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Hoje pressinto o fim da primeira idade da minha vida.

Os anos dourados do prazer e


do carinho incondicional da vida vão, em definitivo, tornando-se dolorosa memória.
E o que vem por aí? Ah, trabalho e suor. Sacrifício. Rejeição. A própria humanidade
sendo posta à prova. Mas não há outro caminho para o homem santo: ele deve suar por
Deus. E anseio que, sob os andrajos da terceira idade, eu não maldiga meu eu
pretérito (que hoje é futuro-quase-presente). Que tenha multiplicado em dobro os
talentos que me foram dados. Que Jesus, ao fim dos tempos, me reconheça como um dos
seus. E que Nietzsche, ao longe, diga: "Este viveu!".

É irreal prever por certo as desembocaduras do meu destino. Haverá de ter uma sina
já escrita desde antes dos tempos? Mas se será possível prever as décadas da vida
seguinte, esta será a da covardia. O porvir da vida covarde é conhecido: o medo, o
comodismo, o conforto e, finalmente, a angústia e o arrependimento. Não, tudo menos
isso. Que eu erre e deixe meu nome em infâmia, mas não permita que eu não tente. A
boa vida não se mede pelo resultado, mas pela luta subjacente. Pela tentativa, pela
estrada, pelo caminho. E me enche de alegria não as promessas e tesouros, mas a
aventura que as acompanha. O coração em jogo é o próprio prêmio. E como vai doer.
Sim, haverá dor o tempo todo, e as alegrias serão lembranças de alívios fugazes. A
dor da vida não passa, e suas pretensas curas não são mais do que dores ainda
maiores. O amor... Começa perversamente sob os lances fulminantes da paixão, que,
se consumada, haverá sempre a possibilidade horrível de terminar. Que diga o homem
traído, a viúva, o órfão e o suicida. E o amor não vale a pena. Não, mas vale a
pena descobri-lo por si só.

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