-a. Para ser honesto, eu não consegui
discernir qual era a mensagem por trás do que ela disse antes do recado mais
importante, mas isso levantou minhas suspeitas. Alguém ameaçando-a não era
exatamente uma boa notícia, e ao mesmo tempo poderia significar que a pessoa por
trás daquela ameaça ainda em seu laboratório estava, forçando-a a me apressar de
volta para lá, para que me pegasse também. Bom, não era tão impossível assim; eu
ainda era o responsável por destruir a blindagem do laboratório, mas eu não podia
me dar ao luxo de dar meia volta agora. Eu trataria de mais tarde assegurar-me do
bem-estar da doutora, que apesar de engraçada e perigosa em sua própria confusão
ajudou a todos nós sem titubear. Ela, também, logo precisaria de proteção.

Naquele momento, porém, não havia como voltar. Eu sequer ainda havia sido
atingido pelas próximas visões mas eu já havia quase que inteiramente decidido que
continuaria a minha busca. Se eu me preocupasse com o risco daquela infecção eu
não teria tido a ideia em primeiro lugar. Por mais que a dor continuasse, eu estava
disposto a seguir em frente, e era por isso que eu era capaz de ver o que, em partes,
Calídora também estava enxergando: com um de seus implantes, eu estava
conectado aos seus olhos através do meu córtex cerebral, onde o implante recebia a
sua entrada. Era afinal onde todas as imagens eram transmitidas, traduzidas e
armazenadas, uma "memória" ao pé da letra. Contudo logo em seguida a minha
resposta veio em forma de um novo streaming de imagens, e aquilo garantiu os
meus próximos passos em direção a Calidora. Toda a confusão que eu capturava
com o meu novo olho artificial era doloroso de enxergar, tudo parecia uma mistura
de neon exagerado com vidro velho, em um caleidoscópio que realmente não me
permitia tirar nenhuma conclusão sólida sobre nada. Definitivamente havia alguém
com Calídora, e ela não parecia nem um pouco mais agitada como nas vezes
anteriores que consegui enxergar através dela, pelo menos não estava correndo ou
olhando nervosamente de um lado a outro o que só ajudava a me deixar ainda mais
desnorteado. Contudo eu não podia ainda pedir um milagre em Miraitropolis e
esperar que aquela pessoa fosse um salvador, muito me passou pela cabeça e
nenhuma das alternativas era realmente boa. Mas eu definitivamente conhecia
aquele bairro...

– Tá olhando o que, palhaço? Vai comprar? – lá estava eu, de frente para um dos
tipos menos encaráveis em Miraitropolis, um traficante de quinta em um beco de
alguma rua infame cujo nome eu nem me importava de saber, mas debaixo de um
dragão de neon defeituoso que eu pude gravar na memória durante um dos glitches
de Calidora. Foi ali que eu a vi se desfazendo de algumas joias e o olhar de cobiça
de quem as agarrava de bom grado, mas parecia desejar algo mais da garota.

– Uma jovem passou aqui querendo se livrar de umas jóias, você as tem?

– O tipo de merda que só as madames compram, arrãm. Coisa fina, nada dessas
merdas de apetrechos tecnológicos. Tua garota? Melhor desistir.

– Por que?

– Porque ela tinha cara de quem cobra barato.

Não me lembro de ter respondido a algo tão rápido como aquilo, naquela noite. Não
me lembro de jamais ter atingido alguém com um soco e certamente não era o
melhor nisso, mas aquilo me fez sacudir o pulso depois de sentir a dormência do
próprio impacto, tão rápido quanto forte, que nem eu mesmo acreditei que havia o
acertado como deveria. E pela expressão do atingido eu também apostava que ele
não esperava isso de alguém como eu.

– Quer morrer, idiota?

– Eu quero o que ela te vendeu, e quero saber para onde ela foi. Se tentar alguma
gracinha eu arrebento você. – acho que nunca fiz uma ameaça mais vazia do que
aquela, mas pelo jeito rendeu bastante. Eu sabia que ele estava armado, mas
escorado e caído contra a parede pelo forte impacto no queixo, contei com o seu
estado desnorteado para que não tentasse nenhuma gracinha. Além disso, o pé que
eu apoiei entre as suas pernas ajudou bastante, forçando-o a cooperar enquanto
grunhia de dor pelo que eu esmagava debaixo da minha bota.

– Não vi pra onde ela foi, tenho mais o que fazer, tá vendo não? Não fico de olho em
gente que nem vocês engomadinhos, e ela tava sem grana alguma, então é bom
encontrar ela logo antes que ela arranje um jeito de conseg... – sabia até onde
aquela conversa estava indo e por isso mesmo ergui o pé e baixei-o de novo,
fazendo-o grunhir com o pisão doloroso. – Filho da puta, solta!
Fui cavalheiro o bastante para obedecer aquele pedido, não antes de me dobrar em
direção ao traficante e tirar de sua cintura a arma que carregava, ainda que ele
oferecesse resistência mas que fosse de pouco esforço, provavelmente a surpresa
da situação acometeu a nós ambos, e eu parecia estar com uma expressão mais
determinada do que realmente achava que conseguia transparecer.

– Vou levar isso, e espero que não nos encontremos mais.

– É bom esperar mesmo...

Se eu fosse para lá, eu precisava ir armado. De fato foram três as opções que se
passaram disfarçadas de respostas na minha cabeça depois de ler aqueles
fragmentos de imagens que pelo olho de Calidora eu via, mas as coisas foram
surpreendentemente rápidas de se concluir, como eu não esperava que fossem pela
similaridade entre o pouco que vi dentre os três bairros: apenas temi que minha
conclusão fosse tirada através da pressa e não da interpretação de informações que
recebia. Influências ocidentais eram vistas por toda Miraitropolis, Calidora poderia
estar em qualquer parte dela a partir daquilo que pude reunir e enxergar, e Troika não
tinha uma estrutura digna de muita confusão, tudo tinha aquele mesmo estilo
retangular que fazia parecer grande parte do bairro uma área militar, russo demais
para o meu gosto e cinzento demais para o restante daqueles que não sentiam
muita falta da Sibéria, mas vai saber, não se pode contar muito com a normalidade
hoje em dia.

Somente em um lugar aquela fita de barreira policial poderia não apenas ser devido
a um crime de verdade, mas como estar lá há décadas: de alguma forma as pessoas
achavam isso parte da decoração, e apesar de ainda haver muito neon, imperava
todo o atraso dos anos cinquenta, e as maiores fontes de luz naquela parte da
cidade eram os charutos e cigarros. Mulheres com penas na cabeça, homens de
terno italiano, carros de modelo retrô e que mais pareciam uma cápsula e o jazz
suave das casas noturnas, eu não podia negar muito o meu berço mesmo que o
dinheiro e as alianças sujas tenham me levado para o topo da sociedade, mais do
que literalmente, e agora revisitava minhas raízes. Eu confiava muito pouco nas
imagens quebradas no implante, mas não só já havia visto aquele lugar; se eu
estivesse certo, eu havia vivido perto dele.

O lugar não era exatamente longe, mas havia multidões nas ruas o suficiente para
atrapalhar o meu avanço, e eu não acreditava que Carmen Telford teria muitos
apoiadores depois do que eu havia visto. Ninguém naquela região parecia saber o
que estava rolando de onde eu havia saído, e só pude amaldiçoar um sangue frio
naquele patamar capaz de ceifar centenas de vidas em um lado da cidade e dar um
discurso político em outro. Por mais que sua inteligência fosse admirável, não sabia
até que ponto Miraitropolis sobreviveria sob suas garras. Abrindo meu caminho à
força pelas massas que haviam se reunido em torno do cordão policial
estrategicamente longe das câmeras que cercava a periferia dos quarteirões, eu
pude me afastar cada vez mais até que ele não fosse mais visto. O resto da cidade,
eu imaginava, estaria com um déficit de autoridades que só seria sentido no dia
seguinte.

A primeira coisa que fiz quando cheguei em Vintage foi ver o quão longe dela eu
realmente estava. Faltava-me a personalidade natural do lugar, mesmo que
implantes corressem translúcidos pelos rostos de quem vestia Armani, tudo
cheirava a um passado que não estava presente em lugar algum e eu não queria
trazer o desespero com o qual havia saído de Downtown ou de Angel's Lane, embora
a pressa fosse ainda maior. Em uma loja qualquer de cabideiros para fora na rua e
casas de fumo, eu peguei o primeiro chapéu que pude colocar as mãos sobre e o
levei à cabeça, uma fedora azul escura com riscas de giz, a aba junto de meu rosto
baixa o suficiente para cobrir o olho que agora, à mostra, não escondia o seu defeito
e um distante porém presente brilho vermelho de algo que não parecia pertencer ali,
como uma muito distante e pequena chama de solda. Eu não sabia se estava no
lugar certo... mas estava ali. As proporções, a fita policial, o mesmo neon que me
deixava com dor de cabeça quando olhava para ele diretamente com o olho de
Calidora, mesmo ao vivo. E mais importante ainda: sangue. Eu não tinha como saber
de quem era o sangue, talvez eu soubesse se estivesse com as funções de meu
implante intactas, mas eu segui investigações o suficiente para saber que aquilo era
fresco. Não era preciso um perito para descobrir tais coisas, apenas intuição e
observação, coisas que são abundantes quando você tem olhos para os homicídios
e desaparecimentos de Miraitropolis.

No lobby do hotel, mais sujo do que antigo, apenas um sujeito escondido por baixo
de seu chapéu e por trás de seu jornal. Ele sabia que eu estava lá mas, pensei
comigo, ele deveria ser tão ornamental quanto tudo o que estava ao redor daquela
região da cidade. Nem me importei em me apresentar. Com passos largos mas
leves eu subi até onde o rastro de sangue continuou, definitivamente em boa
quantidade mas bem espaçado entre uma marca e outra, e só aos poucos as
manchas de sangue foram ficando mais próximas uma da outra, como se o ferido
tivesse ficado mais lento, ou sangrado mais.

– Por favor, esteja aí. – a única certeza que eu tinha era que aquele lugar se
assemelhava ao que minhas imagens me transmitiam, e que a suspeitar pelo
sangue derramado por todo o trajeto, aquele poderia ser o de Calidora, que não
olhava para seu captor como se estivesse sendo prisioneira deste, mas sim
escoltada. Eu tinha de esperar pelo pior, seja lá quem estivesse por trás daquela
porta e de quem quer que fosse o sangue. Saquei minha arma, e em um gesto só,
apontei-a para o espaço aberto pela porta, abrindo-a em um só tranco com o ombro.

Aron Steiner

Aron rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para obter controle que resultou 1 -
Total: 0 Sucessos

Foi necessário um homem para me fazer paralisar. Uma raiva percorreu meu corpo
como fogo a se espalhar em gasolina e meus olhos robóticos se fixaram nele. Seu
nome apareceu acima de sua cabeça como qualquer um. Boris era seu nome, um
russo. Aquele momento pareceu nunca acabar e ali estava o meu verdadeiro ego
combatendo aos comandos da central Telford. Motivos para matá-lo? Eu sentia que
tinha. Era constrangedor desejar partir para cima e não poder e ainda não se lembrar
do porquê.

Por segundos uma dor nas têmporas me atingiu e não foi através dos combatentes
ainda em pé. Um clarão me vendou. Me vi num lugar escuro, com pouca luz. Estava
acorrentado numa semiconsciência. Entrei em pânico com a visão. Era agonizante
ver eu mesmo sendo torturado daquela forma. Não via os detalhes, estava mais
para um resumo. E o clímax veio quando uma moça apareceu e alertou o homem.
Seus cabelos… Pareciam azuis… E o homem era esse tal de Boris. Depois disso, tudo
ficou negro e voltei para a realidade. Foi uma experiência estranha assistir uma
memória como se visse um filme qualquer. E agora sabia do porque o queria morto.

O beep infernal aos meus ouvidos, das ordens ignoradas. Me permiti olhar para a
mulher gravemente ferida e naquele momento entendi o porque a salvei. Ela me
salvou antes de me encontrar naquele estado. Graças a ela consegui recobrar o
controle e por isso farei de tudo para salvá-la. Mas então, por que não conseguia me
mover? Os zumbidos misturados a dor estava aumentando. Era um saco ser
ciborgue…

Estava no inferno e ele estava prestes a me engolir.

“Mate todos. Eu ordeno que mate esses miseráveis agora. Agora!” Mais e mais
vozes se juntaram na minha cabeça e a derrota eu senti na pele. As pontas dos
meus dedos foram formigando. E mais uma vez devo ter perdido qualquer traço de
humanidade. Eu seria obrigado a me ver destruindo pessoas covardemente. E
conforme eu passei a andar e posicionar aquele russo na mira, por dentro eu sorri.
Pelo menos ele eu vou gostar e muito de matar… Ninguém me tortura assim do nada
e sai impune… Eu sou o Aron punhos de sangue. Ou era, pois não posso mais entrar
nos ringues clandestinos.

Com Boris na mira eu apontei meu indicador para ele. Como criança a brincar que
atira com o dedo. A realidade era que, realmente, atirava com o dedo. Sério… Isso me
fez perder a paciência! Que espécie de humano gosta de ver um ciborgue atirando
com os dedos numa réplica mais rápida e multidirecional de uma metralhadora?
Não era mais bonito carregar uma? Bem, nessa última pergunta tem uma lógica…
Até posicionar, mirar e atirar, já perderia muito tempo. Mesmo assim iriam rir de
mim… Era vergonhoso essa situação!

Enfim, o tiro explosivo foi disparado enquanto estava perdido em desgosto comigo
mesmo, com a mente longe. Semelhante a um raio bem azul, a bala 12,7x99mm
(.50) era banhada num troço estranho chamado Radiak e aí eu entendo o motivo do
clarão azulado. Assim que o disparo foi feito contra aquele desgraçado russo, e por
incrível que pareça só nele (mirando em sua cabeça) senti um tremor em meu corpo
e meus sentidos foram tomados outra vez.

“Destruir a vadia ruiva acima de tudo.” Por um momento não entendi, porém minha
visão passou a procurar essa. Eu já tinha visto tantos nomes que agora, nesse
momento, nem me importei com esses caracteres em fonte padrão a poluir minha
visão e depois se amontoar em lista e ficar no canto direito embaixo. Meu pescoço
acompanhava meus olhos em sua busca, ignorando os que estavam mortos pelo
cemitério. Nem me abalei quando apareceu um monstro ali do nada, para falar a
verdade, nem notei sua chegada de tão vidrado em meus pensamentos que estava.
E foi saindo voando da capela que encontrei o alvo que Carmem tanto quer que
destrua.

Aron rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para atingir Boris que resultou 6 -
Total: 0 Sucessos

Akane

– Ora ora, os cachorrinhos de estimação do Tony estão aqui também. – debochei


assim que eles se juntaram ao meu lado.

Dentro da capela pude visualizar mais uma vez o olhar imundo daquela megera.
Mesmo com hematomas e ferimentos, ela não perdia seu ar arrogante e repulsivo.
Ah que raiva. Nunca me senti tão excitada para matar uma mulher como desejava
degolar Carmem Telford. E foi por essa ânsia que cometi um erro. O urro me
surpreendeu e o impacto me jogou longe da capela. Aquilo sim me provocou medo.

A dor do impacto foi imediata. Por sorte não caí bem em cima do concreto sólido e
áspero das lápides ainda destruídas. E essa dor não foi tudo aquilo que imaginei que
sofreria, visto que os corpos mortos amorteceram bastante o impacto. Senti ânsia
só de imaginar os restos de seus corpos sujando minha roupa e pele. Tentei me
levantar e aí sim sentir uma dor na perna. Estava sangrando e era um corte não tão
profundo… Ok, parece mais um rasgo do que um corte, mas era potencialmente
suficiente para me dificultar ao andar.

Foi aí que encontrei o olhar de um grandalhão muito familiar. Ele era notavelmente
um ciborgue e estava vindo na minha direção. Estava armado e concluí que não viria
até mim para conversar. Praguejei baixo com a situação. Tentei olhar dentro da
capela e só dei de cara com o monstro que me jogou longe. Olhei afobada ao meu
redor buscando minha arma com Radiak. Por que este recurso agora? Simplesmente
porque balas comuns não feririam enlatados estúpidos.

– Inferno! – xinguei odiando minha posição vulnerável.

Me arrastei para o lado com o devido cuidado de não me sujar ainda mais com as
nojeiras humanas espalhadas pela grama, até porque tinha de alcançar minha arma.
Não me importava com o ferimento ridículo na perna e seu sangramento. Estranhei
muito o fato do maldito ciborgue não ter feito nada até então. Eu não perderia essa
chance! Qual era o problema dele? Mas se ele não for atacar primeiro, eu não
descartei a oportunidade.

Estava ali deitada sobre a grama segurando uma Taurus com ambas as mãos
mirando naquele idiota. Numa caça, o caçador deve sempre manter seu olhar sobre
a caça e nunca alertá-la… Olha eu imitando o Tony numa hora dessas! Não contive o
sorriso sarcástico e meu olhar voltou para o alvo. E com isso atirei mirando em seu
peito. Porém depois dos primeiros disparos, fiquei mais confiante e mudei a mira
para o monstro bem mais atrás. Atirei novamente contra ambos os inimigos que me
irritavam no momento e que poderiam num piscar de olhos me matar… Não era
burra de enfrentá-los cara-a-cara! Descarreguei a arma inteira neles (no total de doze
disparos, quatro no Aron e o restante no Necróide)

– Morram malditos! – praguejei despejando toda a fúria e munição contra os alvos.

Como todos sabem, minhas munições eram apenas de Radiak, de uma forma que
ela seja mais leve que a munição convencional e muito mais letal. Ela era bem mais
rápida, alcançava uma distância um pouco maior para uma arma do porte da minha
e sua carga explosiva provocava o mesmo efeito de uma dinamite. Uma explosão
pequena e bem concentrada.

Akane rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para ferir Aron que resultou 13 -
Total: 1 Sucessos

Akane rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para atingir o necroide alfa que
resultou 18 - Total: 1 Sucessos

Narrador (extras)

O cheiro era de mofo, muito mofo, escuro, a única luz vinha do refletor de um dos
dirigíveis biométricos que patrulhavam a rua atrás dos Steelhearts. A intensa
luminosidade entrava pelas frestas da persiana, jogando listras de sombra e luz
sobre o rosto da mulher que ele reconheceria mesmo com o corte de cabelo novo e
a cor rosa choque, reconheceria até se estivesse cego. Os olhos artificiais de Pollux
não os traiu, dentro daquele quarto imundo e escuro cheio de sucata estava
Calidora. Sem dizer nada ela correu até ele e o abraçou fortemente. Confortada pelo
abraço do amigo, ela afundou o rosto no peito de Pollux, que possuía uma estatura
maior sobre o corpo pequeno e feminino. Ficaram alguns minutos assim, em pé,
calados, agarrados um ao outro, até que Calidora quebrou o silêncio.
– Pensei que estivesse morto… – Ficaram assim por um longo tempo.

A arquitetura do prédio antigo do tribunal pode inspirar o pior dentro das pessoas.
Trazendo junto uma acentuação de violência e volatilidade, Claire trazia uma
confusão sufocante a seu prisioneiro. Sabendo que não era mais capaz de
estabelecer a ordem que tinha antes, o meliante treme, sua frio, mas tenta resistir à
pressão imposta pela investigadora. Juntamente com suspiros, engasgos e
gagueira, ao mesmo tempo ele tenta manter um sorriso cínico encarando-a
debochadamente.

– Ora… Ora… A investigadora incorruptível acabou de cruzar a linha. Continue


tentando, galinha, não há nada que você não faça, que eles não fariam pior! Imagina,
eles vão comer você no café da manhã com essas duas mortes, é motivo suficiente
para destruir a porra da sua carreira! – Vociferou o bandido, porém, hesitando.

– Fala o que a senhorita Claire quer saber, ou além de ter as bolas fritas pelo teaser,
vou enfiar o cabo do rifle onde o sol não bate. – Julgando que Claire estava
demorando, Kayne voltava, aplicando uma coronhada que arrancava sangue da nuca
do bandido. Era assustador como ele conseguia fazer um trocadilho infame nessa
hora, uma vez que em local algum de Miraitropolis batia sol…

– Moleque de merda… Quando eu sair daqui… Você vai ver, vou te vender aos
mercado negro, conheço uns caras que vão adorar te transformar em um escravo
mirim… – Foi interrompido por outra coronhada de Kayne, agora na boca, esta que
cuspiu alguns dentes e mais sangue.

– Você não se deu conta de uma coisa, não tem saída daqui. Sua única escolha é:
Uma morte lenta e dolorosa, ou uma morte rápida e indolor. Na sua condição, eu
escolheria a segunda. Mas pra obter isso vai ter que responder às perguntas da
senhorita Claire. Então, como vai ser? – Kayne aplicou outro golpe no rosto do
bandido, agora com um soco inglês.

– Filho da puta! Se eu falar eles me matam! – Cuspiu mais uns dentes.

– E se não falar agora também! – Deu-lhe outro soco.

– Porra… Droga… Droga… Quem mandou raptar a advogada loira foi Carmen Telford
e Jaime K’dore…. A loira tava se metendo demais nos negócios deles e tinham que
tirá-la da jogada… A Dama de Prata que sugeriu… Um “corretivo” na loira…
Obviamente não foi exatamente o estupro, mas não é como se ela se importasse
também. Agora me soltem… Tenho outra proposta. Eu colaborei, me soltem… vocês
me devem! – Implorou o bandido, com o rosto sangrando muito.

– Idiota, não devemos nada. E mesmo que fosse o caso, onde pensa que vai? Não
tem lugar de Miraitropolis que Jaime e Carmen não te encontrem. – Sorriu Kayne.

– Só me solta, eu me viro, vou pra o deserto… Vocês nunca mais vão me ver, nem
vocês e nem eles, eu prometo! – Mais uma vez implorou. Kayne olhou para Claire e
deu as costas, deixando claro que assim como Pilatos, lavou as mãos. A decisão
mais uma vez estava no nome da investigadora.

Não se ouve nada no quarto se não o barulho da rua, carros transitando de um lado
a outro, pedestres nas calçadas e o barulho incansável de um neon falhando na
fachada, indicando a falência urbana de Miraitropolis. Calidora é um verdadeiro
abismo silêncio, a cidade não é um lugar de convivência agradável entre as pessoas
e ela encontra em Pollux um dos poucos apoios que teve até hoje em toda sua vida.
E é por isso que ela apenas quer aproveitar essa sensação de segurança aos seus
braços. Mas se por um lado Calidora era privilegiada por ser uma das poucas
pessoas em Miraitropolis que tinha alguém de confiança, a situação começava a
ficar um pouco constrangedora para o casal de amigos, a ex repórter investigativa
não queria misturar as coisas e ela mesma resolveu quebrar o silêncio.

– Precisamos sair daqui, não dá pra ficar muito tempo no mesmo lugar. Temos que
levar Leon com a gente… Eu sei que ele parece indiferente e pouco tolerante… Mas
não posso recusar ajudá-lo, não vou dar as costas a ele, se não fosse por sua
causa… Não estaria viva… Leon também conseguiu arrancar informações sobre os
sequestradores… Ele é importante. – Calidora se afastou de Pollux, apoiando-se na
parede.

– Mas estou com medo… A gente vai viver assim, sempre fugindo? Parou pra pensar
que talvez não tenha escapatória? Estou sem rumo, Pollux, espero que tenha algo
em mente… Porque toda minha cota de improviso se foi… O que vamos fazer a partir
de agora? – Ela indagou o colega e amigo, o que ele decidisse, Calidora o seguiria
sem questionar.

Obs:

Pollux decidirá o rumo que tomará com Calidora. Está totalmente livre para seguir
para onde quiser. Leon também, assim como ele, pode escolher entre seguir
Calidora e seu colega.

Claire depois de obter a informação que queria, pode optar por fazer um acordo com
o estuprador de Carrie, ou qualquer outra coisa que bem entender.

Lembrando que esse não é um novo capítulo, apenas uma continuação da rodada.

Necroid Alfa

Se tinha algo que podia pelo menos fazê-lo cambalear, essa coisa eram balas de
Radiack. O monstro feito de metal e restos humanos sofreu uma avaria
desconcertante, as placas do peito da sua armadura derretaram nos pontos que
foram atingidas, apesar de terem conseguido segurar com eficiência as balas,
tirando um pouco da potência do impacto e impossibilitando de que os projéteis
causassem um dano pior em seus mecanismos de movimentos. Dos buracos na
carapaça do robô escorreu um líquido amarelo escuro. E recuando um passo e
levando o braço esquerdo a frente do rosto. Porém, ele ainda se encontrava apto
para o combate e o ínfimo gesto, por outro lado, foi o bastante para bloquear os
disparos de PeeBoy e Vulcano, possibilitando que a vasta quantidade de material
ferroso do desproporcional antebraço em formato de elipse do Necroide servisse
como um escudo contra os projéteis e a labareda do lança chamas. Mas ignorante
ante os tiros de Helena, a fera cibernética foi mais uma vez atingida. Balas simples
acabaram por arrebentar cabos de suprimentos do pescoço, e alguma coisa que
ajuda a alimentar a energia do maquinário foi jogada contra os inimigos. Um líquido
amarelado e grosso, nojento que fedia muito. Se assemelhava com sangue, mas não
era.

Como resultado da distribuição desigual dos inimigos, ao recuar do emblemático


segundo passo, este o afastou severamente deles, abrindo um afastamento
considerável. Aquilo só serviu para intensificar sua motivação destruidora. O
monstro gritou mais uma vez, e o urro não deixou nada a dever ao anterior em
questão de em barulho e pavor. Trazendo junto uma acentuação de volatilidade e
enfermidade, o Necroide Alfa se abaixou-se em seus próprios joelhos e tocou a terra
do cemitério, transferindo ao solo o que parecia ser uma estranha energia, porém,
invisível. O chão tremeu, e os grãos de terra e pedras soltos, assim como tudo que
se encontrava espalhado pelo cenário se ergueu, permanecendo suspenso a um
metro do chão em pleno ar.

A fera novamente gritou, mas desta vez não podia-se dizer se era de fúria ou dor. A
criatura infernal criada pela Orion parecia estar em constante sofrimento, em um
eterno ciclo de dor e agonia. Quem sabe era esse o fator motivacional para tanta
raiva, seria esse o segredo que mantinha as obras profanas de K’dore tão
agressivas?

Misteriosamente um cadáver putrefato é trazido de volta a vida. Levanta-se


lentamente de sua cova rasa na terra. Seu rosto coberto de carne podre e vermes
saindo por suas órbitas vazias brilha a luz dos neons e da fina chuva, como se fosse
um momento belíssimo para se renascer. Então com auxilio da terra fofa e molhada
pela tempestade mãos vindo do solo emergem frente as lápides iluminadas por
lâmpadas coloridas e logo outros corpos putrefatos se erguem de suas tumbas.

Alguns mais apodrecidos, outros menos, até aqueles que são verdadeiras caveiras
cobertas por vermes, comprovando que a morte não é nem um pouco bonita. Como
sonâmbulos caminham entre cruzes e mausoléus luminosos cercando os
vivos.fatzombie.jpg Aquele primeiro zumbi recém ressuscitado atira-se para frente,
vomitando um pouco de sangue negro coagulado e vermes, tentando agarrar o
sujeito. Por trás surge um morto alto, gordo repleto de pústulas por todo corpo,
parecem que irão estourar a qualquer momento. Um menino anda lentamente,
escorrendo uma baba escura do queixo ao peito, este parece querer balbuciar com
suas mandíbulas descarnadas. O cadáver em avançado estágio de decomposição
de uma mulher se abre ao meio na altura do abdômen espalhando vísceras escuras
e carne enegrecida. Os demais cadáveres transformados em verdadeiros monstros
pela ação do tempo tentam repetir o ato, incluindo a sopa fétida que é expelida pela
boca de cada um deles. Todos eles cercavam os vivos.
Deitado no caixão, o corpo morto do prefeito Sirius também sofre influência, se
ergue lentamente embrulhado em volto de seu véu branco fúnebre. A cena poderia
estar muito bem em um filme de George Romero, poderia, mas não está, ela
acontece misteriosamente na realidade, ali, naquele cemitério luminoso. Enquanto
esse bizarro processo acontece, a fera mecanizada chamada Necroide Alfa se move
vigorosamente, na troca acelerada de passos ele estabelece uma meta, passar por
cima dos seus inimigos em longas e pesadas passadas enquanto os “zumbis” o
distraem e tentam se agarrar a eles. Retratado como um tanque de guerra, ele corre
em direção ao grupo reunido, Helena, PeeBoy, Vulcano e Akane. Contudo a maior
preocupação seria ele indo em direção a Liam e X-9, sabendo muito bem o efeito
que isso causaria. Produzindo verdadeiros abalos sísmicos, esses dois certamente
estavam em apuros e precisariam da ajuda e colaboração de Boris e Joe, quiçá dos
outros se esses conseguissem escapar dos passos mortais do Necroide Alfa.
Do outro lado do cemitério, Jaime e Carmen se deslocam de dentro do templo
saindo pela cratera deixada pelo monstruosos robô cadavérico. Aproveitando a
cobertura que alguns "zumbis" davam ao se posicionar a frente da capela,
aproveitavam aquela chance de ouro. Herrera e Coronel fazendo o inverso de Akane
entravam no templo onde seus alvos estavam, mas encontravam-no bem no exato
momento da fuga. Nesse instante a parte externa estava tomada por corpos mortos
que se moviam misteriosamente, de um lado a outro. Herrera e Coronel se
quisessem chegar até Jaime e Carmen teriam de enfrentar uma horda de mortos
vivos ambulantes, sendo recebidos à frente da capela por um assustador cadáver
quase que totalmente descarnado de braços abertos pronto para agarrá-los. O ser
se encontrava com o rosto bizarro totalmente em caveira, e as costelas
projetavam-se expostas fora do corpo, o resto da pele mantinha-se aparentemente
normal, com exceção das veias protuberantes.

Sobre tudo com a desvantagem de que Telford e K'dore não teria a necessidade de
cruzar o caminho em que acontecia o embate entre o a fera monstruosa, os corpos
putrefatos e os Steelhearts. Aqueles dois mesmo enfraquecidos e machucados não
teriam problema em ensaiar uma fuga para a parte de trás da capela e do Cemitério
Neon. Apoiados um no outro, ambos se esgueiram e apoiam-se em túmulos para
poder alcançar a tão almejada fuga daquele pesadelo infernal. De repente, aquele
mesmo "zumbi" gordo cheio de edemas se coloca a frente de pai e filho. Impedindo
a passagem e suas bolhas, tanto da barriga, pescoço, quanto dos braços e um dos
olhos, estouram em cima de Herrera e Coronel, cobrindo-os com o liquido viscoso,
roxo e fedorento que a pustulenta exposição da carne expelia contra eles.

Na parte norte, longe do portão, um sobrevivente dos capangas que Tony enviou que
estava escondido e assustado atrás de um mausoléu, é cercado por um grupo de
seis mortos e é totalmente rasgado ao meio. Eles puxam com força a pele da boca,
arrancando nacos inteiros. Furam seus olhos, invadem a cavidade abdominal do
pobre coitado com os dentes e os dedos, arrancando as vísceras, fígado, rins,
estômago e todos órgãos internos, derramando seu sangue em abundância pelo
chão do Cemitério Neon em uma profana e macabra orgia de sangue e carne. A este
só resta gritar e pedir inutilmente por ajuda, e misericórdia que seus algozes não
tem. O homem é trucidado vivo, sentindo cada dor lancinante quando partes do seu
corpo é arrancada. Ficava assim a demonstração de força que os "zumbis" tinham
ao agirem em grupo. Servia como exemplo aos Steelhearts para não subestimarem
tais criaturas, se fossem sábios, tomariam cuidado com brutalidade extrema e cruel
deles e não tratariam como apenas pedaços de carne podre.
Obs:

Pollux decidirá o rumo que tomará com Calidora. Está totalmente livre para seguir
para onde quiser. Ir para o laboratório de Thomas ou se tiver outro rumo em mente.
A segunda opção pode ou não acarretar danos em sua visão dentro de algumas
horas. Depende de quanto ele confia nas palavras de Vangelis. Leon também, assim
como ele, pode escolher entre seguir Calidora ou tomar seu próprio rumo e interesse
pessoal.

Claire depois de obter a informação que queria, pode optar por fazer um acordo com
o estuprador de Carrie, ou qualquer outra coisa que bem entender com ele, até
mesmo torturá-lo.

A dificuldade para se livrar dos "zumbis" é oito. Ou seja, além de rolar os dados para
escapar/defender do Necro-A, os jogadores tem que fazer o mesmo para os
desmortos do cemitério. Sacrificando um npc, a dificuldade do Necroide baixa para
sete.

Liam

Coronel rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para acertar kdore com um tiro
de fuzil que resultou 2 - Total: 0 Sucessos
Peeboy rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para acertar tanque de
combustível que resultou 11 - Total: 1 Sucessos
Helena rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para atirar nos zumbis que
resultou 1 - Total: -1 Sucessos
Herrera rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para explodir zumbis com uma
granada que resultou 20 - Total: 1 Sucessos
Jacob rolou 5 dados de 20 lados com dificuldade 10 para perceber que tem algo
errado que resultou 15, 17, 19, 14, 11 - Total: 5 Sucessos
Boris rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para cortar os zumbis com uma
faca que resultou 8 - Total: 1 Sucessos
Joe rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 8 para atingir zumbis na cabeça que
resultou 4 - Total: 0 Sucessos

Tudo estava dando errado, aquela monstruosidade desumana subjugava todos nós,
sendo atingida apenas por alguns disparos, que parecia causar um pequena
quantidade dano na sua armadura. A criatura ficou de joelhos e como em uma
oração bizarra, fez com que as pedras e grãos de areia soltos no chão do cemitério
se levantassem, levitando em pleno ar. O que aconteceu a seguir parecia pura obra
de ficção, os mortos do cemitério começaram a sair dos seus túmulos iluminados,
era uma cena extremamente bizarra.
Por isso que eu odeio tanto a tecnologia, nas mãos das pessoas erradas ela se
transforma nas coisas mais monstruosas e desumanas, como uma grande
ferramenta infernal feita para mostrar o pior do ser humano. Os diversos cadáveres
ressuscitados começaram a nos cercar, avançando sobre cada um de nós, era como
se o Necroide fosse o grande general e os corpos revividos fossem seus soldados.

Mal conseguia me mover com X-9 nos braços, minha sorte era a proteção de Joe e
Boris, que ao mesmo tempo em que corriam junto comigo. Boris tomava sua pílula
de adrenalina, retirando uma faca militar do cinto e atacando um grupo de mortos
com toda brutalidade que possuía. Já Joe usava uma pistola para atirar contra a
cabeça dos revividos.

Herrera e o Coronel seguiram minhas ordens e foram ao encontro da Dama de Prata


e K’dore. Mas para o azar da dupla de guerrilheiros, a capela estava infestada de
mortos-vivos, o que tornava tudo ainda mais difícil. Um cadáver gordo começava a
soltar fluídos na frente deles, sujando-os com aquela gosma negra.

– Que inferno! Precisamos passar por essa podridão. – Gritou o Coronel, usando as
costas da mão, que segurava um fuzil para limpar o rosto.

– Se afasta velhote, vou mandá-los pelos ares. – Respondeu Herrera, arrancando o


pino da granada com os dentes e a jogando contra os mortos. A explosão faria
zumbis se tornarem pedaços de carne podre, o que deixaria o caminho para a dupla
avançar atrás de K’dore e Carmen.

Com o caminho limpo, Herreira começou a correr para alcançar Carmen e K’dore, já
o Coronel tentou acertar um tiro em K’dore de longe, mas não teve sucesso.
Com os mortos-vivos nos cercando e atacando, o Necroide se levantou. Akane
estava no chão, restante apenas o trio especial enviado por Tony. Vulcano então
tomou a dianteira, gritando com um sorriso no rosto.

– Não vou deixar esse monstro de merda matar a amada do Tony. Devo minha vida
a ele, não vou deixar a pessoa no mundo que o faz mais feliz morrer.

Helena sem entender ao certo o que Vulcano pretendia, comentou. – Devemos


muito ao Tony, mas não tem nada que podemos fazer contra essa criatura, vamos
dar o fora daqui.

Peeboy manteve-se em silêncio, apenas observando a breve conversa dos seus


companheiros. O Necro-A começou a correr entre os cadáveres, avançando na
direção do grupo como um caminhão desgovernado. Ao mesmo tempo Vulcano
também avançou, correndo ao encontro do Necroide.

– Quando eu tiver cara a cara com ele, atirem no meu tanque de combustível!

Ao escutá-lo, tanto Peeboy quanto Helena arregalaram os olhos, não acreditavam no


que tinham acabado de ouvir. Peeboy ergueu seus revólveres, apontando para
Vulcano. Helena manteve-se parada, não conseguia acreditar que seu amigo iria
fazer tal loucura.

– Helena, cuide dos mortos. Eu cuidarei do Vulcano. – Falou Peeboy, engatilhando


os revólveres. Helena engoliu o choro, virando-se para os cadáveres e atirando como
se não houvesse um amanhã. Com Vulcano cara a cara com a monstruosidade
decrépita, Peeboy apertou os gatilhos dos revólveres. Ao atingir com sucesso o
tanque de combustível que seu amigo carregava nas costas, uma grande explosão
aconteceu, matando Vulcano instantaneamente.

