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ENTRE ESTERIOTIPIA E LINGUAGEM Este texto apareceu originalmente no ¢ et parole dans l’autisme, Paris, PUF cot langage : Comment I’installation d de la pulsion peut rater ou réussir”. Traduzido por Maria José Maquiné Diptaad com Camscanet 52 Marie Christine Laznik y Hi um fendémeno que interpela todo clinico que A o autismo: quando palavras surgem ou desaparece, as Tha com ssa prever nem como nem quando. Igualmente ome Eecreetensees quanto uma representagao de palavrg es ae um carater repetitivo, parecendo desconectada de cons ae ao ponto de fazer pensar que se trata de um barn ERE ERESO} autistico, mesmo na crianga que nao é autista, Para ilustrar isto, eis uma pequena cena trazida Pela nog, sa colega: Nora Scheinberg. Trata-se de uma menina autisty a cinco anos de origem fula. Ela nao apresentava qualquer lingys. gem, salvo um barulho: “tiki, tiki, tiki” que segundo og Pais ery desprovido de qualquer significacao, mas que ocupava Brande parte do tempo das sessdes. Este som era acompanhado, € frequente nesses casos, por movimentos estereotipados das maos diante dos olhos. Numa das sessoes, Nora Scheinl ae forma imprevista, experimentou ir a crianga a Pergunta: “quem és tu?”, Diante desta intervengao, a mae, Presente na ses. sao, diz que na sua lingua, tiki, queria dizer triste, Antes quea analista propusesse uma si; totalmente sem significado ignificagao para este b, aos olhos da. mae, 0 que no nosso trabalho com pais de aut barulho havia surgido por volta Sem parecer observar que nesta havia nascido, primeiro filho dest ta sesso, Tiki Passou a ser a crianga. Esta imitando Os movil dizia em eco o tom triste Kit”, A crianga parecia que a sua terapeuta Ihe da palavra e as situagGes d m Diptaad com Canscanet A hora e vez do bebé ‘Tempos mais tarde, a crianga fula aceitou um novo entre- tagamento proposto por sua terapeuta: nao se tratava mais ape- nos de ligar a imagem actistica com a situagao vivida, mas tam- pém com uma imagem tepresentando a tristeza. Pouco tempo depois, foi a menina, por si mesma, que indicou os rostos que apresentavam os cantos da boca virados para baixo e chamava- os “tiki”! Nos podemos pensar em uma representagio de palavra tiki, ligada a uma representacao de imagem. Contudo, esta ligagao so pode se operar no contexto do tratamento psicoterapico, ou seja, passando pelo aparelho psiquico do analista. Ainda assim, a prova estava longe de estar ganha. Aquilo que faz toda a riqueza dos pensamentos inconscientes, tal como os sonhos nos revela em fragmentos, onde se vé os processos de condensagao e de deslocamento permitir a circulagao de repre- sentacdo em representagao, ligando as excitagdes, percorrendo um circuito pulsional, permitindo a aoe criaco de no- vas ligagdes, tudo isto ainda nao tinha se realizado. fosse nunca? i De uma leitura freudiana da questa ciente Mesmo se nds sabemos qi da representagao inconsciente, em palavras pelo sistema pré-cor tar abordar aqui o problema dat chamada “carta 529); PW) sP(wz)! XX 6 x XX Diptaad com Canscanet Marie Christine Laznik 4 ferece um esquema que, com seus Multip| Ela oferece e de tradugao dos tragos mmnésicos, gistros de ins” diversos tempos légicos da Constituigsy te distingu bom do infans. Entre percepeao & consciéncia, 2. aparelho padre de registro: inicialmente aquele dog ae situa ya Wanrnelimungzeichen organizados unicamente pete: dade; em seguida um segundo registro, aquele tee simian j inconsciente, onde a organizacao Pressupde um esp», Pee acl) causal. Vem o sistema pré-consciente onde nig fanaa registro, simplesmente uma tradugéo em Tepresentacig de palavras. E necessario saber que para Lacan, as Vorstellugen, presentagdes, estao situadas no nivel do primeiro tracos minésicos, aquele dos sinais perceptivos 7D representagdes sao primitivas e ele m nizacao significante, que se situa aq consciente como estrutura. Eu chai organizacao significante, que se inconsciente como estrutura. 