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“Aprendendo a desaprender”, crônica de Martha Medeiros

Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros.


Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que
aprender a ser mais discreta, tens que aprender… praticamente tudo.Mesmo as coisas que a gente
já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante
aprendizado.
A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito
“sabe-tudo”. Pois é.
E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?
As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações,
há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de
cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância.
Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral.
Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o
simples apertar de uma tecla.
Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.
Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que
encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir
com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a
gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso
pensamento: em vez de acreditar em telepatia, é melhor acreditar no poder da nossa voz.
Desaprender a auto comiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os
demais seguiram em frente.
A solução é voltar ao marco zero.
Desaprender para aprender.
Deletar para escrever em cima.
Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje
sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
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Biografia da autora

Martha Medeiros é uma escritora e jornalista brasileira, nascida em Porto Alegre em 20 de agosto de 1961.
Reconhecida por sua escrita envolvente e reflexiva, Martha é autora de diversos livros, entre crônicas, contos e
romances, que exploram temas como amor, relacionamentos, autoconhecimento e recomeços. Sua obra tem
conquistado um amplo público, sendo traduzida para diferentes idiomas, e ela é considerada uma das vozes mais
influentes da literatura contemporânea no Brasil.

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