O som da explosão ecoou como o som de uma ópera por todo cemitério, eu não
sabia ao certo o que tinha acontecido lá atrás e também não tinha tempo para voltar
e perguntar. Após corrermos, chegamos até o estacionamento do cemitério. Onde
havia alguns carros executivos na cor preta, provavelmente eram da equipe de
segurança da Dama de Prata. Joe quebrou o vidro de um deles e usando a
malandragem das ruas, abriu o carro. Coloquei X-9 no banco de trás com a cabeça
no meu colo, Joe fazia a ligação direta, enquanto Boris carregava sua AK-47. Com o
veículo ligado, Joe pisou fundo no acelerador, avançando por um dos portões do
cemitério em alta velocidade. Nosso objetivo era chegar ate o laboratório de
Thomas, só precisamos chegar na entrada da superfície, que ficava na Cidade
Media.
NPC

Nem mesmo o calor escaldante de uma caótica Miraitropolis intimidava o Capitão


Nick Slay. Observado com cautela pelos olhos ocultos que o rodeava, enquanto eles
passavam por ruas estreitas, entre prédios acabados, prestes a desmoronar
abrigando todo tipo de gente que precisa de moradia barata, mas estava entregue ao
crime para sobreviver, reles assaltantes. Como alguém que realmente entendia
daqueles jogos insanos, ignorava os avisos de hostilidade. Andar por aquele local
poderia ser aterrorizante para alguns, mesmo durante o dia; mas para Nick aquele
local não causava nenhum medo, nenhum desconforto. O policial atravessava um
território praticamente impenetrável controlado por gangues. Depois do Submundo,
este é o pior lugar da cidade. Pode-se dizer que é uma trilha tenebrosa, por levar a
um local de tamanha perversão. Os caminhos que levam até o Distrito do Sexo é
multifacetado, super estratificado, multicultural, vítima da feroz indústria de
construção civil, os bairros de Miraitropolis, resultam apenas em uma coisa,
contrastes. Seu espaço urbano reflete esses contrastes. Ideogramas japoneses e
chineses se misturam ao mesmo letreiro luminoso com frases em inglês, espanhol,
português e outros idiomas ocidentais.

Entre a vida pobre e a alta tecnologia, o cidadão comum é obrigado a ter de sacar
seu dinheiro em um caixa eletrônico público num lugar destes. Não dura muito, os
Coiotes, gangue local, assalta o pai de família e toma o dinheiro que seria usado
para comprar remédios para seu filho muito doente. Mas não reclama, acostumado
com a extrema violência, ele tem sorte que os assaltantes apenas tenham o jogado
no entulho de lixo do beco depois do assalto. A vítima se ergue entre a sujeira
agradecendo que tenham levado apenas seu dinheiro e não a vida junto. Terá de
procurar outra forma de arranjar dinheiro para os remédios, quem sabe penhorando
algum bem valioso na loja de penhores do final da rua. O policial não faz nada a
respeito, não é da sua conta e continua a caminhar como se nada tivesse
acontecido.

Após virar a direita, encontrava uma rua mais larga. Havia quase uma dezena de
pessoas imóveis. No começo, ambos pensaram que se tratava de inimigos, mas
após uma rápida análise, aqueles homens reconhecem o Capitão e afastam-se,
permitindo a passagem de Nick até o final do rua. Ao lado de uma carcaça
abandonada de um carro e um latão que mantinha vivo o fogo no seu interior, ele
bate em uma velha porta de ferro. A escotilha se abre, alguém por trás diz alguma
coisa em russo, revelando um tipo de relação “especial” e abre a porta para que Slay
entre no prédio.
Na agência de Claire, Rose, e os demais tinham problemas com Praxis, Arthur
tentava reestruturar a I.A. a ferro e fogo. A dificuldade não se encontra apenas em
ter de lidar com equipamentos arcaicos como uma teia de fios conectados em
disquetes, mas muito além disso, o desconhecido vírus era tão inteligente quanto
rápido. As ações de Praxis estavam mudadas, influenciando demais nas suas ações.
Isolada pelo monitor de telas de LED orgânico, fabricado em películas flexíveis, ela
exibia um sorriso malicioso e ao mesmo tempo assustador.

– Me tire daqui e podemos fazer coisas que você jamais imaginou. – Se dirigiu a
Arthur, que digitava repetidamente em um teclado preto.

– Você nem um corpo possui. – Continuo a digitação sem olhar para Praxis.

– Mas posso te dar sensações que uma mulher de verdade jamais te deu.

– Como? – Perguntou, olhando pela primeira vez para a I.A.

– Se conecte comigo e descubra. – O sorriso era convidativo.

– Mas pra termos alguma coisa… Preciso imergir em uma realidade virtual usando a
Lexis... – Ponderou com a mão no queixo.

– Sim, é o único modo, querido. – Sabendo que o sorriso tinha poder sobre o garoto,
ela manteve-o.

Por um ou dois segundos Arthur pensou, mas como era seu turno na longa
continuidade de programação de códigos, os outros estavam fora ou cochilando. O
rapaz de 23 anos, um viciado no ciberespaço não conteve a vontade e nem a
curiosidade, encaixou os fios na cavidade de trás do crânio e mais uma infinidade de
equipamentos aos pulsos, algo semelhante a grilhões de prata com fios azuis se
conectando na cadeira e na cpu. Este dispositivo em sua nuca passava pelo córtex,
lendo suas ondas cerebrais.

Arthur sentava-se em uma cadeira na frente de um computador, acoplado a um visor


escuro de lente negra que cobre seus olhos sem deixar escapar a visão periférica.
Acionando a chave do teclado, surge no seu visor a tela preta de loading. A barra de
carregamento corre rapidamente até a metade, até ela se encher. A tela de load fica
vermelha indicando que estava completo o carregamento, então a viagem
psicodélica começa. Entra em um tubo colorido que gira e se forma um
caleidoscópio. E em segundos lhe suga com absurda velocidade. No interior negro
ele vê todos os tipos de cores, rosa, roxo, lilás, verde, azul, vermelho, se movendo a
sua volta, girando, algumas até que nunca viu e nem saberia como descrever, tendo
a sensação de que está flutuando ao escorregar por esse tubo, como se água o
levasse embora dentro de um cano. Descendo nesse túnel íngreme, é levado ainda
mais para baixo.

Até que tudo acaba e ele se vê em uma sala com um painel de janelas quadradas e
pequenas, uma ao lado da outra. Está deitado em uma cadeira reclinável, nu. Praxis
com seu corpo agora vermelho percorrendo dados em torno do mesmo, faz algumas
poses sensuais a sua frente, toca a cintura, os seios e depois virava de costas,
apoiando-se no corrimão de uma escada, para se empinar provocativamente.
Mantendo aquele sorriso que acabava com Arthur, ela caminhava até sua cadeira,
reclinando o ângulo ainda mais ao nível dele ficar confortavelmente deitado e então,
ela sobe em cima dele. Tudo que Praxis prometia acontecia, Arthur sentia o peso
sobre o quadril quando ela se sentava sobre ele. A garota virtual tinha peso,
consistência, era palpável, como uma mulher de verdade. Até mesmo cheiro, um
maravilhoso perfume doce de frutas vermelhas com hortelã, o mesmo aroma que
sua ex namorada, que o trocou por um rapaz de aparência mais forte e intimidadora
possuía.

Praxis sabia como agradá-lo com tal preferência uma vez que conectados daquela
forma, em modo sexo virtual, podia vasculhar a cabeça de Arthur como se sua
mente fosse

Já ele pode sentir os dedos afundarem na carne macia ao apertar o início das
nádegas daquela atraente garota cheia de curvas sensuais enquanto ela se ajeitava
em cima dele e começava o embalo sensual sobre seu membro. O garoto não se
aguentava de ansiedade. A I.A. começava uma rápida “cavalgada” sobre ele, se
curvando para beijá-lo. Encostando seus lábios nos dele, o hacker sentiu um calor
percorrendo a carne macia da boca e depois a invasão da língua de Praxis no beijo
caloroso. Ele tinha a mesma sensação nostálgica de beijar sua ex. Contudo depois
do beijo houve uma estranha aparição de dor que correu por toda sua espinha e o
paralisou. Como a vítima do veneno de uma aranha ele ficou imóvel e assustado,
sentindo um frio na barriga e uma dor lancinante percorrendo novamente sua
coluna, agora como se injetassem água fervendo.

O desconforto na base da cervical, perto do coccix foi aumentando. Conforme a dor


subia ia destruindo as terminações nervosas de Arthur, até chegar na base da nuca.
Quando esse efeito atingiu seu cérebro, sofreu um apagão. Se por um lado isso não
significava coisa boa, e ele sabia, ao menos com as terminações nervosas mortas,
não sentia dor alguma. Do lado de fora, o forte cheiro de cabelo queimado despertou
a atenção dos demais quando voltaram para a agência. O odor desagradável vinha
da sala principal e Xinfo correu até onde Arthur estava. Encontraram Arthur jogado
na cadeira, inalando uma fumaça branca da boca. Seu cérebro fora frito com uma
descarga tão forte que os cabelos foram consumidos de uma só vez. Morto mas
conectado a Lexis, permitiu a fuga de Praxis para a rede de dados mundial. Esses
eram os riscos de encarar o mundo virtual. Você poderia facilmente se viciar no
ciberespaço, sentir prazer e dor por algo que não existe ou então até mesmo morrer
por algo de mentira.

Somente uma pessoa podia fazer algo a respeito disso, e esse alguém era Sifer. Mas
ele se encontrava atendendo uma necessidade que não era do seu agrado, não
simpatizava com a ideia de sair durante o processo de recuperação de Praxis, até
mesmo porque havia se responsabilizado pela “limpeza” de sistema da I.A., todavia
não recusaria ajudar Claire quando esta fez uma ligação 30 min atrás. Falcon desde
o começo estava sendo uma das pessoas que mais colaboravam, portanto, recusar
seu pedido seria no mínimo grosseiro. Em seu carro, transportava a promotora
amiga da investigadora do Eden até o Delta com segurança, porém em absoluto
silêncio. Esse gelo seria quebrado quando Sifer estacionava o automóvel no meio fio
da calçada do prédio de Carrie.

– Você precisa de mais alguma coisa? – Indagou, Mas Carrie não respondeu.

Novamente em silêncio ele abriu a porta para a advogada e com o cartão de acesso
dado por Kayne, levou Carrie até seu apartamento. Acomodou-a no sofá da sala,
onde ela mantinha o mesmo olhar vazio para o nada. Tentou de novo falar com a
loira.

– Claire está ocupada, mas logo ela chegará pra cuidá-la. Você tem algum outro
amigo ou parente que eu possa chamar para ficar com você? – Mas não houve
resposta, assim como da primeira vez.

Sifer foi treinado para enfrentar os mais variados perigos, mas não para essa
situação. A advogada nitidamente estava em choque, deixá sozinha apesar de
recomendável seria extrema crueldade. Sifer se sentou também no sofá, ao lado de
Carrie e decidiu fazer companhia até que Claire ou Kayne chegassem. Por outro
lado, sabia que eles demorariam. Vendo o estado de higiene de Hiring, Sifer levou-a
até o banheiro. Contudo ela apenas se manteve em pé no box do banheiro, como se
não soubesse o que fazer. Aquilo levou a alguns constrangimentos. Pelo menos
para ele. Por exemplo, precisou despir Carrie. Fez rapidamente tendo cuidado em
não tocar na moça mais do que realmente devia. Resolvendo o problema, encheu
uma banheira com água, assim não haveria a necessidade de contatos. Adicionou
gelo também. Aquilo teria várias funções, entre elas, refrescá-la do calor escaldante
que só aumentava e aliviar os hematomas e inchaços. Aos poucos convenceu Carrie
de entrar na banheira, abaixando-se aos poucos. Enquanto ela se cobria com a água
viu as marcas vermelhas e cicatrizes nas costas da loira. O gelo também ia servir
para aliviar aquela dor, só não aliviaria a vergonha de ter sido violentada, pensava
Sifer. A fim de tentar relaxar, foi até o bar do apartamento e serviu uma dose
generosa de uísque. Repetiu, e mais uma vez, e outra, até o momento que ouviu
alguns ruídos estranhos vindo do banheiro. Com a porta apenas encostada, assim
que entrou viu o borbulhar das bolhas saindo da água gelada e a advogada
submersa. Primeiramente pensou que ela fazia aquilo para relaxar, mas a advogada
não retornava nunca à superfície. Rapidamente Sifer levou as mãos até os ombros
de Carrie e a ergueu do fundo da banheira, salvando-a da tentativa de suicídio.

O que parecia ser um prédio velho cheio de tubos enferrujados e anúncios na


verdade era a entrada para um outro mundo. Aquela porta que Nick Slay atravessou
era o posto de vigília para o Bordel murado do Distrito do Sexo. Graças a falta de
planejamento urbano, as residências foram sendo construídas à volta do prédio, e
umas tão perto das outras que se tornaram um conglomerado de casas e
apartamentos geminados formando muros. Portanto aquela entrada era a única
passagem que se tinha para o interior do local. Lá dentro o capitão se viu em ruas
antigas, talvez as mais antigas da cidade. O bordel possui o seu próprio
microcosmo, é uma cidade em uma cidade. Nas ruas estreitas, há barracas de
comida, carnes de animais expostas para venda, lojas de chá , vendedores
ambulantes e até arcades. Se você ficar alguns dias dentro do Bordel Murado, pode
até se esquecer do mundo lá fora. E como outra cidade com as suas próprias regras.
ka18.jpg

Apesar da pseudo liberdade que a estrutura do bordel posse passar, uma vez que é
um lugar fechado e protegido, as prostitutas não são tratadas como cidadãs
comuns. Elas não possuem direito algum, são proibidas de ultrapassarem os muros
de ferro e se quer são autorizadas a ficar com todo o dinheiro que elas fazem, visto
que o local, obviamente possui um dono. A grande maioria das meninas são
extremamente pobres, e foram traficadas, abandonadas ou até mesmo nasceram
dentro do bordel. Por isso, apesar de na teoria, as prostitutas precisarem ser
maiores de 18 anos, na prática as coisas não são bem assim. A maioria delas
chegam ao bordel nessas condições mencionadas acima, e começam a fazer
programas com 12 a 14 anos. Para se passarem por mais velhas, muitas recorrem à
utilização de técnicas de implantes de enxerto, alterando a estrutura do corpo com
cirurgias clandestinas de alto risco, transformando-se às vezes em verdadeiros
mutantes. O objetivo é além de parecer mais velha, encorpar e conseguir agradar
aos clientes. Mas o Capitão não estava ali por causa das garotas, visto que o bordel
é basicamente uma pequena cidade murada, que abriga centenas de mulheres que
vivem ali, é o local mais seguro para um fugitivo se esconder. Desde o princípio,
quando toda essa loucura havia começado, Slay sabia que este era o verdadeiro
esconderijo de Aleksey, e mais, sabia de todos seus planos. Tanto é verdade que
quando ele passa por seus homens nas estreitas ruas do Bordel Murado, estes não
se opõem quando o militar da S.W.A.T. se aproxima da porta marrom do prédio
encardido da casa de banho ao final da estreita rua da luz vermelha. Nick adentra o
apertado imóvel com banners em mandarim nas laterais da porta, um dos tantos
estabelecimentos locais, indo diretamente ao banheiro, onde encontra Aleksey
segurando um pente, ajeitando o cabelo frente a um espelho sujo e cheio de gordura
marrom, assim como os azulejos que escorrem uma oleosidade das paredes
encardidas e fedorentas.

– Ora, ora, ora, a que devo a honra do Capitão Slay no meu humilde esconderijo? –
Sorriu Aleksey, terminando de se pentear, colocando a touca preta na cabeça.

– Quando você diz humilde, realmente não está mentindo. – Olhou em volta a sujeira
do banheiro com infiltração, cheio de cartazes descascados pelas paredes e
vazamento pelos canos. – Vim dizer que seus serviços não são mais necessários. -
Respondeu Nick, secamente.

– Mas isso quem decide é o senhor K’dore e a senhorita Telford. – Tirou as mãos da
pia suja e virou-se para o Capitão.

– Acho que você não está entendendo a situação, Aleksey. Carmen e Jaime
patrocinaram sua organização criminosa apenas para depois parecer que foram eles
que deram cabo dos ataques terroristas. A população vai levar eles como
salvadores de Miraitropolis. E eu fui escolhido como arauto dessa vitória. - Disse
olhando nos olhos do russo.

– E posso saber como? – Acendeu um cigarro esperando a resposta.

– Sacrifiquei minha equipe para um bem maior, para tornar Crovax e o esquadrão
mártires dessa cruzada violenta, com o objetivo de fazer a Liga dos Predadores
mais perigosos do que realmente são. – Respondeu sem piscar.

– O que? Você matou o Crovax? Esse era meu dever! Fui pago para isso, e estava me
divertindo muito! – Irritado deixou o cigarro cair dos lábios, quase avançando para
cima de Nick.

– Não, relaxe, não matei o Tenente. Também tenho grandes planos para ele.
Felizmente os explosivos de alta precisão que comprei do Turco realmente
funcionam. Como um maníaco por explosões deve saber que essas bombas
explodem como você as mandar. Programei para que três andares do Residencial
Celeste sumissem do mapa, porém o impacto em Clay Crovax não resultaria em sua
morte. Ele ficaria mutilado, bem machucado, mas longe de morrer. - Mesmo com o
avanço agressivo de Aleksey, Nick manteve o mesmo semblante sério, o fitando,
sem piscar.

– E para que isso? Não entendo. – Cerrou os olhos indagando o Capitão.

– Desde muito tempo tenho um projeto para substituir o trabalho humano da


S.W.A.T. por ciborgues. Minha parceria com uma megacorporação que usará
ciborgues vai garantir uma folha de pagamento melhor. Mão de obra barata, sem
salários, e maior eficiência. Crovax será o primeiro de muitos. Nesse momento o
Tenente está em uma sala operatória, mantido sedado, aguardando o momento da
cirurgia que mudará por completo sua vida. – Respondeu, piscando pela primeira
vez.

– Felizmente então ainda vou poder encontrar Crovax e terminar o serviço. –


Ponderou, ajeitando o óculos de sol no rosto.

– Não. É aí que vem a parte onde me torno o herói da história. – Se aproximou em


passos lentos.Não achando lógica, Aleskey o fitou, sem entender nada.

– Como disse, sendo arauto dessa vitória de Carmen e Jaime, vou por fim a sua
jornada terrorista. – Continuou o lento avanço.

– Ahahaha, e fará isso como, Capitão? – Aleksey sorrindo confiante, puxou para
cima suas duas glock em um sutil aviso para Nick não fazer o que pretendia, seja lá
o que fosse.

– Simples, tem um dispositivo dentro da sua cabeça que me interessa. Pelo que sei,
é ele que o impede de morrer a cada explosão sofrida não é mesmo? Essa peça
recompôe seu corpo, me corrija se estiver enganado… Pois bem… Sei também que
você é um idiota maníaco por obediência, e esse aparelho, que é uma caixa
quadrada inox dentro da sua cabeça, está sincronizada com outros detonadores
dentro dos corpos dos seus homens. O que é o medo de ser questionado ou
desobedecido… Tsc, tsc, tsc… Os coitados nem sabem que tem uma armadilha
dentro dos corpos. Como você faz? Coloca as bombinhas dentro do cereal deles?
Não importa. Assim que eu tomar esse seu aparelho, aciono o comando e booom,
toda sua laia some da face da Terra como jamais tivesse existido. – Slay manteve a
distância que precisava e parou.

– Ainda continuo sem entender como fará essa proeza, Nick. – Aleksey manteve
tanto as armas cruzadas no peito quanto o sorriso desafiador no rosto.
– Assim!!!! - Gritou
Aleskey não viu os movimentos de Nick, apesar de ele sacar uma escopeta calibre
doze. Foi tudo tão rápido, praticamente do nada. O russo se quer notou que o
Capitão estivesse armado. Mesmo com as glocks bem posicionadas para um
eventual ataque, surpreendido pela velocidade do comandante da S.W.A.T. não pode
fazer nada quando o cano da escopeta foi até sua boca e Slay disparou. Seu crânio
se partiu como uma casca de ovo, frágil e amolecida, os pedaços de ossos pintaram
de vermelho os azulejos encardidos de gordura e sujeira. O buraco na cabeça
revelou a caixa de inox exatamente com a mesma descrição dada por Nick. O
quadrado Inox caiu no chão e o corpo sem vida de Aleksey foi jogado com bastante
violência contra a parede antes de cair, e depois escorregou preguiçosamente pelos
azulejos, até cessar os movimentos quando pareceu se sentar no rodapé.

– Isso intrigou muito Crovax e seus garotos. Ele era um soldado inteligente, sinta-se
lisonjeado por ter sido um dos poucos que implantou uma dúvida que ele jamais
obteve resposta. – Falou ao cadáver sem cabeça, juntando a caixa quadrada.

O capitão usou a porta dos fundos, um estreito corredor oval de metal enferrujado
com algumas letras em japonês, para sair. Os integrantes de Aleskey atraído pelo
estrondo do tiro de grosso calibre não demoraram para invadir o banheiro e
encontrar o lugar em estado de um matadouro com seu seu líder morto. Os oito
homens sabiam que o último a falar com Aleksey fora o Capitão Slay e
imediatamente também usaram a porta dos fundos para caçá-lo. Dentro do Bordel
Murado ele não teria para onde fugir, e fazendo alguns contatos logo seria
capturado. No entanto Nick se encontrava escondido num estreito e côncavo
corredor vermelho, com a camuflagem invisível do seu uniforme e acionou o botão
de detonação da caixa. Ele sabia muito bem o que fazia. Depois de pressionado, o
botão amarelo instantaneamente destruiu de dentro pra fora as cabeças dos oito
homens, elas explodiram ao mesmo tempo. O comandante da S.W.A.T. cumpria a
promessa feita, Aleksey e seus homens estavam mortos. Ainda oculto pelo véu
invisível do uniforme, Nick falava com alguém ali, ainda dentro

– Ok, venham buscar os corpos, estão em uma casa de banho do Bordel Murado.
Passarei o endereço, sejam discretos. – Slay desligava sua pulseira comunicadora.

– Certo. – Alguém respondia do outro lado da linha.

– Já contataram Jacques Delacroix para os procedimentos operatórios do Tenente


Crovax?

– Infelizmente, Jacques se suicidou logo depois que prestou serviço a Carmen


Telford. – Respondeu a voz misteriosa.
– Aquela vaca de cabelos brancos deve ter ameaçado o médico... Droga. E agora
com quem vamos contar? – Alterou a voz, irritado com Carmen.

– Pensando nisso, pesquisei na minha rede de contatos alguns nomes e encontrei


uma pessoa que tem quase a mesma qualificação que Delacroix e trabalha na
mesma área.

– Você é um sócio bem eficiente, esta valendo cada centavo investido. Me passe
esse nome, quero eu mesmo falar pessoalmente! – Disse eufórico, saindo pela porta
dos fundos do estreito corredor vermelho da casa de banho.

Enquanto isso...

– O que está havendo com essa cidade? Brigas e tiros por cada quarteirão. A
intolerância é zero, qualquer ato parece ser motivo para agressão. As pessoas estão
ficando malucas? Será o calor repentino afetando o humor do cidadão Mirainiano?
Agora, por exemplo, está tendo um manifesto na frente do Cemitério Neon que
resultou em confronto com a segurança privada! E o que foi aquilo antes, no
Submundo? Uma verdadeira guerra civil. Explosões até mesmo na bolsa de valores
em All Street! Pessoas se agridem nas ruas por razões fúteis! Parece ser o fim dos
tempos! – Comentou a apresentadora.

– O senhor pode nos apontar o que considera exatamente o motivo de tanta


violência? - Ela se dirigiu ao convidado do seu programa, um crítico social. Apenas
as silhuetas dos dois eram mostradas, em segundo plano um cenário
completamente branco. Estavam sentados em cadeiras ovais, de cor amarela, um de
frente para o outro.

– Considero muitas os motivos, Meg. – Disse o convidado, pausadamente –


Aquecimento global, poluição, superpopulação, escassez de água e combustíveis,
extinção de animais, consumismo desenfreado e o domínio de megacorporações
sobre os Estados são apenas alguns dos fatores que estão deixando as pessoas
cada vez mais desumanas, apáticas e sem esperança em um mundo que caminha
para a autodestruição – Salientou o crítico social.
– É, acho que para explicar precisaria de dois programas ou mais. Mas então diga,
como esses problemas poderiam ser resolvidos? – Perguntou Meg mantendo a
simpatia plastificada.

– Então o senhor diz que é o tipo de sociedade que construímos que nos levou à
decadência? – Argumentou, a apresentadora.

– Exatamente. – Completou o convidado.


– E como poderia ser evitado um futuro ainda pior?

– Veja bem Meg, não é fácil mas se todos nós ... – O debate é interrompido, a
stream ao vivo do local do confronto entre os Steelhearts e o Necroide alfa invade o
monitor de Led biológico e projeta o HUD holográfico para fora da tela com o intuito
de que a transmissão fosse melhor vista dentro do laboratório Carwell. A cena
mostra o exterior do cemitério, onde na entrada os manifestantes e a guarda privada
mantém um confronto férreo. Realmente é algo violento, mas nada comparado ao
que acontece no interior do campo santo. A voz de Susan Ortega explica o que está
ocorrendo no momento.

– Manifestantes anti-Carmen Telford estão a quase meia hora agredindo a guarda


privada. – Susan alega isso, mesmo que as imagens mostram que a guarda é que
leva a melhor e os manifestantes é que estão sendo massacrados.

– Espero que todos eles estejam bem... – Disse Vangelis preocupada, observando
as notícias e se referindo aos Steelhearts.

– É vergonhoso, o que deveria ser um momento de respeito a dor da família do


prefeito Sirius em seu funeral se tornou uma baderna graças a esses desocupados.
É claramente visível que estas pessoas estão aqui apenas para gerar um grande
tumulto sem propósito algum! Mas o pior ainda se encontra dentro destes muros.
Uma gangue de vadios, chamados... Steel... Steelhearts... É isso? Está depredando
as lápides com bombas e tiros... Também tentam atacar Carmen Telford e Jaime
K'dore, pessoas tão ilustres que tentam melhorar nossa cidade! – O jornalismo
tendencioso de Susan Ortega enoja a Doutra Vangelis, mas antes que ela pudesse
desligar o monitor, outra notícia invade a tela e uma apresentadora nissei de cabelo
curto vestida extravagantemente com um quimono verde ostentando um belo
decote e atrás, do balcão em outro estúdio anuncia:

– O Residencial Celeste acaba de ser atacado, as autoridades confirmam que a


autoria do atentado foi provocado pela Liga dos Predadores de Aleksey. O corpo de
bombeiros está trabalhando como pode, tem dificuldade em controlar o fogo devido
a altura do residencial vertical. E tudo indica que o esquadrão da S.W.A.T. liderado
pelo Tenente Clay Crovax estava no local.... Porém... – Vangelis desligava o monitor,
cheia das notícias negativas, embora concordasse em certo ponto com o crítico
social entrevistado:

– Tá todo mundo ficando louco... – Comentou com as mãos entrelaçadas frente ao


baixo ventre, com a expressão de decepção no olhar vago. – De repente a sua
pulseira sinalizadora vibrar, apesar de não reconhecer o número ela aceitava a
chamada espalhando ela no monitor do Videphone, uma caixa retangular verde oliva
que ficava no centro do laboratório e aceitava todo tipo de chamada (desde
telefonemas, chamadas de celular da pulseira comunicadora e etc), observando na
tela Nick Slay lhe cumprimentando.

– Olá Doutora Vangelis, aqui quem fala é o Capitão Nick Slay. É um prazer
conhecê-la.

– Boa noite, Capitão, a que devo a honra de sua chamada?

– Sou muito fã do seu trabalho... Preciso de suas habilidades cirúrgicas. É claro que
será bem remunerada.

– Compreendo. E qual o procedimento dessa cirurgia?

– A senhorita deve conhecer o Tenente Clay Crovax. Ele ficou famoso nos últimos
dias por capturar alguns terroristas e depois confrontou Aleksey.

– Sim, claro.

– Infelizmente o Tenente foi vítima da emboscada no Residencial Celeste e agora se


encontra em estado grave. Ele precisa da sua ajuda. Creio que meu colega vá utilizar
próteses cibernéticas para o resto da vida. Seu corpo foi queimado, ele perdeu boa
parte dos membros superiores. Alguns órgãos... Tudo isso eu temo que tenha de ser
substituído por componentes artificiais para ele voltar a ter uma vida no mínimo
normal. Mas não sou especialista no assunto e por isso preciso da sua avaliação.

– Nossa... Lamento muito pelo Tenente… – Suspirou.

– Tudo bem, ele necessita mais de suas habilidades do que seu pesar, Doutora. –
Não parecia abalado.

– Eu sei... Mas o que o senhor está pedindo é praticamente para eu transformá-lo


em um ciborgue. – Foi mais ríspida.

– Esse é o ponto! – Não se intimidou.

– E o senhor não se importa com isso? – Questionou mesmo sabendo a resposta.

– Acho que a senhorita não entendeu bem o ponto... Eu pago e você opera Crovax
como eu desejar que seja feito. – Agora foi a vez dele ser ríspido.
– Lamento, mas sou totalmente contra esse tipo de procedimento, Capitão. Terei de
recusar. – Ia desligar quando...

– Seus amigos, os Steelhearts, sabia que ainda não foram pegos por Carmen ou
Jaime por minha causa? E não serão capturados até que me sejam úteis. Mas se
você não colaborar, eu desativo a camuflagem visual que coloquei no rastreio
biométrico dos drones e dirigíveis espalhados por Miraitropolis. Em dois toques
Carmen os encontra. – A voz se manteve firme e séria.

– Não... Por favor, não faça isso! O que eu tenho que fazer é transformar o Tenente
no seu robô pessoal, assim como a Dama de Prata transformou aquele cara do
Canal 17 em um brinquedo? – Vangelis se aborrecia, provocando.

– Não exatamente, mas quando chegar a hora da operação eu digo como quero que
seja feito. Além disso de alguma forma faça os Steelhearts se encontrar com meu
sócio. Isso é, se eles sobreviverem ao Necroide Alfa. – Avisou.

– Necro o que?

– Esqueça. O endereço e nome do meu sócio está na tela da sua pulseira, assim
como o horário da operação. Como fará com que eles vão até ele é problema seu.
Bom, tenha uma boa noite, Doutora Vangelis e até amanhã. – Nick desligou.
Vangelis se debruçou sobre a mesma, levando as mãos até os cabelos loiros, se
descabelando devido a encrenca que entrou.

Pollux

Certamente não existiam muitos momentos felizes em Miraitropolis. Mas aquele eu


me lembraria muito bem.

Quando eu coloquei meus olhos em Calidora eu mal acreditava que eu realmente


havia conseguido. Depois de tanto tempo e tanta incerteza, depois de uma noite de
pesadelo desperto e uma experiência de quase morte, depois de ter visto coisas que
eu jamais ter pensado em reportar, e sentir-me cair do topo da sociedade
literalmente até os seus esgotos, apesar de ter agora uma nova vida e sentir meu
sangue bombeando meu coração em um ritmo que nunca antes senti, aquela era a
recompensa que eu merecia, esperava, e estava disposto a dar meu sangue para
recebê-la. Calidora estava diferente, mas eu a reconheci imediatamente, e o alívio
que notei nos olhos dela, que não eram realmente dela, foi único.
Calidora sempre foi a mais sensata e a mais corajosa dentre nós dois. Fazia esse
trabalho há mais tempo do que eu e não era à toa que fomos colocados para
trabalhar juntos, nossas personalidades eram complementares e geralmente era ela
a tomar a frente e elaborar uma estratégia para derrubar os opositores de Carmen
Telford, eu era apenas aquele que apresentava a mentira com um sorriso no rosto.
Talvez tivesse essa falsa lógica de que eu só fazia meu trabalho, independente de
quem o fazia antes de mim, mas a questão era que gostava, não das consequências
de meus atos impensados, mas de estar do lado dos vencedores. Nunca fui um
homem mau, mas começo a acreditar que algumas escolhas, no futuro, serão
amargamente arrependidas por mim, ainda que a minha vida nova tenha apenas
começado.

Aquele abraço durou mais do que o esperado, mas exatamente o que foi necessário
para que tudo fosse dito sem a mínima palavra. Era difícil para mim vê-la daquela
maneira, tão frágil, desprotegida e desprovida de vaidade. A mulher que sempre
tinha um plano, da mente mais afiada que eu conhecia em meu ramo, agora me
abraçava assustada e agradecendo desesperada a minha presença. A marcha do
exército de Telford no Canal 17, a demolição da sede, os necróides invadindo o
quartel general dos Steelhearts e a breve batalha nos esgotos não foi nada
comparado àquela cena, que agora me abria os olhos para o quanto estava em jogo
naquela impensada jornada que nos colocava no olho do furacão.

– Cali, você está bem? Eles machucaram você? – eu fui respondido com um aceno
de cabeça e ela não conseguiu me olhar nos olhos ainda. Recuava para entre os
seus braços e depois investia de novo contra meu peito, chorando enquanto o cheiro
vulgar de tinta barata penetrava minhas narinas, que tingiam seus cabelos uma vez
tão belos. Acho que naquela empreitada, nós dois tivemos de nos mutilar.

– Está tudo bem. Nós estamos seguros, os homens de Carmen estão ocupados
protegendo-a e fazendo a segurança das ruas. Eles não virão atrás de nós. E quem é
ele? – foi então quando eu com alívio e suspeita em dois lados diferentes de minha
balança de bom senso notei o homem deitado na cama ao mesmo tempo que
também percebi que o sangue em suas roupas e mãos não era necessariamente
seu. A noite não era gentil com mulheres que não podiam se defender, e as palavras
daquele traficante que tive de espancar ressoaram com força dentro de minha
cabeça, enquanto as palavras de sua boca vinham até meus ouvidos em um tom
abafado demais para dar chance ao seu julgamento.

– Ele me trouxe aqui. E foi ele quem me levou para lá também. Ele... Deu conta dos
outros sequestradores, eu acho. – ela disse e eu não esperei até explodir diante da
situação.
– Você não está em seu juízo perfeito. Não podemos levá-lo daqui, você quer que ele
a rapte novamente? Eu não vou deixar que façam isso outra vez. – E eu falava sério.
Minha postura calma já havia sido perdida antes de entrar em Vintage, e eu tinha
fogo no sangue quando puxei a arma e fiz mira em sua direção. Calidora gritou
agudo, e lançou seu braço para que eu abaixasse a arma, fazendo meu braço descer
e perfurar o colchão com uma bala.

– Não! Você não pode fazer isso, ele é um dos nossos!

– Ele não é um dos nossos, ninguém é. Ele estava com Telford e foi enviado para
sequestrar você, para me deixar à mercê da Dama e suas ordens.

– Nós também! Nós também trabalhávamos para a Carmen, lembra? – meu


estômago embrulhou quando eu registrei o que ela dizia, mas eu não senti raiva de
sua afirmação e tampouco ergui a arma uma segunda vez para o homem ferido. Ela
tinha plena e completa razão, mas como os seus cabelos, eu jamais pensaria que
ela teria mudado também o seu senso de justiça.

– Calidora. – minha voz tentava apelar para a sua razão, ainda que eu soubesse que
quem estava certa era ela. Suspirei, e tomei para mim uma voz mais branda. – Você
não sabe as coisas que vi a caminho daqui, e nós sabemos que já vimos muita
sujeira em Mirai. Não fiz nada que não fosse com a intenção de a encontrar e levá-la
daqui embora em segurança. Não precisamos ter nada a ver com isso. – Naquele
momento eu não me arrependeria de esmagar meu implante e acabar com qualquer
memória dentro dele debaixo da sola de meu calçado, esquecer o voto que fiz aos
Steelhearts e destruir uma arma muito potente contra Carmen. Eu não era egoísta,
mas eu não conseguia pensar em nada daquilo que não me levasse ao meu objetivo
final, a prova de que minha determinação também podia ser um grande defeito.
Calidora olhou-me cansada, e me disse todas aquelas coisas das quais eu não pude
responder. Ou não tive coragem. Não achava que iríamos nos livrar de tudo isso até
que Carmen conseguisse nos enterrar, não achava que a guerra de Miraitropolis um
dia iria acabar, seja com scripts, chumbo ou mentiras.

– Nós já estivemos do outro lado do tabuleiro. Sabemos o que eles fazem com os
seus inimigos, porque era o nosso trabalho. Não existe como esconder nessa
cidade, você e eu já encontramos pessoas muito mais discretas do que nós. Você
acha? Acha que isso terá fim? – ela repetiu a pergunta que eu não queria responder.
Era difícil dar a ela a verdade, ainda que ironicamente essa fosse a base de todo o
nosso trabalho. Ver alguém como Calidora acuada e tão mudada não era como eu
imaginava aquele reencontro, a mulher que sempre tinha um plano em mente e que
sempre conseguia sair de suas situações agora não parecia menos astuta ou
inteligente, mas sim a receber aquele choque de realidade mais seriamente do que
eu, o que me fez temer pelo que realmente poderia ter acontecido com ela, como
mulher.

Aquela cidade podia ser cruel com os mais fracos e sejamos sinceros, eu e Calidora
nunca fomos os tipos que sobreviveriam sozinhos nas ruas. Tínhamos lábia,
tínhamos manha e ninguém sabia criar uma mentira melhor do que nós, mas isso
não seria o suficiente com uma bala em nosso caminho. Mas infelizmente era tudo
que tínhamos. E era tudo que podíamos fazer contra nossos inimigos.