0S res, Diz ele que, se no incons € 0 recalcamento, aqui, neste p tragos mnésicos, o mecanismo € vermeidet, suprimidas. Mesmo palavras que nés pudemos s ciente), este primeiro regis Parece independente do tradugao que é 0 pré-consi negacao (Verneinung)?, Diptaad com Canscanet A hora e vez do bebé de pensamento inconscientes no sujeito. Pode-se dispor nesta Slassificagao todo o falar ecolélico, como também as repeticées go discurso de outro sem nenhuma inversao, Pois bem, me dirao entao, ja se pode seguir Freud e tetomar adistingao que ele faz em 1915, NO seu texto sobre o Inconsciente, a propésito da linguagem esquizofrénica’, entre representaciio de nalavra e representacao de coisa. Freud escreve que a representagao de objeto consciente se decompée em representacao de palavra (Wortcorstellu ng)e em Tepresentacao de coisa (Sachvorstellung); a representacao consciente se distingue da inconsciente por sua li- gacao a representagao de palavra que nao existe no inconsciente. Segundo Freud, o que fracassa na esquizofrenia nao é a traducao em representagao de palavra, e sim a perda do investimento da re- presentacao de coisa (Sache) inconsciente. oO stimento | representagao de palavra seria, segun tativa de cura, quer dizer uma tenta com os objetos perdidos. 4 Para Kanner 0 autismo pi estabelecimento desta relagao ( (Sache)*. A ilustragao clinica refe: nos indica que deve ter havic mento desta percepgao acust desse ter sido gravado. Contuc sentacao de imagem’ ligada av que por isso nés tenhamos 0 set Tepresentaces inconsciente nesta passagem sobre a li Ser conclusivo apenas co! £voca um desinvestimento Diptaad com Canscanet Deen 4 56 Marie Christine Laznik jp inconsciente de objeto’. Temos que lidar af eg a representaca? ye bora ao s apenas t6pico, mas tam um ito mais ela entiincia da representacio” (Vorste,™ . ado — de repres i eral q i economit ae) do investimento pulsional er : sige desde que 5° fala de pulsao, fal de circuitos a \ sos. Mas antes de articular representa, caminhos, de P nea alvo das minhas reflexdes atuais a oH sao a sient) para que vocés possam acompanhar x da cing go, énecessario que eu faga referéncia a uma leitura dy nha be e Vorstellungsreprasentanz, representancia da pulsaot, in. aan por Freud em 1915, emo Recalcamento eo Inconscient luz do Projeto para uma psicologia cientifica. Parece-me menos dificil abordar o funcionamento care presentiincia da pulsio se faco uso dos conceitos de facilitagio e de complexo do proximo, introduzidos por Freud neste Projeto, qu data de 1895. Em 1915, Freud passa a nao mais em] 0s ter- mos facilitacao e neuronio. toa wee Lacan tirou o Projeto? do ostracismo n proprio, o havia mergulhado. Este ultimo t ai uma psicologia por demais biologi localizagdes cerebrais. Entretanto as id uele Freud fazia ai a hipdtese de barreiras si ainda sido descobertas e de redes d tematizado, deveria permitir, me tes avancos em inteligéncia arti esses resultados foram explora um dos Taros psiquiatras que e ae seu amigo Lévy-Strauss p encontro de cibernética”®, E 6 Opus ct p24 an Diptaad com Canscanet A hora e vez do bebé causa que Lacan tira 0 Projeto do esquecimento e faz uma leitura que coloca de lado toda a tendéncia biologicisant es No Projeto, Freud faz equivaler 0 Processo de pensamento — sempre inconsciente no inicio -e a organizagao das facilitagdes entre representag6es inconscientes, Quanto a representagao isolada, ela é definida por Freud como sendo um trago mnésico investido™. Penso que podemos di- zer que ha tracos mnésicos em todos os autistas, mas eles podem estar completamente desinvestidos. Desta forma, a representancia da representacao da pulsao (Vorstellungsrepritsentanz) nao pode se instalar - quer dizer, a organizagao das. facilitagées que permi- tema gravitacao das representagdes pasando por qualquer Coi- sa que sera preciso definir, ‘see a Se voltarmos & carta “dita 52”, observamo tro do inconsciente, o que é importante, é a o1 Presentacoes entre elas. Desde que a tépica do estabelece pelo efeito da condensacio e do deslo vitagao das Vorstellungen vai conhecer 0 que F1 Plexificacto isto &, a possibilidade de criar n A Vorstellungsreprdsentanz seria co sa0 propria das Vorstellungen, o que faz da mento associativo, combinatério”. “ Clinica Como de costume, 60 patold; der o normal. Eis Portanto um caso clin Tepresentacdes em ligacao coma > te representativo da pulsao — est ~ 0U, mais Precisamente, 0 que 1 Palavra ~ parece desconectada, Diptaadcom Camscanet Marie Christine Laznik » me muito pouco; e ele nao dorme, co e Ps Passou g porqui crianga dificil. L: “Ah! Bou tal trevista, apresent ; enquanto sua ma se: “Ele fica de tal maneira que nfo sei como tides Mae: “Ele fica naneira q dry A jurante os dois primeiros meses, depois te Ele dormiu bem a mi ; vomitava muito”. te L: “Ah! Boumba, ah! Boumba’, diz ele ap; oy Loe vero bolas para 0 seu pai, e bab, com insisténcia, duas i, Bh, pene o que fard durante toda a entrevista, nha’, diz ele, desde 0 inicio da pri. i com insisténcia duas bolas Peat . nos fala. . Mae: “Ele tem crises de colera, além dos seus problen E sempre assim. A gente se isola como muma espécie de onde ninguém mais tira vantagem € principalme vejo uma crianca que se entrega a crises de odler: sangrar o nariz contra a grade da sua cama...” L: “Ah! Boumba, boumba, boum sentando as bolas para quem quis da-las ao seu pai que, com voz soml ponde: “Obrigado, Ludivin”. Ble este filho. Como ele recomega tom frio: “o que é que vocé quer oot Améae continua a falar dj gotamento. Durante este temp mente como objeto para o Out interjeicao repetitiva: “Boumba a este tipo de apelo. Pode-se fixidez do enunciado e do ate lorosos de vivencia-los, Nao Nao remeter a nenhuma te Na enésima vez. qu Diptaadcom Canscanet A hora e vez do bebé ge “Al! Bouma, ah! Boumba’’, 0 pai me pergunta se eu nao fico snguieta dante do fato de ele fixar seu interesse exclusivo na bola o dia todo. A mie acrescentara que sua linguagem nao progride ha dois meses. Por exemplo, ele continua a chamar todos os animais de “cachorro”. Quando ele faz 0 apontar proto-declarativo em diregao ao pai, este nao se extasia, como nao demonstra qualquer surpresa com interesse, mas se vé obrigado a corrigir seu filho para Ihe ensinar novas palavras, 0 que aumenta a compulsao de Ludivin para reiterar seu movimento de dar as bolas pronun- ciando sempre “Ah! Boumba”, que nao da mais prazer a ninguém. aR Uae br tt A mie é também impotente para entrar em. je pulsional com seu filho que Ihe pi templa com um ar emocionado 0 fé € que o pai nao presta mais atenca\ violentamente o tom: “Ah, boumba! Ah, i O pai: “Ele estd 0 tempo colado an A mie se diz esgotada. O asma, do eczema, disseram-nos que ele loencas familiares como as alergias, __ Mae: “Meus, seus primos ‘sf sativos.” a Ludivin: “Ah boumba, bor ae Sua mae que protege