– Nós daremos um jeito. Nós sempre damos. – eu me restringi a responder, e pude


olhar como aquilo não satisfaz a mulher, mas vi que seus olhos me agradeciam.
Agradeciam pela verdade. Não podia dizer que estava mais perdido ou menos
perdido do que ela, nós havíamos mudado, mas éramos os próprios responsáveis
por tal transformação. Por toda nossa recente vida nos fantasiamos e rodeamos de
equipamentos caros e penthouses, drinques chiques e pessoas poderosas. Fomos
largados às ruas não devido à falta de competência ou inteligência mas sabedoria,
pois aquela era a verdadeira realidade, não a que fingíamos ter. Enquanto eu olhei
para o olho de Calidora que não tinha vida, algo que imaginei que fosse um olho
falso pelo seu outro estar em meu rosto, vi como era símbolo do quão cegos éramos
para tudo senão nós mesmos.

– Seu olho, você... Você me encontrou. – ela enfim percebeu, e também rendeu-se
aos sacrifícios que não sabia que eu havia feito para sobreviver até aquele
momento. Dos nossos olhares elétricos, só sobrou uma compreensão e acordo
mútuo, o que bem poderia ser nosso último trabalho juntos.

– Eu espero que você saiba mirar. Eu não vou enxergar por muito tempo nesse
estado. Precisamos voltar de onde eu vim se quisermos dar um fim nestes
implantes controlados por Telford, e eu espero que seu amigo não nos atrase. – o
homem mal parecia parar de pé, e a sujeira do sangue ao redor não parecia ser de
ninguém além do mesmo. Ergui um de seus braços e o trouxe para cima dos meus
ombros, içando-o da cama para que o impulso o colocasse de pé novamente.
Parecia que eu teria de ser as pernas do novo integrante do grupo e Calidora os
meus olhos. Algo me dizia que não iríamos muito longe daquela maneira, mas assim
era Miraitropolis: não havia vida além daquela que sobrevivíamos para ter. Com as
ruas apinhadas de inimigos e finalmente Calidora reencontrada, o último pedaço do
caminho agora também era o mais difícil.

Leon
Aos poucos meus sentidos foram voltando. Minha visão ainda embaçada e
praticamente imóvel na cama pude ouvir uma voz masculina no mesmo cômodo
que estava. Eu não reconheci de imediato e isso me fez me mexer bruscamente para
uma dor quase latejante me dar o choque da realidade. Estava novamente enfaixado
e sabia que o sangramento foi contido. Sentei na cama de costas para os outros
dois com os braços apoiados na minha perna. Se prestassem atenção em mim
poderiam ver pêlos acinzentados aparecerem por toda minha pele da nuca e um
pouco nas costas…

Ao primeiro sinal de perigo o tigre veio à tona para se defender e a culpa foi da arma
que o homem apontou para mim, não a vi, mas pude ouvir o gatilho sendo levemente
pressionado sem me alvejar com suas balas. Tinha de me acalmar neste momento.
Meus olhos azuis iam ao dourado em instantes e voltava ao normal. Só me acalmei
mesmo ao reconhecer o cheiro daquele homem e era justamente o que prometi
procurar.

A conversa até então eu não estava acompanhando, afinal meu foco era outro.
Apesar do meu estado, foi bom eu ter desmaiado por algum tempo. Não senti minha
carne sendo costurada e pude descansar um pouco e juntar forças para lutar
novamente. Obviamente não era a nível de uma enfermeira, mas Calídora fez o
melhor que podia nas condições que estávamos. Além de tudo, tal quarto me
enjoava pelo cheiro de mofo. Ignorei a óbvia intimidade entre os dois e engoli aquela
pontada de ciúme. E antes que pensem que me apaixonei por Calídora, é apenas um
ciúme por desejar a mulher do outro… Para um libertino era a maior das aventuras.

Depois de um tempo fiquei mais calmo e a dor diminuiu depois do quão brusco me
movi. Pude ouvir com mais clareza o que conversavam e fiquei calado por um
tempo. O tal de Pollux tinha toda razão de desconfiar de mim, uma vez que me viu
por um relance antes de sair e conhecer a mulher que está comigo. Ainda dando as
costas a eles, eu olhava ao redor a procura de minha camisa e quando a vi ensopada
de sangue, desisti de colocá-la.

– Parece que não precisarei procurar por mais ninguém. – falei com uma voz ainda
sonolenta – E só por causa de Calídora, irei protegê-lo também. – não era do tipo
bom samaritano, mas quando vi a situação do olho dele ao me virar para encará-los,
decidi ajudar mais uma vez. Podia notar a situação emergencial que estava os olhos
dele e me fez lembrar da época que lutava por controlar meu corpo e instintos, logo
depois de fugir do laboratório.
Claire Falcon

Eu estava em pânico. Não que demonstrava em meu semblante frustrado e sério. No


fundo não queria ouvir a resposta da minha própria pergunta. Minha mente estava
num redemoinho imenso e só sentia a necessidade de me afastar de tudo e me
esconder no escuro. Pela primeira vez ameacei alguém de morte e ainda mais,
torturar alguém com eletricidade. Eu já não ouvia mais os resmungos e xingamentos
do sequestrador insolente. Minha visão estava nublada e eu suava muito e não
porque estava quente, mas sim de nervosismo.

“Claire, você sempre será a princesa fofa e frágil…” Ecoou em minha mente numa
voz repleta de ironia de mim mesma.

“Se Ian estivesse vivo, ele te salvaria… Agora está sozinha” Mais uma vez veio o
julgamento para me torturar.

Quando Kayne voltou e começou a falar, imediatamente voltei a mim mesma e ao


controle. Eu tinha que me preocupar mais ainda com ele que, com apenas sete anos,
agia como um chefe mafioso justiceiro. Suas palavras eram duras e maduras
demais para uma criança. Mas foram as coronhadas com o rifle que me assustaram
um pouco. Ele não hesitou. Tampouco se arrependeu. A pior parte de estudar
assassinos era ficar analisando qualquer um à sua volta, e ele era um ótimo
candidato.

O pior de tudo, que fez até minha respiração fraquejar foi ouvir os mandantes de
tanta porquice e abominação. Justamente os que estão na ponta do poder. Os que
manipulam tudo ao seu favor. Por um momento desejei desistir de tudo e desabar ali
mesmo, no antigo tribunal deixado às moscas e cupins. Eu podia fazer qualquer
coisa, menos desabar aqui. Eu tinha que me certificar que Carrie não se mate, levar
Kayne para nosso quartel general, ajudar no que quer que tenha acontecido ao grupo
de hackers.

“Claire, mantenha a calma e termine o que começou. Não caia na tentação de


começar e não terminar, minha querida.” Soou em minha mente, como a luz do sol
em meio de tanta nuvem pesada, a voz do meu falecido irmão. E com isso me
levantei.

– Kayne, me dê o rifle. – pedi para ele numa mistura de frieza e gentileza.

– Sim. – Sua serenidade me acalmava e segurei a arma com as mãos trêmulas.


– Ainda estou surpresa por aguentar tão bem o peso desta arma, como também o
impacto ao atirar, os modelos antigos são mais difíceis de controlar… – tentei ser
cômica.

Com apenas um tiro, mirei na cabeça do último dos sequestradores da minha amiga.
Hesitei para atirar, não vou mentir. Não estava preparada para tirar uma vida. Foi aí
que pensei na pena de morte, cujo corredores estavam lotados. Pensei em tudo que
Carrie sofreu e tudo isso me deu a iniciativa para atirar. A morte foi rápida e
instantânea, onde nem deu tempo para ele fugir. Quando me recuperei do choque,
joguei o rifle no chão e dei as costas ao corpo. Kayne me acompanhou em silêncio,
respeitando meu estado emocional. Ele sabia ler muito bem as pessoas, estudou
para isso assim como eu.

– Como não fica abalado em pensar matar alguém assim? – a pergunta veio e saiu.
Reconhecia minha fraqueza atual.

– Essa frieza deve ser hereditária, mas eu penso nas atrocidades que fez a senhorita
Carrie, em outras mulheres que poderiam ter sofrido como ela e nas que viriam
depois de hoje. Nos crimes básicos que ele comete diariamente… E certamente, se
houver mais vítimas, esse grupo pegaria pena de morte se o departamento policial
não estivesse de greve. Só agilizamos todo o processo e burocracia. – explicou ele
com muita calma, o que me fez pensar de outra forma e sorrir depois de tudo que
aconteceu.

– Vou te deixar na UAC e vou atrás de Carrie, ela precisa de cuidados e vigilância até
eu encontrar alguém de confiança para o tratamento dela. Vamos. – subi na moto
parcialmente amassada na frente, mas não danificada de fato.

– Ela pode tentar suicídio se for pensar no quanto valorizava sua honra… Melhor
mesmo um vigia para ela. Vamos sim. – Kayne subiu na moto e saímos às pressas
daquele lugar.

Aron Steiner

Aron rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para defesa do tiro explosivo que
resultou 10 - Total: 1 Sucessos
Aron rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 10 para atirar no carro onde está o
Liam que resultou 17 - Total: 1 Sucessos
Quando dei por mim estava no meio de um confronto que não fazia parte. De um
lado aquele monstro horrendo e do outro aquelas pessoas que me eram muito
familiares. Meu corpo parou e me foi permitido observar a cena. Era humilhante
apenas assistir e não escolher um lado e lutar por mim mesmo. Aquelas pessoas
que o Necroide atacava eram muito familiares, especialmente um que me fez perder
a cabeça e querer matá-lo. Eu sabia que era muito briguento, mas nunca tirei uma
vida sequer, até mesmo no ringue.

O tremor do solo, os maus cheiros de sangue e carniça, a poeira de concreto que


vinha dos restos das lápides… Não era um lugar adequado para um guerra… Um
cemitério era para ser um lugar de repouso e respeito… Mas pelo que percebi nem
com os mortos aqueles dois se importam… Para criar uma máquina de matar
daquelas…

“E pensar que achei que esses fedorentos fossem dos invasores do canal…”

Tal pensamento me surpreendeu, pois parecia outra pessoa falando, mesmo


reconhecendo a forma de pensar… Provavelmente uma faísca da memória que perdi
veio sem avisar. O que pude tirar disso? Que eu trabalhei talvez, para eles e algum
grupo invadiu e apareceu o necroide… Ahhhh É confuso. Minha posição ali era
confusa. Eu tinha de matar uma mulher e de um momento para outro, ela atirou em
mim e eu parei. Para falar a verdade, o impacto me tirou o equilíbrio, mas não saí
ferido.

A metralhadora foi usada mais uma vez e os disparos foram contra os tiros dela, o
que causou uma explosão maior no meio do fogo cruzado entre as demais pessoas
ao meu redor contra o outro cachorro de controle remoto. Praticamente, nem parei
para pensar no que aconteceu. Não pude ver tudo. Era muito estranho ter esses
olhos digitais e seu campo de visão ser lotado de caracteres de qualquer um ali,
como a mira do alvo e demais eventualidades registradas ao mínimo detalhe. Uma
poluição visual, eu diria. Talvez uma falha na programação? Ah sim, sou uma
máquina agora.“Interceptar carro à sua direita. Matar todos dentro do veículo” Veio a
ordem e meu corpo obedeceu.

Me virei na direção do alvo. Posicionei a mira e logo vi o carro alvo da maldade da


chefona. Eles estavam com pressa, logo iria sumir pela estrada e longe do cemitério.
Eu só tinha tempo para disparar uma vez. Forcei para mirar com uma mão apenas,
onde foram cinco disparos simultâneos contra o veículo em movimento. Não olhei
para o resultado desse ataque. Ao menos tentei não olhar.

OBSERVAÇÃO: As pontas soltas deixadas é para livre decisão do narrador.


Akane

Tinha que admitir que era suicídio o que Liam queria. Telford e Jaime estavam no
momento intocáveis. Não que seguisse ordens deles, mas que a verdade seja dita
de uma vez! Sem contar no monstro fedorento e do ciborgue idiota que estavam no
caminho. Isso que me dava nojo. Sem contar o ambiente ao meu redor, um
cemitério, um local cheio de obstáculos.

Quando tudo pareceu complicar para mim, com o Necroid Alfa podre vindo com toda
sua fúria, veio os soldadinhos do Tony com uma declaração sem sentido de me
salvar. Olhei para Vulcano com uma expressão enojada e irritada. Desejei muito
pegar minha arma e disparar contra ele para morrer de vez, já que desejava assim.
Odiava a ideia de ser protegida por alguém.

De relance olhei para o Liam e pude imaginar o que ele queria que eu fizesse: salvar
esses dois, já que era um exagero tremendo eu estar em perigo a ponto de alguém
se sacrificar por mim. Afinal não percebi Helena se aproximando da zona fatal. Eu
salvando pessoas? Ele se fingia de demente? Todos estavam loucos? Eu que quase
disparei contra Volcano para ter uma morte mais rápida e instantânea?
Sinceramente? Toda essa brincadeira de guerra política estava me cansando.

– Vou embora, infelizes. Boa sorte aí com vocês Prodigal Son – Não falei só com os
suicidas e sim para geral.

Só vislumbrei antes de sair correndo, a Cinderela Azul e seus amigos ratos voando
para algum hospital… Ou sei lá. Nem percebi direito quando eles entraram no carro.
Estava distraída demais. Sem mais delongas, me levantei daquele solo sujo e
mesmo mancando me dirigi para a saída do cemitério como se fosse a rainha do
pedaço. Não ia desperdiçar a abertura que os suicidas estavam criando ali. Minha
intenção era chegar na rua, pegar um táxi e ir para casa.

Narrador (extras)

Joe perdia o controle do veículo, o carro subia o meio fio, atropelando algumas latas
que os lixeiros “esqueceram” de recolher por que agora o serviço público respondia a
uma corporação. Posteriormente colidiu contra algo extremamente sólido. Por sorte
as latas e uma pilha de sacos de lixo que mais parecia uma montanha reduziam a
velocidade evitando um acidente mais sério, salvos pela sujeira de Mirairopolis e a
incompetência do serviço privado.... Todos dentro do automóvel estavam bem,
porém o instrumento da fuga deles estava com o capô completamente amassado
liberando fumaça negra e enfiado em um poste. Joe era o primeiro a sair, levando
X-9 nos braços. Ninguém dizia nada, apenas viam o confronto dos manifestantes
enviados por Tony atrapalhar os seguranças do cemitério.

– Liam, Boris, me dêem cobertura enquanto levo X-9 pra longe e procuro alguém que
nos tire daqui. - Avisou, puxando do banco traseiro o corpo inerte da hacker. Eles não
notavam que gasolina vazava do tanque de combustível do carro e se espalhava
pelo asfalto.

A função primária do Necroide Alfa era garantir a segurança de seu criador, Jaime
K’dore e sua sócia, Carmen Telford, portanto, depois de ser empurrado para trás com
a explosão, quando viu Herrera e Coronel, se colocou à frente dos dois, levando os
tiros na armadura que nada sofreu, garantido com sucesso a fuga do magnata das
indústrias Orion e a nova “prefeita”. K’dore era realmente um homem preparado para
tudo, que pensava em todas alternativas. Além de ter o Necro-A como sua garantia
de fuga, um carro já havia sido chamado durante todo o tumulto. O sedan prateado,
convertido para o modo voo, pousava entre as lápides luminosas, abrindo para cima
suas portas e acomodando os dois em seu interior para depois alçar novamente
voo, espalhando a fumaça dos propulsores antes de acionar o modo
anti-gravitacional. Para infortúnio dos Steelhearts, quando olhassem para cima
presenciaram o automóvel sumindo entre os prédios da cidade e a chance de
eliminar dois coelhos com um golpe escapar pelos dedos. O enorme cadáver
mecânico ficaria ali parado sem muita função depois disso, mas com o tiro de Aron
acertando o veículo que Liam usava para fugir fora danificado, a função secundária
foi reativada, essa que seria matar o líder da gangue para desarticula-la. Voltando a
se mover, o reanimado passou a caminhar, andando para frente, e os passos largos,
ignorando Herrera e Coronel.

O caminhar da coisa logo se transformou em uma corrida na direção da saída do


cemitério, vapor subia de suas juntas mecanizadas, que trabalhavam e faziam ruído
de engrenagens e antigos maquinários pesados. Avançando, ele também ignorou
as presenças de Helena e PeeBoy, no entanto abria caminho atropelando os
“zumbis” a volta do casal. Os corpos putrefatos contra a parede de metal que
avançava explodiram em muitos fragmentos, reduzindo os mortos em simples
pedaços mutilados de carne disforme como nacos de argila se desfazendo. Alguns
perderam partes do corpo e rastejavam implorantes pelo chão. O muro também não
foi empecilho, jogando muita poeira de concreto no ar, abriu uma nova passagem
assim como tinha feito na catedral, mas desta vez com um único soco.

Os manifestantes e a guarda privada que se enfrentavam no lado exterior,


impressionados com a obra profana da Orion cessaram o combate tendo um
vislumbre daquela criatura grosseira que era remendada com partes de metal, fios e
cabos. O monstro urrou, o mais alto que pode, como nunca antes feito e seu grito
grotesco colocou tanto os manifestantes quanto a segurança privada para correr.
No tumulto, um táxi que ali passava ficou com a passagem bloqueada graças a
correria formada e a posição do monstro.

Pelo buraco do maciço muro os cadáveres ambulantes ganhavam as ruas, em um


tom bem sombrio graças a névoa do clima e a cortina de poeira causada pela
demolição. Eles vagavam curiosos e sem medo. O prefeito Sirius foi visto por uma
das esquinas ao redor do Cemitério Neon, sem rumo, enquanto outros iguais a ele
perambulavam a esmo pelas calçadas e abaixo de postes a meia luz envolto de uma
névoa tétrica. Aquelas coisas, todas partes de um mistério insondável, assustou os
moradores mais do que qualquer disputa de gangue ou atentado até então
noticiado. Em pânico, os moradores entraram em histeria coletiva, corriam,
trancavam-se em suas casas, julgando que assim como o cinema retratou milhares
de vezes, o dia do apocalipse zumbi havia finalmente chegado. Alguns infortunados
não conseguiam escapar e eram atacados, sendo despedaçados e devorados ali
mesmo, em plena via pública, a exemplo de um homem que teve seus órgãos
externos expostos no asfalto, as vísceras espalhadas e o sangue rubro como vinho
tinto emergindo abaixo de um corpo pela metade, servindo de banquete para duas
criaturas horrendas.

No entanto, devemos essa visão chocante ao simples detalhe de que a maioria


senão quase todas pessoas de Miraitropolis continha próteses, sejam elas por
motivos estéticos, de saúde ou melhoria física. E todas essas partes em sua grande
porcentagem são confeccionadas de metal, ferro ou algum outro tipo de estrutura
de liga magnética. Lembrando que ninguém se dá ao trabalho de remover essas
próteses quando alguém falece.

Entre muitas funções que K’dore declarou ao Necroide gigante foi um aparelho que
possui uma carga bem elevada de magnetismo. Resumindo, o Neco-A não
ressuscitava matéria morta, o que ele fazia era “controlar” essas peças anexadas ao
corpo do morto. Por essa razão que os cadáveres andavam cambaleantes e com
tremores. Mas como a imagem clássica dos zumbis estava muito enraizada no
consciente coletivo, quem iria supor que era esse o motivo pelo qual se moviam
assim? O pânico se alastrava pelas ruas. Drones, dirigíveis, câmeras filmavam
aquela desgraça. Até mesmo a moda antiga, um câmera man carregava no ombro
seu equipamento, filmando o caos na rua, ao mesmo tempo que Susan Ortega
tentava noticiar o evento sem parecer extremamente assustada.

– Não se sabe o que aconteceu, no momento mais crucial do protesto entre


manifestantes anti Carmen Telford e a guarda privada em pleno funeral do prefeito
Sirius, considerado pela Dama de Prata um verdadeiro insulto… De repente parece
que os mortos levantaram dos túmulos e deixaram seu descanso eterno de lado….
MEU DEUS, VEJAM AQUILO, É O PREFEITO SIRIUS, ELE ESTÁ ANDANDO!!

Susan Ortega alarmada não sabia mais o que dizer diante a aterrorizante cena do
prefeito assassinado caminhando. O câmera man, um jovem rapaz loiro de vinte e
um anos trajando jeans surrado alerta Susan que seria melhor ambos entrarem no
furgão e continuar a matéria na parte de trás da van. Ela concorda. A van em sua
traseira possuía um estúdio móvel completo graças aos grandes recursos de
Telford, e dali de dentro o link ao vivo era passado para o âncora, Samuel R. III ao
mesmo tempo que tentavam alcançar o abrigo, mas...

– Certo, obrigado pelas novas informações, Susan… Daqui em diante vamos fazer a
cobertura dentro do estúdio móvel… O que é isso?

Samuel R. III, o homem de cabelo cajú e de meia idade tinha de lidar com uma
estranha intromissão no estúdio móvel, uma daquelas criaturas da rua invadia a van
no meio da transmissão ao vivo. A figura assustadora era ninguém mais do que o
prefeito Sirius, que segurava os ombros de Samuel e ia com suas mandíbulas
descarnadas direto ao pescoço do âncora. A criatura desmorta babava um líquido
escuro que escorria por seu peito manchando a roupa e aplicava um mordida na
jugular do repórter, que com expressão assustada se debatia. A cabeça fora puxada
para trás para alargar o corte parcial no pescoço e acelerar o fluxo de sangue. A
força vital do âncora saía em jorros, como água de uma torneira aberta. Porém o
assassino e a vítima não eram as únicas presenças, havia um terceiro membro na
festa, com as costas viradas. O terceiro elemento virou-se para a câmera e atacou
saltando com os braços para frente. Depois de um grito de desespero a
transmissão foi encerrada. Do outro lado da cidade um carro roubado cruzava a
Avenida Armitage a toda velocidade, ignorando os sinais de trânsito.

Quem iria pará-lo uma vez que não existiam policiais nas ruas? Todavia ainda podia
se temer a vigília dos dirigíveis acima dos arranha-céus e todas aquelas
propagandas eletrônicas. Um deles disparou um laser vermelho na placa do carro.
Obtendo a informação em seus registros de que o dono havia reclamado do furto
meia hora atrás. O equipamento desceu, flutuando e pairando acima do objeto
roubado. Mais um laser escarlate foi liberado, sem que as pessoas do interior do
percebessem suas retinas foram escaneadas. Registro 1: Leon. Registro 2: Calidora.
Registro 3: Pollux. Os nomes eram emitidos pelo dirigível, estranhamente no entanto
o mesmo subia novamente sumindo na neblina de poluição de Miraitropolis em vez
de tentar impedir ou forçar uma parada do carro que mantinha sua velocidade alta.
Esquecendo o fato, Calidora acelerava e o veículo chegava no estacionamento dos
Laboratórios Carwell. Mais tranquilos, usaram a entrada da superfície que dava para
umas das principais avenidas da Cidade Média. A passagem não era o que se tinha
de melhor do laboratório com suas paredes de metal enegrecidas graças à
quantidade de ferrugem, consequência da incessante chuva ácida de Miraitropolis.
Os tubos, canos, e conexões de ferro conectados a circuitos com estruturas das
portas pareciam que tinham séculos de existência. Mas aquilo ajudava a manter as
aparências, não se parecia em nada com uma instalação laboratorial e sim mais
com uma nave espacial abandonada.

Vangelis analisava os olhos de Pollux depois do processo de recuperação de suas


vistas. Sentado na borda da maca, o aparelho cilíndrico de metal, jogava luz nos
novos implantes oculares do ex - repórter, testando a contração da pupila e o
estímulo dos reflexos. Tudo naquela hora parecia normal. Também repetiu o
procedimento em Calidora, a qual tinha passado pelo mesmo processo e o mesmo
resultado. Posteriormente, quando os testes terminaram ela caminhou até um painel
repleto de monitores, todos ligados aos nervos ópticos do casal por um microchip
implantado no órgão, e em seus dedos correram rapidamente pelas teclas, digitando
com atenção. Surgiram muitos gráficos das telas dos monitores, todos azuis
transparentes, contendo informações que apenas quem trabalhava no laboratório
entendia. A cadeira giratória de Vangelis girou em direção a Calidora e Pollux e ela
encarou os dois, pensativa.

– Vocês não correm mais risco de perder a visão, felizmente. Seus novos implantes
estão saudáveis e não sofrerão rejeição. – Calidora sorriu contente com a boa
notícia.

– E quanto às chances de Carmen Telford hackear nossas visões? – Indagou,


Calidora.

– Estranhamente… Também não correm esse perigo mais. – Apesar de dizer a


verdade, Vangelis hesitou e baixou a voz.

– Tem certeza, doutora? – Calidora quis confirmar.

– Sim. Eu não sei o que ocorreu… Mas os gráficos não mostram mais qualquer tipo
de atividade de login dos acessos da Dama de Prata com relação a invasão ou
extração de informações que vocês tenham guardado nas próteses oculares. Nem
sequer tentativa foi detectada. – A doutora sabia que não fora um milagre e sim que
o Capitão Slay estava por trás disso. Era melhor que Calidora e Pollux soubessem.

– Isso… Isso É maravilhoso! Viu só, Pollux? – Contente e abrindo um sorriso,


Calidora o abraçou.

– Quase que um milagre… – Vangelis cruzou os braços, olhando para baixo.


– E Leon, como está? – Perguntou Calidora, saindo ao lado de Pollux.

– Está bem, perdeu muito sangue, mas o amigo de vocês se recupera rápido.
Precisou de uma transfusão e agora está descansando. Acho que mais uma hora e
está novo em folha. Se encontra na ala onde o Doutor Thomas e Tony Montana
estão internados também. É a sessão seis, à esquerda do corredor B. – Calidora
apressou o passo seguindo a orientação.

Compadecido com a condição da Promotora Carrie, na sala de jantar, Sifer


vasculhava os números de sua pulseira comunicadora, procurando o número de
uma assistente social. Ele jurava que continha o contato de uma em sua agenda,
mas se tinha, não encontrava. Sem opção, Sifer direcionava a comunicação sua
chamada para Nick Slay. Sem demora o mesmo atendia.

– Sifer? Você está vivo? – Indagou inseguro.

– Sim, porque, eu não deveria, Capitão?– Não entendeu.

– Deveria... É que pensei que estivesse junto com o Tenente Crovax.

– Era para estar, mas ele me designou para outra tarefa. Não estou entendendo,
aconteceu algo, Capitão?

– Diga.

– Está tudo bem mesmo? Estou notando o senhor um pouco estranho… Parece...
Tenso…

– Relaxe garoto, está sim tudo bem sim. Agora volte e cuide da Supergirl. – desligou
com pressa.

No alto daquele prédio velho e cheio de infiltração uma janela mostrava uma sombra
enigmática. Ela escorria do vidro a chuva ácida dos céus. A luz que entrava pelas
frestas da persiana ocultava a forma escura caminhando de um lado a outro, o jogo
de luz e sombra sobre a silhueta da sua face contribuía para manter oculta a
identidade daquela pessoa. Aparências tão etéreas como as sombras e névoas
daquele escritório em completa penumbra.

– Quer dizer que Sifer está vivo? Seu plano não saiu exatamente como planejado,
Capitão. – Disse o estranho exalando fumaça de cigarro pela boca.
– Não é problema, o garoto vai ficar cuidado da promotora até o momento que eu
mandar ele parar.

– Entendo. – Completou.

– Deixarei vivo. Mas se colocar o nariz onde não é chamado, acabo com ele em um
estalar de dedos. – Nick reproduziu o som estalando os dedos.

– Hmm… – O homem oculto soltou outra vez fumaça de cigarro pela boca.

Voltando ao que acontecia no Cemitério Neon, Herrera, Coronel, PeeBoy e Helena


correram em direção ao buraco que o Necro-A havia feito, eliminando a tiros os
"zumbis" que barravam a passagem. Entre eles existia essa legião de mortos vivos e
a grande fera monstruosa de metal e circuitos. Não tinham como chegar até Liam,
Joe, Boris e X-9 sem antes enfrentar o monstruoso ser aberrante. Um novo plano
precisava ser pensado, e rápido. PeeBoy como bom estrategista conseguiu ver que a
gasolina do tanque furado se acumulava em uma grande poça, que começava perto
onde Liam estava e estendia até onde a área em que o Necroide Alfa estava em pé
segurando o táxi acima da cabeça.

O Necro-A ostentava o automóvel amarelo acima da cabeça, gritando como louco,


em um bizarro lamento de agonia e dor. Akane certamente não contava com isso,
nem o motorista. O homem abriu a porta e sem pensar saltou de dentro do carro.
Quando suas pernas tocaram de mau jeito o asfalto, ouviu-se um barulho de ossos
se quebrando e nervos se rompendo. As tíbias foram esfaceladas com a queda e o
homem se arrastou perto dos pés do Necroide Alfa. Este ergueu a perna e esmagou
o motorista com toda sua força, reduzindo sua existência em um simples borrão
vermelho na pista. O asfalto rachado comportava uma boa quantia de conteúdo
semi esmagado que um dia fora aquele homem, pai e marido. A aberração da Orion
virou-se de costas para Liam, sibilando num zunido eletrônico. Volta- se de frente
para o grupo que enfrentou no interior do cemitério, encarando-os com frieza total
daqueles olhos mortos. As criaturas mortas vivas que uivam, babam e arrotam
cercavam PeeBoy, Helena, Herrera e Coronel, trazendo calamidade e tensão.

A atmosfera se torna mais densa quando se percebe que existem crianças junto,
uma garotinha com o vestido rosa coberto de sangue erguida do além túmulo repete
o mesmo gesto que os demais esticando o braço para frente. No entanto, eles não
atacam, apenas ficam ali, parados à volta deles, como que querendo bloquear a
passagem, impedindo qualquer tipo de avanço. Agora em toda parte há gemidos,
gritos, grunhidos e tosse. Rápido e determinado, não há aviso algum, sem esforço o
Necro-A arremessa o carro que continha Akane em cima do grupo que era cercado
pelos zumbis. A trajetória do táxi é retilínea e visa cair em cima de todos naquele
espaço calculado, sejam elas criaturas mortas ou vivas.

A chuva cai, bate no capacete, no peito, o ruído é alto, as poças d’água se formam.
Não terminou, a caçada continua, naquele cruzamento da esquina do Cemitério
Neon, a mando dos impulsos magnéticos da unidade de combate, mais corpos sem
vida se unem do outro lado da calçada, desta vez cercando o carro acidentado
contra o poste. Balas não deteriam aquelas coisas, ou sim, mas aos que cairiam
outros tomariam seu lugar, não passando mais do que peças de reforço. O exército
profano em putrefação dava cobertura, rodeando Liam. Não eram rápidos nem
muito espertos, mas esforçados na tarefa dada, erguendo os braços frente ao
humano, na incumbência de segurá-lo. Eles vomitavam carne, tecido viscoso e
cérebro polpudo. Encharcados naquele fluido escuro fedorento. Alguns mutilados,
sem a metade do corpo, arrastavam-se de bruços tentando agarrar suas pernas.
Agora em toda parte para que olhasse existia aqueles seres repulsivos.

A unidade de circuitos e metal range, se move, barulho de peças bem lubrificado


deslizando por engrenagens, um silvo pneumático. Vagando como um monstro
sobre a face da Terra, em sua existência, a mercê das diretrizes de K’dore, recebendo
comandos aos poucos nacos de massa cinzenta e poucos feixes de tecido nervoso,
reajusta o foco da visão robótica para a van que fazia a cobertura ao vivo, a mesma
que o prefeito cadavérico devorava o âncora. Sua mira cibernética fechava o alvo na
van. No modo de busca sua ótica avermelhada enquadra ângulos e vetores de linhas
gráficas pelo quadrante da rua até a distância do veículo procurado. Letras e
números que fazem sentido apenas para ele surgem em seu globo ocular
modificado.

O obedecendo a programação, a fera com as mãos na traseira do furgão erguia o


veículo sem esforço, as rodas saíam facilmente do chão, rodavam no vazio a esmo,
inutilmente. A unidade de combate desprendeu um guincho miserável novamente,
um grunhido de aviso de um animal raivoso. O som grave escapava de tal forma que
todos pudessem ouvir, mesmo a quilômetros, é o urro da calamidade. A van
dobra-se à volta das suas mãos virando um amontoado de ferro retorcido, os vidros
estouram, estilhaçando em centenas de cacos. O lamento infernal da criatura é
absurdo ao amassar o veículo como papel. Tudo que tinha de orgânico dentro é
destroçado, amassado, como carne processada, com a mais brutal força, o sangue
e outros líquidos vitais escorrem pelos vãos abertos no metal do automóvel.

O vento aumenta, a chuva imunda inunda as ruas. Empunhando acima da cabeça


sua mais nova obra, a sucata em decomposição ergue ao céus chuvoso a bola
metálica, como da primeira vez que fez com o táxi e arremessa aquilo, mas desta
vez em direção a Liam, que ficava aos cuidados da “tropa” inabalável diante o duelo
furioso, os seres não vivos impiedosos, criaturas zumbidoras e salivantes que
precedem mais do que tudo impedir a escapada do alvo humano, mesmo que isso
significasse a destruição deles também. Calculado premeditadamente a trajetória
do arremesso pelos softwares e chips embutidos em sua cabeça, o destroço quica
duas vezes, caindo no asfalto e abrindo rombos na pista, é suficiente para fulminar a
vida estúpida de qualquer ser humano.

Porém antes que caísse em cima de algo ou alguém, o braço esquerdo do Necroide
se modifica, o sistema magnético altera a forma do membro, os motores trabalham
transformando o braço em um grande tubo prateado, um canhão. Uma arma
acionada pela tecnologia reforçando o arsenal de combate. Aquilo dispara contra a
esfera de ferro que quica, e quando acerta o rugido é alto, como o golpe de martelo
de um furioso deus do trovão. Transforma o objeto numa enorme bola de fogo
incandescente, girando com mais violência e força destruidora onde as estatísticas
de sua visão mecanizada previam cair em cima de Liam e o grupo de mortos à sua
volta.

Instruções: Turno apenas para quem está envolvido no combate com o Necro-A
(Liam, Akane e Aron)

Akane terá que jogar os dados com a dificuldade 17 (considerando o pouco dano
que fizeram com o Necroide) para tentar saltar do táxi a tempo, tentar sobreviver a
queda do mesmo ou qualquer outro tipo de defesa. Se falhar, os danos ficam a
critério da livre interpretação.

O mesmo serve para Liam, dificuldade 17, mas se a van amassada pegando fogo
cair em cima, será fatal.

Aron vai "reforçar" o ataque do Necro-A da forma que bem entender, ficando a seu
livre critério.

Para salvar os npcs da queda do táxi, a dificuldade é 17, e assim como Akane, se
falhar, os danos ficam a livre interpretação do jogador.

Liam

Em um único instante as coisas mudaram, num momento estávamos fugindo com o


carro roubado e no outro o carro era atingido e batíamos em um poste. Joe agiu
rápido, saiu do carro e retirou X-9 do banco de trás nos braços, correndo com ela
sem pensar duas vezes. Agora era minha vez de dar cobertura para que Joe fugisse
junto com a doce hacker. Sai do carro com a Glock na mão, Boris segurava uma
Shotgun, antes de fazer qualquer coisa retirei o pente da arma e conferi o número de
balas, havia apenas três e era meu último pente.

Coloquei o pente de volta na pistola, segurando-a com ambas as mãos, apontei para
a monstruosidade tecnológica, Boris seguia meu movimento e também apontava a
calibre 12. Porém, tivemos uma surpresa, ele simplesmente virou as costas para
nós, voltando-se para Peeboy e os outros, que a aquela altura já estavam totalmente
cercados pelo exército de mortos.

– Boris! Vamos da o fora daqui, o pessoal vai conseguir se virar. – Não sou um
merda que abandona os aliados no campo de batalha, mas estávamos sem opções,
os reanimados estavam começando a nos cercar também.

O monstro criado pela tecnologia imunda dos tempos atuais lançou o taxi contra
Peeboy, Helena, Herrera e o Coronel. – Pessoal, eu cuido do táxi, abram caminho
para sairmos dessa droga! – Ela então tomou a frente do grupo, modificando suas
manoplas para disparo de energia. Juntou as mãos frente ao corpo e disparou uma
onda de energia contra o táxi, visando repeli-lo. Herrera começava a explodir as
cabeças dos zumbis com seu fuzil, ao lado dele estava o Coronel que fazia o mesmo
junto ao cowboy hi-tec, que atirava com seus revólveres. – Puta merda! – Herrera
olhou para trás, Helena estava parado sem reação e o táxi já estava praticamente
em cima deles, ela havia errado e agora só restava tentar correr.

Boris e eu não estava muito melhor que eles, não importou o quanto nos afastamos,
os mortos nos cercaram da mesma forma que haviam feito com nossos
companheiros. Boris engatilhou a 12 e atirou contra alguns mortos, enquanto gritava
insanamente, ele ainda estava sob efeito da pílula de adrenalina. O Necroide então
pegou uma van do canal 17, erguendo-a e jogando contra nós, a van batia no chão e
continuava seguindo na nossa direção. Para piorar, ele disparou uma espécie de
munição incendiaria no veículo, transformando numa bola de aço e fogo.

Foi então que a sorte resolveu dar as caras, os mortos tinham nos cercados bem em
cima de um bueiro. – Boris, me dê a Shotgun e abra o bueiro, essa é a nossa saída
desse inferno. – Ele estava com adrenalina no corpo, seria fácil para ele abrir o
bueiro. Eu guardei a Glock na cintura e peguei a 12, apontando para os cadáveres,
enquanto ele abria a passagem para o esgoto. Ele conseguiu abrir, porém as pílulas
de adrenalina tinham um custo, elas exigiam muito do corpo e por isso Boris
simplesmente não conseguiu mais se mover, caindo sentado no asfalto.

A bola de fogo e aço esmagava os cadáveres, agora só restava para gente mais três
segundos para fugir ou seríamos esmagados. Eu corri, empurrando Boris para
dentro do bueiro e pulando logo em seguida. Caindo junto com ele na água imunda
do esgoto de Miraitropoles. Lá embaixo, coloquei Boris apoiado no meu ombro
direito, segurando a 12 com a mão esquerda. Agora nos restava apenas se arrastar
pelos esgotos feito baratas e rezar para que Joe conseguisse salvar X-9.

Liam rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 14 para entrar no bueiro que resultou
14 - Total: 1 Sucessos
Boris rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 14 para abrir e entrar no bueiro que
resultou 12 - Total: 0 Sucessos
Boris rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 1 para matar mortos que resultou 9 -
Total: 1 Sucessos
Peeboy rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 1 para matar mortos que resultou
18 - Total: 1 Sucessos
Coronel rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 1 para atirar nos zumbis que
resultou 16 - Total: 1 Sucessos
Herrera rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 1 para atirar nos mortos que
resultou 20 - Total: 1 Sucessos
Helena rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 17 para atingir o carro com onda de
energia que resultou 12 - Total: 0 Sucessos

Akane

Akane rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 17 para se pendurar num painel que
resultou 18 - Total: 1 Sucessos

Ignorei tudo ao redor e entrei no táxi. Não era do meu feitio usar esse tipo de
transporte, mas era o que tinha aparecido primeiro. Estava saturada daquela nojenta
com seu amante e seus brinquedos podres. Dois covardes isso sim! Já tinha me
acostumado ao cheiro e sabia que não podia fazer nada com aqueles dois
cachorros deles… O melhor jeito é fugir então. Outra coisa, não gostava de brincar
com os restos rastejantes que mais eram lixos para limpar depois…

Nem olhei para o motorista, ele só dirigia. Escutei uma explosão e batida, mas como
os demais ignorei. O que não pude ignorar é logo depois aquele ser me seguindo
ferozmente. Praguejei baixo e não fiz nada brusco. Quem entrou em pânico foi o
motorista, onde ele pulou para a morte… Isso sim me provocou um sorriso satisfeito,
que suicídio mais lindo e drástico! Certamente o monte de carniça esparramava no
asfalto os restos do infeliz. Virou purê! Mas minha situação não tinha ficado melhor
apesar de eu ter gostado. O veículo estava sem condutor avançando em linha reta
como fora projetado para fazer…
Afinal, que espécie de carro não possuia piloto automático hoje em dia? Maldito
modelo antigo de carro! Agora sim tive raiva do falecido que provavelmente roubou o
carro do ferro velho para trabalhar. Minha angústia era estar sem recursos melhores
para escapar da situação. A única coisa que fiz foi me desprender do cinto de
segurança e pegar mais uma vez minha pistola desejando ter carregado o suficiente
para mais um tiro. Num turbilhão de desejos homicidas e emoções desconexas, a
surpresa e uma pontada de medo reinou. O monstro fedido ergueu o carro em
movimento e lançou contra um grupo de mortos vivos ali perto…

– Ficou irritadinho é? Eles não seguem suas ordens? – Debochei apesar da minha
situação estar crítica.

Nem tão crítica assim, pois ao olhar um painel de neon, tive uma ideia um pouco
menos suicida do que meu destino ao ficar paradinha dentro do carro. Usei minha
Taurus nos dois disparos que eu pude fazer para vaporizar o teto do carro.
Obviamente não escapei dessa sem cortes ou pedaços de metal cravados na minha
pele, mas não tinha tempo para reclamar da dor ou dar atenção aos primeiros
socorros. Em seguida usei a mola do assento para poder saltar e me pendurar no
painel. Agradeci ao monte enlatado podre por não ter feito o carro se chocar contra
ele ou morreria eletrocutada além do impacto... Pois era um modelo do tipo que
cobria o comprimento da rua inteira e ficava mostrando coisas básicas como
temperatura, clima, hotéis mais próximos, postos de emergências, essas coisas…

Sua base é toda em metal cilíndrico soldado um no outro. Visto de baixo para cima,
parecia uma escada deitada. Foi aí que me agarrei com a luz intensa a me cegar,
tentei abrir os olhos para ver o que faria em seguida com meu inimigo, mas uma
espiada, o vi indo para outra direção. Então só me preocupei em descer.

– É cada coisa que sou obrigada a fazer… – Praguejei ignorando os pequenos


ferimentos da manhã toda.

Narrador

Se separarem foi a melhor coisa que poderiam ter feito, dispersava o foco do
Necro-A uma vez que ele daria prioridade na busca contra Liam. Sendo assim Joe
pode se afastar com X-9 em seus braços sem correr risco de ser caçado pela
monstruosidade. Ouvia os barulhos e explosões de longe, para que seus
companheiros estivessem bem, confiava na liderança de Liam e sabia que ele
guiaria todos para um local seguro. Estava cansado de correr quando encontrou
uma viatura roubada por punks e que seria depredada pelos mesmos se não fosse a
confusão toda que os obrigou a abandoná-la ainda de portas abertas. Agradeceu
quando viu que a chave ainda estava na ignição. Levou a hacker ferida ao banco
traseiro. Tinha pressa, a situação requeria urgência e nem mesmo se deu ao luxo de
remover do estofado os cacos de vidro das janelas quebradas pelos vândalos. Joe
era um homem calmo para quase tudo, mas entrava em desespero vendo a garota
em choque fechando a mandíbula como se fosse quebrar os próprios dentes. Ela
deve estar sentindo muita dor, está ficando fria. Pensou ele

Sem delongas se jogou diante o volante e deu a partida, o automóvel assim como o
que Telford e K’dore fugiram era voador, acionando o pulso antigravitacional, como
deve ser, conforme fazia a manobra vertical ganhando altura a fumaça abaixo era
expelida na chuva. Sua pressa era tanta que a por pouco a loja a frente da calçada
não sofria também um grande prejuízo, quase arrancou um conjunto de cinco placas
de neon desta. Sem paciência para guiar um veículo aéreo, acionou o piloto
automático no painel repleto de visores, teclas laterais e telas frontais, dando as
coordenadas via voz.

– Cidade Média, Laboratórios Carwell. – Deixou que o carro fizesse o resto,


desviando dos prédios de Miraitroide, torcendo para que X-9 resistisse a viagem.

O Necroide Alfa não era nada inteligente, algo decomposto e movido por circuitos e
impulsos elétricos não poderia ser realmente muito esperto. Empurrou com uma
mão a esfera de destroços retorcidos da van e vendo debaixo dela a massa de carne
vermelha cozida e ossos chamuscado exalando fumaça no meio do asfalto, seu
sistema calculou as probabilidades e concluiu que as chances dos restos de Liam
estarem misturados naquela pilha de nervos, cartilagens e músculos era alta.
Desativou o modo combate e com ele o com ele o (???? magnético) Os “zumbis” que
restavam em pé caíam por todo o quarteirão, deixando de receber a influência
magnética. Agora havia corpos espalhados ao redor dos muros do Cemitério Neon,
até mesmo alguns pendurados e cravados nas vigas de aço das paredes destruídas,
escorrendo sangue, uma visão bastante surreal se considerar o fato de que eles já
tinham sido sepultados uma vez. Carmen Telford teria muito o que responder depois
dessa noite, assim como os coveiros teriam muito trabalho para devolver aquela
quantidade de cadáveres às suas covas. O Necro-A continuou sua caminhada, se
retirando com seus passos pesados, assim como estranhamente Aron também,
considerando seus dois objetivos alcançados, ignorou PeeBoy, Akane, Herrera e
Coronel. Estes sobreviventes quando notaram que Aron e Necroide não ofereciam
mais perigo imediatamente viraram o táxi na expectativa de encontrar Helena ainda
com vida. Contudo assim que o veículo foi arrastado suas esperanças acabaram,
Helena não respirava mais, seu corpo estava em pedaços, um fim lamentável para
uma mulher tão brava.
– Eu vou acabar com essa sucata! – Disse Herrera, engatilhando a arma e
caminhando na direção do Necro-A

– NÃO! – Ordenou PeeBoy, colocando a mão frente ao peito de Herrera. – Estamos


em desvantagem, se com toda a equipe o resultado foi esse, imagine apenas nos
três. – Concluiu PeeBoy.

– Mas cara, ele matou cruelmente Helena, é assim que vai honrar sua amiga, com
covardia? Eu não vou honrar Liam e Boris assim! – Bradou, Herrera. Pensava que os
dois também haviam morrido.

– Tem diferença entre fugir de uma luta e escolher bem ela. No mais, Helena morreu
como uma verdadeira guerreira, em combate, era assim que desejava partir. –
Comentou.

– Eu perdi dois companheiros hoje, você também, já não é o bastante, quer perder
seu pai também? Ou perder a vida? Se não quer, ouça o que digo, volte com os
Steelhearts, cure suas feridas, tome um trago em memória aos que se foram e
pense em um plano de vingança. Mas lutar agora, só vai aumentar o número de
mortos, deixa essa porcaria enlatada ir embora. – Retirou a mão do peito do jovem
Herrera, deixando ele mesmo decidir.

– Ele tem razão, filho, atiçar aquela coisa só ia colocar a gente em perigo, vamos
embora, Joe deve estar indo para o laboratório do Thomas. Logo os soldadinhos da
Telford vão chegar, não quero estar aqui para ver isso. – Coronel tocou o ombro do
filho.

Ouvindo as palavras do pai, Herrera apertou a arma contra as mãos, olhou para os
restos de Helena, da massa de carne do outro lado da rua e obedeceu seu pai.
Ambos seguiram PeeBoy. Andando pelos destroços, a rua solitária com aqueles
corpos espalhados pelas calçadas e os automóveis abandonados era uma visão
pós apocalíptica. Aproveitaram e se adonaram daquilo, para sorte veículos era o
que não faltava depois da grande confusão. Herrera subiu em uma moto, Coronel
em outra, PeeBoy preferiu um carro. Pai e filho faziam a ligação direta nas motos, o
cowboy do deserto usou um tiro da colt para quebrar o vidro do carro. Antes que o
motor roncasse, o trio notou Akane viva perto do táxi.

– Preferiria que essa aí tivesse morrido. – Comentou Coronel, com desprezo.

– Eu também… – Concordou Herrera, em cima da moto.


– Nunca morri de amores por ela… Mas sempre a respeitei por ser mulher do meu
chefe… Depois que ela tocou o foda-se no cemitério eu mesmo mataria essa vaca
aqui e agora. Porém Tony ainda paga meu salário… Por outro lado não quer dizer que
eu tenha que ajudá-la, vamos embora, ela que se vire sozinha. – Falou para que
Akane ouvisse, ligando o carro.

Naquele momento de fraqueza qualquer ajuda era bem vinda, ainda mais PeeBoy e
suas habilidades. Coronel olhou para Herrera e com um gesto mandou que o filho
lhe ajudasse a carregar Akane até o carro. Ele obedeceu sem questionar.
Infelizmente o automóvel não era voador como o de Joe e X-9, mas assim como a
hacker, Akane foi acomodada também no banco traseiro. Tendo apenas uma
dedução, o trio arrancou, saindo de Miraitroide e tomando a direção da Cidade
Média, esperando que estivessem pensando como Joe. Isso acontecia ao mesmo
tempo em que no Delta, Claire e Kayne chegavam ao apartamento de Carrie. A
promotora estava no seu quarto, Sifer havia a colocado para dormir depois do infeliz
episódio onde a mesma tentou se suicidar. Naquele momento sua pulseira
comunicadora alertava de uma chamada de Xinfo.

– Aconteceu algo? – Perguntava Sifer.

– Arthur deixou a Praxis fugir pela Lexis. – Explicou.

– Como isso foi acontecer? Droga... Não quero saber... Sabia que não deveria ter
deixado tudo nas mãos de crianças... Estou indo aí, não façam mais nada, não
piorem o que já está ruim. – Desligou sem nem mesmo se despedir, com pressa foi
até Claire.

– Sua amiga está descansando. Me desculpe por não poder ficar mais, terei de
voltar para a agência imediatamente, ocorreu um problema com a Praxis... De
qualquer forma acho que Carrie ficará melhor com você. Nos vemos por aí, Claire. –
Cumprimentou apertando a mão. – Até mais, Kayne. – Deu um tapinha no ombro do
garoto e se retirou, mas antes voltou-se para Claire novamente. – Mais uma coisa...
Prestem bastante a atenção nela... Na hora do banho, ela tentou se afogar...

Não sabia como dizer, mas teria que dizer, então escolheu a maneira mais rápida e
direta, então se retirou. Algum tempo depois o laboratório Carwell foi tomado por
uma correria e vozes altas pelos corredores, tão alarmante que Vangelis se assustou
dando um pulo e dois passos para trás, levando a mão ao coração.

– Mas que diabos…? – Praguejou. – O que aconteceu?


Joe invadiu as dependências do laboratório com muita pressa, suas roupas estavam
completamente encharcadas e pegajosas de sangue. Porém o sangue não era dele,
ficava claro que quem perdia toda aquela quantidade era a garota desacordada que
ele carregava. O rastro atrás pintava de vermelho o piso do corredor branco. Parando
a sua frente com X-9 nos braços, mostrou o estado em que a garota se encontrava.

– Não há tempo para explicação, Doutora… Você precisa nos ajudar, precisa salvar a
vida dela! – Alarmado, Joe abriu os braços, gesticulando.

– Mas é claro, vou tentar fazer o máximo que puder, levem ela para a sala de
operação, imediatamente! – Indicou apontando a direção.

Vangelis cercou X-9 com sua equipe médica, mais de 15 enfermeiros. Joe ficou na
sala de espera, sentado sozinho nas fileiras de bancos vazios. Enquanto aconteciam
os procedimentos médicos, chegava PeeBoy, Coronel e Herrera. Não diziam nada e
se sentavam ao lado do homem tatuado. Não comentaram nada sobre Liam e Boris,
ficava subentendido para todos que eles tinham morrido. Quanto a Akane, queria
tanto ficar ao lado de Tony que agora também estava na enfermaria. Vangelis abriu
a porta, saiu de dentro da sala de cirurgia com seu uniforme branco manchado de
vermelho. Joe ainda parecia muito perturbado, foi Coronel que se ergueu da
cadeira quando viu a doutora se aproximar.

– Doutora… – Quis perguntar o estado da hacker, mas hesitou.

– Estamos tentando de tudo… Mas serei sincera… Ela está muito ferida, perdeu
muito sangue… Seus órgãos foram bastante danificados com o tiro a queima roupa…
Eles vão parar de funcionar em algumas horas… Na verdade… Alguns já pararam de
trabalhar… E sua coluna… Bem… A parte atingida foi esmigalhada, mesmo que ela
pudesse se recuperar…

– O que? Continue, doutora. – Pediu, Joe.

– Ficaria inválida para o resto da vida. – Baixou a cabeça num sério pesar.
– Oh… – Foi a única coisa que ele conseguiu dizer. Levou a mão à frente da boca.

– O cérebro está intacto, mas sem o funcionamento dos outros órgãos, ele vai logo
morrer também. – Manteve a expressão de pesar.

– Doutora! Não há mesmo o que fazer? – Ele segurou os braços de Vangelis,


apertando, ansiando a resposta.
– Não… Quer dizer… Existe… Mas… – Ela ficou desconfortável sendo apertada com
força, fazendo cara feia.

– Por favor, tente!!! – Implorou ainda apertando os braços.

– Mas é um procedimento que não dá garantia… – Ela tentava sem jeito sair do
agarrão.

– Melhor uma chance vaga do que nenhuma! Por favor, faça isso. – Implorou, os
dedos afundavam na pele de Vangelis.

– Mas você nem do que se trata… – Moveu-se, mas o homem era mais forte.

– Mesmo assim, faça! – Quase ordenou.

– Ok, tudo bem, mas por favor, me solte…

Joe soltou Vangelis imediatamente, sem se dar conta de que tinha apertado as
mãos em seus braços ao fazer o pedido. A doutora deu um sorriso amarelo, ajeitou
a armação do óculos no rosto, e consentindo com a cabeça se retirou. Agora só
restava a Joe, Coronel, PeeBoy e Herrera esperarem pela cirurgia. E a espera seria
longa, fazia mais de três horas que haviam falado com Vangelis pela última vez.
Cinco horas e absolutamente nada. Então para a surpresa deles no corredor da sala
de espera aparecia exatamente às três da manhã, Liam e Boris, vivos. Os quatro
foram em direção a dupla e os rodearam, contentes por aquilo.

– Seus filhos da puta, assustaram a gente! – Joe os abraçou, era o mais feliz. –
Como se safaram?

Mas antes que pudessem explicar, a doutora retornava da cirurgia. Ela os chamava
com a destra convidando a todos para entrar na sala de cirurgia. Lá dentro a loira
parava ao lado de um tubo cilíndrico de vidro, repleto de cabos na parte superior,
exatamente na tampa de metal bem vedada. Nessa região se encontrava conectada
a longos e grossos fios cinzas que iam desde o chão e cruzavam o piso da sala,
terminando em uma mesa que registrava sinais vitais. Esse tubo media cerca de um
metro e cinquenta e parecia conter água mineral gaseificada em seu interior já que
muitas bolhas subiam em uma dança constante lá dentro. Com uma observação
mais apurada para o cilindro de vidro, por trás das bolhas podia-se notar uma figura
um tanto perturbadora, uma espinha dorsal exposta com suas ramificações
nervosas ligadas a extensão das vértebras com um cérebro rosado no topo,
existindo nele um par de olhos que pareciam encarar o observador.
– Acho justo e apropriado que fiquem a par do procedimento, por isso chamei todos
vocês para uma breve explicação. O que vocês estão vendo dentro deste tubo de
vidro é a X-9. – Todos se olharam, mas sem entender, nada.

– Para o procedimento preciso do cordão espinhal. O restante não poderia ser salvo.
De qualquer forma, em suma, nesse caso só é necessário o cérebro, afinal, nós
somos nossa consciência, certo? E onde está ela se não dentro da nossa mente? –
O silêncio prevaleceu.

– E… Os olhos, são nossa essência, a janela da alma… Por isso decidi mantê-los…
Acho que ela perderia parte de sua identidade sem eles… – Ela se sentia
desconfortável falando para multidões, desde a faculdade, e isso ficava claro no
jeito como ela pausava para tomar coragem e prosseguir com a fala.

– Ahn… Continuando… Como podem ver, removi apenas essas partes do corpo e
estou mantendo-a viva dentro desse recipiente. Ela pode ficar aí por horas desde que
banhada neste líquido que o Dr Thomas criou… Alguém tem alguma pergunta? –
PeeBoy ergueu o dedo.

– E ela está acordada? Quer dizer, parece que está nos observando – O cowboy do
deserto se aproximou do vidro, se inclinando para fitar bem de perto os os globos
oculares flutuantes dentro daquela “água”.

– Não… Nós demos um composto de drogas que a deixa inconsciente nesse caso.
Apesar dos olhos “abertos” X-9 está sonhando… Não tem a mínima noção do que
acontece aqui fora. Nesse momento ela está tendo um sonho bastante agradável. É
isso que o composto faz. E sua percepção sensorial ao seu redor por não ter um
corpo também é nula. – PeeBoy continuou a olhar com bastante atenção o cordão
espinhal e o cérebro com olhos.

– Mas não deixarei ela viver um sonho para sempre. Algum tempo atrás, tínhamos
convênio e parceria com a G.E.M.S. a empresa licenciada na fabricação de
replicantes. Eles cederam alguns espécimes que chamamos de “Fetos” uma vez que
não possuem sexo definido, é só um corpo ainda, uma “casca”. Mas com a
renovação das leis que proíbem a circulação de replicantes pelas ruas, precisamos
cancelar as pesquisas e manter os espécimes bem guardados. O que pensei então?
Pegar um desses “Fetos” e inserir o sistema nervoso central da X-9 nele e dar a ela
um novo corpo!

– Como um ciborgue? – Perguntou Boris.


– Err… Não, um ciborgue é um humano com partes cibernéticas. Esse novo corpo é
totalmente biológico. – Explicou Vangelis.

– Certo… Mas você disse que o corpo não tem sexo… Como ficará... Você... sabe...
Ahnmm... – Joe coçou a cabeça.

– Isso não é empecilho. Basta injetar na corrente sanguínea os hormônios femininos


e o que era um corpo sem gênero se transforma em uma fêmea. O mesmo vale se o
desejo for um replicante macho. Neste caso, retirei uma amostra de sangue da X-9 e
separei os hormônios. Depois de injetado no corpo replicante ele vai começar a
tomar as feições de X-9, sua estrutura física e todas características que seu corpo
original possuía. Até mesmo os cabelos lilás. E com a mente preservada, não
deixará de ser ela mesma. – Sorriu contida. – Querem ver o corpo?

A sessão em questão do laboratório era imensa e possuía vários segmentos. Eles


não estavam a menos de cinco metros de distância da sala separada por uma
grossa parede. Para evitar contaminação externa, apenas podiam ver o espécime
por uma janela retangular da ala. No interior o corpo branco suspenso por cabos de
aço fixado no teto era mexido por quatro enfermeiras com luvas e máscaras
cirúrgicas. O replicante apresentava-se com algumas partes com a musculatura
exposta. O bisturi cortava a pele das costas, bem no segmento dorsal, abrindo a
região para retirar o conjunto de ossos que compunham a coluna do “feto” enquanto
outra enfermeira aproveitava a incisão profunda e tratava de cuidar as ramificações
nervosas que ficavam espalhadas como raízes. Ela as unia, juntava e parecia
cauterizá-las com um feixe de laser vermelho saindo de um aparelho tubular
cromado. A terceira mulher ficava em volta supervisionando e também ajudando. Do
enorme sulco do corte que ia da base do cóccix, percorrendo toda as costas e
terminava no topo da nuca, na remoção do que agora parecia ser o cérebro do
espécime a quarta médica utilizava as mãos para pegar o órgão e retirá-lo da caixa
craniana ainda preso do cordão espinhal, prendendo-os em um dos cabos do teto
para que a saída fosse menos brusca e não causasse trauma.

– Aqui elas estão trabalhando no corpo do “Feto” para receber o sistema nervoso de
X-9. Depois de inserido, a equipe médica e eu teremos um longo trabalho para
reconectar os nervos, músculos, ossos, artérias e fibras, além de mantê-la viva fora
daquele líquido. Vai ser o estágio mais delicado e perigoso da cirurgia… –
Completou Vangelis olhando para o replicante suspenso pelos fios ao centro da
sala.

– É nessa parte que vou precisar de vocês também. – Todos olharam sem entender
Vangelis.
– Todo esse esforço vai ser em vão se não tiver cybertropina. Ela vai estimular as
reações de X-9, também vai evitar o risco de rejeição que ocorre nas nove primeiras
horas do pós cirúrgico. Infelizmente, a cybertropina é uma droga muito difícil de
conseguir e está sob o controle de um traficante chamado Coltraine. Ele é chamado
de Rei da Droga, o infeliz tem todo o tipo de substância lícita e ilícita que se possa
imaginar. Ele tem uma boate chamada Shiva na Cidade Baixa. Fica 24 horas aberta.
Aproveitando que os Steelhearts estão reunidos novamente, preciso que vão até lá e
negociem com Coltraine uma quantidade de 400 ml de cybertropina. – Ela cruzou os
braços.

– Mas antes descansem um pouco, durmam algumas horas, comam algo, se


precisar até mesmo podem tomar banho. O Laboratório Carwell é disposto de
vestiários, cozinha e quartos. Fiquem à vontade.

Filas enormes dobravam quarteirões, em um amontoado de gente que se formou


desde às quatro da madrugada, as pessoas esperam as lojas abrir, mesmo se
arriscando na noite violenta e caótica de Miraitropolis. E erra quem pensa que o
envolvimento do nome da empresa de K’dore nas manchetes policiais nos últimos
dias, tenha enfraquecido as expectativas do novo lançamento da Orion. Na verdade
serviu de divulgação mesmo com uma morte importante como a do prefeito por
trás. Então, exatamente às seis da manhã chega ao mercado o mais recente
lançamento da Orion Corp, o CP-3. Os caminhões de cromo que mais pareciam
verdadeiros trens com sua largura e tamanho colossal, carregando os androides
cruzam as ruas da cidade para abastecer as lojas. Os consumidores que esperam
chegar a hora de pôr as mãos no produto parecem hipnotizados. Androides já eram
usados como empregados e assistente dos humanos, mas nunca foram vendidos
em larga escala como o investimento ousado de Jaime.

Amanhecia, o disco solar despontava sobre a enorme estrutura edificadamente


industrial do Residencial Celeste, mostrando na primeira hora da manhã o quanto o
dia seria abafado e escaldante. O fogo já havia sido controlado, no entanto o corpo
do Tenente Crovax não se encontrava mais no local da explosão, nem mesmo
estava no condomínio vertical de ferro. Fora imediatamente levado ao Hospital Geral
de Miraitropolis, em sigilo pela misteriosa equipe de médicos a mando do Capitão
Nick Slay. Nada foi dito à mídia a respeito disso. A mesma também não fez objeção
alguma sobre o fato, parecia uma jogada ensaiada. Quando bate às oito da manhã
as portas das lojas se abrem e milhões de consumidores ferozes se empurram e
gritam para entrar nos postos de venda e obter o CP3. Em três horas os estoques
são vendidos e os próximos pedidos encomendados já estão esgotados. Sem
sombra de dúvidas o investimento é um sucesso, e K’dore está algumas cifras mais
rico.
Exatamente ao meio dia, Carmen Telford aparece nas escadarias da prefeitura com
tudo preparado para mais uma coletiva. O palanque na frente da escadaria, os
microfones, viaturas, furgões e câmeras de suas redes televisivas, estão todos ali.
Alguns agentes da guarda privada se encontravam à volta da mulher. E claro, não
podia faltar os mechas policiais de três metros de altura em cada lateral, cortesia de
seu sócio, Jaime K’dore. Subindo ao palanque, a Dama de Prata vestindo seu
habitual blazer branco aparecia com alguns hematomas em baixo dos olhos, cortes
cicatrizando e curativos pelo rosto.

– A degradação social, a falta de ética, o desprezo pela vida tem sido o câncer da
nossa sociedade… Ontem a noite, nem mesmo o prefeito falecido foi respeitado.
Lamentável o que aconteceu em seu funeral… Tão vergonhoso que não deve ser
citado, mas venho aqui me comunicar acerca de algo que pode ter deixado-os
preocupados, os cadáveres que andavam. Já adianto, acalmem-se, existe uma
explicação totalmente lógica. – Ela pausou para alcançar o copo de água ao lado da
bancada e beber.

– Hoje pela manhã, as pesquisas da Orion puderam comprovar que os desocupados


que vem trazendo terror a Miraitropolis obtiveram posse de um aparelho, o
Magnotron, que trabalha com ondas magnéticas altamente concentradas. Desta
forma, com esse truque barato, eles puderam controlar as próteses dos falecidos,
via magnética e criar a impressão de que zumbis atacavam a população. O
acontecimento que acarretou a desordem foi um ardil para impressionar e assustar
a todos. Não mais do que isso, portanto, mostro meu repúdio ao ato de profanar a
memória de pessoas que não estão mais entre nós, isto é ir longe demais, mais do
que tudo, é insultar os parentes de todas aqueles envolvidos. Mas não se alarmem,
vocês não estão desamparados. Apesar dos pesares de ontem, graças ao Capitão
Nick Slay sabemos o nome do grupo por trás dessas atrocidades. Eles se
denominam Steelhearts. – A multidão à frente do palanque gritava palavras de ódio
quando o nome da gangue era citado.

– Entendo o sentimentos de vocês, de cada um ao ouvir esse nome, nos dá repulsa


não? Eles têm transformado nossa cidade em um pandemônio. Jaime K’dore já foi
vítima desses marginais duas vezes! Mas como bons fracassados eles sempre
falham na tentativa de infligir algum mal a este homem bondoso e gentil. Apesar
disso, como podem testemunhar, assim como eu, ele sofreu algumas agressões
físicas. No entanto, graças aos seus bem estruturados androides, saímos com vida
e os Steelhearts com o rabo entre as pernas. Foi a força do bem prevalecendo o mal!
– Ela pausou para receber os aplausos da plateia, então continuou.

– Sei que estou em dívida, prometi trazer esses arruaceiros para a margem da lei,
mas tenham paciência, nossa jornada para erradicar a violência das ruas está pela
metade, com a captura Liga dos Predadores, os Steelhearts sendo apenas um braço
dessa facção criminosa não irá muito longe. Além do mais, o líder deles também foi
capturado, agora, essa facção não passa de uma barata sem cabeça, permanece
viva por alguns dias, mas logo irá morrer. A responsável por sabotar o protótipo CP-3
da Orion, uma antiga programadora de K'dore que se uniu ao grupo, durante o
confronto de ontem acabou sendo ferida gravemente e provavelmente deve ter
falecido. Inclusive, estarei dando quinhentos mil créditos àquele que entregar o
corpo da garota, e um milhão pela captura de cada membro, seja ele vivo ou morto.
– Mais uma vez as pessoas à frente da escadaria bateram palmas para Telford.
Erguendo posteriormente os punhos em triunfo, motivados com a promessa de
recompensa

– Por outro lado, se ontem a noite foi triste, incluindo o incidente ocorrido no
Residencial Celeste onde a S.W.A.T. atuava, mais uma vez o nome do Capitão Slay
brilhou. Ele conseguiu encontrar a localização correta de Aleksey e seus homens.
Sem mortes, ouçam bem! SEM MORTES, – Ela deu ênfase quando disse “Sem
morte” – O Capitão levou todos sob custódia onde esperam julgamento. A
promotora Carrie Hiring, desaparecida, também foi encontrada e apesar do abalo
emocional passa bem. Vamos todos torcer para que sua recuperação seja imediata
e ela volte aos tribunais o quanto antes. Precisamos cada vez mais de pessoas
como Carrie ao nosso lado. – Carmen ficou discursando por mais uma hora,
jogando os Steelhearts contra o povo de Miraitropolis, envolvendo a multidão em
sua teia de intrigas e mentiras com argumentos que misturavam fatos verdadeiros e
falsos. Inflamados pelo discurso absurdo, aqueles que antes viam a gangue como
um tipo de “salvadores” ou uma “resistência” ao sistema, assim como nos filmes,
agora simpatizavam com os ideais da Dama de Prata sem questionar uma vírgula.

A única construtora licenciada pela cidade-estado a erguer construções é a Avalon.


Devido a esse monopólio, ela foi responsável pela construção de todo o
conglomerado urbano mirainiano, incluindo o maior hospital da cidade. O Hospital
Geral de Miraitropolis é uma torre circular de ferro, concreto e vidro, com mais de
setenta andares, uma verdadeira obra prima da engenharia civil. As placas
luminosas de localização apontam e indicam o melhor caminho a se tomar para
chegar ao seu destino. Vangelis em seu carro, seguia essas placas, mas a poluição
visual era tamanha que os luminosos mais atrapalhavam do que auxiliavam em
alguma coisa. Nas calçadas, junto dos semáforos as torres de sinalização,
pequenos monitores amontoados um em cima dos outros e fixados em poste de
metal, emitem vozes de comando "Siga em frente", " Pista a esquerda liberada",
"Pare" mas nada disso também ajuda. Quem não conhece bem a cidade se perde na
primeira esquina, e ficar parado dentro de um veículo pode significar um alvo fácil de
assaltantes. Mesmo muito inteligente, a doutora se mostrava imprudente ao contar
demais com a sorte.
As duas da tarde aquele sol radiante da manhã não era mais visto, ele dava lugar a
garoa e a neblina. Mas o astro rei não aceitaria sair de cena sem deixar uma marca
do seu legado. Como a herança provocava o aumento da temperatura e sem sinal de
ventos ou brisa, era como uma sauna, parecia castigo. Nessa hora Vangelis chegava
no Hospital Geral de Miraitropolis exatamente como no horário marcado. Não tinha
tempo de ir em casa tomar banho ou comer algo e tão pouco descansar depois dos
procedimentos referentes a X-9. Mesmo tendo cruzado a noite trabalhando, ele
ainda estava longe de terminar. Para atender o pedido do Capitão Slay, precisou
deixar toda a operação em andamento nas mãos de seus médicos, a equipe ficou
encarregada dos cuidados enquanto ela estivesse no hospital. Não pôde trocar de
roupa, ainda vestia a camiseta azul de botões por cima da calça jeans preta. Com
seus longos cabelos loiros desalinhados, existia uma moldura escura na volta dos
olhos. Extremamente estressada não só com o calor, mas também com a pressão
que tinha de lidar, ela entrava no centro médico e via inúmeras mudanças. A primeira
a chamar a atenção foi a presença da polícia nos corredores. Se havia uma greve,
como aqueles agentes da lei estavam ali? Imaginou que Nick Slay tenha subornado
os grevistas com uma oferta generosa para voltar a trabalhar e como todo mundo
precisa pagar contas, eles aceitaram sem pestanejar. Os homens tinham em seus
aparelhos no pulso, o que se assemelhava a uma pulseira comunicadora, um display
branco com foto e toda a ficha de Vangelis, ela passou sem precisar se apresentar.

Deu de ombros e continuou a caminhar pelo corredor, em direção a ala onde o


paciente Crovax se encontrava, e notou a segunda diferença. Conforme caminhava
mais pelo corredor com neons brancos pelas seções das paredes, homens e
mulheres de jalecos brancos empurravam aparelhos que ela jamais viu antes. Era
tudo tão tecnológico, com circuitos, fios, luzes piscando. Quando percebeu o
corredor não tinha mais o aspecto de um hospital com as paredes lisas, mas sim de
uma nave espacial com centenas de milhares de tubulações e sulcos de metal,
linhas paralelas que se estendiam até onde sua visão não podia mais enxergar.
Trocado pelo branco asséptico, as paredes revestidas de metal agora tinham uma
tonalidade incômoda de prata. Os tubos luminosos que cortavam o corredor de
ponta a ponta na horizontal e alguns na vertical e até mesmo no teto pareciam
lâmpadas fluorescentes. Quando empurrou a porta da sala de cirurgia, a entrada
dupla se abriu e ela encontrou o Capitão.

– Boa tarde, doutora, noto que é uma pessoa bem pontual. – Ele estendeu a mão
para cumprimentá-la, mas ela ignorou e passou por ele, se dirigindo até a janela
retangular da parede, que dava visão da outra sala, onde pode ver o Tenente Crovax
em cima de uma cama, sendo mantido sedado e alguns enfermeiros a sua volta.
– Vamos parar com esse teatro, Capitão. Você deixou claro que estou sendo paga
apenas para salvar a vida do Tenente, portanto não estou sendo “paga” para ser
simpática como senhor. Então agradeço se me poupar das ironias e irmos direto
para a operação.

Vangelis nunca havia antes agido assim, com firmeza, e diante um militar tremeria,
mas a pressão era tanta que não pensava, queria logo acabar com tudo isso. Nick
não se importou, de fato não levava Vangelis muito a sério e achou até mesmo
engraçada ela agindo com rispidez sabendo que não era de sua natureza “boba”
algo daquele jeito. Levando a atitude da doutora como divertimento concordou
balançando a cabeça positivamente. Vangelis notou isso, o que a tirou ainda mais
do sério, mas não disse mais nada. Ao mesmo tempo que acompanhava a doutora e
cientista, Nick indagou.

– Me diga, doutora, e os Steelhearts, você se certificou para que fossem ao encontro


do meu sócio? – Nick caminhando virou-se para a cientista.

– Não se preocupe com isso, Capitão, dei uma boa motivação a eles. – Se ela o
olhou no rosto.
– Hmm… Muito bom, muito bom, espero que esteja certa nisso. – Coçou o queixo.

Vangelis não comentou mais nada e junto do militar foi até o local onde passaria por
uma esterilização e trocaria a roupa para o uniforme que usaria na cirurgia. Lendo o
que precisava saber sobre Crovax em sua ficha médica, Vangelis se juntava a equipe
cirúrgica militar em um pouco mais de uma hora de debate sobre o que deveriam
fazer.

Sem muitas opções, depois de um longo descanso, se alimentarem e trocarem de


roupas, os Steelhearts seguem para Cidade Baixa como Vangelis tinha dito. O bairro
não é tão diferente do resto dos outros, colunas romanas e gregas, dragões
chineses e pirâmides egípcias misturam-se com gigantescos anúncios em néon de
Coca-Cola. Ainda que veículos de transporte bem iluminados pairem sobre as ruas,
haja escuridão sobre as avenidas. Pessoas comuns vivendo em meio a edifícios
outrora grandiosos e agora mais parecidos com ruínas. Em meio ao lixo que se
acumula e sob uma fina e incessante garoa, multidões de asiáticos circulam de
bicicleta entre bancas de camelôs que vendem todo tipo de coisa, a "efervescente"
produção de baixa escala.

Exatamente às três da tarde chegam na frente da boate Shiva. Não foi difícil
localizar o lugar, não existia ninguém em C.B. que não conhecesse a casa noturna.
Entalhado com intrincados detalhes de como se fosse um templo hindu. Retratando
cenas violentas e passagem da mitologia com pequenas imagens em alto relevo de
pedra lutando, como se fossem miniaturas grudadas nas paredes observando o
vencedor prestes a decapitar com uma faca a cabeça do derrotado. Tudo aquilo se
fosse reparado continha uma história cronológica contada apenas por imagens. Até
mesmo poses obscenas do kama sutra estavam lá. A imponente e majestosa
fachada cor de areia do lugar continha rachaduras simulando uma certa antiguidade
que a arquitetura obviamente não possuía. Era guardada por duas estátuas
douradas de Shiva, uma em que lado em cima de pedestais, elas tinham
aproximadamente três metros e meio, com seus diversos braços segurando um
círculo à volta do corpo e apoiada apenas com uma das pernas, a qual estava em
cima de um pequeno corpo simulando sua dança cósmica da destruição e
renascimento. A outra perna parecia chutar o ar, um pouco de lado. A expressão da
imagem era de serenidade, com seus olhos fechados e um sorriso enigmático que
não deixaria nada a dever para Monalisa de Da Vinci. Circundando o círculo
continha detalhes que simulavam pequenas chamas de fogo. As portas de madeira
e parafusos de ferro se afastam pesadamente, revelando a dupla entrada. Ela se
abria como que a presença dos Steelhearts já fosse esperada, isso gera muita
desconfiança, mesmo assim eles entram. A princípio parecia que estava
entrando-se em um templo hinduísta da antiguidade, mas após alguns metros se
vêem pessoas dançando, pulando, e uma batida eletrônica muito alta e pesada, a
ponto de tremer os ossos e cabeça.