d Diptaadcom Canscanet Marie Christine Laznik mpo, Ludivin tenta fazer passar uma suporte vertical e nao consegue, de fato ¢ pune Gesespera e chama: “mame! mamge dedo o brinquedo. Seu olhar nao se volta um g i na direcao da sua mde, como se tratasse de uma Tepe ins de palavra ainda ligada a situacao de aflicéo, mag oe aa cota representacao do sujeito mae. Alids a mae Nig Durante este te de plastico pouco duro. tando com 0 con reage. Fago a observacio para Luclivin de que ele chama sua mje quando ele tem problemas, a mae diz entao: ‘Mamie, mamie, sty niio quer dizer nada; isto quer dizer mamae eu cat, isto que dizer ey quero isto, tenho necessidade de qualquer coisa’. Ela est esgotada por esta representacao de palavra que se congelou, esvaziada de toda funcao de representacao de uma ligacao pulsional ao Outro, Como explicar esta clinica, sobre o plano da teoria das r- presentagdes? ” Hi © que a clinica do autismo me ensinou, é que a isi So desta Vorstellungsreprisentanz — de uma gravit sentagoes — pode fracassar. Aqui © propriamente autista, nds o| fracasso. Por qué? _ _Penso que o Tepresentant Poe, inicialmente, uma fungac Ding) que esta incluida no saa Proximo, 9 Nebenmensch, Diptad com Camscanet yr A hora e vez do bebé veniente do interior do aparetho psiquico e eo acompanha. 4 portanto 0 des- pro" prazer qu Freud introduz a nogao de uma ajuda externa trazida por um proximo assegurador atento a fragilidade original (Hilflési- gikei) da crianga. Este semelhante (Nebenmensch), que intervém desde 0 inicio da vida Psiquica, executa a acdo capaz de retirar a excitagao endégena © permitir a experiéncia de satisfacao. Esta tem consequéncias radicais na complexificagao do aparelho psiquico, pois ela deixara tragos mnésicos de Jembrangas de varios tipos. ok bel tise sarin 1 - Aquelas da descarga motora produ aa mero de movimentos, dentre os quais o: fm a vivencia de desprazer. Il-O investimento de um verd uma volta do estado de pres facilitag6es eficazes para trazer a e! lembrangas e os vivificar. Freud duzir a mesma coisa que uma primdria, que é portanto centra de representacoes de desejo sit que pode se organizar o mi xidade do representante rep belece rh Vejamos o oor Gra ee de representagdes de des ma. iooenaee Diptaadcom Camscanet 62 Marie Christine Laznik polo percep Aenea mundo exterior. Ser4 " satisfacao no do objeto de ida, jugar as novas percepeOes no limiar das repre seguida, inscritas no polo alucinatorio. Este servira em ¢ inscritas referéncia. Como o objeto da realidade nao sera parecido aquele da representacao do desejo, e como do aparelho psiquico de redescobrir analogias ant a resposta motora especifica, novas facilitacées sentagGes vao se estabelecer. Os processos de julgamento e de 7. a complexida. Pode acontecer conhecimento vao ser af iniciados e, com eles, toda de dos pensamentos inconscientes, Mas isto nao senao na condicéo na qual a facilitagao, seja retirado. O complexo do Proximo Ptivos que parten Mais ~ cite Freud Permanece concentrado en CttT0 Pode ser pay Diptatzado cam Cans jamais exa >| tivo e se transformara em atencao PSiquica na i pr pecessg io, a Nag erta medi, ae + Xatam, ha Necessidag. tes de autor entre as Tepre. conduzindo na direcao do conjunto complexo das representacoes de desejo, vestida de maneira durdvel; isto & que todo 0 im Permanega ip. vestimento nao : a — A hora e vez do bebé A propésito do que permanece concentrado enquanto isa, Freud diz que se trata de “complexos perceptivos novos coeemparaveis que partem deste préximo”; e acrescenta — por

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