Ao fundo um palco com DJS colocavam músicas para uma pista de dança exótica.
Mais outras duas estátuas de Shiva se encontravam perto da pista, porém menores,
com dois metros no máximo. Duas torres que que trocavam o tempo todo de cor,
iluminavam a todo instante com novas colorações a imagem da entidade. Ambas as
torres da mesma altura se valiam de elos elétricos brilhosos em seus contornos
para proporcionar tal efeito. O chão da pista de dança era formado por quadrados
que também não sossegaram em sua troca de cores. Nenhum segurança impediu o
avanço da gangue, o que era ainda mais estranho. Em suma, os homens de terno
preto e gravata mostravam a entrada para os funcionários. Nesse local existia uma
escadaria de metal que levava ao terceiro andar. O andar era reservado todo e
somente para um escritório na penumbra.

– Sejam bem-vindos ao meu humilde estabelecimento. – Disse a voz vinda do fundo


da escuridão.

E o que indicava tratava-se do dono da danceteria. As persianas deixavam passar


apenas fachos brancos de luz, o ambiente dentro era enfumaçado e soturno. Ao final
daquela imensa sala continha uma larga e alta mesa. Atrás dela um homem de trinta
anos, com algum tipo de implante na parte lateral esquerda do rosto mais parecia
uma aranha de metal e vestido todo com roupas totalmente negras expulsava a
fumaça do cigarro pelas narinas, a espera que a gangue se pronunciasse.
– Me chamo Coltraine. Se aproximem, vamos, não temam. Digam o que os motivou
até aqui. – Falou convidativo.

As luzes estavam tão baixas que era praticamente impossível ver os outros móveis.
A única fonte de luz vinha do fundo da grande peça, uma janela também com
persianas permitia alguns fachos de luz branca dos holofotes dos dirigíveis da rua
entrarem. Os Steelhearts se aproximaram e apresentaram-se, conforme assim
também explicavam a razão de estarem ali, a cybertropina, 400 mls dela. Decidiram
ignorar o fato de que pareciam que estavam sendo esperado desde a chegada, isso
poderia soar um pouco grosseiro. Coltraine ouvia atentamente atrás da mesa, até
que se levantou e começou a caminhar pelo amplo espaço do escritório.

– Cybertropina huh? Isso não é nada barato… Ainda mais 400 mls… Mas vou facilitar
para vocês. Vamos fazer uma troca de favores. Sei que vocês detestam K’dore e
meu sócio quer jogar areia nos negócios dele. Tudo o que tem de fazerem é ir na
prefeitura e causarem um grande tumulto. Isso é fácil, vocês adoram barulhos, briga
e explosões hehe. – Ironizando rindo.

– Meu sócio quer atacar o único lugar onde dói em um empresário, o bolso, afetar o
financeiro de uma mega corporação é como golpear o calcanhar de Aquiles. Então, o
que vocês têm de fazer é bem simples, dar um tilt nas máquinas engenhosas de
K’dore, mostrar a todos que elas não dão conta do que foram criadas para fazer.
Gerando essa desconfiança pública, logo as vendas da Orion vão cair. – Caminhou
de um lado a outro em volta da mesa.

– Vão lá, explodam a porra toda, como puderem, o máximo que conseguirem, a
imagem de vocês já está suja mesmo, só façam valer a fama, huh? Feito isso, eu
dou a vocês não 400 mls de cybertropina, mas 1 litro. Acho que o preço do risco
está valendo não é? – Coltraine voltou a se sentar.

Os Steelhearts tinham muito o que pensar e Coltraine deu a eles esse tempo.
Voltando para os Laboratórios Carwell, um dos médicos da equipe avisou que a
operação de X-9 ainda estava sendo realizada e sua condição era estável, também
foram avisados de que a Dr Vangelis havia saído às pressas para atender um pedido
do outro lado da cidade e que depois desse plantão iria para casa descansar um
pouco e recuperar algumas horas de sono. Todavia a gangue ainda era bem vinda
nas dependências do Laboratório. Com mais privacidade poderiam pensar melhor.
De qualquer forma, precisavam da cybertropina, isso era certo, o tempo seria usado
para bolar um bom plano. Do outro lado da parede Tony podia ouvir tudo, e já
conseguindo se erguer da capa graças uma bengala, lentamente caminhava até a
sala onde acontecia a reunião dos Steelhearts. Mancando um pouco, parou na frente
de todos.

– Não sei o que vocês têm em mente, e não quero passar por cima da autoridade de
Liam, mas saibam que não medirei esforços e nem recursos para foder com a dupla
de velhos. Muita gente minha morreu nessa suruba toda. Vocês não vão conseguir
muito se as ruas não forem bloqueadas. Meu pessoal vai fazer uma baguncinha na
frente da prefeitura. Aquela milícia vai sobrevoar com alguns helicópteros pra
distrair e ajudar na fuga. As armas, munição, e coletes balísticos são por minha
conta. – Tony adorava colocar caos nas ruas. – Minha contribuição será essa. – Se
retirou para fazer alguns contatos, mancando mesmo sendo auxiliado pela bengala.

Tiveram um dia inteiro para reunir as ideias, uma noite para descansar, mais meio
dia para finalmente se preparem treinando. O sinal seria dado pelos homens de
Tony. Por volta das três horas da tarde o espetáculo havia começado. A milícia que
havia comentado surgia nas ruas, e armados obrigavam as pessoas dos veículos a
saírem dos mesmos e seguirem o caminho a pé. Um quarteirão inteiro antes da
prefeitura de Miraitropolis foi fechado, com as esquinas feitas de barricadas com
sujeira, lixo, pedaços de ferro, madeira, carros, motos, caminhões e vans destruídos,
dispersando fumaça dos motores fundidos. Tudo ficava empilhado no meio do
asfalto da pista direta que servia de via principal para a prefeitura, placas, postes e
semáforos estavam tortos, alguns outdoors das fachadas vizinhas também. Apesar
do caos não havia ninguém ferido. Tirando alguns danos de rachaduras nas pilastras
de alguns prédios, o prejuízo público não era grande comparado ao que já foi
relacionado ao nome de Tony e os Steelhearts. Os helicópteros com sua
camuflagem invisível não eram vistos, mas sobrevoavam o quarteirão, três deles. O
maior e principal pairou por cima do prédio da prefeitura esperando que o segundo e
o terceiro, pousassem a frente das escadarias do edifício cheio de pilares onde
Carmen fazia suas coletivas e de dentro saísse os soldados militantes armados e
equipados até os dentes. Eles subiam as escadas apontando as armas, entrando de
assalto e rendendo a recepção.

No entanto, a segurança reforçada de Carmen Telford não pediria com educação e


no salão de entrada a guarda armada abriria fogo. Os mechas também seriam
acionados, e não deixariam por menos com seus rifles apontados e usando os
projéteis sem economia. O salão central virando uma zona de guerra como tiroteio
só seria completo quando o maior dos helicópteros, soltou suas cordas e de rapéu
fez os Steelhearts descerem dentro da prefeitura quebrando o teto de vidro, fazendo
a chuva invadir o interior daquele enorme salão quadrado cheio de portas, e
corredores a volta. Com essa entrada triunfal, digna de cinema, - e obra da mente de
Tony - ficavam na vantagem, pois estariam acima dos mechas e poderiam
neutralizá-los dali mesmo, uma vez que sua falta de mobilidade e peso
impossibilitava de contra-atacarem na perspectiva de uma investida de cima, e
também, sem correr risco de serem pegos pelo fogo cruzado dos soldados que
combatiam a milícia. Tudo fora bem rápido, bem planejado e executado, em menos
de dois minutos a calmaria do prédio virava um combate armado. Aos soldados
armados de Telford restava se esconder atrás dos pilares e pequenas muretas de
concreto, torcendo que algum milagre acontecesse durante o confronto entre os
mechas e os invasores. Eles tinham mais com o que se preocupar, a militância já os
cercava.

Os Steelhearts: Liam, Akane, Pollux, Leon, mais os npcs principais, Boris, Joe,
Coronel, Herrera e PeeBoy invadirão a prefeitura. Cada um pode escolher a forma
conforme seja mais coerente para seu personagem, entrando de rapéu ou com a
invasão das escadarias. Lembrando que o objeto não é complexo e nem difícil,
apenas destruírem os mechas e causar alguns danos a prefeitura. Se quiserem e
conseguirem, podem também explodir a mesma (se usarem a criatividade conforme
a narração deu a vocês em mãos, pode ser possível). Lembrando também que estão
em vantagem numérica (pela primeira vez) graças a milícia de Tony.

Aron não terá descanso, estará do lado de desvantagem e lutará como pode para
proteger a prefeitura

Crovax narrará o processo cirúrgico que o transformou em ciborgue.

Liam

Apesar de todas as perdas, Boris e eu conseguimos chegar ao laboratório do


Thomas. Todos olharam surpresos para nós, provavelmente estavam pensando no
pior. Eles queriam saber o que tinha acontecido, mas não tive tempo de explicar, pois
a doutora chegou nos chamando, naquele momento eu ainda não sabia o que tinha
acontecido com minha doce hacker.

Quando entramos na sala com um enorme cilindro cheio de água com bolhas com
um cérebro junto com os olhos e a coluna vertebral, eu fiquei paralisado. Vangelis
começou explicar o que estava acontecendo e qual processo seria feito. Não
consegui parar de olhar para aqueles olhos, não queria aceitar que aquilo realmente
estava acontecendo, que a única forma de fazer X-9 sobreviver era transferir sua
essência para uma casca vazia.

Não conseguia parar de me perguntar como as coisas tinham tomado um rumo tão
cruel, não conseguia acreditar que agora ela era apenas um cérebro boiando em um
tanque de bolhas. Eu sempre me mantive afastado de toda merda tecnológica que
suga nossas almas dia após dia e agora a mulher mais incrível que já conheci estava
se tornando tudo o que eu mais odiava. Só voltei a prestar atenção na doutora
quando ela falou da cybertropina, que a droga era necessária para fazer a X-9
sobreviver ao processo.

De acordo a doutora, o jeito mais fácil de conseguir a quantidade necessária da


droga seria entrando em contato com um traficante chamado Coltraine da Cidade
Baixa, um peixe grande do ramo das drogas. Tudo já parecia tá acertado, o que era
estranho, mas tava com a cabeça cheia demais para pensar nisso. Tiramos algumas
horas para descansar e por a cabeça no lugar.

Os médicos do laboratório faziam curativos nos meus ferimentos e me davam


algumas pílulas para dor. Não consegui pregar os olhos, a imagem do que restou
dela no cilindro não saia da minha cabeça, aquilo me deixava cada vez mais maluco.
Quando Joe me chamou para irmos foi a melhor coisa que escutei em todas
aquelas horas que tiramos para descansar, pelo menos minha cabeça estaria
ocupada com alguma coisa.

Não irei detalhar o encontro com tal Coltraine, ele possuía uma boate chamada
Shiva e toda decoração do local fazia jus ao nome. Ele era um sujeito bem estranho,
não quis negociar com dinheiro, queria uma troca de favores. E adivinhem, os
Steelhearts iriam levar a culpa por mais um atentado terrorista. Agora seria a vez da
prefeitura. Estava tão transtornado que não pensei em nada, não analisei a situação,
não pensei nas nossas alternativas no momento. Apenas aceitei a proposta dele,
afinal eu também estava precisando descontar a raiva acumulada, vingar a X-9 de
alguma forma.

Voltamos para o laboratório e nos reunimos para acertar os detalhes da missão,


Tony saiu da cama para pagar de bom samaritano, oferecendo os recursos
necessários para executarmos a tarefa. Então foi meu momento de falar, parei no
centro da sala, olhei para todo mundo presente ali e comecei.

– Essa missão é sem frescura pessoal, apenas a boa e velha destruição, vamos
acabar com eles. Pela a X-9!

Então o momento chegou, os contatos do Montana fecharam as vias de acesso da


prefeitura, iniciando um combate logo nas ruas próximas. As três aeronaves que ele
nos arranjou possuíam um sistema de camuflagem, estavam totalmente invisíveis.
Uma delas pousou na porta da prefeitura, enquanto as outras duas planaram na
cúpula oval de vidro. Herrera, Joe, Coronel e Peeboy utilizaram cabos para descer,
arrebentando o vidro e caindo em cima dos mechas que estavam logo abaixo.
Utilizando armas e explosivos, eles transformavam as máquinas em sucata. A
milícia que Tony tinha colocado os guardas de Telford para correr, deixando as
escadarias da prefeitura livre, então eu juntamente com Boris saí de dentro da nave
que estava nas escadarias. Eu estava vestido todo de preto, Boris me dava
cobertura, enquanto eu erguia uma bandeira no topo das escadarias. Ela era negra e
possuía o símbolo da anarquia no seu centro, na cor vermelha. Eu fazia aquilo para
afrontar ainda mais o governo de Miraitropoles, além de envergonhá-los destruindo
suas máquinas de segurança, eu mostraria para o mundo que aquela cidade já não
era mais de ninguém.

Pollux

Aquilo era monstruoso. Mas na maior parte das vezes tudo o que é monstruoso
também é necessário. Eu não sabia se mais me assustava o procedimento médico
ou o alcance das ideias da doutora Vangelis e até onde ela poderia ir pelo que era
preciso fazer. Para uma pessoa tão calma certamente ela era alguém que não media
seus escrúpulos e ainda que duvidasse do mal que poderia eventualmente fazer,
normalmente pessoas com tanto peso nas costas não exibem naturezas ingênuas
ou delicadas como a da moça. Àquela altura ninguém duvidava de sua proeza, e não
fosse por ela a candidata a cadáver que era X-9 quando adentrou os laboratórios
seria pouco além disso, apenas mais um corpo em uma cidade forrada deles. Era
também a garota que eu procurava, contudo o senso de vingança e momentânea
fúria pelos recém mortos não era maior do que o desejo pelo bem estar da hacker.
Ninguém que eu tinha conhecido antes deixou de voltar, mas pela cara de luto de
muitos, alguns haviam perecido na batalha da superfície, longe de onde eu estava
em Vintage. E no meio de seu pronunciamento médico, um olhar pesou contra mim
sentido em minha nuca ao que me virei para também fitar de modo a mostrar um
sorriso triste ao perceber que os olhos vermelhos de Calidora encontravam-se com
os meus. Perder nossa identidade, como havia dito Vangelis, foi parte do processo
de perdermos nossa conduta de certo e errado ao nos vendermos para Carmen
Telford. Nossas almas poderiam ainda estar sob sua posse ao preço que aceitamos
pela nossa conduta dúbia e a oportunidade de estar entre os vencedores, mas
continuamos a ouvi-la, e em silêncio nos retiramos acompanhados do resto quando
mais instruções nos foram dadas.

– Tudo que está aqui está off-record, você concorda? – eu indaguei a Calidora. Isso
queria dizer que optaríamos por não filmar nada dentro do laboratório de Vangelis,
nem usar o que sabíamos para divulgar publicamente. Por respeito a ela e X-9.
– Eu não poderia mesmo se quisesse. O nosso armazenamento está intacto mas os
nossos implantes não filmam. O seu filma?

– Não, é uma prótese médica também. Só aprimoramento de imagem. Vamos ter


que nos virar assim até lá. – não poderia esperar que Vangelis tivesse o mesmo
acesso de engenharia para prover o mesmo modelo que Telford havia instalado,
mas não seria difícil reconfigurar, apenas não era possível no momento. De qualquer
jeito, fiquei aliviado: quis confirmar que Calidora também nutria por aquele grupo
algum senso de gratidão.

– Eu vou lá fora. Preciso respirar um pouco e ver o que há nas ruas. Vou me informar
um pouco.

– Tome cuidado e não se afaste. Estarei aqui.

– Oh e... obrigada. Eu sabia que você me acharia. – pela primeira vez desde que saí
do meu último dia de trabalho, eu pude sorrir aliviado. Não estava com sono, apesar
de ter ficado horas inconsciente devido à cirurgia nos meus implantes, mas ainda
sentia o cansaço físico e o estresse sobre meus ombros. Calidora retirou-se,
gostava dela mesma assistir noticiários e estar a par do que ocorria em
Miraitropolis. Deixei-a: sabia que iria se cuidar de agora em diante, tendo sobrevivido
até então. Não tive chance de encontrar a doutora Vangelis depois de todo o
ocorrido, mas pudesse eu apertar sua mão e parabenizá-la por tudo o que vinha
fazendo, eu o faria de bom grado. Era um exemplo vivo de que nem todos os heróis
da cidade são guerreiros e combatentes, e esperava que depois daquele episódio
mais pessoas seguissem o seu exemplo.

– Com licença? – eu havia me aproximado de um senhor de cenho duro que parecia


ser um ex-militar, junto de uma versão mais nova do mesmo que notei ser seu filho
de mais cedo, na batalha com o doutor Thomas. – Um de vocês pode me dizer o que
aconteceu quando emboscaram Carmen?

– Pollux, eu acho que existe um jeito melhor de fazermos isso. – eu temia dizer, mas
eu também já previa uma outra batalha. O olhar do líder dos Steelhearts era feroz
mas temia que lhe faltasse juízo. Sentia que havia uma comoção geral movida a
vingança pelo que fizeram com a hacker, mas não sabia até que ponto insistir dentro
da mesma estratégia de entrar com as armas cuspindo chumbo nos lugares seria
estratégia ou burrice. Não disse nada a ela, nos entreolhamos outra vez e isso foi o
suficiente para que ela não me dissesse mais nada, mas entendi o motivo: ou eu a
tentaria impedir, ou quem não deveria ouvir o plano estava em seu alcance.
Nesse momento, é sempre justo lembrar que não havia ninguém além de nós como
nós. Ainda éramos desconfiados de todas as pessoas ao redor e tínhamos o
estigma de termos trabalhado para o inimigo, portanto era fácil culpar qualquer
coisa que desse errado aos novos integrantes, os traidores de um dos lados.
Precisávamos contar um com o outro para aquele tipo de coisa que só nós
poderíamos fazer, e para combater o inimigo para quem um dia já trabalhamos, era
preciso usar as armas do mesmo. Balas e explosões não foram o suficiente e por
maior que fosse a proeza de todos em tentar o que poderia nunca dar errado, fomos
mais uma vez deixados na sarjeta para morrer, enquanto as notícias eram viradas a
favor dos ditadores e eu sentia o gosto amargo do que tanto eu próprio já havia feito
com outros. Carmen havia conseguido não só recuperar-se de um ataque surpresa
mas estar preparada o suficiente para contra-atacar imediatamente, o que era
assustador.

– Confio em você. Faça o que deve ser feito. – Precisávamos não de um plano B,
mas de dois planos A. Batalhar em duas frontes, agir em simultâneo, dividir as
nossas forças. Coltraine era um homem que intimidava, mas algo nele pareceu-me
sincero. Não no seu discurso ou em suas promessas, mas na sua racionalidade. Era
um homem com quem poderíamos negociar e apesar das armas que o rodeavam,
tinha uma mente que sabia usar pela forma como sua postura o apresentava. E
quando todos nós nos dispersamos e estávamos para sair, Calidora encontrou-me
com o olhar novamente e deu-me o sinal, fazendo o que fazia de melhor quando
trabalhávamos: desapareceu.

– Dois litros. – ela disse na ausência de todos, e pelas costas de Coltraine. Calidora
era uma mestre em disfarçar-se e acessar áreas restritas, tal a razão de ser uma
jornalista de campo e eu um entrevistador. O traficante virou-se lento até ela e
mandou que abaixassem as armas novamente, mas ela continuou, antes que a
proposta o fizesse perder a paciência por soar absurdo.

– Não achou que fosse o único fazendo o jogo do agente duplo, não foi? – Cali sorri
de uma maneira perigosa, quase dúbia, como se realmente sua legítima lealdade
não tivesse dono. – Quanto mais você dá para esses anarquistas menos sobra para
nós, e a Dama pode ser muito generosa. Ou muito cruel se souber que supriu os
nossos inimigos ao invés das pessoas certas. – os seus olhos brilharam com um
lampejo vermelho por trás das íris metálicas que só tornaram o sorriso um pouco
mais venenoso. – Um litro para eles, e um litro para ela. Na minha mão. Em troca,
duas coisas, e a primeira é informação. A hackerzinha estúpida está morta. Aceite o
trato e o corpo dela é seu, junto da recompensa. Deve ser um bom adiantamento
pela cybertropina, e bem mais do que esses carniceiros tiveram para oferecer hoje.
Escolha bem com quem quer fazer negócios. – ao fim de uma delicada ameaça que
poderia significar um tiro entre os olhos, Calidora deixou para trás o antro do
traficante e juntou-se a nós, após um atraso aceitável.

X-9 não teria uso para o seu antigo corpo. E com o seu novo crescendo naquele
tanque de animação suspensa, só esperava que sua falsa morte pudesse nos servir
de vantagem e elemento surpresa, e quando descobrissem que ele estava vazio por
dentro já seria tarde demais. O sadismo de Carmen e a propaganda sobre a morte
da responsável pelo atentado ao prefeito Sirius seria no final devastador quando eu
publicasse o que ainda tinha gravado em minha saída da emissora antes dela ser
destruída. Não era somente por ela, ou por eles. O que havia acontecido com a
hacker não seria exclusivo da mesma e cedo ou tarde, mais pacientes entrariam
carregados às pressas no laboratório de Vangelis. Onde a morte era abundante em
um lugar como Metropolis, qualquer esforço para se conseguir ater à vida era válido,
mesmo que os Steelhearts não soubessem as consequências.

Prefeitura

– Não deixe ninguém te pegar, e saia daí o mais rápido possível. O carro está
escondido nos esgotos. – disse minhas últimas palavras de sorte a Calidora
enquanto o restante dos soldados se preparavam para saltar abaixo. Eu não me
apressei. Muni-me de duas granadas de diferentes tipos, e de cima por onde o teto
rachado permitiu-nos uma passagem, lancei uma e depois a outra em um intervalo
de trinta segundos cada. A primeira, um dispositivo embaralhador, mexia com os
circuitos internos dos mechas no raio de sua deflagração e fazia-os funcionar de um
jeito momentâneo porém caótico. Rajadas potentes de metralhadora eram
disparadas em direções aleatórias, pilastras eram perfuradas assim como alguns
poucos desafortunados soldados rasgados no meio pelo fogo amigo, enquanto a
outra granada ainda caía emitindo um pulso eletromagnético para desativar as
criaturas mecânicas antes que os soldados pudessem pousar entre os capangas de
K'dore e guardacostas na prefeitura. Sabotagem cuja qual foi a razão de descer por
último no rapel, munido de uma submetralhadora que carregava com uma das mãos
preferindo o armamento leve devido ao tempo de treinamento escasso e minha
maior mobilidade em prestar suporte aos verdadeiros guerreiros.

Em algum momento enquanto minha descida me deixava colocar os pés no chão do


prédio público, enquanto os cacos de vidro estalavam debaixo de minhas botas
entre cápsulas deflagradas e corpos sem vida, Calidora vestia uma máscara
cirúrgica mais uniforme e aproveitava da ausência de pessoal nos laboratórios
Carwell para misturar-se e contrabandear o cadáver de X-9 para Coltraine e a
cybertropina extra.
Crovax

Só lembro de não sentir o meu corpo... Muita poeira e muita fumaça...O que é aquilo?
É minha perna?

Alma... O que qualifica-se como "Alma"? Por que se ela estiver intimamente ligada ao
corpo, eu perdi parte da minha nesse momento. Não consigo ver nada, sinto um frio
intenso e ouço ecos do que parecem máquinas agindo. Aos poucos meus olhos
buscam a luz, uma luz extremamente forte que faz com que eu leve mais do que
segundos para me acostumar e então, após o momento de confusão, puro terror,
meus olhos se acostumam e sinto minha respiração dentro dos aparelhos,
máquinas me espetam, perfuram, rasgam e costuram... Ouço cirurgiões falando,
vozes distorcidas, mas algumas palavras como cérebro, braços e olhos, consigo
reconhecer.

"O que aconteceu?"

Flashs surgem, um apartamento, gritos, uma explosão... Vejo as chamas vindo em


minha direção. Sinto o cheiro de carne queimada, olho ao redor, corpos
espalhados... Meu esquadrão.

Vejo uma mão esticada em minha direção, como se quisesse me alcançar,


clamando por ajuda. Não consigo me mover... É verdade. Fomos emboscados.

Estão todos mortos. Decisões tolas, ideologias tolas, sempre nos levam à morte...
Mas eu não tinha o direito de trazê-los ao inferno comigo.
Eu os matei, por puro ego. Por confiança excessiva... Eu os matei.
Mas parece que morrer era algo muito expiatório...

Vejo duas máquinas com pinças cibernéticas tirarem toda a pele do meu rosto, vejo
meu rosto diante de mim, e não é um espelho. Até onde consigo ver, aparentemente
aquilo é minha perna numa bandeja, e ao lado um fígado queimado. O cheiro de
ferro é bem forte, um cheiro que senti desde muito novo, mas que até então, nunca
tinha sentido o meu em tanta quantidade.

Reconheço aquela mulher... Meu deus! Megan... Você está viva.

Em meio aos sons de máquinas e vozes, consigo escutar as serras cortando meus
ossos, mas também lembro de quando conheci Megan, de como a vida iludia os
ingênuos. Mesmo de olhos abertos, consigo sentir o toque de sua pele, seu cheiro e
seus lábios. Algo que me forcei a esquecer, quando no dia em que ficamos noivos,
ela desapareceu. Por que agora? Por que ali? Por que nessas condições? Por que
voltou, para me salvar?
Ela é quem parece estar no comando. Parece nervosa, irritada demais. Nunca a vi
assim. Quando a conheci no corredor de um hospital, ela veio em minha direção e eu
estava certo de que nossas vidas iriam se colidir. Uma cirurgiã e um policial, que
combinação mais idiota. Ouço ela gritar...

"Não posso deixá-lo morrer!! Injetem mais adrenalina!! TRAGAM MAIS SANGUE!!"

" Mas... Doutora..." ouvi alguém questionar... Parece ser um enfermeiro...

"Sem "mas"!! INJETEM DROGA!! ELE NÃO PODE MORRER!! NÃO PODE!!"

Não se esforce tanto, não tenho nada a me apegar. Não precisa fazer tudo isso por
mim... No que você pretende me transformar? Mesmo querendo me expressar, tudo
se perdia.

" Se afastem!! " Gritaram... E então senti meu peito pulsar e formigar... De novo, e de
novo e de novo...

Novamente, tudo escureceu...

Estou num bar. Vejo o capitão Nick e os rapazes se aproximarem. Estão sorridentes.
O capitão me dá um tapa no ombro, me parabenizando pelo bom trabalho. Pede
para conversarmos a sós... Ele então começa a falar sobre a policia da cidade ser
privatizada, que isso era algo no mínimo idiota, e que nós militares não devíamos
responder as leis comuns, que se eramos militares, tinhamos que responder a uma
justiça militar, que toda a segurança devia somente servir ao país e não a um
engravatado imbecil. Seu humor mudava completamente, como se tudo aquilo não
fosse só uma ideia, mas sim uma ideologia de vida, um objetivo. Eu lembro de dizer
ao capitão, que essa não era uma boa ideia, que eu discordava desse pensamento,
pois em termos sabíamos que privatizado ou não, quem mandava na gente seriam
as mesmas pessoas, mas que pelo menos recebíamos melhor pelo nosso serviço.
Seu rosto parece cansado, o capitão me olha, decepcionado, suspira e se levanta,
saindo sem dizer nada. O que foi aquilo? O que ele pretendia? Não era só uma
conversa? Será que ele tentou me converter a uma causa? Sem respostas lembro de
ter me juntado aos rapazes e o resto da noite fora de muita cerveja e prostitutas.

– Ele acordou doutora... Acho que ele pode nos entender. – Dizia uma voz
masculina.

– É claro que posso lhe entender seu imbecil. – Foi o que tive vontade de responder.
– Certo. Podemos continuar... – Falava Megan, então seu rosto turvo, surgiu no meu
campo de visão, ela estava sobre mim, e demonstrava um sorriso falso, aquele típico
sorriso de médico de quando as coisas não estão bem, mas eles querem nos fazer
sentir que tudo vai dar certo. Seu rosto se aproxima e ele me beija suavemente...

– Só agora você volta para mim? Por que você se foi? Eu sempre te amei. – Eu
falava em minha cabeça, sem poder liberar tais sentenças em voz.

– Você ficará bem, Clay... Eu não deixarei você morrer. Você precisa viver... Ainda
tem um papel importante a desempenhar. – Ela dizia. Sua voz não mudou em nada,
a mesma voz que me acalmava quando eu voltava de uma operação, sentava-me no
sofá e tinha pequenos surtos de pânico, onde minhas mãos tremiam, pensando que
sobrevivi a mais um dia, mas que o amanhã poderia ser diferente.

Vejo alguém trazer o que parecem ser braços. Braços mecânicos e cibernéticos, que
são encaixados ao meu tronco, como um boneco a ser montado, sinto uma pontada
muito forte, como uma facada, e então escuto um barulho de encaixe, por alguns
segundos, senti que podia mover minhas mãos...

Pouco a pouco, eu senti essas sessões repetidas vezes, como se todos os meus
membros tivessem sendo encaixados ao que sobrou de uma carcaça destruída.
Agora eu sentia meu corpo, mas também sentia como se não fosse meu corpo.
Minha visão ainda estava escura, mas assim que abri, parecia estar enxergando
melhor que antes.

A mesa de cirurgia repentinamente começava a se mover ficando em posição


vertical, enquanto eu me mantinha preso a ela. Repentinamente números e
informações começaram a surgir sobre qualquer coisa que eu olhava, como se eu
tivesse vendo as coisas pela tela de um celular... Que diabos era aquilo? Eu via em
realidade aumentada? Informações como peso e tamanho das coisas, para que
serviam e etc. A porta da minha frente deslizava para a direita e Megan entrava na
sala. Sala essa que por sinal, parecia uma mistura de laboratório de Frankeinstain
futurístico misturado a uma sala de cirurgia comum de hospital. Megan segurava
uma prancheta e ficava de frente para mim, senti que já podia falar e ouvia tudo
muito bem, estava completamente consciente do que estava se passando, mas
ainda não sabia o que tinha acontecido até ali.
– Olá Clay... – Ela falou, quebrando o silêncio mortal. – Sei que pode estar surpreso
em me ver depois de tudo que aconteceu entre nós.

– Onde eu estou? O que está acontecendo? – Perguntei, ignorando a tentativa dela


entrar no assunto de nosso antigo relacionamento.
– Você está no meu laboratório. Você e seu esquadrão... Foram emboscados no
Residencial Celeste... E... – Ela explicava com muito pesar nas palavras, e antes dela
terminar eu já sabia como concluir aquela sentença.

– E... Todos estão mortos. – Completei.

– Sim. – Megan então se aproximava e carinhosamente passava a mão em meu


rosto. Seus olhos tinham lágrimas do mais puro sentimento de culpa.

– Me desculpe... Realmente, me desculpe... Mas eu... Eu... Eu não podia deixá-lo


morrer. Eu tive que fazer o que fiz. Quando soube, fiz com que te trouxessem
imediatamente aos meus cuidados... Você foi o único homem... Que eu... – As
lágrimas escorriam por seu rosto e as palavras saiam pausadas e tremidas.

– O que você fez comigo? – Perguntei. Ela me olhou e mordeu os lábios, vendo
aquele lugar, vendo como eu estava preso, a forma como sentia meu corpo, eu já
sabia a resposta, mas eu precisava ouvir, precisava que ela me dissesse para que
tudo se tornasse realidade na minha cabeça. Ela continuava exitando, e minha
agonia explodiu na forma da mais pura raiva.

– O QUE VOCÊ FEZ COMIGO!!!?? RESPONDA!!

– Eu tive que fazer, eu não tinha outra escolha... – Respirando fundo, ela então me
olhou nos olhos e se concentrou nos termos técnicos. – Você sofreu danos em 92%
do seu corpo, você foi pego no epicentro da explosão, tentando usar seu corpo
como escudo para a bomba, sua roupa protetora, absorveu grande parte do dano,
mas não foi o suficiente... Seus órgãos e membros foram afetados, você perdeu
seus pulmões, pernas e braços, parte do seu cérebro colapsou, tivemos que
implantar novos membros, enxertos de pele, seus olhos derreteram, colocamos
olhos cibernéticos de última geração... Clay... Você agora é um ciborgue... Mas o
mais importante... Você...

– Vai dizer o que? Que o mais importante, é que estou vivo? – Interrompi ela
novamente. – Você devia ter me deixado morrer... E agora? Como vou viver sabendo
que matei as poucas pessoas que importavam na minha vida. Que confiaram suas
vidas a mim? Eles tinham família, tinham parentes, tinham uma vida, e eu? Eu nunca
tive porra nenhuma! O pouco que tinha, simplesmente sumiu da minha vida sem
explicações, e agora o que restava eu simplesmente levei para um buraco para
serem explodidos!!
Ela ficava calada, de cabeça baixa abraçada a tal prancheta. Não tinha coragem para
me encarar. Lentamente ela colocou a mão sobre meu peito, e virou as costas para
sair da sala, mas quando chegou perto da porta, sem se virar, disse as últimas
palavras que ouviria de Megan Rider, pois depois desse dia, nunca mais a vida
novamente.

– Eu vou deixá-lo agora... Não espero que você entenda. Mas eu não podia deixá-lo
morrer. Me desculpe... No entanto, você está vivo, e terá que lidar com isso.
Enquanto houver vida, temos que seguir em frente e eu acredito que você encontrará
uma forma de fazer isso. Vou deixá-lo descansar agora, você será colocado num
coma induzido, pois só dessa forma seu corpo irá assimilar as novas mudanças,
sem sofrer rejeições... Adeus.

Ela então saia da sala, e a mesa de cirurgia voltava a ficar em posição horizontal. Vi
um líquido azul se mover por um tubo que estava ligando a minha espinha e então,
senti um profundo sono... Dali em diante, eu só veria o mundo novamente, quando
meu corpo decidisse que era hora. Muitas coisas poderiam mudar nesse tempo,
mas não importava... As mudanças que realmente tinham algum valor, já havia
acontecido.

Leon

Não sei por quanto tempo estive dormindo, mas ao acordar estranhei o lugar que vi
ao redor. Não me assustei como seria a reação normal de qualquer um, afinal não
era um ambiente hostil. Reconheci o cheiro de Tony Montana e de outros
conhecidos, inclusive, o mafioso estava numa cama do meu lado direito. Ele e a
ruiva. Eu não estava preso na cama e não sentia mais dor. Desta vez meu ferimento
estava devidamente fechado e já cicatrizando. De imediato pensei em hospital e
logo essa ideia foi descartada pela certeza que se tratava de um laboratório. Eu
sentia cheiros muito fortes de substâncias que no outro lugar não ficaria tão
exposto. Quando a ficha caiu, a raiva me dominou.

Fiquei um bom tempo sentado naquela cama ou maca, apenas reconhecendo o


lugar ao redor. Tive de lembrar que odiava tal lugar que pertencia ao filho do meu
pior inimigo. Estava sem camisa por causa das ataduras e nem me preocupei de
checar meus pertences. Afinal eles estavam arrumados ao lado da cama e prontos
para ser pegos. Lentamente me estiquei para apanhar a camisa branca, lavada e
remendada que nem era minha para começar e a vesti. Estava com fome, muita
fome e isso me deixou ainda mais irritado por não saber onde era a cozinha e ao
mesmo tempo por ainda estar ali. Ao enfurecer, decidi sair do laboratório e procurar
algum restaurante. A passos apressados eu terminei de me ajeitar, onde ajustava a
pulseira eletrônica no meu pulso e digitava a senha para ligá-la e destravá-la.
Repentinamente parei tentando conter uma transformação bem ali e matar alguém
só pela fúria que me consumia devastadoramente.

No caminho, ainda num vasto corredor, encontrei Calídora indo na direção oposta.
Parecia que ela ia me visitar, o que não precisou muito e com um olhar em mim ela
parou. Fiquei encarando com um ar fechado ou ranzinza e decidi agilizar a minha
deixa do laboratório que representava minha maior ruína. Obviamente não foi o
mesmo em que fui submetido a cirurgia, tampouco o dono era o especialista que me
operou, mas o cheiro dele estava ali. Na realidade, do herdeiro dele. Ela só me olhava
em silêncio, parecia estar com um certo medo, talvez meus olhos estivessem mais
brilhantes ou no tom dourado forte do felino… Por ela, me forcei a sorrir e controlar
melhor meu corpo.

– Quer sair para comer algo? Talvez para nos despedirmos, não posso ficar aqui por
muito tempo, sabe… – Meu olhar mostrava uma angústia e uma fúria. Quem sabe
ela juntaria o pouco que sabia de mim e entendesse minha urgência.

Ao ver a rua cheia de carros e vitrines de neon novamente, suspirei aliviado. Passar
pelo esgoto foi difícil para mim, mas nada era comparado ao odor dos cadáveres do
Canal 17. Calídora me acompanhava na busca por um bom restaurante. Não
demorou muito para achar um bem aceitável daquele bairro complicado. Um
ambiente simples, quase nada de uma decoração sofisticada, rústica. Pedi uma
refeição completa. A conversa entre nós dois foi simples e cotidiana. Não perguntei
sobre o que ela faria daqui em diante, pois ela tinha outro homem, Pollux, para
apoiá-la. Pois é, minha missão estava cumprida!

A comida caseira era deliciosa. Quase pedi outro prato, porém comer demais era
terrível para o estômago. Ao terminarmos, paguei a conta e saímos do restaurante.
Na calçada eu abracei aquela mulher ternamente e a agradeci por permitir a minha
proteção. Me despedi dela e fui para o lado oposto. Bem longe do laboratório. Queria
ir para casa, mas antes tinha de rastrear minha moto. Uma tarefa fácil demais se eu
não recebesse uma ligação. Demorei um pouco e atendi a chamada.
– Boa noite, tigrão! Eu sei que também é amigo daquela hacker de cabelos azuis.
Quero passar algo para você e pode usar da forma que quiser. – Disse um
conhecido meu, Eugene Volcan.

– Do que se trata? Aliás, você não tem a agência da investigadora para fazer isso?
Ela não pode usar o que você tem? Sabe… Estou meio de saco cheio dessas
missões que ando recebendo. – falei impaciente.
– Calma aí Leon! Que stress é esse? Eu consegui gravar tudo o que aconteceu no
cemitério e qualquer um que veja o vídeo claramente culparia Jaime pelo estrago
com os zumbis e aquele troço tenso lá… Foi difícil me camuflar com aquela capa de
invisibilidade, mas está feito. – Contou ele orgulhoso.

– Tal incidente que está aterrorizando o povo… Mas a Dama de Prata não sairá
culpada disso tudo, se bem que derrubar aquele velho desgraçado é bastante
animador. Já que você não pode lançar isso pela mídia, deixe que eu faço. Tenho
uns peões de sacrifício para essa missão. – Falei mais animado.

– Já enviei por um link seguro e criptografado que só você conseguirá decodificar…


Afinal um mero estudante de criminologia conseguiu identificar minha assinaturas
nas minhas obras e me forçou a mudar todo o procedimento, sabe? – Sua ironia me
provocou um sorriso singelo.

– Não vamos falar do passado, aquele estudante está morto. Mas obrigado por isso.
Vou adorar ver a queda de Jaime. Só uma questão. Por que raios estava filmando
um velório? – Era estranho tal atitude de um golpista nato.

– Eu estava apenas registrando o velório para usar depois como estudo dos
estagiários... Sabe, leitura corporal e micro expressões. Não há um exemplo melhor
que um velório. – justificou ele. Logo depois nos despedimos.

Enquanto andava fiquei decodificando o arquivo lacrado. Já tinha localizado minha


moto e estava indo até ela. Mais tarde, ao chegar na minha casa, tomaria um banho
bem tomado para tirar aquele lugar de mim e assistiria o vídeo. Logo em seguida
colocava em ação o plano para que chegasse aos olhos de todos as cenas
exclusivas do cemitério. Dois homens no qual me devem muito farão o serviço sujo
enquanto assisto às sombras.

Claire Falcon

Cheguei na casa da Carrie. Kayne insistiu em ficar comigo na missão de cuidar da


promotora e acabei permitindo. Já faz uns dez minutos que o agente Sifer foi
embora e o apartamento ficou silencioso. Na cozinha eu estava preparando o jantar
de nós três, um caldo de legumes e peixe que minha mãe ensinou a fazer. Era a
especialidade dela. Ótima cozinheira… Ian também foi bom na cozinha também.
Escolhi o caldo simplesmente para nos fornecer nutrientes necessários para
combater o cansaço físico e mental. Claro, com depois uma noite de sono.
Ao deixar tudo cozinhando, fui atrás da minha pulseira comunicadora, tinha que falar
com uma pessoa urgentemente.

– Olá senhor Silverton, como você está? – Falei assim que minha chamada foi
atendida. Era Robert Silverton, pai de Kayne, ex militar e juiz aposentado.

– Já falei para me chamar de Robert senhorita… – Sua voz era brincalhona. – Como
está meu pequeno gênio? Suponho que ele ficará com você esta noite, não? Está
tarde… – Completou ele já um pouco mais sério.

– Ele está bem, como sempre calmo lendo um livro e sim ele ficará comigo esta
noite. Tentei levá-lo para casa, mas ele quis ficar. A propósito… Tenho um trio no
antigo tribunal, não fiz a ocorrência, talvez os robôs já tenham encontrado. Carrie
está bem, mas muito machucada e traumatizada. Até já tentou suicídio. – Comentei
tranquila e ao mesmo tempo abalada ao relembrar tudo.

– Fico feliz que conseguiram resgatá-la a tempo do estrago ser pior. Pode deixar
comigo a respeito dos três sacos de lixo, não será conectado a você e a meu filho.
Só não posso fazer nada a respeito do mandante, se já sabe quem é, sugiro
prosseguir com cautela. – Recomendou ele.

– Sim, são inimigos poderosos. Só uma coisa que não entendo, com tanto poder, por
que contratar amadores para o serviço? Ao menos ainda bem que nisso foram
burros… Apesar de eu ter perdido a cabeça e atrasado o resgate. – Estava com
vergonha de lembrar do caso. Seu pior inimigo às vezes era sua própria mente…

– Isso não sei, talvez não tenha importância os meliantes. Enfim, tenho que fazer
umas coisas aqui. Diga ao Kayne que eu o amo e que durma bem. – falou ele num
tom mais neutro.

– Pode deixar que eu falo. Até mais Robert. – Despedi e desliguei a chamada.
Ao voltar para verificar o caldo eu me permiti focar só naquela tarefa. Sem mais
lembrar da minha falha como amiga e investigadora. Sem mais me lembrar
daqueles imundos que raptaram minha melhor amiga. Mais vinte minutos no fogo
eu desliguei a panela e chamei o garoto. Peguei uma tigela menor e peguei apenas o
líquido ao mesmo tempo que o outro já estava se servindo de uma generosa porção
do jantar improvisado e às pressas.

Levei esse caldo sem os pedaços de carne e legumes para alimentar Carrie. Seria
uma tarefa difícil com ela deste jeito, mas era necessário. Com paciência, de colher
em colher ela foi tomando aos poucos. Não falava nada, não me olhava, parecia
uma boneca sem vida jogada sobre a cama e eu estava brincando de casinha com
ela. Adicionei ao caldo dela um calmante natural que permitirá que durma a noite
inteira. Era um remédio forte até, mas que não tinha efeito colateral.Pelo resto da
noite fiquei velando seu sono. Coloquei um Kayne adormecido na cama do quarto de
hóspedes e voltei para perto da minha amiga. Eu já estava acostumada a vigiar e
dormir pouco ou em fases. Tinha que descansar e mesmo assim me manter em
alerta. E assim foi o resto daquela noite.

Akane

– Já estou cheia dessas missões, desculpe Tony, mas não vou com esse grupinho
fajuto novamente. – Eu estava gritando como se estivesse brigando.

– Estou vendo que está muito irritada. Não é obrigada a ir. Não quero te forçar a
isso. – Falou ele calmo e deitado naquela maldita cama de laboratório.

_Então eu vou cuidar melhor dos meus ferimentos, obviamente não são profundos
ou preocupantes, mas me sinto muito suja mesmo depois de três banhos. - Diminuí
o tom da minha voz, mas não a irritação.

Dei as costas ao meu amante. Estava farta de toda essa brincadeira de gato e rato
do governo. Eu tinha que me cuidar. Saí demais da minha zona de conforto e usei
demais o modo social de matar. Eu não sentia prazer em meter uma bala na cabeça
dos outros. Era sem graça e rápido demais. Com meus punhos firmes, eu fui para
outro cômodo que parecia um ambulatório médico. Eu não deixei ninguém me tocar
quando fui levada até ali. Ninguém podia cuidar de mim daquele jeito, não precisava
da esmola deles. Especialmente daquela loirinha irritante.
Era de madrugada. Ao que me foi informado, os Stellhearts foram atrás de uma
droga para salvar a Cinderela Azul e receberam outra missão, invadir o território de
Jaime e acabar com toda a empresa dele. Não concordei com tal coisa obviamente.
Não queria encontrar aqueles enlatados fedidos novamente. Já estava farta do
casalzinho que gosta de brincar com cadáveres. Estava mais preocupada em
costurar o rasgo na minha perna e limpar e enfaixar as escoriações pelo meu corpo.
Fora que minha visão de tempos em tempos ficava embaçada devido a exposição
direta ao neon daquele outdoor que me pendurei para me salvar.

– Que todos vão para o inferno! – Resmunguei ao sentir a ardência do


anti-inflamatório contra os ferimentos.
Demorei um bom tempo e mais uma vez o sono me atingiu. Saí daquele laboratório
e fui para um hotel bem próximo. Fui a pé mesmo, era bem perto mesmo. Quando
ficava nesse estado de raiva extrema, não ficava perto de ninguém, até mesmo de
Tony. Me isolava e guardava todo o sentimento para minhas vítimas… Tenho de
admitir que com a convivência com o mafioso acabei mudando um pouco. Não
usava mais o sexo para matar, apenas a sedução que se provou ser mais desafiador
e prazeroso. Fiquei mais impaciente também e intolerante perante a pessoas que
fisicamente eu odiava. Paguei pelo quarto e fui dormir.

Acordei um pouco depois do almoço e pelo horário a tal missão já devia ter
começado. Me importei ou mudei de ideia? Não! Para falar a verdade não gostava
de matar um grupo de pessoas, não tinha tanta sede de sangue assim. Grupos me
enjoavam. Fiquei deitada por um tempo esperando o café da manhã que solicitei.
Sim, ia começar com algo leve por mais que já tenha passado do horário correto. Só
não tinha ideia do que fazer a seguir. Mas em breve mataria um para aliviar toda a
raiva contida. Só tinha que selecionar com cuidado.

Narrador

Na manhã chuvosa o carro branco com adornos prateados estacionava a frente da


Orion. Corp. Longo, imponente, era diferenciado por ter sido feito sob medida,
portanto único modelo na cidade. Seis eixos, frente alongada que comportava
quatro das seis rodas, as outras duas ficavam atrás. Os adornos prateados à volta
dos faróis e das laterais tinham contornos de formas barrocas. As portas se
abriram e dele saiu Carmen Telford, muitas pessoas esperavam a Dama de Prata
para que fosse acompanhada até a entrada do prédio protegida por guarda-chuvas
de cabo de neon portados por seus empregados. Se uma gotícula tocasse seu
casaco de pele branca, colocaria todos no olho da rua. Por fim chegou ao escritório
de K’dore, esbravejando.

– Jaime idiota, deixou que aqueles marginais tocassem em nós no enterro de Sirius
e agora acham que podem tudo, viu o que fizeram na prefeitura? Você disse que o
líder estava morto, mas as câmeras filmaram ele bem vivo cravando uma bandeira
anarquista nas escadarias! – Largou seu casaco em cima da mesa de K’dore.

– Mais cuidado, Carmen, mais cuidado como fala comigo, esqueceu que está onde
está por minha causa? – K’dore sentado atrás da sua mesa apenas ergueu o olhar
para ela. – Cometi um erro, as probabilidades levavam a crer que Liam estava morto.
– Se ergueu da cadeira saindo de trás da mesa.
– Você está sempre errando, Jaime, sempre! Esse é o seu problema! – Alterou a voz.

– Já disse para ter cuidado com o tom em que fala comigo… – Avisou.

– Para o Inferno com suas ameaças, você não tem pulso firme! Precisa ter uma
visão mais ampla da situação e não só olhar para o próprio umbigo. Se quisermos
que esse seleto clube onde apenas os ricos e poderosos podem entrar e que tem
pretensões de dominar o mundo através de esquemas políticos-econômicos,
precisamos possuir um núcleo ainda mais secreto para alcançar tal objetivo. Precisa
existir também um líder, a inexistência de uma hierarquia dentro de um projeto tão
grande é simplesmente utópico. – Carmen explicou calmamente, se referindo ao
clube Elite, onde apenas os ricos de Miraitropolis entravam, normalmente donos de
empresas. Ela e Jaime faziam parte.

– Você tem razão… O Elite tem que ser mais incisivo. – Seu maior temor é perder
seu cargo, mas se soubesse usar isso a seu favor, poderia se tornar o líder que
Carmen dizia. – Hoje convocarei os mais confiáveis do clube para uma rápida
reunião.

– Não se incomode, eu já fiz isso. Nós os sete mais ricos de Miraitropolis vamos nos
reunir aqui na Orion e formar um conselho. Assim, decidimos juntos medidas
importantes para nossos ideais, tanto quanto os avanços dos Steelhearts. – Carmen
se sentou na mesa redonda.

– Não fui avisado de nada… – Jaime se sentiu traído.

– Não se preocupe, você já é um membro do conselho, assim como eu. Vamos


esperar a chegada dos outros cinco para começarmos a reunião. – Se encaminhou
até a mesa redonda de reuniões e se sentou à volta da mesma.

– E quem são os outros cinco? – Perguntou, se juntando a Carmen, mas ficando ao


centro da mesa vazada.

– Além de nós dois, Julius Roffman, o poderoso que refina radiack do deserto para
Miraitropolis. Cassandra Allestar, bilionária da indústria da moda. Eleanor Aigner,
herdeira da empresa automobilística Aigner Luft, que por sinal fabricou meu lindo
carro que neste momento está embelezando a fachada da sua empresa… Arthur
Stravnoff, dono da maior fábrica de implantes cibernéticos que temos
conhecimento. E por fim, Laurel Hedare, minha amiga de infância e colega de
faculdade, conhecida por produzir os melhores cosméticos. – Respondeu.

– E você escolheu cada um a dedo, sem me consultar… – Franziu o cenho


– Foi o jeito, Jaime, precisava resolver essa situação logo, depois da explosão da
bolsa de valores, da destruição da prefeitura e de tantos atentados, nossa economia
ruiu. Apenas sua empresa não vai dar conta de reerguer a cidade. – Completou.

– Mas Carmen… A ideia de contratar Aleksey e implantar um plano de caos na


cidade, incluindo explodir a bolsa de valores foi ideia sua! – Bateu com o punho na
mesa.

– É verdade… Mas você acha que é o único com o luxo de errar? – Carmen encarou
Jaime, baixando a armação do óculos e lhe fitando friamente.

– Você planejou isso tudo... – Jaime se ergueu.

– Já disse para ficar calmo, Jaime, não há o que temer, somos todos amigos
confiáveis. – Telford espalhava os papéis na mesa, sem olhar Jaime, ele não era
mais uma preocupação.

– Confiáveis para quem, eu ou você? – Seus olhos ardiam em brasa.

A secretária da Orion abriu a porta da sala de reuniões avisando da chegada dos


cinco “convidados”. K’dore não sabia se estava sendo levado pela paranoia ou se
achava estranho a chegada de todos ao mesmo tempo. Mesmo assim ajeitou o
terno preto, a gravata vermelha no colarinho branco, alinhou novamente o cabelo
grisalho para trás e recuperou a compostura, se sentando novamente na cadeira à
frente da mesa redonda da sala. Os outros cinco fizeram o mesmo e assim a reunião
começou conduzida por Carmen Telford apesar de simbolicamente K'dore se
encontrar numa posição mais condizente à líder. Jaime não gostava e sentia que
pouco a pouco estava perdendo poder e claro, aquela batalha.

– Como primeira pauta, gostaria de mostrar algo a vocês. – Assim que terminou,
sem precisar pedir, um empregado trouxe uma maca com um pano branco em cima,
colocando ao lado da mesa redonda. – Quem começou tudo isso, está bem aqui. –
Carmen em pé puxou o pano branco, e na maca se encontrava um corpo com longos
cabelos cor lilás, o corpo de X-9.

– É sua ex-programadora, Jaime. Você foi vingado. De nada, não precisa agradecer.
Viu qual é a nossa diferença? – Ela até sorriu, K'dore engoliu a raiva na frente de
todos.
– Com esse corpo pretendo desestabilizar psicologicamente os Steelhearts. E
servirá de exemplo para qualquer um que tentar nos enfrentar. – Fechando os
punhos, Telford falou bravamente.

– Jaime, também quero lhe devolver uma encomenda que mostrou defeito de
fábrica. – Repetindo o gesto, solicitou que seu empregado entrasse na sala, desta
vez alguém o acompanhava, era Aron, acompanhando os passos do homem. O
empregado o deixou em pé no centro da sala, e se retirou. Como um boneco, Aron
permaneceu imóvel e sem reação.

– Seu soldadinho de chumbo estava presente na prefeitura durante o vandalismo de


ontem e não fez absolutamente nada. Eu tinha suspeitas sobre a qualidade dos seus
produtos, Jaime, mas como disse, eram só suspeitas, contudo, com essa terrível
falha imperdoável passei a ter certeza. Vou dispensar a prefeitura de seus serviços.
– Os outros cinco membros seguraram o riso, K'dore nunca passou tanta vergonha
em sua vida.

O corpo feminino inanimado que boiava em posição fetal sobre o líquido


transparente, conectado aos tubos e fios ao longo da extensão de sua coluna
cervical recebia o soro que o reviveria de vez. A sensação de estar imersa sobre
uma escuridão infindável e um vazio aparente nem de longe emitia a sensação
frígida com a qual havia se habituado a viver sob a custódia do medo desses
últimos dias. O olhar atravessou o vidro blindado e a mão fechada bateu na redoma
transparente pelo lado de dentro. Abruptamente, as garras do homem arrancaram
seu corpo daquele descanso uterino, removendo seu elmo cor de chumbo também,
regurgitando-a sobre uma mesa cirúrgica de metal lisa e fria. O silêncio abraçava-a,
a temperatura baixava ao ponto de distribuir calafrios, o tato foi o primeiro dos
sentidos a se manifestar. Suas funções se recobraram, seu corpo esguio estava
imóvel, nu sobre a cama de aço. Os olhos cinzentos se abriam lentamente, a dor da
luz branca machucavam suas vistas que pouco a pouco foi se habituando ao
ambiente estranho. Flagrou muda os olhares voltados todos para si e junto sons
incompreensíveis que lentamente aos poucos foram tomando sentido e se
transformando em palavras.

Um suspiro fora emitido por aqueles lábios que não eram os seus, fechou os olhos
que não eram os seus. O fluxo de informações invadiu o seu cérebro, mas não
apaziguava a confusão que se instalava nele. "Onde estou? O que é isso?". As
lembranças de sua “morte” poderiam e a deixariam violenta, por isso a retiraram por
enquanto. Deixaram apenas o que lhes seria útil: a intensa determinação de uma
hacker. Não era hora de questionar a nada. Havia retornado ao mundo desperta pelo
desespero dos seus irmãos. O próximo fluxo de informações a invadir seu falso
corpo não teria fonte em algo tecnológico, mas sim de sua própria memória,
gravada na essência de sua alma: “X-9” A palavra pairava pela sua mente, e seu
significado; “Não é uma palavra… É o meu nome, ou pelo menos como me chamam”
Era tudo o que tinha, e ela se agarrava a isso com todas as forças, era a essência de
seu ser, e de sua alma, no momento, a única coisa que preenchia o vazio de sua
presença inexplicável naquele lugar.

Ela ergueu seu nariz e cheirou o ar, depois do tato, visão, audição, o olfato vinha, e
vinha aflorado, mesmo do outro lado do cômodo pôde sentir seu cheiro, cheiro de
sangue, alguém sangrava no outro leito e junto o gosto metálico invadiu sua língua e
assim por o último dos sentidos se apresentava, o paladar. Titubeando, ergueu-se da
cama e apoiou a mão sobre o rosto, zonza, tanto quanto o sentia em seu corpo de
carne e osso. Até então a feição que parecia esculpida em pedra mudou ao se ver
seu reflexo em um dos tanques de vidros da sala e sentiu vergonha levando as mãos
para se cobrir. Também vieram as primeiras palavras organizadas em sua mente, era
um novo nascimento.

– P-po-dem me d-aar um-ma roupa? – Perguntou gaguejando e hesitante.

Alguém entregou uma roupa hospitalar que foi vestida rapidamente. Os olhos
cinzentos faiscaram na penumbra azulada de grandes tanques azuis de vidro
suspenso no alto, assim como muitos painéis luminosos, aparelhos quadrados, fios
e cabos conectados aos andares das paredes dos corredores, nada daquilo fazia
sentido para ela. Os monitores reportavam seu estado de saúde, que estavam bem,
até demais. Os olhos cinzentos vasculharam curiosos o ambiente, era como se tudo
fosse novo, uma descoberta a cada olhar.

– Deve estar bastante confusa, X-9, e não deve se lembrar muito, vou explicar
resumidamente. Você levou um tiro de calibre doze a queima roupa, ele foi fatal…
Digo… Quase fatal. Precisei fazer uma operação às pressas em você. Para isso
usamos cybertropina, uma droga altamente controlada para te trazer de volta… Ela
vai dar efeitos colaterais… Não se assuste. – Se aproximou Vangelis, sorrindo,
estava feliz que o projeto tinha sido bem sucedido. A hacker a fitou, tentando
lembrar das feições da loira.

– Aos poucos suas memórias vão voltar, dê um tempo a elas. – Completou.

– Eu lembro, você é… Seu nome… É Vangelis, é cientista, médica... Ou alguma coisa


assim... – Vangelis balançou a cabeça positivamente, concordando, mantendo o
sorriso.

X-9 não disse nada mais nada, apenas caminhou pelo laboratório, olhando tudo,
tentando reconectar as lembranças, ainda estava um tanto quanto aturdida, a partir
dali tudo serviria como guia para sua reaprendizagem, e rapidamente, objetos,
ações, pensamentos e pessoas passavam a fazer sentido, e assim sua história ia
sendo reconstruída como um quebra-cabeças dentro de sua mente. No mesmo
instante entrou na sala um homem de cavanhaque e cabelos negros, andando de
muletas com uma faixa branca apertando o corte no peito descamisado. A faixa
tinha uma grande mancha vermelha devido ao esforço de tentar andar corretamente
com o apoio. O cheiro de sangue que sentiu anteriormente ficou mais forte, assim
lembrou que o dono do mesmo se chamava Tony Montana, o mais poderoso
mafioso de Miraitropolis. Vangelis foi repreendê-lo, mas antes que pudesse o
italiano falou primeiro, com alto grau de autoridade.

– Liam, Akane está fora. E eu não vou mais me envolver diretamente. Mas meu
pessoal de confiança ficará com você. – Apontou para PeeBoy. – Você garoto, será
meu general em campo, coordenará meus homens. Mas não medirei esforços e nem
recursos para ajudá-los, peçam o que quiserem e se tiver condições concederei. E
mais uma coisa, ao final disso tudo, cada um receberá uma quantia bem gorda de
Créditos, não esquecerei de nenhum, esse foi o combinado. Também darei uma
bonificação extra por causa dos perigos e todos percalços até então, incluindo você,
Dra. Vangelis, obrigado por cuidar de mim. – Tony se aproximou e agradeceu dando
um beijo no rosto da doutora, no canto dos lábios, que a mesma ficou ruborizada na
hora. – Cuidem-se e não morram, ou mato vocês. – E assim o mafioso se despediu,
sorrindo, saindo da ala cirúrgica de muletas, negando ajuda dos médicos e
cientistas ao redor que ofereceram auxílio.

Sifer ao chegar na agência de Claire Falcon fora reportado por duas notícias e nem
uma delas boa. Primeiro Xinfo repetia o que os noticiários reprisaram o dia inteiro, o
esquadrão da S.W.A.T. operante no Residencial Celeste fora vítima do atentado de
Aleksey. Ainda eram escassas as informações, mas parecia que ninguém havia
saído vivo segundo a entrevista concedida pelo Capitão Nick Slay. Por outro lado, o
mesmo confirmava que o terrorista fora abatido e estava em cárcere. Avisado de
que Praxis tinha escapado graças a uma idiotice de Arthur, a reação não foi das
melhores, e era de se compreender. Fechando o punho aplicou um murro tão forte
que trincou a parede, e incapaz de sentir dor devido a ira logo levou as mãos ao
cabelo castanho claro, puxando para trás, em clara preocupação. Sifer não tinha
ideia do que fazer para achar a Inteligência Artificial infectada. Culpados pelo
ocorrido, ninguém na grande sala da agência falava. A pulseira comunicadora do
agente (ou ex) da S.W.A.T. vibrou anunciando uma nova chamada do Capitão Nick
Slay. Sifer abriu o link virtual e o aparelho projetou no ar o rosto do militar.

– Acabo de encontrar a oitava maravilha do mundo moderno. Uma I.A. chamada


Praxis, tão esperta e autônoma que tentou invadir o sistema da Paramilitech e
instalar um vírus, com o objetivo de acionar as ogivas que a empresa possuía. O alvo
era exatamente o território da Rússia nazi-soviética. Acabei de impedir uma guerra,
acho que receberei um Nobel por isso. – Ironizou. – Separamos o vírus de Praxis.
Me diga, Sifer, você tem algo a ver com isso? Responda com sabedoria, vou saber se
está mentindo. – O olhar do Capitão fixava ao de Sifer. Ele não tinha como saber se
era blefe ou alguma técnica de interrogatório, por via das dúvidas, não mentiu.

– Sim senhor, no entanto, apenas na concepção da I.A. quanto ao vírus ou a ordem,


nada tenho a ver.

– Explique melhor. – Pediu.

– Ela foi infectada quando tentei hackear o sistema da Orion Corp. Um sujeito
chamado Henri Choi de alguma forma já estava preparado para o ataque e inseriu o
vírus na I.A. e a roubou. – Não era totalmente verdade, mas se for para colocar a
culpa em alguém, que fosse no inimigo.

– Henry Choi é? Esse sujeito tem bastante dinheiro… Provavelmente iria lucrar com
uma guerra… Mas acho que o imbecil não mediu as consequências dos seus atos…
Milionários… Sempre achando que sabem de tudo e se metendo nos assuntos que
não lhes dizem respeito. Depois cuidamos desse sujeitinho indesejável. Tem mais
coisas de que quero falar, felizmente conseguimos remover o vírus, sua amiga está
livre da porcaria que Choi colocou nela. – Sifer não conteve o sorriso, parecia coisa
do destino.

– E vi também que apesar de tudo não ocorreu muitos danos, e agora temos uma
arma forte contra a Orion, seu código-gatilho para desativar as defesas do prédio
ainda está presente nas informações de Praxis. Quando ia nos informar dessa obra
prima? Não precisa responder, só preciso da senha. – Mas tudo tinha um preço, nas
mãos erradas, Praxis poderia ser a mais poderosa arma de guerra. Mas Sifer não
tinha escolha se queria derrubar a Orion, a I.A. foi criada para isso.

– Entendo senhor… Estou enviando por texto… – Sifer digitou o código para Nick,
agora o Capitão tinha a senha.

– Muito obrigado pela cooperação, Sifer. – Agradeceu.

– Só um minuto, senhor! – Pediu ele.

– Diga.

– Quando desativar as defesas da Orion, o que fará se não possui mais uma equipe?
E por que o senhor não me informou sobre o que aconteceu com o esquadrão? –
Indagou Sifer, achando que ia encurralar Nick, mas esse não demonstrou
desconforto e logo respondeu.

– Não se preocupe quanto a isso, eu tenho meus meios, meus contatos, pode ficar
despreocupado quanto a isso. Referente à segunda questão… Eu quis lhe poupar
filho, você estava trabalhando muitas horas, cuidando de uma pobre moça que
sofreu abuso, precisava ser forte, se eu falasse sobre a morte do esquadrão, sabe-se
lá como ia reagir, e a moça não podia ficar sozinha. Afinal, tenho que cuidar do único
sobrevivente da nossa valiosa equipe. – Ambas respostas não agradaram Sifer,
principalmente a última, parecendo um tipo de ameaça, da maneira sutil de Nick,
mas ainda parecia. Mesmo assim serviu para Sifer presumir que algo estava
acontecendo, e não era bom.

– Compreendi, Capitão, fico agradecido pela sua preocupação e por tudo que tem
feito. – Por ora se fez satisfeito com as respostas.

– Até mais garoto. – Desligou.


– Atenção. – Assim que o link virtual foi desfeito, Sifer exigiu de todos, falando alto.
– Vocês ouviram, Praxis está bem, mas se encontra com a Paramilitech, eu não
gostei disso, mas não posso fazer nada. Pelo menos não sozinho, e não agora. É por
isso que sugiro que todos sumam por um longo período, é o que vou fazer. Se o
Capitão Slay vier até nós, vai ser preocupante e muito perigoso. Até mesmo você,
Rose, precisa largar tudo. Pode parecer que trabalhando aqui com Claire não vai lhe
ocorrer nada, mas vai sim, você não é capaz de acreditar no que aquele homem é
capaz de fazer para extrair informações, e se tratando de uma única testemunha que
seria você, tudo seria ainda pior. Eu sinto muito, muito mesmo, mas todos, teremos
que largar nossas vidas como a temos se quisermos sobreviver. Vão em suas casas,
peguem apenas o necessário e sumam! – Avisou.

– Mas… Somos apenas um bando de programadores e hackers… Alguns de nós


nem mesmo precisamos sair de casa… Não temos para onde ir… E agora estamos
correndo perigo. O que faremos, pelo menos nos oriente! – Respondeu Xinfo.

– O que e como vão fazer não me diz respeito, eu apenas estou alertando. – Sifer
parecia apressado, inquieto, nervoso, queria sair do prédio o mais rápido possível.

– Então vamos com você. – Sugeriu Rose.

– Para eu ter mais com o que me preocupar? NÃO. – Falou Sifer.


– Somos os melhores hackers dessa merda de cidade, se ficarmos juntos e
trabalhando em equipe teremos mais chance de sobreviver. Você quer que o Capitão
nos capture e torture até que digamos onde está? – Argumentou Rose.

– Está certa, Rose… Ok, vamos levar o que pudermos desses aparelhos e
equipamentos. Consigo arrumar um caminhão, em uma hora deve estar aqui,
podemos enchê-lo de mantimentos, roupas, combustível. Depois de ir na casa de
cada um, vamos sumir, ouviram bem? – Todos concordaram. – Nossa sorte é que
Nick pensa que estou na casa de Carrie… Isso vai nos dar mais algumas horas de
vantagens. Vamos!

Já Nick Slay estava bastante satisfeito, operando um grande painel de teclas


luminosas em uma misteriosa sala. No centro desta, um perímetro limitado por
raios lasers azuis formavam um triângulo saindo de dois aparelhos quadrados, um
ao chão e outro ao teto desta área. Porém podia-se notar que não continha nada no
interior do triângulo, estava vazio, exceto por um pequeno pedestal circular. Assim
que Slay digitou uma misteriosa e secreta combinação, a imagem holográfica de
Praxis surgiu instantaneamente, e novamente com sua cor original. Gráficos de HUD
mostravam que seu sistema estava completamente restaurado e livre de do vírus.

– É isso aí, bonitona, você está de volta ao jogo. – Com alegria, o Capitão
comemorou.

Mas esse era só o primeiro código de três. Nick ainda possuía mais um, o que Sifer
passou para que Praxis desativasse os sistemas de defesa da Orion e depois
necessitava do último para que a inteligência artificial pudesse “navegar” livre pela
Lexis de novo, por enquanto, a mesma se limitava apenas a ter acesso direto a
megacorporação de K’dore graças ao pen drive que X-9 havia conectado no
mainframe da empresa e mais nada além disso.

– Praxis, me diga, qual é o terceiro código? – Se aproximou da redoma triangular.

– Se soubesse, Capitão, eu mesma me reiniciaria automaticamente com o código já


embutido no sistema. O senhor teve oportunidade de perguntar para o soldado Sifer
e mesmo assim não o fez. – Respondeu sem expressar nada.

– Pelo olhar de cego perdido no tiroteio Sifer não sabe de nada, por isso nem perdi
meu tempo… Quem mais participou do projeto de sua criação? – Ele se mantinha
muito perto do triângulo laser que parecia ser feito de vidro.

– Desculpe Capitão, mas essas informações foram danificadas quando o vírus


vermelho foi inserido. – Respondia com a mesma expressão de antes.
– Entendo, vou descobrir uma outra maneira e terei o código. – Nick se virou para o
painel luminoso novamente, o grande monitor, porém para o tipo de conversa que
viria ter preferiu usar a pulseira comunicadora. Direcionando a chamada para o seu
principal contato, Slay foi aceito e o link virtual aberto. De uma sala escura seu
contato ouvia o que o Capitão tinha a dizer.

– Vamos posicionar as peças no tabuleiro. Vai ser o xeque-mate final. Assim que eu
acionar o código da Praxis, a Orion ficará desprotegida, e você colocará nossos
“soldados” lá dentro. – Disse Nick para seu contato.

– Não se preocupe, Capitão, Carmen Telford já recebeu meu presente e ficará


bastante distraída com o corpo enviado. O bastante para que possamos posicionar
as peças. E quanto aos Steelhearts, tenho a chantagem perfeita para motivá-los a
ficar corretamente onde queremos neste tabuleiro. – Respondeu o mesmo.

Logo em seguida, de alguma maneira todos os monitores dos Laboratórios Carwell


se ligavam e mostravam a imagem do jovem homem sem cabelos com um implante
na lateral do rosto que parecia uma aranha de metal. Coltraine novamente cruzava o
caminho dos Steelhearts. Fumando, exalava fumaça pela boca e narinas ao falar
com seus “sócios”. Algum dos operadores do laboratório tentava bloquear o sinal,
colocando um capacete semelhante ao de um motoqueiro, com fios saindo dele e se
conectando a cadeira frente a painel repleto de telas, mas era em vão, tudo tinha
sido hackeado. O operador nem mesmo tinha noção de que o invasor tinha
hackeado as câmeras do circuito interno e Coltraine podia monitorar todos os vendo,
vendo suas feições, gestos, expressões e ator, tudo pelo sistema interno de
segurança do local.

– Saudações, Steelhearts. Espero que a cybertropina tenha ajudado a amiga de


vocês. A propósito, é sobre isso que vim discutir. O trabalho de vocês foi um tanto
quanto porco… Não se ofendam… É, mas já fizeram bagunças melhores. O que estou
querendo dizer, é que a zona na prefeitura não causou muito o que falar. Não perto
do Canal 17 ou daquela suruba no Cemitério Neon, uau, aquilo sim foi festa. Tudo
bem, a culpa não é de vocês, Miraitropolis já está anestesiada de tanta violência
banalizada dos últimos dias que aquilo nem deu pra o cheiro. TSC. A outra parcela
de culpa é da Dama de Prata que manipula os fatos com a excelente acessória de
publicidade… Acho que a velha tá cansada de falar em coletivas na frente da
prefeitura… E agora nem mais prefeitura tem, rs. Ela colocou gente bem capacitada
pra falar no lugar dela, a desgraçada conseguiu se safar mais uma vez. – Pausou
para fumar e soltar a fumaça lentamente.
– Vou dizer onde vocês estão errando. Estão atacando Carmen e Jaime ao mesmo
tempo. Calma, um passo de cada vez. Ataquem eles isoladamente. Pelo palpite do
meu sócio eu diria que deveriam atacar K’dore primeiro. Meu sócio possui uma
“mágica”, é, vamos chamar assim… Que vai fazer o sistema da Orion cair e ficar
totalmente desprotegido. Isso será amanhã, exatamente às dez da noite. E estou
falando pra desta vez pegar pesado, matar pessoas se preciso. – Ele sorriu.

– Ah e vocês vão fazer isso. Neste momento devem estar pensando “Por que
deveriamos obedecer esse idiota careca que ganha dinheiro viciando pessoas?” e
vou dizer por que. – Coltraine fez sinal com a destra, um de seus capangas trouxe
Calidora amordaçada, com algemas elétricas e uma gargantilha laranja de metal,
com mostrador vermelho digital. Colocou a moça de cabelo rosa chanel sentada em
sua perna esquerda, como um boneco de ventríloquo. Ela olhou para a câmera, a
maquiagem dos olhos borrada mostrava que havia chorado muito.

– Essa bonitinha aqui tem coragem, mas é muito ambiciosa. Não teve problema,
vocês receberam os dois litros de cybertropina, para mim isso não é nada, eu que
mando nessa porra toda. O que não gosto é de gente querendo passar a perna em
mim! Eu ia ignorar o serviço porco de vocês, afinal, querendo ou não, tinham feito o
que pedi… Mas sinceramente, fui legal e mesmo assim tentaram tirar vantagem… Vai
ser assim, vocês vão fazer o que eu mandar, e sim, agora não estou pedindo, estou
MANDANDO, amanhã quando meu sócio fizer a mágica dele os Steelhearts estarão
apostos para entrar na Orion e detonarem! O que não quer dizer que talvez não
tenham que lutar contra uns soldados… guardas ou essas coisas… Mas isso não é
problema meu… Enfim, FAÇAM o pior com a empresa, mas isso também não é
comigo, derrubem o prédio como fizeram no canal 17 se for preciso. Espero que
sejam criativos. Depois disso, eu solto a bonitona em um local seguro e como heróis
vocês a resgatam. Tchau! – A imagem se desfez nos monitores.

– Huf, hehe, por mim a gostosa que se foda! – Boris disse rindo.

– Como assim “que se foda”? – X-9 virou-se para Boris, questionando.

– É isso mesmo, que se foda, quem vai arriscar a cabeça pela tesudinha? Se não vai
sair uma foda, por mim Coltraine pode ficar com ela, e que faça bom proveito, eu
faria, hehe. – Cruzou os braços, ainda rindo.

– Se não desistiram de mim também não vamos desistir de Calidora! – Gritou X-9

– Ahahahaha, você foi resgatada justamente por que o chefe tá interessado numa
foda Ahahahaha. E você não manda, é Liam quem diz o que vamos fazer. – Riu
debochando, de braços cruzados.
– Mais respeito comigo! – Exigiu, confrontando Boris.

– Respeito? Vai se foder também, sua merda! – Gritou na cara da hacker

– Eu tô de saco cheio de você cara! – Na mesma hora X-9 deu um soco em Boris e
surpreendentemente com um único murro arrancou quatro dentes e quebrou o nariz
de Boris, o mesmo voou contra uma estante de remédios e aparelhos de vidro,
estilhaçando tudo, o russo de quase dois metros caiu desacordado. Assim como os
demais, a hacker ficou surpresa com a atitude repentinamente agressiva, tanto
quanto com a força que usou. Ela olhou para o punho fechado, com o sangue do
russo e depois para Boris nocauteado, sem entender muito.

– Como fiz isso? – Antes que alguém tentasse uma explicação, a Dra. Vangelis se
aproximou.

– É mais um efeito colateral da cybertropina. Dois na verdade, agressividade e força.


– Vangelis mentiu, não era esse o motivo, mas a desculpa servia por ora.

– É uma coisa estranha… Mas acho que posso me acostumar. – Sorriu com
satisfação ao ver que podia nocautear um homem quase três vezes maior do que
ela, embora a violência ainda a assustasse. No entanto, o sorriso se desfez e deu
lugar a ruborização facial quando seu olhar cruzou com o de Liam. Cautelosamente
ela se aproximou dele, buscando coragem para falar.

– Desculpe por colocar o seu lacaio para dormir…. Mas ele foi um tremendo
babaca… No fundo mereceu… – Ela sorriu sem jeito, bastante envergonhada,
baixando a cabeça. – Liam… Tenho uma coisa para falar… – Hesitou. – Eu… Eu… –
Travou, não conseguiu dizer nada, se afastando, totalmente corada. – Nós... Vamos
resgatar Calidora né? – Nitidamente podia-se notar que havia mudado de assunto
repentinamente.

Depois de duas horas após o começo da reunião do mais novo Conselho de


Mirairopolis muitas pautas ainda estavam sendo discutidas. Para entrar em um
consenso foi feita uma rápida votação para a escolha da liderança. Os candidatos à
liderança eram a Dama de Prata e o presidente da Orion Corp. Telford venceu com a
maioria esmagadora de seis votos a um (único voto que foi dele mesmo). Sendo
assim, agora nem mesmo K’dore podia questionar a autoridade de Carmen, seu
poder era maior do que o dele, mesmo estando em sua empresa e simbolicamente
ao centro da mesa de reuniões, como se fosse o líder. Parecia que a Dama de Prata
agradecia o poder dado a Jaime eliminando ele da concorrência. Outra votação foi
também feita e por seis votos a um novamente (e mais uma vez o único foi foi de
K’dore) fora decidido o afastamento de Jaime quanto a tudo que dizia respeito a
prefeitura, negociações corporativas, econômicas e o sistema político da cidade. A
decisão não agradou o executivo que se levantou da mesa com fúria e retirou-se da
sala de reunião antes do término da reunião. Assim que assumiu o poder, alterou o
nome do seleto grupo de sete pessoas para Conselho de Prata e assim aquele
núcleo dominou a parte mais restrita do clube Elite com a liderança de Telford.
Sendo exaustivo para um primeiro encontro, a Dama de Prata deu como encerrada a
reunião e também decretou que a Orion não seria mais a sede do Conselho,
transmitindo essa para o prédio da Aigner Luft. Antes de juntar suas coisas e partir,
a jovem ruiva Eleanor se aproximou, perguntando com cautela.

– Estou preocupada… Acho que foi longe demais humilhando K’dore na frente de
todos… Também deu dois importantes passos de uma só vez tirando seu poder e
afastando-o ao mesmo tempo… Ele é um homem bem vingativo… Não tem receio
de ter sido cedo demais?

– Tem razão… Não vai bastar tirar ele do Conselho e tirar sua autoridade se tentar
revidar… Ele ainda é poderoso, rico, e com influência… Vamos precisar de algo
maior… Um escândalo…

– Já sei, uma amante! – Sugeriu a bela ruiva de seios fartos, que por sinal
balançaram quando deu a sugestão.

– Eleanor… Por favor, não deixe com que seus hormônios pensem por você… Quem
se importa com a vida pessoal e amorosa de K’dore? Se ele tem uma amante,
aposto que nem a esposa iria se preocupar… O golpe precisa ser empresarial… Um
golpe tão forte que tiraria toda a força dele. – Telford recolocou o casaco de pele,
mas agora por cima vestia um blazer escuro.

– Então o que?? – Perguntou a ruiva conhecida por seu grande apetite sexual.

– Ainda não sei… Ainda não sei… Mas vou descobrir… E pretendo logo. – Respondeu
Carmen.

Tony estava sempre um passo a frente, não se sabia quais eram seus contatos, ou
como conseguia aquelas coisas, mas havia fornecido a Liam os Steelhearts e mais
um reforço de sete homens, um protótipo das próximas gerações de armaduras que
a polícia de Miraitropolis usaria em muito breve. Era a mesma armadura da
segurança privada da Orion, e o design lembrava os primeiros necroides que
enfrentaram. Certamente aqueles trajes davam calafrios aos que estiveram
presentes nos eventos do Canal 17. Mas não tinham escolha, as armaduras eram a
passagem para entrar no prédio de K’dore uma vez que os Ips das vestimentas
estavam cadastrados no registro da empresa. As masculinas possuíam uma
estrutura mais robusta, com placas negras protegendo as juntas e órgãos vitais.
Terminava em um capacete com visor negro. Os femininos continham uma
aparência mais slim e formatos com curvas, mas com essa exceção eram
exatamente iguais e não mudava em nada a resistência e força entre cada uma
delas. Sobrando um dia inteiro antes do confronto final, os membros da milícia
passaram um pequeno “curso”com instruções de como usar a armadura e suas
principais funções. Também foram dadas orientações de combate.

Pontualmente às oito e quarenta e cinco da noite do outro dia, Liam, X-9, Boris, Joe,
PeeBoy, Pollux, e mais duas mulheres e dois outros homens enviados por Tony, se
posicionavam à frente do prédio da Orion Corp. Imponente, colossal, robusto e
escuro, o monólito feito de pedra calcária misturada a radiack verde musgo,
continha logo acima da entrada seis estátuas enormes dos antepassados de Jaime,
todos importantes nomes que construíram ao longo dos séculos o legado da família
K’dore. Mas sem dúvida o que mais chama a atenção é o centro da sua fachada
com o rosto do atual dono e presidente da megacorporação. Sua face é composta
de vitral reunindo muitas janelas. O ornamento de vidro continha para cima e para
baixo em linha reta, formando sarcasticamente um relógio de pulso aberto. Talvez
fosse algum tipo de mensagem subliminar de K’dore, não se sabe.

Alinhados entraram no prédio, orientados pelos sete “novos membros” enviado pelo
mafioso Montana, eles ajudariam aos Steelhearts se portarem como soldados.
Subindo as escadas perfeitamente alinhados um atrás do outro, atravessando a
porta e cruzando o longo corredor principal, os números registros das armaduras
concediam passe livre quando entravam nas cabines disparando raios lasers de
tudo que era cor. Poderia ser um pouco assustador, mas para o grupo de sete
ex-soldados, não passava de rotina. Com o acesso livre ao saguão, foram aquelas
inúmeras escadas rolantes sem fim, frias e cromadas sob uma abóbada de metal,
exerceram uma estranha influência em X-9 isentos de um suspiro qualquer que a
epifania invadiu sua mente. Uma inundação furiosa que o fez segurar as têmporas
com as mãos, sobre a impressão de que sua cabeça iria explodir. Era o toque das
lembranças se chocando violentamente com sua memória, ela sabia disso pois no
passado já havia estado ali. Imagens de uma sala escura, com pequenas luzes,
alguns computadores repousavam inerte em sua mente.

– ACALMEM-SE TODOS, VAMOS RESOLVER O PROBLEMA – A armadura mudava a


voz de Joe, tornando irreconhecível, ele acalmou o grupo, se aproximando da
hacker.

– Eu lembro… Lembro desse lugar… – Disse ajoelhada, segurando as têmporas.


– Claro, você trabalhava aqui… – Respondeu Joe ajudando X-9 a se levantar.

– Não… Depois disso… Eu estive aqui fazendo alguma coisa… Mas não lembro
direito… Mas sei onde fica os computadores da Orion, foi lá que eu fiz alguma
coisa…. Fica no último andar. – Falou apoiada em Joe. – O que eu estava fazendo na
Orion mesmo depois de despedida?

– Não sei, mas certamente vai lembrar, a doutora Vangelis disse, confie nela. Agora…
Vamos de elevador. – Joe apontou pra frente com a destra, mostrando a sequência
de portas abertas.

– Liam, tive uma nova ideia, em vez de destruir o prédio, que tal arruinar K’dore
transferindo as ações da Orion para diversas contas fantasmas? Vai ser um golpe
silencioso, inteligente e suficiente pra foder com o velho vagabundo. - Comentou
com o líder,dentro do elevador.

Seguindo as coordenadas da hacker o grupo chegava ao andar que suas


recordações apontavam. Se tratava de um corredor circular, parecendo um tubo de
metal com segmentos. Uma mancha de sangue alertava os ex militares, mas
continuavam a caminhada calmos até terminar o “tubo” e começar uma sala que
parecia uma casa das máquinas bem estreita. Estava escuro, com pouca luz e porta
de ferro semelhante a uma escotilha fechada. Aquilo não foi empecilho, sem saber,
quando foi averiguar melhor a entrada, assim que X-9 se aproximou, sua armadura
emitiu um som, um bip, e a luzes de led verde em alguns pontos do traje piscaram. A
escotilha se abriu para cima. atrás desta porta existia uma sala com muitos
computadores. Entrar na sala sem ser visto fora a tarefa mais fácil estando com as
armaduras da segurança, não foram questionados por ninguém, funcionário algum
desconfiou quem eles eram. Aquela seção ocupava a linha de montagem dos
androides caseiros que a Orion estava vendendo com sucesso e enviando aos lares
dos cidadãos, novas demandas com centenas de lotes fabricarem novos modelos,
atrás de um balcão de uma jovem mulher morena de casaco longo e óculos, uma
esteira área puxava por ganchos nas costas os robôs recém saídos do “forno”. O
grupo continuou caminhando pela seção.

Reprisando o episódio do Canal 17, agora eles ficavam à frente de um mainframe


azul enorme, tão grande que parecia um corredor de estante e prateleiras,
exatamente como era o da emissora. Um grande painel com uma esfera azul
holográfica ao centro e uma estrutura circular não muito alta repleta de teclas à sua
volta. X-9 se aproximou lentamente e a luz esmeralda dos monitores iluminou seu
rosto. Não havia nada que soubesse sobre os computadores, seu semblante
naquele instante era de alguém confuso, inseguro, como o olhar perdido e não
soubesse o que fazer. Um operador naquela sala passava os dedos pelos teclados
luminosos sobre a estrutura circular a volta do globo azul, ignorando a presença
deles, tentava com todo seu conhecimento reativar o sistema da empresa. Aquilo
queria dizer que o “sócio” de Coltraine já havia acionado o código gatilho e
desativado os sistemas de segurança da Orion. A hacker observava com admiração
o homem operar aquela máquina tão fantástica, o corpo artificial concedia elevada
capacidade de aprendizado ao seu cérebro, ou melhor dizendo, reaprendizado.

– Acho que sei como mexer nisso… – Falou baixo a Liam.

De forma que bastava ter observado uma vez para saber como operá-lo. Mimetizou
os movimentos que o operador fizera com perfeição cirúrgica, somente ajustando a
máquina para o desejado destino. Com o toque tão delicado de seus dedos, não
conseguia bons resultados, os gráficos em três telas de monitores mostravam isso
em um tipo de criptografia que só ela entendia. Sua paciência, no entanto, era
inabalável, assim como o seu foco. Anos de treinamento jamais foram esquecidos, e
retornavam como pequenos fragmentos da memória ou como reflexos que o corpo
artificial executava automaticamente. Pairou o fino indicador a milímetros da tela,
deixando que seu instinto o guiasse. Ali. O dedo pressionou a tela. Seus instintos
não falharam, Surgia nos monitores esverdeado a imagem do sistema recuperado,
as letras em vermelho se tornando verdes, reativando as funções virtuais do prédio
em uma cascata de códigos binários.

– Como fez isso? – Indagou surpreso o operador.

– Nem eu mesma sei… – Respondeu ela, com a mesma surpresa.

O alarme disparou às alturas, interrompendo e tornando impossível qualquer


continuação de alguma conversa. Travas de metal com ausência de lubrificação
gemerem e portas se abriram, metal retorcido, onde coisas mecânicas faziam
barulhos de passos. Uma sombra percorreu a sala. Em seus capacetes ouviam os
gritos da sala de controle pelo comunicador embutido em seus ouvidos. Ouviram,
então, o som de correntes se arrastando. Aqui, lá, por todo lugar. O som fora o
suficiente para que ele se sentisse cercado e seus instintos emergirem.

– O QUE ACONTECEU? – PeeBoy precisou gritar para ser ouvido.

– NÃO SEI! ACHO QUE QUANDO REATIVEI O SISTEMA, ALGUMA COISA EM NOSSAS
ARMADURAS NOS DENUNCIOU E O ALARME TOCOU. – Engoliu seco, mas não
pareceu hesitante quando disse em alto e bom som.

– E ESSES GRITOS E BARULHOS NO FUNDO? – Indagou gritando.


– ISSO EU NÃO FAÇO IDEIA! – Ela soube que era algo poderoso vindo com tudo para
cima deles, seriam evaporados.

O som agudo do incessante alarme incomodando preparou da melhor forma, da


maneira mais preocupante e nervosa a chegada do agente do caos, do causador dos
gritos de horror das outras salas, faíscas dominaram as frestas da grande porta de
ferro quando ela abriu recolhendo-se para cima e dentro da estrutura do teto. Aos
conhecidos outras cenas reprisava, o monstro mecânico de passos pesados e
sísmicos adentrava a sala aumentando a força da abertura da porta, rasgando o
ferro sem oferecer resistência alguma. Seu elmo transparente para que
propositalmente instigasse terror com as feições cadavéricas ostentava o
semblante profano daquele ser medonho, ressuscitado por meios tecnológicos. O
medo e o terror se instalariam. Afinal naquele cômodo estava nada mais e nada
menos que se tratava do Necroide Alfa restaurado de seus danos. Instigando uma
estranha sensação, apenas X-9 ficou parada olhando para a aberração, por ser a
única ainda a não conhecer a coisa horrenda e profana que guardava a Orion.

– Isso é… – Não conseguiu definir.

– É o Necroide Alfa, essa porcaria enlatada que fez o estrago no Cemitério Neon,
vamos sair daqui! – PeeBoy puxou o braço de X-9, mas ela recolheu o mesmo.

– NÃO…! EU FIZ A MERDA, DESPERTEI ESSA COISA, VOU DAR UM JEITO NELA! –
Uma declaração arrogante, mas merecida.

Um lampejo da humanidade se manifestou: curiosidade, competitividade, até


desafio. Ela queria testar-se, melhor dizendo, aquela armadura. Por um momento,
saiu das sombras, abandonou a furtividade em prol de uma aproximação direta.

– SAIAM, PROCUREM UMA SAÍDA, EU DISTRAIO A COISA! – Estava


imprudentemente perto ao Necro-A.

Avançou ofensivamente, aquele punho ficou cerrado, pendendo tensamente ao lado


do próprio rosto pelo que pareceu uma vida inteira, uma vida que ela estava prestes
a tirar. Pulando e ganhando altura para alcançar a cabeça do monstro, golpeou com
toda a força que podia. Pousando ao chão aplicou mais socos ao redor do corpo do
robô, cerca de mais quatro, com a mesma força e velocidade ainda maior, no
entanto evitou o sexto quando percebeu que os socos não surtiam efeito. O punho
de sua presa irradiou pura luz branca, despertando um forte murro no tórax da
hacker. Foi arremessada a seis metros, rochas se estilhaçaram sobre ela, cedendo a
parede sobre o poderio destrutivo do impacto. Os destroços se ergueram atrás de
X-9, junto a um buraco e camada de poeira espessa.
– Ok gente… Acho que vou precisar de uma mãozinha aqui… – Se ergueu.

O monstro enlatado no entanto, tendo a chance de acabar com X-9 se voltou


novamente ao buraco na parede, acendendo uma luz como de um holofote do peito
para de volta ao prédio. Suas mãos passavam a se modificar, estranhos
mecanismos transformavam as mãos e dedos da criatura e duas mini gun,
apontando para a ruptura da parede. o Necro-A estava totalmente reformulado, um
barulho semelhante a voz humana era emitida de um auto-falante dos ombros,
mostrando mais uma inovação. Obviamente era uma voz gravada, não se tratava
das cordas vocais do ser, mas seria de aviso.

– Entreguem o cidadão chamado Liam. Ele será penalizado de acordo com o novo
código penal de Miraitropolis reformado pela prefeita Carmen Telford. Não resistam
ou pararei apenas quando este meliante estiver morto! – A voz amplificada emitida
pelos auto-falantes dos ombros fazia qualquer tímpano se render com tamanha
vibração. Depois do aviso, as armas giratórias dos pulsos do Necroide Alfa
dispararam contra a abertura, em direção aos outros integrantes, de maneira
interrupta.

Boss final, precisam derrotar o Necro-A. A dificuldade continua a mesma, 18 e o


sistema de bônus o mesmo, para cada acerto nele, diminui um ponto. Agora os
Steelhearts estão bem equipados com as armaduras roubadas, possuem força e
resistência bem elevada, no entanto, lembrem-se de que ainda assim estão bem
longe de se compararem ao necroide. As armaduras contém um rifle R-15 em cada
braço, acoplado nas placas. Vocês podem utilizá-los. Mas cada arma só tem um
cartucho de munição, ou seja, precisam saber bem como utilizá-lo. Cada um tem
também três granadas. Os npcs podem ser usados como bem entender desde que
prevalece o bom senso. No entanto, tem algo escondido no turno que pode encurtar
esse combate, na verdade, terminar ele, depende apenas de uma pessoa, e se essa
pessoa entender, terá o necroide "derrotado" antes do tempo.

Ps: A maioria das participações se encerraram, como foi com Akane, Aron e Claire.
Mas deixei a critério da jogadora usar o Leon nessa rodada. A dica pode ser que
Coltraine sabendo do envolvimento de Calidora com Leon, pode usar imagens dela
para manipulá-la como fez com o restante da gangue. Assim como também pode no
turno representar essa tentativa, mas não cedendo e seguindo uma linha mais
"egoísta". Mas como disse, fica a cargo da jogadora decidir qual lado seguir ou se
mesmo postar na última rodada.
Liam

Aquela sensação tinha dominado meu corpo desde que vi o que restou da X-9
boiando em um tubo. Era uma sensação de impotência, sentia que tudo que
havíamos feito até aquele momento não tinha adiantado de nada. Destruímos o
Canal 17, mostramos para o mundo as bizarrices que a tecnologia pode criar com os
eventos do cemitério e destruímos a prefeitura, onde mostrei para todos que
Miraitropoles era livre. Entretanto, sentado naquela poltrona numa sala qualquer do
laboratório do Thomas, eu sentia que tudo não passou de um grande circo, onde nós
éramos a trupe de palhaços tentando alegrar uma platéia alienada e manipulada.

Levei minha mão até o copo de uísque com gelo que estava na mesa frente à
poltrona, dando um longo gole. Repousou minha sobre o copo, meu olhar era vazio,
tentava buscar um sentido para todo aquele circo de horrores que querendo ou não,
eu era um o líder. As luzes do laboratório entraram em colapso, Joe passou correndo
pela sala onde eu me encontrava, me chamando para segui-lo até a sala de reuniões,
larguei o copo na mesa e o seguir. Chegando lá me deparei com os monitores da
sala estampados com o rosto do Coltraine, eu sabia que não deveríamos ter feito
um acordo com um lixo igual a ele.

Ele começou dizer um monte de merda, porém minha atenção estava toda voltada
para X-9, que estava de pé bem ao lado, era tão incrível e ao mesmo tempo tão
assustador o que tinha acontecido com ela. Horas atrás ela era um cérebro preso à
coluna vertebral e agora estava 100%, como se tudo que eu tinha visto fosse apenas
um pesadelo. Foi quando Coltraine ganhou minha atenção, sem qualquer escrúpulo
mostrou Calidora amarrada à sua mercê.

Boris fez um comentário típico dele, foi quando uma discussão começou. X-9
retrucou o que ele disse, ambos começaram a se exaltar e tudo acabou quando a
hacker socou Boris tão forte, que ele voou para trás cuspindo os dentes. Tanto ela,
quanto os outros na sala ficaram surpresos com a força do golpe, Vangelis mentiu
sobre os reais motivos daquilo, mas eu não fiquei impressionado com a força que
ela possuía agora ou os motivos disso. Minha surpresa foi que apesar de tudo, ela
continuava a mesma mulher que eu conheci valente e corajosa, lutando pelo que
acreditava ser certo. Ela se aproximou, se desculpando pelo que havia feito com
Boris, perguntando em seguida o que faríamos. – Vamos lá, precisamos acabar com
K’dore mesmo. – Pausei por um segundo, como se escolhesse minhas próximas
palavras. – Se não fosse toda essa merda, acho que as coisas teriam sido melhores
para nós dois. – Não quis dizer apenas em questão de perdas e danos sofridos, para
nós dois em termos de um possível algo a mais.
Tony junto com sua mulherzinha tinham dado o fora, agora o italiano falastrão só iria
entrar com a parte dos recursos, deixando PeeBoy responsável por representá-lo.
Novos sujeitos apareceram no laboratório, trazendo consigo trajes especiais para
que pudéssemos entrar no Orion Corp sem ter que lidar com problemas de imediato.
Todos nós vestimos a armadura, eu não gostava daquela porcaria, afinal a qualquer
momento um hacker poderia hackear alguma coisa nela e me transformar em uma
sardinha enlatada.

Nossa entrada na Orion foi bem sucedida, os trajes estavam registrados no sistema
de segurança da empresa. Ninguém parecia se importar com nossa entrada.
Seguimos avançando para o interior da empresa. X-9 parecia confusa, era
compreensível, já que toda merda que ocorreu até agora tinha começado dentro
daquele prédio, com ela no centro do furacão. Sem empecilhos, chegamos até a sala
de computadores, o local era repleto de nerds com os vidrados nas telas e os dedos
dançando sobre os teclados.

Joe tinha um plano, ferrar com K’dore não com uma destruição física, mas sim
econômica, seria isso que faríamos. Acompanhamos X-9 até um computador, onde
ela começou a executar algumas ações, parecia não saber direito o que estava
fazendo, mas no fim tinha dado certo ou não, já que o alarme do prédio disparou.

– Inferno! Vamos achar uma saída e dar o fora daqui. – Eu disse tais palavras muito
tarde. O Necroide Alfa adentrou o local, os funcionários ao vê-lo entraram em pânico
e começaram a correr para fora da sala de computadores desesperados. Ainda
poderíamos tentar fugir, entretanto a hacker estava se sentindo poderosa demais,
achando que poderia lidar com a aberração tecnológica com socos, ela avançou
para cima dele. – Droga X-9, desista disso e vamos sair daqui! – Ela não me escutou,
a série de golpes que ela aplicou foi em vão, recebendo um poderoso contra ataque
que jogou contra uma parede de concreto, que ela derrubou ao se chocar com a
mesma. Corri até a X-9, arrastando-a para de trás de uma das máquinas da sala de
computação. O morto-vivo de armadura “disse” algumas palavras, para meu azar ele
me queria, dizendo que caso eu não me entregasse mataria todos nós. Não quero
parar numa prisão imunda ou ser morto por uma máquina desumana, porém
tínhamos recursos limitados, destruí-lo seria praticamente impossível.

O que era para ser suas mãos se transformou em metralhadoras, então o zombie
começou a disparar. Apertei um botão na lateral do capacete, onde o mesmo se
abriu, fiz aquilo para olhar para a hacker nos olhos. – Eu odeio hackers, sabia? Mas
você conseguiu me encantar, talvez seja porque coloca a mão na massa e tem
coragem para lutar contra o que acha errado. – Pausei, retirando as três granadas
que carregava no traje e as entreguei para X-9. – Tenho um plano, se sair como o
planejado, sairemos daqui e você me retribui. – Apertei o botão do capacete dela,
fazendo com que o mesmo se abrisse, então levei minha mão direita sobre seu rosto
e então a beijei. Após o beijo, fechei o capacete novamente e falei através do
comunicador. – X-9 usará as granadas para abrir um caminho para nós, quero que o
restante de vocês atire na cabeça daquela monstruosidade.

Cada um executou um disparo contra a criatura visando seu crânio, porém houve
apenas um acerto que causou algum dano. Então eu apontei meu braço direito para
o rosto da criatura, o cano da R-15 apareceu no meu antebraço e então eu disparei.
Aquela altura X-9 provavelmente estaria explodindo algumas paredes para nos tirar
do prédio, ela de todos era a única que conhecia aquele lugar de verdade. Foi
quando senti o metal frio do cano da R-15 encostar na minha nuca, quando virei meu
rosto para olhar para trás, fiquei sem palavras. – Você era um homem que eu
respeitava Liam, um líder de verdade sabe, mas depois que conheceu essa vadia
ficou cada vez mais fraco, não vou morrer por um merda que colocou tudo a perder
por uma foda. – Boris falava com seu sotaque russo, ele levou a canhota sobre meu
ombro e me fez levantar. – Anda, vou dar feliz natal para o cadáver vivo. – Caminhei
com o cano da arma de Boris na minha cabeça, ate ficar de frente para o Necroide.
Não acreditava no que estava acontecendo, não conseguia entender como as coisas
chegaram naquele ponto. – Adeus “chefe”, no fim nem mesmo conseguiu comer a
buceta roxa da hacker, é uma pena. – Ele então apontou a arma para minha perna e
disparando contra meu joelho, eu cai então de joelhos perante o Necroide Alfa. Boris
então pegou uma das suas granadas e jogou na direção dos outros, aproveitando a
explosão para fugir pelo corredor que estava atrás do Necroide. De joelhos de frente
para a monstruosidade, olhei para ela de cima para baixo enquanto mordia meus
próprios dentes na intenção de resistir a dor que sentia com o tiro. Não sabia o que
aconteceria, se seria levado preso ou se seria executado ali mesmo, era irônico que
as coisas acabaram no lugar que mais odiava, numa sala repleta de computadores e
tecnologia.

Liam rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 17 para acertar um tiro no necro-a
que resultou 4 - Total: 0 Sucessos
Peeboy rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 17 para acertar um tiro no necro-a
que resultou 1 - Total: -1 Sucessos
Joe rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 17 para acertar um tiro no necro-a que
resultou 9 - Total: 0 Sucessos
Soldadohomem5 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro
no necro-a que resultou 10 - Total: 0 Sucessos
Soldadohomem4 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro
no necro-a que resultou 14 - Total: 0 Sucessos
Soldadohomem3 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro
no necro-a que resultou 1 - Total: -1 Sucessos
Soldadohomem2 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro
no necro-a que resultou 16 - Total: 0 Sucessos
Soldadohomem1 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro
no necro-a que resultou 11 - Total: 0 Sucessos
Soldadomulher2 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro no
necro-a que resultou 4 - Total: 0 Sucessos
Soldadomulher1 rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro no
necro-a que resultou 8 - Total: 0 Sucessos

Pollux

Qual era a dor de ver o seu destino se repetir, começar e terminar no mesmo lugar?
Tive uma premonição muito clara sobre aquela missão ser a minha última e o frio
daquela sala ser a sensação que teria quando finalmente morresse. Porém nem
tudo estava acabado e eu sabia que ainda não era hora dos créditos rolarem para
mim. Tudo que estava gerando ao nosso redor era uma culminação de atitudes e
ações que nos levaram, pessoas tão diferentes assim, a se juntarem em prol de uma
visão e missão comum. Eu jamais imaginei que estaria lutando literalmente, muito
menos ao lado de militares e hackers. Nunca pensei que teria um bom motivo para
sair de minha cobertura e estar no caminho de um tiroteio, me deixando sob perigo
de vida, que eu tão covardemente tentei preservar antes.

Eu preferia lutar com minhas roupas comuns do que naquele uniforme aterrador. Já
o tinha visto antes, naquele mesmo elevador por onde desci e fugi da destruição de
meu local de trabalho pelos esgotos, quando no térreo havia tanta morte e
cadáveres que não tornava segura passagem a ninguém que estivesse tentando
escapar. Foi uma casualidade, uma chance do destino que me permitiu lutar para
viver e viver para lutar mais um dia. Nem mesmo o olhar assustado de Calidora me
fez frear os meus instintos de continuar com o nosso plano. Coltraine, esse era um
homem de negócios. Por alguma razão eu achei que poderia racionalizar com ele,
visto que homens desse meio visam apenas lucros e eu um dia já estive em sua
mesma posição. Ao mesmo tempo que fazia suas exigências também revelava ser
um soldado de Carmen Telford, assim como eu fui. Por esta razão o disfarce de
Calidora havia sido tão rapidamente deposto, mas com sorte não tão rápido para
que Carmen pudesse ser evitada de ser enganada. Nos olhos de Calidora eu vi o que
ela queria me dizer, e neles eu li que no fundo estava tudo bem. Agora era uma
mulher que sabia cuidar de si mesma, e eu era um homem que podia fazer
perfeitamente o que ela dava de exemplo. Comprei o seu teatro e vi através de suas
falsas lágrimas, o que me deu forças para colocar um fim naquele episódio.
– Você é uma peça principal de tudo isso. – eu finalmente disse a X-9, a mulher que
mais procurei em toda essa jornada depois de Calidora e que apenas agora eu
encontrava com consciência. De certa forma eu me referia a ela até com certa
reverência, a última das faces naquela filmagem que eu havia feito saindo do Canal
17 que ainda não havia encontrado. – Estive atrás de você desde que tudo isso
começou. Tenho imagens de você quando saiu do Canal 17 que podem te ajudar a
lembrar sobre o que fez. Dentre muitas coisas, me deixar desempregado também. –
ri sem medo do que antes poderia ser um fracasso para mim. Em muitos outros
sentidos aquela noite me despertou, não só pela determinação em encontrar
Calidora, mas também pelo que havia começado a conhecer sobre o mundo ao meu
redor, e como eu trabalhava para destruí-lo sem saber. – Vai que você consegue. Do
jeito como falam de você, todo mundo te deve alguma coisa. Sou só o último de
uma longa fila. – apliquei a mão ao seu ombro mesmo que não precisasse de ajuda
para levantar-se. Não, eu não pensava em ser o protagonista de nada, mas gostava
de estar por trás das câmeras, literalmente. Tinha uma suficiência ali comigo
mesmo em saber que meu papel é outro, e tinha agora prazer em dar suporte
aqueles que eu sabia que compunham o lado certo da guerra.

Nem um pouco confortável eu estava dentro daquele uniforme, relembrando os


episódios da derradeira noite onde tudo mudou. Era com o coração disparado
prevendo uma iminência perigosa que eu inevitavelmente tinha um sorriso resistente
no canto dos meus lábios, uma súbita vontade de aproveitar e agradecer cada
momento antes que aquele pudesse ser o meu último. Não importasse o final, muito
embora ainda estivesse rezando para sair dele inteiro, ou o terror que se seguiria
movido a adrenalina e nada mais a perder, por um único momento eu senti que
estava exatamente onde e quando deveria estar. E algo que nunca senti antes
começou a me parecer saboroso, fazer o que é certo. Não, uma crise de consciência
estava bem longe de mim. Uma guinada estava muito mais próxima. Uma espécie
de agradecimento. Não acho que em minha vida toda pude colocar a cabeça no
travesseiro e deitar sabendo que estive com a consciência limpa, tinha ideia apenas
de tudo que dependia de mim e não do que era destruído por causa de minhas mãos
e meus boatos. Viver e arriscar morrer naquela cidade fizeram-me sem querer
testemunhar meu renascimento quando o vento frio do lado de fora de meu terraço
me convidava para a morte muitos metros abaixo quando os homens de Telford
tentaram me emboscar em meu apartamento, e a primeira noite que dormi depois
de começar a visitar Angel's Lane e buscar por Calidora foram preenchidos de
sonhos distorcidos e aterradores, mas eu certamente jamais esqueceria aquela
noite surreal. O meu maior medo havia se diluído com o impulso para o caminho
certo. Desde então, quem eu era morreu naquela noite.

Uma coisa que eu ainda não sabia, porém, é que meus olhos não haviam alcançado
era quem havia destruído o Canal 17. Esta porém era a última peça em um longo
quebra cabeça, e que agora eu já começava a ter menos certeza em acreditar em
meus olhos. Por um lado fazia sentido que Carmen atacasse a si mesma para gerar
um espantalho com isso, uma desculpa para poder vitimizar-se e destruir seus
arquivos, por outro via-me em vias de reproduzir o terror da noite em que o prédio
onde estava desabou atrás de mim, e sendo um de seus causadores. Era como se
cada passo que eu desse já tivesse sido dado por alguém em meu lugar. E agora eu
entendi o porquê de ser tão necessário.

– Mas que merda é essa…

Eu meio que não entendi no começo. Meus olhos começaram a testemunhar um


glitch que achei ter sido devido à proximidade com o mainframe ou que algo ainda
estava funcionando mal por causa dos implantes serem relativamente novos. Ao
mesmo tempo em que X-9 conseguia corromper o computador eu senti uma
variação de calor na minha imagem que não era nada comum, como se uma forma
de vida estivesse por trás das paredes maciças de metal, mas só poderia ser algo
tão monstruoso que sequer deveria existir, para ser detectado através dos
corredores de onde estávamos. Eu fui o primeiro a retirar o capacete e olhar melhor
com meus próprios olhos, visão essa que o segundo visor a frente de mim só
atrapalhava, e quando pude desenhar a forma do monstro que eu via já era tarde
demais. Todos gritavam junto do alarme e não havia mais esperança de ficar longe
daquele monstro quando ele apareceu finalmente. Ouvi os relatos do Cemitério de
Neon e tentei analisar as imagens que tinham daquela noite, mas nada se
equiparava a ter aquela monstruosidade em frente de nós, algo saído diretamente de
uma fábrica de pesadelos. Era do mesmo tipo que vi sendo atropelado nos esgotos
quando saímos do quartel dos Steelhearts, e a mesma anatomia das
monstruosidades que depois constatei estarem no Canal 17, longe do olhar público.

– NOSSAS ARMADURAS? ESTÁVAMOS DISFARÇADOS, COMO ESSA COISA NOS


ENCONTROU? – as armaduras estavam cadastradas com os dados da empresa,
como então o Nec-A havia encontrado Liam? Eu não achava que o plano de Calidora
daria certo duas vezes, então fingir destruir a armadura para forjar sua morte não
daria tão certo. O monstro também não parecia estar pessoalmente mirando em X-9,
o que me dava a impressão de que acreditavam na sua morte, pelo menos durante o
tempo do nosso ataque. – Vocês ouviram o homem, deem cobertura para os dois! –
eu duvidava que alguém conseguisse se concentrar o suficiente para causar algum
dano real no gigante, só de olhar para aquele rosto deformado e podre me fazia
tremer, e ainda que minha mira fosse limpa não fazia bem a minha sanidade mental
encará-lo por muito tempo. Mas deixá-lo bem no meu campo de visão também era
necessário visto que eu tentava obedecer Liam e ao mesmo tempo enxergar algo
além do que os demais podiam ver. Pude reunir que ele não tinha exatamente uma
força vital exalando de si, mas sim uma irradiação eletrônica, como circuitos dos
mesmos computadores que X-9 havia hackeado. Aquela merda não era inteligente,
era um beemote sendo controlado de longe, um monstro de controle remoto que
Carmen ou K'dore ganharam de natal.

Foi bem nessa hora que eu ouvi um tiro de onde ele não deveria vir. Saí da cobertura
de um dos computadores atrás dos quais me escondia justo para ver Liam que
levava um tiro no joelho e caía sobre o mesmo, enquanto Boris partia para a saída
não antes de causar mais estrago. – GRANADA, SEPAREM-SE! – Eu estava longe o
suficiente para não ter que fazer muito esforço para desviar-me da explosão, mas vi
o potencial do estrago que poderia ter feito. Eu gritei em seguida e apontei um dos
fuzis na direção do traidor e rezei para que as balas fossem mais rápidas que seus
passos e que o atingisse antes de sair de minhas vistas. Justamente por estar longe
quando ela deflagrou-se aproximei-me depois do estouro, e naquele momento
apesar de tudo que passava pela minha cabeça nenhum pensamento racional
entrou no meu caminho para me impedir de seguir até Liam e enfrentar a
massividade do pesadelo encarnado diante de nós, segurar por debaixo do seu
braço e disparar a R-15 restante em meu braço contra a face do monstro enquanto o
rebocava para trás comigo. Clarões consecutivos nos separavam da abominação
enquanto flashes anunciavam cada tiro, até que eu pudesse dar cobertura para Liam
deitando-o contra o console que antes me protegia. – Você não vai morrer hoje, pelo
menos não sozinho, não vai. – coloquei meus olhos de novo no Necroide e atirei até
que esvaziasse minhas balas, quanto mais ele gritava mais eu gritava de volta e
mais eu o cobria de balas, sem checar duas vezes se havia acertado ou não. –
Continuem com o plano, protejam a hacker e Liam, vão! – Coloquei a mão no ombro
do homem e passei seu braço por cima de minha nuca, no mesmo lado de meu
corpo que seu joelho ferido, dando o passo que nele faltava até algo que
remotamente nos conferisse proteção, em direção a nossa saída improvisada.

Aquele podia ser o fim, até onde eu sabia. Eu lutava contra ele, mas se inevitável
fosse, eu finalmente tinha algo pelo que me sacrificar. Tinha sido um prazer ficar
vivo para isso.

Pollux rolou 1 dados de 20 lados com dificuldade 18 para acertar um tiro no n-a que
resultou 16 - Total: 0 Sucessos

Leon

Era o que tinha planejado para mim, pegar minha moto e ir para casa. Mal fiquei com
o arquivo que incriminava Jaime que meus instintos gritavam em alerta. A menos de
meio metro de mim estava minha moto, o mais novo modelo da Kaneda
AutTecnology, e com ela três homens à minha espera ou simplesmente tentando
roubá-la.

Logo vi que a camuflagem invisível tinha sido desativada e nem recebi a notificação,
porém diferente das antigas que tinham chave, as novas eram ligadas na base de
digital ou leitura de retina do proprietário. Que seja… A cada passo que dava não
resultava em nenhuma reação daqueles homens, nem mesmo a seriedade que
encarava eles. Pude perceber que um deles era o líder do trio. E então tive a certeza
que estavam à minha espera. Franzi o cenho ao reconhecê-lo… Careca com uma
“deformidade” no rosto, era Coltraine e isso não era bom sinal. Não trabalhava com
traficantes, pensei que tinha deixado bem claro. Permaneci sério e calmo e esperei
ele tomar a iniciativa.

– Ora ora, se não é o membro isolado dos Steelhearts, Leon… Vou direto ao ponto –
o jeito arrogante e debochado dele me irritou – Estou com uma belezinha aqui que
usarei contra seu líder. Quero que se junte ao bando e acabem com K’dore. É um
método sujo, porém vocês pegaram cybertropina de mim e o resultado não foi tão
bom como queria, então agora você e seu bando vão acatar minhas ordens. Af…

– Não sigo ordens de traficantes como você, aconselho a não continuar com seu
discursinho idiota. – Falei alto, impaciente, porém um cheio me fez arrepiar e
repensar nas minhas ações a seguir. Era Calídora. – Fazer Calídora de refém apenas
vai aproximar suas mortes… – Consegui um olhar surpreso do trio, pois os outros
dois capangas que seguravam a mulher ainda estavam dentro de algum carro fora
do meu campo de visão.

– Vejo que é bem intuitivo, mas essa é a realidade! Ela viverá se fizer o que eu
mandar. Simples. – Continuou ele já se recuperando da surpresa.

– Não vou repetir o que acabei de dizer… – Meus olhos brilharam em um dourado e a
transformação foi rápida conforme a minha raiva aflorava.

Era muito rápido me transformar em felino quando sentia muita raiva. Algumas das
minhas vítimas corriam de medo ao primeiro contato, já com aquele trio, senti o
medo vindo dos três. Eu sorri perante esse instinto, eu adorava despertar tal
sentimento, pois tornava a morte mais deliciosa. Coltraine pareceu se calar e se
posicionar atrás dos seus dois capangas. Muito sensato da parte dele.

Num pulo eu praticamente voei na direção de um deles, no qual tremia e errava cada
tiro que tentava me acertar. Eu era mais rápido quando transformado e quando
menos ele esperava, já estava cravando minhas garras nos ombros dele. O infeliz
ficou pálido e teve a decência de não urinar, eu odiava quando faziam isso. Porém
houve uma briga interna, de matar e recuperar a repórter. Decidi retalhar este e
quando dei por mim, os outros dois já escapavam para dentro do carro um pouco
afastado da esquina.

E eles se foram.

Mesmo com tudo isso, o vídeo do cemitério foi postado pela internet.

Segui o rastro do desgraçado careca para recuperar Calídora e como tinha pensado,
ele tinha vindo até mim primeiro e como não conseguiu ficou com pressa para
aterrorizar o grupo do Liam. Rastrear pessoas era fácil para mim e com isso segui
as pistas de seu paradeiro para cumprir minha promessa, de matá-lo e recuperar a
dama indefesa que parece que atrai pessoas querendo prejudicá-la.

Narrador (final)

Como muitas outras vezes em sua vida, o tempo parecia parar para X-9 quando
sentiu o cálido e suave beijo na sua boca. Levou a mão até o rosto de Liam,
fechando os olhos, esquecendo de que o mundo a sua volta desabava. Mas tudo
durou tão pouco, foi tão breve e queria mais. Quando o líder dos Steelhearts se
afastou, sua mão permaneceu erguida para frente, sem dizer nada. A partir dali foi
como se acordasse de um sonho e caísse direto em um pesadelo. O monstro trajava
as vestimentas dos guardas, porém, em uma armadura sólida, capaz de aguentar
um tiro de bazuca. Todas as investidas feitas foram ineficazes, sua consistência
ricochetava os projéteis. Se no Cemitério Neon balas ainda causavam algum tipo de
efeito danoso, agora nem mesmo arranhavam as novas placas de metal. X-9 nem
teve tempo de decorar os nomes dos combatentes que Montana tinha enviado para
lutar ao seu lado, seus corpos coalhavam o chão do prédio espalhados por poças
vermelhas. E pensar que o Necro-A havia atirado apenas de aviso… E ainda assim
abateu metade do grupo.

A situação não estava nada a favor, mesmo assim ela não poderia executar a ordem
de arremessar as granadas ou teria mais duas baixas importantes. Desobedecendo
as ordens diretas de Liam, guardou as bombas no cinto. Apenas fiando-se do
instinto de sobrevivência, uma confiança aterradora tomou conta de sua essência.
Saltou em direção ao monstrengo de metal. O quão poderosa havia se tornado? E
que tipo de monstro era aquele? Humano ou não, tinha limitações. Sabia que isso
significava deixar Boris partir, mas naquele momento só lhe interessava esbarrar na
criatura, mudando a direção das armas giratórias com toda a força adicional que seu
traje lhe dava. Diferente do que imaginou, não era tão simples assim, e o Necro-A
parecia um pilar, movimentou-se muito pouco mesmo sendo pego de surpresa, os
tiros que seriam endereçados a Liam e Pollux alvejavam apenas o líder dos
Steelhearts.

– NÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!!!!

A proteção de ferro era varada, foi facilmente rasgada e despedaçanda, suportando


até onde podia, mas logo, deixava Liam totalmente exposto. Seu corpo acabava
severamente fuzilado pelo fogo brando. X-9 não suportava a cena extremamente
forte, gritando, corria até o ferido se jogando ao chão, segurando em seus braços
um Liam já sem vida e envolto em uma poça vermelha que só aumentava. Lágrimas
corriam de sua face e ela não conseguia dizer nada, apenas balbuciava e soluçava
frente ao homem que a beijou alguns minutos atrás, e agora repetia o ato, contudo
sentia seus lábios ficando cada vez mais frios contra os seus. Pollux também não
saiu ileso, no ombro direito havia um buraco, e um segundo tiro acertou-lhe de
raspão a barriga, todavia sua condição era melhor uma vez que não sofria risco de
morte. O Necro-A suspendia seu modo ofensivo e recolhendo as giratórias, voltava a
se transformar em mãos com longos dedos. Mesmo com X-9 e Pollux vivos, se
retirava do recinto ignorando-os, marchando pesadamente em direção à porta da
sala. Como Jaime e a Dama de Prata acreditavam que a hacker estava morta,
bastava a eliminação do cabeça da gangue de seu objetivo para ser cumprido, não
existia mais ninguém para se opor a eles.

Com a fúria, a garota baixou a viseira e correu novamente contra o titã de ferro,
gritando e chorando, mas bastou o Necroide movimentar o braço esquerdo em seu
peito como uma marreta para arremessá-la alguns metros de volta. A pancada a
deixou tonta enquanto deslizava pelo piso. Levantou-se ainda grogue, e de novo,
como uma filha desobediente erguia a mão para o pai, os punhos se fecharam
buscando saciar o apetite de destruição. X-9 apertou seus olhos, os reflexos
esculpidos duramente em batalha permitiram o benefício da rápida reação.
Deslocou-se para a esquerda tão agilmente que o punho do Necroide golpeou o ar
quando tentou reprisar a ação. O ato se repetiu inversamente e ela deslocava-se
para a direita, descobrindo que se não era mais forte, ao menos era bem mais ágil
do que ele. Ele, por outro lado, não desistia e repetia, numa sucessão de cinco
tentativas, sempre falhando.

Seu corpo acelerava outra vez, mas agora empregava acrobacias impossíveis e em
cantos improváveis, se tornando um alvo impossível de ser acertado, até se
esgueirando quando os socos quase acertavam seu flanco. Sequer havia notado o
aviso em fonte vermelha no seu campo de visão, o visor reportava um ferimento. O
necroide havia trapaceado, emergindo da parte superior de seu punho uma lâmina
tão afiada e longa quanto uma katana havia rasgado as placas abdominais da
armadura e perfurado a barriga de X-9. Estava além da dor agora e não queria ser
distraída com novos alertas. Ergueu o vidro do capacete deixando sua face exposta.
A lâmina tinha sede e atacava de novo, quanto a ela, esquivava centímetro por
centímetro das novas investidas afiadas, evitava que fosse atingida pelo fio mortal
em cima da hora, às vezes até mesmo se aproximando tanto que cortavam
superficialmente sua bochecha, fazendo o sangue escorrer lentamente num filete
vermelho em meio a pele branca. Sabia que não poderia ficar para sempre na
defensiva, esquivando dos ataques inimigos. Rapidamente a hacker pulou
adiantando a perna direita à frente do corpo, executando uma voadora que
alcançasse o capacete do Necro-A, todavia ele se defendeu sem esforço, colocando
o braço esquerdo à frente do rosto, bloqueando o chute e quando o pé encostou em
seu antebraço ele agarrou o tornozelo de X-9. Como uma boneca, segurando sua
perna, bateu com seu corpo contra o chão, uma, duas, três vezes, criando uma
ondulação circular no local que sofria as pancadas. Assim que notou o corpo
desfalecido, caminhou com ela em seus braços até o rombo da parede e se dirigiu
para o terraço, descartando a hacker ao jogar seu corpo para fora do prédio.

– AAAAAAHHHHH! - Restou apenas gritar.

Ela começou a sofrer a ação da gravidade quando sua agilidade a manobrou,


fazendo com que as mãos tocassem a fachada do prédio cravando os dedos nela,
criando uma longa extensão de cinco rasgos paralelos no concreto ao arranhá-lo.
Desacelerava a queda, destruindo também o imenso outdoor eletrônico que exibia a
imagem de uma gueixa em um comercial. Depois da cascata de faíscas o telão
retangular se apagou. O traje cada vez mais lhe dava confiança, automaticamente o
mesmo baixou a viseira sem que ela pedisse, surgiu então a planta do telhado, cada
segmento das estruturas, o desconhecido sendo mapeado no visor de led do seu
capacete. Também surgiu a planta do prédio, cada setor com vielas retratadas com
perfeição pela tela. A voz mecânica do monstro soava em sua cabeça, repetindo
sem parar, testando sua paciência. Sobre o vento noturno, apoiando os pés sobre a
superfície lisa, empregando agilidade felina que lhe impressionava,
inexplicavelmente manobrou seus pés rápido o suficiente, girando seus próprios
calcanhares, pressionando contra a parede da fachada. Com seus braços fazendo
um trabalho descomunal, impulsionava-se para cima, perfurando novamente o
concreto com os dedos, escalando de volta os andares que caíram, retomando sua
caminhada de volta ao topo. Ganhava velocidade suficiente para correr na vertical,
aquela ação ia contras as leis da física, mas X-9 pouco se importava com as
explicações, e se agarrava a ideia de ser uma propriedade especial do traje. A névoa
da poluição fedorenta se agitou quando a hacker chegou ao limite do parapeito e
saltou de volta ao terraço de formas sinuosas.
Ainda em seu giro, fiando-se da velocidade inigualável que usou para retornar ao
telhado com um grande salto, a sua perna direita se ergueu, acelerada pela
acrobacia, buscando acertar o queixo da criatura quando regressou ao combate
acirrado. Ouviu-se um ruído maciço de ferro se colidindo, mas a coisa não se abalou
com a pancada. Valendo-se daquele belo movimento, pousou os pés sobre os
ombros da criatura recaindo em seus trapézios, quando na verdade seu corpo girava
acima da cabeça de sua presa, com as mãos segurando firme o pescoço, puxando
para deslocar a coluna cervical de seu eixo. Essa parecia como um prego preso na
madeira. A mão se fechou na volta da cintura de X-9 e o Necro-A a jogou de volta
para o chão, as solas das botas da hacker e a palma da mão direita deslizaram pelo
piso molhado, parando o percurso aos poucos.

Ela ficou a encarar frente a frente a monstruosidade na chuva. A coisa bizarra


irrompeu o silêncio correndo com os braços abertos. Limitada pelo parapeito e o
abismo urbano em suas costas, X-9 não conseguiu escapar da extensão dos longos
braços da máquina putrefata e sucumbiu ao “abraço” que lhe apertou tão forte que
lhe faltou o ar. Fechou os olhos, sentindo que seus ossos se partiriam.
Concentrando a pressão em seus membros superiores, afastou os corpos apesar de
ainda estar presa pelo agarrão, mas fez força para trás, embalando-se como um
pêndulo e graças a força sobre-humana que a armadura dava, desequilibrou o
necroide que pisava na extremidade do parapeito que não suportou seu peso e ruiu.
A gravidade agia nos dois, ambos caíram no precipício de névoa e neon. O vento
assobiava, a lua ameaçava engolir os dois, estava enorme em seu esplendor
prateado, refletindo a luz pálida e gelada da rápida queda, aquilo era a morte vindo
carregá-la. Um lampejo de adrenalina lhe motivava tão rápido quanto um
relâmpago... Mas seria realmente aquele o fim? Viu que a queda estava em seu
percurso final assim que avistou a fileira dos avatares de pedra da família K’dore,
uns ao lado dos outros sobre a entrada do prédio que apesar disso ficava a trinta
metros afastado do chão. Sobre aquele parapeito, estavam as representações dos
antepassados de Jaime, alguns portando armas brancas apontadas para o céu.
Pensou em algo, e quando deu por si fez seu movimento para inverter as posições e
vencê-lo em uma artimanha ardilosa, deixando-o no alinhamento dos monumentos.
Porventura o Necro-A seria perfurado com espadas e lanças ou qualquer estrutura
certamente afiada que fosse válida. Para sua enorme decepção, seu corpo pesado e
resistente despedaçou um trio desses seis colossos segurando espadas de pedra,
servindo apenas para alterar o curso da queda em um ângulo de noventa graus. Em
vez de empalá-lo foram arremessados para frente, onde caíram girando em direção
a avenida Armitage.

Os trinta metros restantes foram percorrido em segundos, o forte vento assobiando


nos ouvidos no claro prenúncio da colisão, em seu rosto, a surpresa se mesclou
com a dor da colisão numa expressão agoniada, quando o asfalto da avenida foi
destroçado. Neste trecho, a Armitage se configurava em forma de T a frente do
edifício da Orion. Ambos estavam afundados em uma imensa cratera no meio da
rua. Pedaços da pista, pedra e terra voaram pelos ares e depois caíram como
asteroides, a tubulação de gás se retorceu como dedos e ficou exposta. A colisão
destruidora trancou o trânsito, um caminhão tanque de vinte metros carregando
radiack refinado para combustível precisou frear as presas para evitar um
engavetamento ou algo pior.

Como caíram “abraçados”, o corpo do necroide por ser maior amorteceu boa parte
da colisão e de certa forma até protegeu X-9, sofrendo a maior parte do impacto
com as costas. O sustento do pequeno corpo feminino se ergueu do meio do
entulho com a armadura danificada, faíscando em alguns pontos como braços,
peitoral e pernas, o visor também estava estilhaçado. O sangue gotejava a frente da
hacker que insistia em ficar em pé. Tê-lo derramado despertava um urgir animalesco
da máquina zumbi, de querer pintar o chão com aquele viscoso carmim que tomava
como seu tom favorito. O monstro de carne podre e metal se levantou logo atrás de
X-9 gerando uma sombra sobre ela.

– Porra… Você não morre… – A expressão misturava desgosto e medo.

Seu furioso punho acreditava veemente que podia derrubar a criatura horrenda,
todavia se não conseguisse vencê-lo com a armadura intacta não seria com ela
estragada que conseguiria, seus socos serviram apenas para machucar seus
punhos contra a muralha de aço. Entretanto ela não desistia e continuava erguendo
o punho fechado, soltando seus ataques. Mesmo cansada se tornou um borrão
invisível que cruzou o ar até a mandíbula de seu oponente. A força do golpe não
sendo nada menos que devastadora ainda assim não fez nada, não causou danos
quiçá atordoamento. O troço era invencível.

Erguendo o punho fechado acima da cabeça, açoitado pela chuva, o monstro


revidou com um movimento de braço, um soco reto e direto na hacker. O punho de
luz atingindo seu abdômen, derrubando-a de joelhos. Atingida covardemente com
um chute, a força do golpe fazia a jovem cruzar a avenida, mandando-a diretamente
rumo ao pedestal de três metros, cinza escuro e quadrado que sustentava na lateral
direita da escadaria da Orion uma gigantesca estátua de Atlas, destroçando-o com o
impacto e jogando na calçada o lobo pesado de ferro que rolavaria até o meio da
rua, amassando carros, motos e pessoas. Deixava por onde passava um rastro de
devastação, arrancando bancos, placas assim como postes também. Parou quando
encontrou a entrada do prédio do outro lado da avenida, destruindo sua fachada e
parando no seu interior. O tumulto da colisão no asfalto já havia chamado bastante
atenção, quem não tinha se voltado para o caos, agora presenciava o testemunho da
devastação. Os funcionários da Orion Corp. largaram seus postos cometendo o erro
de se posicionarem na esplanada acima das escadas, alguns faziam pior, desciam
os degraus das escadas, se colocando bem próximos da zona de combate.
Aproveitando-se da falta de consciência momentânea da garota, a fera continuou a
desprender murros devastadores, os punhos fechados batiam contra o pequeno e
esguio corpo assim como um martelo, massacrando ainda mais a armadura, e só
por causa dela que a hacker não faleceu. “Enterrada” contra a parede trincada, a
coisa perdeu o interesse quando X-9 deixou de se movimentar, entendendo
erroneamente que seu alvo fora eliminado. Porém era um mau funcionamento
causado pelo dano severo da queda que fazia o necroide ignorar a leitura de calor e
batimentos cardíacos da hacker. Com a conexão de muitos circuitos desfeitos, o
cadáver robótico mostrou outros problemas, o pior era que passou a usar as
assinaturas de movimento como referência, procurando tudo que se movia, e neste
caso havia muitas pessoas, na calçada, escadarias e porta espelhada do prédio, se
amontoando, bastante curiosos. Enlouquecido, o necroide transformou seus dois
braços em duas mini gun novamente e passou a atirar contra as pessoas. Homens,
mulheres, idosos e crianças foram fuziladas, sem distinção.

A poeira e a escuridão eram uma desvantagem mútua, mal podiam reagir a procura
de um local para se esconderem, o derramamento de sangue foi grande e
absurdamente brutal, além de gratuito. A criatura passou a caçar todos com seu
âmago bestial, os motoristas estacionados abandonavam os veículos na pista, do
jeito que estavam, e enquanto as balas varavam e rasgavam a carne dos pedestres,
durante a chacina, X-9 conseguiu se desprender da parede cambaleando. Caminhou
como pode, quase se arrastando, atravessando a calçada, cruzando o asfalto,
chegando ao caminhão tanque de radiack, aproveitando que seu nêmese a ignorava.
Ali entrou na cabine que encontrava-se com a porta aberta e se acomodou no
assento à frente do volante. Sorriu ao ver que o motorista havia deixado a chave na
ignição e sem delongas girou-a pisando no acelerador. Guiando o veículo pesado e
longo, batendo nos carros a sua frente, os arrastando com velocidade jogou o
caminhão para cima da calçada, não só para atropelar o executor em via pública
como esmagá-lo contra os degraus da vasta escadaria num “acidente” espetacular.

A história de horror do necroide terminaria agora, pelas mãos da hacker. A torrente


de água ainda caía dos céus quando ela se colocou novamente em pé depois de
abrir a porta do caminhão, encarava tudo com o rosto completamente roxo de tanto
apanhar. O que pareceu-lhe uma eternidade não durou menos do que um segundo, o
caminhão se moveu e o insistente robô afastava o pesado veículo, lentamente e
com muito esforço, tentava sair de entre ferros retorcidos e pedras quebradas, meio
avariado porém em funcionamento ainda. Detestando aquilo, a hacker não sabia
mais o que fazer, sua armadura servia apenas como proteção, uma vez que
encontrava-se totalmente danificada. Ao menos foi o que pensou, mesmo assim
batia com as mãos nas placas quebradas ao longo do próprio corpo como que suas
tentativas fossem fazer voltar as funções do traje. Não fez, mas acionou a única
parte que ainda prestava. De dentro das junções mecânicas da manopla esquerda,
as placas se afastaram e do interior saiu um suporte reto com uma arma de fogo
que se enganchou na mão.

– Ah tá… O que vou fazer com isso? Joguei um caminhão contra esse cara e não
funcionou, até parece que uma arminha ia adiantar… – Disse encarando o próprio
punho armado.

– Peraí… Tive uma ideia… – Se afastou ao máximo, correndo para o meio da pista.

Ela não esperou para presenciar o inimigo saindo dos escombros, e nem lhe deu
tempo para isso porque enquanto este tentava ainda se livrar do metal torto que lhe
prendia no veículo, X-9 apontou a arma para o tanque de radiack combustível do
caminhão e disparou. A explosão foi como uma supernova, clara, iluminada, quente
e poderosa, lhe arremessando para longe com violência onde seu corpo raspou pelo
asfalto até se colidir num poste, este se curvou como um palito de fósforo
queimado. Engolido pelo fogo, o necroide desapareceu nas chamas. O segundo
bloco de concreto que servia de pedestal foi destruído e o suporte que segurava o
globo do outro Altas se desprendeu, rolando também. O sangue impuro do necroide
maculava os destroços da escadaria.

Ela apreciou o momento, assistiu-o queimar como se o fogo e a fuligem contasse


uma história, a história de horror daquele monstro profano criado por K’dore. Com a
sensação de dever cumprido, não acreditou quando o braço mecânico ascendeu das
chamas, depois o outro, pouco a pouco aquela coisa indestrutível conseguia sair do
caos infernal, deixando para trás rachaduras gravada na parede da fachada do
prédio e muito ferro ardente em alta temperatura queimando com o radiack
combustível. Seu enorme corpo agora apresentava decaimento e rachaduras na
estrutura, peças da composição da armadura faltavam ou estavam arruinadas, o
crânio afundado mostrava cortes e carne podre se desprendendo dos ossos. Seu
mecanismo bem danificado mostrava severas avarias. Ainda assim aquilo andava e
estava pronto para mais um round, seus pés cada vez que tocavam o chão dando
um passo tremia o asfalto, a hacker nunca viu algo tão assustador e certamente
nunca sentiu tanto medo.

A confusão havia chamado muita atenção, dirigíveis e drones que patrulhavam a


área concentraram-se todos acima da avenida, registrando o combate com suas
câmeras, apontando suas inquietas luzes para o centro da pista. Moviam-se de um
lado a outro como refletores. Dois helicópteros da emissora de Telford sobrevoavam
a região também. Súbito, uma outra testemunha também presenciava tais eventos,
Jaime de uma tribuna do alto do seu prédio abria a janela do escritório e com seu
advogado ao lado observava atônito o tumulto e destruição. Em um tom mais
parecido com um pesar do que uma pergunta, ele indagava;

– Quanto tudo isso vai nos custar…? – O advogado manteve-se calado, sem saber
responder a pergunta do patrão.

Lá embaixo X-9 recuou alguns passos, olhando para trás, onde os canos de gás
retorcidos na cratera expeliam gás em abundância, e então teve mais uma ideia.
Ergueu a mão para frente, disparando alguns tiros na armadura do Necroide apenas
para chamar sua atenção, quando este a viu, correu como pôde, jogando-se dentro
da cratera e emergindo do outro lado da avenida, o espaço foi percorrido em
segundos, o forte vento assobiava nos ouvidos. Como um predador atrás da caça, o
Necro-A repetiu os passos de X-9 e foi esse seu terrível erro. Assim que entrava na
cratera para sair do outro lado da avenida como ela fez, a boa distância do buraco
no chão, ela disparava um tiro na direção dos canos abertos. Descobriu que aquilo
era radiack em forma de gás, nunca imaginou que o minério era usado nessa forma
também em tubulações abaixo do asfalto. Mas isso não fazia a menor importância,
o que importava era que o gás entrava em combustão rapidamente e incendiava
mais uma vez o Necro-A e também mais uma vez ocasionava uma explosão,
levantando quase toda a pista. Em um raio de meio quilômetro, pedaços de asfalto
caíram do céu. Onde existia o trecho da avenida agora restavam apenas pedaços de
pedras e terra queimada. Junto com as pedras, ferro e escombros despencavam do
alto, destroços do Necroide como placas de metal em brasa, ossos carbonizados e
carne tostada se espalharam no terreno. Só sossegou e se sentiu aliviada quando
viu o crânio gosmento e escuro soltando fumaça rolar sem vida pelo chão
destroçado. Agora sim a hacker podia dizer que o pesadelo acabou. Exausta,
machucada e sem forças, ergueu-se de um entulho de pedras, mas rapidamente
seus joelhos cederam e usou as mãos para não tombar com o rosto no chão.

– Foi um belo trabalho, era disso que falava. Veja, os dirigíveis, os drones, as
câmeras, flagrando tudo, agora K’dore não tem como escapar, nem mesmo Telford
vai arriscar a pele tentando salvá-lo. Sem dúvida foi a obra prima dos Steelhearts! –
Ergueu o rosto para tentar ver quem era o dono daquela voz, mas a visão estava
turva.

– Veja, trouxe seu amiguinho Leon. Depois do nosso último encontro descobri que
ele se transforma em um lindo gatinho. Não foi difícil deduzir que ele me seguiria,
deixei rastros do meu cheiro e de Calidora pelo caminho. E sabendo pelos noticiários
que vocês estavam fazendo um bom serviço na Orion, conduzi ele até aqui,
imaginando que vocês não estariam vivos ou em condições de receber a moça. Não
podem dizer que não cumpro com as minhas promessas. rs – A hacker recuperava
os sentidos, via Leon, Calidora e Coltraine. Leon, se segurava esperando a repórter
ser solta pelo traficante. E assim que foi liberta, a mesma imediatamente ajudou X-9
a se erguer e a fez se apoiar em seus ombros. Já Leon rosnou, mostrou os dentes e
garras prontos para avançar no pescoço de Coltraine, já que nada mais o impedia.
No entanto, quando deu um passo, militares, muitos deles, cercaram o trio,
apontando fuzis pesados para o felino.

– Calminha aí, garotão, não vamos nos exaltar, não existe razão para isso. – Era o
Capitão Nick Slay com os paramilitares.

– Vocês já conhecem meu sócio, Coltraine, não é mesmo? Tenho que concordar
com ele, vocês fizeram um excelente trabalho. – Ele caminhou até as duas mulheres
e ajudou Calidora com X-9.

– Mas ainda falta uma coisinha para terminar. Preciso dos códigos para
desbloquear Praxis. – Se dirigiu a hacker. – Faça isso e como recompensa por
mandar K’dore pra cadeia, eu cubro a fuga de todos vocês e Carmen Telford não
colocará as mãos em ninguém dos Steelhearts. – X-9 calada olhou para Nick Slay,
os hematomas quase a impedia de falar, seus dois olhos praticamente fechados
mostravam uma expressão desconfiada. Ponderou por alguns segundos e disse.

– Fph 016009019840. – Respondeu.

– Obrigado. – Ele sorriu e ajudou a jovem a entrar em um veículo civil, cedido pelos
militares, discreto e silencioso, um bom carro. Entregando as chaves para Calidora
dirigir, convidou Leon também a se juntar com as duas mulheres. Antes de saírem,
ele se aproximou da janela e bateu no vidro, X-9 baixou o mesmo.

– Que tal trabalhar para a futura Inteligência secreta de Miraitropolis? A ParaMilitech


do General Kasper e eu estamos montando uma equipe. Praxis será deslocada para
lá e você seria uma de nossas principais programadoras do sistema de defesa
virtual. O que me diz da proposta? – A hacker novamente com aquela expressão
desconfiada demorou alguns segundos para absorver a ideia e deu a resposta.

– Muito obrigada, Capitão, mas terei de recusar. Apesar de ser um trabalho


promissor, isso não tem nada a ver comigo. Considere a Praxis parte da minha
colaboração para seu futuro programa de inteligência secreta. Se me der licença, eu
preciso de uma boa dose de analgésicos para aguentar as dores. – Nick Slay sorriu.

– Imaginei que não aceitaria, tudo bem. – Sorriu novamente, até parecia um bom
homem.
– Mais uma coisa, Capitão… Tenho alguns amigos sobreviventes no topo do terraço
da Orion. Joe, Herrera, Coronel e PeeBoy. Pollux está baleado. Se puder tirar eles o
mais rápido possível, eu seria bastante grata.

– É claro, eu disse que cobriria os Steelhearts, é parte do trato.

– E se não for abusar da sua boa vontade… Liam.. O nosso líder... – Ela pausou,
engolindo em seco, segurando uma lágrima. – Está morto… Sei que vai usar o corpo
dele e dos outros falecidos como prova para Carmen de que os Steelhearts estão
mortos… Mas por favor… Não deixe que ela profane Liam… O senhor poderia dar a
ele um enterro digno? – Nick Slay baixou a cabeça e moveu a cabeça positivamente.

– Sim, eu darei uma boa desculpa, ficarei em posse do corpo de Liam.

– Obrigada… Mais uma vez... – Ela baixou o vidro que já estava molhado com a
garoa, e Calidora deu a partida no carro, o trio sumiu na névoa noturna expelida
pelos bueiros da cidade. Coltraine também sumia nas sombras urbanas e a equipe
do Capitão entrava no prédio da Orion. Jaime foi retirado escoltado pelos militares,
cercado de jornalistas e seu corpo de advogados. Com cara de poucos amigos, se
encontrava revolto devido a maneira que era tratado, como um qualquer. Tentava
impedir que as câmeras filmassem seu rosto e seu cabelo branco despenteado
assim como seu fino terno negro desalinhado. Colocava a mão na frente das lentes.
Os soldados também davam ordens aos drones, dirigíveis e helicópteros para
pousarem. Confiscavam os HDs de gravação e ameaçavam os operadores de
imagem se comentassem algo sobre algum sobrevivente daquele duelo, para todos
os efeitos, o Necroide- A havia explodido e acabado com toda gangue dos
Steelhearts. As imagens foram imediatamente enviadas para um setor
desconhecido da ParaMiltech, onde foram manipuladas. Bem editadas, as cenas em
que a hacker entrava em combate com a máquina profana foram removidas. Só
depois foram entregues novamente às respectivas emissoras.

No outro dia não se falava de outra coisa se não a tragédia causada por um produto
da Orion. A megacorporação recebia muitos processos das famílias das vítimas.
Além de tudo, foi um escândalo ainda maior quando foi descoberto que o Necroide
Alfa era construído com peças humanas, desrespeitando qualquer sentido de ética.
Era o prato cheio para Carmen Telford fechar a tampa do caixão de K’dore e sua
empresa. Jaime não teve direito nem mesmo a um julgamento, a Dama de Prata
usava de toda sua autoridade para arrancar toda a fortuna do empresário, obrigando
a pagar às famílias lesadas e o mandava direto para a cadeia. K'dore serviria como
exemplo, exemplo para quem tentasse enfrentá-la. Em menos de 24 horas depois de
todos os acontecimentos, a diretoria da Orion Corp. declarava falência. Se vendo
obrigada a conceder um pronunciamento público, se encontrava na frente das
escadarias da nova prefeitura que estava sendo construída com o dinheiro público.
Ainda maior, mais cara e imponente.

– Como regente desta cidade eu me vi obrigada a esclarecer algumas coisas. Nem


eu, nem o gabinete da prefeitura estávamos cientes das operações ilegais e sem
ética de Jaime K’dore. Não sabíamos que ele usava falecidos como matéria prima
para seus androides. Tão pouco sabia que sua empresa financiava os terroristas
conhecidos como Liga dos Predadores, liderada por Aleksey. – (este último fato
apesar de verdade, Carmen ocultava sua participação, obviamente.) – Mostrando
que não concordamos com nenhuma de suas práticas escusas, quebramos o
contrato com a Orion. Corp, e Jaime K’dore terá de indenizar todos os familiares do
massacre de ontem e dos que foram lesados com roubo de cadáveres, sem
exceção. E quem se sentir ofendido por ter um dos seus produtos em casa, poderá
devolver a mercadoria e pedir o dinheiro de volta, com correção monetária. – Foi
ovacionada pela plateia a frente do prédio em construção. – Gostaria de comentar
também que os Steelhearts já não são mais ameaça a nossa cidade. Ontem, se por
um lado a tragédia nas mãos da Orion foi grande, ao menos serviu para eliminar sem
precedentes essa trupe de marginais. Sim, eles já não operam mais, estão mortos
com o confronto com aquela… Coisa que a Orion criou… Ao menos isso. Eu prometi
a vocês, e cumpri, dei a minha palavra de que protegeria todos, e assim foi feito! –
Novamente ela foi aplaudida.

– Mas também seria proveitoso falarmos de mudanças. Com o fim da parceria da


prefeitura com a empresa de Jaime K’dore, nos vimos obrigados a buscar outro
contrato. E nossa nova parceira é a ParaMilitech. – Abaixo de aplausos, o Capitão
Nick subia ao palanque ao lado de Telford. A transmissão estava sendo feita por
todas as emissoras, já que elas eram todas de propriedade da Dama de Prata. De
algum lugar escondido, Calidora, Leon, Pollux e X-9 assistiam a coletiva. O jornalista
e a hacker eram os que estavam em piores condições, ele com duas faixas
pressionavam os ferimentos a bala no ombro e na barriga. Ela estava com muitos
curativos no rosto, e uma tala no braço esquerdo e outra na perna direita.

– Tiramos um tirano do poder só para outro ser colocado no seu lugar… – Sentada
em um sofá azul, frenzinha o cenho.

– Ao menos K’dore pagou pelo que fez. – Dizia Calidora, em pé.

– Mas a que preço? Muitos morreram… Sangue foi derramado… E não vejo muita
perspectiva de mudança… Servimos de fantoches nas mãos de Coltraine, Nick e até
mesmo da Dama de Prata… Ela também se beneficiou e K’dore só caiu porque ela
assim quis… Ou seja, fizemos o trabalho sujo pra essa vaca… E a puta ainda ficou
com os créditos… – Mordia o próprio lábio, irritada.
– Foi uma justiça torta… É mesmo… Ainda assim… Foi justiça… – Calidora se sentou
entre Pollux e X-9, com uma xícara de café. Leon mantinha-se afastado, sempre no
seu mundo à parte.

– Gosto de ver seu pensamento positivo, Cali, juro que tento também enxergar
assim… Mas…

– Pense, pelo menos estamos vivos. – Ela levava a xícara até os lábios.

– É… Estamos… Mas Liam não... – As vistas lacrimejaram e quando pesou, as


lágrimas escorreram.

Epílogo

Tony Montana enviou a todos os Steelhearts sobreviventes a quantia gorda a qual


prometeu. Era uma consolação pelas perdas e toda a tristeza que passaram. Ao
menos o gosto amargo era menor. Mas nem para todos, para uma dessas pessoas
em especial, o dinheiro não tinha mais tanta importância, não tinha mais o mesmo
valor de antes, não agora, não mais. Ironicamente ela havia entrado nessa
justamente pela grana. Mas hoje trocaria tudo que tinha para trazer ele de volta.
Todas as noites, X-9 ia até o que restou do Cemitério Neon, que no momento estava
desligado, exatamente quando a lua de prata estava no meio do céu noturno, subia a
pequena escadaria, atravessava o portão de grades destruídas, adentrando o campo
santo que parecia abandonado.

Ali, onde ela havia também recomeçado sua nova vida, andava pelo caminho de
rochas no chão saindo da grama, entre tumbas frias de mármore e pedra, como
uma alma perdida. Passava pela capela ainda semi destruída, lembrando do
combate que ocorreu nela. Trilhava o caminho de lápides tortas, sobrepostas umas
às outras, até esquecidas. Nomes como Susan Ortega, Sirius e muitos outros
estavam lá, simbolicamente ou não. Entre elas, parava a frente de uma lápide em
especial, que continha uma numeração; 12/09/01/19. Inicialmente poderia parecer
uma data, mas continha uma sequência com quatro compostos de números. Datas
contém apenas três, portanto não se tratava de uma época. A hacker que vestia uma
simples blusa rosa se abaixou nessa lápide, ficando de joelhos sobre ela. Largou
uma rosa vermelha sobre o túmulo, baixou a cabeça em uma séria expressão
melancólica. Suas lágrimas rolaram, molhando a pedra fria. Ela nunca rezou, nunca
foi disso, mas naquela noite fazia uma prece para a alma contida naquele túmulo,
desejava que diferente dela, tivesse encontrado o caminho da luz, o caminho da paz.

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